revista n-2

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revista n-2
Revista da Fapese
Revista semestral da Fundação de Apoio à Pesquisa e
Extensão de Sergipe - Aracaju - v. 1 - n. 2 - 2005
Mudanças Tecnológicas e Relações de Trabalho:
Um Olhar de Gênero na Indústria Têxtil
Maria Helena Santana Cruz
Utilização da Ultrafiltração em Fluxo Tangencial na
Determinação das Constantes de Troca entre
Substâncias Húmicas e Íons Cu(II)
Luciane Pimenta Cruz Romão
Julio Cesar Rocha
Fatores de Atração do Ide na América Latina: O
Papel da Abertura Econômica
José Ricardo de Santana
Guilherme Cavalcante Vieira
Avaliação Geoambiental das Dunas Costeiras de
Sergipe
Anízia C. de Assunção Oliveira
Rosemeri Melo e Souza
A Leitura de Literatura Infantil na Alfabetização: O
Que Falam/Fazem os Professores Sobre essa Prática?
Maria de Fátima Monteiro
O Problema da Sombra em a Bela Vassilissa
Ana Maria Leal
Na Trilha dos Passos do Senhor: A Devoção ao
Senhor dos Passos de São Cristóvão/SE
Magno Francisco de Jesus Santos
Verônica Maria Meneses Nunes
A Pesquisa Aplicada e as Possibilidades de
Desenvolvimento do Campo de Estudos em Jornalismo
Carlos Eduardo Franciscato
Josenildo Luiz Guerra
FUNDAÇÃO DE APOIO À PESQUISA E EXTENSÃO DE SERGIPE
Presidente da Fapese
Prof. Dr. José Roberto de Lima Andrade
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Companhia de Desenvolvimento Industrial e de
Recursos Minerais de Sergipe - CODISE
Tácito Antônio de Melo Faro
Revista da Fapese / Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão
de Sergipe. – vol. 1, n. 2, (2005). – Aracaju: Fundação de
Apoio à Pesquisa e Extensão de Sergipe, 2005
Semestral
ISSN - 1808-477X
1. Produção científica - Sergipe
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APRESENTAÇÃO
Prof. Dr. José Roberto de Lima Andrade,
Presidente da FAPESE
Prof. Dr. Dean Lee Hansen,
Editor da Revista da FAPESE
A
Fundação de Apoio à Pesquisa e Ex-
Dado o crescimento da produção acadê-
tensão de Sergipe (FAPESE) tem
mica nas áreas de Ciência e Tecnologia, a
por finalidade apoiar, promover, executar e sub-
FAPESE reconhece a importância do desen-
sidiar programas e atividades da Universidade Fe-
volvimento de uma revista de divulgação ci-
deral de Sergipe (UFS) e de outras instituições do
entífica, tanto como um veículo de publica-
estado, relevantes para o seu desenvolvimento.
ção das ricas pesquisas locais, quanto para
Para cumprir seu objetivo, a FAPESE participa
a viabilização da difusão de conhecimentos
de programas e projetos voltados para o desen-
no nível regional e nacional. Por isso, a
volvimento científico, tecnológico, social e cul-
FAPESE lançou sua revista, a Revista da
tural, incluindo a prestação de serviços técni-
FAPESE, que é publicada semestralmente. O
cos especializados, aproximando cada vez mais
objetivo é o de difundir e valorizar os resul-
a UFS da sociedade sergipana. Ao longo dos seus
tados da produção científica da região, criar
mais de dez anos de existência, a FAPESE tem
uma maior conectividade entre a produção
participado de projetos de pesquisa, ensino e
acadêmica e a comunidade, contribuindo,
extensão com diversas instituições públicas e
assim, para uma maior visibilidade da pro-
privadas, inserindo-se no processo de desenvol-
dução científica no estado e no contexto na-
vimento científico e tecnológico do estado.
cional.
SUMÁRIO
ARTIGOS
07 Mudanças Tecnológicas e Relações de Trabalho:
Um Olhar de Gênero na Indústria Têxtil
Maria Helena Santana Cruz
25 Utilização da Ultrafiltração em Fluxo Tangencial na Determinação
das Constantes de Troca entre Substâncias Húmicas e Íons Cu(II)
Luciane Pimenta Cruz Romão
Julio Cesar Rocha
37 Fatores de Atração do Ide na América Latina:
O Papel da Abertura Econômica
José Ricardo de Santana
Guilherme Cavalcante Vieira
51 Avaliação Geoambiental das Dunas Costeiras de Sergipe
Anízia C. de Assunção Oliveira
Rosemeri Melo e Souza
73 A Leitura de Literatura Infantil na Alfabetização:
O Que Falam/Fazem os Professores Sobre essa Prática?
Maria de Fátima Monteiro
89 O Problema da Sombra em a Bela Vassilissa
Ana Maria Leal
97 Na Trilha dos Passos do Senhor: A Devoção ao
Senhor dos Passos de São Cristóvão/SE
Magno Francisco de Jesus Santos
Verônica Maria Meneses Nunes
DIVULGAÇÃO
111 A Pesquisa Aplicada e as Possibilidades de Desenvolvimento
do Campo de Estudos em Jornalismo
Carlos Eduardo Franciscato
Josenildo Luiz Guerra
Revista da Fapese de Pesquisa e Extensão, v. 2, p. 7-24, jul./dez. 2005
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Mudanças tecnológicas e relações de trabalho: Um
olhar de gênero na indústria têxtil1
R e s u m o
Maria Helena Santana Cruz2
O
estudo objetivou desvendar, sob a perspectiva de gênero, as
transformações gestadas pela introdução das inovações
tecnológicas e organizacionais na dinâmica das relações soci-
ais, destacando os avanços observados na ampliação da cidadania e
na universalização de direitos entre trabalhadores da indústria têxtil. Os dados indicam que o crescimento econômico e o desenvolvimento da indústria têm um impacto negativo, especialmente sobre
a participação das mulheres na força de trabalho industrial.
PALAVRAS- CHAVE: Trabalho,
Reestruturação Produtiva, Gênero.
Indústria
Têxtil,
8
Maria Helena Santana Cruz
A
expansão dos estudos sobre gênero localiza-se
no quadro de transformações contemporâneas
por que passa a sociedade quando certas regras sociais, muitas vezes estabelecidas quase como obrigatórias, estão sendo questionadas e nos convidam a
fazer uma re-leitura desse processo. A velha polarização homem/mulher oferece novas possibilidades
de revisão. Os novos Estudos Culturais questionam
as expressões “nascer e tornar-se” e nos levam a indagar: como abordar a construção da identidade cultural das mulheres e dos homens? Nascemos mulheres e homens ou nos tornamos como tais? Como
intervir numa história e numa cultura em construção? Alguns dos questionamentos contidos neste
artigo incidem sobre as questões de gênero que atravessam o mundo do trabalho e a formação das mulheres e homens trabalhadores no setor da indústria
têxtil.
A reestruturação produtiva que vem ocorrendo
na indústria brasileira como um todo – e no setor
têxtil em particular – constitui um processo bastante complexo. Na sua configuração, intervêm variáveis de diversas ordens. Ainda que a discussão dessas questões ultrapasse os limites deste artigo, nos
parece importante colocar que a adoção e a experimentação de novas tecnologias e de novos métodos
de gestão da produção e do trabalho constituem apenas um dos aspectos, talvez o mais visível ou discutido do processo produção e desenvolvimento, que
se constituem marcados pela globalização, integração
regional e reestruturação produtiva.
Este texto apresenta resultados de uma pesquisa
realizada em uma indústria têxtil sergipana que passava recentemente por processos de reestruturação
produtiva, destacando as características assumidas
nesse processo. Também analisa as possibilidades de
difusão e os requisitos que geram em termos de educação/qualificação das (os) trabalhadoras (es), dos
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quais se pode inferir um conjunto de elementos comuns e divergentes. Compreende-se que a utilização da abordagem de gênero no processo de trabalho, em contextos sociais diferenciados, permite perceber a repercussão desigual das mudanças sobre o
trabalho, segundo o sexo do trabalhador.
As relações sociais de gênero são compreendidas
como um processo de construção social – o que enseja
o desafio teórico de superar a dicotomia produção/
reprodução, e recuperar sua integração na idéia de
que a produção de bens é social (transformação material stricto sensu), tanto quanto é socialmente
construída a produção de seres humanos (reprodução social). Os estudos de gênero no campo da educação visam a analisar as ligações materiais de poder3 e a força pedagógica da política cultural. Em
parte, isso significa tentar compreender como a pedagogia, tanto dentro como fora das escolas, pode
ser usada não apenas como aprendizagem à mudança social, mas também como teoria à prática, instrução intelectual aos problemas da vida pública, à educação e à promessa de uma democracia radical e inclusiva.
Nessa linha de reflexão, para Scott “as diferenças
percebidas entre os sexos, apresentam-se também
como uma forma primordial de significado às relações de poder” (Scott, 1995, p. 11), e assim, compreendeu-se que as discriminações sexuais e a segregação ocupacional vêm dificultando o progresso das
mulheres. O gênero, ao tempo em que constitui as
diversas instituições sociais e práticas determinadas,
constrói maneiras de viver que, através das relações
de poder, vão produzir os gêneros, definindo para os
sujeitos, lugares diferenciados na sociedade e assim,
as desigualdades sociais, existindo uma construção
social e histórica produzida sobre as características
biológicas4 . A abordagem de gênero permite entender as imagens construídas socialmente, marcadas
Mudanças tecnológicas e relações de trabalho: Um olhar de gênero na indústria têxtil
por mitos, preconceitos, estereótipos, elementos que
estruturam a divisão sexual e a organização do processo de trabalho, determinando, em grande parte,
as oportunidades e a forma de inserção de homens e
mulheres no mundo do trabalho (Abramo, 1996, p.
23). Expressa a forma como cada cultura trata as diferenças sociais entre os sexos, configurando imagens
e identidades masculina e feminina (Oliveira, 1991).
Os Estudos de Gênero podem ser entendidos como
um corpus de saberes científicos que têm por objetivo proporcionar características e metodologias para
análise das representações e condições de existência
de homens e mulheres em sociedades passadas e futuras (Yannoulas et al, 2000, p. 426). É necessário inicialmente entrar no campo da conceitualização, evitando equívocos entre sexo e gênero. Todo conceito é
limitado, não esgota em si a totalidade do significado.
Sexo refere-se à dimensão biológica e gênero à dimensão cultural, embora os limites entre ambos não sejam estanques, já que as referências textuais aos dois
níveis se imbriquem muitas vezes na bibliografia sobre o assunto. O conceito de gênero é introduzido para
afirmar algo mais amplo que sexo e como produto
social aprendido, institucionalizado e transmitido de
geração em geração (Cruz, 2005). A categoria gênero
inclui duas dimensões.
A primeira afirma que a realidade biológica do
ser humano não é suficiente para explicar o comportamento diferenciado do masculino e do feminino
em sociedade. A segunda está ligada à noção de poder. O poder historicamente é distribuído de modo
desigual entre os sexos, fato que gera preocupação e
questões dos aspectos culturais ligados a gênero.
Pensar sobre elas envolve o jogo das diferenças, onde
as regras são definidas nas lutas sociais entre agen-
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tes imersos em relações de poder. Outro conceito
importante para o estudo de gênero é o da diferença,
que, na perspectiva pós-estruturalista, é um processo social estritamente vinculado à significação. Identidade e diferença não são condições inerentes aos
gêneros ou às culturas, não sendo possível reduzilas a algo fixo, estável, único, definitivo, homogêneo. Elas só podem ser percebidas como construção,
efeito, processo de produção e ato performativo.
Performatividade compreende as proposições lingüísticas que não se limitam a descrever um estado de coisas, mas fazem com que uma coisa aconteça, isto é, por
sua repetição exaustiva, acabam por produzir efeitos
de realidade. As identidades de gênero, assim como as
raciais, são produzidas por meio de repetidos enunciados performativos, pela interação nos diferentes espaços de atuação dos diferentes atores sociais.
Essas relações sociais podem mudar, pois, a cada
momento, novos sujeitos e circunstâncias invadem a
cena social, modificando as regras do jogo. Foucault
comenta em seus textos os significados de poder, saber e ética. Esse poder que circula entre as esferas do
saber e da ética foi quebrado por essas mulheres, em
busca de significados. Viram e nomearam a realidade
de formas diferentes. Lidaram com diversos campos
de poder. Aprenderam a governar-se a si mesmas. Inventaram jeitos de ser, mesmo estando inseridas na
clandestinidade de uma cultura patriarcalista.
Em geral, o entendimento desse processo, exige
interlocução com o conceito de patriarcado5 (uma
das estruturas sobre as quais se assentam todas as
sociedades contemporâneas; caracterizado pela autoridade imposta institucionalmente do homem sobre a mulher e filhos, no âmbito familiar), seja considerado como sistema de dominação6 masculina.
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Maria Helena Santana Cruz
Isso porque, o campo educacional questiona as relações patriarcais, a reprodução das relações entre os
sujeitos, o caráter histórico e cultural de construção
de identidades diferenciadas de acordo com o gênero, etnia, classe e geração, com o fito de gerar procedimentos democráticos de formação de vontade que,
em última instância, produzam nova racionalidade
no mundo da vida colonizado (Habermas, 1990).
Retomamos a idéia de que toda relação é uma relação de poder, um jogo de forças, que, portanto, supõe uma tensão, nem sempre negativa, mas que precisa ser invocada para desnaturalizar as diferenças
entre homem e mulher. O exercício do poder sempre
se dá entre sujeitos que são capazes de resistir; caso
contrário, o que se verifica é uma relação de violência. Há nas relações de poder, um enfrentamento
constante e perpétuo. Como corolário desta idéia teremos que estas relações não se dão onde não haja
liberdade.
Na definição de Foucault, a existência de liberdade, garantindo a possibilidade de reação por parte
daqueles sobre os quais o poder é exercido, apresenta-se como fundamental (Foucault, 1999b). Nesse
sentido, não há poder sem liberdade e sem potencial
de revolta (Louro, 1999, p.39). As posições das mulheres no processo histórico não foram sempre passivas, como faz parecer uma história em que as vozes das mulheres pouco aparecem. As formas de resistência são inúmeras e às vezes ocultam-se sob uma
aparente passividade. Foucault (1999a, p.89) recusa-se a admitir uma lei transcendental que determina o que somos e o que devemos ser. Essa relação é
sempre provisória e aberta às relações interpessoais
e a novos posicionamentos do sujeito. Nega as descrições universalistas da natureza humana, fazendo
a historicização do sujeito: “não existe um sujeito
como tal, isto é, universal, a-histórico, mas uma história da subjetividade, ou seja, das diferentes
tecnologias de si”. O autor aborda as relações humanas emaranhadas nas relações de poder, que apresenta numa perspectiva distanciada das análises
marxista e fenomenológica. O poder é algo que não
está “localizado”, que não é propriedade de, que não
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se restringe a uma concepção jurídica, e nem parte
de uma concepção a partir da lei e do soberano, a
partir da regra e da proibição, mas apresenta uma
visão do poder desligada das análises tradicionais,
um poder que está imbricado nas relações sociais
como os nós entrecruzados de uma malha.
A perspectiva adotada também permite esclarecer os mecanismos que generalizam e especificam
as diferenças e as disparidades nas dimensões temporais e espaciais, a convivência da contradição, cujo
ritmo e característica acentuam o nível diferenciado
e fragmentado do desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção, os aspectos culturais e históricos que presidem os diferentes arranjos institucionais, as variadas formas de integração
ao novo contexto internacional, ao novo “modelo”
produtivo e as diferentes “trajetórias” de adaptação
(Humphrey, 1995). A abordagem de gênero traz novas iluminações para a compreensão das discriminações sociais, dos estereótipos construídos nos processos de educação/formação e para o conceito de
qualificação.
A sociedade construiu e sedimentou ao longo da
história, as diferenças entre homens e mulheres a
partir das crenças e normas de cada representação
social, o que implica reprodução das desigualdades
nas relações de poder, não apenas entre homens e
mulheres, mas entre as próprias mulheres, de acordo com a cor, idade, religião, posição social etc. As
relações de gênero geram condições quase sempre
desfavoráveis às mulheres, desde a reprodução de
uma educação discriminatória nas escolas, na família e na igreja, onde se evidenciam níveis diferentes
de participação, como também no campo das relações de trabalho onde o sexo é fator determinante
dos níveis de remuneração, distribuição de atribuições, poder e controle de processos e de resultados
oriundos do trabalho.
O acesso das mulheres sem dúvida, está ampliado mas não é igualitariamente distribuído. E sendo
maior o alcance, a carga de atribuições é maior ainda, visto que elas trabalham mais tempo, já que rea-
Mudanças tecnológicas e relações de trabalho: Um olhar de gênero na indústria têxtil
lizam as tarefas do lar, que não são computadas como
potencial produtivo, fazendo parte do rol das tarefas
ditas “de mulher”.
