a cultura e a natureza em símbolos nacionais
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A CULTURA E A NATUREZA EM SÍMBOLOS NACIONAIS: AS BANDEIRAS COMO SUBSÍDIO PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL. Tiago José Berg (UNESP – Rio Claro) RESUMO: A bandeira, o brasão e o hino nacional são os três símbolos por meio dos quais um país independente proclama sua identidade e soberania. Em essência, eles servem como “totens modernos” – são signos que carregam uma afinidade especial para as nações que representam, distinguindo-as umas das outras e reafirmando suas fronteiras de identidade. São elementos que projetam valores culturais associados a uma identidade política e à idéia de pertencimento a uma nacionalidade, uma comunidade política imaginada como intrinsecamente limitada e soberana. Neste artigo, se examinam as bandeiras entre os símbolos nacionais presentes, nas quais se encontra uma grande variedade de significações que envolvem a história, a cultura e o pensamento como referências simbólicas associadas a cada país no sistema-mundo. Além dos elementos culturais e políticos, a idéia de natureza também está contextualizada nas bandeiras através da representação da paisagem, dos recursos naturais, dos acidentes geográficos, da fauna e da flora como símbolos de um país. Bandeiras portam-se como símbolos concretos que manifestam idéias abstratas; projetam uma mensagem que foi propositalmente e meticulosamente construída quando foram adotadas ou escolhidas para se tornarem símbolos oficiais, da mesma forma que agregam ou recusam fronteiras de identidade, indo além das próprias fronteiras nacionais. Quando esses elementos da natureza são simbolizados através das formas, desenhos e cores, tornam-se um produto ideológico que se configura como um recorte de um determinado espaço geográfico pelo contexto sintático apresentado pela bandeira, o que dá sentido às representações espaciais apropriadas de forma simbólica; essa busca da representação da natureza em países periféricos consiste em uma das formas de “amenizar” os conflitos socioculturais existentes, as fronteiras artificiais e as crises de identidade pós-modernas. Assim, argumenta-se que os símbolos nacionais podem potencialmente servir como um documento de análise da percepção ambiental e das representações culturais das 1 sociedades humanas, demonstrando lacunas a serem preenchidas dentro do campo científico e demandando maiores estudos para que se possa estreitar as relações entre a geografia e os símbolos patrióticos, contribuindo para uma nova perspectiva de análise e decodificação das formas de representação espacial e da natureza e oferecendo subsídios instigadores para os professores na perspectiva do ensino da pós-modernidade e da educação ambiental. PALAVRAS-CHAVE: Símbolos Nacionais, Cultura, Natureza. THE CULTURE AND THE NATURE IN NATIONAL SYMBOLS: FLAGS AS A SUBSIDY FOR ENVIRONMENTAL EDUCATION. ABSTRACT: The flag, the coat of arms and the national anthem are the three symbols through which an independent country proclaims its identity and sovereign. In essence, they serve as modern totems – signs that bear a special relationship to the nations they represent, distinguishing them from one another and reaffirming their identity boundaries. They are elements that project cultural values associated to a political identity and the idea of belonging to a nationality, a political community imagined as intimately limited and sovereign. In this article, I examine the flags among the present national symbols, where there is a great variety of significances that involve the history, the culture and the thought as symbolic references associated to each country in the system-world. Besides the cultural and political elements, the nature idea is also a contextually process in the flags through the representation of the landscape, of the natural resources, of the geographical accidents, of the fauna and flora as symbols of a country. Flags behave as concrete symbols that manifest abstract ideas; they project a message that was purposely and meticulously built when they were adopted or chosen in order to become official symbols, in the same way in which they join or refuse identity boundaries, going besides the own national borders. When these elements related to nature are symbolized through forms, drawings and colors, they become an ideological product that