pdf completo - Revista Papeis

Transcrição

pdf completo - Revista Papeis
ISSN: 1517-9257
Papéis : rev. Letras
Campo Grande, MS
v. 7
n. 14
p. 1-52
jul./dez. 2003
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
MATO GROSSO DO SUL
Reitor
Manoel Catarino Paes - Peró
Vice-Reitor
Mauro Polizer
CÂMARA EDITORIAL
Alda Maria Quadros do Couto
Ana Maria Souza Lima Fargoni
Dercir Pedro de Oliveira
José Batista de Sales
Maria Adélia Menegazzo
Paulo Sérgio Nolasco dos Santos
Rita Maria Baltar Van Der Laan
Ronaldo Assunção
Vânia Maria Lescano Guerra
Ficha Catalográfica preparada pela
Coordenadoria de Biblioteca Central/UFMS
Papéis : rev. Letras / Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul. – v. 1, n. 1 (1997). Campo
Grande, MS : A Universidade, 1997.
v. : il. ; 27 cm.
Semestral.
Numeração de vols. irregular: v. 5 omitido
ISSN 1517-9257
1. Literatura - Periódicos. I. Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul.
CDD-805
2
APRESENTAÇÃO
Papéis – Revista de Letras da UFMS dá continuidade à orientação dos números anteriores
optando pela abertura dos artigos quanto à temática, desde que relacionados às áreas de
Literatura, Língua e Lingüística.
Abrindo esse número 14, Eliane Cunha Ferreira entrevista John Gledson para falar de seu
percurso crítico pelas obras dos escritores brasileiros Carlos Drummond de Andrade e
Machado de Assis.
Maria Leda Pinto analisa poemas de Manoel de Barros na perspectiva da Análise do
discurso de linha francesa, evidenciando o trabalho poético voltado para a
intertextualidade, a polifonia e a heterogeneidade discursiva.
A análise literária tem lugar com o artigo de Luiz Gonzaga Marchezan que investiga a
metáfora do labirinto em Borges e Cartázar, comparando minuciosamente o processo de
construção, os recursos e o resultado estético nos contos O jardim dos caminhos que se
bifurcam e Casa tomada. O ensaio de Paulo César Thomaz volta-se para a prática poética
de Juan José Saer, no romance El antenado, ressaltando o uso dos recursos próprios do
poema no texto narrativo do escritor argentino.
A organização de um inventário crítico/bibliográfico da obra de Manoel de Barros é
descrita e apresentada por Walquíria Gonçalves Béda, indicando lacunas e excessos.
A área de Língua Inglesa é contemplada nesse número com o artigo de Nadir de Assis
Boralli voltado para os fenômenos de hesitação presentes nas falas de um grupo de
estudantes brasileiros, sugerindo sua transitoriedade e dinamismo.
O leitor encontrará, ainda, resenha do livro de poemas de Douglas Diegues - Dá gusto
andar desnudo por estas selvas, por Rosana Zanelatto Santos e resumo de dissetações
do Programa de Mestrado em Letras da UFMS – Três Lagoas: Sexo e poder em Navalha
na carne de Raquel de Oliveira Fonseca e Um olhar sobre os caminhos do pantanal
sul-mato-grossense, de Marlene Schneider.
Profª Drª Maria Adélia Menegazzo
Coordenadora da Papéis
3
Projeto Gráfico, Editoração Eletrônica,
Impressão e Acabamento
Editora UFMS
Revisão
A revisão lingüística e ortográfica é de responsabilidade dos autores
Distribuição
Livraria UFMS
Publicação da
UNIVERSIDADE FEDERAL
DE MATO GROSSO DO SUL
Portão 14 - Estádio Morenão - Campus da UFMS
Fone: (67) 345.7200 - Campo Grande - MS
e-mail:[email protected]
HUMBERTO ESPÍNDOLA
‘‘Brinquedo Kadiwéu’’
gravura digital
18 x 14,5 cm
4
SUMÁRIO
7
10
18
24
30
36
46
O CRÍTICO E AS PAIXÕES DURADOURAS - DRUMMOND E MACHADO DE ASSIS
ENTREVISTA COM JOHN GLEDSON
Por Eliane Fernanda Cunha Ferreira
O "EU" E O "OUTRO" EM MANOEL DE BARROS
Maria Leda Pinto
BORGES, CORTÁZAR E A METÁFORA DO LABIRINTO
Luiz Gonzaga Marchezan
EL ENTENADO, A PRÁXIS POÉTICO-NARRATIVA DE JUAN JOSÉ SAER
Paulo César Thomaz
ALGUNS ASPECTOS DO INVENTÁRIO BIBLIOGRÁFICO SOBRE MANOEL DE BARROS
Walquíria Gonçalves Béda
PHENOMENA OF HESITATION IN INTERLANGUAGE SPEECH PRODUCTION
Nadir de Assis Boralli
RESENHA
DÁ GOSTO DE PERAMBULAR POR ESTAS PALAVRAGENS DE DOUGLAS DIEGUES
Rosana Cristina Zanelatto Santos
5
49
51
6
DISSERTAÇÃO
SEXO E PODER EM "NAVALHA NA CARNE"
Raquel de Oliveira Fonseca
DISSERTAÇÃO
UM OLHAR SOBRE OS CAMINHOS DO PANTANAL SUL-MATO-GROSSENSE:
A TOPONÍMIA DOS ACIDENTES FÍSICOS
Marlene Schneider
Entrevista com
JOHN GLEDSON*
O CRÍTICO E AS
PAIXÕES DURADOURAS
Drummond e Machado de Assis
Por Eliane Fernanda Cunha Ferreira*
Autor do ensaio sobre Drummond – Poesia e
poética de Carlos Drummond de Andrade (Livraria Duas Cidades, 1981), Gledson iniciou suas
pesquisas sobre a literatura brasileira com a obra
do poeta itabirano. O livro foi, na sua origem, a
maior parte de uma tese escrita para o Departamento de Literatura Comparada da Princeton
University, Estados Unidos.
Em entrevista exclusiva para a Profa. Eliane
Fernanda Cunha Ferreira, John Gledson, “considerado um dos mais respeitados especialistas
contemporâneos na obra de Machado de Assis”,
falou um pouco de sua experiência com a leitura
e análise da poética de Carlos Drummond de
Andrade.
*
Eliane Fernanda Cunha Ferreira é doutora em Literatura
Comparada pela UFMG e professora visitante no Curso de
Pós-Graduação em Estudos Literários da UFMS –
Departamento de Comunicação e Expressão/Campus de
Dourados.
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 7-9, jul./dez. 2003
Eliane Ferreira - Em 2002, comemorou-se, na maioria das Universidades públicas e privadas brasileiras,
o centenário de nascimento de C.D.A. Gostaria que
você comentasse esse tipo de manifestação.
John Gledson - Claro que estas datas, por mais que
tenham algo de arbitrário, são importantes. No caso
deste centenário, pode servir para explicar, e até remediar, uma situação curiosa. Drummond talvez seja
o poeta erudito mais lido e amado no Brasil. Mas o
que se tem publicado sobre sua poesia, sobretudo nos
últimos vinte anos, é muito pouco. Não sei explicar
porquê. Pode ser um pouco a conseqüência da qualidade e abrangência do que se escreveu antes, e penso
nos livros de Affonso Romano, Silviano Santiago, José
Guilherme Merquior, ou do ensaio “Inquietudes na
poesia de Drummond”, de Antonio Candido. Mas não
acredito que as gerações novas não tenham algo a
acrescentar. A grande exceção é o livro de Vagner
Camilo, Da Rosa do Povo à Rosa das Trevas, que
saiu em 2001, e é um estudo excelente em todos os
sentidos da transição entre A Rosa do Povo e Claro
Enigma.
E.F. - Como ocorreu o seu interesse pela poesia
drummondiana? Foi Drummond que o fez conhecer
o Brasil e apaixonar-se pelo país? Por que você mesmo traduziu seu livro sobre Drummond e os posteriores sobre Machado, com exceção de Confrades
de versos, foram traduzidos por Fernando Py e Sonia
Coutinho?
7
J.G. - O interesse foi se desperperfeccionismo, e devia constar
Quando li Casa velha,
tando lentamente: Drummond, a
não só nos agradecimentos: foi
e vi lá a repetição,
meu ver, não é poeta que suscite
co-tradutor. Mas aprendi a lição,
em forma mais mordaz,
paixões súbitas, como, por exeme nunca mais fiz a mesma bobaplo (pelo menos no meu caso),
dos romances dos
gem. O necessário, para mim,
Fernando Pessoa: mas uma vez
pelo menos, é uma colaboração
anos 1870, vi que tinha
despertada, é uma paixão duraentre o autor e um brasileiro de
alguma coisa a
doura. Comecei o trabalho em
confiança.
dizer
sobre
Machado,
1970, e a tese só foi completada
em 1979: visitei o Brasil três ou
E.F. - Você, atualmente, é proe aí não parei mais.
quatro vezes nesse ínterim, e pasfessor aposentado pela Universei um ano entre Rio de Janeiro e
sidade de Liverpool. O desligaMinas em 1971 e 72. O conhecimento da Instituição possibilitoumento do país foi crescendo ao longo desses anos, e lhe dedicar mais intensamente aos estudos
foi em parte por isso que ao terminar a tese, fui atra- machadianos. Você traduziu Dom Casmurro para
ído pelo lado “brasileiro” de Machado de Assis, e a inauguração da biblioteca latino-americana da
pela crítica de Roberto Schwarz, que se baseia justa- Oxford University Press, além das traduções de
mente nos problemas da “nacionalidade” brasileira.
ensaios de Roberto Schwarz (“As idéias fora do
Quanto à tradução, quando me propuseram a pu- lugar”, “Nacional por subtração”, entre outros, e
blicação da tese na editora Duas Cidades, fiquei tão Um mestre na periferia do capitalismo, publicaentusiasmado que me candidatei à tradução. Logo do pela Duke University Press). Drummond parefui percebendo que um não-nativo não pode tradu- ce que não foi retomado por você ao longo desses
zir com a naturalidade que quero que meus escritos 20 anos que se passaram desde a publicação do
tenham. Tive a sorte realmente imensa de ter em seu livro. Como você explicaria seu “distanciaLiverpool um amigo, Elmar Pereira de Mello, que mento” da poesia drummondiana? Apenas 3 anos
repassou tudo comigo, com muita paciência e após essa publicação, você publicaria em 1984, The
deceptive realism of Machado de Assis : a
dissenting interpretation of Dom Casmurro. (Machado de Assis - impostura e realismo: uma
reinterpretação de Dom Casmurro). Como ocorreu essa transição do modernismo brasileiro para
o “realismo” machadiano?
J.G. - Creio que acontece freqüentemente essa mudança de um autor para outro na vida dos críticos
acadêmicos. Tenho visto vários casos. Não diria que
seja um distanciamento propriamente dito: Poesia e
poética de Carlos Drummond de Andrade tinha
algo de auto-suficiente, de completo para mim, com
seu argumento próprio. A poesia faz parte do meu
mundo mental, é claro: não seria possível abandonála. Na verdade, depois de uma tentativa malograda
de escrever sobre os anos 30, tive que ler Machado
por motivos de ensino, e li Ao vencedor as batatas,
livro que de início me fascinou. Quando li Casa velha, e vi lá a repetição, em forma mais mordaz, dos
romances dos anos 1870, vi que tinha alguma coisa a
dizer sobre Machado, e aí não parei mais.
Grafite de Drummond/2002 por João Batista F. Chagas
8
E.F. - Depois da publicação do seu livro, você continuou a acompanhar a produção literária de Drummond
e da fortuna crítica? Como você analisa a publicação
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 7-9, jul./dez. 2003
póstuma dos poemas eróticos de Drummond? “Como
define Affonso Romano de Sant´Anna, “as palavras
às vezes copulam semanticamente, e o que encontramos nestas páginas é o êxtase poético de um autor que, ao mergulhar fundo em suas próprias sensações, desnuda também o leitor, que se vê frente a
frente com suas próprias contradições ao pensar nos
limites entre o erótico e o pornográfico, o sexo e o
amor.” Você concorda com Affonso, poeta também
mineiro?
J.G. - Como disse, é estranho que se tenha publicado tão pouco desde, mais ou menos, 1980: o mais
interessante, fora o livro de Vagner Camilo mencionado acima, creio que são alguns textos do próprio poeta, os trechos do diário, entrevistas concedidas no fim da vida, etc. Os poemas eróticos já
conhecia na época em que pesquisava, porque circulavam em cópias datilografadas – na época, lembro que os via como extensões dos poemas amorosos e quase eróticos de Claro enigma etc.: poemas dos mais lindos (e corajosos) do poeta, como
“Campo de flores”, “O quarto em desordem”,
“Rapto”, etc. Continuo achando que fazem parte
integr ante da obr a do poeta, e é só pelo
frissonzinho, hoje talvez superado, de serem eróticos que se podem considerar à parte. De fato,
como diz Affonso, nos põem frente a frente com
as nossas contradições: mas os outros poemas,
amorosos ou não, não fazem a mesma coisa?
E.F. - Você, como pesquisador estrangeiro, teve todas as portas abertas para desenvolver suas pesquisas. Os nossos saudosos Plínio Doyle, que foi homenageado no simpósio sobre Machado de Assis na
ABRALIC (2002), e Antonio Houaiss contribuíram
para isso, além de Affonso Romano de Sant´Anna.
O fato de você ser um pesquisador estrangeiro implica em uma maior acessibilidade a arquivos menos
visitados pelos pesquisadores brasileiros?
J.G . - Sem dúvida tive muita sorte, e não sei se
gozei de privilégios por ser estrangeiro: é bem provável que sim, em Princeton e depois Liverpool me deram apoio financeiro. Direi duas coisas a este respeito: devo muitíssimo a certos indivíduos, e posso
salientar Fernando Py, Plínio Doyle, e o próprio poeta, que me acolheram com muita generosidade. Em
relação aos arquivos onde trabalhei, principalmente
o Arquivo Público Mineiro e a Biblioteca Nacional,
não creio que tenha gozado de privilégio nenhum: mas
tenho saudades das horas e horas a fio em que fiquei
sentado lá, copiando à mão dos jornais e revistas as
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 7-9, jul./dez. 2003
primeiras obras de Drummond, guiado pelas informações fornecidas pelo Fernando, numa época em
que xerox era coisa rara. Ainda hoje tenho essas preciosidades, e foi lá que aprendi a pesquisar: não tenho feito outra coisa com Machado, por exemplo no
trabalho que faço sobre as crônicas.
E.F. - Agradeço a sua colaboração.
OBRAS DE JOHN GLEDSON
Poesia e poética de Carlos Drummond de Andrade (Duas Cidades, 1981)
The deceptive realism of Machado de Assis: a dissenting interpretation
of Dom Casmurro. (Francis Cairns, 1984 ).
Machado de Assis: ficção e história. Trad. Sonia Coutinho. (Paz
e Terra, 1986).
Machado de Assis - impostura e realismo: uma reinterpretação
de Dom Casmurro. Trad. Fernando Py. (Companhia das Letras,
1991).
Machado de Assis: Bons Dias! Introdução e notas de John
Gledson. (Editora da Unicamp, Hucitec, 1990).
Dom Casmurro (Oxford University Press, 1998).
Machado de Assis e confrades de versos. (Minden, 1998).
Machado de Assis: contos (antologia). Seleção, introdução e notas de
John Gledson. (Companhia das Letras, 1998).
“Uma lição de história: ‘Conto de escola’ de Machado de Assis”
em A Biblioteca de Machado de Assis (2001).
Além de Machado de Assis, John Gledson também
estudou Drummond
9
Este trabalho tem o objetivo de apresentar os resultados da análise de
quatro poemas de Manoel de Barros, em que procuramos dar destaque para a intertextualidade, a polifonia e a heterogeneidade
discursiva.Tendo como perspectiva teórica a Análise do Discurso de
linha francesa, procuramos conhecer as representações que o sujeito
faz de si e do mundo, por meio de seu discurso. Recorremos à contribuição da AD porque entendemos ser esta a abordagem que — fundamentada no princípio dialógico da linguagem defendido por Bakhtin
— amplia as noções lingüísticas existentes, ao mesmo tempo em que
propõe novas noções que explicitam o caráter histórico e social da
linguagem. Por uma questão de espaço e tempo, os poemas serão
abordados a partir dos enfoques propostos, no entanto outros aspectos
poderão estar no bojo dessa análise.
Palavras-chave: dialogismo – discurso –sujeito
This work has the objective to present the results of the analysis
of four poems of Manoel de Barros, in which we tried to focus on
the intertextuality, poliphony and discoursive heterogeneity. As
theoretical perspective the Analysis of the French line discouse,
we tried to know the representations that the subject does of itself
and of the world, through his discourse. We appeal to the
contribution from the AD because we understand this is the
approach that — based on the dialogical principle of language
defended by Bakhtin — expand the existing linguistic notions, at
the same time that purpouse new notions that explicit the social
and historical character of the language. For a question of space
and time, the poems will be looked from the purpoused approaches,
however others aspects will be into he bulge of that analysis.
Keywords: dialogism, discourse, subject
10
*
Maria Leda Pinto é
Doutoranda da
Universidade de São
Paulo, Professora da
UEMS e da
UNIDERP.
O ‘‘EU’’ E O ‘‘OUTRO’’
EM MANOEL DE BARROS
Maria Leda Pinto*
1. Introdução
Os estudos lingüísticos têm avançado muito nos últimos anos. Embora saibamos que a linguagem sempre
chamou a atenção dos estudiosos, um trabalho de pesquisa sobre os fenômenos lingüísticos aconteceu – com
maior intensidade – em grande parte dos países europeus, nas últimas décadas. No Brasil, o ponto alto das
discussões se deu a partir da década de oitenta. Muitas
foram as investigações que resultaram em descobertas
de novas teorias que têm dado maior consistência a
esses estudos, possibilitando a retomada de concepções anteriores e de suas contribuições para o desenvolvimento da lingüística, como ciência da linguagem.
Essas reflexões nos permitem afirmar que a lingüística, atualmente, possui duas vertentes principais:
de um lado, a chamada lingüística do sistema ou
estrutural e, de outro, a lingüística do discurso. A
primeira tem em Saussure (2000), um dos seus principais estudiosos. Como sabemos, o pensamento
saussureano — e de todos os estruturalistas que vieram depois dele — sempre concebeu a língua como
um sistema lingüístico abstrato e estável. Essa foi a
fundamentação teórica que pautou os estudos e o ensino de línguas por muito tempo. Uma breve olhada
no processo histórico dos estudos lingüísticos e constataremos que os maiores avanços, até um tempo
atrás, ocorreram em aspectos da língua isolados e
dissociados do uso, sendo os aspectos fonéticos e
fonológicos, os morfológicos e os sintáticos os que
mais avançaram.
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 10-17, jul./dez. 2003
As últimas décadas, entretanto, têm se voltado para
uma Lingüística do discurso, que surge, mais fortemente, a partir dos estudos fundamentados nas idéias
do teórico russo M. Bakhtin (1986). Num contraponto
à Lingüística Estrutural, Bakhtin compreende a língua como algo concreto, vivo, capaz de dar conta das
situações cotidianas de uso, de modo que a linguagem, nesta perspectiva, é uma atividade histórica e
social. Esses estudos, que colocam o dialogismo como
fundamento principal dentro de um processo de
interação verbal, rompem com o modelo estruturalista e dão um novo enfoque às pesquisas lingüísticas e
ao ensino de línguas.
Com Bakhtin e todos os outros estudiosos que,
antes dele, com ele e depois dele, defenderam/defendem o desenvolvimento dos estudos da linguagem a
partir da análise do todo do texto, a lingüística conseguiu romper as barreiras que limitavam seu objeto de
estudo à frase fora do contexto lingüístico e
extralingüístico. Esse, com certeza, se constitui em
um dos maiores avanços da lingüística ocorridos nas
últimas décadas: mover-se da linguagem do sistema
para a linguagem de uso.
2. Pragmática:
a linguagem em uso
“A língua penetra na vida através dos enunciados
concretos que a realizam, e é também através dos
enunciados que a vida penetra na língua.”
(BAKHTIN, 1997)
11
A ciência que realiza o estudo dos usos da linguagem é a Pragmática, compreendida e aplicada, pelos
estudiosos, a partir de dois enfoques. O primeiro compreende-a como a ciência que perpassa toda essa linguagem; o segundo apresenta-a, de forma mais restrita, como a teoria que estuda os atos de fala. No
enfoque mais amplo pode ser comparada a um guarda-chuva que abriga/estuda as teorias e/ou abordagens que se propõem pensar as questões lingüísticas
segundo a perspectiva do uso.
Cada uma dessas abordagens, progressivamente,
possibilitou à reflexão lingüística o surgimento de novos conceitos e novas leituras dos já existentes. A
questão da subjetividade em Benveniste, os atos de
fala, com Austin e Searle, as máximas conversacionais
e a noção de implicatura de Grice, a questão das atividades lingüístico-cognitivas e de composição textual dos psicólogos e psicolingüistas soviéticos, os operadores argumentativos e a intertextualidade na Lingüística Textual, os implícitos e a polifonia de Ducrot.
Entretanto, é com a Análise do Discurso, dita de linha
francesa, que vamos saindo, mais claramente, da estrutura fechada da língua, para pensá-la em um contexto extralingüístico.
Os analistas do discurso, fundamentados no princípio dialógico da linguagem defendido por Bakhtin,
ampliam noções lingüísticas existentes, ao mesmo tempo em que propõem novas noções que explicitam o
caráter histórico e social da linguagem. Linguagem
que passa, nessa perspectiva teórica, a ser entendida
como uma atividade de falantes concretos, históricos,
reais e, por isso uma atividade histórica e social, uma
representação da realidade.
