Dr. Plinio

Transcrição

Dr. Plinio
Esperança profética
Gustavo Kralj
David Ayusso
Vingou a honra da
Santa Igreja
ão Leão II aprovou as atas do Terceiro Concílio de Constantinopla para condenar a falta
daquele que, no dizer deste Papa Santo, “tentou destruir a imaculada Fé com uma profana traição”.
Este Santo Pontífice teve a dificuldade tremenda de viver no tempo em que
de um antecessor seu, Honório I, se podia dizer isso, e em relação ao qual o
Concílio tomou uma atitude de condenação.
Com isso, São Leão II combateu a heresia, vingando assim a honra da
Igreja. Porque a heresia não pode permanecer em nenhum lugar, mas
sobretudo no interior da Igreja Católica, que é por excelência a montanha sagrada da verdade e do bem, que repele de si aquele que dentro
dela toma a defesa do erro e do mal.
A Santa Igreja tem muita misericórdia e não expulsa de si quem reconhece que anda mal, bate no peito e pede perdão. Mas aquele que
afirma que o bem é o mal e o mal é o bem, e que luta, dentro da Igreja,
para disseminar o mal, a este a Igreja expulsa horrorizada.
(Extraído de conferência de 3/7/1965)
São Leão II
2
Artaud de Montor (CC3.0)
S
Nosso Senhor Jesus
Cristo, Juiz - Basílica
de São Pedro, Vaticano
Sumário
Ano XIX - Nº 220   Julho de 2016
As matérias extraídas
de exposições verbais de Dr. Plinio
— designadas por “conferências” —
são adaptadas para a linguagem
escrita, sem revisão do autor
Na capa, Dr. Plinio na
década de 1990.
Esperança profética
Foto: Sérgio Miyasaki
Dr. Plinio
4 Prelúdio de grandes acontecimentos
Revista mensal de cultura católica, de
propriedade da Editora Retornarei Ltda.
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5 Súplica a Nossa Senhora do Amparo
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Editorial
Piedade
Dona Lucilia
6 Seriedade florida
A
Comum. . . . . . . . . . . . . . .
Colaborador. . . . . . . . . . .
Propulsor. . . . . . . . . . . . . .
Grande Propulsor. . . . . . .
Exemplar avulso. . . . . . . .
sociedade analisada por
Dr. Plinio
8 Reino de Maria e patriarcalidade
14
17
22
24
Preços da
assinatura anual
pliniana
26
R$ 130,00
R$ 180,00
R$ 415,00
R$ 655,00
R$  18,00
31
Serviço de Atendimento
ao Assinante
[email protected]
36
De Maria
nunquam satis
Fátima e Nossa Senhora do Carmo
Eco
fidelíssimo da
Igreja
Certeza da vitória
Calendário
dos
Santos
Santos de Julho
O
pensamento filosófico de
Dr. Plinio
A procura de um superior
Hagiografia Santa Marciana e o testemunho dos mártires
Luzes
da
Civilização Cristã
Florença e a perfeição das formas
Última
página
Nossa Senhora da Luz Profética
3
l
a
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r
o
t
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Ed
Prelúdio de grandes
acontecimentos
O
s grandes acontecimentos da História, aqueles que envolvem uma manifestação da misericórdia
ou da justiça divinas, sempre são precedidos de uma longa espera para os que creem na promessa feita por Deus.
Ouçamos Dr. Plinio1:
Deus pede às pessoas a quem Ele quer conceder a honra de realizar os planos d’Ele um ato de
confiança de esperar contra todas as aparências, confiar contra toda verossimilhança, de serem aparentemente abandonados pelo próprio Deus para que, depois, Ele confirme sua aliança com eles. A
aparência de um abandono divino, esse é o modo pelo qual Deus manifesta a sua dileção.
As grandes esperas são exatamente o prelúdio dos grandes dons de Deus; e o profetismo envolve
muitas vezes a espera.
A espera profética é constituída de vários elementos. Em primeiro lugar, da certeza plena da profunda desordem das coisas como elas estão. Em segundo lugar, uma intuição de como tudo deveria
estar se estivesse em ordem. Em terceiro lugar, no jogo de luz e trevas, uma participação enorme de
todo ser nisso e uma certeza incutida pelo sobrenatural, uma espera de que virá um dia em que a luz
esmagará as trevas e as vencerá.
Esta espera profética traz consigo uma rejeição completa da Revolução, uma separação, uma alteridade em relação a ela, um não poder viver dentro dela, de onde um desejo ardente do dia em que
ela acabe, do dia da punição, do dia da ira, do dia do castigo.
Há uma frase muito bonita da Escritura: “Ó sentinela, dize-me, como vai correndo a noite?” (Is
21,11). “Lentamente eu percebo no horizonte uma luz que vai se tornando mais intensa”— a resposta é sempre a mesma... “Mas responde-me outra coisa, sentinela: Quanto tempo levará esta luz para iluminar o horizonte inteiro?” E a resposta é: “‘Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco…’
Rezemos para que Nossa Senhora intervenha, porque de repente a luz começa a brilhar mais.”
Esse é o drama da espera profética, é o sangue, a incógnita, o peso e a beleza de nossa vida, porque é a cruz de nossa vida!
Tenho a impressão de que os católicos nas catacumbas sabiam também que um dia a Igreja sairia
dos subterrâneos. Entretanto, havia as perseguições. Depois de dias de intervalo e de quietude: “Será a hora?” Sai-se das catacumbas, está reinando Calígula... Voltam para dentro, nova perseguição!
Um belo dia, está reinando Constantino...
A saída da Igreja de dentro das catacumbas tem todas as glórias da Ressurreição de Cristo. Os fiéis levando seus objetos de culto de dentro das catacumbas, relíquias de mártires, etc., e começando
a se instalar à luz do dia; imaginem o aspecto pascal deste fato, a beleza disto!
Também de nós Deus quer que estejamos certos de que o dia d’Ele virá em nossos dias, mas virá
muito inopinadamente.
1) Excertos de conferências de 25/7/1968, 18/9/1972 e 22/7/1973.
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.
4
pliniana
Francisco Lecaros
Piedade
Nossa Senhora do Amparo - Igreja de
Santo Estêvão, Plasencia, Espanha
Súplica a Nossa
Senhora do Amparo
Ó
Santa Senhora do Amparo, ponde em minha alma, totalmente carecedora de méritos e de forças, uma graça pela qual este vosso escravo confie em Vós cegamente durante a vida inteira. Uma graça que faça desta confiança cega o caminho pelo qual ele realize sua vocação, e chegue até Vós no Reino de Maria e no Reino dos Céus.
Vós bem sabeis que incontáveis vezes este escravo Vos será infiel. Ponde, porém, na alma de
vosso escravo a convicção de que, de antemão, lhe perdoastes tudo, já perdoastes até o inimaginável, e de que depois de cada miséria Vós abrireis para este escravo as portas de uma misericórdia nova, mais suave, mais rica e mais insondável do que a anterior. Assim seja.
(Composta em 4/9/1970)
5
Dona Lucilia
Arquivo Revista
Seriedade florida
Dona Lucilia foi a pessoa mais séria que
Dr. Plinio conheceu em sua vida. Espírito
muito profundo que ligava habitualmente
todas as coisas às mais altas considerações.
Ao mesmo tempo, ela possuía uma amenidade,
uma doçura e uma sadia alegria de existir,
mesmo nas ocasiões mais dramáticas.
M
inha formação contrarrevolucionária eu devo
fundamentalmente ao
convívio com mamãe.
Mais ao convívio com ela do que
a princípios abstratos ensinados
por ela. Dona Lucilia não era uma
doutora em Filosofia, mas uma dona de casa, e sabia o que comumente uma dona de casa sabe. Não possuía esses conhecimentos abstratos;
6
e nem eu gostaria muito que tivesse. Eu venero esses princípios abstratos, faço deles o ar de minha alma, mas convêm mais ao varão do
que à dama.
Aprendi com ela uma coisa diferente e que eu não sei ensinar; ela
soube e eu não sei. É a seriedade
florida. Ela foi a pessoa mais séria
que conheci em minha vida. Espírito muito profundo que habitualmen-
te ligava todas as coisas às mais altas
considerações.
E por causa disso com uma integridade de julgamento moral muito
grande e, portanto, recusando o que
deve ser recusado. Mas com isso,
uma amenidade, uma doçura, e via-se que a seriedade colocava dentro
dela um ambiente tão agradável, tão
perfumado, tão cheio de uma sadia
alegria de existir, mesmo nas ocasi-
ões mais terríveis, mais dramáticas
em que eu a vi. Observando sua alegria sadia de existir, compreendi nela experimentalmente que a seriedade é a única fonte da verdadeira felicidade. Por aí veio o resto.
No Quadrinho1, isso se vê. Poder-se-ia escrever embaixo: “Seriedade
florida!”
Aos 92 anos, quando mais nada
floresce e tudo fala da sepultura, ha-
via qualquer coisa nela de ameno, de
deleitável, que não deixou de me encantar até o último instante de sua
vida.
v
(Extraído de conferência de
27/8/1983)
1) Quadro a óleo, que muito agradou a
Dr . Plinio, pintado por um de seus
discípulos, com base nas últimas fotografias de Dona Lucilia . Ver Revista
Dr. Plinio n . 119, p . 6-9 .
7
Gustavo Kralj
A
sociedade analisada por
Dr. Plinio
Reino de Maria e
patriarcalidade
Arquivo Revista
Ao longo de toda sua vida, Dr. Plinio desejou
ardentemente o Reino de Maria, e tudo
que ele fazia tinha como fim último sua
implantação. Nesta conferência, afirma
ele que as instituições do Reino de Maria
deverão guardar o espírito, a mentalidade dos
que deram o impulso inicial, porque sem isso
não se chegará à perfeição suprema.
P
ediram-me para falar a respeito do Reino de Maria e
da patriarcalidade nele. Como nascerá o Reino de Maria? O
que tem que ver com isso a patriarcalidade?
As melhores coisas o
homem, muitas vezes,
faz sem planejar
Quando eu era jovem, uma vez ou
outra, tentei traçar para mim mesmo o quadro do Reino de Maria. Eu
não achava compreensível o seguinte: como há uma coisa a qual eu deseje tanto e que não seja capaz de retraçar, de definir. Se quero, sei definir. Se não sei definir é porque não
sei o que estou querendo; então, sou
um bobo. Parece um raciocínio muito cogente, que aperta bem.
8
Dr. Plinio em outubro de 1988.
Acima, Sainte-Chapelle - Paris, França
Entretanto, o raciocínio apertante
é uma coisa, e o raciocínio quadrado é outra; este não aperta. O raciocínio verdadeiramente bem feito pode agarrar um homem, mas sem deixar nele nada de contundido. Pelo contrário, o raciocínio, como esse
que fiz há pouco, deixa o interlocutor sem ter o que dizer; mas é apenas porque ele é jovem, inexperiente, por qualquer outro motivo; se ele
pensasse bem, veria que o raciocínio
procede de um lado errado. E, procedendo de um aspecto errado, ele
todo sai trocado. E nada pior do que
apertar na base do trocado, do errado. Seria mais ou menos como usar
um sapato torto. Andar com isso é
um tormento, não se anda.
Vendo como começou a nascer a
Idade Média, não tardei em perceber que ela não teve planejadores.
Antonio Lutiane
Pórtico da Catedral de
Colônia, Alemanha
E a sociedade patriarcal ninguém a
planejou, ela se fez, simplesmente. O
que quer dizer que as melhores coisas o homem, muitas vezes, tem feito sem plano.
Seria porque é um tonto incapaz
de planejar? Não. É que a ação dele vem de uma ordem mais profunda
do que a mera ordem do pensamento. É uma ordem das tendências virtuosas, em que a boa disposição do
senso do ser, do senso católico, a conaturalidade com a virtude, vão fazendo com que do homem emanem
hábitos, gestos, costumes; pouco depois, sistemas de arte, estilos de vida,
instituições políticas, sociais, etc., as
quais florescem a partir do chão sem
que seja necessário planejar.
A razão deve controlar o que vai
nascendo para evitar as coisas tortas
tão frequentes na natureza. Contro-
lar, sim; planejar, não. Deixa-se ir fazendo e vai-se controlando e interpretando aquele impulso inicial que
vai saindo, para onde ele tende, como ele é; explicá-lo aos nossos próprios olhos e saber com isto desenvolver aquilo. Assim é que verdadeiramente se fazem as coisas que tomam sentido.
Consequências da
civilização mecânica
Se isto está claro, ponho o princípio: o Reino de Maria será assim!
