Universidade Federal de Ouro Preto - Programa de Pós
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Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP Instituto de Ciências Exatas e Biológicas – ICEB Departamento Biodiversidade, Evolução e Meio Ambiente - DEBIO Dissertação de Mestrado _______________________________________________________________ IMPLICAÇÕES DO MUTUALISMO TROFOBIÓTICO COM HEMÍPTEROS NA ATIVIDADE DE FORRAGEIO DE FORMIGAS ARBORÍCOLAS EM UM ECOSSISTEMA ARBÓREO MONTANO Roberth Fagundes de Souza Orientador: Prof. Dr. Sérvio Pontes Ribeiro/UFOP Co-Orientador: Prof. Dr. Kleber Del Claro/UFU Ouro Preto, MG Setembro de 2010 i IMPLICAÇÕES DO MUTUALISMO TROFOBIÓTICO COM HEMÍPTEROS NA ATIVIDADE DE FORRAGEIO DE FORMIGAS ARBORÍCOLAS EM UM ECOSSISTEMA ARBÓREO MONTANO Dissertação de Mestrado apresentado ao Colegiado do Programa de Pós Graduação em Ecologia de Biomas Tropicais da Universidade Federal de Ouro Preto como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ecologia de Biomas Tropicais Banca Examinadora: -----------------------------------------------------------------------Orientador: Prof. Dr. Sérvio Pontes Ribeiro -------------------------------------------------------------------------------Prof. Dr. Jacques Hubert Charles Delabie -------------------------------------------------------------------------------Prof. Dr. Ricardo Ildefonso Campos Ouro Preto, MG 16 de setembro de 2010 ii “True glory consists in doing what deserves to be written and writing what deserves to be read.” Gaius Plinius Secundus iii Agradecimentos Primeiro quero agradecer aos meus dois orientadores. Ao Sérvio é meu grande mestre e amigo, e eu vou carregar seus ensinamentos por onde for. Muito obrigado por acreditar em mim e nas minhas idéias, por apostar em mim e me dar todas as excelentes oportunidades que espero ter aproveitado ao máximo. Mesmo nos momento difíceis você me deu várias outras chances e nesse grande momento espero não tê-lo decepcionado. Saiba que te admiro muito e espero um dia me tornar um pesquisador competente, integro e determinado como você. Considere cumprida a sua promessa de me tornar um cientista apaixonado pelo que faz. Também agradeço ao Kleber, que me adotou instantaneamente e acreditou em mim desde o início me ajudando em tudo e tão atenciosamente que parece que sempre fui seu orientado e que o LECI estava na porta ao lado. Vocês são os grandes pilares da minha carreira científica e espero que possamos nos manter como amigos e colaboradores indefinidamente. Eu quero agradecer muito aos demais professores do DEBIO que contribuíram tanto para minha formação. Aos meus colegas de turma, principalmente a minha amiga Vivi, que foi um presentão que o mestrado me deu. Aos meus grandes amigos William e Caryne que estiveram sempre comigo. Ao Rubens, o melhor secretário do mundo, muito obrigado por toda ajuda, no prazo ou fora dele. Ao Filipe e a Pricila que foram corajosos, ou doidos, o bastante para caminhar comigo nessa jornada. Ainda vamos colher muitos bons frutos. Agradeço também, mesmo que tardiamente, as professoras Alessandra, Yasmine e Eneida, não só por terem acreditado em mim e permitirem meu ingresso no Biomas como também pelos incentivos e oportunidades durante o curso. Agradeço também aos professores Jacques, Ricardo, Fred e Julinho por todas as orientações e considerações que já vieram e vão vir. Agradeço a minha namorada Marcelle, pelo amor que mantém firme e determinado em meus objetivos e por se manter ao meu lado o tempo todo mesmo quando não estávamos iv juntos. Aos meus pais Giovani e Du Carmo e minha Irmãzinha Nayara, pelo suporte incondicional. Ao meu querido avô Gercibe que acredita tanto em mim mesmo sem entender o que eu faço. Aos meus padrinhos Zé Maria e Dodora e minha saudosa tia Martinha que foram tão importantes em minha vida. A UFOP e toda a sua equipe de funcionários que estiveram o tempo todo nos bastidores mantendo o show. Obrigado ao CNPq pelo suporte financeiro que permitiu extrair o máximo do meu curso. E ao IEF e IBAMA, pelas autorizações de realização do trabalho, e novamente ao IEF pela manutenção do fascinante universo paralelo conhecido como Parque do Itacolomi. Obrigado a todos que de uma forma ou outra contribuíram para minha formação e tanto me incentivam a seguir em frente. Prometo não decepcioná-los.... v Sumário Introdução geral..........................................................................................................................1 Referências bibliográficas.........................................................................................................10 Capítulo 1 – Interações Ecológicas entre o herbívoro trofobionte Calloconophora aff. pugionata (Hemiptera: Membracidae) e formigas em Myrcia obovata (Myrtaceae) em uma floresta tropical montana do sudeste do Brasil..................................................................14 Introdução.................................................................................................................................18 Material e Métodos...................................................................................................................23 Resultados.................................................................................................................................33 Discussão..................................................................................................................................43 Referências bibliográficas.........................................................................................................50 Capítulo 2 – Mosaicos de formigas em florestas montanas: o papel das trofobioses com hemípteros na configuração da comunidade arborícola ...........................................................61 Introdução.................................................................................................................................65 Material e Métodos...................................................................................................................69 Resultados.................................................................................................................................76 Discussão..................................................................................................................................99 Referências bibliográficas.......................................................................................................112 vi Lista de figuras Capítulo 1 Fig. 1. Exemplar de Myrcia obovata. (Foto: Fagundes R. 2009).............................................25 Fig. 2. Infestação de Calloconophora pugionata em ramos de Myrcia obovata. (Foto: Fagundes, R. 2009)...................................................................................................................26 Fig. 3. Agregação de Calloconophora pugionata em Myrcia obovata atendida por Camponotus rufipes. (Foto: Fagundes, R. 2009)......................................................................27 Fig. 4. Agregação de Calloconophora pugionata em Myrcia obovata destacando os estádios de vida do hemíptero (ovos, massa de ovos, ninfas e adultos).................................................28 Fig. 5. Disposição dos ovos de Calloconophora pugionata nos ramos de Myrcia obovata. Observe os dois tipos de oviposição: nos galhos e nas bordas das folhas. (Foto: Fagundes, R. 2009).........................................................................................................................................29 Fig. 6. Análise da variação da sobrevivência das massas de ovos de Calloconophora pugionata para ambos os galhos experimentais no primeiro e segundo ano de coleta. A sobrevivência foi maior na presença de formigas tanto em 2008 (ANOVA tratamentos x tempo: F7,252 = 143.6 e p < 0.001) quanto em 2009 (ANOVA tratamentos x tempo: F7,154 = 3.34; p < 0.001).........................................................................................................................35 Figura 7. Análise da variação da sobrevivência das ninfas de Calloconophora pugionata para ambos os galhos experimentais no primeiro e segundo ano de coleta. A sobrevivência foi maior na presença de formigas tanto em 2008 (ANOVA tratamentos x tempo: F7,252 = 171,7; p < 0.001) quanto em 2009 (ANOVA tratamentos x tempo: F7,154 = 6,17; p < 0,001)........................................................................................................................................36 Figura 8. Análise da variação da sobrevivência dos adultos de Calloconophora pugionata para ambos os galhos experimentais no primeiro e segundo ano de coleta. A sobrevivência foi maior na presença de formigas tanto em 2008 (ANOVA tratamentos x tempo: F7,252 = 260,4; p < 0,001) quanto em 2009 (ANOVA tratamentos x tempo: F7,154 = 1,98; p < 0,02)..........................................................................................................................................37 vii Fig. 9. Variação na quantidade de ovos postos nos galhos e nas folhas de ambos os ramos tratamento e controle. O gráfico mostra as quantidades de ovos registrados no início e no fim do experimento para ambos os sítios de nidificação. Note os resultados positivos na quantidade de ovos da presença de formigas (2008: Z = 3,18; p < 0,001; 2009: Z = 3,16; p < 0,002). Na presença de formigas o local de oviposição não influencia, mas na ausência os ovos da folha sobrevivem mais (Z = 2,89; p < 0,003)..............................................................39 Fig. 10. Abundância dos possíveis predadores e parasitóides do membracídeo (aranhas e vespas) em ambos os galhos experimentais: tratamento (1) e controle (2) para cada ano. Apenas em 2008 a quantidade de carnívoros foi menor na presença de formigas (F1,36 = 8,09; p < 0,01)....................................................................................................................................40 Fig. 11. Abundância dos possíveis herbívoros da hospedeira M. obovata em ambos os galhos experimentais: tratamento (1) e controle (2), para cada ano. Apenas no primeiro ano a quantidade de herbívoros foi maior nos galhos controle (F1,36 = 6,80; p = 0,01).....................41 Fig. 12. Abundância dos demais artrópodes (onívoros) visitantes de M. obovata em ambos os galhos experimentais: tratamento (1) e controle (2), para cada ano. Em 2008 a abundância foi menor na presença de formigas (F1,36 = 17,73; p < 0,01)..........................................................42 Capítulo 2 Fig. 1. Área de estudo (superior) e detalhe da hospedeira Myrcia obovata na estação chuvosa (inferior) (Foto: Fagundes, R. 2008).........................................................................................70 Fig. 2. Cenário da interação trofobiótica entre Calloconophora pugionata atendida por Camponotus rufipes em Myrcia obovata (Foto: Fagundes, R. 2008)......................................71 Fig. 3. Detalhe do hemíptero Calloconophora pugionata em Myrcea obovata. Observe os estádios de ovo e massa de ovos, ninfa (canto esquerdo) e adulto (no centro).........................72 Fig. 4. Desenho esquemático representando a distribuição dos pontos amostrais (números) nas copas das plantas (círculos). Os números circulados indicam a presença de trofobiose no galho..........................................................................................................................................74 Fig. 5. Variação na abundância e riqueza de formigas trofobiontes entre as fases para cada grupo experimental. Observe que os maiores valores de abundância (ANOVA: Grupos x viii Fases: F3,312 = 9,57; p < 0.001) e riqueza (ANOVA: Grupos x Fases: F3,312 = 3,10; p < 0,03) acontecem na presença de trofobioses......................................................................................78 Fig. 6. Distribuição das abundâncias das espécies dos grupos tratamento e controle nas quatro fases do experimento. Camponotus crassus foi sempre a mais abundante. Camponotus rufipes foi a segunda mais abundante, no grupo tratamento, e Camponotus novogranadensis, no grupo controle. Observe que a equidade entre as espécies é maior na ausência de trofobioses. A escala do gráfico é exponencial (exp. = 0,5) para permitir melhor visualização...............................................................................................................................79 Fig. 7. Abundâncias médias das espécies dominantes para cada planta. Camponotus crassus (barras pretas) é a mais abundante em qualquer situação, porém C. rufipes (barras cinzas) monopoliza as trofobioses com maior freqüência. Na ausência de agregações de Calloconophora pugionata, C. rufipes é pouco observada subindo em Myrcia obovata, enquanto C. crassus ainda é bastante freqüente. O eixo y foi plotado em escala exponencial para melhor visualização (exp. = 0,5).......................................................................................81 Fig. 8. Comportamento negativo da abundância das espécies trofobiontes em resposta a redução da quantidade de trofobioses. Camponotus crassus (ANOVA Grupos x Fases: F3,312 = 2,61; p < 0,01) e C. rufipes (ANOVA Grupos x Fases: F3,312 = 5,16; p < 0,05) apresentaram maior abundância no grupo tratamento no qual a abundância reduziu no decorrer das fases, enquanto permaneceu constante no grupo controle..................................................................82 Fig. 9. Variação na abundância de Camponotus crassus (linhas cinzas contínuas), C. rufipes (linhas cinzas descontínua) e C. novogranadensis (linhas pretas) através das fases para os dois grupos experimentais. A quantidade e distribuição das trofobioses tiveram um efeito positivo direto no forrageio das espécies trofobiontes (ANOVA: Fases x Galhos: F9,144 = 2,08; p < 0,05), e negativo indireto, na terceira espécie mais abundante (ANOVA Fases x Galhos: F9,144 = 1,97; p < 0,05)........................................................................................................................83 Fig. 10. Variação na abundância e riqueza de formigas não trofobiontes em resposta a redução do número de trofobioses para os grupos tratamento e controle (ANOVA Tratamentos x Fases: Abundância: F3,312 = 3,20; p < 0,05; Riqueza: F3,312 = 3,10; p < 0,05). Observe que apesar da riqueza permanecer constante, a abundância diminui com a redução do número de trofobioses. O grupo controle mostra que o tempo não interferiu na riqueza das formigas apesar da abundância ter aumentado.........................................................................................85 ix Fig. 11. Distribuição do forrageio das formigas não-trofobiontes nas copas de M. obovata, condicionada ao forrageio e territorialidade das formigas trofobiontes sobre seus hemípteros. A abundância das formigas trofobiontes (linhas cinzas) foi adicionada como referência. A abundância respondeu negativamente a distribuição das trofobioses (ANOVA Grupos: Abundância: F1,288 = 6,08; p < 0,05), enquanto a riqueza não variou. Devido à discrepância de valores entre os grupos das formigas trofobiontes e não trofobiontes o eixo y foi plotado em escala exponencial (exp. = 0,5).................................................................................................86 Fig. 12. Variação na abundância (barras cinzas) e riqueza (barras pretas) dos invertebrados, exceto formigas, através das fases do experimento. Tanto abundância quanto riqueza foram maiores na ausência de trofobioses (ANOVA Fases: Abundância: F1,312 = 3,59; p < 0,05; Riqueza: F1,312 = 18,91; p < 0,001)...........................................................................................88 Fig. 13. Variação da abundância das guildas de artrópodes através das fases para ambos os grupos experimentais. Todas as guildas apresentaram maior abundância nas plantas controle, mas apenas no grupo controle ela aumentou através das fases respondendo positivamente a redução do número de trofobioses e consequentemente de formigas trofobiontes (ANOVA Fases: Herbívoros: F3,312 = 5,15; p < 0,01; ANOVA Grupos x Fases: Predadores: F3,312 = 12,91; p < 0,001; Parasitóides: F3,312 = 23,05; p < 0,001).........................................................89 Fig. 14. Distribuições da abundância (linhas pretas contínuas) e riqueza (linhas pretas descontínuas) dos invertebrados, exceto formigas, na copa de M. obovata, através das fases do experimento. Os valores de abundância das formigas trofobiontes (linhas cinzas) foram representados como referência. A abundância e a riqueza foram maiores na ausência de trofobioses (ANOVA Fases x Galhos: Abundância: F9,144 = 2,17; p < 0,03; Riqueza: F 9,144 = 2,44; p < 0,02). Devido à discrepância de valores entre os grupos das formigas trofobiontes e os outros artrópodes o eixo y foi plotado em escala exponencial (exp = 0,5)............................................................................................................................................91 Fig. 15. Riqueza e abundância de formigas para as duas estações sazonais e os dois grupos experimentais (1: tratamento; 2: controle). Os valores foram maiores na estação chuvosa para ambos os grupos (Abundância ANOVA Estações x Grupos: F1,144 = 30,18; p < 0,001 ; Riqueza: ANOVA Estações: F1,144 = 22,17; p < 0,001)............................................................94 Fig. 16. Forrageio das duas espécies trofobiontes, Camponotus crassus (barras pretas) e Camponotus rufipes (barras cinza), nas copas de Myrcia obovata e sua relação positiva com a x presença de trofobioses (ANOVA Estações x Grupos x Galhos: F3,144 = 7,59; p < 0,001). Observe a inexistência do padrão na estação seca devido à ausência de agregações de C. pugionata, e a baixa freqüência de C. rufipes em comparação presença constante de C. crassus.......................................................................................................................................95 Fig. 