Os novos paradigmas do desenvolvimento contemplam questões do empoderamento das mulheres
e comunidades como impulsionador do resgate da
autonomia, da solidariedade e da mudança nas relações sociais, baseadas no respeito e valorização do
ser humano como agente de mudanças. Nesse contexto, a introdução da temática de gênero nos processos de desenvolvimento local. deve contribuir
para a discussão e a construção de um conjunto de
estratégias para a redução das desigualdades, valorizando o capital humano como o principal responsável pelo desenvolvimento em todas as suas dimensões e a reorganização dos sistemas produtivos locais, a fim de que humanizem e otimizem o acesso
aos meios e modos de produção com equidade para
mulheres e homens.
A expressão Gênero e Desenvolvimento tornouse lugar comum entre os textos técnicos e em certos setores acadêmicos desde os anos 80 quando
as Nações Unidas difundiram a revisão das estratégias de desenvolvimento, dando ênfase à
equidade e à sustentabilidade. O binômio carrega
a marca da atenção técnica sobre as mulheres e
por isso, muitas vezes ao ouvirmos a expressão, já
antevemos o que vem a seguir; uma sucessão de
críticas sobre a desconsideração dos programas e
políticas de desenvolvimento acerca da situação
das mulheres e inúmeras recomendações que precisam ser assumidas para se enfrentar esta lacuna
do planejamento. É muito comum na elaboração
de projetos de desenvolvimento, acrescentar-se a
palavra “mulheres” ao máximo de frases possível
no contexto do documento e então, gênero está
considerado. Os técnicos em monitoramento e avaliação incluem sexo como variável das estatísticas
quantitativas da população atendida, e assim, gênero está contemplado. E há quem, é preciso lembrar, simplesmente resista, por achar que todos são
iguais e que nada justifica dar destaque à condição das mulheres.
11
Há ainda os que desconsideram o assunto por simples dificuldade em absorver e lidar com novas questões no contexto social, isto sem falar dos que acham
um detalhe, irrelevante, já que o problema do subdesenvolvimento e da pobreza é de base estrutural.
O tema da desigualdade de gênero começou a ser
compreendido como um problema social, através da
atuação das mulheres organizadas em movimentos
sociais e foi sendo elaborado como questão social
pelo pensamento feminista. Esta marca de origem,
ao contrário de qualificar o problema, tem na verdade contribuído para acirrar polêmicas sobre o assunto, atraindo para si os preconceitos ainda existentes
acerca do feminismo. Nesta lógica de argumentação,
o tema Gênero e Desenvolvimento ainda passa a ser
visto como uma ameaça e sendo um tema político , é
considerado por muitos, como sendo radical e
desagregador para as comunidades, ao invés de
integrador.
Nos anos 80 o assunto adquire status de questão
social para os organismos de desenvolvimento e cooperação técnica internacional e passa a contar com
um suporte técnico, o chamado planejamento de gênero, conceito que propaga a idéia de que é possível,
necessário e recomendável que sejam desenvolvidas
ferramentas para o manejo das questões de gênero
nos processos de apoio ao desenvolvimento, em especial para o momento de diagnóstico inicial da situação.
Nessa linha de reflexão, para discutir a educação
e seus possíveis reflexos no trabalho de mulheres,
necessário se faz descobrir situações de síntese. Impõe-se ampliar o conceito de trabalho e decifrar outros traços sócio-culturais que sustentam o imaginário existente sobre as relações sociais, no esforço de
tratar de forma articulada as esferas da produção e
da reprodução, para revelar a dialética contida nos
vários processos que estruturam as relações sociais
e as representações sobre o trabalho e a qualificação.
No momento atual de reestruturação do capital,
existem indústrias altamente modernas e outras que
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Maria Helena Santana Cruz
convivem ao mesmo tempo com os modelos
taylorista/fordista e o de acumulação flexível. O primeiro é responsável pela fragmentação do trabalho
em tarefas simples e repetitivas e o segundo, pela
introdução de modernas tecnologias responsáveis por
uma nova organização do trabalho. Entendeu-se que
se uma parte importante das experiências individuais e coletivas se estrutura em torno do lugar do trabalho e que este influi sobre as idéias e a conduta
das pessoas. Sua análise seria necessária para se compreender o funcionamento da sociedade capitalista uma sociedade constituída por homens e mulheres.
Procurou-se esclarecer os efeitos diferenciados da
reestruturação produtiva sobre homens e mulheres,
visando a externalizar mecanismos de exclusão e
desigualdades presentes no novo modelo de produção flexível, considerando-se que a heterogeneidade
constitui a principal característica desse processo de
mudança (Cruz, 1997; 2000).
Reestruturação produtiva, racionalização na
fábrica - No último quarto de século, assistiu-se a
mudanças nos contextos econômico, político, social
e cultural no mundo. Segundo Harvey (1996), a partir da metade da década de 70, estar-se-ia vivendo
um período de transição histórica no capitalismo,
passando de uma época onde prevalecia a regulação
social fordista/keynesiana, para outra que ele denomina “acumulação flexível”. O primeiro período, que
teria se estendido do pós-guerra até início da década
de 70, estava baseado na expansão material do capitalismo, organizada a partir de uma estrutura de grandes corporações verticalizadas que monopolizavam
os mercados. Essa expansão se deu, principalmente,
através da atividade industrial, cuja característica era
a produção em massa, aliada à expansão do consumo e ao crescimento do emprego. Particularmente
nos países desenvolvidos, essa forma de regulação
social veio a forjar o que se convencionou chamar o
Estado do Bem-estar Social. Outra característica presente nesse período se localizaria no âmbito da própria organização do trabalho. Esta se deu segundo os
preceitos do taylorismo, cuja gênese remonta ao início do século XX, com Taylor e a “Administração Científica do Trabalho”.
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O trabalho taylorizado foi concebido para ser extremamente dividido, submetido a uma separação
estrita entre a fase da concepção – desenvolvida por
uma minoria localizada no topo da pirâmide
organizacional – e a de execução realizada pela maioria dos trabalhadores, estes submetidos a intenso
controle e supervisão. O trabalho deveria ser desenvolvido segundo um padrão único, previamente estabelecido pelo setor de planejamento e métodos,
institucionalizando-se e fortalecendo-se uma estrutura industrial rigidamente calcada na hierarquia de
poder e autoridade dos gerentes e das chefias. A extrema divisão do trabalho e as arbitrariedades sofridas pelos trabalhadores sujeitos a esta forma de organização, por outro lado, contribuíram para a consolidação de uma resistência operária que acabou
incorporando, pelo menos nas economias avançadas,
a própria grade ocupacional grandemente segmentada pelo taylorismo nas suas lutas e reivindicações,
reforçando ainda mais a rigidez estrutural.
O período que se estende da metade da década
de 70 até os dias atuais apresentaria, ainda indícios
de ruptura em relação à situação anterior. Uma de
suas principais características seria a perda da importância relativa do setor secundário da economia
(em termos de emprego e na composição da riqueza
nacional) em favor do setor terciário, particularmente o segmento financeiro, que apresenta excepcional
expansão. No âmbito das corporações, além de uma
nova onda de concentração de capital através de fusões e incorporações, passa a ter importância a busca da flexibilidade produtiva e do trabalho. Na esfera da produção, procura-se contornar a rigidez da
estrutura industrial, principalmente, através de um
duplo movimento: a expansão geográfica para zonas
onde o controle sobre o trabalho é menos efetivo e a
terceirização de atividades de apoio e de certas etapas da própria atividade produtiva.
Na esfera do trabalho, adotam-se novas práticas
organizacionais que, ao mesmo tempo, visam ao aumento da produtividade e procuram desenvolver a
cooperação e a lealdade do trabalhador em relação à
empresa. Adotam-se novas iniciativas, como a bus-
Mudanças tecnológicas e relações de trabalho: Um olhar de gênero na indústria têxtil
ca de flexibilização dos contratos de trabalho formal
(contrato por período determinado, tempo parcial de
trabalho, etc), dos postos de trabalho (polivalência,
multifuncionalidade) e das próprias relações de trabalho, utilizando-se de trabalho informal ou mesmo
não remunerado, muitas vezes domiciliar, intermitente e sem proteção legal e incorporando essas modalidades precárias de trabalho na rotina regular das
cadeias de produção. A mundialização da economia
teria como tema principal, portanto, a busca de uma
maior flexibilidade, considerada uma das características essenciais do capitalismo contemporâneo. Foi
dentro dessa ótica que se desenvolveu e foi disseminado internacionalmente o sistema de “produção
enxuta”, também conhecido como “modelo” de especialização flexível.
A esse respeito, Coriat (1994) apresenta uma visão bastante crítica. Afirmou que o Ohnismo, considerado como um conjunto de inovações
organizacionais, não foi apreendido pela indústria
brasileira, havendo, isso sim, uma tentativa de
aclimatar localmente alguns processos7 : “os métodos japoneses são utilizados no Brasil como ferramentas de racionalização do já existente, sem nada
mudar nas lógicas fundamentais tayloristas e
fordistas, que constituem o fundamento da indústria tradicional”.
As transformações em curso questionam a permanência das tradições e incertezas com a
modernidade. A adoção da perspectiva de gênero
chama a atenção para as diferentes formas e particularidades que assumem as inovações tecnológicas no
contexto do trabalho industrial, orientando alguns
questionamentos: Como o processo de modernização/inovação tecnológica e organizacional é percebido por gerentes e trabalhadores na indústria têxtil?
As inovações introduzidas trazem consigo melhores
oportunidades para as operárias, em termos de formação, treinamento, ascensão na hierarquia de postos e melhores salários? Comparativamente ao tra-
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balho masculino, estaria havendo uma tendência à
equiparação quanto às funções e remunerações
correspondentes entre homens e mulheres ligados à
produção, indicando dessa forma, um movimento em
direção à ruptura com os conceitos socialmente correntes de divisão sexual do trabalho, estabelecidos
através de segregação de mulher no mercado e nos
locais de trabalho? De que modo a gerência promove
a motivação das operárias, para obter maior esforço
e dedicação no desempenho de suas tarefas? Como
as operárias integram e organizam os papéis na esfera privada familiar e na esfera pública do trabalho
industrial? Procurou-se construir uma história cruzando-se as características da integração das mulheres na fábrica, as condições de trabalho, suas transformações e as imagens que sustentam seu trabalho,
incluindo-se o estudo do fenômeno das mentalidades, porque, como disse Duby, o imaginário, o sistema
de representações, os valores e os sentimentos cumprem um papel tão importante como o sistema material no ordenamento das relações sociais (1978, p. 9).
Algumas observações metodológicas – Dado o
caráter exploratório desta investigação, o estudo de
caso apresentou-se como a técnica mais adequada.
O trabalho de campo se circunscreveu a uma das
mais antigas fábricas (94 anos desde sua fundação)
do ramo têxtil sergipano, situada na zona urbana de
Aracaju, escolhida pelo volume de seu pessoal, por
integrar mulheres em diversas categorias ocupacionais e por introduzir inovações tecnológicas e
organizacionais no âmbito do trabalho. Foi utilizada
uma metodologia consistente com base em diversas
fontes de observação; a investigação bibliográfica, a
investigação documental e a investigação de base
empírica, observação na planta da fábrica e observação participante nos locais de trabalho e em reuniões com os (as) trabalhadores (as). Também foram
realizadas entrevistas semi-estruturadas junto a diretores, gerentes e trabalhadoras (es) integrantes de
um universo de 304 (67%) homens e 145 (33%) mulheres, da área administrativa e de produção. Procu-
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Maria Helena Santana Cruz
rou-se captar nos discursos, as visões que informam
a construção das diferenças, incorporando a dimensão temporal e os efeitos das mudanças em seu trabalho atual, comparativamente à situação anterior.
fábrica “Confiança” de fiação e tecelagem; as duas
fábricas têxteis fundadas em Vila Nova (Neópolis) e
outra fundada em Propriá. Algumas fábricas fecharam após vinculação às firmas comerciais.
A industrialização brasileira - O setor têxtil atualmente representa um setor de grande relevância
para a economia brasileira (Mendonça, 1997), com
forte impacto social e com um faturamento total equivalente a 4,4 % do PIB (que representa o valor agregado de cada segmento econômico) e emprega cerca
de 1,9 % da população ativa. Em Sergipe, a fabricação de produtos têxteis, que é um tipo de indústria
de transformação, representa 23 (4,3%) do total das
536 unidades industriais (o total refere-se a soma de
indústrias extrativas e de transformação). Nas unidades do Estado, a fabricação de produtos têxteis
integra 3.581 (17,3%) pessoas ocupadas na fabricação de produtos têxteis8 do total de 20.710 (IBGE,
1999).
Após a abolição da escravidão, as fábricas
sergipanas conseguiram uma produção têxtil local
expressiva na exportação da produção, colocandose em segundo lugar em relação às exportações de
tecidos de algodão. Entre 1907 e 1920, a indústria
têxtil sergipana cresceu a um ritmo muito mais acelerado que a indústria têxtil brasileira. Contudo, alguns fatores foram responsabilizados pela redução
das exportações têxteis em Sergipe, colocando-as
abaixo da média nacional: a importação de algodão a
partir de 1916, a ausência de uma rede pública de
distribuição de energia elétrica, o aumento do grau
de mercantilização decorrente da abolição da escravidão e da introdução do trabalho livre e o acirramento da concorrência inter-regional, além de outros fatores.
A redução do Brasil à condição de exportador
marginal no mercado internacional, a partir do início do século XIX, criou uma concorrência entre os
diversos produtores nacionais. Nesse período, os
produtores sergipanos permaneciam no mercado de
forma excludente, porque a economia sergipana estava fortemente ligada à praça de Salvador, diminuindo-se as exportações sergipanas pela criação de
casas comerciais exportadoras da Província, sendo
algumas envolvidas com capitais estrangeiros
(Subrinho, 2001, p. 198-199). Duas principais casas
comerciais se destacaram nas duas primeiras décadas do século XX em Sergipe, foram: Cruz, Irmão &
C. e a firma Sabino Ribeiro & Cia., caracterizadas por
construírem fábricas de fiação e tecelagem de algodão. Boa parte das fábricas têxteis fundadas em
Sergipe até 1930 eram vinculadas a essas casas comerciais com características diversificadas9, como:
Sergipe Industrial, a primeira fábrica de fiação e tecelagem de algodão; a fábrica têxtil de Estância; a
Revista da Fapese, n. 2, p. 7-24, jul./dez. 2005
1. O TRABALHO INDUSTRIAL FEMININO
A modernização iniciada nas últimas décadas do
século XIX afetou as ocupações tradicionais das
mulheres, em particular no interior do país e delineou alguns bolsões de emprego feminino como o
serviço doméstico. As causas da presença feminina
no início da industrialização brasileira foram: a passagem da manufatura para a maquinofatura e a nova
organização do processo de trabalho. Na verdade, foi
um período em que o proletário urbano ainda não
estava formado e que havia escassez de mão-de-obra.
À medida que a indústria se desenvolvia, diminuía a
taxa de absorção de mão-de-obra feminina, utilizada
como forma de rebaixamento do nível geral dos salários e como exército industrial de reserva9 conforme
explicações da literatura. No entender de Pena “a
representação da mulher no trabalho segue as mes-
Mudanças tecnológicas e relações de trabalho: Um olhar de gênero na indústria têxtil
mas linhas de sua representação na família” (1981,
p. 29), pois ela vai se inserir no trabalho fabril em
funções semelhantes àquelas em que a sociedade
determinou como naturais de seu sexo. Quando se
fala da participação das mulheres na abertura do processo industrial, é importante ressaltar onde elas foram recrutadas, em que atividades se estabeleceram
no processo produtivo e as condições de trabalho
em que eram submetidas.
O trabalho fabril, em meados do século XX, representava a oportunidade de emprego para as mulheres dos mais baixos estratos sociais10 , inclusive
crianças que compuseram a mão-de-obra fabril, desse período, recrutadas de locais inferiores da sociedade; era considerada uma mão-de-obra desprotegida
e direcionada para as atividades que exigiam menor
conhecimento técnico. Por outro lado, aquelas que
exigiam uma maior qualificação foram desenvolvidas por imigrantes, principalmente homens. As mulheres ocupavam funções mal remuneradas que exigiam maior atenção devido à simplificação do processo de produção. Elas estavam inseridas, também,
em um contexto trabalhista de escravidão, exercendo dupla jornada de trabalho, com a passagem do
sistema de dormitório para o de vilas operárias. Ademais, elas eram exploradas pelo capitalismo, pois
eram policiadas pelo patrão que representava a família patriarcal nessa relação de trabalho.
Mediante a racionalização do processo industrial
as mulheres deveriam deixar as fábricas para se dedicarem ao trabalho reprodutivo. A diminuição dessa
participação no setor fabril é explicada por alguns fatores: a organização do processo de trabalho; a atuação da classe trabalhadora demandando a volta das
mulheres ao lar; a legislação trabalhista de 1932 que
reforçou a família monogâmica e o papel da mulher
nas tarefas reprodutivas. Em 1940, elas representa-
15
vam a principal força de trabalho utilizada na indústria domiciliar e em 1944, o trabalhador masculino já
era a mão-de-obra mais atraente para as indústrias.
