RPG e educação _2_ - (EAD)

Transcrição

RPG e educação _2_ - (EAD)
FACULDADES INTEGRADAS DE TAQUARA - FACCAT
LICENCIATURA EM LETRAS - HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E
RESPECTIVAS LITERATURAS
RPG E EDUCAÇÃO: A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO POR MEIO DE
JOGOS DE INTERPRETAÇÃO
ALESSANDRO JEAN LORO
TAQUARA
2013
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 2
2 O QUE É RPG? .................................................................................................................................................. 4
2.1 DEFINIÇÃO ..................................................................................................................................................... 4
2.2 JOGADORES ................................................................................................................................................... 5
2.3 LIVROS E ACESSÓRIOS ................................................................................................................................... 7
2.3.1 Módulo Básico ...................................................................................................................................... 7
2.3.2 Suplementos .......................................................................................................................................... 7
2.3.3 Dados .................................................................................................................................................... 7
2.3.4 Ficha de Personagem ........................................................................................................................... 8
2.4 EXEMPLO DE JOGO......................................................................................................................................... 8
3.1 O RPG NO BRASIL ....................................................................................................................................... 13
4 RPG E EDUCAÇÃO ........................................................................................................................................ 15
4.1 O RPG EM SALA DE AULA ............................................................................................................................ 17
4.2 EXPERIÊNCIA COM OFICINAS ........................................................................................................................ 19
5 CONCLUSÃO .................................................................................................................................................. 21
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 22
ANEXOS .............................................................................................................................................................. 23
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1 INTRODUÇÃO
O RPG (sigla inglesa para role playing game, “jogo de interpretação de
papéis”) é um jogo de interpretação grupal envolvendo narrativas que se
desenvolvem no plano da imaginação. Nele, os jogadores interpretam personagens
pré-definidos segundo algumas regras seguindo uma linha narrativa proposta por
outro jogador, denominado “narrador” ou “mestre de jogo”. O gênero surgiu nos
Estados Unidos no começo dos anos 70 e difundiu-se no Brasil principalmente
durante os anos 90.
Em nossa área de conhecimento, o uso dos jogos de interpretação pode
render frutos inimagináveis. Desde a construção de um personagem, passando pela
linha narrativa construída pelo diálogo dos jogadores, tudo envolve língua, leitura e
produção textual. Segundo Andréa Pavão, “o objetivo do jogo encontra-se
justamente em desenvolver uma narrativa” (PAVÃO, 2000)
Embora estimule a produção e a interpretação textual, a interação social, o
uso da criatividade e o raciocínio lógico-matemático, o RPG ainda não é conhecido
como ferramenta pedagógica em nosso país, quer seja pela sua novidade como
instrumento midiático quer seja pelo preconceito em relacionar um jogo ao ensino.
Nossos educadores ainda parecem presos aos grilhões da teoria sisuda, não
lembrando o termo etimológico da palavra lúdico. Apenas a ideia de um grupo de
adolescentes envoltos em livros, lápis e folhas, produzindo uma história juntos por
horas a fio, sem outro objetivo a não ser a diversão, faria qualquer professor de
português idolatrar o jogo.
A falta de literatura falando sobre RPG e educação é enorme, ainda mais se
tratando de leitura e escrita, um fato realmente estranho. Pavão, buscando literatura
para suas pesquisas, deparou-se com o mesmo problema que encontrei: “no campo
da linguagem e mais especificamente sobre as práticas de leitura e de escrita que
emergem do RPG e que nele circulam, não foi encontrado nenhum trabalho”
(PAVÃO, 2000).
Em buscas realizadas em livrarias, sites e mesmo em trabalhos acadêmicos,
poucos foram os resultados válidos. Além disso, o próprio jogo ainda é
desconhecido em nosso país. Faz-se necessário uma maior divulgação do hobby
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bem como fornecer subsídios aos professores que desejem trabalhar com jogos de
interpretação em sala de aula.
Assim sendo, meu principal objetivo com esse trabalho é fornecer
informações sobre os jogos de interpretação com a finalidade de estimular a leitura
e a produção textual. Para tanto, através de meus conhecimentos como jogador e
professor, citarei alguns pontos a serem desenvolvidos posteriormente para o uso
do RPG nas escolas.
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2 O QUE É RPG?
Alguém poderia objetar que quanto mais a obra
tende para a multiplicidade dos possíveis mais
se distancia daquele unicum que é o self de
quem escreve, a sinceridade interior, a
descoberta de sua própria verdade.
Ao
contrário, respondo, quem somos nós, quem é
cada um de nós senão uma combinatória de
experiências, de informações, de leituras, de
imaginações? Cada vida é uma enciclopédia,
uma biblioteca, um inventário de objetos, uma
amostragem de estilos, onde tudo pode ser
continuamente mexido, reordenado de todas as
maneiras possíveis. (CALVINO, 1990, p. 138)
2.1 Definição
RPG é a sigla em inglês para role playing game, que pode ser traduzido como
jogo de interpretação ou de representação de personagens. Ao contrário do que
ocorre nos países de língua espanhola e francesa, no Brasil a sigla permanece em
inglês.
