A Soberania de Deus e a Responsabilidade Humana

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A Soberania de Deus e a Responsabilidade Humana
A Soberania de Deus e a Responsabilidade Humana
̶ Reverência, consolo, estímulo e desafio missionário ̶1
2. O PODER SOBERANO DE DEUS NA CRIAÇÃO
“Portanto, por mais que ao homem,
com sério propósito, convenha volver os
olhos a considerar as obras de Deus,
uma vez que foi colocado neste esplendíssimo teatro para que fosse seu
espectador, todavia, para que fruísse
maior proveito, convém-lhe, sobretudo,
inclinar os ouvidos à Palavra” ‒ João Calvino.
2
“.... este mundo é semelhante a um
teatro no qual o Senhor exibe diante de
nós um surpreendente espetáculo de
sua glória” ‒ João Calvino.
3
“Uma doutrina da criação é o alicerce da cosmovisão bíblica e cristã. A criação não deve ser deificada nem desprezada, mas, como ‘teatro da glória
de Deus’, deve ser desfrutada e usada
com ponderação. Ela é a boa criação
4
de Deus” – Herman Bavinck.
Introdução
A Bíblia parte do pressuposto da existência de Deus. “Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus”,
escreveu Moisés (Sl 90.2). Moisés por revelação direta de Deus, registra de forma
inspirada (2Pe 1.20-21), narrando os atos criadores de Deus, sem se preocupar em
falar com mais detalhes a respeito Daquele, que mediante a Sua Palavra, faz com
que do nada surja a vida, criando o universo, estabelecendo suas leis próprias e,
avaliando a Sua criação como boa. Moisés apenas apresenta o Deus TodoPoderoso exercitando o Seu poder de forma criadora, segundo o Seu eterno propó1
Texto disponibilizado pela Secretaria de Apoio Pastoral do Presbitério de São Bernardo do Campo,
SP.
2
3
4
João Calvino, As Institutas, I.6.2.
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 1.21), p. 63.
Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, Vol. 2,
p. 415-416.
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sito. Deus existe, Este é o fato pressuposto em toda a narrativa da Criação. Deus
cria segundo a Sua Palavra e isto nos enche de admiração e reverente temor: a Palavra de Deus é o verbo criador que manifesta a determinação e o poder de Deus
5
(Gn 1.1,26, 27; Sl 33.6,9; Jo 1.1-3; Hb 11.3), o Qual criou as coisas com sabedoria
6
(Pv 3.19).
O Catecismo Maior de Westminster, respondendo à pergunta – “Qual é a obra
da criação?” –, resume: “A obra da criação é aquela pela qual, no princípio
e pela palavra do seu poder, Deus fez do nada o mundo e tudo quanto nele
7
há, para si, no espaço de seis dias, e tudo muito bom” (Gn 1; Rm 11.36; Ap
4.11).
2.1. A Narrativa Bíblica
Kuyper (1837-1920) nos chama a atenção para um ponto que costumeiramente é esquecido: “Quando Deus criou a Adão, Ele nos criou também. Na
natureza de Adão Ele produziu a natureza que agora vivemos. Gênesis 1 e 2
não é história de estranhos mas de nós mesmos – com respeito à carne e ao
sangue que levamos conosco, à natureza humana em que nos sentamos
8
para ler a Palavra de Deus”. Portanto, tratar da criação do homem significa falar
de nós mesmos, de nossa origem, da nossa história por meio de nossos primeiros
pais. É impossível fazer isso de forma indiferente. À frente, Kuyper continua: “As
primeiras páginas de Gênesis contam a história, não de um estranho, mas,
9
de nós mesmos”.
A doutrina da Criação e da Queda é fundamental à teologia e fé cristã. Daí, em
especial o caráter decisivo da historicidade dos três primeiros capítulos de Gênesis.
Deus age no tempo que Ele mesmo cria e preserva. Ele é senhor do tempo. Deus
cria o homem e a mulher e por meio deles, toda a humanidade. O pecado, resultado
da desobediência, ocorreu na história. Daí todo o desenvolvimento da história em
consonância com a promessa de Deus da vinda daquele que esmagaria a cabeça
10
da serpente (Gn 3.15). A encarnação ocorreu na história, assim como a morte e
ressurreição de Jesus Cristo. Desprezar a doutrina da Criação significa uma falta de
compreensão bíblica do propósito de Deus que faz todas as coisas conforme a Sua
5
26
“No princípio, criou Deus os céus e a terra. (...) Também disse Deus: Façamos o homem à nossa
imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves
dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela
27
terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os
6
criou” (Gn 1.1,26-27). “ Os céus por sua palavra se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército de9
les. (...) Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir” (Sl 36,6,9).
6
7
8
9
“O SENHOR com sabedoria fundou a terra, com inteligência estabeleceu os céus” (Pv 3.19).
Catecismo Maior de Westminster, Perg. 15.
Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, Chattanooga: AMG Publishers, 1995, p. 34-35.
Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, p. 35.
10
“Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a
cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3.15).
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determinação e graça. Sem a Criação não teria sentido a encarnação, morte e ressurreição de Jesus Cristo, o eterno Filho de Deus.
A doutrina da Criação nos fala do poder todossuficiente de Deus e de nossa total
dependência dAquele que nos criou e preserva. Somente Deus, pelo Seu poder, po11
de do nada tudo criar.
A concepção cristã da criação do homem encontra a sua base e fundamento na
Palavra de Deus; por isso, é essencial à nossa consideração, o que o Espírito Santo
fez registrar no Livro de Hebreus: “Pela fé entendemos que o universo foi formado
pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das cousas que não
aparecem” (Hb 11.3).
Nesta passagem bíblica, subjazem algumas verdades que devem ser destacadas:
1) Deus é o Ser eterno que antecede a toda criação.
2) A fé é que deve dirigir a nossa compreensão a respeito da criação. Calvino
(1509-1564), conclui: “É tão somente pela fé que chegamos a entender
12
que o mundo foi criado por Deus”.
3) A criação é um ato livre da vontade soberana de Deus. Não há pressões ex13
ternas ou necessidades internas que O impulsionem a criar. Deus fez o que
14
fez, quando fez, e como fez, por Sua livre determinação. “A criação do
mundo não foi um ato arbitrário, senão que serviu para fins elevados e
dignos, e estes fins estiveram de acordo com a bondade e sabedoria
15
infinitas do Criador”.
4) Nada pode existir sem que tenha sido criado por Deus (Jo 1.3); os Céus e a
Terra são obras de Deus. Não há independência fora de Deus.
5) A Palavra de Deus é o verbo criador.
11
“A doutrina da criação a partir do nada ensina a absoluta soberania de Deus e a absoluta dependência humana. Se uma partícula não tivesse sido criada do nada, Deus não seria
Deus” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012,
Vol. 2, p. 427).
12
João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 11.3), p. 298. “As mentes
humanas são cegas a essa luz da natureza, a qual resplandece em todas as coisas criadas,
até que sejam iluminados pelo Espírito de Deus e comecem a compreender pela fé, que
jamais poderão entendê-lo de outra forma” (João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 11.3), p.
299).
13
14
15
Ver: J. Moltmann, Doutrina Ecológica da Criação, Petrópolis, RJ.: Vozes, 1993, p. 119.
Ver: J. Moltmann, Doutrina Ecológica da Criação, p. 126ss.
J. Gresham Machen, El Hombre, Lima: El Estandarte de la Verdad, 1969, p. 82.
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16
6) A criação primária foi gerada do nada (creatio ex-nihilo). A possibilidade de
algo vir a existir fora de Deus elimina a Deus como Deus. Não há dualismo
nem sinergismo na criação. Deus cria do nada o que veio a existir. Aqui temos
17
a confissão de um mistério, não a sua explicação. Tudo o que porventura
possa ter existido anterior à criação descrita em Gn 1, deve ser compreendido
dentro da esfera da criação como todo, porque somente Deus tem poder para
18
chamar ".... à existência as coisas que não existem" (Rm 4.17).
7) A criação se distingue de Deus, não sendo sua emanação ou extensão, mas,
o resultado de Sua vontade e poder.
Algumas dessas verdades se depreendem também, das narrativas da Criação,
19
registradas em Gn 1.1-2.25 e de outros textos bíblicos, tais como:
Neemias 9.6: Só tu és SENHOR, tu fizeste o céu, o céu dos céus e todo o seu
exército, a terra e tudo quanto nela há, os mares e tudo quanto há neles; e tu os
preservas a todos com vida, e o exército dos céus te adora.
Jó 26.7: Ele estende o norte sobre o vazio e faz pairar a terra sobre o nada.