Refletindo sobre o trabalho e gênero no contexto
industrial, Souza-Lobo (1991, p. 63) destaca a emergência da problemática das operárias nas práticas e
nos discursos sindicais no Brasil no fim da década
de 70, momento marcado por alguns fatores: mudança na composição da força de trabalho, pois entre
1970 e 1980 a participação das mulheres na força de
trabalho industrial foi marcada pelo aumento global
da porcentagem operária e pela inserção das mulheres nos diversos ramos industriais; desenvolvimento de novas práticas nos movimentos operário e sindical no final da década de 70 e pelo surgimento dos
movimentos populares de mulheres e de uma corrente feminista11 .
História, modernização tecnológica e
organizacional - A Fábrica de Fiação e Tecelagem
Confiança é a segunda do setor fundada em Sergipe
no dia 18 de outubro de 1907, sob o nome de Ribeiro
Chaves & Cia. Seu surgimento se deu em um contexto de mentalidade industrial já implantado em
Sergipe, o qual conduziu os empreendimentos realizados posteriormente. Sua existência marcou a
efervescência econômica no estado, destacando-se
na produção e exportação de produtos, plantação de
algodão e geração de empregos, como também pelo
papel social efetivado, através de uma política
paternalista que possibilitava a concessão de benefícios sociais como: casas, assistência médica, creches
e a criação de um time de futebol (Confiança).
Com relação à evolução do processo produtivo,
em 1910 a fábrica apresentava 150 teares, em 1913
já estava com 200 e em 1915, já possuía 320. Hoje,
possui 350 máquinas e emprega 452 funcionários.
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As máquinas antigas ainda não foram substituídas
totalmente, devido ao alto valor de aquisição. Desde
a fundação da fábrica até os tempos atuais, foram
executados projetos de ampliação e modernização
através de recursos próprios, da Sudene do BNDES
e BNB, com a introdução de máquinas modernas que
trabalham juntamente com as antigas. Com a racionalização de parte da produção12 a indústria passou
a atender a pedidos de novos tipos de tecidos que
saem da tecelagem já classificados na inspeção, de
acordo com critérios de qualidade13 .
rica “feminização” do trabalho nesse setor têxtil, sugerindo barreiras de acesso/inserção para as mulheres. A assimetria entre os sexos desvantajosa para as
mulheres certamente contribui para tornar as trabalhadoras mais vulneráveis ao processo de exclusão.
A introdução de inovações tecnológicas (máquinas novas) no setor operacional mostra-se de uso restrito e conjugado com o uso de maquinários obsoletos de componente manual. A associação do homem
com o domínio da tecnologia, explica a dificuldade
do acesso de mulheres à utilização de maquinários
novos, isso porque elas tradicionalmente estão associadas com atividades não tecnológicas. A presença
de mulheres em espaços masculinos desafia o senso
enraizado de lugares reservados a homens e mulheres e os faz questionarem sobre quais seriam as atividades “apropriadas” a homens e mulheres (Posthuma,
1996; Cockburn, 1992). Assim, a reestruturação interna produziu e reduziu os níveis hierárquicos, afetando locais e postos onde as mulheres trabalhavam.
Idade, estado civil e número de filhos – Com relação à faixa etária de 31 a 35 anos, predominam
15,2% trabalhadores homens e 23,2% mulheres, enquanto na faixa etária de 41 anos considerada um
segmento de idade madura, encontra-se um grupo
de 25,4% homens e 16,3% de mulheres. Quanto ao
estado civil, os dados mostram haver um equilíbrio
entre o total de 452 trabalhadores, 222 (49,1%) são
solteiros enquanto 222 (49,1%) são casados. Entre
as mulheres 72 (15,9%) inserem-se na condição de
casada e com filhos. Este fato não parece constitui
um elemento inibidor do ingresso da mulher neste
mercado de trabalho. No contexto atual, parece então que outros requisitos como a escolaridade e a
qualificação sobrepujam a situação de casada. Isto
porque a operária parece acompanhar o comportamento da trabalhadora da classe média, prolongando-se
na condição de solteira sem filhos e destacando-se na
de casada com poucos filhos. O planejamento da natalidade possibilita libertar as mulheres para o ingresso e permanência no mercado de trabalho.
O perfil dos empregados da indústria - A composição e o perfil dos trabalhadores questiona a dinâmica do contexto da indústria quanto às formas de gestão implementadas, tendo em vista ampliar a
competitividade no mercado. Tradicionalmente, sabese que a presença feminina tem sido forte no setor
industrial têxtil. Contudo, no caso estudado, no universo composto por 452 trabalhadores, 67,3% são
homens enquanto 32,7% são mulheres. De imediato,
a predominância masculina questiona a tese da histó-
Com relação à escolaridade - Nos setores modernos da indústria, já se sabe que as qualificações
adquiridas via escolarização formal têm um papel
importante no processo de seleção da trabalhadora.
Contudo, a grande maioria dos operários insere-se
no nível do 1º grau, dificultando a adaptação às mudanças, justificando as demissões. A aquisição desses bens, ou do “capital cultural”, significa a acumulação de uma vasta quantidade de destrezas a serviço de interesses técnicos. A indústria realiza treina-
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Mudanças tecnológicas e relações de trabalho: Um olhar de gênero na indústria têxtil
mentos de curta e alterou os critérios de acesso/inserção do pessoal, exigindo mão-de-obra mais qualificada. O nível fundamental incompleto é predominante (60,8%) entre os trabalhadores, sendo o nível
médio o segundo mais expressivo (15,7%), integrando 7,3% de homens e 8,4% mulheres. No nível superior incompleto, apenas encontram-se 1,3% de
homens e 0,6% mulheres. Contudo, em outros setores industriais que utilizam tecnologia de ponta (Cruz,
1999), a escolaridade mais elevada é considerada uma
estratégia de inclusão, isto é, mecanismos de contorno de que lançam mão as mulheres num mundo onde
o poder (político, das gerências e direções superiores,
técnicos dos quadros qualificados) emana de indivíduos do sexo masculino (Castro, 1993).
Ocupação e tempo de serviço - Na indústria Ribeiro Chaves confirma-se a segmentação horizontal
(predomínio de mulheres em atividades secundárias, concentração dos empregos femininos em um
pequeno número de setores, atividades e profissões
- caixa, vendedor e fiandeiro, ajudantes e assistentes
administrativos) e a segmentação vertical ou hierárquica (dificuldade de ocupar postos de direção na
hierarquia da empresa ex: gerentes, supervisoras)
com pequenas chances de ascender profissionalmente, assumindo maiores responsabilidades e qualificações mais especializadas. As mulheres conseguem
atingir o posto de gerência de lojas nas extensões da
fábrica (escolhidas por suas habilidades nos serviços de atendimento aos clientes). Os postos de direção são reservadas apenas aos membros do grupo
familiar da empresa. Nas lojas situadas em pontos
centrais da cidade, as mulheres ocupam 0,8% dos
postos nas gerências, 1,5% são caixas enquanto um
número maior 28,6% (vinte e oito) desenvolve atividades como vendedoras comparativamente a um
grupo de 0,4% homens. A maioria dos trabalhadores
(48,2%) que integra o coletivo, apresenta tempo de
serviço compreendido entre 1 a 5 anos e ainda 23,2%
destes atingiu mais de 10 anos, significando que exis-
17
te grande parcela de empregados que tentam se adaptar à transição do velho para o novo paradigma.
Construção das representações dos (as) trabalhadores (as) - Os trabalhadores expressam sentimentos ambíguos, contraditórios de prazer, realização
pessoal e profissional. A indústria representa, para
muitos, o primeiro emprego. As trajetórias parecem
influenciadas por relações familiares, moldando tipos de ocupações nos setores de trabalho. Os trabalhadores a associam à introdução de inovações
tecnológicas com novas demandas de um perfil profissional dotado de maior escolaridade formal e como
fator de eliminação de postos de trabalho;
“No tempo da máquina manual, era horrível para produzir. As máquinas modernas evitam os acidentes provocados pela
lançadeira (...). e exigem que o trabalhador tenha mais informações, tenha pelo
menos o 1º grau e para tirar de letra. Vejo
que o trabalhador não mudou muito, acho
que essa máquina dispensa o magazineiro.
Já quiseram me ensinar, mas a supervisão
não dá oportunidades por ser um turno
muito corrido, não dá tempo para aprender. O progresso traz demissões, muitos
foram demitidos” (Ajudante de tecelão, 51
anos, 4ª série fundamental).
Os trabalhadores expressam sentimentos ambíguos de fascínio e temor com os efeitos da introdução de inovações tecnológicas. Saber lidar com as
novas tecnologias confere ao trabalhador status e
prestigio entre os coletivos. A divisão social e sexual
nas indicações aos treinamentos é justificada porque as mulheres priorizam os papéis reprodutivos, a
educação dos filhos e a organização da unidade doméstica, fortalecendo sentimentos de incompetência, conformismo, medo de assumir desafios. A indicação para os treinamentos 14 é associada com
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apadrinhamento das chefias. No setor administrativo, as mulheres freqüentemente são orientadas para
os cursos de comunicação, marketing, vendas, etc.
Os cursos de flores, pintura em tecidos e outros, são
considerados adequados para o desempenho de tarefas de uma operária têxtil com “mãos delicadas de
uma mulher”.
Essa visão sobre os papéis das mulheres coincide
com o as explicações de que as desigualdades na
qualificação e, em conseqüência, no salário, têm
raízes nas diferenças de entendimento, de habilidades e destrezas, ou na experiência produto das desigualdades biológicas, apoiadas em um sistema de
valores que hierarquiza a força sobre a habilidade.
As tarefas pesadas e insalubres são associadas aos
homens e aquelas que exigem cuidados são associadas às mulheres. A formação dos homens é associada a imagens de masculinidade, ao uso da técnica e
da força física, enquanto a formação das mulheres
aparece sempre relacionada a imagens de feminilidade. As diferentes obrigações atribuídas aos homens
e mulheres em um lugar, a concepção de que as
mulheres são aptas somente para alguns tipos e turnos de trabalho, são práticas estruturadas no ciclo
da vida de homens e mulheres como algo dado ou
naturalizado e não como resultado de construções
sociais conforme revelam os exemplos:
“No ramo têxtil, só os supervisores, tecelões e contra-mestres, participam de treinamentos técnicos. As mulheres (...) nunca são supervisoras, só chegam a categoria de tecelã, contra-mestre e mestre de sessão, e nem expressam a vontade de serem
supervisoras. Elas comentam em ser tecelã. (Ajudante de tecelão, 51 anos, 4ª série
do ensino fundamental).
A importância da qualificação/escolaridade formal é destacada na desvantagem das mulheres no
trabalho, especialmente no setor operacional, onde
no confronto com os diversos, elas interiorizam os
limites do que lhes é permitido no desempenho dos
papéis. No setor administrativo, considerado um
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“gueto feminino”, apenas as mulheres integrantes do
grupo familiar ocupam cargos de gerência. As mulheres manifestam interesse em ampliar a formação
para obter segurança no emprego, ascensão na carreira profissional: “quem não estuda vai para o trabalho doméstico nas casas de família”.
Novas demandas por competência no contexto
do trabalho – Considera-se que a valorização da qualificação social e das novas competências sociais
possibilita o resgate do sujeito e o fortalecimento da
cidadania. A noção de competência vem ampliar o
conceito de qualificação. Ser competente então, não
é só ter capacitação específica, habilidades básicas
exigidas para o posto de trabalho; é ter competência
comportamental e inter-pessoal, isto é, acumular diferentes saberes adquiridos na vida cotidiana (Cruz,
2005).
Na indústria, manifesta-se a tendência à naturalização e segmentação das habilidades de acordo com
o sexo do trabalhador. Para os postos operacionais,
são exigidas habilidades motoras como: agilidade,
cuidado, atenção, rapidez, qualidade, disponibilidade de horários. Valorizam-se os aspectos: pontualidade, qualidade em detrimento das competências
sociais, enquanto nos postos administrativos, especialmente para o atendimento ao público, as mulheres muitas vezes são preferidas por apresentarem
outras habilidades sociais: capacidade de comunicação, argumentação e convencimento. Alguns trabalhos podem ser realizados por mulheres de acordo com sua natureza e são articulados com a fábrica,
reforçando o papel complementar do trabalho da
mulher. Assim, os saberes da experiência constituem a cultura em ação, ou saberes em construção. Em
geral, as entrevistadas consideram que suas habilidades são facilmente aprendidas na experiência de
trabalho.
Predominantemente no chão da fábrica, as mulheres estão alocadas em postos tradicionalmente femininos, são submetidas ao controle de chefias masculinas com metas prescritas, dificultando maior autonomia e criatividade. Neste sentido, existem várias
Mudanças tecnológicas e relações de trabalho: Um olhar de gênero na indústria têxtil
reivindicações específicas das trabalhadoras (es)
dirigidas à revisão das relações de poder, que estruturam processos de exclusão e dificultam a construção
da cidadania nos espaços de trabalho. Entre os fiandeiros
da fábrica, três são homens e sete são mulheres. A esse
respeito, Kergoat (1987, p. 28) alerta sobre o fato de
que o trabalho considerado “fácil” e “desqualificado”, em realidade, exige uma energia considerável.
Elas são preferidas para essa ocupação por apresentarem habilidades para o serviço de atendimento
ao público externo (qualificações tácitas ou sociais),
valorizadas como valor de uso, podendo ser transformadas em valor de troca, para a comunicação e o
atendimento ao público externo e interno, contribuindo para ampliar a produtividade da empresa. Diante da valorização das qualificações tácitas ou do
acúmulo de diferentes habilidades sociais pelo modelo flexível, tenta-se perceber através do recorte de
gênero se as tecnologias atingem homens e mulheres de igual forma no setor industrial.
Conflitos na relação de trabalho - A fábrica pode
ser pensada como o lugar onde se produz o conflito
(entre capital e trabalho), senão também como um
âmbito onde pode gerar-se o consenso e alimentar o
“sentido comum” em torno dos papéis produtivos
femininos e masculinos. Os conflitos e relações de
poder manifestam-se no cotidiano, entre chefias e
subordinados, e ocorrem por diferentes motivos:
desigualdade de oportunidade e diferença de gênero, competição, rivalidade, medo de reivindicarem
direitos trabalhistas e, conseqüentemente, de exercerem a cidadania. São mais freqüentes nos setores
operacionais: Os homens sempre ficam do lado dos
homens; enquanto as mulheres expressam frágil solidariedade no “chão da fábrica”.
Nas diversas mediações em que se constroem as
relações de gênero, concretizam-se as divisões sexuais do trabalho, constroem-se os projetos de carreiras, as trajetórias profissionais, formam-se as estratégias que põem, de manifesto, que cada tarefa é dotada de gênero. A identidade estrutura-se por meio
de múltiplas mediações, no jogo dialético das rela-
19
ções sociais fragmentadas, contraditórias, em constante mudança, nas interações de sujeitos com os
grupos com os quais interagem.
Ao desempenhar a dupla jornada de trabalho, as
mulheres precisam suprir as necessidades básicas da
família e garantir o emprego. Ao assumir novos papéis
na esfera pública, a mulher não perde seus papéis específicos na esfera privada, que continuam sendo reforçados pela estrutura patriarcal da sociedade, através dos diversos mecanismos de controle desses sistemas. As mulheres ressentem-se de que os companheiros, com freqüência, repassam para as filhas as
atribuições domésticas, direcionando sua colaboração
para o espaço público (fazer compras, levar crianças
na escola), reforçando a divisão sexual do trabalho.
Ao desempenharem o papel produtivo no espaço
público, as trabalhadoras com filhos sentem-se culpadas e fragmentadas por descuidarem-se dos seus
papéis reprodutivos domésticos. Elas revelam o mito
da culpa que a mulher carrega há milênios. Ele não é
muito definido ou claramente delimitado, mas freqüenta insistentemente o imaginário e as emoções
das mulheres, de forma meio difusa, mas sempre
condicionado pelas culturas. Essa culpabilidade quase existencial manifesta-se como uma extensão dos
terrenos da religião e da moral. A mulher está sempre se culpando pelo não cumprimento das expectativas dos outros sobre ela: tanto familiar como socialmente. Trata-se de uma culpabilidade inerente à
própria cultura patriarcal, uma culpabilidade que
torna mais culpáveis uns do que os outros por causa
de sua situação biológico-cultural.
Nesse contexto, a estrutura reprodutiva, o trabalho, a cultura e as práticas são considerados elementos formadores do indivíduo enquanto pertencente
a um grupo, no qual um se define e é definido pelos
laços de solidariedade, sem, entretanto, mudar as
diferenças individuais. Isso porque, os processos de
socialização pelos quais os indivíduos passam são
significativos para justificar comportamentos de conformismo nas relações sociais, nas situações de trabalho e à racionalidade organizacional.