Ele é um jogo pouco convencional se comparado a outros jogos que
conhecemos, daí a dificuldade em defini-lo. Podemos dizer que RPG é uma forma
diferente de contar histórias, uma mistura de teatro com jogos de estratégia. Em
uma peça de teatro, os atores interpretam personagens, ou seja, fingem ser quem
não são. Em um jogo de estratégia, você precisa seguir certas regras para atingir
um objetivo, superar um desafio ou vencer seu oponente. Em um jogo de RPG
esses dois universos se fundem: assim como nos jogos de estratégia, você deve
seguir um sistema de regras que dirá o que você pode ou não fazer e, como no
teatro, interpretará seu personagem, dando voz a ele.
Entretanto, em uma peça de teatro há um roteiro definido: a narrativa está
concluída, não é possível mudar o final da peça, por exemplo. Em RPG, a narrativa
se desenrola durante o jogo: conforme os eventos forem ocorrendo, você tomará
atitudes diferentes e dará novos rumos à história. Do mesmo modo, em um jogo de
estratégia, sempre há um vencedor e um perdedor, mas no RPG esses termos não
existem: o objetivo não é vencer, é apenas colaborar tornando a narrativa
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interessante e divertida para todos. Essa cooperação, esse incentivo ao trabalho em
equipe é tão característico do RPG que ele será o único jogo permitido durante a
primeira viagem tripulada para Marte (veja em anexo a reportagem publicada na
Folha de São Paulo, em 21/07/96).
Uma partida de RPG pode ser chamada de aventura (tradução literal do
inglês quest, embora a palavra em inglês possa significar também “uma busca por
algo difícil de ser encontrado”). Denominamos campanha quando um mesmo grupo
utiliza os mesmos personagens durante uma série de aventuras, formando uma
verdadeira saga com seus heróis.
2.2 Jogadores
Seu personagem é um aventureiro, um herói
que e envolveu numa missão épica em
busca de fortuna e glória. Outros
personagens se unirão a ele, em um grupo
de aventureiros, para explorar masmorras e
combater monstros, como os terríveis
dragões ou os trolls carnívoros. Estas
buscas se transformarão em histórias,
determinadas pelas ações que o seu
personagem executa e pelas situações que
o Mestre apresenta. (COOK, 2004)
Existem dois tipos de jogador: o Jogador-Personagem (em inglês PC, de
Player Character, no Brasil, é geralmente chamado apenas de Jogador) e o Mestre,
ou Narrador (em inglês, DM, de Dungeon Master, ou GM, de Game Master). Um
grupo de RPG geralmente possui de três a dez pessoas. Não há um limite definido,
mas grupos maiores que esse acabam atrapalhando o desenvolvimento da história.
Um deles é o Mestre e os demais são os Jogadores.
O Jogador cria seu personagem seguindo as regras do sistema escolhido por
seu grupo. Ele inventa um passado para seu personagem, ou seja, cria uma história
de vida, conhecido como background. Baseado nesse background, o Jogador
tomará as decisões que acontecerão durante o jogo. O papel do Jogador é
semelhante ao do ator em uma peça de teatro.
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Por outro lado, o Mestre é um tipo especial de jogador. Só há um deles em
um grupo. É ele quem cria a história a ser “jogada” pelos outros Jogadores.
Diferente dos outros, o Mestre não possui um personagem próprio, mas cabe a ele
controlar todos os coadjuvantes da história. Ele é uma mistura de árbitro, roteirista,
ator e diretor. Segundo Andréa Pavão, em seu livro A Aventura da Leitura e Escrita
entre Mestres de Role playing Game,
(...) haveria uma proximidade entre o contador de histórias, o narrador e o
mestre de RPG, pelo papel que assumem ao conduzir uma leitura, seja ela
de um livro, de um caso ou de uma aventura fantástica, para um ou mais
ouvintes, que não mantêm uma postura passiva. (PAVÃO, 2000)
Cabe a ele conduzir a narrativa e ponderar os efeitos das atitudes dos
Jogadores na história. Por acumular tantas funções, o Mestre geralmente é o
jogador mais experiente. Conhecer bem as regras é fundamental para evitar
contradições, uma vez que ele pode até mesmo quebrá-las para manter a fluidez da
narrativa. No vocabulário RPGista, utiliza-se a expressão “mestrar” com o sentido de
“atuar como mestre durante uma partida”.
O Mestre de RPG possui muitas responsabilidades. Como ele é o narrador, o
que ele narra acontece na narrativa, então, se ele decidir que todos os Jogadores
foram presos ou ficaram ricos, isso acontece na história e a partir daí ela continua. É
dele também o papel de pré-roteirista: embora não escreva a história completa, ele
precisa criar um rumo a ser seguido, que poderá variar durante o jogo, seguindo o
que os Jogadores decidirem fazer.
Justamente por possuir as incumbências listadas acima, o Mestre de RPG
geralmente é o jogador que mais lê e o que mais escreve. Como uma espécie de
editor da narrativa construída, é ele quem lê os livros de referência, quem descreve
tudo o que está acontecendo, enfim, é ele quem dá vida à história. Muitas vezes,
buscando ideias para suas narrativas, o Mestre recorre aos mais variados suportes
e gêneros, como observou Andréa Pavão em seu livro “A aventura da leitura e
escrita entre Mestres de role playing game”:
Parece ser através dessa pilhagem que o mestre lança-se no mundo da
leitura dos gêneros mais diversos, buscando elementos nos livros de
história, geografia, romances, ficção científica, mitologia, etc, para alimentar
a construção de outras narrativas. (PAVÃO, 2000)
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2.3 Livros e Acessórios
Os materiais necessários para um jogo de RPG variam muito, bem como
suas definições:
2.3.1 Módulo Básico
O módulo básico é um livro que descreve o sistema de regras de um RPG.