Outras noções importantes como a de sujeito e a
de discurso vão ser ampliadas pela AD. O primeiro,
sendo essencialmente histórico, deixa de ser visto
como único na instância discursiva, para deixar evidente seu caráter contraditório que, segundo Brandão
(1994, p.46), é , “...marcado pela incompletude, anseia pela completude, pela vontade de ‘querer ser
inteiro’. Assim, numa relação dinâmica entre identidade e alteridade, o sujeito é ele mais a complementação do Outro.”
O discurso, por sua vez, é efeito de sentido
construído em um processo de interação verbal. É
histórico; é concreto; é social. É o lugar em que o
sujeito se constitui pela atividade de linguagem. Essa
forma de pensar o discurso vai afetar um conceito
fundante da AD: o de formação discursiva (FD)
[...] em que se deve reconhecer a coexistência
de “várias linguagens em uma única” e não
12
ao contrário, como pensavam inadequadamente alguns, a existência de “uma única linguagem para todos” Assim, uma FD não deve ser
entendida como um bloco compacto e coeso
que se opõe a outras FDs.
(BRANDÃO, 1994, P.72)
Não há, dessa forma, possibilidade de se determinar um limite entre o “interior” e o “exterior” de uma
FD, tendo em vista que ela se limita com outras FDs
e suas fronteiras são demarcadas pelos embates ideológicos. Para Brandão (1994, p.72),“é assim que se
pode afirmar que uma FD é atravessada por várias
FDs e, conseqüentemente, que toda FD é definida a
partir de seu interdiscurso.”
Maingueneau (apud BRANDÃO, 1994) concebendo o discurso a partir de uma heterogeneidade
constitutiva, defende o primado do interdiscurso sobre o discurso. Defende que a unidade de análise pertinente se constitui em um espaço de trocas entre discursos intencionalmente selecionados, determinando
“o que pode e deve ser dito” e aquilo que “não pode e
não deve ser dito”em dado enunciado. Considerando
o dialogismo, de acordo com Bakhtin, como o princípio constitutivo da linguagem, podemos afirmar que
o discurso se constitui das/nas muitas vozes já ditas.
É na relação, muitas vezes conflituosa, com o Outro
que o interdiscurso se constitui como “... o conjunto
das unidades discursivas com as quais ele entra em
relação”(MAINGUENEAU, 1998, p.86).
Essas vozes que falam e/ou polemizam no texto,
numa relação do discurso com seu Outro, trazem-nos
o conceito de intertextualidade que, para Maingueneau
(apud BRANDÃO, 1994, p.75-6) diz respeito às relações intertextuais entendidas como legítimas que uma
FD mantém com outras.
Essa intertextualidade pode ser compreendida em
dois níveis: uma intertextualidade “interna” em que
um discurso se define, em concordância e/ou
contraponto, com outros discursos do mesmo campo; uma intertextualidade “externa” em que um discurso se define a partir de uma certa relação com
discursos de outros campos. Segundo Brandão (Op.
cit., p. 76) é a compreensão desses níveis que vai nos
mostrar que um campo discursivo não é solitário, isolado, pelo contrário, o universo discursivo é determinado nesse tecer dos campos do saber.
Outro aspecto relevante postulado pela AD, a partir de Bakhtin, se refere aos gêneros do discurso. O
uso da língua, nas mais diversas atividades dos falantes, se constitui de enunciados que, segundo Bakhtin
(1997, p.317) refletem as condições específicas e as
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 10-17, jul./dez. 2003
finalidades de cada uma dessas esferas, não só
por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal (...) mas também, e sobretudo, por sua construção composicional.” Essas diversas formas, relativamente estáveis, dos enunciados são, para o autor, denominadas gêneros do discurso.
Há também a heterogeneidade mostrada e a
heterogeneidade constituída que, através do princípio da alteridade, mostram como o discurso se relaciona com o seu “exterior”. Nessa relação, tem papel
fundamental a memória discursiva, que vai possibilitar, na tessitura que faz emergir o interdiscurso de
uma FD, a evidência da concordância, da rejeição ou
da transformação de enunciados de outras FDs historicamente relacionadas.
Podemos afirmar, portanto, que a AD aqui focalizada apresenta, como seu postulado de base, que o
estudo da linguagem não pode estar dissociado de
suas condições de produção. Segundo Barros (1994,
p.5), a resolução dialógica entre uma lingüística interna e uma lingüística externa, proposta por
Bakhtin, encontra-se, por conseguinte, no centro de
suas investigações”.
A análise do discurso oportuniza uma discussão que
trata o texto como um todo e, diferentemente de uma
postura abstrata e fragmentada, possibilita uma reflexão sobre enunciados concretos construídos por sujeitos ideologicamente constituídos, pois é através do uso
da língua dentro do contexto social em que vive e atua,
que o homem se constitui e estabelece vínculos sociais com outros sujeitos e outras culturas.
A partir dessa perspectiva, que nos possibilita conhecer as representações que o sujeito faz de si e do
mundo através de seu discurso, ousamos conhecer
um pouco do poeta Manoel de Barros, através da
análise de alguns de seus poemas.
3 Quatro poemas:
o ‘‘Eu’’ e o ‘‘Outro’’
em Manoel de Barros
“Os outros: o melhor de mim sou Eles”
Manoel de Barros
O texto, na perspectiva bakhtiniana, é tecido
polifonicamente através de “vozes” que se cruzam e
estão presentes nos enunciados que se constituem no
espaço discursivo entre o “eu” e o “outro”, em uma
relação de identidade/alteridade, em situações concretas de interação. Para Bakhtin, o uso da língua se
efetiva em enunciados orais e escritos, concretos e
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 10-17, jul./dez. 2003
únicos, que emanam de sujeitos, histórica e socialmente constituídos.
O enunciado concreto é definido pelo autor como
a unidade real da comunicação verbal que tem
no diálogo, por sua clareza e simplicidade, a forma
clássica de comunicação, já que ele evidencia, de forma mais direta, a alternância entre os sujeitos falantes e a possibilidade de réplica. Além da alternância
entre os sujeitos falantes, temos como propriedades desse enunciado:
a) o acabamento específico do enunciado, que se
constitui de três fatores os quais, de forma articulada, determinam, segundo Bakhtin, a possibilidade de responder:
a.1. ao tratamento exaustivo do tema;
a.2. à intenção, ao querer-dizer do locutor;
a.3. às formas típicas de estruturação do gênero
do acabamento.
b) à relação do enunciado com o próprio locutor
e com os interlocutores da comunicação verbal.
Essas propriedades do enunciado concreto nos remetem a um aspecto que julgamos muito importante
para a nossa análise, ou seja, a questão dos gêneros
do discurso. O fato de nos dirigirmos a alguém, a
nossa relação com esse alguém, o intuito de dizer
sobre determinado tema, nos leva à escolha da(s)
forma(s) típica(s) de dizer, ou seja, à estruturação do
gênero discursivo mais pertinente ao contexto
enunciativo.
Definindo os gêneros do discurso como tipos relativamente estáveis de enunciados, o teórico russo classifica-os em gêneros do discurso primários (simples, como por exemplo a réplica do diálogo cotidiano), e gêneros do discurso secundários (complexos) que se constituem em contextos de comunicação
cultural mais ampla, mais complexa, principalmente
na escrita: artística e/ou científica, por exemplo.
Os gêneros secundários, no seu processo de formação, podem se valer dos gêneros primários, que,
nessa condição, transformam-se e “perdem sua relação imediata com a realidade existente e com a realidade dos enunciados alheios” (BAKTHIN, 1997,
p.281). Entretanto, estabelecer a distinção entre gêneros primários e secundários é relevante teoricamente, pois a análise desses dois gêneros é que vai elucidar
e definir a natureza do enunciado:
A inter-relação entre os gêneros primários e
secundários de um lado, o processo histórico
de formação dos gêneros secundários do outro, eis o que esclarece a natureza do enunciado (e, acima de tudo, o difícil problema da
13
correlação entre língua, ideologias e visões de
mundo) (BAKHTIN, 1997, p.282)
Refletindo a respeito dessas considerações de
Bakhtin sobre os gêneros do Discurso, Brandão
(2002,p.4) aponta dois aspectos que julga importantes:
1. mesmo sendo cada gênero marcado pela regularidade e pela repetibilidade, por isso definido como
relativamente “estável”, não é um modelo a ser seguido literalmente, tendo em vista que essa estabilidade é constantemente ameaçada por forças sociais, culturais, de restrição genérica e individuais (estilística)
que determinam mudanças, apagamento ou
revivescência num gênero. Esse movimento marca
singularmente os diferentes gêneros; uns mais estáveis, outros mais susceptíveis à variabilidade.
2. a dimensão intragenérica e intergenérica que um
gênero estabelece com outro no espaço do texto. A
primeira corresponde ao diálogo interdiscursivo que
se estabelece entre as diferentes manifestações textuais de um mesmo gênero. A segunda considera que,
na prática, os discursos/textos não se apresentam homogêneos, ao contrário, na sua produção se
intercruzam vários tipos de texto e de seqüências textuais. São os gêneros, portanto, na prática, marcados
pela heterogeneidade e pela interdiscursividade/
intertextualidade.
Essa é a perspectiva que escolhemos para analisar
quatro poemas de Manoel de Barros, em que pretendemos dar destaque para a intertextualidade, a
polifonia e a heterogeneidade discursiva, se é que se
pode pensar separadamente desse ponto de vista, a
não ser didaticamente. Portanto, por uma questão de
espaço e tempo, os textos serão olhados a partir dos
enfoques propostos, no entanto, outros aspectos poderão estar no bojo dessa análise.
Os poemas que serão analisados pertencem ao
gênero poético, com circulação dentro de uma comunicação cultural mais complexa tendo, assim, seu lugar nos gêneros do discurso secundário.
Entendendo, com Brandão, por intertextualidade as
relações que uma formação discursiva mantém com
outras formações discursivas, podemos olhar os poemas nº 5 e nº 12, de Manoel de Barros em uma relação com o Salmo 23, da Bíblia, como uma intertextualidade externa, tendo em vista que um discurso do campo literário/poético estabelece uma relação com um
discurso do campo religioso: bíblico e, também, mais
específico da igreja católica através das expressões
“monge”, “um convento”, “oratórios” (poema nº 5),
“beato” e “galardão” (poema nº 12); este último é usado também pelos evangélicos. Trata-se de uma relação interdiscursiva em que se privilegia um discurso
citado e de outro campo discursivo1 ao qual o poeta se
1
Campos discursivos são espaços onde um conjunto de formações discursivas estão em relação de concorrência no sentido amplo,
delimitam-se reciprocamente: assim as diferentes escolas filosóficas ou as correntes políticas que se afrontam, explicitamente ou não,
numa certa conjuntura. Cf. Maingueneau (1998:19).
14
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 10-17, jul./dez. 2003
contrapõe. Podemos dizer que esse contraponto é
centrado no “motivo”: enquanto o salmo exalta/louva
a Deus, o poeta exalta/louva a natureza, o Pantanal, o
seu espaço de vivências. Ele “endeuza” as coisas:
“Pote-cru” e os seres: “Passo-triste”.
Considerando o espaço escolhido para os poemas:
o livro Retrato do Artista quando Coisa – que já
no título apresenta uma intertextualidade em relação
ao livro de James Joyce Um retrato do artista quando jovem – podemos compreender o discurso do
poeta, já que nessa sua obra, ele se coloca como o
próprio espaço, o próprio contexto, como sendo ele
aquele concerto de “vozes”, de “sons”, de “seres”. É
o próprio Manoel de Barros que afirma estar o Pantanal dentro dele: “Não me seduz ver as paisagens do
pantanal porque elas estão dentro de mim. O que
preciso é de transfazê-las” (Apud VIÉGAS, 1994,
p.19) Esse transfazer é tornar-se “coisa”, ver-se como
outro ser, como nos aponta quando escolhe como
epígrafe do livro: “ Não ser é outro ser”, do Livro
do desassossego, de Fernando Pessoa. E quando afirma em outros espaços (p. 17) do mesmo livro que o
artista Não terá mais o condão de refletir sobre as
coisas. Mas terá o condão de sê-las (grifos nossos).
Na trajetória histórica de Manoel de Barros estão
presentes, entre outros, dois campos discursivos
conflitantes: a formação educacional no Colégio dos
Irmãos Maristas e a sua militância no Partido Comunista. Ao mesmo tempo que ele quer ser “coisa”, numa
demonstração, possivelmente, de humildade que nos
lembra São Francisco de Assis e também de exaltação
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 10-17, jul./dez. 2003
à natureza: “Pedra ser, inseto ser era seu galardão.
Sua casa era guardada por aves do que ferrolhos.”/”Dava aos andrajos grandeza.”, por outro
lado, destaca as mazelas da natureza e tudo aquilo
que é rejeitado, abominado pela sociedade, pobre e
triste: “De rato podre, vísceras de piranhas, baratas /albinas, dálias secas, vergalhos de lagartos,/Lingüetas de sapatos, aranhas dependuradas em/Gotas de orvalho etc.etc./ Passo-triste tinha um gosto entre beato e bêbado/Pote-cru, ele
dormia nas ruínas de um convento, colocando-se
ao lado dos não favorecidos, a parte destruída da natureza pela insensatez humana.
Nesses discursos, o autor constrói a própria identidade discursiva, a partir dos espaços discursivos escolhidos, numa relação de alteridade entre o seu discurso e discurso(s) de campos diferentes, principalmente tendo como fundante o discurso religioso. Podemos dizer então que os poemas nº 5 e nº 12, em
sua relação com o “outro”, com o seu exterior se
constitui de uma heterogeneidade mostrada, já que a
alteridade se manifesta de forma explícita.
Já o poema a seguir, intitulado Comparamento,
apresenta uma intertextualidade interna, em relação a
outro discurso do mesmo campo: o poema Catar feijão, de J.Cabral de Melo Neto. Podemos afirmar isso,
tendo em vista que os dois textos estabelecem uma
comparação entre o ato de escrever poesias e um
aspecto da vida cotidiana, do contexto social de seus
autores: para J. Cabral de Melo Neto o “catar feijão”,
para Manoel de Barros o “percurso de um rio”. En15
tretanto, não há citações explícitas, nem imitação na
forma de apresentação do poema, embora pertençam
os dois a um mesmo gênero do discurso. Temos, nesse caso, uma heterogeneidade mostrada, não marcada.
Manoel de Barros, com certeza, leitor da obra de
João Cabral de Melo Neto, deixa-nos ver aquilo que
Maingueneau (Apud BRANDÃO, 1998, p.126) afirma: um discurso não se constitui sobre uma página
em branco “...o novo não pode se enunciar senão
por um reagenciamento do que já está lá”. Temos
aqui a voz do outro recuperada através do cruzamento da formação discursiva manoelina com outra formação discursiva: a de J. Cabral de Melo Neto.
Dentro de um movimento dialógico, podemos perceber outras ”vozes” constituindo o poema: o conhecimento de mundo/do seu mundo, nos versos: “Os
rios recebem, no seu percurso, pedaços de pau,/folhas secas, penas de urubu/E demais trombolhos. O
conhecimento literário, no que se refere à construção
do texto poético: “As palavras, na viagem para o
poema, recebem/nossas torpezas, nossas demências,
nossas vaidades/ E demais escorralhas/ (...) Mas desembarcam no poema escorreitas: como que/filtradas. E, finalmente, o conhecimento da relação leitor/
texto: “E livres das tripas do nosso espírito”. O meu
texto, nem é só a minha voz, como também, nas instâncias públicas produz efeitos de sentido e tem no
leitor — com sua história e sua caminhada — um coautor, um construtor de sentidos.
Poema Nº 13
Venho de nobres que empobreceram.
Restou-me por fortuna a soberbia.
16
Com esta doença de grandezas:
Hei de monumentar os insetos!
(Cristo monumentou a Humildade quando
beijou os pés de seus discípulos.
São Francisco monumentou as aves.
Vieira, os peixes.
Shakespeare, o Amor, A Dúvida, os tolos.
Charles Chaplin monumentou os vagabundos.)
Com esta mania de grandeza:
Hei de monumentar as pobres coisas do
chão mijadas de orvalho.
(BARROS, Manoel. Livro sobre nada.
Rio de Janeiro: Record, 1996, p. 61.)
Numa relação interdiscursiva com discursos de
campos diferentes, o poema nº13 apresenta uma
intertextualidade externa, já que o autor vai buscar
nesses discursos, podemos dizer que uma sustentação/justificativa para o seu discurso. Quando cita Cristo, São Francisco e Vieira, está se respaldando nos
grandes feitos de alguns sujeitos que fizeram a história do discurso religioso. Quando cita Shakespeare e
Chaplin, nomes do teatro e do cinema, se respalda na
história do discurso artístico. Além desses discursos,
outras formações discursivas atravessam o poema: a
vida dos nobres, seus fracassos e sua soberbia,
explicitada no texto como uma doença.
Dessa maneira, o poema apresenta duas possibilidades de interpretação/efeito de sentido, nessa
tessitura polifônica de “vozes”. Numa perspectiva
polifônica da ironia, podemos entender que o “locutor” coloca em cena um “enunciador” que adota uma
posição crítica em relação ao discurso religioso e artístico que não pode assumir socialmente, tendo em
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 10-17, jul./dez. 2003
vista que os feitos já são consagrados no contexto
histórico e social da humanidade. Esse “enunciador”
coloca esses feitos no mesmo patamar de uma das
piores características humanas: a soberba, que qualifica como doentia, valendo-se do discurso citado para
refutá-lo.
A outra possibilidade de efeito de sentido tem relação com o discurso do poeta no seu desejo de ser
“coisa”, “outro ser”. Se o poeta quer ter “...o condão de sê-las”( as coisas), que é preciso transfazer a
sua realidade (o Pantanal), embora isso possa parecer
ao outro uma “soberbia”, uma “doença”, ele equipara todo o destaque reservado à “Humildade”, às “aves”,
aos “peixes”, ao “amor”, aos “tolos”, aos “vagabundos” também ao que para ele tem essa mesma importância: “...as pobres coisas do chão mijadas de orvalho”, a quem sente-se capaz de monumentar.
4. Considerações finais
Ao colocarmos em prática um trabalho de análise de textos na perspectiva da linguagem em uso,
alguns aspectos importantes merecem ser destacados. O primeiro deles foi poder constatar, através de
uma análise prática de textos, as representações que
o sujeito faz de si e do mundo e como isso fica
evidente nos enunciados que profere. Mesmo em
um texto poético — tanto tempo compreendido por
nós como uma “linguagem figurada” — está lá o
sujeito, seus possíveis interlocutores e o discurso
poético que se construiu/constrói nesse espaço
discursivo que se constitui entre o poeta e seu “outro”, a cada leitura, a cada leitor.
Vale ressaltar também que o momento em que
adentramos os textos para analisá-los, posicionandonos como sujeito/leitor, a construção de sentido foi
gradativamente construída, fazendo-nos interagir
com os poemas, num processo de escolhas e de
mobilização do universo de conhecimentos que já
tínhamos e de outros que tivemos de ir buscar —
através da pesquisa e de muitas leituras — a fim de
chegarmos aos efeitos de sentido possíveis para nós
neste momento e que constituem as análises realizadas.
5. Referências
ALMEIDA, João Ferreira de. A Bíblia Vida Nova. 7. ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 1985.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1986.
––––––––. “Os gêneros do discurso” In.: Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BARROS, Diana L. P. de. & FIORIN, J. Luiz (Orgs.) Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade. Ensaios de Cultura, n. 7. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 1994.
BARROS, Manoel. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996.
––––––––. Gramática Expositiva do Chão.. Rio de Janeiro: Record, 1999.
––––––––. Ensaios Fotográficos. Rio de Janeiro: Record, 2000.
––––––––. Retrato do Artista quando coisa. Rio de Janeiro: Record, 2001.
BÉDA, Walquíria Gonçalves. O inventário bibliográfico sobre Manoel de Barros ou “Me encontrei no azul de sua tarde”.
(Dissertação de Mestrado). ASSIS, UNESP, 2002.
BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 3. ed.. Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 1994.
––––––––. Subjetividade, Argumentação, Polifonia. A propaganda da Petrobrás. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.
––––––––. A articulação: gêneros do Discurso e Ensino. São Paulo: USP, 2002, no prelo.
MAINGUENEAU, Dominique. Termos-chave da análise do discurso. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
MELO NETO, João Cabral. Antologia Poética, obras completas. 19??, p. 21-2
MENEGAZZO, Maria Adélia. Alquimia do verbo e das tintas nas poéticas de vanguarda. Campo Grande-MS: UFMS, 1991.
MENZES, Cynara. O Artista quando coisa. Disponível em: <http://www.secrel.com.br/jpoesia/1cynara.html> Acessado em <13 nov.
2002>.
PENTEADO, Márcia A. de Oliveira. Breve olhar sobre a criação lexical em Manoel de Barros. (Monografia para conclusão do
Curso de Especialização em Letras). Aquidauana: UFMS, 2002
VIÉGAS, Maranhão. O azul do quintal de Rodin (Entrevista). In: Onati. Revista Técnico-Científica e Cultural do CESUP. Campo
Grande, MS. Nº 1, p. 19-21, set.1994.
SAUSSURE, Fedinand. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 2000.