17. Variação na abundância total das espécies de formigas para os grupos experimentais entre as estações. Observe a representatividade das formigas trofobiontes no grupo tratamento em comparação ao controle e a estação seca. (Grupo 1: tratamento; Grupo 2: controle). A escala do gráfico é exponencial (exp. = 0,5) para permitir melhor visualização do contraste entre espécies............................................................................................................................96 Fig. 18. Variação na abundância e riqueza das formigas não-trofobiontes através das estações sazonais para ambos os grupos experimentais. Observe os maiores valores de abundância e riquezas pertencem aos galhos sem trofobiose (Abundância: ANOVA Galhos: F3,144 = 5,82; p < 0,05; Riqueza: ANOVA: Estações x Grupos x Galhos: F3,144 = 3,84; p < 0,05). As letras a indicam as diferenças significativas baseadas nas analises pareadas LSD (p < 0,05) que também indicaram diferenças significativas apenas entre os galhos representados no eixo x.................................................................................................................................................97 Fig. 19. Variação da riqueza e abundância dos artrópodes visitantes de M. obovata, exceto formigas, entre os galhos das plantas de ambos os grupos experimentais nas estações sazonais (ANOVA estações x grupos x galhos: Abundância: F 3,144 = 4,09; p < 0,05; Riqueza F 3,144 = 6,05; p < 0,05). Observe os maiores valores no galho sem trofobioses, apesar do controle mostrar os menores valores no galho 1. Os galhos 2 e 3 foram excluídos pois a diferença é significativa entre os galhos 1 e 4 (LSD: p < 0,05)...................................................................98 xi Lista de Tabelas Capítulo 1 Tabela 1. Espécies de formigas atendentes de Calloconophora pugionata e visitantes de Myrcia obovata.........................................................................................................................34 Capítulo 2 Tabela 1. Lista das espécies coletadas nas duas estações sazonais...........................................76 Tabela 2. Abundância e riqueza de formigas observadas durante o experimento para as quatro fases e os dois grupos experimentais........................................................................................77 xii Introdução Geral 1 Resumo Nesse estudo apresentamos um caso novo de interação trofobiótica que ocorre entre formigas e o herbívoro Calloconophora pugionata específico de Myrcia obovata. No primeiro capítulo descrevemos a trofobiose e analisamos os benefícios advindos das formigas atendentes para a sobrevivência e fecundidade do membracídeo. A partir de um experimento de exclusão mostramos que a ausência de formigas atendentes reduz significativamente o tempo de permanência dos membracídeos na planta hospedeira, sua fecundidade e sobrevivência. Além disso, a proteção pelas formigas foi extensiva a planta hospedeira em conseqüência da redução da abundância de outros de herbívoros visitantes. No segundo capítulo avaliamos os efeitos da interação Formicidae/Hemiptera no comportamento de forrageio e territorialidade das formigas e a importância dos recursos tróficos na estruturação de sua comunidade. Através de um experimento inédito de manipulação da quantidade e distribuição dessas trofobioses mostramos que a presença delas cria uma configuração hierárquica para a assembléia de formigas conhecida como Mosaico de Formigas. Camponotus rufipes e Camponotus crassus foram às espécies dominantes e monopolizaram o recurso. Além disso, seu o forrageio foi maior quando e onde havia mais agregações de C. pugionata. Em conseqüência, os outros artrópodes, incluído formigas e herbívoros, foram deslocados para fora dos territórios onde as dominantes atendiam seus membracídeos. Assim, apresentamos um novo caso de rede interativa baseada em trofobioses em uma Floresta Tropical Montana e trazemos evidências da importância desse mutualismo para a configuração da comunidade de artrópodes arbóreos dessas matas. Palavras-chave: interação Membracidae-Formicidae, Myrcia obovata, Camponotus crassus, Camponotus rufipes, Calloconophora pugionata, Mosaico de Formigas, Floresta Tropical Montana 2 Abstract This present study investigates a new case of trophobiotic interaction that occurs between ants and the herbivore Calloconophora pugionata, specific of Myrcia obovata. In the first chapter we describe the trophobioses and analyze the benefits of the tending ants for treehopper survival and fecundity. Using an exclusion experiment we show that the absence of tending ants reduced significantly the time of treehopper permanence in the host plant, its fecundity and survival. Moreover, the protection offer by the ants was extensive to the host plant, as reduced the abundance of the others arthropods visiting M. obovata. In the second chapter we evaluate the effect of the Formicidae/Hemiptera interaction on the ants forage behavior and territoriality and the importance of these trophic resources for the assembly configuration. Through a manipulation experiment of the amount and distribution of these trophobioses we showed that the presence of the Hemiptera was basic for the configuration of the ants assembly, following a dominance hierarchy as known as Ant Mosaic. Camponotus rufipes and Camponotus crassus had been the dominant species and had monopolized the resource. Moreover, their forage were bigger when and where there were C. pugionata aggregations. In consequence, the other arthropods, include ants and herbivores, had been displaced away from the territories where the dominant ants took care of the treehoppers. Hence, we present a new case of trophobioses-based interactive net from a Montane Tropical Forest and bring evidences of the importance of these mutualisms for the configuration of the arboreal arthropods community of these forests. Key-words: Membracidae-Formicidae interaction, Myrcia obovata, Camponotus crassus, Camponotus rufipes, Calloconophora pugionata, Ant Mosaic, Montane Tropical Forest 3 O número de formigas nos dosséis florestais é muitas vezes maior do que de suas presas (Davidson 1997). Esse aparente paradoxo foi discutido por Tobin (1991, 1994), o qual sugeriu que uma alimentação generalista baseada em plantas (sementes em grande parte) ou animais (preferencialmente herbívoros) acontece em associação com a presença de castas consumidoras de fontes ricas em carboidratos. Ou seja, a maioria das espécies de formigas precisaria ser onívora, a despeito de terem diferentes demandas protéicas e energéticas (Davidson 1997). Os herbívoros são importantes fontes protéicas enquanto presa, mas podem em especial os sugadores, ocupar um papel nutricional distinto quando ocorrem em agregações e com a presença de adaptações para expelir excesso de açúcar consumido das plantas (Ammar 1985; Carver et al. 1991). Assim como os exsudatos açucarados que podem ser obtidos em abundância a partir de nectários extraflorais, açucares podem ser conseguidos com hemípteros sugadores de seiva. Essas fontes tróficas são grandemente exploradas pelas formigas de modo que muitas espécies arbóreas forrageiam massivamente as copas das árvores em buscas de secreções de animais e plantas (Hölldobler e Wilson 1990; Del-Claro e Oliveira 1999). A trofobiose é como se denomina a interação trófica apresentada entre formigas e hemípteros sugadores de seiva (Way 1963; Hölldobler e Wilson 1990). De acordo com Carver et al. (1991) e Delabie (2001), a maioria dos Hemiptera pode ser encontrada neste tipo de interação, sejam Sternorrhyncha (Afidae e Coccoidae) ou Auchenoryncha (Cicadidae, Cicadellidae, Cercopidae e Membracidae). Essa relação interespecífica se baseia no fornecimento de exsudatos açucarados eliminados pelos insetos em troca de proteção advinda das formigas (Way 1963). Os hemípteros trofobiontes são parasitas obrigatórios de plantas vasculares. Retiram alimento diretamente dos vasos de seiva através de seu aparelho bucal especializado (Dolling 4 1991). A seiva excedente processada no aparelho digestivo é eliminada pelo ânus e coletada por diversos animais, principalmente formigas. Enquanto atendem (coletam o exsudato), as formigas protegem os hemípteros contra predadores e parasitóides e por conseqüência monopolizam o recurso trófico gerado por eles (Way 1963). A “troca de favores” entre as espécies e o sucesso ecológico de ambas definiu o mutualismo da interação (Delabie 2001). Além dos hemípteros, as formigas retiram secreções ricas em carboidratos dos nectários extraflorais (NEF’s) presentes em muitas plantas vasculares, fenômeno freqüente em espécies da Floresta Atlântica (Oliveira e Leitão-Filho 1987). A interação entre formigas e NEF’s é considerada equivalente ecológico da interação formiga-hemípteros (Delabie 2001) e ambos os tipos de interações são importantes para a intensidade de forrageio das formigas na vegetação, como evidenciou Oliveira et al. (1987) e Del-Claro e Oliveira (1996) para o Cerrado. Muitas formigas que se alimentam de exsudatos apresentam características semelhantes àquelas que se beneficiam dos nectários, quando não são as mesmas espécies (Hölldobler e Wilson 1990). Porém, a evolução de ambos os mutualismos é considerada totalmente independente (Sakata e Hashimoto 2000). As formigas que atendem hemípteros sugadores são consideradas arbóreas, territoriais, onívoras e/ou predadoras. As principais subfamílias envolvidas são Dolichoderinae, Formicinae e Myrmicinae (Carroll e Janzen 1973; Hölldobler e Wilson 1990; Delabie 2001). Elas forrageiam através de recrutamento em massa sobre um recurso alimentar de interesse, no caso a colônia de sugadores, que é encontrada a partir de gotas de exsudatos (pistas químicas) que os hemípteros lançam no solo e vegetação circunvizinha (Del-Claro e Oliveira 1996). Blüthgen et al. (2000) demonstrou que as formigas do dossel amazônico que atendem hemípteros são geralmente dominantes e monopolizam o recurso para sua própria colônia. Algumas espécies também são predadoras oportunistas (Pseudomyrmicinae) e coletam 5 exsudato ao mesmo tempo em que podem predar ninfas dos hemípteros que atendem (Gullan 1997). Formicídeos que se alimentam de exsudatos de hemípteros possuem uma série de adaptações para explorar tal recurso (Cook e Davidson 2006), pois esse alimento pode ser de grande relevância para a nutrição da colônia (Del-Claro e Oliveira 1999). O estabelecimento de territórios exclusivos e o domínio sobre recursos são típicos de formigas arbóreas em comparação com formigas de solo (Jackson 1984). Recursos tróficos no dossel, como os hemípteros, apresentam melhor custo-benefício de manuseio do que recursos usualmente encontrados no solo. O dossel é um espaço tridimensional, porém linear e limitado pelos caminhos das copas e lianas, e de mais fácil defesa, pois os feromônios de alarme e recrutamento em massa das espécies dominantes são mais efetivos (Yanoviak e Kaspari 2000). Essas características seriam importantes para a formação dos mosaicos de dominância (Hölldobler e Wilson 1978). Os mosaicos de formigas são determinados por defesa de territórios mutuamente exclusivos (Leston 1973) e tal dominância competitiva está correlacionada à dominância numérica. Como esperado, as formigas mais abundantes em amostragens de dossel pertencem a guildas consumidoras de exsudatos de hemípteros e nectários extraflorais. Por um lado as operárias dessas formigas seriam melhor adaptadas ao uso de compostos de alarme, recrutamento e defesa, o que aumentaria seu sucesso como dominantes no dossel. Por outro lado, Davidson e Patrell-Kim (1996) sugerem que as formigas que atendem hemípteros têm sua atividade de forrageio reduzida: as mais especializadas podem sobreviver sem caçar. Na verdade, a relação entre patrulhamento de NEF’s /Hemiptera e redução da pressão de formação de mosaico (ou redução da área de patrulhamento) não parece ter sido suficientemente explorada pela literatura. Analisando o comportamento de forrageio de espécies de formigas dominantes no dossel, Shoener (1983) classificou as formigas em dominantes ou descobridoras de recursos. 6 As formigas dominantes de recursos seriam aquelas que expulsariam ou impediriam o contato de outras formigas a um recurso por territorialidade, seja ele habitat ou alimento, como é o caso das consumidoras de exsudatos de hemípteros e NEF’s. Já as formigas descobridoras de recursos buscariam ativamente o alimento e, ao descobrirem, coletariam o máximo possível sem nenhum comportamento de defesa, portanto de modo caracteristicamente oportunista. Baseado nisso, Fellers (1987) postulou uma hipótese de demanda evolutiva conflitiva entre a descoberta (competição de descoberta) e a dominância de recurso (competição de interferência). Segundo o autor, o equilíbrio entre essas duas pressões competitivas poderia facilitar a coexistência de formigas em florestas temperadas. Para as florestas secundárias e sucessionais de Mata Atlântica do Sudeste brasileiro, os fenômenos relacionados ao uso de recursos, territorialidade e coexistência de espécies de insetos foram poucas vezes estudados nos dosséis. Uma exceção, Campos et al. (2006a), em estudo sobre distribuição de formigas em copas de Anadenanthera macrocarpa no Parque Estadual do Rio Doce, MG, observaram que o aumento do tamanho da árvore (ou seja, de árvores jovens versus adultos emergentes) resulta em um aumento do número de espécies de formigas presentes, em ambientes pobres em NEF’s ou Hemiptera. Por outro lado, Campos et al. (2006b) também demonstraram que há, para habitats ecotonais desta floresta, uma grande variação temporal na composição de espécies e gêneros de formigas. Yammamoto e DelClaro (2008) demonstraram que há uma grande variação entre o período diurno e noturno. Assim, observou-se uma efemeridade nos padrões de manutenção de dominância nos habitats de dossel em ecótone. Por princípio, uma demanda similar à postulada por Fellers (1987) poderia ocorrer neste tipo de floresta tropical, mas esta hipótese não foi devidamente comprovada, nem os mecanismos de alternância de dominância plenamente entendidos (Gontijo 2009). 7 Em florestas montanas secundárias no Parque Estadual do Itacolomi, Espírito Santo (2008) sugere que a alta freqüência de Camponotus rufipes (Formicinae) seria indicativa de dominância e mosaico em grandes extensões florestais. Por outro lado, foi observada notável “permeabilidade” nestes mosaicos devido à permissibilidade de forrageio de espécies potencialmente “descobridoras” (Espírito Santo et al. 2007). Mais fascinante, os mosaicos de dossel com C. rufipes não se repetem em florestas mais quentes no trecho médio desta mesma bacia (Rio Doce) ou em regiões próximas. Nestas matas onde existe C. serisceiventris, uma espécie um pouco maior e mais agressiva, Espírito Santo (2008) comprovou a existência de mecanismos de exclusão competitiva entre elas, um fator necessário para a formação de mosaico. Este padrão observado em dosséis da Mata Atlântica é relacionado a gêneros e espécies de formigas previamente estudadas em interações Formicidae/Hemiptera nos cerrados do sudeste (Del Claro e Oliveira 1999, 2000; Oliveira et al. 2002). As florestas secundárias do centro-oeste de Minas Gerais são domínios arbóreos adjacentes e com alta similaridade em termos de espécies de formigas. A região montana de Ouro Preto é tipicamente ecotonal destes ecossistemas, embora limitante devido às suas particularidades micro-climáticas e fitogeográficas, que o torna relativamente mais simples e menos diversos, portanto mais prático enquanto um “sistema de estudo”. Oliveira et al. (2002) pontua a dificuldade de acesso como freio do desenvolvimento de pesquisas nesse tema nos biomas florestais. Tal dificuldade não é encontrada nas florestas baixas de Ouro Preto, sendo assim um ambiente com grande potencial para uma investigação das relações entre territorialidade e patrulhamento de NEF’s e Hemiptera. Este estudo buscou evidências do efeito de recursos tróficos abundantes e constantes, como os conferidos por secreções de plantas e animais, no forrageio de formigas em uma 8 dada região tropical Montana A partirn da descrição dos padrões de distribuição do recurso e das espécies de formigas, e com auxílio de experimentos de manipulação, investigou-se as possíveis variações geradas por esse comportamento nas pressões competitivas consolidantes de mosaicos de formigas arbóreas. No primeiro capítulo estudamos a interação entre formigas e o hemíptero Calloconophora pugionata, o primeiro registro de interação trófica desse gênero de membracídeo. Esse hemíptero é comum nas matas baixas da região de Ouro Preto, possui um comportamento peculiar e único de oviposição e é o primeiro caso de trofobiose descrito para uma floresta tropical montana do Brasil. Testamos as hipóteses de que Calloconophora pugionata é um herbívoro trofobionte específico de M. obovata cujas colônias são atendidas por formigas. Essas formigas protegem seus parceiros e aumentam sua sobrevivência e fecundidade. Além disso, a proteção seria extensiva a planta hospedeira através da redução do número de herbívoros. Confirmado o benefício da interação procuramos entender os efeitos para as formigas atendentes. No segundo capítulo testamos as hipóteses de que as formigas trofobiontes monopolizam as agregações de Calloconophora pugionata por criar territórios exclusivos. Abundância e freqüência das formigas atendentes aumentam e os demais artrópodes, incluindo as outras formigas, são deslocados desse território, perdendo abundância consequentemente. O resultado disso é uma estrutura hierárquica conhecida como mosaico de formigas. Assim buscamos compreender o papel funcional das trofobioses para a comunidade arbórea de matas de topo de montanha. 