Quer dizer, quando eu, na exposição anterior, falava do patriarca, que
levantava antes de todo mundo, via
as tendas armadas no campo e o dia
que começava a amanhecer, e o patriarca de longa túnica branca com
um bastão na mão e uma espécie de
olifante, que ele soava com o seu toque; aos poucos as tendas se movimentavam, a gente ia saindo, etc., a
vida vinha emergindo do sono e se
mostrando à luz do dia. O patriarca nunca pensou: “Farei tais tendas
e vou arranjar uma corneta com um
chifre furado, pois ficará bonito de
manhã, e tomarei uma atitude bonita, vou pegar um bastão grande e
levantá-lo para o horizonte…” Não.
Se ele fizer assim, sai errado…
Quando as inteligências estão bem
ordenadas e os instintos, as tendências, pulsam de acordo com a virtude, as coisas vão saindo maravilhosas
naturalmente. De maneira que, para
nós termos uma ideia de como será
o Reino de Maria, deveríamos indagar como será a virtude, como serão
as inteligências no Reino de Maria,
para nos perguntarmos, vagamente, o
9
sociedade analisada por
que dali poderia nascer. Nessas condições, poderemos ter uma ideia do
que o Reino de Maria será.
O homem contemporâneo está
habituado a uma civilização mecânica que trepida com toda a vibração
da máquina e tem velocidades muito
superiores à do ser humano; e sente, desde pequeno, todos seus instintos ajustados a isso. A consequência
é que o desejo da velocidade, do movimento, do inopinado, do barulho,
cresce muito mais do que normalmente cresceria numa época de tranquilidade e de reflexão.
Qual é, por sua vez, o resultado
disso? É uma espécie de hipertrofia
de exagero, de excesso, que se dá até
na fantasia. A fantasia, quando começa a imaginar as coisas, representa-as passando depressa e quer que
os quadros passem rápido. O espírito vive correndo e, quando deseja fazer uma coisa devagar, não se ajusta.
Por quê? Porque está habituado ao
corre-corre.
É preciso acrescentar que é fora
de dúvida que essa efervescência assim é latina.
Posso falar bem à vontade porque
sou latino. É uma efervescência latina a cem por cento, e não se sabe em
qual dos dois veios americanos da
raça latina é maior: se no veio hispano ou no luso. No veio hispano, essa
efervescência se dá em movimento:
é preciso gritar, falar, etc. No veio
brasileiro, luso, se dá com algo disso,
mas é necessário, sobretudo, cutucar, dizer uma coisa… O belisca-belisca, o cutuca-cutuca, um diz para o
outro, outro diz para um terceiro, o
fala-fala, o mexe-mexe um com o outro são incessantes.
Compreendo muito bem que isto
cause surpresa aos não latinos, porque
não é só a raça — acho que o fator raça não tem muita importância no caso
—, mas o ritmo da vitalidade, a tradição, os hábitos nos povos anglo-saxões
e germânicos são completamente diferentes e a demarragem é outra.
10
Dr. Plinio
O brasileiro e o latino em geral
demarram num pulo. O alemão ou
o anglo-saxão precisa passar por várias velocidades antes de demarrar.
Tudo isso é a vivacidade própria
à raça, à tradição, aos costumes, etc.
Mas não há alguma coisa da velocidade da máquina dentro disso? Algo de excitação da civilização mecânica com tudo quanto ela apresenta
de alucinante, de corre-corre, etc.?
No fundo, há apenas um hábito, ou
também um vício? É uma pergunta
que se pode fazer.
Grand Retour: graça
que descerá e mudará
completamente os homens
Com o Grand Retour1 as mentalidades devem ser reformadas até o
fundo, pela graça do Divino Espírito
Santo. E sem que as nações percam
as suas boas características, elas, em
alguma medida pelo menos, devem
ser libertadas dos seus maus hábitos
e de suas más tendências. Alguma
coisa fica, porque o homem tem que
lutar contra seus maus hábitos e más
tendências. A vida é uma luta.
E não vai ser feita uma vida
fácil no Reino de Maria. Se fosse fácil, não valeria nada. Não tenham ilusão de que o Reino de
Maria vai ser um pirão. Isso não
valeria dois caracóis. O Reino de
Maria deve ser da vida dura, mas
com a alma forte para levar a
vida adiante! Com sacrifício, é
evidente. Porém com um amor
ao sacrifício, uma compreensão da ascese, do reto, do calmo, do tranquilo, e uma seriedade que não é a de um campo de concentração.
Não é uma seriedade
parecida com nada do
século XX; é aquela superior seriedade que se
sentia tomando contato com Nosso Senhor Jesus Cristo: transcendente.
Ele, de Quem o Evangelho não conta uma só vez que fosse visto rindo.
E no Reino de Maria se rirá. Não vai
ser uma era sem riso, mas ficará indicado que esse riso nunca romperá
a seriedade. E será estabelecido um
equilíbrio de alma que, sem eliminar
o que tem de bom e de necessário na
alegria, saberá distinguir palhaçada e
comicidade de um lado, e alegria e riso da alegria de outro lado, como coisas fundamentalmente diversas.
Analisando o Novo Testamento,
encontramos todas as fragilidades dos
Apóstolos. Nosso Senhor ressuscitou
e apareceu para eles, mas as fragilidades não desapareceram. Pelo contrário, continuaram a dar mostras até o
momento em que, estando no Cená-
Arquivo Revista
A
Cristo Rei
Sergio Hollmann
Pentecostes - Catedral de Valência, Espanha
culo em oração com Nossa Senhora —
Ianua Cœli, Ela é Porta do Céu —, a
porta se abriu e passou o Espírito Santo: uma língua de fogo rica, opulenta,
desceu sobre a Virgem Santíssima e
depois se espalhou por todos os Apóstolos. E pela ação do Espírito Santo ficaram outros homens.
E eles que eram tímidos, inibidos,
sofriam de uma espécie de sensação
de inferioridade diante da civilização
judaica, da civilização greco-latina,
etc., que se encontravam em Jerusalém e tinham todos os defeitos que
se conhecem, eles saíram outros. Foram para a praça e começaram imediatamente a pregar, com tanto calor
e com tanta eficácia, que as conversões se faziam aos montes.
E os Apóstolos pregando coisas lucidíssimas e admiráveis, entretanto alguns diziam que eles estavam ébrios, porque falavam em todas as línguas. E cada um entendia
na própria língua. Quer dizer, o seu
horizonte mental se abriu e tudo foi
outra coisa. A ação da graça entrou
até o fundo de suas almas e os alterou. Daí começou a nascer, sem pla-
nejamento — Nosso Senhor deu os
princípios fundamentais e os traços essenciais da estrutura —, a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, que deu nesta maravilha a qual a
tristeza dos dias de hoje não conseguiu destruir.
O Grand Retour naturalmente
não será um fenômeno com a densidade da vinda do Espírito Santo sobre os Apóstolos, mas um fenômeno nesse gênero: alguma graça que
descerá e mudará completamente os
homens. A partir daí um mundo começará a nascer.
E, por causa disso, as nossas almas melhor se preparam para o Reino de Maria, vendo o que há de ruim
atualmente, do que prevendo o que
vem de bom, porque por aí nós nos
preparamos para conhecer e admirar o que virá.
Do impulso inicial à
perfeição suprema
Por isso, nós poderíamos tomar a
ponta do que falei a respeito do Patriarcado e nos perguntar o seguinte:
se o Patriarcado é apenas algo pastoril, aquela situação primitiva de pastores que vão se transformando num
Estado, num país, numa nação, mas
não são Estado, nem nação, nem sequer ainda cidade — este foi o quadro que eu tracei —, se o Patriarcado é somente isso, qual é a aplicabilidade dele num país inteiramente
constituído, que tenha chefe de Estado, organização, ordem, civilização, progresso?
Era preciso tomar a noção de Patriarcado no que ela tem de mais
profundo. Em outra conferência, falei do bulbo ou do elemento inicial
do cedro do Líbano, ou de qualquer
outro vegetal, que contém em si toda
a planta e tem isto de augusto: é algo
no qual a coisa enorme já está contida e que, no cedro do Líbano, por
exemplo, dorme uma árvore dentro
daquela bolota, em geral feia; não há
raiz bonita.
Lembro-me de que usei esta metáfora: se o cedro fosse capaz de
uma intelecção, e pegássemos do
fundo da terra o bulbo que está no
cedro, mas do qual ele não vive mais
11
A
sociedade analisada por
Dr. Plinio
Guillermo Asurmendi
grande, fica feio que tenha nascido
de uma capelinha tão pequena e tão
simples…” Seria mau espírito, uma
coisa tão horrível que não vale a pena imaginar. Pelo contrário, devem
dizer: “Olha, ela é tão pequenina,
mas continha, como no seu bulbo,
tudo quanto está aí pelo mundo.”
Isto deveria levar todas as instituições a proteger todo o seu passado,
e, portanto, a preservar com respeito
e com veneração tudo aquilo de que
provêm. Não só fisicamente tal objeto, tal monumento ou tal coisa, mas
a guardar o espírito, a mentalidade
dos primeiros que deram o primeiro
impulso, porque sem essa inspiração
do impulso inicial é difícil chegar-se
ao fim último, à perfeição suprema.
Malefícios da falta do
senso de patriarcalidade
Santa Maria dos Anjos (a Porciúncula) - Assis, Itália
porque deitou raízes opulentas e vive de si, e o puséssemos numa mesinha, perto do cedro, este, que não se
curva diante de nada, nem das tempestades, diante do bulbo se curvaria: “Tu és minha causa, por isso há
em ti uma ciência, uma sabedoria da
qual eu nasci, uma forma qualquer
de conhecimento, que levarei dezenas de anos ou séculos para adquirir.
Aconselha-me, eu te reverencio!”
A civilização patriarcal leva-nos a
não só ver esse nexo na vida de família, mas também a ter um grande respeito e um grande senso de continuidade de tudo em relação às suas próprias nascentes. E este é um ponto
muito importante, de maneira tal que,
por exemplo, em Assis, há uma igrejinha — acho que é de Nossa Senhora dos Anjos da Porciúncula — que é
uma capelinha na qual, antes de tudo, São Francisco de Assis esteve. Es-
12
sa capelinha, em certo sentido, está
nas nascentes da Ordem Franciscana,
que depois deitou raízes e galhos pelo
mundo esplendidamente: torrentes de
santos, obras de piedade, de apostolado e de tudo, de todo tamanho e de todo jeito, através dos séculos.
O que fizeram os franciscanos?
Construíram uma basílica enorme naquele lugar, mas não destruíram a capelinha, que ficou guardada, protegida na sua velhice pela força da basílica
nova. Ela existe inteirinha, com telhado e tudo, dentro da própria basílica.
É claro que as pessoas, quando querem rezar em condições de receber a
graça mais preciosa do franciscanismo, procuram orar na capelinha. A capelinha é o bulbo. Ali a Ordem Franciscana tem seu cedro, o qual protege,
com sua massa, o bulbo precioso.
Seria ridículo que os franciscanos pensassem: “Nossa Ordem é tão
Então, dou um exemplo lamentável. A cidade de São Paulo — não a
São Paulinho de meu tempo de menino, mas a São Paulinho microscópica, da época de Anchieta — formou-se no centro, no chamado Pátio
do Colégio. E ali Anchieta construiu
com taipa — é o material de construção mais modesto que há e muito
adequado ao nosso clima, porque ele
guarda o calor nos dias frios e o frio
nos dias quentes — uma capelinha
minúscula, primitiva, onde os jesuítas
foram pondo as suas primeiras imagens, etc., e na qual os índios iam rezar, dirigidos pelos padres dos quais
alguns, dentro de mais algum tempo,
iam ser mártires, portanto estar em
condições de ser canonizados.
Um dos governos do Estado de
São Paulo mandou arrasar essa capelinha, derrubando todas essas tradições. Razão, superficial, mas inaceitável, é que a capelinha era muito
feinha, feita de taipa e não representava o progresso que São Paulo moderno devia representar.
Primeiro derrubaram com o consentimento da maioria; passado o
Algo que se dá frequentemente,
por exemplo, nas grandes cidades da
América Latina — no Sul dos Estados Unidos, que é mais tradicional,
talvez seja mais raro, no Norte talvez
seja mais frequente, não tenho ideia;
no Canadá também não sei dizer —
é o seguinte.
Constrói-se um bairro que representa o apogeu de uma determinada classe, de uma mentalidade, de um
determinado modo de ser, com base
numa situação socioeconômica. Por
exemplo, em São Paulo, o bairro dos
Campos Elíseos, depois o de Higienópolis, construídos na época da riqueza
do café, etc., em que o café era a coluna da grandeza econômica do Brasil.
Em determinado momento, cria-se um bairro novo, por exemplo,
nos Jardins. Então, as residências
antigas são abandonadas sem razão,
pelo frenesi de construir uma casa no estilo novo. E o bairro antigo,
com suas mansões, sua dignidade,
ou é destruído para dar lugar a casas modernas de quinta categoria, ou
naquelas mansões vai viver a degradação: ficam transformadas em cortiços, quando não em casas de prostituição. Falta de patriarcalidade.
