São Paulo em Perspectiva, vol.19 n.3 – Migrações

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São Paulo em Perspectiva, vol.19 n.3 – Migrações
A GLOBALIZAÇÃO INACABADA: MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E POBREZA ...
A GLOBALIZAÇÃO INACABADA
migrações internacionais e pobreza no século 21
GEORGE MARTINE
Resumo: Este ensaio analisa as discrepâncias entre o discurso e a prática que marcam o atual processo de
globalização econômica e suas implicações para a migração internacional. Examina também as vantagens e
desvantagens da migração internacional sob diversos aspectos. Sugere a formulação de políticas migratórias
que revalorizam os aspectos positivos da migração, enquanto se trabalha na redução dos seus efeitos negativos.
Palavras-chave: Migração internacional. Globalização. Políticas migratórias.
Abstract: This paper analyzes the discrepancies between discourse and actual practice that mark the current
process of economic globalization and its implications for international migration. It also examines the
advantages and disadvantages of international migration from different angles. Finally, it recommends the
formulation of migration policies that build on the positive aspects while reducing the negative impacts of
migratory movements.
Key words: International migration. Globalization. Migration policies.
P
ara atuar sobre as migrações internacionais no século 21, é preciso entender como a globalização
afeta os deslocamentos espaciais da população. Nos
dias de hoje, o horizonte do migrante não se restringe à
cidade mais próxima, nem à capital do estado ou do país.
Seu horizonte é o mundo – vislumbrado no cinema, na
televisão, na comunicação entre parentes e amigos. O
migrante vive num mundo onde a globalização dispensa
fronteiras, muda parâmetros diariamente, ostenta luxos,
esbanja informações, estimula consumos, gera sonhos e,
finalmente, cria expectativas de uma vida melhor.
Entretanto, a globalização é parcial e inacabada, e isso
afeta as migrações de várias maneiras. O dinamismo e a
força principal da globalização residem na integração
econômica, forjada, imposta e gerenciada pelas regras
do liberalismo. Essas regras, porém, são seguidas seleti-
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vamente pelos próprios países que as promovem. O resultado é que a globalização apresenta dificuldades e
morosidades no cumprimento de suas promessas. Muitos países crescem pouco ou nada e, enquanto isso, as
disparidades entre ricos e pobres aumentam. Tais desigualdades contribuem para aumentar o desejo, e até
mesmo a necessidade, de migrar para outros países. Entretanto, as regras do jogo da globalização não se aplicam à migração internacional: enquanto o capital financeiro e o comércio fluem livremente, a mão-de-obra se
move a conta-gotas.
Este ensaio procura explicitar melhor algumas dessas
inconsistências e suas implicações para a migração internacional. Começa com uma breve análise das discrepâncias entre o discurso e a prática que marcam o processo
de globalização econômica na atualidade. Tais inconsis-
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A GLOBALIZAÇÃO INACABADA:
IMPLICAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO
tências estão na raiz da insatisfação e da frustração observadas em muitas sociedades e grupos sociais. Uma das
discrepâncias diz respeito justamente às limitações que
sofre a migração internacional. Se a lógica do modelo dominante contempla e até mesmo exige a migração internacional, por que esta não acontece em maior volume? A
segunda parte deste ensaio procura responder a essa pergunta, tentando mostrar que a maioria dos supostos obstáculos à migração internacional é exagerada ou inconsistente. Nesse sentido, o ponto de partida para a
formulação de políticas migratórias consistiria na revalorização dos aspectos positivos da migração, e na redução
progressiva de seus efeitos negativos.
Para poder idealizar políticas eficazes de migração,
nessa visão, é importante entender o deslocamento espacial como parte das estratégias de sobrevivência e de
mobilidade social da população. É interessante observar
que, mesmo entre os pensadores, acadêmicos e ativistas
(muitos deles, migrantes), existe um sentimento implícito
e maldefinido de que, de alguma forma, o sedentarismo e
a imobilidade seriam preferíveis à migração. Entre aqueles que trabalham com a temática “migração” – possivelmente porque observam de perto os sofrimentos que afligem a população migrante – encontra-se freqüentemente
uma postura de rejeição à migração e um entendimento
de que este é um processo a ser minimizado e reduzido.
Esse tipo de sentimento é antigo e persistente, mas pouco
prático no contexto do século 21. É preciso reconhecer
que a não-migração também é associada à pobreza, à miséria, à violência e a todas as formas de exploração
comumente relacionadas com a migração – muitas vezes
de modo ainda mais exacerbado.
Este ensaio considera que o aumento significativo da
migração não somente é inevitável no contexto da
globalização, como também tem um potencial bastante
positivo. Esta postura não nega as dificuldades e as perdas reais ocasionadas pela migração, mas argumenta que
estas podem ser, muitas vezes, reduzidas com ações específicas. Parte-se do suposto de que os aspectos positivos
da migração são, pelo menos potencialmente, bastante mais
significativos de que os negativos, e que também podem
ser realçados com políticas adequadas.
Em suma, a migração é inevitável e tem o potencial de
ser bastante positiva para o desenvolvimento e a redução
da pobreza. As políticas que partem desse princípio terão
mais êxito do que aquelas que tentam se opor, de forma
intransigente, tanto à globalização, como à migração de
pessoas no espaço.
Queiramos ou não, a globalização é uma força poderosa no novo sistema mundial, e continuará sendo determinante no curso da história futura da humanidade. Sem
dúvida, ela nos coloca tanto desafios como oportunidades. A globalização suscita reações das mais diversas,
muitas delas emocionais. Isso se deve, em parte, ao fato
de que existem muitas dimensões, assim como muitas interpretações do fenômeno em curso.1
Neste ensaio, enfocamos a globalização da era atual,
iniciada nas últimas décadas do século 20, principalmente nos seus aspectos econômicos e financeiros. Essa
globalização caracteriza-se por aumentos significativos no
intercâmbio comercial e financeiro, dentro de uma economia internacional crescentemente aberta, integrada e sem
fronteiras. A influência do fundamentalismo econômico
de Thatcher e Reagan; o descaimento e desmembramento
das economias centralmente planejadas; a crise econômica/financeira prolongada de muitos países e regiões (com
destaque para a América Latina) na década de 80; e a
imposição de ajustes estruturais aos países não-industrializados. Todos esses são fatores que deram forte impulso
à globalização econômica. Praticamente todos os países
foram instados a adotar as mesmas regras do jogo e a submeter-se aos fiscais internacionais, propiciando a expansão do mercado global.
De uma maneira ou de outra, e em etapas diferentes,
todos estão caminhando em direção a uma nova organização econômica global. O modelo conhecido como o Consenso de Washington, promovido agressivamente pela
banca internacional e pelos representantes dos países desenvolvidos, reduziu significativamente a participação
estatal na economia e a proteção da economia nacional;
ao mesmo tempo, abriu as fronteiras para o fluxo de bens
e serviços, assim como de capital. Com isso, a globalização, que vem se acelerando desde 1985, tem quitado muita relevância às fronteiras nacionais, pelo menos
no que se refere ao trânsito de capital e de bens.
Em resumo, o aspecto mais notório da globalização na
atualidade é, sem dúvida, o crescente predomínio dos processos financeiros e econômicos globais sobre os nacionais e locais. A generalização do livre comércio, o crescimento no número e tamanho de empresas transnacionais
que funcionam como sistemas de produção integrados e a
mobilidade de capitais são, de fato, aspectos destacados
da realidade atual.
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globalização são dirigidas às flagrantes inconsistências
entre o discurso elevado dos países hegemônicos e sua
prática cotidiana, com a esperança de que isso venha eventualmente a engrossar o caudal da advocacy e da mobilização política necessárias para promover mudanças
imprescindíveis.
Ao discutir o tema da migração internacional dentro
do contexto da globalização, depara-se de imediato com
o fato de que existe uma discrepância flagrante entre o
discurso e a prática liberal. Como bem observa Pellegrino
(2003, p. 8):
Entretanto, é importante constatar que esse é apenas
um aspecto da globalização, pois o processo é de caráter
multidimensional. Na realidade, o impacto da globalização
se faz sentir concomitantemente em termos políticos, culturais, sociais, ambientais e mesmo demográficos. Todas
essas diferentes dimensões da atual fase da globalização
passam por transformações aceleradas, devido à redução
dos custos de transporte, informação e comunicação. Nessa
dinâmica frenética, as diferentes dimensões evolucionam
com matizes, ritmos e características próprias, levando
muitas vezes a tensões entre elas. A desigualdade de forças dos diferentes atores junto com a ausência de uma
governabilidade global dificultam muito a resolução dessas tensões.
Tais tensões estão na raiz das reações fortes e emocionais que diversos grupos têm apresentado frente à
globalização. Como pensadores, acadêmicos e representantes de movimentos sociais ou políticos, também temos
alternativas de posicionamento diante da globalização.
Podemos assumir atitudes de agressiva condenação, ou de
apaixonado apoio à globalização, ou podemos criticar os
seus aspectos mais negativos com o intuito de ajudar a
promover uma correção eventual de rumos e práticas.
Essa última abordagem é a escolhida neste ensaio. Partese do princípio que é pouco útil ficar numa atitude puramente negativa. Não se pode afirmar que a globalização
econômica está em crise, ou que a globalização não deu
certo, porque, na realidade, ela ainda nem foi experimentada. Como algumas regras centrais do modelo de
globalização econômica ainda não estão sendo aplicadas,
não podemos sequer avaliar se ele é capaz de cumprir suas
promessas. A globalização continuará sendo, de fato, uma
realidade inacabada enquanto os países mais poderosos
não cumprirem os preceitos que eles mesmos venderam
ao mundo subdesenvolvido como sendo a “trilha para o
crescimento econômico”.
Por outro lado, se formos objetivos, provavelmente
acabaremos admitindo que não existe modelo alternativo
viável no futuro previsível. Seguindo a trajetória dos dois
últimos presidentes brasileiros – donos, os dois, de um
currículo invejável de pensamento e ação nos movimentos de esquerda – é preciso ser realista. Ao assumir as rédeas do país, tanto Fernando Henrique Cardoso – como
Luís Ignácio Lula da Silva – acabaram aceitando a necessidade de governar dentro das regras gerais da economia
globalizada. Isso não lhes quitou o direito de divergir e
de lutar para tentar corrigir as falhas do modelo dominante. Nesse sentido, as críticas feitas aqui ao processo de
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o projeto liberal em matéria de circulação de capitais e
mercadorias, sustentado por grande parte dos Estados
centrais, entra em contradição com os severos controles
impostos à livre mobilidade dos trabalhadores e à fixação
das pessoas nos territórios nacionais desses Estados.
Essa inconsistência é um empecilho enorme para a
idealização de políticas e ações migratórias que sejam
condizentes com a promoção do desenvolvimento e a redução da pobreza.
Entretanto, essa não é, obviamente, a única, nem mesmo a maior incoerência entre o discurso e a prática do atual
modelo. É importante situar essa inconsistência, referente
especificamente ao domínio da migração, dentro do contexto mais amplo das incoerências que se registram hoje na
aplicação do atual modelo hegemônico de desenvolvimento. A migração internacional é resultado das desigualdades
entre países – e a globalização acentua essas desigualdades. As inconsistências entre discurso e prática constituem
os principais entraves ao crescimento econômico dos países não-industrializados no atual momento da globalização,
e o maior determinante dos problemas associados à migração, conforme pretendemos mostrar a seguir.
A ATUAL FASE DA GLOBALIZAÇÃO E SUAS
ASSIMETRIAS: IMPACTOS SOBRE A
POBREZA
Trabalho recente da Comisión Económica para América Latina – Cepal (2002) abre uma discussão fundamental
a respeito dos atuais rumos da globalização e de suas implicações para o desenvolvimento dos países não-industrializados. A importância principal desse trabalho reside
no fato de que, pela primeira vez (salvo engano), uma agência internacional de desenvolvimento reconheceu, clara e
explicitamente, algumas limitações do modelo liberal e
do processo de globalização.
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quotas e tarifas às importações; e praticam o dumping de
seus produtos (ANDERSON, 2004, p. 541-542). Por exemplo, a administração Bush enfureceu seus parceiros comerciais, em março de 2002, quando impôs tarifas de até
30% na importação de aço. Isso foi amplamente visto como
uma ruptura dos acordos da Organização Mundial do
Comércio – OMC. Estima-se que o setor siderúrgico brasileiro tenha perdido um bilhão de dólares e 5 mil empregos, apenas com essa medida. Da mesma forma, estimase que os produtores brasileiros de laranja perdem cerca
de um bilhão de dólares anualmente por culpa das barreiras norte-americanas (OXFAM, 2002a, p. 14). Muitos
países pequenos reclamam amargamente das tarifas norte-americanas sobre uma série de produtos, especialmente têxteis e roupa, nos quais recaem 42% de todos os impostos de importação (OXFAM, 2002a). Essas manobras
hipócritas e contraditórias constituem provavelmente o
maior obstáculo ao desenvolvimento dos países pobres sob
o regime liberal.
Uma assimetria relacionada com a anterior diz respeito ao diferencial do poder de barganha e de manipulação
entre os diferentes países. Cria-se a ilusão de que os vários
países soberanos são parceiros igualitários na busca do
desenvolvimento e do bem-estar, mas a realidade é bem
diferente. Os mais fortes, particularmente os Estados Unidos da América e, em grau menor, a União Européia, arrumam as coisas à sua maneira, promulgam seus próprios
valores como sendo universais, consultam seus aliados
quando isso lhes interessa, usam a força para defender seus
interesses (como recentemente em Kosovo, no Afeganistão
e no Iraque), adotam posturas de política internacional
claramente incoerentes com a paz mundial (como no Oriente Médio), e justificam tudo isso em termos de “princípios éticos elevados”.
Segundo Milanovic (1999, p. 8), isso não deveria nos
surpreender porque o imperialismo faz parte integral da
globalização.
No trabalho referido, a Cepal (2002, p. 77) afirma com
todas as letras que os países ricos começam o jogo econômico mundial nessa etapa da globalização em condições
de claras vantagens:
a economia mundial é um ‘campo de jogo’ essencialmente
desnivelado, cujas características distintivas são a concentração do capital e a predominância no comércio de bens e
serviços. Essas assimetrias características da ordem global
constituem a base das profundas desigualdades internacionais em termos de distribuição de renda.
Tais vantagens só tendem a aumentar com o tempo,
pois os mecanismos de mercado geralmente reproduzem,
e inclusive ampliam, as desigualdades existentes nos planos nacional e internacional (CEPAL, 2002, p. 88). Assim, a conjugação de uma ampliação moderada das desigualdades internacionais e do notório incremento das
desigualdades internas dos países é “uma das características mais distintivas da terceira (e atual) fase de globalização.” (CEPAL, 2002, p. 83). Numerosos estudos recentes, realizados pelo Banco Mundial, destacam os
efeitos negativos dessa desigualdade no crescimento econômico.
Nesse contexto, comenta a Cepal (2002, p. 88), os esforços nacionais de desenvolvimento e de redução da pobreza somente podem dar frutos se eles estiverem
complementados por regras de jogo eqüitativas e estáveis,
e por uma cooperação internacional destinada a por fim às
assimetrias básicas que caracterizam a ordem mundial.
Em seguida, o documento assinala algumas “assimetrias” da ordem internacional na atual fase de globalização. Uma delas faz referência justamente ao tema que
nos interessa, ou seja, as migrações internacionais – e esse
será o objeto de discussão do próximo segmento. Neste
momento, a iniciativa da Cepal de citar algumas “assimetrias” do atual modelo nos inspira a citar uma lista de outras inconsistências, que nos parecem ainda mais contundentes, em termos de seus impactos sobre as perspectivas
de desenvolvimento.
Nesse rol, a mais funesta parece ser a discrepância entre “o discurso dos países desenvolvidos na pregação da
abertura das fronteiras dos outros países” versus “a realidade protecionista das políticas praticadas por eles”.2 O
princípio de que o comércio entre países deveria ser guiado pelos preços de mercado é sistematicamente atropelado pelos países desenvolvidos quando estes: subsidiam a
produção – notadamente na agricultura; impõem restrições,
A globalização não é um processo no qual a maioria dos
países participa em pé de igualdade, realizando igualmente
atividades de intercâmbio e produção. A globalização
somente emerge quando um hegemon garante estradas e
mares seguros para que muitos possam exercer atividades
de comércio e investimento (MILANOVIC, 1999, p. 4).
Mais adiante, Milanovic pergunta:
Até onde o hegemon atual vai entrar na senda do imperialismo? Já podemos observar uns sinais claros: o quase
total desprezo pelas Nações Unidas, ou melhor, o fato da
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pobres. É conveniente esquecer que tais dirigentes eram,
muitas vezes, meros títeres colocados e apoiados no poder
pelos países hegemônicos. Também o mundo se esquece
de que os líderes dos países em desenvolvimento eram estimulados a contrair tais empréstimos em conivência com
os interesses políticos e econômicos dos donos do dinheiro.
As agências freqüentemente emprestavam dinheiro por razões que pouco tinham a ver com o “apoio ao desenvolvimento”. Na época da Guerra Fria, procuravam assegurar
alianças geopolíticas. Em todas as épocas, a perspectiva
de vender armas, equipamentos, tecnologia ou mercadorias
motiva a oferta de empréstimos a governos que pouco se
importam com a dimensão da dívida contraída. Nessas
transações, nem o credor e nem o tomador de empréstimos
se preocupa com a responsabilidade eventual dos pagamentos, ou seja, a corrupção vem de ambos os lados.
Finalmente, os discursos altivos daqueles que não querem perdoar a dívida não se recordam de que as regras do
jogo financeiro são ditadas pelos credores. Nessas, os juros mínimos acordados no momento do empréstimo podem, de repente, inflacionar-se por motivo dos desmandos
financeiros dos próprios países desenvolvidos.5 Enquanto isso, os preços dos principais produtos de exportação
dos países devedores caem assustadoramente – também
por manipulação dos países credores.
Uma quinta assimetria, nesse caso sugerida pela Cepal,
refere-se à altíssima concentração do progresso técnico
nos países desenvolvidos. Neles se concentram, não somente a pesquisa, mas também as ramas produtivas vinculadas aos câmbios tecnológicos, os quais se caracterizam por um grande dinamismo na estrutura produtiva e
no comércio mundial. A transferência do progresso técnico aos países em desenvolvimento é lenta, irregular e cara,
cada vez mais acastelada pelas normas de proteção à propriedade intelectual (CEPAL, 2002, p. 88-89).
Uma sexta assimetria, novamente descrita pela Cepal,
refere-se à maior vulnerabilidade macroeconômica dos
países em desenvolvimento aos choques externos. A maior
integração financeira característica do atual processo de
globalização multiplica essa vulnerabilidade. Por exemplo,
a crise asiática de 1998 começou na Tailândia e expandiuse rapidamente para o restante das economias do Sudeste
da Ásia. As moedas internacionais pertencem aos países
desenvolvidos e fluem para os outros de forma cíclica, em
função da percepção do caráter arriscado de investimentos
nestes. Isso tem efeito significativo na alternância dos
ciclos de crise e de bonança nos países em desenvolvimento
(CEPAL, 2002, p. 91-92).
ONU ter se transformado em um instrumento da política
norte-americana e, quando é inconveniente, é simplesmente
ignorada; a falta de respeito aos tratados e documentos; a
disposição dos EUA para atuar de forma unilateral ou de
arrastar seus aliados reticentes, numa ostentação de unidade
(MILANOVIC, 1999, p. 7).3
Uma terceira inconsistência diz respeito à validade da
própria promessa do desenvolvimento via abertura de fronteiras. A Cepal (2002, p. 18)
rechaça o uso normativo do conceito (de globalização) que
ressalta a idéia de uma única via possível – a liberalização
plena dos mercados mundiais e a integração a eles como o
destino inevitável e desejável de toda a humanidade.
Numa análise estatística da experiência dos países em
desenvolvimento no campo do crescimento econômico
desde 1975, Rodrik descobriu que os dois fatores mais
importantes no ritmo de crescimento econômico de um país
têm sido: o nível de investimento interno e a capacidade
do governo de manter a economia doméstica estável no
meio das turbulências da economia global. Manter a inflação sob controle e assegurar uma taxa de câmbio em
patamares realistas eram também fatores importantes.
Entretanto, o grau de abertura ao comércio e às finanças
internacionais não era, de per se, significativo (RODRIK,
1997; 1999). Esse tipo de constatação reforça as desconfianças que se projetam sobre as intenções dos países desenvolvidos quando se empenham tanto na abertura das
fronteiras dos países em desenvolvimento.
A quarta incoerência – e um dos maiores obstáculos ao
crescimento econômico de muitas nações – diz respeito
ao peso da impagável e eterna dívida externa dos países
em desenvolvimento.4 Depois do fracasso das moratórias,
ficou até deselegante falar nesse tema; no Brasil, a dimensão e a pujança da economia nacional atual permitem deixar de lado esse problema no momento. Entretanto, muitos outros países continuam sufocados com o pagamento
obrigatório de uma parcela significativa do seu produto
nacional. Uma das alegações principais para não perdoar
essas dívidas impagáveis é a de que isso estimularia a
irresponsabilidade entre os governantes dos países em
desenvolvimento. De fato, na América Latina, estima-se
que o aumento na dívida externa entre 1976-1984 foi equivalente à emigração de capitais privados da região para
as capitais financeiras.
Sem embargo, o fato de que os empréstimos teriam sido
feitos de maneira irresponsável ou corrupta não pode ser
atribuído exclusivamente aos dirigentes dos países mais
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Uma sétima inconsistência se refere especificamente
ao tema da migração internacional, e será tratada em maior
detalhe no próximo segmento.
Durante a primeira fase da globalização, que se estende
desde o último quarto do século XIX até os inícios do século
XX, a expansão do comércio e a elevada mobilidade de
capitais estiveram acompanhadas de um incremento dos
fluxos migratórios [...] Esta migração de grandes proporções
teve como destino vários países do Novo Mundo [...] Entre
1870 e 1920, os Estados Unidos, principal país receptor
desta corrente migratória, acolheu a mais de 26 milhões de
pessoas [...] que chegaram a representar mais de 10% da
população total do país.
MIGRAÇÃO INTERNACIONAL E
GLOBALIZAÇÃO
As transformações rápidas e profundas geradas pela
globalização têm tido um grande impacto sobre os
movimentos migratórios, mas de forma ainda segmentada
e contraditória. Por um lado, parece existir um consenso
na literatura de que a globalização constitui o motor
principal da migração internacional neste momento
histórico (MASSEY et al., 1998, p. 277). Por definição, a
globalização leva ao desarraigamento quando acelera o
progresso econômico que transforma comunidades,
estimula as pessoas a abandonar trabalhos tradicionais e
a buscar novos lugares, enquanto as obriga a confrontarem-se com novos costumes e novas maneiras de pensar
(MILANOVIC, 1999, p. 10-11). Mas as diferentes assimetrias observadas acima também impulsionam o deslocamento populacional. Assim, os subsídios à agricultura
nos países desenvolvidos impactam na baixa renda dos
agricultores nos subdesenvolvidos, provocando tanto a
migração rural-urbana como a emigração. As desigualdades crescentes entre países, resultantes do conjunto das
assimetrias, aumentam per se a motivação para migrar
(MARTIN, 2004, p. 448-9).
Ao mesmo tempo, a globalização aumenta o fluxo de
informações a respeito das oportunidades ou dos padrões
de vida existentes ou imaginados nos países industrializados. Dessa forma, suscita uma vontade cada vez maior
de migrar e de aproveitar as oportunidades e as comodidades que aparentemente estão sendo criadas em outros
países. Em suma, os padrões da migração internacional
refletem tanto as desigualdades entre países como as mudanças econômicas e sociais que ocorrem em diferentes
países. No atual momento histórico, exceto no caso dos
conflitos armados e dos desastres naturais, a globalização
é o principal fator que ativa os movimentos migratórios
entre países e determina seus contornos.
Entretanto, esse não é o aspecto mais marcante da relação atual entre globalização e migração. Mais notável
ainda é como a migração é limitada e restrita dentro do
contexto atual. Na realidade, os quantitativos atuais indicam uma mobilidade bastante menor do que aquela
verificada em períodos anteriores. Conforme depoimento
da Cepal (2002, p. 73 e citações):
Tomando em consideração a multiplicação demográfica, assim como os enormes avanços nos domínios de
transporte e comunicação havidos entre aquele período e
a atual fase de globalização, era de se esperar, ceteris
paribus, uma expansão muito maior da migração internacional no atual momento histórico. O fato de isso não ter
ocorrido, e as razões subjacentes à lentidão do crescimento
da migração internacional, podem ser vistas como mais
significativas do que o próprio crescimento recente da
mobilidade internacional.
Assim, o estímulo massivo à migração internacional,
provocado pela globalização, não é acompanhado por um
aumento correspondente de oportunidades porque os países que atraem migrantes bloqueiam sistematicamente sua
entrada. O “Mundo Sem Fronteiras” é parte da definição
da globalização, mas não se aplica ao movimento de pessoas. O capital humano é um fator de produção que, formalmente, não tem livre trânsito entre fronteiras nos dias
de hoje; não existe um “mercado global de trabalho”. As
fronteiras abrem-se para o fluxo de capitais e mercadorias, mas estão cada vez mais fechadas aos migrantes: essa
é a grande inconsistência que define o atual momento histórico no que se refere às migrações internacionais.
No contexto do desenvolvimento capitalista, a mobilidade da força de trabalho – seja dentro de fronteiras nacionais, seja entre fronteiras – tem desempenhado um papel
importante. O princípio do livre comércio sugere que a
produção mundial seria maior se não houvesse fronteiras
e se todos os fatores de produção, inclusive as pessoas,
pudessem fluir livremente. Portanto, as políticas que restringem a mobilidade dos trabalhadores, segundo a teoria
econômica neoclássica, conduzem a uma economia mundial menor em termos agregados (BORJAS, 1996, p. 11).
No contexto da globalização, as restrições legais assumem contornos e implicações particularmente sérias.
Obviamente, a maior liberdade de movimento da mão-deobra não resolveria todos os problemas dos países pobres
e nem eliminaria as fortes desigualdades entre nações.
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de 3% entre 1960 e 2000, – o que representou a taxa mais
rápida de crescimento durante o período (UNITED
NATIONS SECRETARIATE, 2004a).
É importante constatar que essas cifras geralmente não
contabilizam o número de migrantes “não-autorizados”,
“ilegais” ou “documentados”, cuja quantidade é impossível estabelecer com precisão. Trabalho recente, por exemplo, afirma que a maioria dos brasileiros nos Estados
Unidos não tem documentação (MARTES, 1999, p. 48).
A Organización Internacional para las Migraciones – OIM
sugere que o número dos migrantes não-oficiais poderia
ascender a uns 33 milhões. Entretanto, no caso dos Estados Unidos, o Bureau do Censo calcula que pelo menos
30% dos seus 30 milhões de migrantes em 2000 eram “ilegais” (CENTER FOR IMMIGRATION STUDIES, 2004).
Mantida essa relação entre “migrantes oficiais” e “migrantes não-documentados” no resto do mundo significaria que o total de migrantes não-documentados, na realidade, alcançaria 52 milhões. Tomando em consideração
a rigidez e a complexidade do aparato repressivo nos Estados Unidos, em comparação com os controles migratórios menos rigorosos em outras partes do mundo, é até
possível que esse número seja ainda maior.6
Poderia até mesmo transformar alguns países mais pobres
em produtores permanentes de mão-de-obra, sem perspectivas de gerar atividades produtivas próprias. Entretanto,
para que o modelo liberal e a globalização alcancem suas
promessas de promover o desenvolvimento, reduzir a pobreza e melhorar as condições de vida da população, seria essencial que essa inconsistência fosse algo minimizada.
Nesse sentido, pareceria útil revisar os principais aspectos da migração contemporânea e analisar o que eles
aportam e o que eles têm de negativo, para poder entender
melhor por que a migração não pode fluir livremente. Providos dessa informação e análise, seria mais fácil, para os
pesquisadores, montar uma campanha de advocacy para
poderem influir na conquista de maior liberalização dos
fluxos.
OS FLUXOS MIGRATÓRIOS HOJE
De acordo com as estimativas oficiais da ONU, a
quantidade de migrantes no mundo teria aumentado
bastante nas últimas décadas. De 1960 a 2000, o número
de pessoas que residiam num país diferente do de
nascimento passou de 76 para 175 milhões. Entretanto,
esse aumento é parcialmente fictício, pois 27 milhões do
suposto incremento deve-se simplesmente ao desmembramento da União Soviética e da Iugoslávia. Por outro
lado, é muito relevante observar que a proporção de migrantes no total da população tem-se mantido baixa – de
2,5% em 1960 a 2,9% no ano 2000 (UNITED NATIONS
SECRETARIATE, 2004a).
Outro aspecto que vale destacar na atual fase da
globalização é a concentração dos destinos migratórios nos
países desenvolvidos. Em 1960, a maioria dos migrantes
internacionais residia nos países em desenvolvimento. Em
2000, 63% (110 milhões) de todos os migrantes registrados
(e provavelmente uma proporção bastante mais elevada dos
migrantes não-registrados e documentados) residiam nos
países desenvolvidos. O estoque de migrantes nesses países aumentou em 78 milhões, enquanto a população migrante
nos países em desenvolvimento aumentou em somente 27
milhões. Se colocarmos esses números em termos do que
representam em cada bloco, observamos que os migrantes
internacionais passam a representar em torno de 9,2% nos
países industrializados e apenas 1,3% nos outros países. O
grande crescimento da migração internacional ocorreu na
Europa, América do Norte, Austrália, Nova Zelândia, Japão e países da antiga União Soviética. Na América do
Norte, a população migrante aumentou a um ritmo anual
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Fluxos Migratórios da América Latina e o Caribe
Como situar a região da América Latina e Caribe
(doravante, ALC) nesse panorama? Até meados do século
20, a ALC era afetada por três tipos de padrões migratórios:
a imigração de ultramar, a migração intra-regional e a
emigração para fora da região. Hoje em dia, a migração
vinda de ultramar é irrelevante, a migração intra-regional
tem diminuído e a migração para fora da região se
multiplicou (VILLA; MARTÍNEZ, 2001, p. 25-31). A
maior parte desses fluxos para fora da região dirige-se
agora para o norte do continente americano, especialmente
para os Estados Unidos e, em menor medida, até o Canadá.
Entretanto, estão também surgindo, particularmente desde
1990, correntes importantes em direção à Europa.
Segundo Castillo (2003, p. 11),
tanto as migrações para os Estados Unidos e Canadá como
aquelas que se dirigem aos países europeus se caracterizam
predominantemente como sendo de Norte-Sul, por suas
motivações, circunstâncias e contextos, apesar de sua
relativa heterogeneidade interna.
Como comenta Pellegrino (2003, p. 19), a emigração
em direção ao norte converteu-se em um “projeto de vida”
9
GEORGE MARTINE
para muitos latino-americanos e passou a ser aceita a partir dessa perspectiva
TABELA 1
Remessas Enviadas pelos Migrantes, segundo Grandes Regiões
2002
como alternativa para enfrentar as difíceis condições de vida,
a incerteza do mercado de trabalho e o descontentamento
com os resultados do padrão de desenvolvimento (CEPAL,
2002, p. 245).
Grandes Regiões
Total
100,0
América Latina e Caribe
Por essas várias razões, e pela proximidade com os
EUA, que é a Meca dos migrantes, a América Latina transformou-se na região de maior mobilidade migratória internacional nessas últimas décadas. O predomínio da
mobilidade dessa região faz-se registrar no volume, tanto
de fluxos, como das remessas que são enviadas pelos
migrantes latino-americanos. A ALC tem 8,5% da população mundial; entretanto, um em cada dez migrantes internacionais nasceu num país dessa região – isso sem contar
os ilegais e indocumentados, categoria na qual a ALC é
provavelmente soberana.
Ao mesmo tempo, conforme pode ser observado na
Tabela 1, os migrantes da ALC são campeões incontestáveis de remessas. Embora constituindo apenas 10% de
todos os migrantes oficiais, enviam mais de 30% de todas
as remessas contabilizadas pelos dados disponíveis em nível mundial. Isso sugere duas hipóteses: ou os migrantes
da ALC ganham mais, na média, ou eles enviam uma parcela maior de suas economias para casa. Pesquisa recente
do Centro Hispano Pew, baseada em dados censitários,
indicaria que essa segunda alternativa é provável. De acordo com essa fonte, os hispânicos têm uma renda onze vezes menor que a da população branca, embora um pouco
superior à dos afro-americanos. Entre os fatores que
incidem nessa relativa pobreza estariam: o baixo nível educacional, o desconhecimento do inglês, a tendência a concentrar-se em regiões com custo de vida elevado e, finalmente, o fato de que os hispânicos fazem, em média,
remessas de maior valor (US$ 2.500,00 por ano).7
Duas pesquisas recentes parecem indicar que as remessas enviadas por brasileiros são bastante mais elevadas
que as dos “hispânicos”. Segundo Bendixen (apud MARTES, 2004), 1,3 milhão de brasileiros recebem US$
4.150,00 por ano; a metade desses recursos seria enviada
por brasileiros que moram nos Estados Unidos. Utilizando dados primários coletados na área de Boston, Martes
relata que a média do valor de envio ascenderia, na realidade, a US$ 6.535,00 por entrevistado/ano. Extrapolando
os dados de Rossi (2004), podemos estimar que os brasileiros em Portugal estariam enviando em torno de US$
5.000,00 por ano.
%
31,0
Sul da Ásia
20,0
Oriente Médio e África do Norte
18,0
Ásia do Leste e Pacífico
14,0
Europa e Ásia Central
13,0
Sul da África
5,0
Fonte: Orozco (2002, p. 3; baseado em dados oficiais).
A maioria das migrações recentes oriundas da ALC
termina nos Estados Unidos. De acordo com os dados
censitários, havia 8,4 milhões de migrantes da ALC residentes nos EUA em 1990; esse número aumentou para 15
milhões no ano 2000. Nesse momento, a metade dos
migrantes nos EUA era originária da ALC. Quando se
considera a condição étnica da população migrante, esse
volume aumenta sensivelmente; o Censo Demográfico dos
EUA de 2000 estabeleceu que a população “hispânica”
ou “latina” era de 35,3 milhões; destes, 58,5% declaravam ser de origem mexicana (CASTILLO, 2003, p. 11).
Dados ainda não publicados do Census Bureau dos
Estados Unidos indicam que o número de imigrantes naquele país vem-se multiplicando durante os últimos anos.
De acordo com esses dados, a população total de imigrantes teria subido de 30 para 34 milhões entre 2000 e 2004.
Desse aumento, estima-se que pelo menos a metade seria
de imigrantes ilegais ou indocumentados. Além de indicar um crescimento significativo na taxa de imigração para
os Estados Unidos durante os últimos anos, essas cifras
sugerem que a imigração para aquele país não flutua diretamente com a dinâmica econômica do país receptor (pois
se trata de um período de relativa estagnação econômica). Também pareceriam indicar que as medidas restritivas adotadas após os eventos de 11 de setembro de 2001
não têm funcionado (CENTER FOR IMMIGRATION
STUDIES, 2004). Sem dúvida alguma, a migração da região da ALC foi significativa nesse aumento recente.
Essa mobilidade tem raízes naquilo que se tem chamado na região de “década perdida”, na desigualdade social
incomum, na precariedade do emprego, na instabilidade
social e política, na violência e na vulnerabilidade. Mas
todos esses fatores foram catalisados pelas transformações
profundas operadas pela globalização, não somente em
10
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 3-22, jul./set. 2005
A GLOBALIZAÇÃO INACABADA: MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E POBREZA ...
termos econômicos, mas também em termos de acesso à
informação e à comunicação.
gera desafios e oportunidades, tanto para países receptores como para aqueles que enviam um maior número de
migrantes a outros países. É evidente que, para opinar sobre
as vantagens ou desvantagens da migração, é preciso definir: vantagens para quem e para quê? Como qualificar
essas vantagens e desvantagens? As possíveis conseqüências variam de acordo com a escala de análise: país, comunidade, família e pessoa migrante. No âmbito dos
migrantes e das famílias, por exemplo, a emigração pode
ser positiva do ponto de vista econômico; a avaliação do
impacto na economia, em nível geral, é mais complexa.
Dependendo da fase do processo migratório e do ciclo de
vida do migrante, a migração também pode ser positiva
ou negativa. Também as conseqüências são diferentes no
curto e longo prazos. No curto prazo, a migração pode
servir como “válvula de escape”, aliviando as pressões
sobre o mercado de trabalho e trazendo o dinheiro muito
necessitado para as famílias. No longo prazo, a perda de
trabalhadores mais qualificados, assim como da população jovem, e a dependência sobre as remessas podem constituir obstáculos para o desenvolvimento (PELLEGRINO,
2003, p. 26-27).
Na realidade, a maioria das conseqüências socioeconômicas da migração é dupla ou contraditória, dependendo
da ótica, do momento e da situação. Apesar das dificuldades, procuramos, a seguir, definir melhor algumas
vantagens e desvantagens da migração internacional para
diversos atores. Não se pretende um esquema rígido ou
acabado de avaliação. Simplesmente busca-se identificar
melhor alguns argumentos objetivos e distingui-los das
motivações xenofóbicas que impedem maior aceitação da
migração como uma parte integrante do atual processo de
globalização. Ao mesmo tempo, essa discussão procura
promover avanços quanto à identificação de uma trilha
política que poderia ser seguida pelos movimentos sociais
referentes à questão da migração internacional. Afinal de
contas, a migração vai continuar; o importante é encontrar
fórmulas e políticas que ajudem a potencializar seus efeitos
positivos e a reduzir suas conseqüências negativas.
Com esse intuito, elaboramos, primeiro, um quadro
simplificado das principais conseqüências da migração
internacional. Para fins de visualização sintética, o Quadro 1 apresenta, de forma simples e dicotômica, a lista
das principais vantagens e desvantagens da migração que
circulam na literatura. Entretanto, em seguida, tratamos
de discutir a relativa validade desses argumentos de
maneira mais holística. Embora não seja possível
quantificar os aspectos positivos e negativos, as vanta-
COMO AVALIAR A MIGRAÇÃO
INTERNACIONAL? VANTAGENS E
DESVANTAGENS
De acordo com a lógica do processo de globalização
que está sendo propagada nesse momento histórico, a
migração internacional deveria aumentar, pari passu, com
o aumento do fluxo de capitais e mercadorias. Teoricamente, a migração a partir de áreas de baixa renda para
outras de renda mais elevada permite o uso mais eficiente
dos recursos disponíveis. O aumento da mobilidade de
mão-de-obra redundaria num aumento da produção mundial e, conseqüentemente, geraria condições para a
melhoria do bem-estar da população. Segundo Ratha
(2003), dada a enorme discrepância entre os níveis de renda
dos países ricos e pobres, a maioria dos economistas, assim como muitos dos tomadores de decisão nos países em
desenvolvimento, vislumbra grandes benefícios no aumento da mobilidade do trabalho. Citando estudos de Winters
(2003) e de Rodrik (2001), Ratha (2003, p. 168) estima
que
o bem-estar mundial aumentaria em mais de US$ 150 bilhões
se os países desenvolvidos aumentassem sua quota de
trabalhadores internacionais temporários até 3% da sua
força de trabalho.8
Entretanto, esse aumento significativo da migração, tão
necessário para a melhoria das condições nos países em
desenvolvimento, não tem ocorrido. Por quê? Evidentemente porque os países mais ricos, que são o destino preferencial dos migrantes, consideram que a entrada massiva
de migrantes lhes seria prejudicial. Não seria realista imaginar uma súbita abertura escancarada de todas as fronteiras internacionais à migração. Sem dúvida, seria o caos
para o sistema mundial tal como o conhecemos. Entretanto, uma entrada mais alentada de migrantes (digamos, em
torno de 3% a 4% das respectivas forças de trabalho dos
países de maior dinamismo econômico) seria perfeitamente
viável e, segundo a lógica predominante, altamente benéfica. Por que não acontece?
Para poder responder a essa pergunta, é preciso tentar
pesar, de forma mais objetiva, as vantagens e desvantagens da migração internacional. Esse é talvez o aspecto
no qual ainda existe maior ambigüidade na literatura: como
apreçar o valor da migração? O aumento da migração
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 3-22, jul./set. 2005
11
GEORGE MARTINE
QUADRO 1
Vantagens e Desvantagens da Migração Internacional
Vantagens
Para os Lugares de Origem e para
os Migrantes
Desvantagens
Para os Lugares de Destino
Para os Lugares de Origem e para
os Migrantes
Para os Lugares de Destino
A migração gera remessas para as
famílias, as comunidades e o país, o
que promove o dinamismo econômico nos lugares de origem
Os migrantes ajudam a melhorar
a qualidade de vida e barateiam o
seu custo nos lugares de destino,
ao realizarem atividades que os
nativos não querem fazer, e por
salários baixos
Seletividade da migração: a “fuga
de cérebros” leva a déficits de
recursos humanos qualificados
nos países de origem
Os países receptores são palco de
conflitos e tensões sociais que
surgem das diferenças étnicas,
lingüísticas e religiosas
A migração permite uma mobilidade
social que, de outra forma, seria difícil
de alcançar
A migração revitaliza sociedades
envelhecidas ao preencher lacunas demográficas e laborais
Países e comunidades perdem as
pessoas mais criativas, trabalhadoras, empreendedoras e ambiciosas
Sofrem risco de erosão da cultura
nacional
Os migrantes aprendem idéias, habilidades e valores que ajudam apressar a modernização do seu país de
origem
Os países receptores recebem,
gratuitamente uma grande quantidade de recursos humanos qualificados cujos custos foram internalizados por outros
Migrantes são perseguidos e maltratados por xenófobos e considerados cidadãos de segunda classe; tal discriminação – racial e
social – retarda a assimilação
Peso fiscal: pelo menos no início,
os imigrantes pressionam os serviços sociais, educacionais e de
saúde
A emigração alivia tensões sociais
em países de economias estagnadas
e com grande população jovem
Os migrantes ajudam a reduzir a
inflação e aumentar a produtividade (respondem melhor às
mudanças no mercado de trabalho, reduzem sua rigidez)
Migrantes sofrem dificuldades de
comunicação e adaptação, estresse psicológico, perda de identidade e do referencial afetivo
Riscos para a segurança nacional
e de terrorismo aumentam
Em certas condições, promove a
emancipação da mulher
A migração expande a base de
consumidores e de contribuintes
(impostos)
A migração é um fator de risco,
especialmente para mulheres e
crianças
Migrantes competem por empregos e reduzem salários dos locais.
Isso provoca reações dos sindicatos ou grupos de pressão que
vêem os imigrantes como competidores no mercado de trabalho
gens acabam parecendo bastante mais proeminentes. Inclusive, observa-se que algumas das principais objeções
que são comumente utilizadas para restringir a migração
nos países industrializados são facilmente desmistificadas.
Embora a lista de variáveis no Quadro 1 não pretenda ser
exaustiva nem definitiva, ela ajuda a visualizar alguns dos
aspectos de maior destaque relacionados com a funcionalidade da migração. Entretanto, vale a pena discutir certas características supostamente negativas citadas nesse
quadro, além de realçar alguns dos aspectos positivos aí
mencionados.
mia mundial. A cada ano, os migrantes enviam o equivalente, hoje, a US$ 100 bilhões em remessas para sustentar suas famílias e comunidades (ILO, 2004). Isso representa um aumento significativo, já que em 1980 as
remessas apareciam nas contas nacionais com um valor
de US$ 43 bilhões e, em 1995, de US$ 70 bilhões
(RUSSELL, 1992). Essas cifras colocam as remessas em
segundo lugar (perdem apenas para o valor das exportações globais de petróleo) no fluxo monetário do comércio internacional. As remessas constituem uma fonte estável de entrada e, com toda probabilidade, devem
aumentar bastante no futuro (RATHA, 2003, p. 157). Um
estudo de 74 países concluiu que as remessas são críticas
para a redução da pobreza: na média, um aumento de 10%
na participação das remessas no produto interno bruto –
PIB gera uma redução de 1,6% na proporção de pobres
no país (ADAMS; PAGE, 2003, p. 13).
Vantagens para os Migrantes e os seus
Lugares de Origem
As Remessas – O trabalho migrante é uma faceta crítica
da globalização e tem um impacto significativo na econo-
12
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 3-22, jul./set. 2005
A GLOBALIZAÇÃO INACABADA: MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E POBREZA ...
chegou à conclusão de que os emigrantes foram responsáveis pela aplicação aproximada de 154 milhões de dólares no mercado imobiliário valadarense, somente no
período 1984-93.
Entretanto, esses vários impactos poderiam facilmente
ser bastante maiores. Na ALC, o custo médio para enviar
remessas é de 13%; em alguns casos, chega a 20%
(OROZCO, 2002). Para as comunidades e famílias de origem na ALC, isso representou uma perda de pelo menos
5 bilhões de dólares somente em 2003. Tais cifras exigem
uma ação urgente, que vise a oferecer aos migrantes um
canal mais eficiente e mais barato para envio de dinheiro.
Por outro lado, as estatísticas coletadas sobre o fluxo de
remessas não são uniformes nem abrangentes – o que dificulta a tomada de decisões informadas no âmbito do planejamento para o melhor aproveitamento das remessas.
Poucas instituições financeiras estão oferecendo produtos especificamente ajustados às necessidades dos imigrantes que fazem remessas para o seu país, e os governos têm
feito pouco para criar um ambiente em que tais serviços
possam prosperar. Essas falhas advogam por políticas
específicas mais efetivas, para aproveitar o potencial das
remessas na promoção do desenvolvimento.
Na ALC, a quantia de dinheiro enviada por imigrantes
latino-americanos e caribenhos para suas famílias nos
países de origem aumentou em 139% nos últimos cinco
anos, passando de US$ 23 bilhões em 2001 para US$ 55
bilhões em 2005 (dados do BID, citados em Vasconcellos,
2005). De acordo com a mesma fonte, os emigrantes brasileiros teriam enviado para o Brasil cerca de 5,6 bilhões
de dólares em 2004 (VASCONCELLOS, 2005). Na maioria dos países da América Latina e do Caribe, as remessas
agora superam o valor combinado de investimento direto
estrangeiro, ajuda multilateral e pagamentos de juros sobre a dívida externa.
Embora os dados disponíveis sejam parciais e incompletos (OROZCO, 2002), ninguém na literatura especializada duvida que as remessas têm impactos econômicos
importantes nas economias das famílias de migrantes, em
suas comunidades ou em seus países. Em alguns casos, os
autores lamentam que apenas uma proporção reduzida das
remessas familiares é canalizada para o investimento
produtivo.
Entretanto, a literatura mais recente é bastante mais otimista a respeito (MASSEY et al., 1998). Se as remessas
são investidas na produção, elas contribuem para o crescimento; se elas são consumidas, geram efeitos multiplicadores. Em vários países, as remessas excedem, hoje, o
valor dos investimentos estrangeiros e têm um efeito
multiplicador sobre a economia. Em certos países da América Central, as remessas já superam o valor das exportações. No México, as remessas são quase tão valiosas no
PIB (10%) quanto a importante indústria do turismo
(OROZCO, 2002, p. 23).
No geral, pode-se concluir que a influência das remessas na economia local dos lugares de origem tende a ser
muito importante. Dados do México (INEGI, 1996) indicam que a renda dos domicílios que recebem remessas é
o dobro do que seria sem as remessas. Na Nicarágua, as
migrações têm sido tratadas com preocupação: o passado
de guerras e convulsões políticas contribuiu para isso.
Entretanto, conservadoramente, as remessas representam
15% do PIB. Somente 12% do total de domicílios tinham
um membro vivendo no exterior, mas estes constituíam
60% dos 22 mil domicílios nicaragüenses que saíram da
pobreza entre 1998 e 2001.
No Brasil, Weber desenvolveu uma metodologia complexa para estimar o impacto das remessas numa cidade
mineira pequena, mas muito afetada pela migração internacional: Governador Valadares. Ao analisar o mercado
imobiliário de Governador Valadares, Soares (1995, p. 61)
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 3-22, jul./set. 2005
Organização Social, Modernização e
Eqüidade de Gênero
A emigração promete mobilidade e diversificação de
emprego. Oferece, a uma grande quantidade de jovens,
uma oportunidade para alcançar um salário, bens de consumo e uma qualidade de vida que lhes seria impossível
nos países de origem. É bem verdade que muitos migrantes
aceitam um status ocupacional inferior àquele que tinham
no país de origem, mas isso acaba sendo compensado pelo
aumento da remuneração, pelas relações de trabalho mais
formais, assim como pela natureza do trabalho – fatores
que acabam justificando a troca de status no ideário dos
migrantes (MARTES, 1999, p. 26). Ao mesmo tempo, a
emigração massiva, como é o caso do México e de alguns
países da América Central, serve para aliviar tensões sociais e laborais em países com grande população de jovens, nos quais a conjugação do crescimento demográfico
com períodos de estagnação econômica deixa uma parcela considerável de jovens sem emprego.
Em sua nova vida, os migrantes aprendem novas idéias,
recebem novos tipos de capacitação, adquirem novas
qualificações e assumem novos valores. Ao retornar aos
seus países de origem, ou ao comunicar-se, do exterior,
13
GEORGE MARTINE
mias desenvolvidas. A demanda por trabalhadores
migrantes vem aumentando constantemente, não somente
nas atividades altamente qualificadas, mas também para
trabalhos de baixa qualificação e salários inferiores, especialmente na agricultura, limpeza e manutenção, construção civil, serviço doméstico e a indústria do sexo. São
as ocupações e trabalhos que os trabalhadores nacionais
já não querem.9
Os imigrantes não somente preenchem os vazios deixados pelos trabalhadores nacionais como também trazem
vários outros benefícios. A migração internacional fornece, uma grande quantidade de recursos humanos qualificados cujos custos de educação e capacitação já foram
internalizados por outros países.10 Além disso, a imigração gera uma série de efeitos econômicos (positivos) específicos. O mais conhecido é o de aliviar a escassez de
mão-de-obra em setores essenciais, nos quais os nativos
não querem trabalhar (e.g. cuidar dos velhos). A imigração também pode aumentar a produtividade e moderar a
inflação, como o fez na década de 90 nos Estados Unidos, especialmente no setor tecnológico. Os migrantes
respondem mais rapidamente às condições do mercado do
que os trabalhadores locais e, assim, reduzem a rigidez
do mercado de trabalho e aumentam a produtividade. Finalmente, os efeitos multiplicadores dos gastos feitos pelos migrantes nos países de destino não devem ser
minimizados (RATHA, 2003, p. 166-169).
Por outro lado, a maioria dos países desenvolvidos
encontra-se, atualmente, em uma segunda transição
demográfica, marcada pelo envelhecimento. Devido à redução da fecundidade a níveis muito baixos, paralelamente
ao aumento significativo da esperança de vida, a pirâmide de idade dos países industrializados mostra-se mais carregada na parte superior. Com isso, o crescimento
vegetativo é nulo, a entrada de jovens nativos no mercado
de trabalho é mínima, a relação de dependência entre trabalhadores e não-trabalhadores piora, e os sistemas de
previdência são fortemente pressionados. A entrada de
jovens migrantes, com suas altas taxas de fecundidade e
de participação no mercado de trabalho, é uma fórmula
fácil para superar as dificuldades demográficas criadas por
essa transição.
A Divisão de População das Nações Unidas levantou
uma grande polêmica, há alguns anos, ao sugerir a tese
da substituição demográfica (UNITED NATIONS
SECRETARIATE, 2000). Basicamente, o estudo da ONU
sugere a previsibilidade – e mesmo a necessidade – da
intensificação da migração dos países do Sul até os países
com suas comunidades, eles acabam sendo agentes de
transformações culturais e políticas e promovem a aceleração da modernização. Os migrantes desenvolvem redes
complexas para facilitar a migração e a adaptação de seus
conterrâneos, sendo que os mais experimentados constituem uma fonte de conhecimentos sobre o outro país, o
mercado de trabalho, os serviços disponíveis, etc. Formamse comunidades transnacionais que administram recursos,
informações e um capital cultural que contribui para a
formação de novos valores comuns e para a coesão social.
Além disso, a migração é, pelo menos em potência, fator de importância na promoção da eqüidade de gênero.
No âmbito mundial, estima-se que a proporção de mulheres no total de migrantes internacionais permanece em
torno de 49% (UNITED NATIONS SECRETARIATE,
2004a). Apesar de sua importância numérica e de sua especificidade, a migração feminina tem sido relegada a um
segundo plano. O gênero aparece como algo neutro e,
portanto, está ausente da medição e da análise da migração. Isso faz com que o papel das mulheres nesse processo tenha se tornado invisível, apesar de elas exercerem
funções críticas, mesmo quando não migram: como mães,
esposas ou filhas de homens migrantes. Sem dúvida, os
processos migratórios podem ter efeitos nos papéis de
gênero, contribuindo para que traços culturais que caracterizam iniqüidades de gênero sejam questionados.
Em certas circunstâncias, a migração pode também
promover a emancipação da mulher, expandindo a gama
de seus papéis sociais e permitindo que ela escape da dominação patriarcal. Hugo (1999) identifica várias situações que, no longo prazo, podem ter um efeito positivo
para maior eqüidade de gênero:
- que a migração não seja indocumentada;
- que a mulher trabalhe fora de casa no lugar de destino,
de preferência no setor formal;
- que a mulher tenha migrado por conta própria e não
como dependente familiar;
- que a migração seja do tipo permanente e não temporário.
Além disso, um fator negativo para a eqüidade de gênero é a limitação lingüística (UNITED NATIONS
SECRETARIATE, 1998).
Vantagens para os Países Receptores
A migração de trabalhadores oriundos de países ou
regiões mais pobres sempre foi funcional para as econo-
14
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 3-22, jul./set. 2005
A GLOBALIZAÇÃO INACABADA: MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E POBREZA ...
do Norte, em função de suas respectivas taxas de
crescimento vegetativo. Ou seja, prevê que todos os países envelhecidos terão que suprir a falta de renovação de
sua população nativa por meio da migração internacional.
Segundo os cenários elaborados pela Divisão de População, os países europeus precisariam de pelo menos 3,23
milhões de migrantes anuais entre 2000 e 2050 para manter o tamanho de sua população em idades de 15-64 anos
nos níveis de 1995. Para o Japão, a imigração necessária
seria de 647.000 pessoas ao ano; e, para os Estados Unidos, de 359.000. Esses números estão sujeitos a discussão; entretanto, o que não é passível de discussão é a necessidade de renovação – não somente da força de trabalho,
mas da própria população, nos países industrializados.
Nesse particular, a Rússia decidiu recentemente
flexibilizar suas leis migratórias. Caracterizada já há muitos anos por uma taxa de crescimento vegetativo muito
baixa, a Rússia está agora vendo sua população declinar
rapidamente. Calcula-se que, se as tendências atuais forem mantidas, sua população seria reduzida, dos atuais 144
milhões para 100 milhões, em 2075; além disso, seria
composta por pessoas muito mais velhas, em sua maioria.
Sendo assim, o país está em processo de tornar mais fácil
a entrada de migrantes internacionais.11
Em suma, a maioria dos países industrializados precisa de uma renovação significativa de sua população via o
influxo de migrantes.12
É interessante constatar que, apesar da retórica e das
limitações formais à migração, na hora de traçar estratégias, a importância real dos fluxos migratórios para o
dinamismo do país receptor acaba sendo reconhecida.
Isso fica muito evidente em três documentos oficiais do
Estado norte-americano. O primeiro e mais conhecido é
um documento acadêmico do National Research Council
(1997) que faz uma avaliação minuciosa e positiva dos
impactos econômicos da migração. Mas, os outros dois,
menos conhecidos, são ainda mais reveladores. O primeiro destes, de autoria do U.S. Department of Labor
afirma:
É realmente notável essa admissão oficial de que a migração estaria, de fato, subsidiando a agricultura norte-americana. Talvez ainda mais surpreendente é um documento
encomendado pela CIA norte-americana e liberado para
publicação em 2001. De acordo com esse documento:
A imigração vai permitir aos Estados Unidos manter um
perfil demográfico mais equilibrado do que a União
Européia ou o Japão. Apesar de alguns custos sociais mais
elevados no início e uma pressão para baixar os salários, a
maioria dos especialistas acreditam que a migração facilita
um crescimento sustentado e não-inflacionário. Na década
de 90, quase 40% dos novos empregos nos Estados Unidos,
incluindo aqueles para engenheiros na área de software,
foram preenchidos por migrantes. De acordo com a OECD,
os diferenciais nas tendências demográficas são a principal
razão para que os Estados Unidos tenham perspectivas mais
otimistas que a UE ou o Japão, durante os próximos cinco
anos [...] A demora mostrada pelos principais parceiros dos
Estados Unidos na liberalização de suas políticas de
imigração – especialmente se combinado com a continuação
de sua relutância em empreender reformas maiúsculas de seus
sistemas de aposentadoria e segurança social – colocarão
nossos parceiros numa situação de desvantagem competitiva
frente aos Estados Unidos (USA, DIRECTOR OF CENTRAL
INTELLIGENCE, 2001, p. 28-32, grifo nosso).
Obviamente, não se deve imaginar que tais opiniões são
unânimes nem mesmo generalizadas entre os norte-americanos. Entretanto, é realmente notável encontrar em documentos oficiais dos Estados Unidos, inclusive do seu serviço de inteligência, afirmações tão contundentes a respeito
da importância transcendental da migração internacional
para a economia e para o desempenho internacional futuro
do país. A respeito, o documento da CIA acrescenta:
a migração vai oferecer uma fonte de dinamismo demográfico e econômico para países que estão envelhecendo,
renovando seus coortes jovens e re-carregando seus estoques
encolhidos de jovens para o serviço militar e o mercado de
trabalho. Vai também expandir sua base de consumidores e
contribuintes, condição essencial para manter o equilíbrio
fiscal, o contrato social e o crescimento econômico (USA,
DIRECTOR OF CENTRAL INTELLIGENCE, 2001, p. 24).
de fato, os trabalhadores migrantes, tão necessários para o
êxito da agricultura intensiva em mão-de-obra dos Estados
Unidos, subsidiam este mesmo sistema com sua indigência
e a de suas famílias. O sistema funciona através da
transferência de custos aos trabalhadores, os quais ficam
com uma renda tão marginal que só os recém-chegados e
outros que não têm opção aceitam trabalhar nas nossas
fazendas (apud BUSTAMANTE, 2003, p. 23).
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 3-22, jul./set. 2005
Mais adiante, o texto menciona um estudo recente do
Ministério da Defesa da Grã-Bretanha que projeta um
déficit militar importante se as tendências demográficas
atuais daquele país persistirem (USA, DIRECTOR OF
CENTRAL INTELLIGENCE, 2001, p. 25).
15
GEORGE MARTINE
rida na migração pode ser maior que a perda. Além disso,
alguns países se beneficiam da formação de redes de contatos e da capacitação tecnológica dos seus emigrantes.
Finalmente, os trabalhadores qualificados sempre podem
voltar para seus países de origem se as condições locais
de trabalho melhorarem. Nesse sentido, em todos os estudos que examinam esse tema, seria preferível substituir
“fuga” por “circulação” e “intercâmbio” de cérebros.
No que se refere a todos os problemas de adaptação,
discriminação e até maltrato de migrantes, não há dúvida
de que essas situações existem freqüentemente e que constituem uma das maiores dificuldades para os migrantes de
todos os continentes e de todas as épocas. Os migrantes
sofrem discriminação social e racial, são tratados como
cidadãos de segunda classe, são perseguidos e maltratados por xenófobos. Eles geralmente têm problemas de
comunicação e adaptação, sofrem perda de identidade e
de referencial afetivo – o que leva freqüentemente ao
estresse psicológico. Nos dias de hoje, porém, o desenvolvimento das comunicações permite maior vinculação
entre os migrantes e os lugares de origem. Isso tem estimulado a formação de redes que contribuem para manter
as identidades nacionais e locais, étnicas e religiosas, o
que pode ajudar bastante a incrementar o sentimento de
“pertencer” (PELLEGRINO, 2003, p. 9).
A migração também apresenta riscos adicionais para
mulheres e crianças.13 Em muitos lugares, as migrantes
internacionais e as crianças são mais vulneráveis nas diferentes etapas do processo (recrutamento, mudança e
chegada). Correm riscos evidentes, devido às piores condições de trabalho, ao abuso sexual e a outros fatores
(HUGO, 1999). A situação torna-se ainda mais perigosa
para pessoas envolvidas em migrações clandestinas e temporárias, assim como entre refugiados. Nessas circunstâncias, multiplicam-se as violações, a exposição aos riscos
de infecção por ETS ou AIDS e o número de gravidez nãodesejada. Isso coloca um conjunto de desafios que precisam ser abordados explicitamente, no que se refere aos
direitos da mulher e da criança migrante – e, especialmente,
à necessidade de penalizar duramente o tráfego de mulheres e crianças para fins sexuais. As precárias condições
de acesso a serviços de qualquer tipo são um fator agravante e também requerem ações específicas.
Todos esses problemas vão sempre existir em todo tipo
de migração, inclusive nas migrações internas. Entretanto, são inevitavelmente maiores quando a migração é clandestina, quando os migrantes não recebem orientação antes da partida ou apoio na chegada, e quando ficam
Desvantagens da Migração Internacional
Para os Migrantes e os seus Países Emissores – É bem
sabido que a migração é intrinsecamente seletiva. Na
realidade, a literatura tem enfatizado que os migrantes são
selecionados a partir dos dois extremos da hierarquia
ocupacional. Em ambos casos, tanto os migrantes internos
como internacionais tendem a diferenciar-se de suas
comunidades de origem em termos de seu nível educacional, assim como na sua disposição para assumir riscos
ou de enfrentar situações novas (CASTILLO, 2003, p. 15).
Ou seja, os países de origem freqüentemente perdem parte
de seu estoque de pessoas mais criativas, trabalhadoras,
empreendedoras e ambiciosas. Tanto a seletividade de migração como a “fuga de cérebros” levam a déficits de
recursos humanos qualificados nos países mais pobres.
Essa fuga tem até sido caracterizada como a “última forma
de pilhagem pelo Norte dos recursos do Sul” (LORIAUX
apud PELLEGRINO, 2003, p. 26).
A parte do fluxo emigratório composto de trabalhadores altamente qualificados deixa um vazio nos níveis mais
altos da estrutura ocupacional, uma vez que reduz a base
de contribuintes em muitos países pobres. Isso é mais grave
quando os trabalhadores de nível educacional mais alto
receberam, de seus países, uma educação subsidiada. Nesse
particular, Carrington e Detragiache (1998 apud RATHA,
2003) estimam que um terço dos indivíduos com educação superior na África, no Caribe e na América Central
emigraram para os Estados Unidos e outros países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OECD.
Essa desvantagem da emigração é inegável, mas também deve ser qualificada. Primeiro, vale mencionar que
um estudo realizado em 24 países sugere que, embora
muitos dos migrantes venham dos setores de maior educação formal, a perda não é significativa em relação ao
estoque de pessoas educadas, a não ser em certos países
como os da América Central (ADAMS, 2003). Segundo,
a perda do output potencial dos emigrantes pode ser mais
do que neutralizada pelas remessas e pelos efeitos positivos dessas nas redes de comércio e investimento do país
de origem. Isso é mais notório ainda quando esses recursos humanos estão sendo subutilizados em seu próprio país,
ou seja, se as estruturas ocupacionais dos países de origem não conseguem absorver sua mão-de-obra qualificada, as remessas enviadas do exterior podem ser mais importantes que a permanência no país de origem. Terceiro,
se a saída não for permanente, a bagagem cultural adqui-
16
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 3-22, jul./set. 2005
A GLOBALIZAÇÃO INACABADA: MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E POBREZA ...
impedidos – seja por motivos econômicos ou de segurança
– de se comunicar com seus familiares e amigos.