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 10-17, jul./dez. 2003
17
O labirinto é uma metáfora sem referente que pode ser atualizada
com propósitos estéticos diversos. Borges, em ‘‘O jardim dos caminhos que se bifurcam’’, conto de 1941, utiliza-se do labirinto para
confabular, tramar com parábolas intemporais. Cortazar, em ‘‘Casa
tomada’’, conto de 1951, constrói uma alegoria existencial, tramando-a no espaço labiríntico, compartimentado, de uma casa. Para isso,
ambos trabalham com a memória – intemporal, infinita, no conto de
Borges; obsessiva, no conto de Cortazar e ambos elaboram uma narrativa sustentada pela retórica composicional do paradoxo. Comparálos, para este trabalho, será identificá-los com alguns dos seus procedimentos discursivos e diferenciá-los mediante a estratégia da sua
poética.
Palavras-chave: conto-semiótica-retórica-espaço
The labyrinth is a metaphor without reference that might be updated
for several aesthetic purposes. Borges, in ‘‘O jardim dos caminhos
que se bifurcam’’, (The Gardens of Forking Paths), a short story
from 1941, makes use of the labyrinth to confabulate, plot with
intemporal paraboles. Cortazar, in Casa tomada (House Taken Over),
a 1951-short story, makes an existential allegory, planting it in the
divided, labyrinthine setting of a house. In order to do so, both writers
work with memory – intemporal, endless, in Borges short story;
obsessive, in Cortazar’s short story. Also, both of them elaborate a
narrative supported by the compositional rhetoric of paradox. For
this study, comparing them will mean identifying them with some of
their discursive proceedings and differing them according to the
strategy of their poetic.
Keywords: short story, semiotic, rhetoric.
18
*
Luiz Gonzaga
Marchezan é professor
de Literatura Brasileira
no Curso de
Pós-graduação em
Estudos Literários da
FCL da UNESP Araraquara.
BORGES, CORTÁZAR
E A METÁFORA DO LABIRINTO
Luiz Gonzaga Marchezan*
O labirinto é uma metáfora sem referente que pode
ser atualizada com propósitos estéticos diversos.
Borges, em O jardim dos caminhos que se bifurcam,
conto de 1941, utiliza-se do labiríntico para confabular,
tramar com parábolas intemporais. Cortázar, em Casa
tomada, conto de 1951, constrói uma alegoria existencial, tramando-a no espaço labiríntico, compartimentado, de uma casa. Para isso, ambos trabalham
com a memória – intemporal, infinita, no conto de
Borges; obsessiva, no conto de Cortázar e ambos elaboram uma narrativa fantástica sustentada pela retórica composicional do paradoxo. Compará-los, para
este trabalho, será identificá-los com alguns dos seus
procedimentos discursivos e diferenciá-los mediante
a estratégia da sua poética.
Segundo Borges, “Imaginar un cuento es como entrever una isla. Veo las dos puntas, sé el principio y el
fin. Lo que sucede entre ambos extremos tengo que ir
inventándolo, descubriéndolo” (Barone, 1996a: 50).
Cortázar, por sua vez, prefere, para a narrativa do conto, dar ao tema “forma visual, auditiva”; fixá-las no tempo; eliminar, da sua trama, as “situações intermédias”
(1974: 157).
Para Borges, “el cuento es un breve sueño, una corta alucinación” (Barone, 1996a: 50). Cortázar tem pelo
gênero uma “...predileção por tudo o que no conto é
excepcional...” (1974: 149) e com isso objetiva “...encurralar o fantástico no real ...” (1974: 176).
Borges trabalha o tempo transcendente, pela via
metafísica. A sua literatura inventa tempos, cria uma variedade temporal, conforme leremos no conto que ora
vamos analisar ou se atentarmos para algumas passagens
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 18-23, jul./dez. 2003
abaixo, que o autor elaborou para uma palestra proferida
na Universidade de Belgrano:
1-“...podemos prescindir do espaço, mas não do tempo” (1996b: 41).
2-“...o tempo é um problema essencial (...) Nossa
consciência está continuamente passando de um
estado a outro, e isto é o tempo: uma sucessão”
(1996b: .42).
3-“...o tempo é uma dádiva da eternidade” (1996b:
43).
4-“...o problema do tempo nos afeta mais que os
outros problemas metafísicos” (1996b: 49).
Diante disso, para Borges, a presença das coisas do
mundo nada valem; tem valor o que é eterno e o “eterno é
o mundo dos arquétipos ...” (1971: 115), conforme já
apregoara em Perfis, um ensaio autobiográfico.
Borges metaforiza arquétipos: “...cada um de nós
pode ser uma cópia temporal e mortal do arquétipo do
homem...” (1996b: 47), tornou a apregoar em Belgrano.
E a sua predileção por metáforas é confessa: “Sempre
fui atraído para a metáfora ...” (1971: 115), de acordo
com Perfis.
O jardim dos caminhos que se bifurcam é o oitavo
conto de Ficções. Um conto policial, segundo o prólogo
do autor. Acerca do gênero policial Borges também conferenciou: “Falar do conto policial é falar de Edgar
Allan Poe” (1996b: 31).
Acontece que Poe determina os procedimentos narrativos do conto borgiano. A maneira como Jorge Luis
Borges divisa a narrativa do conto conforme entrevê uma
ilha, remete-nos diretamente à Filosofia da composição
de Edgar Allan Poe, em que o autor norte-americano pro-
19
põe, para todo o ficcionista, a construção de uma unidade de impressão no âmbito da narrativa, responsável
pela organização do percurso do sentido da história.
Nada é mais claro do que deverem todas as intrigas, dignas deste nome, ser elaboradas em relação
ao epílogo antes que se tente qualquer coisa com a
pena. Só tendo o epílogo constantemente em vista,
poderemos dar a um enredo seu aspecto indispensável de conseqüência, ou causalidade, fazendo com
que os incidentes e, especialmente, o tom da obra
tendam para o desenvolvimento de sua intenção
(Poe, 1987: 109).
O Borges atraído por metáforas elabora um conto de
maneira como avista uma ilha; delimita-o pelos seus extremos e forja seus paradoxos quando, também pelos
extremos, explora uma narrativa ilhada entre duas seqüências abertas, contíguas.
O jardim dos caminhos que se bifurcam encerra uma
parábola paradoxal. Parábola, primeiramente, porque o
conto encerra uma imagem do Universo, dos tempos que
se bifurcam “convergentes, divergentes, paralelos”
(Borges, 1970: 82), e, paradoxal, porque o tempo aproxima, simultaneamente, situações opostas. De acordo
com as palavras de Stephen num diálogo com Yu Tsun,
ambos, protagonistas do conto: “O tempo se bifurca perpetuamente para inumeráveis futuros. Num deles sou
seu inimigo” (Borges, 1970: 82).
Na ficção de Borges, portanto, o mundo é um labirinto que “envolve o passado e o futuro” (1970: 76). O universo é um labirinto em que os tempos bifurcam-se e
também as opções. O labirinto, para Borges, figurativizado
num jardim, é a referência para a sua metáfora temporal.
Borges é um seguidor de Heráclito, de acordo, ainda,
com trecho da sua palestra na Universidade de Belgrano:
“Em nossa experiência, o tempo corresponde sempre
ao rio de Heráclito – continuamos a usar essa antiga
parábola. É como se não tivéssemos avançado em tantos séculos. Somos sempre Heráclito, vendo-se refletido no rio e pensando que ele não é Heráclito por
que ele foi outras pessoas entre aquele último momento em que viu o rio e este” (1996b: 48).
Na ficção de Borges, a verdade será a perpétua contradição dos seres em mudança contínua e o labirinto a
referência que representará metaforicamente um tempo
que se duplica, prolifera, numa realidade vasta em que a
identidade humana é cambiante. A ficção borgiana explora o mundo. Borges confabula e faz das suas personagens testemunhas das suas parábolas, testemunhas de um
mundo de palavras, palavras que não acreditam na síntese do tempo. Na impossibilidade da síntese, a sua escolha é pelo discurso paradoxal, parabólico. A parábola é
uma alegoria aberta para definições infinitas, envolvidas
com acréscimos, simulações diversas e se adequa sobremaneira com o fluxo do tempo.
20
O jardim dos caminhos que se bifurcam tem início
por meio de um documento em que faltam, de acordo
com o seu narrador, duas páginas. O dado, por um lado,
tem precisão, é datado e, por outro, está incompleto. Instala-se assim, a visível contradição do paradoxo. Posterior à leitura do documento, lemos um depoimento, o de
Dr. Yu Tsun, chinês, agente do Império Alemão e antigo
catedrático inglês, outra figura, convenhamos, paradoxal.
Esse depoimento enreda o conto, a fuga de Tsun, desvencilhando-se de Madden, espião inglês. Yu Tsun precisa
despistar Madden e decifrar o nome de uma cidade inglesa, alvo de um bombardeio do Império Alemão. No
decorrer da fuga, Yu Tsun depara-se com Stephen Albert,
depositário de dois segredos:
1 - mora no local de um labirinto, na forma de um
jardim, construído pelo bisavô de Yu Tsun, mas desconhecido da família e
2 - tem o nome da cidade inglesa que o Império Alemão quer bombardear: Albert.
No entrecruzar dos acontecimentos Yu Tsun reconhece o labirinto construído pelo bisavô e mata Albert. A
notícia da morte de Stephen nos jornais e do seu assassino, leva o serviço secreto alemão a decifrar uma charada: Albert seria o nome da cidade a ser bombardeada. No
processo da fuga, o acaso, resultado, como quer Jorge
Luis Borges, dos tempos que se aproximam, leva o Império Alemão a bombardear com acerto, assim como levou Yu Tsun a reconhecer o labirinto edificado pelo avô,
Ts’ui Pen. Yu Tsun sempre soube dos planos de Ts’ui, o
de construir “...um labirinto em que todos os homens
se perdessem...” (1970: 75).
Yu, Tsun no entanto, contraria os prognósticos do avô:
não só encontra o labirinto, mas decifra-o, como se decifrasse a própria existência, sentindo-se “...por um tempo determinado, conhecedor abstrato do mundo”
(1970: 76).
Dessa maneira, o acaso faz acontecer o que Ts’ui não
previa, assim como leva o próprio Yu Tsun a abstrair o
sentido do mundo no momento em que, perseguido e
prestes a morrer, visualiza o labirinto do avô.
Lemos assim, sem dúvida, uma parábola paradoxal.
Como podemos perceber, o tempo na narrativa de Borges
não tem limites e a ausência deles marca a trama do próprio conto. O tempo bifurca-se, assim como o labirinto.
Borges, através da metáfora do labirinto, espacializa um
tempo metafísico; dá sustentação para vários tempos que
avizinha. Um paralelismo, paradoxal, combina várias situações através da metáfora do labirinto, que instala no
conto a memória borgiana, intemporal, infinita.
O conto, para Borges, “es um breve sueño, una corta alucinación” (1996a: 50). Jorge Luis Borges transporta da manifestação dos sonhos para a sua narrativa, as
seqüências de ações sem lógica do onírico que, por sua
vez, valoriza a memória. E o paradoxo constrói a intriga
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 18-23, jul./dez. 2003
do conto borgiano, dividida entre
relato dessa invasão, um relato de
Borges e Cortázar se
dois acontecimentos em que o prilembranças “embalsamadas”, julgaassemelham na opção
meiro encontra-se imbricado no semos nós, em que seu personagempelo
paradoxo,
a
fim
gundo, de acordo com as lições de
narrador está todo voltado para os
Edgar Allan Poe.
acontecimentos narrados apresentade superarem o
Prosseguimos, agora, comparandos, numa única voz, sem sobrepor
efeito de sentido
do Borges com Cortázar. Os contos
no tempo impressões ou emoções.
da hesitação,
O jardim dos caminhos que se biAliás, um fama “nunca falará se não
furcam e Casa tomada trabalham
souber que suas palavras são as
tão marcante
com a memória e com o fantástico,
convenientes” (s/d: 104), conta-nos
na narrativa do
de forma paradoxal. A memória em
o Cortázar de Histórias de
fantástico tradicional.
Borges, como vimos, inscreve-se
cronópios e famas.
dentro de uma totalidade espacial
De acordo com a narração, Irene
arquetípica, a do labirinto, o espaço
e seu irmão, a partir de um determide um tempo eterno. A memória em Cortázar, como ve- nado momento, suspeitam que a casa está sendo invadiremos, também rompe com a linearidade do tempo, po- da, porém, não reagem; silentes, acuados, preferem
rém, na maneira como opõe o verossímil ao inverossímil. abandoná-la, saindo ambos pela porta da rua afora.
Cortázar, conforme já citamos, trabalha o seu tema danA ficção é uma construção. Cortázar é um construtor
do-lhe “forma visual, auditiva”, com uma “certa predile- preciso de narrativas e delineou muito bem os seus objeção por tudo o que no conto é excepcional”. O dois con- tivos com o artefato do fantástico num livro seu, de crítitistas, contudo, assemelham-se na opção pelo paradoxo, ca, Valise de cronópio: “...encurralar o fantástico no
a fim de superarem o efeito de sentido da hesitação, tão real, realizá-lo” (Cortázar, 1974: 176).
marcante na narrativa do fantástico tradicional. O paraCom a intenção de realizar o fantástico e de intensidoxo, para Borges e Cortázar, contraria as expectativas ficar o seu efeito de estranhamento, o contista atrofia
de leitores sequiosos por histórias com desenlaces na narrativa as relações intersubjetivas. O contorno que
ambígüos, e, da mesma forma, parece-nos, sustenta uma o autor dá aos seus protagonistas é tênue; chega a não
burla, outro procedimento que aproxima os dois contis- existir descompasso entre os comportamentos de Irene
tas. O jardim dos caminhos que se bifurcam parte de e de seu irmão; não há diferença entre eles. Eles se
uma suposta base documental. Casa tomada compõe o bastam; sequer pensam. “Pode-se viver sem pensar”
volume de contos intitulado Bestiário, que, conforme di- (1977: 14), chega a afirmar o narrador. De acordo com
cionário, designa um tipo de manuscrito medieval com a a poética cortazariana, o obsessivo se defende, esforfinalidade de desenvolver lições morais, por meio de his- ça-se para ignorar os fatos. A invasão anunciada é a
tórias animais ou imaginárias. Chama-nos da mesma for- simulação de uma intervenção na vida obsessivamente
ma a atenção o fato de, em 1952, um ano após a publica- acomodada de dois irmãos aristocratas, com o objetição de Bestiário, Cortázar iniciar outro livro, História vo de provocar-lhes uma transformação, uma tentatide cronópios e famas, que, para nós, delimitou os perfis va de removê-los da situação de defesa em que se posdos protagonistas de Casa tomada. Nas Histórias de tam diante dos fatos que os rodeiam. Assim, ambos
cronópios e famas, os cronópios são sempre agitados e ficam à mercê de uma mudança, planejada por Cortázar
os famas, acomodados. Cortázar, como diz gostar, nesse com a mediação do fantástico, que o contista, estratelivro “dá forma visual, auditiva” às suas personagens ima- gicamente, busca construir, sem provocar uma
ginárias. “Capítulos das lembranças” evidenciou-nos o descontinuidade na narrativa, “encurralando o fantásmodo como o contista associa as lembranças dos tico no real”. Júlio Cortázar não quer uma racionalizacronópios e dos famas às suas casas. Os cronópios
ção acerca da ocorrência de uma invasão; não quer
“são seres desordenados e frouxos, deixam as lem- confirmá-la, nem refutá-la. Arquiteta, sim, um paradobranças soltas pela casa, entre gritos alegres, e an- xo que se distribui na totalidade da narrativa, sustendam no meio delas (...) as casas dos famas são ar- tando uma oposição que tensiona a substituição da esrumadas e silenciosas, enquanto nas dos cronópios tabilidade dos famas por uma crescente instabilidade
há uma grande agitação e portas que batem ...” (s/ que os cronópios lhes provocam. Dessa maneira, trad: 110)..
balha a forma argumentativa do paradoxo para a consSobre as lembranças dos famas, diz esse mesmo ca- trução de um desenlace fantástico. Assim, nas seqüênpítulo, eles as “embalsamam” (s/d: 110).
cias finais da história, em detrimento das seqüências
Casa tomada é um conto compacto. Seus protago- iniciais, acirra as obsessões de suas personagens que,
nistas – o narrador, sem nome, e sua irmã Irene, dois fa- cada vez mais inseguras, passam a afirmar e negar, ao
mas – têm a sua casa invadida. A história do conto é o mesmo tempo, a existência de uma invasão no interior
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 18-23, jul./dez. 2003
21
da casa. A invasão anunciada insirmãos famas refreia a vitalidade
A narrativa
tala no comportamento dos protapossível da sua existência. A casa
fantástica cria
gonistas uma espera, uma espera
desses famas representa o centro
uma
incongruência
que, passo-a-passo, impõe-lhes
da sua segurança, da sua defesa.
perdas e interdições, diante do ceOs famas encontram-se imóveis,
entre os fatos,
nário de uma casa, organizado
protegidos, incorporados a uma
a fim de criar um
numa seqüência de tempo para enminúscula parte dos cômodos da
impasse entre
cenar uma despossessão. Vamos
casa; encontram-se estagnados:
primeiro à cena, ao seu cenário, esevoluir é desincorporarem-se da
sujeitos e
tabelecido pelas lembranças embalcasa, é saírem da estagnação em
objetos.
samadas do narrador:
que se encontram, é abandonarem
Lembro-me bem da divisão da
a casa.
casa. A sala de jantar, uma peça
O fantástico trunca o detercom gobelinos, a biblioteca em
minismo de uma narrativa e resiste a
três quartos grandes ficavam na parte mais afasta- uma explicação racional. Ele é uma experiência inverosda, a que dá frente para Rodrigues Pena. Só um símil, uma fratura na racionalidade. O fantástico, num
corredor, com sua maciça porta de carvalho, sepa- arranjo de probabilidades internas da narrativa, trabarava essa parte da ala dianteira, onde havia um lha com certos vazios, certas indeterminações, que
banheiro, a cozinha, nossos quartos de dormir e o caminham entre a razão e a desrazão. Ele é construído
living central, ao qual se comunicavam os quartos pelo discurso e aceito pelo leitor. Rompe, assim, com a
e o corredor. Entrava-se na casa por um sagüão convenção realista da ficção – a congruência entre os
com os azulejos de majólica, e a porta-persiana fatos, em que o conhecimento que envolve a história é
dava para o living. De maneira que se entrava pelo compartilhado sem estranhamento com o leitor. A narsagüão, abria-se a porta-persiana e chegava-se ao rativa fantástica cria uma incongruência entre os faliving; tinha-se, dos lados, as portas dos nossos tos, a fim de criar um impasse entre sujeitos e objetos.
quartos, e à frente o corredor que levava à parte
Se, por um lado, lemos na narrativa realista uma
mais afastada; seguindo pelo corredor chegava-se certa simetria entre as partes, por outro lado, lemos
à porta de carvalho, e mais adiante iniciava-se o entre as partes de uma narrativa fantástica uma
outro lado da casa, ou então se podia virar à es- assimetria: em Casa tomada, a ação da invasão é tensa
querda, justamente antes da porta, e seguir por um e enfática, nas seqüências finais da história, em detricorredor mais estreito, que levava à cozinha e ao mento das suas seqüências iniciais.
banheiro. Quando a porta estava aberta, percebiaEm vista disso e de seus objetivos com o fantástico,
se que a casa era muito grande; caso contrário, Cortázar, como já dissemos, utiliza-se do argumento do
dava a impressão de um apartamento dos que se paradoxo. Em todo discurso é no argumento que se enconstroem agora, apenas para que a gente se mexa. contram as suas provas de veredicção. O argumento do
Irene e eu vivíamos sempre nesta parte da casa, conto fantástico prescinde de provas para a sanção da
quase nunca íamos além da porta de carvalho, sal- sua história; prescinde de provas que confirmem ou revo para fazer a limpeza ... (1977: 12).
futem a veracidade da sua história. Nesse conto, o paraA casa não é vivenciada pelos famas, explorada doxo tem o objetivo de relacionar duas situações oposnos seus espaços. Os irmãos, rigorosamente, arru- tas e manter entre elas uma coerência interna. O paramam-na, limpam-na. A sua espacialidade, porém, que doxo é uma forma argumentativa breve que consegue
oferece um pluralidade de opções para ser vivenciada, quebrar uma continuidade entre seqüências narrativas.
não sensibiliza a existência de Irene e do narrador. A Nesse conto, o paradoxo contrasta dois segmentos da
casa, seus caminhos, sua trama labiríntica, é uma narrativa. Ao primeiro, em que os protagonistas busmetáfora que representa a impossibilidade de interação cam, de maneira obsessiva, uma estabilidade nas suas
dos protagonistas com o mundo. Dessa maneira, no- emoções do dia-a-dia, opõe-se o segundo segmento,
tamos que, no bojo do paradoxo, na exata substitui- em que os protagonistas perdem essa estabilidade na
ção de uma seqüência por outra, nasce uma alegoria. sua vivência do cotidiano e mergulham numa inseguA casa, suas repartições, substituem a interioridade, rança obsessiva.
os sonhos dos famas. Na amplidão da casa ressoa a
Cortázar instala o paradoxo entre esses dois segmendiminuta interioridade dos irmãos famas. Dominar tos para enfatizar o segundo comportamento obsessivo
espaços é encontrar saídas, outros sentidos, e pro- das suas personagens. O comportamento desses dois famover interações. Exatamente o que eles não conse- mas configura, no conto, as obsessões do insconsciente
guem realizar. A obsessão pelo enclausuramento dos humano.
22
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 18-23, jul./dez. 2003
Dessa maneira, trabalhando sua narrativa dentro de
uma ausência de limites entre o real e o irreal, Júlio
Cortázar dilui, em Casa tomada, a relação de
inteligibilidade entre o sujeito e o mundo. O sujeito passa a se relacionar com o mundo sem reconhecê-lo e sem
se reconhecer nele. O sujeito olha e não vê. O seu olhar
não identifica diferenças naquilo que vê, não faz sentido.