A velha Faculdade de Direito de
São Paulo era o convento antigo dos
franciscanos, todo ele cheio de tradi-
ção do tempo dos franciscanos e do
tempo posterior; tradição que muitas vezes não era de nenhum modo a
nossa. Essa faculdade foi arrasada em
determinado momento, e foi construído aquilo que está lá. Não tem tradição nenhuma. Perdeu-se a continuidade. Mas perdendo-se certas continuidades, algo do espírito se perde.
Há no mundo moderno mil contrapatriarcalidades dessas, que são o
contrário da continuação tradicional
do Reino de Maria.
v
(Extraído de conferência de
4/1/1986)
1) Do francês: Grande retorno. No início da década de 1940, houve na
França extraordinário incremento do
espírito religioso, quando das peregrinações de quatro imagens de Nossa
Senhora de Boulogne. Tal movimento
espiritual foi denominado de “grand
retour”, para indicar o imenso retorno daquele país a seu antigo e autêntico fervor, então esmaecido. Ao tomar conhecimento desses fatos, Dr.
Plinio começou a empregar a expressão “grand retour” no sentido não
só de “grande retorno”, mas de uma
torrente avassaladora de graças que,
através da Virgem Santíssima, Deus
concederá ao mundo para a implantação do Reino de Maria.
The Photographer (CC3.0)
frenesi, veio a reflexão e com esta
uma sensação da besteira feita, do
crime cometido: não deveria ter sido
destruída.
Isso maturou, maturou e pouco
antes do IV centenário, ou algo assim, todo mundo em São Paulo pediu para se construir ali o fac simile
completo da capela. Está construído,
mas já não é o original.
Quer dizer, essas reconstruções
servem como ato de reparação, são
úteis didaticamente para que as gerações novas tenham uma ideia de
como foi, mas a coisa está destruída,
e não se recompõe. É evidente.
Isto é falta, neste sentido da palavra, do senso de patriarcalidade, por
onde a cidade de São Paulo se prendia às suas raízes e adquiria daí, no
plano sobrenatural — uma vez que
se tratava de uma igreja católica —,
mas também no plano cultural, no
natural, elementos psicológicos para
chegar ao termo de sua formação, de
seu desenvolvimento; isto desaparecia. E com este desaparecimento, a
cidade levava um golpe.
Ora, se consideramos as cidades
modernas, sobretudo aqui na América, notamos serem feitas, em geral,
na base de destruição de coisas dessas, e de construção de coisas novas,
com ruptura da tradição patriarcal.
Pátio do Colégio, São Paulo, Brasil
13
De Maria
nunquam satis
Fátima e Nossa
Senhora do Carmo
Tim
o
thy
Ring
Em Fátima, a Virgem Maria também
apareceu com as características de Nossa
Senhora do Carmo. Que relação existe
entre a mensagem de Fátima e a Ordem do
Carmo? Essa questão é abordada por Dr.
Plinio, com base no texto de uma revelação
recebida por Santa Teresa de Ávila.
G
ostaria de apresentar alguns
traços da revelação de Fátima que a diferenciam de
outras revelações anteriores.
Castigo por causa
da imoralidade e da
irreligião dos povos
14
Divulgação (CC3.0)
Eis um traço muito curioso: é a
única revelação que conheço, de tal
maneira admitida, aceita e acatada
em meios católicos e até pela hierarquia eclesiástica, a qual trata não só
de um tema moral — porque isso é
frequente em várias revelações —,
mas tira derivações desse tema moral para o campo político, numa ilação que tem muito de comum com a
doutrina que posteriormente tentamos expor no livro Revolução e Contra-Revolução.
O plano de ideias que Nossa Senhora apresenta para os homens é
que há uma crise moral prodigiosa,
a qual é, no fundo, uma crise religiosa; e essa crise religiosa e moral vai
desembocar numa catástrofe política. Essa catástrofe política que Ela
profetiza qual vai ser? A Rússia espalhará seus erros por toda a Terra.
É um castigo por causa da imoralida-
co
cis
an
Fr
s
ro
ca
Le
Isto é muito menos claro. Que
relação tem a invocação do Carmo
com os tempos vindouros, em que
seu Coração vai triunfar? Há alguma tarefa, alguma missão do Carmo
dentro disso?
Essa pergunta nos interessa muito,
tomando em consideração que quase todos nós somos terceiros carmelitas1. Há revelações muito impressionantes feitas a Santa Teresa de
g
Cenas da revolução
comunista
na Rússia
15
Rin
Mas por que Ela Se apresenta como Nossa Senhora do Carmo numa
das aparições?
thy
Uma Ordem religiosa
nos últimos tempos
o
Tim
de e da irreligião dos povos. Quer dizer, há um nítido conteúdo político.
Outro aspecto curioso que não
encontrei ainda em nenhuma outra
revelação — não digo que não houve, pois não pretendo ter conhecido
todas —: Nossa Senhora Se mostra
em três invocações sucessivas: com
as características de Nossa Senhora de Fátima, mas também como o
Imaculado Coração de Maria e como Nossa Senhora do Carmo.
Por que essas invocações? Encontramos fundamento para isso na própria revelação. Ela declara o seguinte: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará.” O que quer dizer
que Ela quer ter um triunfo que vai
ser uma enorme efusão de graças,
porque o coração aí significa a bondade e a vontade, e o triunfo d’Ela
vai se realizar depois de um castigo
tremendo, por uma efusão de graças enorme. É o Reino do Coração
d’Ela que Maria Santíssima anuncia.
Por causa disso, Ela como que referenda a devoção ao Imaculado Coração de Maria, apresentando-Se
com essas características numa de
suas visões. É para se compreender,
para dar um estímulo à devoção ao
Imaculado Coração de Maria.
De Maria
nunquam satis
Jesus, que se encontram nas boas biografias desta Santa carmelita, e que
dizem algo a esse respeito. São os parágrafos 12, 13, 14 e 15 das obras de
Santa Teresa de Jesus, tomo I, Livro
da Vida, capítulo 40. É algo oficial e
documentado.
Parágrafo 12:
Fazendo uma vez oração com muito recolhimento, suavidade e paz, parecia-me estar rodeada de Anjos e muito perto de Deus. Comecei a suplicar a
Sua Majestade pela Igreja. Foi-me, então, dado a entender o grande proveito
que havia de fazer uma Ordem nos últimos tempos, e com que fortaleza seus
filhos haviam de sustentar a Fé.
Uma Ordem que, como veremos,
parece ser a própria Ordem do Carmo, à qual Santa Teresa pertencia
e que por prudência e modéstia ela
não queria mencionar. Haveria um
tempo em que a Ordem do Carmo
teria filhos que lutariam pela ortodoxia com muito denodo.
Parágrafo 13:
Quando certa ocasião rezava junto
ao Santíssimo Sacramento, apareceu-me um Santo cuja Ordem esteve um
tanto decaída.
Ela era exatamente a reformadora da Ordem do Carmo, que estivera
muito decaída.
Tinha nas mãos um grande livro.
Abriu-o e deu-me a ler as seguintes
palavras escritas em letras grandes e
muito inteligíveis: Nos tempos vindouros, florescerá essa Ordem, haverá muitos mártires.
Então, é um incremento de luta
pela ortodoxia, martírio e florescimento dessa Ordem.
Francisco Lecaros
Religiosos com
espadas nas mãos
Parágrafo 14:
Outra vez, durante Matinas, no
Coro, vi diante de meus olhos
seis ou sete religiosos dessa
Ordem, com espadas
nas mãos.
Notem que
se tratam de
espadas, símbolo da luta.
Significava isso, penso, que hão de defender
a Fé, porque mais tarde,
estando em oração, fui arrebatada em espírito e pareceu-me estar num vasto campo onde lutavam
muitos combatentes e
os desta Ordem pelejavam com gran-
16
de fervor; tinham os rostos formosos e
muito incendidos. Venciam deitando
por terra numerosos inimigos e matando outros. Tive a impressão de que a
batalha era contra hereges.
Parágrafo 15:
Ao glorioso Santo de que falei acima, tenho visto várias vezes. Tem me
dito diversas coisas, agradecendo a
oração que faço por sua Ordem e prometendo encomendar-me ao Senhor.
Não assinalo a Ordem para que não
se desagradem as demais. O Senhor
declarará os nomes, se for servido que
se saibam. Cada Ordem, ou cada um
de seus membros deveria esforçar-se
para que, por seu meio, fizesse o Senhor tão ditosa sua religião que em
tão grande necessidade, como agora
tem a Igreja, pudesse servir. Felizes as
vidas que se sacrificarem por tão nobres causas.
Vemos aqui mencionar uma Ordem, provavelmente a do Carmo,
que terá uma grande batalha pela
Fé nos tempos futuros. Ora, até esse momento, não chegou essa batalha; a Ordem do Carmo não fez isto até agora.
E Nossa Senhora nos fala, precisamente, de grandes perseguições,
de grandes lutas, de grandes martírios na revelação de Fátima.
E ali a Santíssima Virgem Se mostra com as características de Nossa
Senhora do Carmo. Parece haver entre tudo isso uma relação para a qual
eu chamo a atenção a fim de prezarmos cada vez mais nossa condição de
irmãos da Ordem Terceira do Carmo, e compreendermos o que há de
providencial nessa pertencença à família carmelitana.
v
(Extraído de conferência de
13/5/1965)
1) Dr. Plinio e os mais antigos membros
do Movimento por ele fundado pertenciam ao Sodalício Flos Carmeli, da
Basílica Nossa Senhora do Carmo,
em São Paulo.
Santa Teresa de Jesus - Museu de
São João da Cruz, Úbeda, Espanha
fidelíssimo da Igreja
Certeza da vitória
Diante da infestação diabólica espalhada pelo mundo
inteiro, sussurrando aos homens que se dobrem diante de
todo tipo de mal, Dr. Plinio proclama a certeza da vitória
de Nossa Senhora e da Santa Igreja Católica.
N
Francisco Lecaros
esta sessão1 acabamos de
ouvir o nosso coro, por
meio de harmonias, exaltar a alegria dos participantes com o
cântico Alle Psalite, invocar o auxílio
de Nossa Senhora com a Ave Maria,
lembrar páginas das mais sombrias
da Escritura, entoando uma das lamentações do Profeta Jeremias que
diz respeito ao abandono do Salvador pelo povo que Ele veio remir, e
queria conduzir ao auge do esplendor, da glória e da santidade; e fazer
uma evocação ainda mais lúgubre do
filho das trevas por excelência, do
mercador péssimo que por trinta dinheiros traiu o seu Mestre.
Propósito inquebrantável
de não recuar
Esta consonância ou dissonância — como preferirem — de notas
gloriosas e jubilosas, lúgubres e tristes, marca bem a tônica do momento em que tenho o prazer de vos dirigir a palavra.
Momento em que, de um lado, reluz dentro da sala, com uma alegria
que não hesito em chamar de sobreJudas devolve as 30 moedas - Mosteiro de
San Millan de la Cogolla, La Rioja, Espanha
natural; e de outro lado, se abríssemos as janelas e olhássemos para fora, veríamos estar o horizonte carregado de todas as nuvens que toldam o mundo contemporâneo. Nuvens que parecem ainda atrair mais e
mais nuvens, até o momento supremo daquela catástrofe das catástrofes prenunciada por Nossa Senhora
em Fátima, e que parece baixar sobre nós.
Na hora precisa em que também
sobre nós parecem baixar as nuvens
cada vez mais escuras, cada vez mais
densas e prontas em desatar-se em
tempestade, nota-se um grande paradoxo — talvez o maior deste dia 16
de julho, consagrado a Nossa Senhora do Carmo — que faz estremecer
os corações retos:
É a debilidade dos que deveriam
combater, o recuo daqueles a quem
competia avançar, e o temor dos
bons diante deste estado de espírito de entrega, de defecção, que como uma infestação diabólica parece
percorrer de ponta a ponta o mundo contemporâneo, sussurrando aos
ouvidos prognósticos derrotistas,
pondo-lhes diante dos olhos quadros
17
Géder Abrahão (CC3.0)
Eco
fidelíssimo da Igreja
de uma derrota que não existe, para
levá-los a uma entrega que será devida não à força do adversário, mas à
própria fraqueza deles.
No momento em que de tal maneira se enuncia a fraqueza dos fortes, Nossa Senhora determina que se
anuncie a força dos fracos.
Temos aqui jovens que, unidos no
mesmo espírito, na mesma meta, nos
mesmos métodos, na fidelidade ao
mesmo estandarte, afirmam o seu propósito inquebrantável de não recuar
diante de nada e de, aos pés de Nossa
Senhora, prometerem ir até o último
hausto de sua vida para defender esta
Causa que tantos abandonam.