Nesse sentido, não há e nem haverá uma solução definitiva ou fácil para todas essas dificuldades. Porém, é óbvio
que a redução do impacto desses problemas depende, em
primeiro lugar, de uma atitude positiva frente à migração,
tanto dos países emissores quanto dos receptores. A partir do reconhecimento da inevitabilidade e das vantagens
importantes da migração é que os governos e a sociedade
civil dos países de origem e destino deverão formular
políticas, ações e programas mais efetivos em prol do
migrante. Várias entidades e organismos nacionais e internacionais já praticam uma série de ações altamente
benéficas na redução da migração. Não cabe discutir esse
nível de política aqui. Entretanto, o que é preciso enfatizar
é que, para serem eficazes, todas essas ações precisam de
um embasamento que não pode ser reduzido simplesmente a uma iniciativa benéfica isolada. Elas têm que ser baseadas na convicção de que, pesadas as vantagens e desvantagens, a migração internacional, potencialmente, traz
muito mais benefícios do que problemas.
No que se refere à alegação de que os migrantes competem no mercado de trabalho com a população natural,
deprimindo assim os salários, é preciso qualificá-la. Na
realidade, grande parte dos migrantes não-qualificados
ocupa os espaços que a população natural já não quer
ocupar, seja por tratar-se de trabalhos duros ou pesados,
mal remunerados ou de prestígio social reduzido. Muitos
dos migrantes são, na realidade, sobre-qualificados para
os empregos que ocupam e terminam freqüentemente fazendo uma contribuição à produção econômica mais elevada que a população não-migrante. Por essa via, contribuem para a reativação da economia – e, portanto, para a
própria geração de emprego. Entretanto, mesmo quando
a presença dos migrantes pode ser benéfica a partir do
ponto de vista do desempenho da economia, pode gerar
conflitos com aqueles segmentos específicos da população com os quais competem por postos de trabalho, como
os trabalhadores blue collar tradicionais. Entretanto, a
competição enfrentada por trabalhadores não-qualificados
locais nos lugares de destino
não é maior nem menor que os desafios que esses trabalhadores sofrem com a importação de bens intensivos em
mão-de-obra que são importados dos países em desenvolvimento (WINTERS apud RATHA, 2003).
Para os Países Receptores 14 – Apesar de necessários,
os migrantes são freqüentemente vistos como “os indesejados”. A rejeição dos migrantes é uma constante em
quase todos os processos migratórios, mas é particularmente exacerbada nos movimentos envolvendo pessoas
de etnia, idioma, religião e/ou aparência marcadamente
diferente dos habitantes do lugar de destino. Na Europa,
e em partes dos Estados Unidos, por exemplo, observa-se
atualmente uma forte onda de sentimento antimigrante.
Segundo relatório recente apresentado na Assembléia
Geral da Organização das Nações Unidas – ONU pelo
relator especial sobre direitos humanos,
No que se refere ao peso que representam os migrantes
para os serviços fornecidos pelo país receptor, os estudos
não são conclusivos. É verdade que a utilização de serviços sociais nas áreas de destino por parte dos migrantes
constitui, ao mesmo tempo, motivo de migração (ou seja,
as pessoas migram porque sabem que, nos lugares urbanos, ou em outros países, elas e seus filhos terão mais acesso a serviços de saúde e educação, assim como a outros
benefícios sociais), como também uma carga para o lugar
de destino (ou seja, aumentam seus custos globais de infraestrutura e serviço). Porém, esses custos também são relativos, porque, na medida em que os migrantes são mais produtivos que a média da população, acabam aumentando a
produtividade e, assim, melhorando a capacidade da localidade de custear os gastos de infra-estrutura e serviços.
Smith e Edmonston (1997 apud RATHA, 2003) concluíram que os imigrantes com educação inferior ao segundo grau constituem um peso fiscal até a segunda geração; mas que os migrantes qualificados pagam mais em
impostos do que recebem de seguridade social. Outros
estudos argumentam que, mesmo entre migrantes nãoqualificados, o peso fiscal, se houver, limita-se à primeira geração (BORJAS, 1994 apud RATHA, 2003). Eviden-
a xenofobia, o racismo, o anti-semitismo e a islamafobia
estão aumentando na Europa Ocidental [...] O racismo se
agravou em todo o mundo depois dos ataques terroristas de
11 de setembro de 2001. O renascimento dos movimentos
racistas e xenófobos na Europa Ocidental deve ser analisado
no marco das atuais mudanças socioeconômicas, incluindo
a politização da imigração.15
Os recém-chegados são vistos pela população natural
como competidores de empregos, como inflacionadores dos
custos dos serviços sociais e da infra-estrutura nos lugares
de destino, e como uma ameaça permanente à estabilidade
social e política da região de destino. Entretanto, essas acusações precisam ser examinadas com mais cuidado.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 3-22, jul./set. 2005
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GEORGE MARTINE
da legislação (MARTIN, 1998). Mesmo quando aceitam
migrantes para preencher alguma necessidade do país de
destino, as portas estão abertas oficialmente apenas para
os migrantes qualificados e os refugiados políticos.
temente, os migrantes temporários não recebem o social
security, ou porque são indocumentados ou porque têm
tempo insuficiente de residência – por esse motivo, não
apresentam custos fiscais. Isso tem gerado até sugestões
de utilizar mais mão-de-obra temporária para evitar custos sociais nos países de destino. Tal política, porém, poderia ser difícil de implementar.
No que se refere à questão de segurança, nos países e
localidades caracterizados pela entrada significativa de migrantes é comum identificar-se o migrante como “delinqüente” e, ultimamente, como “terrorista”. Os estudos objetivos sobre o comportamento delituoso dos migrantes,
porém, têm mostrado que a participação dessa categoria
na criminalidade comprovada é a mesma, em termos
proporcionais, que a da população nativa (MÁRMORA,
2000, p. 19).
A relação entre migração e terrorismo é, obviamente,
muito mais complexa. No contexto da globalização, a
migração pode claramente ser usada para disfarçar o deslocamento de intenções terroristas, justificando medidas
de precaução nos países receptores. Entretanto, a massa
de fermentação do terrorismo não reside na imigração: a
maior abertura à migração de trabalho poderia até ser um
motivo de sua redução, na medida em que permite aliviar
a desinformação e a desconfiança. O terrorismo internacional é fomentado por motivos muito mais complexos do
que a migração. Entre os fatores certamente encontra-se a
crescente desigualdade e sua maior visibilidade, assim
como as várias incoerências e inconsistências praticadas
pelos países de maior poder – algumas das quais foram
citadas na primeira parte deste trabalho – em defesa dos
seus interesses e de sua hegemonia.
Finalmente, aqueles que alegam ser contrários à migração por causa dos riscos de erosão cultural fariam bem
em analisar algo da história dos países que mais receberam migrantes e souberam aproveitar o que cada cultura
trazia para o enriquecimento geral da nação. Bem aproveitadas, dentro de uma política explícita de receptividade
e de acomodação, as levas de migrantes enriquecem, inevitavelmente, a cultura das regiões de destino.
Independentemente da sua veracidade objetiva, os sentimentos antimigratórios freqüentemente estimulam reações populares xenófobas e políticas nacionalistas, até
contrárias aos interesses do país receptor. A Alemanha,
por exemplo, recebe de 350 a 400 mil imigrantes por ano.
O país precisa deles para dar continuidade a suas atividades em diferentes setores; entretanto, o país mantém uma
atitude negativa, tanto por parte da opinião pública como
IMPLICAÇÕES PARA A AGENDA POLÍTICA
SOBRE MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS
Tomada em conjunto, a avaliação das vantagens e
desvantagens da migração internacional sugere, claramente, que os aspectos positivos são bastante mais
conspícuos do que os negativos e que estes últimos são
passíveis de redução. Essa conclusão coincide com a de
outra pesquisa abrangente, realizada por Skeldon, que
concluía que a migração pode ser um fator significante
para aliviar a pobreza. Segundo aquele autor, a evidência
empírica sugere que a mobilidade promove o crescimento
econômico e melhora as condições de vida da maioria da
população, embora não de todos (SKELDON, 2002, p. 7579). Também coincide com a opinião de Mármora (2000,
p. 17) de que “os dados e as pesquisas existentes apresentam um quadro que tem pouco a ver com esse alarme.”
Mais contundente ainda é a opinião da Cepal (2002,
p. 244)
[...] É verdade que precisamos de evidências mais sólidas e
passíveis de generalização, mas as que existem se distanciam
das opiniões simples que enfatizam as repercussões negativas
da migração, exacerbando os prejuízos e a rejeição a alguns
imigrantes.
Sendo assim, a maneira com que a comunidade dos
países desenvolvidos e não desenvolvidos lida, atualmente,
com os movimentos migratórios internacionais pode ser
considerada inadequada. A atitude concreta dos países
desenvolvidos constitui uma manifestação importante
das inconsistências entre o discurso e a prática liberal na
atual fase de globalização. Essa e as outras incongruências
mencionadas aqui devem fazer parte da agenda de trabalho
dos movimentos sociais progressistas e tornarem-se objetos
de advocacy, de conscientização, de mobilização social e
de reivindicação política. A eliminação dessas inconsistências certamente ajudaria na redução das brechas entre
países e promoveria a convergência econômica. Por outro
lado, a atitude dos países em desenvolvimento pode
também ser inadequada – na medida em que ela é hesitante,
ambígua e reativa. Para tirar partido das potencialidades
da migração, seria necessário uma gama de atitudes
proativas, baseadas na convicção de que a emigração é
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 3-22, jul./set. 2005
A GLOBALIZAÇÃO INACABADA: MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E POBREZA ...
A literatura especializada já identificou um grande
número de medidas que podem ser aplicadas – seja na
origem, no trajeto e na chegada, ou na integração entre
comunidades transnacionais – para reduzir significativamente as dificuldades reais que a migração ocasiona para
os migrantes e suas comunidades. Várias destas providências foram reiteradas no decorrer deste trabalho. Da mesma forma, à medida que as sociedades receptoras em que
se reconheça tanto a inevitabilidade como os benefícios
da migração.
A literatura especializada já identificou um grande
número de medidas que podem ser aplicadas – seja na
origem, no trajeto e na chegada, ou na integração entre
comunidades transnacionais – para reduzir significativamente as dificuldades reais que a migração ocasiona para
os migrantes e suas comunidades. Várias destas providências foram reiteradas no decorrer deste trabalho. Da mesma forma, à medida que as sociedades receptoras forem
se despindo de seu etnocentrismo e xenofobia, poderão
também adotar medidas mais eficazes e começar a apreciar as enormes vantagens que a migração lhes traz. Para
que isso aconteça, entretanto, é preciso livrar-se das atitudes ambivalentes que prevalecem, tanto na origem como
no destino, a respeito da migração.
Concluímos com uma recomendação da Cepal que nos
parece muito sensata:
tanto inevitável como potencialmente benéfica para o
desenvolvimento e a redução da pobreza.
A redução das barreiras migratórias nos países desenvolvidos estimularia uma maior intensidade e heterogeneidade de rotas migratórias, à medida que os deslocamentos internacionais se tornassem cada vez mais parte
da rotina, dentro de um mercado global de trabalho. Sem
embargo, a mobilização de movimentos sociais e de organizações políticas em favor da liberalização da migração internacional tem sido relativamente morosa – em parte
pela falta de consenso a respeito do significado social,
econômico e político dos movimentos migratórios alémfronteira.
Isso ocorre, em parte, porque a opinião pública e os
meios políticos destacam as características negativas da
imigração – sejam elas reais ou fictícias. De certa maneira, essa situação lembra a história das migrações ruralurbanas. Durante quase cinqüenta anos, a literatura nacional e internacional tem lamentado o “inchamento urbano”
e o “crescimento desordenado” das cidades latino-americanas, particularmente daquelas maiores e de maior crescimento absoluto. Essa metamorfose de sociedades rurais
e primárias para outras urbanas e dependentes dos setores
secundário e terciário tem sido, sem dúvida, rapidíssima.
Também tem sido realizada a um custo social enorme.
Como sempre, os setores mais pobres da sociedade foram
os que pagaram esse custo. Apesar disso, não há nenhuma
razão para acreditar que a situação estaria melhor se a urbanização rápida não tivesse ocorrido: muito pelo contrário.
Nesse sentido, é preciso sensibilizar aqueles que poderiam e deveriam tomar decisões tendentes a permitir que
a migração internacional jogasse um papel mais eficaz no
processo de desenvolvimento. Talvez seja esse o maior
desafio para os estudiosos e ativistas da área de migração, hoje – não tanto no detalhamento adicional das tendências e padrões já bastante conhecidos e analisados,
senão no desenvolvimento de argumentos que sejam capazes de conscientizar a sociedade civil e, por essa via,
mobilizar os tomadores de decisão a empreender ações
mais eficazes nessa área.
O argumento desenvolvido neste ensaio é o de que,
apesar de ser possível reconhecer negatividades reais e
significativas da migração internacional, estas são, no
cômputo geral, muito inferiores às vantagens e aos benefícios que aportam. Além disso, os aspectos negativos são
todos passíveis de serem minimizados, a partir do
momentoem que se reconheça tanto a inevitabilidade como
os benefícios da migração.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 3-22, jul./set. 2005
Em matéria de políticas de migração, a globalização fará
cada vez mais necessária a transição do “controle migratório” para a “gestão migratória” em um sentido amplo.
Isto não significa que os Estados abandonem sua atribuição
de regular a entrada de estrangeiros e supervisionar suas
condições de assentamento, senão aceitar formular políticas
razoáveis de admissão que contemplem a permanência, o
retorno, a reunificação, a re-vinculação, o trânsito nas
fronteiras e a mudança de pessoas a outros países (CEPAL,
2002, p. 267-8).
A implementação desta sugestão apressaria a formação de um “mercado global de trabalho” condizente com
o atual processo de globalização.
NOTAS
Uma versão anterior deste trabalho foi apresentada no Fórum Social
das Migrações – Porto Alegre, 23 a 25 janeiro 2005. Agradecemos os
comentários de Mary Garcia Castro e Rosana Baeninger.
19
GEORGE MARTINE
12. A dinâmica demográfica diferenciada na região latino-americana
permite prever algo similar no nível intra-regional. Ou seja, poderá haver uma aceleração desse movimento nas próximas décadas, devido às
diferenças entre os ritmos de crescimento demográfico e suas implicações para o crescimento da força de trabalho. Ademais, uma das características da transição demográfica na região é seu ritmo diferenciado
segundo os países. Em Cuba, o dividendo demográfico vai alcançar seu
nível máximo entre 2005 e 2010. Em comparação, Bolívia, Guatemala
e Nicarágua só vão chegar a isso depois de 2040. Como, ao mesmo tempo, o ritmo global de crescimento da região está diminuindo, é previsível que haja maior diferenciação entre os ritmos de crescimento das respectivas forças de trabalho. Na verdade, a diferença relativa entre essas
taxas está crescendo. As implicações dessas diferenças podem ser particularmente importantes no caso de países de alto crescimento que fazem fronteira com países de crescimento baixo ou negativo, por exemplo: Bolívia com Argentina e Brasil, ou Guatemala com México. Dependendo da forma concreta como segue o processo de integração econômica na região, as forças de atração e expulsão poderão ser mais ou
menos fortes e estas fronteiras poderão ser mais ou menos permeáveis à
migração. Ver Martine, Hakkert e Guzmán (2001).
1. Certos autores, como Milanovic (1999), até consideram que o atual
momento representaria, na realidade, o terceiro grande momento de
globalização na história mundial. Na perspectiva de Milanovic, a primeira era da globalização foi promovida pelo Império Romano; a segunda pelo Império Britânico, entre 1870 e 1914; e a atual, sob a
hegemonia dos EUA.
2. “‘O problema com a divisão especializada de trabalho entre nações’,
escrevia o historiador uruguaio Eduardo Galeano, ‘é que algumas nações se especializam em ganhar e outros em perder.’ Ele poderia ter
acrescentado que os ganhadores especializam-se em estabelecer regras
que asseguram que os perdedores vão ficar onde estão […] Enquanto
os países ricos pregam o evangelho do comércio livre, continuam sendo protecionistas inveterados [...] As tarifas enfrentadas pelos países
em desenvolvimento são cerca de um terço mais altas que aquelas enfrentadas pelos países industrializados. Mecanismos cada vez mais
elaborados excluem importações do terceiro mundo... As medidas protecionistas mordem mais, justamente nas áreas onde os países em desenvolvimento são mais competitivos, como têxteis, calçados e agricultura [...] A hipocrisia na área de agricultura é a mais óbvia. Os países industrializados subsidiam seus produtores agrícolas em $ 251bilhões anualmente, o que equivale a cerca da metade do valor da sua
produção agrícola. A União Européia e os Estados Unidos, que são as
superpotências agrícolas, restringem importações – estritamente. Enquanto isso, fazem “dumping” da sua sobre-produção agrícola, privando os países em desenvolvimento de seu quinhão do mercado... Isso
ameaça a sobrevivência de milhares de produtores de alimentos, que
não podem competir com as importações subsidiadas.”(WATKINS,
1999).
13. Cf. Chiarotti (2003), Petit (2003) e Mora (2002).
14. Esse segmento é baseado em Martine, Hakkert e Guzman (2001).
15. Doudou Diene, relator especial da ONU sobre direitos humanos,
segundo IPS Noticias, 12/11/04.
3. A estes sintomas deve ser acrescentado a recente nomeação de Paul
Wolfowitz, arquiteto americano do débâcle iraquiano, como Presidente
do Banco Mundial, numa tentativa óbvia de impor o modelo “economia de livre mercado radical”. Ver Paul Krugman, no artigo do New
York Times, reproduzido na Folha de S.Paulo, 19/03/05.
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5. Recorda-se que em 1980 e 1981, o Presidente da Reserva Federal
dos EUA, Paul Vocker, aumentou os juros de curto prazo em 20% para
combater a inflação americana; dessa forma, elevou drasticamente os
juros sobre muitos empréstimos internacionais, desacelerando a economia global.
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6. “As principais formas de migração internacional estão aumentando, mas a migração ilegal cresce mais rapidamente […] Os indicadores sugerem que os migrantes ilegais compõem agora um terço de todas as novas entradas aos países desenvolvidos, incluindo os Estados
Unidos – comparado com 20% há uma década” (USA/NATIONAL
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7. Informações apresentadas em La Nación, 06/11/04.
8. Nesse mesmo sentido, um trabalho apresentado pela OECD ao Earth
Summit 2002 argumentava que, se os EUA, a UE, o Canadá e o Japão
permitissem que os migrantes alcançassem 4% da sua força de trabalho, os retornos para as regiões de origem seriam de aproximadamente
160 a 200 bilhões por ano (THE GUARDIAN apud SKELDON, 2002,
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9. Em inglês, costuma-se dizer que os migrantes são relegados aos “three
Ds – dirty, dangerous and degrading” (i.e. - atividades sujas, perigosas e degradantes).
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Disponível em: <http://www.eclac.cl/>.
10. A este respeito, um relatório recente preparado para o legislativo
britânico rezava: “É injusto, ineficiente e incoerente que os países desenvolvidos dêem ajuda para que os não desenvolvidos alcancem as Metas
do Milênio nas áreas de saúde e educação e, ao mesmo tempo, se servem das enfermeiras, médicos e professores que foram capacitadas nos
países em desenvolvimento, às custas desses países” (U.K. 2004, p. 3).
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11. Essas informações foram publicadas em Le Nouvel Observateur,
5/11/04.
20
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Aprovado em 6 de abril de 2005.
22
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 3-22, jul./set. 2005
MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS DE E PARA O BRASIL CONTEMPORÂNEO: ...
MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS DE E
PARA O BRASIL CONTEMPORÂNEO
volumes, fluxos, significados e políticas
NEIDE LOPES PATARRA
Resumo: Os movimentos migratórios internacionais a partir de e para o Brasil constituem, hoje, uma importante questão social, que envolve grupos sociais específicos, majoritariamente não documentados, sujeitos à
ação de aproveitadores. A questão das remessas também tem sido alvo de especulação e iniciativas governamentais. Essa situação demanda – urgentemente – reformulação e implementação de políticas de imigração e
de emigração, bem como ações voltadas à implementação dos direitos humanos dos migrantes.
Palavras-chave: Migrações internacionais. Remessas. Políticas sociais.
Abstract: International migratory movements from and to Brasil nowadays constitutes an increasingly important
social question. It involves specific social groups, mainly non documented persons; submitted to the action of
speculators; remittances is also gaining space. It requires an urgent reformulation as well as an implementation
of public in-migration and out-migration policies as well as policies related to migrants human rights and
access to social services.
Key words: International migration. Remittances. Public Policies.
D
A crescente importância das migrações internacionais
no contexto da globalização tem sido, na verdade, objeto
de um número expressivo de contribuições importantes,
de caráter teórico e empírico, que atestam sua diversidade, significados e implicações. Parte significativa desse
arsenal de contribuições importantes volta-se à reflexão
sobre as enormes transformações econômicas, sociais,
políticas, demográficas e culturais que se processam em
âmbito internacional, principalmente a partir dos anos 80.
Como eixo de reflexão, situam-se as mudanças advindas
do processo de reestruturação produtiva1 – o que implica
novas modalidades de mobilidade do capital e da população em diferentes partes do mundo.2
No cenário da globalização, as recentes tendências de
movimentos migratórios internacionais também vêm
esde quando se tornou manifesto, há mais de três
décadas, o fenômeno da migração de brasileiros
para países desenvolvidos vem-se constituindo,
de maneira crescente, em tema relevante na produção científica, nas discussões políticas, na mídia falada e escrita,
no cancioneiro popular e, mais recentemente, em novela
de âmbito nacional.
Por outro lado, a publicação dos resultados amostrais
do Censo Demográfico de 2000, as séries de informações
levantadas pelo Ministério de Relações Exteriores e, principalmente, a turbulência dos primeiros anos do novo milênio passaram a reforçar a necessidade de reflexão, de
realização de um balanço do conhecimento e de incorporação de novas evidências empíricas sobre a inserção do
Brasil nos movimentos internacionais de população.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 23-33, jul./set. 2005
23
NEIDE LOPES PATARRA
comércio internacional e a Alca recrudescem ainda mais
os conflitos internos específicos da região.
Como estratégia de enfrentamento da situação adversa,
a conjuntura política aponta para a emergência de lideranças mais voltadas ao reforço regional conjunto do continente sul-americano. Por essa razão, no âmbito do Mercosul, a política externa do atual governo parece estar dirigida
ao fortalecimento do bloco de integração ampliado. Também o presidente Kirschner, na Argentina – país rival, mas
também aliado – parece favorecer maior dinamismo e um
avanço relativo nas políticas sociais que envolvem diretamente aqueles que se movimentam internamente nos países
do bloco. Esses deslocamentos se dão tanto por mudança
de residência; como por retorno a situações precárias
anteriores; circularidade; dupla residência ou permanências temporárias. Isso ocorre com famílias ou individualmente – com aumento da participação de mulheres – e
muitas vezes envolvem ações ilegais ou clandestinas.
demandando a reavaliação de paradigmas para serem melhor conhecidas e entendidas. Para tanto, tornam-se imprescindíveis a incorporação de novas dimensões explicativas e uma revisão da própria definição do fenômeno
migratório.3
Hoje, é extremamente importante considerar o contexto
de luta e compromissos internacionais assumidos em prol
da ampliação e efetivação dos Direitos Humanos dos
migrantes. É preciso reconhecer o novo, difícil e conflitivo
papel dos Estados Nacionais e das políticas sociais em
relação aos processos internacionais e internos de distribuição da população no espaço – cada vez mais desigual
e excludente. Há que se tomar em conta as tensões entre
os níveis de ação internacional, nacional e local. É de fundamental importância considerar que os movimentos migratórios internacionais constituem a contrapartida da
reestruturação territorial planetária – que, por sua vez, está
intrinsecamente relacionada à reestruturação econômicoprodutiva em escala global.
Além disso, acontecimentos recentes, como o 11 de
setembro nos Estados Unidos e sua estratégia militar
preventiva iniciada com a Guerra do Iraque, os conflitos
do Oriente Médio, as tensões entre comunidades de
imigrantes muçulmanos na Europa, entre outras manifestações das contradições e conflitos que permeiam a vida
coletiva neste início de século, reforçam as dimensões de
racismo e xenofobia.
No plano internacional, este é o momento decisivo para
a definição de quais países terão acesso ao desenvolvimento. Em outras palavras, é importante saber quais deles poderão lograr o desenvolvimento econômico e social
capaz de tirá-los da condição de eternos países em desenvolvimento. Nesse cenário, comparecem os países da
América do Sul, onde, nas décadas passadas – com exceções, mas de um modo geral – assistiu-se a processos de
democratização, embora as crises financeiras, o déficit
fiscal, as dívidas externas e internas, o estancamento do
processo produtivo, entre outras dimensões, tenham imprimido como contrapartida dessa dinâmica, o aumento
da pobreza, da desigualdade e da exclusão, distanciandoos ainda mais dos países do Primeiro Mundo.
Para superar a distância que a separa dos países desenvolvidos, a América do Sul desenvolve estratégias – e
muitas vezes oscila entre a obediência aos cânones
neoliberais e as tentativas de incrementar o resgate social
acumulado. Nesse contexto move-se o Mercosul, que já
há mais de uma década opera com oscilações, contradições e desafios, ao mesmo tempo que as discussões sobre
MODALIDADES DE MOVIMENTOS,
SIGNIFICADOS E GRUPOS SOCIAIS
ENVOLVIDOS
Na mídia, há reportagens, quase diariamente, sobre
brasileiros que migraram e vivem em outros países – particularmente nos Estados Unidos. O tema também foi tratado em telenovela recentemente transmitida em “horário
nobre”. Esses dois exemplos, entre outras evidências, ilustram a crescente visibilidade do tema; a consolidação de
fluxos migratórios; os procedimentos adotados para a entrada nos Estados Unidos – agora via México –; os riscos
que os migrantes correm; a violência e a corrupção dos
atravessadores; a mescla destes com o narcotráfico; o tratamento desigual para os “migrantes documentados” e os
chamados “migrantes irregulares”.
Cobertura jornalística recente tratou de várias dimensões dessas novas tendências e características do movimento de brasileiros rumo ao Primeiro Mundo. Foram
narradas as vicissitudes, dificuldades, desproteção, injustiças e até algum sucesso que cercam a vida cotidiana de
um grupo crescente – principalmente de jovens urbanos –, que parte de uma também crescente diversidade de
locais. Todos buscam inserir-se, de forma temporária ou
posteriormente em caráter definitivo, no país que, para eles,
parece ser o “sonho americano” (SALES, 2005; HARAZIM,
2005; MEDEIROS, 2005).
Há que se ressaltar, pelo oportuno, que na mesma edição do jornal publica-se reportagem a respeito dos recen-
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 23-33, jul./set. 2005
MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS DE E PARA O BRASIL CONTEMPORÂNEO: ...
savam a ser completamente distintos de tudo o que, sob a
mesma rubrica, sucedera no passado. Embora em menor
escala, o contexto dos movimentos internacionais que
envolviam o Brasil indicava a entrada de novos contingentes de estrangeiros, com características absolutamente distintas das dos movimentos anteriores;
tes imigrantes sul-americanos pobres, principalmente bolivianos, que adentram o país também em busca de melhores condições de vida, aspirando a ter direitos à saúde
e educação, mesmo como imigrantes também “ilegais”
(CAFARDO, 2005).
No mesmo dia, a Revista da Folha também se ocupou
com uma ampla cobertura a respeito dos imigrantes pobres que vieram recentemente ou que estão há mais tempo no Brasil. Relata suas vicissitudes, sua desproteção,
suas condições absolutamente precárias de habitação e
remuneração, a situação de seus filhos, entre outras dimensões.
Dez anos antes, em sua edição de outubro de 1995, o
jornal O Estado de S.Paulo anunciava em manchete de
primeira página, em letras garrafais: “Brasil exportou um
milhão de migrantes” (RABINOVICH, 1995). O autor da
matéria estampava em “furo jornalístico” os números que
estavam sendo debatidos num seminário em Brasília: tratava-se de um arredondamento de cifras projetadas mediante o uso do Censo Demográfico de 1991 (CARVALHO, 1996; OLIVEIRA et al., 1996). Ultrapassar a cifra
de um milhão parecia a configuração plena de uma nova
questão social.
Nos debates e nas publicações que se seguiram, estavam presentes algumas características percebidas a respeito de um fenômeno que estava se configurando pela primeira vez na história do país, ferindo os brios nacionalistas
e a imagem de país receptor: a saída de brasileiros para o
exterior.4 Delineava-se, também, no conjunto de contribuições, os entendimentos e os significados não só de saída
de brasileiros como da entrada de novos imigrantes.
Num resumo a respeito dos entendimentos e dessas
interpretações, cumpre ressaltar alguns pontos que permanecem como contribuições imprescindíveis para o debate atual:
- os movimentos migratórios internacionais de e para o
Brasil foram percebidos como inseridos na reestruturação
produtiva em nível internacional. Assim, a crise financeira, o estancamento do processo de desenvolvimento, o
excedente de mão-de-obra crescente, a pobreza, a ausência de perspectiva de mobilidade social, entre outras causas, estariam na raiz da nova questão social;
- com exceção do caso dos “brasiguaios”, percebia-se que
os migrantes não eram os mais pobres – em sua maioria,
os movimentos estavam atingindo os jovens adultos de
camadas médias urbanas;
- ao contrário de algumas análises conjunturais que associavam a saída de brasileiros à década perdida (anos 80)
ou à conjuntura do Governo Collor, esse estudo caracterizava a questão social como inerente à nova etapa da
globalização e afirmava que, portanto, esta tinha “vindo
para ficar”;
- percebia-se que, sob a rubrica migração internacional
aglutinavam-se processos e fenômenos distintos. Estes
envolviam tanto questões fundiárias não resolvidas (como
no já tradicional caso das migrações Brasil-Paraguai),
quanto percepções e anseios de grupos sociais específicos frente a uma mobilidade social truncada no país (como
no caso do “rumo ao Primeiro Mundo”), com tarefas remuneradas de baixa qualificação e manuais, porém muito
melhor remuneradas. Percebiam-se modalidades de movimentos populacionais emergentes no contexto do capitalismo internacional e próprias da globalização atual –
como a configuração do mercado dual da economia, a
entrada de pessoal técnico-científico qualificado, situações
de “fuga de cérebros”, entre outras;
- embora de diminuta expressão numérica, a entrada e saída
de pessoas do território nacional nunca cessou. Poder-seia dizer que o Brasil beneficiou-se da “invasão de cérebros”
vindos de países vizinhos, em grande parte dos quais
afugentados pelos regimes autoritários dos anos 70, bem
como a entrada de europeus, nos anos que se seguiram à
Segunda Guerra Mundial – que são, entre outros, exemplos
de pequeno, mas intermitente afluxo de estrangeiros;
- finalmente, percebia-se a emergente questão das
remessas – as transferências unilaterais no balanço de
pagamentos do Brasil – que já se apresentavam em
expansão. Na verdade, essas remessas cresceram expressivamente nos anos 90 e tiveram como pico o ano de
1992: de 834 milhões de dólares, em 1990, passaram para
1.556 bilhão, em 1991; 2.243, em 1992; 1.653, em 1993;
2.588, em 1994; e 3.076 bilhões de dólares, em 1995
(KLAGSBRUNN, 1996, p. 45).
- percebia-se não se tratar de uma inversão de tendência
- o Brasil não seria um país de imigração que passou a
ser de emigração. Em outras palavras, não teria passado
de receptor a expulsor de população. O contexto, o significado, os volumes, os fluxos, as redes e outras dimensões importantes, no contexto interno e internacional, pas-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 23-33, jul./set. 2005
25
NEIDE LOPES PATARRA
Em síntese, no primeiro balanço a respeito dos movimentos internacionais contemporâneos no Brasil delinearam-se modalidades distintas e específicas, com
envolvimento de distintos grupos sociais – o que, como
conseqüência, demandou um tratamento distinto na esfera
das políticas migratórias, na esfera das políticas sociais
voltadas aos migrantes e, no geral, de ações bilaterais de
proteção de seus direitos. Percebia-se nitidamente a
modalidade de movimento rumo aos Estados Unidos, ao
Japão, a países europeus – principalmente Itália, Alemanha
e posteriormente Portugal e Espanha. Também já se
percebia que o movimento que mais crescia era o direcionado aos Estados Unidos, onde as primeiras comunidades
de brasileiros já iam se constituindo. O entendimento da
emergência da migração internacional contemporânea não
excluía, é claro, a consideração da circularidade que
envolve grande parte dos deslocamentos populacionais,
nos quais, entre outras dimensões, as redes que se criam
propiciam e reforçam a continuidade dos fluxos que vão
se estabelecendo.
1996). Surpreendentemente, essas estimativas aproximavam-se dos registros que se iniciaram em 1996, levantados pelo Ministério de Relações Exteriores junto aos consulados e embaixadas brasileiras. De acordo com esses
documentos, o total de brasileiros registrados no exterior
era de 1.419.440 em 1996, elevando-se para 1.887.895
em 2000 e 2.041.098 em 2002, com ligeiro declínio em
2003, ano em que foram registrados 1.805.436 brasileiros vivendo fora do país.5
Embora tratando-se de um registro de informações específicas, sua seqüência permite apreender algumas características e tendências. Em primeiro lugar, pode-se
constatar que não se trata de “levas” de emigrantes, de
“diáspora brasileira” ou outros termos freqüentemente
usados pela imprensa e mesmo em alguns meios acadêmicos para referirem-se à questão social da saída de brasileiros. Mais que isso, os dados permitem levantar a hipótese da circularidade, comprovada por depoimentos e
pesquisas qualitativas e reforçada pela constatação da
existência de redes consolidadas – como, por exemplo,
no caso do Japão, e, mais recentemente, de atravessadores
que induzem a busca do “sonho americano” a preços que
variam de 10.000 a 20.000 dólares. Se considerarmos que
estimativas da ONU dão conta de 175 milhões de migrantes
ao redor do mundo, percebe-se que é ínfima a parcela de
brasileiros no contexto internacional contemporâneo das
migrações internacionais. A Tabela 1 resume os dados
obtidos, de acordo com o país de destino, nos anos mencionados.
Desde o início do movimento de brasileiros rumo ao
Primeiro Mundo, os Estados Unidos têm sido o principal
ESTIMATIVAS E TENDÊNCIAS DOS FLUXOS
MIGRATÓRIOS DE E PARA O BRASIL
Saída de Brasileiros
As primeiras estimativas quanto à saída de brasileiros
variaram, de acordo com os procedimentos utilizados, de
um saldo migratório mínimo de 1.042 milhão a um máximo de 2.480 milhões de pessoas (CARVALHO, 1996) e
em torno de 1,3 milhão de pessoas (OLIVEIRA et al.,
TABELA 1
Estimativas de Brasileiros Residentes no Exterior
1996-2003
País / Região
Total
1996
2000 (1)
2001
Nos Absolutos
%
Nos Absolutos
%
Nos Absolutos
2003
%
Nos Absolutos
%
1.419.440
100,00
1.887.895
100,00
2.041.098
100,00
1.805.436
100,00
Estados Unidos
580.196
40,87
799.203
42,33
894.256
43,81
713.067
39,50
Paraguai
350.000
24,66
454.501
24,07
369.839
18,12
310.000
17,17
Japão
262.944
18,52
224.970
11,92
262.510
12,86
269.256
14,91
Europa
135.591
9,55
197.430
10,46
332.164
16,27
291.816
16,16
Outros da América do Sul
49.444
3,48
37.915
2,01
91.649
4,49
111.705
6,19
Outros
41.265
2,91
173.876
9,21
90.680
4,44
109.592
6,07
Fonte: Ministério de Relações Exteriores. Registros Consulares. Brasília.
(1) O registro de brasileiros, no caso da América do Sul, nesse ano inclui apenas Argentina e Paraguai.
26
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 23-33, jul./set. 2005
MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS DE E PARA O BRASIL CONTEMPORÂNEO: ...
também tem sua dimensão simbólica (PATARRA;
BAENINGER, 2001). Os principais países receptores são
a Itália, com 16.775 pessoas em 1996, 65.196 em 2002 e
35 mil em 2003; Portugal, com 22.068 pessoas em 1996,
50.431 em 2001 e 70 mil em 2003; Espanha, com 12.026
em 1996, 13.371 em 2001 e 32 mil em 2003.
Outro fluxo de emigrantes com características históricas
decorrentes do processo migratório do início do século
20 é o de trabalhadores brasileiros descendentes de
imigrantes japoneses em direção ao Japão (SASAKI,
1998). Nesse caso, ocorre a fusão dos aspectos principais
dos fluxos anteriores: embora sempre movidos por estratégias econômicas, os traços culturais e étnicos, bem como
a rede de parentesco, são componentes decisivos na configuração e dinâmica do fluxo migratório (PATARRA;
BAENINGER, 2001). Constituindo-se no terceiro país na
hierarquia dos “recebedores”, o Japão comparece com
estimativas que vão de aproximadamente 263 mil pessoas,
em 1996; 224 mil, em 2000; 262 mil, em 2001; a 269 mil,
em 2003.
O país que tem permanecido como o segundo na hierarquia de recebedores constitui uma modalidade completamente distinta dos mencionados fluxos rumo ao Primeiro
Mundo. Os movimentos recentes das correntes migratórias
que transitaram e ainda transitam na divisa entre o Brasil
e o Paraguai estão intrinsecamente relacionados à constituição da fronteira entre esses dois países, principalmente
no que diz respeito às suas fronteiras agrícolas. Historicamente, essa fronteira foi marcada por uma série de lutas e batalhas que abrangiam não só os Estados nacionais
como também as populações locais e as grandes empresas comerciais. Em período recente, a construção da
hidroelétrica, a extensão urbana de imigração de brasileiros no Paraguai e a extensão do contrabando e do
narcotráfico consolidaram a configuração de uma área de
conflitos, mas também de estruturação dos translados entre as populações dos dois países. Assim, certa troca e
retorno de brasileiros apenas evidencia a dinâmica iniciada principalmente nos anos 60.7 O registro de brasileiros
no Paraguai indica, em 1996, 350 mil pessoas, passando
para 454.501 em 2000, declinando para 262.510 em 2001,
e 269 mil em 2002, elevando-se novamente em 2003, com
325.400 brasileiros registrados nos diversos consulados.
país recebedor, registrando aproximadamente 580 mil brasileiros em 1996, 800 mil já em 2000, 894 mil em 2001 e
713 mil em 2003.6 Esse país tem sido, de fato, o destino
de um expressivo volume de brasileiros, em sua maioria
jovens e pertencentes à classe média, que entram clandestinamente e se ocupam em trabalhos não qualificados que,
ao contrário do que aconteceria em seus países de origem,
propiciam-lhes um orçamento maior e a possibilidade de
formar uma certa poupança.
Ocorre que, possuindo um perfil diferenciado dos demais migrantes clandestinos (MARTES, 1999), os brasileiros encontram espaço para assumir trabalhos secundários, tais como balconistas, garçons, serviços domésticos
e afins – trabalhos esses que são rejeitados pelos brancos
e muitas vezes não são acessíveis aos negros. Outro aspecto desse fenômeno é que de fato esses migrantes se
sujeitam a um rebaixamento de seu status social em prol
da recompensa financeira imediata, uma vez que, no Brasil, a falta de oportunidade de emprego e o longo período
de recessão econômica bloqueiam sua ascensão social. Assim, a imigração torna-se uma boa estratégia econômica,
a partir da qual as redes de relações são formadas e
fortalecidas e fomentam ainda mais o fluxo migratório.
Há uma verdadeira “explosão” de migrantes brasileiros
que, mediante a compra de um “pacote”, tentam passar
pelas fronteiras do México, vivendo situações arriscadas
e muitas vezes violentas, nessa travessia rumo ao país de
seus sonhos. De acordo com a imprensa, uma vez cruzada
a fronteira, não serão presos e, com “jeitinho”, acabam
ficando por lá: uns, amealhando os dólares para investir
no Brasil; outros, para residir permanentemente fora de
casa (SALES, 2005).
Já a emigração brasileira para a Europa deve-se, em
grande parte, a fatores históricos e culturais decorrentes
do próprio processo migratório brasileiro que, até pouco
tempo atrás, caracterizava-se como receptor de população, com predominância dos fluxos provenientes de Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, entre outros. De um modo
geral, o perfil dos emigrantes que se dirigem à Europa assemelha-se ao dos que se dirigem aos Estados Unidos, embora, neste caso, parece que traços culturais constituem
dimensão importante na decisão de migrar. A isso se soma,
em quantidade difícil de mensurar, a emigração de mulheres que para lá se dirigem muitas vezes iludidas, em
busca de sua inserção em atividades de lazer, ou entrando
na prostituição; atividades domésticas são também um
possível atrativo; e a crescente saída dos jogadores de
futebol, apesar de quantitativamente menos representativa,
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 23-33, jul./set. 2005
Entrada de Estrangeiros
No que concerne à entrada de estrangeiros no país, os
dados censitários ainda apresentam maior dificuldade de
27
NEIDE LOPES PATARRA
dos no Mercosul Ampliado,8 respondendo por cerca de
40% dos imigrantes internacionais, seguidos dos imigrantes da Europa (mais de 20%), Ásia (12,5%) e América do
Norte (9,1%). Essas evidências indicam, por um lado, que
o país aumentou sua inserção nas migrações do Mercosul;
por outro, houve uma relativa retomada das migrações de
ultramar, com fluxos de Europa e Ásia. Ressalte-se ainda
que a imigração internacional norte-americana recente está
relacionada à alocação temporária de mão-de-obra qualificada9 (PATARRA; BAENINGER, 2004a; 2004b).
Além disso, informações recentes sobre pedidos de
concessão de vistos específicos do Ministério do Trabalho e Emprego no Brasil revelam que, entre 1993 e 1996,
foram concedidas 45.827 autorizações; entre 1997 e 1999
foram concedidas 49.888; e, entre janeiro e junho de 2000,
foram concedidas 9.496 autorizações – a maior parte das
quais a estrangeiros de países europeus (mais de 30%)
seguidas de autorizações a pessoas oriundas dos Estados
Unidos e Canadá, em torno de 20% (BAENINGER;
LEONCY, 2001). Esses dados estão permitindo trabalhar
com a hipótese da configuração de um mercado dual de
imigrantes: com os pobres não documentados – oriundos
principalmente de países sul-americanos – e, em menor
número, imigrantes documentados, mão-de-obra qualificada, empresários e pessoal de ciência e tecnologia – de
origem européia e americana.
A Pastoral do Migrante trabalha, hoje, com uma estimativa de 1,8 milhão de estrangeiros no país; esse dado contrasta fortemente com as informações do Ministério da Justiça. Neste caso, o número estimado de estrangeiros teria,
após uma estabilidade de dez anos, baixado de 1 milhão
para 830 mil, e São Paulo concentraria mais da metade desse
total: 440 mil, seguido do Rio, com quase 200 mil (O Estado
de S.Paulo, 20 maio 2005, Caderno Vida, p. A-22).
estimativa: realmente, esta é uma tarefa desafiadora. Ao
longo do século 20, pôde-se verificar um forte declínio
em sua participação no total da população, considerandose o total de estrangeiros residentes no país nos levantamentos censitários – o chamado “estoque de imigrantes”.
Nas últimas décadas do século, eles atingiam um total de
912 mil em 1980, decrescendo para 767.781 (0,52% da
população total do país) em 1991, e 651.226 (0,38%) em
2000 (Tabela 2). Na verdade, grande parte desse contingente é formada pelos sobreviventes dos grandes fluxos
das etapas anteriores (PATARRA; BAENINGER, 2004b).
TABELA 2
População Estrangeira e População Total
Brasil – 1900-2000
Ano
População Estrangeira
(Nos Absolutos)
(A)
População Total
Brasil (Nos Absolutos)
(B)
Proporção de
Estrangeiros
(A/B) (%)
1900
1.074.511
16.364.923
6,16
1920
1.565.961
29.069.644
5,11
1940
1.406.342
39.752.213
3,42
1950
1.214.184
50.730.213
2,34
1970
1.229.128
91.909.909
1,32
1980
912.848
118.089.858
0,77
1991
767.781
146.825.475
0,52
2000
651.226
169.799.170
0,38
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1900 a 2000.
Os dados censitários também permitem observar a
entrada de novos imigrantes em seus respectivos períodos
intercensitários. Nas duas últimas décadas do século 20,
verifica-se a entrada de 89.235 pessoas no período 19811991 e 98.514 pessoas no período 1990 e 2000 (Tabela 3).
Constata-se, também, a entrada de novos contingentes
de estrangeiros, embora em volumes bem mais reduzidos
do que no passado. O Censo Demográfico 1991 registra
uma população estrangeira de 606.631 pessoas – o que
corresponde a 0,41% da população residente no país; o
de 2000, com ligeira elevação pela entrada de novos migrantes, registra 683.380 pessoas – mesmo assim, corresponde a apenas 0,40% de seu total populacional. Essas
cifras, sem dúvida, subestimam o contingente de imigrantes que entra no país nos períodos intercensitários (Tabela 2).
Os países de nascimento desse contingente que passou
a residir no Brasil nessas décadas estiveram concentra-
POLÍTICAS MIGRATÓRIAS E POLÍTICAS
SOCIAIS NO TRATO COM MIGRANTES
INTERNACIONAIS
A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada em 1994 no Cairo, na seqüência de
Conferências da ONU nos anos 90, da qual o Brasil é signatário, apresenta, no capítulo X de seu Programa de Ação,
a questão das migrações internacionais.10
Na formulação da problemática, o documento considera as migrações internacionais contemporâneas interrelacionadas ao processo de desenvolvimento, destacando a pobreza e a degradação ambiental, aliadas à ausência
28
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 23-33, jul./set. 2005
MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS DE E PARA O BRASIL CONTEMPORÂNEO: ...
TABELA 3
População Imigrante Internacional, segundo País de Nascimento
Brasil – 1981-2000
Imigrantes
(Nos Absolutos)
País de Nascimento
1981-1991
Distribuição Relativa
(%)
1990-2000
1981-1991
1990-2000
Incremento Relativo
(%)
1981-1991/1990-2000
TOTAL
89.235
98.514
100,00
100,00
9,42
Mercosul
18.303
23.068
20,51
23,41
20,56
Argentina
8.879
8.005
9,95
8,12
-10,92
Paraguai
5.319
11.692
5,96
11,86
54,51
-21,77
Uruguai
4.105
3.371
4,60
3,42
35.747
37.727
40,06
38,30
5,25
Argentina
8.879
8.005
9,95
8,12
-10,92
Paraguai
5.319
11.692
5,96
11,86
54,51
Mercosul Ampliado
Uruguai
4.105
3.371
4,60
3,42
-21,77
Chile
6.864
2.060
7,69
2,09
-233,20
Bolívia
8.022
7.615
8,99
7,72
-5,34
Peru
2.558
4.984
2,86
5,05
48,68
América do Sul / Central
5.209
6.763
5,83
6,86
22,98
América do Norte
8.029
9.008
9,00
9,14
10,87
Europa
24.532
22.874
27,49
23,21
-7,25
África
2.517
4.466
2,82
4,53
43,64
Ásia
18.205
12.361
20,40
12,55
-47,28
3.361
4.822
3,76
4,89
30,30
45
260
0,05
0,26
82,69
635
233
0,71
0,23
-172,53
Japão
Oceania
Outros / Sem Especificação
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000 (tabulações especiais, Nepo/Unicamp apud PATARRA; BAENINGER, 2004).
de paz e segurança, e as situações de violações de direitos humanos como dimensões decisivas para o Plano de
Ação.
O documento ressalta os efeitos positivos que a migração internacional pode assumir, tanto para as áreas de
destino como para as áreas de origem. Para isso, incita os
governos a analisarem as causas da migração, na tentativa de transformar a permanência num determinado país
em opção viável para todos. No que se refere às remessas, preconiza seu incentivo mediante políticas econômicas e condições bancárias adequadas. Além disso, incentiva a migração temporária e o reforço do regresso
voluntário de migrantes, e também enfatiza a necessidade de dados e informações adequadas.
São considerados três tipos de migrantes internacionais: migrantes documentados, migrantes não-documentados e refugiados/asilados. Quanto aos migrantes com
documentação, os governos dos países recebedores de-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 23-33, jul./set. 2005
vem considerar a possibilidade de lhes conceder, bem
como aos membros de suas famílias, um tratamento regular igual ao concedido aos seus próprios nacionais, no que
diz respeito aos direitos humanos básicos.
Quanto aos migrantes não-documentados, recomendase a implementação de ações que visem: reduzir seu número;
evitar exploração e proteger seus direitos humanos básicos;
prevenir o tráfego internacional com migrantes; e protegêlos contra o racismo, o etnocentrismo e a xenofobia.
Finalmente, o documento apela aos governos para que
tomem medidas apropriadas para resolver conflitos, promovendo a paz e a reconciliação; que tenham respeito pelos
direitos humanos e independência individual, assim como
pela integridade territorial e a soberania dos Estados; e
que aumentem seu apoio às atividades internacionais destinadas a proteger e a apoiar refugiados e migrantes. Os
refugiados devem beneficiar-se do acesso a alojamento
adequado, educação, contando com serviços de saúde que
29
NEIDE LOPES PATARRA
incluam planejamento familiar e outros serviços sociais
necessários.
No Brasil, o Ministério das Relações Exteriores vem
desenvolvendo ações sistemáticas de apoio consular aos
brasileiros que vivem no exterior no que se refere à atualização de documentos, abertura dos consulados para a
comunidade migrante, estímulo à formação de conselhos
consulares com participação de cidadãos brasileiros que
vivem fora do país (CNPD, 2001). Um prenúncio de formulação explícita de políticas públicas para a emigração
pode ser considerado no documento produzido no I Encontro Ibérico da Comunidade de Brasileiros no Exterior,
do qual resultou o Documento de Lisboa.11
É interessante considerar a lista de propostas finais
aprovadas nesse Encontro, que inclui os elementos para
a formulação de políticas públicas para a emigração, representação política para os emigrantes brasileiros, elaboração do estatuto dos brasileiros no exterior, situação
de consulados e embaixadas brasileiras, além de apoio
ao repatriamento, recadastramento eleitoral, reforço dos
consulados itinerantes e assessoria jurídica a emigrantes.12
No entanto, há que se registrar um viés econômico no
trato com os emigrados. Na introdução desse documento,
avalia-se entre 2 e 3 milhões de brasileiros vivendo no
exterior, e já se menciona a questão das remessas – tema
que, como já vimos, tem sido crescentemente discutido
nos fóruns e debates a respeito dos grandes movimentos
migratórios internacionais contemporâneos. Nesse caso,
a questão das remessas é colocada como ponto de partida
e sua justificativa se garante, em primeiro lugar, em nome
da economia brasileira e, em segundo, pela questão social, pois considera-se que
promover a educação financeira, fomentar o impacto desses
fundos ao oferecer mais opções financeiras para as famílias
receptoras de remessas e suas comunidades (<http://
www.iadb.org.mif>). 13
As autoridades vêm gradativamente se manifestando
mais abertamente sobre o interesse desse montante de
divisas para a economia nacional: percebe-se que o Brasil
entrou no rol dos países com altos índices de remessas –
estimada em US$ 5,8 bilhões em 2003.14 Destes últimos
5 bilhões que entraram no Brasil, o Japão é responsável
por 3 bilhões; os USA, por 1 bilhão; e a Europa, por 1
bilhão – sendo que a metade desse volume vem de Portugal.
Esse montante representa 7% das exportações brasileiras,
que somaram 73 milhões, em 2003 – e é maior do que
qualquer produto de exportação. Nesse último ano, as
remessas são superiores às exportações de soja (4,29
bilhões), e bem mais elevadas do que os produtos tradicionais como o café (1,3 bilhão) e calçados (1,62 bilhão)
(ROSSI, 2005), ou seja, como havia constatado Klagsbrunn
(1996), o emigrante continua sendo o maior produto de
exportação do Brasil.
Comemorando essa cifra que teria entrado no país em
parte pelo Banco do Brasil e em outra trazida pessoalmente
ou enviada por parentes e amigos,15 uma autoridade do
Itamaraty manifestou-se, em tom jocoso: os brasileiros que
vivem no exterior são compatriotas que deveriam ser recebidos com tapete vermelho, champanhe e caviar (Folha de S.Paulo, 4 jul. 2004).
Estrangeiros no Brasil
No que se refere à entrada de estrangeiros no Brasil,
há que se registrar que o controle da imigração é uma atribuição de três ministérios: da Justiça, das Relações Exteriores e do Trabalho e Emprego. Ao Ministério da Justiça
compete, essencialmente, o controle dos estrangeiros após
sua entrada em território nacional e a aplicação da política de imigração – desde a concessão de visto, prorrogações, transformações de vistos, permanência, até medidas
menos “simpáticas”, como a extradição.
A política imigratória atual é orientada pela Lei no
6.815, de 19 de agosto de 1980, que desde o início de sua
vigência vem sendo alvo de críticas no país. A lei criou
ainda o Conselho Nacional de Imigração – CNI, órgão
presidido pelo Ministério do Trabalho e Emprego, com
representantes de vários outros ministérios, órgão de classe
e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC.
Do ponto de vista da economia brasileira [...] a emigração
é responsável pela remessa unilateral de cerca de dois
bilhões de dólares anuais para o Brasil, contribuindo significativamente para diminuir o desequilíbrio da balança de
pagamentos e, do ponto de vista social, para inclusão no
mercado consumidor das famílias beneficiadas por essas
remessas (Documentos de Lisboa, grifos da autora).
Também é interessante registrar que o Fundo Multilateral de Inversões – Fomin, do Banco Interamericano de
Desenvolvimento – BID, vem realizando um
esforço conjunto com agentes governamentais, o setor
privado e ONGs, instituições financeiras e outras, para
aumentar a consciência da importância desses fluxos;
aumentar a competição para diminuir os custos de remessas;
30
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 23-33, jul./set. 2005
MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS DE E PARA O BRASIL CONTEMPORÂNEO: ...
O CNI, por meio de 49 resoluções, orienta a política
imigratória que, neste momento, privilegia a imigração sob
o ponto de vista da assimilação da tecnologia, investimento
de capital estrangeiro, reunião familiar, atividades de assistência, trabalho especializado e desenvolvimento científico, acadêmico e cultural (BARRETO, 2001).
Destaca-se ainda, na condução da política imigratória
brasileira, o trabalho desenvolvido pelo Comitê Nacional
para os Refugiados – Conare , vinculado ao Ministério da
Justiça, que tem por finalidade a condução da política nacional sobre refugiados.
Cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego estabelecer diretrizes e orientações de caráter geral no que concerne
à autorização de trabalho a estrangeiros, com observância dos preceitos da Lei no 6.815/80 que define sua situação jurídica no país.16
Esse conjunto de dispositivos caracteriza o Brasil como
um dos países mais restritivos quanto à imigração de estrangeiros. É interessante considerar as discussões a respeito no âmbito do governo do Mercosul, onde houve tentativas para harmonizar as políticas migratórias dos
países-membros com vistas à livre circulação de trabalhadores no contexto da abertura comercial; nesse fórum, a
posição brasileira tem-se mantido inalterada.
Outra dimensão que vem surgindo com ímpeto é a questão do acesso dos imigrantes não documentados e seus
familiares aos serviços públicos no Brasil. Sabe-se que,
no Brasil, crianças e adolescentes estrangeiros ou filhos
de estrangeiros em situação ilegal nem sempre conseguem
lugar em escolas públicas. No Fórum Social das Migrações, realizado em Porto Alegre, em janeiro de 2005, discutia-se o acesso desses migrantes às políticas universalistas – saúde e educação – constatando-se que o Sistema
Único de Saúde – SUS é o único programa que, por sua
regulamentação universalista, possui o respaldo de atendimento a todos, indistintamente.
No Brasil, os estados têm relativa autonomia no que se
refere ao acesso de imigrantes e/ou seus filhos ao ensino
público fundamental. No entanto, no plano jurídico, a
Constituição Brasileira, de cunho universalista, contrapõese ao Estatuto do Estrangeiro, que é mais restritivo. Muitas vezes, o jovem pode freqüentar a escola, mas esta não
pode emitir certificados de conclusão.17
Todas essas constatações a respeito dos movimentos
migratórios internacionais a partir de e para o Brasil
indicam fortemente a urgência de tratamento de uma
problemática emergente que demanda análise, entendimento e monitoramento. Isso significa reformulação e
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 23-33, jul./set. 2005
ampliação das políticas e ações frente à nova situação, para
alterar seus pressupostos, tomar em conta as especificidades dos fluxos e dos grupos sociais envolvidos,
defender os indivíduos de atravessadores, ampliar seu
escopo para dar conta dos direitos humanos dos migrantes
e suas famílias. Sob a égide da Conferência sobre Direitos
Humanos, o tratamento dos migrantes internacionais
circunscreve-se no âmbito da articulação entre soberania
nacional, democracia, direitos humanos e direitos ao
desenvolvimento. O desafio consiste em transformar os
compromissos assumidos internacionalmente em programas e práticas sociais condizentes com a articulação
proposta – síntese das contradições, conflitos e antagonismos intensificados neste início de século. A migração
internacional, que é a contrapartida populacional desse
contexto globalizado, representa hoje a transformação da
herança alvissareira do século 20 e um grande desafio para
o século 21.
NOTAS
1. Veja-se, entre outros: Harvey (1993), Piore (1979), Benko e Lipietz
(1998).
2. Veja-se Sassen (1988).
3. É bastante expressivo o montante e a qualidade da produção de
demógrafos e especialistas em Estudos Populacionais sobre o tema.
Mesmo com risco de apresentar lacunas, é importante mencionar o trabalho da Comissão de Migração Internacional da União Internacional
para o Estudo da População – IUSSP. Cf., entre outros, Massey et al.
(1993); a produção mexicana, consistente e numerosa, expressa-se nas
variadas publicações da Somede; sugestivo também, o recente texto
de Canales (2003). Um bom balanço da produção bibliográfica encontra-se em Assis e Sasaki (2001); contribuições posteriores mais significativas são mencionadas ao final.
4. À exceção de estudantes e casos isolados de profissionais de algumas áreas de ponta, a saída de brasileiros só existira durante o regime
militar, com os refugiados políticos e expulsos do país.
5. O registro de brasileiros no exterior constitui um levantamento do
Ministério das Relações Exteriores junto aos consulados e embaixadas brasileiras. Iniciou-se, em 1996, e já tivemos acesso a quatro levantamentos: além do primeiro, outros em 2000, 2001 e 2003. Cabe
registrar aqui que não se trata de estatísticas públicas, mas sim de um
levantamento administrativo interno; os próprios funcionários do
Itamaraty são muito cautelosos no que se refere ao uso desses dados
como uma quantificação precisa dos emigrantes brasileiros.
6. Nos últimos meses, a entrada de brasileiros nos Estados Unidos via
México vem sendo amplamente noticiada e alardeada; na verdade,
parece haver um afluxo mais intenso, possivelmente conjuntural e induzido. A mídia menciona a cifra de 800 mil a um milhão de brasileiros aí residindo, a maioria clandestinamente.
7. O caso dos movimentos populacionais entre Brasil e Paraguai tem
sido amplamente estudado. Entre outros estudos, veja-se Palau (1995,
1996 e 1997) e Sprandel (1992 e 1998).
8. Considera-se, além da Argentina, Paraguai e Uruguai, também Chile, Bolívia e Peru.
31
NEIDE LOPES PATARRA
9. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Relações do Trabalho (SRT)/Coordenação de Imigração (CGI), CNPD, (2000).
BENKO, G.; LIPIETZ, A. As Regiões Ganhadoras. Portugal: Celta
Ed., 1998.
10. No âmbito das negociações que cercaram a conferência e que se
encaminharam para o relatório final, dava-se ênfase às questões relacionadas à saúde reprodutiva e seus desdobramentos temáticos; no
entanto, a questão das migrações internacionais geraram sempre fortes tensões entre os representantes dos países de origem e os dos países receptores, em grande parte identificados com movimentos internacionais de países pobres para países ricos. Nesse capítulo, o relatório reflete essas tensões, caracterizando-se por ambivalências, contradições e inexeqüibilidades. Apesar disso, constitui-se, como todos os
relatórios das conferências da ONU, num referencial básico para discussões de ações e políticas no plano internacional, bem como norteador
de financiamentos para pesquisa e, muitas vezes, ação.
CAFARDO, R. Educação, um direito do imigrante. O Estado de
S.Paulo, São Paulo, 20 mar. 2005. Caderno Vida, p. A-22.
CANALES, A. Demografía de la desigualdad. El discurso de la
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2003. p. 43-86.
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PATARRA, N.L. (Coord.). Migrações Internacionais Herança XX
Agenda XXI. Campinas: FNUAP, 1996. p. 217-226.
11. O encontro foi promovido pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal – PRDC/MPF, com apoio organizacional da Casa do Brasil de Lisboa e a colaboração da Cáritas
Portuguesa, da Cáritas Brasileira, da Obra Católica Portuguesa de
Migrações e da Pastoral dos Brasileiros no Exterior da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil, sob patrocínio do Banco do Brasil.
CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra,
1999.
CNPD. Migrações internacionais – Contribuições para políticas.
Brasília, DF: 2001.
12. Há que se assinalar que, no já mencionado levantamento consular
do Itamaraty de 2003, registra-se pela primeira vez a situação regular
e irregular dos brasileiros no exterior, bem como os detentos nos respectivos países.
FNUAP. Resumo do Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento. Brasília. [s/d].
13. No Brasil, a iniciativa vem sendo organizada em conjunto com a
Fundação Getúlio Vargas, com projeto coordenado pela pesquisadora
Dra. Ana Cristina Braga Martes.
HARAZIM, D. Uma semana de cão. O Estado de S.Paulo, São
Paulo, 20 mar. 2005. Caderno Aliás, p. J5.
HARVEY, D. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1993.
14. De acordo com os dados do BID, as remessas para o Brasil aumentaram significativamente, somando 2,6 bilhões, em 2001; 4,6 bilhões,
em 2002; e 5,2 bilhões, em 2003.
KLAGSBRUNN, V.H. Globalização da economia mundial e
mercado de trabalho: a emigração de brasileiros para os Estados
Unidos e Japão. In: PATARRA, N.L. (Coord.). Migrações Internacionais Herança XX Agenda XXI. Campinas: FNUAP, 1996.
p. 33-48.
15. O registro consular do Ministério das Relações Exteriores aponta,
para 2003, 1,8 milhão de brasileiros vivendo no exterior. No entanto,
o próprio Ministério chegou a uma estimativa de 2,5 milhões de emigrantes considerando estatísticas elaboradas pelos países que acolhem
os brasileiros e dados referentes à movimentação consular dos brasileiros ilegais. Quanto às estimativas das remessas, o Banco do Brasil
registrou o envio de 2,9 bilhões e o restante são quantias trazidas pessoalmente ao país ou enviadas por amigos.
MARTES, A.C.B. Brasileiros nos Estados Unidos: um estudo sobre
imigrantes em Massachusets. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
MASSEY, D. et al. Worlds in Motion: understanding international
migration at the end of the millenium. Clarendon, Press Oxford,
1993.
16. Veja-se um levantamento sobre as atribuições dos Ministérios, bem
como sobre as informações por eles obtidas e a regulamentação jurídica que informa essa atuação em Baeninger e Leoncy (2001).
MEDEIROS, J. Brasileiros nos Estados Unidos: sinal amarelo. O
Estado de S.Paulo, São Paulo, 20 mar. 2005. Caderno Cidades/
Metrópoles, p. C3.
17. Seminário 10 – Políticas Públicas. Fórum Social das Migrações
(Porto Alegre, 23 a 25 de janeiro de 2005).
OLIVEIRA, A.T. de. et al. Notas sobre a migração internacional no
Brasil na década de 80. In: PATARRA, N.L. (Coord.). Migrações
Internacionais Herança XX Agenda XXI. Campinas: FNUAP, 1996.
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 23-33, jul./set. 2005
Artigo recebido em 17 de maio de 2005.
Aprovado em 1 de junho de 2005.
33
ROSA ESTER ROSSINI
A MEMÓRIA CONGELADA DO IMIGRANTE
a solidariedade intergeracional dos japoneses e
dos nikkeis no Brasil e no Japão atual
ROSA ESTER ROSSINI
Resumo: O artigo discute a solidariedade intergeracional dos migrantes japoneses e seus descendentes no Brasil, incluindo-se os nikkeis que retornaram para o Japão. Discute também a atual solidariedade existente entre
os japoneses residentes no Japão, que não migraram para o Brasil.
Palavras-chave: Migração. Dekasseguis. Solidariedade.