Salmo 90.2: Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo,
de eternidade a eternidade, tu és Deus.
Salmo 102.25: Em tempos remotos, lançaste os fundamentos da terra; e os céus
são obra das tuas mãos.
Salmo 148.1-5: Aleluia! Louvai ao SENHOR do alto dos céus, louvai-o nas alturas. 2 Louvai-o, todos os seus anjos; louvai-o, todas as suas legiões celestes. 3
Louvai-o, sol e lua; louvai-o, todas as estrelas luzentes. 4 Louvai-o, céus dos céus e
as águas que estão acima do firmamento. 5 Louvem o nome do SENHOR, pois
mandou ele, e foram criados.
Mateus 19.4-5: 4 Então, respondeu ele: Não tendes lido que o Criador, desde o
princípio, os fez homem e mulher 5 e que disse: Por esta causa deixará o homem
16
Excelente o comentário de Bavinck a respeito da expressão latina tardia não encontrada nas Escrituras (2Mc 7.28), mas, que faz jus ao sentido bíblico da criação como sendo o ato sábio e poderoso
de Deus que traz à existência coisas que antes não existiam (Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática
Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, Vol. 2, p. 425-429).
17
Ver: Criação: In: J.I. Packer, Teologia Concisa, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1999, p. 19.
18
Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011,
Vol. 1, p. 548.
19
Quanto à distinção dos nomes empregados para Deus nas primeiras narrativas de Gênesis, Vejase, entre outros: Gleason L. Archer Jr., Merece Confiança o Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1974, p. 130-135, especialmente, p. 132-133. Para um estudo mais detalhado a respeito dos nomes bíblicos usados para Deus, entre uma ampla bibliografia disponível, vejam-se: Herman Bavinck,
Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, Vol. 2, p. 97-150; Emil
Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, Vol. 1, p. 155ss.; p. 159ss.; H. Bietenhard,
o(/noma, etc.: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1981 (Reprinted), Vol. V, p. 242-283.
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pai e mãe e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne?
Lucas 3.38: Cainã, filho de Enos, Enos, filho de Sete, e este, filho de Adão, filho
de Deus.
João 1.1-5: No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus. 2 Ele estava no princípio com Deus. 3 Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. 4 A vida estava nele e a vida era
a luz dos homens. 5 A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram
contra ela.
Romanos 1.20,25: 20 Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno
poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o
princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais
homens são, por isso, indesculpáveis (...). 25 pois eles mudaram a verdade de Deus
em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém!
Colossenses: 1.16-17: 16 pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e
sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. 17 Ele é antes de
todas as coisas. Nele, tudo subsiste.
Hebreus 1.1-2: Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, 2 nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem
constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo.
Apocalipse 4.11: 11Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram
a existir e foram criadas.
As Confissões e Catecismos Reformados, sensíveis aos ensinamentos bíblicos,
pelo Espírito, confessam tal verdade:
O Catecismo de Heidelberg (1563), à pergunta 26, “Que é que crês, quando dizes: ‘Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do Céu e da Terra’?”, responde:
“Que o eterno Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que do nada criou o
céu e a terra com tudo que neles há, que também os sustenta e governa
pelo seu Filho – meu Deus e meu Pai. Confio nele tão completamente que
não tenho nenhuma dúvida de que Ele proverá de todas as coisas necessárias ao corpo e à alma....”.
A Segunda Confissão Helvética (1562-1566), no capítulo VII, declara:
“Este Deus bom e onipotente criou todas as coisas, visíveis e invisíveis, pela
sua Palavra co-eterna, e as preserva pelo seu Espírito co-eterno, como Davi testificou, quando disse: ‘Os céus por sua palavra se fizeram, e pelo sopro de sua boca o exército deles’ (Sl 33.6)....”.
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Do mesmo modo ensina A Confissão de Westminster (1647):
“Ao princípio aprouve a Deus o Pai, o Filho e o Espírito santo, para a
manifestação da glória do seu eterno poder, sabedoria e bondade, criar
ou fazer do nada, no espaço de seis dias, e tudo muito bom, o mundo e
20
tudo o que nele há, visíveis ou invisíveis” (IV.1).
A Escritura Sagrada foi-nos dada com propósitos específicos. Dentro destes propósitos ela é suficiente e eficaz. Sabemos, por exemplo, que a Bíblia não tem a pretensão de fazer ciência; ela não é um manual científico que pretenda ensinar-nos a
respeito de Química, Física, Biologia, Botânica, Astronomia etc. Entretanto, cremos
que o que ela diz no campo científico, como em qualquer outro, é a verdade do pon21
to de vista fenomenológico, não havendo divergência real entre a genuína ciência
22
e a correta interpretação da Bíblia, já que Deus é o Senhor de toda a verdade.
O próprio Calvino (1509-1564) destacou isso quando comentando, Gênesis 1.14,
disse: “É necessário relembrar, que Moisés não fala com agudez filosófica
sobre os mistérios ocultos, porém relata aquelas coisas que em toda parte
23
observou, e que igualmente são comuns aos homens simples”. Ou seja,
Moisés, inspirado por Deus, escreveu do ponto de vista de como os fenômenos são
20
Vejam-se, também: Catecismo Maior de Westminster, Perg. 15; e Catecismo Menor de Westminster, Perg. 9.
21
Strong, de forma irônica, pergunta a respeito da descrição do texto de Gn 24.63: “Seria preferível,
no Antigo Testamento, se o texto dissesse: ‘Quando a revolução da terra sobre o seu eixo fez
com que os raios do luminário solar impingissem horizontalmente sobre a retina, Isaque saiu
para meditar’?” (August H. Strong, Systematic Theology, 35. ed. Valley Forge, PA.: The Judson
Press, 1993, p. 223). Vejam-se, também: John H. Gerstner, A Doutrina da Igreja Sobre a Inspiração
Bíblica: In: James M. Boice, ed. O Alicerce da Autoridade Bíblica, São Paulo: Vida Nova, 1982, p. 2627; R.C. Sproul, Razão Para Crer, São Paulo: Mundo Cristão, 1986, p. 15-25.
22
Tomás de Aquino (1225-1274), com discernimento, comentou: “Já que a palavra de Deus ultrapassa o entendimento, alguns acreditam que ela esteja em contradição com ele. Isto
não pode ocorrer” (Tomás de Aquino, Súmula Contra os Gentios, São Paulo: Abril Cultural, (Os
Pensadores, Vol. VIII), 1973, VII, p. 70). Veja-se: A.A. Hodge, Esboços de Theologia, Lisboa: Barata
& Sanches, 1895, p. 7.
23
John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Grand Rapids, Michigan:
Baker Book House, 1981 (Reprinted), Vol. I, (Gn 1.14), p. 84. Do mesmo modo, ver Gn 1.15, p. 85-86;
John Calvin, Commentary on the Book of Psalms, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House (Calvin’s Commentaries, Vol. VI/4), 1996 (Reprinted), (Sl 136.7), p. 184-185. Curiosamente Tomás de Aquino (1225-1274) havia usado argumento semelhante ainda que com propósitos diferentes, referindo-se aos leitores de Moisés como “ignorantes”, daí a sua condescendência. Após tratar de Gn 1.6,
acrescenta: “Deveríamos antes considerar que Moisés estava a falar para gente ignorante, e
que condescendendo à sua fraqueza só lhes apresentou coisas tais que fossem aparentes
aos sentidos. Ora, mesmo os menos instruídos podem perceber pelos seus sentidos que a Terra e a água são corpóreas, embora não seja evidente para todos que o ar também é corpóreo (...) Moisés, então, embora mencionasse expressamente a água e o ar, não faz qualquer menção explícita do ar pelo nome, para evitar apresentar a pessoas ignorantes algo
que estava para além do seu conhecimento” (Thomas Aquina, “Summa Theologica,” The Master Christian Library, Verson 8.0 (CD-ROM), (Albany, OR: Ages Sofware, 2000), Vol. 1, Primeira Parte, Questão 68, Argumento 3, p. 819. Ver no mesmo volume: Questão 61, p. 724 e Questão 66, p.
791-792 (Ver também: Philip Schaff; David S. Schaff, History of the Christian Church, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, Vol VIII, p. 680).
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percebidos, sem a preocupação – já que este não era o seu objetivo –, de registrar
com terminologia científica os fatos. Acrescentaríamos: Na hipótese de Moisés ter
escrito conforme os padrões científicos de sua época – o que de fato não fez, sendo
isso extremamente impressionante se considerarmos que ele teve uma formação
primorosa dentro dos moldes egípcios e conseguiu romper com ela –, certamente o
que dissesse seria ridicularizado hoje por ser considerado fruto de uma concepção
pré-científica. Por outro lado, se redigisse o relato da Criação de forma científica absoluta, que certamente não era a dos egípcios e, também, não é a nossa, pergunto:
entenderíamos hoje o que ele teria dito? A resposta é não; as Escrituras continuariam sendo ridicularizadas, nesse caso, simplesmente pela nossa ignorância científica. A linguagem descritiva dos fatos conforme se apresentam à nossa percepção, é
o melhor modo de tornar algo compreensível a todas as épocas; assim, Deus Se designou fazer e O fez.