Alguns títulos trazem todas as regras necessárias para começar a jogar em um
único tomo, enquanto outros, como o Dungeons & Dragons, possuem dois ou mais
tomos.
2.3.2 Suplementos
Os suplementos trazem mais regras e descrições para complementar o jogo.
Podem trazer novas regras para a criação de personagens, ideias para os Mestres
de jogo, aventuras prontas, bestiários descrevendo inimigos a serem enfrentados
pelos Jogadores ou equipamentos para esses. Por fim, um dos suplementos mais
procurados são os chamados cenários de campanha. Esse suplemento descreve
com detalhes justamente o cenário em que a história será narrada. Pode descrever
uma cidade, uma determinada construção ou mesmo um mundo inteiro. O maior
deles é Forgotten Realms, que descreve o mundo de Toril. A descrição é tamanha
que há até mesmo alguns atlas sobre o cenário.
2.3.3 Dados
Os dados representam a aleatoriedade, o acaso. Por exemplo, durante uma
aventura de RPG, o Mestre narra que os personagens vêem uma criança afogandose no mar. Um dos Jogadores declara que seu personagem tentará saltar na água
para salvar a criança. Ora, assim como no mundo real, esse ato heróico pode dar
certo ou não. Então, rolando os dados e seguindo as regras, saberemos se o
Jogador conseguiu ou não sua façanha e a história prosseguirá seguindo esse
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resultado. Cada sistema de regras define quais dados serão usados e que valores
são necessários para ser bem sucedido em determinada ação. Quanto mais difícil a
ação, mais difícil será conseguir esse número na rolagem dos dados. Alguns RPGs
utilizam os dados comuns, de forma cúbica, com seis lados, mas alguns utilizam
dados multifacetados, com quatro, oito, dez, doze, vinte ou trinta lados. Há ainda
alguns que utilizam certos tipos de cartas para definir o aleatório.
2.3.4 Ficha de Personagem
A ficha de personagem é uma planilha em que vários números são dispostos,
seguindo as regras do sistema em questão. Em uma comparação com a
computação, eles seriam como o hardware do personagem. Por exemplo, se na
ficha de personagem está escrito que ele possui “falar Português 50%”, isso
significa o quão bem (ou quão mal) o personagem conhece a língua portuguesa. Em
resumo, são os números necessários para que o personagem funcione dentro das
regras do jogo.
2.4 Exemplo de Jogo
Entre os jogadores de RPG, é comum a expressão: “não adianta explicar; só
se aprende jogando”. De fato, explicar a dinâmica do jogo sem exemplificar é
praticamente impossível. Pode-se passar uma noção, mas não a totalidade. Visando
uma melhor compreensão por parte do leitor, abaixo segue um exemplo de jogo. Na
verdade, uma transcrição de um trecho de uma aventura “mestrada” por mim e
jogada por outros dois Jogadores.
Os Jogadores eram M, cujo personagem, Julius, era um cavaleiro, e D, que
interpretava um arcebispo de nome Giuseppe. A aventura era ambientada na
Europa na Baixa Idade Média, mais precisamente no sul da Itália. Os personagens
estavam deslocando-se em direção à capital, Roma, quando encontraram uma casa
em chamas.
Mestre – Após algumas horas cavalgando, vocês observam uma densa
fumaça negra subindo aos céus.
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Jogador M – Eu aviso Giuseppe para ficar aqui e cavalgo um pouco à frente,
para ver o que é.
Mestre – Você vê um casebre em chamas. Alguns homens portando tochas
correm ao redor dela, gritando e rindo. Você percebe que há alguém preso dentro
da casa.
Jogador M – São quantos homens?
Mestre – Três.
Jogador M – Parecem guerreiros?
Mestre – Não, parecem pastores. Vestem roupas de peles e gorros de lã
crua.
Jogador M – Eu volto e digo: “Giuseppe, precisarmos de teus serviços”.
Jogador D – Eu pergunto: “O que houve? O que vistes?”
Jogador M – “São saqueadores, estão atacando uma casa de camponeses”
Jogador D – “São muitos?”
Jogador M – “Não, apenas três. Mas preciso de sua ajuda. Pegue, é uma
besta. Aponte para um deles e atire quantas vezes for preciso caso não obedeçam
minhas ordens”. Eu digo isso, alcanço minha besta para Giuseppe e cavalgo em
direção a casa, ordenando que parem em nome de Deus.
Mestre – D, seu personagem sabe usar bestas?
Jogador D – Sim, tenho 33%.
Mestre – Ok. Julius cavalga, apontando sua lança em direção aos homens e
ordenando que parem. Um deles corre em sua direção e lança uma tocha.
Jogador M – Utilizo meu escudo para aparar.
Mestre – Teste Agilidade.
Jogador M – Tenho 56%. (rola os dados) 52! Na tampa.
Mestre – A tocha choca-se contra seu escudo e cai no chão. Os três homens
se agrupam. Estão armados com porretes.