Assim, Irene e seu irmão desumanizam-se. O fantástico
trabalhado por Júlio Cortázar mostra-nos uma história
em que não existe mediações entre o sujeito e o mundo,
entre o sólito e o insólito.
O paradoxo fundamenta, no conto, o diálogo insólito
entre os protagonistas. A força centrípeda das suas obsessões leva-os ao encantonamento na parte frontal da
casa e à diluição de suas realidades individuais. Irene e
seu irmão perdem os limites do ego – eis a alegoria montada pelo paradoxo. Em Casa tomada, os cronópios, protegidos no âmbito do fantástico, põem fim à estabilidade
obsessiva dos famas. A invasão que os cronópios realizam na casa dos famas compõem uma alegoria. Num já
anunciado ambiente de demolições por que passam casarões de Buenos Aires, os ocupantes de uma ampla casa,
de tradicional família portenha, também são demolidos:
perdem a sua identidade e os seus objetos.
O argumento do discurso de Borges confunde-se com
sua própria forma de narrar; agumentar, para o autor de O
jardim dos caminhos que se bifurcam, é tramar com o
tempo e nessa trama estão previstas suas variantes
paródicas, que simulam uma ligação das suas histórias
com a tradição, com a memória cultural da humanidade.
Jorge Luis Borges, na verdade, filtra suas variantes
paródicas pelo tempo (em diferentes épocas, com diferentes autores) e mantém com elas uma ligação sem tensões ou angústias.
Cortázar é visceral, de vanguarda, adepto do
Surrealismo. A sua ficção passa por uma dedicada re-
flexão teórica. A principal, denominou-a Teoria do túnel, a que “destrói para construir” (1998: 49), que rebela-se com a tradição,
...põe em crise a validade da literatura como modo
verbal do ser do homem, e esse avanço em túnel,
que se volta contra o verbal a partir do próprio
verbo (...) denuncia a literatura como condicionante
da realidade e avança na instauração de uma atividade em que o estético é substituído pelo poético, a formulação mediatizadora pela formulação
aderente, a representação pela apresentação.
(Cortázar, 1998: 50).
Cortázar, ficcionista e teórico de vanguarda, justifica-se: “Surrealista é o homem para quem certa realidade existe, e sua missão consiste em encontrá-la ...”
(Cortázar, 1998: 78). Assim, justifica o seu texto: “A
rigor, não existe nenhum texto surrealista discursivo;
os discursos surrealistas são imagens amplificadas ...
“(Cortázar, 1998: 80).
O Surrealismo de Cortázar amplifica as imagens do
fantástico na sua obra. Diante de um arranjo interno de
probabilidades, de forma pertinente, o labirinto, em Casa
tomada, é espacializado dentro de uma residência e trabalhado como uma metáfora do auto-conhecimento, que
interroga as certezas das personagens, e desmantela o seu
comportamento compulsivo. As imagens amplificadas
de Júlio Cortázar são alegóricas.
A metáfora de Jorge Luis Borges é explícita. O
labirinto, em O jardim dos caminhos que se bifurcam,
espacializa o tempo e o tempo desdobra-se eternamente em acasos. O tempo, para Borges, é fantástico
e a realidade ficcional tem o alcance da palavra, nasce da força ontológica da palavra, que institui o universo borgiano. A palavra, enfim, para Jorge Luis
Borges, atua sobre a imaginação e supera a finitude
do homem.
Bibliografia
BARONE, O. (Org.) Diálogos Borges Sabato. Buenos Aires: Emecé Editores S.A, 1996.
BORGES, JL. Cinco visões pessoais. Brasília: Editora UnB, 1996b.
––––––––. Perfis. Porto Alegre: Globo/MEC, 1971.
––––––––. Ficções. Porto Alegre: Globo, 1970.
CORTÁZAR, J. Alguns aspectos do conto. In: Valise de cronópio. São Paulo: Perspectiva, 1974.
––––––––. Do sentimento do fantástico. In: Valise de cronópio. São Paulo: Perspectiva, 1974.
––––––––. Bestiário. São Paulo: Edibolso, 1977.
––––––––. História de cronópios e famas. São Paulo: Círculo do Livro, s/d.
––––––––. Obra crítica 1. Org. Saúl Yurkievich. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
POE, E.A. A filosofia da composição. In: Poemas e ensaios. Porto Alegre: Globo, 1987.
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 18-23, jul./dez. 2003
23
Neste texto, trataremos do cruzamento entre narrativa e poesia no romance El
entenado, do escritor argentino Juan José Saer. Pretendemos, com isso, analisar os
procedimentos poéticos encontrados no texto e observar como eles se relacionam,
por exemplo, com um dos núcleos da narrativa de Saer, o questionamento do
estatuto do real e da escrita. Procuraremos, ainda, detalhar em que medida a
transfiguração poética da narrativa, levada a cabo pelo estilo inquisitivo da personagem
central do relato, debate as aporias dos processos significantes da linguagem. Cumpre
assinalar que a composição poética do romance põe em cena o questionamento da
narrativa enquanto modo de linguagem que age à distância e na ausência do objeto.
Partindo do pressuposto que a proliferação de procedimentos poéticos na estrutura do
texto expressa uma procura em representar discursivamente, ainda que de modo
problemático, aspectos, qualidades e valores da experiência que a narrativa diretamente
descritiva e referencial não abarca, buscaremos abordar os efeitos de sentido alcançados
por Saer com esses procedimentos.
Palavras-chave: literatura hispano-americana;
romance; narrativa poética.
In this text we will deal with the intersection of narrative and poetry in the novel
El entenado, of the Argentinean writer Juan José Saer. We intend, with this, to
analyze the poetic procedures found in the text and observe how they relate, for
instance, to one of Saer’s narrative nuclei, the questioning of the real and writing
codes. We will also try to show in what measure the Saer narrative, put into
practice by the inquisitive stvle of the main character of the narrative, debates the
ambivalence of significant language processes. It is also important to state that
the poetic composition of the novel puts into scene the narrative questions as form
of language which acts at a distance and in the absence of the object. Starting
from the understanding that the proliferation of poetic procedures in the structure
of the text expresses a desire to represent discursively, even if it be in the problem
mode, aspects, qualities and values of the experience which the directly descriptive
and differential narrative do not cover, we will try to cover the effects of sense
achieved by Saer with these same procedures.
Keywords:
Spanish-American Literature, Novel, Narrative Poem
24
*
Paulo César Thomaz
é mestre em literatura
hispano-americana
pela Universidade
de São Paulo.
Atualmente leciona
na Universidade São
Judas Tadeu - SP.
EL ENTENADO,
A PRÁXIS POÉTICO-NARRATIVA
DE JUAN JOSÉ SAER
Paulo César Thomaz*
Neste trabalho, trataremos do cruzamento entre narrativa e poesia no romance El entenado, do escritor argentino Juan José Saer. Pretendemos, com isso, analisar
brevemente os procedimentos poéticos encontrados no
texto e observar como eles se relacionam com um dos
núcleos da narrativa de Saer, o questionamento do estatuto do real e da escrita. Procuraremos, ainda, detalhar
em que medida a transfiguração poética da narrativa, levada a cabo pelo estilo inquisitivo da personagem central
do relato, debate as aporias dos processos significantes
da linguagem.
Cumpre consignar que a composição poética do romance põe em cena o questionamento da narrativa enquanto modo de linguagem que age à distância e na ausência do objeto. Partindo do pressuposto que a proliferação de procedimentos poéticos na estrutura do texto
expressa uma procura em representar discursivamente,
ainda que de modo problemático, aspectos, qualidades e
valores da experiência que a narrativa diretamente descritiva e referencial não abarca, buscaremos abordar os
efeitos de sentido alcançados por Saer com esses procedimentos. Precisamente por essa perspectiva, Paul
Ricouer assinala em A metáfora viva (RICOUER, 1983)
que a função poética da linguagem não se limita apenas a
recriar e resignificar as palavras por si mesmas; não consiste apenas em um trabalho sobre a linguagem. Ela conforma, além disso, um vínculo referencial com o objeto
que a linguagem meramente descritiva deixa escapar ou
não pode abarcar. A interrupção da função referencial
direta e descritiva seria apenas o avesso de uma função
referencial mais oculta do discurso, que é de certo modo
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 24-29, jul./dez. 2003
liberada pela suspensão do valor descritivo dos enunciados. É desse modo que o discurso poético traz à
linguagem significados, atributos e sentidos da realidade que não emergem do discurso diretamente descritivo. Esses valores só podem ser expressos por meio
dos intrincados vaivéns entre a enunciação metafórica
e a transgressão regrada das resistentes significações
usuais de nossas palavras e de seu ordenamento.
Apesar de entender a linguagem como um obstáculo
no interior do discurso narrativo e reconhecer o impasse
que governa a relação entre os objetos que compõem a
experiência humana e o contínuo verbal que usualmente
denominamos narrativa, a personagem protagonista do
romance não apaga em definitivo o conteúdo dos signos
lingüísticos que utiliza. Sem negar a complexidade e as
particularidades do modo de ser da narrativa, que é composta de palavras e somente de palavras, ela explora precisamente esse caráter aporético da narrativa, incorporando esse conflito no relato.
Isso posto, a reformulação especulativa e irônica de
formas discursivas, o intenso debate sobre a representação da conquista espanhola da América e da origem da
América hispânica, o aprofundamento da reflexão sobre
o estatuto da memória e da realidade, a argumentação
cética acerca da construção de identidades, e a antropofagia se fazem presentes no romance juntamente com procedimentos poéticos que sublinham continuamente na superfície textual do relato a entranhável, complexa e problemática relação existente entre linguagem e experiência de mundo que o universo narrativo saeriano procura
incorporar.
25
(...) a narrativa saeriana
Não obstante o reconhecimenbre a ação (GRAMUGLIO, 1984),
to das indeterminações dos procesconstitui um dos principais elemenconstitui uma escrita em
sos significantes da narrativa
tos da práxis literária de Saer, como
que tudo o que é referência
transpasse todo o romance, notaele mesmo assinala: “A partir de
permanece numa
mos em El entenado uma profu1960, mi trabajo literario ha conincessante e
são de procedimentos poéticos que
sistido principalmente en tratar de
problemática tensão
deslocam a situação discursiva do
borrar las fronteras entre narración
grumete espanhol, desde certa
y poesía. (...) Mi objetivo es comentre determinadas
perspectiva comprometida com as
binar el rigor formal de la narración
matrizes de significação
circunstâncias históricas às quais
moderna con la intensidad de la
e a dissolubilidade
se remete, dessa esfera de
percepción poética del mundo”
negativa do nada.
causticidade absoluta, em que qual(SAER, 1981, p. 72).
quer significado ou representação
Nos esforços por desdobrar essa
do campo do visível e do observáretórica ficcional, Saer submeteu
vel não pode sobreviver como instante, ainda que fu- muitos textos, ao longo de sua práxis narrativa, a um
gaz e problemático, de significação. Na passagem do agressivo processo de experimentação, trabalhando inromance transcrita abaixo, a personagem protagonista tensamente sobre a sintaxe e as estruturas do relato.
assinala a acentuada arbitrariedade e ambivalência da Em alguns momentos, o grau de dilaceramento do dislinguagem indígena:
curso narrativo alcançou tal magnitude que deu origem
Era una lengua imprevisible, contradictoria, sin for- a textos ficcionais que podem ser caracterizados como
ma aparente. Cuando creía haber entendido el sig- poesia e não-narração. Ao exacerbar a reiteração de
nificado de una palabra, un poco más tarde me estruturas narrativas e interromper, quase por compledaba cuenta de que esa misma palabra significaba to, o encadeamento episódico, por exemplo, o escritor
también lo contrario, y después de haber sabido santafesino ultrapassa as raias que balizam os terrenos
esos dos significados, otros nuevos se me hacían da lírica e da prosa, vizinhança bastante discutida duevidentes, sin que yo comprendiese muy bien por rante os anos cinqüenta e sessenta na argentina (SAER,
qué razón el mismo vocablo designaba al mismo 2000, p. 5.)
tiempo cosas tan dispares (SAER, 1983. p. 21).
Ricardo Piglia, escritor em permanente diálogo com
Apesar do narrador expressar e reconhecer a ex- a produção literária de Saer, assinala, por exemplo, que
trema heterogeneidade e problematicidade de toda arti- “su obsesión por captar el instante y describir el espacio
culação discursiva significante, podemos reconhecer lo llevó en su mejor libro (La mayor, 1975) a la
em meio ao estatuto ambivalente da linguagem e a essa construcción de narrativas que se destruyen para volpresença de mundo obscura e quase irrepresentável ver a armar como si fuesen réplicas microscópicas de
alguns procedimentos poético-narrativos que procu- las máquinas polifacéticas con que siempre soñó
ram dar forma ao relato, não obstante os obstáculos Roberto Arlt” (PIGLIA; SAER, 1995, p. 39). A persislingüísticos que envolvem sua empresa.
tência em observar e descrever minuciosamente aquilo
No espaço narrativo do romance, ao passo que a sub- que é narrado, sublinhando as propriedades, formas e
jetividade da personagem se debate exaustivamente con- cores dos objetos que ocupam o espaço ficcional, apontra um emaranhado de imagens mnemônicas hipotéticas tada por Piglia, aproximam os textos de Saer, segundo
e ambíguas, construídas por uma linguagem igualmente alguns críticos, do estilo “objetivista” extremo do
aproximativa e imprecisa, uma complexa experiência de nouveau roman francês. Por meio de descrições cirmundo emerge, reivindicando firmemente um caráter culares que incorporam uma multiplicidade de persaporético. Nesse exaustivo conflito entre as faculdades pectivas narrativas, e do obsessivo rebaixamento da
cognitivas da consciência e a linguagem, impresso em ação, a narrativa saeriana constitui uma escrita em que
tecido textual que se auto-avalia continuamente, há uma tudo o que é referência permanece numa incessante e
reelaboração intensa das estruturas e dos ritmos da nar- problemática tensão entre determinadas matrizes de sigrativa, na tentativa de incorporar a essa malha textual a nificação e a dissolubilidade negativa do nada.
intensidade da percepção poética de mundo.
No entanto, embora essa escrita invista contra o contar
O correr poético do discurso em El entenado, que se ininterrupto e orgânico, que outorga unidade ao que é
configura por meio de diferentes procedimentos, como narrado, e incorpore construções rítmicas e sintaxes da
a pontuação que organiza as unidades rítmicas e regula o poesia, ela procura não renunciar ao sentido denotativo
som das palavras, e o uso de formas predicativas, que re- das frases, além de partir sempre de uma zona narrativa
têm o deslizar das frases e, ao mesmo tempo, as dilatam, definida espacialmente, cunhando uma espécie de saga
entornando a conotação do adjetivo sobre o sujeito e so- narrativa. Nesse sentido, o próprio Saer adverte:
26
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 24-29, jul./dez. 2003
Creo haber tratado de incorpode elementos, que observam um
rar relaciones más complejas
mesmo ritmo, conferindo certa
No empurrão da
entre un sistema de elaboración
musicalidade à narrativa, que reforlinguagem
para
além
da
poética (poética en el sentido de
çam a ausência de luz naquele mola poesía como género), y las
mento em torno da personagem,
esfera do referente,
leyes de organización de la pronão obstante apontar a presença de
(...) desvela-se para
sa, repeticiones, construcción
estrelas. Em seguida, a conformao leitor uma
rítmica y producción de versos
ção da paisagem ganha outros eleen los textos de prosa, búsqueda
mentos que acentuam a particulaexperiência do
(por momentos) de nudos en los
ridade dos dados referenciais extecampo do visível.
cuales el nivel denotativo perriores: as planícies que rodeavam a
siste (PIGLIA; SAER, 1995,
personagem permitiam que o rio
pp. 12-13).
duplicasse com a mesma intensiA desconfiança com respeito às
dade a profunda escuridão da coregras de estruturação da narrativa, que fez em dife- bertura celeste, além de produzir um achatamento, um
rentes momentos com que a escrita saeriana se tornas- adensamento do espaço narrativo. O próximo momense destacadamente precavida, “como si sólo a través to é de ruptura, de subversão da ordem denotativa da
de múltiples asedios indirectos la realidad finalmente se narrativa: a canoa parece, ao menos no plano das imrindiera; como si sólo una paciente textura de visiones pressões do narrador, deslizar através do “firmamento
repetidas y cambiantes pudiera delinear en su reverso negro”. Irrompe então a imagem poética: desse ponto
la figura que captura el evanescente acaecer” em diante o toque do remo na água transubstancia-se
(CORBATTA, 1992, pp. 564), marca igualmente os em movimento textual que se liberta do referente, ainconflitos do narrador de El entenado, não obstante o da que não o afaste definitivamente. É importante assiromance não reproduzir esses “múltiples asedios” com nalar que o sentido denotativo não desaparece em nea mesma intensidade que outros textos saerianos.
nhum momento desse trecho do texto.
Apesar de não encontrarmos no romance, com a
No empurrão da linguagem para além da esfera do
mesma intensidade, as repetições, o fracionamento e a referente, que incorpora uma súbita distensão do tempo
dilatação da percepção do tempo em contrapartida ao mediante a transposição da narrativa para o espaço anímico
estreitamento da história narrada que distinguem grande da personagem narradora, desvela-se para o leitor uma
parte da referida práxis literária saeriana, podemos ob- experiência do campo do visível. A correlação entre o
servar, igualmente, uma elaboração textual rigorosa que espaço-tempo da personagem e os diferentes estratos das
entrelaça uma narrativa acentuadamente vertical, que não coisas sensíveis surge apenas por meio de um firme inse detém em partes nem capítulos e que encerra uma su- tuito discursivo que quer explorar as regiões subterrânecessão de acontecimentos romanescos, com uma lingua- as dessa circunstância individual. O esmiuçamento, por
gem de exacerbada intensidade simbólica e poética, que meio do tratamento poético das estruturas do texto, dos
assedia e interroga os sucessos obsessivamente com in- atributos que compõem esse curto instante de tempo perquietações de ordem filosófica, como no trecho abaixo mite ao leitor transitar por complexas associações mereproduzido:
tafóricas, por novos predicados do discurso – as estrelas
Llegó la noche. Era una noche sin luna, muy oscura, que se diluem no elemento que as origina – que tornam a
llena de estrellas; como en esa tierra llana el hori- experiência individual um degrau para outra, coletiva e
zonte es bajo y el río duplicaba el cielo yo tuve, mítica.
durante un buen rato, la impresión de ir avanzando,
Além disso, podemos observar no trecho um claro
no por el agua, sino por el firmamento negro. Cada intuito narrativo de reforçar determinadas correspondênvez que el remo tocaba el agua, muchas estrellas, cias semânticas e regularidades de sinonímia, recorrenreflejadas en la superficie, parecían estallar, tes e importantes em todo o texto, como o questionapulverizarse, desaparecer en el elemento que les daba mento da origem e a ausência de luz como metáfora de
origen y las mantenía en su lugar, transformándose, uma aflitiva existência.
de puntos firmes y luminosos, en manchas informes
Devemos assinalar ainda outro recurso narrativo que
o líneas caprichosas de modo tal que parecía que, acentua o vínculo entre El entenado e o conjunto de obras
a mi paso, el elemento por el que derivaba iba siendo que lhe antecede e que apresenta da mesma maneira o
aniquilado o reabsorbido por la oscuridad (SAER, mencionado caráter poético: a dilatação e intensificação
1983, p. 90).
do espaço circundante por meio da descrição pormenoNessa passagem, a personagem avança pelo rio rizada e reiterada da luz, de cores e dos elementos nasobre uma canoa indígena. Há no texto uma reiteração turais que o conformam, além da distensão do tempo
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 24-29, jul./dez. 2003
27
por meio da introspecção da perIsso considerado, a perspectisonagem em seu mundo anímico.
va gnosiológica e polêmica que
O mundo
Não obstante a impressão de fluiquer decompor o espaço da expetorna-se,
então,
dez, naturalidade e inteligibilidade
riência e que atravessa toda a
do relato de certo modo linear do
tessitura do relato da personagem
um conjunto de
grumete, podemos notar a presenganha corpo precisamente no moimpressões vazias,
ça de uma configuração narrativa
mento em que se duplicam os elos
em que a
em que os dados sensíveis referenintermediários entre a linguagem
tes às cores e luzes ganham relevo
poética e a linguagem narrativa. O
coisa-em-si está
e conformam um espaço ficcional
correr do discurso que quer pasausente.
pleno de imagens-impressões que
sar da ignorância ao conhecimensublinham sobretudo o caráter sento, que se torna mais contundente
sível dos objetos do mundo:
ao final do relato, desemboca numa
En la luz tenue y uniforme, que
linguagem que precisa incorporar
se adelgazaba todavía más contra el follaje continuamente a poesia à narrativa, como uma força
amarillo, bajo un cielo celeste, incluso blanquecino, em luta com o tumulto insondável da realidade continentre el pasto descolorido y la arena blanqueada, gente, sobre a qual paira a dúvida parodiante do signiseca y sedosa, cuando el sol, recalentándome la ficado. Cito o romance:
cabeza, parecía derretir el molde limitador de la
Desde hace años, noche tras noche me pregunto,
costumbre, cuando ni afecto, ni memoria, ni siquiera
con los ojos perdidos en la pared blanca en la que
extrañeza, le daban un orden y un sentido a mi vida,
bailotean los reflejos de la vela, cómo esos indios,
el mundo entero, al que ahora llamo, en ese estadio,
cerca como estaban, igual que todos, de la
el otoño, subía nítido, desde su reverso negro, ante
aceptación animal, podían perderse en esa negación
mis sentidos, y se mostraba parte de mí o todo que
de lo que a primera vista parece irrefutable. Entre
me abarcaba, tan irrefutable y natural que nada
tantas cosa extrañas, el sol periódico, las estrellas
como no fuese la pertenencia mutua nos ligaba, sin
puntuales y numerosas, los árboles que repiten, obsesos obstáculos que pueden llegar a ser la emoción,
tinados, el mismo esplendor verde cuando vuelve,
el pavor, la razón o la locura. (SAER, 1983, p. 71)
misteriosa, su estación, el río que crece y se retira,
Nesse trecho, o desdobramento do espaço
la arena amarilla y el aire de verano que cabrillean,
circundante e o cruzamento de temporalidades que se
el cuerpo que nace, cambia, y muere, palpitante, la
remetem à natureza e à psique da personagem introdudistancia y los días, enigmas que cada uno cree, en
zem e modificam, por meio do ritmo e do conteúdo
sus años de inocencia, familiares, entre todas esas
adjetivo que contêm, o modo de ser e o caráter das
presencias que parecen ignorar la nuestra, no es
especulações de ordem filosófica e metafísica da perdifícil que algún día, ante la evidencia de lo
sonagem protagonista que despontam em seguida.
inexplicable, se instale en nosotros el sentimiento,
Além dessa conformação narrativa, o aparente enno muy agradable, por cierto, de atravesar una
cadeamento linear do relato, que se torna a cada mofantasmagoría, un sentimiento semejante al que me
mento mais denso em razão da complexidade dos proasaltaba, a veces, en el escenario del teatro cuando,
cessos significantes em jogo, tem o curso
entre telones pintados, ante una muchedumbre de
reconfigurado pelo alvoroço resultante do uso excessombras adormecidas, veía a mis compañeros y a
sivo da lucidez e da palavra argumentativa – muitas
mí mismo repetir gestos y palabras de las que estaba
vezes cética – por parte da personagem protagonista,
ausente lo verdadero (SAER, 1983, pp. 126-127).
no esforço hermenêutico de decifrar a si mesma e a
Guiada por uma interrogação que a acossou durancosmovisão indígena. As interrogações acerca do sen- te longos anos e desde uma temporalidade distante, a
tido da experiência e realidade humana emergem en- personagem percebe diante de si o abismo cambiante
tão em meio a esses espaços e temporalidades, que a separa do mundo exterior, a cisão entre sua subconstruídos discursivamente, de forte poder simbóli- jetividade, consciência, e os objetos que o compõem.
co e poético, que as matizam e contaminam. Porém, O mundo torna-se, então, um conjunto de impressões
as distendidas ações discursivo-especulativas da per- vazias, em que a coisa-em-si está ausente. Diante dessonagem protagonista que buscam atingir uma ses fenômenos indeterminados e vacilantes, que apepositividade não deixam de questionar concomi- nas o olhar do sujeito vivifica, da inconsistência da retantemente o que as palavras designam e o processo alidade, a personagem declara a radical exterioridade
mesmo de significação, seu sistema de significantes e das coisas do mundo, culminando na suspeita da vida
significados.
como representação, espectro ou sombra parodiante.