is designed as a cutting of a certain geographical space by the syntactic context presented by the flag, what gives sense to the appropriate space representations in a symbolic means; this search for the nature 2 representation in periphery countries consists of one of the means of “softening” the social-cultural conflicts existent, the artificial borders and the post-modern identity crises. Thus, I argue that the national symbols can potentially serve as a document of analysis of the environmental perception and of the cultural representations of the human societies, demonstrating gaps to be filled in the scientific field and finding larger studies that can narrow the relationships between the geography and the patriotic symbols, contributing to a new perspective of analysis and decoding in the means of spatial representation and of the nature, offering subsidies to stimulate the teachers (and professors) in the perspective of post-modernity teaching and environmental education. KEYWORDS: National Symbols, Culture, Nature. INTRODUÇÃO Símbolos portam-se como claras declarações de identidade nacional. Em essência, eles servem como totens modernos (no sentido Durkheimiano) – signos que carregam uma afinidade especial para as nações que representam, distinguindo-as de outras e reafirmando suas fronteiras de identidade (CERULO, 1993). Eles remetem esses significados como um traço distintivo de um grupo ou comunidade em forma de unidade política, criando uma identidade associativa em que “se pode experimentar a consonância, a realização física da comunidade imaginada”1 (ANDERSON, 2005) através processo ritual. Dentro dessa perspectiva, como parte de tradições que parecem ou alegam ser antigas e que são muitas vezes de origem bastante recente, Hobsbawm e Ranger (1997, p. 9) concebem os símbolos nacionais como uma “tradição inventada” pelo nacionalismo político do século XIX: Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que 1 [...] é uma comunidade política imaginada como intrinsecamente limitada e soberana (ANDERSON, 2005, p. 25), ou seja, o político se manifestando através das necessidades das fronteiras, da apropriação simbólica da natureza, dos elementos culturais e imaginários que circunscrevem e legitimam a nação. 3 implica automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. “Ao se cantar o hino nacional [hastear a bandeira e ostentar o brasão de armas] se recriam e reproduzem as lealdades a um sujeito coletivo [...] o sujeito coletivo, não se dissolve magicamente na nação, como que experimenta a nação em si mesmo” (ESTÉVEZ, 2004, p. 349). Ao experimentar a nação, o sujeito coletivo (o nós) entra em comunhão com essa identidade cultural transplantada no âmbito nacional, pois “não importa quão diferentes seus membros possam ser em termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural, para representá-los todos como pertencendo à mesma grande família nacional” (HALL, 2005, p. 59). Isso é uma característica intrínseca dos símbolos, pois eles projetam uma mensagem que é propositalmente e meticulosamente construída quando foram adotados ou escolhidos para se tornarem símbolos oficiais de uma nação, este símbolo não é projetado apenas para a população nacional, mas para um mundo além das fronteiras nacionais. Esta formalidade origina-se de uma longa tradição na qual grupos ou órgãos governamentais usam bandeiras, faixas, timbres, [bandas marciais e] fanfarras, etc. como uma forma de proclamação e identificação (CERULO, 1989). Ao sintetizar os elementos culturais de uma determinada nação, os símbolos demonstram sua relação de apropriação dos elementos da natureza em diferentes graus, pois, enquanto signos sensoriais, eles também procuram representar o contexto e os valores ideológicos que circunscrevem a narrativa de um determinado espaço natural (em diferentes escalas) como uma forma de assegurar a unidade política da comunidade nacional, mesmo que este discurso e esta unidade tenham sido projetados e alterados pelas ideologias dos movimentos nacionais (nacionalistas). Conforme relembra Bakhtin (2004), um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) e como todo corpo físico, pode ser percebido como símbolo, e seus elementos podem ser simbolizados, já que sua imagem artísticosimbólica ou lírico-musical configura-se num produto ideológico. Tudo que é ideológico possui um significado e remete algo situado