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2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cenário de onde se elabora o discurso dos grupos estudados é de importância capital para entendermos os significados das posições assumidas por
homens e mulheres. No contexto geral de análise das
questões de gênero, foi adotada uma perspectiva histórico-crítica visando a responder aos propósitos da
pesquisa, situando-os no interior das diversas esferas de poder contidas na relação das mulheres consigo mesmas e com os outros e, nesse amplo e complexo panorama, inserir a produção das subjetividades das mulheres trabalhadoras.
O processo de reestruturação industrial em curso, parece combinar inovações tecnológicas com práticas conservadoras de gestão. Essa dinâmica provocou um expressivo número de demissões, consideradas sob a ótica dos trabalhadores como o ponto
negativo do avanço tecnológico, mesmo reconhecendo alguns pontos positivos, como: agilidade nos serviços, qualidade total, maior participação entre os
trabalhadores e exigência por uma maior escolaridade. Os trabalhadores temem reivindicar os direitos
trabalhistas referentes à licença-saúde, principalmente, as mulheres expressam temor e culpa por utilizarem a licença-maternidade15 . Os resultados descobrem os aspectos mais marcantes do processo de
reestruturação produtiva, o caráter, muitas vezes, contraditório dos posicionamentos dos trabalhadores e
das possíveis variações nas interpretações por eles
vivenciadas na especificidade do setor estudado.
Produzem-se diferentes perfis de trabalhadores:
um que opera manualmente sem acesso ao aparato
computacional e outro que opera com base em conhecimentos de informática. Para os postos operacionais, são requeridas habilidades motoras (agilidade, atenção, rapidez, qualidade, etc.) e para os postos que trabalham com o público, são requeridas as
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habilidades sociais (saber atender ao público, saber
comunicar-se, capacidade de convencimento, bom
relacionamento inter-pessoal, etc.). A segmentação
hierarquiza e domina as ocupações, demonstrando
não haver ruptura com os conceitos de divisão sexual do trabalho.
Observam-se atitudes defensivas de posições e
território, ou “campo” de interesses conflitantes que
expressam o “estereótipo do profissional masculino”,
das identidades de acordo com o sexo do trabalhador. Compreende-se que a identidade de gênero vaise construindo durante toda a vida. Na etapa adulta
do processo de socialização, define-se por meio de
distintas instituições e práticas sociais. Significa dizer que a noção de identidade estrutura-se por processos de socialização e se expressa nas formas de
representação coletiva, que designam pertencimento.
Nesse aspecto, a identidade de gênero seria uma
maneira de nomear as diferenças que tomam como
elementos de representações certos traços particulares globais. Falar de identidade é falar de marca, de
traços diferenciadores que distinguem e definem os
sujeitos, podendo assim incluí-los ou excluí-los de
determinados contextos.
Emergem os diferentes lugares de poder que mulheres e homens ocupam na hierarquia da indústria,
e que devem ser identificados para se compreender
a construção das diferenças nos diversos âmbitos e
aspectos da vida dos indivíduos de acordo com o
sexo, para estimular, assim, o conhecimento sobre
as influências recíprocas entre as dimensões econômica, política e cultural.
Apesar de pertencerem a classes empobrecidas,
as mulheres entrevistadas não enfatizaram a importância da renda. Em muitos momentos, a retirada financeira das mesmas é insuficiente; contudo, a sociabilidade w a cumplicidade que estão tecendo no
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grupo familiar, conseguem sobrepor a lógica capitalista vigente e hegemônica. Evidencia-se, nesse momento, que as redes de mútua-ajuda, as trocas e a solidariedade entre os atores fortalecem as relações sociais.
Um viés cultural tende a reconhecer nas mulheres uma qualificação menor do que aquela que os
homens podem naturalmente ostentar. Isso porque,
as experiências dos trabalhadores são moldadas pela
estrutura social, ao mesmo tempo em que absorvem
e reproduzem as desigualdades de classe/gênero e a
“naturalização” das identidades fragmentadas e em
conflito. Observa-se a persistência e mesmo a renovação das diferenças em contextos de intensa
interação social. A maneira como isso é realizado
ocorre pela recuperação das diferenças nas representações que alimentam o universo dos trabalhadores.
As distinções pontualizadas na cotidianidade de
trabalho produtivo reforçam uma imagem dos lugares e das tarefas que podem e devem ocupar as mulheres na fábrica. Assim, se foi construindo, gradualmente, um consenso sobre as propriedades, as condutas e os espaços próprios de mulheres. Desse
modo, a geração de consenso se mostra atrativa16 .
Devido a uma série de fatores, como os processos de
socialização/conformismo sofridos pelas mulheres
em diversas etapas de suas vidas, elas tendem a não
questionar ou rejeitar cotidianamente as “regras do
jogo” que fundamentam e canalizam as relações sociais. Parece então que as representações, as normas
e os valores como práticas sociais, organizam-se de
forma referenciada e legitimada por elementos
constitutivos dominantes da sociedade. Essa influência cultural se alastra pelo espaço de trabalho.
21
Destarte, o aparato socioeconômico, político e
cultural constitui uma moldura de sociabilidade para
a construção de subjetividade e identidades, adquirindo significados específicos em cada contexto, a
depender da localização e posição do indivíduo no
tempo e espaço determinado. Fica evidente que, para
desconstruir uma identidade, torna-se necessário
contextualizá-la e, a partir daí, reconstruí-la. Isso
implica que temos de nos aproximar dos sujeitos,
concebendo-os sob a perspectiva de uma pluralidade
dependente das diversas posições assumidas, através das quais são constituídos dentro de diferentes
formações discursivas.
Não se deve esquecer que o desenvolvimento
constitui um fenômeno também cultural, que se
constrói a partir de mudanças estruturais no campo político, social e econômico. È necessário uma
atenção permanente de todos os atores sociais, no
sentido de que se estabeleça coerência entre os
discursos e as práticas que feminizam a pobreza,
sem contudo colocar a “lupa” de gênero para que
se dê visibilidade às estruturas sociais que geram
e mantêm as desigualdades e a despolitização do
discurso de inclusão na dimensão do desenvolvimento.
Nesse contexto de transição econômica, social,
política e cultural, emergem questões sobre a reconstrução de um novo projeto de modernidade e democratização da sociedade. Não se deve esquecer que o
resgate da cidadania passa pela reconquista de espaços, pela partilha do poder, significando produzir e
usufruir os bens materiais, culturais, simbólicos e
compartilhar das decisões do poder.
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25
Utilização da ultrafiltração em fluxo tangencial na
determinação das constantes de troca entre
substâncias húmicas e íons Cu(II)
Luciane Pimenta Cruz Romão1
R e s u m o
Julio Cesar Rocha2
U
m procedimento de ultrafiltração com fluxo tangencial e
membrana polietersulfônica de porosidade 1 kDa foi utilizado para determinar constantes de troca entre metais ori-
ginalmente complexados por substâncias húmicas e íons cobre(II)
adicionados. Resultados de experimentos de troca entre íons Cu(II)
adicionados e espécies metálicas (Ni, Al e Fe) originalmente
complexadas por substâncias húmicas, permitiram estabelecer a
seguinte ordem decrescente de estabilidade relativa do complexo SHmetal: Fe<Al<<Ni. A caracterização das substâncias húmicas foi
feita pelas razões molares C/N e H/C, as quais indicaram maior
humificação e aromaticidade da matéria orgânica presente nas
amostras aquáticas que nas amostras de solo, e pela espectroscopia
na região do infravermelho, a qual apresentou espectros com bandas largas, comuns nos espectros de substâncias húmicas, atribuídas às superposições de absorções individuais e similaridades entre
os grupos funcionais presentes nas estruturas das substâncias
húmicas aquáticas e de solos.
PALAVRAS-CHAVE: Ultrafiltração em Fluxo Tangencial, Constantes de Troca, Cobre
26
Luciane Pimenta Cruz Romão; Julio Cesar Rocha
1. INTRODUÇÃO
S
ubstâncias húmicas (SH) são os principais constituintes da matéria orgânica natural (MON) globalmente distribuídos em ambientes terrestres e aquáticos. Estima-se que cerca de 50% do carbono orgânico
dissolvido (COD) em águas superficiais e oceânicas consistem de matéria orgânica refratária do tipo SH [1,2].
A interação com espécies metálicas no ambiente é
uma importante propriedade das SH, a qual poderá
resultar em reações de complexação e/ou redução.
As reações de complexação de metais são mais conhecidas por influenciar na biodisponibilidade dessas espécies. Atuando como tampões metálicos em
ambientes aquáticos, as SH têm a propriedade de reduzir a toxicidade de alguns metais (ex. Cu2+ e Al3+)
para organismos aquáticos, incluindo peixes [3,4,5].
A formação de complexos organometálicos em
solos pode influenciar nos ciclos biogeoquímicos. As
SH podem aumentar a disponibilidade de fosfatos
minerais insolúveis através da complexação de Fe e
Al em solos ácidos e Ca em solos calcários [6].
Diferentemente dos complexantes ou ligantes simples (Cl-, CO32-, aminoácidos), as substâncias húmicas
contém vários sítios complexantes por molécula, resultando alta estabilidade termodinâmica dos complexos formados, alterando sobremaneira a forma
química (especiação) do metal em solução [7]. A capacidade de formar complexos com metais é devida
principalmente, do alto teor de grupos funcionais
contendo oxigênio, os quais incluem carboxílicos,
fenólicos, enólicos e alcoólicos.
Diversas técnicas têm sido utilizadas no estudo
de complexação de metais por MON, dentre as quais
se pode citar a voltametria [8,9,10]; potenciometria
[11,12,13]; ultrafiltração [14,15] e cromatografia [16].
Todas essas técnicas possuem vantagens e limitações
[17,1819,20].
A escolha de um método para especiação química influencia os resultados encontrados, pois os vá-
rios métodos medem aspectos diferentes do sistema
e operam sob condições diferentes.
A ultrafiltração (UF) é um dos métodos citados
na literatura para extrair e concentrar substâncias
húmicas aquáticas [21]. Este procedimento também
tem sido empregado para fracionar a matéria orgânica em diferentes tamanhos moleculares. Os solutos
dissolvidos são separados por membranas de acordo
com o tamanho molecular [22,23,24,25]. É um procedimento barato, versátil, não destrutivo e sem adição de reagentes, minimizando a possibilidade de
alterações na amostra original [26].
Burba et al. (2001) [27], desenvolveram um procedimento de ultrafiltração em fluxo tangencial e simples estágio (UF-FT) capaz de discriminar a concentração do metal livre (Figura 1). O sistema UF-FT
comparado com o UF convencional apresenta vantagens como trabalhar com sistemas abertos, redução de efeitos da polarização e/ou entupimento das
membranas; menor volume do filtrado diminuindo
o tempo de filtração e minimizando deslocamentos
no equilíbrio da solução, além da maior rapidez na
filtração (cerca de 2 mL min-1).
Esse procedimento de ultrafiltração em fluxo
tangencial é capaz de fornecer informações
termodinâmicas ou cinéticas, as quais caracterizam as espécies metálicas ligadas à matéria orgânica pela utilização de reações de troca de ligante
e/ou de metal, de acordo com o esquema da Figura 2.
Os coeficientes de retenção RX (X= M, L ou ML)
são parâmetros importantes na utilização da
ultrafiltração para determinar a capacidade de
complexação e constantes de estabilidade condicional de íons metálicos por ligantes naturais. A retenção do ligante e complexo pela membrana deve ser
completa (RL=1 e RML=1), enquanto o íon metálico
deverá passar através da membrana (RM=0). Assim,
a concentração do metal livre será igual a [M] determinada no filtrado e [ML] será obtida pela diferença
entre a [M]total e [M] [18,28].
Revista da Fapese, n. 2, p. 25-36, jul./dez. 2005
Utilização da ultrafiltração em fluxo tangencial na determinação das constantes de troca entre substâncias húmicas e íons Cu(II)
Entretanto, a retenção de 100% de L e ML dificilmente é obtida, provavelmente devido à dimensão
dos poros da membrana e do tamanho molecular da
matéria orgânica. Pois, o tamanho varia com a configuração e carga, os quais por sua vez dependem do
pH, força iônica e outras condições da solução [28].
Da mesma forma, tem-se encontrado valores de
RM maiores que zero. Contudo, os valores de RM > 0
podem ser devidos a formação de hidroxicomplexos
de metais, seguida do processo de adsorção dessas
espécies na membrana. Entretanto, na presença de
ligantes orgânicos espera-se competição entre as re-
27
ações de complexação e o decréscimo da importância do processo de adsorção e assim, o decréscimo
real dos valores de RM [18].
A principal vantagem da ultrafiltração é não possuir limitação nem quanto à natureza do íon metálico, nem do ligante [15]. Além disso, os limites de
detecção para os metais são limitados às sensibilidades das técnicas empregadas na determinação dos
mesmos (ex. espectrometria atômica) [29].
O objetivo desse trabalho foi caracterizar substâncias húmicas extraídas de amostras de água e de solo
Revista da Fapese, n. 2, p. 25-36, jul./dez. 2005
28
Luciane Pimenta Cruz Romão; Julio Cesar Rocha
de diferentes regiões brasileiras por composição elementar e espectroscopia na região do infravermelho
alem de utilizar o procedimento da Ultrafiltracao em
Fluxo Tangencial para determinar constantes de troca
entre metais originalmente complexados por substâncias húmicas e íons cobre(II) adicionados.
2. EXPERIMENTAL
mento analítico proposto por BURBA et al. (2001)
[27] ilustrado na Figura 1. Este procedimento baseia-se na utilização de um sistema de ultrafiltração
tangencial (SARTORIUS Ultrasart X) equipado com
membrana de polietersulfônica de 1 kDa (Gelman
Pall-Filtron OMEGA), a qual impede a passagem das
SH e dos complexos SH-M com tamanho molecular
maior que 1 kDa. Logo, os íons metálicos livres não
complexados às SH ou trocados por elas passam pela
membrana [27].
2.1 Amostragem
As amostras de água foram coletadas no Rio
Itapanhaú, município de Bertioga (IR-XAD 8), pertencente ao Parque Estadual da Serra do Mar (SP) e Rio
Negro-AM (RN-XAD 8). As amostras foram acidificadas
a pH 2,0 com solução de HCl concentrado para posterior procedimento de extração com resina XAD 8.
As amostras de solo foram coletadas da Bacia do
Médio Rio Negro (AM). Foram utilizadas duas amostras de solo, divididas em solo não alagável de Carvoeiro 1(RNS-1) e solo não alagável de Araçá 1(RNS-2).
2.2 Extração e purificação de Substâncias Húmicas
Aquáticas(SHA)eSubstânciasHúmicasdeSolo(SHS)
As SHA e SHS foram extraídas das amostras naturais, coletadas em diferentes regiões Brasileiras, de
acordo com o procedimento recomendado pela
International Humic Substances Society [2,30]. A
purificação das SHA e SHS foi feita utilizando tubos
de diálise e a secagem efetuada por liofilização utilizando um Savant modelo E-C.
2.3 Determinação das constantes de troca entre
ions Cu(II) e Ni, Al e Fe complexados às
substâncias húmicas
Para o estudo de complexação entre o íon Cu(II)
e matéria orgânica aquática, utilizou-se o procedi-
As titulações foram feitas em volume de 200 mL
de solução de SH 100 mg L-1 ou de água natural, ajustou-se o pH em 5,0 com solução de NaOH 0,1 mol L1
e força iônica em 0,1 mol L-1 com NaNO3. Utilizouse o sistema de ultrafiltração tangencial equipado com
membrana de 1 kDa acima descrito.
Antes da adição da solução de cobre, deixou-se
o sistema bombeando por cerca de cinco minutos
para condicionamento da membrana. A seguir, filtrou-se a primeira alíquota (cerca de 2 mL), a qual
é correspondente ao tempo zero, ou seja, antes da
adição da solução de cobre. Essa alíquota contém
uma pequena quantidade de cobre e dos metais
níquel, alumínio e ferro, originalmente presentes
na matéria orgânica, correspondente à fração livre
(não complexada a MOA) mais aquela fração ligada a MON, com tamanho molecular menor que 1
kDa. Volumes de 100µL a 5,0 mL de solução padrão de Cu(II) 9,45 10-3 mol L-1 foram adicionados
à solução até concentração em Cu(II) de 4,47 10 -4
mol L-1 . Depois de alcançado cada equilíbrio, em
10 min, e com agitação permanente, alíquotas (cerca de 2 mL) das frações da solução foram coletadas
contendo íons cobre isolados pelo procedimento
de filtração mais os metais níquel, alumínio e ferro, correspondentes as frações dos metais não
complexadas e trocadas pelos íons Cu(II). Os filtrados foram acidificados com solução diluída de
HNO3 e em seguida os metais determinados por
espectrometria de absorção atômica em forno de
grafite GFAAS [31].
Revista da Fapese, n. 2, p. 25-36, jul./dez. 2005
Utilização da ultrafiltração em fluxo tangencial na determinação das constantes de troca entre substâncias húmicas e íons Cu(II)
2.4 Determinação dos metais
Cobre, alumínio, ferro e níquel foram determinados utilizando espectrometria de absorção atômica
em forno de grafite (GFAAS) utilizando soluções padrão mistas Titrisol-MERCK de acordo com as recomendações do fabricante.