Abstract: The article discusses the Japanese intergenerational migrants' solidarity and their descendants in
Brazil, being included the Nikkeis that came back to Japan. It's also discussed the current existent solidarity
among resident Japanese in Japan, that didn't migrate to Brazil.
Key words: International migration. Remittances. Public Policies.
A
eram inferiores a 32 óbitos por 100 mil habitantes, atingindo o patamar de 125 óbitos em 1999. O número de
óbitos de mulheres na mesma faixa etária era de 3 em 1980,
passando a 7 por 100 mil habitantes em 2002 (FUNDAÇÃO SEADE, 2004).
A questão do desemprego/desocupação ocupa a atenção de todos os pesquisadores e das autoridades governamentais. Foram incrementadas algumas políticas como a
do Primeiro Emprego, mas os resultados ainda são insuficientes em relação à demanda. As pessoas jovens não encontram trabalho porque têm que ter experiência. As pessoas com mais de 40 anos não encontram trabalho porque
são consideradas velhas.
Devido à modernidade tecnológica, o mercado de trabalho se encolhe. Destaque-se que 70% dos bancários
perderam os postos de trabalho nos últimos 15 anos. A
saída é o setor terciário, em atividades informais (vendedor ambulante de tudo, desde frutas a eletroeletrônicos).
Há também alguma chance como trabalhador autônomo,
vendendo sua força de trabalho como elemento especializa-
população brasileira, nas últimas décadas, perdeu o ritmo histórico de crescimento, passando
de 2,1% ao ano na década de 80 para 1,5% ao
ano no período de 1990-2000 (IBGE, 2001; 2003a).
Hoje, além da pobreza, são muitas as linhas de atenção
das pesquisas. Dentre elas destacamos:
- o aumento proporcional e numérico de idosos na população total. A população com 60 anos e mais correspondia,
em 2000, a quase 9% do total (há municípios que chegam
a 20%; no distrito da Consolação, na cidade de São Paulo, era de 21% em 2004);
- a gravidez na adolescência;
- a morte de pessoas ainda jovens, do sexo masculino, na
faixa de 15 a 39 anos, motivada por arma de fogo (chacina, extermínio), drogas e acidentes de trânsito, em particular de moto.
Na pirâmide populacional da cidade de São Paulo já
pode ser identificada uma espécie de “dentes falhados”
do lado masculino, nessa faixa etária. Em 1982, as taxas
34
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 34-43, jul./set. 2005
A MEMÓRIA CONGELADA DO IMIGRANTE: A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL ...
Com a restauração Meiji (1868), a massa de desempregados aumentou em virtude da crise econômica e do
desemprego real e potencial intensificado pela baixa produtividade agrícola e industrial. As medidas de modernização tomadas provocaram tensões sociais que redundaram na saída dos excluídos (YOSHIOKA, 1995).
Nessa época, a política imigratória brasileira convocava braços para a lavoura cafeeira, enquanto a política
japonesa era a de apoiar os migrantes como pequenos proprietários.
Os primeiros migrantes (1908-1923) eram basicamente de origem rural e foram encaminhados para as fazendas de café (165 famílias – 786 pessoas).
Bastaram algumas semanas para os japoneses perceberem que o país que haviam escolhido pouco ou nada
tinha a ver com o “Eldorado” que as agências encarregadas de organizar a imigração lhes haviam prometido no
Japão. Estavam em um lugar cuja língua não entendiam,
conviviam com um clima diferente, com gente que tinha
costumes, religião e até rostos diferentes dos deles. O remédio era conformar-se, comer pouco, vestir-se mal e
economizar dinheiro para o retorno. Ledo engano. O sonho, em sua maioria, não se realizou (FAUSTO, 1998).
O segundo período (1924-1941) foi o de destinação
principal dos migrantes para núcleos coloniais, e com forte
apoio do governo japonês.
As rígidas restrições impostas nos anos de guerra (em
particular na 2a Grande Guerra) aos japoneses residentes
no Brasil tinham sido apenas um capítulo a mais no calvário
de provações vividas por eles desde a época dos primeiros migrantes. As autoridades tinham preocupação com a
formação de quistos; o governo estabeleceu o sistema de
cotas em 1930; proibiu também o funcionamento de escolas de língua japonesa e levou à prisão aqueles que “desobedeciam” as normas estabelecidas. Acrescentem-se
ainda os problemas criados entre os migrantes com a nãoaceitação da derrota do Japão na 2a Guerra Mundial.
O terceiro e último período, nos meados do século 20,
foi realizado via imigração planejada ou livre, viabilizada
pela iniciativa particular de japoneses residentes no Brasil por meio das redes de parentesco e amizade, e pela
chamada de órgãos diversos – como a Sociedade Paulista
de Sericicultura, a Cooperativa Agrícola de Cotia, etc.
De 1908 a 1972, cerca de 250 mil pessoas de origem
japonesa chegaram ao Brasil. Desse total, 75% radicaramse no Estado de São Paulo.
Na cidade de São Paulo, os bairros étnicos representaram um fator de intimidade e segurança, em meio às vi-
do, por alguns meses no ano. A pessoa terá mais oportunidade se for versátil e criativa. A outra possibilidade de
conseguir trabalho é por meio da migração interna ou internacional. Além do telemarketing, o setor que hoje está
empregando, mas em pequena escala, é o setor público –
especialmente o magistério. Esse é o motivo pelo qual
houve aumento do número de homens que prestaram vestibular para ingresso na universidade em áreas mais voltadas para o ensino.
Do ponto de vista da migração, o Brasil, no século passado, passou por três fases distintas:
- até 1960, fase imigrantista – havia oferta de oportunidades de trabalho na agricultura e na nascente e progressista atividade industrial;
- de 1960 a 1980, fase emigrantista – as razões políticas
foram as grandes motivadoras da partida das pessoas para
o exterior;
- pós 1980, fase emigrantista – por razões econômicas,
principalmente.
Estima-se que mais de 2,5 milhões de pessoas estejam
fora do país (mais de 10% desse total encontram-se no
Japão).
Nessa terceira fase, a migração internacional é basicamente de classe média ou média inferior. Em sua maioria,
são migrantes com escolarização de nível médio que dispõem de capital para utilizar o meio de transporte rápido
– avião (SASAKI, 1996; CAIADO, 1997; SALES, 1996)
No presente trabalho, é realizada uma discussão a
respeito da solidariedade intergeracional dos migrantes
japoneses e seus descendentes no Brasil. Incluem-se
também, neste texto, os nikkeis (japoneses e seus
descendentes) que retornaram/migraram para o Japão. Ao
mesmo tempo, discute-se essa solidariedade vivida hoje
pelos japoneses residentes no Japão que não migraram
para o Brasil. São praticamente 100 anos de presença de
japoneses e seus descendentes no Brasil: um século de
uma memória congelada em relação à herança históricocultural vigente àquela época no Japão. Depois da
Segunda Guerra Mundial, o Japão mudou muito e vive a
“era dos descartáveis” para tudo – inclusive para as
pessoas idosas.
A VIAGEM DOS JAPONESES PARA O
DESCONHECIDO
Para melhor compreensão do Japão de hoje, torna-se
necessário recuperar sinteticamente a história de seu povo
e de sua gente.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 34-43, jul./set. 2005
35
ROSA ESTER ROSSINI
cissitudes da vida na cidade. Por exemplo, o japonês feirante – depois de enfrentar com seu mutismo os fregueses
que regateiam insistentemente – retorna ao seu bairro, a
Liberdade, com a sensação de intimidade e segurança
(FAUSTO, 1998). É bastante conhecida, por exemplo, a
frase dos feirantes japoneses ou mesmo de seus descendentes em resposta a fregueses que regateiam com insistência: “no entendo”, como forma de encerrar o assunto.
A língua funciona também como forma consciente ou
inconsciente de resistir à integração: número considerável de japoneses após 30, 40, 50 anos ou mais no Brasil,
não entende português e a “língua oficial” em casa é a
japonesa, com o objetivo de preservar a continuidade e a
manutenção dos laços do país de origem.
intensa entre os nikkeis de ambos os sexos no Brasil
(ROSSINI, 2004).
Além da ocupação na agricultura, e mais tarde no comércio, os japoneses tiveram, no Brasil, uma enorme preocupação com a educação dos filhos como forma de ascensão social. No Brasil, a taxa de alfabetização de pessoas
com 15 anos e mais, segundo o Censo Demográfico de
2000, era de 87,1%. Essa mesma taxa para a população
amarela, em que predominam os japoneses, era de 95,1%
(IBGE, 2001; 2003a). Na Universidade de São Paulo, nos
anos 80 e mesmo 90, cerca de 19% dos alunos eram de
origem oriental, e aí se destacavam os de ascendência japonesa, em maior número, seguido dos chineses e
coreanos. Freqüentam e freqüentavam mais os cursos,
principalmente, de exatas, tecnológicas e saúde. Menos
de 1% da população brasileira é de ascendência japonesa. No Estado de São Paulo, a participação dos nikkeis na
população total é inferior a 5%.
A partir de 1970, quando houve a implantação de filiais de indústrias japonesas no Brasil ou a compra de indústrias nacionais pelos japoneses, iniciou-se um lento
processo de imigração para o Brasil por parte dos japoneses, agora na situação de “técnicos especializados”.
A título de exemplo de adaptação/integração, podem
ser citadas informações a partir do último levantamento
do Centro de Estudos Nipo-Brasileiro a respeito dos japoneses e seus descendentes no Brasil:
Os imigrantes japoneses tinham o compromisso de honra
de só retornarem ao Japão como vencedores. Não podiam
sequer pensar em levar seus filhos nascidos aqui como
gaijim. Era preciso que eles aprendessem a ler e a falar a
língua japonesa. Esta era a maneira que eles encontraram
de não terem seus filhos considerados como estrangeiros
pelos japoneses, quando retornassem ao Japão (SAKURAI,
1987, p. 43).
Essa “doce ilusão”, o sonho do retorno rápido, perdurou por muito tempo. A realidade aconteceu quando, nos
anos 80, o Japão necessitou de mais braços e chamou seus
patrícios para o trabalho.
Até que ocorresse esse chamado, os japoneses perceberam a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de
retornarem ao Japão. Dessa percepção decorreu a
tendência de “aculturar-se” por meio da conversão formal
ao catolicismo, da escolha de nomes cristãos para os
filhos e do casamento com não-descendentes (FAUSTO,
1998).
A questão do casamento interétnico ocorre, num primeiro momento, com a união de uma brasileira com o
primogênito da família japonesa. Explica-se tal tendência pelo fato de que a responsabilidade de assumir todos
os encargos familiares na ausência ou dificuldade dos
pais recaía, na tradição japonesa, sobre o filho mais velho. A organização familiar obedeceu a um sistema social hierárquico, organizado a partir do princípio de descendência patrilinear, no qual o filho mais velho é o
herdeiro e o futuro chefe da família (TOMA, 2000). Por
isso, as japonesas ou seus descendentes, sabedoras dessa responsabilidade e encargo, evitavam o casamento com
o filho mais velho da família japonesa, tradição que de
certa forma persiste até hoje, embora a miscigenação seja
de cada dez descendentes, metade é casada com ocidentais
[...] A mistura de raças é uma tendência irreversível. Estimase que existem 1,4 milhão de descendentes no Brasil. Desses,
apenas 52 mil fazem parte da primeira geração de emigrantes. São mestiços cerca de 30% (REVISTA MADE IN
JAPAN, 2003).
Entretanto, deve-se destacar que 11% dos migrantes
estrangeiros residentes no Município de São Paulo em
2000 eram japoneses, seguidos pelos italianos, que representavam 7% (FUNDAÇÃO SEADE, 2004).
A MEMÓRIA CONGELADA DO IMIGRANTE E
SUA PRESENÇA EM UM OUTRO LUGAR
O “lugar” é onde o indivíduo estabelece suas relações
sociais, onde tem sua identidade e o sentimento de pertencer.
É no plano do cotidiano que vão aparecendo paulatinamente as formas de apropriação/utilização e ocupação
de um determinado lugar do “mundo vivido”. É assim que
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 34-43, jul./set. 2005
A MEMÓRIA CONGELADA DO IMIGRANTE: A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL ...
as relações se estabelecem na produção da existência das
pessoas/famílias.
A FACE DO BRASIL NO JAPÃO
Os brasileiros que migram à procura de melhores condições de vida – “os deserdados do capitalismo” – na sua
maioria não figuram nas estatísticas oficiais como
migrantes: são “turistas”. Há estimativas que apontam a
existência de 250 mil a 310 mil migrantes do Brasil residindo no Japão. Muitos estão com a documentação em
ordem, mas outros estão em situação irregular.
A Revista Made in Japan (2004) informa que o governo japonês realizou pesquisa sobre a vida dos brasileiros
no Japão. São 268 mil, sendo:
- 52% entre as idades de 20 e 40 anos;
Já assentado no Brasil, o imigrante busca amenizar o corte,
materializando, de várias formas, a lembrança da terra que
deixou. Desse modo, o arranjo de sua casa tem características próprias, evidenciadas nos chamados objetos
biográficos. Um retrato emoldurado de toda a família, um
pôster turístico de um lugar do país de origem, uma imagem
religiosa, etc., são expostos como fragmentos de um mundo
a que se deseja voltar, mas que se suspeita jamais ser possível
rever, ou, talvez pior, ao revê-lo não mais reconhecer seus
traços originais (FAUSTO, 1998, p. 18).
O imigrante sente saudade do que deixou sem se dar
conta, sem sequer racionalizar, sem perceber que o país
de origem, no movimento dos acontecimentos socioeconômicos, científicos e políticos, sofreu profundas mudanças em relação à realidade de quando deixou aquele lugar. A memória congelada do país de origem, guardada
preciosamente, mudou (FERREIRA, 2001). Mudaram os
que ficaram; mudaram os que partiram, pois a sociedade
e o espaço estão em contínuo movimento.
A mistura de raças, de etnias, é evidente em São Paulo
e no Brasil. Todos sentem enorme orgulho de suas raízes
históricas. Com freqüência, mesmo sem terem ido ao país
de seus ancestrais, têm profunda curiosidade por tudo,
especialmente a partir da história dos avôs/avós. Essa transmissão de conhecimentos/lembranças funciona como uma
forma de não-apagamento da memória, como elo de ligação do passado com o presente.
A imigração representa um profundo corte, com vários
desdobramentos, no plano material e no plano do imaginário.
- 68,6% trabalham nas fábricas (economicamente ativos);
- 71% são casados;
- 65% estão há mais de cinco anos no Japão;
- 36% das crianças estão fora da escola;
- 61% ganham mais de 2 mil dólares mensais;
- nascem mais de 4 mil crianças por ano.
Os brasileiros constituem a terceira nacionalidade em
número de estrangeiros no Japão, cifra somente superada
pelos coreanos e chineses. A presença brasileira no contexto dos imigrantes da América do Sul é significativa.
Os brasileiros são o grupo mais numeroso seguido de longe pelos peruanos (Tabela 1).
Em 1o de junho de 1990, foi aprovada a nova lei de
controle de entrada de estrangeiros. As pessoas passaram a
ter direito de contratar legalmente nisseis e sanseis. Mesmo
após a regulamentação da referida lei, nem sempre os
contratos são legais, apesar da existência de descontos de
15 a 30% do salário mensal dos chamados “contratados”.
Em geral, os trabalhadores ilegais não percebem sua
situação, ou só tomam consciência dela quando ficam
doentes ou sofrem acidentes: seus contratos não são muito claros, seus direitos são raros.
Os autônomos devem efetuar o pagamento do seguro
junto à prefeitura municipal. No caso de algum problema
de saúde, deverão assumir 30% das despesas e não receberão pelos dias parados.
Em caso de doença, aqueles que são regulamente contratados pagam 10% das despesas com saúde e, após o
quinto dia, recebem 60% do salário.
Os trabalhos dados aos nikkeis estão, segundo eles, na
categoria dos 5 Ks: Kitsui (duro, pesado); Kitanai (sujo);
Kiken (perigoso); Kibishü (exigente); Kirai (detestável)
(FERREIRA, 2001).
O corte não é sinônimo de apagamento de uma fase
passada, na vida individual, familiar ou do grupo,
integrando-se pelo contrário ao presente, com muita força
(FAUSTO, 1998, p. 4).
Atualmente, a maioria das migrações internacionais
utiliza o avião como meio de transporte. As viagens duram muitas horas. Porém, o corte com a família, com o
país, é aparentemente menos doloroso, pois os meios
modernos de comunicação – telefone, Internet, correio –
encurtam as distâncias.
Nesse mundo globalizado é possível encontrar, até
mesmo no lugar onde se está, todos os ingredientes para a
receita da comida feita pela avó (bassan): só falta o “gostinho dado por ela à comida, aquele gostinho de algo que
só ela sabia fazer e que tinha sabor de infância”.
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ROSA ESTER ROSSINI
TABELA 1
Estrangeiros no Japão Provenientes da América Latina
1991-2000
País
1991
1992
1994
1996
1998
2000
Total
151.798
185.704
201.843
246.187
271.398
309.230
Brasil
119.333
147.803
159.619
201.795
222.217
254.394
Peru
26.281
31.051
35.382
37.099
41.317
46.171
Argentina
3.366
3.289
2.796
3.079
2.962
3.072
Paraguai
1.052
1.174
1.129
1.301
1.441
1.678
Bolívia
1.766
2.387
2.917
2.913
3.461
3.915
Fonte: Yoshioka, (2002). Japan Immigration Association - JIA - Heisei 13.
De envelhecer ninguém escapa. Alguns envelhecem mais
rapidamente do que outros e nem todos vivem essa etapa da
vida da mesma maneira, uma vez que o envelhecimento
biológico está estreitamente relacionado às formas materiais
e simbólicas que identificam socialmente cada indivíduo
(PEIXOTO, 1999, p. 357).
Embora sejam de ascendência japonesa, não são muito
aceitos pela sociedade local por não terem os mesmos
hábitos e por não falarem a língua. São conhecidos como
os “brasileiros” (FOLHA DE S.PAULO, 2003).
Na verdade, o que garante a permanência dos migrantes
do Brasil no Japão é a solidariedade daqueles que vieram
em primeiro lugar e a solidariedade da família que deixaram no Brasil.
As questões ligadas ao envelhecimento, que antes eram
adstritas ao mundo privado (médico, prática de caridade
religiosa) alçam vôo, transformando-se em discussão mais
ampla, instigando campos de conhecimento e do agir. Isto
é, atinge a esfera do espaço público (CABRAL, 2001).
Esse prolongamento da vida tem mais a ver com rejuvenescimento/integração do idoso na sociedade do que
com a efetiva discussão sobre o velho propriamente dito
(CABRAL, 2001).
Tanto a demonstração de solidariedade da sociedade
atual para com os idosos quanto o incentivo a essa prática
sugerem a necessidade de se refletir sobre a construção
das relações entre as gerações jovens e velhas no espaço
público (das políticas públicas) e no espaço privado. A
solidariedade deve ser pensada como uma totalidade
profundamente imbricada, onde cada um compartilha com
o outro em todos os momentos de vida, isto é, nas alegrias,
nos problemas, etc. (CABRAL, 2001). A solidariedade
pode salvar as pessoas reinserindo-as na sociedade e recuperando sua auto-estima.
PARA MELHOR ENTENDER A
SOLIDARIEDADE: ALGUNS DIREITOS
DA PESSOA IDOSA NO BRASIL
A partir dos anos 80, organismos internacionais, como a
Organização das Nações Unidas e mais tarde a Comunidade
Européia, tiveram um papel ativo na produção de novas
sensibilidades em relação ao envelhecimento em diferentes
culturas (DEBERT, 2004, p. 235).
A Constituição Brasileira de 1988 atendeu a alguns
reclamos e necessidades da população idosa e o Estado
brasileiro apoiou muitas das aspirações na Política Nacional do Idoso de 1994, que foi regulamentada em 1996.
Nessa política, os campos de atuação dos idosos foram
em parte reconhecidos.
Percebe-se certa atenção geral com o aumento de eventos sobre o tema, o destaque nos meios de comunicação,
o cumprimento da legislação: são algumas das demonstrações da importância da pessoa idosa, hoje, no Brasil e
no mundo.
As formas de solidariedade entre as gerações construídas
no espaço público permitem identificar diferenciações entre
essas formas e aquelas tecidas no interior do seio da família,
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A MEMÓRIA CONGELADA DO IMIGRANTE: A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL ...
- em cinemas e teatros as bilheterias sejam preferenciais
e com 50% de desconto;
onde as regras de reciprocidade se vinculam à consangüinidade e às relações de parentesco que envolvem os
membros de várias gerações, estando muito mais presentes
aspectos indicativos de uma relação de obrigações morais
entre pais e filhos e mesmo entre aqueles e seus netos
(CABRAL, 2001, p. 30).
- sejam implantadas Delegacias de Proteção ao Idoso;
- nos hospitais públicos seja reservado espaço para acompanhante da pessoa idosa (em geral é uma poltrona ao lado
da cama). Essa é uma medida que favorece a solidariedade intergeracional e ainda evita a contratação, pelo hospital, de atendentes personalizados para pessoas altamente
dependentes;
A Constituição Brasileira, em particular após 1988, e
outras formas de regulamentação posteriores impõem um
conjunto de obrigações legais de proteção entre pais e filhos e vice-versa. A não-obediência pode ter graves conseqüências para aqueles que não atendem a esse ordenamento jurídico que formaliza e obriga os indivíduos com
vínculos parentais ao exercício da solidariedade. Além
disso, só o risco de ser punido elimina muitas incorreções
por parte daqueles que pretendiam desobedecer as leis
(BARROS, 1987; CABRAL, 1999; 2001).
A Constituição Brasileira de 1988 e a legislação posterior estabelecem, dentre outros itens, que:
- homens com 65 anos e mais, e mulheres com 60 anos e
mais têm direito à aposentadoria de 1 salário mínimo (que
era inferior a 100 dólares em 2004), por meio da
Previdência Social Rural, mesmo sem terem contribuído.
A legislação de 1963 estabelecia o benefício da aposentadoria (jubilamento/reforma) para apenas uma pessoa
na família, em geral o homem e, em todos os casos, com
apenas um salário mínimo vigente;
- na tramitação de processos seja assegurada a prioridade à pessoa idosa;
- em Brasília, capital federal, acrescenta-se ainda a reserva de 5% das vagas para automóveis em áreas públicas
ou privadas para uso da pessoa idosa.
Com a legislação para a pessoa idosa no Brasil, criaram-se duas novas categorias profissionais: office old e
motobói. Assim, praticamente desaparece o office boy.
Como os idosos não precisam aguardar na fila porque têm
guichês especiais para a sua faixa etária, e também porque não pagam transporte e, além disso, já são aposentados, os serviços que antes eram feitos pelo office boy passaram a ser feitos por eles, pois representam benefícios
econômicos para os contratantes.
Já os motobóis circulam aceleradamente por São Paulo fazendo entregas rápidas de mercadorias e papéis, comprometendo a própria vida. Há informações de que 280
mil motobóis circulam diariamente em São Paulo e que
lamentavelmente ocorre, no mínimo, uma morte por dia
desse profissional.
Por várias razões, a expectativa de vida da mulher é
bem superior que a dos homens – e essa é uma tendência
mundial. Em 2000, no Estado de São Paulo, por exemplo,
a expectativa de vida das mulheres era de 75,6 anos, enquanto a dos homens era de 66,8 anos. Essa situação é
reforçada, dentre outras razões, pela morte prematura dos
jovens na faixa dos 15 a 35 anos, motivada por acidentes
de trânsito (motos), arma de fogo e drogas. Assim é que
foi cunhada a denominação de “feminização da velhice”
(MOTTA, 1999a). No Brasil a mesma diferença existe em
relação à esperança de vida (total 71,0; homens 64,8;
mulheres 72,6 anos) (IBGE, 2001; 2003b; FUNDAÇÃO
SEADE, 2003; 2004).
Outro assunto a ser analisado é a solidariedade das
pessoas idosas no Brasil, que é demonstrada de várias
formas. Entretanto, destaque-se que a presença feminina
é marcante. As atividades realizadas pela pessoa idosa e
as atividades de integração são: visitas às pessoas neces-
- as pessoas que contribuíram com outros valores e
pagaram à Previdência, obviamente, têm direito à
aposentadoria correspondente;
- haja transporte urbano gratuito – ônibus e metrô – para
as pessoas idosas, sejam homens ou mulheres. Esse benefício possibilitou à pessoa idosa maior liberdade, maior
autonomia, concorrendo para o aumento da esperança de
vida. Com essa autonomia, nas famílias mais pobres a
pessoa idosa passou a receber encargos que nem sempre
eram exercidos por ela, como pagar contas, levar crianças à escola, etc.;
- a partir de 2004, o transporte interurbano e interestadual
deveria ser gratuito para pessoas que recebessem até 2
salários mínimos mensais. Porém, essa medida tem sido
boicotada, com freqüência, pelos responsáveis pelas empresas;
- haja assentos preferenciais nos transportes;
- haja guichês preferenciais para atendê-los nos bancos;
- haja guichês preferenciais nos aeroportos para atendimento aos idosos;
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 34-43, jul./set. 2005
39
ROSA ESTER ROSSINI
sitadas; confecção de roupas para doentes e carentes; participação em grupos de dança, música, teatro; freqüência
a festas, palestra, cursos; participação em grupos de ginástica, desenho; freqüência a cursos para aprendizado e
uso do computador, da Internet, etc. Há, portanto, uma
série de programas centrados na “sociabilidade programada e centrada no lazer e na cultura - e que são predominantemente femininos” (MOTTA, 1999a, p. 171). São pessoas atentas e abertas a novas amizades, as quais são
cultivadas carinhosamente.
Contar história é uma prática que tem sido muito
difundida por idosos e idosas no Brasil. É comum serem
convidados por professores de seus netos para ir à escola
contar as histórias que conhecem ou para falar sobre a
cidade ou o campo. Essa prática não só reforça sua autoestima, como possibilita às crianças melhor conhecimento, em particular do folclore e da herança cultural
do país.
- ajudar os filhos de todas as maneiras possíveis, quando
as dificuldades os atingem, principalmente nas situações
de enfermidade e desemprego;
- sentir que a reciprocidade e a solidariedade é suportada
pelo lado que se considera mais frágil;
- ocupar grande parte do tempo para atender às demandas de filhos e netos;
- auxiliar a família, com trabalho, no apoio doméstico;
- dar um espaço no terreno, quando possui, para a construção de moradia para os filhos e netos, sendo este, um
procedimento moralmente estabelecido.
Acrescente-se que a solidariedade dá compreensão fecunda à integração social do idoso (SOUTO, 1999).
A solidariedade esperada pelas pessoas idosas é a compreensão do outro, é saber que seus filhos estão bem, receber deles carinho e atenção e, quando necessário, receber tanto apoio emocional como ajuda material (CABRAL,
2001).
Os programas para a terceira idade, assim como as
Universidades são compreendidas como espaço capazes de
ampliar os relacionamentos sociais extrafamiliares dos
idosos, propiciar novas experiências e possibilidades de
aquisição de conhecimento (DEBERT, 2004, p. 246)
OS JAPONESES E SEUS DESCENDENTES:
O CUIDADO COM A PESSOA IDOSA E AS
REDES DE SOLIDARIEDADE
Tanto nos estabelecimentos de ensino público como
de ensino privado, merece destaque a iniciativa de
instituição da Universidade da Terceira Idade. Para
freqüentá-la, a pessoa idosa não precisa ter curso
universitário. Em muitas universidades, os idosos assistem às aulas e delas participam como estudantes universitários regularmente matriculados. Essa transmissão
de conhecimentos e essa interação na sociedade é extremamente salutar.
A população idosa também tem sido um forte agente
impulsionador do turismo no período “entre férias” – o
que possibilita que os hotéis e outros centros de recreação mantenham pessoal empregado durante todo o ano para
atender a essa clientela.
Por isso, as pessoas da terceira idade estão sendo
Além da legislação, há a considerar, em relação aos
nikkeis residentes no Brasil e aqueles moradores no Japão que:
- há uma herança histórico-cultural de quase um século,
uma verdadeira memória congelada dos migrantes de origem japonesa e seus descendentes no Brasil;
- na época da migração dos japoneses para o Brasil, no
Japão, o idoso/a era respeitado/a e ouvido/a, prática que
se mantém até hoje no Brasil;
- ao filho mais velho competia a responsabilidade e cuidados com a pessoa idosa, isto é, na falta ou impossibilidade dos pais, ele respondia e responde pela família;
- o filho mais velho fez e faz todo empenho possível no
trabalho, em geral na pequena produção agrícola ou como
feirante, para deixar espaço para os irmãos mais moços
estudarem. Em função dessa abdicação e apoio aos membros da família, em geral, como recompensa, o filho mais
velho herda a terra ou patrimônio urbano;
descobertas como nova fatia de mercado consumidor, estão
postos diante de uma sociedade em movimento, no acelerado
ritmo de mudança tecnológica, intensificação paroxísmica
da comunicação (MOTTA, 1999b, p. 209).
- é de responsabilidade do filho mais velho (ou de sua
esposa), os cuidados com os pais. No Brasil, é raro alojar
os pais em casas de repouso. Entretanto, quando isso acontece, eles recebem visitas freqüentes das famílias – prática abandonada pelos japoneses do Japão.
Segundo Cabral (2001) há, principalmente, um tipo de
solidariedade incondicional por parte das pessoas da terceira idade. E é esse sentimento que as faz:
- acolher em suas casas filhos casados ou separados;
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 34-43, jul./set. 2005
A MEMÓRIA CONGELADA DO IMIGRANTE: A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL ...
As redes de solidariedade de nikkeis brasileiros no
Japão são expressas sob várias formas. Na escola, mães
que não trabalham são voluntárias para apoiar os filhos e
os outros migrantes – inclusive para protegê-los contra freqüentes atos de violência praticados pelos colegas. Outro
apoio importante das mães voluntárias diz respeito ao ensino, pois as crianças ingressam na escola de acordo com
a idade e não a série, em conformidade com o conhecimento estabelecido e o da língua japonesa.
Além disso, há vários outros fatores que impulsionam
a solidariedade. Como os pais permanecem muito tempo
fora de casa, motivados pela necessidade de trabalhar,
dedicam pouca atenção às crianças nas suas atividades
escolares. Essa situação se agrava ainda mais com o desconhecimento da língua, que geralmente justifica o abandono da escola por 36% dos filhos de migrantes.
Há gestos de solidariedade por ocasião das festas, em
particular no carnaval; na comida compartilhada; na oferta do emprego/ocupação; e até mesmo no empréstimo da
fita de vídeo que traz novelas brasileiras gravadas. É comum compartilhar o envio de mensagens pela Internet.
Mas a maioria das pessoas recebe ou envia notícias por
telefone (80%) e apenas 10% se comunicam por cartas.
Como 50% dos migrantes (homens e mulheres) no Japão são casados, a solidariedade das avós do Brasil expressa-se no cuidado dos filhos do casal que parte. Merece destaque o fato de que, em geral, primeiro migra o
homem, depois a mulher e – bem mais tarde – as crianças.
Por fim, não é rara nova união no Japão, tanto por parte do homem como da mulher, e o abandono dos filhos na
casa dos pais, ou com a mulher que não migrou. O que
acontece mais freqüentemente é que o homem – que atravessou o oceano em busca do “Eldorado” – abandone a
mulher que o espera no Brasil.
O grande problema surge quando os mais velhos não
podem mais morar sozinhos e são encaminhados para um
“asilo/casa de repouso”, pois a família que trabalha “não
tem tempo para cuidar da pessoa idosa porque tem que
trabalhar”. Quando esse fato ocorre, os idosos, nas “casas
de terceira idade”, preferem os cuidados de pessoas que
já moraram no Brasil, pois são mais atenciosas, mais afáveis, mais respeitosas, mais carinhosas.
Anotou-se depoimento de um turista japonês visitando
uma “casa de repouso” no Brasil: “No Brasil, a família
vai visitar o idoso na ‘casa de repouso’. No Japão, a família vai depositar o velho no asilo e vai buscá-lo quando
recebe o telefonema avisando que ele morreu”. Esse fato
fica muito evidente no filme japonês O Funeral, no qual,
após o recebimento do telefonema comunicando o falecimento do idoso, o filho é, em seguida, procurado pelo
agente que cuida de funerais e que resolve tudo.
A constatação de que o capital desumaniza as relações
e enfraquece a solidariedade é patente no Japão. Lá, o velho
dá lugar na fila ao jovem, porque este não tem tempo. Idoso
tem todo o tempo!
Diante dessa realidade, o idoso passa por uma espécie
de “lavagem cerebral” portadora efetivamente de uma ideologia ilusória que insiste em convencê-los de que a mudança para o Mundo Tropical lhes dará maior longevidade.
Ao mesmo tempo, o Estado se desobriga/descarta dessa
população que “deu sua vida” para o Japão emergir como
grande potência mundial. Por essa razão, já ocorreram
compras de terreno no Brasil para a construção de vilas
residenciais. A Constituição Brasileira permite, que, com
uma renda de até 500 dólares mensais, qualquer pessoa
estrangeira pode migrar em definitivo para o Brasil, não
importando a idade. Assim é que em Campos do Jordão
(SP) e Maringá (PR), japoneses já compraram terrenos para
a construção de conjuntos residenciais para idosos. No
Norte da África, no Sul da Espanha, no Caribe, já é uma
realidade a presença de japoneses em conjuntos habitacionais.
A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL
CONVIVE MUITO POUCO COM O CAPITAL
NO JAPÃO DE HOJE
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Hoje, os japoneses que vivem no Japão medem a solidariedade pelo capital e ela pode expressar-se sob várias
formas. Lá, os que se aposentaram pela Previdência Social recebem menor assistência por parte da família. A assistência médica é de boa qualidade e, dependendo do caso,
os idosos também recebem assistência de uma enfermeira
paga pelo Estado, pois os filhos não têm tempo de dar atenção aos pais.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 34-43, jul./set. 2005
A memória congelada dos migrantes japoneses para
o Brasil garantiu a persistência de uma herança cultural
que vem sofrendo alteração no tempo. No Japão de hoje,
homens e mulheres “não têm tempo” de cuidar de seus
idosos.
No Brasil, os nikkeis ainda continuam “achando tempo” para respeitar seus idosos e cuidar bem deles. Os
41
ROSA ESTER ROSSINI
exemplos citados no texto evidenciam claramente esse
fato – a tal ponto que as casas de saúde japonesas têm
clara preferência por atendentes nikkeis brasileiros para
cuidarem dos idosos.
A sociedade brasileira é hoje muito mais sensível e tem
aberto espaços para que experiências inovadoras de solidariedade intergeracional sejam vividas. Também há grande esforço de reeducação das pessoas para com a imagem
do idoso – particularmente nos grupos de convivência com
jovens.
Freqüentemente a solidariedade político-social tem a
duração de uma queimada, mas não resiste às cinzas para
a reconstrução do que foi perdido. Falta continuidade.
Assim é que, ao lado das políticas públicas, é necessário
que os olhos atentos da sociedade civil garantam a aplicação, a continuidade, a permanência e a renovação das
políticas públicas de interesse às pessoas idosas e reforce
a solidariedade intergeracional.
A solidariedade tem um nome: mulher. A solidariedade é feminina.
Há que assumir a coragem de romper com a cultura que
acha “natural” a situação de abandono que paulatinamente tem vitimizado a população idosa e mutilado sua cidadania e dignidade, e implantar/desenvolver/intensificar a
solidariedade com razão e emoção, para devolver/recuperar para a pessoa idosa a herança histórica de respeito/
admiração/carinho e amor, perdidos na era do descartável.
Essa construção só se realiza com uma educação que pratique a solidariedade intergeracional de respeito, de amor.
Dessa forma, todos terão melhor qualidade de vida, isto
é, cidadania plena (SANTOS, 1996).
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ROSA ESTER ROSSINI: Professora Titular do Departamento de Geografia
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo. Assessora do CNPq e Assessora Científica da Fundação de
Amparo à Pesquisa dos Estados de: SP; RJ; PE; MG; AM e DF.
TOMA, C.Y. A experiência feminina dekassegui. Um olhar sobre a
subjetividade no processo migratório. Londrina: Ed. UEL, 2000.
Artigo recebido em 11 de abril de 2005.
Aprovado em 12 de maio de 2005.
YOSHIOKA, R. Questões relacionadas à educação de filhos de
dekasseguis. 28 jan. 2002. Mimeografado.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 34-43, jul./set. 2005
43
TERSEA SALES
A ORGANIZAÇÃO DOS IMIGRANTES
BRASILEIROS EM BOSTON, EUA
TERESA SALES
Resumo: O artigo trata do avanço do nível organizativo dos migrantes brasileiros na região metropolitana de
Boston, nos Estados Unidos. Baseando-se em uma pesquisa realizada em outubro de 2005, é feito um histórico das várias organizações criadas pelos migrantes brasileiros entre 1995 e 2005, nas cidades de Framingham,
Boston, Somerville e Cambridge. A conclusão é a de que os brasileiros avançaram mais em sua organização
política – em conseqüência da bagagem cultural que alguns líderes levaram consigo do Brasil – do que no
setor de serviços.
Palavras-chave: Migração internacional. Imigrantes brasileiros nos Estados Unidos da América.
Abstract: This paper discusses the progress of the Brazilian migrants’ organization in the metropolitan area of
Boston, in the United States. Based on a research done in October of 2005, it presents several organizations
created by the Brazilian migrants between 1995 and 2005, in the cities of Framingham, Boston, Somerville
and Cambridge. It concludes that the Brazilians improved their political organization, as a consequence of the
cultural background of some leaders, than in the service sector.
Key words: International migration, Brazilian immigrants in the United States of America.
P
or que os brasileiros imigrantes nos Estados Unidos
têm tido uma presença marcante na nossa mídia
desde finais de 2004? Como acontece desde o início
do fluxo migratório de brasileiros para o exterior, em
meados dos anos 80, a imprensa brasileira costuma dar
mais cobertura aos fatos negativos dessa migração,1 que
estiveram muito presentes ultimamente: aumento da
apreensão de brasileiros na fronteira México-Estados
Unidos; prisões e deportações de brasileiros; o caso da
morte do brasileiro Jean Charles, pela Scotland Yard, em
Londres; e, como exceção para confirmar a regra, o
aumento das remessas financeiras dos brasileiros no
exterior.
Houve porém um fato novo na mídia que se somou a
esses para dar maior visibilidade aos nossos brasileiros longe
de casa: a novela América, exibida no horário de maior
audiência da Rede Globo de Televisão. No início da novela, vários jornais deram destaque a essa situação. O Caderno Aliás, do jornal O Estado de S.Paulo de 20 de março de
2005, trouxe o tema Vidas brazucas, apresentando uma entrevista comigo e um artigo de Dorrit Harazim sobre a epopéia de um mineiro acusado de estupro e a prisão de 57
brasileiros ilegais. Entre os vários assuntos abordados na
entrevista, respondendo à pergunta sobre possíveis efeitos
da novela, mencionei que isso dependeria em parte do
enfoque adotado, mas, quando as pessoas estão propensas
a emigrar, qualquer estímulo serve como reforço. E acrescentava:
como já existe uma predisposição na sociedade brasileira,
é possível que a novela seja um fator de estímulo, mesmo
mostrando os riscos da travessia, as dificuldades de
adaptação, etc.
44
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 44-54, jul./set. 2005
A ORGANIZAÇÃO DOS IMIGRANTES BRASILEIROS EM BOSTON, EUA
Cerca de dois meses após o início da novela, o jornal
Folha de S.Paulo (5 de maio de 2005) apresentou, na
matéria, “Captura de brasileiros nos EUA decuplica”,
dados impressionantes:
negativos da migração de brasileiros para outros países, a
imprensa reforça um estereótipo já existente na sociedade em relação a esses migrantes.
Sem pretender entrar no mérito dessa questão, esse artigo tem o objetivo de fazer uma análise comparativa, entre
1995 e 2005, dos grupos organizados de imigrantes brasileiros, com ênfase no Estado de Massachusetts. Com isso,
procura-se mostrar que, para além das prisões e deportações, os brasileiros longe de casa têm construído uma
marca de povo trabalhador, solidificando seus vínculos
organizativos e caminhando a passos largos para um reconhecimento no seio da sociedade norte-americana, mesmo que isso possa lhe causar uma contra-ofensiva por parte
daquela sociedade em algumas localidades, como é o caso
da cidade de Framingham.
apenas em abril, 4.802 brasileiros foram detidos em
território americano da fronteira com o México – uma
incrível média de 160 casos diários, segundo dados
fornecidos pela Patrulha da Fronteira a pedido da Folha.
O número é mais de dez vezes o registrado no mesmo período
do ano passado: 443 casos (15 por dia).
Essa notícia reacendeu o debate em torno da questão
migratória de brasileiros para os Estados Unidos em vários
meios de comunicação e até no Congresso Nacional, sendo
que um representante do Ministério das Relações Exteriores, outro do Ministério da Justiça, Glória Perez –
autora da novela América – e eu fomos convidados a
participar de uma Audiência Pública da Comissão de
Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal
sobre o tema.
Eu, que já tinha dado por encerrada minha pesquisa com
imigrantes brasileiros nos Estados Unidos depois de escrever um circunstanciado artigo sobre a “Segunda Geração” (SALES; LOUREIRO, 2004), voltei ao tema. Para
participar da audiência pública, fiz contato por e-mail com
uma rede de lideranças das organizações de brasileiros nos
Estados Unidos e retomei contatos, o que me despertou
para um novo projeto, de natureza mais jornalística, posto que circunscrito a um curto espaço de tempo. Participei de um Encontro de Lideranças Brasileiras nos Estados Unidos em Boston, de 21 a 23 de outubro de 2005, e
realizei 13 entrevistas com líderes da comunidade brasileira, visando avaliar a organização dos brasileiros imigrantes dez anos depois da pesquisa de 1995/96, que deu
origem à obra Brasileiros Longe de Casa (SALES, 1999).
Ao visitar mais uma vez os brasileiros imigrantes na
região de Boston, foi possível observar que a visão da imprensa brasileira é muito parcial, no sentido negativo, em
relação a nossos imigrantes lá fora. Isso talvez seja decorrência de como a sociedade brasileira encara esses
imigrantes: eles ferem a nossa auto-imagem de país acolhedor. Não gostamos de ver nossos cidadãos saindo de
casa e sobretudo de ver que muitos deles estão entrando
na casa alheia pela porta dos fundos. Contudo, numa perspectiva histórica, é importante lembrar que foi assim também com outros povos que hoje são respeitáveis cidadãos
norte-americanos, brasileiros, argentinos, só para citar o
continente americano. Ao enfatizar apenas os aspectos
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 44-54, jul./set. 2005
AS CIDADES IRMÃS
Em 13 de novembro de 1995, caem os primeiros flocos de
neve ainda indecisos, que lá eles chamam de fluries. Naquela
noite será assinado um acordo de cidades irmãs entre a
prefeitura de Framingham e a prefeitura de Santa Luzia,
em Minas Gerais. Para isso vieram autoridades de Santa
Luzia – o vice-prefeito, o vice-presidente da Câmara dos
Vereadores, o diretor do hospital e o médico-chefe do SUS
[...] A primeira parte da sessão é toda ela dedicada à troca
de discursos, troca de certificados, troca de presentes. Os
discursos americanos, curtos e diretos, os brasileiros
demorados e cheios de Lyncolns e Washingtons, traduzidos
mais sucintamente para o inglês pelo nosso vice-cônsul em
Boston. Não sei se pela memória de filmes de infância, aquilo
tudo me lembra muito uma cerimônia apache, sobretudo na
troca de presentes (SALES, 1999, p. 197-198).
Essa cerimônia, na qual foi assinado o acordo de cidades irmãs (sister city), ficou como uma pedra no sapato
da comunidade brasileira de Framingham. A idéia partiu
do vice-cônsul em Boston. Compareceram pessoas representativas da comunidade, como o pároco da Igreja São
Tarcísio, vários comerciantes locais e as imprensas norte-americana e brasileira. A pergunta que ficava no ar era,
porém, evidente: em uma cidade com predominância tão
grande de imigrantes oriundos de Governador Valadares,
por que Santa Luzia? Dois anos depois, em 1997, já o
cônsul e o vice-cônsul no Consulado Brasileiro em Boston
haviam mudado e a Associação de Cidades Irmãs permanecia apenas como figura jurídica, congregando muito
pouca gente entre os brasileiros imigrantes.
45
TERSEA SALES
Em compensação, começavam a surgir novas organizações, algumas como conseqüência de campanhas bemsucedidas e que, ao longo do tempo, terminaram se institucionalizando, como a Brazilian Children Foundation,
fundada em 1996 por um imigrante oriundo de Ipatinga –
município vizinho de Governador Valadares, em Minas
Gerais –, cuja missão era dar apoio a crianças necessitadas no Brasil (diga-se, região do entorno de Governador
Valadares).2 Alguns anos depois, mais uma organização
havia sido fundada em Framingham, vinculada à Paróquia
de São Tarcísio. Era o Centro Bom Samaritano, sediado
em um novo prédio no centro da cidade, com a finalidade
principal de dar assistência, em termos de moradia e emprego, aos novos imigrantes. Mais adiante esse novo prédio, o Arcade, onde hoje 90% das salas são ocupadas por
negócios de brasileiros, voltará à cena.
Minha vinculação a Boston, sobretudo depois que passei um semestre como visiting scholar de Harvard em 2000,
vem se renovando a cada novo seminário ou outras atividades de que participo, permitindo-me acompanhar o que
acontece na comunidade brasileira. Assim, em dezembro
daquele ano, fui à inauguração da sede de mais uma organização de brasileiros em Framingham, a Brazilian
American Association – Bramas, que havia sido fundada
em 1998. À frente da sua fundação – juntamente com outros negociantes da cidade – o primeiro presidente da Bramas era um comerciante do centro de Framingham dos mais
ativos e com uma história de ascensão social comum aos
brasileiros imigrantes na região de Boston: valadarense,
imigrante ilegal inicialmente e que trabalhou em vários
serviços não qualificados em restaurantes e construção,
até se estabelecer com sua loja no centro de Framingham.
A Bramas é uma organização sem fins lucrativos, cuja
principal missão é organizar os brasileiros para formar uma
identidade e ter plena participação na sociedade norteamericana. Em fins de 2004, sob nova direção (de uma
valadarense), a associação conseguiu ajuda de estudantes
voluntários do Massachusetts Institute of Technology –
MIT3 , que fizeram uma pesquisa com 400 moradores da
região Metrowest para determinar as necessidades da
comunidade brasileira. Baseado nessa pesquisa, o conselho da associação sugeriu a criação de vários comitês nas
áreas de business, saúde, cultura, cidadania, família, educação e jovens.
Ainda em 2004, depois de várias negociações também
coordenadas por comerciantes brasileiros do centro de
Framingham e ficando comprovado o não cumprimento
dos acordos feitos anteriormente com a cidade de Santa
Luzia, foi firmado um novo acordo de Cidades Irmãs entre Framingham e Governador Valadares. Dessa vez, o
processo foi conduzido com trâmites mais cuidadosos e
precedido da visita de uma comitiva governamental de
Framingham a Governador Valadares, resultando em parecer favorável à assinatura do acordo.
O Comitê de Cidades Irmãs – Sister City Committee
– é dirigido por uma brasileira muito orgulhosa de sua
origem valadarense e dona de uma das lojas de destaque
na Concord St., principal rua do centro de Framingham.
Essa mesma imigrante, em 1995, me contava em sua entrevista sobre o apreço que os poderes públicos daquela
cidade tinham pelos brasileiros:
Está vendo as calçadas da rua? As da frente de lojas de
brasileiros já estão todas limpas da neve, enquanto as demais
estão ainda esperando o serviço público da prefeitura. É
por isso que somos muito bem vistos aqui pela prefeitura e
pelas pessoas da comunidade.
Naquela época já se sabia, pela imprensa norte-americana, que:
naquele centro da cidade, sinais de decadência estavam por
toda parte – lojas vazias, calçadas sujas e pessoas vendendo
drogas em esquinas escuras. Então os novos habitantes
começaram a chegar em torno da última década, com seus
sonhos de uma nova vida. Eles vinham de Porto Rico, Costa
Rica, Guatemala e Brasil – especialmente Brasil. Alguns
encontraram trabalho como operários de construção,
jardineiros e garçons. Outros, tendo juntado algum dinheiro
desses empregos, alugaram as lojas vazias, limparam suas
calçadas e, com a sua presença, ajudaram a expulsar os
vendedores de drogas. Hoje, o novo centro da cidade, com
menos crime e mais lojas, levanta-se como um símbolo
palpável da mais recente mudança histórica na demografia
de Framingham desde a chegada dos irlandeses que vieram
trabalhar na indústria têxtil daquele município [...] Agora
são os brasileiros, liderando uma onda de nescomers de outro
hemisfério, a forjar uma nova identidade em Framingham
para o próximo século (BOSTON GLOBE, 11 dez. 1994).
Ao início de minha pesquisa, em 1995, depois de circular pela primeira vez nas ruas centrais de Framingham,
município que tinha então 65 mil habitantes (hoje com 69
mil, segundo dados do site sobre a cidade) e de visitar
uma loja tipicamente brasileira, assim expressava o impacto que aquilo me causou:
ao sair novamente à rua, apesar do frio de outono daquele
final de tarde apressado em escurecer mais cedo, me sinto
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A ORGANIZAÇÃO DOS IMIGRANTES BRASILEIROS EM BOSTON, EUA
res de seus salários para o Brasil e ao se beneficiarem dos
programas sociais locais.
Em outra ocasião, Joe Rizolli e Jeffrey Buck, ambos
co-diretores da referida associação, disseram que estavam
apenas preocupados com o fato de os imigrantes ilegais
estarem desrespeitando as leis, referindo-se mais aos brasileiros do que a outros grupos imigrantes, porque eles
eram o maior grupo de estrangeiros ilegais em Framingham,
segundo estimativas da própria comunidade brasileira.5
Essa situação inusitada de xenofobia contraria totalmente
a matéria do Boston Globe de dezembro de 1994, citada
anteriormente, na qual os imigrantes brasileiros eram vistos
como forjando uma nova identidade em Framingham para
o próximo século. Naquela época não se imaginava que,
uma década mais tarde, os Estados Unidos estariam sob
um governo republicano que abriu espaço para esse e outros
tipos de manifestações de intolerância para com os imigrantes. Desde o desencadeamento desse movimento antiimigrante brasileiro em Framingham, os brasileiros ali residentes têm lidado em seu dia-a-dia com esse fantasma de
forças contrárias que estão à espreita em plena luz do dia.
A presidente atual da Bramas não tem dúvida de que
esse movimento representa não apenas o pensamento dos
dirigentes daquela associação, mas também de uma ampla camada dos habitantes da cidade, sobretudo daqueles
residentes no lado norte. Esta região é predominantemente residencial e seus moradores desfrutam de melhor qualidade de vida. A população é constituída, sobretudo, pelos descendentes dos mais antigos moradores locais, com
idade média mais avançada do que os demais habitantes
(SALES, 1999). Já no lado sul da cidade, estabeleceramse originalmente as indústrias, seguindo as obras de infraestrutura ao longo dos trilhos da ferrovia. Nesta área, a
classe operária passou a morar no início do surto industrial de Framingham, em finais do século 19 até meados
do 20. Depois foram os porto-riquenhos e asiáticos que
foram morar ali. Essa parte da cidade caracteriza-se pelo
predomínio de uma população mais pobre, mais jovem e
não americana; é nesse local que mora a maioria dos imigrantes brasileiros.
O clima republicano repressivo que predomina nos
Estados Unidos, desde a primeira eleição de George W.
Bush e sobretudo depois dos atentados de 11 de setembro
de 2001, é um fator que favorece tais manifestações de
xenofobia. A declaração de Bush, de que o objetivo de
seu governo é deportar, sem exceção, todas as pessoas que
entram ilegalmente no país, foi destacada pela imprensa
norte-americana.
brasileirinha da silva. Tão brasileira depois daquela coxinha
de galinha e daquele suco de caju, que estranhei quando,
na rua, me deparei com dois autênticos nativos conversando
em inglês (SALES, 1999, p. 47).
Dez anos depois, os brasileiros estão ainda mais fortes
no centro de Framingham, considerada sua Governador
Valadares de clima temperado, mas estão pagando um
preço muito alto por isso.
AMERICANOS CONTRA BRASILEIROS
Framingham é conhecida por ser a maior Town de
Massachusetts, – incorporada neste sistema desde
1700 –, pois todas as demais cidades do seu tamanho são
constituídas administrativamente como cities. As várias
tentativas de mudança de regime de governo local de Town
para City nunca prosperaram. Ali se elege não um prefeito,
mas sim uma espécie de Conselho de Cidadãos, o Town
Meeting, que, por sua vez, elege cinco selectmen, entre
os quais um é escolhido como town manager. O Board of
Selectmen e o Town Manager formam o Poder Executivo
da cidade e o Town Meeting corresponde ao Poder
Legislativo. A cidade é dividida em 18 Precincts (distritos
eleitorais) e existem 12 membros do Town Meeting que
representam cada distrito, totalizando, portanto, 216
representantes do Poder Legislativo na cidade, com mandato de três anos, sendo que a cada ano quatro são eleitos.
Essa forma de governo da cidade difere daquela de uma
Open Town Meeting, mais semelhante às antigas cidadesestado, em que cada residente pode votar no Town
Meeting.4
Atualmente, dois brasileiros fazem parte do Town
Meeting. Na mesma ocasião em que esses brasileiros foram eleitos, um cidadão norte-americano, Joe Rizolli, hoje
muito conhecido de toda a comunidade brasileira, também se candidatou mas não obteve o número de votos
necessários para ser eleito. Quem é esse senhor?
Em finais de 2003, Joe Rizolli, co-fundador do
Concerned Citizens and Friends of Immigration Law
Enforcement, um grupo que se opõe publicamente à imigração ilegal, declarou em uma reunião do Board of
Selectmen de Framingham que a cidade tem sido “raped”
pelos imigrantes brasileiros. “Rape” significa em português raptar, estuprar, saquear. Nos Estados Unidos, o verbo
é mais comumente usado para designar o seu sentido mais
duro: estuprar. Outras pessoas do mesmo grupo afirmaram que os imigrantes brasileiros estavam drenando a economia local, ao enviarem mensalmente milhares de dóla-
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TERSEA SALES
31 casas de comércio ou de serviços de brasileiros, a
maioria no centro de Framingham: cinco restaurantes;
cinco cabeleireiros; quatro lojas de vendas de passagens
e transporte; quatro lojas de seguros; quatro de produtos
brasileiros e remessas; três oficinas mecânicas; duas
joalherias; uma boutique; uma padaria; uma loja de
eletrodomésticos; e um escritório de contador. Essa
quantificação foi possível, na época, por meio de uma
listagem cedida pelo responsável pela distribuição de
jornais brazucas, que se destinam a todos os locais por
onde circulam brasileiros. Para a pesquisa atual, recorreuse a uma publicação também distribuída gratuitamente nas
lojas e outros locais freqüentados por brasileiros. Tratase de uma lista amarela, a Brazilian Superlist, que abrange
os Estados de Califórnia, Connecticut, Flórida, Georgia,
Massachussetts, New Jersey, New York, Pennsylvania e
Outros Estados.7
Na Brazilian Superlist de 2005 foram identificadas 71
casas de comércio ou de serviços de brasileiros, a maioria também no centro de Framingham; ou seja, nesses últimos dez anos, o número de comércios e serviços de brasileiros mais do que duplicou. Desses estabelecimentos,
40% estão localizados na principal rua do centro de
Framingham – a Concord St., onde fica a prefeitura – e
22% em outras ruas igualmente centrais – a Union St. e a
Hollis St. Além desse aumento, observou-se também uma
maior diversificação nos ramos de atividade.8
O edifício Arcade, situado num espaço nobre da
Concord St., é sede de várias dessas atividades de comércio ou serviços. Com 90% de suas salas alugadas por brasileiros, incluindo consultórios, lojas, sedes de duas das
organizações de brasileiros (a Bramas e o Centro Bom
Samaritano, que aliás não constam na Brazilian Superlist),
é um exemplo do processo de valorização dos imóveis no
centro de Framingham. Segundo a atual presidente do
Bramas, o uso desse edifício irá mudar, sendo ampliado e
parcialmente destinado a residências. Os aluguéis atualmente pagos pelos negociantes e profissionais brasileiros,
em torno de US$ 300 por mês, passariam para US$ 1.400
a US$ 1.800. A maioria dos atuais brasileiros do Arcade
certamente não terá recursos para arcar com esse valor e
o contrato de locação prevê apenas um aviso de 30 a 60
dias para desocupação das salas. A presidente da Bramas
é pessimista quanto à situação não apenas dos brasileiros
do Arcade mas também de outros negociantes do centro
da cidade, pois, segundo ela, esse é o início de um movimento de retomada pelos nativos de seu centro da cidade.
Há contudo opiniões contrárias às dela, que afirmam que
O movimento anti-imigração de Framingham não só faz
parte desse clima republicano repressivo, como também
é conseqüência da maior visibilidade e organização dos
brasileiros imigrantes, o que não acontece em outras cidades da Grande Boston, onde os brasileiros têm também
forte presença, mas não aparecem tanto quanto em
Framingham. Esse destaque dos imigrantes brasileiros
resulta, por sua vez, de dois fatores principais: a organização dos brasileiros imigrantes e a revitalização do centro da cidade e conseqüente revalorização de seus imóveis. É como se os antigos habitantes estivessem a dizer:
“vão embora, vocês já cumpriram sua parte, agora queremos o centro da cidade de volta para nós”.
Esses dois fatores estão inter-relacionados, pois a organização dos brasileiros passa também pela sua forte
presença enquanto negociantes bem-sucedidos no centro
da cidade. Antes mesmo da fundação da Bramas e da Associação de Cidades Irmãs Framingham-Governador
Valadares, vários brasileiros já há cerca de uma década,
começaram a participar ativamente em outras organizações norte-americanas da localidade, como nas escolas
públicas, na South Middlesex Oportunity Council – SMOC,
na South Middlesex Area Chamber of Commerce –
SMACC ,6 e em associações como Rotary, Lyons e Maçonaria. Mais recentemente, como já mencionado, dois
brasileiros foram eleitos para o Poder Legislativo da cidade. Numa localidade com mais habitantes, como é o caso
do município de Boston, essa presença brasileira ativa não
teria tanto destaque quanto em Framingham.
Há atualmente um enorme ruído entre os líderes de
comunidade de Framingham: desencontros de informações
e intrigas, que poderiam indicar um retrocesso na organização da comunidade. Há relatos sobre pessoas que se desencantaram e abandonaram o trabalho comunitário e de
um líder comunitário que simplesmente se desorganizou
psiquicamente. Entretanto, se alguns saem do movimento, são muito mais os que entram, os que se mobilizam;
afinal, a discórdia nem sempre determina o fracasso, servindo, muitas vezes, para apurar os processos organizativos
e definir melhor as lideranças. Foi assim, por exemplo,
em relação a uma outra organização de brasileiros de
Boston (hoje possivelmente a de maior destaque entre os
imigrantes brasileiros da Boston Metropolitana): o Centro do Imigrante Brasileiro.
Quanto ao segundo fator de visibilidade dos imigrantes
brasileiros – a revitalização do centro da cidade e
conseqüente revalorização dos imóveis ocupados pelos
imigrantes –, foram identificadas, na pesquisa de 1995,
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A ORGANIZAÇÃO DOS IMIGRANTES BRASILEIROS EM BOSTON, EUA
modernidades do padre brasileiro, interpretando o incidente da bandeira como um sinal de que os brasileiros
estavam querendo tomar conta daquela igreja que eles
haviam construído com muito esforço.
Porém, esse foi apenas o começo. Logo outros padres
foram chegando e descobrindo as igrejas construídas pelos italianos, irlandeses, latinos da América Central e do
Sul e foram abrindo mais espaços para suas missas e atividades comunitárias em português. Do lado dos protestantes, um pastor da Igreja Assembléia de Deus tinha
construído, em 1993, um enorme templo para 2 mil pessoas, em Somerville; em 1994, outro pastor havia comprado um prédio de três andares de um antigo convento
católico dos padres beneditinos, no bairro de Charlestown,
em Boston, para instalar a Primeira Igreja Batista Brasileira da Grande Boston.
Nas dependências dessa igreja Batista foi criado, em
1995, o Brazilian Community Center, que, com os parcos
recursos de um grant inicial de US$ 5,000.00, destinavase a aulas de inglês e de computação, bem como à distribuição de roupas e alimentos em razão do Natal que se
aproximava. Entretanto, os objetivos do centro eram bastante abrangentes e sua inauguração foi pomposa, contando
com a presença do cônsul brasileiro e de várias lideranças comunitárias. Esse centro teve porém vida curta, como
aconteceu também com uma outra organização que, durante a minha pesquisa em 1995, era muito atuante na região de Boston: o Brazilian Professional Network.
Diferentemente das demais, que foram todas iniciativas de brasileiros, essa organização foi fundada por um
advogado norte-americano (casado com uma brasileira),
tendo porém como público-alvo os brasileiros, sobretudo
os emergentes negociantes dos centros de Framigham, de
Somerville e dos bairros de Allston e East Boston, em
Boston. A principal atividade dessa organização era promover reuniões mensais para tratar de assuntos de interesse da comunidade. Contando sempre com um ou mais
expositores convidados, eram abordados temas diversos,
tais como promoção de contatos com organizações hispânicas, divulgação dos resultados do Censo Americano de
1990, exposição de uma linha de créditos do BankBoston
para imigrantes (quando o então presidente do banco era
o brasileiro Henrique Meireles) e promoção de um contato com o deputado federal Joe Kennedy. Esse advogado,
que hoje colhe os dividendos desse investimento, é um
atuante profissional vinculado aos brasileiros e possui escritórios em Framingham e Boston. No Brazilian Superlist,
ele dispõe de uma página inteira, onde abaixo de seu nome
o proprietário do prédio tem conversado com os atuais inquilinos, assegurando-lhes prioridade no aluguel das novas salas.
O tempo dirá quem tem razão. Ainda estão faltando
estudos que, à semelhança daqueles que mostram a
revitalização de centros decadentes e despovoados pelas
chamadas “empresas étnicas” dos imigrantes (HALTER,
1995), apresentem agora sua outra face: o processo de
retomada, pelos nativos descontentes, dos centros
reconstituídos pelos imigrantes, com a justificativa de
presença de estrangeiros ilegais em seu território, ou, em
outros casos, de uma afirmação étnica de gerações já
estabelecidas. A situação não apenas nos Estados Unidos,
mas também nos países receptores de imigrantes, entre os
quais o caso da França é o exemplo paradigmático, aponta um quadro sombrio para o futuro imediato.
ORGANIZAÇÕES – BALANÇO DE DEZ ANOS
Como a maior parte dos imigrantes que chegam em um
país estrangeiro, os brasileiros também procuraram inicialmente, na região de Boston, o conforto das igrejas. Uma
das igrejas católicas procurada pelos brasileiros foi a de
Santo Antônio, em Cambridge, construída pelos portugueses e com as missas celebradas em português por um dos
primeiros padres que chegaram a Boston para atender à
comunidade brasileira. Os pastores protestantes de várias
denominações, por sua vez, foram chegando, celebrando
os cultos em lugares improvisados e, posteriormente, juntando dinheiro da própria comunidade para a construção
de suas igrejas. Esse foi o marco inicial da organização
dos brasileiros. Além do conforto espiritual, os imigrantes também encontram nas igrejas um espaço de sociabilidade e de ajuda, com indicações para suas demandas mais
imediatas de moradia, trabalho, escolas para os filhos e
serviços de saúde.
Com o padre brasileiro em Cambridge, as missas passaram a ter um ritual mais moderno e alegre, com as músicas acompanhadas por guitarra e os brasileiros se confraternizando ao final, no salão paroquial, com café e pão
de queijo. Entretanto, numa comemoração do 7 de setembro, o padre resolveu fazer uma missa ainda mais festiva
e providenciou uma bandeira do Brasil para ser colocada
ao lado das outras já existentes de Portugal e dos Estados
Unidos. Por infelicidade, a bandeira brasileira era maior
do que a portuguesa e isso foi a gota d’água para um certo
descontentamento dos portugueses, que constituíam uma
comunidade mais velha que não andava satisfeita com as
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lho voluntário nessa organização. Dessa experiência nasceu a idéia de fundar uma organização para os próprios
brasileiros. Com a orientação de uma iraniana (casada com
um brasileiro) que fazia parte da IWRC, ele iniciou o
Centro do Imigrante Brasileiro, em março de 1995.