28
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 24-29, jul./dez. 2003
Por outra parte, a desconfiança em relação aos processos de representação do real, corrente em todo o
texto, está da mesma forma presente nas diferentes
figurações da história de El entenado que se constituem no interior mesmo do texto. A título de exemplo,
citamos a Relación de abandonado escrita pelo Padre
Quesada e a comedia teatral baseada em sua experiência com os índios colastinés (MONTELEONE, 1985).
Há ainda outros núcleos narrativos medulares em
Saer que estão presentes de forma destacada em El
entenado e dizem respeito ao caráter poético de sua
práxis literária. A interdição deliberada do sentimento
constitui um deles, e pode ser observada, por exemplo, no absoluto não envolvimento da personagem com
as demandas indígenas. Apesar do discurso poético se
caracterizar por um transbordamento dos atributos
retóricos que fazem referência a diferentes sentimentos presentes no ser humano, o exercício programático
da ascese e da lucidez em El entenado conformam
uma ordem narrativa em que a sentimentalidade não
constitui o único eixo para alcançar a tensão poética.
As figuras poéticas que aparecem no contínuo simbólico verbal elaborado pelo grumete existem sobretudo
enquanto instrumentos que procuram dar conta desse precipitar-se sobre a mundividência indígena e sobre a própria existência da personagem. Na busca por decifrar olhares e comportamentos, a linguagem poética torna-se imprescindível visto que apenas por meio dela a complexa,
fragmentária e ambivalente experiência dos índios e da
personagem pode emergir.
Assim, a subsistência do sujeito atrelada ao discurso que o constitui, a desconfiança na possibilidade de
perceber a realidade, o desvelamento da deficiência
ontológica característica do tempo humano, a consciência como fluxo incessante de impressões e a argu-
mentação cética são elementos que neste texto conformam e contribuem para que o universo narrativo do
romance incorpore a percepção poética de mundo mencionada anteriormente. Dessa maneira, através da voz
narrativa inquisitiva e inconclusiva do grumete, alojada
em um centro de solidão concentrado (BACHELARD,
1998), que percorre a narrativa do romance desarticulando o tecer da intriga e vivenciando com uma aguçada
percepção a experiência do tempo, Saer reivindica certa postulação especulativa da narrativa. Filosofia do conhecimento, antropologia especulativa, são suas palavras preferidas para caracterizar um discurso literário
que propõe um estatuto de realidade destacadamente
mais próximo dos fluxos e vacilações da consciência
que das convenções da escrita (CHEJFEC, 1994,
p. 115 ).
Assim sendo, a apresentação especulativa do mundo ficcional, em que tempo e espaço são abordados
com ceticismo, a experiência discursiva adensada e
esclarecida pela inteligência percorre de forma acentuada a sintaxe textual de El entenado. Em seu sistema
narrativo nos deparamos com uma série de procedimentos poéticos que conformam uma linguagem que explora
precisamente os novos modos da presença (representação) dos objetos do mundo. Ante a consciência de que o ser da linguagem é o não ser do objeto,
resta somente a Saer se esquivar das categorias lógicas da escrita narrativa para abrir uma fenda no logos
da leitura a fim de expressar o conjunto de relações
simbólicas em que consiste nossa percepção da realidade. A disposição seqüencial dos fatos não esconde
a feição dubitativa e ao mesmo tempo lírica do romance, que arranca o presente dilatado da personagem protagonista da experiência imediata, de um estar no mundo orgânico e abarcável.
Bibliografia
BACHELARD, Gaston. “A casa. Do porão ao sótão. O sentido da cabana.” In: A poética do espaço. São Paulo, Martins Fontes,
1998, p. 50.
CHEJFEC, Sergio. “La organización de las apariencias.” In: Hispamérica. Abril, 1994, pp.109-116.
CORBATTA, Jorgelina. “En la Zona, germen de la praxis poética de Juan José Saer.” In: Actas del X Congreso de la Asociación de
Hispanistas. Barcelona, Promociones y Publicaciones Universitarias, 1992.
GRAMUGLIO, María Teresa. “La filosofía en el relato.” In: Punto de Vista. Buenos Aires, nº 20, 1984, pp. 35-36.
MONTELEONE, Jorge. “Eclipse de sentido: de Nadie nada nunca a El entenado de Juan José Saer.” In: Sitio. Buenos Aires, mayo,
n° 4-5, 1985, pp. 153-175.
RICOUER, Paul. A metáfora viva. Porto, Res, 1983.
SAER, Juan José. El entenado, Buenos Aires, Alianza, 1983
SAER, Juan José, Paris, 1981. In: Historia de la literatura Argentina. Buenos Aires, Cedal, capítulo nº 26.
SAER, Juan José. “Sobre Literatura.” In: Cuadernos de Recienvenido. São Paulo, Humanitas, 2000.
SAER, Juan José; PIGLIA, Ricardo. Diálogo. Santa Fé, Universidad Nacional del Litoral, 1995.
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 24-29, jul./dez. 2003
29
Este trabalho apresenta uma visão geral dos resultados de nossa pesquisa realizada como Dissertação de Mestrado (2002), que também
reúne uma lista de referências resenhadas, visando tornar conhecida
a bibliografia crítica sobre Manoel de Barros. Buscando oferecer subsídios a outros pesquisadores interessados na poesia do autor.
Palavras-chave:
Crítica Literária, Bibliografia, Manoel de Barros.
This paper presents a general view of the results of our master
dissertation (2002), that brings together a list of commented
references intending to make known the Manoel de Barros´
discussed bibliography, offering subsidies to others researchers
which are interested in the poetry of this author.
Keywords:
Literary Critique, Bibliography, Manoel de Barros.
*
Walquíria Gonçalves
Béda é doutoranda em
Teoria Literária e
Literatura Comparada
na FCL da UNESP Campus de Assis.
30
ALGUNS ASPECTOS DO
INVENTÁRIO BIBLIOGRÁFICO
SOBRE MANOEL DE BARROS
Walquíria Gonçalves Béda*
No Brasil, ainda há muito a ser feito no campo da
documentação bibliográfica, pois podemos constatar
facilmente a precariedade de fontes de pesquisa. Por
conseguinte, realizamos um estudo que reúne uma
lista de referências resenhadas, visando tornar conhecida a bibliografia crítica sobre Manoel de Barros e
oferecer subsídios a outros pesquisadores interessados na poesia do autor. Essa história das opiniões
sobre Barros está acompanhada por uma síntese dos
caminhos adotados pela crítica literária brasileira durante os seus sessenta anos de produção poética.
Para complementarmos nosso estudo, fizemos a
descrição e tecemos alguns comentários sobre os textos, que foram organizados e arquivados de acordo
com a classificação dada por nós. Realizamos uma
entrevista com o poeta acerca da crítica sobre sua
obra, sobre a opinião e o interesse de seus leitores.
Elaboramos um índice dos periódicos pesquisados e
dos autores que escreveram sobre o poeta. Fizemos o
levantamento numérico dos textos arquivados e o levantamento numérico dos textos por classificação, bem
como verificamos a incidência desses textos década a
década (1942-2002).
Dessa forma, conseguimos reunir ao todo 549 textos sobre Manoel de Barros. Todo esse material está
organizado alfabetica e cronologicamente. O esquema de classificação e o número de textos arquivados
são os seguintes:
A-I: resenhas (58 textos); A-II: entrevistas (47);
A-III:reportagens (294); B-I: ensaios ou monografias
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 30-35, jul./dez. 2003
(89); B-II: teses e livros (24); C-I: correspondência
passiva (02); D: textos da internet; E: homenagens ao
poeta (35).
Quanto aos autores, os textos recolhidos têm a
presença de alguns nomes ilustres da nossa literatura,
como os de Alfredo Bosi, Wilson Martins e Antonio
Houaiss. Outros nomes interessantes que também fazem parte do rol daqueles que escreveram sobre
Manoel de Barros são Arnaldo Jabor, Carlos Emílio
Correa Lima, Michel Riaudel e Ênio Silveira.
Passando à análise dos títulos recolhidos, constatamos que os textos classificados como reportagens e
incluídos na categoria A-III representam o maior número de artigos encontrados. São matérias escritas na
época de lançamento e relançamento de livros, de
recebimentos de prêmios, ou de concessão de homenagens. Elas abordam muito mais o lado pessoal e
social do poeta. Nesses textos, o enfoque dado à sua
poética é geralmente feito de maneira muito
simplificada, não justificando uma atenção mais detida de nossa parte. Quase sempre, são citadas idéias
já apresentadas anteriormente por alguns estudiosos,
e que foram ouvidas ou lidas por jornalistas.
Nesse conjunto de textos, e em alguns outros documentos, é comum lermos certas frases que se tornaram uma espécie de clichê ao se falar de Manoel de
Barros. Vários colunistas, jornalistas e críticos o chamaram de “o poeta do Pantanal”, o “Guimarães Rosa
da poesia”, “o poeta das coisas ínfimas”, “o poeta do
chão”.
31
A projeção de
A comparação com outros espara assobio, de 1982, e que
critores também é de praxe. João
aguardou a mídia se manifestar,
Manoel de Barros na
Cabral de Melo Neto, Fernando
mas saíram apenas duas “notinhas”
mídia aconteceu em
Pessoa e Clarice Lispector são alelogiando o livro. Para ilustrar seu
03/out/1984, quando
guns dos nomes mais citados, sentexto, transcreve versos do poeMillôr
Fernandes,
do o mais freqüente e discutido
ma “Sabiá com trevas”, e defende
deles o do mineiro João Guimaa poesia de Manoel de Barros:
em sua coluna para a
rães Rosa. Tal comparação será
Estou apresentando hoje, a vocês,
revista Istoé, apresenta
objeto de comentário posterior.
um poeta, Manoel de Barros, de
o poeta e transcreve um Mato Grosso do Sul. Não é um
Passando para uma outra cade seus poemas.
tegoria, podemos afirmar que, ao
novato. De vida tem mais de 60
examinarmos as resenhas, verifianos. De poesia, o dobro. Há dois
camos que é comum encontraranos fiz a capa de um livrinho seu,
mos os nomes de Berta Waldman, José Maria
admirável: Arranjos para assobio. Dois anos! FiCançado, José Castello, Anna Regina Accioly, Lúcia
quei esperando que a mídia se manifestasse. Que
Castello Branco, Douglas Diegues, Maria Adélia
escritores especializados se manifestassem. O SuMenegazzo, e Sérgio Rubens Sossélla, os quais reveplemento Literário Minas Gerais (honra ao jorlam um interesse assíduo pelas publicações barrianas.
nal!) deu duas notas, elogiando. Foi só. “Não é
Como trabalhos acadêmicos, podemos citar: A
um país sério” – já dizia o narigudo francês.
poética alquímica de Manoel de Barros. Dissertação
(Millor, Istoé, 1982)
(Mestrado em Letras), 1988 e A poética do fragmenOs comentários do humorista serviram de apoio
tário: Uma leitura da poesia de Manoel de Barros. para alguns outros, como o de Otto Lara Resende, O
Tese (Doutorado em Letras), 1996, ambos de Globo, 18/ago/1985, e o do Jornal Moda Guaicurus,
Goiandira de F. Ortiz de Camargo; A poética de de 01/nov/1986. O texto de Millôr Fernandes foi um
Manoel de Barros: a linguagem e a volta à infância. dos primeiros a ter repercussão, sendo que a partir de
1992, de Afonso Castro; além de A poética de Manoel então o poeta começou a ser mais notado. Mas a
de Barros: Um jeito de olhar o mundo. Dissertação fama só começaria a alcançá-lo quatro anos depois,
(Mestrado em Letras), 1998, de Kelcilene Grácia da em 1988.
Silva.
Tudo começou com a entrevista intitulada “EscriAs entrevistas concedidas por Manoel de Barros tos para el conocimiento del suelo”, publicada na resão documentos informativos sobre sua vida e sua vista espanhola El Paseante, n.º11, e escrita por Carlos
obra; no entanto, vão além: apresentam–se impreg- Emilio Correa Lima em dezembro de 1988. Esse foi
nadas pela linguagem poética de seu autor. São fontes um grande passo para Manoel de Barros finalmente
importantes de pesquisa, visto que possibilitam a com- abandonar o anonimato.
preensão do poeta, de suas origens, de onde provém
A revista espanhola situa Manoel de Barros como
a sua matéria-prima, seu modo de criar e as influênci- “Poeta do Pantanal” e traz a tradução de sete de seus
as que sofreu sua formação poética.
poemas, feita por Mário Merlino. O escritor responde
Dos textos classificados como biobibliográficos, o a perguntas sobre ter o chão como seu cosmos, sobre
mais antigo de que temos notícia data de 28/out/1942, os detritos que servem para a poesia, sobre as árvopublicado no jornal O Diário, em Belo Horizonte, e res e os animais em extinção e sobre a função do
fala do lançamento do livro Face Imóvel. Uma outra poeta no mundo de hoje:
matéria publicada em 28/nov./1942, no jornal CarioManoel de Barros aparece nessa publicação ao lado
ca do Rio de Janeiro, também trata do lançamento de de estrelas da Literatura Brasileira. Depois dessa enFace Imóvel e classifica o poeta como “moderno, trevista, começa a ser considerado também no Brasil
criador de ritmos, liberto da tirania da métrica”.
como um dos melhores poetas da atualidade. São esA projeção de Manoel de Barros na mídia aconte- critas várias reportagens sobre a entrevista concedida
ceu em 03/out/1984, quando Millôr Fernandes, em a El Paseante, e sobre o valor que Barros passa a
sua coluna para a revista Istoé, apresenta o poeta e representar para a Literatura Brasileira, dentro e fora
transcreve um de seus poemas. No texto, Millôr ques- do país.
tiona o silêncio da mídia e dos críticos literários a
Um texto que ilustra bem a propagação que teve a
respeito de Barros, fala que fez a capa de Arranjos publicação de “Escritos para el conocimiento del suelo”
32
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 30-35, jul./dez. 2003
Podemos verificar,
é o do francês Michel Riaudel:
como pano de fundo os textos de
“L’exercice
poétique
de
Manoel de Barros. Várias referênanalisando
l’innocence”, publicado na Infos
cias a elas podem ser encontradas
as publicações
Brésil nº 44, na França, em janeinos textos recolhidos.
citadas, que o
ro de 1989. Para o francês, os
Ainda sobre os textos arranjacurta-metragem
de
poemas seduzem à primeira leitudos na categoria A-III, verificara por seu modo inovador, onde
mos a existência de um outro faPizzini rendeu ao
há algo de simples e de muito intor que teve suma importância no
poeta destaque na
fantil. Escolhe o todo de coisas
lançamento do poeta no Brasil e
mídia por pelo
inocentes e coisas do mundo.
no exterior: a amizade e a admiramenos dois anos.
Outro fator que auxiliou na dição travada pelo filólogo Antonio
fusão da poesia de Barros nos
Houaiss. Ele não escondia que era
grandes centros e em seu próprio
um dos “fãs-famosos” do poeta e
estado foi a produção do curta-metragem de Joel foi o responsável por mais de duas orelhas de livros
Pizzini, Caramujo-Flor. A primeira notícia que se tem lançados por Barros.
sobre o filme data de 21/abr/1987, publicada no jorO nome de Houaiss aparece em vários textos, cinal Diário da Serra, de Campo Grande.
tado como um dos apreciadores da poética barriana,
Na matéria, Barros é apontado por nomes reco- assim batizada por ele. No texto publicado na Folha
nhecidos no mundo literário e jornalístico como um da Tarde, de Corumbá-MS, em 18/set/1974, encondos maiores escritores e poetas do Brasil. O filme, tramos:
segundo a reportagem, é uma das primeiras atitudes
Mestre Antonio Houaiss, observando a pouca reno sentido de propagar a poesia do sul-mato-grossense
percussão dos livros do poeta, escreveu: ‘É incríno âmbito nacional e internacional.
vel que quem tenha atingido o seu nível de
Outros textos enfocam a produção do curtamentação e formalação poética, não seja um nome
metragem. Na matéria publicada no jornal O Globo,
trombeteado’.
em 06/jul/1987, Gualter Mathias Neto afirma que O
(Folha da Tarde, 18/set/1974)
inviável anonimato do Caramujo-Flor é o resgate de
Sobre os admiradores célebres de Manoel de Baruma dívida nacional que começa a ser filmado por ros, não deixaríamos de falar do também poeta Carlos
Joel Pizzini.
Drummond de Andrade que, certa vez, ao ser questiNa matéria publicada por Luca Miranda no Jor- onado sobre qual o melhor poeta do Brasil, responnal do Brasil Central, em Campo Grande, em 12/ deu que era Barros, cujos versos apreciava muito.
nov/1988, lemos que o filme primeiramente recebeu Drummond é presença constante nas resenhas e reo título de O inviável anonimato do Caramujo-Flor portagens sobre o poeta pantaneiro, certamente por
para simplesmente estimular o interesse de patrocina- se tratar da opinião de um escritor que tem um valor
dores pela produção. O elenco final foi composto por indiscutível na poesia brasileira.