2.5 Determinação da composição elementar
A composição elementar das amostras de SHA e
SHS foi determinada em relação ao conteúdo de carbono, hidrogênio, nitrogênio e oxigênio em analisador
elementar CHNSO-CE Instruments, PERKIN ELMER,
modelo EA 1110.
2.6 Espectroscopia na região do infravermelho
Os espectros na região do infravermelho foram
obtidos de pastilhas preparadas da mistura de brometo
de potássio seco a 120oC com amostras de substâncias húmicas liofilizadas. As pastilhas foram obtidas
submetendo-se essa mistura à pressão de 10t cm-2 em
pastilhador de 14 mm de diâmetro. As medidas foram feitas utilizando-se espectrômetro NICOLET,
modelo Impact 400 (região de 400 a 4000 cm-1).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Composição elementar
As razões atômicas H/C e C/N geralmente têm sido
utilizadas para estimativa do grau de aromaticidade
e de humificação de substâncias húmicas, respectivamente [3]. A Tabela 1 lista os resultados da composição elementar e razões molares H/C e C/N para
SH extraídas de amostras de água e de solos de diferentes regiões. Quanto menor a razão H/C, maior a
aromaticidade e quanto maior a razão C/N, maior o
estado de humificação do material. Existem similaridades entre os valores das razões H/C das diferentes amostras de SHA e SHS, os quais estão próximos
29
aos valores disponíveis na literatura indicando elevada aromaticidade [6]. Dentre todas as amostras,
devida à menor razão molar H/C, RN-XAD 8 pode
ser caracterizada como mais aromática. A amostra
IR-XAD 8 apresentou elevada razão molar C/N indicando ser a amostra mais humificada.
Tabela 1 – Composição elementar (%), razões molares H/C e C/N de substâncias húmicas extraídas de
amostras de águas (SHA) e de solos (SHS) coletadas
em diferentes regiões brasileiras
Amostras
C
H
O
N
H/C
C/N
IR-XAD 8
37,0
4,3
41,0
1,2
1,4
35,4
RN-XAD 8
46,9
4,3
41,1
3,0
1,1
18,4
RNS-1
20,5
3,0
38,4
1,4
1,8
16,8
RNS-2
23,5
3,3
31,9
2,3
1,7
12,0
As demais amostras apresentaram comportamento semelhante quanto ao grau de humificação e, quanto às amostras de solo, RNS-1 e RNS-2, não foram caracterizadas diferenças entre os valores de razão C/N.
3.2 Infravermelho
A Figura 3 mostra os espectros na região do infravermelho para as substâncias húmicas aquáticas e
de solo. Os espectros apresentam bandas largas, comuns nos espectros de substâncias húmicas, atribuídas à extensiva superposição de absorções individuais [32]. As bandas largas de absorção na região
de 3400 cm-1 podem ser atribuídas ao estiramento
OH de fenóis e/ou ácidos carboxílicos e /ou
estiramento NH de aminas. Bandas na região de 2900
cm-1 indicam a presença de estiramento CH de grupos alifáticos. As bandas nas regiões de 1630 e 1720
cm-1 são devidas a vibrações de carbonilas de grupos
carboxilatos e/ou cetonas. Picos em torno de 1385
cm-1 e bandas na região de 1035-1100 cm-1 estão associados a deformações do grupo carboxilato e
estiramento CO de álcoois, respectivamente [33].
Revista da Fapese, n. 2, p. 25-36, jul./dez. 2005
30
Luciane Pimenta Cruz Romão; Julio Cesar Rocha
3.3 Determinação dos coeficientes de retenção
da membrana de 1 kDa
Nos estudos de complexação de metal pela matéria orgânica utilizando o procedimento de Ultrafiltração tangencial (UF) é preciso que a retenção do
ligante e do complexo pela membrana seja máxima
(RL= 1) e a retenção do íon metálico, o qual passa
pela membrana seja mínima (RM= 0).
O coeficiente de retenção (R) das espécies pode
ser calculado utilizando a equação
onde X = M, L, ML e os sobrescritos s e f referem-se
as concentrações de X na solução e nos filtrados, respectivamente [28].
Os testes para determinação da capacidade de retenção do ligante foram feitos traçando curvas analíticas com amostras de SHA e SHS e lendo as absorbâncias nos filtrados e nas soluções originais por
espectrofotometria de absorção molecular em 254
nm. Os valores de retenção do ligante pela membrana, das amostras analisadas a pH 5,0, foram superiores a 0,98.
Os testes para determinação da capacidade de retenção de cobre foram feitos por espectrometria de
absorção atômica em forno de grafite fazendo adições de concentração conhecida do metal em solução, nas mesmas condições experimentais, porém
sem substâncias húmicas (“solução branco”). Em
seguida, foi determinada a concentração de cobre na
“solução branco” e no filtrado. O coeficiente médio
de retenção de cobre na membrana em pH 5,0, foi
menor que 0,012.
Revista da Fapese, n. 2, p. 25-36, jul./dez. 2005
Utilização da ultrafiltração em fluxo tangencial na determinação das constantes de troca entre substâncias húmicas e íons Cu(II)
Van Den Bergh et al., (2001) [29] determinaram
os coeficientes de retenção em membranas de 1 kDa
para íons metálicos, em pH 4,0-4,8, menores que 0,02
e maiores que 0,95 para retenção das substâncias
húmicas. Esses resultados corroboram com os deste
trabalho, os quais mostram a eficiência do procedimento de ultrafiltração na diferenciação do metal
complexado pela matéria orgânica (retido na membrana) do metal isolado no filtrado.
3.4 Determinação das constantes de troca por
ultrafiltração tangencial
Nos ambientes naturais várias espécies metálicas
estão presentes como formas livres ou complexadas
por ligantes orgânicos ou inorgânicos. Logo, durante
o processo de complexação, há uma natural competição entre essas espécies pelos sítios ligantes disponíveis. Um melhor entendimento dos fatores, os quais
influam no destino, transporte e acúmulo de espécies metálicas, é importante na avaliação do comportamento de metais em sistemas aquáticos.
Utilizando-se o sistema de ultrafiltração tangencial equipado com membrana de 1 kDa (Figura 1) e
aplicando um modelo de cálculo, é possível estimar
as constantes termodinâmicas de troca entre espécies metálicas complexadas às SH [27,31]. Esse modelo foi empregado no tratamento dos dados para determinação de constantes de troca entre íons Cu(II)
adicionados e espécies metálicas originalmente
complexadas por substâncias húmicas.
Considerando que no estado de equilíbrio a lei
de ação das massas é obedecida, de acordo com a
equação 1, é possível estimar os valores das constantes de troca entre as espécies metálicas Ni, Al e
Fe por íons Cu(II).
(1)
31
As concentrações [M] e [Cu] são determinadas nas alíquotas dos filtrados (cerca de 2 mL).
[SH – M]. A concentração de metal total, [M]total ,
é a concentração de metal originalmente
complexado pelas SH determinada na solução
original; [SH – Cu] = [Cu]total – [Cu] e [Cu]total é o
somatório das concentrações de íons Cu(II) adicionados em cada intervalo de tempo.
A partir dos dados das Figuras 4 e 5 foram calculados os valores das constantes de troca listados na
Tabela 2, os quais caracterizam a troca dos metais
Al, Fe e Ni complexados pelas SH e íons Cu(II).
De acordo com a equação 1, o valor da constante
de troca é inversamente proporcional à estabilidade
do complexo SH – M (M = Al, Fe, Ni). Ou seja, altos
valores de constante de troca indicam menor estabilidade do complexo SH – M, enquanto baixos valores indicam maior estabilidade.
As constantes de troca entre íons Cu(II) e o Fe foram menores que 1 nas amostras RNS-1 e RNS-2, indicando maior estabilidade desses complexos SH-Fe
que os complexos SH-Cu. Para alumínio e níquel as
constantes de troca foram superiores a 1 em todas as
amostras, indicando menor estabilidade dos complexos SH-Al e SH-Ni que os complexos SH-Cu. No caso
do níquel ainda, as constantes de troca foram bem superiores às constantes dos íons Al e Fe, indicando serem os complexos SH-Ni os de menor estabilidade, ou
seja, o níquel nas amostras é mais facilmente trocado
por íons Cu(II) do que alumínio e ferro.
Os resultados das constantes de troca dos complexos, apresentados na Tabela 3, permitem estabelecer a
seguinte ordem de Ktroca para os metais: Fe<Al<<Ni. Estes
resultados são corroborados por Burba et al. (2001) [27],
quando da caracterização “on site” de águas naturais por
reações de troca com íons Cu(II) e também por Mandal et
al. (1999) [34], quando da utilização da resina de troca
Chelex-100 no estudo de competição de cobre e de
cobalto com íons níquel originalmente complexados
por ligantes orgânicos, os quais caracterizaram maior
afinidade dos sítios pelos íons cobre adicionados.
Revista da Fapese, n. 2, p. 25-36, jul./dez. 2005
32
Luciane Pimenta Cruz Romão; Julio Cesar Rocha
Tabela 2– Constantes de troca entre íons Cu(II) e espécies metálicas (Ni, Al, e Fe) em substâncias húmicas
extraídas de amostras de água e de solos coletadas em diferentes regiões brasileiras
Amostras
IR-XAD 8
1,27
Alumínio
[M]a
(mmol L-1)
1,19 x 10-1
1,54
Ferro
[M]a
(mmol L-1)
4,73 x 10-1
RN-XAD 8
1,60
1,29 x 10-1
1,45
RNS-1
1,00
1,84 x 10-1
RNS-2
1,24
1,45 x 10-1
K troca
K troca
Níquel
K troca
—b
[M]
(mmol L-1)
5,96 x 10-5
8,71 x 10-2
4,33
7,87 x 10-5
0,70
1,38
—b
8,14 x 10-5
0,87
2,51
6,04
6,80 x 10-5
Revista da Fapese, n. 2, p. 25-36, jul./dez. 2005
Utilização da ultrafiltração em fluxo tangencial na determinação das constantes de troca entre substâncias húmicas e íons Cu(II)
4. CONCLUSÕES
A caracterização feita pelas razões molares C/N
e H/C indicaram maior humificação e
aromaticidade da matéria orgânica presente nas
amostras aquáticas que nas amostras de solo. Os
espectros de infravermelho apresentaram bandas
largas, comuns nos espectros de substâncias
húmicas, atribuídas às superposições de absorções
individuais e similaridades entre os grupos funcionais presentes nas estruturas das substâncias
húmicas aquáticas e de solos.
33
nica do metal isolado no filtrado, pelo alto coeficiente de retenção do ligante (R= 0,98) e baixo valor do
coeficiente de retenção do metal (R= 0,02).
Resultados de experimentos de troca entre íons
Cu(II) adicionados e espécies metálicas (Ni, Al e Fe)
originalmente complexadas por substâncias húmicas,
permitiram estabelecer a seguinte ordem decrescente
de estabilidade relativa do complexo SH-metal:
Fe<Al<<Ni
AGRADECIMENTOS
O procedimento de ultrafiltração com fluxo tangencial utilizando membrana polietersulfônica com
porosidade 1 kDa proposto neste trabalho é eficaz
na diferenciação do metal retido pela matéria orgâ-
Os autores gostariam de agradecer a CAPES,
FAPESP, CNPq e FUNDUNESP pelo suporte financeiro.
Revista da Fapese, n. 2, p. 25-36, jul./dez. 2005
34
Luciane Pimenta Cruz Romão; Julio Cesar Rocha
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Revista da Fapese, n. 2, p. 25-36, jul./dez. 2005
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Revista da Fapese, n. 2, p. 25-36, jul./dez. 2005
Revista da Fapese de Pesquisa e Extensão, v. 2, p. 37-50, jul./dez. 2005
37
Fatores de atração do IDE na América Latina: o papel
da abertura econômica
José Ricardo de Santana1
R e s u m o
Guilherme Cavalcante Vieira2
E
ste artigo analisa empiricamente os fatores determinantes de
atração do Investimento Direto Estrangeiro (IDE) nos países
da América Latina no período 1970-2000, com ênfase para o
papel da abertura, no contexto das reformas econômicas
liberalizantes realizadas pelos países deste continente nas duas últimas décadas. Para tal, foram utilizadas variáveis explicativas do
fluxo de IDE com resultados significativos, extraídas da literatura
sobre o tema, e variáveis de abertura econômica também retiradas
da literatura corrente. As estimativas obtidas mostram que, ao contrário dos resultados inconclusos da literatura, a abertura, quando
apropriadamente medida, apresenta efeitos positivos sobre o fluxo
de IDE.
PALAVRAS-CHAVE: Investimento Direto Estrangeiro, Reformas Econômicas, Abertura.
38
José Ricardo de Santana; Guilherme Cavalcante Vieira
1. INTRODUÇÃO
O investimento direto estrangeiro (IDE) é considerado como o tipo de fluxo de capital que menos efeitos adversos traz para o país que o recebe. No caso da
América Latina, o IDE tem sido uma importante fonte
de financiamento externo para o seu crescimento, reduzindo os problemas com a carência de poupança
doméstica. Em particular a partir dos anos 90 observou-se uma elevação significativa nos fluxos de IDE,
resultando em um crescimento acentuado desse fluxo de capital, entre 1970 e 2000, para todos os grupos
de países, conforme apresenta a Tabela 1.
Percebe-se, contudo, que o fluxo de IDE tem se
voltado para os países de renda alta, que concentram mais de 80% deste, a despeito dos demais grupos de países. Em relação à América Latina, a participação no fluxo total de capitais caiu de mais de
10%, em 1970, para cerca de 6%, em 2000. Ou seja,
há uma concentração relativa do fluxo de IDE em
países onde são menores as deficiências de poupança doméstica.
Entender o que determina o fluxo de IDE é fundamental, até para nortear políticas de atração de
investimento estrangeiro. Na literatura, contudo, ainda persistem controvérsias acerca dos determinantes
deste fluxo de capital. Em particular, no que toca o
papel da abertura econômica, ainda um aspecto não
resolvido neste tema, sobretudo no caso da América
Latina, um dos continentes onde houve um processo intenso de reformas econômicas.
O objetivo deste artigo é estudar, a partir do caso
latino americano, os determinantes do fluxo de IDE,
com ênfase no papel das reformas econômicas. Analisa-se se os determinantes presentes na literatura
são importantes para motivar o incremento do fluxo
de IDE para a América Latina e, em particular, se as
reformas econômicas impactam positivamente nesse fluxo.
Além dessa introdução, o artigo está composto
de mais quatro seções. A segunda seção faz uma breve revisão da literatura sobre os determinantes do
IDE, discute indicadores de abertura e apresentas as
reformas econômicas recentes ocorridas na América
Latina. A terceira seção propõe um modelo
econométrico e discute a base de dados utilizada. A
quarta seção apresenta os resultados das estimativas. Uma seção final resume as conclusões.
Tabela 1: Fluxo de Investimento Direto Estrangeiro, 1970-2000
1970
2000
Países de Renda Baixa
Valor
(US$ bilhões)
0,26
Participação
(%)
2,54
Países de Renda Média
1,94
18,82
160,13
12,88
América Latina
1,08
10,52
75,09
6,04
7,01
68,11
1001,30
80,55
10,29
100,00
1243,08
100,00
Variáveis
Países de Renda Alta
Total
Valor
(US$ bilhões)
6,56
Participação
(%)
0,53
Fonte: World Bank (2003).
Revista da Fapese, n. 2, p. 37-50, mar./jun. 2005
Fatores de atração do IDE na América Latina: o papel da abertura econômica
2. INVESTIMENTO DIRETO ESTRANGEIRO
E REFORMAS ECONÔMICAS NA
AMÉRICA LATINA
2.1 Fatores de atração do IDE
A literatura sobre os movimentos de capital tem
como um dos pontos principais a análise dos
determinantes do investimento direto estrangeiro
(IDE), investigando a forma como isso pode promover melhoras na alocação de recursos e na
competitividade dos países. A atração de capitais externos é de fundamental importância para os países
em desenvolvimento, que em geral têm problemas para
financiar seus investimentos com poupança doméstica. Embora alguns fatores sejam consensuais, a controvérsias sobre os determinantes do IDE persiste.
Segundo Blonigen (2005), observando os fatores
ao nível da firma, seriam cinco os principais fatores
externos que poderiam interferir sobre a decisão de
realizar um (IDE): a taxa de câmbio, o nível de impostos, as instituições (do país receptor), o nível de
abertura ao comércio (do país receptor) e as características das relações comerciais entre os países envolvidos. Contudo, a ênfase do autor recai de fato
sobre o papel da abertura.
A longo prazo, as variações na taxa de câmbio entre dois países não devem interferir sobre as decisões
de investimento entre eles. Caso haja uma valorização da moeda do país que realizar o investimento, a
valorização do poder de compra de ativos desse montante de investimento compensará a desvalorização
da capacidade de repatriar os lucros para o país de
origem. Quanto ao nível de impostos, embora haja uma
tendência de que sendo estes maiores, menores serão
os fluxos de IDE, alguns estudos sugerem que isso
pode não se verificar. Quando os países de origem do
IDE têm um sistema de crédito amplamente desenvolvido, a decisão de realizar tal investimento tornase menos sensível aos níveis de impostos.