Logo depois, em abril do mesmo ano, um outro jovem
que tivera problemas trabalhistas na empresa de lasdscape,
onde trabalhava, recorreu ao Centro, resolveu seu problema e passou a fazer ali trabalho voluntário. Quando os
entrevistei, em finais de 1995, ambos eram igualmente
comprometidos com o trabalho e estavam fazendo um
curso oferecido pela Universidade de Massachusetts, destinado ao treinamento de líderes comunitários sobre desenvolvimento e leis norte-americanas de imigração. Nessa
época, o Centro não tinha sequer uma sede e dispunha
apenas de uma mesa e um telefone numa sala onde funcionava uma representação da Massachusetts Agence for
Portuguese Speakers – MAPS e um curso de inglês para
brasileiros, no centro de Allston, um dos bairros de concentração de brasileiros em Boston.
Nessa época, eles contavam com algum dinheiro que
haviam arrecadado em uma festa e com uma equipe de
advogados norte-americanos que trabalhavam voluntariamente para comunidades imigrantes e podiam ser acionados para os casos difíceis, pois nos mais simples os acordos podiam ser conseguidos por meio de telefonema deles
próprios, geralmente em inglês, para um entendimento com
o empregador. Ainda sem registro próprio, o Centro conseguiu, em outubro de 1995, o seu primeiro Grant, pela
intermediação da mesma iraniana que havia dado a mão
generosa em sua fundação.
Aos dez anos de existência do Centro do Imigrante
Brasileiro, apenas o seu fundador, entre os cinco membros que participavam no início, permanece como diretor
executivo. Nesses anos, foram muitas as dissensões, mas
também muitos os apoios vindos de todo lado. Hoje o
Centro tem uma organização consolidada por um Board
of Directors de nove membros, um staff de seis membros
(três trabalhando em tempo integral e três em tempo parcial) e tem recebido suporte financeiro de cerca de doze
fundações norte-americanas. Sua missão é a defesa da
comunidade brasileira em Massachusetts em questões de
educação, direitos trabalhistas – seu principal foco de atuação – e outros direitos do imigrante.
Nesta última pesquisa, entrevistei o diretor executivo
de outro Centro com uma missão semelhante à do Centro
do Imigrante Brasileiro, de Allston, mas que é mais recente e atende sobretudo à comunidade brasileira da re-
está escrito “o advogado dos brasileiros”, citando sua especialidade: acidentes de automóvel, acidentes de pedestres, mordidas de cachorro (sic) e acidentes em geral.
A Bramas, de certa maneira, veio substituir a Brazilian
Professional Network, pois originou-se entre os negociantes brasileiros de Framingham que tinham presença
marcante nas reuniões mensais dessa última organização.
As duas organizações que vi nascer em 1995 e que
comemoraram seus dez anos em 2005 foram o Grupo
Mulher Brasileira e o Centro do Imigrante Brasileiro,
ambos situados no bairro de Allston, em Boston, e com as
mesmas pessoas à frente desde então. O Grupo Mulher
Brasileira, segundo sua diretora executiva, conseguiu se
manter nesse período mas não deu o “pulo do gato”, tal
como o Centro do Imigrante Brasileiro, porque não teve
ainda condições de ter um pessoal fixo remunerado para
desenvolver as atividades, sendo que todo o trabalho é
voluntário, com exceção da recente contratação de uma
pessoa para trabalhar dez horas por semana, que ficará
por dez meses. Apesar de a presidente do grupo ser a única que o freqüenta com regularidade, não houve, segundo
ela, um afastamento total das participantes, que sempre
aparecem em ocasiões especiais, tais como nas palestras
e eventos, colaborando quando podem. É um grupo que
está sempre presente nos eventos da comunidade e esteve
à frente da organização de todos os Festivais da Independência do Brasil, em Boston, desde que este começou, há
dez anos.
O contato com as universidades e com estudantes e alguns professores brasileiros vem trazendo benefícios para
essas organizações; dentre estas, algumas se beneficiaram
desse contato de uma forma mais efetiva, por meio de projetos em parceria com a Universidade de Massachusetts
de Lowel. No Centro do Imigrante Brasileiro há um projeto com jovens na área de saúde e segurança no trabalho;
e no Grupo Mulher Brasileira é desenvolvido um projeto
de formação de uma cooperativa de faxineiras. Essas parcerias propiciam, além da verba para realização dos projetos, também um intercâmbio frutífero da academia com
as organizações comunitárias.
O Centro do Imigrante Brasileiro foi concebido, em
1995, por um jovem idealista a partir de sua própria
experiência migratória. Tendo chegado a Boston em 1988,
seu primeiro emprego foi em uma companhia de limpeza,
onde teve problemas trabalhistas e recorreu a uma organização criada para atender aos imigrantes latinos, a
Immigration Work Result Center – IWRC. Resolveu seu
problema na empresa e, a partir daí, passou a fazer traba-
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A ORGANIZAÇÃO DOS IMIGRANTES BRASILEIROS EM BOSTON, EUA
gião de East Boston. Trata-se do Centro do Trabalhador
Brasileiro, sediado em uma das salas do prédio do Serviço Social de East Boston desde 2004, e antes disso em
uma igreja católica da região.9 A gênese desse Centro vem
da atuação de uma brasileira imigrante que hoje está de
volta ao Brasil, mas que, em 1995, quando fiz a pesquisa,
era uma pessoa muito atuante na área de East Boston. Na
época ela era vinculada a um Conselho Ecumênico da
Comunidade de East Boston e foi lá que começou sua atuação voltada para os brasileiros. O Centro do Trabalhador
Brasileiro foi criado em 2000 por essa imigrante e um
norte-americano de Cambridge, com a ajuda da Igreja
Católica, tendo então o nome de Ana da Hora Work Center.
Em 2002, mudou para a denominação atual.
Assim como o de Allston, esse Centro também é mantido principalmente por fundações norte-americanas e secundariamente pelos recursos das aulas de inglês; funciona com um staff fixo (nesse caso, somente o diretor
executivo em tempo integral e uma secretária em tempo
parcial) e um Conselho de Diretores que se reúne regularmente. Aliás, as atividades dos dois Centros são muito
semelhantes, atendendo prioritariamente a demandas trabalhistas e mantendo cursos de inglês que procuram principalmente preparar o trabalhador para as situações cotidianas no trabalho. Ambos têm alguma aproximação com
os sindicatos, sobretudo o de Limpeza, que hoje possui
mais de mil brasileiros associados, e o de Pintores. Outras atividades comuns não somente a esses Centros, mas
também ao Grupo Mulher Brasileira, são as palestras sobre assuntos de interesse da comunidade (com destaque
para o tema da imigração) e a participação em campanhas
– em geral realizadas em conjuntos com outros grupos imigrantes – pela legalização, por carteira de motorista, pelo
acesso à escola e outras.
O fator que diferencia aqueles dois centros de objetivos tão semelhantes é menos a abrangência e o tamanho –
o que favorece mais o Centro do Imigrante Brasileiro, até
por ser cinco anos mais antigo do que o outro – do que
algumas outras características de sua atuação, que têm a
ver em parte com a trajetória de seus dois dirigentes. O
diretor executivo do Centro de Allston saiu do Brasil (Espírito Santo) com o segundo grau completo, e, nos Estados Unidos, trabalhou como imigrante ilegal em serviços
não qualificados até conseguir recursos para o Centro que
pudessem mantê-lo por tempo integral. Sua esposa ainda
trabalha como faxineira em Boston. Já o diretor executivo do Centro de East Boston é administrador de empresas
formado em São Paulo, está em Boston há cinco anos, veio
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como turista para estudar inglês, tornando-se voluntário
do Centro logo que chegou, em 2000. Depois disso voltou ao Brasil, providenciou a documentação e retornou,
em 2001, tornando-se diretor executivo, em 2002. Voltou
novamente ao Brasil, casou-se e trouxe a esposa, que é
formada em Letras na USP e dá aulas de português para
norte-americanos. O primeiro tem uma postura de
militância, de missão a cumprir, enquanto o segundo possui a frieza de um profissional. Contudo, isso explica pouco
o porquê das diferenças. Esse assunto será retomado na
conclusão do artigo.
Esse texto não abrange todas as organizações de brasileiros imigrantes em Boston, que são em maior número
do que as aqui mencionadas. Foram abordadas tão somente
aquelas com as quais tive oportunidade de manter contato
e que me forneceram subsídios suficientes para as conclusões a seguir. Porém, antes de chegar às conclusões,
vale fazer ainda rápidos comentários sobre algumas outras organizações. A MAPS, que foi citada anteriormente, é um caso interessante, pois trata-se de uma organização antiga, sediada inicialmente em Somerville para
atender aos imigrantes portugueses, cuja migração é antiga em Boston, oferecendo vários serviços de assistência
social. Quando começaram a chegar os imigrantes brasileiros, a MAPS, além de mudar de nome para poder abranger também os brasileiros, foi estendendo cada vez mais
sua atuação para esses newcomers, contratando inclusive
brasileiros para essa finalidade. Hoje a entidade ainda
presta serviços aos portugueses, entretanto, como seu público beneficiário e os funcionários são principalmente brasileiros – e em grande quantidade –, a agência já tem quatro sedes na região metropolitana de Boston.
Entre as organizações dos imigrantes brasileiros, existem algumas que são especialmente voltadas para atividades culturais. É o caso do grupo de Capoeira fundado
pelo baiano Deraldo, em Cambridge, e de um teatro financiado pela TAM. Quem for nas férias de verão a
Harvard Square (o movimentado centro daquela cidade
tão universitária), verá que, entre as várias performances
e shows que ali se apresentam ao ar livre para deleite dos
passantes, tem sempre um grupo de capoeira, que é hoje
uma das marcas culturais do Brasil pelo mundo afora. Recentemente, quando esteve em Boston para um diálogo
com a comunidade brasileira, o ministro da Cultura Gilberto Gil propôs que um Ponto de Cultura fosse montado
no Grupo de Capoeira de Deraldo. Essa proposta foi
criticada por um de meus entrevistados, que trabalha como
diretor de pesquisa da Prefeitura de Boston, pelo fato de
51
TERSEA SALES
o ministro não ter entrado em contato com a Prefeitura
para planejar melhor esse Ponto de Cultura de Boston.
Um horizonte que se vislumbra para a expansão das
atividades culturais e organizativas da comunidade brasileira em Boston é uma proposta que está em estudo e que
foi discutida no recente encontro de lideranças. Trata-se
da disponibilização de um prédio, atualmente pertencente a uma escola da Paróquia de Santo Antônio que está
sendo desativada, para atividades da comunidade brasileira. A idéia inicial é que se juntem lá organizações, como
o Grupo Mulher Brasileira, o Centro do Imigrante Brasileiro, o Grupo de Capoeira de Deraldo, e aos poucos o
espaço seja transformado também em um Centro Cultural
Brasileiro. Isso implica arcar mensalmente com os custos
do aluguel de um prédio que vale 30 milhões de dólares,
chegar a um entendimento entre os possíveis ocupantes
do prédio e realizar uma programação cultural que suporte parte das despesas. Será que os grupos organizados dos
brasileiros imigrantes em Boston já estão preparados para
esse desafio?
do Trabalhador Brasileiro, em East Boston. A entrevista
com o diretor de pesquisa da prefeitura de Boston deu
pistas para uma possível interpretação. Tudo indica que
essas fronteiras têm a ver, principalmente, com uma bagagem cultural que os brasileiros levaram consigo do Brasil
e reproduzem lá fora nas suas organizações. Aqui no Brasil existe uma tradição muito arraigada dos grupos da sociedade civil se organizarem politicamente, com objetivos de mudanças estruturais freqüentemente inalcançáveis
em curto prazo. Já nos Estados Unidos, a tradição é de as
organizações sem fins lucrativos se voltarem unicamente
para a prestação de serviços, sem nenhum conteúdo político. A MAPS, por exemplo, cuja expansão tem sido notável em Boston, tem essa visão muito clara e vem conseguindo apoio do governo norte-americano e das diversas
fundações que lhe dão suporte financeiro.
Por sua vez, as associações fundadas por brasileiros,
se, por um lado, têm um nível de organização política invejável, tendo conseguido inclusive motivar a ida de três
ministros do governo Lula para debater os problemas da
comunidade, por outro, são muito frágeis no sentido da
obtenção dos recursos financeiros disponíveis no governo e nas fundações norte-americanas, exatamente pela
dificuldade de se organizarem em termos de prestação de
serviços. Isso talvez explique a impressão que me ficou
do encontro de lideranças e das entrevistas: é como se
houvesse um certo hiato entre a comunidade dos imigrantes brasileiros que estão na labuta diária de um trabalho
duro, construindo sua auto-imagem de povo trabalhador,
e a “comunidade dos líderes”. A primeira pode até se organizar, porém, quando o faz é mais freqüentemente pelas igrejas. Estas sim têm uma ampla base de apoio nos
grupos comunitários que organizam e pelos serviços que
prestam, oferecidos sobretudo pelas igrejas evangélicas.
Os estudantes brasileiros às vezes se entusiasmam quando assistem às reuniões das lideranças e se propõem a ajudar a comunidade. No fundo, o que os entusiasma é compartilhar do clima de mobilização política, que em geral
se acirra em momentos de campanhas por alguma reivindicação, como a legalização, a anistia, em que os líderes
brasileiros, às vezes com uma base social muito menos
sólida do que outros grupos imigrantes, se colocam à frente
das lutas, exatamente por causa dessa bagagem que levaram consigo do Brasil.
Líderes sem base? Já ouvi por mais de uma vez um dos
mais articulados membros desse grupo de líderes afirmar
que ele não se considera líder porque não tem uma base,
quase como uma autocrítica e uma chamada para a cons-
CONCLUSÃO
Uma leitura da descrição feita até aqui dos grupos organizados – ou, em outros termos, das Organizações NãoGovernamentais – de brasileiros imigrantes em Boston
mostra, ou pelo menos indica, alguns detalhes que podem
dar subsídios para responder à pergunta colocada no final
do parágrafo anterior. Até agora os brasileiros têm dado
passos importantes na sua organização. Em Framingham,
pela dimensão muito mais reduzida da cidade em comparação com Boston, há alguns anos eles já deixaram de ser
uma população invisível,10 a ponto de começar a despertar reações anti-imigrantes. Em Boston, eles se destacam
sobretudo nos bairros de Allston e East Boston, mas isso
não desencadeou as conseqüências vistas em Framingham.
Alguns grupos conversam entre si, como é o caso do Grupo Mulher Brasileira, do Centro do Imigrante Brasileiro
e da MAPS. Há porém uma grande distância deles em relação aos grupos de Framingham, cuja dinâmica é muito
mais circunscrita à chamada região Metrowest.11 Porém,
mesmo em Boston, os grupos de Allston têm uma relação
muito tênue com os de East Boston.
Seguramente, não é apenas a localização espacial que
está marcando essas fronteiras e tampouco a origem
social de seus dirigentes, tal como poderia parecer à primeira vista na descrição feita na sessão anterior sobre os
Centro do Imigrante Brasileiro, em Allston, e do Centro
52
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 44-54, jul./set. 2005
A ORGANIZAÇÃO DOS IMIGRANTES BRASILEIROS EM BOSTON, EUA
Voltando à pergunta colocada anteriormente, se os brasileiros estão preparados para enfrentar o desafio de arcar com um Centro Cultural que abrigue várias atividades
e tenha uma presença física marcada no espaço territorial
de Boston, acredito que estão a caminho disso e só chegarão lá à medida que enfrentarem o próprio desafio. Esse
prédio pode justamente dar uma oportunidade de ouro para
um aprendizado importante para os líderes comunitários
brasileiros, que é a de se organizarem para uma atuação
nas áreas de prestação de serviços, fundamental para lhes
propiciar recursos financeiros e alargar sua base de apoio.
Fazer isso sem perder o lado combativo da luta política
que levaram na bagagem do Brasil talvez seja a síntese
que dará a marca das organizações brasileiras nos próximos dez anos.
ciência dessa situação por parte dos demais. Essas lideranças formam uma espécie de classe média lá, distanciada da classe que no Brasil era média e lá vira classe trabalhadora. E, nos Estados Unidos, é essa classe trabalhadora
que tem legitimidade para abrir uma organização não-governamental de imigrantes e não a classe média politizada.
Daí o porquê dessa pessoa, que não se considera líder por
não ter uma base na comunidade, sabiamente, ter buscado o Centro do Imigrante Brasileiro. O diretor executivo
desse Centro também comunga do sentido político da organização, mas, ao mesmo tempo, pela sua profunda identidade com os trabalhadores e com a igreja Evangélica,
consegue fazer a transição do político para o social e isso
é o segredo do sucesso do Centro por ele dirigido.
A classe média politizada, que é constituída pelos chamados líderes, no decorrer desses últimos dez anos, vem
se articulando não apenas entre si nas suas próprias reuniões e mobilizações políticas, como também na órbita do
Consulado brasileiro de Boston. A atuação do consulado
foi diferente segundo os quatro cônsules que estiveram
(ou do que está atualmente) à sua frente. O primeiro teve
uma atuação pouco destacada e o vice-cônsul era a pessoa mais ativa, que inclusive antecipou a proposta do
Consulado Itinerante quando ia às localidades mais distantes, sobretudo Framingham, para atender a demandas
da comunidade. Foi daí que nasceu seu vínculo com aquela
cidade, que o levou à proposta da criação do Conselho de
Cidades Irmãs com Santa Luzia. O segundo cônsul institucionalizou a proposta do Itamaraty de criação do Consulado Itinerante e do Conselho de Cidadãos. Foi com ele
que se iniciou um contato mais direto com os líderes de
comunidade, o que teve continuidade e foi aprofundado
com o terceiro cônsul. Este tinha duas pessoas no próprio
Consulado que eram mais diretamente vinculadas à comunidade dos líderes, participando de suas reuniões e, às
vezes, de manifestações políticas. Já o último cônsul é
muito criticado pelas lideranças politizadas, por ter adotado uma postura de afastamento em relação à comunidade dos líderes e dado prioridade à eficiência no trabalho
de emissão de documentos, enquanto, pelas lideranças
menos politizadas e com um trabalho adstrito à prestação
de serviços, ele é bem aceito. A insatisfação da classe
média politizada atual talvez se explique, em parte, pelo
fato desta ter tido nos Consulados anteriores uma forma
de reconhecimento, que se manifestava inclusive socialmente nos eventos festivos promovidos pelo Consulado,
para os quais era convidada, o que deixou de acontecer
desde 2004, quando o novo cônsul assumiu suas funções.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 44-54, jul./set. 2005
NOTAS
1. Em 1993, foi feito um banco de dados com notícias da imprensa
nacional e norte-americana e constatou-se que dois terços das informações da imprensa brasileira sinalizavam para fatores negativos, como
ilegalidade, discriminação e criminalidade. Já na imprensa norte-americana, as notícias relativas aos brasileiros apontavam, predominantemente, fatores positivos, como o espírito empreendedor do imigrante
brasileiro, casos de sucesso e a reconstrução de centros de cidade decaídos.
2. Em minha mais recente investigação, fiquei sabendo que essa Associação foi fechada há alguns anos.
3. Essa ajuda foi possível porque a atual presidente da Bramas está
desde agosto de 2005 vinculada como fellow ao Center for Reflective
Community Practice do Massachusetts Institute of Technology – MIT.
Foi selecionada para esse Centro não por causa de sua atuação na comunidade brasileira em Framingham, mas sim por um outro trabalho
que vem desenvolvendo há alguns anos com uma comunidade de rendeiras na região agreste de Pernambuco.
4. Dados retirados do site de Framingham.
5. Dados da jornalista Liz Mineo para o jornal Metrowest Daily News
em 23 de novembro de 2003.
6. Framingham faz parte de uma área geográfica delimitada por fatores mais econômicos do que políticos, na qual a cidade possui posição
de liderança, chamada The South Middlesex Region, ou simplesmente
Metrowest.
7. Um fato curioso nessa lista amarela é que ela pode servir como uma
indicação grosseira da presença de negócios de brasileiros nos Estados Unidos (e mais grosseiramente ainda dos próprios brasileiros).
Massachusetts lidera de longe o número de páginas na lista (24), seguido pelos estados da Flórida e New Jersey (16 cada um), depois
Connecticut (11), New York (8), Califórnia (6) e finalmente Georgia e
Pennsylvania (4 cada um).
8. Esses estabelecimentos compreendem: dois açougues; três escritórios de advogados; uma agência de publicidade; uma agência de viagem; duas lojas de computadores e assistência técnica a computador;
quatro revendedoras e oficinas de automóvel; quatro butiques; uma
loja de carpete; uma loja de CD e vídeo; quatro escritórios de contadores; três consultórios de dentistas; dois salões de estética; uma loja de
53
TERSEA SALES
MARGOLIS, M. Little Brazil: imigrantes brasileiros em Nova York.
Campinas: Papirus, 1994.
filmagem; uma financeira; duas floriculturas; duas lojas de fotógrafos; uma gráfica; uma imobiliária; uma imprensa; quatro joalherias;
cinco consultórios de médicos; uma loja de mudanças; quatro padarias
e confeitarias; duas lojas de perfumes; duas pizzarias; um posto de
gasolina; duas lojas de produtos brasileiros; um consultório de fisioterapia e quiropatia; três lojas de remessas; dois restaurantes; seis salões de beleza; uma loja de vídeo-produção.
METROWEST DAILY NEWS, 23 Nov. 2003.
O ESTADO DE S.PAULO. São Paulo, 20 mar. 2005. Cad. Aliás.
SALES, T. Brasileiros longe de casa. São Paulo: Cortez, 1999.
9. Por causa dos escândalos de pedofilia, a igreja teve que pagar muitas indenizações e por isso fechou várias igrejas, inclusive aquela onde
estava sediado o Centro.
________. Brasil migrante, Brasil clandestino. São Paulo em
Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 8, n. 1, p. 107-115, jan./
mar. 1994.
10. Sobre isso, vale lembrar Maxine Margolis (1994), que se referia aos
imigrantes brasileiros de Nova York como uma população invisível.
SALES, T.; LOUREIRO, M. Imigrantes brasileiros adolescentes e de
segunda geração em Massachusetts, EUA. Revista Brasileira de
Estudos de População, v. 21, n. 2, jul./dez. 2004.
11. Sobre essa região, ver nota 6.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOSTON GLOBE. Boston, 11 Dez. 1994.
TERESA SALES: Socióloga, Professora Livre-Docente e Pesquisadora do
Núcleo de Estudos de População da Unicamp.
FOLHA DE S.PAULO. São Paulo, 5 maio 2005. Folha Mundo.
HALTER, M. (Ed.). New migrants in the Marketplace: Boston,
Ethnic Entrepreneus. Amherst: University of Massachusetts Press,
1995.
Artigo recebido em 29 de julho de 2005.
Artigo aprovado em 12 de setembro de 2005.
54
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 44-54, jul./set. 2005
A FORMAÇÃO DE COMUNIDADES-FILHAS NO FLUXO DE BRASILEIROS ...
A FORMAÇÃO DE COMUNIDADES-FILHAS
NO FLUXO DE BRASILEIROS PARA OS
ESTADOS UNIDOS
WILSON FUSCO
Resumo: A proposta deste artigo é analisar a formação de comunidades brasileiras nos Estados Unidos como
resultado do processo de organização social que facilita a adaptação do imigrante no destino. Fortemente influenciados pelas redes migratórias, os migrantes em potencial deixam de considerar muitas localidades teoricamente disponíveis e concentram-se naqueles poucos locais com os quais seu lugar de origem possui laços
sociais importantes.
Palavras-chave: Migração internacional. Estados Unidos. Rede social.
Abstract: The purpose of this work is to analyze the formation of Brazilian communities in certain areas of the
U.S.A. as a result of the social organization process which facilitates the immigrant adjustment at his/her
destination. Strongly influenced by migrant networks, the potential migrants fail to consider many available
places as potential destinations in order to concentrate themselves at those few places, which are connected to
their place of origin through relevant social ties.
Key words: International Migration. United States. Social Network.
A
formação de comunidades de imigrantes nos
Estados Unidos é um processo amplamente registrado na literatura especializada. Massey (1987)
é o único autor a usar o termo “daughter communities”
(comunidades-filhas) para descrever o caso dos mexicanos na Califórnia, mas vários outros estudiosos que analisam processos semelhantes podem ser citados, como Portes (2002), que encontra “enclaves” de imigrantes
sul-americanos em Los Angeles, Nova York e Washington, ou Menjivar (1997), que analisa os salvadorenhos em
San Francisco. Margolis (1994), que estudou os brasileiros em Nova York, descreve uma comunidade “invisível”,
principalmente em função da ausência de instituições
associativas direcionadas aos brasileiros.
O conceito de “rede social” na migração internacional
é entendido por Massey (1987) como um conjunto de la-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 55-63, jul./set. 2005
ços sociais que ligam comunidades de origem a pontos de
destino específicos. Tais laços unem migrantes e nãomigrantes em uma complexa teia de papéis sociais complementares e de relacionamentos interpessoais que são
mantidos por um quadro informal de expectativas mútuas
e comportamentos predeterminados.
A origem dos fluxos migratórios confunde-se com a
expansão de determinadas redes sociais. Estas se consolidam e formam vias transmissoras de recursos necessários
para a adaptação do migrante no destino, ao mesmo tempo em que, na origem, estimulam o migrante em potencial
a ingressar no fluxo.
Em consonância com a argumentação de Douglas
Massey acerca da formação de comunidades-filhas entre
mexicanos, este trabalho pretende mostrar algumas características da organização social própria do processo de
55
WILSON FUSCO
concentração de emigrantes brasileiros em regiões específicas nos Estados Unidos. A hipótese a ser explorada é
a de que a formação de comunidades de brasileiros em
determinadas áreas nos EUA pode ser explicada, para além
dos fatores econômicos, em função da utilização do capital social, cujos benefícios circulam por meio das redes
sociais, principalmente redes de parentesco e amizade, que
alimentam e regulam os fluxos continuamente.
ção da ilegalidade dos migrantes. Além disso, um estudo
especialmente valioso para este trabalho é a pesquisa de
campo realizada com a intenção explícita de captar elementos particulares da organização social dos migrantes,
e que permita a comparação entre diferentes locais de origem.
Também cabe reconhecer um fator negativo das fontes
de dados utilizadas. Por terem sido realizados somente em
uma das “pontas” do fluxo migratório, esses estudos carregam um limite importante: algumas das informações não
puderam ser obtidas diretamente dos migrantes, pois, no
momento das entrevistas, estes estavam vivendo nos Estados Unidos. Na verdade, tais informações foram dadas
pelos migrantes retornados ou por parentes em condições
de fazê-lo.
BASE DE DADOS
Os dados utilizados para subsidiar este trabalho são
provenientes de dois surveys – um, realizado em Governador Valadares-MG, e o outro, em Criciúma-SC. O survey
realizado em Governador Valadares-MG, finalizado em
julho de 1997, fez parte do projeto CNPq (MCT/Finep/
Pronex) intitulado “Imigrantes Brasileiros nos EUA –
Cidadania e Identidade”; o realizado em Criciúma-SC,
levado a termo em junho de 2001, foi financiado pelo projeto Fapesp “As redes sociais nas migrações internacionais: os migrantes brasileiros para os Estados Unidos e
Japão”. Ambos os projetos foram coordenados pela Professora Dra. Teresa Sales e desenvolvidos no Núcleo de
Estudos de População – Nepo da Unicamp.
O método utilizado para o planejamento das pesquisas
de campo pode ser descrito como “amostragem aleatória
por conglomerados simples”. Esse processo permite inferir os resultados obtidos à população total, uma vez que
todas as combinações de “n” unidades entre os “N” indivíduos da população têm a mesma probabilidade de pertencer à amostra, com erro e intervalo de confiança controlados.1 Dessa forma, podemos extrapolar os resultados
das amostras e dizer que as cidades de Governador
Valadares e Criciúma têm, no mínimo, 6,7% e 3,2% de
suas populações com experiência migratória internacional, respectivamente. Uma vez encontrados os domicílios
com migrantes internacionais, foram aplicados questionários para capturar as características sociodemográficas da
população envolvida com o processo, juntamente com
diversos aspectos do histórico migratório de cada indivíduo.
A principal vantagem de surveys como os que foram
utilizados para este trabalho é a de suprir a carência sistemática de dados oficiais representativos sobre a migração internacional de brasileiros. As fontes secundárias de
dados não são capazes de captar as informações necessárias para as análises que os estudiosos da migração se propõem a elaborar – e isso acontece principalmente em fun-
CONCENTRAÇÃO NO DESTINO
A rota que leva aos Estados Unidos é a principal escolha dos emigrantes brasileiros. Segundo estimativa
divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores para
2001 (Tabela 1), aproximadamente 42% dos brasileiros
que viviam no exterior estavam nos Estados Unidos, 23%
estavam no Paraguai e 12% no Japão. Os emigrantes para
Paraguai e Japão guardam características específicas aos
respectivos movimentos: os primeiros têm origem na região do entorno da fronteira com o Paraguai e fixam-se
na zona rural (PALAU, 2001); os dekasseguis,2 por sua
vez, são cidadãos brasileiros que se enquadram nas exigências legais relativas à ascendência étnica para a obtenção do visto apropriado, concedido pelo governo japonês (SASAKI, 1999).
Os brasileiros que decidem viver nos Estados Unidos
carregam a marca da ilegalidade: ao mesmo tempo em que
o Ministério das Relações Exteriores calcula em 800 mil
os brasileiros que estão morando nos Estados Unidos, a
TABELA 1
Migrantes Brasileiros, segundo País de Residência
Brasil – 2001
País de Residência
População
%
Total
1.887.895
100,00
Estados Unidos
799.203
42,33
Paraguai
442.104
23,42
Japão
224.970
11,92
Outros
421.618
22,33
Fonte: Ministério das Relações Exteriores (2001).
56
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 55-63, jul./set. 2005
A FORMAÇÃO DE COMUNIDADES-FILHAS NO FLUXO DE BRASILEIROS ...
estimativa do Bureau of the Census deste país coloca esse
número entre 160 e 230 mil brasileiros (UNITED STATES
BUREAU OF THE CENSUS, 2000, Tabelas 3-4). É notório que o registro de brasileiros é feito somente para
aqueles que têm a situação de imigrante regularizada, visto
que os indocumentados não se declaram, pelo risco de
prisão e deportação. O que se conclui é que a maioria dos
migrantes vive de forma clandestina nos Estados Unidos.
Os Estados Unidos também atraem a maioria dos emigrantes de Governador Valadares e de Criciúma. Segundo a Tabela 2, mais de 85% dos valadarenses e 60% dos
criciumenses escolheram os EUA como destino em sua
primeira viagem ao exterior. As proporções de migrantes
com experiência nos EUA sobem respectivamente para
88,7% e 65,4%, quando são considerados também os indivíduos que, tendo inicialmente escolhido outro país em
sua primeira viagem, decidem-se pelos Estados Unidos
num momento posterior. Outra característica comum aos
dois fluxos é que mais de 80% dos migrantes declararam
estar em situação irregular nesse país.
a freqüência de negativas aos pedidos de visto que vêm
ocorrendo nos últimos anos por parte do consulado norteamericano no Brasil. Como conseqüência, verifica-se uma
proporção muito maior de pessoas de Criciúma – 23
migrantes – seguindo para os Estados Unidos depois de
passarem pelo México. Ao que indicam as mais recentes
notícias veiculadas pela mídia, o fluxo de brasileiros que
tentam a sorte por meio da travessia da fronteira MéxicoEstados Unidos tem aumentado continuamente.
FORMAÇÃO DAS COMUNIDADES-FILHAS
O que dificulta o reconhecimento preciso da distribuição de brasileiros nos Estados Unidos é a ausência de dados
oficiais mais específicos sobre o destino dos emigrantes.
A variável do Censo Demográfico brasileiro que registra
o país de residência anterior, por exemplo, não é acompanhada de uma variável complementar para determinar em
que estado e município daquele país vivia o migrante
retornado. Por meio dos surveys utilizados neste trabalho, no entanto, podemos reconhecer o local de destino
dos emigrantes em nível municipal.
O reconhecimento dos pontos de destino mais expressivos de um determinado fluxo permite uma caracterização adicional de sua dinâmica. Para citar alguns exemplos, tome-se a comunidade brasileira em San Francisco,
nos Estados Unidos. Segundo Ribeiro (1999), dados do
consulado brasileiro mostram que podemos encontrar
migrantes de vários estados do Brasil, mas que a concentração de goianos é a expressão mais evidente; Oliveira
(2003), em sua pesquisa de campo na Flórida, encontrou
brasileiros originários predominantemente do Rio de Janeiro e de São Paulo. E os indivíduos que saem de Governador Valadares e Criciúma, onde se concentram? A Tabela 3 mostra o estado de destino desses brasileiros em
sua primeira viagem aos EUA.
Os valadarenses concentram-se predominantemente em
Massachusetts, Flórida, Nova Jersey e Nova York (Tabela 3), mas o primeiro estado é, sem dúvida, o principal
destino, uma vez que agrega mais de 51% da população
migrante. As pessoas originárias de Criciúma estão ainda
mais concentradas em um único estado: algo em torno de
83% desses migrantes encontravam-se em Massachusetts,
que é, também, a região que mais atrai valadarenses. Na
verdade, o movimento de saída mais expressivo em
Criciúma acontece mais de 10 anos depois do ápice verificado para o fluxo de Valadares. Dessa forma, podemos
considerar que os criciumenses seguiram o caminho tra-
TABELA 2
Distribuição dos Migrantes, por Cidade de Origem,
segundo País de Destino na Primeira Viagem
Governador Valadares e Criciúma – 1997-2001
País de Destino
Total (Nos Absolutos)
Total (%)
Estados Unidos
Cidade de Origem
Governador Valadares
Criciúma
1997
2001
514
505
100,00
100,00
85,60
60,00
Canadá
2,53
1,58
Portugal
2,33
10,89
Itália
0,78
14,26
México
0,19
4,55
Outros
8,57
8,72
Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 1997 e 2001.
Nota: Os dados desta tabela são originados dos surveys realizados em Governador ValadaresMG (1997) e/ou em Criciúma-SC (2001), ambos coordenados pela Professora Dra. Teresa
Sales e descritos neste artigo no item “Base de Dados”.
Em alguns casos, o caminho até os Estados Unidos passa
pelo México, ou seja, alguns brasileiros tentam o ingresso nesse país pela fronteira. Note-se que até 1997, ano da
realização do survey em Governador Valadares, somente
um habitante dessa cidade arriscou a travessia por essa
fronteira. Os criciumenses, por participarem de um fluxo
muito mais recente que o dos mineiros, sofrem mais com
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 55-63, jul./set. 2005
57
WILSON FUSCO
çado pelos valadarenses, encontrando uma comunidade de
brasileiros em estágio de expansão no território norteamericano.
TABELA 4
Distribuição dos Migrantes, por Município de Origem,
segundo Cidade de Destino na Primeira Viagem para os Estados Unidos
Governador Valadares e Criciúma – 1997-2001
TABELA 3
Cidade de Destino
Distribuição dos Migrantes, por Município de Origem,
segundo Estado de Destino na Primeira Viagem para os Estados Unidos
Governador Valadares e Criciúma – 1997-2001
Estado de Destino
os
Total (N Absolutos)
Total (%)
Massachusetts
Total (Nos Absolutos)
Total (%)
37,60
Nova York
403
100,00
9,40
Newark
5,48
Framingham
4,96
Outras
51,86
42,56
Flórida
15,88
Nova Jersey
14,64
Cidade de Destino
11,66
Total (Nos Absolutos)
Nova York
Outros
Total (%)
5,96
Boston
Estado de Destino
os
Total (N Absolutos)
Total (%)
Massachusetts
Flórida
Criciúma (2001)
302
383
100,00
Boston
Governador Valadares (1997)
Governador Valadares (1997)
Criciúma (2001)
292
100,00
58,90
Somerville
6,85
Miami
4,11
100,00
Hartford
3,42
83,08
Outras
26,72
Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 1997 e 2001.
Nota: Os dados desta tabela são originados dos surveys realizados em Governador ValadaresMG (1997) e/ou em Criciúma-SC (2001), ambos coordenados pela Professora Dra. Teresa
Sales e descritos neste artigo no item “Base de Dados”.
5,38
Connecticut
3,85
Texas
1,92
Outros
5,77
Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 1997 e 2001.
Nota: Os dados desta tabela são originados dos surveys realizados em Governador ValadaresMG (1997) e/ou em Criciúma-SC (2001), ambos coordenados pela Professora Dra. Teresa
Sales e descritos neste artigo no item “Base de Dados”.
O município de Framingham abriga uma das mais notáveis comunidades de imigrantes brasileiros, provenientes principalmente de Governador Valadares. Segundo
Bicalho (1989), 87% dos residentes em Framingham vieram do Vale do Rio Doce. Teresa Sales (1999, p. 47), que
dedicou um capítulo especial à cidade norte-americana,
relata o sentimento de identidade provocado pela predominância de brasileiros no local.
Observando as cidades de destino com maior concentração de brasileiros (Tabela 4), destaca-se, em primeiro
lugar, a cidade de Boston, que sozinha é responsável por
mais de um terço das migrações de Valadares, e quase 60%
do movimento de Criciúma. Para Valadares, em seguida
vem a cidade de Nova York, com 9,40%; Newark, com
5,48%; e Framingham, que faz parte da região metropolitana de Boston, com 4,96%. Na Flórida, destacam-se as
cidades de Pompano Beach, Deerfield Beach e Miami, porém todas com contingentes de valadarenses que representam apenas 3% dos migrantes. No caso de Criciúma, a
segunda cidade de destino em importância é Somerville,
que também está inserida na região metropolitana de
Boston e que acrescenta quase 7% de criciumenses a essa
área. Em síntese, Massachusetts e, principalmente, a região metropolitana de Boston são os locais que mais concentram os migrantes que partiram de Governador
Valadares e de Criciúma.
Ao sair novamente à rua, apesar do frio de outono daquele
final de tarde apressado em escurecer mais cedo, me sinto
brasileirinha da silva. Tão brasileira depois daquela coxinha
de galinha e daquele suco de caju, que estranhei quando,
na rua, me deparei com dois autênticos nativos conversando
em inglês.3
Os valadarenses, portanto, formam comunidades importantes em quatro Estados dos EUA, mas a concentração de mais de 51% em Massachusetts evidencia este como
o principal ponto de destino desses brasileiros. Essa informação também pode ser encontrada nos trabalhos de
Sales (1999), Martes (1998) e Bicalho (1989), que
pesquisaram sobre a origem dos imigrantes brasileiros nos
58
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 55-63, jul./set. 2005
A FORMAÇÃO DE COMUNIDADES-FILHAS NO FLUXO DE BRASILEIROS ...
Estados Unidos. Os criciumenses aparecem ainda mais
concentrados em Massachusetts que os valadarenses, mas
devido ao caráter extremamente recente desse fluxo, não
encontramos referências a ele na literatura especializada.
Uma vez que a chegada dos brasileiros em território
dos Estados Unidos acontece de forma contínua, podemos concluir que muitos migrantes seguiram paulatinamente para locais onde já se encontravam seus conterrâneos. Esse é um dos aspectos das redes sociais, que,
segundo Sales (1999, p. 36)
tímido entre o primeiro e o último período de primeiras
viagens, passando de 12,3% para 14,4%. O que se verifica para os estados da Flórida e de Nova York é uma diminuição contínua da concentração de migrantes: com 18,9%
e 18,0%, respectivamente, no primeiro período, a proporção de indivíduos que escolhem esses destinos em sua
primeira viagem cai para 12,7% e 5,1% no último período.
O direcionamento de fluxos migratórios para pontos
específicos de destino também foi estudado por Massey
(1987). Esse autor descreve a formação de comunidades
de migrantes, que ele chamou de “comunidades-filhas”,
como um processo intrínseco da migração. Os primeiros
momentos da migração de mexicanos para os EUA comportavam uma diversidade muito maior de destinos do que
nos períodos mais recentes. É um processo social que leva
tempo para operar, de modo que as comunidades-filhas
se desenvolvem mais devagar no início, aumentando o ritmo de crescimento quando um volume maior de migrantes
passa a sustentar e alimentar as redes de forma mais consistente, fato que exerce um efeito magnético para as migrações subseqüentes. O Gráfico 1 reflete os dados da
Tabela 5 e mostra a correspondência entre o processo
migratório brasileiro em questão e as observações de
Douglas Massey sobre a migração de mexicanos para os
Estados Unidos.
O desenvolvimento de comunidades estabelecidas nos
Estados Unidos é um passo crucial na maturação das redes migratórias. Quando alguns indivíduos se fixam em
contribuem não apenas para fornecer os referenciais do local
de destino, como a acomodação inicial do imigrante e sua
inserção no mercado de trabalho.
A Tabela 5 mostra o estado de destino do migrante
valadarense em função do período da primeira viagem aos
EUA. Os dados de Criciúma não podem ser apresentados
dessa forma, pois o caráter recente desse movimento concentra mais de 50% dos migrantes nos três últimos anos
antes da pesquisa, indicando que o ápice ainda não foi
atingido, o que inviabiliza a desagregação da informação
em períodos. O fluxo de Valadares, por outro lado, teve
seu auge dez anos antes da pesquisa – o que permite classificar os períodos em: aceleração, ápice e desaceleração/
estabilização. Dessa forma, vemos que Massachusetts
atraiu 45,1% dos migrantes que fizeram sua primeira viagem até 1986. Essa concentração aumentou para 50,6%
no segundo período, e cresceu ainda mais no período mais
recente, chegando a contar com 58,5% dos migrantes que
saíram do Brasil entre os anos de 1990 e 1997. O fluxo
que se direcionou para Nova Jersey teve um crescimento
GRÁFICO 1
Distribuição dos Migrantes, por Estado de Destino na Primeira Viagem
para os Estados Unidos, segundo o Período de Migração
Governador Valadares – 1967-1997
TABELA 5
Distribuição dos Migrantes, por Período de Migração, segundo Estado
de Destino na Primeira Viagem para os Estados Unidos
Governador Valadares – 1967-1997
Período da Migração
Estado de Destino
1967 a 1986
1987 a 1989
1990 a 1997
os
122
166
118
Total (%)
100,0
100,0
100,0
45,1
50,6
58,5
Total (N Abs.)
Massachusetts
Flórida
18,9
13,9
12,7
Nova Jersey
12,3
16,3
14,4
Nova York
18,0
10,8
5,1
5,7
8,4
9,3
Outros
Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 1997.
Nota: Os dados desta tabela são originados do survey realizado em Governador ValadaresMG (1997), coordenado pela Professora Dra. Teresa Sales e descrito neste artigo no item
“Base de Dados”.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 55-63, jul./set. 2005
Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 1997.
Nota: Os dados desta tabela são originados do survey realizado em Governador ValadaresMG (1997), coordenado pela Professora Dra. Teresa Sales e descrito neste artigo no item
“Base de Dados”.
59
WILSON FUSCO
em “presentes/retornados” e “ausentes/exterior”. Dessa
forma, os resultados da Tabela 6 referem-se de modo quase
integral aos criciumenses que decidiram viver em
Massachusetts, e pretendem indicar a influência do uso
dos recursos das redes sociais na manutenção do status
de migrante.
De acordo com a Tabela 6, cerca de 56% dos criciumenses ausentes e 45% dos retornados recorreram à
ajuda de terceiros para levantar os recursos financeiros
necessários para realizar a empreitada; com relação à hospedagem, mais de 91% dos ausentes e cerca de 90% dos
retornados solicitaram e receberam ajuda nesse quesito; a
obtenção do primeiro emprego no destino foi atingida com
a colaboração de parentes e amigos para mais de 86% dos
ausentes e para mais de 85% dos retornados. Apesar de
pequena, a diferença entre a proporção de utilização dos
recursos do capital social entre retornados e ausentes pode
ser verificada. Entre os que melhor se aproveitam desses
recursos, esse fato poderia indicar maior propensão de
manter-se no destino. As agências de recrutamento, por
sua vez, não se configuram como uma fonte utilizada com
freqüência para a obtenção desses mesmos recursos. De
qualquer forma, podemos concluir que, para a maioria dos
criciumenses, os recursos do capital social influenciam
fortemente o processo de adaptação no destino – o qual,
nesse caso, está cristalizado em Massachusetts.
Por outro lado, devido à maior diversidade dos locais
de destino, os dados de Valadares comportam a apresentação dos recursos utilizados pelos migrantes desagregados por estado. As Tabelas 7 e 8 foram construídas associando os dados sobre quem o valadarense conhecia no
destino e quem lhe forneceu ajuda financeira para chegar
determinados lugares, o processo migratório transformase, redirecionando os fluxos para regiões específicas
(MASSEY, 1987). Visto desse modo, em todo local que
se forma uma comunidade de imigrantes, a atração para
novos migrantes parece um fato consumado. Mas não é
isso o que pode ser observado no caso analisado. Enquanto,
proporcionalmente ao total de pessoas em cada período,
Massachusetts recebe cada vez mais indivíduos, decresce
o número relativo de migrantes que se dirigem aos outros
estados, com exceção de Nova Jersey, que mantém certa
estabilidade.
O que ocorre é que não basta a aglomeração de pessoas no destino para que existam os benefícios que facilitam e estimulam o ingresso de pessoas num fluxo migratório. A formação de comunidades no destino é uma
condição necessária, mas não suficiente. É preciso que se
desenvolvam redes de relações confiáveis unindo origem
e destino, nas quais o migrante em potencial ou o retornado
possam apoiar-se. As diferenças verificadas na Tabela 3
podem ser explicadas em função desse argumento, ou seja,
as regiões que mais atraem migrantes são as que melhor
disponibilizam os recursos do capital social presentes nas
redes migratórias.
CAPITAL SOCIAL E
DINÂMICA MIGRATÓRIA
Uma vez que Massachusetts concentra mais de 83% dos
emigrantes de Criciúma que se dirigem aos Estados Unidos, as variáveis de uso dos recursos do capital social não
suportam a desagregação em função dos outros estados
de destino. Foi possível, no entanto, separar os migrantes
TABELA 6
Distribuição das Fontes de Recursos para o Migrante em sua Primeira Viagem aos Estados Unidos, por Tipo de Recurso e Status Migratório
Criciúma – 2001
Recursos Financeiros
Fontes
Retornado
Ausente
Hospedagem
Retornado
Emprego
Ausente
Retornado
Ausente
os
142
406
143
406
124
353
Total (%)
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Total (N Abs.)
Próprios
54,2
44,0
9,8
8,4
14,5
13,9
Parentes
38,0
47,0
43,4
44,8
30,6
34,8
3,5
4,2
39,2
41,4
50,0
46,5
-
1,2
0,6
1,2
-
0,6
4,3
3,6
7,0
4,2
4,9
4,2
Amigos
Ag. Recrutamento
Outros
Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 2001.
Nota: Os dados desta tabela são originados do survey realizado em Criciúma-SC (2001), coordenado pela Professora Dra. Teresa Sales e descrito neste artigo no item "Base de Dados".
60
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 55-63, jul./set. 2005
A FORMAÇÃO DE COMUNIDADES-FILHAS NO FLUXO DE BRASILEIROS ...
TABELA 7
Quem o Migrante Conhecia no Destino, segundo o Estado de Destino na Primeira Viagem aos Estados Unidos
Governador Valadares – 1997
Estado de Destino
Massachusetts
Total
(Nos Absolutos)
Quem Conhecia no Destino
Parentes
Amigos
Ninguém
Outra
Total
100,0
208
56,3
26,0
17,3
0,4
Flórida
61
50,9
21,3
27,8
0,0
100,0
Nova Jersey
59
64,4
15,3
20,3
0,0
100,0
Nova York
46
47,8
28,3
23,9
0,0
100,0
Outro
31
58,1
19,3
22,6
0,0
100,0
Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 1997.
Nota: Os dados desta tabela são originados do survey realizado em Governador Valadares-MG (1997), coordenado pela Professora Dra. Teresa Sales e descrito neste artigo no item “Base de
Dados”.
TABELA 8
Distribuição da Fonte de Recursos Financeiros para o Migrante, segundo o Estado de Destino na Primeira Viagem aos Estados Unidos
Governador Valadares – 1997
Estado de Destino
Massachusetts
Total
Fonte de Recursos Financeiros
(Nos Absolutos)
Próprios
Parentes
Amigos
Ninguém
Outra
Total
208
38,0
44,7
9,6
3,4
2,9
100,0
Flórida
61
64,0
27,9
4,9
1,6
1,6
100,0
Nova Jersey
59
52,5
39,0
6,8
1,7
0,0
100,0
Nova York
46
45,7
32,6
10,9
8,7
2,2
100,0
Outro
31
48,4
38,7
6,5
3,2
3,2
100,0
Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 1997.
Nota: Os dados desta tabela são originados do survey realizado em Governador Valadares-MG (1997), coordenado pela Professora Dra. Teresa Sales e descrito neste artigo no item “Base de
Dados”.
ao estado de destino na primeira viagem. Pudemos, então, retomar a hipótese inicial de que, em determinadas
regiões, a atração exercida sobre os migrantes está diretamente relacionada à dinâmica de transferência dos benefícios próprios das redes migratórias.
As pessoas que chegaram a Massachusetts fizeram uso
da melhor estrutura de relações dentre todos os estados
de destino: somente 17,3% relataram não conhecer ninguém, enquanto que 56,3% tinham parentes no destino, e
os amigos foram a principal referência para 26,0% desse
grupo, conforme a Tabela 7. Os migrantes que se dirigiram para Flórida e Nova York apresentam o maior índice
de pessoas sem nenhum conhecido nos Estados Unidos,
com 27,8% e 23,9%, respectivamente.
Conforme a Tabela 8, os migrantes que não utilizaram
fontes alternativas de recursos financeiros aparecem em
maior quantidade nos Estados da Flórida, Nova Jersey e
Nova York, com a proporção interna a cada grupo de
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 55-63, jul./set. 2005
64,0%, 52,5% e 45,7%, respectivamente. Mais uma vez,
pudemos destacar a presença e a importância das redes
que ligam Governador Valadares a Massachusetts e dos
recursos que por elas circulam. Apenas 38,0% desse grupo contaram somente com recursos próprios, e a proporção daqueles que conseguiram ajuda financeira entre parentes atinge 44,7% – o maior índice da tabela para essa
categoria.
A simples utilização de recursos financeiros de parentes ou amigos não significa necessariamente que essas
pessoas ficaram em vantagem com relação àqueles que
contaram somente com recursos próprios. Alguns têm
maior poder econômico que outros, e essa pode ser a razão da não necessidade de empréstimos. Entretanto, o que
se evidencia aqui é que existe, de fato, maior disponibilidade e uso de recursos, financeiros ou não, que justificam
a maior concentração de migrantes em determinadas regiões.
61
WILSON FUSCO
CONCLUSÃO
risco envolvido na transferência desses mesmos recursos
– ou na ausência dele.
Um importante passo no amadurecimento das redes
migratórias ocorre quando alguns migrantes começam a
se estabelecer nos Estados Unidos. Quando as novidades
positivas percorrem a região de origem, mais indivíduos
se encorajam e seguem os passos dos pioneiros. A existência de regiões com concentração de parentes, amigos e
conhecidos, por sua vez, acelera a expansão das redes,
dando a elas uma forte base nos EUA. No entanto, os pontos de destino encontram-se em diferentes fases quanto à
circulação dos recursos por meio das redes formadas em
cada local. Observou-se que as redes sociais que ligam
Governador Valadares e Criciúma a Massachusetts são as
que melhor disponibilizam seus recursos, e que é essa região nos EUA que mais atrai os migrantes valadarenses e
criciumenses. Como resultado, encontramos atualmente
diversas instituições associativas para brasileiros em
Massachusetts, evidenciando o desenvolvimento de uma
comunidade bastante “visível”, ao contrário do que Maxine
Margolis encontrou em Nova York.
Como vimos, a migração de valadarenses e criciumenses para os Estados Unidos é fortemente baseada numa
organização social que a apóia e sustenta. Massey (1987,
p. 169) diz que
NOTAS
1. No caso das pesquisas realizadas, o erro máximo em Governador
Valadares ficou em 5,0% e em Criciúma ficou em 5,3%; em ambas
cidades o intervalo de confiança foi de 95%.
2. Este termo é utilizado para designar o descendente de japonês que
migra para trabalhar no Japão.
3. Este é um depoimento da própria autora, em seu livro Brasileiros
Longe de Casa (SALES, 1999).
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Percebemos a presença dessas conexões cotidianas
transformadas no contexto das migrações e a ampliação
do uso das redes com o passar dos anos. As redes migratórias tendem a se tornar auto-suficientes com o tempo,
devido ao capital social que elas geram aos migrantes em
potencial, pois ao mesmo tempo em que as redes se expandem, novas situações de oferta e demanda de recursos
são reproduzidas e negociadas entre os novos migrantes.
Contatos pessoais com parentes, amigos e conterrâneos
dão aos migrantes o necessário acesso a emprego, hospedagem e assistência financeira no destino, canalizando
pessoas que fazem parte de certos grupos sociais no Brasil para regiões específicas nos Estados Unidos. A confiança é – claramente – um elemento fundamental nesse
processo. Afinal, os preciosos recursos que facilitam a
inserção dos migrantes no país de destino e, conseqüentemente, o direcionamento desses migrantes para determinados locais, estão restritos a relacionamentos em que os
atores envolvidos são pautados pelo reconhecimento do
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Artigo recebido em 5 de maio de 2005.
Aprovado em 29 de agosto de 2005.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 55-63, jul./set. 2005
63
WEBER SOARES / ROBERTO NASCIMENTO RODRIGUES
REDES SOCIAIS E CONEXÕES PROVÁVEIS
ENTRE MIGRAÇÕES INTERNAS E
EMIGRAÇÃO INTERNACIONAL DE
BRASILEIROS
WEBER SOARES
ROBERTO NASCIMENTO RODRIGUES
Resumo: O artigo apresenta evidências das conexões prováveis da migração interna e a emigração internacional entre Governador Valadares e Ipatinga e as demais microrregiões brasileiras, com base na aplicação dos
princípios teóricos e metodológicos da análise de redes sociais.
Palavras-chave: Migração internacional. Migração interna. Análise de redes sociais.
Abstract: This article shows evidences of the probable connections between the internal and international
migration among the micro-regions of Governador Valadares and Ipatinga and the others micro-regions of
Brazil, based on the social network analysis.
Key words: International migration. Internal migration. Social network analysis.
E
- a redução do volume dos fluxos migratórios;
ntre o final do século 19 e início do século 20, o
Brasil recebeu grande quantidade de imigrantes
oriundos principalmente de Portugal, da Itália, da
Espanha, da Alemanha e do Japão. De meados do século 20
até final dos anos 70, o país manteve-se praticamente fechado
a trocas populacionais externas. Na década de 80, o Brasil
volta a apresentar fluxos expressivos de migração internacional: exporta, nessa década, de 1 milhão a 2,5 milhões de
pessoas (CARVALHO, 1996). E, quanto ao movimento
populacional, assume um perfil emigratório.
O processo bipolar de distribuição espacial interna da
população brasileira, que ganhara corpo durante o período 1930-70 pela enorme transferência de população do
meio rural para o urbano (em especial para as metrópoles), e pelas migrações que se dirigiram às fronteiras agrícolas, passa por transformações significativas, nos anos
80. Entre as transformações sofridas pelas trajetórias espaciais dominantes no período 1940-80 cabe pôr em relevo:
- o maior peso das migrações de curta distância e intraregionais;
- a maior incidência das migrações de retorno; e
- a alteração da tendência à concentração urbana nas grandes capitais e regiões metropolitanas.
O objetivo deste artigo é tratar de colocar em evidência as conexões prováveis entre a migração interna e a
migração internacional na história recente dos deslocamentos espaciais da população brasileira. Essas conexões expressam-se com maior precisão tanto na descoberta dos
nós que, a um só tempo, integram a rede migratória interna e a rede migratória internacional, quanto nas resultantes de incorporação dos referidos nós a essa mesma rede.
Para identificar tais conexões, foi acionado o arcabouço
teórico e metodológico da Análise de Redes Sociais – ARS.
Isso implica, por um lado, a recusa de uma espécie de representação metafórica das redes – presente em boa parte
64
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 64-76, jul./set. 2005
REDES SOCIAIS E CONEXÕES PROVÁVEIS ENTRE MIGRAÇÕES INTERNAS ...
Quanto às informações sobre as características da emigração internacional de brasileiros, constituem referência
básica os estudos de Martes (1999) e, em especial, de
Soares (1995; 2002). Não se fará nenhuma exposição mais
detalhada do fenômeno migratório internacional e esses
estudos serão utilizados de acordo com sua estrita
vinculação com o presente trabalho e como suporte às
conclusões.
dos estudos que lidam com os fluxos migratórios – e, por
outro lado, a necessidade de considerar as redes como
método para descrição e análise dos padrões relacionais
presentes em determinada configuração reticular. Subjacente à escolha da metodologia analítica de redes, está o
pressuposto de que a ampliação dos laços interpessoais
estimula a expressiva migração internacional que procede desses recortes territoriais – e é importante ressaltar
que esses laços são suscitados pela magnitude das trocas migratórias entre os recortes territoriais brasileiros,
uma vez que as redes sociais também migram (TILLY,
1990).
O passo analítico dado neste texto leva em conta a perspectiva copernicana das redes sociais. Isso significa considerar a rede migratória completa: todas as microrregiões
(nós) e a ocorrência ou não de fluxos migratórios entre
elas. A intenção reside, nesse caso, em identificar as
microrregiões que:
- estão mais ou menos conectadas pela migração interna;
ANÁLISE DE REDES: O OLHAR
SOBRE AS RELAÇÕES
Uma rede consiste num conjunto de atores ou nós (pessoas, objetos ou eventos) ligados por um tipo específico
de relação. A diferentes tipos de relações correspondem
redes diferentes – ainda que o conjunto de atores seja o
mesmo. A rede, porém, não é conseqüência, apenas, das
relações que de fato existem entre os atores; ela é também
o resultado da ausência de relações, da falta de laços diretos entre dois atores, daquilo que Burt (1992) chama de
“buraco estrutural” (SCOTT, 2000).
As redes podem ser compostas por atores de natureza
diversa. Num extremo, elas consistem de símbolos constantes em textos ou de símbolos presentes em verbalizações; noutro extremo, de estados que integram um país
ou de países que compõem o sistema mundial. As redes
podem, então, ser tão pequenas quanto uma sala de aula
do ensino fundamental, ou tão grandes, como o conjunto
dos países1 (HANNEMAN, 2001).
A organização do mundo social, com base em atributos, muito difere de uma organização que se debruça sobre as relações. “Atributos” são qualidades inerentes à
unidade que não consideram as relações dessa mesma
unidade com outras unidades ou com o contexto social
específico dentro do qual essas qualidades são observadas. A construção de categorias a priori – que agrega
indivíduos de acordo com sexo, idade, classe econômica, etc. – fundamenta-se no pressuposto de independência estatística (e, dessa forma, o pressuposto de dependência resultaria em um viés) e tem a intenção de determinar
a força do relacionamento entre certas variáveis. Logo, a
análise se faz sobre as relações entre variáveis – e não
entre atores.
As relações entre os atores de uma rede apresentam
forma e conteúdo. O conteúdo é dado pela natureza dos
laços (parentesco, amizade, poder, troca de bens simbólicos ou materiais, afetiva, etc.); e a forma da relação compreende dois aspectos básicos: i) a intensidade ou a força
- são mais centrais;
- conferem mais estabilidade às estruturas reticulares; e
- ocupam posições similares na rede.
As trocas populacionais (imigrantes e emigrantes de
última etapa migratória) nas 91 microrregiões brasileiras,
nos períodos 1970-80 e 1981-91, constituem as “redes
migratórias internas”, que serão objeto de aplicação do
arcabouço conceitual e metodológico da análise de redes.
Nessas redes, as microrregiões representam os atores/nós,
e os fluxos populacionais correspondem às conexões – e
estas comportam sentido e intensidade.
Para estabelecer conexões entre os fluxos migratórios
internos e a emigração internacional, a ênfase recairá sobre as microrregiões de Governador Valadares e Ipatinga,
localizadas em Minas Gerais. A importância da migração
internacional na dinâmica demográfica mineira, na
valadarense e na ipatinguense torna-se evidente pela grandeza que ela representa no tocante às perdas líquidas ocorridas entre 1986 e 1991. No estado, a migração internacional respondeu por cerca de 62% das perdas líquidas (172
mil, de 277 mil pessoas), em Valadares, por 50% (12 mil,
de 24 mil pessoas), e, em Ipatinga, por 90% (11 mil, de
12 mil pessoas). Isto significa que a microrregião de
Valadares e a microrregião de Ipatinga teriam contribuído com mais de 13% desse fluxo no período 1986-91, ainda
que a população destas microrregiões representavam ao
redor de 5% da população estadual em 1991 (SOARES,
2002).
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 64-76, jul./set. 2005
65
WEBER SOARES / ROBERTO NASCIMENTO RODRIGUES
do laço entre dois atores; e ii) a freqüência e o grau de reciprocidade com que esse laço se manifesta. Logo,
conceitualmente, duas relações de conteúdo distinto podem apresentar formas idênticas (KNOKE; KUKLINSKI,
1982).
- Uma “rede social” consiste no conjunto de pessoas, organizações ou instituições sociais que estão conectadas
por algum tipo de relação. Em virtude do processo em torno
do qual ela se organiza, uma rede social pode abrigar várias redes sociais.
Recortes Analíticos
- Uma “rede pessoal” representa, então, um tipo de rede
social que se funda em relações sociais de amizade, parentesco, etc.
De acordo com Wellman (1997), a análise de redes
considera, basicamente, duas perspectivas analíticas que
se complementam:
- egocentrada (perspectiva ptolomaica) – nesse tipo de
análise, a atenção está voltada para determinado nó/ator
(ego) e outros nós/atores da rede com os quais o nó egóico
mantenha relações. Logo, o número, a magnitude e a diversidade das conexões estabelecidas direta ou indiretamente com o ego definem os demais nós da rede;
- Uma “rede migratória” não se confunde com redes pessoais. Essas redes precedem a migração e são adaptadas a
um fim específico: a ação de migrar. Quando suas singularidades dependem da natureza dos contextos sociais que
ela articula, uma rede migratória é, também, um tipo específico de rede social que agrega redes sociais existentes e enseja a criação de outras: portanto, consiste em “uma
rede de redes sociais”. Por fim, uma “rede migratória”
implica origem e destino – isto é: recortes territoriais,
países, estados, microrregiões, municípios, cidades, etc.
que se articulam por intermédio de fluxos migratórios.
- rede completa (perspectiva copernicana) – nesse tipo de
análise, a informação sobre o padrão de laços entre todos
os nós/atores na rede é usada, grosso modo, para identificar tanto subgrupos reticulares com maior grau de coesão
interna quanto os nós que ocupam posições similares na
rede.
Representação Gráfica e Matricial das Redes
A análise de redes retira os instrumentos para representar os padrões de laços entre os atores sociais de dois
subcampos da matemática: a teoria dos grafos e a álgebra
matricial.
O tipo de grafo utilizado para representar as redes sociais recebe o nome de “sociograma”. No sociograma,
os pontos/nós equivalem a atores, e os segmentos de linhas correspondem a laços (WASSERMAN; FAUST,
1994; SCOTT, 2000; HANNEMAN, 2001). De acordo
com o tipo, esses laços classificam-se em: não-direcionados – registram a existência ou não de conexões entre
pares de nós; direcionados – indicam que as conexões
apresentam orientação de um nó para outro (a seta presente na extremidade de cada segmento de linha dá o
sentido de cada conexão); e valorados – expõem a força
das conexões entre os nós, expressa por valor numérico.
É possível, ainda, representar graficamente laços que são,
por exemplo, não-orientados e valorados, orientados e
valorados, etc.