fora de si mesmo, ou seja, um signo, o qual sem deixar de fazer parte da realidade material, passa a refletir e refratar numa certa medida, uma outra realidade; ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico. 4 Essa mensagem projetada pelo símbolo pode ser analisada em duas vias. A primeira, através do conteúdo simbólico, que são as cores ou emblemas usados em uma bandeira ou brasão, ou ainda o padrão, o tempo e a letra de um hino; pode-se decifrar a mensagem de cada componente do símbolo, isolando seus elementos e focando-se no significado e a percepção de cada um deles, que seria a análise semântica. Na outra vertente, estuda-se o desenho ou configuração de um símbolo, como por exemplo, de que forma as cores e emblemas ocupam posições adjacentes em uma bandeira ou brasão, o número de faixas e suas secções, o estilo literário e a linguagem na letra de um hino, a relação entre melodia e coro, etc. Quando se examina o significado carregado por estas estruturas (seu desenho ou configuração e a relação entre estas partes) emprega-se uma análise sintática dos símbolos. A estrutura sintática ordena ou organiza os vários elementos de um símbolo; quando se muda a estrutura sintática, a mensagem do símbolo também é mudada (CERULO, 1993). As estruturas semânticas e sintáticas permitem analisar os sentidos e valores que circunscrevem o espaço natural apropriado de forma sintética para se tornar um símbolo nacional; nesse contexto, ele pode ser decodificado a fim de revelar em seu conteúdo a importância que esses elementos (naturais e culturais) adquiriram para uma determinada comunidade política imaginada. Quando esses símbolos são ostentados no processo ritual, renovam-se os compromissos morais dos patriotas com a pátria simbolizada, da mesma forma, se (re)afirmam os espaços (geográficos), os elementos da fauna, da flora e das paisagens que compõem a natureza da nação imaginada. BANDEIRAS Uma bandeira não se restringe à apenas um pedaço de pano que tremula ao vento; suas cores, formas, divisões e iconografia têm um sentido de ser, simbolizando e condensando elementos que lhe representam um país soberano. Elas exaltam ou recusam valores e posições políticas (KANASHIRO, 2006), marcam determinado momento histórico e colocam em evidência conflitos e tensões de múltiplas identidades; relacionam-se à uma identidade nacional e à idéia de pertencimento a um grupo ou comunidade. Como relembra Snamierowski (2004) ao longo das eras, as bandeiras têm servido como um meio de identificação tanto cultural, nacional, como de comunicação: As bandeiras são uma característica universal da civilização humana. Com exceção das sociedades mais primitivas e dos 5 povos nômades, demonstra-se que toda a cultura inventou para si mesma bandeiras de um tipo ou de outro – com uma semelhança notável de forma observável ao longo do mundo. As funções das bandeiras são quase idênticas em todas as sociedades e são similares as bandeiras usadas que podem ser observados em diversas regiões e eras.2 Os egípcios e assírios já usavam em suas ornamentações cerimoniais bastões metálicos com seus símbolos totêmicos sagrados. As legiões romanas durante suas incursões militares carregavam vexillóides3 (bastões ornamentados com uma água) e agregaram a esta uma peça retangular de tecido, copiada dos povos persas; essa peça por vezes era substituída por uma forma triangular – a flâmula. No século XII as Cruzadas que partiam da Europa adotaram bandeiras retangulares com uma cruz central como emblema cristão4 para recuperar a Terra Santa. Quando retornaram do Oriente, muitos reis passaram a usar essas bandeiras como símbolos de proteção, como no caso da cruz de São Jorge (vermelha sobre um campo branco) que se tornou símbolo da Inglaterra no século XIII. Com o advento da heráldica (o estudo, regulamentação e confecção dos brasões de armas) nesta mesma época, as bandeiras reais passaram a usar símbolos mais complexos em seus desenhos, a ganhar cores e regras especiais, chamadas de “estandartes armoriais”. As bandeiras modernas começaram a surgir em meados do século XVI. Durante a revolta holandesa contra a Espanha (1567-1579), o príncipe Guilherme de Orange adotou uma bandeira tricolor horizontal simples, chamada de Prinsenvlag, que logo passou a figurar como um emblema de liberdade. Essa associação teve forte influência para a confecção da bandeira tricolor nascida na Revolução Francesa (1789) e outras nações passaram a copiar o desenho tricolor como símbolo de liberdade (nacional).5 2 SMITH, W. Flags through the ages and acoss the world, 1975 apud SNAMIEROWSKI (2004). 