As instituições dos países receptores também
exercem uma forte influência positiva sobre os ní-
39
veis de IDE, em virtude de três motivos principais: i)
instituições consolidadas atuam como uma proteção
legal aos investimentos realizados; ii) instituições
consolidadas garantem um melhor funcionamento
dos mercados e da economia como um todo, através
do cumprimento de contratos, respeito às “regras do
jogo”; e iii) há uma associação implícita para os investidores entre o nível de desenvolvimento das instituições e o nível de infra-estrutura existente no país.
Contudo, por conta da dificuldade em medir
quantitativamente o grau de qualidade das instituições, é difícil estimar objetivamente a influência delas sobre os fluxos de IDE.
Quanto ao nível de abertura ao comércio, quanto
maior esta, maior será a capacidade de atração de
IDE. Isso ocorre porque uma grande parte dos ativos
utilizados no IDE são adquiridos através de importação. Desse modo, empresas pequenas teriam maior
dificuldade (ou, até, total impedimento) em adquirir
esses ativos importados, diminuindo o montante dos
investimentos realizados.
Por último, as características das relações comerciais entre os países também exerceriam influência
sobre os fluxos de IDE. Exportações lidam com menores custos fixos e maiores custos variáveis
(insumos, mão-de-obra, transporte, tarifas, etc.),
quando comparados ao IDE, que lida com maiores
custos fixos (investimento em planta, instalações,
etc.) e menores custos variáveis. Portanto, é de se
esperar que a demanda (escala) de um determinado
país por um produto determine se esse mercado será
atendido através de exportações ou através de produção direta (IDE). Ou seja, a abertura nesse caso
parece ter efeito significativo como determinante do
IDE. Esse papel da abertura, contudo, não é
consensual entre os autores, que destacam outros
fatores determinantes.
De acordo com Dunning e Narula (1996), os países podem ser classificados em alguns estágios de
desenvolvimento, de acordo com a capacidade destes em absorverem ou realizarem investimentos diretos estrangeiros. Entre os fatores apontados como
Revista da Fapese, n. 2, p. 37-50, jul./dez. 2005
40
José Ricardo de Santana; Guilherme Cavalcante Vieira
importantes estão: a dotação de recursos naturais3 ,
o tamanho dos mercados e as políticas governamentais. Outro fator importante para entender os fluxos
de IDE, apontado por Graham e Krugman (1993),
seriam as barreiras ao comércio exterior. Lim (2001)
destaca não apenas tais barreiras, mas o grau de abertura financeira dos países, na linha apresentada por
Blonigen (2005). Em relação à abertura, merecem
destaque os resultados não conclusivos sobre este
fator, apresentados no trabalho de Larrain (2004).
correlacionado com o IDE em praticamente todos os
estudos. Além deste, a literatura tem sido cada vez
mais consensual em relação a fatores como a estabilidade macroeconômica e a qualidade dos recursos
produtivos. O grau de abertura econômica continua
ainda como fator controverso, até por problemas de
medida.
Outros fatores apontados como importantes para
determinar o IDE seriam o custo da mão-de-obra, os
incentivos fiscais e fatores institucionais, relacionados a aspectos regulatórios, burocráticos e jurídicos,
também na linha apresentada por Blonigen (2005).
Contudo, Lim (2001) mostra que esses fatores aparecem na literatura com resultados não conclusivos,
em particular devido aos problemas de medida.
O problema de mensuração da abertura econômica pode conduzir inclusive a conclusões diversas
acerca do papel deste fator como determinante do
IDE. Na literatura, o processo de abertura econômica é mensurado a partir de indicadores de resultado
e de indicadores de política. No primeiro caso, são
consideradas medidas como o fluxo de capital em
relação ao PIB. No segundo caso, são construídos
indicadores quantitativos que buscam mensurar o
grau de liberalização estabelecido a partir de políticas governamentais4 .
Os trabalhos da UNCTAD (1998) e (1999) também investigam os determinantes do IDE entre os
quais constam alguns dos fatores já mencionados,
como o tamanho do mercado, o custo da mão-deobra e a liberalização. Ressalte-se que, segundo a
UNCTAD (1998), a aceleração do processo de
liberalização nos países passou a chamar atenção para
políticas que poderiam afetar o IDE, mas que não
eram consideradas nesse contexto, no passado. É o
caso de políticas macroeconômicas, cujo resultado é
a maior estabilidade da taxa de inflação, e políticas
de organização da estrutura produtiva, que afetam a
oferta, a organização e a qualidade dos recursos produtivos. Nesse aspecto destaca-se o fator capital humano, cuja qualidade está relacionada ao número de
anos de estudo da força de trabalho.
Nessa literatura, merece destaque o tamanho do
mercado, que aparece significativa e positivamente
2.3 Indicadores de abertura econômica
No caso dos indicadores de resultado, embora se
trabalhe diretamente com o fluxo de capital na economia, não é possível avaliar corretamente seus
determinantes. Havendo, por exemplo, uma oferta
abundante de recursos no mercado internacional, o
aumento do fluxo não reflete necessariamente uma
alteração nas políticas do país de destino. E mesmo
que haja alterações nas políticas, é preciso verificar
a intencionalidade em relação ao resultado. É o caso
por exemplo de políticas de estabilidade
macroeconômica, como reforma tributária, cuja finalidade não é o aumento dos fluxos de capitais,
embora se possa obter esse resultado.
No caso da redução das restrições nas transações
das contas comercial e de capital, o objetivo direto é
Revista da Fapese, n. 2, p. 37-50, mar./jun. 2005
Fatores de atração do IDE na América Latina: o papel da abertura econômica
o incremento dos fluxos financeiros. Dessa forma, a
abertura funciona como um dos fatores que motivam os fluxos de capitais. Daí a necessidade de diferenciar os fluxos de capital das políticas que podem
influenciá-los, mensuradas através dos indicadores
de política, tais como os índices propostos por Lora
(1997) e Morley et al, (1999).
Os indicadores de Lora (1997) e de Morley et al,
(1999) buscam quantificar as diversas reformas estruturais ocorridas na América Latina. Consideramse reformas estruturais as mudanças em regulamentações, tarifas, taxas ou nos controles de capital que
afetam decisões microeconômicas. Tais reformas
buscaram uma maior eficiência na alocação dos recursos produtivos, eliminando ou reduzindo
distorções causadas por políticas que limitavam o
funcionamento do mercado ou impunham custos de
transação às atividade produtivas. Nesse sentido, as
reformas estruturais tiveram como característica abrir
a economia à competição externa, reduzir o papel do
governo na alocação de recursos e diminuir os efeitos da taxação na tomada de decisão dos agentes privados.
A idéia desses indicadores é medir a relativa neutralidade das políticas em relação ao funcionamento
dos mercados. A construção destes foi motivada pela
possibilidade de dispor de medidas quantitativas para
determinar o impacto econômico das reformas. Os
indicadores trabalham numa escala entre 0 e 1, onde
o valor superior representa a menor interferência no
funcionamento dos mercados. O intervalo é definido dentro da amostra estudada, sendo o limite superior de uma determinada reforma definido pelo país
mais aberto em um ponto no tempo5.
O indicador de Lora (1997) inclui as reformas
comercial, financeira e tributária, além das
privatizações e das mudanças ocorridas no mercado
de trabalho. O indicador geral é composto pela mé-
41
dia das cinco reformas referidas, sendo que a medida de cada reforma também obedece à escala entre 0
e 1. Pelos propósitos deste trabalho, será considerada apenas a medida da reforma comercial, tendo em
vista que as demais reformas, embora possam afetar
o fluxo internacional de bens e fatores de produção
direcionados à economia em questão, dizem respeito a mudanças nos mercados domésticos.
A reforma comercial, observada nos países latino-americanos, principalmente entre 1985 e 1995,
considera a sensível redução nas tarifas média e teto,
além da diminuição das barreiras não tarifárias, como
as exigências de repatriar receitas, a imposição de
sobretaxas e a utilização de taxas múltiplas de câmbio. O indicador de Lora teve um pequeno prolongamento do período, resultando em uma amostra de
vinte e seis países para período de 1985 a 1999.
O trabalho de Morley et al, (1999) faz uma extensão do indicador de Lora em dois aspectos. Por um
lado, acrescenta-se à base de dados o período de 1970
a 1984. Por outro, Morley et al, (1999) incluem um
indicador que capta os controles sobre as transações
de capital, que inexiste em Lora. Além disso, a fim
de refletir melhor as suas reformas de interesse,
Morley et al, (1999) modificam algumas das medidas que compõem o indicador de Lora.
O indicador de Morley et al, (1999) considera as
reformas comercial, financeira doméstica e tributária, bem como as privatizações, como em Lora. Mas
exclui as mudanças mercado de trabalho e inclui a
liberalização financeira internacional. O indicador
geral, como anteriormente, é composto pela média
das cinco reformas referidas, onde a medida de cada
reforma obedece a escala entre 0 e 1.
A medida da reforma comercial está composta
pelo nível médio das tarifas e pela sua dispersão. Não
estão incluídas nesse caso restrições não quantitati-
Revista da Fapese, n. 2, p. 37-50, jul./dez. 2005
42
José Ricardo de Santana; Guilherme Cavalcante Vieira
vas, o que pode constituir um problema. De um lado,
porque tais restrições podem se mostrar mais importantes que as próprias tarifas para restringir as importações dos países. De outro, se há uma tarifa muito
elevada, a sua redução, embora apareça como
liberalização, de fato não impacta o movimento de
importações. Ou seja, como admitem Morley et al,
(1999, p. 4), a medida utilizada, embora represente o
direcionamento da reforma comercial, pode não estar captando o real nível de proteção entre os países
e, por consequência, pode superestimar a
liberalização.
A medida de liberalização financeira internacional está composta por quatro componentes: i) controle do investimento externo, ii) limites nas remessas de lucros e juros, iii) controles na captação de
créditos externos, e iv) saída de capital. Trata-se de
uma definição mais subjetiva, na qual se atribuem
valores aos controles descritos no Balance of
Payments Arrangements, do FMI. O problema com
este procedimento está na eventual possibilidade de
subestimar ou superestimar a importância prática da
regulamentação descrita.
A amostra de Morley et al, (1999), a ser utilizada
neste estudo, está composta de dezessete países,
abrangendo o período 1970-1995, conforme apresentada na Tabela 2.
Tabela 2: América Latina – Amostra de países
Grupo
América Latina
(17 países)
Países
Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Equador,
El Salvador, Guatemala, Honduras, Jamaica, México, Paraguai,
Peru, Uruguai, Venezuela.
2.2 Reformas econômicas na América Latina
As reformas adotadas na América Latina foram
de natureza macroeconômica e microeconômica. No
primeiro tipo podem ser enquadradas aquelas reformas que se referem ao controle do déficit fiscal,
mudanças na política monetária ou controle do câmbio. No segundo tipo estão incluídas as reformas relacionadas às mudanças na regulamentação de setores, nas tarifas de importação, nos impostos ou nos
controles de capitais.
As reformas microeconômicas podem ser dividas
em cinco áreas principais: reforma comercial, do sistema bancário, do mercado de capitais, reforma tributária e reforma trabalhista. A reforma comercial
consiste na abertura do mercado interno à concorrência dos produtos importados. Essa abertura foi
amplamente realizada pelos países latino-americanos. Entre 1985 e 1995, segundo Lora (1997), as tarifas médias cobradas caíram de 41,6% para 13,7%
nesse grupo de países e as tarifas máximas sofreram
uma redução de uma média de 83,7% para 41% no
mesmo período. As restrições não-tarifárias, que afetavam 37,6% das importações no período anterior às
reformas, passaram a afetar somente 6,3% em 1995.
A reforma do sistema bancário tem como principais objetivos a eliminação dos programas de créditos preferenciais, a redução da taxa de depósito compulsório, a eliminação de controles sobre as taxas de
juros cobrada no mercado e a implantação de modernos sistemas de regulação sobre o setor. As três
primeiras medidas têm por fim reduzir a atuação do
governo nessa área. A última delas (implantação de
modernos sistemas de regulação), ao contrário do que
possa parecer, não vai de encontro às outras medidas. Seu objetivo específico é criar maior solidez entre
as instituições financeiras, evitando a falência dos
bancos e prejuízos para os clientes.
A reforma do mercado de capitais consiste em
retirar os controles às entradas e saídas de capitais.
O objetivo dessa reforma é aumentar as entradas de
capitais estrangeiros no país. Juntamente com a abertura comercial, essa foi a área de reforma que mais
apresentou avanço entre os países da região. Nenhum
país do continente apresenta controles dos movimentos de capitais. Apenas o Chile adotou esses controles, mas apenas por um curto período de tempo.
Revista da Fapese, n. 2, p. 37-50, mar./jun. 2005
Fatores de atração do IDE na América Latina: o papel da abertura econômica
A reforma tributária busca maior neutralidade,
simplificação legal e administrativa, e volume de arrecadação, além de maior desoneração dos setores
exportadores. Durante o período de reformas 21 países latino-americanos – entre os quais o Brasil não
se inclui – adotaram o sistema de imposto sobre valor adicionado (IVA), que é tido como um dos modelos mais eficientes dentre os existentes. A vantagem
desse sistema está na redução de uma série de
distorções nas decisões de investimento e na estrutura produtiva, ao contrário do que se verifica no sistema brasileiro, que acaba por estimular a
verticalização da produção, o que tende a tornar as
indústrias menos produtivas.
A legislação trabalhista adotada na maioria dos
países tem como objetivo proteger o trabalhador e
garantir-lhe uma série de direitos. Entretanto, as restrições impostas aos empregadores oneram a contratação/demissão, estimulam o trabalho informal e
aumentam o desemprego. A reforma trabalhista objetiva reduzir esses custos, os custos não-salariais, e
facilitar o trabalho temporário. Essa foi, juntamente
com a reforma tributária, a área que menos apresentou progresso dentre os países latino-americanos.
Apenas cinco países realizaram mudanças significativas nessa área: Argentina, Colômbia, Guatemala,
Panamá e Peru.
As áreas que mais caminharam na direção das
reformas liberalizantes nos países da América Latina foram o mercado comercial (bens e serviços) e o
mercado de capitais. Talvez isso tenha ocorrido, por
um lado, por causa da resistência que há em grande
parcela da população desses países em relação às
reformas nas áreas tributária e trabalhista, sobretudo em relação à última. Por isso as autoridades dos
países acabavam realizando as reformas possíveis de
serem feitas.
43
Por outro lado, aquelas áreas que mais avançaram nas reformas tiveram papéis ativos na política
econômica desse grupo de países durante os últimos
15 anos, o que tornou essas reformas fundamentais
para o equilíbrio macroeconômico de algumas economias. A abertura comercial ajudou na manutenção da estabilidade de preços – através do abastecimento e da concorrência sempre presente dos produtos importados – e a liberalização da conta de capitais tornou possível o equilíbrio do Balanço de Pagamentos por conta da maciça entrada de capitais.
Essa entrada foi estimulada pelas privatizações, que
também fazem parte do processo de liberalização,
mas também aconteceu através de investimentos diretos estrangeiros (IDE), intensificados por causa do
conjunto de reformas como um todo.
O Gráfico 1, abaixo, mostra a evolução das reformas (geral e por área específica) no grupo de países
estudados de acordo com o indicador de Morley et
al, (1999). A linha geral das reformas mostra uma
tendência ascendente durante todo período estudado – com exceção da primeira metade da década de
1980, por causa da Crise da Dívida sofrida por esses
países. O período de maior abertura no continente
ocorreu no final dos anos 80, com destaque para a
reforma financeira, a abertura comercial e a abertura
financeira.
A situação dos países latino americanos em relação às reformas pode ser percebida a partir do Gráfico 2. A Venezuela destaca-se como o país que menos
reformou a sua economia. Argentina e Uruguai aparecem como os países que mais haviam avançado
nas reformas direção da abertura econômica. A Argentina tornou-se um dos marcos do continente, chegando inclusive a dolarizar a sua economia. E o Uruguai assumiu a posição de um dos países mais liberais em relação ao fluxo de capitais financeiros.
Revista da Fapese, n. 2, p. 37-50, jul./dez. 2005
44
José Ricardo de Santana; Guilherme Cavalcante Vieira
Gráfico 1: América Latina – Indicador de abertura econômica, 1970-1995
Gráfico 2: América Latina – Indicador de abertura econômica por países, 1995.
Revista da Fapese, n. 2, p. 37-50, mar./jun. 2005
Fatores de atração do IDE na América Latina: o papel da abertura econômica
45
3. MODELO EMPÍRICO E DESCRIÇÃO DOS
DADOS
está representado pelo indicador de reformas
construído por Morley et al, (1999).