Os sociogramas constituem meio muito útil de representação das redes sociais. Todavia, quando o número de
atores/nós é muito grande e os laços são muitos, torna-se
quase impossível identificar visualmente os padrões relacionais. A solução está em representar as informações de
rede na forma matricial. Assim, para sintetizar e revelar
Tendo em conta a rede completa (perspectiva copernicana), um passo capital da análise consiste em identificar as posições/papéis sociais que se manifestam pelo
padrão das relações observadas entre os atores. A tarefa
empírica consistiria, então, em distinguir os atores que
apresentam maior semelhança, descrever o que os torna
semelhantes, registrar o que os torna diferentes. É a relação entre os ocupantes de dois papéis que define o significado desses papéis (HANNEMAN, 2001).
Redes Sociais, Redes Pessoais e Redes Migratórias
A análise de redes atribui mais crédito à lógica da combinação do que à lógica puramente agregativa; sustenta
que a configuração, assumida por uma rede qualquer, importa mais do que o acréscimo de uma relação extra ao
conjunto de relações preexistentes. Não cabe dúvida sobre a importância das redes sociais para entender, em especial, os fluxos populacionais. Mas é necessário ir além
dessa mera indicação e estabelecer as bases iniciais da
perspectiva teórica que se estrutura em conseqüência das
imprecisões encontradas em parte da literatura sobre as
temáticas redes sociais, redes pessoais e redes migratórias.
Assim, cabe admitir que:
66
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 64-76, jul./set. 2005
REDES SOCIAIS E CONEXÕES PROVÁVEIS ENTRE MIGRAÇÕES INTERNAS ...
APLICAÇÃO DO ARCABOUÇO CONCEITUAL E
METODOLÓGICO DA ANÁLISE DE REDES
padrões existentes nas redes, podem ser realizadas operações matemáticas vinculadas ao campo da álgebra vetorial
e da matricial (inversas, transpostas, adição, subtração,
multiplicação e multiplicação booleana de matrizes).
Noções fundamentais sobre a estrutura reticular
admitem maior precisão quando o padrão de laços entre
um conjunto de atores é expresso formalmente por meio
de grafos e matrizes. Consoante a teoria dos grafos e a
álgebra matricial, vários são os conceitos, as medidas e
os métodos utilizados para descrever as propriedades
básicas, a centralidade e a centralização, além da divisão
de determinada rede (WASSERMAN; FAUST, 1994;
BONANICH, 2000; HANNEMAN, 2001). Assim, o passo
seguinte consiste em lançar mão do recorte empírico sobre
o qual esse arcabouço conceitual e metodológico da análise
de redes deve ser aplicado: redes migratórias internas de
1970-80 e 1981-91. Para trabalhar os dados relacionais –
fluxos migratórios internos – numa linguagem estatística
adequada, foi utilizado o programa Ucinet 5.0, para
Windows.
O tamanho das redes migratórias de ambos os períodos resultou do agrupamento sem reposição das microrregiões brasileiras que mantiveram o maior volume de
trocas populacionais internas com as microrregiões de
Valadares e de Ipatinga: 91 ao todo. A associação das
regularidades nas trocas migratórias entre as microrregiões – sistema empírico – com as regularidades matemáticas e topológicas que representam esse mesmo sistema empírico ganha expressão em duas matrizes
quadradas (91 x 91): a rede migratória 1 corresponde ao
período 1970-80; e a rede migratória 2, ao período 198191. É preciso ter claro que a discriminação dessas trocas
populacionais internas em duas redes migratórias distintas
consiste em mero recurso analítico que prima pela identificação de tendências. Com efeito, é mais acertado supor a existência de uma rede migratória interna única,
sujeita a alterações ao longo do tempo – pelo que registra Soares (2002) sobre a natureza processual, dinâmica
das redes sociais.
Ambas as redes são valoradas, direcionadas e assimétricas. São valoradas porque cada uma das células
matriciais traz um valor em N (conjunto dos números naturais) que corresponde, a um só tempo, ao de emigrantes
de determinada microrregião e ao número de imigrantes
em outra. São direcionadas porque uma microrregião pode
receber ou não migrantes, e pode enviar ou não migrantes
para outra microrregião – o que confere assimetria às
matrizes, às redes migratórias.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 64-76, jul./set. 2005
O tamanho de uma rede social é dado pela quantidade
de nós que a integra. As redes migratórias dos períodos
1970-80 e 1981-91 possuem o mesmo número de nós: 91
microrregiões, o que equivale a 8.190 pares ordenados,
isto é, 8.190 conexões diretas possíveis (vínculos migratórios) entre as microrregiões, duas a duas (Tabela 1).
Embora de mesmo tamanho, a composição dos nós da rede
migratória de 1970 a 1980 mostra-se diferente em comparação com a de 1981 a 1991: um total de 22 microrregiões foram substituídas de um período para outro. Houve aumento da participação do número de microrregiões
dos estados de Rondônia, Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo; e queda da contribuição das microrregiões
do Pará, Bahia, Paraná, Mato Grosso e Rio de Janeiro.
TABELA 1
Conexões Efetivas, Conexões Possíveis e Densidade das
Redes Migratórias das Microrregiões Brasileiras que
Mantiveram o Maior Volume de Trocas Populacionais com
as Microrregiões de Valadares e Ipatinga
Brasil – 1970-1991
Indicadores
1970-80
1981-91
Conexões Efetivas
5.583
5.286
Conexões Possíveis
8.190
8.190
Densidade (média)
0,68
0,65
Desvio-Padrão
0,47
0,48
Coeficiente Variação
68,4
74,1
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1970, 1980 e 1991.
Para informar a densidade, os dados foram dicotomizados de tal maneira que indicassem, apenas, a existência ou não de trocas migratórias entre uma microrregião
e outra. A Tabela 1 mostra que a razão entre o número de
conexões diretas – existentes entre parte das microrregiões
que constituem a rede migratória do período 1970-80 – e
o possível de conexões (densidade) foi de aproximadamente 68%. Essa densidade sofre pequeno declínio na rede
no período 1981-91, pois 65% de todas as conexões possíveis estão presentes nesse caso. Assim, o nível geral das
conexões, tanto nesta quanto naquela rede, deve ser considerado alto, pois ocorrem trocas migratórias entre mais
da metade dos pares ordenados de cada uma das redes.
O agrupamento das microrregiões, conforme o fluxo
máximo nas conexões resultantes das trocas migratórias
67
WEBER SOARES / ROBERTO NASCIMENTO RODRIGUES
da década de 70, indica que o primeiro nível de agregação
é ocupado por Belo Horizonte, São Paulo e Valadares: essas três microrregiões apresentaram vínculos migratórios
análogos entre si e com as demais microrregiões da rede.
Brasília, Rio de Janeiro, Goiânia, Vitória, Osasco, Campinas, Ipatinga e Caratinga também são incorporados a esse
subconjunto da metade dos pares ordenados de cada uma
das redes.
O agrupamento das microrregiões, conforme o fluxo
máximo nas conexões resultantes das trocas migratórias
da década de 70, indica que o primeiro nível de agregação é ocupado por Belo Horizonte, São Paulo e Valadares:
essas três microrregiões apresentaram vínculos migratórios análogos entre si e com as demais microrregiões da
rede. Brasília, Rio de Janeiro, Goiânia, Vitória, Osasco,
Campinas, Ipatinga e Caratinga também são incorporados
a esse subconjunto de microrregiões.
Na rede migratória do período 1981-91, a representação gráfica da análise de cluster, baseada no fluxo máximo, torna evidente as microrregiões que, no tocante aos
vínculos migratórios, mais se assemelham: Belo Horizonte
e São Paulo, seguidas por Rio de Janeiro, Campinas,
Brasília, Vitória, Valadares, Belo Horizonte, São Paulo,
Ipatinga e São José dos Campos.
Portanto, o fluxo máximo deixa registrada a elevada
conectividade entre Valadares, Ipatinga, Belo Horizonte,
São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Goiânia e Brasília nas
duas redes migratórias internas: a de 1970-80 e a de 198191. Também assinala a conectividade que se manifesta
tanto nas trocas populacionais ocorridas entre essas microrregiões quanto nas trocas populacionais que se deram entre essas microrregiões e a quase totalidade das outras
microrregiões que integram ambas as redes migratórias.
A proeminência relativa de um ator/nó em relação à
sua vizinhança (centralidade local) é dada pelo grau de
centralidade. As microrregiões que se encontram em posição vantajosa na rede migratória de 1970-80 por possuírem o maior número de conexões diretas/adjacentes (conseqüência dos fluxos populacionais de saída) são Valadares
e São Paulo (Tabela 2). Em posição subseqüente, Belo
Horizonte e Rio de Janeiro mantiveram conexões diretas
com 98,9% das microrregiões da rede; Teófilo Otoni, com
96,7%; Ipatinga e Brasília, com 94,4%; Vitória, com
93,3%; e Caratinga, com 90%. Castanhal e Viseu, no Pará,
e Cocoal, em Rondônia, ficaram com os menores graus
de centralização dessa rede.
As microrregiões que mantiveram mais conexões diretas em relação aos fluxos populacionais de entrada
TABELA 2
Conexões e Grau de Centralidade na Rede Migratória das Dez
Microrregiões Brasileiras que Mantiveram mais Volume de Trocas
Populacionais com as Microrregiões de Valadares e Ipatinga
Brasil – 1970-80
Conexões
Saída
Entrada
Microrregiões
Grau de Centralidade
Saída
Entrada
Teófilo Otoni
87
68
96,7
75,6
Belo Horizonte
89
90
98,9
100,0
Governador Valadares
90
83
100,0
92,2
Ipatinga
85
79
94,4
87,8
Caratinga
81
59
90,0
65,6
Vitória
84
86
93,3
95,6
Rio de Janeiro
89
87
98,9
96,7
São Paulo
90
90
100,0
100,0
Goiânia
79
86
87,8
95,6
Brasília
85
88
94,4
97,8
Média
61,4
61,4
68,2
68,2
Desvio-Padrão
17,8
17,4
16,0
19,3
Mínimo
21
22
23
24
Máximo
90
90
100
100
0,32
0,32
Centralização
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1970 e 1980.
foram São Paulo e Belo Horizonte. Brasília e Rio de Janeiro constituíram, respectivamente, destino de pessoas
oriundas de 97,8% e 96,7% das microrregiões da rede
migratória de 1970-80; Goiânia e Vitória, de 95,6%.
Valadares, que recebeu migrantes de 92,2% dessa mesma rede, e Ipatinga, de 87,8%, ocuparam, respectivamente, o sétimo e o nono lugar nessa hierarquia. Campos
Sales, no Ceará, por ter mantido conexões de entrada com
22,4% das demais microrregiões, e Santa Tereza, no
Espírito Santo, com 32,2%, comportaram os menores
graus de centralidade.
As estatísticas descritivas mostram que, em média, cada
microrregião manteve conexões diretas, tanto em relação
às entradas quanto às saídas migratórias, com 61,4
microrregiões da rede de 1970-80. A dispersão dos fluxos foi baixa: o desvio padrão situou-se abaixo da média
para os ganhos e perdas populacionais.
A amplitude de coesão de toda a rede de 1970-80 em
torno de atores/nós focais (centralização) foi baixa para
ambos os tipos de conexões migratórias: o grau de centralização correspondente aos fluxos de entrada e de saída foi cerca de 32%. Assim, as vantagens posicionais não
se manifestaram tão desigualmente distribuídas entre as
68
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 64-76, jul./set. 2005
REDES SOCIAIS E CONEXÕES PROVÁVEIS ENTRE MIGRAÇÕES INTERNAS ...
ceberam, respectivamente, pessoas oriundas de 95,6%,
93,3% e 86,7% das microrregiões da rede migratória. O
quinto e o sexto lugar foram ocupados por Valadares
92,2% e Ipatinga 90,0%, respectivamente. As microrregiões que responderam pelo menor número de conexões
migratórias de entrada no período 1981-91 foram Tauá,
no Ceará, e Bocaiúva, em Minas Gerais.
As estatísticas descritivas informam que o número de
conexões diretas estabelecido por cada microrregião na
rede migratória de 1981-91 foi de aproximadamente 58.
Também nesse caso a dispersão dos fluxos foi baixa: o
desvio padrão seja para ganhos seja para perdas migratórias foi bem inferior à média.
O grau de centralização, quase 36%, tanto para os vínculos de entrada quanto de saída, indica que a distribuição dos migrantes conforme as microrregiões de destino
e de origem dos fluxos não se concentrou em torno de uma
microrregião ou de um pequeno agrupamento de microrregiões.
O grau de proximidade acusa a posição estratégica de
um ator/nó com relação à estrutura total da rede. Ou seja,
essa medida de centralidade global considera os laços indiretos entre os atores/nós. Na rede migratória de 197080, os fluxos migratórios de saída levam ao conhecimento de que Valadares e São Paulo situam-se na posição mais
central (Tabela 4). Ocupando posições subseqüentes nessa ordem global de centralidades, Belo Horizonte e Rio
de Janeiro despontam com um grau de proximidade de
98,9%; Teófilo Otoni, de 96,8%; Ipatinga e Brasília, de
94,7%; Vitória, de 93,8%; Caratinga, de 90,9%; e Goiânia,
de 89,1%. Castanhal, no Pará, e Cocoal, em Rondônia,
admitiram os menores graus de proximidade.
Em relação aos fluxos migratórios de entrada, a Tabela 4 assinala que as microrregiões mais centrais, no período 1970-80, foram Belo Horizonte e São Paulo. Os
graus de proximidade de Brasília (97,8%), do Rio de Janeiro (96,8%), de Goiânia e de Vitória (95,7%) situam
essas microrregiões em posições subseqüentes na hierarquia de centralidades. Valadares e Ipatinga, com proximidade em relação às demais microrregiões da rede perto
de 93% e de 89%, ficaram na sétima e na nona posição,
nessa mesma hierarquia. Pela centralidade mais baixa, foram responsáveis Campos Sales, no Ceará, e Santa Tereza, no Espírito Santo.
A dispersão dos dados em torno das médias correspondentes aos vínculos relacionais de entrada e de saída mostrou-se muito baixa. É o que se verifica nos valores assumidos pelo desvio padrão dos ganhos e das perdas
microrregiões – de fato, a distribuição dos migrantes de
acordo com as microrregiões de destino e de origem não
se concentrou em torno de uma microrregião ou pequeno
aglomerado de microrregiões.
O maior número de conexões referente às perdas
populacionais da rede migratória de 1981-91 ocorreu em
Belo Horizonte e São Paulo (Tabela 3). Nesse período, o
Rio de Janeiro manteve ligações diretas com 98,9% das
microrregiões integrantes dessa rede; Brasília e Vitória,
com 95,6%; Teófilo Otoni, com 91,1%; e Goiânia e
Caratinga, com 83,3%. Valadares, que enviou pessoas para
93,3%, e Ipatinga, para 88,9% da rede, detiveram o quarto e o sexto lugar na ordem decrescente de fluxos
relacionais. Alvorada d’Oeste, em Rondônia, e Cárceres,
no Mato Grosso, registraram os menores graus de
centralidade.
Quanto aos fluxos de entrada, Belo Horizonte e São
Paulo receberam migrantes de todas as microrregiões da
rede no período 1981-91. As conexões diretas mantidas
com 97,8% dessa rede situaram o Rio de Janeiro e Campinas logo a seguir na hierarquia dos vínculos baseados
em ganhos populacionais. Brasília, Vitória e Goiânia reTABELA 3
Conexões e Grau de Centralidade na Rede Migratória das Onze
Microrregiões Brasileiras que Mantiveram mais Volume de Trocas
Populacionais com as Microrregiões de Valadares e Ipatinga
Brasil – 1981-91
Conexões
Saída
Entrada
Microrregiões
Grau de Centralidade
Saída
Entrada
Teófilo Otoni
82
62
91,1
68,9
Belo Horizonte
90
90
100,0
100,0
Governador Valadares
84
83
93,3
92,2
Ipatinga
80
81
88,9
90,0
Caratinga
75
53
83,3
58,9
Vitória
86
84
95,6
93,3
Rio de Janeiro
89
88
98,9
97,8
Campinas
80
88
88,9
97,8
São Paulo
90
90
100,0
100,0
Goiânia
75
78
83,3
86,7
Brasília
86
86
95,6
95,6
Média
58,1
58,1
64,5
64,5
Desvio-Padrão
15,9
15,6
17,7
17,3
Mínimo
16
22
18
24
Máximo
90
90
100
100
0,36
0,36
Centralização
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980 e 1991.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 64-76, jul./set. 2005
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WEBER SOARES / ROBERTO NASCIMENTO RODRIGUES
TABELA 4
Conexões e Grau de Proximidade na Rede Migratória das Dez
Microrregiões Brasileiras que Mantiveram mais Volume de Trocas
Populacionais com as Microrregiões de Valadares e Ipatinga
Brasil – 1970-80
Microrregiões
Teófilo Otoni
Belo Horizonte
Governador Valadares
Conexões
Saída
Entrada
Grau de Proximidade
Saída
Entrada
112
93
80,4
96,8
90
91
100,0
98,9
97
90
92,8
100,0
Ipatinga
101
95
89,1
94,7
Caratinga
121
99
74,4
90,9
94
96
95,7
93,8
Vitória
Rio de Janeiro
93
91
96,8
98,9
São Paulo
90
90
100,0
100,0
Goiânia
94
101
95,7
89,1
Brasília
92
95
97,8
94,7
118,6
118,6
77,3
77,4
Média
Desvio-Padrão
16,0
17,4
10,6
10,9
Mínimo
90
90
57,0
56,6
Máximo
158
159
Centralização
ximidade de quase 93% em referência às microrregiões
dessa rede, e Ipatinga, de 90,9%, detiveram o quinto e sexto
lugar, nessa ordem. Tauá, no Ceará, e Bocaiúva, em Minas Gerais, ficaram com os valores correspondentes às
centralidades mais baixas.
A dispersão dos dados em torno do grau médio de proximidade, não só para as perdas como para os ganhos migratórios, é bem pequena: o desvio padrão, mais uma vez,
ficou abaixo da média. O indicador de afastamento da distribuição das centralidades da rede de 1981-91 em comparação com a rede de formato estelar do mesmo tamanho,
com grau de centralização de cerca de 51%, traz à tona uma
desigualdade superior à apresentada pela rede de 1970-80
na distribuição das vantagens posicionais – não só em
relação aos laços de entrada, mas também no tocante aos
laços de saída.
Quando se analisam as trocas populacionais nas redes
migratórias de 1970-80 e de 1981-91 é necessário lançar
mão do algoritmo Conjunto Lambda para identificar os
subgrupos de microrregiões que mais estabilidade conferem a essas estruturas reticulares.
100
100
0,462
0,459
TABELA 5
Conexões e Grau de Proximidade na Rede Migratória das Onze
Microrregiões Brasileiras que Mantiveram mais Volume de Trocas
Populacionais com as Microrregiões de Valadares e Ipatinga
Brasil – 1981-91
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1970 e 1980.
populacionais. O grau de centralização, baseado nas distâncias geodésicas resultantes das conexões migratórias
de entrada e de saída, gravitou ao redor de 46%.
A aplicação do algoritmo – que considera a proximidade topológica, o grau de proximidade à rede migratória
de 1981-91 – revela Belo Horizonte e São Paulo como
microrregiões mais centrais quanto a perdas populacionais
(Tabela 5). A seguir, obedecendo à hierarquia de centralidades, apresentaram-se Rio de Janeiro (98,9%), Brasília
e Vitória (95,7%), Teófilo Otoni (91,8%), Goiânia e
Caratinga (85,7%). Os laços de saída de Valadares e de
Ipatinga, regidos por uma proximidade de 93,8% e 90,0%,
respectivamente, conferiram a essas microrregiões a quarta
e a sexta posição nessa mesma hierarquia. Os menores
graus de proximidade foram registrados nas microrregiões
de Tucumã, no Pará, e Alvorada d’Oeste, em Rondônia.
Quanto aos ganhos populacionais, as microrregiões que
detiveram a maior centralidade no período 1981-91 foram Belo Horizonte e São Paulo (Tabela 5). Em ordem
decrescente dos graus de proximidade, seguem Rio de Janeiro e Campinas (97,8%), Brasília (95,7%), Vitória
(93,8%) e Goiânia (88,2%). Valadares, titular de uma pro-
Conexões
Saída
Entrada
Microrregiões
Teófilo Otoni
Belo Horizonte
Grau de Proximidade
Saída
Entrada
118
98
76,3
91,8
90
90
100,0
100,0
Governador Valadares
97
96
92,8
93,8
Ipatinga
99
100
90,9
90,0
127
105
70,9
85,7
96
94
93,8
95,7
Caratinga
Vitória
Rio de Janeiro
92
91
97,8
98,9
Campinas
92
100
97,8
90,0
São Paulo
90
90
100,0
100,0
Goiânia
102
105
88,2
85,7
Brasília
94
94
95,7
95,7
121,9
121,9
75,1
75,1
15,6
15,9
10,1
10,0
Média
Desvio-Padrão
Mínimo
90
90
57,0
54,9
Máximo
158
164
100
100
0,506
0,506
Centralização
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980 e 1991.
70
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 64-76, jul./set. 2005
REDES SOCIAIS E CONEXÕES PROVÁVEIS ENTRE MIGRAÇÕES INTERNAS ...
A representação gráfica da análise de cluster para a rede
da década de 70 põe à mostra, no primeiro nível de agregação, o agrupamento constituído por Governador Valadares, Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo.
O movimento seguinte incorpora Ipatinga, Vitória, Teófilo
Otoni e Osasco. Posteriormente, Goiânia e Caratinga passam a fazer parte do grupo. As conexões estabelecidas entre
essas microrregiões são de capital importância. Afinal, tendo em vista o papel que desempenham na configuração/
continuidade dos fluxos migratórios, a remoção dessas microrregiões levaria à ruptura de toda a rede. Já as microrregiões que menos importam ao tecido de conexões da rede
migratória da década de 70 são Castanhal, no Pará; Campos Sales, no Ceará; e Santa Tereza, no Espírito Santo.
A configuração assumida pelos dados resultantes da
aplicação do algoritmo Lambda Set aos fluxos populacionais do período 1981-91 inscreve Valadares, Belo
Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo no primeiro nível
de agregação, seguidas por Brasília, Campinas, Vitória,
Ipatinga, Goiânia, Osasco, Teófilo Otoni e Caratinga.
Verifica-se que essas microrregiões ocupavam, na rede dos
anos 70, os níveis mais altos de agregação. Conseqüentemente, caso Valadares, Belo Horizonte, Rio de Janeiro,
São Paulo, Brasília, Campinas, Vitória e Ipatinga fossem
retiradas de quaisquer das duas redes, ocorreria a maior
obstrução das trocas migratórias. Assentadas nos níveis
mais afastados de agregação do período 1981-91, encon-
travam-se as microrregiões de: Cárceres, no Mato Grosso;
Tucumã, no Pará; e Bocaiúva, em Minas Gerais.
Quando os dados são valorados, o coeficiente de correlação de Pearson constitui o algoritmo mais apropriado
para subdividir determinada rede segundo o critério de
equivalência estrutural com a finalidade de identificar os
atores que guardam padrão similar de vínculos relacionais
e que ocupam posições semelhantes na rede. Esse coeficiente varia de -1 (significa que dois atores possuem padrões de laços opostos com outros atores/nós) a 1 (indica
que dois atores possuem o mesmo padrão de laços com
outros atores/nós – equivalência estrutural perfeita).
A Tabela 6, que traz os coeficientes de correlação de
Pearson para os pares de microrregiões da rede migratória
de 1970-80, revela padrões similares de vínculos migratórios internos entre Valadares, Ipatinga, Caratinga,
Vitória, Rio de Janeiro, Goiânia e Brasília: em tais casos,
quase todos os coeficientes assumiram valores acima de
0,6. Em relação a cada uma dessas microrregiões, São
Paulo foi depositária do padrão de laços migratórios
menos semelhante: de fato, os pares microrregionais São
Paulo/Rio de Janeiro e São Paulo/Belo Horizonte, por
exemplo, evidenciam correlações negativas (-0,58 e -0,49
respectivamente). Logo, com exceção de Teófilo Otoni,
nenhuma das outras microrregiões guarda equivalência
estrutural com São Paulo. Tal fato se deve à posição singular da microrregião paulista nessa rede migratória: por
TABELA 6
Coeficiente de Correlação de Pearson na Rede Migratória das Dez Microrregiões Brasileiras que Mantiveram
mais Volume de Trocas Populacionais com as Microrregiões de Valadares e Ipatinga
Brasil – 1970-80
Microrregiões
Microrregiões
Teófilo
Otoni
Teófilo Otoni
1,00
Belo
Governador
Horizonte Valadares
Belo Horizonte
0,27
1,00
Governador Valadares
0,45
Ipatinga
Caratinga
Vitória
Rio de
Janeiro
São Paulo
Goiânia
Brasília
0,75
0,47
0,19
0,71
0,52
0,57
0,56
0,69
0,71
0,61
0,73
0,78
-0,49
0,77
0,64
1,00
0,74
0,66
0,76
0,67
-0,07
0,77
0,81
Ipatinga
1,00
Caratinga
Vitória
0,79
0,77
0,06
0,77
0,73
0,68
0,59
0,31
0,72
0,68
1,00
Rio de Janeiro
São Paulo
Goiânia
Brasília
0,72
-0,1
0,76
0,76
1,00
-0,58
0,73
0,56
1,00
-0,13
0,13
1,00
0,76
1,00
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1970 e 1980.
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1,00
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Enfim, a similaridade do padrão de vínculos relacionais
entre Valadares, Ipatinga, Caratinga, Vitória, Goiânia e Belo
Horizonte foi alta em ambos os períodos, seja 1970-80, seja
1981-91. Portanto, essas microrregiões ocupam posições
semelhantes nas duas redes migratórias internas e possuem
a maioria ou todos os vínculos migratórios com as mesmas
microrregiões que integram tais redes.
ser um locus privilegiado de expansão das atividades
industriais no Brasil, São Paulo – e em especial sua região
metropolitana – tornou-se o destino predominante dos
principais fluxos migratórios internos nos anos 70.
Todavia, o fato de Teófilo Otoni ter apresentado padrão
tão semelhante de laços com a microrregião de São Paulo
causa estranheza e aponta para a necessidade de uma
análise futura mais atenta.
O período 1981-91, apresenta padrões mais altos de
similaridade dos fluxos migratórios internos entre
Valadares, Ipatinga, Caratinga, Vitória, Rio de Janeiro
e Goiânia do que os encontrados para a década de 70
(Tabela 7). Os coeficientes de Pearson para essas
microrregiões, tomadas duas a duas, são superiores a 0,7.
Merece atenção especial o grau mais acentuado que tal
tendência assume em relação a Teófilo Otoni. De um
período para outro, as correlações sofrem um aumento
significativo; e, quanto aos vínculos migratórios, inscrevem essa microrregião em um nível mais elevado de
equivalência estrutural com Belo Horizonte (r = 0,78),
Valadares (r = 0,79), Ipatinga (r = 0,84), Caratinga
(r = 0,84), Vitória (r = 0,82) e Goiânia (r = 0,8). No período 1981-91, São Paulo permanece com um padrão mais
similar de laços; e Brasília assiste à redução dos valores
de quase todos os coeficientes de Pearson – exceção feita ao caso do Rio de Janeiro, em que o coeficiente passa
de 0,5 na década de 70 para 0,84 nos anos 80.
DISCUSSÃO
Considerando-se a perspectiva da rede social completa em fluxos migratórios internos dos períodos 1970-80
(rede migratória 1) e 1981-91 (rede migratória 2), a aplicação do arcabouço teórico e metodológico da análise de
redes mostrou que o nível geral das conexões (densidade),
tanto nesta como naquela, foi alto.
Essa alta densidade ganha ressonância na existência
de distâncias geodésicas para todos os pares de microrregiões e nos pequenos valores (distâncias geodésicas) por
elas assumido nas duas redes migratórias. De fato, qualquer microrregião, em ambos os períodos, está conectada
por fluxos migratórios que descrevem uma seqüência máxima de dois passos.
Tanto na rede migratória de 1970-80 como na rede de
1981-91, a perspectiva analítica trazida pelo fluxo máximo deixa ver que Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Valadares, Ipatinga, Brasília, Vitória e Campinas
TABELA 7
Coeficiente de Correlação de Pearson na Rede Migratória das Dez Microrregiões Brasileiras que Mantiveram
mais Volume de Trocas Populacionais com as Microrregiões de Valadares e Ipatinga
Brasil – 1981-91
Microrregiões
Microrregiões
Teófilo
Otoni
Teófilo Otoni
1,00
Belo
Governador
Horizonte Valadares
Belo Horizonte
Governador Valadares
Ipatinga
Ipatinga
Caratinga
Rio de
Janeiro
Vitória
São Paulo
Goiânia
Brasília
0,78
0,79
0,84
0,84
0,82
0,66
0,45
0,8
0,42
1,00
0,72
0,73
0,72
0,73
0,58
0,48
0,75
0,39
1,00
0,76
0,85
0,83
0,73
0,03
0,87
0,6
1,00
0,77
0,83
0,59
0,49
0,78
0,38
0,82
0,7
0,22
0,82
0,52
1,00
0,7
0,3
0,81
0,5
1,00
-0,37
0,78
0,84
1,00
-0,04
-0,73
Caratinga
1,00
Vitória
Rio de Janeiro
São Paulo
Goiânia
1,00
Brasília
0,67
1,00
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980 e 1991.
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SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 64-76, jul./set. 2005
REDES SOCIAIS E CONEXÕES PROVÁVEIS ENTRE MIGRAÇÕES INTERNAS ...
a de 1981-91. Assim, as conexões que essas microrregiões
estabeleceram entre si e com outras microrregiões
reticulares são de importância capital para garantir a estrutura das trocas populacionais.
A aplicação do critério de equivalência estrutural às
duas redes migratórias mostrou que a similaridade do padrão de vínculos relacionais entre Valadares, Ipatinga,
Caratinga, Vitória, Goiânia, Belo Horizonte e Rio de Janeiro foi alta em ambos os períodos: Teófilo Otoni inscreve-se em nível elevado de equivalência estrutural com
essas microrregiões nos anos 80. A teoria registra que atores/nós situados em posições reticulares semelhantes, em
posições que são estruturalmente equivalentes, possuem
a maioria ou todas as conexões com os mesmos atores/
nós da rede a que pertencem – e, por isso mesmo, monitoram-se reciprocamente. Assim, Valadares, Ipatinga,
Caratinga, Vitória, Goiânia, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Teófilo Otoni, que se encontram em posições estruturais similares nas duas redes migratórias internas,
estariam mais sensíveis a mudanças ocorridas no interior
do subgrupo constituído por essas microrregiões do que
às alterações sofridas por microrregiões que não fazem
parte desse subgrupo.
possuem vínculos migratórios análogos entre si e com as
demais microrregiões da rede. Ou seja, um maior número
de conexões diretas (alternativas) para alcançar outras
microrregiões está à disposição dessas microrregiões.
Para as trocas populacionais dos dois decênios –
1970-80 e 1981-91 – o indicador de centralidade local registrou que São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro,
Valadares, Ipatinga, Brasília e Vitória ocuparam posições
centrais em ambas as redes, em razão do número de conexões diretas estabelecido por essas microrregiões. Já a
amplitude de coesão das redes em torno de microrregiões
focais (centralização) foi baixa para os dois tipos de conexões migratórias, ou seja, a distribuição dos migrantes
de acordo com as microrregiões de destino e de origem
não se restringiu a uma microrregião ou a um pequeno
aglomerado de microrregiões.
Em relação aos fluxos de saída e de entrada de acordo
com a medida de centralidade global (grau de proximidade), Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro,
Valadares, Ipatinga, Vitória, Goiânia e Brasília ficaram
com as posições mais centrais em ambas as redes migratórias. Logo, quanto aos fluxos migratórios, essas
microrregiões apresentam alto grau de acessibilidade. Isto
quer dizer que são capazes de alcançar outras microrregiões – ou serem alcançadas por elas – por meio de
passos de comprimento mais curto.
As medidas de centralidade põem à mostra a posição
privilegiada e a proeminência de determinados nós na rede.
Quando as relações são direcionadas, essa posição manifesta-se de duas formas: influência e prestígio. Neste caso,
identificam-se os atores/nós que constituem o foco de recepção dos vínculos relacionais; naquele, os atores/nós que
representam o centro desses vínculos. Assim, as altas
centralidades locais e globais que Valadares, Ipatinga,
Vitória, Brasília, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro apresentaram em relação às redes migratórias de
1970-80 e de 1981-91 permitem inferir tanto a influência
quanto o prestígio dessas sete microrregiões no tocante
às perdas e ganhos no âmbito das trocas populacionais
ocorridas nesses períodos.
A utilização do algoritmo Lambda Se – como recurso
para identificar os subgrupos de microrregiões que conferem mais estabilidade à rede e as microrregiões que tornam o tecido de conexões migratórias mais vulnerável à
ruptura – evidenciou que Valadares, Ipatinga, Brasília,
Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória e
Goiânia participaram dos níveis mais altos de agregação
em ambas as redes migratórias: tanto a de 1970-80 como
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PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 64-76, jul./set. 2005
CONEXÕES PROVÁVEIS COM A
EMIGRAÇÃO INTERNACIONAL
Em suma, esse conjunto de medidas que toma como referência a perspectiva copernicana das redes sociais põe em
evidência: i) um contexto reticular propício tanto à difusão
de bens materiais e simbólicos quanto à circulação de representações sociais sobre a migração internacional (e isso
acontece, por exemplo, quando se tem em conta a elevada
conectividade das redes migratórias internas resultante da
alta densidade e das pequenas distâncias geodésicas entre
as microrregiões) e ii) também destaca microrregiões onde
se situam as cidades brasileiras que maior participação tiveram na emigração internacional cujo destino foi o estado
americano de Massachusetts. De fato, a seleção das microrregiões que constituem o resultado comum da aplicação
das medidas de rede, fluxo máximo, centralidade local, centralidade global, conjuntos Lambda e equivalência estrutural, faculta o reconhecimento da coincidência entre o proeminente papel desempenhado por Valadares, Belo
Horizonte, Rio de Janeiro, Ipatinga e Vitória nas redes migratórias internas, assim como a posição que ocuparam –
primeiro, segundo, terceiro, quinto e sexto lugar respectivamente – na hierarquia das dez cidades brasileiras que
73
WEBER SOARES / ROBERTO NASCIMENTO RODRIGUES
o sexto lugar entre as dez cidades brasileiras que mais enviaram migrantes para esse estado americano (MARTES,
1999). De mais a mais, a expansão das relações socioeconômicas que a construção da Estrada de Ferro VitóriaMinas proporciona entre o Vale do Rio Doce – mais precisamente Valadares e Ipatinga –, e a capital do estado
espírito-santense constituem fortes indícios de que essa
mesma capital e a microrregião que ela polariza integram
a rede migratória internacional que tem como nós Valadares
e Ipatinga.
Concluindo, se o escrutínio dos fluxos populacionais internos, realizado por Soares (2002), segundo a perspectiva
egocentrada da análise de redes, dá crédito à existência
de vínculos estreitos entre as trocas migratórias internas e
a emigração internacional de Valadares, de Ipatinga e de
Vitória, também põe em relevo fortes indícios de que essas
microrregiões constituem uma rede migratória internacional. Parece razoável supor que Belo Horizonte e Rio
de Janeiro também se agregam a essa rede migratória internacional – em virtude das intensas trocas populacionais
que mantiveram com Valadares e Ipatinga; da recorrência
com que se manifestaram; e da proeminência que adquiriram em todos os resultados da aplicação das medidas de
redes sociais com base na perspectiva copernicana.
Mas não se pode dizer o mesmo, por exemplo, de Caratinga: apesar de estar inscrita em alto nível de equivalência
estrutural com Valadares e Ipatinga nas redes migratórias
internas, e de ter sustentado intensas trocas populacionais
com essas duas microrregiões mineiras, em ambos os períodos – 1970-80 e 1981-91 – a microrregião caratinguense
não integrou o conjunto de cidades brasileiras que mais
enviaram migrantes para Massachusetts. Entre as prováveis
explicações para a não-inserção de Caratinga no fluxo
migratório internacional, cabe lembrar que o ambiente
social joga um papel efetivo na difusão de bens simbólicos
e na circulação de representações sociais sobre a migração
internacional. Isto é, o processo de transmissão de informação manifesta-se num campo de negociação avaliativo
que transforma essa mesma informação. Conseqüentemente, os desdobramentos desse processo não apresentam
necessariamente uma única via, visto que dependem da
singularidade do contexto social no qual ele se desenvolve.
Finalmente, o conjunto de assertivas que gravitam em
torno das conexões entre a emigração internacional e a
migração interna deixa entrever uma via privilegiada de
reflexão que se abre com os suportes teóricos e metodológicos da análise de redes sociais – à luz da análise da
distribuição social das oportunidades e constrangimentos,
mais enviaram migrantes para Massachusetts, conforme
pesquisa de Martes2 (1999).
Quando se tem em conta:
- o registro numérico de que a microrregião de Ipatinga
ocupou lugar de decisivo relevo nas trocas populacionais
internas de Valadares, e que Valadares teve grande peso
nas trocas populacionais ipatinguenses (SOARES, 2002);
- a importância da emigração internacional na dinâmica
demográfica valadarense e na ipatinguense;
- o fato de que se encontram migrantes internacionais de
Ipatinga nas mesmas localidades onde, nos Estados Unidos, residem os migrantes internacionais de Valadares –
visto que as pessoas não migram para qualquer lugar, mas
sim para lugares onde possuem parentes ou amigos;
- a evidência de que os movimentos migratórios transplantam os principais segmentos de redes sociais; e
- as conexões históricas entre Valadares e Ipatinga.
Tudo isso leva a crer, à luz do princípio de que os fluxos migratórios facultam a ampliação dos laços pessoais
e, em virtude disso, propiciam o aumento dos canais de
transferência de recursos materiais, simbólicos, etc. na
existência de vínculos estreitos entre a migração interna e
a internacional de Valadares e de Ipatinga.
O perfil demográfico mais recente da migração internacional de Ipatinga (SOARES, 2002), sugere que a rede
migratória internacional, originada em Valadares, ampliou
seu campo de ação e incorporou a microrregião ipatinguense.
Além disso, ocorreu uma elevação das trocas migratórias internas entre Vitória, Valadares e Ipatinga da década de 70 para os anos 80:
- o número de emigrantes de Valadares para a microrregião de Vitória aumentou 52%, passou de 4.631 a 7.042;
- as perdas populacionais de Ipatinga para Vitória saltaram de 3.089 a 8.299;
- os imigrantes de Vitória em Valadares e Ipatinga também aumentaram de um período a outro, chegando a quase 199% no caso valadarense e a 78% no ipatinguense.
Tais dados remetem à intensificação dos contatos entre
esses recortes territoriais brasileiros, à ampliação dos laços
pessoais e à transferência de segmentos de redes sociais
de uma microrregião para outra (SOARES, 2002). Desta
forma, verifica-se a expressiva presença de emigrantes
internacionais originários de Vitória nas cidades de
Massachusetts, onde se concentraram os emigrantes
internacionais de Valadares e de Ipatinga – Vitória ocupa
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REDES SOCIAIS E CONEXÕES PROVÁVEIS ENTRE MIGRAÇÕES INTERNAS ...
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da desigualdade de recursos disponíveis e da estrutura
social por meio da qual as pessoas têm acesso ou não a
esses mesmos recursos. As redes funcionam como circuito de tráfego no ambiente social, como trajetórias
relacionais possíveis que ligam certos atores/nós; remetem ao fato de que a interação carece de princípios
“ordenadores”, de representações sociais por meio das
quais as pautas de conduta possam ser exercidas e, até
mesmo, mudadas. Elas são dinâmicas, suscetíveis de alterações ao longo do tempo e, portanto, possuem dimensão
processual, histórica, uma vez que expressam as regularidades presentes nas interações sociais.
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1. A título de ilustração, poder-se-ia considerar, como exemplo de rede,
o fluxo comercial de 50 mercadorias diferentes (café, açúcar, chá, etc.)
entre 170 países do sistema mundial, em determinado ano. Neste caso,
os 170 países despontam como atores e a quantidade de cada mercadoria exportada de um país para os 169 restantes, como a força do laço
existente entre eles (HANNEMAN, 2001).
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2. Conforme pesquisa de campo realizada por Martes (1999), as
dez cidades brasileiras que mais contribuíram com os fluxos migratórios internacionais para o estado americano de Massachusetts
admitem a seguinte hierarquia: Valadares participou com 17% do
total de emigrantes, Belo Horizonte com 11%, Rio de Janeiro com
9%, São Paulo com 8%, Ipatinga com 6%, Vitória com 5%, Goiânia
com 4%, Anápolis com 3%, Brasília com 3% e Criciúma com 2%.
Dignas de nota são as posições ocupadas por Ipatinga, quinto lugar, e por Vitória, sexto lugar, nesta hierarquia.
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EM
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75
WEBER SOARES / ROBERTO NASCIMENTO RODRIGUES
WEBER SOARES: Professor do Departamento de Geografia da UFMG
([email protected]).
ROBERTO NASCIMENTO RODRIGUES: Professor do Departamento de
Demografia da UFMG e Pesquisador do Centro de Desenvolvimento e
Planejamento Regional – Cedeplar/UFMG ([email protected]).
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Artigo recebido em 17 de março de 2005.
Aprovado em 6 de abril de 2005.
76
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 64-76, jul./set. 2005
A MIGRAÇÃO DOS SÍMBOLOS: DIÁLOGO INTERCULTURAL...
A MIGRAÇÃO DOS SÍMBOLOS
diálogo intercultural e processos identitários
entre os bolivianos em São Paulo
SIDNEY
DA
SILVA
Resumo: Este artigo discute a linguagem dos símbolos entre os bolivianos em São Paulo a partir de uma perspectiva antropológica, procurando inferir os significados que práticas e objetos da cultura material, veiculados no contexto das festas devocionais, passam a ter numa nova conjuntura. No caso em análise, o contexto
apresenta uma especificidade que é a discriminação – razão pela qual esses imigrantes estão mobilizados em
veicular uma nova imagem de si mesmos.
Palavras-chave: Bolivianos. Símbolos. Identidades. Diálogo intercultural.
Abstract: This article aims to discuss from an anthropological perspective the language of symbols among
Bolivian immigrants in São Paulo. It attempts to grasp the meaning that some cultural pratices presented in
the context of devotional celebrations acquire in the new country. In the case under analysis, the context presents
a specific challenge – as they have to face racial and social discrimination. That is why these immigrants are
now engaged in showing a new image of themselves to Brazilian society.
Key words: Bolivians immigrants. Symbols. Identities. Intercultural dialogue.
A
cia. Afinal, muitas vezes esses elementos evocam vários
significados, dependendo da situação em que são veiculados. A partir dessa perspectiva, este trabalho propõe-se
a analisar a linguagem dos símbolos no contexto migratório – particularmente para grupos que enfrentam alguma
forma de discriminação, como é o caso dos bolivianos em
São Paulo, que se mobilizam em torno da construção de
uma nova imagem de si mesmos. Isto se deve ao fato de
que a imprensa local tem veiculado com freqüência notícias que mostram o envolvimento de membros do grupo
com o tráfico de trabalhadores e com a escravização de
seus próprios compatriotas nas oficinas de costura da cidade. Por esse motivo, a prática abusiva de alguns
oficinistas acaba incidindo na construção de uma imagem
negativa, a qual é atribuída ao grupo por setores da sociedade local.
lém da transposição de fronteiras geográficas, o
processo migratório implica, invariavelmente, a
inserção em uma nova ordem sociocultural – e
esta é, em geral, marcada por tensões e estranhamentos,
que acabam por incidir na dinâmica cultural do grupo dos
emigrados, conferindo-lhe significações específicas.
Porém, a inserção dos migrantes em um novo contexto
não significa a perda ou, simplesmente, a fusão de sua
cultura original com a local. Ao contrário, ela tende a simplificar-se e a condensar-se em alguns traços, que passam
a ser distintivos para o grupo que os veicula, proporcionando-lhe maior visibilidade.
É nesse contexto contrastivo que elementos da cultura
material – como aguayos (tecidos multicoloridos), formas
lingüísticas, ou mesmo expressões mais complexas, como
rituais, tradições, festas entre outros – ganham relevân-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 77-83, jul./set. 2005
77
SIDNEY
DA
SILVA
mente), esses imigrantes passaram a apostar tudo na atividade da costura, alimentando, assim, sonhos de uma vida
melhor para si mesmos e seus familiares que lá ficaram.
Hoje, a presença boliviana é um fato consolidado na
cidade de São Paulo. Isto se deve tanto à manutenção do
fluxo migratório ao longo da década de 90 – quando eles
se tornaram o grupo mais numeroso entre os hispano-americanos que vivem na cidade – quanto à construção de
novas famílias, em geral de forma endogâmica.
Do ponto de vista espacial, os bolivianos estão concentrados em bairros da zona central da cidade, como o
Bom Retiro, Brás, Pari, Barra Funda, entre outros. Entretanto, há também uma significativa presença deles em
bairros da Zona Leste, como, Belém, Tatuapé, Penha,
Itaquera, Guaianases e em bairros da Zona Norte, como
Vila Maria, Vila Guilherme, Casa Verde, Vila Nova
Cachoeirinha, entre outros.
Outro fator que vale ser destacado é o organizacional,
uma vez que nos últimos anos surgiram várias instituições
de cunho social e cultural, entre elas as fraternidades folclóricas de morenadas, fundadas em função das festas
devocionais. A Fraternidade Bolívia Central, a primeira a
ser fundada na cidade por ocasião da festa da Virgem de
Copacabana de 2001, é a mais expressiva delas, pois reúne pelo menos trezentos integrantes – em sua maioria donos das oficinas de costura. Contudo, há também a participação de dançarinos de outras classes sociais inclusive
de crianças – o que revela a preocupação do grupo em
manter a continuidade da tradição pela segunda geração.
Todos os anos novas roupas e alegorias são alugadas e
trazidas da Bolívia para dar um colorido e brilho novos
às festas tradicionais de que participam. O custo do aluguel gira em torno de U$ 100 (dólares).
O significado de tal presença fundamenta-se em dois
fatores: por um lado, é preciso considerar a importância
econômica da mão-de-obra boliviana, pois grande parte
dos que chegaram nas décadas de 80 e 90 trabalha na indústria da confecção – seja para coreanos, para brasileiros ou mesmo para os próprios compatriotas, que vão à
Bolívia agenciar trabalhadores para as suas oficinas de
costura.1 O problema é a forma como essa reprodução
econômica se dá, ou seja, sem nenhuma regulamentação
trabalhista, uma vez que parte dessa mão-de-obra é
indocumentada.2 Dessa forma, abre-se espaço para relações de trabalho escravo (SILVA, 1997, p. 126). É preciso lembrar, no entanto, que dentro da comunidade, há também um grupo significativo de médicos, enfermeiros,
dentistas e outros profissionais liberais, dentre os quais
CRUZANDO FRONTEIRAS
A inserção de imigrantes num contexto sociocultural
diverso, e quase sempre adverso, é um processo marcado
por conflitos e estranhamentos, seja para os recém-chegados, que não dominam os códigos culturais locais, seja
para a sociedade receptora, que tende a vê-los a partir de
estereótipos já construídos, transformando as diferenças
étnico-culturais em algo exótico ou depreciativo. Assim,
em primeiro lugar, é preciso lidar com esses preconceitos
da sociedade local, os quais vêm à tona à medida que o
grupo dos imigrados passa a disputar, com os nacionais,
espaços no mercado de trabalho no bairro onde eles moram – sobretudo no que diz respeito aos serviços básicos
de saúde e educação, nas instâncias de representação política, e na dinâmica cultural da cidade. Em segundo lugar, a transposição de fronteiras geográficas implica, no
limite, o desafio de ser aceito como cidadão pelo país de
destino, para desse modo ter seus direitos sociais, políticos e culturais respeitados – o que nem sempre acontece.
Somente a partir da década de 80 a presença boliviana
em São Paulo tornou-se significativa. Entretanto, pode-se
dizer que tal presença não é um fenômeno recente, pois
no início da década de 50, já era possível constatar a presença de alguns bolivianos na cidade, que vinham na condição de estudantes, estimulados pelo programa de intercâmbio cultural Brasil-Bolívia. Após o término dos
estudos, muitos deles acabavam optando pela permanência na cidade, em razão das múltiplas ofertas de emprego
oferecidas naquele momento pelo mercado de trabalho
paulistano (SILVA, 1997, p. 82). As razões pelas quais
os bolivianos continuam deixando a Bolívia são múltiplas.
Porém, os fatores de ordem econômica são preponderantes na decisão de emigrar, já que o mercado de trabalho
brasileiro, mesmo na denominada “década perdida” – ou
seja, a de 80 – oferecia mais oportunidades de emprego
do que o da Bolívia, pois esse país enfrentava uma profunda crise econômica, com altos índices de inflação e
desemprego.
O perfil característico desses imigrantes, que foi sendo construído desde os anos 80, mostra que eles são, em
sua maioria: jovens; de ambos os sexos; solteiros; de escolaridade média; e vieram atraídos principalmente pelas
promessas de bons salários feitas por empregadores
coreanos, bolivianos ou brasileiros da indústria da confecção. Oriundos de várias partes da Bolívia, porém com
uma predominância dos pacenhos e cochabambinos (portanto, provenientes de La Paz e Cochabamba, respectiva-
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A MIGRAÇÃO DOS SÍMBOLOS: DIÁLOGO INTERCULTURAL...
os caporales, a diablada, os tinkus, as chuntas e outros,
que se formam especialmente para a ocasião, fazem sua
apresentação na praça. Todos os anos é realizado, também, um concurso de fantasias para crianças: elas apresentam as fantasias das danças dos adultos, numa clara
indicação de que deverão continuar a tradição de seus pais
em sua nova pátria. Outra tradição que ainda persiste entre eles é a molhança, ou brincadeira com água, tradição
praticamente extinta no contexto brasileiro, embora fosse
característica da celebração do Entrudo no Rio de Janeiro, no século 19.
Ainda no contexto do carnaval, temos o martes de
ch´alla, ou seja, a oferenda à Pachamama, realizada na
terça-feira em âmbito privado e público. Nesse dia, se faz a
ch´alla ou oferenda da casa, das máquinas de costura, do
carro e outros objetos. Depois, se repete o mesmo ritual na
praça, onde um pequeno pedaço de terra é cercado simbolicamente com serpentina para reverenciar e oferecer presentes à Mãe Terra, entre eles: bebida alcoólica, confetes,
doces, incenso, entre outros.
A Igreja Nossa Senhora da Paz, no Glicério, é outro
espaço freqüentado pelos bolivianos e outros grupos de
hispano-americanos que vivem em São Paulo. Inaugurada em 1942 pelos missionários escalabrinianos para atender inicialmente os italianos, esse local é hoje uma referência para os imigrantes mais pobres, pois lá são
oferecidos vários serviços, entre eles orientação religiosa, jurídica, psicológica e assistência social, e até mesmo
alojamento para quem não tem onde ficar no momento de
sua chegada na cidade, ou quando as redes sociais de apoio
dentro do grupo falham.
Entretanto, vale destacar, nesse contexto, a excepcional visibilidade que o ciclo de festas devocionais realizadas naquela igreja confere aos bolivianos e outros grupos
de hispano-americanos. Tal ciclo inicia-se em julho, com
a festa da Virgem do Carmo, realizada pelos chilenos;
seguidas pelas festas bolivianas das Virgens de Copacabana e Urkupiña, no mês de agosto; pela festa peruana do
Senhor dos Milagres, no fim de outubro; e finalizando com
a festa da Virgem de Caacupê, realizada pelos paraguaios
no início de dezembro.
Nas festas bolivianas, o que chama a atenção é a quantidade de pessoas de diferentes classes sociais, faixas
etárias e origens étnicas que elas são capazes de aglutinar.
Também é notável a diversidade de tradições, ritmos, sabores e objetos da cultura material veiculados nessas festividades. Nesse sentido, graças à sua polissemia – que
lhes permite exprimir uma pluralidade de significados –
muitos já enfrentaram o problema da regularização jurídica e profissional no Brasil e continuam sendo desafiados por ele.
Por outro lado, a importância da presença boliviana em
São Paulo deve-se à vitalidade e pluralidade de suas manifestações culturais, as quais são reproduzidas em diferentes momentos do ano, seja no âmbito privado ou público. Entre os espaços públicos de maior visibilidade e
mais freqüentados pelos bolivianos na cidade temos a
Praça Kantuta, no Canindé e a Igreja Nossa Senhora da
Paz, no Glicério (região central).
A praça é um espaço que foi conquistado por eles graças a um processo de negociação com a prefeitura
paulistana e a população local, que se sentiu incomodada
com a presença desses imigrantes no bairro – uma vez que,
até o ano de 2002, eles ocupavam a Praça Padre Bento,
ou “Praça do Pari”, como é conhecida pelos moradores
daquela região. Os conflitos tiveram início com o aumento da presença boliviana na praça nos fins de semana:
começaram a surgir casos de violência, circulação de droga, acúmulo de lixo no local, entre outros. Aos olhos dos
moradores locais, o espaço público estava se transformando em privado, sendo apropriado por “estranhos”, que
acabavam invertendo a ordem cotidiana das coisas, impondo um novo ritmo ao bairro e à cidade (SILVA, 2005,
p. 40). Assim, a transferência dos bolivianos para o novo
local, denominado por eles de Praça Kantuta (nome de
uma flor do Altiplano), foi o caminho encontrado para se
resolver o conflito.
Seja como for, a praça é hoje um “pedaço” boliviano na
cidade, ainda que somente aos domingos. Além de ser um
espaço de encontro, de degustação da variada gastronomia
típica do país e de múltiplos serviços – como propostas de
emprego, corte de cabelo, propaganda religiosa de igrejas
evangélicas – a praça é também o palco de várias manifestações culturais. Entre elas, vale citar a festa de Alasitas ou
das miniaturas, realizada no dia 24 de janeiro, quando se
festeja a deidade andina da abundância, denominada de
Ekeko. Neste dia, as miniaturas de casas, carros, máquinas
de costura, diplomas, alimentos, entre outras, deverão ser
compradas antes do meio-dia e abençoadas por um padre
católico, bem como por um yatiri (sacerdote andino), que
faz o ritual da ch´alla, ou seja, uma oferenda à Pachamama
(Mãe Terra), para que os desejos do devoto se tornem realidade (SILVA, 2003, p. 84).
Outra festa que reúne uma grande quantidade de bolivianos na Praça Kantuta é o carnaval. No domingo de
carnaval, vários grupos de danças, entre eles, a morenada,
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SIDNEY
DA
SILVA
os símbolos constituem-se um importante canal de diálogo para grupos de imigrantes em vias de inserção num
novo contexto – como é o caso dos bolivianos em São
Paulo. Em seguida, veremos como símbolos aparentemente dissonantes conversam entre si e, ao mesmo tempo, abrem possibilidades de aproximação entre diferentes culturas.
Isto fica evidenciado, sobretudo, no contexto das festas devocionais em São Paulo, nas quais é veiculada uma
multiplicidade de tradições e práticas culturais, entre elas
a instituição do presterío, que consiste na escolha de um
novo festeiro a cada ano para organizar os festejos. Este
conta com a ajuda de colaboradores (padrinhos), denominada por eles de ayni. Essa tradição, fundada na lógica da
dádiva, implica na obrigação de restituir o dom ofertado
quando o doador organizar algum tipo de festa – seja em
âmbito privado, como é o caso dos batizados e fim do luto,
ou público, como é o caso das festas devocionais. A colaboração pode ser, por exemplo, armar os arcos no local
da festa, revestindo-os de aguayos (tecido multicolorido)
e adornados com objetos de prata, máscaras, flores, artesanatos, entre outros; oferecer as colitas, representação
em miniatura de pequenos objetos obsequiados aos participantes da festa; ou ainda fazer um cargamento,4 ou seja,
adornar um carro com aguayos, utilizando objetos de prata,
bonecas vestidas tipicamente e outros elementos que vão
sendo incorporados a cada ano (como é o caso do Pato
Donald com notas de dólares ou a alegoria de um boi, em
2005, reproduzindo exatamente a figura do animal branco com uma estrela vermelha na testa que se apresenta no
boi-bumbá Garantido, por ocasião do famoso Festival
Folclórico de Parintins, no Amazonas).
A presença desse símbolo pela primeira vez na festa
da Virgem de Copacabana – uma festa de caráter regional
na Bolívia (La Paz), e que no exterior se transforma em
“festa dos bolivianos” – nos instiga a pensar quais seriam
os significados dessa presença aparentemente exótica num
contexto cultural diferenciado. Em primeiro lugar, importa
ressaltar que a festa como um fato social total põe em
circulação uma multiplicidade de elementos culturais e
sociais, num complexo sistema de prestações totais
(MAUSS, 1974, p. 179). Em segundo lugar, seu meio de
expressão, particularmente por meio das formas sensíveis
e simbólicas, permite o diálogo com elementos de outras
culturas – os quais parecem estar fora de lugar para uma
percepção mais desavisada. Entretanto, eles encontram
pontos de intersecção num imaginário cultural mais amplo,
onde, em sua polissemia, os símbolos podem prestar-se a
interessantes diálogos. No caso das culturas andinas, é
importante destacar a presença de um símbolo como a
llama branca sacrificada à Pachamama por ocasião do
plantio. Símbolos dessa natureza são comuns em contextos
em que a relação do homem com a terra é vital para a sua
sobrevivência, como é o caso dos povos andinos. Para
estes, a abundância não é uma simples decorrência das
A LINGUAGEM DOS SÍMBOLOS NO
CONTEXTO MIGRATÓRIO
Como já notara Manuela C. da Cunha num outro contexto, a cultura de um grupo étnico no contexto migratório não se perde ou se funde simplesmente, mas sim tende
a simplificar-se e a concentrar-se em alguns traços que se
tornam diacríticos para o grupo. A língua é um deles, pois,
como sistema simbólico capaz de organizar a percepção
do mundo, constitui-se num diferenciador por excelência
(CUNHA, 1986, p. 99-100). A culinária, os trajes, ritmos
musicais, danças típicas e outros elementos da cultura
material são, em geral, veiculados pelos diferentes grupos de imigrantes como elementos constitutivos das várias
identidades em jogo.
No caso dos bolivianos em São Paulo, elas são ao mesmo tempo elementos de diferenciação – seja em âmbito
regional ou do ponto de vista étnico e cultural – como são
também fatores de aglutinação e afirmação da identidade
nacional, num contexto de contato interétnico e de discriminação. As danças da morenada e da diablada são
emblemáticas dessa realidade, pois, ainda que originárias
de um contexto de escravidão do negro e do índio nas minas
de prata da Bolívia, elas passam a ser, no Brasil, a expressão de uma identidade boliviana positiva, independentemente da origem histórica de cada uma delas – em geral
pouco conhecida pelos dançarinos. Vale lembrar, porém,
que essas danças eram vinculadas a um contexto religioso
e, portanto, passaram a ser vistas pelos colonizadores como
“diabólicas”, pois, segundo Max Weber (1969), esta é a
forma de se representar a religião dos vencidos. Um exemplo disso são as máscaras da morenada e da diablada, as
quais ressaltam, por um lado, de forma exagerada e ridicularizada, os traços africanos; e, por outro, a demonização
propriamente dita do outro. Entretanto, ao cruzarem as
fronteiras geográficas e culturais, esses símbolos são evocados e apresentados com orgulho pelos bolivianos como
elementos constitutivos de uma possível “identidade cultural” boliviana – ainda que a pluralidade cultural seja uma
característica inconteste daquele país andino.3
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A MIGRAÇÃO DOS SÍMBOLOS: DIÁLOGO INTERCULTURAL...
grande espetáculo do poder do pajé, e transformando-se
em celebração dos povos indígenas da Amazônia.
No caso do Peru, o boi aparece na Yawar fiesta, que
significa festa do sangue, realizada entre os dias 26 a 30
de julho, em povoados como Cotabambas (Apurímac),
região de Cuzco. Vale notar que as festividades acontecem durante as celebrações comemorativas da independência peruana, o dia 28 de julho.
O ritual consiste em capturar um condor que é apresentado ao prefeito na entrada da cidade, o qual lhe dá as
boas-vindas. Depois, ele é colocado em cima de um boi
que, ao movimentar-se, assusta o condor – e este começa
a bicar o lombo do animal até sangrar. A presença do sangue não é aleatória, já que ele fecunda a terra, o ventre da
Pachamama, aquela que dá os bens necessários à vida. É
importante dizer que a referida festa está ancorada em
princípios comuns às cosmologias andinas, onde cada elemento tem um significado e, portanto, ganha um sentido
particular para os participantes da festa. O condor está
associado aos ancestrais e é denominado de Apu (Senhor),
de modo que seu habitat, as montanhas, são também consideradas seres vivos, morada dos ancestrais, e, por essa
razão, cada comunidade tem uma montanha como protetora. A partir dessa perspectiva, o condor, denominado
de Apu Kuntur (condor sagrado), pertence à esfera celeste, ou seja, ao mundo superior, em contraposição ao touro, denominado de Wak´as, divindade pertencente ao
mundo inferior. No meio está a Pachamama, a Mãe-Terra, que gosta de receber presentes, como a folha da coca,
incenso, chicha (bebida fermentada do milho), cerveja,
entre outros, e, assim, também o sangue, que resulta do
encontro auspicioso entre os mundos superior e inferior.
Nesse contexto, a festa acontece em meio a uma grande
expectativa, pois, se ocorrer algum acidente com o condor
no momento de sacrificar o boi e ele vier a morrer, algo
de ruim poderá sobrevir sobre a comunidade – como uma
forte seca ou a morte de algum parente daquele que capturou o condor. Assim, o momento da sua soltura é marcado por um grande alívio e satisfação para aqueles que
participaram do ritual.
No Paraguai, tal como no Brasil, o boi aparece no contexto das festas juninas, ou seja, durante os festejos de
São João. Naquele país, esta tradição recebe o nome de
Toro Candil, uma vez, que durante a festa, a armadura de
um touro, feita em madeira recoberta com o couro natural
de um boi, é carregada por um personagem que ameaça
precipitar-se sobre os participantes da festa, os quais expressam um grande prazer em enfrentar o boi, que tem a
respostas da natureza à ação do homem, mas depende de
uma relação de reciprocidade, expressa nos rituais de
fertilidade, onde o derramamento de sangue é fundamental
para garantir uma boa colheita. É nesse contexto que a
llama branca aparece como uma mediação entre morte e
vida, privação e abundância de bens que são pedidos à
Pachamama (Mãe Terra) no início do mês de agosto. Ora,
ela é também, em suas versões, o significado do animal
encontrado nos bois-bumbás de Parintins e nos bumbameu-boi de outras partes da Região Nordeste – que são
definidos por Mário de Andrade como a expressão de algo
“maior e geral” que é o “princípio de Morte e Ressurreição”
da natureza (ANDRADE apud BRAGA, 2002, p. 336).
Contudo, a figura do boi não é uma exclusividade brasileira. Ele está presente em diferentes contextos latinoamericanos, como resultado de um processo de mestiçagem cultural entre tradições ibero-americanas,
indígenas e africanas que ocorreu no Brasil, assim como
no restante da América espanhola. No Brasil, as festas
do boi são celebradas, sobretudo, no Nordeste e Norte
do país no mês de junho, época das comemorações das
festas de São João, tendo sua versão mais conhecida nos
bumba-meu-boi do Maranhão. Parintins é hoje um exemplo emblemático da vitalidade desta tradição que, migrando para o Amazonas com os trabalhadores nordestinos no ciclo da borracha, mobiliza a região amazônica
em torno da saga dos bois Garantido e Caprichoso, que
se enfrentam a cada ano numa disputa criativa e renovadora. A festa é um auto que dramatiza, segundo a narrativa dos brincantes, a História de Catirina, mulher de um
peão de fazenda, chamado Pai Francisco, que estava grávida e queria comer língua de boi. Desesperado, seu
marido resolve matar o boi do dono da fazenda, o amo
do boi. Denunciado por um dos vaqueiros e perseguido
por índios guerreiros a serviço do amo, Pai Francisco
tem que encontrar um meio de trazer o boi de volta. Assim, ele resolve chamar outros personagens para ajudálo a “curar” o boi – o padre, o doutor, o pai de santo, o
pajé – até que alguém deles (o personagem varia de lugar para lugar segundo a intenção satírica do auto) o
aconselha a aplicar um clister no rabo do boi. Feito o
que lhe fora ensinado, o boi dá seu urro, demonstrando
que está vivo, e todos comemoram com danças, comida
e bebida a ressurreição do boi (BRAGA, 2002, p. 2728). Em sua versão amazônica, a estória narrada pelo auto
dramático é minimizada, reduzindo-se a personagens
obrigatórios, porém, quase que só alegóricos (Pai Francisco, Catirina, o amo, os vaqueiros) para dar lugar ao
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SIDNEY
DA
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cabeça em chamas. No final da brincadeira, o boi é queimado na fogueira, sendo, portanto, sacrificado simbolicamente.