Jogador D – Eu me aproximo, sem mostrar a besta e digo: “Meus filhos, pelo
amor de Deus e da Santa Igreja, parem com essa loucura”.
Mestre – Um deles sorri, fala algumas palavras em um idioma que você não
entende e lança-lhe uma pedra que trazia em mãos.
Jogador D – Eu tento desviar. Tenho 44% em Agilidade. (rolando os dados)
76...
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Mestre – A pedra acerta seu peito, lhe ferindo de leve.
Jogador M – Eu dou carga sobre eles.
Mestre – Ok, qual deles?
Jogador M – O que atingiu Giuseppe.
Mestre – Ok, role os dados.
Jogador M – Tenho 60%. (rola os dados) 25. Isso!
Mestre – Você o derruba com um golpe certeiro em seu braço. O homem
tomba e recua para perto da casa. Você vê que há uma mulher com um bebê dentro
da casa. O fogo vai queimá-los vivos.
Jogador D – Eu saco a besta e grito “Por Deus, Julius, salve aquela gente!”. E
atiro em um dos dois que estão próximos ao M.
Mestre – Role os dados.
Jogador D – (rolando os dados) 25. Acertei!
Mestre – Sim, mas de leve. O homem permanece no local, porém ferido.
Jogador M – Eu cavalgo em direção à casa e tento entrar nela.
Mestre – Um dos homens tenta puxar sua perna para que caia.
Jogador D – Eu tento acertá-lo com uma seta.
Mestre – Ok, jogue os dados.
Jogador D – 89... droga...
Mestre – Você acerta Julius na perna. Surpreso pela dor, você acaba caindo.
Jogador D – Eu tento atropelar os homens com meu cavalo e entrar na casa.
Mestre – Você aperta as esporas, lanhando o flanco de seu cavalo. Ele
dispara. Você deita sobre as costas e sente a crina lambendo-lhe a tonsura. O
primeiro homem recua, com medo de ser atropelado. Você está diante da casa.
Jogador M – Eu tento deter os homens para que Giuseppe consiga salvar as
pessoas.
Jogador D – E eu adentro a casa, tirando minha capa, primeiro, e molhando-a
com a água de meu cantil para me proteger.
Enfim, esse é apenas um exemplo. É interessante notar como a narrativa foi
sendo desenvolvida conforme acontecia. O Mestre havia colocado a casa, a mulher
com o bebê e os três salteadores no caminho dos Jogadores, mas esses poderiam
ter evitado a rota, poderiam ter atacado a distância, chamar por socorro, enfim, tudo
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seria possível. Aqui podemos notar os dados atuando como o aleatório. O arcebispo
tentou acertar o homem que tentava derrubar o cavaleiro, mas o Jogador tirou os
números errados nos dados. Logo, atingiu o próprio amigo. Mas, o que teria
acontecido se ele tivesse conseguido acertar? Certamente a história teria outro
rumo. Um Mestre pode planejar um milhão de possibilidades para a narrativa, mas
os Jogadores criarão um milhão e uma durante o jogo. O desenrolar da história e o
desfecho é uma surpresa para todos.
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3 HISTÓRIA DO RPG
O RPG surgiu nos EUA durante a década de 70, advindo dos antigos jogos
de estratégia denominados wargames. Nesses jogos, cada jogador controlava um
exército, representado por dezenas ou centenas de miniaturas metálicas
confeccionadas em chumbo, vagando por tabuleiros denominados dioramas. Os
wargames eram muito populares entre os jovens, uma vez que não havia
videogames nem internet e a televisão ainda dava seus primeiros passos.
Com base nesses jogos, Gary Gygax e Dave Arneson, dois jovens
americanos, criaram, em 1974, o Dungeons & Dragons, até hoje o mais famoso jogo
de interpretação do mundo. No princípio, o jogo não era tão diferente dos
wargames: posicionando suas miniaturas em um tabuleiro imitando uma série de
túneis (daí o dungeon, que em inglês, em uma tradução livre, significa masmorra),
os jogadores controlavam um só personagem, não mais exércitos. Além disso, um
jogador passou a ser chamado de dungeon master, o mestre da masmorra, e a ele
cabia preencher o tabuleiro com desafios e recompensas para os demais jogadores,
tudo em uma ambientação semelhante ao universo criado pelo escritor J.R.R.
Tolkien, autor de O Senhor dos Anéis. Daí para um jogo mais interpretativo foi um
pulo.
Dungeons & Dragons fez muito sucesso nos EUA, principalmente nos anos
80, chegando ao ponto de possuir um desenho próprio, que chegou ao Brasil sob o
nome de Caverna do Dragão, transmitido até hoje pela Rede Globo. Além do
desenho, o jogo já rendeu dois filmes e centenas de romances, sem contar os livros
relacionados ao próprio jogo.
Ainda na década de 80, foi lançado o Advanced Dungeons & Dragons, uma
nova edição do jogo, agora melhorada, revista e ampliada, separando de vez os
jogos de interpretação e os wargames. Novos jogos surgiram, explorando novas
ambientações: super-heróis, ficção científica, terror, etc. Em 1986, a Steve Jackson
Games lançou GURPS (Generic Universal Role Playing System, ou seja, sistema
genérico e universal de jogos de interpretação), um RPG com regras genéricas,
comportando qualquer gênero de narrativa, da Idade Média ao futuro distante.