Em outro lugar, Calvino continua:
“Moisés registra que foi acabada a terra e acabados os céus, com todo
o exército deles (Gn 2.1). Que vale ansiosamente indagar em que dia, à
parte das estrelas e dos planetas, hajam também começado a existir os
demais exércitos celestes mais recônditos, quais sejam os anjos? Para não
alongar-me em demasia, lembremo-nos neste ponto, como em toda a
doutrina da religião, de que se deve manter a só norma de modéstia e
sobriedade, de sorte que, em se tratando de cousas obscuras, não falemos, ou sintamos, ou sequer almejemos saber, outra cousa que aquilo que
nos haja sido ensinado na Palavra de Deus. Ademais, impõe-se, ainda,
que no exame da Escritura nos atenhamos a buscar e meditar continuamente aquelas cousas que dizem respeito à edificação, nem cedamos à
curiosidade, ou à investigação de cousas inúteis. E, porque o Senhor nos
quis instruir não em questões frívolas, mas na sólida piedade, no temor do
Seu nome, na verdadeira confiança, nos deveres da santidade, conten24
temo-nos com este conhecimento”.
Acreditamos na coerência de toda a realidade, considerando inclusive o pecado humano conforme registrado nas Escrituras; por isso, a ciência genuína nunca
nos afastará de Deus, antes ela só encontrará o seu sentido pleno nAquele que é o
Seu Senhor e para onde todo o real converge e encontra o seu verdadeiro significado. Aliás, como bem acentuou Bavinck (1854-1921): “Qualquer ciência, filosofia
ou conhecimento que suponha poder firmar-se em suas próprias pressuposições, deixando Deus de fora de suas considerações, transforma-se em seu
25
próprio opositor e desilude a todos que constroem suas expectativas nisto”.
Portanto, nós não temos medo dos fatos, porque sabemos que os fatos são de
Deus; nem temos medo de pensar porque sabemos que toda verdade é verdade de
Deus. A razão corretamente conduzida e o exercício da genuína ciência, não ofere24
25
João Calvino, As Institutas, I.14.4.
Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, 4. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1984,
p. 20.
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26
cem perigo à fé, antes, são suas aliadas.
Charles Hodge (1797-1878), um dos grandes teólogos norte-americanos do século XIX, escreveu:
"Ele [Deus] não ensinou astronomia ou química aos homens, porém Ele
deu-lhes os fatos externos sobre os quais aquelas ciências são construídas.
Tampouco ensinou-nos teologia sistemática, porém Ele deu-nos na Bíblia
as verdades que, propriamente compreendidas e organizadas, constituem
27
a ciência da Teologia".
Deste modo, a nossa compreensão bíblica é determinada pela própria Revelação
de Deus contida na Bíblia. Não interpretamos a Bíblia simplesmente à luz da história,
ou de seus condicionantes políticos, sociais, econômicos e culturais; antes, olhamos
28
a história a partir da perspectiva das promessas divinas.
2.2. A Criação do Homem foi conforme o Sábio Conselho da Trindade
“A questão: quem é homem?, contém um mistério que não pode ser explicado pelo próprio homem” ̶ Herman
Dooyeweerd.
29
30
O Salmo 8 exalta a majestade do nome de Deus manifesta na Criação. A31
liás, a majestade de Deus e o Seu nome, são aqui, poeticamente sinônimos (Sl
8.1). É um hino que de forma analítica, por meio da Criação e do homem em especial, dignifica a majestade de Deus. Este salmo em sua brevidade e simplicidade líri-
26
Veja-se: J.I. Packer, “Fundamentalism” and the Word of God, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans,
1988 (Reprinted), p. 34.
27
Charles Hodge, Systematic Theology, Grand Rapids, Michigan: Wm. Eerdmans Publishing Co.
1986, Vol. I, p. 3. Do mesmo modo Calvino escrevera: “O Espírito Santo não teve intenção de ensinar astronomia; e, com o propósito de instruir procurou ser comum às pessoas mais simples
e iletradas. Ele fez uso de Moisés e de outros Profetas que empregaram uma linguagem popular, de tal modo que ninguém poderia se abrigar sob o pretexto de obscuridade, como
nós às vezes vemos muito prontamente homens fingindo uma incapacidade para entender,
quando qualquer coisa profunda ou misteriosa é submetida à sua consideração” (John Calvin, Commentary on the Book of Psalms, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House (Calvin’s Commentaries, Vol. VI/4), 1996 (Reprinted), (Sl 136.7), p. 184-185).
28
29
Veja-se: David M. Lloyd-Jones, Do Temor à Fé, Miami, Florida: Vida, 1985, passim
Herman Dooyeweerd, No Crepúsculo do Pensamento, São Paulo: Hagnos, 2010, p. 248.
30
Sobre este assunto, veja-se, Hermisten M.P. Costa, A Majestade de Deus na Criação, 2012 (Edição revista).
31
Cf. Peter C. Craigie, Psalms 1-50, 2. ed. Waco: Thomas Nelson, Inc. (Word Biblical Commentary,
Vol. 19), 2004, (Sl 8), p. 107.
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32
ca,
33
“é um hino à glória de Deus criador”.
É possível que Davi tenha composto este Salmo na juventude, quando era apenas um pastor de ovelhas, quando as suas lutas eram bastante complexas na sim34
plicidade de sua vida. Nesta fase de sua vida, certamente passava muitas noites
dormindo ao relento, contemplando as estrelas no firmamento e refletindo sobre o
poder de Deus. Esta mesma fé amadurecida pelas experiências com o Senhor o acompanhará.
35
Outra ocasião provável é quando, um pouco mais maduro, já ungido rei, é foragido de Saul que queria matá-lo. Neste período teve oportunidade, ainda que com o
coração angustiado, de experimentar a mesma sensação de ver e refletir sobre a
imensidão do céu diante dos seus olhos: “Ó SENHOR, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome! Pois expuseste nos céus a tua majestade. (...)
3
Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas que estabeleceste” (Sl 8.1,3).
O salmista, à noite, tendo o céu estrelado diante de si, contempla parte da criação
e exulta demonstrando que em toda a terra o nome de Deus é exaltado. Ele ultrapassa a visão apenas local de Israel, para reconhecer que o testemunho de Deus na
Criação se estende a toda a terra (Sl 8.1). “O mundo foi originalmente criado
para este propósito, que todas as partes dele se destinem à felicidade do
36
homem como seu grande objeto”.
O salmista percebe que este reconhecimento da majestade de Deus só se tornou
possível pela revelação de Deus na Criação: “Pois expuseste nos céus a tua majestade” (Sl 8.1). É Deus mesmo Quem sempre inicia o processo e os meios de comunicação entre Ele e nós. A Sua comunicação é sempre um ato de graça. Após a
Queda, envolve também a Sua misericórdia, visto que esta é uma manifestação da
32
Veja-se: C.S. Lewis, Reflections on the Psalms, San Diego: Harvest Book Harcourt, 1986, p. 132.
33
Artur Weiser, Os Salmos, São Paulo: Paulus, 1994, p. 98. Veja-se também: James M. Boice,
Psalms: an expositional commentary, Grand Rapids, MI.: Baker Book House, 1994, Vol. 1, (Sl 8), p.
67; Anthony Hoekema, Criados à Imagem de Deus, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 30-32.
Para uma visão panorâmica das interpretações deste Salmo ao longo da história, veja-se: Bruce K.
Waltke; James M. Houston; Erica Moore, The Psalms as Christian Worship: A Historical Commentary:
A Historical Commentary, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 2010, p. 234-254.
34
32
“ Davi disse a Saul: Não desfaleça o coração de ninguém por causa dele; teu servo irá e pelejará
33
contra o filisteu. Porém Saul disse a Davi: Contra o filisteu não poderás ir para pelejar com ele; pois
34
tu és ainda moço, e ele, guerreiro desde a sua mocidade. Respondeu Davi a Saul: Teu servo apas35
centava as ovelhas de seu pai; quando veio um leão ou um urso e tomou um cordeiro do rebanho,
eu saí após ele, e o feri, e livrei o cordeiro da sua boca; levantando-se ele contra mim, agarrei-o pela
36
barba, e o feri, e o matei. O teu servo matou tanto o leão como o urso; este incircunciso filisteu será
37
como um deles, porquanto afrontou os exércitos do Deus vivo. Disse mais Davi: O SENHOR me livrou das garras do leão e das do urso; ele me livrará das mãos deste filisteu. Então, disse Saul a Davi: Vai-te, e o SENHOR seja contigo” (1Sm 16.32-37).