Já na Bolívia a brincadeira com o boi, denominado de
Waka tok‘oris ou de toros bailadores, aparece no contexto do carnaval (tal como o bumba-meu-boi em Pernambuco e Alagoas e o boi-de-mamão em Santa Catarina) e
também das festas devocionais – entre elas a da Virgem
de Urkupiña (Cochabamba) e a de Gran Poder (La Paz)
–, quando um personagem com a armadura do boi e um
outro na condição de toureiro simulam uma tourada. A
cada três passos o boi dá uma volta e aquele que imita o
toureiro levanta uma espada de madeira insinuando o ato
de sacrificá-lo (PAREDES, 1981, p. 40-41).
Seja como for, esse boi que aparece em diferentes festas latino-americanas é “bom para pensar” a dinâmica da
cultura – particularmente no contexto da migração, pois
os símbolos, em sua polissemia, vão revelando uma
pluralidade de significados que permitem o diálogo entre
contextos culturais aparentemente distantes e desconexos
e, ao mesmo tempo, são signos aferidores de identidades.
No caso de Parintins, o boi é o elemento central em torno
do qual se constrói uma identidade regional que é reafirmada anualmente no ciclo das festas juninas, a partir da
disputa entre os bois Garantido e o Caprichoso (VIEIRA
FILHO, 2002, p. 31). Já em São Paulo, o boi indicaria a
existência de uma mediação cultural dialogando com a
llama, símbolo das culturas andinas e, portanto, elemento
de afirmação de uma identidade andina e boliviana que
quer impor-se enquanto positividade em meio a um contexto de discriminação, como é o vivido pelos bolivianos
na atualidade. Essa é a identidade que se afirma através
da festa “confundindo-se” com a cultura local e é, ao
mesmo tempo, signo da “carnavalização” que marca ambos os festejos.5 Um exemplo disto é a fala de Guillermo
Salazar, residente há mais de quarenta anos na cidade, e
que só nos últimos anos começou a participar das festas
marianas. Antes, ele procurava viver no anonimato e não
participava de nenhuma atividade organizada por bolivianos – o que pode ser interpretado como uma estratégia para
não ser identificado como boliviano, em razão dos preconceitos com que seu grupo é visto por setores da sociedade paulistana e com os quais teria que lidar. Hoje, participante das festas devotas, ele afirma enfaticamente:
solamente ahora tengo consciencia de mis raíces. Isto
significa que agora ele já não tem mais receio de se assumir enquanto boliviano, pacenho, andino e de ascendência aimará. Pelo contrário, sente-se orgulhoso dessas for-
mas de pertencimento e identidades que as festas e seus
símbolos lhe permitem reconhecer.
Assim, como uma linguagem distintiva, a migração dos
símbolos permite dizer várias coisas ao mesmo tempo
sobre quem os veicula. Mais do que isso: permite-lhes criar
novas formas de diálogo com o novo contexto que os recebe – e que é marcado, não raras vezes, por tensões e
ambigüidades.
NOTAS
Trabalho apresentado na IX Abanne – Reunião de antropólogos do Norte
e Nordeste/2005.
1. Vale notar que existem redes de agenciamento de mão-de-obra na
Bolívia, em cidades como La Paz, de onde vem grande parte dos bolivianos que vivem em São Paulo, e Santa Cruz de La Sierra, cidade
mais próxima do Brasil e, portanto, última etapa antes da saída do país.
O custo da viagem para o emigrante pode variar, dependendo do trajeto escolhido. Para quem opta pela entrada por Corumbá (MT), pode
custar cerca de US$ 120,00 (dólares). Porém, o risco de ser detido por
um agente federal é maior. Já quem escolhe a rota do Paraguai, terá
que enfrentar uma longa e exaustiva viagem até chegar à Ciudad Del
Leste, para depois cruzar a fronteira e entrar no Brasil por Foz do Iguaçu
(PR). O custo deste trajeto pode chegar a US$ 160,00 (dólares).
2. O problema da indocumentação tem sido um dos grandes desafios
para os imigrantes mais pobres no Brasil, particularmente para os bolivianos, uma vez que o Estatuto do Estrangeiro, aprovado em 1980
por decurso de prazo e num contexto de Segurança Nacional, só permite a entrada de mão-de-obra especializada e de empreendedores no
país. Para os que não se enquadram nestes critérios, as duas únicas
possibilidades de regularização são o casamento com cônjuges brasileiros ou o nascimento de um filho em território brasileiro. Um novo
projeto de lei está em discussão no Congresso Nacional. Entretanto, a
nova proposta mantém o seu caráter seletivo e economicista, sem levar em conta a Política de Direitos Humanos do governo brasileiro.
No dia 15 de agosto de 2005 foi assinado um acordo entre Brasil e
Bolívia para a regularização dos indocumentados em ambos países. O
problema, porém, é a pesada multa que cada imigrante terá que pagar
para regularizar-se, a qual gira em torno de R$ 828,00, valor equivalente a cem dias de ilegalidade no país.
3. Vale notar que a questão da identidade cultural, quando tomada de
forma essencialista, “pode levar a uma racialização dos indivíduos e
dos grupos, pois, para algumas teses radicais, a identidade está praticamente inscrita no patrimônio genético”. Nesta perspectiva, a identidade “é vista como uma condição imanente do indivíduo, definindo-o
de maneira estável e definitiva” (CUCHE, 1999, p. 178-179). Entretanto, num contexto contrastivo, como o vivido pelos bolivianos em
São Paulo, a tendência é apresentar uma identidade cultural essencializada, pois o que está em jogo é exatamente a afirmação de uma
identidade positiva numa situação de discriminação.
4. Essa tradição remonta à época pré-colombiana, quando os metais
preciosos, que não tinham valor de troca, eram levados no lombo de
animais para serem oferecidos às divindades incaicas. Hoje, essa tradição continua vigente, seja nas festas devocionais realizadas na Bolívia, seja naquelas realizadas no exterior – como é o caso de São Paulo,
ocasião em que os devotos fazem passar perante a Virgem os símbolos
de sua riqueza obtida da terra (isto é, graças à intermediação da
Pachamama), oferecendo-a como agradecimento ou em caráter
propiciatório, na esperança de obter a dádiva da Mãe-Terra (MAUSS,
2005). Porém, agora essa riqueza já não é mais retirada da terra, como
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A MIGRAÇÃO DOS SÍMBOLOS: DIÁLOGO INTERCULTURAL...
em épocas pretéritas, mas do trabalho superexplorado nas confecções
da cidade (SILVA, 2003, p.89).
PAREDES, M.R. El arte folklórico de Bolivia. La Paz: Librería
Editorial Popular, 1981.
5. Não é por acaso que danças como a morenada e a diablada entre
outras – que em geral são apresentadas no carnaval de Oruro e também nas festas devotas em São Paulo – vão parar na quadra da escola
de samba Camisa 12, local onde ocorre o último dia dos festejos.
ROJO, H.B. Fiesta boliviana. La Paz: 1991. 128p. (Editorial “Los
Amigos del Libro”).
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Artigo recebido em 30 de junho de 2005.
Aprovado em 25 de agosto de 2005.
________. Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU/Edusp,
1974. v. I e II.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 77-83, jul./set. 2005
83
ROSANA BAENINGER
SÃO PAULO E SUAS MIGRAÇÕES
NO FINAL DO SÉCULO 20
ROSANA BAENINGER
Resumo: Este artigo busca resgatar as tendências migratórias nacionais para o Estado de São Paulo nos anos
90, destacando a centralidade da Região Metropolitana de São Paulo. No âmbito intra-regional, são analisados os fluxos migratórios metrópole-interior, em especial nas áreas consolidadas como espaços ganhadores de
população.
Palavras-chave: Migração. Redistribuição da população. Urbanização.
Abstract: This article seems to recover the national migratory trends for the State of São Paulo in 1990s, denoting
the centrality of the São Paulo Metropolitan Area. In the intra-regional scope, the metropolis-interior migratory
flows are analyzed, in special in the areas consolidated as spaces witch receive population.
Key words: Migration. Redistribution of population. Urbanization.
O
presente trabalho busca analisar o papel de São
Paulo no contexto migratório nacional nos anos
90, bem como aprofundar aspectos da dinâmica
intra-estadual.
As preocupações que permeiam o trabalho estão pautadas nas seguintes questões: houve a continuidade do
processo de desconcentração populacional da metrópole
de São Paulo? Qual foi o comportamento das áreas caracterizadas como de evasão populacional? Como se deu o
crescimento das cidades e o crescimento da população
segundo a morfologia da rede urbana paulista? Os pólos
regionais continuaram sendo absorvedores de população?
As tendências apontadas a seguir indicam novos arranjos migratórios no Estado: há a consolidação de determinadas áreas; a expansão da migração para regiões fora das
franjas metropolitanas; ao mesmo tempo, observa-se a
redefinição de espaços da migração, tanto na metrópole
de São Paulo quanto no interior.1 Essas evidências empí-
ricas estimulam algumas interpretações teóricas que, sem
abandonar a importância das transformações econômicas
e suas relações com a dinâmica migratória e regional, consideram abordagens que possam ser complementares e
mais voltadas para a sociologia contemporânea.
ASPECTOS TEÓRICOS DA MIGRAÇÃO NAS
ÚLTIMAS DÉCADAS
As tendências gerais dos deslocamentos populacionais
no Brasil ocorridos desde os anos 30 até a década de 70
estiveram ancoradas na enorme transferência de população do meio rural para o urbano, nas migrações com destino às fronteiras agrícolas, no fenômeno da metropolização e na acentuada concentração urbana.
Na vertente da migração rural-urbana, Singer (1973)
contextualizou esses movimentos migratórios no bojo do
processo de industrialização em curso, onde os desloca-
84
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005
SÃO PAULO E SUAS MIGRAÇÕES NO FINAL DO SÉCULO 20
nal, emprestando recentes características ao processo de
distribuição espacial da população e redefinindo alguns
aspectos da migração interna, ao mesmo tempo em que ainda
se mantém como o maior centro de recepção migratória.
As migrações internas assumem, nesse contexto, maior
complexidade, particularmente pelo predomínio das
migrações entre áreas urbanas; ou seja, movimentos migratórios constitutivos e elemento fundamental na configuração de novas espacialidades. Portanto, o entendimento do processo de reorganização da população
no espaço desloca-se do eixo de análise via migração ruralurbana, que é a força motriz das análises centrípetas.
Nas últimas décadas, as migrações internas no Brasil
foram marcadas por alterações expressivas em sua dinâmica
– e estas refletem-se nas novas especificidades e tendências
do processo de distribuição espacial da população. Ao lado
dos fluxos tradicionais, também passam a sobressair-se
como elementos explicativos e determinantes do fenômeno
migratório: outras direções (movimentos de curta distância,
movimentos de retorno, movimentos intra-regionais) e novas
dimensões da migração – em particular a espacial.
As tendências recentes dos movimentos migratórios no
Brasil suscitaram análises interpretativas enriquecedoras
do debate atual. As transformações ocorridas no fenômeno
migratório poderiam estar apontando: a configuração de
um novo padrão migratório brasileiro (BRITO, 1997); o
resultado das transformações ocorridas na sociedade e em
sua dinâmica econômica no mesmo período (PACHECO;
PATARRA, 1998); variações de um mesmo processo
historicamente referenciado no tempo e no espaço
(CUNHA, 1999); a desconcentração da população frente
à desconcentração econômica (MATOS, 1995); a expansão
dos espaços da migração (BAENINGER, 1999).
Mesmo com diferentes maneiras de interpretar o fenômeno, essas análises indicam, de modo geral, a partir dos
anos 80, as evidências e características apontadas anteriormente: inflexão no ritmo de crescimento metropolitano,
aumento nas migrações de curta distância, importância do
fluxo de retorno, esgotamento dos deslocamentos para as
fronteiras agrícolas, diminuição no ímpeto das migrações
inter-regionais.
Os anos 90 foram ainda mais desafiadores em termos de
interpretações teóricas, particularmente em relação às análises pautadas na interiorização da indústria, uma vez que
esse processo vem perdendo fôlego desde meados dos 80.
Se, de um lado, os anos 80 e 90 assistiram a intensificação e consolidação de tendências já observadas nos
anos 70, deve-se, contudo, considerar que, a partir de então,
mentos populacionais – com origem no rural e destino
urbano representavam a força de trabalho necessária à
etapa de acumulação capitalista. As áreas rurais estagnadas ou em processo de transformação contribuíam para
“fatores de estagnação” ou “fatores de mudanças”
impulsionadores de fluxos migratórios nos locais de origem, onde as “causas” e os “motivos” da migração eram
resultantes das transformações econômicas globais da
sociedade. Os excedentes populacionais do rural constituíam transferências populacionais para as cidades, com
a incorporação desses contingentes no mercado de trabalho industrial em expansão.
Embora os movimentos migratórios rural-urbanos fossem a principal força redistributiva da população, principalmente nos anos 50 e 60, o panorama dos movimentos
migratórios no Brasil foi se ampliando a partir de então,
até mesmo pela nova etapa de desenvolvimento econômico que o país viria assistir (CANO, 1988; PACHECO;
PATARRA, 1998; MARTINE, 1987). Segundo Martine
e Camargo (1984), o cenário da distribuição espacial da
população brasileira a partir dos anos 60 foi movido por
forças centrífugas, com a expansão populacional (migrações inter-regionais) rumo às áreas de fronteiras, e por
forças centrípetas, com a migração rural-urbana em direção às grandes cidades do Sudeste, particularmente para
a Região Metropolitana de São Paulo.
Já nos anos 70, no bojo dessa bipolaridade, as forças
de reforço à concentração (forças centrípetas) faziam-se
notar, promovendo a emigração das áreas de fronteiras
agrícolas em direção às cidades maiores (MARTINE,
1987). Nesse contexto, a urbanização nacional operavase em moldes cada vez mais concentradores, em um processo de distribuição da população que tendia a privilegiar
os grandes centros urbanos do Sudeste.
A partir dos anos 80, essas forças redefinem-se com mais
nitidez e pode-se compreender melhor as direções e os
sentidos das migrações internas. As “forças centrífugas”,
resultantes da força de atração exercida pelas fronteiras
agrícolas, já haviam acentuado sua perda de importância
nos anos 70 (MARTINE, 1987), muito embora seus desdobramentos tenham ainda se refletido, nos anos 80 e
início dos 90, nos movimentos migratórios. Já as “forças
centrípetas”, em especial a exercida pela metrópole de São
Paulo, arrefeceram pós anos 80, porém não desapareceram (BAENINGER, 1999). Compondo um movimento mais
amplo de distribuição populacional, a Região Metropolitana de São Paulo – RMSP também passou a se destacar
pela importância de seu volume emigratório em nível nacio-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005
85
ROSANA BAENINGER
esses fenômenos estiveram contextualizados em tempos,
momentos e espaços inseridos em uma outra sociedade:
na sociedade de risco (BECK, 1992) ou na alta modernidade (GIDDENS, 1991). A compreensão dos
fenômenos urbanos, em especial as novas formas de
mobilidade espacial da população, passam por dimensões
que, mesmo como reflexos de reestruturações na economia,
compõem um novo mosaico das interações sociais.
A articulação de processos locais ao âmbito regional e
global promove “mecanismos de desencaixe” da sociedade (GIDDENS, 1991), com reflexos nos processos de urbanização e de redistribuição espacial da população nos
variados contextos regionais. As novas territorialidades,
por sua vez, aceleram seu processo de emergência na sociedade contemporânea, onde os riscos são compartilhados (OJIMA, 2003).
Nesse novo cenário, as novas territorialidades, que
abrangem municípios diferenciados, estão imersas em um
conjunto de “sistemas peritos” da sociedade (GIDDENS,
1991) – dentre os quais se destaca a facilidade de transportes –, contribuindo para a formação, a institucionalização e para os desafios da gestão desses espaços, tanto
em termos das migrações e dos deslocamentos populacionais quanto das políticas sociais. O aumento da migração intrametropolitana e intra-regional é também uma resposta aos espaços compartilhados da sociedade de risco e
indicam a necessidade de arranjos institucionais que contemplem essas novas territorialidades.
O aprofundamento futuro dessas interpretações poderá
contribuir para o entendimento do fenômeno migratório
em São Paulo, bem como para a compreensão da relação
entre migração e urbanização nos espaços metropolitanos
e interioranos.
vem se mantendo constante a partir dos anos 80: de 1,3
milhões, nos 70, para 1,8 milhões, nos 90.
Desse modo, considerando-se a “eficiência” do Estado de São Paulo na retenção da migração, observa-se que,
nos anos 70, este figurava no contexto interestadual como
área de média absorção migratória (IEM de 0,43), com
um ganho líquido populacional de quase 2 milhões de
pessoas. Já no período 1981-1991, passava para área de
baixa absorção migratória (IEM de 0,28), decrescendo
seu saldo migratório para 1,2 milhão de pessoas. No período 1990-2000, manteve essa baixa capacidade de retenção da migração, com o mesmo IEM (0,29) registrado na
década anterior, porém com um saldo migratório mais elevado de 1,5 milhão de pessoas. Destaca-se que, com relação aos anos 70, mesmo com volumes de migração semelhantes, os anos 90 registraram menor capacidade de
retenção da população no Estado.
De fato, deve-se destacar que, dentre as características
da migração interestadual para São Paulo, houve importante redução de seu volume absoluto dos anos 70 para os
80. Nos anos 70, a média anual era de 325.089 migrantes,
baixando para 267.916, no período 1981-1991; para o período 1990-2000, este volume anual voltou a ser de
325.438 migrantes. Constata-se, portanto, que os anos 80
caracterizaram-se como o momento específico da tendência de declínio da imigração interestadual para São Paulo,
e pode ter refletido os efeitos mais imediatos da desconcentração econômica, das novas economias regionais, das
“ilhas de prosperidade” (PACHECO, 1998) que, juntamente com a forte crise econômica que se manifestava na
metrópole de São Paulo, compuseram um movimento de
população caracterizado tanto pela redução na imigração
quanto pela forte emigração para fora de São Paulo.
O aumento da imigração nos anos 90 para o Estado de
São Paulo – em especial para a RMSP – parece se dever
menos a uma recuperação econômica da metrópole paulista
(até pelo aumento da emigração nos 90), e mais, talvez,
ao arrefecimento na capacidade de reter a população nas
áreas de “origem” da migração. Essa retomada da imigração para São Paulo pode trazer à tona a discussão da
reconcentração da migração em São Paulo. De fato, por
um lado, em termos de migração de longa distância, parece que São Paulo mantém essa centralidade dos destinos
migratórios; por outro, nesse mesmo movimento está presente um forte componente de retorno que transforma espaços migratórios anteriormente consolidados, como a
RMSP, em áreas de intensas entradas e saídas de contingentes populacionais.
O PÓLO NACIONAL DE RECEPÇÃO
MIGRATÓRIA: SÃO PAULO
As tendências da migração nacional nas últimas décadas vêm indicando oscilações do volume migratório que
se dirige a São Paulo. À intensa migração interestadual
dos anos 70 (3,2 milhões de pessoas) seguiu-se uma redução na década de 80 (2,6 milhões). Isso parecia indicar
que essa tendência continuaria para os anos 90; no entanto, nesse último período as migrações interestaduais para
São Paulo voltaram aos patamares dos anos 70 (3,2 milhões de migrantes).2
Contudo, a outra face do fenômeno migratório estadual
é marcada pela emigração de São Paulo – tendência que
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005
SÃO PAULO E SUAS MIGRAÇÕES NO FINAL DO SÉCULO 20
fluxo de migrantes do Nordeste para o Estado de São Paulo,
porém mantendo no mesmo patamar seu volume de emigração (de 322 mil, entre 1980 e 1991 para 331 mil, nos
anos 90). Por outro lado, a emigração do Estado de São
Paulo para os estados nordestinos também aumentou: de
509 mil emigrantes, nos anos 80, para 690 mil, entre 1990
e 2000; para a Bahia, a emigração, que foi de 147 mil pessoas, na década de 80, passou para 223 mil, nos anos 90.
Nas trocas líquidas populacionais, no entanto, São Paulo
aumentou seu ganho com o Nordeste, de 834 mil pessoas
para 982 mil, de uma para outra década; com a Bahia, nas
trocas populacionais, São Paulo chegou a obter um ganho
de 428 mil pessoas contra 289 mil, dos anos 80.
Essa elevação no ganho populacional para o Estado de
São Paulo, advinda das trocas migratórias, ocorreu também com os Estados da Região Norte. Ainda nos anos 80,
São Paulo registrou uma emigração para essa região de
cerca de 58 mil pessoas, como reflexo das possibilidades
de expansão da fronteira agrícola e do garimpo, sendo o
volume de entrada para o Estado praticamente o mesmo.
Já nos anos 90, a emigração para os Estados da Região
Norte em seu conjunto decresceu (49 mil migrantes),
embora para o Estado do Pará possa-se observar um ligeiro aumento em seu volume (de 13 mil pessoas para 15
mil), o que resultou em um ganho populacional da ordem
Apesar da crise econômica, São Paulo continuou sendo
o maior pólo de recepção da migração, bem como o
“coração da economia nacional”. Portanto, no imaginário
migratório – principalmente para os migrantes de áreas
menos desenvolvidas – essa área continuará fazendo parte
da geografia mental da população (VAINER, 1991).
Talvez a relação migração/industrialização não seja tão
nítida e direta como nos anos 60 e 70, mas, para os movimentos interestaduais, permanece a forte e complexa
relação migração/emprego e, certamente, as redes sociais
constituem elementos importantes da manutenção de
históricos fluxos migratórios para a metrópole.
Na estrutura migratória dos fluxos de chegada e saída
de migrantes inter-regionais de e para o Estado de São
Paulo (Tabela 1), nos anos 90, o Nordeste continuou liderando em volume, respondendo por 52,6% dos que entraram no Estado. O volume total da imigração dessa região,
que era de 1,3 milhão de migrantes, no período 1981-1991,
subiu para 1,7 milhão entre 1990 e 2000.
Dentre os Estados da Região Nordeste, destaca-se o incremento da imigração, vinda principalmente da Bahia
(de um volume de 437 mil pessoas, nos anos 80, para 652
mil, nos 90), do Maranhão (de 32 mil para 63 mil migrantes,
respectivamente) e do Piauí (de 79 mil para 109 mil pessoas). Pernambuco continuou ocupando o segundo maior
TABELA 1
Volumes de Imigração e Emigração Interestadual, segundo Regiões
Estado de São Paulo – 1981-2000
Regiões
Imigração
Emigração
Trocas Migratórias
1981-1991
1990-2000
1981-1991
1990-2000
1981-1991
1990-2000
2.679.162
3.177.676
1.494.933
1.789.544
1.184.229
1.388.132
58.715
26.275
58.444
25.478
58.742
13.192
49.295
15.511
-27
13.083
9.149
9.967
Nordeste
Maranhão
Piauí
Pernambuco
Bahia
1.343.496
32.136
79.823
322.686
437.131
1.672.649
63.309
109.358
331.070
652.212
509.433
13.244
26.004
121.071
147.587
689.908
19.675
49.794
128.640
223.420
834.063
18.892
53.819
201.615
289.544
982.741
43.634
59.564
202.430
428.792
Sudeste
Minas Gerais
619.793
475.269
530.765
411.590
424.912
326.580
521.039
412.020
194.881
148.689
9.726
-430
Sul
Paraná
493.407
440.281
406.346
347.388
287.240
222.365
344.090
262.129
206.167
217.916
62.256
85.259
Centro-Oeste
Mato Grosso
163.751
37.689
168.242
45.425
214.606
64.125
185.212
40886
-50.855
-26.436
-16.970
4.539
BRASIL (1)
Norte
Pará
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000 (tabulações especiais, Nepo/Unicamp).
(1) Exclui país estrangeiro.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005
87
ROSANA BAENINGER
Paulo volta a ser uma área de média absorção migratória com relação ao Nordeste;
de 9 mil pessoas com origem na Região Norte para o Estado de São Paulo.
Considerando outra área de fronteira agrícola – a Região Centro-Oeste – a tendência a maior emigração para
seus estados do que a imigração para São Paulo ainda
permaneceu nos anos 90, embora o volume de emigrantes
tenha apresentado uma diminuição: de 214 mil, no período 1980-1991, para 185 mil migrantes, nos anos 90 – o
que resultou na manutenção da perda populacional de São
Paulo para o Centro-Oeste em seu conjunto. Deve-se mencionar, contudo, que com o Estado do Mato Grosso, São
Paulo reverteu a tendência de perda de população, de uma
para outra década, passando a registrar um ganho populacional positivo; parte desse volume de imigração para
São Paulo é composto por um movimento de retorno de
migrantes que para lá se deslocaram em décadas passadas.
Foi com os Estados do Sudeste – em especial com Minas Gerais – que o Estado de São Paulo refletiu a expansão dos espaços da migração no Brasil: passou a registrar
uma perda populacional nos anos 90. Embora o volume
de entrada de mineiros constitua o segundo maior fluxo
da migração para São Paulo, em torno de 410 mil pessoas,
entre 1990 e 2000 (era de 475 mil, nos anos 80), a emigração em direção a esse Estado elevou-se, de 326 mil
emigrantes para 412 mil, entre 1980-1991 e 1990-2000.
Com a Região Sul, embora o movimento de imigração
tenha diminuído (de 440 mil pessoas para 347 mil) e o
volume de emigração aumentado ligeiramente (de 222 mil
pessoas para 262 mil), os ganhos populacionais para São
Paulo mantiveram-se, mesmo que em volume bem menor
(de 217 mil pessoas para 85 mil).
Ou seja, a imigração vinda de Minas Gerais e Paraná
ainda representam volumes expressivos de migrantes para
o Estado de São Paulo. O que se constata, entretanto, é
que o movimento emigratório foi bem mais acentuado,
sobretudo para Minas Gerais. Em estudos anteriores sobre
os anos 80, apontava-se uma tendência de menor migração
para São Paulo oriundas desses estados. Na verdade, São
Paulo continuará sendo o maior pólo de recepção migratória
no país, ao mesmo tempo em que se assiste a expressiva
emigração desta área para localidades específicas.
Os movimentos migratórios de e para São Paulo, segundo as Grandes Regiões, no período 1990-2000 indicaram:
- aumento da atração migratória do Estado com relação à
Região Norte;
- inversão da tendência do movimento migratório com
Minas Gerais;
- manutenção da tendência de evasão populacional para
o Sul, em especial para o Paraná, porém ainda mantendo
ganhos populacionais com os Estados dessa região;
- com o Centro-Oeste, ainda manteve perdas populacionais, embora note-se a recuperação migratória com
o Estado de Mato Grosso.
No cenário da migração brasileira, o Estado de São
Paulo, no período 1990-2000, continuou recebendo mais
da metade da emigração que saiu do Nordeste e até mesmo do Sul. Por outro lado, também continuou respondendo pelos maiores volumes de pessoas que chegaram a essas mesmas regiões. No entanto, a potencialidade
migratória do Estado diminuiu com relação a Região Sul
e Sudeste, aumentou com o Nordeste e Norte, e apontou
essa mesma tendência com relação à Região Centro-Oeste.
Considerando o movimento emigratório do Estado de
São Paulo, os anos 80 caracterizaram-se como a “década
do retorno”, quando 45,0% dos migrantes que deixaram
São Paulo estavam voltando aos seus Estados de nascimento. Nos anos 90, essa proporção foi semelhante,
indicando que se trata de um fenômeno de longa duração
e não apenas circunscrito a uma década. Esse refluxo
populacional envolveu 669.781 pessoas no período 19811991, das quais quase a metade (319.340 migrantes)
retornaram aos Estados nordestinos. No período 19902000, o retorno com origem em São Paulo alcançou
807.401 pessoas, sendo 427.524 para o Nordeste (52,9%
do total da emigração).
A emigração de São Paulo para Minas Gerais teve forte componente de retorno (45%), bem como para o Paraná
(39%). Nesses dois casos, a redinamização recente de
determinados espaços urbano-regionais serviu não só para
diminuir a emigração dessas áreas para São Paulo, como
também passaram a atrair um fluxo de retorno.
Para as Regiões Norte e Centro-Oeste, foram registradas
as menores proporções e volumes de retornos. Para o
Centro-Oeste, esse refluxo foi mais significativo em função da proximidade geográfica, e mesmo do bom desempenho econômico regional nesse período (GUIMARÃES;
LEME, 1997) – tanto que São Paulo continuou perdendo
população para essa região ainda nos anos 90, como já
foi mostrado anteriormente.
- incremento no volume de imigração vinda da Região
Nordeste e da emigração de São Paulo para lá. Assim, São
88
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005
SÃO PAULO E SUAS MIGRAÇÕES NO FINAL DO SÉCULO 20
crescimento da população total, passando de 3,7% a.a.,
nos anos 70, para 0,87% a.a., nos anos 90. O interior manteve mais ou menos estável sua taxa de crescimento: 2,6%
a.a. em 1970/80 e 2,4% a.a. no período 1980/91, baixando para 1,9% entre 1991 e 2000.
Assim, a partir dos anos 80, tanto a Região Metropolitana de São Paulo quanto sua sede vêm apresentando taxas de crescimento populacional abaixo da média nacional (que foi de 1,93% a.a., nos anos 80, e 1,6% entre 1991
e 2000) e estadual (2,1% a.a. e 1,8% a.a., respectivamente). Destaca-se, no entanto, que a periferia da área metropolitana de São Paulo apresentou ritmo de crescimento
populacional mais elevado que a média do Estado e do
interior: 3,20% a.a., nos anos 80, e 2,8% a.a., nos 90, indicando a intensa mobilidade intra-regional da população
metropolitana.
O baixo crescimento populacional da área metropolitana de São Paulo evidenciou no período 1980/91, pela
primeira vez na história do século 20, um saldo migratório negativo de grande magnitude: cerca de 274 mil pessoas, sendo que o Município de São Paulo teve o maior
peso nesse processo, chegando a registrar um saldo negativo de mais de 750 mil pessoas.
Entre 1991 e 2000, o saldo migratório permaneceu
negativo para a cidade de São Paulo: 457 mil pessoas
(Tabela 3). Nesse sentido, reforçando uma incipiente
tendência anterior de “perda” de população, a Região
Metropolitana de São Paulo – e, particularmente, a cidade
de São Paulo – teria se transformado agora em área de
circulação para uma parcela significativa da população
migrante. O interior de São Paulo reforçou seu potencial
de absorção migratória, passando de um saldo migratório
positivo de 850 mil pessoas, nos anos 80, para 1,1 milhão,
nos anos 90.
As direções e sentidos da imigração – e, particularmente, da emigração do Estado de São Paulo – comportam
explicações distintas. Assim, no processo migratório interestadual paulista configuram-se, pelo menos, quatro
situações:
- absorção de população vinda do esgotamento da fronteira agrícola do Norte;
- emigração do Estado de São Paulo (fluxos para o Nordeste);
- continuidade da imigração Nordeste São Paulo, principalmente pelas redes migratórias pré-estabelecidas;
- fortalecimento da desconcentração migratória a partir
de São Paulo em direção às áreas que registraram desdobramentos no processo de desconcentração industrial e
agroindustrial do país (Minas Gerais, Rio Grande do Sul,
Mato Grosso do Sul e Goiás).
Portanto, de um lado, São Paulo expandiu seus espaços de migração – sobretudo com a porção Centro-Leste
e Sul do país, áreas onde os efeitos multiplicadores
advindos da desconcentração foram mais acentuados – e,
de outro lado, reforçou seu caráter de pólo nacional com
as Regiões Nordeste e Norte.
Redistribuição da População no Contexto Paulista
O Estado passou de uma taxa de crescimento de 3,5%
a.a. nos anos 70 para 2,12% no período 1980/91, chegando
a 1,8% a.a. nos anos 90 (Tabela 2). O menor crescimento
da Região Metropolitana de São Paulo (1,9% a.a., no período 1980/91 contra 4,5% a.a. na década anterior e 1, 6%
a.a. 1991 e 2000) refletiu fortemente na taxa estadual.
A capital do Estado (ou seja, o Município de São Paulo) registrou um decréscimo considerável em sua taxa de
TABELA 2
População Total e Taxas de Crescimento Populacional
Estado de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo e Interior – 1970/2000
População Total
Área
Taxa de Crescimento (% a.a.)
17.771.948
25.040.712
31.436.273
34.407.358
37.035.456
19701980
3,49
RMSP
8.139.730
12.588.725
15.416.416
16.581.933
17.833.511
4,46
1,86
1,63
Capital
5.924.615
8.493.226
9.626.894
9.839.066
10.435.546
3,67
1,15
0,87
Periferia
2.215.115
4.095.499
5.789.522
6.742.867
7.397.965
6,34
3,20
2,81
Interior de São Paulo
9.632.218
12.451.987
16.019.857
17.825.425
19.201.945
2,60
2,38
1,92
Estado de São Paulo
1970
1980
1991
1996
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1970 a 2000; Contagem da População de 1996.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005
89
2000
19801991
2,13
19912000
1,78
ROSANA BAENINGER
localidades, cidades, regiões e nações [...] criando uma
atmosfera de lugar e tradição que aja como atrativo para o
capital e para pessoas “do tipo certo” (isto é abastadas e
influentes).
TABELA 3
Saldos Migratórios
Estado de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo e
Interior – 1980-2000
Áreas
1991-2000
556.424
1.326.987
RMSP
-290.455
219.051
Município de São Paulo
-754.358
-457.416
Outros Municípios da RMSP
463.903
677.007
Interior
846.879
1.107.36
Estado de São Paulo
Nessa nova etapa de desenvolvimento econômico, as
regiões mais dinâmicas estão “abertas” e absorvem os
migrantes qualificados; que é minoria. As variadas e distintas modalidades de movimentos migratórios, envolvendo principalmente áreas urbanas, rompem com o paradigma explicativo da emigração como um dos efeitos
sociais negativos resultantes do menor crescimento econômico e, sobretudo, da ausência de atividades industriais
fortes. Na relação migração/dinâmica econômica, as cidades mais prósperas (em termos de inserção no mercado
regional, nacional e internacional) tendem a registrar os
maiores volumes de emigrantes, tanto na RMSP quanto
no interior do Estado. Assim, os fatores de expulsão, para
os migrantes de baixa renda, estariam nas áreas mais dinâmicas e os de atração nas de menor dinamismo. Contudo, essa interpretação só faz sentido se a dimensão espacial for considerada como elemento constitutivo do próprio
processo migratório. As migrações intrametropolitanas,
intra-regionais e da metrópole para o interior exemplificam
essa formulação.
As mudanças no paradigma da indústria,4 que se manifestam na crescente diminuição da absorção de mãode-obra, já revelam o deslocamento do eixo explicativo
da migração via industrialização. Se nos anos 70, principalmente, os destinos migratórios apresentavam estreita
relação com o dinamismo industrial das regiões do interior (incluindo-se o agroindustrial), agora as evidências
empíricas apontam a necessidade de mudanças nas abordagens sobre as migrações – em particular no caso
paulista.
Saldos Migratórios
1980-1991
Fonte: Fundação Seade (2002).
Esse processo de desconcentração populacional da área
metropolitana de São Paulo está, em parte, associado à crise econômica dos anos 80 e à recessão econômica dos anos
90. Pode-se dizer que até os anos 80, o processo de
desconcentração da indústria de São Paulo em direção a
outros estados e para o interior (NEGRI; PACHECO, 1993)
foi acompanhado, embora com defasagem temporal – pois
a desconcentração econômica foi mais contundente nos anos
70 –, de importantes fluxos migratórios na mesma direção.
A partir dos anos 90, o processo de reestruturação produtiva tem mudado o perfil da indústria brasileira, com a retomada do maior peso relativo do Estado de São Paulo na
distribuição da indústria de transformação nacional. Assim,
em que pese a enorme alteração na “dimensão espacial do
desenvolvimento brasileiro”, o Estado de São Paulo diversificou e modernizou sua indústria de transformação, permanecendo na posição de centro dinâmico do país.3
Na verdade, a “condição pós-moderna” (HARVEY,
1992) que busca a metrópole paulista tenderá a gerar, cada
vez mais, um enorme excedente populacional sem que
ocorra uma perda de dinamismo econômico da região; a
redefinição de seu papel no cenário nacional e a competitividade entre metrópoles do mundo globalizado fará com
que esta área reafirme seu caráter de centro decisório do
país, especialmente em termos financeiros, tornando-se
apenas área de circulação para a população migrante.
Essa reestruturação produtiva implica também na
competitividade entre os espaços urbanos para sua inserção nessa dinâmica global; nesse esforço, Harvey (1992,
p. 267) enfatiza que
TENDÊNCIAS DAS MIGRAÇÕES PAULISTAS:
METRÓPOLE E INTERIOR
Considerando o destino da migração vinda de outros
Estados para o Estado de São Paulo, torna-se importante
indicar os espaços paulistas desse movimento (Tabela 4).
Em que pese o aumento das migrações interestaduais
para o interior de São Paulo, com tendência crescente
nos últimos 30 anos (de 1,1 milhão, nos anos 70, para
1,4 milhão nos anos 90), é notável a retomada da força da
RMSP na recepção dessa imigração, nos anos 90. Entre
os anos 70 e 80, a metrópole paulista vivenciou expressivo decréscimo da migração interestadual: de 2,2 milhões
a produção ativa de lugares dotados de qualidades especiais
se torna um trunfo na competição espacial entre as
90
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005
SÃO PAULO E SUAS MIGRAÇÕES NO FINAL DO SÉCULO 20
absorção migratória. A partir de então, o interior passou a
ganhar população vinda da RMSP. Apesar da retomada
das migrações interestaduais para a RMSP, a tendência à
desconcentração de população em direção ao interior permaneceu nos anos 90: entre 1995 e 2000, cerca de 468
mil pessoas deixaram a metrópole.
TABELA 4
Imigração Interestadual
Estado de São Paulo, Região Metropolitana de
São Paulo e Interior – 1970-2000
Regiões
1970-1980
1981-1991
1990-2000
Estado de São Paulo
3.325.468
2.734.819
3.177.676
RMSP
2.196.560
1.566.206
1.781.151
Interior
1.128.908
1.168.613
1.396.525
TABELA 5
Fluxo Migratório Intra-Estadual entre Metrópole e Interior
Estado de São Paulo – 1995-2000
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000 (tabulações especiais, Nepo/Unicamp).
Regiões de Governo
de migrantes para 1,5 milhão, respectivamente, para retomar o incremento desse movimento nos anos 90
(1,8 milhão). Assim, do total do movimento interestadual
para São Paulo, 56% tiveram como destino a RMSP.
Ao longo das últimas décadas, o interior também vem
se constituindo como espaço dessa migração, ao elevar
sua participação na distribuição relativa da migração interestadual. De fato, nos anos 70, respondia por 33,9%
dos destinos da migração interestadual; nos anos 80, passou para 42,7%; e, nos 90, alcançou 43,9% do total da
migração interestadual para São Paulo.
Nesse contexto, as procedências das migrações
interestaduais para os distintos espaços da migração em
São Paulo marcam suas especificidades. A RMSP constitui
o grande pólo de recepção da migração nordestina, uma
vez que responde por 73,6% dos migrantes nordestinos
que chegaram ao Estado de São Paulo. Já o interior
caracteriza-se pelos fluxos advindos de Minas Gerais e
Paraná. Contudo, no novo cenário das migrações interestaduais no Estado – principalmente com o aumento nos
volumes da imigração interestadual para o interior – o
crescimento dos fluxos com origem no Nordeste em
direção a essa área já era apontado nos anos 80. Essa
tendência ampliou-se nos anos 90, fortalecendo o
“corredor da migração nordestina” no interior do Estado
de São Paulo (BAENINGER, 1999). No período 19811991, o volume da imigração nordestina para o interior
paulista era de 273 mil pessoas, elevando-se para 440
mil, entre 1990 e 2000; ou seja, respondia por 24,7% da
migração interestadual, passando para 26%, respectivamente.
No contexto intra-estadual, a pergunta que se coloca
para as migrações nos anos 90 é: “houve continuidade no
fluxo de saída de população da metrópole para o interior?”
Como espaço perdedor iniciado nos anos 70, a metrópole paulista marcou a inflexão em sua trajetória de forte
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005
Total
Registro
Santos
Caraguatatuba
Cruzeiro
Guaratinguetá
São José dos Campos
Taubaté
Avaré
Botucatu
Itapetininga
Itapeva
Sorocaba
Bragança Paulista
Campinas
Jundiaí
Limeira
Piracicaba
Rio Claro
São João da Boa Vista
Araraquara
Barretos
Franca
Ribeirão Preto
São Carlos
São Joaquim da Barra
Bauru
Jaú
Lins
Catanduva
Fernandópolis
Jales
São José do Rio Preto
Votuporanga
Andradina
Araçatuba
Adamantina
Dracena
Presidente Prudente
Assis
Marília
Ourinhos
Tupã
Ignorado São Paulo
Imigração Vinda
da RMSP
468.295
8.257
60.188
10.791
1.164
3.629
18.179
12.515
7.318
6.562
13.117
3.619
42.312
20.795
69.248
22.398
8.478
8.747
5.951
7.907
7.766
4.650
4.611
11.852
7.897
866
11.750
3.826
4.439
4.257
1.990
3.603
15.556
3.662
3.476
10.160
3.686
2.569
9.712
5.069
8.219
4.928
2.576
-
Emigração com
Destino a RMSP
Trocas
Migratórias
172.132
2.569
18.824
2.574
524
1.790
6.225
3.253
2.088
1.096
3.195
1.932
9.117
4.228
13.284
3.843
2.379
2.171
1.224
2.033
2.958
2.060
2.058
5.096
1.666
423
3.509
1.013
797
1.582
705
1.545
3.766
795
1.301
3.470
1.211
1.248
4.316
1.683
2.736
1.534
1.043
43.268
296.163
568.888
41.364
8.217
640
1.839
11.954
9.262
5.230
5.466
9.922
1.687
33.195
16.567
55.964
18.555
6.099
6.576
4.727
5.874
4.808
2.590
2.553
6.756
6.231
443
8.241
2.813
3.642
2.675
1.285
2.058
11.790
2.867
2.175
6.690
2.475
1.321
5.396
3.386
5.483
3.394
1.533
-
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000 (tabulações especiais, Nepo/Unicamp).
91
ROSANA BAENINGER
O panorama das migrações metrópole-interior em São
Paulo reforça a importância dos pólos regionais na expansão das migrações no Estado (Tabela 5). Os pólos econômico-populacionais, que em décadas passadas já registravam atração nessa migração metropolitana, continuaram
a fazê-lo no período 1995-2000. A Região Metropolitana
de Campinas continuou a canalizar o maior volume dessa
emigração (cerca de 69 mil migrantes vindos da metrópole), seguida pelas Regiões de Governo (RG) de Santos
(60 mil), Sorocaba (42 mil), São José dos Campos (18
mil), São José do Rio Preto (15 mil), Ribeirão Preto (11
mil), Bauru (11 mil), Araçatuba (10 mil) e Presidente
Prudente (9 mil).
No final dos anos 90, outras regiões de recepção da
migração metropolitana vieram somar-se a esses pólos
– o que indicou a consolidação da expansão dos espaços
de migração em São Paulo: RGs de Bragança Paulista
(20 mil migrantes), Jundiaí (22 mil), Caraguatatuba (11
mil), Taubaté (12 mil) e Itapetininga (13 mil). Assim,
torna-se necessário fazer a revisão desses antigos pólos
regionais acima mencionados. Afinal, há outros espaços
que também passam a absorver população e a desempenhar importante papel no processo de desconcentração
da população, reforçando o fenômeno da interiorização
da migração no Estado: os subcentros regionais da
migração.
TENDÊNCIAS DA MIGRAÇÃO E DA
URBANIZAÇÃO NO INTERIOR
Utilizando a morfologia e hierarquia da rede urbana
(IPEA/IBGE/NESUR-UNICAMP, 2000) do Estado de São
Paulo em 2000 apreende-se que:
- as metrópoles envolveram 67 municípios do Estado, o
que corresponde a cerca de 22 milhões de habitantes;
- as aglomerações urbanas, totalizaram 48 municípios
e 3,8 milhões de pessoas;
- os centros urbanos somaram 9 localidades e concentram 1,8 milhão de habitantes;
- além dessas espacialidades, outros 521 municípios – que
perfazem mais de 8 milhões de pessoas – compuseram a
rede urbana paulista, que integrou o dinamismo das demais regiões do Estado (Tabela 6).
Nota-se que, mesmo quando se adota outro recorte para
a rede urbana paulista que não as regiões de governo, é
possível apreender taxas positivas de crescimento de municípios situados fora das grandes concentrações urbanas.
Na verdade, observa-se um gradiente no ritmo de crescimento das populações desses municípios não-metropolitanos: parte de um patamar de 1,3% a.a. para os que tinham
menos de 10 mil habitantes no período 1996-2000 e atinge
2,5% a.a. na categoria 100 mil-300 mil habitantes, com li-
TABELA 6
População, segundo Rede Urbana (1)
Estado de São Paulo – 2000
Número
de
Municípios
População Total
(2000)
Distribuição
Relativa
(%)
Estado de São Paulo
645
37.035.456
100,00
2,02
93,41
Menos de 10 mil habitantes
291
1.774.458
4,79
1,34
74,99
De 10-20 mil habitantes
105
1.806.455
4,88
1,48
78,41
De 20-50 mil habitantes
91
3.260.919
8,80
1,73
86,91
De 50-100 mil habitantes
31
2.620.884
7,08
2,05
89,45
De 100-300 mil habitantes
3
340.121
0,92
2,48
90,35
521
9.802.837
26,47
1,73
84,14
Rede Urbana
Sub-Total
Metrópoles (SP, CPS, BS)
Grau de
Urbanização
(2000)
21.657.859
58,48
2,01
96,15
Núcleo
11.820.017
31,92
1,39
94,58
Entorno
9.837.842
26,56
2,78
98,03
48
3.806.402
10,28
2,37
94,94
9
1.768.358
4,77
2,01
96,65
Aglomerações Urbanas Não-Metropolitanas
Centros Urbanos
67
Taxa de
Crescimento
(1996-2000)
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000.
92
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005
SÃO PAULO E SUAS MIGRAÇÕES NO FINAL DO SÉCULO 20
geiras elevações nessa taxa de crescimento nas classes de
tamanho subseqüentes. Essa mesma tendência pode ser
verificada quanto ao grau de urbanização, de 75% a 90,3%,
nas respectivas categorias de tamanhos de municípios. Assim, apenas apresentaram crescimento os municípios com
menos de 20 mil habitantes e não pertencentes a áreas metropolitanas e aglomerações urbanas. Isso ocorreu nos últimos cinco anos, a uma taxa abaixo da média estadual:
1,6% a.a. contra 2,0% a.a. – muito embora deva-se considerar a expressiva recuperação demográfica dessas localidades.
Adotando novamente as regiões de governo, é possível apreender outra especificidade do atual processo de
urbanização em São Paulo, qual seja: o menor crescimento populacional das sedes regionais e o crescimento mais
elevado de suas áreas no entorno – onde justamente predominam os municípios pequenos.
Enquanto o conjunto das sedes regionais do interior
cresceu a 1,6% a.a. no período 1991-1996, nas áreas de
entorno essa taxa foi ligeiramente superior: 1,7% a.a. Essa
situação é distinta das décadas anteriores, quando, por
exemplo, nos anos 70, os municípios-sede cresciam a 3,0%
a.a. e seus entornos 2,1% a.a. O crescimento desses
entornos regionais implica um adensamento da rede urbana por todo o Estado. Seus efeitos podem ser verificados na reversão da tendência dos pequenos municípios,
antes incapazes de reter sua população. Nessa nova realidade regional, a caracterização da rede urbana estadual
não mais comporta agregar os municípios em faixas de
tamanho, distantes de seu contexto regional.
De fato, o complexo conjunto de mudanças econômico-espaciais experimentados pelo interior paulista contribuiu para o fortalecimento das distintas economias regionais, favorecendo, por um lado, a dispersão populacional
no Estado e, por outro, um rearranjo das formas de distribuição espacial da população no âmbito de cada região.
Nesse contexto, são incorporados ao sistema urbano em
expansão vários municípios pequenos e de porte intermediário. Ao mesmo tempo, as cidades de médio e grande
portes vêm apresentando uma desaceleração em seus ritmos de crescimento populacional. Assim, a histórica rede
urbana do interior redesenha-se em múltiplas formas.
Nos últimos 30 anos, a recuperação populacional do
interior de São Paulo esteve ancorada em seu potencial
de absorção migratória no âmbito do próprio Estado. Os
saldos migratórios registrados pelas regiões de governo
apontam a importância desses espaços no processo de
redistribuição da população paulista (Tabela 7).
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005
Nos anos 90, os núcleos regionais desempenharam um
papel relevante no processo interno de redistribuição da
população:
TABELA 7
Saldos Migratórios, segundo Regiões de Governo
Estado de São Paulo – 1980-2000
Regiões de Governo
Registro
Santos
Caraguatatuba
Cruzeiro
Guaratinguetá
São José dos Campos
Taubaté
Avaré
Botucatu
Itapetininga
Itapeva
Sorocaba
Bragança Paulista
Campinas
Jundiaí
Limeira
Piracicaba
Rio Claro
São João da Boa Vista
Ribeirão Preto
Bauru
Jaú
Lins
Catanduva
Fernandópolis
Jales
São José do Rio Preto
Votuporanga
Andradina
Araçatuba
Adamantina
Dracena
Presidente Prudente
Assis
Marília
Ourinhos
Tupã
Araraquara
São Carlos
Barretos
Franca
São Joaquim da Barra
Núcleo
Entorno
1980-1991 1991-2000 1980-1991 1991-2000
-2.247
-45.701
8.455
-2.065
-1.694
59.480
-3.587
3.630
11.933
331
-1.941
40.921
7.071
30.825
-25.381
19.767
22.290
7.250
2.476
44.855
35.427
5.688
-1.080
6.397
-797
-713
55.162
3.100
-3.395
4.508
-5.414
-2.852
-3.368
3.485
12.761
4.396
-5.702
11.048
16.380
8.495
40.091
444
Fonte: Fundação Seade (1993; 2002).
93
-2.538
-19.782
16.803
-3.123
711
31.266
11.682
8.433
7.398
8.640
-1.179
63.522
11.988
28.521
4.383
16.020
19.845
18.171
2.367
30.789
27.126
9.468
1.233
6.525
513
1.233
50.373
5.643
-2.169
2.763
-1035
-2.133
3.978
4.176
18.072
8.181
-279
9.684
18.900
1.179
20.151
1.728
-10.766
97.933
21.933
-4.582
-4.867
17.412
15.438
-15.152
4.703
25.576
-23.547
78.228
25.333
256.554
64.261
23.889
11.369
4.794
4.487
34.276
-13.807
7.915
-8.391
-9.157
-12.385
-19.045
-3.864
-12.918
-12.382
-6.117
-24.805
-15.720
10.926
6.217
-22.265
-7.936
-15.393
32.720
9.041
21.031
-6.588
-2.096
5.130
98.253
31.959
-63
-1.305
9.333
13.959
621
7.074
29.547
-18.531
71.343
33.669
221.211
60.192
17.982
9.882
11.043
2.979
25.884
-18
6.426
-54
-288
-2.790
-3.717
20.556
-4.320
7.245
5.445
-10.008
-7.254
-252
504
8.523
-1242
-5.940
11.673
9.999
-99
3.663
2.898
ROSANA BAENINGER
A consolidação dos espaços da migração ocorreu nas
regiões metropolitanas de: Campinas e da Baixada Santista.
Na RG de São José do Rio Preto, de uma para outra década,
a expansão dos espaços de migração no entorno traduziuse na reversão do saldo negativo para positivo. Portanto,
os anos 90 parecem indicar uma diversidade de situações
em termos de absorção migratória no Estado de São Paulo,
inclusive com alguns retrocessos a tendências passadas.
- quer como pólo indutor de transferências populacionais
para os municípios vizinhos, como no caso da região de
Santos, onde esse processo aponta um saldo migratório
negativo para a sede;
- quer como área canalizadora de expressivos fluxos migratórios inter-regionais, como são os casos das regiões
do Oeste Paulista (Presidente Prudente, Ourinhos), que
registram saldo migratório positivo na sede e negativo no
entorno;
CONSIDERAÇÕES FINAIS
- ou ainda como centralidade principal da região, com
fluxos que partem do entorno para a sede, como é o caso
de Bauru.
O processo de redistribuição espacial da população –
e, em especial, a migração – marcou o final do século 20
em São Paulo. Enquanto o núcleo da RMSP consolidase como espaço perdedor de população, mantendo seu
saldo migratório negativo dos anos 80 para os 90, houve
a redefinição de sua periferia, que, de saldo negativo nos
anos 80, passou a positivo nos 90. Na verdade, além de
reter os fluxos migratórios provenientes da cidade de São
Paulo e acentuar a importância da migração intrametropolitana, essa periferia também passou a ter maior
capacidade de retenção de migrantes vindos de outros
Estados – mais até que a própria sede metropolitana.
Portanto, a periferia da metrópole de São Paulo tornouse o novo espaço das migrações interestaduais, lugar antes
reservado à capital do Estado.
Além disso, os anos 90 parecem indicar para o interior, uma diversidade de situações em termos de absorção
migratória, inclusive com alguns retrocessos a tendências
passadas. As regiões ganhadoras do interior do Estado
articulam processos locais ao âmbito regional e global,
promovendo “mecanismos de desencaixe” da sociedade
(GIDDENS, 1991), com reflexos nos processos de urbanização e de redistribuição espacial da população nos variados contextos regionais.
As evidências empíricas apresentadas suscitam os seguintes pontos para a compreensão e aprofundamento dos
estudos sobre movimentos migratórios que chegam, que
partem e que se processam em São Paulo. Com relação à
migração interestadual:
- se São Paulo mantiver os volumes elevados de nordestinos e, ao mesmo tempo, de saída de retorno, poderá
se tornar uma área de rotatividade migratória – sobretudo a RMSP;
Por outro lado, a nova configuração da urbanização
paulista vem sendo marcada pela regionalização de espaços. Nesse caso, os municípios situados nos entornos regionais adensam a rede urbana, com crescimentos
populacionais e saldos migratórios mais elevados que suas
sedes, como nas regiões de Campinas, Santos, Sorocaba.
Apenas nove sedes regionais e quinze entornos regionais registraram saldos negativos no período 1991-2000:
trata-se das regiões do extremo leste do Estado (Cruzeiro, Guaratinguetá) e do Oeste (Jales, Fernandópolis, etc).
Assim, mesmo que com saldos negativos em decréscimos,
os entornos dessas regiões e até alguns núcleos permanecem com sua tendência de perda populacional – muito
embora essa emigração provavelmente ocorra entre regiões
circunvizinhas e não mais em direção à metrópole.
Os pólos regionais continuaram a exibir os saldos migratórios mais elevados (regiões de Campinas, São José
dos Campos, Ribeirão Preto, Sorocaba, São José do Rio
Preto), mantendo a tendência de espraiamento populacional, ou seja, regiões ganhadoras fora das fronteiras
metropolitanas da RMSP.
Nos anos 90, destacam-se também os elevados saldos
migratórios das RGs de Caraguatatuba (no núcleo e no
entorno), de Rio Claro (entorno), de Itapetininga (entorno), de Bragança Paulista (núcleo e entorno), de Marília
(entorno), dentre outras.
Como já foi analisado em estudo anterior (BAENINGER,
2002), se por um lado assistiu-se à expansão dos espaços
da migração em São Paulo – principalmente considerandose regiões como Marília, Assis, Jaú, Araçatuba, dentre outras –, por outro, houve a redefinição de algumas áreas
anteriormente mencionadas como pólos regionais e que se
destacaram por perda populacional em décadas anteriores,
como Bauru (com saldos migratórios negativos no entorno)
e Presidente Prudente.
- o crescente afluxo de nordestinos para o interior pode
representar maior possibilidade de retenção desses
migrantes em relação à metrópole – com a expansão dos
espaços da migração em relação a esse fluxo determinado;
94
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005
SÃO PAULO E SUAS MIGRAÇÕES NO FINAL DO SÉCULO 20
de 556 mil pessoas, nos anos 80, para 1,3 milhão, nos 90. A contagem
de 1996 indicava tendência de aumento de alguns fluxos migratórios,
como Bahia e Pará, mas não chegava a aumentar o volume total da
imigração para o Estado (BAENINGER, 1999).
- o decréscimo na migração de Minas Gerais e Paraná e
o aumento expressivo do retorno para esses estados contribui para que o Nordeste também passe a ter maior peso
na migração do interior, dando novos contornos às
especificidades da migração nessa área.
3. Veja-se os relatórios do Projeto: Desenvolvimento Tecnológico e
Competitividade da Indústria Brasileira (NEGRI; PACHECO, 1993).
4. Veja-se, por exemplo, Benko e Lipietz (1994).
Em termos da migração intra-estadual:
- o processo de desconcentração populacional da metrópole em direção ao interior reforça o fenômeno do espraiamento populacional, ampliando áreas de recepção da migração no Estado;
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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espaços da migração em São Paulo?: análises a partir dos primeiros
resultados do Censo 2000. In: ENCONTRO NACIONAL DE
ESTUDOS POPULACIONAIS, 13., 2002, Ouro Preto. Anais... Belo
Horizonte: Abep, 2002.
- os pólos regionais mantiveram seus papéis de catalisadores da migração intra-estadual, ao mesmo tempo que
continuaram a reter uma população que potencialmente
migraria para a metrópole paulista;
________. Região, Metrópole e Interior: espaços ganhadores e
espaços perdedores nas migrações recentes no Brasil – 1980/1996.
1999. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
da Unicamp, Campinas, 1999.
- a dinâmica intra-regional vem ampliando os espaços da
migração no Estado, aumentando os nexos entre os espaços econômicos e os espaços de migração.
BECK, U. Risk society: towards a new modernity. London: Sage
Publications, 1992.
Nesse sentido, o conceito de “urbano” definido por
Villaça (1998, p. 330) como o
BENKO, G.; LIPIETZ, A. O novo debate regional: posições em
confronto. In: _____. (Org.). As regiões ganhadoras – Distritos e
redes: os novos paradigmas da geografia econômica. Oeiras: Celta
Ed., 1994.
espaço estruturado pelas condições de deslocamento da
força de trabalho enquanto tal e enquanto consumidora
(deslocamentos casa-escola, casa-compras, casa-lazer e
mesmo casa-trabalho
BRITO, F. População, espaço e economia numa perspectiva
histórica: o caso brasileiro. 1997. Tese (Doutorado) – Faculdade de
Ciências Econômicas, Cedeplar/UFMG, Belo Horizonte, 1997.
constitui também um caminho promissor para que as
novas territorialidades urbanas sejam identificadas, bem
como para apontar a importância da migração e das novas modalidades de deslocamentos populacionais (pendular, dupla residência, etc.) para a formação dessas
territorialidades.
As evidências empíricas, as análises referentes às
transformações econômicas e à dinâmica do mercado de
trabalho, a questão da regionalização e da formação de
novas territorialidades, as políticas sociais de transferência de renda, a manutenção dos fluxos migratórios em
situação de crise econômica, a expansão dos espaços da
migração, dentre outros, constituem aspectos a serem
aprofundados para a compreensão das migrações e dos
deslocamentos populacionais em São Paulo no século 21.
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dez. 1984.
NOTAS
1. Considera-se interior, neste artigo, todos os municípios paulistas
não integrantes da Região Metropolitana de São Paulo.
MATOS, R.E.S. Dinâmica migratória e desconcentração da
população na macrorregião de Belo Horizonte. 1995. Tese
(Doutorado) – Cedeplar/UFMG, Belo Horizonte, 1995.
2. Perillo (2002) já indicava essa retomada da imigração para São Paulo
nesse período baseando-se nos saldos migratórios da Fundação Seade:
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005
95
ROSANA BAENINGER
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80: novos padrões? In: ENCONTRO NACIONAL SOBRE MIGRAÇÃO, 1998. Anais... Curitiba: Abep/Ipardes, 1998.
ROSANA BAENINGER: Doutora em Ciências Sociais, Professora Colaboradora do Departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Unicamp, Pesquisadora do Núcleo de Estudos de População
da Unicamp ([email protected]).
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2002, Ouro Preto. Anais... Belo Horizonte: Abep, 2002.
Artigo recebido em 17 de maio de 2005.
Aprovado em 6 de junho de 2005.
96
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005
PERCURSOS MIGRATÓRIOS NO ESTADO DE SÃO PAULO: ...
PERCURSOS MIGRATÓRIOS NO
ESTADO DE SÃO PAULO
uma análise do período 1995-2000
SONIA REGINA PERILLO
MAGALY DE LOSSO PERDIGÃO
Resumo: Este estudo tem como objetivo acompanhar a trajetória da migração no Estado de São Paulo na década de 90. Para tal, são utilizadas as informações provenientes do Censo Demográfico 2000, que possibilitam
a identificação dos fluxos migratórios interestaduais e intra-estaduais ocorridos em São Paulo nesse período.
Palavras-chave: Redistribuição espacial. Fluxos migratórios. Áreas de origem e destino.
Abstract: The objective of this study is to follow the trajectory of migration in the State of São Paulo in the
decade of 90. For such purpose are used the information proceeding from the Demographic Census 2000, that
make possible the identification of the migratory flows occurrences inside the State of São Paulo and between
São Paulo and other States of Brazil in this period.
Key words: Space redistribution. Migratory flows. Areas of origin and destination.
A
s últimas décadas foram marcadas por transformações socioeconômicas e políticas profundas,
tanto em âmbito mundial como nacional. Essas
mudanças tiveram desdobramentos importantes, alterando os padrões da redistribuição espacial da população.
Tendo em vista que grande parte da economia industrial
do país concentra-se na Região Sudeste, sobretudo no
Estado de São Paulo, os efeitos desse processo incidiram
fortemente no território paulista.
Este artigo propõe-se a colaborar nessa direção, acompanhando os deslocamentos populacionais ocorridos no
Estado de São Paulo e apontando as principais alterações
na dinâmica migratória paulista nos anos recentes.
meno. A migração comporta várias interpretações, que
apresentam como única idéia comum a dimensão temporal
e espacial. Acresça-se a dificuldade de mensuração e/ou
interpretação dessa variável, bem como uma série de restrições quanto à disponibilidade dos dados e metodologias
de análise. Além disso, a falta de registros contínuos dos
deslocamentos populacionais faz com que a análise da
migração fique praticamente dependente das informações
disponíveis nos censos demográficos.
Há que se lembrar que a adoção de uma definição de
“migrante” também apresenta algumas dificuldades adicionais relacionadas à natureza espacial da unidade de análise adotada que, por sua vez, depende do tipo de fluxo migratório a ser analisado (interestadual, intra-estadual,
intermunicipal, entre outros).
Tomando-se como base as considerações estabelecidas
acima, este estudo utilizará as informações sobre migração provenientes do Censo Demográfico 2000, que per-
CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
As dificuldades inerentes à análise dos deslocamentos
populacionais têm origem na própria definição do fenô-
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005
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SONIA REGINA PERILLO / MAGALY
DE
LOSSO PERDIGÃO
econômico-financeiro nacional e desempenhava o papel
de maior área de concentração populacional do país. De
fato, o volume de migração para a metrópole chegou a
superar dois milhões de pessoas na década de 70, mostrando-se como a variável determinante do seu crescimento
– respondendo por 51,6% do incremento demográfico entre
1970 e 1980 (PERILLO, 1993; RODRIGUES; PERILLO,
1986).