9 Referências bibliográficas Ammar ED (1985) Internal morphology of leafhoppers and planthoppers. In: Nault LR, Rodriguez JG (eds) The leafhoppers and planthoppers, John Wiley e Sons, New York, pp 127-162 Blüthgen N, Verhaagh M, Goitia W, Jaffé K, Morawetz W, Barthlott W (2000) How plants shape the ant community in the amazonian rainforest canopy: the key role of extrafloral nectarines and hemipteran honeydew. Oecologia 125:229-240 Campos RI, Vasconcelos HL, Ribeiro SP, Neves FS, Soares JP (2006a) Relationship between tree size and insect assemblages associated with Anadenanthera macrocarpa. Ecography 29: 442-450 Campos RI, Soares JP, Martins RP, Ribeiro SP (2006b) Effect of habitat structure on ant assemblages (Hymenoptera: Formicidae) associated to two pioneer tree species. 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Um experimento controlado de exclusão das formigas de galhos infestados por C. pugionata, mostrou que os hemípteros sobrevivem mais quando atendidos por formigas nos diferentes estádios de vida. As formigas também proporcionam um aumento na fecundidade do membracídeo permitindo uma maior taxa de oviposição. Calloconophora pugionata ovipõe peculiarmente nas bordas das folhas, além dos galhos. Esse comportamento único é mais vantajoso para a sobrevivência dos ovos e, associado à presença de formigas, forneceu uma estratégia reprodutiva bastante efetiva. As formigas também inibiram a visitação dos galhos infestados por outros artrópodes, como potenciais inimigos naturais do membracídeo e herbívoros de M. obovata, estendendo seu caráter protetor a hospedeira. Concluímos que a presença de formigas em interação com o Calloconophora pugionata é uma relação mutualística importante para a sobrevivência do mesmo em qualquer estádio de sua vida, assim com para sua reprodução. Palavras chave: interações ecológicas, mutualismo, Calloconophora pugionata, Myrcia obovata, Camponotus crassus, Camponotus rufipes 16 Abstract The trophic relations between ants and hemipterans are very common in the Neotropical region, but little explored in the Atlantic Forest. The study of these relations is basis for understanding its role in the community structure. We present an unknown mutualistic interaction between the Membracidae Calloconophora pugionata and ants, mainly Camponotus crassus and Camponotus rufipes, on Myrcia obovata, a common tree in the southeastern montane forests of Brazil. A controlled ants-exclusion experiment of the twigs infested for C. pugionata showed that the hemipteran survived better when take care by ants in different life stages. The ants also provide an increasing treehopper fecundity, allowing a greater egg laying rate. Calloconophora pugionata lay their eggs peculiarly in the leaves edge, as well as on the twigs. This unique behavior may be advantageous for the survival of eggs and, along with the ant presence, was a quite effective reproductive strategy. The ants had also inhibited the visitation of the trees by other arthropods, such as potential treehopper enemies and herbivores of M. obovata, thus extending its protective character to the hostess. Therefore, we conclude that the mutualistic interaction between ants and Calloconophora pugionata was was an ultimate force shaping the survival of this hemipteran in any stage of its life, increasing its reproduction. Key-words: ecological interactions, mutualisms, Calloconophora pugionata, Myrcia obovata, Camponotus crassus, Camponotus rufipes 17 Introdução As plantas, dentre todos os seres vivos, captam uma grande parte da atenção dos ecólogos devido a seu papel importante na evolução e diversificação das demais espécies (Beattie 1985; Price 2002). A diversificação das angiospermas é uma das principais radiações da vida na Terra dividindo o pódio com o grupo dos insetos (Lengyel et al. 2009). Essa semelhança não é mera coincidência. Desde a era Mesozóica, quando surgiram as primeiras angiospermas, as relações ecológicas e evolutivas entre insetos e plantas tornaram-se cada vez mais comuns e diversas (Herrera e Pellmyr 2002). Acredita-se que as interações ecológicas entre esses grupos podem ter sido chave na evolução de ambos (Regal 1977) através da modificação das taxas de extinção (Koh et al. 2004a, b) e especiação (McPeek 1996). As principais interações envolvendo insetos e plantas são a polinização e dispersão de sementes (Regall 1977) e a predação por herbivoria (Crawley 1983; Pacala e Crawley 1992). Insetos herbívoros se alimentam dos tecidos de praticamente todos os órgãos da planta em todas as fases da vida incluindo partes vegetativas e reprodutivas (Oliveira et al. 1999). Isso resulta na redução da capacidade reprodutiva e radiativa das espécies de plantas mais suscetível a herbivoria. Em contrapartida a essa pressão seletiva as plantas evoluíram uma série de mecanismos morfológicos, fisiológicos e bioquímicos de combate a herbivoria (Crawley 1983; Marquis 1992; Gullan e Cranston 1994; Begon et al. 2006). Esses mecanismos são cruciais na sobrevivência da planta, como indivíduo ou espécie, pois muitas vezes a herbivoria pode causar a morte do vegetal, a incapacidade reprodutiva e a constrição radiativa (Bennet e Hughes 1959). Acredita-se que a região tropical seja a zona biogeográfica onde a ‘guerra armamentista’ entre plantas e herbívoros tenha sido mais acirrada gerando a maior diversidade de herbívoros em paralelo a variedade de defesas das plantas (Price et al. 1995; Dicke 1999; Dicke 2000; Ribeiro e Basset 2007). 18 A relação entre plantas e herbívoros não é dualística, mas uma rede formada por no mínimo três níveis (Del Claro 2004). As formigas são o elemento chave nessa interação. Em qualquer estrato de qualquer tipo vegetacional, e em quase todo o planeta, o grupo Formicidae é majoritário em abundância, riqueza e biomassa (Fittkau e Klinge 1973; Stork 1988; Hölldobler e Wilson 1990; Tobin 1995; Davidson e Patrell-Kim 1996; Davidson 1997). Na região neotropical a quantidade de formigas arborícolas pode chegar a 70% da abundância total de artrópodes forrageando em plantas (Tobin 1991). As formigas são atraídas para a vegetação principalmente devido a fontes de recursos tróficos muito energéticos e nutritivos como nectários extraflorais (NEF’s) e florais (NF’s) (Bentley 1977a, b; Blutghen et al. 2000), por locais de nidificação (Oliveira e Rico Gray 1990) ou simplesmente sobem nas plantas para caçar (Hölldobler e Wilson 1990). As plantas visitadas pelas formigas muitas vezes são usadas para nidificação e podem se transformar no próprio território da inquilina (Carroll e Janzen 1973). As formigas tanto de solo como de vegetação são passiveis de explorar os recursos tróficos presentes nos vegetais. Apesar disso, há um grupo de espécies típico da vegetação que é mais abundante e rico na folhagem que no solo ou do que as espécies tipicamente epigéicas, quando observadas na vegetação (Del-Claro e Oliveira 1996; Brandão et al. 2009). Essa dominância biológica das formigas na vegetação tem efeitos diretos e indiretos no restante da comunidade epigéica tornando as formigas organismos chave no estudo da biodiversidade (Davidson et al. 2003; Oliveira e Del-Claro 2005; Rosumek et al. 2009). Um dos grupos mais afetados pelas formigas são os insetos herbívoros (Janzen 1966, 1967) que perdem abrigo, locais de acasalamento, nidificação e oviposição, além do alimento (Letourneau e Barbosa 1999; Crutsinger e Sanders 2005; Del-Claro et al. 2006). Assim, atraídas pelas plantas, direta ou indiretamente, as formigas desempenham um papel de 19 proteção da hospedeira contra o ataque dos herbívoros, enquanto utilizam seus recursos (Davidson e McKey 1993; Bronstein 1998; Heil e McKey 2003; Del-Claro 2004; Oliveira e Freitas 2004; Bronstein et al. 2006; Rico-Gray e Oliveira 2007; Rosumek et al. 2009). Além de inibir o ataque dos herbívoros, as formigas podem conferir proteção às plantas contra predadores, parasitas, doenças, toxinas e ocasionalmente competidores, visto que não distinguem as espécies e espantam qualquer indivíduo estranho que se próxima de seu território (Boucher et al. 1982). As relações entre formigas e plantas mirmecófilas podem ser de caráter obrigatório, facultativo ou meramente oportunístico (Boucher et al. 1982; Keeler 1989). Em todos os casos o comportamento predatório e a agressividade das formigas contra os demais invertebrados da comunidade epigéica, inclusive os herbívoros, reduzem o nível de dano causado nas plantas (Carrol e Janzen 1973; Buckley 1987a, b; Davidson e McKey 1993; Del-Claro e Torezan-Silingardi 2009; Rosumek et al. 2009). Porém, um grupo de herbívoros conseguiu driblar o patrulhamento das formigas e manter sua atividade predatória: os hemípteros sugadores de seiva dos grupos Auchenorrincha e Sternorrincha (Way 1963; Delabie 2001). Contudo, essa exceção teve um preço. A relação entre formigas e hemípteros é denominada trofobiose e envolve a troca de exsudatos (secreção nutritiva e energética liberada pelo hemíptero) em troca de proteção advinda do atendimento pelas formigas (Way 1963; Del-Claro et al. 1996; Del-Claro e Oliveira 1999, 2000; Delabie 2001; Moreira e Del-Claro 2005). Em torno dos hemípteros as formigas mantêm constante patrulhamento e criam um território de exclusão livre de inimigos naturais dos hemípteros parceiros e das plantas hospedeiras (Del Claro e Oliveira 2000, veja também Capítulo 2). Essa relação é considerada mutualística para as formigas e os hemípteros e pode ter caráter obrigatório ou facultativo (Delabie 2001). De qualquer modo os hemípteros sempre adquirem proteção mesmo que condicionada ao nível de especialização da interação 20 (Delabie 2001). Esses herbívoros sugadores se mantém parasitando a planta, pois além de serem dificilmente detectados pelas plantas devido ao sofisticado modo de alimentação intratecidual (Gullan e Cranston 1994) são protegidos pelas formigas contra seus inimigos naturais. Os mutualismos trofobióticos entre formigas e esses hemípteros conferem um novo nó à rede de interações tróficas que contribui para a configuração da comunidade epigéica (Oliveira e Del Claro 2005). Isso cria um conjunto de relações ecológicas, diretas e indiretas, tornando ainda mais complexo o que seria uma relação bitrófica dualística entre plantas e herbívoros. O estudo da ecologia das interações, considerando todos os nós dessa complexa rede, mostra-se então de grande importância para o entendimento do funcionamento dos ecossistemas (Del Claro 2004). Os estudos de interações multitróficas (Wood 1983; Boucher 1985; Nault e Madden, 1985; Buckley 1987b) permitem uma abordagem integradora das histórias naturais das espécies além de contribuir para os mecanismos e processos que regem a configuração das comunidades e consequentemente a biodiversidade (Buckley 1987b; DelClaro e Oliveira 2000; Del Claro 2004). Apesar de comuns no Brasil, estudos de caráter multitrófico, envolvendo herbívoros trofobiontes e formigas associadas ainda são relativamente escassos, sendo a maioria feita no cerrado (Del Claro et al. 1996; Del Claro e Oliveira 1999; Delabie 2001; Del-Claro 2004). As redes de interações multitróficas integradas por plantas e formigas têm sido apontadas como modelos básicos, e ao mesmo tempo importantes, para uma melhor compreensão da biodiversidade de espécies, funções e interações ecológicas (Thompson 1994, Thompson et al. 1997, Del-Claro 2004, Thompson 2005; Rosumek et al. 2009). Essa é uma importante questão em Ecologia, pois influi diretamente na distribuição das espécies simplesmente porque todas as espécies estão ligadas de algum modo as plantas, a base da cadeia trófica e da 21 vida como a conhecemos (Borer et al. 2005). Assim sendo, os estudos sobre as relações tróficas diretas, que influenciam as interações entre espécies, são importantes para nossa compreensão de como as comunidades são estabelecidas e organizadas (Thompson 2005). Logo, a compreensão dos mecanismos e processos que criam e mantém a intrincada rede de interações bióticas torna-se crucial para o entendimento do funcionamento dos ecossistemas e posterior desenvolvimento de técnicas de manejo e manutenção da vida silvestre (Bronstein 1998; Rico-Gray e Oliveira 2007; Thompson 2005; Oliveira e Del-Claro 2005). Calloconophora pugionata é um membracídeo que vive associado à Myrcia obovata, uma árvore comum na vegetação baixa de Mata Atlântica Montana, do centro de Minas Gerais. Essa interação é muito comum nessas florestas, assim como seus integrantes. Porém, nada se conhece a respeito da ecologia de Calloconophora pugionata, ressaltando seu peculiar comportamento de oviposição ainda não descrito bem como de seu papel na configuração de sua comunidade e sua rede de interações. Assim, o presente estudo focou na interação entre formigas e o hemíptero Calloconophora pugionata de modo a testar as hipóteses de que a) C. pugionata é um herbívoro trofobionte específico de M. obovata, que atrai formigas que se alimentam de suas exsudações açucaradas; b) as formigas conferem benefício aos membracídeos, principalmente no que se refere à proteção contra a ação de inimigos naturais; c) a proteção oferecida pelas formigas ao membracídeos é extensiva à suas diferentes fases de vida; d) tanto a presença das formigas quanto a posição em que o hemíptero ovipõe influencia fertilidade do hemíptero; e) o benefício da relação mutualística entre o membracídeo e as formigas, se mantém ao longo do tempo; f) a relação membracídeoformiga pode beneficiar a planta hospedeira através da redução dos outros herbívoros da planta pela ação das formigas atendentes dos membracídeos. 22 Material e Métodos Áreas de estudo As coletas foram feitas no Parque Estadual do Itacolomi (PEIT/IEF) (20º26’26” Sul, 43º30’52” Oeste), nas cidades de Ouro Preto e Mariana, Estado de Minas Gerais, sudeste do Brasil. A vegetação do PEIT consiste de Mata Estacional Semidecidual de Altitude e Campos Rupestres. A região pertence ao Grupo Itacolomi, constituído predominantemente por quartzitos, filitos quartzosos e metaconglomerados em uma altitude média de 1500 m. A precipitação varia de 1000 a 1500 mm anuais e a temperatura média oscila entre 19ºC e 22ºC. A estação chuvosa se estende de setembro a fevereiro e a seca, de março a agosto (Fujaco 2007). A interação alvo Myrcia obovata é uma espécie comum de Mata Atlântica secundária sendo encontrada mais facilmente em vegetação estabelecida sobre solo de canga onde divide a alta abundância com pelo menos outras três espécies de árvores típicas dessa região: Eremanthus erythropappus (candeia), Eremanthus incanus (candeião) e Byrsonima variabilis (murici) (Figura 1). A população de M. obovata se distribui por todo o PEIT, mas é mais comumente encontrada em fragmentos em estágios iniciais de sucessão secundária. Essa planta possui porte arbustivo arbóreo podendo atingir até 8,0 m de altura em matas em estágios sucessionais mais avançados. Seja qual for a estrutura da mata essa espécie sempre compõe o dossel superior. A interação trofobiótica alvo desse trabalho é encontrada em M. obovata e nunca foi vista em outras espécies. De 32 casos de trofobiose encontrados na área de estudo 27 plantas hospedeiras possuíam pelo menos uma colônia de hemípteros atendidos por formigas e cinco 23 apresentavam mais de uma colônia. Essa interação ecológica ocorre entre o membracídeo Calloconophora aff. pugionata Driecht (Hemiptera: Auchenorrhyncha), e pelo menos seis espécies de formigas, sendo Camponotus rufipes e Camponotus crassus as mais comuns (Fig. 2 e 3). A infestação estende-se por galhos, folhas e frutos. Foram registrados em média 32 ovos por centímetro de galho, 17, por folha e 16, por fruto. Quanto aos hemípteros podem ser encontrados em torno de 2 adultos, 14 bolsas de ovos e 24 ninfas por colônia (Fig. 4). C. pugionata apresenta um comportamento específico de oviposição nas bordas das folhas bem como nos galhos (Fig. 5). 24 Figura 1. Exemplar de Myrcia obovata. (Foto: Fagundes R. 2009) 25 Fig. 2. Infestação de Calloconophora pugionata em ramos de Myrcia obovata. (Foto: Fagundes, R. 2009). 26 Fig. 3. Agregação de Calloconophora pugionata em Myrcia obovata atendida por Camponotus rufipes. (Foto: Fagundes, R. 2009) 27 Fig. 4. Agregação de Calloconophora pugionata em Myrcia obovata destacando os estádios de vida do hemíptero (ovos, massa de ovos, ninfas e adultos). 28 Fig. 5. Disposição dos ovos de Calloconophora pugionata nos ramos de Myrcia obovata. Observe os dois tipos de oviposição: nos galhos e nas bordas das folhas. (Foto: Fagundes, R, 2009). 