35
Veja a argumentação de Keil e Delitzsch em favor da redação do Salmo após a unção de Davi
(C.F. Keil; F. Delitzsch, Commentary on the Old Testament, Grand Rapids, MI: Eerdmans, (1871), Vol.
V, (I/III), (Sl 8), p. 148).
36
João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1, (Sl 8.6), p. 172.
A Soberania de Deus e a Responsabilildade humana (2) – Rev. Hermisten – 21/01/14 – 10/21
37
bondade de Deus para com aqueles que estão em miséria.
38
Davi ciente de que a Criação não é uma mera extensão da essência de Deus,
39
não se detém na Criação, antes, vai além, reconhecendo a glória de Deus nela.
40
Argumentando de forma espacialmente dedutiva, faz uma pergunta retórica:
“Que é o homem, que dele te lembres? E o filho do homem, que o visites?” (Sl 8.4).
A sensação é de pequenez diante do vasto universo, do qual posso contemplar,
ainda hoje, uma minúscula parte. O sistema solar é apenas um pequeno ponto no
universo do qual apenas conhecemos limitadamente. No entanto, até onde a ciência
41
pôde ir não há nada mais complexo do que o cérebro humano ainda que este não
seja o aspecto mais amplo e completo do ser humano criado à imagem de Deus.
Aqui vemos de forma refletida o paradoxo da existência humana: grandeza e limitação; finitude e transcendência; prodigialidade e animalidade. A ciência esbarra
42
sempre na questão enfatizada por Blaise Pascal, detectada por Bavinck: “A ciência não pode explicar essa contradição no homem. Ela reconhece apenas
sua grandeza e não sua miséria, ou apenas sua miséria e não sua grande43
za”.
Sem a Palavra de Deus nenhuma ciência ou mesmo a arte, nem mesmo a
junção de todas as ciências e o idealismo da arte conseguem apresentar um quadro
37
Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, Vol. 2, p. 219.
“Misericórdia é o princípio eterno da natureza de Deus que o leva a buscar o bem temporal
e a salvação eterna dos que se opuseram à vontade dele, mesmo a custo do sacrifício próprio” (Augustus H. Strong, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2003, Vol. 1, p. 431).
38
39
Veja-se: Francis A. Schaeffer, Poluição e Morte do Homem, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 35.
Ver também: Artur Weiser, Os Salmos, São Paulo: Paulus, 1994, p. 98.
40
“Nem mesmo o mundo todo pode ter o mesmo valor de um homem” (Herman Bavinck, Teologia Sistemática, p. 19).
41
“Não há outra estrela ou planeta no universo cuja importância para Deus se compare à
da Terra. O próprio homem, no sentido biológico, é infinitamente mais complexo do que as
estrelas. É absurdo apequenar o homem só por causa de seu tamanho. Embora grande,
uma estrela é muito simples, composta em sua maior parte de hidrogênio e hélio. A medida
do significado no universo não é o tamanho, mas a ordem e a complexidade, e o cérebro
humano, até onde a ciência pode determinar, é, de longe, o mais complexo agregado de
matéria do universo. Em sentido estritamente físico, a Terra é o mais complexo agregado de
matéria inanimada que conhecemos no universo, e se destina exclusivamente a servir de lar
para o homem” (Henry M. Morris, Amostra de Salmos, Miami: Editora Vida, 1986, p. 21-22). “Os seres humanos são infinitamente mais complexos do que processos físicos, químicos e biológicos. A partir de uma perspectiva teísta cristã, pode-se afirmar também essa complexidade
em virtude do fato de que as pessoas são criadas à própria imagem de Deus. Cada pessoa
é única, e as exceções podem ser citadas para qualquer paradigma ou modelo” (Robert W.
Pazmiño, Temas Fundamentais da Educação Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 13).
42
“É perigoso fazer ver demais ao homem quanto ele é igual aos animais, sem lhe mostrar a
sua grandeza. É ainda perigoso fazer-lhe ver demais a sua grandeza sem a sua baixeza. É
ainda mais perigoso deixá-lo ignorar uma e outra. Mas é muito vantajoso representar-lhe
ambas” (Blaise Pascal, Pensamentos, São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores, Vol. 16),
VI.418. p. 139).
43
Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 24.
A Soberania de Deus e a Responsabilildade humana (2) – Rev. Hermisten – 21/01/14 – 11/21
completo do significado do homem e da vida. Somente por meio da revelação de
Deus, o nosso Criador, podemos ter uma visão clara e abrangente do significado da
vida, do homem, do tempo e da eternidade. Somente a cosmovisão cristã tem algo a
44
dizer de forma compreensiva e significativa a respeito da totalidade da vida.
Séculos depois de Davi encontramos admiração semelhante entre os gregos. Todavia, a admiração dos gregos ao contemplar o universo, os conduziu em outra direção. Eles diziam que a admiração conduz o homem à filosofia.
Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) estão acordes neste ponto. Platão escreveu: “A admiração é a verdadeira característica do filósofo. Não
45
tem outra origem a filosofia”.
Aristóteles, na mesma linha: “Foi, com efeito, pela admiração que os homens, assim hoje como no começo, foram levados a filosofar, sendo primeiramente abalados pelas dificuldades mais óbvias, e progredindo em seguida
pouco a pouco até resolverem problemas maiores: por exemplo, as mudan46
ças da Lua, as do Sol e dos astros e a gênese do universo”.
Nestas reflexões surgem as explicações a respeito da origem da vida:
a) Tales de Mileto (c. 640-547 a.C.): Por meio do estudo doxográfico, sabemos
que Tales, considerando a necessidade da água para a sobrevivência de tudo, afirmava ser a água a origem de todas as coisas (por rarefação e condensação), e a
47
Terra flutuava como um navio sobre as águas . Os terremotos são explicados pelo
movimento das águas (Dox., 1). Deus criou todas as coisas da água (Dox., 9). Plu48
tarco atribuiu esta concepção aos egípcios. No que talvez ele tenha razão.
b) Anaximandro (c. 610-547 a.C.): Foi o primeiro a usar a palavra "princípio"
(a)rxh/). (Dox., 1). O princípio (a)rxh/) de todas as coisas é o "Ápeiron" (a)/peiron =
"sem fim", "ilimitado", "indeterminado", "indefinido"). (Dox., 1,2,6).
c) Anaxímenes (c. 585-528/525 a.C.): O Ar é o princípio de todas as coisas
(Dox., 1-2); inclusive dos deuses e das coisas divinas; sendo o ar um deus (Dox., 3).
44
Vejam-se: Ronald H. Nash, Questões Últimas da Vida: uma introdução à Filosofia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 19; Cornelius Van Til, Apologética Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 21.
45
Apud Platão, Teeteto, 155d: In: Teeteto-Crátilo, 2. ed. Belém: Universidade Federal do Pará, 1988,
p. 20.
46
Aristóteles, Metafísica, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. IV), 1973, I.2. p. 214.
47
Doxografia, 1-4. A concepção da água como elemento primordial já estava presente nos escritos de
Homero. (Vejam-se Homero, Ilíada, XIV. 200, 244 e 301; Platão, Crátilo, 402 b; Platão, Timeu, 40 DE). "Certamente, a ideia da água como princípio primordial deriva de uma vasta tradição
mitológica, comum a todas as teogonias ou cosmogonias do Oriente antigo, sumérico, caldeu, egípcio, hebreu, fenício, egeu: todos representando o mito de um Caos aquoso primordial de que seria gerado o cosmos" (R. Mondolfo, O Pensamento Antigo, 3. ed. São Paulo:
Mestre Jou, 1971, Vol. 1, p. 40. Veja-se: G.S. Kirk; J.E. Revan, Os Filósofos Pré-Socráticos, 2. ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982, p. 4-12; 86-89).
48
Plutarco, Ísis e Osíris, 34, 364 D.
A Soberania de Deus e a Responsabilildade humana (2) – Rev. Hermisten – 21/01/14 – 12/21
O homem é ar, bem como a sua alma; esta nos sustenta e governa (Frag., 1; Dox.,
5-6).
d) Heráclito de Éfeso (c. 540-480 a.C.): Todas as coisas provêm do fogo – que é
eterno – e para lá retornarão (Frags., 30,31,90, Dox., 2).