Nesta sala, em que este propósito solene se exprime, não há tristeza, nem apreensão, mas um entusiasmo, um frêmito de certeza de antecipada vitória.
Quanto mais o mal
esteja vitorioso, mais
ele se aproxima de sua
própria derrota
Qual é a razão do entusiasmo que
aqui reina, e que nos faz ter a certeza
de que venceremos? Qual é o fundamento deste pressentimento de que
Maria Santíssima, que nos tem levado de vitória em vitória, de inverossímil em inverossímil, nos conduzirá à
vitória final?
No fundo, a certeza é dupla. Ela
se baseia no mesmo princípio filosófico, que é o princípio axiológico2. Esse princípio nos diz que Deus
sendo bom, a ordem das coisas existentes é fundamentalmente boa e,
portanto, no fundo, o mal não pode prevalecer, e o bem triunfará. E
que quanto mais o mal está vitorioso, mais ele se aproxima de sua própria derrota.
Quanto mais o mal parece esmagar aqueles que defendem o bem,
tanto mais ele se precipita no abismo
em que vai ser tragado. Quanto me-
18
nos numerosos são aqueles que defendem a boa causa, e quanto mais
convictos estão do apoio de Nossa
Senhora, mais eles estão próximos
do momento de sua grande vitória.
Porque, como disse um pensador
do século XIX, quando Deus quer intervir nos acontecimentos humanos,
Ele deixa todas as coisas tomarem o
rumo como se tudo estivesse perdido e, num canto do tabuleiro, Ele põe
alguns homens, alguns instrumentos
débeis e fracos, mas necessários, para a realização de seu plano.
Esses instrumentos Ele os move,
faz caminhar, lhes dá força, os atira
à luta, os conduz à vitória para que
fique certo de que Deus respeita
sempre os seus próprios métodos de
ação. Mas Deus deixa claro que a vitória é d’Ele.
Os métodos de ação de Deus
consistem em que haja — como dizia Santo Agostinho —, nas coisas
da Fé, bastante luz para que um
homem reto, querendo crer, creia,
e para que um homem ímpio, não
querendo crer, possa não crer.
Deus reserva assim a sua ação de
tal maneira que o ímpio encontre
meios de negá-Lo, e que o homem
piedoso ache meios de aderir a Ele.
E mesmo nas grandes crises da
História, Deus não deixa de agir
dessa maneira. O Altíssimo procede
de forma que sua interferência seja
clara, mas ao mesmo tempo não é
evidente. É por isso que Ele escolhe instrumentos humanos.
Deus os escolhe para que na
aparência tenham feito alguma
coisa, e Ele quer que esses homens realizem tudo quanto está
em seu poder fazer. Mas ao mesmo
tempo Ele os coloca diante de tais
obstáculos que, tendo eles feito tudo quanto é humanamente possível,
sem conseguir nada, Deus os move.
Esses homens retos têm o instinto profético de que eles são instrumentos na mão de Deus. Sabem que
diante deles as muralhas vão se aba-
ter, os potentados vão cair, os ídolos
vão ruir e que afinal de contas o plano de Deus se realizará.
E é esta a alegria que nos anima
aqui nesta noite. É esta certeza, que
eu não hesitaria em chamar uma
certeza profética, de que esta Causa,
a qual, contra todas as vicissitudes,
as perseguições, todos os ostracismos, conseguiu, pelo favor de Nossa
Senhora, estender-se tanto será vitoriosa.
Deus castiga as infidelidades
Lendo o livro impressionante que contém as cartas da Venerável Maria de Ágreda ao Rei Felipe IV da
Sergio Hollmann
Eco
Venerável Maria de Jesus
de Ágreda - Diputación
Provincial de Soria, Espanha
Espanha, vemos o zelo extraordinário com que a Providência assistia a
nação espanhola. Ela recebia revelações de Deus e as comunicava ao
Rei de Espanha ponto por ponto, a
respeito do modo de dirigir a monarquia católica para a glória da causa
da Igreja.
Mas, ao mesmo tempo em que se
leem as cartas e se veem os desígnios amorosos de Deus, percebemos
que nas mãos do débil Felipe IV estava uma nação que, como sua irmã
Portugal, se encontrava carregada de
glórias, porém ao mesmo tempo caminhava para um declínio. Nessas
cartas, ela conta que Nosso Senhor
Jesus Cristo lamenta o declínio da
nação católica, da nação fidelíssima.
Essas nações não seguiram à risca
aquilo que Deus lhes mandou, e com
isto — enquanto o mundo inteiro subia, e as outras nações da Europa se
tornavam cada vez mais ricas e mais
poderosas — foi possível armar a trama oculta que a política internacional
organizou como uma verdadeira perseguição à Espanha e Portugal.
De maneira que a Europa ficava
cada vez mais poderosa, mas o Império espanhol e o Império luso se
foram desagregando pouco a pouco,
e se pode dizer que num mundo estimulado pelo mecanicismo, pelo capitalismo, muitas vezes pelo materialismo, que caminhava ao seu zênite, à margem dele, como uma zona
de sombras, ficavam as nações de fala portuguesa e de fala hispânica.
Espanha e Portugal não foram nações tão ricas quanto as outras da
Europa, nos séculos XIX e XX. Muitos sorriram de Portugal e da Espanha, considerando que em última
análise eram nações inferiores que
não sabiam se afirmar.
Esta inferioridade resultava em
boa parte de infidelidade. Deus castiga, sobretudo nesta Terra, as infidelidades daqueles a quem Ele ama
mais, porque deseja pelo castigo regenerar.
Nações que foram punidas,
mas podem se regenerar
Quando eu vejo um pecador que
sofre, tenho esperanças por ele.
Quando observo um pecador feliz,
rico, saudável, prestigiado eu estremeço por ele, porque está recebendo ao longo de sua vida uma paga
por algum bem que tenha praticado.
Mas ai dele quando chegar o dia do
ajuste de contas!
E como o ajuste de contas das nações é nesta Terra, quando eu vejo
nações ímpias em ascensão, no fastígio de seu poder, estremeço por elas.
Porque elas pagam, de repente, em
alguns dias, em alguns meses, talvez
em alguns anos de declínio, todos os
pecados que cometeram.
Enquanto as nações que foram
punidas têm possibilidades de se regenerar e, se perseveram, são conduzidas depois por Deus ao ponto central da História.
É esta, a meu ver, a Teologia da
História do mundo ibérico, hispano-português, nos séculos XIX e XX.
Não se construiu em nossas terras a
civilização esplendorosa desses séculos.
Em compensação, nossos recursos ficaram intactos. Antes de tudo nossos recursos de alma porque,
com estes ou aqueles desgastes, estas ou aquelas perdas, é bem verdade que o espírito católico entre nós
todos continua a crepitar como em
nenhum outro país da Terra.
Conservamos os recursos enormes de nossa unidade. Espanha e as
nações que dela nasceram, Portugal
e o Brasil e os povos que de Portugal
surgiram na África formam imensas
famílias de almas que, mais do que
isso, são conglomerados de cultura,
de língua, unidos pela Religião, que
formam enormes blocos.
E em plena crise nós nos apresentamos com Fé, com recursos para o
dia de amanhã no esplendor de nossa unidade.
É neste todo que a Providência
nos chama a reafirmar os princípios
dos quais resultou a grandeza desse todo, e cujo abandono, pelo menos parcial, determinou seu declínio,
mas cuja reaceitação levará esse todo ao seu esplendor e à sua verdadeira glória.
Quais são esses princípios? São
evidentemente os princípios basilares da Civilização Cristã, os quais em
última análise resultam do Decálogo, pois que a Fé nos ensina — e nós
não poderíamos negar sem deixar de
ser católicos — que o Decálogo é a
base da Civilização Cristã.
Código de conduta perfeita
Se analisarmos o que diz São Tomás de Aquino a respeito do Decálogo, vemos que os Dez Mandamentos da Lei de Deus contêm, de um
modo verdadeiramente admirável,
os princípios da ordem natural nas
relações entre Deus e os homens, e
dos homens entre si.
Os três primeiros Mandamentos
dizem respeito ao amor de Deus; são
como deveriam ser, dado que Deus
é Deus e nós somos nós. Estas são
as obrigações que nascem da ordem
real. Deus sendo Quem é, o homem
sendo o que é, o homem deve a Deus
o tributo do cumprimento dos três
primeiros Mandamentos. Os outros
se referem ao amor do próximo.
Sendo Deus Pai de todos os homens e sendo os homens o que são,
a própria natureza das coisas exige
que as relações entre nós homens sejam a dos sete Mandamentos seguintes. Um homem que pratique para
com os outros homens os sete Mandamentos terá esgotado o preceito do amor do próximo, porque se
ama o próximo praticando-se aqueles Mandamentos.
Ama-se quer dizer o quê? Não é
apenas um sentimento de ternura fugaz, um acesso de amizade. A afetividade do homem é transitória, descon-
19
Eco
fidelíssimo da Igreja
tínua. Diz uma canção italiana que la
donna è mobile qual piuma al vento…
— “a mulher é volúvel como uma
pluma ao vento” —, ela muda de tendência, de afetos e de pensamentos.
É fácil atribuir ao sexo feminino
uma instabilidade que está em todos
nós, e faz parte da condição humana maculada e deteriorada pelo pecado original.
Todo afeto humano é volúvel, e
aquilo que não se baseia em princípios não vale nada. Todo amor ao
próximo não é nada quando não se
baseia em regras de conduta objetivas, claras, sábias, baseadas na ordem natural das coisas. E a ordem
natural das coisas faz com que o homem não mate o outro, não o roube,
não minta, não peque contra a castidade, etc.
De maneira tal que Santo Agostinho pôde dizer muito bem: a prova
de que o código perfeito do procedimento vem a ser os Dez Mandamentos da Lei de Deus está simplesmente num cálculo da razão.
Imaginem um país onde os que
governam e os que são governados,
os que ensinam e os que aprendem,
os pais e os filhos, os esposos e as esposas, os empregados e os patrões,
os militares de categoria inferior e os
oficiais, todo o mundo praticasse os
Dez Mandamentos da Lei de Deus;
este país não subiria imediatamente
ao apogeu daquilo que ele pode ser,
dado os recursos naturais que tem
em mãos?
Então, assim fica provado que este é o código de conduta perfeita, e
que o fundamento perfeito da Civilização Cristã são os Dez Mandamentos da Lei de Deus.
Necessidade da graça divina
Diz bem São Tomás de Aquino
que esses Dez Mandamentos pesam ao homem. Não há mesmo para
o homem um fardo mais terrível do
que o do cumprimento deles. Porque
20
nossa natureza, maculada pelo pecado original, está a todo momento
nos convidando a uma ação contrária a esses Mandamentos.
E por isso afirma ele que, embora os homens pela razão vejam que
esses Mandamentos são verdadeiros, se Deus não os tivesse revelado
os homens não os descobririam. Porque é tão penoso levar o raciocínio
até o último ponto, e concluir contra
as apetências de sua própria carne,
que os homens não conheceriam esses Mandamentos por sua maldade.
Mais ainda. Se Deus não desse
uma graça especial aos homens, estes não seriam capazes de cumprir
longamente, na sua totalidade, os
Mandamentos da Lei de Deus. Os
homens precisam para isso da graça,
por sua natureza eles não os podem
cumprir.
Se a ordem humana só é verdadeiramente ordem se os homens
cumprirem os Mandamentos da Lei
de Deus, mas os seres humanos são
incapazes de cumpri-los, logo a ordem humana é impossível se nos ativermos apenas aos homens. Temos
de considerar a graça.
A Civilização Cristã é, portanto,
um produto da graça, um milagre, é
o maior milagre de Deus; depois do
homem católico, da família católica,
o maior milagre de Deus é a Civilização Cristã, obra-prima da graça, que
eleva o homem acima de si mesmo
e lhe faz viver na Terra as condições
de vida que seriam mais próprias aos
Anjos no Céu.
Esses dados considerados, vemos
bem que caminhamos para o extremo oposto. Nós nos damos conta facilmente de que estamos nos aproximando da negação completa de todos os Mandamentos, e da animalização total do homem.
Mas se o Criador deu aos homens
e aos povos a sua Lei, o mundo não
poderá terminar sem que em certa
época da História os povos de fato
tenham cumprido essa Lei, sem que
o mundo de fato tenha sido Católico
Apostólico Romano.
De maneira que, apesar de todas
as trevas contemporâneas, de todas
as apreensões de hoje, recuem os outros se quiserem, dobrem-se diante
de Belial, do demônio, haverá sempre um punhado de católicos que dirá: “Nós somos inconformados! Nós
não cedemos! Nós continuamos a esperar! Nós lutaremos até o fim! E
nós teremos a vitória!”