29 Desenho experimental Um experimento de exclusão das formigas foi usado para avaliar se a importância da presença de formigas atendentes para C. pugionata e a hospedeira M. obovata. Dezenove indivíduos de M. obovata foram usados em 2008 e 12 em 2009, pois apenas esses foram reocupados pelo membracídeo e queríamos manter essa variável constante. As plantas escolhidas apresentaram arquitetura semelhante: em média 2,65 ± 0,16 m de altura; 1,99 ± 0,18 de diâmetro de copa e 0,27 ± 0,03 m de circunferência de caule (medidos a 30,0 cm do solo). Dois galhos com semelhante número de C. pugionata em cada planta foram aleatoriamente separados em controle e tratamento. Há 48h do início das coletas foi bloqueado o acesso de formigas aos membracídeos nos galhos tratamento com uso de uma resina pegajosa. Além disso, apêndices de outras plantas que tocavam o galho isolado foram podados impedindo qualquer acesso aos membracídeos pelas formigas. Quatro estádios de vida (ovos, massa de ovos, ninfa e adulto) foram identificados e o censo realizado para cada um deles. A cada três dias o número de hemípteros por agregação foi registrado, tanto nos galhos controle como nos galhos tratamento, totalizando sete coletas de dados. Esse período corresponde ao período médio de desenvolvimento de membracídeos sem que haja significativa eclosão de ovos ou emigração de adultos. Durante 10 minutos, a contagem dos membracídeos foi feita em cada galho atentando-se para não recontar os indivíduos. A abundância dos demais artrópodes que visitavam a planta também foi considerada. A abundância e riqueza das espécies de formigas que atendiam os membracídeos e que visitavam a planta também foram registradas. Essa avaliação foi feita no campo durante as coletas, mas pelo menos um exemplar de cada espécie foi coletado para posterior confirmação. O raio de busca nunca ultrapassou 30,0 cm da infestação do membracídeo. Contagens do número de ovos intactos no início e no fim do experimento em ambos os galhos 30 tratamento e controle foram usadas para avaliar a importância do local de oviposição para a sobrevivência dos ovos. Os invertebrados foram identificados através da Coleção Entomológica Temática TEAM/PRONEX Ponerinae, do Departamento de Biodiversidade, Evolução e Meio Ambiente (DEBIO) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Todas as observações foram realizadas no período diurno, entre 09h00min e 17h00min. A ordem de observação das plantas foi alternada de modo que todas as plantas fossem observadas em ambos os períodos do dia. Todos os dias de coleta estavam ensolarados com temperatura oscilando entre 25ºC e 28ºC. Exemplares dos hemípteros também foram coletados para identificação e dispostos na mesma coleção. Uma coleção de referência foi depositada na Coleção Entomológica TEAM/PRONEX Ponerinae do Departamento de Biodiversidade Evolução e Meio Ambiente da Universidade Federal de Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil. Os demais invertebrados foram identificados em Ordem. As coletas foram realizadas sob autorização do Instituto Chico Mendes (18636-1) e Instituto Estadual de Florestas (UC 009/09). Analise Estatística Os dados foram tratados estatisticamente nos programas Statistica 10 e SPSS 13.0. Os dados não paramétricos foram transformados para sua normalização (sqrt x+1). Para os dados não normalizados usamos testes não-paramétricos. Testes de Wilcoxon foram feitos para comparar os graus de infestação entre os anos e entre os tratamentos para abundância de cada estádio do membracídeo. Foi utilizado o teste ANOVA, para amostras repetidas, a fim avaliar se as formiga ou tempo estão relacionados a sobrevivência dos hemípteros, tendo a presença ou ausência de formigas e o estágio (pupa, ou ninfa, ou adulto) como fatores dependentes e os 21 dias de amostra como fatores fixos. Com essa analise buscamos compreender qual dos dois tem um efeito significativo para a sobrevivência e fecundidade do hemíptero. Para comparar a 31 quantidade de ovos quanto à presença da formiga e o local de oviposição foi usado o Teste de Wilcoxon. Por fim, modelos de ANOVA avaliaram a variação da abundância de predadores, onívoros e herbívoros entre galhos com e sem formigas mostrando se as formigas desempenham um significativo papel protetor para os hemípteros impedindo a aproximação de potenciais predadores e se esse comportamento é extensivo a planta hospedeira. 32 Resultados A infestação de Calloconophora pugionata foi encontrada apenas em Myrcia obovata. A interação é mais abundante entre os meses de setembro e março. O membracídeo se instala nos meristemas apicais e ovipõe nos galhos e na borda das folhas. O número inicial de membracídeos por agregação foi igual entre os tratamentos (Z = 1,20; p = 0,22) e os controles (Z = 1,5; p = 0,12) de 2008 e 2009 assim como foi igual entre tratamento e controle no inicio do experimento em ambos os anos (2008: Z = 1,20; p = 0,20; 2009: Z = 1,09; p = 0,49). Em 2008 encontramos em média 13.83 ± 2.95 adultos e 15.95 ± 5.22 imaturos, já em 2009, 10.39 ± 2.12 adultos e 14.27 ± 2.91 imaturos. As infestações apresentaram 11 espécies de formigas associadas, mas podem ser encontradas sem a presença delas. As principais espécies foram Camponotus rufipes e Camponotus crassus (Tabela 1). Tanto e 2008 como em 2009 encontramos C. rufipes como a principal atendente. Essa formiga praticamente monopoliza o recurso e não é vista visitando M. obovata quando não está em associação com o hemíptero. Assim como C. crassus, C.rufipes tem comportamento agressivo e territorial e diversas vezes foi vista atacando outras espécies de formigas que se aproximavam das agregações dos hemípteros. 33 Tabela 1. Espécies de formigas atendentes de Calloconophora pugionata e visitantes de Myrcia obovata. Número de ocorrências 2008 2009 atendendo visitando atendendo visitando Família Formicidae Subfamilia Myrmicinae Camponotus crassus Camponotus fastigatus Camponotus novogranadensis Camponotus rufipes Camponotus sp. 2 Camponotus sp. 3 Camponotus tenuiscapus Subfamily Myrmicinae Cephalotes pusillus Crematogaster spp. Pheidole spp. Subfamily Pseudomyrmicinae Pseudomyrmex gracillis Pseudomyrmex pallidus 6 1 1 16 1 2 1 4 2 3 0 0 1 4 3 0 1 12 3 0 0 1 0 0 0 1 0 1 1 1 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 1 3 1 1 0 1 0 A análise dos resultados revelou que os hemípteros sobrevivem mais quando atendidos por formigas, seja nos estágios de massa de ovos (ANOVA tratamentos x tempo: 2008: F7,252 = 143,6; p < 0,001; 2009: F7,252 = 3,34; p < 0,001), ninfa (ANOVA tratamentos x tempo: 2008: F7,252 = 171,7; p < 0,001; 2009: F7,154 = 6,17; p < 0,001) ou adulto (ANOVA tratamentos x tempo: 2008: F7,252 = 260,4; p < 0,001; 2009: F7,154= 1,98; p = 0,02). Na figura 6, 7 e 8 podemos observar que o número de membracídeos, independente do estádio tende a aumentar ou permanecer constante no grupo controle, enquanto claramente diminui no grupo tratamento. O mesmo padrão se repete nos dois anos indicando certa estabilidade do mutualismo. Apesar da composição e hierarquia de dominâncias das espécies trofobiontes 34 mudarem de um ano para o outro, os serviços continuam sendo desempenhados e a rede trófica permanece. Fig. 6. Analise da variação da sobrevivência das massas de ovos de Calloconophora pugionata para ambos os galhos experimentais no primeiro e segundo ano de coleta. A sobrevivência foi maior na presença de formigas tanto em 2008 (ANOVA tratamentos x tempo: F7,252 = 143,6; p < 0,001) quanto em 2009 (ANOVA tratamentos x tempo: F7,154 = 3,34; p < 0,001). 35 Fig. 7. Analise da variação da sobrevivência das ninfas de Calloconophora pugionata para ambos os galhos experimentais no primeiro e segundo ano de coleta. A sobrevivência foi maior na presença de formigas tanto em 2008 (ANOVA tratamentos x tempo: F7,252 = 171,7; p < 0,001) quanto em 2009 (ANOVA tratamentos x tempo: F7,294 = 6,17; p < 0,001). 36 Figura 8. Analise da variação da sobrevivência dos adultos de Calloconophora pugionata para ambos os galhos experimentais no primeiro e segundo ano de coleta. A sobrevivência foi maior na presença de formigas tanto em 2008 (ANOVA tratamentos x tempo: F7,252 = 260,4; p < 0,001) quanto em 2009 (ANOVA tratamentos x tempo: F7,294 = 1,98; p < 0,02). 37 Quanto à fertilidade das fêmeas também houve um relação positiva entre a presença de formigas e a quantidade de ovos depositados (Fig. 9). No início do experimento havia o mesmo número de ovos vivos nos galhos e nas folhas tanto no grupo tratamento (2008: Z = 0,76; p < 0,44; 2009: Z = 0,77; p < 0,44) como no grupo controle (2008: Z = 0,86; p < 0,39; 2009: Z = 0,86; p < 0,38). Ao final do experimento houve uma redução no número de ovos no grupo tratamento em 2008 (Z = 3,18 e p < 0,01) e um aumento no grupo controle em 2009 (Z = 3,16; p < 0,01). Logo, a presença das formigas potencializou a fecundidade enquanto que na sua ausência houve maior dano aos ovos. Porém, o local onde o hemíptero ovipõe também influenciou a sobrevivência dos ovos. Apesar da ausência das formigas, não houve mudança significativa na quantidade de ovos intactos nas bordas das folhas, ao contrario daqueles dos galhos, que foi menor no fim do experimento (Z = 2,89; p < 0,01). Já o grupo controle terminou com maior número de ovos vivos tanto na borda (2008: Z = 2,40; p = 0,01; 2009: Z = 2,40; p < 0,01) quanto no galho (2008: Z = 2,13; p = 0,03; 2009: Z = 2,13; p = 0,03) comparados com o tratamento e com suas próprias medidas iniciais. Em 2009 aconteceu um padrão semelhante, porém não significativo. Assim, a presença da formiga permitiu uma maior oviposição enquanto que na sua ausência os ovos são perdidos em maior taxa, porém aqueles postos nas bordas das folhas são menos danificados em comparação aos dos galhos. 38 Início Fim Início Fim Fig. 9. Variação na quantidade de ovos postos nos galhos e nas folhas de ambos os ramos tratamento e controle. O gráfico mostra as quantidades de ovos registrados no início e no fim do experimento para ambos os sítios de nidificação. Note os resultados positivos na quantidade de ovos da presença de formigas (2008: Z = 3,18; p < 0,001; 2009: Z = 3,16; p = 0,01). Na presença de formigas o local de oviposição não influencia, mas na ausência os ovos da folha sobrevivem mais (Z = 2,89 e p = 0,003). Em 2008 encontramos diferenças entre tratamento e controle para a abundância de artrópodes predadores e parasitóides do membracídeo (F1,36 = 8,09; p < 0,01), herbívoros (F1,36 = 6,80; p = 0,01), e onívoros (F1,36 = 17,73; p < 0,01) visitantes de M. obovata. A 39 abundância dos três grupos foi menor nos galhos controle, onde havia formigas (Figuras 10,11 e 12). No segundo ano houve um comportamento semelhante, porém não significativo. A interpretação dos nossos resultados nos permite inferir que a ausência de formigas facilita o forrageio de outros invertebrados nas proximidades da agregação de Calloconophora pugionata em comparação aos galhos onde há formigas atendo o hemíptero. A proteção advinda das formigas envolve a inibição da visita a M. obovata por outros invertebrados. Dentre esses podemos perceber que tanto possíveis predadores de Calloconophora quanto herbívoros da planta são afugentados. Assim a proteção advinda das formigas não se restringe apenas ao hemíptero trofobionte, mas se estende a planta hospedeira. Fig. 10. Abundância dos possíveis predadores e parasitóides do membracídeo (Aranhas e Vespas) em ambos os galhos experimentais: tratamento (1) e controle (2) para cada ano. Apenas em 2008 a quantidade de carnívoros foi menor na presença de formigas (F1,36 = 8,09; p < 0,01). 40 Fig. 11. Abundância dos possíveis herbívoros da hospedeira M. obovata em ambos os galhos experimentais: tratamento (1) e controle (2), para cada ano. Apenas no primeiro ano a quantidade de herbívoros foi maior nos galhos controle (F1,36 = 6,80; p < 0,01). 41 Fig. 12. Abundância dos demais artrópodes (onívoros) visitantes de M. obovata em ambos os galhos experimentais: tratamento (1) e controle (2), para cada ano. Em 2008 a abundância foi menor na presença de formigas (F1,36 = 17,73; p < 0,01). 42 Discussão A região tropical tem se destacado recentemente como mantenedora de grande diversidade de interações entre formigas, plantas e herbívoros sugadores de seiva (Oliveira e Brandão 1991; Oliveira e Oliveira-Filho 1991; Rico Gray 1993; Del-Claro et al. 1996; Oliveira et al. 1999; Bluthgen et al. 2000; Delabie 2001). Esse estudo apresenta um novo caso de interação mutualística entre a espécie de membracídeo Calloconophora pugionata, herbívoro específico de Myrcia obovata, e formigas, para as florestas montanas do sul da Cadeia do Espinhaço. Esse tipo de relação espécie-específica entre herbívoros e plantas não é comum, mas já foi relatada para o Cerrado (Del-Claro 2004). Nesse bioma dois casos se destacam: Guayaquila xiphias (Membracidae) em Didymopanax vinosum (Araliaceae) (DelClaro e Oliveira 1999, 2000) e Enchenopa brasiliensis (Membracidae) em Solanum lycocarpum (Solanaceae) (Moreira e Del-Claro 2005). Diferente dos outros tipos de herbívoros, os sugadores de seiva possuem mecanismos para driblar a resposta das plantas a sua predação, como substância anti-estresse inoculadas com a saliva diretamente nos vasos condutores da planta (Miles 1999). Além desse exemplo várias adaptações morfofisiológicas a vida parasita-herbívora surgiram na história evolutiva desses insetos tornando cada vez mais intima a relação com as plantas (Delabie 2001; Lin 2006). Interações entre formigas e hemípteros são consideradas mutualísticas (Way 1963; Hölldobler e Wilson 1990; Delabie 2001). Esse é o primeiro registro de mutualismo entre o gênero Calloconophora e formigas (Lin 2006). A relação entre formigas e C. pugionata pode ser considerada um mutualismo trofobiótico, pois as formigas protegem todas as fases de vida do membracídeo, aumentando sua expectativa de vida e fecundidade, enquanto recebem alimento na forma de exsudatos ricos em nutrientes essenciais. Muitas espécies de formigas coletam exsudatos de hemípteros, principalmente das subfamílias Formicinae, Myrmicinae, 43 Dolichoderinae, Pseudomyrmicinae e Ectatomminae (Carroll e Janzen1973; Hölldobler e Wilson 1990; Klein et al. 1992; Gullan 1997; Del-Claro e Oliveira 1999, 2000; Delabie 2001). A diversidade de formigas em associação com C. pugionata e a dominância do gênero Camponotus já é esperada para sistemas tropicais (Delabie 2001; Del-Claro 2004). Apesar das 11 espécies encontradas atendendo C. pugionata, Camponotus rufipes e Camponotus crassus foram as mais freqüentes. Essas duas espécies são comumente encontradas em trofobioses (Del-Claro e Oliveira 1999; 2000; Moreira e Del-Claro 2005; Kaminski et al. 2010). Além disso, Oliveira e Del-Claro (2000) mostraram que C. rufipes foi a única espécie que consegui formar trofobiose com Guayaquila xiphias em dois anos consecutivos e consequentemente manter o mutualismo. A efetividade na proteção do hemíptero pode ser dependente da espécie de formiga em trofobiose (Addicott 1979; Messina 1981; Bristow 1984; Takada e Hashimoto 1985; Buckley 1987b; Buckley e Gullan 1991). Além disso, a sobrevivência do hemíptero depende da agressividade da formiga (Nixon 1951, Wood 1983, Buckley e Gullan 1991, Gullan 1997). Tanto C. rufipes quanto C. crassus possuem um comportamento claramente agressivo usando os compostos químicos exalados de seu acidóporo para enfrentar os intrusos. Secreções açucaradas, como os exsudatos, são importantes alimentos para algumas espécies de formigas, devido ao seu alto valor energético (Carroll e Janzen 1973; Buckley 1987a, b; Rico-Gray 1993; Tobin 1994). Bik e Del-Claro (2010), usando interação formigaplanta através de NEF’s, mostram que recursos trofobióticos aumentam o fitness da formiga através da taxa de crescimento da colônia, e peso e sobrevivência dos ovos e adultos. Pelo menos para o Cerrado, tanto C. crassus como C. rufipes são consideradas típicas coletoras de secreções açucaradas (Oliveira e Brandão 1991). Inclusive, Camponotus rufipes é considerada uma espécie dependente de exsudatos de hemípteros e por isso apresenta maior empenho na 44 formação de trofobioses como alta proteção, agressividade e atendimento 24h (Del-Claro e Oliveira 1999, 2000). Kaminski et al. 2010 mostram que C. rufipes também é a principal formiga atendente em trofobioses entre formigas e a lagarta de Parrhasius polibetes em Didymopanax vinosum. Formigas protegem os membracídeos contra seus inimigos naturais (Way 1963; DelClaro e Oliveira 2000). Além de prevenir a acumulação de exsudato e a conseqüente proliferação de fungos sobre os membracídeos (Samways 1993), as formigas impedem a ação de predadores e parasitóides (Way 1963; Collins e Scott 1982; Buckley 1987a, 1990; Vinson e Scarborough 1991). A presença das formigas em associação com C. pugionata reduziu o número de outros artrópodes visitantes, como os inimigos naturais do membracídeo. Isso refletiu em maior sobrevivência do membracídeo quando atendido pela formiga. Todas as fases de vida foram contempladas, do ovo ao adulto. Nessa interação há um aumento no fitness do hemíptero em conseqüência da proteção fornecida pelas formigas. Essas, também são beneficiadas, pois mantém uma fonte constante de um alimento energeticamente vantajoso. Apesar da diferente espécie de membracídeo e do bioma ser outro, a trofobiose encontrada por Oliveira e Del-Claro (2000) compartilha muitas semelhanças com a interação entre formigas e Calloconophora pugionata: as mesmas espécies atendentes, proteção realizada principalmente por C. rufipes, aumento da fertilidade e fecundidade do membracídeo, proteção contra inimigos naturais e estabilidade temporal. Esses dois sistemas corroboram a teoria dos mosaicos geográficos coevolutivos de Thompson (1999) e contribuem para o entendimento da ecologia e evolução das interações interespecíficas. A fêmea sozinha pode proteger sua prole do ataque de predadores e parasitóides (Havilland 1925; Beamer 1930; Hinton 1977; Wood 1978, 1984; Oliveira e Del Claro 2000). O corpo da própria fêmea é usado como escudo (Lin 2006). Na tribo de C. pugionata, 45 Aconophorini, as fêmeas apresentam cuidado parental durante todo o desenvolvimento da prole (Hinton 1977; Wood 1978, 1984; Dietrich e Deitz 1991). Elas podem realizar movimentos bruscos, como chutes e agitação das asas, para afugentar os inimigos (Lin 2006). Porém, a presença de formigas favorece consideravelmente a sobrevivência de seus parceiros. As fêmeas de algumas espécies podem até ovipor no mesmo galho a fim de aumentar o número de ninfas e facilitar o mutualismo com formigas (Eberhard 1986; Zink 2003). As formigas também são atraídas pelos exsudatos liberados no ambiente, que servem como pistas químicas (Del-Claro e Oliveira 1996). Em alguns casos inclusive, há uma total ou parcial transferência de cuidado parental dos hemípteros para as formigas (Wood 1977 a, b; Bristow 1983; Dejean et al. 2000). As formigas trofobiontes, além de proteger a fêmea e toda a sua prole, permite que os adultos reprodutivamente ativos possam visitar outros galhos e iniciar novas colônias, aumentando sua capacidade de dispersão (Bristow 1983; Del-Claro e Oliveira 2000). Del Claro e Oliveira 1996 mostraram que na presença de formigas há uma maior migração de fêmeas da colônia inicial para o início de novas. A estratégia de oviposição de ovos nas bordas da folha é específica de C. pugionata e ainda não havia sido encontrada em nenhuma outra espécie de hemíptero. Nossos resultados mostram que os ovos alocados nas folhas têm maior chance de sobrevivência em comparação aos ovipostos nos galhos. Na presença de formigas não há efeito do local de oviposição, pois as formigas forrageiam por todo o ramo. Porém, na ausência de formigas, os ovos presentes nas bordas das folhas permanecem intactos por mais tempo enquanto que os de galho foram muito mais danificados. Essa situação não é esperada para esse gênero de membracídeo devido ao seu cuidado parental recorrente (Lin 2006). Como um fenômeno novo, muitas hipóteses surgem a respeito desse fato. Os principais inimigos dos ovos de C. pugionata são aranhas Salticidae. Como as aranhas acessam os ovos através dos galhos elas primeiro encontrariam os ovos dos galhos e poderiam se saciar ali antes de seguir em frente. Além 46 disso, a predação é dificultada nas bordas das folhas pelo maior espaçamento entre os ovos. A oviposição em massas e nas proximidades delas pode gerar um aumento da taxa de parasitismo devido a fácil identificação pelo inimigo, assim os ovos do galho seriam mais prejudicados (Tallamy 1985, 1986; Kaitala 1999). Experimentos mais específicos precisam ser realizados para se compreender a verdadeira vantagem adaptativa desse tipo de oviposição “circunfoliar” em comparação a modo mais comum. Além de proteger seus hemípteros, as formigas beneficiam indiretamente as hospedeiras de C. pugionata. Ao criar territórios de defesa em torno das agregações dos hemípteros elas reduziram o número de herbívoros visitantes de M. obovata. Esse fenômeno é bem conhecido na literatura (Bristow 1983; Buckley 1987 b; Rosumek et al. 2009) e já foi observado em inúmeras associações formiga-hemiptero em plantas no Cerrado (Del Claro e Oliveira 2000, Oliveira et al. 2002; Beattie e Hughes 2002). Os resultados dessa proteção são a redução do dano em estruturas vegetativas e reprodutivas (Koptur 1992). Porém, a proteção dos seus herbívoros parceiros causa danos às plantas (Rico-Gray e Thien 1989). E só é anulado se o hemíptero trofobionte não for o herbívoro primário e se as formigas impedirem efetivamente o estabelecimento de outros herbívoros (Messina 1981). Del-Claro e Mound (1996) mostraram que a presença da trofobiose entre formigas e Guayaquila xiphias reduz o dano de meristemas pelo tripes Liothrips didymopanicis. Esse herbívoro pode matar a planta hospedeira (Del-Claro e Mound 1996). Vários outros estudos mostram que formigas em trofobiose com hemípteros podem impedir a predação das plantas hospedeiras e aumentar assim seu fitness reprodutivos (Oliveira e Del-Claro 2005; Rosumek 2009; e referências incluídas). Oliveira e Del Claro (2005) mostram que a proteção contra herbívoros pode ser espécie-específica. No sistema Guayaquila xiphias-formigas três espécies de herbívoros são direta e especificamente afetados pela presença das formigas. 