Diferentemente, a admiração de Davi o conduziu a glorificar a Deus e, num ato
subsequente, a indagar sobre o homem nesta vastidão da Criação. A sua pergunta
49
assume também, uma conotação metafísica, não podendo ser respondida apenas
a partir de um referencial material. “O homem é um enigma cuja solução só
50
pode ser encontrada em Deus”. Deus revelou de forma magnífica o homem ao
51
homem.
O salmista reverentemente se admira do fato de Deus se lembrar de nós (Sl
52
8.4). Tendo o sentido de “prestar atenção”, sustentar, cuidar, manifestar a sua gra53
ça ou juízo. Admira-se também de Deus nos visitar. A palavra pode ter o sentido
54
55
de passar em revista, observar (Ex 3.16), supervisionar, vir ao encontro. O significado no texto é de uma visita providente, abençoadora e salvadora (Gn 21.1;
49
"Homem é uma síntese de infinito e de finito, de temporal e de eterno, de liberdade e de
necessidade, é, em suma, uma síntese" (S.A. Kierkegaard, O Desespero Humano, Doença Até à
Morte, São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, Vol. XXXI), 1974, p. 337).
50
Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 24. Do
mesmo modo, conforme citamos, Dooyeweerd: “A questão: quem é homem?, contém um mistério que não pode ser explicado pelo próprio homem” (Herman Dooyeweerd, No Crepúsculo do
Pensamento, São Paulo: Hagnos, 2010, p. 248. Veja-se também a página 265).
51
Veja-se: Herman Dooyeweerd, No Crepúsculo do Pensamento, São Paulo: Hagnos, 2010, p. 259.
52
“Que é o homem, que dele te lembres (rk;z") (zakar)? E o filho do homem, que o visites (dq;P') (paqad)?” (Sl 8.4).
53
Vejam-se entre outros: Andrew Bowling; Thomas E. Mccmiskey, Zakar: In: R. Laird Harris, et. al.,
eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 389393; Leslie C. Allen, Zkr: In: Willem A. VanGemeren, org. Novo Dicionário Internacional de Teologia e
Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, Vol. 1, p. 1073-1079; H. Eising, Zakhar: In: Helmer Ringgren, Elohim: In: G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren, eds., Theological
Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1980 (Revised edition), Vol. IV, p. 6482; A.G. Hebert, Memory, In: Alan Richardson, ed., A Theological Word Book of the Bible, 13. ed.
London: SCM Press LTD., 1975, p. 142-143; Colin Brown; K.H. Bartels, Lembrar-se: In: Colin Brown,
ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova,
1981-1983, Vol. III, p. 54-62 (especialmente). (Estas obras em geral indicam ampla bibliografia especializada).
54
“Vai, ajunta os anciãos de Israel e dize-lhes: O SENHOR, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, me apareceu, dizendo: Em verdade vos tenho visitado (dq;P')
(paqad) e visto o que vos tem sido feito no Egito” (Ex 3.16).
55
Vejam-se entre outros: Victor P. Hamilton, Paqad: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1228-1230; W. Schottroff, Pqd: In: E. Jenni; C. Westermann, eds., Diccionario Teologico Critico Manual del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, Tomo II, p. 589-613; Tyler F. Williams, Pqd: In: Willem A.
VanGemeren, org. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São
Paulo: Cultura Cristã, 2011, Vol. 3, p. 655-661; G. André, Paqad: In: G. Johannes Botterweck; Helmer
Ringgren; Heinz-Josef Fabry, eds., Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, MI.:
Eerdmans, 2003, Vol. XII, p. 50-63. (Do mesmo modo estas obras indicam ampla bibliografia especializada).
A Soberania de Deus e a Responsabilildade humana (2) – Rev. Hermisten – 21/01/14 – 13/21
56
50.24-25/Ex 13.19; Ex 4.31; Sl 17.3; 65.9; 80.15; 106.4). Jó também, de forma poética, mas, com sentimentos confusos, indaga: “17Que é o homem, para que tanto o
estimes, e ponhas nele o teu cuidado (ble) (leb), 18 e cada manhã o visites (dq;P') (paqad), e cada momento o ponhas à prova?” (Jó 7.17-18). Deus considera tanto o homem que tem o seu coração nele, cuidando, protegendo e guardando. Ainda que na
intensidade da angústia de Jó isso o incomode circunstancialmente − visto que o
cuidado, dentro desta perspectiva soa como uma “inspeção” −, o fato é que Deus
cuida atentamente de Seu povo (Sl 144.3,4,15).
Retornando ao Salmo 8, inclino-me a pensar em duas direções:
a) Que entre os versos 4 e 5, ainda que o salmista não diga isso explicitamente,
57
está em questão o problema do pecado. O lembrar de e visitar de Deus (verso 4)
não é algo tão admirável considerando a posição do homem descrita no verso 5.
Contudo, ela é espantosa se levarmos em conta o pecado humano e a consequente
alienação de Deus.
“Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que Deus (H;Ala/) e de glória e de
honra o coroaste” (Sl 8.5).
Mais do que a imensidão do universo, o que realmente conta é o valor e a digni58
dade atribuída ao homem: Deus o criou à sua imagem. Ele tem características espirituais, intelectuais e morais semelhantes às de Deus, apenas em grau adequado à
criatura finita. No pequenino homem em relação à imensidão do universo, temos
mais de Deus no que em toda a Criação. Somente o homem foi criado à imagem de
59
Seu Criador. No entanto, isto se torna mais difícil de perceber devido ao pecado
56
“Visitou (dq;P') (paqad) o SENHOR a Sara, como lhe dissera, e o SENHOR cumpriu o que lhe havia
prometido” (Gn 21.1). “Disse José a seus irmãos: Eu morro; porém Deus certamente vos visitará (dq;P')
25
(paqad) e vos fará subir desta terra para a terra que jurou dar a Abraão, a Isaque e a Jacó. José fez
jurar os filhos de Israel, dizendo: Certamente Deus vos visitará (dq;P') (paqad), e fareis transportar os
meus ossos daqui” (Gn 50.24-25). “Também levou Moisés consigo os ossos de José, pois havia este
feito os filhos de Israel jurarem solenemente, dizendo: Certamente, Deus vos visitará (dq;P') (paqad);
daqui, pois, levai convosco os meus ossos” (Ex 13.19). “E o povo creu; e, tendo ouvido que o SENHOR havia visitado (dq;P') (paqad) os filhos de Israel e lhes vira a aflição, inclinaram-se e o adoraram”
(Ex 4.31). “Tu visitas (dq;P') (paqad) a terra e a regas; tu a enriqueces copiosamente; os ribeiros de
Deus são abundantes de água; preparas o cereal, porque para isso a dispões” (Sl 65.9). “Lembra-te
de mim, SENHOR, segundo a tua bondade para com o teu povo; visita-me (dq;P') (paqad) com a tua
salvação” (Sl 106.4).
57
Bosma, entre outros, enfatiza que o assunto pecado não aparece no salmo 8. Não consigo acompanhar o seu raciocínio exegético, inclusive no que diz respeito ao seu ponto missiológico a partir do
Salmo 8. (Veja-se: Carl J. Bosma, Os Salmos: Porta de Entrada para as Nações. Aspectos da base
teológica e prática missionária no Livro dos Salmos, São Paulo: Fôlego, 2009, p. 76-86). Acredito que
tomar, por exemplo, os salmos de 3 a 7 como lamentos, é uma simplificação exagerada (Vejam-se: Sl
3.5; 4.7-8; 5.11-12; 7.17).
58
Leupold intitula o Salmo 8 de “A glória de Deus revelada na dignidade do homem” (H.C. Leupold,
Exposition of The Psalms, 6. impressão, Grand Rapids, MI.: Baker, 1979, p. 100).
59
Calvino comentou: “Por esta causa, alguns dos filósofos antigos chamaram, não sem razão,
ao homem, microcosmos, que quer dizer mundo em miniatura; porque ele é uma rara e
admirável amostra do grande poder, bondade e sabedoria de Deus, e contém em si milagres suficientes para ocupar nosso entendimento se não desdenharmos considerá-los” (J.
Calvino, As Institutas, I.5.3). É muito sugestivo e desafiador o livro de Schaeffer. Vejam-se, especial-
A Soberania de Deus e a Responsabilildade humana (2) – Rev. Hermisten – 21/01/14 – 14/21
que ainda que não tenha aniquilado esta imagem, a deformou gravemente.
O nome aplicado a Deus (H;Ala/) pode referir-se, conforme muitos documentos anti60
61
gos e interpretação de Hebreus, aos seres angelicais (Hb 2.6-8). “Por um pouco”
62
(j[;m.) (me`at)(5) pode significar “por pouco tempo”, ainda que não necessariamen63
te.