Nos anos 90 surge Vampiro: a Máscara, um RPG adulto, baseado nos livros
da escritora Anne Ricce, em que os personagens interpretam vampiros e suas
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inquietações psicológicas. Jogo considerado por muitos como forte e pesado,
Vampiro: a Máscara aproximou muito mais o RPG do teatro, revolucionando todo o
mercado de jogos de interpretação.
Nesse período, com o surgimento da internet e o avanço imensurável dos
jogos eletrônicos, o RPG acabou perdendo espaço. Em 1997, a editora TSR,
responsável pelo jogo Dungeons & Dragons, entrou em falência e acabou sendo
vendida para outra companhia, a Wizards of the Coast (WotC) fabricante do jogo de
cartas colecionáveis Magic: the Gathering. Em 1999, a multinacional Hasbro, maior
fabricante de brinquedos do mundo, comprou a Wizards of the Coast e a
transformou em uma de suas subsidiárias.
Possuindo o jogo mais popular e mais vendido no mundo, a WotC decidiu
apostar em uma nova edição do jogo, buscando reerguer o mercado RPGístico. A
terceira edição do Dungeons & Dragons surgiu no ano 2000 e causou nova
revolução: a liberação de seu sistema de regras para a criação de novos jogos. Ao
contrário do que se esperava, as outras editoras não sofreram com o monopólio
planejado pela WotC, pelo contrário: impulsionadas pelo renome Dungeons &
Dragons, mesmo não podendo citá-lo em seus próprios jogos, as editoras de RPG
encontraram novo fôlego. Até 2006, o chamado D20 System dominou o mercado
editorial de jogos de interpretação, com inúmeros lançamentos ao redor do mundo.
Em 2009, buscando atrair novos jogadores, a WotC lançou a quarta edição
de Dungeons & Dragons, aproximando a dinâmica do jogo à dos jogos eletrônicos e
não liberando seu sistema de regras como havia ocorrido na terceira edição. Apesar
das críticas recebidas pelos jogadores antigos, que geraram uma onda de
demissões na editora, a nova edição parece estar conquistando aos poucos seu
espaço.
3.1 O RPG no Brasil
O RPG chegou ao Brasil no final dos anos 80, através de estudantes de
intercâmbio. Como não havia publicações brasileiras e a importação de livros era
caríssima, os jogadores fotocopiavam os livros. Essa primeira leva de RPGistas
ficou conhecida como Geração Xerox. Além disso, como os livros eram importados,
o jogo só era acessível àqueles que compreendiam o idioma inglês. Em 1988, uma
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edição em português foi lançada em Portugal, virando objeto de desejo dos
jogadores brasileiros.
No começo dos anos 90, surge Tagmar, o primeiro RPG brasileiro. O jogo
chegou a fazer sucesso no eixo Rio-São Paulo, mas a editora faliu poucos anos
depois. Na mesma época, a importadora de histórias em quadrinhos e RPG Devir
adquire os direitos de publicação e lança o jogo GURPS em português. Em 1994, a
revista Dragão Brasil, voltada ao RPG, começou a ser publicada mensalmente e
atingiu enorme sucesso. No ano seguinte, a Editora Abril lançou o Advanced
Dungeons & Dragons e alguns livros relacionados ao jogo, mas abandonou o projeto
pouco tempo depois.
Um dos RPGs brasileiros de maior sucesso até hoje foi o chamado Sistema
Daemon, publicado pela editora Daemon. Seu carro-chefe é Trevas, um jogo de
horror moderno, com ambientação semelhante aos livros do autor Dan Brown. O
jogo possui dezenas de livros publicados, dois deles publicados em francês e
espanhol, e centenas de e-books gratuitos no site da editora.
O auge dos jogos de interpretação em nosso Brasil ocorreu entre 1996 e
2005. Nesse período, vários títulos foram lançados, traduções foram feitas,
convenções reuniram jogadores e escritores de todo o mundo em São Paulo.
Infelizmente, aos poucos, a procura pelo jogo diminuiu. Editoras fecharam suas
portas e a até então imbatível Dragão Brasil cessou suas atividades.
Atualmente, o mercado editorial dos jogos de interpretação está em crise no
mundo todo. Concorrendo com jogos eletrônicos cada vez mais elaborados, além
das demais mídias, as editoras ainda sofrem com a pirataria: alguns jogadores
digitalizam seus livros e os disponibilizam na internet. As vendas de material
impresso despencaram nos últimos anos.
Apesar disso, é justamente a internet que tem sido uma ferramenta
inestimável para o jogo: milhares de autores ao redor do mundo disponibilizam suas
obras gratuitamente na internet, através dos e-books. Projetos independentes e sem
fins lucrativos são comuns, inclusive reunindo equipes com designers de jogos,
escritores e ilustradores, fato ainda não visto em outros suportes. As open licenses,
comuns em softwares, transformam esses projetos em obras coletivas magníficas,
unindo jogadores que nem ao menos se conhecem para a criação e divulgação das
obras.