Não são fáceis as horas que tereis diante de vós. Elas são luminosas, brilhantes, difíceis. No momento
em que se aproxima a nossa despedida, não é sem apreensão que vos vejo dispersados.
Com efeito, penso nas inúmeras
dificuldades que vos aguardam, na
pressão do ambiente, na força do
mimetismo que leva cada homem a
se conformar com o que pensam e
dizem os outros homens, na sedução enorme dessa civilização anticristã que se avulta diante de nós,
no efeito desmoralizador que sobre
os melhores produzem tantas capitulações e, por que não dizer, tantas traições…
A Arca da Aliança que trará
a vitória para o mundo
Mas não posso deixar de me lembrar de que houve um exemplo augusto de Alguém que, em circunstâncias que não hesito em qualificar
de infinitamente piores, permaneceu
fiel, não se entregou, não fraquejou,
não traiu, não recuou. E, mesmo na
hora mais trágica que houve e haverá na existência da humanidade,
continuou de pé como uma tocha de
oração, de esperança.
Sabemos que houve um momento trágico em que o Sol se toldou em
pleno dia, a Terra tremeu, as sepulturas dos justos se abriram na Cidade Santa, e os cadáveres dos homens
que tinham morrido na Antiga Lei
em união com Deus se levantaram.
Francisco Lecaros
E no meio das trevas, nos estertores
da Terra que tremia, no ruído dos prédios que caíam, nos gemidos dos feridos e das pessoas que choravam, no silêncio da natureza animal aterrorizada, eles passeavam com os olhos fechados, com os corpos envoltos por
aquelas tiras estreitas que enfaixavam
antigamente os mortos, exprobando
de boca fechada aos que tinham crucificado o Salvador.
Era, como disse Bossuet, o Padre
Eterno fazendo as pompas fúnebres
de seu Divino Filho. O Templo estremeceu e seu véu se rasgou. Dele saíram os Anjos, ali entraram os demônios. Aquilo tudo, até então objeto
da benevolência de Deus, foi execrado e atirado para o lado.
Ao pé da Cruz o horror, quase
ninguém era fiel. Nosso Senhor tinha num dilúvio de dores exclamado
o seu consummatum est. Ele estava
exangue; não tinha mais nada a oferecer do seu sacrifício.
Nesta hora o bom ladrão se preparava para deixar a Terra, o centurião que ferira Nosso Senhor pouco
depois de morto se golpeava no peito. Algumas pessoas recolhidas ao
pé da Cruz choravam. A alegria, entretanto, não desertara de uma alma.
A alma mais inconforme com tudo aquilo, que mais execrava tudo
aquilo, que mais odiava tudo quanto
se passava, que mais amava o Salvador morto, que mais esperava, mais
certeza tinha: a certeza de todas as
certezas! Uma Fé que continha toda a Fé que deveria haver no mundo
até o fim dos tempos!
E esta era a alma celestialmente inconformada de Nossa Senhora:
Stabat Mater dolorosa iuxta crucem,
lacrimosa. Em latim, stabat quer dizer estava em pé.
Portanto, Ela estava em pé em toda a força de seu corpo e de sua alma,
com os olhos inundados de lágrimas,
mas com a alma inundada de luz! Maria Santíssima tinha a certeza que, depois das grandes tragédias, do abando-
Calvário - Museu de Belas Artes, Dijon, França
no geral, viria a aurora da Ressurreição, da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, nimbada de glória a partir de Pentecostes. E de cruzes em luzes, de luzes em cruzes o mundo chegaria até aquele momento que em Fátima Ela prenunciou: “Por fim, o meu
Imaculado Coração triunfará!”
Meus olhos e minha alma se voltam para Vós, Senhora do Carmo,
cuja festa hoje se celebra.
Vós que fostes a Fundadora do
grande veio de profetas que começou
com o Profeta Elias, e irá até o fim do
mundo com o carisma de profecia na
Santa Igreja Católica Apostólica; Vós
que ensinastes antes mesmo de existir, que fostes o modelo daqueles que
creram no Redentor que viria, o apogeu da esperança desses varões de
Deus, pois que Vós fostes a nuvem da
qual choveu o Salvador, Vós sois hoje
a Arca da Aliança da qual virá a vitória para o mundo!
Enchei, ó minha Mãe, desta certeza, desta inconformidade, desta coragem de estar de pé na derrota e na
adversidade, esperando o dia de glória, os vossos filhos aqui reunidos. É
o que Vos peço nesta oração final.v
(Extraído de conferência de
16/7/1971)
1) Trata-se do encerramento de um Congresso de jovens, realizado em São
Paulo.
2) Termo derivado de “Axiologia”: ramo
da Filosofia que estuda os “valores”,
isto é, os motivos e as aspirações superiores e universais do homem, as
condições e razões que dão rumo à
sua existência, para os quais ele tende
por insuprimível impulso da sua natureza.
21
C
alendário dos
1. Santo Aarão. Sacerdote do Antigo Testamento, da tribo de Levi, irmão de Moisés.
2. São Swithun, bispo (†862). Bispo de Winchester, Inglaterra, foi, segundo a tradição, capelão do rei Egberto de Wessex e tutor de seu filho, o
príncipe Ethelwulf.
3. Solenidade de São Pedro e São
Paulo, Apóstolos. (Transferida do dia
29 de junho).
São Tomé, Apóstolo.
São Leão II, Papa (†683). Ver página 2.
Francisco Lecaros
4. Santa Isabel de Portugal, rainha
(†1336).
Beato José Kowalski, presbítero e
mártir (†1942). Sacerdote salesiano,
morto no campo de concentração de
Santos – ––––––
Auschwitz, Polônia, depois de passar
por atrozes tormentos.
5. Santo Antônio Maria Zaccaria, presbítero (†1539).
Santo Atanásio de Jerusalém, diá­
cono e mártir (†451). Diácono da
Igreja da Ressurreição, assassinado
pelo monge herege Teodósio, cuja impiedade tinha recriminado durante o
Concílio de Calcedônia.
6. Santa Maria Goretti, virgem e
mártir (†1902).
Beata Maria Teresa Ledóchowska, virgem (†1922). Nobre austríaca, fundadora do Instituto de Missionárias
do Sodalício de São Pedro Claver, em
Roma, dedicado a auxiliar as missões
na África.
7. Beato Bento XI, Papa (†1304).
Frade da Ordem de Pregadores, promoveu durante seu curto pontificado
a concórdia, a renovação da disciplina
e o crescimento da religião.
8. Santos Áquila e Priscila (†séc.
I). Colaboradores de São Paulo, estes
santos esposos o acolhiam em sua casa e arriscaram suas vidas para defendê-lo.
Santa Brígida
22
11. São Bento, abade (†547).
Santa Marciana, virgem (†c. 303).
Ver página 26.
12. São Pedro Khanh, presbítero
e mártir (†1842). Reconhecido como
sacerdote enquanto passava por uma
alfândega, foi preso, torturado e decapitado em Nghê An, Vietnã.
13. Santo Henrique, Imperador
(†1024).
São Silas (†séc. I). Enviado pelos
Apóstolos para pregar aos gentios,
juntamente com São Paulo e São Barnabé.
14. São Camilo de Lélis, presbítero (†1614).
Beato Gaspar de Bono, presbítero (†1604). Abandonou a carreira das
armas para se dedicar a Deus na Ordem dos Mínimos. Morreu em Valência, Espanha, sendo Provincial.
15. São Boaventura, bispo e Doutor da Igreja (†1274).
Beata Ana Maria Javouhey, virgem (†1851). Fundadora da Congregação das Irmãs de São José de
Cluny, em Paris.
9. Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus, virgem (†1942).
São Joaquim He Kaizhi, mártir
(†1839). Catequista estrangulado em
Guiyang, China, por sua Fé cristã.
16. Nossa Senhora do Carmo.
Beata Hermengarda, abadessa
(†866). Bisneta de Carlos Magno, entregou-se ao serviço de Deus no mosteiro de Chiemsee, Alemanha, do
qual foi abadessa.
10. XV Domingo do Tempo Comum.
Santo Agostinho Zhao Rong, presbítero, e companheiros, mártires
(†1648-1930).
São Pedro Vincioli, presbítero e
abade (†1007). Reconstruiu a Igreja de São Pedro, em Perúgia, Itália, e
construiu junto a ela um mosteiro sob
a regra cluniacense.
17. XVI Domingo do Tempo Comum.
Bem-aventurado Inácio de Azevedo, presbítero, e companheiros, mártires (†1570).
Beato Paulo Gojdich, bispo e mártir (†1960). Sendo ordinário da Eparquia de Presov, na Eslováquia, foi jogado na prisão onde com uma corajosa confissão passou para a vida eterna.
São Silas
18. São Simeão de Lipnica, presbítero (†1482). Pregador franciscano, devoto do Nome de Jesus, morreu em Cracóvia, Polônia, contagiado pelas vítimas
de uma epidemia, das quais cuidava.
19. Santa Macrina, virgem (†379).
Irmã dos santos Basílio Magno, Gregório de Nisa e Pedro de Sebaste. Versada
nas Sagradas Escrituras, retirou-se para
levar uma vida solitária no mosteiro de
Annesi, no norte da Turquia.
20. Santo Apolinário, bispo e mártir (†c. séc. II).
São José María Díaz Sanjurjo, bispo e mártir (†1857). Dominicano espanhol, eleito Bispo do Tonkín
Oriental, Vietnã. Morreu decapitado
durante a perseguição ordenada pelo
imperador Tu Ðúc.
21. São Lourenço de Bríndisi, presbítero e Doutor da Igreja
(†1619).
Santa Praxedes, virgem (†a. 491).
Consta ter sido filha do senador romano Pudente, convertido por São
Pedro. Deu nome à Basílica de Santa
Praxedes, no Esquilino.
23. Santa Brígida, religiosa (†1373).
São João Cassiano, presbítero
(†c. 435). Após ter sido monge na Palestina e eremita no Egito, fundou em
Marselha, França, a abadia de São Vitor, composta de duas comunidades:
uma masculina e outra feminina. Escreveu as Instituições Monásticas e as
Conferências.
finlandês que ele mesmo havia libertado da escravidão.
24. XVII Domingo do Tempo Comum.
São Charbel Makhluf, presbítero
(†1898).
Beata Cristina, religiosa, chamada
“a Admirável” porque nela Deus operou coisas realmente admiráveis, tanto em seu corpo, pois teve que sofrer
muito, como em sua alma, enriquecida com fenômenos místicos. Faleceu
no convento de Saint-Trond, em Brabante, Bélgica (c. 1224).
30. São Pedro Crisólogo, bispo e
Doutor da Igreja (†c. 450).
Beata Maria Vicenta de Santa Doroteia Chávez Orozco, virgem
(†1949). Fundou em Guadalajara, México, o Instituto das Servas dos Pobres.
25. São Tiago Maior, Apóstolo.
Santa Maria do Carmo Sallés y
Barangueras, virgem (†1911). Fundadora da Congregação das Irmãs da
Imaculada Conceição, em Madri.
29. Santa Marta, irmã de Lázaro e
Maria.
Santo Olavo, rei e mártir (†1030).
Difundiu a Fé e combateu a idolatria
no Reino da Noruega. Morreu atravessado pela espada dos seus inimigos.
31. XVIII Domingo do Tempo Comum.
Santo Inácio de Loyola, presbítero (†1556).
São Justino de Jacobis, bispo
(†1860). Religioso lazarista enviado
como missionário à Etiópia, onde sofreu fome, sede, tribulações e prisão.
Gustavo Kralj
Divulgação (CC3.0)
––––––––––––––––––– * Julho * ––––
26. São Joaquim e Sant’Ana, pais
de Maria Santíssima.
Santa Bartolomeia Capitanio, virgem (†1833). Junto com Santa Vicenta Gerosa, fundou a Congregação das
Irmãs da Caridade de Maria Menina.
Morreu tuberculosa aos 26 anos.
27. Beata Maria Madalena Martinengo, abadessa (†1737). De família
nobre, entrou como religiosa no convento capuchinho de Bréscia. Foi favorecida com fenômenos místicos e
deixou escritos que revelam sua incomum espiritualidade.
22. Santa Maria Madalena.
Beato Agostinho de Biella Fangi, presbítero (†1493). Sacerdote domi28. São Botvido, mártir (†1100).
nicano, oriundo da nobre estirpe dos Sueco de nascimento e batizado na
Fangi, que dispensou numerosos bene- Inglaterra, trabalhou na evangelizafícios em Soncino, Vigevano e Veneza.
ção de sua pátria. Foi morto por um
Santo Aarão
23
O
pensamento filosófico de
Dr. Plinio
Francisco Lecaros
A procura de
um superior
Todo homem deseja e procura seu superior, a qualquer título.
A existência de superiores é uma condição natural para a
inteira prática da virtude da religião. O maior crime que se pode
cometer contra uma civilização é a supressão dos superiores, de
maneira que as almas fiquem numa terrível orfandade.