47 Os mutualismos de formigas envolvem muitas espécies de sua comunidade direta e indiretamente (Bronstein e Barbosa 2002). A interação multitrófica entre M. obovata e seus herbívoros, C. pugionata e seus predadores, além das formigas é mais um exemplo da importância dessas relações mutualísticas para a biodiversidade. A relação trofobiótica entre formiga e herbívoros sugadores de seiva é bem conhecida (Way 1963; Delabie 2001). Porém, a maioria dos estudos envolve espécies de Coccidae (Way 1963), ou hemípteros de interesse agrícola (Nixon 1951; Carter 1962; Conti 1985; Buckley 1987a; Carver et al. 1991; Dejean e Matile-Ferrero 1996; Gullan 1997; Dejean et al. 2000). Poucos estudos envolvem as interações dentro de sua comunidade natural (Gullan 1997, Del-Claro e Oliveira 1999; DelClaro e Oliveira 2000; Wimp e Whitham 2001; Moreira e Del Claro 2005). As formigas que coletam exsudatos são numérica e competitivamente dominantes em sua comunidade (Bluthgen e Stork 2008). Essas formigas afetam sua própria assembléia por competir entre si e com as demais espécies de formigas pelos recursos (Majer 1993). Além disso, elas inibem a presença de outros insetos nas plantas hospedeiros através da criação de territórios de exclusão mútua afetando toda a comunidade (Way e Khoo 1992; Bluthgen et al. 2000; Del Claro e Oliveira 2000; Davidson 1997; Dejean e Corbara 2003). Assim com as trofobioses do Cerrado (Del Claro e Oliveira 1999, 2000; Moreira e Del Claro 2005; Oliveira e Del-Claro 2005; Kaminski et al. 2010), a relação entre C. pugionata e formigas em M. obovata pode ser considerada uma interação chave para a rede trófica do ecossistema em questão. A rede multitrófica transcende esses três elementos base e envolvem toda a biodiversidade interativa (Del Claro 2004). O estudo das interações tróficas é base para o melhor entendimento da organização de comunidades (Thompson 1994; 2005), pois essas compreendem as espécies e suas interações intra e interespecíficas. Nesse aspecto, as relações entre formigas e plantas são interações-chave devido a relativa abundância e a facilidade em estudá-las na região tropical (Bronstein 1998; Rico-Gray e Oliveira 2007; Del Claro et al. 48 2008). Todavia, só recentemente os estudos sobre mutualismos e parasitismos figuram como principais estudos da dinâmica e estabilidade das comunidades (Simberloff 2006; Clement et al. 2008). Conservação ambiental envolve não somente conhecer e proteger as espécies, mas também toda a diversidade das interações ecológicas entre elas (Thompson 1997; Del-Claro Oliveira 2005; Del Claro et al. 2008). 49 Referências bibliográficas Addicott JF (1978) Competition for mutualists: aphids and ants. Can J Zool 56:2093-2096 Beamer RH (1930) Maternal instinct in a membracid (Platycotis vittata) (Homoptera). Entomol News 41:330-331 Beattie AJ, Hughes L (2002) Ant-plant interactions. In: Herrera CM, Pellmyr O (eds) Plantanimal interactions: An evolutionary approach. Blackwell Science, Oxford, pp 211-235 Begon M, Townsend CR, Harper JL (2006) Ecology: from individuals to ecosystems, Oxford, Blackwell Publishing, 4nd edn, Blackwell Publishing, Oxford. 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Nas matas secundárias montanas de Ouro Preto (MG/Brasil) há uma particular interação multitrófica entre o membracídeo Calloconophora pugionata e formigas, em Myrcia obovata, uma árvore comum dessa região. Esse estudo avaliou o efeito dessas trofobioses na configuração da sua comunidade. Para isso, um experimento controlado de manipulação da quantidade e distribuição de trofobioses foi realizado. Variações nas abundâncias e distribuição dos artrópodes foram registradas através de quatro etapas pelas quais as agregações de C. pugionata foram gradualmente removidas. A mirmecofauna apresentou 12 espécies de formigas sendo que duas delas, Camponotus crassus e Camponotus rufipes, monopolizaram as trofobioses com os hemípteros. No cenário natural a comunidade é tipicamente hierárquica e estruturada em um mosaico no qual as espécies trofobiontes são dominantes. O forrageio dessas formigas é mais intenso em torno de suas agregações de C. pugionata e seus territórios mutuamente exclusivos. Desse território também são excluídas as demais espécies de formigas, submissas. Os demais artrópodes respondem da mesma forma e sua abundância é muito baixa. Com a retirada das agregações do membracídeo a abundância de C. rufipes e C. crassus reduz, e os territórios se desfazem. O mosaico é tão sazonal quanto às infestações do hemíptero e não se mantém na seca, ou na chuvosa, quando se retira os hemípteros. Assim, interações trofobióticas são importantes para comunidade arborícola das matas montanas, pois elas criam uma hierarquia de dominância nas espécies e modificam sua distribuição em um mosaico de territórios. Palavras chave: interação planta-formiga-hemíptero; forrageio; mosaico de formigas 63 Abstract The ant mosaic is a distribution pattern based on competitive mechanisms and exclusive territories. The hemipteran honeydew is important fuel to forage and competition and, consequently, base for a distribution in mosaics. The montane secondary forests of Ouro Preto (MG/Brasil) has a particular multitrophic interaction between the treehopper Calloconophora pugionata and ants, in Myrcia obovata, a common tree of this region. This study evaluated the effect of these trophobioses on the configuration of community. For this, a controlled experiment of manipulation of the amount and distribution of trophobioses were carried through. Variations in the abundances and distribution of the arthropods had been registered through four stages by which the aggregations of C. pugionata had been removed gradually. The ant fauna presented 12 species of ants being that two of them, Camponotus crassus and Camponotus rufipes, had monopolized trophobioses with the hemipterans. In the natural scene the community is typically hierarchic and is structuralized in a mosaic which the trophobionts species are dominant. The forage was more intense around its aggregations of C. pugionata and their territories mutually exclusive. From this territory also the other species of ants are excluded. The others arthropods reacted in the same way and its abundance are very low. The abundance of C. rufipes and C. crassus reduced with the withdrawal of the treehopper aggregations, and its territories disappeared. The mosaic is so seasonal than the Hemiptera infestations and don’t keep itself in dry season, or in the rainy one, if the trophobioses are broken. Thus, trophobiotics interactions are important for canopy community of the montane forests, therefore they create a dominance hierarchy in the species and modify its distribution in a mosaic of territories. Key-words: interaction plant-hemipteran-ant; forage; ant mosaic; tropical montane forests 64 Introdução Estudos sobre os mecanismos que determinam à distribuição das espécies nos dosséis florestais têm dividido os ecólogos quanto à importância da competição como força estruturadora de comunidades, em vista de pressões tróficas de predação e qualidade de habitat e recursos (Ribeiro et al. 2005; Ribeiro e Basset 2007). O dossel florestal, diferente do solo, apresenta baixa diversidade de espécies de formigas devido às condições climáticas desfavoráveis, e reduzida disponibilidade de sítios de nidificação e de alimento (Wilson 1987; Stork 1991; Davidson 1997). Alguns autores acreditam que a competição por esses recursos seria base para formação de territórios exclusivos e, consequentemente, para a configuração da comunidade de espécies arborícolas (Davidson et al. 2003; Blüthgen et al. 2003, 2004a). As formigas são grupo chave para estudar esses padrões de distribuição nas copas das árvores e seus mecanismos geradores, devido a sua superioridade em abundância e biomassa, taxonomia relativamente bem esclarecida e fácil coleta (Moffet 2000). O padrão de distribuição das formigas no dossel pode ser representado por mosaicos territoriais competitivos (Wilson 1958; Room 1971; Majer 1972; Leston 1973; Taylor 1977; Jackson 1984a; Dejean e Corbara 2003; Bluthgen e Stork 2007). Essa estrutura é baseada na criação de territórios exclusivos e formação de uma hierarquia de dominância entre as espécies. As espécies mais abundantes e agressivas seriam consideradas dominantes. As demais formigas, raras e pouco agressivas, seriam as submissas ou subdominantes (Bluthgen e Stork 2007). Nesse aspecto, as formigas dominantes são aquelas capazes de monopolizar um recurso, criar um território e assim afetar a distribuição, abundância e riqueza das demais espécies de formigas (Majer 1993; Andersen 1995; Davidson 1997). Além disso, as formigas dominantes afetariam, direta e indiretamente, a abundância dos demais invertebrados, como 65 herbívoros e predadores devido à alta abundância, taxas de forrageio, de patrulhamento e territorialidade (Del-Claro e Oliveira 2000; Bluthgen e Stork 2007; Rosumek et al. 2009). O estabelecimento de territórios exclusivos e o domínio sobre recursos tróficos são típicos de formigas arborícolas (Jackson 1984a). As espécies mais abundantes, e provavelmente as dominantes, pertencem a guildas consumidoras de exsudatos de hemípteros e nectários extraflorais (Room 1971; Leston 1978; Majer et al. 1994; Bluthgen et al. 2000). Essas espécies pertencem principalmente às subfamílias Dolichoderinae, Formicinae e Myrmicinae (Carroll e Janzen 1973; Hölldobler e Wilson 1990; Davidson et al. 1998; Delabie 2001). As operárias dessas formigas são especialistas no uso de compostos de alarme, recrutamento e defesa, o que aumenta seu sucesso como dominantes (Davidson et al. 2003). A relação entre patrulhamento de recursos tróficos e a pressão de formação de mosaico não parece ter sido suficientemente explorada pela literatura (Bluthgen et al. 2004b; Bluthgen e Stork 2008). A teoria dos mosaicos de dossel tem sido testada em diversos continentes (Greenslade 1971; Majer 1972; Leston 1978; Majer e Camer-Pesci 1991) e biomas (Leston 1978; Adams 1994; Dejean et al. 1994; Majer et al. 1994). Os principais trabalhos com mosaicos estudam o papel da competição por território de nidificação, sendo poucos os que investigam competição trófica (ver revisões em Jackson 1984a; Majer 1993; Dejean e Corbara 2003; Bluthgen e Stork 2007). Essa competição é baseada em territórios gerados em torno de recursos altamente energéticos e abundantes, como nectários extraflorais e infestações de hemípteros (Leston 1978; Bluthgen et al. 2000;). A relação mutualística entre formigas e hemípteros sugadores de seiva é chamada de trofobiose (Way 1963; Hölldobler e Wilson 1990; Delabie 2001). Essa relação interespecífica caracteriza-se pelo fornecimento de exsudatos açucarados eliminados pelos insetos em troca de proteção advinda das formigas (Way 1963; Del Claro e 66 Oliveira 2000; Delabie 2001). A maioria dos Hemiptera pode ser encontrada neste tipo de interação e pertencem aos grupos Sternorrhyncha (Afidae e Coccoidae) e Auchenoryncha (Cicadidae, Cicadellidae, Cercopidae e Membracidae) (Delabie 2001). A maioria dos principais trabalhos sobre mosaicos avaliam padrões de distribuição através de coletas invasivas e exploratórias sem se importar com a distribuição e quantidade dos recursos (Lowman e Nadkarni 1995, Stork et al. 1997), apesar de alguns outros buscarem perspectivas de pesquisas distintas e inovadoras (Blüthgen et al. 2000; Dejean et al. 2000; Yanoviak e Kaspari 2000). Bluthgen et al. (2004b) discutem que observações a respeito do uso dos recursos e suas conseqüências podem ser mais poderosas nas inferências sobre a dinâmica competitiva por trás dos mosaicos do que trabalhos dependentes de modelos nulos (Gotelli e Graves 1996; Gotelli 2000; Manly e Sanderson 2002). Como os principais recursos para formigas arborícolas são as secreções açucaradas de plantas e hemípteros, estudos de trofobioses são chave para o entendimento da configuração das comunidades e consequentemente dos mosaicos. Porém, estudos empíricos sobre o papel dos mutualismos trofobióticos são escassos (Bluthgen et al. 2004). Apesar das dificuldades metodológicas para se encontrar o padrão de organização em mosaico em florestas naturais (Espirito-Santo et al. 2007), é preciso testar as hipóteses que fundamentam a sua existência antes de chegar a uma conclusão a seu respeito. Nesse cenário, esse estudo usa de uma nova metodologia experimental para testar a relação entre a presença e distribuição de interações trofobióticas e a configuração da assembléia de formigas arborícolas através da observação do comportamento de forrageio. Partimos das hipóteses de que as trofobioses com hemípteros são base para a consolidação e manutenção de espécies dominantes e seus territórios. Por conseqüência, os demais invertebrados, incluindo as outras formigas, são afastados desses territórios, o que altera a configuração da comunidade 67 arborícola e estabelece a distribuição em mosaico. Nas matas montanas baixas, essa estrutura seria tão dependente da rede interativa trofobiótica que suas dinâmicas estariam correlacionadas a ponto das flutuações populacionais sazonais dos hemípteros trofobiontes influenciarem diretamente na dinâmica da mirmecofauna arborícola. 68 Material e Métodos Área de estudo e sistema-modelo O trabalho foi realizado no Parque Estadual do Itacolomi (PEIT), uma reserva de Mata Atlântica e Campo Rupestre gerenciada pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF). O PEIT está localizado entre as cidades de Ouro Preto e Mariana, no estado de Minas Gerais, Brasil. Nessa reserva trabalhamos com uma população de Myrcia obovata (Fig. 1), monitorada desde 2007, em uma mata baixa estabelecida sobre canga ferruginosa (20º26’26”Sul, 43º30’52” Oeste). O dossel da mata é baixo e é integrado principalmente por essa planta, Eremanthus eritropappus, Eremanthus incanus e Byrsonima variabilis. A interação usada como modelo nesse estudo é formado pelo membracídeo Calloconophora pugionata (Hemiptera: Auchenoryncha) (Fig. 2 e 3), e pelo menos seis espécies de formigas, sendo Camponotus rufipes e Camponotus crassus as atendentes mais comuns (ver Capítulo 1). 69 Fig. 1. Área de estudo (superior) e detalhe da hospedeira Myrcia obovata na estação chuvosa (inferior) (Foto: Fagundes, R. 2008). 70 Fig. 2. Cenário da interação trofobiótica entre Calloconophora pugionata atendida por Camponotus rufipes em Myrcia obovata (Foto: Fagundes, R. 2008). 