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4 RPG E EDUCAÇÃO
Na escola, os valores dominantes são o real,
a razão. (...) Que lugar se concede à
imaginação? (...) Na escola, a imaginação
da criança é incessantemente retida,
refreada pelas atividades que se lhe
propõem. Quando ela é solicitada,
permanece sob vigilância. (POSTIC, 1991,
p.27)
Como deve ter ficado claro, o RPG é um jogo que desperta a imaginação,
incentiva a leitura, desenvolve a oralidade e o trabalho em grupo. Só a socialização
e o exercício imaginativo propostos pelo jogo já serviriam de justificativa para a
estimulação do RPG nas escolas e centros de ensino. Consequentemente, vários
educadores viram no hobby uma excelente ferramenta pedagógica.
Ao redor do mundo, diversos professores vêm utilizando o RPG dentro de
sala de aula. Do mesmo modo, pesquisadores avaliam a influência do jogo no
comportamento
dos
jovens
e
sua
potencialidade
como
instrumento
de
aprendizagem. Infelizmente, são casos isolados e encontrar informações precisas
sobre esses projetos é extremamente difícil. Portanto, focarei nesse capítulo apenas
os estudos brasileiros sobre RPG e educação.
Uma das primeiras pesquisadoras do assunto em nosso país foi Sonia
Rodrigues. Durante seu mestrado em literatura infantil, em que pesquisou a obra de
Monteiro Lobato, Sonia conheceu o RPG através de seu filho. Após verificar o
potencial do jogo, ela decidiu utilizá-lo em seu projeto de doutoramento. Desse
projeto, surgiu a tese Role playing Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil,
posteriormente transformada em livro de mesmo nome.
Em sua pesquisa, Sonia relaciona o RPG com a pedagogia da imaginação,
proposta por Ítalo Calvino em seu livro Seis Propostas Para o Próximo Milênio.
Nesse livro, questionando os objetivos da atual pedagogia, Calvino reflete:
Penso numa possível pedagogia da imaginação que habitue cada um a
controlar a sua própria visão interior sem a sufocar e por outro lado sem a
deixar cair num confuso e passageiro fantasiar, mas permitindo que as
imagens se cristalizem numa forma bem definida, memorável, auto suficiente
e “icástica”. (CALVINO, 1990, p.108)
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É justamente aí que entraria o RPG, segundo a autora. O Jogador, ao
interpretar seu personagem, consegue um maior domínio sobre sua própria pessoa.
Em segunda instância, vivenciar o conteúdo que se está estudando através dos
jogos de interpretação, internaliza esse mesmo conteúdo de uma forma dinâmica e
divertida. Há uma identificação com a matéria. Ela deixa de ser algo distante e
torna-se algo vivo e atraente.
Com um pouco mais de pesquisa, cheguei ao livro Anais do I Simpósio RPG
& Educação. Só então descobri o amadurecimento dos trabalhos envolvendo RPG e
educação desenvolvidos em nosso país. Durante o décimo encontro internacional
de RPG (evento que ocorria anualmente em São Paulo até o ano de 2009, quando a
nova crise no mercado editorial de RPGs atingiu seu ápice), cerca de 380 pessoas,
entre educadores, pesquisadores, pais e jogadores, reuniram-se para debater o uso
de RPGs em sala de aula. O conteúdo das palestras e debates foi transcrito e
publicado.
Entre os vários autores que passaram pelo evento, incluindo a própria Sonia
Rodrigues, encontrei o nome de Andréa Pavão. Andréa é doutora em educação pela
PUC do Rio de Janeiro e defendeu em sua tese de mestrado a tese A aventura da
leitura e da escrita entre Mestres de role playing game. Nesse trabalho, a autora
pesquisou a fundo a figura do Mestre, principalmente quanto a sua formação.
O Mestre é um jogador especial; embora não seja o único, ele é o maior
responsável pelo sucesso da narrativa. O modo como ele utiliza suas leituras para
reescrevê-las, tecendo novas histórias em parceria com os demais jogadores é um
exemplo raro da polifonia proposta por Bakhtin.
É impossível escrever um trabalho sobre RPG e educação sem citar Carlos
Klimick, Flávio Andrade e Luiz Ricon. Os dois primeiros são fundadores da editora
Akritó, especializada em RPG, principalmente voltados para a educação.
Além de autores de jogos de interpretação, Klimick e Andrade são
professores em escolas do Rio de Janeiro e, desde 1998, vêm utilizando o RPG em
sala de aula em aulas de Geografia, História e Português. Carlos Klimick também é
palestrante e roda o Brasil divulgando o RPG.
Apesar de não trabalhar mais com RPG, Luiz Ricon foi pesquisador da PUCRJ sobre o tema e é autor de vários RPGs nacionais, entre eles O Desafio dos
Bandeirantes, ambientado em um Brasil do século XVI fantástico, em que as lendas
realmente existem, bem como diversas outras crenças. Durante minha pesquisa,
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comuniquei-me com Luiz através de e-mails enviados ao pesquisador. Segundo ele,
o RPG desenvolve nos alunos características como criatividade, socialização,
capacidade de argumentação e liderança, já que é preciso tomar decisões para
definir o rumo da história.
Em posse desses trabalhos, me dispus a relatar alguns possíveis usos do
RPG em sala de aula. Obviamente, dado ao curto espaço de tempo em que a
pesquisa foi desenvolvida, essas são apenas ideias que precisam ser expandidas e
comprovadas, quiçá em uma oficina ou grupo de pesquisa.