3 Traduzido do original em inglês vexilloids. 4 Como a cruz se tornou um símbolo comum nas nações cristãs, o crescente emergiu como símbolo das nações mulçumanas depois que os turco-otomanos o adotaram em sua bandeira por volta do ano de 1250. 5 No final do século XVII o czar da Rússia “Pedro o Grande” em visita às nações da Europa Ocidental decidiu adotar uma variação da bandeira tricolor holandesa como símbolo civil de seu país. As nações latino-americanas também utilizaram o mesmo desenho durante os movimentos de libertação nacional no início do século XIX. 6 Até o século XIX, o uso de bandeiras em terra era limitado (sua presença era massiva nas navegações marítimas) e apenas alguns países tinham uma bandeira nacional. Mas as mudanças radicais ocorridas no começo daquele século, pela ascensão dos movimentos nacionalistas na Europa (principalmente no pós-1848), a independência das nações latino-americanas e as mudanças culturais que deram nascimento à idéia (imaginária) do Estado nacional e dele, muitas nações tidas como soberanas, é que os estandartes civis se tornaram a “bandeira nacional”. Da mesma forma que o brasão de armas se tornou o signo identificado com o governante e o Estado, também a bandeira nacional veio a ser tornar um símbolo no qual o povo podia se identificar, já que o conceito de bandeira nacional como um símbolo do povo aconteceu antes do Estado se tornar prevalecente, e em muitos casos a bandeira foi introduzida pelos líderes dos movimentos de independência, revolucionários ou estudantes e só depois adotada por um governo (SNAMIEROWSKI, 2004). Tal processo se configuraria durante as independências nacionais do século XX, em especial no pós-guerra, quando grande parte das nações do globo se tornou de facto independente e adotou para si mesma uma bandeira nacional.6 Ao agregar ou recusar essas fronteiras de identidade, as bandeiras trazem em suas formas e cores uma relação com os elementos culturais de cada nação; também é por meio das cores que os elementos da natureza são simbolizados e à medida que se tornam um produto ideológico (um signo) passam configurar recortes de um determinado espaço geográfico pelo contexto sintático apresentado pela bandeira, o que dá sentido às representações espaciais apropriadas de forma simbólica. REPRESENTAÇÕES DA NATUREZA, PAISAGEM E ESPAÇO GEOGRÁFICO Bandeiras são símbolos concretos que manifestam idéias abstratas. Todo símbolo tem um significante (que é o elemento sensível, perceptível por nós) e um significado, que é o seu conteúdo simbólico; para que haja um símbolo é necessário haver uma interconexão entre o significante e o significado. Os conteúdos significantes 6 Isso não significa que as colônias da África, Ásia, Oceania ou Caribe não tivessem uma bandeira própria antes disso, no caso das possessões britânicas, desde 1865 foram criadas bandeiras com a “Union Jack” em campo azul ou vermelho – isto é, a bandeira britânica no cantão/quadrilátero superior da bandeira, como ocorre atualmente com as bandeiras Austrália e Nova Zelândia – em que se inseria um brasão de armas ou elementos associados à uma determinada colônia ou protetorado. 7 podem pressupor pela análise semântica valores associados aos elementos da natureza e pela análise sintática a sua configuração enquanto paisagem ou espaço geográfico. Para a análise presente nos símbolos nacionais foram selecionadas algumas bandeiras de diversos países do mundo, buscando investigar e decodificar (desconstruir) as idéias condensadas em cada uma delas, revelando perspectivas a respeito das formas de representação da cultura e natureza. Em 1965 a pequena colônia britânica de Gâmbia, na costa da África Ocidental conseguiu sua independência e adotou no mesmo ano sua bandeira nacional (figura 1). As cores de suas faixas horizontais representam uma paisagem no sentido horizontal do país, avançando além de suas bases políticas. O azul representa o Rio Gâmbia, que flui por todo o país (mapa 1), sendo a fonte de vida de sua população. O vermelho representa o calor do sol africano e as savanas ao norte do país, enquanto o verde é uma associação feita à agricultura e à frescura das florestas tropicais ao sul. As faixas brancas reportam