71 Fig. 3. Detalhe do hemíptero Calloconophora pugionata em Myrcia obovata. Observe os estádios de ovo e massa de ovos, ninfa (canto esquerdo) e adulto (no centro). Reconhecimento do sistema e avaliação sazonal Para gerar um banco de dados sobre a comunidade de artrópodes associadas à Myrcia obovata e permitir o máximo de confiabilidade na identificação em campo, aconteceram quatro coletas com armadilhas espaçadas por cinco dias nas plantas estudadas antes do experimento, em setembro de 2009. Posteriormente, em abril de 2010 na estação seca, o mesmo esforço amostral foi repetido para avaliação da sazonalidade das interações. Vinte plantas com trofobioses foram selecionadas de acordo com sua semelhança arquitetônica (altura, circunferência do tronco e diâmetro da copa). Foram formados dois grupos experimentais com dez plantas cada. As hospedeiras do grupo controle tiveram todas 72 as suas agregações de C. pugionata removidas. As plantas do grupo tratamento tinham duas agregações e essas foram mantidas. O desenho amostral consistiu de quatro armadilhas de queda (pitfall), que foram postas em quatro galhos mais separado possível (mínimo 1,0 m), sendo que apenas os galhos numerados como 3 e 4 possuíam trofobioses. As armadilhas eram potes de 10,0 mL com 5,0 cm de abertura e 10,0 cm de profundidade, cheios de uma solução aquosa de detergente neutro sem glicerina a 5%, presos individualmente na extremidade de cada galho. As armadilhas permaneceram ativas durante 48h por coleta, e essas eram intervaladas por cinco dias, contemplando um mês por estação. Uma coleção de referência foi depositada na Coleção Entomológica do Departamento de Biodiversidade Evolução e Meio Ambiente da Universidade Federal de Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil. Todas as coletas, incluindo o experimento, foram realizadas sob autorização do Instituto Chico Mendes (186361) e Instituto Estadual de Florestas (UC 009/09). Avaliação da variação na fauna associada a M. obovata em resposta a quantidade e distribuição do recurso O experimento aconteceu na estação chuvosa, entre outubro e dezembro de 2009. As mesmas vinte plantas foram utilizadas, porém as plantas tratamento apresentaram de duas a seis trofobioses entre as formigas e o membracídeo. Nesse grupo foram deixadas apenas três colônias de C. pugionata (número mínimo comum). O grupo controle permaneceu sem trofobioses. O forrageio foi monitorado através da abundância das formigas e dos demais invertebrados associados à planta hospedeira em quatro galhos por planta (Fig. 4). No tratamento, os galhos infestados receberam numeração 2, 3 e 4, e aquele sem infestação recebeu o número 1 e foi usado como controle interno. Cada galho foi observado durante 5 minutos, três vezes ao dia, entre 9 e 17h e a ordem de observação das plantas foi alternada. No 73 grupo controle também foram escolhidos quatro galhos eqüidistantes, porém nenhum deles possuía interações trofobióticas. O mesmo procedimento do grupo tratamento foi aplicado simultaneamente no grupo controle. O experimento foi dividido em quatro fases separadas por 72 horas que simulou um gradiente de recursos (Fig. 4). Cada fase durava duas semanas e consistia de cinco coletas de dados espaçadas por 48h. Cada coleta consistia de três observações diárias tipo scan e espaçadas por 90 minutos. Na primeira etapa três galhos possuíam trofobioses (2, 3 e 4), na segunda dois galhos (3 e 4), na terceira apenas um galho (4) e na ultima todos os galhos estavam livres de infestação do membracídeo. No grupo tratamento a etapa quatro serviu como controle interno para as demais. Assim tínhamos grupos controles e tratamento comparativos em nível de galho e copa. Como a manipulação do número de infestações poderia ser confundida com a variação temporal natural da comunidade, o grupo controle também serviu para avaliar qual desses dois agentes realmente estaria contribuindo para a possível variação na abundância dos invertebrados. Fig. 4. Desenho esquemático representando a distribuição dos pontos amostrais (números) nas copas das plantas (círculos). Os números circulados destacados por indicam a presença de trofobiose no galho. 74 Analise dos dados Os dados de abundância e riqueza foram tratados ao nível específico ou categorizados em “trofobiontes”, para aquelas espécies de formigas que monopolizaram o recurso, “outras formigas (aquelas que não o fizeram) e “outros artrópodes” visitantes de M. obovata. Esse último agrupamento também foi analisado quanto a suas guildas tróficas: herbívoros, predadores, onívoros e parasitóides. Foi obtida a média das três coletas diárias e depois feita uma média entre as cinco coletas. Os dados foram analisados considerando os galhos aninhados dentro da categoria planta. Foram construídas tabelas de contingência com a abundância das espécies trofobiontes. A partir das freqüências de ocorrência dessas espécies juntas e separadas e a relação da freqüência com a quantidade de trofobioses testamos com testes de χ2 a relação exclusiva entre as espécies de acordo com Room (1971). Os testes foram realizados separadamente para os dados do experimento e da coleta nas estações sazonais e também em separado para o grupo tratamento e controle. Modelos Lineares Gerais Multivariados foram construídos para comparar as abundancias das espécies de formigas, dos três agrupamentos, e das guildas de invertebrados entre os galhos para cada etapa do experimento (variação com a distribuição do recurso), entre essas etapas (variação quanto a quantidade de recursos) e entre os grupos experimentais (variação quanto a presença de trofobioses). Os mesmos modelos foram usados para comparar os grupos tratamento e controle entre as estações sazonais. Testes LSD foram realizados posteriormente para confirmar as relações entre a fauna e a distribuição e quantidade de trofobioses. Por fim, análises de Correlação Linear foram usadas para confirmar o caráter dar relações interespecíficas. Todas as análises e gráficos foram feitas no pacote estatístico SPSS 13.0. 75 Resultados Caracterização da fauna associada a M. obovata Foram observados 2690 espécimes de formigas pertencentes a 12 espécies diferentes durante o experimento, e coletadas 910 formigas pertencentes a 18 espécies com as armadilhas pitfall nas duas estações sazonais (Tabelas 1 e 2). Quanto aos outros invertebrados foram observados 1512 indivíduos distribuídos em 11 ordens de insetos e o e coletados 1269 espécimes de 13 ordens de insetos e o grupo das aranhas. Tabela 1. Lista das espécies coletadas nas duas estações sazonais. lha pitfall nas estações seca e chuvosa. Estação Chuvosa Seca Família Formicidae Subfamília Formicinae Camponotus rufipes Camponotus crassus Camponotus novagranadensis Camponotus fastigatus Myrmelachysta catharinae Brachymyrmex pictus Subfamília Myrmicinae Camponotus atriceps Crematogaster sp.1 Pheidole sp.5 Cephalotes pusillus Gnamptogenys striatula Subfamília Pseudomyrmicinae Pseudomyrmex gracillis Pseudomyrmex sp.1 Pseudomyrmex pallidus Pseudomyrmex termitarius Subfamília Ponerinae Pachycondyla unidentata Subfamília Dolichoderinae Tapinoma melanocephalum Linepithema sp.1 Ab. Formigas Riq.Formigas 76 133 322 128 5 13 0 15 27 28 3 0 2 0 21 35 9 1 8 30 14 10 1 1 31 12 1 2 41 13 1 0 1 0 0 712 13 1 1 198 17 Tabela 2. Abundância e riqueza de formigas observadas durante o experimento para as quatro fases e os dois grupos experimentais. Grupo Controle Tratamento Família Formicidae Subfamília Formicinae Camponotus rufipes Camponotus crassus Camponotus novagranadensis Camponotus fastigatus Myrmelachysta catharinae Subfamilia Myrmicinae Crematogaster sp.1 Cephalotes pusillis Gnamptogenys striatula Pheidole sp.1 Subfamília Pseudomyrmecinae Pseudomyrmex sp.1 Pseudomyrmex gracillis Pseudomyrmex pallidus Abundância de formigas Riqueza de formigas (N)Trofobioses 3 0 0 1 2 1 2 3 24 97 8 10 0 151 206 15 4 0 164 390 14 6 1 249 534 21 4 0 5 29 24 9 0 3 25 13 5 0 2 24 16 10 0 10 26 11 6 0 0 1 0 0 0 2 0 0 0 0 2 0 0 7 0 0 42 0 0 0 16 1 0 3 28 12 0 4 25 3 0 2 11 0 1 152 7 7 1 1 386 8 4 0 0 580 7 6 0 0 821 6 11 0 1 121 7 2 0 1 69 9 2 0 2 100 9 5 0 0 88 8 Efeito da quantidade e distribuição de trofobioses na fauna associada a M. obovata A atividade de forrageio das formigas variou entre as fases e cada grupo experimental apresentou um comportamento diferente (ANOVA: Grupos x Fases: F3,312 = 9,57; p < 0,001) (Fig. 5). O grupo tratamento apresentou os maiores valores de abundância em todas as fases, sendo que a primeira fase apresentou a maior média, que decresceu até o menor valor na ultima fase (LSD Fases 1 x 2 x 3 x 4: p < 0,05). Esse valor baixo foi semelhante à abundância de formigas em qualquer fase do grupo controle, e nesse grupo não houve qualquer diferença entre as fases. Os valores de riqueza se comportaram da mesma forma (ANOVA: Grupos x 77 Fases: F3,312 = 3,10; p < 0,03). O grupo controle confirma a relação entre a baixa abundância e riqueza na ausência de trofobioses, e mostra que o tempo não exerceu influência na mirmecofauna. Apesar da riqueza e abundância serem maiores na presença de trofobiose a equidade entre as espécies é menor (Fig. 5). Fig. 5. Variação na abundância e riqueza de formigas trofobiontes entre as fases para cada grupo experimental. Observe que os maiores valores de abundância (ANOVA: Grupos x Fases: F3,312 = 9,57; p < 0.001) e riqueza (ANOVA: Grupos x Fases: F3,312 = 3,10; p < 0,03) acontecem na presença de trofobioses. Os maiores valores de abundância e riqueza de formigas estão relacionados à presença constante das duas espécies trofobiontes no grupo tratamento em comparação a sua baixa freqüência e imprevisibilidade no grupo controle (Fig. 5). Isso mantém a média acima de dois, que é quatro vezes maior que a média de formigas por copa controle. Camponotus crassus foi sempre a mais abundante, independente de estar em trofobiose com C. pugionata. Já C. 78 rufipes foi a segunda mais abundante no grupo tratamento, onde mantinha trofobioses, e C. novogranadensis, no grupo controle (Fig. 6). A presença de trofobioses, apesar de criarem uma hierarquia de abundância entre as espécies, é favorável a riqueza e abundância das formigas nas copas. Fig. 6. Distribuição das abundâncias das espécies dos grupos tratamento e controle nas quatro fases do experimento. Camponotus crassus foi sempre a mais abundante. Camponotus rufipes foi a segunda mais abundante, no grupo tratamento, e Camponotus novogranadensis, no grupo controle. Observe que a equidade entre as espécies é maior na ausência de trofobioses. A escala do gráfico é exponencial (exp.0,5) para permitir melhor visualização. 79 Dominância e territorialidade entre as formigas trofobiontes Todas as infestações encontradas, incluindo as removidas no grupo controle, eram atendidas em 80% dos casos por Camponotus rufipes e 20% dos casos por Camponotus crassus. Camponotus crassus praticamente não foi encontrada nas plantas onde C. rufipes mantinha trofobioses, e vice-versa (χ2 = 8,18; p < 0,05) (Fig. 7). C. rufipes foi mais freqüente em M. obovata quando em trofobiose e essa abundância foi dependente da quantidade de agregações de C. pugionata (ANOVA Grupos x Fases: F 3,312 = 5,16; p < 0,05). Apesar de C. crassus ter sido observada em qualquer situação, sua abundância também foi maior no grupo tratamento e positivamente relacionada à quantidade do membracídeo trofobionte (ANOVA Grupo x Fases: F3,312 = 2,61; p < 0,01) (Fig. 8). Já C. novogranadensis foi observada com praticamente a mesma abundância independente da presença ou número de trofobioses (ANOVA Grupos x Fases: F3,312 = 2,12; p > 0,05) (Fig. 5). Na ausência de agregações de C. pugionata, tanto C. crassus, quanto C. rufipes apresentam baixa abundância no grupo tratamento, e esta foi semelhante a qualquer fase do grupo controle. O grupo controle também mostrou que o tempo não influenciou a diversidade das dominantes. 80 Fig. 7. Abundâncias médias das espécies dominantes para cada planta. Camponotus crassus (barras pretas) é a mais abundante em qualquer situação, porém C. rufipes (barras cinza) monopoliza as trofobioses com maior freqüência. Na ausência de agregações de Calloconophora pugionata, C. rufipes é pouco observada subindo em M. obovata, enquanto C. crassus ainda é bastante freqüente. O eixo y foi plotado em escala exponencial para melhor visualização (exp = 0,5). 81 Fig. 8. Comportamento negativo da abundância das espécies trofobiontes em resposta a redução da quantidade de trofobioses. Camponotus crassus (ANOVA Grupos x Fases: F3,312 = 2,61; p < 0,01) e Camponotus rufipes (ANOVA Grupos x Fases: F3,312 = 5,16; p < 0,05) apresentaram maior abundância no grupo tratamento no qual a abundância reduziu no decorrer das fases, enquanto permaneceu constante no grupo controle. A quantidade e distribuição das trofobioses também afetaram a área de forrageio das formigas trofobiontes dentro da copa da hospedeira (Fig. 9). Essas formigas apresentaram maior atividade nos galhos onde suas trofobioses estavam o seu forrageio se tornou mais homogêneo na copa a medida que as trofobioses eram removidas (ANOVA: Fases x Galhos: F9,144 = 2,08; p < 0,05). No grupo controle o forrageio foi homogêneo em toda a copa e nenhuma espécie prevaleceu significativamente em abundância. Enquanto algumas espécies são beneficiadas pelo recurso, outras espécies de formigas comedoras de secreções açucaradas, como C. novogranadensis, se esgueiram para manter sua taxa de forrageio (Fig. 8). Essa espécie manteve sua abundância na copa independente da presença e quantidade de 82 trofobioses, mas isso aconteceu porque a plasticidade de seu forrageio permitiu sua coexistência entre os territórios exclusivos das espécies trofobiontes, onde sua abundância prevaleceu (ANOVA Fases x Galhos: F = 1,97; p < 0,05). Fig. 9. Variação na abundância de Camponotus crassus, Camponotus rufipes e Camponotus novogranadensis através das fases para os dois grupos experimentais. A quantidade e distribuição das trofobioses tiveram um efeito positivo direto no forrageio das espécies trofobiontes (ANOVA: Fases x Galhos: F9,144 = 2,08; p < 0,05), e negativo indireto, na terceira espécie mais abundante (ANOVA Fases x Galhos: F9,144 = 1,97; p < 0,05). 83 Variações no forrageio das espécies não-trofobiontes: quantidade de recursos e territorialidade das trofobiontes A abundância das espécies de formigas não trofobiontes foi maior no grupo controle e aumentou no decorrer das fases, enquanto que no tratamento ela reduziu (ANOVA Grupos x Fases: F3,312 = 3,20; p < 0,05) (Fig. 10). Enquanto a taxa de forrageio deveria aumentar com o tempo, ela reduziu em resposta a subtração do recurso no grupo tratamento. A maior média de abundância foi registrada quando havia muitas trofobioses, porém, nessas fases a área de forrageio estava condicionada ao território das trofobiontes (veja abaixo), esse que ocupava a maior parte da copa na primeira fase. Esse comportamento foi o contrário do esperado visto que essas formigas não utilizam o recurso e o forrageio e territorialidade das trofobiontes é mais intenso quanto maior for o número de trofobioses. Logo, era de se esperar que sua abundância fosse maior na ultima fase do experimento. A riqueza dessas formigas se comportou de forma análoga a abundância (ANOVA Grupos experimentais x Fases: F3,312 = 3,10; p < 0,05). Apesar de mostrar um comportamento oscilatório no grupo tratamento, a fase final apresentou menor riqueza que a inicial (LSD fases 1 x 4: p < 0,05), enquanto que no grupo controle a riqueza permaneceu a mesma entre as fases e foi maior comparado ao tratamento. 84 Fig.10. Variação na abundância e riqueza de formigas não trofobiontes em resposta a redução do número de trofobioses para os grupos tratamento e controle (ANOVA Tratamentos x Fases: Abundância: F3,312 = 3,20; p < 0,05; Riqueza: F3,312 = 3,10; p < 0,05). Observe que apesar da riqueza permanecer constante, a abundância diminui com a redução do número de trofobioses. O grupo controle mostra que o tempo não interferiu na riqueza das formigas apesar da abundância ter aumentado. A distribuição da abundância e riqueza das formigas não trofobiontes na copa também foi afetada pela distribuição do recurso (Fig. 11). No grupo tratamento, o forrageio dessas espécies variou entre os galhos (ANOVA Galhos: F3,144 = 4,56; p < 0,01), sendo maior no galho 1 do que no galho 4 (LSD galhos 1 x 4: p < 0,05), em todas as fases. Para o grupo controle não houve tal variação e o forrageio foi homogêneo em toda a copa por todas as fases. Mesmo na ultima fase, sem qualquer trofobiose, essas formigas evitaram os galhos onde antes havia agregações de C. pugionata, principalmente o galho quatro. Já a riqueza foi a mesma entre os galhos para todas as fases e grupos experimentais. 85 Fig. 11. Distribuição do forrageio das formigas não-trofobiontes nas copas de M. obovata, condicionada ao forrageio e territorialidade das formigas trofobiontes sobre seus hemípteros. A abundância das formigas trofobiontes (linhas cinzas) foi adicionada como referência. A abundância respondeu negativamente a distribuição das trofobioses (ANOVA Grupos: Abundância: F1,288 = 6,08; p < 0,05), enquanto a riqueza não variou. Devido a discrepância de valores entre os grupos das formigas trofobiontes e não trofobiontes o eixo y foi plotado em escala exponencial (exp = 0,5). 86 Efeitos indiretos das trofobioses na diversidade de artrópodes arborícolas Os outros artrópodes que visitam M. obovata apresentaram um comportamento semelhante às formigas não trofobiontes, porém mais significativo. Isso indica que essas formigas possivelmente afetam todas as outras espécies, entretanto são mais efetivas ao inibir a presença de seus predadores e dos herbívoros das plantas. O grupo controle apresentou maior abundância (ANOVA Grupos: F1,312 = 10,49; p < 0,01) e riqueza (ANOVA Grupos: F1,312 = 14,60; p < 0,01) do que o tratamento em todas as fases (Fig. 9). Além disso, houve aumento na abundância de invertebrados através das fases (ANOVA Fases: F1,312 = 3,59; p < 0,05) e riqueza (ANOVA Fases: F1,312 = 18,91; p < 0, 001), em ambos os grupos. Porém, enquanto que no grupo controle essa variação é sutil e oscilatória, e influenciada por um aumento desproporcional de abundância e riqueza na fase três (LSD fases 3 x 1,2,4: p <0,05), no grupo tratamento, o aumento é expressivo e inversamente proporcional a quantidade de trofobioses (LSD fases 1 x 2 x 3 x 4: p < 0,05) (Fig. 12). 