4.1 O RPG em sala de aula
A narrativa é um cavalo, um meio de transporte
cujo tipo de andadura, trote ou galope, depende
do
percurso
a
ser
executado,
embora a
velocidade de que se fala aqui seja uma
velocidade mental. (CALVINO, 1990, p.53)
Os jogos de interpretação podem ser utilizados para aproximar o objeto de
estudo e o aluno. Em História, por exemplo, organizar uma aventura em
determinado período histórico seria como levar uma máquina do tempo para a sala
de aula. O aluno não apenas aprenderá a matéria; ele “viverá” as situações que
estuda. O objeto de estudo deixa de ser algo abstrato e distante para tornar-se algo
palpável e próximo. O mesmo exemplo poderia ser utilizado em aulas de Literatura.
Imaginemos uma aventura baseada em “Os Lusíadas”. Os professores de
Literatura e História, em uma atividade interdisciplinar, poderiam elaborar uma
“aventura” sobre a epopeia camoniana. Assim, os alunos poderiam ser membros da
frota de Vasco de Gama e efetivamente “viver” a aventura de singrar os mares
“nunca dantes navegados”.
Quanto à Língua Portuguesa, uma análise de um livro de regras (o já
mencionado “módulo básico”) faria qualquer professor rever sua metodologia de
ensino quanto à estrutura narrativa e personagens. A didática empregada por tais
livros é simplesmente fantástica, trazendo ao leitor as informações “teóricas” em
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pequenas doses, para que esse possa, ao final da leitura, ser capaz de criar seus
próprios personagens e narrativas. Há uma interação entre texto e leitor, visando a
total absorção dos elementos narrativos para que o Jogador possa, sozinho,
contribuir para a história narrada pelo grupo.
Elementos matemáticos existem em todos os RPGs. Desde os números que
compõem a ficha de personagem, passando pelos cálculos percentuais, o uso das
tabelas, cálculos de estatística e probabilidade. Até mesmo os dados multifacetados
utilizados poderiam ser tema de uma aula sobre polígonos. No mesmo exemplo da
aula de História e Literatura, o professor de matemática poderia instigar os alunos a
criarem os dados para o uso nas aventuras propostas pelos outros professores.
“Vocês precisam de um dado com oito lados, certo? Como poderíamos construí-lo?
Qual o nome dessa forma?”. Os cálculos ganham sentido, a matemática é aplicada
em algo palpável e agradável para o aluno.
Como já citado, um dos suplementos mais procurados pelos RPGistas são os
livros que descrevem um cenário. A leitura de um desses livros implica em
conhecimentos geográficos complexos; para utilizar os mapas, por exemplo, é
necessário saber lidar com escalas, pontos cardeais, representações e legendas,
enfim, todos os elementos de cartografia trabalhados na escola. Em segunda
instância, a geopolítica é outro assunto muito abordado: as constantes disputas
entre os reinos descritos nesses livros geralmente advém da busca por recursos.
Resumindo, ler um livro descrevendo um cenário é uma verdadeira aula de
Geografia.
As narrativas criadas pelos grupos de RPG geralmente ocorrem em
ambientes fantásticos, lugares em que há toda uma miríade de criaturas que não
existem em nosso mundo. Para descrever essas criaturas existem os chamados
“bestiários”, ou seja, uma compilação com esses seres fictícios. No entanto, esses
livros parecem-se muito mais com um compêndio de biodiversidade do que com um
livro de mitologias. Temas como ecossistema, cadeia alimentar, vida em sociedade
e ciclo vital são retratados como em um livro de Biologia.
Em resumo, é possível utilizar a mecânica dos jogos de interpretação em
praticamente qualquer disciplina escolar. A pedagogia da imaginação, proposta por
Ítalo Calvino em seu livro Seis Propostas Para o Próximo Milênio – Lições
Americanas, prega que devemos ensinar através de imagens, ou seja, aproximar o
educando daquilo que lhe está sendo ensinado. Não é nenhuma novidade a busca
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por novos métodos que permitam uma aprendizagem mais prazerosa e dinâmica,
mas é preciso que os professores saiam da letargia pregada por uma pedagogia
ultrapassada e percebam que esse é o único caminho se realmente quisermos
mudar a educação em nosso país e no mundo. Basta deixar de lado o medo pela
mudança, o medo do novo, e tentar desbravar esse novo mundo de oportunidades,
transformando o processo de ensino-aprendizagem em algo prazeroso não só para
o aluno, mas também para o próprio professor.
Pensando nisso e levando em conta o presente trabalho, apresento agora
uma proposta para o uso de RPG como incentivador da leitura nas escolas públicas.
O primeiro ponto a ser frisado é a não obrigação. Isso significa que nenhum
aluno deva ser obrigado a conhecer e a jogar RPG. Isso só afastaria ainda mais os
jovens dos livros como também do jogo. É preciso mostrar que ele não é somente
mais uma ferramenta pedagógica. Ele precisa ser divertido, precisa ser algo que
verdadeiramente convide o aluno a participar. Para tanto, proponho que, ao menos
em um primeiro momento, o RPG seja utilizado como uma atividade extraclasse,
uma oficina em turno inverso, por exemplo.