harmonia, unidade e paz entre os elementos naturais (FIREFLY, 2003; SNAMIEROWSKI, 2004; DORLING KINDERSLEY, 2005). Tanto pela técnica utilizada,7 quanto pela disposição dos elementos, essa bandeira é uma representação da percepção ambiental que o povo de Gâmbia tem de seu espaço vivido, mesmo que ela não se circunscreva ao espaço político delimitado por sua fronteira com o Senegal e as nações vizinhas que é projetado pelo símbolo. Conforme ressalta Ribeiro (2001), muito raras são as paisagens puramente naturais (...). Mas, em todo lado, é a Natureza, mais ou menos carregada de trabalho humano, que forma o quadro das paisagens. Figura 1: Bandeira de Gâmbia. Mapa 1: Rio Gâmbia cortando Alongitudinalmente o país. s referências aos elementos da natureza encontram outras formas de representação 7 A idéia original partiu de Gâmbia, mas o desenho foi preparado pelo Colégio de Armas em Londres (SNAMIEROWSKI, 2004, p.217). A interposição de faixas menores reforça os outros elementos da bandeira. 8 também na perspectiva de uma paisagem imaginada no sentido “vertical”. Quando se observa o desenho da bandeira de Botsuana (figura 2) – praticamente semelhante ao da bandeira de Gâmbia – nota-se como a mudança das cores altera o sentido passado pela representação da bandeira. Esse país da África Austral apresenta baixo índice pluviométrico durante o ano, fato este que remete a importância da água para sua população. Enquanto a faixa superior representa o céu e a água da chuva (chamada localmente de “pula”) a faixa azul inferior representa as águas dos rios e lagos como fonte da vida,8 no meio aparece o elemento sócio-cultural, a população, representada respectivamente em sua proporção numérica abstrata pela faixa negra e das duas faixas brancas, denotando a harmonia entre os habitantes do país (FIREFLY, 2003; SNAMIEROWSKI, 2004), já que ela não possui as referências políticas e as cores das bandeiras pan-africanas – vermelho, amarelo e verde, sendo adotada em 1966 (DORLING KINDERSLEY, 2005). Neste caso a sociedade e os elementos da natureza estão dispostos como parte integrante de um espaço geográfico na posição vertical. Figura 2: Bandeira de Botsuana. Figura 3: Bandeira da Tanzânia. Na África Oriental, as relações entre o território, população e natureza aparecem na bandeira da Tanzânia, adotada em 1964 (figura 3) – resultado da união política das 8 Apesar do clima do país se caracterizar pela semi-aridez, no norte encontram-se as áreas pantanosas úmidas do delta do Rio Okavango. A população branca corresponde a 7% do total e as maiorias negras são formadas por Setsuanas (79%), Kalanas (11%) e Basarwas (3%), de acordo com o Cia World Factbook (2007). Disponível em: < https://www.cia.gov/cia/publications/factbook/geos/bc.html> acesso em 15 de março. 9 cores de Tanganica (verde, amarelo e preto) e do arquipélago de Zanzibar (azul, preto e verde). Com um formato diferente das bandeiras anteriores, demonstra uma idéia semelhante a respeito da população e do território. O triângulo verde superior é uma referência ao espaço agrícola de Tanganica e o triângulo azul inferior representa a relação do arquipélago de Zanzibar com o mar e seus derivados, ambos estão separados por uma faixa negra, denotando a união das populações (de origem negra) dos dois territórios, bordada por duas faixas douradas, representando as riquezas minerais do país (FIREFLY, 2003; SNAMIEROWSKI, 2004; DORLING KINDERSLEY, 2005). Notase ainda que a forma como é disposta esta faixa na bandeira reforça a idéia da distinção do espaço geográfico tanzaniano; sua costa possui ao norte uma orientação predominantemente no sentido nordeste-sudoeste, área onde fica o arquipélago de Zanzibar. Essa bandeira projeta as relações entre a população e os elementos naturais (cultivados e minerais) formando uma representação simbólica do espaço geográfico da Tanzânia. A bandeira da Ucrânia (país do Leste Europeu) pressupõe uma “paisagem imaginada”. Em 1848, o Conselho da Rutênia adotou as cores dourada e azul como símbolos nacionais (FIREFLY, 2003); foi com essas cores que a primeira bandeira bicolor surgiu em 1918, quando o país experimentou uma breve independência. Ela foi re-adotada em 1991, após a independência do regime soviético (Figura 4). Para Snamierowski (2004) e Dorling Kindersley (2005) o azul alude aos céus ucranianos, assim como as montanhas (FIREFLY, 2003), o amarelo-dourado representa os vastos campos cobertos de grãos que compõem a paisagem agrícola do país (Fotografia 1), como um lugar de vivência percebido por seus habitantes – seria esta a paisagem nacional representada. Conforme relembra Tuan (1985, p.149) “uma grande região, tal como a do estado-nação, está além da experiência da maioria das pessoas, mas pode ser transformada em lugar – uma localização de lealdade apaixonada – através do meio simbólico da arte, da educação e da política”. 