D
o ponto de vista natural,
prescindindo, portanto,
da graça para efeitos de
estudo, o que vem a ser a força da
presença de Deus e no que isto sustenta o homem?
Um jovem que deseja ser
cavaleiro e vê passar ao
longe Carlos Magno
Tenho a impressão de que, assim como dos elementos somados
de uma paisagem resulta o panorama — o qual é muito mais do que o
elenco de seus elementos constitutivos —, assim também, de várias influências conjugadas resulta o fato
de que o verdadeiro superior dá para
o inferior uma impressão de alguém
que é uma resposta a uma pergunta, que é a pergunta da vida dele e
o preenchimento de algo de que sua
alma está vazia.
Nesse sentido, todo homem deseja e procura seu superior, a qualquer
título.
E o maior crime que se pode cometer contra uma civilização é a su-
24
pressão dos superiores, de maneira que as almas fiquem nessa orfandade, terrivelmente péssima, de não
sentir que o superior aparece e que
preenche o horizonte da vida.
Esse anseio por um superior corresponde a algo por onde a pessoa,
melhor do que nunca, nota o conjunto todo da Criação reunido num
ponto panoramático, a partir do qual
ela capta melhor aquele panorama
que explica a sua alma até o fundo,
dando respostas às perguntas sem as
quais o viver dela não tem sentido.
A título de exemplo, poderíamos
imaginar um rapaz do tempo de Carlos Magno que tem o desejo de ser
cavaleiro, mas nem tem noção clara de cavalaria. Está cavalgando pelos Pirineus, e numa volta de caminho vê passar ao longe Carlos Magno e seus cavaleiros. Ele fica encantado, vai correndo, presta ao soberano uma homenagem e pede licença
para entrar naquela coorte.
Esse é um momento sagrado, pois
o que há de mais semelhante, mais
adequado a ele, por onde ele explica a vida e encontra o caminho para
Deus, aparece de repente diante dele, e é como que um encontro com o
Criador.
Distâncias majestosas,
intimidades paternas
O que está dentro do homem bramindo, gemendo, sob a forma de aspirações implícitas que a realidade
contingente não satisfaz; o que há de
nobre em certos desejos, que o homem não conhece, mas que gemem
dentro dele à procura de uma explicitação, de uma realização, de uma
conexão para se tornarem mais elevados; tudo quanto é o próprio impulso na vida do homem; tudo quanto há de nobre na alma enquanto alma; tudo isso nesse momento se coloca em posição porque encontrou
seu superior que lhe explica tudo.
Nisso o homem vê Deus que Se explica a ele por uma espécie de semelhança, que passará a orientar e a interpretar sua vida até o fundo. E estabelece-se um comércio entre Deus
e o que a alma tem de mais delicado,
e ao mesmo tempo de mais forte. De
Jacques Renier (CC3.0)
Carlos Magno - Parc d’Avroy. Liège,
Bélgica. Ao fundo, Pirineus franceses
maneira que todas as ternuras e
também todos os vigores se instalam
naturalmente nesse comércio.
Um cavaleiro assim seria capaz
de confessar os seus pecados para
um homem desses, embora sabendo
que não se trata de uma absolvição.
Ato de suma intimidade e ao mesmo
tempo de ternura. Sentir-se-ia, ademais, cheio de alegria ao contemplar
esse homem num trono, ainda que
ele se mantivesse afastado do trono
a uma distância enorme. E ao presenciar uma ação solene diante deste homem, por exemplo, coroando-o, o cavaleiro sentiria todas as distâncias majestosas e todas as intimidades paternas em relação ao superior, fundidas num todo só, o que representaria para ele algo que é a figura de Deus.
É como nós veremos, no Céu, a
Deus Nosso Senhor. Infinitamente
transcendente a nós, mas na realidade o centro de nossa própria vida.
Entre superior e inferior há, pois,
uma relação pela qual o superior está continuamente dando ao inferior
toda essa corrente de “deiformidades”, que penetram nele e o vão modelando.
Às vezes, quando o pai é
bom, é um mero precursor, porque o chefe
o indivíduo vai encontrar em outras
circunstâncias da
vida.
Abstraindo de
superiores, não
podem existir verdadeiramente as condições naturais próprias para uma inteira prática da virtude da religião. Porque é
só em função disso bem
constituído que a virtude da religião se estabelece de um modo completamente adequado.
Quando esse fenômeno é irrigado pela graça — creio que normalmente o é —, então entra qualquer
coisa que toma a graça do Batismo e
dá a ela um fluxo especial.
Má influência exercida sobre
a criança em muitos colégios
Algumas crianças têm certa noção da nobreza de sua própria alma — eu excluo aqui, completamente, a ideia de aristocracia terrena —,
por onde elas, olhando no fundo de
si mesmas, percebem a existência de
algo muito elevado e nobre, que já
habita ali. E acrescento, sem vacilação: percebem algo de muito santo. Quer dizer, muito conforme também à ordem sobrenatural, em que
uma criança discerne em si mesma
a própria graça de Deus que pousa
sobre ela, mas especialmente sobre
aquilo por onde é especialmente ela
mesma e difere de todo mundo.
Isso dá à criança uma experiência interna de ser participante da natureza divina, chegando até a notar,
em termos católicos, algo de divino
em si mesma.
Quando a criança é fiel a isso, ela
está ordenada, muito mais facilmente do que outras, a desenvolver tudo aquilo por onde tem em si radicalmente a semelhança de Deus. E,
por isso, procurar com mais empenho, analisar com mais finura e encontrar com maior certeza o superior de sua vida.
Lamentavelmente, a maior parte
das crianças perde isso no colégio, se
não antes. Na vida da escola aparece, com o agarra-agarra e o empurra-empurra, o problema da comparação: esse veio com um automóvel
mais bonito, o outro com não sei o
quê… E isso no meio daquela folia
e da zoeira do colégio, que se prolonga cabeça adentro até quando a
criança dorme.
A criança é violentamente arrancada dessa ordem de cogitações e
lançada no desenrolar da vida. Ela
deixa de se perguntar quem ela é
— interrogação através da qual encontra o seu superior — e passa a se
perguntar como sobrepujar este ou
aquele; surgem apegos, amizades e
inimizades…
Aí entram as paixões desordenadas
que calcinam a alma, na qual o ambiente procura incutir a ideia de que
aqueles sentimentos interiores imbecilizam o homem, e são fatores negativos quando ele se põe na luta pela vida dentro do colégio: tornam-no menos capaz de berrar e de correr.
Ou seja, a criança era um Jacó em
meio aos Esaús. E, para se redimir
daquela situação, ela se joga naquela
“esausada” e perde esse senso inicial
incomparável.
v
(Extraído de conferência de
20/7/1984)
25
Hagiografia
Santa Marciana e o
testemunho dos mártires
Nos primeiros séculos da História da Igreja, milhões de
mártires deram sua vida por Nosso Senhor. Por que não
reagiram contra os tiranos? A Providência chamou-os para
uma forma de heroísmo que correspondia aos desígnios d’Ela
naquele tempo e que não era liquidar e vencer, mas aguentar
e morrer. O testemunho dos mártires é uma das grandes
provas da veracidade dos fatos narrados no Evangelho.
T
ecerei comentários sobre Santa Marciana, virgem e mártir,
cujos dados biográficos foram
tirados da obra do Abbé Ferrier: La
grande fleur de la vie des Saintes.
“Ó meu Divino Mestre,
vou feliz para Vós!”
patotenere (CC3.0)
Em Rouzucourt, pequena cidade da
Mauritânia, Argélia de hoje, vivia em
fins do século III uma jovem chamada Marciana, tão piedosa quanto bela, que consagrou muito cedo sua virgindade a Deus e deixou tudo para viver numa cela perto da cidade romana.
Paisagem da Argélia,
correspondente à
Mauritânia romana
26
Ora, um dia a virgem, inspirada
sem dúvida pela voz do Senhor, saiu
de sua cela e veio se misturar à multidão que circulava na cidade, agitada
por uma emoção porque corriam os
dias sangrentos da perseguição desencadeada no mundo inteiro pelo ímpio
Diocleciano.
Marciana, chegando pela porta Tipásia, viu colocada numa praça uma
estátua de mármore da deusa Diana.
Aos pés da deusa corriam águas límpidas num tanque também de mármore.
A intrépida virgem não pôde suportar a visão do ídolo impuro e fez o ídolo em mil pedaços. Uma multidão fu-
riosa se lançou sobre ela e a maltratou
horrivelmente. Depois a arrastaram
ao pretório, perante o juiz imperial.
A altiva cristã riu-se dos deuses de
pedra e de madeira e gloriou-se de
adorar o Deus vivo, e O exaltou no
templo, com voz eloquente.
O juiz pagão irritou-se e entregou-a aos gladiadores para que servisse de joguete a infames ultrajes. A virgem permaneceu serena e sem medo.
Durante três horas, com efeito, Deus
a defendeu no meio desses brutos, atacados de terror e imobilidade. Pela
oração da angélica mártir um deles se
converteu a Jesus Cristo.
estivestes comigo na prisão, Vós me
guardastes pura, e agora Vós me chamais. Ó meu Divino Mestre, vou feliz
para Vós! Recebei a minha alma!”
Neste momento o tirano lançou-lhe um leopardo monstruoso que,
com suas garras horríveis, despedaçou os membros da heroica virgem e
lhe abriu o glorioso caminho do Céu.
(
lon
bu
Je
CC
Desafio à idolatria numa
atitude carregada do
mais belo espírito épico
3 .0
)
Diocleciano
)
3.0
CC
a(
ab
cG
Diana, deusa da
mitologia romana
Eri
O tirano, confuso, redobrou seu
ódio ímpio e, não podendo desonrar a
virgem cristã, condenou-a a ser estraçalhada por animais ferozes.
Marciana, quando chegou a hora, caminhou para a arena como para
uma alegre festa, bendizendo a Jesus
Cristo. Amarraram-na ao local do suplício e contra ela foi lançado um leão
furioso, que logo se atirou sobre a vítima, ficou em pé e colocou suas garras sobre seu peito. Depois se afastou
bruscamente e não a tocou mais.
O povo, tomado de admiração, gritou que libertassem a jovem mártir,
mas um grupo misturado à multidão
e sempre sedento de sangue cristão pediu que lançassem agora contra Marciana um touro selvagem. A fera aproximou-se dela e com seus chifres furiosos lhe fez no peito uma horrível ferida. O sangue jorrou e a virgem caiu
agonizante na arena.
Tiraram-na de lá por um momento, estancaram-lhe o sangue e, como
ainda lhe restasse um pouco de vida,
o bárbaro tirano a fez amarrar ainda
uma terceira vez.
Marciana ergueu seus olhos ao céu,
um sorriso iluminou seu rosto marcado pelo sofrimento. “Ó Cristo! — gritou — eu Vos adoro e Vos amo. Vós
Esta ficha belíssima merece alguns comentários debaixo de um
ponto de vista que não será, talvez, o
que ocorre logo de início.
À primeira vista temos o espetáculo de um heroísmo extraordinário,
que nos deixa desconcertados. Para
dizer tudo numa palavra só, um heroísmo milagroso.
Trata-se de uma santa que é uma
eremita no sentido próprio da palavra, quer dizer, ela vive inteiramente
isolada, nas proximidades de uma
pequena cidade da África, no
tempo do Império Romano,
época na qual o Norte da
África era todo constituído de colônias romanas e
estava tão latinizado quanto a Europa latina. Depois, a
invasão dos vândalos derrubou o domínio romano e eliminou de lá a raça latina. Mas naquele tempo se tratava de uma região inteiramente latinizada. Ela era, provavelmente,
uma latina; seu nome indica isso.
E como uma eremita, ela não se
misturava com nada nem com ninguém.
Um dia, tocada pela graça e
sem saber ela mesma por que,
Marciana vai para a cidade e encontra, então, a cena típica das épocas de perseguição: uma praça pública para onde tinham transportado o ídolo de Diana, a deusa da caça. Foi colocada junto a uma fonte, cujas águas estavam represa-
das por um recipiente de mármore.
E o povo era obrigado a ir adorar esse ídolo. Quem não o adorasse, seria morto.
Ela, tomada de um justo ódio
contra esse ídolo que era a afirmação de uma religião oposta à de Nosso Senhor Jesus Cristo, revestida de
uma força que não se sabe bem de
onde lhe vinha — porque a imagem
que dela nos dá a ficha é de uma jovem bela, graciosa, portanto frágil
—, empurra o ídolo para o chão, a
cabeça se separa do corpo e ele fica
em pedaços.