A ideia básica então, conforme interpreto, é que o homem foi criado, em certos
aspectos pouco abaixo dos anjos. O pecado, no entanto, trouxe a inversão sugerida
no verso 4. Contudo, em Jesus Cristo temos a verdadeira restauração de nossa humanidade e, segundo creio, aperfeiçoada na eternidade, em nosso estado definitivo
64
de glória, quando não haverá mais a possibilidade da queda. “O idealismo do
65
salmo se torna realidade em Jesus”. Na ressurreição teremos novamente a i66
mortalidade (Mt 22.30); participaremos efetivamente do juízo final (Mt 12.41-42;
67
19.28; 1Co 6.2-3; Ap 20.4). Estaremos para sempre com o Senhor; os anjos terão
mente dentro do que estamos comentando: Francis A. Schaeffer, Poluição e Morte do Homem, São
Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 35-44.
60
Veja-se a discussão a respeito em Peter C. Craigie, Psalms 1-50, 2. ed. Waco: Thomas Nelson,
Inc. (Word Biblical Commentary, Vol. 19), 2004, (Sl 8), p. 108.
61
Vejam-se: Robert G. Girdlestone, Synonyms of the Old Testament, Grand Rapids, Michigan: Erdmans, 1981 (Reprinted), especialmente, p. 25-26; Helmer Ringgren, Elohim: In: G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren, eds., Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1997 (Revised edition), Vol. 1, p. 281-282 (especialmente). Para uma visão contrária, entendendo que a tradução Deus é a mais natural: Peter C. Craigie, Psalms 1-50, 2. ed. Waco: Thomas
Nelson, Inc. (Word Biblical Commentary, Vol. 19), 2004, (Sl 8), p. 108; H.C. Leupold, The Exposition
of The Psalms, 6. ed. Grand Rapids, MI.: Baker Book House, 1979, (Sl 8), p. 107; James M. Boice,
Psalms: an expositional commentary, Grand Rapids, MI.: Baker Book House, 1994, Vol. 1, (Sl 8), p.
71; Allan M. Harman, Comentários do Antigo Testamento ‒ Salmos, São Paulo: Cultura Cristã, 2011,
p. 92; C.F. Keil; F. Delitzsch, Commentary on the Old Testament, Grand Rapids, MI: Eerdmans,
(1871), Vol. V, (I/III), (Sl 8.4-6), p. 153-155; Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus, São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 30-32.
62
Cf. Derek Kidner, Salmos 1-72: introdução e comentário, (Sl 8.5-6), p. 84. Do mesmo modo: Simon
Kistemaker, Hebreus, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, (Hb 2.7-8), p. 94-95; Henry M. Morris, Amostra
de Salmos, Miami: Editora Vida, 1986, p. 22-23 e Betty Bacon, Estudos na Bíblia Hebraica, São Paulo: Vida Nova, 1991, p. 105. Veja-se: W.S. Plumer, Psalms, Carlisle, Pennsylvania: The Banner of
Truth Trust, © 1867, 1975 (Reprinted), (Sl 8), p. 126-127.
63
Veja-se, entre outros: Victor P. Hamilton, Ma’at: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 862-863.
64
65
Veja-se: Geerhardus Vos, Teologia Bíblica, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 36-37.
Luís Alonso Schökel; Cecília Carniti, Salmos I: salmos 1-72, São Paulo: Paulus, 1996, p. 205.
66
“Porque, na ressurreição, nem casam, nem se dão em casamento; são, porém, como os anjos no
céu” (Mt 22.30).
67
O tipo de participação que teremos nesse juízo é difícil de determinar (Vejam-se: George E. Ladd,
Teologia do Novo Testamento, Rio de Janeiro: JUERP., 1985, p. 522; Herman N. Ridderbos, El Pensamiento Del Apostol Pablo, Buenos Aires: La Aurora, 1987, Vol. 2, p. 310; L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 737-738; A.A. Hoekema, A Bíblia e o Futuro,
São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989, p. 342-343; R.L. Dabney, Lectures in Systematic Theology, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1985, p. 846-847). “De alguma forma, sua participação será no sentido de glorificar a Cristo por causa de seus justos juízos” (William Hendriksen, A Vida Futura: Segundo a Bíblia, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1988, p. 209). Seja
qual for a nossa atividade, o fato bíblico que devemos ressaltar, é que o Soberano Juiz compartilhará
A Soberania de Deus e a Responsabilildade humana (2) – Rev. Hermisten – 21/01/14 – 15/21
68
cumprido o seu papel (Hb 1.14). Todas as coisas recriadas estarão plenamente su69
jeitas ao Senhor (1Co 15.26-28).
b) O segundo caminho interpretativo, é que no verso 4 temos um diálogo simulado. Como se se perguntasse a Deus por intermédio do salmista, digamos, liturgica70
mente: considerando a imensidão da glória de Deus revelada no universo, “que é o
homem, que dele te lembres? E o filho do homem, que o visites?” (v. 4). Ele então
responde se dirigindo a Deus professando a sua fé, mostrando que no homem vemos de forma ainda mais eloquente do que em toda a Criação a manifestação da
Glória de Deus (Sl 8.5-8), sendo o verso 9 uma síntese exultante da revelação de
Deus em toda a Criação.
As duas interpretações não altera em nada a nossa compreensão teológica das
Escrituras, apenas realçam aspectos do texto que podem sugerir caminhos diferentes, contudo, ambos fazem parte do ensino sistemático das Escrituras.
A Bíblia atesta que Deus faz todas as coisas conforme o conselho da Sua vontade (Ef 1.11): conforme o Seu santo prazer e deliberação (Sl 115.3;135.6). Todos os
Seus atos, livres como são, constituem-se em manifestações do Seu soberano poder e da Sua infinita sabedoria (Pv 3.19; Rm 11.33).
Jeremias escreve: “O Senhor fez a terra pelo seu poder; estabeleceu o mundo por
sua sabedoria, e com a sua inteligência estendeu os céus” (Jr 10.12). No livro de Jó
lemos: "Eis que Deus se mostra grande em Seu poder!" (Jó 36.22). A Criação é resultado da vontade e do poder criador de Deus, revelando aspectos da grandeza de
Deus. (Gn 1.1,26,27; Sl. 148.5; Is 44.24; Jr 32.17; Rm 1.20; 4.17; 2Co 4.6; Hb 11.3;
Ap 4.11).
No relato da criação do homem, encontramos o registro inspirado: "Também disse
Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança....” (Gn
1.26). Deus Se aconselha consigo mesmo e delibera de forma verbal. Aqui podemos
ver a singularidade da criação do homem; em nenhum outro relato encontramos esta
71
Conforme acentua Bavinck, “Ao chamar à existência as ouforma relacional.
tras criaturas, nós lemos simplesmente que Deus falou e essa fala de Deus
conosco de alguma forma, esta responsabilidade. Este compartilhar de Deus será feito com os Seus
filhos. Por sermos filhos, e não simplesmente anjos, é que Deus nos incumbirá deste privilégio e responsabilidade (Cf. David M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 112).
68
“Não são todos eles espíritos ministradores, enviados para serviço a favor dos que hão de herdar a
salvação?” (Hb 1.14).
69
26
27
“ O último inimigo a ser destruído é a morte. Porque todas as coisas sujeitou debaixo dos pés.
E, quando diz que todas as coisas lhe estão sujeitas, certamente, exclui aquele que tudo lhe subordi28
nou. Quando, porém, todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então, o próprio Filho também se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos” (1Co 15.26-28).
70
“Qualquer ensino no Saltério tem de ser considerado em relação ao fato de que os Salmos são cânticos de adoração. A apresentação do ensino sobre Deus e seus caminhos é
feita no contexto de adoração a Ele” (Allan M. Harman, Comentários do Antigo Testamento ‒
Salmos, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 35).
71
Veja-se: Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus, São Paulo: Editora Cultura Cristã,
1999, p. 24.
A Soberania de Deus e a Responsabilildade humana (2) – Rev. Hermisten – 21/01/14 – 16/21
trouxe-as à existência. Mas quando Deus está prestes a criar o homem Ele
primeiro conferencia consigo mesmo e decide fazer o homem à Sua imagem e semelhança. Isso indica que especialmente a criação do homem repousa sobre a deliberação, sobre a sabedoria, bondade e onipotência de
Deus. (...) O conselho e a decisão de Deus são mais claramente manifestos
72
na criação do homem do que na criação de todas as outras criaturas”.
Aqui temos o decreto Trinitário que antecede o tempo e, que agora, se executa historicamente conforme o eternamente planejado.