Na década de 80, o poder de atração exercido pela indústria paulista diminuiu consideravelmente, repercutindo de forma pronunciada no mercado de trabalho e nos
movimentos populacionais. A profunda recessão que abalou o país nos anos 80 atingiu predominantemente a atividade industrial, provocando queda generalizada nos níveis de atividades, de emprego e de renda. Tendo em vista
que grande parte da economia industrial do país concentra-se na Região Sudeste, sobretudo no Estado de São
Paulo, os efeitos dessa crise econômica incidiram fortemente no território paulista.
Tanto na metrópole como no interior do Estado, a recessão dos anos 80 veio somar-se aos efeitos do processo
de “desconcentração metropolitana decorrente dos custos
de aglomeração” e da “interiorização do desenvolvimento econômico”, fazendo com que a RMSP apresentasse
um arrefecimento importante em seu dinamismo econômico e populacional.
Nos anos 90, novos fatores passaram a interferir na
dinâmica econômica e migratória estadual. Com a abertura comercial e financeira e a conseqüente internacionalização da economia, a política econômica vigente induziu a processos de reestruturação da base produtiva. Os
principais setores que compunham o parque industrial
buscaram novos mercados e incrementaram a produtividade por meio de estratégias de competitividade. Esse
movimento provocou não apenas a “liberalização econômica”, como também foi responsável pela quebra de empresas, transferências patrimoniais, mudanças nos padrões
tecnológicos, alteração dos métodos e modelos de gestão
e eliminação de empregos, entre outros.
Do ponto de vista da oferta de emprego, que é um
fator fundamental para a compreensão dos movimentos
migratórios, os levantamentos mensais da Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, realizada pela Fundação
Seade e pelo Dieese desde 1985, apuraram os impactos
dessas mudanças no mercado de trabalho na RMSP. No
período 1985-2002, o nível de emprego recuou e as taxas
de desemprego total expandiram-se, atingindo 19,0%
em 2002.
mitem definir como “migrantes” as pessoas com 5 anos
ou mais de idade cuja Unidade da Federação – UF de residência em uma data fixa era distinta daquela em que
residiam no momento da pesquisa. Em 1991, essa data fixa
correspondia a 01/09/1986; e, em 2000, a 31/07/1995.
No contexto dos deslocamentos interestaduais serão
considerados “imigrantes” todas as pessoas com 5 anos
ou mais de idade, que residiam fora do Estado de São Paulo
em 31/07/1995. As unidades de análise serão as Grandes
Regiões e as UFs.
Como “emigrantes” serão consideradas as pessoas
com 5 anos ou mais de idade cuja UF de residência em
31/07/1995 era São Paulo e que, no momento do Censo,
residiam em outra UF brasileira, exceto São Paulo.
No caso dos fluxos intra-estaduais, será analisado o Estado de São Paulo – considerando-se como recorte analítico
a Região Metropolitana de São Paulo – RMSP e o interior
do Estado.1 Serão avaliados os deslocamentos populacionais
ocorridos entre as 15 Regiões Administrativas – RAs que
integram o Estado e, serão considerados migrantes interestaduais as pessoas com 5 anos ou mais de idade cujo município de residência anterior (em 31/07/1995) não pertença
à RA onde foram recenseados.
Assim, será dada ênfase aos fluxos migratórios numericamente mais importantes segundo os volumes de imigração e emigração registrados no período 1995-2000.
Essas informações permitirão detectar as trocas líquidas
de população (diferença absoluta entre o volume de imigrantes e emigrantes) e os respectivos ganhos ou perdas
populacionais de cada área envolvida nos fluxos.
É importante destacar que as informações analisadas
possibilitarão identificar e quantificar apenas os “migrantes
recentes”, ou seja, os que migraram entre 1995 e 2000.
Ressalte-se a impossibilidade de se resgatar o processo
migratório por que passaram os indivíduos durante todo
o período censitário (1991-2000), pois a pergunta elaborada pelo Censo só permite auferir os deslocamentos ocorridos entre 1995 e 2000.
MIGRAÇÃO NO CONTEXTO DAS
TRANSFORMAÇÕES ECONÔMICO-SOCIAIS
NO PERÍODO 1980-2000
Segundo alguns especialistas da área econômica, até
os anos 70, a dinâmica e a localização das atividades industriais pautavam, em grande medida, os possíveis caminhos da população no Estado de São Paulo. Nesse contexto, a RMSP consolidava-se como o grande centro
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SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005
PERCURSOS MIGRATÓRIOS NO ESTADO DE SÃO PAULO: ...
Sorocaba. A evidência mais completa dessa integração está
no fato de que a matriz produtiva de São Paulo, em seus
principais gêneros, completa-se nesse entorno. Em 1996,
mais de 90% do valor adicionado estadual estava aí concentrado: 96%, na fabricação de produtos químicos; 99%,
na fabricação e montagem de veículos automotores, reboque e carrocerias; e 91%, na fabricação de máquinas e
equipamentos. A exceção é a indústria de alimentos e bebidas, mais espraiada pelo interior do Estado (ARAÚJO,
1999).
Nos anos 90, dando continuidade à década anterior,
mesmo em menores proporções, verifica-se um processo
de interiorização econômica e populacional do Estado.
Segundo Araújo (1999), esse processo ocorreu em um
espaço concentrado num raio de aproximadamente 150 km
a partir do centro da metrópole, abrangendo as regiões de
Campinas, São José dos Campos, RM da Baixada Santista
e Sorocaba. A autora mostra que diversos fatores contribuíram de forma decisiva para a continuidade da desconcentração metropolitana e fortalecimento do interior,
dentre eles: as condições estruturais existentes no interior, os investimentos maciços em infra-estrutura energética,
de transportes e comunicações, o crescimento da agroindústria da cana e da laranja, a proximidade do mercado
consumidor, dentre outros.
As mudanças apontadas no cenário econômico tiveram
desdobramentos importantes, alterando os padrões de
redistribuição espacial da população (PERILLO, 2002;
OLIVEIRA; SIMÕES, 2004; BAENINGER, 2002; 2004).
Diversos estudos já destacaram que o relevante papel
da migração em São Paulo contribuiu para a manutenção
das elevadas taxas de crescimento da população, até os
anos 70. As décadas seguintes foram marcadas por uma
desaceleração dos movimentos migratórios e do ritmo de
crescimento demográfico. Mesmo assim, entre 1991 e
2000, a população paulista cresceu a uma taxa anual de
1,8% – superior à média nacional, de 1,6%. Dentro de um
contexto demográfico em que o crescimento vegetativo
(nascimentos menos óbitos) tende a ser cada vez mais
homogêneo, o componente migratório continua tendo papel decisivo para o entendimento da dinâmica demográfica
do Estado de São Paulo. De fato, a redução nas taxas de
crescimento da população paulista nas últimas décadas
reflete, em grande medida, as mudanças ocorridas em seus
movimentos migratórios.
As informações sobre migração disponíveis no Censo
Demográfico 2000 permitem o acompanhamento das tendências migratórias recentes em São Paulo. Segundo es-
Segundo Branco (1999)
à medida que avançava o desemprego na Região Metropolitana, cresciam as tentativas analítico-explicativas de
associá-lo aos processos de reestruturação produtiva e de
recolocação da atividade industrial.
De fato, a reestruturação na atividade produtiva, sobretudo no setor industrial, eliminou significativa parcela
de postos de trabalho, ao mesmo tempo em que a terceirização de atividades, antes realizadas na planta industrial,
contribuiu para que parte dos empregos eliminados fossem incrementados nos serviços. Em termos setoriais, a
PED mostrou que, enquanto a proporção de ocupados na
indústria da RMSP diminuiu de 32,6% para 20% no período entre 1995 e 2002, a participação dos ocupados nos
serviços passou de 40% para 52,6% no mesmo período.
O comércio, por sua vez, registrou um pequeno aumento
na proporção de ocupados, de 14% para 16% entre 1995
e 2002.
Diante desse contexto, pode-se dizer que, se até os anos
70, a localização e a ampliação das atividades urbano-industriais direcionavam os caminhos da migração em São
Paulo, nas décadas de 80 e sobretudo 90, a capacidade de
atração migratória pela indústria transformou-se sensivelmente. Esta parece ser agora exercida pela interação dos
investimentos na produção industrial e na capacidade que
esses investimentos têm na demanda por mais serviços e
mão-de-obra.
As mudanças na estrutura industrial não significaram
uma diminuição de sua importância na estrutura produtiva do Estado, mas sim uma modernização – e, portanto,
um fortalecimento dessa atividade. Para se ter uma idéia
da importância da indústria, em 1996, São Paulo concentrava quase 50% das atividades industriais do país, 53%
da produção da indústria mecânica, 60% da química, 62%
de material de transportes, 70% de borracha, 65% de produtos de materiais plásticos – para citar apenas alguns
gêneros da indústria de transformação.
Em 1996, mesmo com todas as mudanças ocorridas, a
metrópole apresentou elevada participação na produção
industrial do Estado com 60,4% do valor adicionado,
56,8% do pessoal ocupado e 57% das unidades locais. As
regiões do interior, beneficiadas pela “interiorização do
desenvolvimento”, exibiram um elevado grau de complementaridade e de integração técnica e funcional com a
RMSP. Esse processo é muito mais significativo nas regiões situadas no entorno metropolitano que abrange Campinas, RM da Baixada Santista, São José dos Campos e
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005
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SONIA REGINA PERILLO / MAGALY
DE
LOSSO PERDIGÃO
sas informações, verifica-se que algumas modalidades de
deslocamentos populacionais confirmaram-se e fortaleceram-se na década de 90 – como os movimentos intra-estaduais no território paulista. A mobilidade interestadual
continuou tendo importância; porém, desde a década de
80, vem perdendo peso relativo na composição da migração. Em contrapartida, a migração intra-estadual ganhou
destaque, aumentando sua participação no cenário migratório nos anos recentes.
emigração de sua população para os outros estados brasileiros. Os principais fluxos migratórios ocorridos entre
o Estado de São Paulo e as Grandes Regiões do país, no
período 1995-2000, podem ser observados no Mapa 1.
MAPA 1
Principais Fluxos Migratórios, segundo Grandes Regiões
Estado de São Paulo – 1995-2000
O CONTEXTO DOS MOVIMENTOS
MIGRATÓRIOS INTERESTADUAIS
A liderança econômica do Estado de São Paulo no cenário brasileiro sempre lhe garantiu elevada concentração populacional e uma trajetória marcada por intensos
movimentos migratórios. Com efeito, São Paulo vem
protagonizando, há várias décadas, o processo de redistribuição da população no território brasileiro, destacando-se como a principal área de concentração populacional
do país. Em 2000, contava com 37 milhões de habitantes e respondia por 21,8% da população nacional. Os movimentos migratórios interestaduais sempre desempenharam papel relevante na composição da população paulista.
Em 2000, praticamente 75,2% de sua população correspondia a pessoas nascidas no próprio Estado (naturais)
e 24,8% a pessoas nascidas em outros Estados brasileiros e outros países (não-naturais). Vale dizer: em 2000,
residiam em São Paulo aproximadamente 9,1 milhões de
pessoas não-naturais do Estado, com predominância dos
mineiros (20,7%), baianos (19,7%), paranaenses (12,9%)
e pernambucanos (12,4%).
São Paulo, segundo o Censo 2000, continuou se consolidando como a UF que registrou o maior volume de
migrantes do país – o que determinou intensa mobilidade populacional em seu território. No período 1986-1991,
recebeu 1,4 milhão de migrantes interestaduais e em
1995-2000, 1,2 milhão de pessoas – o que indica uma
redução de 12% nos deslocamentos interestaduais. Por
outro lado, entre 1986 e 1991, 648 mil pessoas saíram
de São Paulo em direção a outros estados brasileiros (emigrantes) e, entre 1995 e 2000, 884 mil pessoas – o que
representou um aumento de 36%. O Estado de São Paulo prevaleceu como porta de entrada da população nacional; porém, o volume dos deslocamentos interestaduais para o Estado vêm diminuindo progressivamente ao
longo das décadas. Paralelamente a esse fenômeno, entre 1995 e 2000, São Paulo apresentou um aumento da
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
(Exceto São Paulo)
Fluxos Migratórios
Sul
Com destino ao
Estado São Paulo
Com origem no
Estado São Paulo
Estado de
São Paulo
Fonte: IBGE; Fundação Seade.
Origem dos Migrantes que Chegaram ao
Estado de São Paulo
A diminuição do volume de migrantes interestaduais
que chegaram ao Estado de São Paulo entre 1995-2000
não está vinculada à redução dos fluxos procedentes
do Nordeste. De fato, nos períodos entre 1986-1991 e
1995-2000, São Paulo permaneceu como o principal destino desses fluxos, e a migração de nordestinos mantevese em níveis semelhantes, aproximadamente 720 mil pessoas (Tabela 1). Verificou-se, inclusive, um aumento da
participação relativa dos nordestinos no total dos migrantes
do Estado – de 51,7%, entre 1986-1991, para 57,7%, entre 1995-2000 – e uma acentuada redução da participação dos fluxos do Sudeste e do Sul, no mesmo período
(Gráfico 1). Ainda assim, os deslocamentos com origem
na Região Sudeste representaram 19% da imigração para
o Estado de São Paulo, entre 1995-2000. Segue-se a Região Sul, responsável por 13,5% dos migrantes que chegaram ao Estado. Sobressaíram-se os fluxos procedentes
100
SÃO PAULO
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PERCURSOS MIGRATÓRIOS NO ESTADO DE SÃO PAULO: ...
A RMSP destacou-se como a área mais atrativa dos
migrantes interestaduais. São Paulo não conseguiu atrair
população interestadual na mesma intensidade que nas
décadas passadas; porém, a RMSP continuou desempenhando papel relevante no direcionamento dos fluxos
provenientes de outros Estados brasileiros. Essa área re-
TABELA 1
Volume de Imigração e Emigração Interestaduais,
segundo Grandes Regiões Brasileiras
Estado de São Paulo – 1986-2000
Imigração
Regiões
Brasil
Norte
Emigração
1986-1991
1995-2000
1986-1991
1995-2000
1.392.796
1.242.975
647.991
884.024
34.797
31.194
21.426
29.137
TABELA 2
Volume de Imigração e Emigração Interestaduais,
segundo Regiões e Unidades da Federação Brasileiras
Estado de São Paulo – 1986-2000
Nordeste
720.565
716.697
211.412
325.529
Sudeste (1)
308.242
239.906
189.309
258.836
Sul
245.270
168.180
130.779
173.983
83.922
86.998
95.065
96.539
Centro-Oeste
Fonte: IBGE; Fundação Seade.
(1) Considerou-se a Região Sudeste, exceto o Estado de São Paulo.
1995-2000
1986-1991
1995-2000
BRASIL
1.392.796
1.242.974
647.991
884.024
34.797
810
225
3.742
14.656
12.735
418
2.211
31.194
787
504
3.523
14.129
7.349
570
4.332
21.426
780
322
2.622
5.655
8.179
578
3.290
29.137
626
631
4.176
9.002
8.701
670
5.330
720.565
52.326
248.600
94.929
18.029
58.743
164.909
43.523
716.697
63.590
281.648
67.424
33.061
49.541
133.547
46.290
211.412
13.361
58.544
28.585
5.760
18.650
52.321
10.819
325.529
19.105
105.830
52.502
9.865
28.349
58.364
23.367
23.657
15.849
19.755
21.841
13.182
10.190
17.855
10.293
308.242
8.865
236.086
63.291
239.906
10.995
181.216
47.694
189.309
10.827
145.823
32.659
258.836
11.850
201.880
45.105
245.270
217.406
168.180
133.350
130.779
97.962
173.983
131.094
16.222
11.642
18.443
16.387
13.397
19.420
14.546
28.343
83.922
9.546
17.330
21.192
86.998
9.981
19.870
21.790
95.065
7.673
20.497
25.006
96.539
12.520
27.976
19.793
35.854
35.358
41.889
36.250
Região
Nordeste
Alagoas
Bahia
Ceará
Maranhão
Paraíba
Pernambuco
Piauí
Rio Grande
do Norte
Sergipe
GRÁFICO 1
Migrantes Interestaduais, segundo Local de Origem
Estado de São Paulo – 1986-2000
Região
Sudeste
Espírito Santo
Minas Gerais
Rio de Janeiro
%
1986-1991
50
1986-1991
Região Norte
Acre
Amapá
Amazonas
Pará
Rondônia
Roraima
Tocantins
dos Estados da Bahia (22,7%), Minas Gerais (14,6%),
Pernambuco e Paraná (10,7%) (Tabelas 2 e 3). O Estado
de São Paulo permaneceu como importante porta de entrada da população que se deslocou da Região Nordeste.
Por outro lado, diminuiu a potencialidade migratória do
Estado com relação às Regiões Sul e Sudeste. As Regiões
Norte e Centro-Oeste não mostraram mudanças pronunciadas nas trocas migratórias estabelecidas com o Estado,
no período 1995-2000 (Gráfico 1).
60
Regiões e
Unidades da
Federação
1995-2000
Imigração
Emigração
40
Região Sul
Paraná
Rio Grande
do Sul
Santa Catarina
30
20
10
0
Região
Centro-Oeste
Distrito Federal
Goiás
Mato Grosso
Mato Grosso
do Sul
Local de Origem
Norte
Nordeste
Sudeste (1)
Sul
Centro-Oeste
Fonte: IBGE; Fundação Seade.
(1) Considerou-se a Região Sudeste, exceto o Estado de São Paulo.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000.
101
SONIA REGINA PERILLO / MAGALY
DE
LOSSO PERDIGÃO
TABELA 3
GRÁFICO 2
Imigração, segundo Regiões Administrativas
Estado de São Paulo – 1995-2000
Migrantes Interestaduais, segundo Local de Origem
Região Metropolitana de São Paulo e Interior – 1995-2000
Imigração (Origem)
Regiões Administrativas
Estado de São Paulo
RMSP
Registro
Total
(1)
Em São Paulo
Fora de
São Paulo
2.268.951
45,2
54,8
889.626
19,3
80,7
20.415
75,5
24,5
RM da Baixada Santista
141.558
58,3
41,7
São José dos Campos
131.646
50,0
50,0
Sorocaba
168.537
68,8
31,2
Campinas
410.578
57,1
42,9
Ribeirão Preto
67.892
52,9
47,1
Bauru
64.983
76,7
23,3
São José do Rio Preto
94.911
71,1
28,9
Araçatuba
46.491
71,7
28,3
Presidente Prudente
53.687
66,4
33,6
Marília
60.092
74,5
25,5
Central
61.037
64,5
35,5
Barretos
23.897
69,9
30,1
Franca
33.601
49,2
50,8
Fonte: IBGE; Fundação Seade.
(1) Refere-se à soma dos fluxos migratórios intraestaduais e interestaduais ocorridos no/para
o Estado de São Paulo entre 1995 e 2000.
cebeu 720 mil migrantes de outros Estados – o que representava 58% da imigração paulista no período. Destacaram-se os fluxos procedentes da Região Nordeste, sobretudo dos Estados da Bahia (29,1%) e Pernambuco
(14,1%) (Tabelas 2 e 3). A importância dos deslocamentos interestaduais para a RMSP também pode ser contemplada quando se verifica que 81% dos deslocamentos para
esta área tiveram origem em outros Estados brasileiros,
contra apenas 19% ocorridos no próprio Estado de São
Paulo (Tabela 3).
O Município de São Paulo manteve seu papel de grande área de atração da população de outros Estados para a
RMSP. Para a capital paulista, deslocaram-se 410 mil
migrantes interestaduais, principalmente, dos Estados da
Bahia (30%), Pernambuco (13,1%) e Minas Gerais (9,6%).
O interior do Estado recebeu 525 mil migrantes de outros Estados brasileiros, procedentes, em sua maioria, das
Regiões Nordeste (37,2%), Sudeste (25,7%) e Sul (22,2%)
(Gráfico 2). Sobressaíram-se os deslocamentos com origem
nos Estados de Minas Gerais (20,5%), Paraná (19,1%) e
Bahia (13,9%). No contexto regional, a migração interestadual representou quase 50% do total dos fluxos, em regiões
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000.
(1) Refere-se ao Estado de São Paulo, excluindo-se a RMSP.
como Franca, São José dos Campos e Ribeirão Preto. Em
outras áreas, como as regiões de Bauru, Registro, Marília,
São José do Rio Preto e Araçatuba, a participação dos deslocamentos interestaduais foi menos expressiva.
Destino dos Migrantes que Saíram do
Estado de São Paulo
Entre 1986 e 1991, 648 mil pessoas deixaram o Estado de
São Paulo em direção a outros estados brasileiros; entre
1995 e 2000, esse volume passou a 884 mil pessoas – o que
representou um aumento de 36% na emigração paulista
(Tabela 1). Os principais locais de destino dos migrantes
que saíram de São Paulo foram as Regiões Nordeste
(36,8%), Sudeste (29,3%) e Sul (19,7%) (Gráfico 3).
Um aspecto importante a se ressaltar é que, entre os
migrantes que saíram do Estado e foram para a Região
Nordeste (325 mil pessoas), 62% (200 mil pessoas) eram
migrantes nordestinos na condição de retorno aos seus
estados de nascimento e 26,5% (86 mil pessoas) eram
migrantes nascidos no Estado de São Paulo. Destacaramse como importantes locais de destino dos emigrantes de
São Paulo, Minas Gerais (22,8%), Paraná (14,8%), Bahia
(12,0%) e Pernambuco (6,6%).
102
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005
PERCURSOS MIGRATÓRIOS NO ESTADO DE SÃO PAULO: ...
a outros estados brasileiros – correspondendo a 61,6% das
pessoas que deixaram o Estado nesse período (CUNHA,
1987; PERILLO; PERDIGÃO, 2000). A grande área de
absorção dos fluxos foi a Região Nordeste, responsável
por 46,7% da emigração da RMSP nesse período. Em menor
proporção, seguiram-se Sudeste (27,4%) e Sul (16,3%)
(Gráfico 4). Destacaram-se os Estados da Bahia (15,3%),
Paraná (11,5%) e Pernambuco (8,4%).
Chama a atenção o papel relevante da capital, que é a
maior porta de entrada e de saída da população paulista:
cerca de 380 mil pessoas deixaram essa área entre 1995 e
2000. Os principais locais de destino dos migrantes foram os Estados de Minas Gerais (20,7%), Bahia (16,2%)
e Paraná (10,7%).
Praticamente 310 mil pessoas saíram do interior paulista
em direção a outros estados. As áreas mais atrativas dessa população foram as Regiões Sudeste e Sul, sobretudo,
os Estados de Minas Gerais (27,2%) e Paraná (20,6%)
(Gráfico 4).
GRÁFICO 3
Migrantes Interestaduais, segundo Local de Destino
Estado de São Paulo – 1986-2000
40
%
1986-1991
1995-2000
35
30
25
20
15
10
5
Local de Destino
0
Norte
Nordeste
Sudeste (1)
Sul
Centro-Oeste
Fonte: IBGE; Fundação Seade.
(1) Considerou-se a Região Sudeste, exceto o Estado de São Paulo.
Mesmo considerada o grande pólo de atração populacional do Estado, a RMSP caracterizou-se como a principal área de saída da população no período 1995-2000. Tal
tendência vinha sendo apontada desde a década de 70, e
persistiu até 2000: 544 mil pessoas saíram de lá em direção
TABELA 4
Emigração, segundo Regiões Administrativas
Estado de São Paulo – 1995-2000
Emigração (Destino)
Regiões Administrativas
Total
(1)
Em São Paulo
Fora de
São Paulo
Estado de São Paulo
1.909.836
53,7
46,3
RMSP
1.067.998
47,4
52,6
GRÁFICO 4
Migrantes Interestaduais, segundo Local de Destino
Região Metropolitana de São Paulo e Interior – 1995-2000
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005
18.971
73,5
26,5
RM da Baixada Santista
81.874
58,4
41,6
São José dos Campos
67.753
45,1
54,9
Sorocaba
85.628
63,6
36,4
Campinas
191.909
53,0
47,0
Ribeirão Preto
53.997
61,6
38,4
Bauru
43.341
74,8
25,2
São José do Rio Preto
54.781
70,5
29,5
Araçatuba
44.381
69,9
30,1
Presidente Prudente
54.921
64,9
35,1
Marília
52.932
76,0
24,0
Central
36.258
74,9
25,1
Barretos
26.663
72,2
27,8
Franca
28.429
48,2
51,8
Fonte: IBGE; Fundação Seade.
(1) Refere-se à soma dos fluxos migratórios intraestaduais e interestaduais ocorridos no/para
o Estado de São Paulo entre 1995 e 2000.
Fonte: IBGE. Censo Demográfico do Estado de São Paulo de 2000.
(1) Refere-se ao Estado de São Paulo, excluindo-se a RMSP.
SÃO PAULO
Registro
103
SONIA REGINA PERILLO / MAGALY
DE
LOSSO PERDIGÃO
A saída de população de São Paulo para outros estados do país foi bastante pronunciada em regiões como
RMSP, São José dos Campos e Franca: nessas áreas, a
migração externa (fora do Estado de São Paulo) representou mais de 50% dos deslocamentos populacionais ocorridos no período. Em contrapartida, em regiões como Registro, Bauru, Marília e Central, a participação da migração
externa foi bem inferior: da ordem de 25% do total dos deslocamentos populacionais (Tabela 4).
CONTEXTO DOS DESLOCAMENTOS
INTRA-ESTADUAIS
As informações censitárias de 2000 revelam que, além
dos movimentos migratórios interestaduais, outras formas
de mobilidade adquiriram importância e significado analítico nas últimas décadas. No Estado de São Paulo, passaram a se destacar os movimentos intra-estaduais: entre
1995 e 2000, o volume de migrantes do Estado (excetuando-se os deslocamentos intra-regionais) foi de 2,3 milhões
de pessoas. Desse total, 54,8% correspondiam a fluxos
migratórios originários de outros estados brasileiros e
45,2% a movimentos ocorridos no próprio Estado de São
Paulo.
Este continuou apresentando intensa mobilidade
populacional: entre 1986 e 1991, 1,3 milhão de pessoas movimentaram-se entre as regiões; entre 1995 e 2000, esse número ficou em torno de 1 milhão – o que indica uma redução nos movimentos internos de aproximadamente 27%.
A tendência migratória intra-estadual encontra-se
associada ao fortalecimento do processo de interiorização
do desenvolvimento econômico já iniciado em meados dos
anos 70. Esse processo contribuiu, num primeiro momento,
para uma desconcentração das atividades econômicas a
partir da RMSP em direção ao interior do Estado. Como
resultado, ocorreu um redirecionamento dos fluxos
migratórios da metrópole para as regiões situadas nos eixos
de maior desenvolvimento econômico do interior e maior
retenção da população do interior em suas regiões de
origem (CANO, 1988; ARAÚJO; PACHECO, 1996;
PERILLO, 1996; ARANHA, 1996; FUNDAÇÃO SEADE,
2004). Nos anos 90, intensificou-se a tendência de
interiorização econômica e populacional do Estado.
Segundo Araújo (1999), esse processo ocorreu em um
espaço concentrado num raio de aproximadamente 150 km
a partir do centro da RMSP, abrangendo as RAs de
Campinas, São José dos Campos, Sorocaba e RM da
Baixada Santista. Nesse contexto, Caiado (1996) destaca
que, além dos centros industriais já consolidados do
Estado, como as RAs de Campinas, São José dos Campos
e a RM da Baixada Santista e seus respectivos entornos,
foram privilegiados os grandes eixos de ligação com a
capital paulista – notadamente as cidades com melhor
infra-estrutura em seu entorno, cortadas pelas rodovias
Bandeirantes, Anhangüera, Presidente Dutra, Carvalho
Pinto, Castelo Branco, Marechal Rondon e Fernão Dias.
As mudanças que vêm ocorrendo na dinâmica econômica e populacional da metrópole tiveram impactos significativos no conjunto de regiões que integram o interior. Essa área tem-se caracterizada como a segunda
concentração industrial do país, só perdendo para a
RMSP, e tem apresentado uma intensa mobilidade
populacional, consolidando-se como uma das principais
áreas migratórias do país nas últimas décadas (CUNHA,
1987; PERILLO; ARANHA, 1998; UNICAMP/NEPO,
1997).
Esse cenário econômico contribuiu, em grande medida, para o redirecionamento dos fluxos migratórios para
as regiões de maior dinamismo do Estado, principalmente para as duas áreas metropolitanas – São Paulo e Baixada Santista – e para as RAs de Campinas e Sorocaba, entre outras.
Capital: Maior Porta de Saída dos Migrantes
que Deixaram a RMSP
Entre 1995 e 2000, 468 mil pessoas saíram da RMSP e
foram para as regiões do interior do Estado. Relevante é
o papel da capital que, mesmo consolidando-se como importante pólo de atração populacional, caracterizou-se
como a maior área de saída da população da metrópole:
320 mil pessoas deslocaram-se dessa área – o equivalente
a 68,5% dos migrantes que deixaram a RMSP. Apenas 148
mil pessoas (31,5%) mudaram de outros municípios da
RMSP (excetuando-se São Paulo) para o interior do Estado. As regiões do interior que mais se beneficiaram com
os deslocamentos originados na RMSP foram as RAs de
Campinas, Sorocaba, São José dos Campos e a RM da
Baixada Santista (RMBS).
Os deslocamentos populacionais procedentes do interior do Estado foram menos pronunciados: 172 mil pessoas saíram do interior em direção à RMSP; dentre estas,
91 mil (52,8%) movimentaram-se para os outros municípios da RMSP e 81 mil (47,2%) para o Município de São
Paulo (Mapa 2). Destacaram-se os fluxos originários das
RAs de Campinas, Sorocaba, São José dos Campos e da
RM da Baixada Santista.
104
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005
PERCURSOS MIGRATÓRIOS NO ESTADO DE SÃO PAULO: ...
MAPA 2
Fluxos Migratórios Intra-Estaduais
Estado de São Paulo – 1995-2000
Interior do Estado
52,8%
91 mil
47,2%
81 mil
Município de
Outros Municípios
São Paulo
da RMSP
148 mil
320 mil
31,5%
68,5%
Fonte: IBGE; Fundação Seade.
Trocas Migratórias: 1 Milhão de Pessoas Deslocaramse entre as Regiões
São Paulo). Dentre as regiões que integram o interior,
Campinas foi a que recebeu o maior volume de migrantes
intra-estaduais entre 1995 e 2000: cerca de 235 mil pessoas mudaram para essa área. Sobressaíram-se os deslocamentos com origem na RMSP, responsáveis por 61,2%
dos fluxos para a RA de Campinas. Praticamente 68% dos
migrantes que chegaram à região de Campinas saíram da
capital e apenas 32% dos outros municípios da RMSP.
Em menor expressão, Campinas recebeu migrantes das regiões de Sorocaba (5,9%), Presidente Prudente (3,7%) e
São José do Rio Preto (3,6%) (Mapa 3). A região de Campinas também se caracterizou como importante área de saída de migrantes para a RMSP (31%), e para as regiões de
Sorocaba (13,7%) e São José do Rio Preto (9,9%) (Tabela
6). No balanço das trocas migratórias, essa região exibiu
um ganho líquido de 140 mil pessoas nesse período.
Outro importante pólo de atração populacional foi a
região de Sorocaba, que recebeu 116 mil pessoas entre
1995-2000. Destacaram-se os deslocamentos com origem
na RMSP (62,9%), principalmente na capital (63%) e, em
menor expressão, os procedentes das RAs de Campinas,
Marília e Bauru. O destino preferido das pessoas que saíram de Sorocaba foi a RMSP (34,6%), seguida das regiões de Campinas (27,3%) e Bauru (8,5%). Entre 19952000, Sorocaba apresentou um ganho líquido de 66 mil
pessoas nas trocas populacionais estabelecidas com as
demais regiões do Estado.
Os deslocamentos populacionais no Estado de São
Paulo foram pronunciados: praticamente 1 milhão de pessoas movimentaram-se entre suas regiões, no período
1995-2000.
Na RMSP, a participação dos deslocamentos intra-estaduais foi relativamente pequena, 19% (Tabela 5). Essa
região recebeu um volume de 172 mil pessoas e exibiu
uma perda migratória acentuada, de 468 mil pessoas para
as regiões do interior do Estado nesse período. Isso significa que, mesmo caracterizada como grande pólo de atração de migrantes, a RMSP consolidou-se como a principal área de saída da população. No balanço das trocas
migratórias, essa área perdeu quase 300 mil pessoas para
as outras regiões do interior. A região que mais se beneficiou com os deslocamentos da RMSP foi a de Campinas,
que recebeu praticamente 144 mil migrantes dessa área.
Dentre os migrantes que chegaram à metrópole, destacaram-se os procedentes de Campinas (16,9%), RMBS
(10,9%), Sorocaba (10,1%) e São José dos Campos (8,3%).
A capital paulista foi o local preferido dos migrantes
que saíram das regiões de Campinas e RMBS. Em
contrapartida, os migrantes procedentes das regiões de
Sorocaba e São José dos Campos concentraram-se, em sua
maioria, nos outros municípios da RMSP (excetuando-se
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005
105
106
SÃO PAULO
29.162
5.096
Campinas
Ribeirão Preto
EM
707
4.623
2.060
2.481
Central
Barretos
Franca
São Paulo sem especificação 43.268
Fonte: IBGE; Fundação Seade.
79
6.996
Marília
61
29
17
87
128
4.771
6.775
Presidente Prudente
58
112
88
701
1.591
212
3.292
-
7.162
Araçatuba
8.394
17.429
Sorocaba
5.319
14.366
São José dos Campos
São José Rio Preto
18.824
RM da Baixada Santista
Bauru
2.569
Registro
Interior
5.317
2.940
8.257
15.419
Município de São Paulo
172.134
172.134
Registro
Demais Municípios
RMSP
ESTADO DE SÃO PAULO
RMSP
3.006
154
284
700
808
738
780
916
856
1.135
4.801
2.626
1.734
-
3.841
22.379
16.566
43.622
60.188
82.568
3.737
165
106
669
782
616
300
671
484
626
5.456
2.052
-
3.536
357
19.557
16.425
29.852
46.277
65.834
4.464
159
437
1.127
5.442
2.224
1.097
1.108
4.152
1.175
12.932
-
1.586
3.227
3.845
42.974
27.117
45.810
72.927
115.902
9.856
1.790
2.735
6.370
7.414
8.737
5.624
8.331
6.117
5.364
-
13.749
5.925
7.651
1.357
91.022
45.693
97.831
143.524
234.546
RM da
Baixada São José Sorocaba Campinas
Santista dos Campos
1.301
4.810
3.269
3.234
729
639
603
2.289
876
-
4.114
642
406
1.000
124
24.036
2.346
9.506
11.852
35.888
Ribeirão
Preto
1.450
311
474
2.608
5.963
1.773
2.753
1.793
-
1.094
5.612
4.280
397
1.207
95
29.811
5.403
14.612
20.015
49.825
Bauru
2.604
767
4.901
2.969
1.108
1.761
7.989
-
1.994
2.304
9.333
650
849
1.076
136
38.440
7.888
21.180
29.068
67.508
993
390
336
591
1.926
3.073
-
3.958
2.049
527
3.835
684
538
728
70
19.700
4.372
9.264
13.636
33.337
1.503
92
470
367
4.548
-
2.118
1.157
884
523
4.993
1.363
655
909
117
19.700
5.711
10.257
15.968
35.668
1.601
89
344
482
-
5.450
1.027
899
4.398
622
3.818
3.550
484
1.096
130
23.990
6.231
14.562
20.793
44.782
São José do Araçatuba Presidente Marília
Rio Preto
Prudente
Residência Atual
Interior
1.187
365
1.104
-
1.015
635
899
2.842
2.422
3.868
6.266
1.363
659
828
226
23.681
4.511
11.151
15.662
39.343
Central
342
1.015
-
911
168
238
423
2.877
215
3.401
1.551
221
306
342
33
4.237
1.055
3.595
4.650
16.695
671
-
1.273
469
216
202
272
446
117
4.950
1.613
157
149
516
11.049
1.240
4.237
5.477
16.527
Barretos Franca
33.420
10.188
15.763
20.517
30.206
26.214
23.947
27.344
24.677
25.676
65.025
32.927
13.899
25.409
10.333
377.738
468.296
468.296
76.688
12.669
17.823
25.140
37.202
32.990
28.719
35.738
29.996
30.772
94.187
50.356
28.264
44.233
12.902
557.680
147.498
320.796
1.025.976
Total
Geral
853.842
Total
DE
Residência Anterior
TABELA 5
Fluxos Migratórios Intra-Estaduais
Estado de São Paulo – 1995-2000
SONIA REGINA PERILLO / MAGALY
LOSSO PERDIGÃO
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005
PERCURSOS MIGRATÓRIOS NO ESTADO DE SÃO PAULO: ...
MAPA 3
Fluxos Migratórios Intra-Estaduais Numericamente mais Importantes
Estado de São Paulo – 1995-2000
Fonte: IBGE; Fundação Seade.
TABELA 6
Fluxos Migratórios Intra-Estaduais Numericamente mais Significativos, segundo Áreas de Origem e Destino
Estado de São Paulo – 1995-2000
Áreas
Imigrantes
Emigrantes
RMSP
172.134
468.296
RM da Baixada Santista
82.568
São José dos Campos
%
Destino dos Emigrantes
%
Campinas
RM da Baixada Santista
Sorocaba
16,9
10,9
10,1
Campinas
Sorocaba
RM da Baixada Santista
30,6
15,6
12,9
44.233
RMSP
72,9
RMSP
Campinas
42,6
17,3
65.834
28.264
RMSP
Campinas
70,3
8,3
RMSP
Campinas
50,8
21,0
Sorocaba
115.902
50.356
RMSP
Campinas
62,9
11,2
RMSP
Campinas
34,6
27,3
Campinas
234.546
94.187
RMSP
Sorocaba
61,2
5,9
RMSP
Sorocaba
31,0
13,7
67.508
35.738
RMSP
Campinas
Araçatuba
43,1
13,8
11,8
RMSP
Campinas
Araçatuba
23,5
23,3
11,1
São José do Rio Preto
Origem dos Imigrantes
Fonte: IBGE; Fundação Seade.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005
107
SONIA REGINA PERILLO / MAGALY
DE
LOSSO PERDIGÃO
A RMBS recebeu 83 mil migrantes nesse período; a grande parcela dos fluxos (73%) teve origem na RMSP,
notadamente na capital. Em menor expressão, destacaramse os movimentos originários das RAs de Campinas, Registro e Sorocaba. Os migrantes que saíram da RM da
Baixada Santista tiveram como principais áreas de destino a RMSP (42,6%) e a RA de Campinas (17,3%). Nas
trocas populacionais efetuadas com as demais regiões do
Estado, a RM da Baixada Santista registrou um ganho líquido de 38 mil pessoas.
Outro importante pólo de atração foi a Região de São
José do Rio Preto, que recebeu quase 68 mil migrantes nesse
período. Destacaram-se os fluxos procedentes da RMSP
(43,1%) e, em menor proporção, das RAs de Campinas e
Araçatuba. Nesse período, a Região de São José do Rio
Preto apresentou perdas populacionais importantes para a
RMSP (23,5%) e para a RA de Campinas (23,3%).
A RA de São José dos Campos recebeu 65 mil pessoas
procedentes, em sua maioria, da RMSP (70%). Os
migrantes que saíram da Região de São José dos Campos
tiveram como principais áreas de destino a RMSP (51%)
e a RA de Campinas (21%). Dentre as regiões caracterizadas como pólo de atração do Estado de São Paulo, a
Região de São José dos Campos foi a que exibiu as menores perdas populacionais nas trocas estabelecidas no período 1995-2000, da ordem de 28 mil pessoas (Tabela 6).
As regiões analisadas foram as que apresentaram os fluxos migratórios intra-estaduais numericamente mais significativos, consolidando-se como as áreas de grande atração da população que se deslocou dentro do Estado de São
Paulo. Entre 1995 e 2000, essas áreas responderam em conjunto por praticamente 72% da migração intra-estadual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apresentados mostram a importância das
migrações interestaduais e apontam que o Estado de São
Paulo continuou sendo o principal pólo nacional de atração migratória entre 1995 e 2000. A migração desempenhou papel relevante na RMSP – principalmente na capital, que ainda exerce forte atração no redirecionamento
da população vinda de Estados brasileiros para São Paulo. Bahia, Minas Gerais, Paraná e Pernambuco consolidaram-se como as principais áreas de procedência dos
migrantes que chegaram a São Paulo. As principais áreas
de destino dos migrantes que saíram do Estado de São
Paulo foram Minas Gerais, Paraná, Bahia e Pernambuco.
As informações censitárias de 2000 revelam que, além
dos movimentos migratórios interestaduais, outras formas
de mobilidade vêm adquirindo importância e significado
analítico nas últimas décadas. Além dos movimentos interestaduais, os intra-estaduais passaram a ter um papel
cada vez maior, respondendo por 45,2% dos fluxos migratórios para o Estado de São Paulo entre 1995 e 2000. Praticamente um milhão de pessoas deslocaram-se entre as
regiões do Estado nesse período. Os principais fluxos migratórios ocorreram para as regiões de maior dinamismo
econômico, sobressaindo-se as áreas metropolitanas de São
Paulo e da Baixada Santista e as RAs de Campinas,
Sorocaba, São José dos Campos, entre outras.
Nos anos 90, o interior do Estado de São Paulo reforçou
seu potencial de atração migratória, notadamente da população originária da RMSP. Por outro lado, mesmo caracterizada como o grande pólo de migrantes, a metrópole paulista, notadamente a capital, consolidou-se como a
principal área de saída da população do Estado de São
Paulo. No balanço das trocas migratórias intra-estaduais,
essa região perdeu quase 300 mil pessoas para as outras
regiões paulistas entre 1995 e 2000.
Ressalte-se, porém, que a maior parte das transformações econômicas e demográficas recentes que a RMSP vem
apresentando concentram-se, sobretudo, na capital. Essa
área continua centralizando grande parte das atividades
mais dinâmicas e modernas do país, intensificando ainda
mais sua característica de cidade “global” ou “mundial”.
NOTA
1. Interior aqui definido como o conjunto de todas as regiões
paulistas, excluindo-se a Região Metropolitana de São Paulo.
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SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005
Artigo recebido em 23 de março de 2005.
Aprovado em 30 de maio de 2005.
109
FABÍOLA RODRIGUES
POPULAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO URBANA
NO (NOR)OESTE PAULISTA
um estudo sobre a produção social do espaço
urbano no município de Votuporanga
FABÍOLA RODRIGUES
Resumo: Esse artigo tem por objetivo lançar luz sobre os processos demográficos e socioeconômicos recentes
(entre 1970 e 2000) decorridos em município paulistas de porte médio, especialmente a reversão da tendência
de perdas populacionais e a crescente mobilidade espacial intra-urbana, decorrentes da incorporação desses
municípios às novas formas da acumulação flexível, vis-à-vis à precarização do emprego e o crescente empobrecimento da população trabalhadora.
Palavras-chave: População. Desenvolvimento urbano. Mobilidade espacial da população.
Abstract: This article has the objective of throwing some light onto the recent demographic and socioeconomic
processes (between 1970 and 2000) that occurred in most of the municipalities in the State of São Paulo,
especially the reversion of the trend toward demographic losses and the growing intra-urban spatial mobility
resulting from the inclusion of these municipalities into new forms of flexible accumulation, vis-à-vis the
growing unemployment and the increasing impoverishment of the working population.
Key words: Population. Urban development. Spatial mobility of the population.
O
objetivo desse artigo é resgatar – de forma geral
e aproximada – as condições históricas (decorridas no período entre 1970 e 2000) sob as quais
se deu a formação capitalista dos municípios da franja do
noroeste paulista, no interior dos processos mais gerais
de urbanização, concentração e desconcentração industrial na malha paulista.
De fato, este artigo propõe-se a evidenciar a inter-relação historicamente urdida entre a mobilidade espacial da
população, a industrialização e a produção social do espaço urbano, no intento de demonstrar como as disputas
pela apropriação dos recursos e das localizações no espaço intra-urbano estão subsumidas às necessidades de reprodução do capital, bem como ao poder de classe na construção da forma espacial da cidade (HARVEY, 1980). Para
tanto, estuda o caso de um típico município médio da malha
noroeste do Estado: o município de Votuporanga.
Desse modo, o texto foi organizado de forma a permitir a compreensão da evolução sociodemográfica do noroeste paulista no interior do processo de desconcentração
industrial e de reversão da tendência de esvaziamento
demográfico da franja pioneira. Nesse sentido, estuda
particularmente a Região Administrativa (RA) de São José
do Rio Preto, onde se localiza o município de Votuporanga.
Na seqüência, a partir da análise das condições históricas que engendraram a formação urbana dessa área, o
enfoque recai sobre o município de Votuporanga e as condições mais gerais de sua industrialização, que parecem
ter desempenhado um papel decisivo na forma espacial
da cidade, sobretudo ao longo das duas últimas décadas.
Dessa perspectiva, acompanha-se a evolução da industrialização e a conformação das primeiras áreas industriais,
vis-à-vis à nova forma espacial que a cidade adquire e
consolida, evidenciando-se uma relação permanente (e
110
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 110-120, jul./set. 2005
POPULAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO URBANA NO (NOR)OESTE PAULISTA: ...
levada ao limite, na década de 2000) entre dinâmica econômica, mobilidade espacial da população e produção
social do espaço intra-urbano.
TABELA 1
Taxa de Crescimento Geométrico Anual da População
Região Administrativa de São José do Rio Preto e
Regiões de Governo – 1970-2000
PANORAMA DA DINÂMICA DEMOGRÁFICA
DO NOROESTE PAULISTA
Em porcentagem
Regiões
A evolução dos volumes e das taxas de crescimento da
população da Região Administrativa de São José do Rio
Preto,1 entre 1970 e 2000, é bastante elucidativa do movimento de declínio e posterior recuperação econômica e
demográfica do interior de São Paulo, especialmente do
Oeste Paulista.
Efetivamente, os grandes processos de industrialização
e urbanização ocorridos em larga escala no país entre as
décadas de 60/70 (MARTINE, 1987; PACHECO; PATARRA, 1997) e que redundaram na extraordinária concentração demográfica na capital paulista e em sua área
de influência mais imediata, causaram grande prejuízo ao
crescimento urbano e demográfico dos municípios recémformados na franja pioneira paulista.
Esses municípios também foram bastante afetados pela
expansão da fronteira agrícola na direção centro-oeste do
país (MARTINE, 1987), de modo que seu crescimento econômico e demográfico declinou sensivelmente no período 1960/70 – tendência que só esboçou reversão para o
conjunto de municípios dessa região a partir dos anos 80.
É bastante emblemático do processo de reversão do
esvaziamento demográfico no Oeste Paulista o vigoroso
crescimento das Regiões de Governo da RA de São José
do Rio Preto, expressos na Tabela 1, que mostra uma significativa evolução da taxa de crescimento da população
de todas as áreas no período 1970-2000.
Notamos, em primeiro lugar, uma inequívoca liderança da RG de São José do Rio Preto, seguida pela RG de
Catanduva na composição do crescimento populacional
da RA, nesse período. Embora as taxas de crescimento
das regiões mais novas (Votuporanga, Fernandópolis e
Jales) sejam bem mais modestas que as taxas de São José
do Rio Preto e Catanduva, é possível perceber uma clara
reversão na tendência de crescimento negativo e de evasão populacional. Exemplificando: a RG de Jales, muito
afetada na década de 70 pelas políticas de modernização
agrícola, passou a reverter sua tendência de perda à medida que paulatinamente foi conseguindo fixar sua população rural em atividades urbanas.
Assim, as modestas taxas de crescimento positivo da
população nas RGs de Fernandópolis e Votuporanga nos
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 110-120, jul./set. 2005
Taxa de Crescimento
1970/80
1980/1991
1991/2000
Região Administrativa de
São José do Rio Preto
0,71
1,59
1,59
Região de Governo de
São José do Rio Preto
1,85
2,52
2,33
Região de Governo de
Catanduva
1,77
1,42
1,29
Região de Governo de
Votuporanga
-0,20
0,87
0,91
Região de Governo de
Fernandópolis
-0,43
0,41
0,55
Região de Governo de
Jales
-1,80
0,27
0,50
Fonte: IBGE; Fundação Seade (1990-2004).
períodos entre 1980/1991 e 1991/2000 (sempre inferiores
a 1% ao ano) traduzem a paulatina capacidade dessas
áreas de reter a população em atividades urbanas
regulares – isto, num contexto de capitalização das
relações sociais de produção no campo e de fortalecimento de sub-pólos regionais com relativa capacidade
de absorção de uma população pouca qualificada e
precariamente escolarizada.
Região de Governo de Votuporanga
De modo geral, tanto a RG de Votuporanga quanto o
município-sede apresentaram no período 1970-2000 uma
evolução demográfica bastante semelhante à analisada
anteriormente para o conjunto da Região Administrativa
de São José do Rio Preto.
Isso significa dizer que também aqui ocorreram os processos de reversão da tendência de esvaziamento demográfico, esvaziamento esse, configurado no período 1960/
70, bem como o processo de fortalecimento do município-sede.
Sob esse aspecto, a Tabela 2 reitera e evidencia o
processo de reversão do esvaziamento demográfico dos
municípios da RG de Votuporanga: como se pode observar
no período 1991-2000 (que mostra a intensidade do
crescimento da população em um momento em que a
reversão já está em curso) 9 dos 15 municípios que
111
FABÍOLA RODRIGUES
TABELA 2
Taxa de Crescimento Geométrico Anual da População, segundo Municípios
Região de Governo de Votuporanga – 1991-2004
Em porcentagem
Taxa de Crescimento
Municípios
1991-2000
2000-2004
Álvares Florence
-1,75
-0,78
Américo de Campos
-0,03
0,08
Cardoso
-0,61
0,00
Cosmorama
-0,67
-0,24
Floreal
-1,04
-0,52
Macaubal
Magda
0,02
0,45
-0,79
-0,28
Monções
-0,35
0,09
Nhandeara
-0,18
0,47
Parisi
Pontes Gestal
2,76
2,49
-1,69
1,72
Riolândia
1,12
0,98
Sebastianópolis do Sul
0,19
0,54
Valentim Gentil
4,31
3,39
1,8
1,49
Votuporanga
Fonte: IBGE; Fundação Seade (2004).
compõem a RG de Votuporanga apresentavam taxas de
crescimento negativo, ainda que baixas (à exceção de
Álvares Florence e Pontes Gestal, que apresentam altas
taxas negativas, os demais municípios apresentavam taxas
negativas que se aproximam de zero); já no período 20002004 apenas 4 dos 15 municípios da RG apresentam taxas
negativas de crescimento e, ainda assim, elas são significativamente menores em comparação com o período anterior
(Álvares Florence passa de uma taxa geométrica de
crescimento anual de -1,75% para -0,78%; Pontes Gestal
salta de uma taxa geométrica de crescimento anual de
-1,69% para 1,72%).
Cumpre destacar, ainda, as excepcionais taxas de crescimento da população, entre os períodos 1991-2000 e
2000-2004, dos municípios de Parisi (2,76% ao ano e
2,49% ao ano, respectivamente) e de Valentim Gentil
(4,31% ao ano e 3,39% ao ano, respectivamente) que, a
despeito de terem diminuído sua intensidade no último
período, em comparação com o período anterior, mantêmse significativamente acima das taxas registradas para o
total da RG de Votuporanga (0,91% e 1,05%, respectivamente), RA de São José do Rio Preto (1,59% e 1,43%) e
Estado de São Paulo (1,82% e 1,55%) (FUNDAÇÃO
SEADE, 2004).
As taxas geométricas de crescimento da população significativamente mais elevadas para esses dois municípios
explicam-se, no entanto, em razão de conjunturas bastante particulares: no caso do município de Parisi, o recente
desmembramento (1991) parece ter contribuído para seu
insígne desempenho, corroborando uma tendência já
exaustivamente analisada na constituição urbana da malha paulista (CAMARGO, 1981); no caso de Valentim
Gentil, a explicação repousa, possivelmente, no bom desempenho da economia local, especialmente da indústria
moveleira, sobremaneira do segmento de estofados.2
No que diz respeito às trocas migratórias do município
de Votuporanga, no contexto intra-regional, conforme o
demonstra a Tabela 3, nota-se que praticamente todos os
municípios da RG de Votuporanga aumentam sua capacidade de retenção migratória no período 1995-2000, em
comparação com o período 1986-1991, uma vez que o
município-sede diminui o volume do saldo migratório em
suas trocas com quase todos os municípios da RG, aumentando, inclusive, as perdas migratórias que, no período
1986-1991 ocorriam apenas nas trocas com os municípios
de Macaubal (-41 pessoas) e Sebastianópolis do Sul (-51
pessoas).
Assim, no período 1995-2000, o saldo migratório negativo ocorre também nas trocas com os municípios de
Cosmorama (-6 pessoas), Floreal (-26 pessoas), Monções
(-11 pessoas), Pontes Gestal (-111 pessoas), Riolândia
(-16 pessoas) e Sebastianópolis do Sul (-6 pessoas).
Esses números apontam, concomitantemente, para dois
fenômenos para os quais deve-se atentar: o primeiro é a célere e tardia desruralização da população e da economia dos
municípios da RG de Votuporanga, nos últimos 20 anos –
o que contribui sensivelmente para a retenção de população, que muda sua situação de domicílio (de rural para
urbano) muitas vezes dentro do mesmo município, induzindo
a uma diminuição do fluxo migratório para Votuporanga.
O segundo fenômeno é a crescente informalização da
economia votuporanguense, aliada aos processos de
liofilização da estrutura produtiva (ANTUNES, 2003),
modernização tecnológica e aumento do desemprego
diferencial3 (que afeta mais intensamente a mão-de-obra
de baixa qualificação) em curso na indústria local, particularmente na indústria moveleira, desde meados da
década de 90 o que contribuiu para a diminuição da
atratividade migratória do município-sede, haja vista que
as transformações recentes no regime de acumulação
limitam sensivelmente a capacidade de absorção de mãode-obra do setor produtivo do município.
112
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 110-120, jul./set. 2005
POPULAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO URBANA NO (NOR)OESTE PAULISTA: ...
TABELA 3
Trocas Migratórias, segundo Municípios
Região de Governo de Votuporanga – 1986-2000
Municípios
Total
1986-1991
Imigração
Emigração
1995-2000
Saldo Migratório
Imigração
Emigração
Saldo Migratório
158
1.975
1.053
922
265
107
Álvares Florence
435
76
359
211
67
144
Américo de Campos
234
41
193
158
16
142
Cardoso
252
135
117
194
95
99
Cosmorama
426
317
109
112
118
-6
Floreal
73
26
47
0
26
-26
Macaubal
47
88
-41
36
7
29
Magda
67
0
67
37
14
23
-11
Monções
40
0
40
0
11
105
87
18
109
73
36
Pontes Gestal
22
0
22
131
242
-111
Riolândia
73
50
23
23
39
-16
0
51
-51
125
131
-6
201
182
19
10
0
10
Nhandeara
Sebastianópolis do Sul
Valentim Gentil
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 1991 e 2000 (tabulações especiais).
AS (TRANS)FORMAÇÕES DA
CIDADE INDUSTRIAL
Graças aos incentivos e regulamentação do Plano Municipal de Amparo e Incentivo Industrial de Votuporanga
– Plamivo,4 houve importante transferência de empresas
já sediadas no município, bem como a instalação de novas empresas nas áreas zoneadas para uso industrial, todas localizadas nas franjas do perímetro urbano legal, no
sentido norte-noroeste, conformando aglomerações de
moradia popular – já que a consolidação da indústria de
transformação no município, destacadamente a moveleira
(SEMPLA, 1995), requeria a proximidade entre as áreas
de moradias operárias e a industrial como forma de
otimização dos custos de reprodução do capital.
Nesse sentido, a produção social do espaço urbano
(GOTTDIENER, 1997) passa a ser fortemente orientada
em função das necessidades das novas aglomerações industriais, as quais demandam políticas de infra-estrutura
urbana e de transportes que são apenas parcialmente providas pelo Poder Público.
Dessa forma, a dinâmica de expansão imobiliária no
espaço intra-urbano foi-se deslocando paulatinamente do
eixo centro-sul para o eixo centro-norte, ratificando o centro tradicional (VILLAÇA, 2001). No entanto, continuou
deslocando a configuração dos bolsões de pobreza e das
áreas de moradia popular para a frente de expansão norte,
gerando um efeito indireto de enobrecimento da zona sul.
Tudo isso ocorreu a despeito da permanência de antigos
A Emergência da Cidade Industrial
Assim como ocorreu com os fluxos migratórios, a
reversão da tendência de esvaziamento demográfico e o
crescente fortalecimento do município de Votuporanga
como pólo econômico regional configuraram-se como determinantes de primeira grandeza para a formação de uma
morfologia urbana específica. O aparecimento das primeiras áreas industriais no final dos anos 70 explica a
forma urbana – marcada pela forte segregação residencial
– que a cidade adquiriu e consolidou nas décadas seguintes.
Isso equivale dizer, como o demonstra o Mapa 1, que
a implantação de distritos industriais no município de
Votuporanga desde o final da década de 70 foi deveras
determinante para a conformação do desenho urbano e
para a orientação da distribuição da população no espaço intra-urbano.
Foi essencialmente a partir da estruturação do Pólo
Comercial e Industrial de Votuporanga (1979) e dos dois
primeiros distritos industriais (1978 e 1979, respectivamente) que se abriu uma frente de expansão ao norte e
noroeste do perímetro urbano, conformando um novo eixo
de intenso dinamismo econômico.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 110-120, jul./set. 2005
113
FABÍOLA RODRIGUES
MAPA 1
Localização dos Principais Loteamentos Urbanos
Votuporanga – 2000
I Distrito Industrial
Pólo Comercial e Industrial
Própovo
II, III e IV Distritos Industriais
Pozzobon
Santa Luzia
São Cosme
Patrimônio Velho
São Damião
Patrimônio Novo
Jardim Marin
Vila Marin
V Distrito Industrial
Bairro Marão
B. São João (Favela Ipiranga)
Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento, Habitação e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Votuporanga.
bolsões de pobreza nessa região (como a favela Ipiranga,
a mais importante e mais antiga do município), ao longo
das décadas seguintes.
Evidentemente, a conformação de aglomerações de moradias populares na frente de expansão norte, além de configurar-se como conveniente para o capital industrial, revelou-se oportuna para o capital imobiliário, que não tardou
a plantar inúmeros loteamentos populares naquela região.
O capital imobiliário se beneficiou, ainda, da dinamização do mercado imobiliário suscitada pela ampliação do perímetro urbano efetivamente ocupado, em virtude do adensamento progressivo da zona norte, que gerou,
ainda, um rearranjo na apropriação dos recursos físicos
do espaço intra-urbano, abrindo novos flancos para uma
ocupação das camadas médias na malha consolidada da
zona centro-sul.
Efetivamente, a zona de expansão norte 5 replicou
ampliadamente a tensão centro-periferia presente na
estruturação urbana ocorrida entre as décadas de 40 e 70,
quando a formação de uma pequena economia de aglo-
meração na região do Patrimônio Velho (correspondente
ao centro histórico) polarizou crescentemente as atividades
mais dinâmicas e atraiu as camadas de alta renda para seu
entorno, relegando paulatinamente a região da Estação
Ferroviária (núcleo econômico e residencial primevo) a
funções urbanas mais secundárias.
À medida que a ferrovia foi perdendo importância
frente ao transporte rodoviário, as atividades comerciais
e industriais ali existentes tenderam a transferir-se, primeiramente, para a área do centro tradicional e, posteriormente, (especialmente no caso das indústrias) para a área
dos distritos industriais. Assim, as moradias populares
foram subsistindo sobremaneira na região da Estação Ferroviária, conformando essa região (no extremo sul da
malha urbana) como zona de periferia urbana.
No final da década de 70, com a estruturação do Pólo
Comercial e Industrial de Votuporanga e dos dois primeiros distritos industriais, a especialização urbana das áreas
de moradia popular espraiou-se para a zona de expansão
norte, ratificando, da perspectiva da produção social do
114
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 110-120, jul./set. 2005
POPULAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO URBANA NO (NOR)OESTE PAULISTA: ...
e a oeste, e posteriormente, na década de 80, no sentido
centro-norte deixa bastante perceptível a importância econômica, social e política do centro tradicional (do qual as
camadas de alta renda não abrem mão), e mais do que isso,
evidencia a relação funcional que o centro tradicional estabelece com as periferias urbanas, deixando entrever o
poder de classe na estruturação urbana, à medida que os
pobres vão sendo reiteradamente expulsos para territórios
do espaço intra-urbano mais convenientes à lógica de reprodução do capital.7
De fato, a ampliação da mancha urbana na direção norte
do perímetro urbano, pulverizando nas franjas da malha
as localizações das moradias populares, fez-se concomitantemente a um movimento de adensamento construtivo e demográfico do centro tradicional, que se torna mais
complexo e se valoriza frente aos novos investimentos dos
capitais industrial e imobiliário.
Assim, a distensão do processo de periferização na direção da malha norte produziu, concomitantemente, maior
adensamento, verticalização e intensificação da valorização imobiliária da região central, ao longo das décadas de
80 e 90, vedando-a em definitivo aos pobres e conformando-a como locus do domínio das camadas de alta renda.
O processo de verticalização do centro foi bastante
intenso entre as décadas de 80 e 90, de modo que a própria paisagem da região central foi rapidamente alterada,
na mesma medida em que sua centralidade econômica, social e política foi fortalecida pela rápida evolução da indústria e pela dinamização do comércio e serviços locais, que expandem sua polarização regional (SEMPLA,
1995).
Em Votuporanga, a clássica tensão centro-periferia é
ampliada, na década de 80, a partir da constituição da zona
de expansão norte, conformando um modelo de produção
social do espaço urbano marcado pela crescente centralidade do centro tradicional e pela distensão da periferia
urbana.
Destarte, se por um lado, tem-se em Votuporanga um
centro principal classicamente segregado (concentrando
crescentemente maiores parcelas das camadas de alta renda, ao longo dos anos 80 e 90, especialmente nos condomínios residenciais verticais), de outro lado, tem-se uma
periferia fortemente espraiada (que se amplia de sua localização mais antiga, no extremo sul, na direção do
extensor norte), distribuída em diversas aglomerações ao
longo das fímbrias do perímetro urbano.
De qualquer modo, a progressiva distensão radial da
periferia urbana na direção do extensor norte, aliada à
espaço, uma dinâmica de apropriação e uso do solo urbano
nitidamente marcada pela tensão centro-periferia.
Destarte, embora a periferia urbana tenha se ampliado,
mantendo sua conformação no extremo sul do perímetro
urbano (cuja funcionalidade justifica-se na medida em que
a zona de expansão norte produz a valorização da área
centro-sul, cujo enobrecimento demanda crescentemente
a proximidade de mão-de-obra de serviços gerais) e avançando sobre a zona de expansão norte, a centralidade do
centro tradicional (que pouco avançou nas últimas quatro
décadas para fora da área do centro histórico)6 mantevese inalterada.
Essa leitura é amplamente endossada pela análise da
evolução da abertura de loteamentos no espaço intra-urbano de Votuporanga, desde os primórdios de sua formação urbana, onde se nota, claramente, o aumento no número de loteamentos (mormente voltados para as camadas
populares) abertos na década de 80, especialmente na zona
de expansão norte.
Nesse contexto, a partir do centro tradicional, a área
da cidade que recebeu os maiores investimentos imobiliários entre as décadas de 50 e 60 foi a porção oeste, donde
destacamos os loteamentos Vila América (1956), Loteamento Albino Zan (1961), Loteamento Santa Elisa (1959),
Chácara da Aviação (1959), Recanto dos Esportes (1959),
Jardim Santo Antônio (1965), Vila Guerche (1966), Chácara das Paineiras (1966), Jardim Paraíso (1967), entre outros.
Conformando uma expansão radial, em direção ao sul
do perímetro urbano, foram abertos inúmeros loteamentos
na porção mais meridional do município, primeiramente
no entorno do bairro da Estação (1950), alongando-se no
sentido leste-oeste, donde destacamos: Bairro São João
(1952), Parque Guarani (1966), Jardim Umuarama (1967),
Chácara Vera (1967), Cecap I (1968), Parque Roselândia
(1968), Jardim Progresso (1974), Jardim Santos Dumont
(1978), e outros.