87 Fig. 12. Variação na abundância (barras cinzas) e riqueza (barras pretas) dos invertebrados, exceto formigas, através das fases do experimento Tanto abundância quanto riqueza foram maiores na ausência de trofobioses (ANOVA Fases: Abundância: F1,312 = 3,59; p < 0,05; Riqueza: F1,312 = 18,91; p < 0,001). O padrão encontrado para o grupo como um todo também foi significativo para as guildas dos herbívoros, predadores e parasitóides (Fig. 13). Os herbívoros apresentaram maior abundância nas ultimas fases do experimento, em ambos os grupos (ANOVA Fases: F3,312 = 5,15; p < 0,01). Os predadores apresentaram maior abundância nas ultimas fases no grupo tratamento e nas primeiras do controle (ANOVA Grupos x Fases: F3, 312 = 12,91; p < 0,001). A abundância de predadores tendeu a redução com o tempo, apesar de que ela aumentou nas plantas tratamento através das fases. Os parasitóides se comportaram como os predadores, exceto pelo fato de que o tempo não influenciou na abundância (ANOVA grupos experimentais x fases: F3,312 = 23,05; p < 0,001). Assim, pelo menos os predadores e parasitóides são negativamente influenciados pelas formigas trofobiontes. 88 Fig. 13. Variação da abundância das guildas de artrópodes através das fases para ambos os grupos experimentais. Todas as guildas apresentaram maior abundância nas plantas controle, mas apenas no grupo controle ela aumentou através das fases respondendo positivamente a redução do número de trofobioses e consequentemente de formigas trofobiontes (ANOVA Fases: Herbívoros: F 3,312 = 5,15; p < 0,01; ANOVA Grupos x Fases: Predadores: F3,312 = 12,91; p < 0,001; Parasitóides: F3,312 = 23,05; p < 0,001). 89 O forrageio dos artrópodes também respondeu a disposição das trofobioses (Fig. 14). Tanto a abundância (ANOVA Fases x Galhos: F9,144 = 2,17; p < 0,03) quanto riqueza (ANOVA Fases x Galhos: F9,144 = 2,44; p < 0,02) foram negativamente relacionadas a quantidade e localização das trofobioses, e essa variação foi dependente da fase do experimento e do grupo experimental. Nas plantas tratamento observamos que todos os galhos apresentaram as menores médias de abundância e riqueza no início do experimento, e o galho 1 concentrava a maior diversidade desse artrópodes. Esses valores aumentaram a medida em as trofobioses eram removidas e o forrageio foi se ampliando para os galhos recém desprovidos da interação. Ao final do experimento, a abundância e a riqueza foram altas e igualmente distribuídas pelos galhos. No grupo controle os artrópodes forragearam homogeneamente por toda a copa e esse comportamento se mantém por todas as fases. 90 Fig. 14. Distribuições da abundância (linhas pretas contínuas) e riqueza (linhas pretas descontínuas) dos invertebrados, exceto formigas, na copa de M. obovata, através das fases do experimento. Os valores de abundância das formigas trofobiontes (linhas cinzas) foram representados como referência. A abundância e a riqueza foram maiores na ausência de trofobioses (ANOVA Fases x Galhos: Abundância: F9,144 = 2,17; p < 0,03; Riqueza: F9,144 = 2,44; p < 0,02). Devido a discrepância de valores entre os grupos das formigas trofobiontes e os outros artrópodes o eixo y foi plotado em escala exponencial (exp = 0,5). 91 O caráter das relações Calloconophora pugionata não é inimigo natural dos outros artrópodes, formigas ou não, e muitas vezes podem ser alimento deles. Logo, o padrão encontrado é creditado à variação do forrageio das trofobiontes, que por sua vez é afetada pelos membracídeos. As espécies de formigas não trofobiontes, assim como os outros invertebrados, responderam negativamente a intensidade e território de forrageio das dominantes ao redor de suas trofobioses. Testes da relação entre esses grupos mostram que formigas trofobiontes apresentaram correlação negativa com espécies não trofobiontes e com os demais invertebrados no grupo tratamento as (formigas trofobiontes x outras formigas: Coef. Pearson = - 0,181, p = 0,011; formigas trofobiontes x outros invertebrados: Coef. Pearson= - 0,221, p = 0,03, respectivamente). Não houve correlação negativa entre as formigas não trofobiontes e os outros artrópodes. No grupo controle não foi encontrada qualquer relação entre os três grupos. A variação sazonal no padrão em mosaicos: trofobioses ou fatores abióticos A interação entre C. pugionata e M. obovata é muito abundante, mas é sazonal. Na estação chuvosa os membracídeos se instalam logo no inicio do rebroto da hospedeira e começam uma colônia próxima aos meristemas. Várias formigas podem atender o membracídeo, mas C. crassus e C. rufipes são as mais freqüentes. Todas as infestações de uma hospedeira são monopolizadas pela mesma formiga. Essas trofobioses são tão comuns quanto suas hospedeiras em florestas montanas e, independente da altura das árvores, sempre pertencem ao dossel. M. obovata é uma planta semidecídua e as folhas não perdidas ficam amareladas ou secas. Nessa época nenhuma infestação de hemípteros, inclusive C. pugionata, 92 é encontrada nessa planta. A mirmecofauna também muda, e as espécies trofobiontes, dominantes na estação das chuvas, são pouco freqüentes, enquanto as outras espécies permanecem surgindo inclusive espécies exclusivas dessa estação. A estação chuvosa apresentou maior abundância de formigas do que a estação seca sendo que na primeira a maior média pertenceu ao grupo tratamento, e na segunda, ao grupo controle (ANOVA Estações x Grupos: F1,144 = 30,18; p < 0,001). Além disso, a abundância de formigas foi maior nos galhos 3 e 4 no grupo tratamento, e igual entre os galhos no grupo controle (ANOVA Grupos x Galhos: F 3,144 = 4,46, p < 0,001). Como o modelo anterior previa (ver tópico anterior) a abundância das formigas foi positivamente relacionada à presença das trofobioses. Além disso, a estação chuvosa apresentou maior riqueza de formigas (ANOVA Estações: F1,144= 22,17; p < 0,001), e foi ligeiramente maior nas plantas controle, em ambas as estações (ANOVA Estação x Grupos: F1,144 = 2,06; p < 0,09) (Fig. 15). Porém, grande parte da alta riqueza e abundância das formigas é creditada, respectivamente, a freqüência e quantidade das espécies consumidoras de exsudatos, como previsto pelo modelo anterior. 93 Fig. 15. Riqueza e abundância de formigas para as duas estações sazonais e os dois grupos experimentais (1: tratamento; 2: controle). Os valores foram maiores na estação chuvosa para ambos os grupos (Abundância ANOVA Estações x Grupos: F1,144 = 30,18; p < 0,001 ; Riqueza: ANOVA Estações: F1,144= 22,17; p < 0,001). Camponotus crassus e C. rufipes, as formigas trofobiontes, foram as mais abundantes na estação chuvosa. Essas espécies foram mais comuns na estação chuvosa quando foram mais abundantes nas plantas tratamento, onde sua área de forrageio se concentrou ao redor das trofobioses (ANOVA Estações x Grupos x Galhos: F3,144 = 7,59; p < 0,001) (Fig. 16). Poucas C. rufipes são encontradas na ausência de trofobioses da estação seca, como previsto pelo modelo (ANOVA Estações x Grupos x Galhos: F3,144 = 3,99; p < 0,01). Em contrapartida, C. crassus foi comuns na ausência de trofobioses em todas as copas e ambas as estações (ANOVA Estações x Grupos x Galhos: F3,144 = 2,16; p < 0,01), apesar de ser muito mais abundante quando em trofobiose (ANOVA Estações x Grupos: F1,144 = 3,02; p < 0,04) e nas 94 proximidades da suas colônias de C. pugionata (ANOVA Grupos x Galhos: F3,144 = 2,50; p < 0,06). Camponotus novogranadensis novamente apresentou a terceira maior abundância média e manteve sua abundância independente da quantidade de trofobioses apesar das variações na sua área de forrageio em resposta aos territórios das trofobiontes (ANOVA Grupos x Galho: F3,144 = 5,41; p < 0,05). C. crassus e Pseudomyrmex sp.1 foram as espécie com maior abundância forrageando em M. obovata nesse período, seguidas por C. novogranadensis, enquanto C. rufipes foi pouco freqüente (Fig. 17). Fig. 16. Forrageio das duas espécies trofobiontes, Camponotus crassus (barras pretas) e Camponotus rufipes (barras cinza), nas copas de M. obovata e sua relação positiva com a presença de trofobioses (ANOVA Estações x Grupos x Galhos: F3,144 = 7,59; p < 0,001). Observe a inexistência do padrão na estação seca devido à ausência de agregações de C. pugionata, e a baixa freqüência de C. rufipes em comparação presença constante de C. crassus. 95 Fig. 17. Variação na abundância total das espécies de formigas para os grupos experimentais entre as estações. Observe a representatividade das formigas trofobiontes no grupo tratamento em comparação ao controle e a estação seca. (Grupo 1: tratamento; Grupo 2: controle). A escala do gráfico é exponencial (exp.0,5) para permitir melhor visualização do contraste entre espécies. A abundância das espécies de formigas não trofobiontes não variou entre as estações sazonais, porém foi maior nos galhos sem trofobiose (ANOVA Galhos: F3,144 = 5,82; p < 0,05). A estação chuvosa apresentou a maior riqueza de formigas não trofobiontes, porém ela 96 foi maior nos galhos sem trofobiose e as maiores médias registradas para os galhos do grupo controle (ANOVA: Estações x Grupos x Galhos: F3,144 = 3,84; p < 0,05). Essas espécies não são afetadas pelo recurso, que são monopolizados pelas formigas trofobiontes, logo não respondem a presença dele (Fig. 18). Na escala de copa é possível observar que a sua distribuição é afetada pela territorialidade das formigas dominantes, mas a abundância é mantida pela plasticidade de seu forrageio. Apesar da pequena diferença na riqueza entre os grupos experimentais na estação chuvosa é possível notar que a equidade entre as espécies é menor na presença de trofobioses quando há uma clara hierarquia de dominância Fig. 18. Variação na abundância e riqueza das formigas não-trofobiontes através das estações sazonais para ambos os grupos experimentais. Observe a os maiores valores de abundância e riquezas pertencem aos galhos sem trofobiose (Abundância: ANOVA Galhos: F3,144 = 5,82; p < 0,05; Riqueza: ANOVA: Estações x Grupos x Galhos: F3,144 = 3,84; p < 0,05). As letras a indicam as diferenças significativas baseadas nas analises pareadas LSD (p < 0,05) que também indicaram diferenças significativas apenas entre os galhos representados no eixo x. 97 A abundância e riqueza dos outros artrópodes foi maior na estação chuvosa onde, apesar de serem maiores no grupo tratamento, foram negativamente afetadas pela distribuição das trofobioses e territorialidade das trofobiontes (ANOVA Estações x Grupos x Galhos: Abundância: F3,144 = 4,09; p < 0,05; Riqueza F3,144 = 6,05; p < 0,05) (Fig. 19). Fig. 19. Variação da riqueza e abundância dos artrópodes visitantes de M. obovata, exceto formigas, entre os galhos das plantas de ambos os grupos experimentais nas estações sazonais (ANOVA estações x grupos x galhos: Abundância: F3,144 = 4,09; p < 0,05; Riqueza F3,144 = 6,05; p < 0,05). Observe os maiores valores no galho sem trofobioses, apesar do controle mostrar os menores valores no galho 1. Os galhos 2 e 3 foram excluídos pois a diferença é significativa entre os galhos 1 e 4 (LSD: p < 0,05). 98 Discussão Quando o dossel da Mata Atlântica é amostrado as formigas são sempre o grupo de mais abundante de artrópodes (Wilson 1959; Stork 1991; Floren e Linsenmair 1997). Acredita-se que essa dominância numérica é devido ao comportamento social, a presença de colônias nas copas (Stork 1991; Tobin 1995) e aos recursos muito nutritivos e energéticos, como exsudatos de hemípteros trofobiontes e nectários extraflorais (Tobin 1995; Davidson 1997; Bluthgen et al. 2000). Esse trabalho mostra que as formigas são os organismos mais abundantes no dossel das matas secundárias baixas da região montana, e essa abundância é resultado do aumento da atividade de forrageio de certas espécies de formigas em resposta a presença de trofobioses (Davidson 1998). O forrageio é uma atividade energeticamente cara, ainda mais se for essencialmente predatória, e envolve os riscos de encontrar um inimigo natural, como predadores e parasitóides (Carroll e Janzen 1973). Apesar de onívoras, as formigas arborícolas apresentam um balanço recurso-dependente entre a atividade de forrageio predatória e herbívora (Jeanne 1979; Floren et al. 2002). Quando em trofobiose elas se mantêm como consumidoras primárias e sua abundância é igual, ou maior, que a dos demais herbívoros. Na ausência das secreções açucaradas a predação torna-se o principal meio de alimentação, então a situação se inverte e as formigas assumem baixa abundância. A diversidade de formigas é baixa, pois as espécies competem indiretamente pelo mesmo alimento, os insetos herbívoros e suas presas, que são difíceis de manipular, e caros (Begon 2006). Além disso, o recurso protéico é requisitado pelos imaturos e não fornece energia suficiente para o forrageio (Hölldobler e Wilson 1990). Essa energia é abundante em secreções açucaradas tanto de hemípteros quanto de plantas. As espécies que monopolizam esses recursos podem investir mais em forrageio e manutenção de territórios (Davidson 1998). 99 A quantidade de formigas em forrageio nas copas então é proporcional a quantidade de recursos, como fontes de exsudatos ou néctar (Bentley 1977b; O'Dowd 1979; Dreisig 1988; Cushman 1991; Del-Claro e Oliveira 1999, 2000). A formação de trofobioses entre formigas e hemípteros resulta no estabelecimento de territórios exclusivos (Jackson 1984b; Blüthgen et al. 2000; Hossaert-McKey et al. 2001). Ao redor das colônias de Calloconophora pugionata apenas duas espécies de formigas estabeleceram territórios de dominância: Camponotus rufipes e Camponotus crassus. Os exsudatos do membracídeo forneceram recursos suficientes para torná-las espécies dominantes. Quando as agregações dos hemípteros foram removidas a hierarquia se desfez e as duas espécies se tornaram tão freqüentes quanto às demais. Jackson (1984b) acredita que a estabilidade, previsibilidade e constância transformam o recurso em fonte de territorialidade. Outros trabalhos mostram que o aumento de abundância e agressividade esta relacionado a distribuição dos recursos tróficos (Bentley 1977a, b; Pierce e Mead 1981; Fritz 1982; McKey 1984; Koptur 1984; Völkl 1992; Oliveira 1997; Del-Claro e Oliveira 2000). Camponotus crassus e C. rufipes são formigas muito agressivas e tipicamente arborícolas, apesar da segunda ser mais comum no solo (Espírito-Santo 2008). Essas duas espécies monopolizaram as agregações de Calloconophora pugionata e seus territórios foram mutuamente exclusivos. Nas árvores onde C. rufipes domina as trofobioses, C. crassus é pouco freqüente e vice-versa. A intolerância entre as espécies devido à competição pelo mesmo recurso é típica de formigas trofobiontes (Room 1971; Leston 1978; Majer et al. 1994). Goitia e Jaffe (2009) apresentam uma lista de espécies dominantes no dossel da Venezuela, sendo Camponotus crassus uma delas, e todas são reconhecidas como trofobióticas. Del Claro e Oliveira (1999, 2000), Oliveira e Del-Claro (2005), Moreira e DelClaro (2005) e Kaminski et al. (2010) mostram que C rufipes é a principal formiga envolvida em trofobioses no Cerrado, tanto com hemípteros quanto com lepidópteros, sendo freqüente 100 dia e noite e significativamente mais abundante nas plantas e galhos onde a agregação do hemíptero se encontra. Se o efeito bottom-up dos hemípteros é direto e positivo para as formigas trofobióticas, ele é também a base para uma rede de interações negativas indiretas e interespecíficas entre essas espécies, e dessas com as demais formigas da assembléia, as submissas (Room 1971; Taylor et al. 1978; Majer 1993; Majer et al. 1994). Essas formigas não respondem ao recurso, mas sim ao território das formigas dominantes (Majer 1993; Majer et al. 1994; Sanders et al. 2007). A abundância das formigas submissas foi semelhante para as plantas com ou sem trofobioses. Mas, na escala de copa, a distribuição dessas espécies mudou de acordo com o território das formigas trofobióticas. A relação entre formigas submissas e dominantes é tipicamente nula ou negativa, mas sempre dependente de territórios (Room 1971; Majer et al. 1994). Dentre todas as formigas que não formaram trofobioses a espécie Camponotus novogranadensis foi a mais peculiar. Apesar de ser considerada uma formiga consumidora de secreções trofobióticas, essa formiga não monopolizou nenhuma infestação de C. pugionata. A abundância de C. novogranadensis não foi influenciada pelo recurso, e mesmo nas plantas sem trofobioses, sua abundância foi semelhante às plantas onde C. crassus e C. rufipes dominavam. Esse tipo de formiga é considerado subdominante em comunidades estruturadas em mosaicos. Elas não dominam, apesar de poderem, e ocupam todo o dossel, sendo inclusive uma das espécies mais abundantes quando não há formação do mosaico (Majer 1972; Leston 1973; Majer 1993; Majer et al. 1994). Apesar de manter sua abundância, independente das dominantes, sua área de forrageio fica entremeada ao território das dominantes. E por manter uma grande amplitude em sua dieta generalista predatória, encontram grande quantidade de alimento nessas folhagens, visto que os herbívoros são mais abundantes longe das 101 trofobiontes. Essas formigas também podem acessar o território das dominantes quando o recrutamento é reduzido (Del-Claro e Oliveira 2000) e muitas vezes se associam a uma das dominantes (Room 1971). Não há dúvida de que os ninhos são o núcleo de territorialidade (Hölldobler e Wilson 1990). Em torno de suas casas as colônias criam áreas de defesa nas quais se engajam em constantes conflitos de alto custo energético. Assim os mosaicos são mais evidentes nas florestas onde as formigas nidificam nas árvores (Majer et al. 1993; Davidson et al. 2003). Entretanto, esse estudo é o primeiro a avaliar a existência de uma estrutura em mosaico para o dossel de matas baixas, onde quase não há ninhos nas copas, mesmo para as espécies dominantes. Nenhuma espécie de Camponotus coletada, inclusive as trofobiontes, nidifica nas plantas da área estudada. Camponotus rufipes constrói ninhos sobre o solo com um tipo de material cartonado formado pelo produto da maceração de fragmentos vegetais mortos. Já C. crassus e C. novogranadensis constroem ninhos em montículos de terra escavados em galerias. Os ninhos dessas espécies são muito comuns, mas nada se sabe sobre seu padrão de distribuição ou existência de territórios nos solo. Em matas baixas quando há ninhos arborícolas, eles ocorrem em galhos mortos ou cavidades pré-existentes, como colmos de bambu. Esses