O crime de si, debaixo do ponto de
vista romano, era muito grande, principalmente se tomamos em consideração que essas estátuas não eram
para eles o que são as imagens para
nós. Uma imagem de Nossa Senhora, por exemplo, quem a quebra comete um sacrilégio porque rompe algo que é a figura de Nossa Senhora,
27
te era um dos aspectos da
idolatria deles, que acreditavam ser aquela estátua a
deusa Diana. Havia várias
Dianas, em diversas cidades, aquela era a deusa Diana daquela cidade.
Com uma coragem muito
grande, numa atitude carregada do mais belo espírito épico, ela joga o ídolo no chão — e já entro na
análise do épico do acontecimento. Vemos, então, uma
virgem frágil, débil, uma eremita solitária, recolhida, reclusa, que sai do seu êremo e faz aquilo que os homens de vida ativa não
realizariam, que os católicos da região, com certeza, não tinham coragem de fazer: ela vai ao
“Gladiador” (afresco) - Museu
ídolo,
o derruba e o esNacional de Arte Romano,
patifa. Quer dizer, ela deBadajoz, Espanha
safia a idolatria no que essa
tem de mais central, de momas não é Nossa Senhora em pessoa.
do ostensivo. Ela não derruba apeSabemos que essa estátua não faz senas a imagem, mas esta se quebra
não representar a Santíssima Virgem,
em vários pedaços.
que está realmente no Céu em corAtacada por gladiadores
po e alma. Mas para os idólatras pagãos a estátua era o próprio deus. Ese animais ferozes
Marciana se encontra ali de pé,
afrontando o tirano que, em nome do
Imperador Diocleciano, está condenando à morte a todos os católicos.
E ela enfrenta, então, a morte, com
uma coragem e serenidade absolutas.
Por que ela não parte para matar o tirano? Entre outras razões
porque é uma jovem e não tem forças para isso. Deus não lhe deu essa missão. Ela não é uma Santa Joana d’Arc. De momento, a sua missão
é diferente. Ela deve desafiar, mostrar a força de Deus de um modo diverso.
Como Marciana mostra a força
de Deus? Ela é exposta a vários tormentos e a epopeia continua. É su-
Robek (CC3.0)
Yuntero (CC3.0)
Hagiografia
28
jeita aos ataques de um grupo de
gladiadores, quer dizer, de homens
da ralé, extremamente sensuais, que
têm ordem de pular em cima da jovem, abusar dela como entenderem,
e depois matá-la.
Então se dá este fato incrível: ela
se encontra ali tranquila, e o que ela
mais ama na Terra, sua virgindade,
sua fidelidade a Deus, está exposta ao risco iminente, ou seja, que
os gladiadores podem pular em cima dela de um momento para outro.
Durante três horas esses homens estão ali imobilizados e não conseguem se aproximar dela. Uma força
misteriosa vence os gladiadores.
Temos aí a primeira manifestação
dos traços característicos da Idade
Média: é o domínio do Direito sobre a força, do espírito sobre a matéria, da virgindade sobre a concupiscência. Na ordem natural das coisas, ela representa tudo aquilo
que na Civilização Cristã é
frágil. Mas
ela desafia. E por
uma força­
sobrenatu­
ral mostra que
soou outra era
da História: tudo
quanto é frágil, reto, digno vai começar a dominar tudo
quanto é turbulento
e representa a força
material, tudo quanto
é bestial, tudo quanto,
segundo a ordem natural das coisas
depois do pecado original, costuma
dominar, avassalar a Terra.
Ela reza tranquila, e ninguém se comove. Era normal que várias pessoas
se comovessem, que o tirano se abalasse. Um gladiador se converte; os
outros, não. O gladiador que se converte é ele mesmo uma prova do caráter sobrenatural do que se passava.
E mandam logo vir outro animal
para saltar em cima dela: é um leão.
Sergio Hollmann
fato matá-la e soltam então um leopardo que pula em cima dela e a estraçalha. Marciana morre docemente, chamando a Deus Nosso Senhor e
confessando que ela vai para o Céu.
Conversão dos povos da
bacia do Mediterrâneo
Alguém dirá: que sentido tem esse acontecimento? Ele é apenas manifestação de uma epopeia? Toda
epopeia tem uma finalidade. Qual é
a finalidade dessa? Era apenas mos-
trar que ela não queria ceder ante o
paganismo? Ou somente desejava
impressionar a opinião pública por
meio de seu martírio?
Vê-se que foi tudo miraculoso,
desde o princípio ao fim. Esse foi um
dos milagres que deveriam atestar,
junto ao povo ainda pagão, a veracidade da Religião Católica e com isso
contribuir para a conversão da Bacia
do Mediterrâneo.
A grande obra da Igreja Católica,
nos séculos da antiguidade, foi a conversão dos povos da Bacia do Mediterrâneo, os quais converteram, por sua
vez, os povos bárbaros que vinham do
Norte. E foi porque estes se converteram também que nasceu a Europa católica, a Idade Média, a Civilização católica. As missões de todos os outros
Apóstolos que partiram para outras
terras — como São Tomé, na Índia,
na Etiópia, etc. — foram mais ou menos, ou inteiramente, rejeitadas. No
Mediterrâneo, por desígnio da Providência, a quantidade enorme de mártires e de milagres converteu os povos.
E daí veio, por sua vez, toda a epopeia
da Civilização católica.
Para abrir os olhos desses povos,
era preciso um grande número de
milagres e que, ao mesmo tempo, esses não fossem puros fatos materiais:
o leão saltou em cima da virgem e
não conseguiu devorá-la; os gladiadores tiveram missão de estraçalhá-la e não conseguiram avançar contra ela. Era necessário que nesses
milagres se visse a beleza da Doutrina Católica, da Civilização Católica que ia jorrar daí. Era a civilização
da virgindade, da castidade; a civilização dos fracos que recebem forças sobrenaturais e enfrentam todas
as forças materiais; a civilização daqueles que sabem que para a alma
que tem Fé nada é impossível, e que
enfrentam todos os obstáculos, pouco ligando para estes, porque, Deus
estando com eles, conseguem tudo.
Aqui está verdadeiramente o senso
de epopeia afirmado.
Derek Ramsey (CC3.0)
Mais uma vez se repete o contraste
maravilhoso; é épico: a virgem que
está de pé e o leão que avança sobre
ela e, para trucidá-la, deita a pata nela. Podem imaginar o que representa uma patada de um leão numa donzela! De repente a fera para e sai. O
povo todo se entusiasma, começa a
aplaudir e pede clemência para ela.
Cria-se, então, uma agitação e começam a pedir que vá um touro por
cima de Marciana. Soltam o touro
que avança, lhe dá uma chifrada e ela
cai. E então se vê o sangue purpúreo,
o sangue virginal daquela donzela,
daquela mártir, que sai generosamente da horrível ferida. Mas os perseguidores não se contentam
com isso. Querem de
Argumento apologético
para os séculos vindouros
Alguém dirá: “Dr. Plinio, então
o senhor assinala dois pontos: milagres para converter os povos do Mediterrâneo, o perfume da Doutrina
Católica e a beleza simbólica desses acontecimentos para atrair as almas a essa Doutrina. Mas por que
essa santa, em vez de morrer dilacerada por um touro, não foi protegida por Deus até o fim? E o Criador
não deu ordens para o touro liquidar
com o governador romano? Não teria sido uma coisa muito mais bonita
ver o touro, o leão, o leopardo de repente pularem, como um cavalo alado, por cima da tribuna do governador romano, matá-lo e depois fazer
uma chacina e implantar ali o domínio dos católicos? Não seria então,
muito antes de Constantino, uma espécie de revanche católica que nos
daria as glórias da vitória? Para que
tanta gente que morre praticamente
sem resistir, tantos milagres que não
dão numa vitória que só Constantino
veio alcançar?”
Uma pessoa, com muito fundamento, muita razão, muito bom senso, dias atrás me fez essa pergunta.
Eu estava apressado, não dei a resposta, mas a dou agora: Uma das provas de que Nosso Senhor Jesus Cristo existiu e de que os fatos narrados
pelo Evangelho são verdadeiros —
provas válidas para os homens de ho-
29
je, de quinhentos anos atrás, para os
homens até o fim do mundo —, está precisamente no testemunho dos
mártires. Não se tratava apenas de
vencer, mas de dar um argumento
apologético para os séculos vindouros. Qual era esse argumento apologético? Os fatos narrados no Evangelho se deram na presença de muitíssima gente. Por sua vez, as testemunhas desses fatos, ou os filhos delas,
foram dispersas por todo o Império
Romano, pela pressão de Tito à nação judaica. Os inimigos acérrimos
dos católicos poderiam alegar que os
fatos narrados pelo Evangelho eram
falsos, dizendo: fale com esse, com
aquele, com aquele outro; eles dirão
que isso não existiu, que esses fatos
não são verdadeiros.
Havia judeus por todo o Império
Romano. De mais a mais, muitos deles que ali viviam já não eram propriamente procedentes da Judeia, mas
chamados da diáspora, que se tinham
dispersado antes de Jesus Cristo. Esses judeus viajavam frequentemente
a Jerusalém, o ponto de atração de interesse máximo para eles, e se inteiravam das coisas que lá aconteciam.
Todos eles poderiam ter desmentido o Evangelho, o que deveria criar
nas pessoas que ouvissem os Apóstolos, ou seus seguidores, uma dúvida.
Entretanto, os judeus não desmentiam fatos públicos notoríssimos, e isso confirmava os cristãos na Fé. Estes
estavam tão certos de que aqueles fatos eram verdadeiros que, como Marciana, deixavam-se estrangular, eram
as testemunhas vivas da veracidade
da narração do Evangelho.
Isso levou um escritor não católico, Pascal, a dizer uma coisa muito verdadeira: “Eu creio no que contam testemunhas que se deixam estrangular.” E é verdade. Essas testemunhas, para provarem que a Religião Católica é verdadeira, se deixavam estrangular. Nenhuma prova melhor da veracidade da coisa do
que a estrangulação.
30
Divulgação (CC3.0)
Hagiografia
Martírio de Santa Marciana
O testemunho dos mártires
prova a veracidade
do Evangelho
Então, durante muitos séculos e
até hoje, uma das melhores provas de
que a Religião Católica é verdadeira
e de que os fatos narrados no Evangelho são verdadeiros, é o testemunho dos mártires por toda a extensão
do Império Romano. Assim, se compreende que a Providência dava a esses homens o apelo para uma forma
de heroísmo que correspondia aos
desígnios d’Ela naquele tempo e que
não era liquidar e vencer, mas aguentar e morrer. Se eles tivessem vencido, dir-se-ia: uma seita venceu. E não
se teria um argumento inteiramente seguro. Dessa forma, ficou a prova: milhões e milhões tiveram tanta
certeza que eles se deixavam matar.
Quer dizer, a prova do sangue foi dada exuberantemente e todas as gerações vindouras creram por causa deles. E é por causa disso que a Providência não os convidou a uma cruzada contra os pagãos, mas, pelo contrário, a essa forma de reação cujo
sentido profundo hoje se percebe, e
naquele tempo não se percebia.
Fica, então, patente o milagre
da Providência. Se Ela deu a Santa Marciana a força para derrubar
o ídolo, não lhe concederia energias
para ir até a tribuna do representante do imperador, do procônsul, para
esbofeteá-lo, jogá-lo no chão, apunhalá-lo, liquidá-lo? É evidente que
sim. Para Deus nada é impossível.
Mas que prova seria para nós a vida de Marciana, se ela tivesse ficado
proconsulesa depois? Que prova seria para os séculos futuros? Nenhuma. Era preciso que houvesse dois
milagres: primeiro, da resistência
contra todos os obstáculos; e depois,
em determinado momento, um obstáculo que vem e a respeito do qual
Deus não dá mais resistência.
Então, volto a dizer, existem três
operações sobre a opinião pública:
ela vai e quebra o ídolo; há a prova
do milagre e a prova do martírio. Essas provas são tão boas que duram
até nossos dias. v
(Extraído de conferência de
18/2/1972)
da
Civilização Cristã
Alain Patrick
Luzes
Vista da cidade de
Florença, Itália
Florença e a perfeição
das formas
A arte florentina se caracteriza pela perfeição das formas e seu
estilo despojado. Embora alguns monumentos de Florença
causem respeito e admiração por seu grande valor artístico,
a mania do despojado — hoje tão difundida — parece uma
censura a Deus que não fez um universo sem ornatos.
E
m certo sentido, podem-se considerar como sendo três as metrópoles de irradiação do espírito
renascentista a partir da Itália: Florença, Veneza e Roma. Cada uma delas teve um papel determinado
na difusão desse espírito.
Palácio da Senhoria: exemplar
típico do espírito florentino
Do ponto de vista artístico, enquanto Florença prima pela busca na perfeição das formas, Veneza procura
realçar a supremacia das cores sobre o desenho. Roma,
por sua vez, é a síntese dos vários aspectos da Renascença, onde os Papas procuraram recolher obras-primas de
todas as fontes e formas de beleza.