Ney Matogrosso, nascido em Bela Vista-MS, que fez
Abordaremos agora a aproximação de Barros com
o papel principal; Rubens Correa, de Aquidauana-MS, um grande prosador da literatura brasileira. Facilmene Aracy Balabanian, de Campo Grande, estrearam no te podemos constatar que a ligação de Guimarães Rosa
cinema; Tetê Espíndola e Almir Sater cederam voz e e Manoel de Barros também é muito comentada nos
imagem à produção do curta-metragem.
periódicos e trabalhos realizados sobre o poeta. LigaNo texto “Manoel de Barros, ‘O Caramujo-Flor’, ção e semelhanças na deturpação lingüística. O poeta
que saiu do anonimato”, publicado no Jornal do Bra- escreveu alguns textos contando da sua amizade com
sil Central em 27/ago/1989, é noticiado que o filme Rosa e de uma viagem que fizeram ao Pantanal (Bricjá foi premiado três vezes, e é citado como um dos A-Brac, 1989; Veja Centro-Oeste, out/1991; Veja, 05/
melhores curtas do Festival de Cinema de Gramado jan/1994; Bravo, jun/1998). Conta a história que Bar(RS).
ros serviu de guia pantaneiro do prosador durante a
Podemos verificar, analisando as publicações cita- sua viagem ao Pantanal de Mato Grosso.
das acima, que o curta-metragem de Pizzini rendeu
No texto intitulado “Uma alma com espaço aberto
ao poeta destaque na mídia por pelo menos dois anos. estimula o prazer de ler”, escrito por Márcio Vassalo
Temos notícia de que, nos últimos dez anos, pelo e publicado na revista Lector em 1997, aparece uma
menos doze peças de teatro foram encenadas tendo entrevista realizada por Pedro Bial, na qual se diz que
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 30-35, jul./dez. 2003
33
as conversas entre Manoel de
Analisando alguns contos de
Barros e Guimarães Rosa são ficRosa, mais especificamente “Ave
Sabemos
tícias, que Manoel é poeta, prega
Palavra”, e poemas de Concerto
que as entrevistas
peças. Que o poeta foi apresena céu aberto para solos de ave,
tado a Rosa pelo embaixador
de Barros, Goiandira Camargo
concedidas pelo
Mário Callado, muito amigo dos
afirma que o poema “Caderno de
poeta apresentam
dois. Afirma que Barros talvez
andarilho” dialoga visivelmente
linguagem poética;
seja o único sucessor de Rosa.
com o prosador. São transcritos e
são,
portanto,
Apesar de ser repetidamente
comparados versos das duas
comparado ao prosador, Barros já
obras.
ficcionais.
provou que tem seu estilo próprio
Ao finalizar seu trabalho, a aue que não merece o título de “o
tora afirma que:
Guimarães Rosa da poesia”, pois
A obra barreana cria uma simerotulá-lo dessa forma seria como se olhássemos um
tria com a de Rosa, mas como a simetria tamprisma somente por um lado: perderíamos parte de
bém passa pela absoluta confiança na liberdade
sua beleza e encanto.
de inventar, Barros, em momento algum, repete
Em se tratando de Rosa e Barros, não poderíaRosa. Pelo contrário, Barros na historicidade limos deixar de mencionar o estudo realizado pela Dra.
terária, reinventa Rosa, com tal força poética e
Profa. Goiandira Ortiz de Camargo, da UFG. O traoriginalidade que instaura o lugar da consciência
balho leva o título “Guimarães Rosa e Manoel de
de leitura no espaço da poesia.(Camargo, 1999:
Barros: confluências de poética”, e foi publicado na
51-2).
revista Vintém de Cobre, editada na Cidade de Goiás
Entendemos, depois das leituras e considerações
– GO.
feitas até o presente momento, que o resultado de
Neste ensaio, Goiandira Camargo faz uma aproxi- nossa coleta bibliográfica indica um número baixo de
mação desses dois autores situando Barros como lei- textos realmente críticos da obra de Manoel de Bartor do autor mineiro, e considerando, assim, a ros. Constatamos que os que enfocam a vida do poehistoricidade literária: a tradição influenciando os tex- ta, os chamados textos jornalísticos, são numericatos novos. Segundo a professora,
mente superiores aos estudos realizados sobre sua
Rosa, diferente de Oswald de Andrade que é uma poética.
influência explícita nos seus primeiros livros, e de
É também lamentável constatar que em certos esRaul Bopp, Murilo Mendes e Jorge de Lima, au- tudos deparamos com reproduções de algumas obtores que, junto com a linhagem dos românticos, servações totalmente enganosas sobre a biografia do
esboçam a genealogia poética de Barros, confi- autor como, por exemplo, dados sobre o local de seu
gurando a “casualidade interna”, de que fala An- nascimento e de sua moradia, além da troca (habitual
tonio Candido, representa a afinidade eletiva. no início) de Manoel para Manuel, o que acredita(Camargo, 1999:46).
mos ser uma herança de Manuel Bandeira. RessaltaA autora faz menção às entrevistas que reuniu, mos que os textos foram resenhados sem buscar reapublicadas em jornais e revistas, e diz que, na maioria lizar correções. Todas as informações equivocadas
delas, Barros narra o encontro que teve com Rosa no sobre o poeta podem ser verificadas com uma leitura
Pantanal, no ano de 1956. De acordo com a análise atenta das sinopses.
de Camargo, o tom dessa narrativa é de admiração e
Há também algumas observações simplificadas a
humildade, e as considerações sobre a conversa que respeito da obra barriana, com pouca presença de
travou com o mineiro são incomuns, prova de que estudos e análises que se baseiem em teorias bem
estão muito mais para a criação, do que para uma fundamentadas, e que tentem explicar ou demonstrar
conversa normal.
essas observações.
Sabemos que as entrevistas concedidas pelo poeta
Há trabalhos que, no entanto, abordam a poética
apresentam linguagem poética; são, portanto, barriana com muita precisão e qualidade. No capítulo
ficcionais. E, como nos diz Camargo (1999:47), “esse quatro de nossa dissertação, tratamos dos estudos de
encontro pode ter tido data e local, pode fazer parte Mestrado e Doutorado de forma separada, com o inda história, mas quando Barros o conta, faz parte da tuito de auxiliar o pesquisador que esteja interessado
estória”.
especificamente nesse tipo de estudo.
34
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 30-35, jul./dez. 2003
Vale lembrar que nosso estura realizados pelo país afora; a nãodo não previa uma análise detarealização de autopromoção no lanO resultado de nossa
lhada e profunda dos textos que
çamento dos primeiros livros e, encoleta bibliográfica
conseguíssemos arquivar, mas
fim, a própria poética barriana, que
indica um número
somente servir de apoio para a
para muitos é incompreensível
pesquisa dos estudiosos de Manoel
(apesar de Barros alertar: poesia
baixo de textos
de Barros.
não é para compreender, mas para
realmente críticos
Também tínhamos como um de
incorporar).
da
obra
de
nossos objetivos pesquisar e veriApesar desses fatores que preficar a razão para a demora no
judicaram e prejudicam muito, ou
Manoel de Barros.
reconhecimento literário do poeem parte, a expansão dos admita, e o porquê de esse reconheciradores da obra barriana enconmento ainda se fazer tímido em
tramos hoje, no início do século
estudos mais críticos.
XXI, um Manoel de Barros com oitenta e seis anos,
Com a leitura dos textos arquivados, em conversas com a autoridade de quase vinte livros publicados e
com Manoel de Barros e com professores que acom- detentor do título de melhor poeta brasileiro em ativipanham a poesia barriana, pudemos concluir que vári- dade.
as são as causas para a lentidão do alcance da fama e
Esperamos que nosso estudo auxilie os pesquisado prestígio devidamente merecidos por Barros.
dores da poética de Barros, no sentido de mostrar o
Podemos apontar como principais motivos o fato que se tem estudado sobre o poeta, e orientar sobre
de o poeta residir em uma cidade que não faz parte do o que ainda falta ser analisado, para que Manoel de
eixo cultural Rio-São Paulo; a timidez excessiva do Barros possa ser devidamente reconhecido pelos leiescritor, que se recusa a participar de programas de tores de Poesia Brasileira, por críticos e acadêmicos
TV e a proferir palestras em Congressos de Literatu- de todo o país.
Referências Bibliográficas
CAMARGO, G. Guimarães Rosa e Manoel de Barros: confluências de poética. Vintém de Cobre. Goiás: UFGO, 1999.
CARPEAUX, O M.. Pequena Bibliografia Crítica da literatura Brasileira. Ministério da Educação e Saúde, Serviço de Documentação. Rio de Janeiro, 1951.
FERNANDES, M. IstoÉ. Rio de Janeiro, 18/set/1982.
FIGUEIREDO, F. Aristarchos. Livraria H. Antunes. Rio de Janeiro, 1941.
FOLHA da Tarde. Corumbá, 18/set/1974.
NUNES, B. Crítica Literária no Brasil, ontem e hoje. In: MARTINS, M. H. (Org.). Rumos da Crítica. São Paulo: Editora SENAC SP:
Itaú Cultural, 2000.
OLIVEIRA, A. M. D. de O. Estudo Crítico da Bibliografia sobre Cecília Meireles. Universidade Estadual de Campinas. São Paulo,
1988.
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 30-35, jul./dez. 2003
35
The main objective of this paper is to identify, define and analyze the signals of
hesitation present in the speech of a group of adult Brazilian English as foreign
language students. The relationship between the group linguistic proficiency level
and the presence of the phenomena of hesitation is discussed as well. The data for
the study was obtained from students of three different proficiency levels who were
evaluated in three different activities. The students’ mental speech production
processes were inferred from perfonnance and introspection data. The taxonomy
employed to identify the signals of hesitation was based on the existing types,
specifically those of Faerch and Kasper (1983) and Goldman-Eisler (1972). The
general results of this study indicated that although speakers basically use the same
signals of hesitation during the speech planning and execution process, their
frequency varies according to the student’s proficiency level, suggesting that the
phenomenon of hesitation in terms of types, frequency and use, is transitory and
dynamic.
Keywords:
English, Phenomenon, Hesitation, Strategy, Communication.
Este estudo tem como principal objetivo identificar, definir e analisar os signos
de hesitação presentes nas falas de um grupo de estudantes brasileiros, adultos,
aprendizes de inglês. Adicionalmente, a relação entre o nível de proficiência
lingüística do grupo e a presença do fenômeno de hesitação é discutida. Os dados
para o estudo foram obtidos de alunos de três diferentes níveis de proficiência
que foram testados em três diferentes atividades. Os processos mentais de produção
de fala dos alunos foram inferidos a partir de dados de desempenho e introspecção.
A taxonomia empregada para a identificação dos signos de hesitação foi baseada
em tipologias existentes, mais especificamente a de Faerch and Kasper (1983) e
Goldman-Eisler (1972). Os resultados gerais deste estudo indicaram que apesar
dos falantes basicamente empregarem os mesmos signos de hesitação durante o
processo de planejamento e execução de fala, sua freqüência varia de acordo com
os níveis de proficiência do aluno, sugerindo que o fenômeno de hesitação em
termos de tipos, freqüência e uso, é transitório e dinâmico.
Palavras-chave:
inglês, fenômeno, hesitação, estratégia, comunicação.
36
*
Nadir de Assis
Boralli é mestra em
Língua Inglesa pela
UFSC e professora
no Curso de Letras
da UFMS - campus
de Dourados.
PHENOMENA OF HESITATION
IN INTERLANGUAGE
SPEECH PRODUCTION
Nadir de Assis Boralli*
Research in the area of speech production processes suggests that there are two major processing stages
in speech: planning and execution. The former includes
the syntactic morphological structuring of an utterance
and the lexical selection, while the latter comprises
the execution of the utterance under observance of
phonological rules (cf. Clark and Clark, 1977 and
Keller, 1979.)
In the following sample of a learner’s speech
production we can observe the phenomena of planning
and execution taking place:
“This story is about – (uh) a guy – that liked to –
to go, to:- (uh) – to:, to: - /lægou/ - and to swim –
(mhm) and the take off, took off his clothes – and
swim. But after (uh) few minutes – he, he:: looked,
looked that clothes and:, and: don’t find and (uh)
think, thought: where i:s my clothes?”
As can be observed, problems may appear both in
the planning and execution of speech. This little
passage is full of signals of hesitation such as drawls,
fillers, repetitions and pauses, showing that speech
planning is taking place.
In order to fill a gap in the vocabulary, the speaker
created an ‘ad hoc’ form based on his L1. The use of
the word /lægou/ (lago in Portuguese) shows his
uncertainty about using the word ‘lake’. Observe how
the item is preceded by a series of hesitations, showing
that he is having difficulties in executing his plan.
According to Faerch and Kasper (1983), “the aim
of the planning phase is to develop a plan, the execution
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 36-45, jul./dez. 2003
of which will result in an action which will lead to the
actional goal” (p.23)
Clark and Clark (1977) call attention to the fact
that the two processes are not always clearly separated
in time. At any moment planning and execution may
have been processed simultaneously. Speakers may
have been “planning what to say next while executing
what they have planned moments before” (p.224). In
face of this it is hard to say where planning leaves off
and execution begins. However, as Clark and Clark
assert, “despite this problem, planning and execution
are convenient labels for the two ends of speech
production. The considerations that go into planning
an utterance can generally be distinguished from those
that go into its execution” (p.224).
Faerch and Kasper (1983) point out that two
situations can be established for the occurrence of
speech phenomena depending on whether the problem
is in the planning phase or is in the execution phase.
Problems within the planning phase may occur
either because the linguistic knowledge is felt to
be insufficient by the language user, relative to a
given goal, or because the language user predicts
that he will have problems in executing a given
plan. Problems within the execution phase have to
do with retrieving the items or rules, which are
contained in the plan. The difference between
anticipating fluency or correctness problems and
experiencing retrieval problems in execution is that
in the former case, it is possible to avoid getting
37
...one of the best ways
into a problem by developing
language. The students were all
an alternative plan, whereas in
adults, their age ranging from 18
to learn about learners’
the execution phase problems
to 30, and were all speakers of the
interlanguage behaviour
are there, and have to be solved
same L1, Portuguese. Twenty-four
and to discover about
(p.34-35)
students were selected for the
the mental processes
Speaking, therefore, seems to
experiment. They were divided into
be divided into two types of
three groups and each group
underlying such
activities – planning and execution
composed of eight subjects,
behaviour
is
to
analyse
and there are at least two phenoaccording to their level of
their deviant
mena that can be clearly observed
proficiency: low proficiency
in the speakers’ communicative
speakers (LPSs), intermediate
utterances...
behaviour. One is the phenoproficiency speakers (IPSs) and
menon of hesitation or signals of
high-proficiency speakers (HPSs).
hesitation (SHs) pauses, repetitions, fillers,
drawls, which is the subject of this study and the
Collection of data
other is the use of communication strategies (foreigniStudents took part in three oral production tasks
zing, approximation, paraphrase).
resulting in a total of 72 speech production samples.
Maybe because little is still known about the specific The data were audio-taped and collected in a noroccurrence of signals of hesitation in interlanguage (IL) mal language classroom. Students were told to
speech production, no accepted definitions or typologies produce the best they could and as much language
of these variables were found in the literature. The as possible. Each task lesson lasted from 20 to 40
taxonomy of SHs, for the purpose of this study, was minutes.
based on some descriptions provided by Faerch and
Kasper (1983), Sinderman and Horsella (1989),
Goldman-Eisler (1961 and 1972). The commonest types
The subjects in all three groups performed three
of SHs mentioned by these researchers are: unfilled
production
tasks: a) an oral description of the sequence
(=silent) pauses, filled pauses, lengthening and syllables,
of
pictures
(CP); b) the retelling of a story told by the
repetitions, self-corrections, etc.
This study was undertaken under the assumption experimenter in L1 (RS) and c) the explanation of
that one of the best ways to learn about learners’ four concrete and four abstract concepts (EC). These
interlanguage behaviour and to discover about the tasks were selected because they have been mentioned
mental processes underlying such behaviour is to in the literature as involving a variety of oral speech
analyse their deviant utterances and to analyse the styles and being frequently performed in real life
phenomena involved in the planning and execution situations (cf. Morrow, 1979; Pint, 1981; Shohamy,
1983; Fulcher, 1987)
phases of their speech production.
Instruments
Methodology
Objectives
The present study has as its main objectives to
identify and to analyse the signals of hesitation
commonly found in the speech of a group of adult
Brazilian learners while trying to communicate in
English; to discuss the possible function of these signals
in their performance and to observe if there is a
difference in terms of the use of SHs according to
their proficiency level in the target language.
Subjects
The data for the study came from a group of
Brazilian students studying English as a foreign
38
Procedures
The approach followed to detect CSs was the
phenomena of hesitation reflected in the interlanguage
performance as an index of ‘how’ and ‘where’
problems in planning execution are taking place (cf.
Beattie and Bradbury, 1979; Dechert and Raupach,
1983; Faerch and Kasper, 1983).
As in Faerch and Kasper (1983), the phenomena
of hesitation such as filled and unfilled pauses,
repetitions and stretching of syllables used as “timegaining devices for the planning of a subsequent speech
unit”(Faerch and Kasper, 1983:215) or the selection
of the nest lexical item (cf. Goldman-Eisler, 1972;
Seliger, 1980; Decher and Raupach, 1983; Raupach,
1983; Bongaerts and Poulisse, 1989; Poulisse and
Schils, 1989) was considered a useful tool to understand
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 36-45, jul./dez. 2003
In order to obtain further the subjects. A tape-recorder with
what goes on while learners are
trying to communicate in a second
the students’ language taped was
insights on the learners’
language (SL).
mental activities involved used as a stimulus for the students
Many researchers (Seliger,
to reconstruct what was going on
in
the
process,
a
third
in their minds at given moments.
1980; Raupach, 1983; Dechert and
research
tool
used
in
Thus, the analysis of hesitation
Raupach, 1983; Crookes, 1989;
this study was
phenomena in the learners’ speech
Poulisse and Schils, 1989) assert
data and an introspective analysis
the contributions made by this
self-observation:
reflecting both immediate retrosmethodological approach, but they
delayed retrospection
pection: based on indirect quesdo not accept it as the only and
based
on
interviews.
tions (questionnaire), and delayed
definitive way of understanding the
retrospection: based on direct
learner ’s mental processes of
questions (interviews) were
producing oral communication.
considered
promising
approaches for understanding
Poulisse and Schils (1989) assert that a satisfactory
mental
activities
involved
in language processing.
interpretation of learner ’s speech performance
requires some introspective comments (selfAnalysis of data
observational methods) that the subjects themselves
Each
session
was tape-recorded and later
must give on their performance after having completed
the task. Speakers’ intuition may provide valuable transcribed following the transcription symbols
information regarding their cognitive processes of suggested by Marchuschi (1986), and Heritage and
Atkinson (1987).
speech production in the TL (tarjet language).
Although the subjects were free to make the
Because of considerable evidence that learners
introspective
comments in their own language or in
can be used as informants to offer a better
the
TL,
when
transcribed to this study, the comments
understanding of the internal mechanisms of their
which
were
offered
in L1 were translated into English.
speech production, a second research tool used in
this study was self-observation: immediate In order to reduce the data to manageable proportions,
a simple count frequency was translated into
retrospection based on a questionnaire.
The methodological framework for reaching the percentages, the latter being considered sufficient for
learners’ mental processes in the production of speech the purposes of this study.
was based on suggestions provided by Hosenfeld
(1977) (1979) Cohen and Aphek, (1981) Cohen and
Hosenfeld (1981) and Cohen (1984).
In order to obtain further insights on the learners’
mental activities involved in the process, a third
research tool used in this study was self-observation:
delayed retrospection based on interviews.
As in Cohen and Aphek (1981) an external
elicitation format – namely questions on the type: “Why
did you say X?”, “Why is the type of signal of hesitation
present in your speech?”, was used in this study. The
elicitation and response were oral in the subject’s
mother tongue or in the target language, depending on
the speaker’s proficiency level. In order to capture
some of the processes/strategies used by the speakers,
they were asked individually by the experimenter in a
retrospective session a day after and in some cases
two or three days later, to discuss and comment on the
problems they had faced while performing the task.
The reason why this retrospective session was
discussed only a day after or some days later was the
need to have the data transcribed before interviewing
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 36-45, jul./dez. 2003
Results And Discussion
The first section presents a description, definition
and exemplifications of SHs, and based on the
learners’ introspection it examines the possible
function of the SHs. Finally, the relation between
language proficiency and SHs is examined.
The second presents the general conclusions of
the study, offers suggestions for the future research
and relates the implications for the findings for
teaching and learning.
Below is an illustration of each of the signals of
hesitation found in the speech of the three groups
(HPSs, IPSs and LPSs) when performing the three
oral activities (CP, RS and EC).
Short Pauses: These are small interruptions
(0:2 to 0:5 seconds) occurring before lexical items
or function words. They seem to be used by the
speakers as time-gaining strategies so that they
can remember, search for specific linguistic items
to be used or substituted in the speech chain.
Example:
39
(1) “Alligator (0:6) it’s an aniLaughter: The use of
Subjects may have
mal who – have a – big
hesitated for any of the ‘laughter’ is another characteristic
mouth (laugher) – a:nd –
feature of the learners’ perforfollowing reasons: they
you can (you can) meet him,
mance data. It is hard to analyse
them, you can meet it – (uh)
were thinking about the
the function of laughter in verbal
at Pantanal” (IPSs)
planning. It seems the subjects
correct pronunciation,
Long Pauses: Pauses occurring
spontaneously laugh because they
selecting the most
in the middle of sentences, they are
are in trouble. They perceive they
appropriate
lexical
item,
longer than short pauses (ranging
are going to employ or have just
from 0:5 to 0:15 seconds) and fulfill
misused or mispronounced a
trying to remember
basically the same functions of
lexical item and the laughter could
words.
short pauses, namely, to solve
have the special function of
problems and gain time to find
diminishing the discomfort in a
solutions to linguistic problems. Example:
troublesome situation. In example below, the speaker
(2) “Flag is something that represents – a country, did not know or did not remember the verb ‘get
an state – or (uh) (0:10) an ideal” (IPS)
down’. After some hesitation she employed a verb
Boundary Pauses: These are pauses occurring based on L1 producing /descer/.
at sentence boundaries (more than 0:5 seconds). It
(9) “... and he: (he) had to : (to) (pause) he
seems this kind of strategy can give the speaker time
had to /descer/ (laughter) ...” Dn (IPS)
to formulate the next sentence. Example:
(3) “Jim was a very intelligent – man (pause) He
Functions of Signals of Hesitation
worked – very hard, but he didn’t earn much
Considering the above examples it can be observed
money with his work. (IPS)
that the subjects are struggling to express a message.