O “Façamos” de Deus, conforme usado em Gênesis 1.26, (he&A(an) (na’aseh), qal,
73
imperfeito, indica que o homem foi criado ou será criado após deliberação ou consulta, como explica Calvino: "Até aqui Deus foi introduzido simplesmente a ordenar;
agora, quando se aproxima da mais excelente de suas obras, ele passa à consul74
ta".
.
Calvino diz que Deus poderia ter criado o homem ordenando pela sua simples palavra, o que desejasse que fosse feito, "porém prefere comunicar este atributo à
excelência do homem: que ele, de certa maneira, faz uma consulta concernente à
75
criação". A que Deus consulta?, perguntaríamos. Deus consulta a Si mesmo: "Mas
desde que o Senhor não necessita de conselheiro, não há dúvida de que ele
consultou a si mesmo. (...) Deus não convoca conselheiro alheio; daí nós inferimos que ele acha em si mesmo alguma coisa distinta; como, na verdade,
76
sua eterna sabedoria e poder residem nele".
O fato de Deus ter criado o homem após deliberação, tem dois objetivos na concepção de Calvino: 1) nos ensinar que o próprio Deus se encarregou de fazer algo
grande e maravilhoso; 2) dirigir a nossa atenção para a dignidade de nossa nature77
za.
Assim, ele conclui: "Na verdade, há muitas coisas nesta natureza corrompida que poderiam induzir ao desdém; mas, se o leitor pesar corretamente todas as circunstâncias, o homem é, entre outras criaturas, um certo espécime preeminente da sabedoria, justiça e bondade divinas, de modo que
ele é merecidamente chamado pelos antigos mikri/kosmoj, 'um mundo em
78
miniatura'."
72
Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, p. 184.
73
“Esta forma pode ser traduzida como um futuro simples (nós faremos). Se entendido assim,
o texto está registrando um anúncio de Deus” (Gerard van Groningen, Criação e Consumação,
São Paulo: Cultura Cristã, 2002, Vol. 1, p. 75). "Embora o tempo aqui usado seja o futuro, todos
devem reconhecer que esta é a linguagem de alguém que aparentemente delibera" (John
Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Grand Rapids, Michigan: Baker,
1996 (Reprinted), Vol. 1, (Gn 1.26), p. 91).
74
John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Grand Rapids, Michigan:
Baker, 1996 (Reprinted), Vol. 1, (Gn 1.26), p. 91.
75
76
John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Vol. 1, (Gn 1.26), p. 91.
John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Vol. 1, (Gn 1.26), p. 92.
77
Cf. John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Vol. 1, (Gn 1.26), p. 92;
João Calvino, As Institutas, I.15.3.
78
John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Vol. 1, (Gn 1.26), p. 92.
A Soberania de Deus e a Responsabilildade humana (2) – Rev. Hermisten – 21/01/14 – 17/21
Comentando Gênesis 5.1, Calvino diz que Moisés repetiu o que ele havia dito antes, porque "a excelência e dignidade deste favor não podiam ser suficientemente
celebradas. Já era uma grande coisa que se desse ao homem um lugar primordial
entre as criaturas; mas é uma nobreza muito mais exaltada que ele portasse semelhança com seu Criador, como um filho com seu pai. Deveras não era possível que
Deus agisse mais liberalmente para com o homem senão lhe imprimindo sua própria
glória, assim fazendo-o, por assim dizer, uma imagem viva da sabedoria e justiça di79
vinas".
Em Adão temos uma demonstração eloquente da justiça divina: “Adão foi inicialmente criado à imagem de Deus, para que pudesse refletir, como por um
80
espelho, a justiça divina”.
"Façamos". "É a Trindade quem delibera, sem qualquer intervenção ou
81
consulta feita aos anjos";
é a execução autodeliberada de Deus em criar o homem; deste modo, na criação em geral e do homem em especial, encontramos a
concretização precisa do decreto eterno de Deus. O homem é o produto da vontade
de Deus. "Tudo quanto aprouve ao Senhor ele o fez, nos céus e na terra, no mar e
em todos os abismos" (Sl 135.6). Assim, o homem não foi criado por um insensível
acaso, por uma catástrofe cósmica ou por uma complicada mistura de gases e matérias. O homem foi formado por Deus de acordo com a Sua sábia e soberana vontade
82
(Gn 2.7; Rm 11.33-36). "Louvem o nome do Senhor, pois mandou ele, e foram cri83
ados" (Sl 148.5). O Poder de Deus "é a primeira coisa evidente na história da
84
criação (Gn 1.1)". E a criação do nada nos fala de Seu infinito e incompreensível
85
poder.
Davi contemplando a majestosa criação de Deus, escreveu: “Graças te dou, visto
que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as suas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem” (Sl 139.14).
Embora a Bíblia não declare o método usado por Deus, a ideia de uma evolução
teísta está fora de questão. O texto de Gn 1.26,27 implica na criação do homem não
79
John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Vol. 1, (Gn 5.1), p. 227228. Veja-se: João Calvino, As Institutas, II.1.1.
80
João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.24), p. 142.
81
Ernest F. Kevan, Gênesis: In: F. Davidson, ed. O Novo Comentário da Bíblia, 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1976, p. 84.
82
“A origem da humanidade não é, de acordo com o nosso texto [Gn 1.26], o resultado de
acontecimentos fortuitos que ocorreram por meio de eras prolongadas de tempo” (Gerard
van Groningen, Criação e Consumação, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, Vol. 1, p. 76).
83
Como indicativo histórico do conceito judeu referente à criação do mundo como sendo proveniente
do nada, citamos o livro apócrifo de Macabeus, que diz: "Suplico-te, meu filho, que olhes para o
céu e para a terra e para todas as coisas que há neles, e que penses bem que Deus as criou
do nada, assim como a todos os homens" (2Mac 7.28).
84
Stephen Charnock, Discourses Upon The Existence and Attributes of God, 9. ed. Michigan: Baker
Book House, 1989, Vol. II. p. 36.
85
Cf. Stephen Charnock, Discourses Upon The Existence and Attributes of God, Vol. II, p. 38.
A Soberania de Deus e a Responsabilildade humana (2) – Rev. Hermisten – 21/01/14 – 18/21
a partir de seres criados, nem como resultado de uma suposta evolução de seres inferiores. O verbo )frfB, usado em Gn 1.26,27, no qal é sempre teológico, apresentando Deus como o sujeito da ação, que do nada, pelo Seu poder, faz vir à existência algo novo, que antes não existia (Cf. Gn 1.1; 2.4; Sl 51.10;102.18; 148.5; Is
86
41.20; 48.6-7; 65.17, Am 4.13, etc.), contrapondo-se também, aos deuses pagãos
87
(Ez 28.13, 15).
O homem como criação secundária (em termos de ordem, não de importância),
88
foi formado com maestria e habilidade de matéria previamente criada por Deus
(Gn 3.19); entretanto, ele recebeu diretamente de Deus o fôlego da vida (Gn 2.7),
passando ao mesmo tempo a ter uma origem terrena e celestial. “Isto nos persuade que, criação direta (imediata), o homem recebeu a impressão da imagem divina; que na criação as Pessoas divinas, cada uma efetuou uma obra
distinta; e finalmente, que a criação do homem com referência ao seu des89
tino se realizou pelo sopro do fôlego de Deus”.
Agostinho (354-430), no final do 4º século (c. 395-398), extasiado com a criação
de Deus, escreveu de modo poético:
"De que modo, porém, criastes o céu e a terra, e qual foi a máquina de
que Vos servistes para esta obra tão imensa, se não procedestes como o
artífice que forma um corpo doutro corpo, impondo-lhe, segundo a concepção da sua mente vigorosa, a imagem que vê em si mesma, com os
olhos do espírito? Donde lhe viria este poder, se Vós lhe não tivésseis criado
a imaginação?
86
Cf. William Gesenius, Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament, 3. ed. Michigan: WM. Eerdmans Publishing Co. 1978, p. 138-139; Thomas E. McComiskey, )frfB: In: R. Laird Harris, ed. Theological Wordbook of the Old Testament, 2. ed. Chicago: Moody Press, 1981, Vol. 1, p. 127b; H.H.