3.1 Modelo econométrico
O modelo proposto baseia-se na especificação de
Larrain (2004)8, que relaciona o logaritmo do IDE com
as variáveis explicativas acima mencionadas, tomando o formato especificado na equação (1).
O modelo proposto neste trabalho avalia os
determinantes do investimento direto estrangeiro
(IDE)6 . No que se refere às variáveis explicativas,
buscou-se um modelo simplificado, considerando as
principais variáveis presentes na literatura7 , excluindo-se aquelas cujos resultados empíricos anteriores são apontados como não conclusivos. Dessa forma, foram incluídas como variáveis explicativas: o
tamanho do mercado, a escolaridade da mão-de-obra
e a instabilidade econômica. O grau de abertura da
economia, embora não apareça com resultados conclusivos na literatura, foi também incluído, a fim de
verificar os efeitos encontrados a partir de um indicador de regra.
O tamanho do mercado, apontado como variável
mais robusta nesse tipo de especificação, está representado no modelo pela população (POP). Para refletir a qualidade dos recursos produtivos, foi considerado o grau de escolaridade (u), representado pela
taxa de matrículas no ensino médio. Para representar a volatilidade econômica, utilizou-se o desvio
padrão da taxa de inflação (óp), representando um
indicador de estabilidade macroeconômica. Por fim,
para o grau de abertura da economia, são utilizados
dois indicadores. Como indicador de resultado, utiliza-se o fluxo de comércio exterior em relação ao
Produto Interno Bruto (PIB). Já o indicador de regra
1n (IDE)it = β0 + β1 . 1n (POP)it + β2.(u)it
+ β3. (σπ)ιτ + β4 . (ABERTURA)it + εit
(1)
Na estimação foi aplicada a metodologia de painel. Esse método permite controlar as diferenças invariáveis no tempo entre países, as quais decorrem
de características não observáveis, removendo o viés
resultante da correlação entre estas características e
as variáveis explicativas9.
Foram realizadas cinco regressões: (1) mínimos
quadrados ordinários (MQO) com dados empilhados,
sem inclusão do indicador de abertura; (2) MQO com
dados empilhados, incluindo o indicador de resultado para a abertura; (3) modelo de estimação em painel incluindo o indicador de resultado para a abertura; (4) MQO com dados empilhados, incluindo o
indicador de regra para a abertura; (5) modelo de
estimação em painel incluindo o indicador de regra
para a abertura.
No que se refere aos modelos em painel, as estimativas com efeitos fixos são calculadas a partir das dife-
Revista da Fapese, n. 2, p. 37-50, jul./dez. 2005
46
José Ricardo de Santana; Guilherme Cavalcante Vieira
renças dentro de cada país ao longo do tempo, considerando-se então o R2 dentro do grupo. Já no modelo de
efeitos aleatórios as estimativas incorporam informações não apenas das diferenças observadas dentro dos
países, mas também ao longo do tempo, gerando
estimadores mais eficientes. Nesse caso, toma-se o R2
total, que considera variação não só intra como também intergrupos10 . O modelo de efeitos aleatórios é consistente apenas se o efeito específico de país não for
correlacionado com outras variáveis explicativas, o que
pode ser indicado pelo teste de Hausman. A hipótese
nula do teste é de que não existem diferenças significativas entre os parâmetros estimados por efeitos fixos em
relação aos estimados por efeitos aleatórios, sendo o valor calculado da estatística comparado ao valor crítico de
uma distribuição qui-quadrado. Caso a hipótese seja rejeitada, haverá uma diferença sistemática requerendo a
inclusão da variável omitida, que é o efeito fixo país.
3.2 Bases de dados
A amostra utilizada, composta por 17 países para
os quais estavam disponíveis os indicadores de regra
construídos por Morley et al, (1999), está descrita na
Tabela 2. Foram utilizadas, para cada um dos países,
sete observações, com intervalo de cinco anos, quais
sejam 1970, 1975, 1980, 1985, 1990, 1995 e 2000. A
especificação básica de painel tem i = 1,..., 17 e t =
1,...,7. Os dados foram obtidos a partir do World
Development Indicators 2002, do World Bank (2003).
Os dados originais do fluxo de capitais privados
e do IDE, em dólares correntes, foram convertidos
em dólares constantes de 1995, pelo mesmo procedimento de deflação do PIB. As variáveis estão expressas em logaritmo.
No que se refere às variáveis explicativas, a população está expressa em logaritmo. A escolaridade
da força de trabalho está representada pela taxa de
matrícula no ensino secundário11 . Para medir a instabilidade econômica tomou-se desvio padrão do
deflator implícito do PIB. Os dados consideram os
cinco anos anteriores, incluindo o período da observação. Por fim, em relação à abertura o indicador de
resultado considera os fluxos de exportações e importações em relação ao PIB. O índice de regra foi
descrito na seção 2.2. A Tabela 3 resume as estatísticas das variáveis utilizadas.
Tabela 3: Sumário das Estatísticas Descritivas , 1970-2000
Variáveis
Investimento Direto Estrangeiro – ln(IDE)
Média
Desvio
19,26
Padrão
Mínimo
Máximo
1,85
14,84
24,42
Num.
Obser.
79
Dimensão do Mercado – ln(POP)
16,12
1,17
14,36
18,95
119
Escolaridade da força de trabalho – (u)
42,57
17,20
8,41
82,42
101
105,64
551,21
0,32
5087,77
189
42,21
18,61
11,60
87,47
85
0,66
0,21
0,19
1,00
102
Instabilidade econômica – (óp)
Indic. abertura RESULTADO – (ABERTURA)
Indic. abertura REGRA – (ABERTURA)
Fonte: World Bank (2003).
Revista da Fapese, n. 2, p. 37-50, mar./jun. 2005
Fatores de atração do IDE na América Latina: o papel da abertura econômica
4. DETERMINANTES DO INVESTIMENTO
DIRETO ESTRANGEIRO NA AMÉRICA
LATINA
Nesta seção são apresentadas as estimativas para
o modelo proposto na equação (1). O objetivo é analisar os fatores determinantes mais importantes na
atração de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) para
o caso latino americano. Busca-se analisar a importância da abertura econômica como fator determinante, fazendo-se a comparação de indicadores de
resultado com indicadores de regra.
A Tabela 4 traz as estimativas dos determinantes
do IDE na América Latina, no período 1970 a 2000.
A primeira regressão é uma estimativa em mínimos
quadrados ordinários (MQO) com dados
empilhados, sem inclusão de indicadores de abertura econômica. As demais regressões fazem inclu-
47
são de indicadores de abertura. Nas regressões (2) e
(3) está incluído o indicador de resultado fluxo de
comércio, conforme proposto por Larrain (2004).
Inicialmente, na regressão (2), é feita a regressão
por MQO com dados empilhados. Em seguida, na
regressão (3), apresenta-se o modelo mais adequado das estimativas em painel12 . Esses procedimentos são repetidos nas regressões (4) e (5). Porém
nesse caso é utilizado um indicador de regra para
representar a abertura, conforme proposto por
Morley et al, (1999).
A regressão (1) mostra que as variáveis dimensão
de mercado, escolaridade e instabilidade econômica
aparecem com sinal esperado na determinação do
fluxo de IDE na América Latina. As duas primeiras
variáveis apresentam efeitos positivos e significantes.
A instabilidade, embora apareça com sinal esperado, não é significativa.
Tabela 4: América Latina - Determinantes do Investimento Direto Estrangeiro, 1970-2000
Investiimento Direto Estrangeiro
Dimensão do Mercado - ln(POP)
Escolaridade – (u)
Instabilidade econômica – (óp)
Pool
(1)
0,9378***
(0,1171)
Com abertura
Pool
Efeitos Fixos
(2)
(3)
0,9696***
4,0890***
(0,1688)
(1,2180)
Pool
Efeitos
(4)
Aleatórios (5)
0,9997*** 1,0296***
(0,1173)
(0,1632)
0,0431***
(0,0078)
0,0470***
(0,0088)
0,0043
(0,0259)
0,0390***
(0,0078)
0,0327***
(0,0098)
-0,0002
(-0,0002)
-0,0002
(0,0002)
-0,0003
(0,0002)
-0,0002
(0,0002)
-0,0002
(0,0002)
-0,0011
(0,0103)
0,0145
(0,0162)
1,2750**
(0,5902)
1,5510**
(0,6104)
56
0.65
56
0,42
9,34
65
0.66
65
0,68
1,09
Indic. abertura – (ABERTURA)
N° Observações
R2 Ajustado
Teste de Hausman
65
0.64
Nota: Os números entre parênteses representam os desvios padrão dos estimadores. Significativos a 1% (***), a 5% (**) e a 10%
(*). No R2 Ajustado, considerou-se o valor intra-grupo no modelo de efeitos fixos e o valor total no modelo de efeitos aleatórios.
Revista da Fapese, n. 2, p. 37-50, jul./dez. 2005
48
José Ricardo de Santana; Guilherme Cavalcante Vieira
Esses resultados se mantêm na regressão (2), onde
é introduzido o fluxo de comércio como indicador
de abertura. Esta variável não apresentou resultados
significativos, além de apresentar sinal contrário ao
esperado. A regressão (3) mantém as variáveis anteriores, mas estima a partir do modelo com efeitos
fixos, mais indicado, nesse caso, pelo teste de
Hausman13 . Os resultados mostram que prevalecem
os sinais esperados em todos os coeficientes, inclusive para o indicador de abertura. Entretanto, apenas a dimensão de mercado aparece como significativa nesse modelo. Ou seja, a abertura econômica, a
partir da introdução do indicador de resultado, não
aparece como variável relevante para explicar os fluxos de IDE.
As regressões seguintes buscam investigar os efeitos da abertura econômica a partir da introdução de
um indicador de política. Na regressão (4), os resultados são similares aos da regressão (2). A dimensão
de mercado e a escolaridade são positivas e significativas. A instabilidade econômica, embora tenha o
sinal esperado, aparece como não significativa. A
diferença desta última regressão está nos resultados
quanto ao indicador de abertura, que aparece não
apenas com o sinal esperado mas também mostra
efeitos significativos.
Na estimação em painel, os resultados se mantêm, conforme demonstra a regressão (5), que utiliza
o modelo com efeitos aleatórios, mais indicado, nesse caso, pelo teste de Hausman. Prevalecem os sinais esperados em todos os coeficientes, inclusive
para o indicador de abertura, e apenas a variável instabilidade econômica aparece como não significante.
Esses resultados, que corrige um possível viés de
variável omitida representado pelo efeito fixo, mostra que além da dimensão de mercado e da escolari-
dade da força de trabalho, a abertura, dentro do conjunto das reformas econômicas, atua como importante determinante na atração de Investimento Direto Estrangeiro para a América Latina.
5. CONCLUSÃO
O Investimento Direto Estrangeiro é uma variável de extrema importância para países em desenvolvimento, onde a formação de poupança doméstica mostra-se insuficiente para sustentar o crescimento econômico. Entender os determinantes do IDE é
fundamental não apenas para apresentar uma contribuição teórica sobre o tema, mas para orientar as
medidas de política econômica.
O objetivo desse artigo situa-se nessa linha de investigação. Foi proposto um modelo econométrico, baseado nas discussões da literatura, sobre os determinantes
do IDE. As estimações utilizaram 17 países latino americanos para os quais estavam disponíveis indicadores de política para a abertura econômica. O estudo
centra atenção nessa variável, tendo em vista os resultados controversos encontrados na literatura.
A variável abertura econômica aparece na literatura econômica a partir de indicadores de resultado
ou a partir de indicadores de política. No primeiro
caso, há uma limitação na medida, uma vez que o
aumento do fluxo de comércio pode ocorrer por conta
de fatores outros, que não incluam uma maior abertura. Ao trabalhar com indicadores de política, busca-se exatamente determinar a intencionalidade de
proceder medidas que promovam a abertura econômica. Nesse sentido, os indicadores de política estão
mais direcionados à medição desse fenômeno, reduzindo os erros de medida.
Revista da Fapese, n. 2, p. 37-50, mar./jun. 2005
Fatores de atração do IDE na América Latina: o papel da abertura econômica
As estimativas realizadas nesse trabalho contribuem para corroborar esse ponto. Os resultados
apresentados mostram que a dimensão do mercado e o nível de escolaridade funcionam como fatores de atração importantes para motivar o fluxo de
IDE na América Latina. No que se refere à abertura econômica, a utilização do fluxo de comércio
como indicador de abertura, como faz Larrain
(2004) conduziu a efeitos não significativos desse
49
indicador. A utilização do indicador de política,
mais apropriado para representar a abertura econômica, mostra que esta variável aparece com efeitos positivos e significativos. Ou seja, ao contrário
dos resultados inconclusos da literatura, a apropriada mensuração da abertura econômica mostra
que esta é relevante na atração de IDE para a América Latina, dentro do contexto das reformas econômicas.
Revista da Fapese, n. 2, p. 37-50, jul./dez. 2005
50
José Ricardo de Santana; Guilherme Cavalcante Vieira
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Revista da Fapese de Pesquisa e Extensão, v. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
51
Avaliação geoambiental dos sistemas dunares
costeiros de Sergipe*
Anízia C. de Assunção Oliveira**
R e s u m o
Rosemeri Melo e Souza***
O
artigo visa a análise integrada dos condicionantes biofísicos
e antrópicos intervenientes na intensidade das agressões
das dunas em porções Norte, Centro e Sul do litoral
sergipano. Listas de controle de campo (check lists) foram aplicadas
a fim de desenvolver cálculos de vulnerabilidade em setores específicos da área estudada, a partir da atribuição de valores às variáveis
selecionadas possibilitando a categorização dos resultados em distintos níveis de vulnerabilidade estabelecidos segundo a adaptação do
Programa ELOISE/DUNES da União Européia. São organizadas em 46
variáveis e divididas em 5 seções: sítio e morfologia dunar, características da praia, características da superfície dunar nos primeiros 200
m, pressões de uso e medidas de proteção recentes. O caráter das
feições encontradas no Litoral Norte remonta a algumas associações
de desequilíbrio pela intensidade de circulação eólica e processos de
acresção/erosão dunar. A vegetação mesmo encontrando condições
propícias ao desenvolvimento pelos variados níveis de umidade não
exerce fator controlante para a estabilização das dunas. Das cinco seções observadas no Litoral Sul mais diferenças foram encontradas na
seção D (Pressão antrópica). As ameaças de degradação expõem a necessidade de certa restrição visando deter os efeitos degradantes já em
curso. No Litoral Centro, mecanismos de degradação severa e generalizada revelam-se preocupantes. A impossibilidade de recomposição
dos campos dunares em virtude da ausência de alimentação eólica
pelas barreiras antrópicas localizadas remonta a possíveis conseqüências no perfil de praia pela interferência no balanço de sedimentos
provenientes da fonte de alimentação praia-duna.
PALAVRAS CHAVES: Monitoramento Socioambiental; Vulnerabilidade Biofísica; Dunas Costeiras; Sergipe.
52
Anízia C. de Assunção Oliveira; Rosemeri Melo e Souza
A
zona costeira, em termos ambientais, possui
uma complexidade de ecossistemas dentre eles
campos de dunas, ilhas recifes, costões rochosos, estuários, brejos, falésias e baixios.
As dunas litorâneas prestam-se a formas de usos
múltiplos sendo, dentre os ecossistemas do litoral,
as que mais impactos sofrem frentes as agressões humanas diretas. Tais atividades comprometem o equilíbrio dinâmico dos ambientes dunares haja vista que
muitos sistemas de dunas foram alterados
irreversivelmente.
Com base na Resolução do 303/2002 CONAMA
(Conselho Nacional do Meio Ambiente), dunas podem ser definidas como “unidades geomorfológicas
de constituição predominantemente arenosa, com
aparência de cômoro ou colina, produzida pela ação
dos ventos, situada no litoral ou no interior do continente, podendo estar recoberta ou não por vegetação”.
Por serem caracterizados como os mais
impactantes, os danos derivados de atividades
antrópicas remontam a uma situação de alerta quanto à manutenção da integridade biofísica dos sistemas dunares litorâneos.
Em Sergipe, a planície costeira é constituída por
terrenos de sedimentos quaternários de origem
fluvio-marinha, fluvial e eólica e engloba formações
como manguezais restingas, dunas e lagoas costeiras originárias de processos interativos.
O Litoral de Sergipe apresenta-se compartimentado em três porções: litoral norte, centro e sul.
No Litoral Norte a planície costeira abrange áreas
dos municípios de Brejo Grande, Pacatuba, Ilha das
Flores e Pirambu. Caracteriza-se por terraços marinhos
datados do holoceno com cristas de cordões litorâneos
bem marcados e grande retrabalhamento eólico.
São encontrados depósitos dunares formados por
gerações inativas de dunas localizadas mais interior-
mente fixadas por vegetação arbórea-arbustiva e sistemas ativos, mais recentes, que ocupam a linha de costa
e direcionam-se sobre as áreas mais internas, estes, orientam –se segundo a direção dos ventos dominantes e
interagem com zonas interdunares alagadas.