Finalmente, a zona de expansão norte configura-se,
entre o fim dos anos 70 e o curso da década de 80, a partir
da abertura dos primeiros parques industriais (1978/79),
carreando um sem-número de loteamentos populares que
adensam e ampliam o perímetro urbano efetivamente ocupado na franja norte: Bairro Pozzobon (1978), Loteamento
São Vicente de Paulo (1978), Parque Rio Vermelho
(1979), Cohab (1981), Parque Residencial Santa Amélia
(1983), Própovo (1988), Parque das Nações I e II (1988),
entre outros.
Essa ocupação marcadamente radial do perímetro urbano, primeiro no sentido centro-sul, com expansões a leste
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 110-120, jul./set. 2005
115
FABÍOLA RODRIGUES
necessidade de produção de novas localizações industriais,
bem como a expansão concomitante do centro tradicional, configuraram-se como forças determinantes na
estruturação do espaço intra-urbano de Votuporanga, entre as décadas de 80 e 90.
Nesse sentido, ainda, a desfuncionalização do I Distrito
Industrial (assediado pela crescente proximidade com o
centro expandido), bem como as inúmeras transformações
no regime de acumulação da indústria votuporanguense
(destacadamente a moveleira), mormente a partir de meados da década de 90, estabelecem novas injunções no desenho urbano, alterando rapidamente a paisagem urbana,
(re)criando lugares de valor e lugares marginais na contínua produção da cidade do trabalho e da vida cotidiana.
A Velha Dualidade Centro-Periferia: Mobilidade
Socioespacial e Pobreza
A década de 90 marca um momento determinante de
modernização e ampliação de abrangência para a indústria moveleira de Votuporanga: influenciada fortemente
pela ascendência do Sebrae sobre o Poder Público Municipal local e a entidade representativa regional dos industriais (Associação Industrial da Região de Votuporanga –
Airvo), inicia-se em 1994 um vigoroso programa 8 de
modernização tecnológica e reestruturação organizacional
da indústria moveleira local, até então expressiva em número de fabricantes, mas relativamente obsoleta e com
pífia participação no mercado nacional de móveis
(RODRIGUES, 2005).
Nesse sentido, a implantação do pólo de modernização da indústria moveleira configura-se como marco da
célere modernização da indústria votuporanguense – o que
gerou significativos impactos nos níveis de incorporação
tecnológica, no volume da produção e na amplitude dos
mercados alcançados pela indústria moveleira local.
Por outro lado, quando a indústria moveleira “hibridiza”
seus processos produtivos, introduzindo inovações técnicas capazes de substituir o trabalho humano – sobretudo
aquele mais braçal, de menor qualificação – essa adequação às novas exigências de qualidade e produtividade obsoletizam uma mão-de-obra particularmente
sensível a essas transformações – ou seja, a dos trabalhadores de baixa qualificação, cujas chances de
reinserção no mercado de trabalho formal vão diminuindo
cada vez mais.
Na verdade, todo o sucateamento da força de trabalho
da população de baixa qualificação traduz-se em desesta-
bilização das condições de reprodução física e social das
camadas populares, cujo empobrecimento (decorrente da
precarização do emprego) os obriga a buscar cada vez mais
longe as alternativas possíveis de sobrevivência na cidade.
O contínuo deslocamento dos pobres, impulsionado
pelas constantes pressões do capital imobiliário, vai esvaziando os loci já constituídos de moradia popular que,
valorizados (na medida em que avançam os serviços e se
distanciam os pobres), são crescentemente assediados pelas
camadas médias.
No município de Votuporanga, essa conjunção entre
modernização tecnológica da indústria, achatamento dos
salários e precarização das condições de vida da população trabalhadora é reforçada por um padrão de estruturação
urbana assumido com a configuração dos primeiros distritos industriais, no final dos anos 70, que nitidamente
disjunge a cidade a partir de uma tensão capital/trabalho, que
conforma um centro no singular, e periferias, no plural.
Isso significa dizer que o desenho urbano de Votuporanga vem sendo orientado, desde os anos 80 até o presente, especialmente pela lógica de reprodução do capital
industrial: o grande vazio urbano da área norte do município foi sendo ocupado, desde o final dos anos 70, pela
população operária, de modo a se constituir, naquela porção da cidade, uma importante aglomeração residencial
das camadas populares.
Com o adensamento da malha nas décadas seguintes, e
com a expansão física do centro tradicional (VILLAÇA,
2001) na direção do extensor norte houve uma paulatina
valorização imobiliária das áreas mais próximas do centro expandido, delineando uma discreta alteração no perfil socioeconômico dos moradores da área – especialmente
daqueles dos bairros mais antigos, que contavam com uma
infra-estrutura urbana de melhor qualidade.
Essa valorização das áreas residenciais localizadas entre
as franjas do centro expandido e o entorno do I Distrito
Industrial operou uma intensa mobilidade populacional no
espaço intra-urbano, com notável expulsão dos mais pobres para loteamentos mais distantes, em localizações
menos privilegiadas – e, não raro, em espaços clandestinos de moradia.
Efetivamente, como demonstra o Mapa 2, a malha
centro-sul é a mais antiga e já está consolidada, além de
dispor de melhor infra-estrutura urbana, expressa pelo maior
número de loteamentos. Apesar disso, as maiores densidades demográficas, especialmente dos mais pobres,
estavam localizadas, em 2000, na zona de expansão norte.
Com sua constituição mais recente e contando com infra-
116
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 110-120, jul./set. 2005
POPULAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO URBANA NO (NOR)OESTE PAULISTA: ...
estrutura, equipamentos e serviços urbanos disponíveis
em menor quantidade, ainda assim, de forma muito assistemática, essa área abrangia, basicamente, os bairros mais
próximos ao I Distrito Industrial – cuja valorização tem
atraído crescentes parcelas das camadas médias.
Assim, na espacialização da população de Votuporanga em 2000, pode-se enxergar uma nítida disjunção
entre as localizações centrais do capital e as localizações
periféricas das camadas populares (no extremo sul e na
zona de expansão, no extremo norte) – o que reflete a
existência de disputas de classe pelo domínio do espaço
intra-urbano.
Nesse contexto, o nítido crescimento das favelas em
Votuporanga,9 especialmente na década de 2000, sinaliza muito claramente a diminuição da qualidade de vida
da população trabalhadora, resultado, em certa medida,
do processo de reestruturação produtiva que alterou sen-
sivelmente a estrutura organizacional e ocupacional da indústria de transformação, destacadamente a da moveleira,
outrora com grande capacidade de absorção de mão-deobra, especialmente aquela de baixa qualificação.
As transformações recentes na estrutura produtiva da
indústria, com o conseqüente enxugamento organizacional
e redução das plantas produtivas redundou em aumento do
desemprego e depreciação da renda do trabalhador.
Desse modo, a capacidade de pagamento da habitação,
pelas camadas operárias, reduziu-se, significativamente, o
que redundou, para muitas famílias, na busca de outras
soluções habitacionais possíveis (inclusive a favela) ou no
deslocamento para áreas em que o custo da habitação fosse compatível com o poder aquisitivo dessas famílias.
De fato, nesse contexto de precarização das condições
de vida das camadas populares, houve uma intensificação
dos deslocamentos intra-urbanos, fruto da necessidade de
MAPA 2
Distribuição Espacial da População, por Níveis de Densidade Demográfica, segundo Loteamentos de Residência
Município de Votuporanga – 2000
Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento, Habitação e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Votuporanga.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 110-120, jul./set. 2005
117
FABÍOLA RODRIGUES
reequacionar o orçamento familiar com os custos da habitação.
Efetivamente, a multiplicidade de deslocamentos intraurbanos identificados dentre a população das camadas mais
empobrecidas10 é bastante reveladora da inacessibilidade
da cidade a essa população que, a despeito de engendrar
sua riqueza, não pode dela se apropriar, estando permanentemente empurrada para a margem – do espaço, do consumo e da cidadania.
Isso significa dizer que a trajetória residencial da
empobrecida classe trabalhadora, marcada por múltiplos
e sucessivos deslocamentos, permite-nos enxergar como
a produção social do espaço urbano é perpassada pela luta
de classes e, mais do que isso, como o espaço, enquanto
produto do trabalho social (RODRIGUES, 1994), é apropriado diferencialmente pelas distintas camadas sociais,
revelando que, a despeito de despenderem esforços para
sua produção, os pobres usufruem parcelas muito diminutas (e no mais das vezes desprestigiadas) do espaço socialmente produzido.
A Tabela 4 nos permite, ainda, visualizar a enorme
concentração de renda no município de Votuporanga, exatamente da perspectiva da localização espacial das classes sociais: assim, enquanto no Patrimônio Velho
(loteamento incrustado no core do centro tradicional), os
chefes de domicílio percebem uma renda média mensal
de R$ 6.504,01, na Favela PróPovo (incrustada na zona
de expansão norte), os chefes percebem uma renda média
mensal de R$ 127,82. Ou seja: a diferença de renda que
separa os chefes do Patrimônio Velho dos chefes do
PróPovo é da ordem de 50,82 vezes.
Deve-se observar, ainda, que todos os cinco loteamentos
que concentram a população de maior renda em Votuporanga, estão localizados na zona central da cidade, enquanto a população mais pobre acha-se espraiada em
loteamentos nos pontos mais distantes e de pior acessibilidade no espaço intra-urbano.
Efetivamente, em Votuporanga, a enorme concentração
de renda aliada às crescentes dificuldades de inserção dos
trabalhadores no mercado formal de trabalho – com a
conseqüente precarização das condições de vida das
famílias operárias – vai pouco a pouco transformando a
cidade no não lugar para significativas parcelas da
população que apresentam notáveis dificuldades em fixarse no espaço urbano e até mesmo garantir as condições
necessárias para sua reprodução física e social.
De fato, as recentes transformações em curso na economia votuporanguense (especialmente a reestruturação
TABELA 4
Renda Média Nominal Mensal do Chefe de Domicílio, segundo Principais
Áreas de Loteamentos Urbanos
Votuporanga – 2000
Áreas de Loteamento
Votuporanga (Total)
Favela Própovo
Patrimônio Velho
Renda Média
(R$)
Localização
do Loteamento
807,2
-
127,82
Norte
6.501,04
Centro
Jardim Santos Dumont
211,57
Sudoeste
São Cosme
254,43
Leste
São Damião
234,04
Leste
Santa Luzia
1212,9
Centro
Patrimônio Novo
3.730,68
Centro
Jardim Marin
1.235,22
Centro-Leste
Vila Marin
4504,3
Centro
Favela Ipiranga
215,31
Sul
Fonte: Prefeitura Municipal de Votuporanga. Sistema de Informações Georreferenciadas (SIG);
IBGE. Censo Demográfico 2000 (Setores censitários).
produtiva do setor moveleiro) aliadas a um déficit
habitacional histórico 11 – produto de relações desabonadoras entre o Poder Público e o capital imobiliário –
intensificaram nos primeiros anos da década de 2000 um
padrão de produção social do espaço marcado por inúmeras desigualdades na apropriação e uso dos recursos físicos e simbólicos do espaço urbano.
Destarte, esse contexto local de acelerada obsoletização
da força de trabalho, concomitante com a interinidade da
localização residencial das famílias mais empobrecidas,
permite-nos algumas comparações com os grandes processos em curso de periferização, empobrecimento e
precarização das condições de vida da população nas grandes aglomerações urbanas brasileiras.
De fato, a análise dos deslocamentos populacionais
intra-urbanos em Votuporanga na sua relação com a
estruturação urbana pontuou que a segregação socioespacial, a extrema concentração de renda (que se reflete na
capacidade diferencial de apropriação do espaço) e a
periferização das camadas populares não são privilégios
das metrópoles, na rede urbana brasileira. Esses processos também ocorrem – de formas diferenciadas e com intensidades e nuances particulares – em cidades médias,
de constituição recente, mas onde, igualmente, os interesses do capital privado sobrepõe-se permanentemente aos
interesses coletivos, comprometendo significativamente o
acesso universal à cidade.
118
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POPULAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO URBANA NO (NOR)OESTE PAULISTA: ...
tuindo-se uma das áreas mais importantes (ao lado da RA de Araçatuba)
da porção norte-ocidental da malha paulista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
2. Essa hipótese baseia-se na análise dos dados da Relação Anual de
Informações Sociais – Rais de 2001/2002 relativos à indústria moveleira
de Votuporanga e Valentim Gentil.
A problemática dos deslocamentos populacionais intraurbanos parece ter sido tratada de forma pouco atenciosa
pelos estudiosos de migração. Entretanto, a relevância
demográfica dos deslocamentos intra-urbanos (que tende
a ser negligenciada em um contexto de crescente facilitação das comunicações e encurtamento das distâncias pela
maior disponibilidade e barateamento dos transportes)
reside na sua força enquanto fenômeno social: quando as
pessoas se deslocam no espaço intra-urbano, seu movimento não é um riscado sem ordem; o mapeamento e a
espacialização dos fluxos e deslocamentos populacionais
permite enxergar, nitidamente, mesmo no urbano pequeno, que são as classes sociais que estruturam o espaço.
Mas afinal de contas, por que nos importa a afinidade
eletiva dos deslocamentos intra-urbanos e a estruturação
do espaço? A resposta a essa questão é complexa e não se
esgota em um estudo de caso – que, de forma geral, procurou evidenciar a emergência de um perverso padrão de
estruturação urbana, a partir da sua relação com a mobilidade intra-urbana da população e o seu crescente empobrecimento, decorrente das inúmeras transformações nos
níveis de emprego da indústria local, revelando que a
periferização das camadas populares e a segregação sócio-espacial das camadas de alta renda também são processos presentes nas pequenas e médias cidades paulistas.
Na verdade, o desafio que nos é lançado pela questão
da afinidade eletiva entre os deslocamentos intra-urbanos
e a estruturação urbana é a renitente problemática relativa às razões pelas quais as pessoas migram. E a resposta
tão pungente, que parece emergir dos estudos de migração – abranjam estes longas distâncias, curtas distâncias
ou pequeníssimas distâncias intra-urbanas – é que todos
parecem revelar o profundo paradoxo entre a crescente
urbanização da população paulista e brasileira e o forte
recrudescimento, em tempos de globalização, da espoliação urbana. E é essa espoliação que torna as cidades meras
abstrações simbólicas, nas quais o pertencimento, a sociabilidade e os laços de solidariedade, apoio e afinidade são
apenas um brevíssimo vislumbre, num universo em que não
existem utopias e a itinerância é uma condenação.
3. A respeito da temática da reestruturação produtiva no Brasil na década de 90, veja-se especialmente: Ferreira (1997) e Suzigan (2004),
dentre outros.
4. O Plamivo, sancionado pelo prefeito Hernani de Mattos Nabuco,
em 1970, constituía-se basicamente em um plano de incentivos fiscais
com vistas a subsidiar a industrialização de Votuporanga. As diretrizes e incentivos do Plamivo foram determinantes para a conformação
dos primeiros distritos industriais em Votuporanga, bem como para a
conformação do tecido urbano nas décadas subseqüentes.
5. A zona de expansão norte refere-se à área surgida no entorno do
Pólo Comercial e Industrial (1979), I Distrito Industrial (1978) e do
Loteamento Residencial Pozzobon (1978) (ver Mapa 1).
6. Sobre a relação entre classes sociais e estruturação urbana veja-se,
dentre outros, Lefebvre (1974), Kowarick, (1983); Santos (1979; 1996;
2000) e Villaça (2001).
7 A distinção entre centro tradicional e centro histórico é postulada
por Villaça (2001): na concepção do autor o que define uma centralidade
é a sua capacidade de otimizar os custos de deslocamento e maximizar
as condições de acessibilidade; assim, o centro tradicional é aquele
que dentro da malha urbana representa o ponto que permite a máxima
acessibilidade e a maior economia de tempo de deslocamento no espaço intra-urbano, em um dado momento no tempo. Já o centro histórico
diz respeito à área de constituição mais remota que no espaço intraurbano assumiu o papel de centro tradicional. Desse modo, o centro
histórico pode ou não coincidir com o centro tradicional recente de
uma cidade, dependendo das características históricas de sua evolução urbana.
8. Refere-se ao projeto de Pólos de Modernização do Estado de São
Paulo, fruto de uma pareceria Sebrae/FIA-USP (FERREIRA, 1997;
SUZIGAN, 2004).
9. A taxa geométrica de crescimento das favelas de Votuporanga, entre 1996 e 2001, foi de 6,58% ao ano (calculado a partir dos dados da
Secretaria Municipal de Planejamento – Sempla, 2002) enquanto a taxa
geométrica de crescimento da população do município entre 1991-2000
foi de 1,8% ao ano (FUNDAÇÃO SEADE, 2004).
10. Para a dissertação de mestrado (RODRIGUES, 2005) da qual esse
artigo é produto, foram entrevistadas 20 pessoas, dentre trabalhadores
e ex-trabalhadores da indústria moveleira, residentes em favelas ou
bolsões de pobreza. Das entrevistas foi possível constatar que, em
média, os trabalhadores residentes em loteamentos regulares haviam
realizado, até o momento da pesquisa, em torno de dois deslocamentos
residenciais no município, enquanto aqueles residentes em favelas
haviam realizado, em média, quatro deslocamentos, o que parece
confirmar a maior instabilidade da habitação para a população mais
empobrecida.
11. De acordo com informações da Sempla, de Votuporanga, o déficit
habitacional, em 2004, era de aproximadamente 2.500 unidades
habitacionais, abrangendo cerca de 10% da população do município
(cf. RODRIGUES, 2005, especialmente cap. 3).
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1. A Região Administrativa (RA) de São José do Rio Preto, que engloba o município de Votuporanga, compõe-se de 81 municípios, consti-
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FABÍOLA RODRIGUES: Mestre em Demografia pela IFCH/NEPO/Unicamp
([email protected]).
Artigo recebido em 25 de abril de 2005.
Aprovado em 5 de setembro de 2005.
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 110-120, jul./set. 2005
PROPOSTA PARA A INSERÇÃO DA VARIÁVEL MIGRAÇÃO EM SISTEMAS ...
PROPOSTA PARA A INSERÇÃO DA
VARIÁVEL MIGRAÇÃO EM SISTEMAS DE
INDICADORES MUNICIPAIS
DUVAL FERNANDES
IDAMILA RENATA PIRES VASCONCELLOS
Resumo: A utilização de dados populacionais em sistemas de informações municipais não é recente. Tendo
por base esses sistemas, a proposta deste trabalho é sugerir indicadores que possam ter em conta aspectos do
movimento migratório nos municípios. As variáveis escolhidas são levantadas nos Censos de 1991 e 2000, no
quesito “migração de data fixa” relativa aos últimos cinco anos – o que permite identificar o município de
origem e destino do migrante.
Palavras-chave: Migração. Fonte de dados. Sistema de informações.
Abstract: The use of population data in systems of municipal information is not recent. The proposal of this
paper is to suggest, considering these systems, indicators that can have in account aspects of the migratory
movement. The chosen variables are raised in the Censuses of 1991 and 2000, using data fix migration
informations that allow to identify the origin and destination of the migrant.
Key words: Migration. Data base. Information system.
A
formações que tratam de riscos e vulnerabilidade de grupos populacionais específicos.
Se, de um lado, algumas variáveis populacionais são
amplamente empregadas, por outro, o componente migratório é relegado a um segundo plano. Quando se trata do
desenho de cenários relacionados a questões sociais, há
um tácito reconhecimento da importância da imigração.
Algumas vezes, o movimento migratório é indicado, de
forma equivocada, como sendo o responsável por problemas sociais, no local de destino, e pela estagnação econômica, na origem.
Todos os gestores públicos reconhecem a importância
da análise de fatores de atração e expulsão da população,
assim como a necessidade de avaliar, no âmbito do planejamento, os impactos de um aumento ou diminuição do
número de habitantes em determinado município ou região.
utilização de dados populacionais em sistemas
de informações municipais não é recente. Na
maioria dos casos, o número de habitantes ou de
subgrupos populacionais, por exemplo, definidos por sexo
e idade, são as variáveis demográficas mais utilizadas. Associados a outros dados, servem de base para o cálculo de
indicadores como “densidade demográfica”, “taxa de alfabetização”, etc.
Indicadores mais elaborados, como a “esperança de vida
ao nascer” e “mortalidade infantil” (ou “mortalidade na
infância”), são também encontrados, mas, apesar de utilizarem dados populacionais, requerem técnicas mais sofisticadas de cálculo e definição de hipóteses sobre o comportamento dos componentes da dinâmica demográfica.
Na área da saúde, além desses dois indicadores, vários
outros são calculados e apresentados em sistemas de in-
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DUVAL FERNANDES / IDAMILA RENATA PIRES VASCONCELLOS
Apesar da sua importância, é raro encontrar dados sobre a migração nos sistemas de informações municipais.
Essa lacuna pode ser explicada pela falta de dados
confiáveis que permitam traçar o quadro das trocas municipais com a necessária periodicidade. Essas informações
são disponíveis por meio dos censos – isto é, de dez em
dez anos, ou em períodos mais curtos, por conta da contagem intercensitária – mas com dados limitados. Se o interesse está voltado para as Unidades da Federação ou Regiões Metropolitanas, é possível, por meio da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, ter o quadro de dados em períodos de tempo mais curtos. Outras
fontes, como os registros administrativos, também contêm dados sobre a migração, mas são restritos à população-alvo dos registros e, em alguns casos, pouco confiáveis.
A realização da II Conferência das Nações Unidas para
os Assentamentos Humanos – Habitat-II, em Istambul, em
1996, representou um importante momento para a construção de indicadores relacionados ao desenvolvimento
local. O Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos propôs aos países participantes a construção de 30 indicadores-chave e um conjunto de nove
indicadores qualitativos,1 que relacionavam as diversas
funções exercidas no meio urbano. No Brasil, quatro cidades foram selecionadas para a elaboração do quadro de
indicadores, a saber: Brasília, Rio de Janeiro, Curitiba e
Recife. Essa iniciativa tinha o propósito de incentivar as
administrações locais ao uso de indicadores para o planejamento da ação pública, como também de permitir a comparação entre cidades no ambiente internacional.
Mesmo com algumas resistências, a proposta de incorporação de indicadores no planejamento urbano prosperou na área governamental. Seguindo algumas experiências bem sucedidas no âmbito municipal e estadual, a
criação de um sistema de informações passou a ser considerada no Plano Plurianual de Investimentos – PPA (período 2000/2003) no rol dos programas afetos à Secretaria do Desenvolvimento Urbano da Presidência da
República – Sedu/PR. Assim, o Programa de Gestão da
Política de Desenvolvimento Urbano passa a incluir a criação de dois sistemas complementares de informações: o
Sistema Nacional de Indicadores Urbanos – SNIU, cujo
protótipo está disponível, com acesso via Internet, e o
Sistema de Monitoramento e Avaliação de Programas e
Projetos – SMAPP.
O SNIU, na versão atual,2 contempla 744 variáveis e
indicadores divididos em quatro campos temáticos: ges-
tão urbana, habitação, saneamento e transportes urbanos.
Além desses campos, há informações sobre a dinâmica
demográfica da população municipal que são disponibilizadas em um campo temático especial.
Tendo por base sistemas de informações municipais
semelhantes ao SNIU, a proposta deste trabalho é sugerir
um grupo de indicadores que levem em conta alguns aspectos do movimento migratório nos municípios. A proposta aqui esboçada não exaure as possibilidades do uso
das informações censitárias para a definição de um quadro amplo sobre o processo migratório nos municípios
brasileiros. O que vai pautar este trabalho é a necessidade
de gerar informações para o grupo de municípios incorporados ao sistema e que, por razões técnicas, possam ser
consideradas metodologicamente confiáveis e de fácil levantamento.
A primeira parte do texto trata da avaliação das possíveis fontes de informação para o conhecimento do processo migratório. Em seguida, são discutidas as principais
técnicas para o uso das informações das fontes indicadas
e é apresentado um quadro que sugere as variáveis que
poderão ser levantadas, assim como os indicadores resultantes para inserção no sistema e a ilustração sobre o uso
de alguns indicadores.
UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES
SOBRE MIGRAÇÃO
Segundo Pressat (1976), define-se “migração” como o
fenômeno demográfico caracterizado pelo deslocamento
de um indivíduo do seu local de residência para um novo
local. O Manual IV das Nações Unidas (1972, p. 2) define a migração como
un traslado de una zona definitoria de la migración a otra
(o traslado a una distancia mínima especificada) se ha hecho
durante un intervalo de migración determinado y que ha
implicado un cambio de residencia.
Essas definições têm como característica comum a visão do deslocamento de um local de residência e referemse a movimentos de caráter permanente. No entanto, admitem também outros tipos de deslocamentos não
migratórios. Por exemplo, aqueles que ocorrem entre o
local de trabalho e a residência – chamado de “movimento pendular” – que são de capital importância para o planejamento urbano.
Tendo em conta a definição mais restrita de “deslocamentos permanentes”, qualquer fonte que forneça infor-
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PROPOSTA PARA A INSERÇÃO DA VARIÁVEL MIGRAÇÃO EM SISTEMAS ...
mações sobre o local de residência anterior e atual pode
ser considerada para o estudo da migração – como registros administrativos e pesquisas censitárias, por exemplo.
No caso do movimento pendular, devem ser consideradas
as informações sobre os deslocamentos temporários, como
“ida ao trabalho”, e, assim, dependendo da disponibilidade de dados que envolvam o tempo despendido nos percursos e outras características, é possível realizar análises mais detalhadas.
questão sobre a procedência, para saber se o domicílio
anterior era localizado na região urbana ou rural. Em relação ao “tempo de residência sem interrupção”, foram
incluídas algumas perguntas sobre o município e a UF – o
que permitiu observar a migração intra-estadual. Uma
novidade introduzida em 1970 foi a pergunta relativa ao
município em que o entrevistado trabalhava ou estudava.
É importante notar, segundo lembra Martine (1984),
que a ampla utilização das informações sobre migração
no Censo Demográfico de 1970 levou a propostas de importantes avanços no questionário do novo levantamento
em 1980. Apesar das restrições financeiras, os quesitos
relativos à migração foram dirigidos tanto aos naturais
quanto aos não-naturais dos municípios, e outras duas
modificações importantes foram introduzidas:
- pergunta específica em relação à migração intramunicipal;
Fontes de Informação
Censos Demográficos – Segundo Martine (1984), foi no
Censo Demográfico de 1940 que, pela primeira vez, foram
levantadas informações sobre a migração interna. Foram
incluídas algumas indagações sobre a Unidade da Federação
– UF de nascimento e a de residência de todos os recenseados. Dessa forma, definiu-se o migrante como “aquele
que residia em uma UF diversa daquela de seu nascimento”.
Para os estrangeiros ou brasileiros naturalizados, foi
pesquisado o ano em que fixou residência no Brasil.
No Censo Demográfico de 1950, foram feitas as mesmas questões sobre nascimento e residência. Segundo
Martine (1984), comparando-se os resultados com aqueles obtidos no levantamento precedente, é possível estimar a migração líquida do período para cada UF. No entanto, em 1950 não foi perguntado para os estrangeiros e
brasileiros naturalizados qual tinha sido o “ano de entrada no país”.
Em 1960, além das perguntas sobre a UF de residência
atual e a de nascimento, o conjunto de questões relativas
à migração ampliou-se. As indagações visavam a saber se
o indivíduo era natural do município de residência – o que
permitia estimar, para cada município, a migração acumulada de não-naturais. As informações dos levantamentos anteriores recuperavam dois pontos no tempo – a UF
de nascimento e a de residência atual. O Censo de 1960
indagou aos não-naturais dos municípios qual era a UF
onde se localizava o município de residência anterior – o
que permitiu recuperar um segmento a mais do processo
migratório dos indivíduos. Outra inovação foi perguntar
aos não-naturais sobre o tempo de moradia no atual município de residência. Apesar das inovações, os resultados não foram animadores em termos da utilização das
informações, uma vez que, por diversos problemas, a publicação completa dos dados tardou décadas.
Em 1970, foram repetidos os mesmos quesitos utilizados no Censo de 1960. Além disso, foi acrescentada uma
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- questão dirigida a todos os migrantes com menos de 10
anos de residência, sobre o nome do seu município de
procedência. A questão relativa ao município de trabalho
e estudo foi mantida.
Em termos de avanço para o estudo da migração, houve uma inovação muito importante no Censo de 1991: a
incorporação do quesito que indaga o local de residência
cinco anos antes3 (data fixa) da data de realização do censo. Essa questão, combinada com os quesitos relativos ao
“tempo de residência” e “lugar de residência imediatamente anterior”, gerou um quadro de informações sobre migração encontrado somente em censos de alguns poucos
países. Vale notar que, apesar dos avanços, o quesito que
indagava sobre o “local de estudo ou trabalho” foi suprimido.
A Contagem da População, de 1996, apesar do questionário simplificado, incluiu dois quesitos sobre migração.
Um indagava se a pessoa residia no município em 1/9/1991,
isto é, na data de referência daquele Censo, e outro perguntava em qual UF residia naquela data. É interessante
notar que a questão está, em princípio, referindo-se a cinco
anos antes da data de referência da Contagem, realizada
em 1/8/1996.
O Censo de 2000 utilizou 13 quesitos para o estudo da
migração. Por conta de restrições financeiras, foram incluídas algumas modificações: dentre elas, a retirada da
identificação do “município de residência imediatamente
anterior”, que ficou restrita à “UF” e “país estrangeiro”.
Foram mantidos os quesitos relativos à migração de data
fixa, relacionada a cinco anos antes da data do censo. A
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DUVAL FERNANDES / IDAMILA RENATA PIRES VASCONCELLOS
questão sobre o “município onde o entrevistado trabalha
ou estuda” foi reintroduzida.
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Segundo Hakkert (1996), o primeiro levantamento da PNAD
ocorreu no segundo trimestre de 1967. Inicialmente como
pesquisa trimestral, a PNAD tinha por objetivo a coleta
de informações socioeconômicas básicas para todo o país,
à exceção das Regiões Norte e Centro-Oeste. No Distrito
Federal, as informações eram levantadas uma vez por ano.
Em 1972, a PNAD passou a ser anual; e, em 1973, foram
incluídas na amostra a Região Norte (apenas as áreas urbanas) e a Região Centro-Oeste. Naquele ano, a pesquisa
levantou informações em 90.629 domicílios. Após um período de interrupção, o questionário básico da pesquisa
foi uniformizado em 1976, incluindo informações sobre
os membros do domicílio, ocupação, renda e instrução.
Com a exceção de 1979, também se investigou sistematicamente a fecundidade das mulheres de 15 anos e mais.
Além do questionário básico, a PNAD contém um suplemento, cujo conteúdo varia anualmente, para permitir análise de assuntos específicos. Na PNAD de 2001, por exemplo, foram pesquisados 126.858 domicílios e foi agregado
ao questionário básico o suplemento sobre o trabalho das
crianças e adolescentes de 5 a 17 anos.
A partir de 1992 foram incluídos na PNAD quesitos
sobre migração. Atualmente são encontradas 12 questões
relacionadas à migração no questionário básico. Isso permite, entre outros pontos, identificar a UF de naturalidade do migrante, a UF de residência anterior e a UF de residência cinco anos antes da data do levantamento. Dessa
forma, diferentemente dos resultados do Censo, não é possível identificar o município de origem do migrante e as
analises ficam restritas às UFs. Segundo Cunha (2002),
podem ser citadas três limitações ao uso da PNAD para
estudos sobre a migração, a saber:
- o tamanho e o nível de representatividade da amostra
não permite conhecer a realidade migratória dos municípios e das regiões dentro dos estados, com exceção de
algumas regiões metropolitanas;
- a falta de coleta de informações da área rural da Região
Norte compromete a comparação entre as UFs;
- a expansão da amostra é feita com base em projeções
demográficas – o que pode levar a imprecisões das estimativas.
No entanto, é importante salientar que, apesar dessas
limitações, a PNAD é um importante instrumento para o
acompanhamento da evolução dos componentes da dinâmica populacional – aí incluída a migração, por conta da
sua periodicidade anual. Torna-se, pois, uma fonte fundamental para o acompanhamento das tendências migratórias, apesar das limitações impostas pelo tamanho da
amostra e pelo número reduzido dos quesitos.
Outras Fontes – Qualquer coleta de informação – seja
uma pesquisa de campo pontual, sejam levantamentos contínuos – pode ser utilizada para obtenção de dados sobre
migração. No entanto, deve-se ter em conta, nas análises
dos resultados obtidos, os limites metodológicos de cada
enquete e as possibilidades de comparação.
Dentre as pesquisas pontuais, podem ser destacadas
aquelas que levantam informações sobre o mercado de
trabalho, em especial a Pesquisa Mensal de Emprego –
PME do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE e a Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED do
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos – Dieese e Fundação Seade. Nesses dois
levantamentos, são incluídas questões que permitem avaliar a migração na área de abrangência das pesquisas. No
entanto, por conta do tamanho da amostra e da área de
cobertura,4 o uso dessas informações é muito restrito em
termos espaciais.
Apesar do pouco uso da informação sobre migração
coletada em registros administrativos, possivelmente no
futuro essas fontes de dados contínuos poderão ter um
amplo emprego para o acompanhamento do fluxo migratório, inter e intra-urbano. Nesse grupo, destacam-se os
registros da Relação Anual de Informações Sociais – Rais,
que contêm informações detalhadas sobre o mercado formal de trabalho. Como é um levantamento do universo,
não haveria problema em utilizá-lo em termos de abrangência espacial. Por outro lado, as estimativas ficariam
comprometidas por conta da cobertura e qualidade da informação, além de se tratar de registros sobre o mercado
formal de trabalho – o que exclui grande parcela dos trabalhadores brasileiros.
Outra fonte utilizada para trabalhos relacionados à
migração são os dados coletados pelo Ministério da Saúde através do Sistema de Mortalidade – SIM, Sistema de
Nascidos Vivos – Sinasc e os registros da Autorização de
Internação Hospitalar – AIH. A limitação no emprego
desses dados fica por conta da qualidade da informação,
da cobertura e da abrangência do universo captado. Alguns trabalhos, ainda embrionários, utilizando essas bases avaliam o impacto do fenômeno migratório sobre a
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 121-132, jul./set. 2005
PROPOSTA PARA A INSERÇÃO DA VARIÁVEL MIGRAÇÃO EM SISTEMAS ...
censo. Além dos aspectos relacionados à migração interna, a migração internacional vem merecendo destaque por conta de sua importância no quadro nacional e
em algumas regiões.
Segundo Rigotti (1999), o “lugar de nascimento” é a
variável mais fácil de ser encontrada nos censos e permite classificar o informante como “migrante” ou “nãomigrante” – dependendo se nasceu, respectivamente, em
município diferente daquele onde responde ao recenseamento ou se nasceu no local de coleta. A desvantagem do
uso dessa informação é que o resultado obtido indica somente se as pessoas residem em município diverso daquele
de nascimento, mas não trata nem do momento em que
ocorreu a migração, no caso dos migrantes, nem se houve
alguma etapa migratória cumprida pelos naturais – o que
os transformaria em “imigrantes de retorno”.
Com outras variáveis como “local de nascimento”, o
item “duração de residência” permite avançar nas análises e captar o “imigrante de retorno”: uma pessoa que
nasceu no município onde está sendo entrevistada, mas
que residiu fora por algum tempo. Nesse caso, o tempo de
residência deverá ser menor do que a idade declarada e
os não-migrantes deverão ter a idade equivalente ao tempo de residência.
O lugar da última residência permite identificar como
“migrante” aquele que em um momento qualquer, nos
últimos 10 anos a contar da data do censo, residiu em
um município diverso do de nascimento. Nesse caso, são
considerados “migrantes” todos os que já moraram fora
do local de nascimento, independentemente da data e do
tempo de residência. A falta de referência temporal indica
que, para melhor análise, é recomendável a combinação
desse quesito com a informação sobre a “duração de
residência”.
Dentre os quesitos de um censo relacionado à migração, o mais simples, do ponto de vista analítico, é o que
indaga sobre o “lugar de residência” em uma data fixa
anterior à realização do censo – usualmente cinco anos
antes. Nesse caso, o “migrante” é aquele que residia, cinco anos antes, em lugar diverso daquele em que está residindo. O “não-migrante” reside no mesmo local nas duas
datas consideradas. Deve-se notar que, dentre os “nãomigrantes”, estão incluídos aqueles que fizeram alguma
migração no período considerado que antecede ao censo,
mas que retornaram ao mesmo local de residência onde
moravam cinco anos antes do censo.
A grande vantagem desse quesito é que ele permite
calcular, para as pessoas com idade acima de cinco anos,
demanda por serviços de saúde. O principal objetivo é
conhecer a origem dos pacientes que buscam os serviços
públicos de saúde e, assim, contribuir para equacionar,
na medida do possível, o atendimento local.
A Escolha da Fonte de Informações
Várias fontes poderiam ser utilizadas para a construção de um quadro de indicadores sobre migração em um
sistema de informações municipais. No entanto, é importante considerar, primeiramente, que esses dados deverão
ter como base geográfica o município e, se possível, uma
periodicidade que garanta a observação da evolução do
processo migratório intra e inter municipal.
Em relação ao primeiro requisito, a fonte mais indicada, no momento, são os dados censitários, pois disponibilizam informações sobre entradas e saídas de
migrantes para todos os municípios brasileiros. Dessa
forma, é possível construir a “matriz cruzada municipal
de entradas e saídas”, que permitirá identificar áreas de
atração e expulsão. Ainda em relação ao aspecto geográfico, considerando-se a intensa modificação da base
municipal,5 o mais indicado seria utilizar as informações
mais recentes sobre a migração, isto é, os dados do Censo de 2000. Para determinar a evolução do processo migratório, sugere-se a incorporação das informações levantadas no Censo de 1991 ao quadro de variáveis. Nesse
particular, deve-se ter em mente que, para aproximadamente 20% dos municípios pesquisados em 2000, não
será possível fazer comparações com os resultados encontrados para 1991.
Caso as regiões metropolitanas venham a receber tratamento especial no sistema, o uso da PNAD poderá ser
considerado. Então, seria possível fazer um acompanhamento do processo imigratório interestadual ano a ano.
No entanto, devem ser consideradas as possíveis limitações metodológicas e de utilização dessas informações.6
VARIÁVEIS E INDICADORES
RELACIONADOS À MIGRAÇÃO PARA
INCLUSÃO NO SISTEMA
Desde o Censo de 1940, vários são os quesitos que
tratam da migração interna nos diversos recenseamentos realizados no Brasil. As questões mais comuns são:
se natural ou não do município; duração de residência;
lugar da última residência; e lugar de residência em uma
data no passado, usualmente cinco anos antes da data do
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 121-132, jul./set. 2005
125
DUVAL FERNANDES / IDAMILA RENATA PIRES VASCONCELLOS
as medidas convencionais de migração, como o saldo migratório que, segundo Magalhães (2003), deve ser considerado como “trocas líquidas migratórias”7 entre duas datas fixas.
Além desses quesitos, também há informações sobre a
mobilidade pendular,8 a partir da pergunta sobre o município onde o entrevistado trabalha ou estuda. Dessa forma, pode-se estabelecer o fluxo de pessoas cujos deslocamentos atendem a necessidades de trabalho ou estudo.
Independente da informação censitária considerada, o
ponto de capital importância é a necessidade de conceituar
o “migrante”, sempre considerando as restrições inerentes ao uso de cada tipo de variável (CARVALHO;
RIGOTTI, 1998). Para a mensuração do volume de
migrantes são empregadas técnicas indiretas ou diretas.
Segundo Carvalho (1982)
os métodos indiretos são mais empregados para o cálculo
do saldo migratório e a migração é estimada por resíduo,
ou seja, é a diferença, no segundo censo, entre a população
esperada e a efetivamente observada, supondo a ausência
de erros nas declarações de idade, perfeita cobertura censitária e uso de funções de mortalidade e fecundidade
adequadas.
Dessa forma, além da qualidade dos dados censitários,
é preciso ter o conhecimento da mortalidade e fecundidade
nas áreas em estudo.
No caso da mensuração direta, calcula-se o número de
migrantes de um determinado período, sua origem e destino e, de forma diversa da empregada no método indireto,
estima-se também o saldo migratório. Assim, dependendo
da informação considerada, o conceito de “migrante” varia. Por exemplo, se o estudo utiliza a informação sobre
“local de nascimento”, o migrante será definido como aquele
que reside, no momento do censo, em local diverso do de
nascimento. Se a variável utilizada trata do “local de últi-
ma residência”, o migrante será aquele que, em algum momento dentro do período analisado, morou fora do local de
nascimento, mesmo que a sua residência seja, no momento
do censo, a cidade onde nasceu.
Tendo em conta as limitações impostas pela disponibilidade de informações no nível municipal e a facilidade
do levantamento de dados para a aplicação da mensuração
direta da migração, sugere-se a utilização desta última para
a definição das variáveis a serem consideradas em um sistema que tenha por objetivo captar informações sobre a
migração municipal.
Variáveis Disponíveis nos Censos de 1991
e 2000 e Métodos
Considerando o propósito deste trabalho – que é a apresentação de sugestões para a inclusão da variável “migração” em um sistema de informações municipais – algumas restrições de ordem prática e metodológica devem
ser consideradas. Uma análise que envolvesse a comparação temporal entre o Censo de 1991 e o de 2000, esbarra na impossibilidade, para os fins propostos, de reconstruir a malha municipal de 1991 em 2000 e garantir a
comparabilidade das informações para todos os municípios. Deve-se considerar, ainda, que nem todos os quesitos presentes no levantamento de 1991 foram mantidos
em 2000. Assim, só é possível avaliar os dados comuns
aos dois censos. Outro aspecto a ser considerado é que só
as informações que contenham a referência municipal
poderão ser utilizadas, pois o objetivo é construir a matriz de “trocas” municipais. Dessa forma, dados relativos
apenas às UFs não serão levados em conta.
Nos Quadros 1 e 2 são apresentadas as questões que tratam da migração nos Censos Demográficos 1940 a 2000 e
na Contagem de 1996. Considerando para os Censos de 1991
e 2000 as informações em comum, tem-se que, para a variá-
QUADRO 1
Quadro de Indicadores Propostos por Município
Indicador
Taxa Líquida Migratória
– [número de emigrantes]
Composição
Numerador: [número de imigrantes (menos imigrantes internacionais)]
Denominador: população de 5 anos e mais
Taxa de Imigração
Numerador: [número de imigrantes (menos imigrantes internacionais)]
Denominador: população de 5 anos e mais
Taxa de Emigração
Numerador: número de emigrantes
Denominador: população de 5 anos e mais
126
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 121-132, jul./set. 2005
PROPOSTA PARA A INSERÇÃO DA VARIÁVEL MIGRAÇÃO EM SISTEMAS ...
QUADRO 2
Questões sobre Migração nos Censos Brasileiros e Contagem
Brasil – 1940-2000
Ano
Questões
1940
• Se o recenseado nasceu no Brasil, declarar o estado; se no estrangeiro, o país
• Nacionalidade: brasileiro nato? Naturalizado brasileiro? Se estrangeiro, de que nação?
• Se é estrangeiro ou brasileiro naturalizado, em que ano fixou residência no Brasil?
1950
• Onde nasceu (nome da UF ou país estrangeiro)?
• É brasileiro nato, naturalizado brasileiro, ou estrangeiro?
1960
• Unidade da Federação ou país estrangeiro de nascimento
• Nacionalidade (brasileiro nato, naturalizado brasileiro, estrangeiro)
• Somente para as pessoas que não nasceram neste município:
- Número de anos em que reside neste município (se anteriormente residia na zona rural marque também)
- Unidade da Federação ou país estrangeiro em que residia antes de mudar-se para este município
1970
• Nacionalidade (brasileiro nato, brasileiro naturalizado, estrangeiro)
• Unidade da Federação ou país estrangeiro de nascimento
• Nasceu neste município? (sim/não)
• Somente para as pessoas que responderam não no quesito 10 (anterior)
- Há quanto tempo mora nesta Unidade da Federação?
- Há quanto tempo mora neste município?
- Em que Unidade da Federação ou país estrangeiro residia antes de mudar para este município?
- Situação da residência no município onde morava anteriormente (cidade ou vila, povoado ou zona rural)
• Município onde trabalha ou estuda
1980
• Nacionalidade (brasileiro nato, brasileiro naturalizado, estrangeiro)
• Unidade da Federação ou país estrangeiro de residência
• Nasceu neste município? (sim/não)
• Neste município morou: só na zona rural, só na zona urbana, nas zonas urbana e rural
• No município onde residia anteriormente morava: na zona urbana, na zona rural, nasceu – quem sempre morou no município)
• Há quantos anos mora nesta Unidade da Federação?
• Há quantos anos mora neste município?
• Se no quesito 17 (anterior) respondeu menos de 10 anos, indique o nome do município e a sigla da Unidade da Federação ou
país estrangeiro em que morava antes
• Município em que trabalha ou estuda
1991
• Neste município morou: só na zona urbana, só na zona rural, nas zonas urbana e rural
• Se no quesito 12 (anterior) assinalou o retângulo 3 (nas zonas urbana e rural), indique a quantos anos se deu a última mudança.
• Nasceu neste município? (sim e sempre morou neste, sim mas já morou em outro, não nasceu)
• Se naturalizado brasileiro ou estrangeiro, indique o ano em que fixou residência no país
• Unidade da Federação ou país estrangeiro de nascimento
• Há quantos anos mora sem interrupção: nesta Unidade da Federação, neste município
• Para as pessoas com menos de 10 anos de moradia no município:
- Indique a sigla da UF e o nome do município ou país estrangeiro em que morava antes de mudar para este município
- Na localidade indicada no quesito 19 (anterior), residia: (na zona urbana, na zona rural)
• Os quesitos seguintes só serão preenchidos para as pessoas de 5 anos ou mais nascidos antes de 01/09/1986.
- Indique a sigla da UF e o nome do município ou país estrangeiro em que residia em 01/09/1986.
- Na localidade indicada no quesito 21 (anterior), antes de mudar, residia: (na zona urbana, na zona rural)
1996
• Em 01/09/91 residia neste município? (nasceu após a data, sim/não)
• Em que Unidade da Federação residia?
2000
• Mora neste município desde que nasceu? (sim/não)
• Há quanto tempo mora sem interrupção neste município?
• Nasceu neste município? (sim/não)
• Nasceu nesta Unidade da Federação? (sim/não)
• Qual é a sua nacionalidade? (brasileiro nato, naturalizado brasileiro, estrangeiro)
• Em que ano fixou residência no Brasil?
• Qual é a Unidade da Federação ou país estrangeiro de nascimento?
• Há quanto tempo mora sem interrupção nesta Unidade da Federação?
• Qual é a Unidade da Federação ou país estrangeiro de residência anterior?
• Onde residia no dia 31 de julho de 1995?
- Neste município na zona urbana
- Neste município na zona rural
- Em outro município, na zona urbana
- Em outro município, na zona rural
- Em outro país
- Não era nascido.
• Em que município residia em 31 de julho de 1995?
• Em que Unidade da Federação ou país estrangeiro residia em 31 de julho de 1995?
• Em que município e Unidade da Federação ou país estrangeiro trabalha ou estuda?
Fonte: IBGE.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 121-132, jul./set. 2005
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DUVAL FERNANDES / IDAMILA RENATA PIRES VASCONCELLOS
vel “local de nascimento”, podem ser identificados, para
os não-naturais, o país estrangeiro ou a UF de nascimento,
assim como o tempo de residência no município. Para os
estrangeiros e brasileiros naturalizados, é possível saber o
tempo de residência no Brasil. Para todos os moradores,
foi perguntado o tempo de residência na UF.
Em relação ao quesito “data fixa”, nos últimos cinco
anos, é possível identificar a migração rural-urbana
intramunicipal. Para aqueles que residiam em cidades diferentes nos dois momentos – uma data fixa (1/9/86 para
o Censo de 1991 e 31/7/95 para o Censo de 2000) e na
data do censo – é possível identificar a situação do domicílio no município de origem, o nome do município, a UF;
e, para os que residiam fora do Brasil, o país. No Censo
de 2000, o último quesito do bloco trata da mobilidade
pendular e é possível identificar o município, UF ou país
estrangeiro onde o entrevistado trabalha ou estuda.
Pelo exposto, observa-se que a única informação disponível nos Censos de 1991 e 2000, que permite a identificação do município de origem dos imigrantes, é aquela
relativa à “data fixa”, que será considerada em nossa análise, em conjunto com os dados relativos à mobilidade
pendular levantados no Censo de 2000.
A Variável Migração no Sistema de
Informações Municipais
Para a definição das variáveis relativas à migração em um
sistema de informações municipais, dois aspectos deverão
ser considerados: um, tratando da migração no senso estrito, isto é, “modificação no local de residência”; e outro,
sobre a mobilidade pendular. No primeiro caso, o migrante
será, para 1991 e 2000, a pessoa que em 1o de setembro de
1986 e em 31 de julho de 1995, respectivamente, residia
em um município diferente daquele em que morava na data
do censo. Em relação à mobilidade pendular, em 2000, os
“moventes” serão considerados aqueles que trabalham ou
estudam em município diferente do de residência.
Para a migração definida por meio de data fixa, as variáveis sugeridas são listadas nos Quadros 3 e 4:9
- migração rural/urbana no município de residência.
Imigrante rural/urbano – pessoa10 que: a) para 1991, em 1o
de setembro de 1986 residia na região rural do município e
que em 1o de setembro de 1991 estava na região urbana do
mesmo município; b) para 2000, em 31 de julho de 1995
residia na região rural do município e que em 1o de agosto
de 2000 estava na região urbana do mesmo município;
QUADRO 3
Quadro de Variáveis para o Município A
Brasil – 1991
Situação de Residência
Variável
Em 1o de setembro de 1986
Em 1o de setembro de 1991
Migração Intramunicipal
Imigrante rural/urbano
Imigrante urbano/rural
Residia na área rural do município A
Residia na área urbana do município A
Residia na área urbana do município A
Residia na área rural do município A
Migração Intermunicipal (1)
Imigrante
Emigrante
Imigrante rural/urbano
Imigrante urbano/urbano
Imigrante rural/rural
Emigrante rural/urbano
Emigrante urbano/urbano
Emigrante rural/rural
Residia em outro município excluindo país estrangeiro
Residia no município A
Residia na zona rural de outro município
Residia na zona urbana de outro município
Residia na zona rural de outro município
Residia na zona rural do município A
Residia na zona urbana do município A
Residia na zona rural do município A
Residia no município A
Residia em outro município
Residia na zona urbana do município A
Residia na zona urbana do município A
Residia na zona rural do município A
Residia na zona urbana de outro município
Residia na zona urbana de outro município
Residia na zona rural de outro município
Migração Internacional
Imigrante internacional
Residia no exterior
Residia no município A
Migração de Retorno (2)
Imigrante de retorno
Residia em outro município
Residia no município A
Fonte: IBGE. Censo Demográfico.
(1) Esta variável pode ser construída considerando, em separado, a migração interestadual e intra-estadual.
(2) Para os naturais do município A.
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 121-132, jul./set. 2005
PROPOSTA PARA A INSERÇÃO DA VARIÁVEL MIGRAÇÃO EM SISTEMAS ...
QUADRO 4
Quadro de Variáveis para o Município A
Brasil – 2000
Variável
Situação de Residência
Em 31 de julho de 1995
Em 1o de agosto de 2000
Migração Intramunicipal
Imigrante rural/urbano
Imigrante urbano/rural
Residia na área rural do município A
Residia na área urbana do município A
Residia na área urbana do município A
Residia na área rural do município A
Migração Intermunicipal (1)
Imigrante
Emigrante
Imigrante rural/urbano
Imigrante urbano/urbano
Imigrante rural/rural
Emigrante rural/urbano
Emigrante urbano/urbano
Emigrante rural/rural
Residia em outro município excluindo país estrangeiro
Residia no município A
Residia na zona rural de outro município
Residia na zona urbana de outro município
Residia na zona rural de outro município
Residia na zona rural do município A
Residia na zona urbana do município A
Residia na zona rural do município A
Residia no município A
Residia em outro município
Residia na zona urbana do município A
Residia na zona urbana do município A
Residia na zona rural do município A
Residia na zona urbana de outro município
Residia na zona urbana de outro município
Residia na zona rural de outro município
Migração Internacional
Imigrante Internacional
Residia no exterior
Residia no município A
Migração de Retorno (2)
Imigrante de retorno
Residia em outro município
Residia no município A
Mobilidade Pendular
“In-movente”
estuda no município A
“Ex-movente”
residia em outro município
Residia em outro município e trabalha ou
Trabalha ou estuda no município A, mas
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000.
(1) Esta variável pode ser construída considerando, em separado, a migração interestadual e intra-estadual.
(2) Para os naturais do município A.
TABELA 1
Número de Imigrantes, Emigrantes e Saldo Migratório, segundo Municípios Selecionados
Rondônia – 2000
Código do
Município
Município
Selecionado
Saldo
Imigrantes
Emigrantes
Migratório
1100015
Alta Floresta d’Oeste
1100023
Ariquemes
3.453
2.540
913
10.100
12.055
-1.955
1100031
Cabixi
917
1.485
-568
1100049
Cacoal
8.875
14.383
-5.508
1100056
Cerejeiras
2.425
5.555
-3.130
1100064
Colorado do Oeste
1.551
7.424
-5.873
1100072
Corumbiara
1.292
2.163
-871
1100080
Costa Marques
1.605
1.682
-77
1100098
Espigão d’Oeste
2.510
4.120
-1.610
1100106
Guajará-Mirim
2.742
4.052
-1.310
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000.
Nota: Data fixa (1995/2000).
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 121-132, jul./set. 2005
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DUVAL FERNANDES / IDAMILA RENATA PIRES VASCONCELLOS
- migração urbana/rural no município de residência. Imigrante urbano/rural – pessoa que: a) para 1991, em 1o de
setembro de 1986 residia na região urbana do município
e que em 1o de setembro de 1991 estava na região rural do
mesmo município; b) para 2000, em 31 de julho de 1995
residia na região urbana do município e que em 1o de
agosto de 2000 estava na região rural do mesmo município;
- saldo migratório rural/urbano no município de residência: diferença entre o item 1 e 2 para 1991 e 2000;
- imigrante intermunicipal do qüinqüênio para um determinado município. Pessoa que: a) para 1991, em 1o de
setembro de 1991 foi recenseada na cidade, mas que declarou residir em outro município em 1o de setembro de
1986; b) para 2000, em 1o de agosto de 2000 foi recenseada
na cidade, mas que declarou residir em outro município
em 31 de julho de 1995;
- emigrante intermunicipal do qüinqüênio de um determinado município. Pessoa que: a) para 1991, em 1o de
setembro de 1986 residia na cidade e em 1o de setembro
de 1991 foi recenseada em outro município; b) para 2000,
TABELA 2
Emigrantes do Município de Vale do Anari (RO), por Município
e Unidade da Federação de Destino
Rondônia – 2000
em 31 de julho de 1995 residia na cidade e em 1o de agosto de 2000 foi recenseada em outro município;
- saldo migratório ou trocas líquidas migratórias do
qüinqüênio do município: para um dado município, será a
diferença entre os imigrantes e emigrantes do qüinqüênio
considerado, excluindo-se os imigrantes internacionais, ou
seja, os moradores no município em 1o de setembro de
1991, para 1991, e 1o de agosto de 2000, para 2000, que
indicaram residir no exterior em 1o de setembro de 1986 e
31 de julho de 1995, respectivamente.
Ainda com a informação de “data fixa”, é possível estimar a migração intermunicipal segundo a situação do domicílio de destino (se rural ou urbano), e, da mesma forma,
no caso dos emigrantes, pode-se definir a situação domiciliar de origem. Conjugando a informação sobre o local de
nascimento (naturalidade) com o dado de “data fixa”, podese obter para os imigrantes a informação sobre a migração
de retorno dos naturais do município. Outro aspecto a considerar seria a divisão dos imigrantes e emigrantes segundo a
UF de origem e destino. Assim, é possível definir o montante
dos movimentos migratórios dentro da UF (migração intraestadual) e com outras Unidades (migração interestadual).
No aspecto relativo à mobilidade pendular, aplicável
exclusivamente para os dados de 2000, as variáveis
sugeridas são:
- “in-movente” pendular para uma cidade: pessoa que trabalha ou estuda na cidade e reside em outro município;
Código do
Município
Município de Destino
UF
1100114
Jaru
RO
71
TABELA 3
1100122
Ji-Paraná
RO
28
1100130
Machadinho d’Oeste
RO
102
Ex-Movente do Município de Alta Floresta (RO), por Município
e Unidade da Federação de Destino
Rondônia – 2000
1100155
Ouro Preto do Oeste
RO
83
1100346
Alvorada d’Oeste
RO
8
1100403
Alto Paraíso
RO
7
1100452
Buritis
RO
49
1100049
Cacoal
RO
32
1100601
Cacaulândia
RO
6
1100122
Ji-Paraná
RO
27
1100700
Campo Novo de Rondônia
RO
23
1100189
Pimenta Bueno
RO
9
1100940
Cujubim
RO
15
1100288
Rolim de Moura
RO
28
1101005
Governador Jorge Teixeira
RO
13
1100379
Alto Alegre do Parecis
RO
21
1101302
Mirante da Serra
RO
6
1101484
São Felipe d’Oeste
RO
12
1101401
Monte Negro
RO
5
2904902
Cachoeira
BA
16
1101609
Theobroma
RO
104
3170107
Uberaba
MG
9
3201308
Cariacica
ES
12
4301602
Bagé
RS
8
4108304
Foz do Iguaçu
PR
11
5103403
Cuiabá
MT
11
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000.
Nota: Data fixa (1995/2000).
Migrantes
Código do
Município
Município onde
Trabalha ou Estuda
UF
Ex-Movente
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000.
Nota: Data fixa (1995/2000).
130
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 121-132, jul./set. 2005
PROPOSTA PARA A INSERÇÃO DA VARIÁVEL MIGRAÇÃO EM SISTEMAS ...
- “ex-movente” pendular de uma cidade: pessoa que reside na cidade e trabalha ou estuda em outro município;
Com as informações selecionadas, pode-se construir um
quadro de indicadores, tanto em 1991 e em 2000, para
cada um dos municípios brasileiros. O primeiro indicador a ser considerado seria a Taxa Líquida Migratória –
TLM, calculada da seguinte forma: tendo no numerador o
resultado da diferença entre o número de imigrantes e
emigrantes de determinado município e, no denominador,
a população com cinco anos ou mais na data de referência
(1991 e 2000).
Considerando para cada município os imigrantes e
emigrantes, pode-se calcular a “taxa de imigração” e a
“taxa de emigração”. O numerador, no caso dos imigrantes, seria o montante daqueles que, não residindo no mu-
- saldo pendular de uma cidade:11 diferença entre 1 e 2.
Indicadores sobre Migração
Além das variáveis apontadas, alguns indicadores poderão ser calculados para expressar a importância do processo migratório nos municípios. Para o cálculo de indicadores relacionados a qualquer variável demográfica,
deve-se ter em conta, com muita clareza, a definição do
denominador e do numerador da taxa ou quociente que se
está buscando.
MAPA 1
Distribuição dos Municípios, segundo Volume do Saldo Migratório
1995–2000
Saldo Migratório (1995 - 2000)
(em número de pessoas)
0
50.000 a
10.000 a
5.000 a
1.000 a
500 a
0a
-500 a
-1.000 a
-5.000 a
-10.000 a
-50.000 a
-550.000 a
80.000
(4)
50.000
(86)
10.000
(82)
5.000 (421)
1.000 (365)
500 (1472)
0 (1613)
-500 (659)
-1.000 (744)
-5.000
(38)
-10.000
(18)
-50.000
(5)
500
1.000
kilometers
Km
Fonte: IBGE. Censo Demográfico Amostra (2000) – Microdados.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 121-132, jul./set. 2005
131
DUVAL FERNANDES / IDAMILA RENATA PIRES VASCONCELLOS
nicípio no início, entraram no município entre as duas datas
consideradas e lá permaneceram. No caso dos emigrantes, aqueles que lá residiam no início, saíram do município, não morreram e residiam em outro município no final do período. O denominador será a população com cinco
anos ou mais nos Censos de 1991 e 2000. Apesar de não
ser uma taxa no sentido estrito, esse indicador permite
avaliar a importância da imigração e emigração, tendo em
conta o efetivo populacional. Um proxy do poder de atração ou expulsão do município.
10. Em todos os itens são consideradas as pessoas com cinco anos ou
mais.
11. Esse “saldo” poderia também ser considerado como fator de atração e avaliado em relação à população do município, controlado pela
idade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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brasileiros sobre migrações internas: algumas sugestões para análise.
Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, v. 15, n. 2,
p. 7-16, 1998.
NOTAS
CARVALHO, J.A.M. de. Migrações internas: mensuração direta e
indireta. Revista Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, v. 43, n.
171, p. 549-583, jul./set. 1982.
Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Abep, realizado em Caxambu – MG – Brasil, de 20-24 de
setembro de 2004.
CUNHA, J.M.P. O uso das PNADs na análise do fenômeno
migratório: possibilidades, lacunas e desafios metodológicos. Rio de
Janeiro, IPEA, 2002. 87 p. (Texto para Discussão, n. 875).
1. Condições de Moradia; Desenvolvimento e erradicação da pobreza;
Gestão Ambiental; Desenvolvimento Econômico; Governança; e Cooperação internacional.
2. O SNIU pode ser acessado na página do Ministério das Cidades, na
Internet (www.cidades.gov.br).
3. No Censo de 1991, perguntou-se o nome do município, situação de
domicílio e a UF de residência em 1o de setembro de 1986.
4. A Pesquisa Mensal de Emprego – PME, pesquisa mensalmente
37.212 domicílios nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo
Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. A Pesquisa de
Emprego e Desemprego – PED, pesquisa mensalmente 15.720 domicílios nas regiões metropolitanas de São Paulo, Porto Alegre, Recife,
Salvador, Belo Horizonte e Distrito Federal.
5. Em 1970, o Brasil contava com 3.951 municípios; 3.991 em 1980;
4.491 em 1991 e 5.507 em 2000, quando da realização do censo. Em
1/1/2001 foram agregados à malha municipal mais 54 municípios.
HAKKERT, R. Fontes de dados demográficos. Abep, 1996. 63 p.
MAGALHÃES M.V. O Paraná e suas regiões nas décadas
recentes: as migrações que também migram. Tese (Doutorado) –
CEDEPLAR/UFMG, Belo Horizonte, 2003.
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evolução e utilização. In: Seminário Metodológico dos Censos
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1984, Ouro Preto-MG. Abep, 1984. p. 183-214.
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dados censitários: aplicação aos casos de Minas Gerais e São Paulo.
Tese (Doutorado) – CEDEPLAR/UFMG, Belo Horizonte, 1999.
6. Não há informação sobre a emigração das Regiões Metropolitanas
– RM, sequer interestaduais. Apenas dos imigrantes da RM cuja UF
de residência anterior ou a de cinco anos atrás tenha sido outra.
7. Na realidade, não se trata de um “saldo migratório” no sentido estrito do termo, pois, como os emigrantes internacionais não são
contabilizados no censo brasileiro, o mais correto seria defini-lo como
“trocas líquidas migratórias”, descontados os imigrantes internacionais.
8. Apesar do termo amplamente utilizado ser “migração pendular”, a
definição mais usual da migração pressupõe a mudança de domicílio
permanente. Alguns autores como Cunha (2002) preferem qualificar
esse movimento de “mobilidade pendular”.
9. Um exemplo do uso de variáveis é apresentado nas Tabelas 1, 2 e 3
e no Mapa 1.
DUVAL FERNANDES: Doutor em Demografia e Professor do Programa de
Pós-graduação em Geografia e Tratamento da Informação Espacial –
PUC-Minas ([email protected]).
IDAMILA RENATA PIRES VASCONCELLOS: Mestre em Geografia e Tratamento da Informação Espacial – PUC-Minas ([email protected]).
Artigo recebido em 28 de março de 2005.
Aprovado em 17 de abril de 2005.
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 121-132, jul./set. 2005