O espírito florentino é muito raciocinante e amigo de
ver nas coisas principalmente o aspecto resultante do silogismo. Essa é uma posição quase ascética dos renascentistas, que recusa à imaginação muitas invenções, e
ao sentimento um papel muito grande na elaboração do
conjunto do pensamento humano. Pelo contrário, vive de
cálculos, proporções, perspectivas realmente bem elabo-
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da
Civilização Cristã
Nesta página e na seguinte,
aspectos do Palácio da
Senhoria - Florença, Itália
rados. Tendência da qual, a meu ver, nasceria o racionalismo.
É o que principalmente notaremos nos edifícios florentinos que analisaremos a seguir.
O palácio dito da Senhoria de Florença foi durante muito tempo a sede do governo de um pequeno Estado, que
ocupou na cultura e no pensamento humano um lugar
enorme, constituindo uma grande potência do pensamento.
O Palácio da Senhoria de Florença é um exemplar
típico do espírito florentino. O que há de cor neste palácio? Do lado de fora, nada. Um tijolo de um aspecto
agradável, mas nada mais do que isso. Uma torre bonita
com um relógio que lembra o de Siena1. Notam-se em algumas das janelas ainda certo sentido ogival; outras, porém, constituem meros furos realizados na parede sem
sentido de beleza especial nenhum.
A torre não está no meio do edifício. Na ótica moderna,
a torre deveria estar bem no centro, segundo um princípio
elementar do traçado artístico razoável, desejável. Mas
neste palácio a torre fica empurrada um pouco para o lado, e o relógio posto na raiz da torre, quando normalmente o colocaríamos na parte de cima daquelas ameias, para
ser visto pelo maior número possível de pessoas.
Há embaixo, nos dois ângulos do edifício, dois ornatos
extrínsecos ao palácio, mas que ajudam a ter uma ideia da
harmonia total dele. São duas estátuas monumentais, de
estatura maior do que a de um homem. Não lembro bem o
que as estátuas representam. Elas são de um mármore bem
alvo, e contrastam bastante, portanto, com a cor do prédio.
Edifício sério, altivo, lógico
No meu modo de entender, esse edifício é lindo, extraordinário enquanto sério, altivo, lógico em tudo. O mo-
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do pelo qual essa torre se ergue altaneira no monumento é formidável.
Mas não se pode negar que ele nos leva a perguntar
se não poderia ser um pouco mais coerente em alguns
de seus aspectos. Por exemplo, não vejo o objetivo funcional daquelas quatro janelinhas numa primeira fileira; depois uma embaixo da quarta, colocada ali, onde tudo levaria a crer serem necessárias pelo menos algumas
das janelas do estilo das três que estão mais ou menos
na mesma linha, continuando para a direita. Por que isso é assim? Não se entende.
Por outro lado, um aspecto que exprime, no meu modo de entender, a secura do estilo é a repetição dessa disposição de janelas em baixo. Depois, surgem de repente
duas ou três janelinhas muito mais curtas, sem arcos em
cima, colocadas ali não se sabe por quê. Por fim, no andar térreo, duas portinhas.
Dir-se-ia que são elementos de feiúra. Entretanto, o
conjunto agrada enormemente. Por quê? Porque a boa
ordem da fachada — indiscutivelmente há uma
bela boa ordem aí — faz
esquecer os defeitos dessas janelinhas. Ou, pelo contrário, essas janelinhas entram meio subconscientemente no espírito como elementos
dessa boa ordem. Sou
mais propenso à segunda ideia.
De uma dessas janelas parte um balcão.
Não se diria que um palácio monumental comportaria um balcão
mais bonito, mais elegante? Entretanto, é esticadinho e sequinho.
Não obstante, o palácio
é de uma beleza mundialmente elogiada. No
mundo inteiro encontram-se estampas, postais, álbuns apresentando esse edifício deste ângulo.
Se o comparamos
com certos palácios de
Veneza, que parecem
descidos de um céu empíreo, das nuvens, notaJoJan (CC3.0)
Alain Patrick
Luzes
sonofgroucho (CC3.0)
mos uma diferença colossal de psicologias. Esta é a psicologia florentina.
Vê-se ali o emblema de Florença: a flor de lis vermelha que caracteriza, na heráldica, a cidade.
Uma palavra sobre a arcada. São três arcos só, entretanto, pela suavidade deles — eu quase diria pela doçura séria, hierática, agradável dos arcos — a arcada completa e atenua um pouco o que o palácio tem de seco. São
três arcos famosos, que constituem uma parte do décor
da Praça do Palácio da Senhoria.
Duas atitudes de alma face
ao Palácio da Senhoria
Antes de passar adiante, eu queria apenas apanhar
uma impressão que me vem de um prédio localizado ao
fundo, em um dos lados da arcada. É um edifício comum,
provavelmente construído no século XIX. Mas imaginem uma pessoa que tenha um escritório naquele prédio, onde ela exerce uma
função muito absorvente. Vamos dizer que, por
exemplo, no primeiro
andar desse edifício, esteja instalada uma grande agência internacional de notícias, na qual
informações chegam a
toda hora e que precisam ser difundidas a cada instante. É necessária uma vigilância muito
grande, para distinguir
as notícias verdadeiras
das falsas, da boataria,
para condensar e enviá-las para o maior número de pessoas possível,
responder às perguntas
que vêm, etc.; é um contato com o mundo inteiro que se dá ali.
Quando chega a hora de encerrar o expediente, a agência de notícias fecha e o indivíduo, que esteve ali o dia
inteiro em contato com o
que há de mais moderno
no acontecer do mundo
contemporâneo, sai. Ele
deixou um automovelzi-
nho qualquer encostado ao Palácio da Senhoria. Chove,
ele sai com uma capa de chuva, fumando um cigarrinho,
cansado, chega até lá e toma seu automóvel.
Ele está com o pensamento, com o temperamento e
todo o modo de ser dele completamente voltado para o
mundo contemporâneo. O Palácio da Senhoria, com essa loggia e esses três arcos, ele vê todos os dias e não tem
nenhuma providência a tomar a respeito disso.
Podemos imaginar esse homem com dois modos de
ser distintos: um é o indivíduo atolado no mundo moderno do qual gosta, e que passa perto disso como uma coisa importuna. Se ele olhar para ela, tira o espírito dele
dos gonzos do seu ganha-pão para considerações com as
quais ele não tem nada o que fazer. Então, o Palácio da
Senhoria, para ele, é uma coisa com a qual ou sem a qual
o mundo vai tal e qual.
Se, pelo contrário, ele tem um grande espírito, distancia-se um pouco e, apesar da chuva, pensa: “Deixe-me
descansar um pouco, olhando essa beleza. Vou tomar
um “banho” de alma pensando nisso, contemplando um
pouco isso.” Entra no automovelzinho, dá um giro, recua
o veículo e, enquanto acaba de fumar o seu cigarro, ele
fica olhando pela enésima vez em sua vida o Palácio da
Senhoria. Aquilo entranha na alma dele, a qual fica rica de um depósito de arte que é uma coisa incomparável.
Homens como este último são incomparavelmente
mais raros do que os do primeiro tipo.
A Ponte Vecchio
Gostaria de chamar a atenção para a cor desse rio.
Tem-se a impressão de um cristal colorido, de um verde um pouco dado a certo tipo de musgo, que se tornou
líquido e está correndo lentamente. Trata-se do famoso
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da
Civilização Cristã
Vitor Toniolo
Luzes
Vistas da Ponte
Vecchio - Florença, Itália
k
ric
n
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Targeman (CC3.0)
Al
t
Pa
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Rio Arno de Florença, de águas lindas, e em cujas margens se sucederam fatos históricos extraordinários.
Sobre ele passa a conhecidíssima Ponte Vecchio. Para
compreender a constituição dessa ponte, precisamos nos
reportar às condições militares da cidade de Florença na
Idade Média, com muralhas de todos os lados para se
defender contra as agressões de fora. Naturalmente, havia uma grande vantagem para os florentinos em morarem dentro do espaço protegido pelas muralhas, porque
quando havia cercos, a família, com seus pertences, estava a salvo do incêndio e do saque dos adversários que,
muitas vezes, a primeira coisa que fazem quando investem sobre uma cidade é arrasar as construções localizadas do lado de fora e tocar fogo, para as muralhas ficarem atingíveis de alto a baixo.
Acontece que, sendo muito caro aumentar as muralhas, os habitantes se espremiam dentro da cidade. Assim, por falta de lugar onde colocar as pessoas, certas
casas foram construídas em cima da ponte. E algumas
até suspensas, meio com base na ponte, e meio no ar,
com uma suspensão muito sólida, sem qualquer perigo
de ruir. Compreendo que isso deixasse apreensivo a algum de nossos contemporâneos. Eu, entretanto, dormiria ali completamente despreocupado.
Vemos, assim, de um lado e de outro, ao longo da ponte, prédios suspensos por meio de apoios fixados na própria ponte, o que indica uma falta de espaço tremenda!
No andar térreo funciona algum comércio e, em cima,
habitações.
O Lungarno degli Archibusieri
1) Ver Revista Dr. Plinio n. 219, p. 32.
Giovanni Dall’Orto (CC3.0)
Lembro-me de que, em uma das vezes que estive em
Florença, jantei em um restaurante instalado sobre um
tablado posto sobre estacas no Rio Arno. E exatamente
no lugar onde eu estava havia uma espécie de fresta na
madeira — pedacinhos de madeira tinham caído no rio
—, e pela fresta se via passar o Arno. Este é tão bonito,
que para mim a atração do jantar foi ficar o tempo todo
olhando pela fresta.
Eu me recordo de que nos hospedamos em um hotel
que era uma antiga torre talvez medieval, adaptada inteiramente para hotel, e dando para uma avenida ao longo do Arno, que se chamava Lungarno degli Archibusieri.
O arcabuz é uma arma de fogo do período inicial desse
tipo de armas ainda na Renascença. O arcabuzeiro era
o soldado que portava essa arma. Lungarno quer dizer
“ao longo do Arno”, e as várias partes ao longo do Arno chamavam-se Lungarno disso, Lungarno daquilo; o local onde eu estava era Lungarno degli Archibusieri, uma
verdadeira beleza. O nome é lindo e, estando deitado na
torre, tem-se a impressão de ouvir a marcha cadenciada
dos arcabuzeiros que caminhavam para alguma guerra
de conquista de um terreninho com quatro ou cinco galinheiros, que iam arrancar da cidade vizinha.
O comércio existente no andar térreo dos prédios dessa ponte é riquíssimo, magnífico. Creio já ter contado que,
numa das vezes em que estive aí, eu procurava uma lembrança para Dr. João Paulo e Da. Lucilia e entrei numa
loja de antiguidades, no andar térreo. Entrei um pouco
para ver a loja e, entre os objetos expostos, observei um
par de castiçais para se colocar em criado-mudo. Precisamente faltava arranjar uma peça bonita desse gênero para o quarto deles. Perguntei quanto custava. Era um preço fabuloso. Aí prestei mais atenção; os castiçais tinham
me encantado, mas eu não tinha feito o raciocínio muito
simples de que tudo que encanta é caro e, portanto, eu deveria desconfiar do preço. Mas era um cristal com tais e
quais qualidades, cujo preço eu não podia pagar. Os castiçais, em vez de irem para a Rua Alagoas, 350, onde eu residia com meus pais, ficaram na Ponte Vecchio não sei por
v
quanto tempo. Talvez ainda estejam lá... (Continua no próximo número)
(Extraído de conferência de 23/11/1988)
Lungarno degli Archibusieri - Florença, Itália
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Nossa Senhora da Luz Profética
A
luz profética é um discernimento por onde vemos, e como que apalpamos, as graças que
Nossa Senhora nos concede, e cuja característica é fazer com que passem as inseguranças,
os egoísmos, os subjetivismos, os langores. Enquanto essa luz brilha, tudo isso acaba.
É como o Sol: quando ele se põe, as aves noturnas, os bichos feios, os animais agressivos começam a se mover dentro da floresta. Quando o Sol se levanta, eles procuram suas tocas, seus ninhos,
buracos e somem. Esse sol é a luz profética.
Nossa Senhora da Luz Profética é Maria Santíssima enquanto resplandecente dessa luz, de um
modo inenarrável! Ela, de vez em quando, obtém para nós raios dessa luz para nos fazer completamente outros.
Nada no mundo vale tanto quanto esta luz. Com ela tudo se resolve; sem ela, tudo fica difícil.
Nossa Senhora nos dá a entender o seguinte: “Meus filhos, essa é uma luz que vem do Céu, é a
luz do meu Reino. Peçam-na, acreditem nela e deixem-se transformar por ela.”
(Extraído de conferência de 16/9/1974)