4.2 Experiência com oficinas
Aqui apresento os resultados obtidos por mim em duas oficinas realizadas no
final do ano de 2009. Em ambas o RPG não foi utilizado como ferramenta
pedagógica, apenas como entretenimento. O intuito não era “transpor” algum
conteúdo escolar, apenas apresentar o hobby aos jovens e uma educadora que
parecia interessada no uso do jogo em sala de aula.
A primeira oficina foi oferecida a cinco alunos da sétima série do Ensino
Fundamental e a uma professora de História. Reuníamo-nos em uma sala da
própria escola, no turno inverso, uma vez por semana. Ali, trabalhei o conceito de
RPG, apresentei as regras de um sistema simples e rápido, auxiliei-os na criação
dos personagens e conduzi três pequenas aventuras introdutórias, ambientadas em
um cenário de fantasia semelhante ao visto em livros como O Senhor dos Anéis e
Crônicas de Nárnia.
Após pouco mais de um mês, concluímos as oficinas. Os alunos montaram
um grupo de jogo e iniciaram suas próprias campanhas, reunindo-se aos domingos.
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A professora, embora empolgada com a ideia, acabou não seguindo em frente,
alegando não dominar a sistemática do jogo tão bem para conduzi-lo em sala de
aula.
Apenas por curiosidade, pedi para que os demais professores observassem o
comportamento dos cinco alunos nesse primeiro semestre de 2010. Pedi que
descrevessem para mim se houve melhorias, tanto nas notas obtidas quanto na
participação e na disciplina em sala de aula. Os resultados foram no mínimo
interessantes: os alunos que fizeram a oficina ampliaram seu rendimento em
matérias que envolviam a leitura e a escrita, como Português, História e Geografia.
Buscando dados na biblioteca, descobri que três dos cinco alunos passaram a
retirar livros semanalmente, um costume que antes não possuíam, ficando limitados
aos livros exigidos pelos professores. Além disso, a professora de Português
salientou o desenvolvimento no campo narrativo do aluno que havia se tornado o
Mestre do grupo. Segundo ela, as narrativas escritas por ele durante as aulas
estavam muito bem estruturadas.
A segunda oficina ocorreu logo após a primeira, mas envolveu cinco alunos
do primeiro ano do Ensino Médio. Embora tenha sido aberta aos professores,
nenhum demonstrou interesse. Os encontros também foram semanais, realizados
entre os turnos da tarde e da noite.
A metodologia empregada durante a oficina foi a mesma utilizada com os
alunos do Ensino Fundamental, no entanto, os resultados obtidos não foram tão
satisfatórios. Após o término dos encontros, os alunos, embora tenham gostado da
experiência a ponto de realizar uma petição à direção para que a oficina ocorresse
novamente, não deram continuidade ao hobby, parando de jogar RPG. Mesmo
assim, nos dois meses em que a oficina ocorreu, os professores notaram a mesma
melhoria em rendimento vista nos alunos do Ensino Fundamental.
Evidentemente,
ambas
as
experiências
com
oficinas
não
foram
cientificamente propostas e analisadas. Não há como afirmar que foi o RPG que
trouxe o melhor rendimento aos alunos. No entanto, a relação entre o jogo e o
desempenho escolar me parece bastante óbvia. Cabe, portanto, realizar um estudo
meticuloso, avaliando os alunos antes, durante e depois das oficinas, para que se
verifique a real influência dos jogos de interpretação com o desempenho escolar.
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5 CONCLUSÃO
Verifiquei uma ascensão dos jogos de interpretação em nosso país. A
publicação por meios eletrônicos permite que cada vez mais editoras surjam,
publicando livros em formatos digitais a preços baixíssimos. Além disso, licenças
abertas dão oportunidade aos jogadores que queiram publicar suas próprias versões
dos jogos, o que deu origem a uma comunidade unida de autores amadores.
O enorme número de livros publicados virtualmente, dando espaço a
jogadores que acabaram virando autores. A experiência de ter um livro publicado,
antes reservada a alguns poucos, está, agora, ao alcance de todos. Nesse ponto,
creio que o RPG é um dos suportes (ou gêneros, uma vez que faltam estudos
teóricos que o classifiquem) pioneiros. Como escritor, participo ativamente dos
projetos de criação, desenvolvimento e divulgação desses novos jogos, em que
todos os envolvidos recebem apenas a gratidão e reconhecimento pelo trabalho
feito.
Como jogador e professor, tenho perfeita convicção de que o uso dos jogos
de interpretação como ferramenta para práticas de leitura e escrita rende sempre
bons resultados. Do mesmo modo, utilizá-los como instrumento pedagógico para a
transposição didática de conteúdos pode ser um dos caminhos a ser seguido para
mudarmos a educação e torná-la ao mesmo tempo prazerosa e enriquecedora.
REFERÊNCIAS
CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio – lições americanas.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
COOK, Monte. Dungeons & Dragons: Livro do Jogador. São Paulo: Devir, 2004.
PAVÃO, Andréa. Aventura da leitura e escrita entre mestres de Role playing
Game. São Paulo: Devir, 2000.
POSTIC, Marcel. O imaginário na relação pedagógica. Rio Tinto: Edições Asa,
1991.
RODRIGUES, Sonia. Role playing Game e a pedagogia da imaginação do
Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
ZANINI, Maria do Carmo (org). Anais do I Simpósio RPG & Educação. São Paulo:
Devir, 2004.
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ANEXOS

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