ninhos são satélites e não apresentam grande número de formigas (Fagundes et al. 2010). As formigas que atendem os hemípteros também os protegem contra seus inimigos naturais (Way 1963; Buckley 1987a, b; Cushman e Addicott 1991; ver também Capítulo 1). Del-Claro e Oliveira (2000) mostraram que as mesmas espécies, C.crassus e C. rufipes, atacam e deslocam os inimigos naturais de seu membracídeo trofobiontes (Guayaquila xiphias) para galhos afastados da agregação. Essa proteção também é extensiva a planta hospedeira, pois as formigas espantam de seu território todo intruso independente de sua 102 espécie, o que inclui outras formigas, herbívoros, carnívoros entre outros (Messina 1981; Fritz 1982; Buckley 1987a, b; Compton e Robertson 1988). Isso acontece porque as formigas são os principais inimigos naturais dos insetos herbívoros (Rico-Gray e Oliveira 2007). Logo eles precisam buscar um local para se estabelecer e alimentar, onde a freqüência de formigas, assim como de seus outros inimigos, seja baixa. Esse é o chamado espaço livre de inimigos (Price et al. 1980). Porém, para o sistema estudado, mostramos que em árvores hospedeiras de trofobioses esse espaço livre de inimigos pode ser quase inexistente. Se por um lado os herbívoros são espantados ou predados pelas formigas trofobiontes em seus territórios, no outro eles encontram as formigas submissas e predadores em alta abundância, igualmente deslocados pelas trofobiontes. Essa rede de interações favorece principalmente a planta hospedeira, que pode ser menos atacada por herbívoros e pode ter seu fitness aumentado (Rosumek et al. 2009 e referências incluídas). A rede interativa tem no mínimo cinco atores: as plantas hospedeiras, os herbívoros trofobióticos, as formigas e os outros herbívoros e predadores (Price et al.1980; Del-Claro 2004; ver também capítulo 1). A formação de territórios em torno das agregações de Calloconophora pugionata criou manchas de proteção para a planta onde a visitação por outros invertebrados foi reduzida. A ação das formigas como redutoras da abundância e riqueza de herbívoros nas plantas, principalmente quando associadas a agregações de hemípteros é comum na literatura (Janzen 1966, 1967; Letourneau e Barbosa 1999; Delabie 2001; Crutsinger e Sanders 2005). Essa proteção tem conseqüências para a redução da taxa de herbivoria (Bruna et al. 2004; Del-Claro et al. 2006) e no aumento do fitness da planta (Messina 1981; Del-Claro et al. 1996; Letourneau 1998; Freitas et al. 2000;). Além disso, Rosumek et al (2009) discute que se houver uma formiga dominante na assembléia os benefícios para a planta podem ser maiores. Em nosso trabalho correlações negativas entre formigas e qualquer outro artrópode visitante de M. obovata só foi detectada quando havia 103 trofobioses e consequentemente formigas dominantes. Pode ser que haja alguma proteção por formigas no grupo controle, mas ela foi mais efetiva na presença de trofobioses e com a estrutura em mosaico. A competição interespecífica é indicada como principal mecanismo de configuração das assembléias de formigas e sua alta diversidade comparada aos outros artrópodes arborícolas (Hölldobler e Wilson 1990). A diversidade de formigas arborícolas é baseada no balanço entre a competição interespecífica de descoberta, quando o recurso é removido e não há conflito direto, e competição de interferência, quando o recurso permanece, mas está indisponível por criação de um território de defesa (Fellers 1987). Suportes para essa hipótese incluem a teoria dos mosaicos (Room 1971; Majer et al. 1994), hierarquias de comportamentos de dominância (Savolainen e Vepsäläinen 1988), territorialidade, comportamento agonístico (Andersen e Patel 1994)e resultados de modelos de simulação (Parr et al. 2005). A abundância e a riqueza de formigas foram maiores quando havia trofobioses na copa e positivamente relacionadas à quantidade recursos, apesar da presença da presença de espécies dominantes e dominância territorial. Além da presença constante das espécies trofobiontes dois fatores são cogitados como explicação a esse fenômeno. Primeiro, as espécies dominantes apesar de criar territórios sobre o recurso e aumentar a competição por interferência, reduzem sua busca por outros recursos, diminuindo a competição por descoberta (Fellers 1987). A quantidade de recursos disponível para as espécies não trofobiontes é maior no fim do experimento e nas plantas sem trofobiose, onde todos estão utilizando um mesmo conjunto de recurso, os insetos herbívoros e suas larvas, e elevando a competição interespecífica. A formiga trofobionte já era a mais abundante e possivelmente a principal competidora pelo recurso comum. Ao focar no forrageio num recurso alternativo, porém 104 muito energético, as demais espécies de formigas perdem sua principal competidora, o que permite a maior coexistência dessas espécies, aumentando sua riqueza nas copas. Se somado a presença constante das duas espécies trofobiontes, a diversidade de formigas se torna maior. O deslocamento da área de forrageio também acontece para os demais artrópodes, como os herbívoros, que são as presas das formigas. Esse efeito negativo das formigas dominantes no restante da fauna é comum na presença de uma estrutura em mosaicos (Porter e Savignano 1990; Del Claro e Oliveira 2000) O aumento na abundância desses insetos nos galhos onde há muitas formigas procurando por eles permite uma maior freqüência de encontro entre presa e predador. O aumento na oferta de alimento associada a redução da competição com a formiga mais abundante também contribuiria para favorecer a compactação das espécies não trofobiontes, aumentando a riqueza de espécies como um todo. Os altos valores de abundância das formigas submissas nas plantas controle em comparação a fase 4 do tratamento, quando também não havia trofobioses, pode indicar tanto um efeito colateral dos territórios das trofobiontes, em vista da permanência das trilhas químicas, quanto um efeito da área de forrageio na manutenção de uma alta diversidade. Logo, no dossel florestal, o balanço entre a área efetiva de forrageio e a disponibilidade de recursos também são importantes na dinâmica da mirmecofauna Para ser considerada como dominante as formigas precisam ter grandes colônias, alta abundância, intenso forrageio e monopólio de recursos (Hölldobler 1983; Hölldobler e Wilson 1990; Majer 1993; Andersen 1995; Davidson 1997). Camponotus crassus e C. rufipes possuem grandes colônias, mas os demais quesitos só foram alcançados quando em trofobiose. Essa relação é confirmada para outros sistemas (Bigger 1993). As espécies dominantes em M. obovata não se envolveram em brigas e batalhas constantes, mas alguns eventos agressivos foram observados. Majer (1976) acredita que a formação de territórios 105 pode acontecer sem lutas quando baseados em eventos de competição passados. Além disso, o domínio de uma trofobiose pode ser determinado pela velocidade de descoberta do hemíptero e a proximidade do ninho. Ninhos de C. crassus ou C. rufipes eram facilmente observados próximos a planta hospedeira que guardava suas respectivas trofobioses. A alta freqüência de C. crassus e C. novogranadensis nas plantas independente da presença de trofobioses possivelmente faz com que ela encontre as agregações de C. pugionata antes de C. rufipes. Em outras plantas da mesma área essas duas espécies são dominantes em nectários extraflorais e atendem muitas agregações de outras espécies de hemípteros sugadores de seiva (dados não publicados). Porém, as gotas de exsudato que caem no solo abaixo da planta hospedeira servem de pista química para o encontro das infestações (Del Claro e Oliveira 1996). Depois que C. rufipes encontra o hemíptero ela monopoliza e mantém a dominância sobre as trofobioses e torna-se uma das formigas dominantes. Assim, a dominância sobre um recurso pode variar entre as espécies e ser tão relacionada a agressividade da formiga quanto a velocidade de localização do hemíptero. Plantas de mata carentes de hemípteros trofobiontes, assim como Eremanthus erythropappus e E. incanus, e plantas abundantes em nectários extraflorais, Byrsonima variabilis e Starchytapheta glabra, praticamente não apresentam C. rufipes forrageando nessas espécies, enquanto que C. crassus é a espécie mais abundante e muitas vezes detém o monopólio de exploração dos NEF’s (dados não publicados). Em contrapartida, na mesma área, C. rufipes é muito abundante em varias espécies de arbustos onde atende muitas infestações de diferentes espécies hemípteras, como encontramos em Baccharis dracunculifolia e Didymopanax vinosum (dados não publicados). Tanto C. rufipes quanto C. crassus são facilmente encontradas forrageando no solo, mas perdem a dominância para pequenas Myrmicinae como Pheidole e Solenopsis. Nessas matas C. crassus pode ser a espécie dominante na vegetação, competitiva e numericamente, por ser onívora generalista e 106 presente em todos os estratos da floresta e apresentar dominância e sucesso no monopólio de exploração de recursos muito energéticos e nutritivos como secreções de hemípteros e plantas. Nos habitats onde as infestações de hemípteros ocorrem em maior abundância, C. rufipes torna-se sua competidora direta por interferência e passa a contribuir diretamente na configuração da comunidade arborícola. Davidson et al. (2007) mostrou algo semelhante para outras espécies de Camponotus e Del-Claro e Oliveira (2000) para as savanas brasileiras. A sazonalidade bem marcada das florestas de altitude é experimento natural para avaliar como variação ambiental e trofobioses afetam a comunidade. A estrutura em mosaico e suas conseqüências para a configuração da comunidade arborícola é sazonal e dependente da presença, quantidade e distribuição de trofobioses (Stephani et al. 2000; Rico-Gray et al. 2004; Moreira e Del Claro 2005; Gove e Rico-Gray 2006). Na estação seca a maioria das espécies de plantas que compõe o dossel não apresenta flores ou agregações de hemípteros e seus nectários estão cicatrizados. Esse é o caso de Myrcia obovata, que na estação seca perde grande parte de suas folhas e as que permanecem ficam amareladas. As espécies de formigas arborícolas que realmente perderam abundância foram as formigas trofobiontes e a alta abundância da estação chuvosa está relacionada à quantidade de recursos tróficos. As demais espécies de formigas não mudaram significativamente com as estações, o mesmo para a riqueza total de formigas. Na estação seca a estrutura hierárquica da mirmecofauna não se mantém e nenhuma relação entre as formigas e os outros artrópodes é observada. A configuração da comunidade associada a M. obovata nessa estação foi semelhante ao grupo controle da estação chuvosa, mostrando que se também não se formasses interações trofobióticas na estação a comunidade seria bem diferente e as formigas arborícolas não seriam tão mais abundantes quanto parece. 107 Davidson (1997) acredita que as formigas dominantes pertencem a um grupo comum de gêneros e a presença deles indica a possível existência de uma estrutura em mosaico. Camponotus é um gênero de formigas tipicamente arborícolas e constantemente assume papel de dominante em mosaicos arborícolas. Tanto C. rufipes como C. crassus foram as espécies dominantes, mas sua presença não determinou um mosaico, exceto quando haviam trofobioses. Pelo menos nas florestas baixas, como nas Matas Montanas, Secundárias e no Cerrado, as trofobioses são a principal força geradora de territórios e consequentemente dos mosaicos. Assim, para esses habitats não seria a presença de determinado gênero um bioindicador de hierarquias, mas sim a existência de trofobioses. As formigas mais abundantes podem não formar mosaicos nem afetar significativamente o restante da fauna de invertebrados arbóreos na ausência de recursos tróficos e estabelecimento de ninhos (Blüthgen 2004b; Davidson ET AL. 2007). Além disso, em sistemas onde interações tróficas são raras o mosaico pode ser difícil de detectar, ou inexistente em comparação a locais onde há recursos como infestações de hemípteros, nectários extraflorais ou locais de nidificação. Sakata e Katayama (2001) mostram em seu trabalho que formigas sozinhas em forrageio ordinário são pacíficas e buscam se evitar, porém, quando em trilhas ou aglomeradas em torno de recursos elas se tornam muito agressivas. Majer et al. (1994) apresentaram um padrão claro de mosaico para as plantações de cacau no estado da Bahia, no Brasil, assim como outros autores em outras plantações (Room 1971; Majer 1972; Leston 1973; Majer 1976; Leston 1978; Jackson 1984a, b; Majer1993). Esses sistemas agrícolas são infestados de insetos sugadores de seiva, suas principais pragas. Acreditamos que a associação desses insetos com as formigas, e o uso das árvores para nidificação, fundamentam o mosaico que é tão evidente nesse tipo de vegetação. 108 Alguns autores questionam a existência dos mosaicos em vegetação nativa (Floren e Linsenmair 2000; Ribas e Shoroeder 2001) apesar das evidências em agroecossistemas (Majer 1994; Dejean e Corbara 2003). Nas florestas primárias as trofobioses podem ser mais comuns em determinados habitats, portanto é importante avaliar os estratos separadamente (Blüthgen et al. 2000). Em Florestas Tropicais essa complexa organização seria favorecida pela alta diversidade de interações tróficas, principalmente no dossel. Os hemípteros sugadores de seiva e as formigas representam 70% a 90% da abundância de insetos de dosséis florestais (Stork e Brendell 1990; Stork 1991; Davidson et al. 2003). Nesse estrato da vegetação, além da maior disponibilidade de nectários extraflorais, os hemípteros são mais comuns do que no interior da floresta onde a alta pressão de predação e parasitismo superam os benefícios de possíveis interações trofobióticas (Stork 1991; Stork e Brendell 1990). Blüthgen et al. 2000 acredita que as interações são mais abundantes no dossel superior e nas clareiras onde os hemípteros apresentam menor taxa de mortalidade. Os ninhos de formigas também são mais comuns nesses habitats e são pressões adicionais a favor da territorialidade. Estudos em diferentes habitats e variações de um mesmo habitat também são muito válidos, pois a importância da competição pode variar com o tipo de habitat (Parr 2008). Estudar mosaicos de distribuição de espécies de formigas arbóreas envolve entender os possíveis mecanismos geradores desse padrão, como a disponibilidade dos recursos tróficos (Bluthgen et al 2000; Blüthgen e Stork 2007). Assim como outros autores, acreditamos que os mosaicos também seriam comuns em savanas e florestas baixas (Gotelli e Ellison 2002). O Cerrado brasileiro é um bom sítio para o estudo dos mosaicos, pois ele abriga uma grande abundância de espécies de plantas com NEF’s e infestações de hemípteros sugadores de seiva em uma grande rede interativa (Oliveira e Leitão-Filho 1987; OliveiraFilho e Oliveira 1991; Del-Claro 2004). A maioria dos hemípteros trofobiontes são polífagos (Bluthgen et al. 2000) e nas florestas tropicais suas infestações são numerosas e podem 109 representar 13%, no dossel, a 26%, na floresta como um todo, da abundância total de insetos (Stork 1991; Stork e Brendell 1990) . Essas infestações também ocorrem no dossel superior e nas clareiras, e também são atendidas por formigas (Bluthgen et al. 2000, 2006). Logo, os mosaicos nessas florestas podem ser mais comuns do que se pensa e no caso das florestas baixas as trofobioses podem ser a mais efetiva, senão principal, pressão configuração da comunidade arborícola. Ribas e Schoereder (2007) mostram em seu trabalho com mata de galeria do Pantanal Sul Mato-Grossense e de outras fitofisionomias desse bioma que C. crassus e Camponotus rufipes são as espécies numericamente dominantes. O mesmo padrão também é mostrado para matas secundárias da Floresta Atlântica (Soares et al. 2001) e Cerrado (Del Claro e Oliveira 1999; 2000; Moreira e Del-Claro 2005). Del-Claro e Oliveira (2000) também mostram que C. crassus e C. rufipes, além de Ectatomma edentatum, são as atendentes mais freqüentes de Guayaquila xiphias onde elas também criam territórios. Camponotus rufipes é considerada a formiga mais competente na proteção da planta contra herbívoros (Oliveira et al. 1987) e do membracídeo contra predadores e parasitóides (Del-Claro e Oliveira 2000) no Cerrado. A mirmecofauna de matas montanas parece funcionalmente semelhante ao Cerrado quanto às trofobioses (Del-Claro e Oliveira 2000; Moreira e Del Claro 2005; Kaminski et al. 2010), mas nenhum trabalho investigou os mosaicos nessa vegetação. Experimentos mais específicos precisam se feitos em outros biomas para validar uma estrutura em mosaicos para os ecossistemas tropicais e então revelar as forças criadoras e mantenedoras desse padrão de organização da mirmecofauna. Thompson et al. (1982, 1988, 2005) discute que as redes interativas entre planta, formigas e hemípteros e suas conseqüências para comunidade pode se repetir em outras localidades desde que haja formação do mutualismo. Assim, a estrutura em mosaicos se manteria independentemente do bioma, mudando a composição das espécies de 110 formigas e herbívoros trofobiontes e mantendo suas redes interativas, tão importantes para a diversidade de espécies e funções no ecossistema. 111 Referências Bibliográficas Adams ES (1994) Territory defense by the ant Azteca trigona: maintenance of an arboreal ant mosaic. Oecologia 97:203-208 Andersen AN (1995) A classification of Australian ant communities, based on functional groups which parallel plant life-forms in relation to stress and disturbance. J Biogeogr 22:15-29 Andersen AN, Patel AD (1994) Meat ants as dominant members of Australian an communities: an experimental test of their influence on the foraging success and forager abundance of other species. Oecologia 98:15-24 Begon M, Townsend CR, Harper JL (2006) Ecology: from individuals to ecosystems. Oxford, Blackwell Publishing, 4nd edn. 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