Drawls: These consist of the stretching of sounds This could suggest that they are having serious
(: :) which can give the speakers time to organize problems in their verbal planning due to lack of
what will be said next. Example:
knowledge of the TL. However, the performance data
(4) “Patience – is : : - to be calm – to : : (0:5) and the results obtained from the introspective
(to : :) able to support – (eh)...” (HPS)
analysis indicate that the SHs do not just represent
Repetitions: These consist of repeating a word or insufficient command of the TL but can also be
several words or even a whole sentence, and they interpreted as significant aspects of the learners’ speech
may also be used as a device to gain time in selecting behaviour. Subjects may have hesitated for any of
the next lexical item or the next sentence. Example:
the following reasons: they were thinking about the
(5) “Pride is a feeling (is a feeling) (a feeling) correct pronunciation, selecting the most appropriate
you have about something. You may be pride – lexical item, trying to remember words not readily
(you may be pride) – you may be proud – your available at the time of speaking, trying to substitute
qualities” (IPS)
items they do not know by other ones available in
Fillers: These are gaps occurring in the speaker’s their repertoire, trying to remember grammatical rules,
speech filled by expressions such as (eh) (mhm), (er)... organizing ideas in their minds or having trouble with
Example:
the specific task of retelling the story, interpreting the
(6) “This story goes like – (eh) – (ah) kids (ah) pictures and looking for definitions or examples for
there sound seems to be five kids playing hide, the concrete and abstract concepts.
and (ah) – one of (ah) (one of) the kids (eh) close
It is important to point out that the data do not
his eyes...” (HPS)
provide definite or sufficient evidence why the SHs
Gambits: The learner overtly shows that s/he is occurred and neither were the speakers able to provide
having troubles by means of a signal like this: “I don’t answers or satisfactory explanations about the kind of
know how to say this”. Example:
problems they were experiencing while planning their
(7) “Bachelor – (I don´t know) (pause) bachelor messages. But the data can offer important insights
is a – man that didn’t marry” Mr (HPS)
about the second language learners’ behaviour. If on
(8) “Honesty – well (laugher) How can I explain the one hand they are useful indicators that the TL
honesty? Well honesty is a (is a) quality (is a learner is having difficulties to execute his/her plan, on
quality)” Gr (HPS). Pm
the other hand they are strategies used by the TL
40
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 36-45, jul./dez. 2003
learners to gain time in their search
be the same that a native
The learner is selecting
for lexical, grammatical or
speaker would use in some
rules and vocabulary
phonological items they do not
situations. I always try a menitems s/he considers
remember or have not learned yet.
tal
organization
before
Although no attempt was made to
more appropriate to
speaking.”
verify the problems of
express what s/he
consciousness
and
unC) Low-proficiency Speakers
needs to communicate
consciousness in this study, it was
“I am not sure, but perhaps I
in that situation.
found that there are at least three
use them to organize the
different groups of speakers in this
subsequent structures. I did not
study: a) the speakers who are
know there were so many
conscious of their processes of
hesitations in my speech, but it
speech production and are able to
is probably because I do not
give some important information about CSs and SHs; have automatized the new language yet.”
b) the speakers who are not conscious of these pro“I know they’re present in my speech and this
cesses and refused to talk about them and c) the
causes me embarassment. I try to avoid the pauspeakers who, in some specific points, are aware of
ses but it is very difficult because of lack of
what happened but in other points do not know or
vocabulary”. (LPS)
remember the kind of problems they were having,
providing confusing and ambiguous explanation about “I make a great effort to communicate in English,
because I have problems with grammar,
their performance.
I shall now present some of the introspective vocabulary and specially with the pronunciation.
information provided by: a) the high-proficiency speakers I’m aware of these signals. I can perceive them in
(HPSs); b) the intermediate-proficiency speakers (IPSs) my English speech, but I can not perceive them
while I’m speaking in Portuguese. I think this
and c) the low-proficiency speakers (LPSs).
happens because I do not have a good command
of the language”. (LPS)
A) High-proficiency Speakers
“Actually I didn’t know these signs were present “My problem is pronunciation. I’m afraid of
in my speech and I don’t think it’s important to making mistakes and to sound ridiculous and thus
talk about them.”
I think a lot before deciding”.
“I don’t know. I have never thought about this.”
“When I am having trouble in expressing my ideas
because of lack of vocabulary, I repeat the words
or group of words until I can express my thought.
Repetitions are better than pauses.”
“These signs are present even when I am speaking
Portuguese. I don’t know why. I was not nervous
and I didn’t feel I was insecure while talking.”
B) Intermediate-proficiency Speakers
“I know they’re present in my speech but that is
because I could not remember certain words or
expressions such as ‘esconde-esconde’.”
“I don’t know why. It is spontaneous I suppose,
but perhaps it is because of lack of vocabulary.
Vocabulary is my problem.”
“I pause to think. I repeat the words in an attempt
of organizing the ideas and the structures. It takes
me a long time before deciding if the items would
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 36-45, jul./dez. 2003
“I have never thought about these signals in my
speech, but it is probably because I’m very afraid
of making mistakes.”
From these and other statements made by the learners,
I will summarize below the functions of the SHs
present in the verbal planning of the learners:
1. The learner is selecting rules and vocabulary items
s/he considers more appropriate to express what s/
he needs to communicate in that situation.
2. The learner is trying to remember or to substitute
grammatical rules, searching for the correct
pronunciation, the appropriate lexical item, clause or
even a whole sentence.
3. The learner is producing language in a rather tense
situation where the concern for producing the best
language possibly causes anxiety which causes the
learner to take more time to produce speech.
4. The learner is having difficulties in recalling the
story, in interpreting the pictures, in organizing the
ideas or to find definitions for the concepts, all of
41
which could take a long time even
in the first language.
higher-proficiency speakers such
as fillers and gambits.
The following is a summary of
the results presented in Tables 1
and 2. Short Pauses are the most
common SHs that were found in
the speakers’ textual data,
implying that this phenomenon
plays a significant role in their
communication. In a total of 3.903
SHs found in the data, 2.249 are
short pauses distributed among
the groups in the following way:
40% of the short pauses were employed by LPSs,
32% by IPSs and 28% by HPSs. Long Pauses play
a less significant role, specially among HPSs.
Boundary Pauses are the least frequent SHs
employed by the groups and are almost entirely absent
in the HPSs textual data (see Tables 1 and 2). Other
important SHS were drawls, repetitions and fillers
while laughter and gambits were not very common.
A very small difference is the employment of drawls
among the groups was observed (see the Tables).
LPSs stretched the sound (193 times) 21% more often
than IPSs and only (159 times) 6% more than HPSs
(183 times). Of a total of 535 repetitions, 54% were
employed by the LPSs, 26% by IPSs and 20% by
HPSs. One interesting SH employed by the subjects
in this study was fillers whose presence in the
speakers performance data plays a very important
role. In this case, there was an inversion of influence
on the proficiency level. Of a total of 280 fillers found
in the data, 51% were employed by HPSs, 24% by
IPSs and 25% by the LPSs. Expressing the total SH
use in percentages, 41% percent of the SHs were
found in the LPSs performance data, 30% in the IPSs
data and 29% in the HPSs data (see Table 2), showing
that there are no remarkable differences between
the groups when we refer to the general results.
A probable reason to be given for the fact that
there is no considerable differences in terms of type
of SHs among the three groups is that they may not
be a phenomenon specific to IL. According to
Fillmore (1979), Faerch and Kasper (1983), typically
the learner’s L1 or even another language exert strong
influence on the learner’s communicative behaviour.
The learner may be transferring SHs from L1 to TL.
There are in the literature some studies reporting that
certain SHs such as drawls and unfilled pauses are
transferred from L1 to TL (cf. Raupach (1983) and
Sajavaara and Lehtonen (1980)). Although, if TL
Short Pauses are the
most common SHs that
were found in the
speakers’ textual data,
implying that this
phenomenon plays a
significant role in their
communication.
Language Proficiency and the
Use of Signals of Hesitation
It was expected that the type
and frequency of use of SHs
employed by the subjects would
vary according to their proficiency
level. The results of the analysis
offered somewhat limited
confirmation of this hypothesis.
The data revealed the three
groups basically employ the same type of SHs, i.e.,
the proficiency level does not determine a
considerable difference in terms of types of SHs
employed by the subjects (see Table 1).
Table 1 - Signals of Hesitation: Frequency of Employment
of each SH Type by each Proficiency Group.
The frequency of use of SHs shows some
differences between the groups. Some hesitations
such as long pauses, boundary pauses and
repetitions are more used by LPSs (see Table 2).
Others show a certain equilibrium between the groups
(short pauses, drawls and gambits), but there are
also hesitations that are more frequently used by the
Table 2 - Signals of Hesitation: Percentage of Total
Employment of each SH Type Accounted for by each
Proficiency Group.
Obs: These values are based on the data of Table 1.
42
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 36-45, jul./dez. 2003
speakers employ the same type of
2) Speakers’ communicative
SHs may not
SHs used in L1, they probably use
behaviour may be related not only
necessarily be
them with a greater frequency in
to interlanguage problems, but also
related specifically to
the TL because their lower degree
to the activity they have to
of TL automatization obliges them
problem solving in IL,
perform (cf. Raupach, 1983)
to improvise much more (cf.
Poulisse and Schills, 1989)
they can also be
Wagner 1981; Sajavaara and
3) The use of SHs may also
described as
Lehtonen 1980; Faerch and
be motivated by anxiety. This is in
constituting part
Kasper, 1983).
conformity with Goldman-Eisler
Summarizing, we can say that
(1961) and Butterworth (1980).
of the subjects’
there are, at least, four probable
Some higher-proficiency speakers
speech style.
reasons for the fact that there
could be more worried of losing
are no remarkable differences
face and producing ungrammatical
between the groups regarding the frequency of use utterances or mispronunciations than lowerof SHs:
proficiency ones and when uncertainty arises, they
1) While the lower-proficiency speakers prefer to think a lot before executing the plan. See
communicated by means of a less complex and more statements below provided by two HPSs:
reduced language system, the higher-proficiency
“I am in an advanced group, thus, I have a
speakers produced significantly more complex
greater responsibility in producing good English.
language, and thus proportionally may have spent more
I am always afraid of making mistakes and to
time planning. Consequently their use of SHs was
sound incompetent by my teacher. If I am not sure
still high. Observe below how much language HPSs
about the correct grammar or pronunciation, I
used in relation to LPSs to explain what alligator
waste some time thinking before speaking. That’s
means in English.
probably the reason why there are so many pauAlligator – is a – a an animal – very big (0:5) ses, repetitions and signals of hesitation in my
and strong (pause). It: - it’s – like a /krokodilo. speech.” (HPS)
(LPs)
“I still have some troubles with grammar,
Alligator is: a big animal. It is – green a:nd – pronunciation and vocabulary. I prefer thinking
very – (uh) voras. (LPs)
before speaking ‘cause I’m afraid of making
mistakes. I always feel a little nervous and anxious
How to say this Alligator: well, alligator – I’m
when I have to communicate orally.” (HPS)
very afraid of Alli... Alligators, because
4) SHs may not necessarily be related specifically
alligators is a very ugly animal. It’s (it’s) very
to problem solving in IL, they can also be described
big. It’s: it has a: (a) big mouth and big teeth –
as constituting part of the subjects’ speech style. See
ani... (eh) alligators is the most important anithe two statements (below) provided by an IPS and
mal we have in Pantanal. In Mato Grosso we
HPS.
have a lot of alligators and: - (eh) (eh)
alligators are being comercialized? (I don’t “I have never thought about this, but perhaps it is
know), but people are very interested in killing my way of speaking. I have to observe if I also
alligators in order to sell their skin, because use these signals in Portuguese.” (IPS)
it’s a very good article, of – (of) high quality
“It’s my way of speaking. It happens even when
to make (eh) belts and: ba:gs for elegant
I’m speaking in Portuguese, specially when I’m
people. (HPs)
embarrassed or nervous.” (HPS)
Alligators is an animal (ah) you have them in
Two probable explanations why there are
pantanal (ah) lot of people are killing meaningful differences between the groups in the
alligators now to: - sell this the (this) skin you frequency of use of Long Pauses, Boundary Pauses,
know. The, they make shoes and they make Repetitions, Fillers and Laughters are:
purses of (ah) out of this skin (ah) alligators 1) It seems obvious that the presence of long pauskins. There is a campaign now to keep this ses, boundary pauses and repetition in the loweralligators from killing. (HPs)
proficiency speakers’ speech is greater than in the
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 36-45, jul./dez. 2003
43
higher-proficiency speakers due to
important factors such as task,
The
main
findings
their inadequate command of the
style of speech, anxiety and the
TL. No attempts were made to
amount of language produced by
of this study
verify why only these SHs and not
the speakers.
reveal that from
all of the others were more used
lower to higher
by the LPSs.
Concluding/Summary
proficiency the
2) It is hard to explain why the
Statements
higher-proficiency speakers used
This
study
has its limitations
occurrence of
more fillers and laughters than
and further research is still needed
SHs is
the lower-proficiency ones. On of
before drawing any definitive
very high.
the explanations could be that
conclusions. However, if we asHPSs have automatized the fillers
sume the learners of this study are
used by native speakers and
typical of adult learners of a
learned that this strategy is a good resource to gain foreign language, the findings obtained allow us to
time, thus avoiding other types of hesitations. It is venture the following concluding/summary
also hard to explain why the higher-proficiency statements:
speakers laughed more than the LPSs. A possible
From lower to higher-proficiency, the presence
explanation is that the higher-proficiency are more of SHs in L2 speakers’ performance is very high.
aware of the mistakes they produce while They constitute part of the learners’ process of
communicating in the TL, and laughter, as mentioned communication and seem to be highly spontaneous
previously, could have the special function of devices employed for some learners. Other learners
diminishing the discomfort in a troublesome situation. use them consciously as devices to prepare what
However, no attempts were made by the researcher comes next. A third class of learners seems to use
to try to find evidence for such an explanation.
SHs consciously in some situations and unconsciously
The main findings of this study reveal that from in others.
lower to higher proficiency the occurrence of SHs
It seems that the SHs are present in the learners’
is very high. A detailed analysis of the data led us to speech behaviour because cognitive operations are
the following conclusions: a) In general, the types necessary for speech production. Speakers may be
of SH that occur in the LPSs data do not differ having difficulties with the conceptual, lexical,
markedly from those of IPSs and HPSs. This may grammatical and phonological levels or with all of them
indicate that speakers of different proficiency levels simultaneously.
do not have very different means of planning their
SHs do not seem to be a phenomenon specific to
speech and consequently there are no considerable IL, and neither do they appear to be the result of lack
differences in terms of types of SH use. b) With of knowledge of the TL. The information collected
regard to the frequency of SHs employed by the from the performance data and introspective
three groups, it can be observed that there are analysis suggest that the frequency of use of SHs
meaningful differences in the use of long and may also be related to other important factors such
boundary pauses, repetitions, fillers and as: influence of task, speech style, level of anxiety
laughters. Although it was expected that frequency and the amount and complexity of language produced
of use of SHs among the groups would vary by the speakers.
according to the TL speakers’ proficiency, the
Finally, in spite of the fact that all subjects adopt
results of the analysis offered somewhat limited basically the same types of SHs to produce the TL,
confirmation of this hypothesis. The information the results of this study indicate that Brazilian learners
collected fr om the performance data and of English pass through phases in terms of types
introspective analysis suggests that the frequency (small range) and frequency (large range) in the use
of the use of SHs is related not only to the of SHs, and thus, that TL learners’ communicative
proficiency level of the TL speakers, but to other behaviour is transitional and dynamic.
References
BEATTIE, G. and BRADBURY, R.J.
(1979). ‘An Experimental Investigation of the Modifiability of the Temporal Structure of
Spontaneous Speech’ Journal of Psycolinguistics Research, Vol.8, No. 3 : 227 – 247
44
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 36-45, jul./dez. 2003
BONGAERTS, T. and POULISSE, N. (1989). ‘Communication Strategies in L1 and L2: Same or Different?’ Applied Linguistics, Vol.
10, No. 3 : 253 – 268
BUTTENWORTH, B. (1980). Language Production. London : Academic Press
CLARK, E. & CLARK, H.H. (1977). Psychology and Language. New York, Chicago, San Francisco, Atlanta : Harcourt Brace
Jovanovich.
COHEN, A. D. & APHEK, E. (1981). ‘Easifying Second Language Learning’ Studies in Second Language Acquisition. Vol. 3, No.
2 : 221-236.
COHEN, A .D. & HOSENFELD, C. (1981) ‘Some Uses of Mentalistic Data in Second Language Research’ Language Learning.
Vol. 31, No. 2 : 285-313.
COHEN, A. D. (1984) ‘UsingVerbal Reports in Research on Language Learning in C. Faerch and G. Kasper (eds), Introspection in
Second Language Research. Clevedon : Multilingual.
CROOKES, G. (1989) ‘Planning and Interlanguage Variation’ SSLA, Vol. 11 : 367-383.
DECHERT, H.W. & RAUPACH, M. (1983) Towards a Cross – Linguistic Assessment of Speech Production. In C. Faerch & G.
Kasper (eds), Strategies in Interlanguage Communication. London : Longman.
FAERCH, C. & KASPER, G. (1983) ‘On Identifying Communication Strategies in Interlanguage Production’. In C. Faerch and G.
Kasper (eds). Strategies in Interlanguage Communication. London : Longman.
FILLMORE, Charles J. (1979) ‘On Fluency’. In: Fillmore, Charles J. Kempler, Daniel & Wang, Williams S. – Y (eds). Individual
Difference in Language Behavior. London, New York: Academic Press.
FULCHER, G. (1987). ‘Texts of Oral Performance for Data-Based Criteria’ ELT Journal, Vol. 41, No. 4 : 287-291.
GOLDMAN-EISLER, F. (1961). ‘A Comparative study of Two Hesitation Phenomena’ : Language Speech, Vol. 4 : 18-26.
GOLDMAN-EISLER, F. (1972). ‘Pauses, Clauses, Sentences; Language Speech, Vol.. 15 : 103 – 313
HERITAGE, J. and ATKINSON, M. (1987). Structures of Social Action. Cambridge : Cambridge University Press.
HOSELFELD, C. (1977). ‘A Preliminary Investigation of the Reading Strategies of Successful and Nonsuccessful Second Language
Learners’. System, Vol. 5, No. 2 : 110 – 123.
HOSELFELD, C. (1979). ‘Cindy : a Learner in Today’s Foreign Language Classroom’. In: BORNE, W. (ED.), The Foreign Language
Learner in Today’s Classroom Environment. Montpelier, Vermont: Northeast Conference of Teaching of Foreign Languages.
KELLER, E. (1979). Planning and Execution in Speech Production. Montreal : Université du Québec.
MARCHUSCHI, L. A. (1986) Análise da Conversação. São Paulo : Bom Livro.
MORROW,K. (1979). ‘Communication Language Testing: Revolution or Evolution’.
PINT, J. J. (1981) ‘Cartoons that Teach How to use their use in ESL Textbooks’ English Teaching Forum, vol. 19, nº 4 : 43-45.
POULISSE, N. and SCHILS, B. (1989). ‘The Influence of Task and Proficiency – Related Factors on the Use of Compensatory
Strategies: A Quantitative Analysis’ Language Learning, vol. 39, nº1 : 15-48.
RAUPACH, M. (1983) ‘Analyses and Evaluation of Communication Strategies in C. Faerch and G. Kasper (eds.). Strategies in
Interlanguage Communication. London: Longman.
SAJAVARA, K. and LEHTONEN, J. (1980). Papers in Discourse and Contrastive Analysis. Department of English, Jyräskylä University.
SELIGER, H. (1980). Utterance Planning and Correction Behaviour: its Function in the Grammar Construction Process for Second
Language Learners´ in H. Dechert and W. Raupach (eds.). Temporal Variables of Speech Studies in Honor of Frienda Goldman –
Eisler. The Hague: Mouton.
SHOHAMY, E. (1983). The Stability of Oral Proficiency Assessment on the Oral Interview Testing Procedure’. Language Learning,
vol. 33, nº 4 : 527-540.
SINDERMAN, G. and HORSELLA, M. (1989).’ Strategy Markers in Writing’. Applied Linguistics, vol.10, nº4 : 438-446.
WAGNER, J. (1981). ‘Pasch: Rule and Term Explanation in a Game with Speakers of Interlanguage’. In Proceedings of the 2nd
Scandinavian – German Symposium on the Language and Speech of Immigrants and Their Children.
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 36-45, jul./dez. 2003
45
Resenha
DÁ GOSTO DE PERAMBULAR
POR ESTAS PALAVRAGENS
*
de Douglas Diegues
Rosana Cristina Zanelatto Santos**
*
Dá gusto andar desnudo por estas selvas – Sonetos
Salvajes. Curitiba: Travessa dos Editores; Imprensa Oficial
do Estado do Paraná, 2002. 43p.
**
Professora de Literatura Portuguesa no Departamento de
Comunicação da UFMS - Campus de Dourados. Doutora em
Literatura Portuguesa pela USP.
46
Dentre os objetivos implícitos de uma resenha, está
a capacidade de o analista trazer à tona os valores
estéticos do objeto artístico, que podem ser ou não
oriundos do próprio objeto. Há, no entanto, inalienável
e sempre passível de (des) encontros, a perspectiva
fundante de cada nova leitura, afinal, o analista não
deixa de ser um leitor, um leitor munido de recursos
técnicos adequados (?) à sua tarefa, contribuindo para
a (de) formação de uma infinidade de possibilidades
de leitura, o que, grosso modo, garantiria a permanência das obras de arte. Residem, pois, nessa tal
infinidade de possibilidades: o enaltecer encomiástico,
espécie de “colunismo social-literário”, do artista e
de seu rol de admiradores, não necessariamente leitores; a validação político-ideológica ou não da postura do artista e um (quase conseqüente) esquecimento da obra – jogam-se água e criança fora, contudo, salva-se a bacia ...; a validação estética da obra
per si, na tentativa de detectar os movimentos de
rotação e de translação do universo artístico, e por aí
segue. Sigamos então “resenhando” / lendo o livro
de poemas de Douglas Diegues, Dá gusto andar
desnudo por estas selvas – Sonetos Salvajes.