10 Figura 4: Bandeira da Ucrânia. Fotografia 1: Campo cultivado com trigo. O uso de cores em alusão aos elementos naturais do espaço físico é outra forma de dar um sentido geográfico à bandeira nacional, mesmo que as formas ou os elementos ideológicos não coincidam com aquilo que é representado na estrutura sintática, como exemplo, a bandeira da Islândia. Assim como no caso dos outros países nórdicos, a bandeira islandesa (figura 5) deriva da “cruz escandinava” da bandeira dinamarquesa, conhecida como Dannebrog.9 Adotada em 1915, o desenho da bandeira é como a da Noruega, com as cores invertidas, onde o azul e o branco são as cores da Islândia e o vermelho deriva dos noruegueses, de onde muitos de seus ancestrais originaram-se (SNAMIEROWSKI, 2004). O sentido simbólico empregado mostra que “para o povo islandês, o colorido de sua bandeira representa uma visão da paisagem de seu país. As cores são referências dos três elementos que compõem a ilha: fogo, gelo e água” (DORLING KINDERSLEY, 2005). Ainda, de acordo com esse sentido, o fundo azul representa o Oceano Atlântico, o branco as calotas polares e a neve que cobrem o país e o vermelho a lava dos vulcões (FIREFLY, 2003). Uma análise mais esmiuçada mostra que esse sentido simbólico do espaço geográfico imaginado através das cores em relação ao formato da bandeira apresenta uma explicação passível de justificação. O nome “Islândia” é um erro de 9 Dannebrog em dinamarquês significa “bandeira dos dinamarqueses”, apresentando uma cruz descentrada para a direita, característica de laços culturais comuns aos países escandinavos. Esta bandeira nacional figura entre uma das mais antigas do mundo, apareceu em 1219, quando o rei Waldemar II batalhou contra os estonianos, outras fontes indicam que segunda a lenda ela foi dada aos dinamarqueses pelo papa durante as cruzadas (FIREFLY, 2003; SNAMIEROWSKI, 2004; DORLING KINDERSLEY, 2005). 11 tradução por parte dos cartógrafos, conforme relata Otero (2006, p.343) a cerca da nomeação da ilha no século XIII: Floki [Floki Vilgerdarson era um viking norueguês] subiu no alto de uma montanha e avistou um fiorde cheio de gelo. Ele o chamou de Isafjordur (o fiorde de gelo) e deu à ilha o nome de Island, que deve ser traduzido como “terra de gelo”, pois em nórdico antigo “Is” significa gelo (...). Por erro na tradução, nas cartas náuticas espanholas e portuguesas ela figurava como Islândia (...). Com relação aos vulcões, a Islândia localiza-se no meio da dorsal meso-oceânica do Atlântico Norte, caracterizada por placas tectônicas divergentes e “vulcanismos de fissura” com lavas máficas ou básicas pouco viscosas (pobres em sílicas); devido à essa baixa viscosidade, as erupções de lavas muito fluídas são capazes de escorrer por longas distâncias, dando sentido aos segmentos latitudinais e longitudinais da faixa vermelha apresentada na bandeira. Assim, a representação simbólica da bandeira islandesa contém as formas culturais da cruz escandinava, mas a justificação de suas cores é tomada no sentido de representar os elementos paisagísticos da natureza percebidos pelo povo islandês. Além da natureza física, as representações animais aparecem (embora em menor freqüência) nas bandeiras como elementos da fauna e flora nacionais, também estão associadas às formas míticas ou culturais da simbologia animal. Estes animais podem estar estilizados10, ou seja, representados artisticamente e culturalmente, como também dispostos ao “natural”, usando a linguagem heráldica – o estudo dos brasões de armas. Como exemplo, a bandeira do arquipélago do Kiribati no Pacífico, adotada em 1979 (figura 6). Resultado de uma competição local, a bandeira foi baseada no brasão de armas colonial que data de 1937, simbolizando a paisagem avistada das ilhas. As ondas brancas e azuis representam a importância do Oceano Pacífico, que abrange cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados ao longo do Kiribati; o sol sob um horizonte 10 Como exemplo, figuram a água dourada na bandeira do Egito, o leão dourado segurando a espada no Sri Lanka, a ave do paraíso na Papua Nova Guiné e o pássaro de pedra do Zimbábue como animais estilizados. 