Esser, Criação: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, Vol. I, p. 536; C.F. Keil; F. Delitzsch, Commentary on the Old Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, (s.d.), Vol. 1, (Gn 1.1), p. 47; G.L. Archer Jr., Merece Confiança o Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1974, p. 208; William G.T. Shedd, Dogmatic Theology, 2. ed. Nashville:
Thomas Nelson Publishers, 1980, Vol. I, p. 465-466; A.H. Strong, Systematic Theology, p. 374-376;
Walter C. Kaiser Jr. Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1980, p. 76; Millard J. Erickson, Christian Theology, 13. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996, p. 369. Outras
características do verbo e seu emprego no AT., podem ser encontradas em W.H. Schmidt, )frfB: In:
Ernst Jenni; Claus Westermann, Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, Vol. I, p. 489-490; Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, Vol. 2, p. 425; François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo:
Cultura Cristã, 2011, Vol. 1, p. 548; Bruce K. Waltke; Cathi J. Fredericks, Gênesis, São Paulo: Cultura
Cristã, 2010, (Gn 1.1), p. 67-68. Quanto ao costumeiro exagerado peso dado ao verbo, veja-se: Raymond C. Van Leeuwen, Br': In: Willem A. VanGemeren, org. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, Vol. 1, p. 705-711 (especialmente, p. 707ss.).
87
W.H. Schmidt, )rb: In: Ernst Jenni; Claus Westermann, Diccionario Teologico Manual del Antiguo
Testamento, Vol. I, p. 489; Veja-se também: In: W. Foerster, kti/zw: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds.
Theological Dictionary of the New Testament, Vol. III, p. 1005-1028.
88
Veja-se: Derek Kidner, Gênesis: introdução e Comentário, São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão,
1979, (Gn 2.7), p. 57.
89
Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, p. 37.
A Soberania de Deus e a Responsabilildade humana (2) – Rev. Hermisten – 21/01/14 – 19/21
"O artífice impõe a forma à matéria – a qual já existia e já a continha –
isto é, à terra, ou à pedra, ou à madeira ou ao ouro ou a qualquer coisa
material. Mas donde proviriam estes seres, se os não tivésseis criado? (...).
Mas de que modo as fazeis? Como fizestes, meu Deus, o céu e a terra?
Sem dúvida, não fizestes o céu e a terra no céu ou na terra, nem no ar ou
nas águas, porque também estes pertencem ao céu e à terra. Nem criastes o Universo no Universo, porque, antes de o criardes, não havia espaço,
onde pudesse existir. Nem tínheis à mão matéria alguma com que modelásseis o céu e a terra. Nesse caso, donde viria essa matéria que Vós não
criáreis e com a qual pudésseis fabricar alguma coisa? Que criatura existe
que não exija a vossa existência?
"Portanto, é necessário concluir que falastes, e os seres foram criados (Sl
33.6,9). Vós os criastes pela vossa palavra!
"Mas como é que falastes? (...). Efetivamente, qualquer que seja a substância com que produzistes essa voz, de modo algum poderia existir, se a
não tivésseis criado. Mas que palavra pronunciastes para dar ser à matéria
90
com que havíeis de formar aquelas palavras?".
91
Charnock (1628-1680), observa que o fato da criação de Deus ter em si a capacidade de se propagar conforme a ordem divina: "Sede fecundos, multiplicai-vos e
enchei as águas dos mares; e, na terra, se multipliquem as aves" (Gn 1.22) – revela
o Poder do Criador. Deus por Sua Palavra cria o mundo e, segundo o exercício deste mesmo poder, capacita as suas criaturas a se propagarem, tornando "o ser hu92
mano como co-criador criado".
Como indicativo da posição elevada em que o homem foi colocado, o Criador
93
compartilha com ele – abençoando e capacitando-o – do poder de nomear os ani94
mais – envolvendo neste processo inteligência e não arbitrariedade –, e também
de dar nome à sua mulher (Gn 2.19,20,23; 3.20).
E mais: Deus delega-lhes poderes para cultivar (db;[') (‘abad) (lavrar, servir, traba95
lhar o solo) e guardar (rm;v') (shãmar) (proteger, vigiar, manter as coisas) o jardim
do Éden (Gn 2.15/Gn 2.5; 3.23), demonstrando a sua relação de domínio, não de
exploração e destruição, antes, um cuidado consciente, responsável e preservador
90
Agostinho, Confissões, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. VI), 1973, XI.5-6. p. 238239.
91
S. Charnock, Discourses Upon The Existence and Attributes of God, Vol. II, p. 47ss.
92
Devo esta expressão ao teólogo luterano Philip J. Hefner. No entanto, deve ser observado que o
autor emprega a expressão numa acepção distinta da minha. (Veja-se: Philip J. Hefner, A Criação: In:
Carl E. Braaten; Robert W. Jenson, editores, Dogmática Cristã, São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1990,
Vol. I, p. 327).
93
Ver: Gerard van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento, Campinas, SP.: Luz para
o Caminho, 1995, p. 97.
94
É muito interessante a abordagem deste exercício de Adão analisado pelo campo da semiótica. Veja-se: Umberto Eco, A Busca da Língua Perfeita na Cultura Européia, 2. ed. Bauru, SP.: EDUSC,
2002, p. 25ss.
95
Vejam-se: Gn 3.24; 30.31; 2Sm 15.16; Sl 12.7; Is 21.11-12.
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96
da natureza: “6 Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão e sob seus pés tudo
lhe puseste: 7 ovelhas e bois, todos, e também os animais do campo; 8 as aves do
céu, e os peixes do mar, e tudo o que percorre as sendas dos mares” (Sl 8.6-8).
Todavia, todas estas atividades envolvem o trabalho compartilhado por Deus com
o ser humano. O nomear, procriar, dominar, guardar e cultivar refletem a graça providente e capacitante de Deus. É neste particular – domínio –, que o homem foi bastante aproximado de Deus pelo poder que lhe foi outorgado.
Ao homem foi conferido o poder de ir além da matéria, podendo raciocinar, estabelecer conexão e visualizar o invisível. “O pensamento e o conhecimento do
homem, apesar de serem extraídos de seu cérebro, são todavia em sua essência uma atividade inteiramente espiritual, pois transcendem aquilo que
97
ele pode ver e tocar”.
Ao homem, portanto, foi concedido o privilégio responsabilizador de pensar, anali98
sar, escolher livremente o seu caminho de vida, verbalizar os seus pensamentos e
emoções, podendo, assim, dialogar com o seu próximo (Gn 3.6) e com Deus (Gn
3.9-13), sendo entendido por Ele e entendendo a Sua vontade. Portanto, desde o início estava constituída uma comunidade, já que: "Comunicar é uma maneira de
99
compreensão mútua”.
Quando usamos adequadamente dos recursos que Deus nos confiou para dominar a terra, estamos cumprindo o propósito da criação glorificando a Deus. É necessário, portanto, que glorifiquemos a Deus em nosso trabalho pela forma legítima como o executamos. Devemos estar atentos ao fato de que o nosso domínio está sob
o domínio de Deus. A Criação pertence a Deus por direito; a nós por delegação de
100
Deus (Sl 24.1; 50.10-11; 115.16).
Ele mesmo compartilhou conosco este poder,
101
contudo, não abriu mão dele.
Teremos de Lhe prestar contas.
Por isso, ainda que o nosso domínio seja demonstrado, especialmente pelo avanço da ciência, novos desafios surgem. A plenitude deste domínio encontramos em
Cristo Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
Algo admirável no salmo 8, é que o salmista em seu hino começa com Deus, glorificando o nome de Jeová (hwhy), e conclui tornando a Ele, testemunhando com júbilo
a magnificência de Seu nome em toda a terra: “Ó SENHOR, Senhor nosso, quão
magnífico em toda a terra é o teu nome! Pois expuseste nos céus a tua majestade.
(...) 9 Ó SENHOR, Senhor nosso, quão magnífico e,m toda a terra é o teu nome! (Sl
96
Vejam-se: Francis A. Schaeffer, Poluição e a Morte do Homem, p. 48-50; Gerard van Groningen,
Criação e Consumação, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, Vol. 1, p. 90.
97
98
99
Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 18.
Veja-se: Confissão de Westminster, IX.1-2.
Rollo May, Poder e Inocência, Rio de Janeiro: Artenova, 1974, p. 57-58.
100
101
Veja-se: John W. R. Stott, O Discípulo Radical, Viçosa, MG.: Ultimato, 2011, p. 45.
Veja-se: Gerard Van Groningen, Criação e Consumação, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, Vol. 1,
p. 86-87, especialmente a nota 47.
A Soberania de Deus e a Responsabilildade humana (2) – Rev. Hermisten – 21/01/14 – 21/21
8.1,9). A Criação revela de forma majestosa o nome de Deus. No homem, de modo
102
especial, tal majestade é vista de forma ainda mais eloquente.
Maringá, 21 de janeiro de 2014.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
102
“O homem, por haver sido criado à imagem de Deus, nos revela muito sobre o ser do
Criador” (H.H. Meeter, La Iglesia y Estado, 3. ed. Grand Rapids, Michigan: TELL., (s.d), p. 26).

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