De modo didático, enveredemos pelo mundo da
forma. Douglas Diegues elegeu o soneto à maneira
inglesa, ou soneto de Shakespeare, como forma de
expressão de seus versos, preferindo-o ao tipo italiano: no soneto inglês os 14 versos estão dispostos em
três quadras, cada qual com rima própria, e em dois
versos finais, emparelhados, enquanto o modelo italiano se faz com duas quadras e dois tercetos. PodePapéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 46-48, jul./dez. 2003
rão dizer alguns analistas: por que,
lar-se artisticamente agradável ou
No bilingüismo
para obra com título tão (aparenlingüisticamente necessário; & enpoético de Diegues,
temente) experimentalista, forma
tão ele só é obsoleto de nome.
estão expostos não
tão decantada? O soneto pode ser
Trouxeram-no de volta à vida as
uma forma poética “lugar-cosomente temas
naturais exigências de um estilo
mum”, mas pensemos no tempo
vigoroso ou sutil. Não é um cadárecorrentes da lírica
que nos separa dos “outros” sover desenterrado (como no caso
ocidental, mas também
netos: o renascentista, o barroco,
de escritores menos capazes) mas
as
“feridas
abertas”
o árcade ... Não somente a linum belo corpo despertado de um
guagem é dinâmica como os hosono longo & reparador (KAna América Latina.
mens-leitores o são, num indício
VÁFIS, 1998, p. 59).
de que “a tradição [é] sempre
Douglas Diegues “traz de volnova”1 e não “o resultado passita” o soneto inglês, lançando mão
vo de (...) um conglomerado de antigos tesouros cul- de temas também não tão novos, como nas quadras
turais que fortuitamente nos foram entregues pelo iniciais do soneto 25, que nos falam da efemeridade
passado” (RÉE, 2000, p. 20). Lembremo-nos, por da carne e das doenças da alma:
exemplo, do soneto (à italiana e com versos
melhor no saber cuantos años bocê tem / esquedecassílabos) O Peixe-Cachorro, de Manoel de Barcer la data de su aniversário / livrar-se de los caros, posto em seu Livro de Pré-Coisas:
prichos otários / un dia todos terão de ir além
Era um peixe esquisito pra cachorro: / Cruza de
vanidades de la carne perecible / doenças invisíbles
lobisomem com tapera? / Filho de jacaré com code la alma / praticar el arte de la calma / el imposible
bra dágua? Ou / Simplesmente cachorro de
sempre foi posible (DIEGUES, 2002, p. 32).
indumentos?
No bilingüismo poético de Diegues, estão exposEra muito esquisito para peixe / E pra cachorro
tos não somente temas recorrentes da lírica ocidenlhe faltava andaime. / Uma feição com boca de
tal, mas também as “feridas abertas” na América
curimba / E o traseiro arrumado para entrega.
Latina pelas crises econômicas, pelos conflitos
Se peixe, o rabo empresta ao liso campo / Um identitários, por uma moral a um só tempo cristã e
andar de moréia atravancada. / Sendo cachorro colonizadora, pelo erotismo latente, presente, por
não arranca a espada?
exemplo, na paradoxal e bela “homenagem” à
“ciudade morena” (Campo Grande, capital de Mato
Difícil aceitar esse estrupício / Como um peixe;
Grosso do Sul):
ainda que nade. / Pra cachorro não cabe no possível (BARROS, 1985, p. 61).
burguesa patusca light ciudade morena/ el fuego
Em anotações feitas entre 1902 e 1911 pelo poeta
de la palavra vá a incendiar tua frieza / ninguém
grego Konstantinos Kaváfis, traduzidas para o porconsigue comprar sabedoria alegria belleza / vas
tuguês por José Paulo Paes e reunidas no pequeno
a aprender agora con cuanto esperma se hace
volume Reflexões sobre poesia e ética, encontraum buen poema
mos a anotação 2b, esclarecedora referência ao laesnobe perua arrogante ciudade morena / tua inbor poético entre o velho e o novo:
teligência burra – oficial – acadêmica – pedante /
Um dos talentos dos grandes estilistas é fazer com
y tu hipocondríaca hipocrisia brochante / son como
que, pelo seu modo de empregá-las, palavras obun porre de whisk con cibalena (DIEGUES, 2002,
soletas deixem de parecer obsoletas. Elas ocorp. 8).
rem com a maior naturalidade nos textos deles, ao
Voltemos ao bilingüismo. Há, inicialmente, que
passo que nos de outros parecem afetas ou fora do
considerarmos
uma série de dados estruturais que
lugar. Isso se deve ao tato & discernimento de tais
escritores, que sabem quando - & somente quando acabam cumprindo uma função social: imigração,
– o termo em desuso pode ser empregado & reve- minorias lingüísticas, isolamento socioeconômico e
1
Alusão explícita ao imprescindível ensaio do Prof. Roberto de Oliveira Brandão sobre as relações entre Retórica e Poética, com belo
prefácio de Alfredo Bosi. Cf. A tradição sempre nova. São Paulo: Ática, 1976. (Ensaios; 21)
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 46-48, jul./dez. 2003
47
cultural, dentre outras, levando
Stuart HALL observa que
O bilingüísmo
mesmo a pensar o bilingüisAs palavras são ‘multimodulapossibilita a
mo como um fenômeno nocivo,
das’. Elas sempre carregam ecos
(re) ocorrência de
por exemplo, às crianças de
de outros significados que elas couma comunidade bilíngüe que
um fenômeno
locam em movimento, apesar de
padeceriam fora do universo
lingüístico-literário
nossos melhores esforços para
extrafamiliar. Graças aos estudos
cerrar o significado. Nossas prepresente nas trovas
sociolingüísticos, essa concepção
missas das quais nós não temos
galego-portuguesas
está sendo revista, passando-se
consciência, mas que são, por asa valorizar as manifestações bido medievo.
sim dizer, conduzidas na corrente
língües.
sangüínea de nossa língua. Tudo
Numa perspectiva variacioque dizemos tem um ‘antes’ e um
nista, a melhor situação para
‘depois’- uma ‘margem’ na qual
estudá-lo verifica-se no caso de pessoas que falem –
outras pessoas [e outras línguas] podem escrever
portanto, em estado de oralidade – duas línguas em
(2002, p. 41).
família, na rua, no trabalho, enfim, em contextos soEm tempo: Dá gusto andar desnudo por estas
ciais estáveis. A condição da estabilidade é de importância capital para estudos dessa natureza. Por selvas – Sonetos Salvajes é o primeiro livro publioutro lado, o bilingüismo intrasituacional, isto é, aque- cado por Diegues. É necessário que acompanhemos
le marcado pela ocasionalidade, merece, no caso de sua produção literária, a fim de observar se ele consua utilização na obra literária, ser interpelado como tinua a perambular por paragens bilíngües, para ganhar mais orquídeas:
uma estratégia intencional e estilística do artista.
Caso consideremos o bilingüismo como um traço
nunca había, / em uma cidade idiota y fria / como
ocasional e experimentalista da obra de Douglas
esta, imaginado que un dia/ alguém me daria uma
Diegues, veremo-nos numa via de mão dupla: a da
orquídea
(re) ocorrência de um fenômeno lingüístico-literário
mi amigo chinês sabe hacer orquídeas / pero dice
presente nas trovas galego-portuguesas do medievo,
que ainda no chegou a la perfeiçon / percebe-se
quando se buscava, dentre outras coisas, fixar uma
que no es um charlaton / domina la arte antiga
língua nacional como um índice de composição e de
(DIEGUES, 2002, p. 34).
confirmação de uma identidade nacional, e a da opção pelo “portunhol” como recurso estilístico para
Ao cabo desta “resenha” / leitura, sabemos
escapar da mesmice e, num movimento mais profun- que o livro de poemas de Douglas Diegues vale uma
do, reclamar por uma identidade cultural que se “des- orquídea, afinal, “entre un cata y un clismo [o poeta
loque” em relação às “metrópoles contemporâneas”, cria] vida nueva [que] germina dentro de la
aceitando-se como descentrada, fragmentada e, a um podredumbre del capitalismo [salvaje]” (DIEGUES,
só tempo, fundante de um pertencimento.
2002, p. 28).
Referências Bibliográficas
BARROS, Manoel. Livro de Pré-Coisas: roteiro para uma excursão no Pantanal. Rio de Janeiro: Philobiblion; [Cuiabá]: Fundação de
Cultura de Mato Grosso do Sul, 1985.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 7. ed. Rio de
Janeiro: DP&A, 2002.
KAVÁFIS, Konstantinos. Reflexões sobre poesia e ética. Tradução José Paulo Paes. São Paulo: Ática, 1998.
RÉE, Jonathan. Heidegger. História e verdade em Ser e Tempo. Tradução José Oscar de Almeida Marques, Karen Volobuef. São
Paulo: Editora UNESP, 2000. (Coleção Grandes Filósofos)
48
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 46-48, jul./dez. 2003
Dissertação
SEXO E PODER
EM NAVALHA NA CARNE
*
Raquel de Oliveira Fonseca**
*
Dissertação defendida junto ao Programa de Mestrado
em Letras da UFMS (área de concentração: Estudos Literários)
em 25 de setembro de 2003. Orientadora: Profª. Drª. Rosana
Cristina Zanelatto Santos.
**
Professora de Literaturas de Língua Portuguesa na
UEMS – Unidade de Cassilândia.
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 49-50, jul./dez. 2003
Parece-nos imediato o estranhamento que Navalha na Carne provoca no seu leitor/ seu espectador; a
primeira atitude despertada é a de não-aceitação de
que qualquer tipo de semelhança ou de relação que
possa ser estabelecida entre o universo criado na obra
e a idéia que temos de civilização. Temos a impressão de que a obra nos apresenta seres totalmente estranhos e desconhecidos, por vezes inimagináveis no
mundo da realidade. Entretanto, esta pesquisa aponta
como tema desta obra o eterno desencontro do ser
humano como o seu mundo e consigo mesmo.
O erotismo foi escolhido como linha mestra que
nos abre as portas para a obra de Plínio Marcos porque nos pareceu bastante clara a importância atribuída a este elemento e suas relações com a violência
que perpassa todo o texto.
Esta pesquisa iniciou-se com o estudo do erotismo a partir de obras extraliterárias das áreas da Filosofia e da Sociologia, na busca pela compreensão do
fenômeno erótico que se desenvolve ininterruptamente
na sociedade ocidental e no universo de Navalha na
Carne.
Na pretensão de traçarmos o percurso trilhado
por Eros na sociedade ocidental, lembremo-nos do
questionamento de Clement Rosset, a respeito daquilo que acreditamos ser o que de fato acontece.
O filósofo nos apresenta a possibilidade de que o
duplo deste real venha a ser uma realidade por nós
ignorada.
As considerações de Pierre Bourdieu de que as
pessoas, as ações e os objetos são representações pro49
duzidas e direcionadas pelo poder
to ao seu valor literário, concoVerificamos pela
simbólico e que se concretizam no
mitantemente ao desenvolvimenanálise da obra
contexto social, levam-nos a conto da dramaturgia brasileira. Sedramática de
siderar a sexualidade enquanto regundo Silviano Santiago, a temática
sultante da conjugação de elemenPlínio Marcos, que o
da literatura esteve impregnada por
tos histórico-culturais, revestidos
uma racionalidade dentro da qual
elemento erótico é
de valores e de sentidos de conoo indivíduo perdia seu valor pesusado como recurso
tação simbólica, a elementos inesoal em face da contemplação do
na
construção
do
rentes à própria natureza humasocial.
na.
Observamos em Navalha na
seu texto.
Estudiosos como Herbert MarCarne, enquanto obra nascida nescuse e Michel Foucault objetite contexto, a presença imperiosa
varam as transformações a que a
de Eros, que caminha lado a lado
sexualidade humana é submetida em face da civiliza- a uma racionalidade que a tudo abarca.
ção, da sistematização da vida social. O comportaPela observação e análise das formações fônicomento, a postura sexual encontra-se vinculada a uma linguísticas e do diálogo que se estabelece no texto,
função específica e temporária que visa a alcançar propusemo-nos a nos deter particularmente em cada
um fim socialmente pré-determinado.
personagem, conforme nos orienta Veltruski, consiPor outro lado, Georges Bataille aponta uma ou- derando-as individualmente, como sujeitos parciais que
tra face do erotismo, que é o poder de fazer manifes- se manifestam numa totalidade contextual e que ao se
tar-se como uma força irrompedora que busca atingir revesarem e interpenetrarem, dão origem a uma consum plano mais completo no qual o ser humano possa trução semântica.
saciar a sua necessidade de continuidade e o seu deVerificamos pela análise da obra dramática de Plínio
sejo da imortalidade.
Marcos, que o elemento erótico é usado como recurOtacvio Paz, por sua vez, aponta o ano de 1968 so na construção do seu texto; as personagens nos
como o momento em que, na sociedade ocidental, o são apresentadas como seres sexuais; a vida sexual
erotismo teria usado o seu poder de explosão e de das personagens tem relação direta com o curso das
destruição na chamada “explosão da sexualidade”. Este ações vivenciadas. Os aspectos eróticos presentes na
poderia teria sido um acontecimento propício, favo- obra são poderosas revelações dos mais diferentes
rável para que mudanças definitivas ocorressem na aspectos da vida humana.
estrutura social; entretanto, pela carga simbólica que
A racionalidade castradora do afetivo, do emociorevestia os processos eróticos e pela preocupação com nal toma dimensão relevante dentro da obra porque
os regimes ditatoriais que assolavam o mundo pela permeia todos os espaços, sistematizando as ações e
época, as chamas levantadas pela explosão foram apa- impedindo que qualquer manifestação da alma ou do
gadas e mesmo adaptadas aos interesses dos poderes espírito se desenvolva.
instituídos. Segundo Paz, em conseqüência, Eros teAs relações que se estabelecem em Navalha na
ria sofrido sua descaracterização maior, perdendo a Carne são resultantes de um processo em que todas
noção de alma e dos valores morais e espirituais, em as situações, pensamentos e palavras são antecipadadetrimento da supervalorização do corpo, da matéria mente planejados. No universo construído em Navae do lucro.
lha na Carne não há liberdade de ação, não há disObservando o contexto brasileiro das décadas de curso que não seja comprometido com a poderosa
1960 e 1970, notamos a proliferação de obras de cu- sistemática que acaba por comportar todas as possinho social, às vezes passivas de questionamento quan- bilidades de inovação, inclusive as sugeridas por Eros.
50
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 49-50, jul./dez. 2003
Dissertação
UM OLHAR SOBRE OS
CAMINHOS DO PANTANAL
SUL-MATO-GROSSENSE:
A TOPONÍMIA DOS ACIDENTES FÍSICOS*
Marlene Schneider**
*
Dissertação defendida, em 25-09-2002, no Programa de
Pós-graduação em Letras na UFMS, área de concentração
em Estudos Lingüísticos, como parte dos requisitos para a
obtenção do título de Mestre em Lingüística.
Orientadora: Profa. Dra. Aparecida Negri Isquerdo.
**
Professora da rede pública estadual e municipal de
ensino e docente da UCDBIESPAN, em Corumbá – MS.
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 51-52, jul./dez. 2003
O estudo da Toponímia1 é de suma importância
para o conhecimento da realidade social, histórica,
econômica, política e geográfica de uma região, uma
vez que através do estudo das designações atribuídas
aos lugares podem-se recuperar aspectos subjacentes
à realidade nomeada. Este trabalho apresenta resultados da pesquisa realizada sobre a toponímia dos acidentes físicos do Pantanal2 sul-mato-grossense que
objetivou realizar o levantamento, a catalogação e o
estudo dos topônimos coletados. Tomamos como hipótese de estudo o pressuposto de que devido à imensa riqueza ambiental, como a fauna, a flora e os acidentes hidrográficos, a realidade local seria retratada nas denominações dos acidentes físicos da região
pantaneira.
As designações toponímicas foram classificadas,
segundo o modelo teórico de Dick3 (1992), que abrange vinte e sete categorias de natureza antropo-cultural
e física. Além disso, foram adotadas as subdivisões
de Lima (1997)4 e Isquerdo5 (1996). Discutiram-se
também questões lingüísticas, que envolvem os campos etno-dialetológico (língua de origem dos topônimos
– indígena, portuguesa, outras origens, origem controversa, obscura ou controvertida) e histórico-cultural. A análise dos signos toponímicos procurou identificar manifestações da relação entre língua, cultura
e ambiente no processo de nomeação de acidentes
físicos da região, como as baías, os corixos, os
51
córregos, os morros, as morrarias, os rios e as
vazantes das oito sub-regiões do Pantanal de Mato
Grosso do Sul. Para tanto, a análise dos topônimos
procurou relacionar os designativos dos acidentes físicos com aspectos culturais da região pantaneira,
considerando-se, pois, não somente os fatores
lingüísticos, mas também os elementos extralingüísticos.
Orientou o estudo a definição de Toponímia proposta por Dick6 (1990: 36): “um imenso complexo línguocultural, em que dados das demais ciências se interseccionam necessariamente e não exclusivamente”.
Os dados analisados foram obtidos por meio de
consulta a doze folhas cartográficas pertencentes ao
Mapa da Bacia do Alto Paraguai e do Pantanal do
Brasil, elaboradas pelo Ministério do Exército, no ano
de 1982. Para subsidiar o estudo foram consultados
livros que focalizam aspectos geográficos e históricos do Pantanal, obras de cunho teórico sobre
Toponímia e obras lexicográficas da língua portuguesa (gerais e etimológicas) e de línguas indígenas.
No conjunto dos topônimos examinados (310
topônimos), predominaram os de natureza física
(52,22%), dentre esses, os zootopônimos (17,41%),
os fitotopônimos (14,24%) e os hidrotopônimos
(7,28%), o que confirma a hipótese inicial e é justificável em função da enorme riqueza ambiental da região, em termos de variedades de espécies da fauna
e da flora, além da diversidade de acidentes
hidrográficos típicos da região pantaneira. A riqueza
física do Pantanal aparece representada com nomes
de animais, como Córrego Piranha, Corixo Jacaré,
Vazante do Baio; nomes de plantas, como Córrego
da Piúva, Corixo Mandioca Brava, Vazante
Aguaçu; nomes de acidentes hidrográficos, como
Corixo Baía das Amoreiras e Vazante Riozinho. Verificou-se também grande incidência de topônimos
de origem Tupi entre os zootopônimos e os fitotopônimos, como Córrego Caetetu, Rio Piquiri, Córrego
Buriti e Rio Itiquira.
Assim, o exame das designações toponímicas permitiu-nos confirmar que a língua sofre influências do
ambiente físico em que se vivem os falantes, ao mesmo tempo em que reforça a tese de que tal influência
só acontece no momento em que o grupo valoriza
um elemento e o reporta à língua, dando nome a um
acidente físico.
Já entre os designativos de natureza antropo-cultural (41,83 %) predominaram os hagiotopônimos
(8,23%), os antropotopônimos (6,96%) e os
animotopônimos (6,33%), o que denota a importância atribuída pelo denominador às crenças, à valorização do ser humano que busca dentro de si as forças
necessárias para vencer os obstáculos advindos do
tipo de vida próprio do ambiente pantaneiro. Assim, a
riqueza cultural da região aparece representada na
toponímia local, em topônimos que remetem a nomes de santos e santas, como Corixo São Domingos,
Vazante Santana, Córrego Santa Maria; a nomes de
pessoas, como Corixo João Leme, Córrego Benjamin, Ilha Florinda; e a estados de ânimo do denominador, como Córrego Triunfo, Rio Formoso e Vazante Alegria.
A pesquisa comprovou, enfim, que as marcas
extralingüísticas da toponímia foram relevantes para
se chegar ao motivo subjacente nas denominações
dos acidentes físicos do Pantanal, tornando o ato de
nomeação motivado, pois a realidade física e cultural
da região pantaneira está representada na toponímia
local de forma significativa.
1
A Toponímia é a disciplina que se ocupa do estudo dos nomes de lugares e faz parte da Onomástica. Além da Toponímia, a
Onomástica também envolve em seus estudos a Antroponímia, disciplina que estuda o nome de pessoas (SALAZAR-QUIJADA,
1985, p.15).
2
O Pantanal sul-mato-grossense situa-se aproximadamente entre os paralelos 18 e 21 e os meridianos de 55 e 58, à Noroeste do
estado de Mato Grosso do Sul, limitando-se com a Bolívia e o Paraguai, Mato Grosso e o Planalto Central Brasileiro. A área do
Pantanal é plana, com altitudes que não ultrapassam os 200 metros acima do nível do mar com declives entre os extremos norte e sul
de 3 centímetros por quilômetro. Devido a essa característica, dois terços de seu território se transformam periodicamente em imensas
lagoas que impõem os hábitos da população e da fauna local.
3
DICK, Maria Vicentina do Amaral, Toponímia e Antroponímia no Brasil. Coletânea de Estudos. São Paulo:Gráfica da FFLCHUSP,
1992.
4
LIMA, Ivonne Alves de. A motivação religiosa dos topônimos paranaenses. In: Estudos Lingüísticos XLV Seminário do GEL.
Campinas: UNICAMP, 1997, p.422-428.
5
ISQUERDO, Aparecida Negri. O Fato Lingüístico como Recorte da Realidade Sócio-Cultural. 1996, 409 p. Tese (Doutorado).
Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Araraquara, 1996.
6
DICK, Maria Vicentina do Amaral. A motivação toponímica e a realidade brasileira. São Paulo: Edições Arquivo do Estado, 1990.
52
Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 51-52, jul./dez. 2003

Documentos relacionados