12 avermelhado representa o amanhecer e a renovação dos dias, como também a linha do Equador, que corta as ilhas por cerca de 4 mil quilômetros, a fragata (Fregata minor) é o símbolo da autoridade, da liberdade e das cerimônias tradicionais (SNAMIEROWSKI, 2004), como também a soberania sobre o oceano (FIREFLY, 2003; DORLING KINDERSLEY, 2005). Na paisagem imaginada por seus cidadãos, a fragata figura como uma ave culturalmente significativa (totêmica) em relação ao ambiente vivido, associativa da soberania que mantém a identidade e o papel da unidade nacional do Kiribati projetada pela representação do símbolo nacional. Figura 5: Bandeira da Islândia. Figura 6: Bandeira do Kiribati. CONCLUSÕES À guisa de conclusão, as culturas nacionais se constituem em uma das principais fontes da identidade cultural metafórica, formadas e transformadas no interior de uma comunidade imaginada, o que explica seu poder para gerar um sentimento de identidade e lealdade, como um modo de construir sentidos compostos por símbolos e representações. Símbolos, em especial bandeiras, são os objetos materiais que demarcam fronteiras de identidade, projetando mensagens que associam e condensam os elementos da natureza como pertencentes a um espaço geográfico nacional. Em hipótese, essas representações nas bandeiras são uma forma de se projetar a unidade simbólica em torno da apropriação da natureza e seus elementos, que nos países periféricos buscam “amenizar” os conflitos sociais e as fronteiras artificiais criadas pelas potências imperialistas do final século XIX, afinal: 13 As unidades territoriais para as quais os movimentos nacionais buscaram ganhar independência foram, sem dúvida, as verdadeiras criações da conquista imperial, no mais das vezes com menos de uma década de vida, ou então representavam zonas religioso-culturais insignificantes para serem chamadas de nações na Europa (...) por outro lado, os movimentos com orientação territorial para a libertação não podiam escapar de se alicerçarem sobre elementos comuns que tinham sido fornecidos por poder ou poderes coloniais a seus territórios, uma vez que, com freqüência, isso era o único caráter nacional, e de unidade, que o futuro país possuía (HOBSBAWM, 1990, p.165-166). Assim, argumenta-se que os símbolos nacionais podem potencialmente servir como um documento de análise da percepção ambiental e das representações culturais das sociedades humanas, demonstrando lacunas a serem preenchidas dentro do campo científico, o que demanda maiores estudos para que se possa estreitar as relações entre a geografia e os símbolos patrióticos, contribuindo para uma nova perspectiva de análise e decodificação das formas de representação espacial e da natureza, oferecendo subsídios instigadores para os professores na perspectiva do ensino da pós-modernidade e da educação ambiental, o que torna mais agradável e instigador o processo de ensino e aprendizagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDERSON, B. Comunidades imaginadas. Lisboa: Edições 70, 2005. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 11ª ed. 2004. CERULO, K. A. Sociopolitical Control and the Structure of National Symbols: An Empirical Analysis of National Anthems. Social Forces, v. 68 (1), p.76-99, 1989. _____________. Symbols and the World System: National Anthems and Flags. Sociological Forum, v. 8 (2), p.243-271, 1993. DORLING KINDERSLEY. Complete Flags of the world. London: Dorling Kindersley Limited, 2005. ESTÉVEZ. M. G. El amor a la patria y a la tribu: las retóricas de la memoria incómoda. Revista de Antropologia, São Paulo: USP, v. 47 (2), p. 345-377, 2004. 14 FIREFLY. Guide to the flags of the world. London: Firefly Books, 1st ed. 2003. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 10ª ed. 2005. HOBSBAWM, E. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. ______________.; RANGER, T. (org). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 3ª ed. 1997. KANASHIRO, M. Bandeiras e os símbolos da política. Comciência, 10 de junho de 2006. <http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=11&id=80>, acesso em 21 de junho de 2006. OTERO, E. 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