O município de Pirambu compreende em sua zona
litorânea a Reserva Biológica de Santa Isabel. Regulamentada pelo Decreto Federal nº 96.999 de 20/10/
1988 abriga uma das sedes do Projeto TAMAR (Tartarugas Marinhas) e possui dentre os objetivos o de
proteger as tartarugas marinhas que se reproduzem
no respectivo trecho do litoral.
O campo dunar de Aracaju compõe a área de estudo referente ao Litoral Centro. Os depósitos
dunares litorâneos são caracterizados por duas gerações de dunas percebidas desde a Coroa do Meio (cercanias do Oceanário) até a Área de Preservação Permanente (APP) mantida pela Petrobrás no TECARMO
(Terminal de Carmópolis) e as praias da Aruana,
Robalo e do Mosqueiro.
Os campos dunares desta porção do Litoral encontram-se em estado de arrasamento avançado devido, entre outros fatores, aos fortes processos de
ocupação principalmente em setores que abrangem
as instalações da Orla de Atalaia.
O Litoral Sul compõe-se de 5 municípios: São
Cristóvão, Itaporanga D’Ajuda, Estância, Santa Luzia do Itanhy e Indiaroba. Apresenta uma superfície
de 2.496,4 km² e extensão de 55,5 km.
Dentre os ecossistemas relevantes encontram-se
associados aos campos de dunas, manguezais, brejos e lagoas, além de outros como restingas e remanescentes de Mata Atlântica.
Nesta região do litoral o clima é caracterizado
como úmido a sub-úmido com precipitação total variando de 1000 a 1200mm ao ano.O período chuvoso concentra-se nos meses de abril, maio junho e julho, enquanto o período seco ocorre nos meses de
outubro, novembro, dezembro e janeiro.
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
Conseqüências da deficiência isolada e vitalícia do hormônio do crescimento (GH)
A fonte de alimentação praia-duna contribui para
a formação de feições dunares pelo fornecimento de
areia considerado abundante.
Os sistemas dunares de Sergipe apresentam
mudanças nas características biofísicas em virtude de processos que afetam a estrutura e dinâmi-
53
ca dos ambientes. A pressão de uso associada a
mecanismos de ocupação desordenada relacionada ao desmonte de dunas provocado por diversos
fatores e a ineficácia das medidas de proteção recentes são os indicadores mais expressivos para a
avaliação da vulnerabilidade das dunas em
Sergipe.
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
54
Anízia C. de Assunção Oliveira; Rosemeri Melo e Souza
1. PRINCIPAIS CONFLITOS DE USO EM
AMBIENTES DUNARES DE SERGIPE
Em Sergipe, processos característicos identificados como condicionantes expressivos à produção de
um quadro de sensibilidade dunar referem-se aos
mecanismos de pressão antrópica representados essencialmente pelos conflitos de uso.
Os principais conflitos de uso dizem respeito à
ocupação de áreas dunares por loteamentos, construção de casas, pousadas, estabelecimentos comerciais
e desmonte de dunas, abertura aleatória de caminhos
de acesso à praia além de pisoteio descontrolado, trânsito de veículos e infra-estrutura urbana, com ênfase
na atividade turística. Todos estes fatores são responsáveis pela ameaça à integridade dos sistemas dunares,
bem como interferem na produção das diferenciações
paisagísticas na área estudada.
O desmonte de dunas, por conta da ocupação
desordenada na zona de praia facilita a invasão das
águas do mar e interfere no processo de acumulação
das areias acarretando assim efeitos erosivos que, ao
modificar as condições de acumulação produzida
pela ação eólica (circulação dos ventos e deposição
das partículas arenosas no sopé das dunas semifixas)
contribuem para alteração no perfil litorâneo. Podese afirmar que tais alterações tendem a produzir, em
curto prazo, mudanças visíveis na composição das
fisionomias dunares costeiras, limitando a margem
de acumulação necessária para a fixação de cobertura vegetal, processo este responsável pela semifixação
de dunas situadas no fácies posterior (faixa intermediária) dos campos dunares.
A formação de depósitos dunares no Litoral de
Sergipe sempre esteve associada à presença de vegetação. A cobertura vegetal, seja ela de porte arbóreo,
herbáceo ou arbustivo, contribui decisivamente para
a ocorrência da sedimentação eólica sobre a linha de
acumulação praial
Entretanto, alguns pontos da costa, a retirada da
vegetação é presenciada de maneira nítida por meio
de práticas impensadas como o pisoteio descontrolado, a abertura de caminhos provocados pelo fluxo
de pessoas e veículos motorizados sobre as dunas
até ações propositais a exemplo das queimadas muito presentes em áreas onde já ocorrem desmontes de
dunas sem nenhuma vigilância por parte dos órgãos
responsáveis de fiscalização.
A infra-estrutura turística também pode ser considerada como um indicador que impõe limitações à
dinâmica natural dos ambientes dunares de Sergipe.
A intensificação das atividades turísticas vem
promovendo desmonte de dunas móveis para
loteamentos, residências secundárias e hotéis. O interesse pelo desenvolvimento do turismo no Litoral
de Sergipe parte principalmente de empresas hoteleiras que visam o estabelecimento grandes complexos de hotéis (resorts). Esse processo tem se intensificado devido à fragilidade das medidas de proteção
ambiental na esfera dos municípios, haja vista o valor cênico e ecológico das dunas, reconhecido legalmente na esfera federal (áreas de proteção permanente), mas, protegidas de modo quase inexistente
na esfera municipal.
Ainda merecem destaque as políticas setoriais na
esfera estadual correspondentes às iniciativas do
Estado de desenvolvimento da região Sul de Sergipe
através do estabelecimento de uma infra-estrutura
turística. Obras como construções de pontes, implantação de orlas marítimas urbanizadas, rodovias, aeroportos e projetos de urbanização, sendo o litoral
sul uma faixa muito visada pelos empreendimentos
turísticos. Tais ações foram iniciadas no Litoral Sul
com a com a implantação, há cerca de dez anos
(PRODETUR I), da Linha Verde (SE – 100 e SE –318)
interligando pelo litoral dos Estados de Sergipe e
Bahia, que conta com recursos provenientes do Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste
– PRODETUR como principal financiador.
O Projeto de Desenvolvimento para o Turismo no
Nordeste (PRODETUR-NE) é um dos principais programas voltados para o crescimento do turismo na
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
Conseqüências da deficiência isolada e vitalícia do hormônio do crescimento (GH)
55
região nordestina que surge por iniciativa da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE) e com apoio da Empresa Brasileira de
Turismo (EMBRATUR) em 1993.
definida, por forma a estabelecer a sua importância
relativa para o objetivo em causa, a saber, a análise
da vulnerabilidade biofísica mediante geoindicadores
socioambientais (Laranjeira, 1997, p 48).
Já a segunda etapa, como forma de dar continuidade às ações de desenvolvimento do turismo, o
PRODETUR/NE II “deverá aportar recursos da ordem
de US$ 63 milhões, destinados a ações de recuperação ambiental, de capacitação profissional, de apoio
à gestão municipal, de recuperação do patrimônio
histórico, de implantação de sistemas de gestão de
resíduos sólidos, além de investimentos outros em
infra-estrutura básica” (SEPLANTEC, 2004).
As check lists são estruturadas em cinco seções
que compreendem informações quanto ao sítio e
morfologia dunar, às características da praia, às características da superfície dunar nos primeiros 200
metros, às pressões de uso e às medidas de proteção
recente. (Anexo 1)
Esses aportes de investimentos têm atuado como
indutores do aumento da pressão especulativa sobre
as áreas litorâneas, provocando uma reconversão
habitacional fortemente influenciada pelo ciclo turístico. Colocando de outro modo a questão, nota-se
no Litoral Sul de Sergipe um processo de adensamento urbano que vem substituindo as áreas de residência dos habitantes locais por propriedades destinadas à segunda residência e empreendimentos de
hotelaria. Tais alterações, por sua vez, aumentam a
incidência das agressões paisagísticas sobre os campos de dunas, visíveis sob a forma de arruamentos
irregulares, depósitos de lixo e avanços de construções diretamente sobre as superfícies dunares.
2. AVALIAÇÃO DO ESTADO DAS DUNAS EM
AMBIENTES LITORÂNEOS DE SERGIPE
A avaliação da vulnerabilidade partiu do preenchimento de listas de controle de campo (check lists)
e posterior listagem das variáveis e geoindicadores
expressivos (naturais e antrópicos) que mais contribuem para situação de risco das dunas.
Check lists definidas como listagem de um conjunto geral de variáveis relevantes para a
concretização de um determinado objetivo, que são,
caso a caso e individualmente, identificadas, caracterizadas e ordenadas em relação a um escala pré-
São organizadas com base na seleção de 46 variáveis, todas elas divididas em categorias de informação.
A atribuição de valores as variáveis selecionadas
possibilitou a categorização dos resultados em distintos níveis de vulnerabilidade estabelecidos segundo a adaptação do Programa ELOISE/DUNES da
União Européia.
Cada variável abrange três a cinco possibilidades
de caracterização, sendo que, cada alternativa,
corresponde a uma pontuação de 0 a 4. Quanto maior valor determinado, maior o grau de vulnerabilidade, ou seja maior é a situação de risco das dunas. No
caso das medidas de proteção recentes o oposto acontece, maior é o grau de controle e proteção apontados pelas variáveis nos sistemas dunares em estudo.
Dessa forma, no tocante às seções A, B e C, o significado dos valores de 0 a 4 será representado por
tabelas numéricas relacionadas aos níveis de vulnerabilidade, já as seções D e E serão explicadas a partir de quadros qualitativos baseados em variações de
cores (amarela, laranja e vermelha) em que quanto
menor a intensidade da cor, menor o grau de vulnerabilidade. Os itens sem informação serão expostos nos
quadros e tabelas através do símbolo tracejado (-), a
abreviatura (OBSD) simbolizará a percepção de cada
observador.
Os cinco níveis de vulnerabilidade são definidos
no quadro que se segue:
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
56
Anízia C. de Assunção Oliveira; Rosemeri Melo e Souza
Quadro 1 - Níveis de Vulnerabilidade Biofísica Dunar
Nível 0
0 – 20%
Nível de vulnerabilidade em que o grau de transformação do sistema dunar não põe em risco
a sua capacidade de auto-regeneração; o grau de vulnerabilidade está compreendido entre 0
a 20%; estado de degradação das feições não ultrapassa o limiar de resilência; sensibilidade
baixa.
Nível 1
> 20 –40%
Nível de vulnerabilidade em que já se percebem sinais de mudanças no conjunto do sistema;
a sensibilidade de baixa passa a se acentuar; o nível 1 compreende o intervalo de valores
maiores que 20% até 40%.
Nível 2
> 40-60%
Percebem-se sinais de degradação significativa, já se faz necessária uma certa restrição a uma
maior utilização. As feições dunares se posicionam sobre o limiar de resilência. Considerável
nível de degradação dos sistemas. Valores maiores que 40% até 60% estão compreendidos
neste intervalo.
Nível 3
> 60 –80%
Observam-se mecanismos de pressão muito significativa; as feições dunares não apresentam
mecanismos de resistência aos efeitos negativos; a sensibilidade é elevada; são maiores que
60% e chegando a 80% os valores percentuais do nível 3.
Nível 4
>80-100%
Evidenciam - se efeitos de degradação severa e generalizada. Nível de degradação extremamente elevado comprometendo o caráter das geoformas. Limiar de resiliência ultrapassado.
Nível de maior caráter impactante que compreende o intervalo de valores maiores que 80%
até 100% de vulnerabilidade.
Fonte: Adaptado e modificado de Laranjeira, 1997.
A aplicação das check lists realizada por observadores selecionados a partir do critério de possuírem conhecimentos sobre assuntos referentes à pesquisa tanto de ordem geral como dinâmica costeira, geomorfologia
litorânea e de caráter específico como dunas costeiras.
Tais matrizes são compostas por múltiplos elementos relacionados a fatores e processos que
interagem e promovem efeitos impactantes representados por resultados que se diferenciam pela intensidade e freqüência de danos.
As associações entre as variáveis correspondentes
às cinco seções da lista de controle (categorias de informação) geram resultados estimados pelo cruzamento de relações de causa e efeito entre fatores
estruturantes à formação de ambientes dunares (estado médio de estabilidade) e aspectos condicionantes
a desestabililização das dunas (impacto relacionado).
A matriz referencial de indicadores funciona
como uma listagem de controle bidimensional, onde
são dispostos os indicadores numerados e os graus
de sensibilidade. Esta é definida enquanto o grau
de perturbação relacionado a cada indicador expresso pela associação entre intensidade e freqüência
dos danos.
Sendo assim como forma de complementar a
análise dos processos relacionados aos indicadores
de vulnerabilidade dunar desenvolveram-se matrizes de sensibilidade biofísica.
No estudo em questão, foram elaboradas duas
matrizes referentes aos setores que compõem o Litoral Norte e aos setores que compõem o Litoral
Sul.
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
Conseqüências da deficiência isolada e vitalícia do hormônio do crescimento (GH)
A sensibilidade dos fatores ambientais é definida
pelo grau de perturbação da estabilidade provocado
por fatores antrópicos. Assim, a sensibilidade
ambiental indica a vulnerabilidade dos indicadores
estudados frente à intensidade e à freqüência dos
danos causados pela ação humana sobre o meio
biofísico. Entendem-se danos como os efeitos adversos das ações humanas sobre os sistemas ambientais
(Faria, 1995).
Os graus de sensibilidade foram enumerados de
1 a 3, sendo 1 correspondente a um grau pequeno de
sensibilidade, 2 a sensibilidade média e 3 a sensibilidade grande.
Os danos atribuídos foram os seguintes: índice
de pluviosidade; dinâmica eólica; barreira à acumulação eólica; pisoteio e tráfego sobre praia e dunas;
remoção da vegetação dunar e turismo desordenado.
Quanto à freqüência dos danos verificados na área
de estudo, as letras atribuídas (a, b e c) correspondem,
respectivamente, a freqüência constante do dano (a),
dano freqüente (b) e (c), dano eventual, ou seja, que
provoca alterações fisionômicas e cênicas passageiras aos componentes biofísicos dos sistemas
ambientais.
Os itens sem informação serão expostos através
do símbolo tracejado (-), especificando a não ligação
entre dano e indicador.
A avaliação do estado das dunas em ambientes
litorâneos de Sergipe, desenvolvida em etapas de
estudo anteriores (diagnóstico e monitoramento) foi
testada em seções específicas do litoral norte, centro
e sul sergipano. Em geral, os resultados obtidos geraram um quadro delicado quanto à permanência das
características biofísicas em vários setores da área
estudada.
Níveis de vulnerabilidade em que se percebem
sinais de degradação significativa foram detectados
no litoral Centro e Sul sergipano, já se faz necessária
uma certa restrição a uma maior utilização, uma vez
57
que as feições dunares se posicionam sobre o limiar
de resilência. No Litoral Norte de Sergipe as condições as condições de vulnerabilidade demonstraram
sinais de mudanças no conjunto do sistema; a sensibilidade de baixa passa a se acentuar.
3. LITORAL NORTE DE SERGIPE.
A intensidade das relações existentes entre os fatores responsáveis pela ameaça à integridade dos sistemas dunares é exemplificada, no caso das dunas
do Litoral Norte, pelo tamanho da área ocupada pelas dunas (altura, largura e extensão das antedunas)
diretamente relacionado ao processo de acumulação
das areias que contribuem para mudanças visíveis
na composição das fisionomias dunares costeiras,
principalmente quando dos efeitos dos períodos de
chuvas em regimes que se diferenciam quanto ao ritmo de precipitação.
O ritmo de precipitação e a intensidade dos ventos diretamente ligada às seqüencias dos períodos
de chuvas alteram a circulação eólica e, por conseguinte, tem-se uma situação bastante intensa de
fragilização dos condicionantes de permanência do
sistema dunar, ou seja, amplia-se o limiar de sua
vulnerabilidade pela aproximação de um ponto crítico limitante da alimentação do sistema praia-duna.
O campo referente ao Litoral Norte foi realizado
no mês de julho (período chuvoso). A predominância de precipitação promove alterações nas características responsáveis pela configuração do perfil das
dunas.
Se comparado às análises desenvolvidas no período seco, as modificações nos processos de acresçãoerosão dunar no Litoral Norte são denunciadas pelo
processo de compactação das areias.
A formação de depósitos dunares no Litoral de
Sergipe sempre esteve associada à presença de vegetação. A cobertura vegetal seja ela de porte arbóreo,
herbáceo ou arbustivo, contribui decisivamente para
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
58
Anízia C. de Assunção Oliveira; Rosemeri Melo e Souza
a ocorrência da sedimentação eólica sobre a linha de
acumulação praial.
No Litoral Norte as condições de umidade verificadas
propiciam o brotamento de espécies em áreas onde o
solo concentra água em seus níveis inferiores, fato evidenciado principalmente no Setor 1 de análise.
Nas proximidades da linha de costa nota-se a existência de áreas úmidas e brejos associados a vegetação de restinga. São em sua maioria regulados pelos
períodos de chuva e caracterizam-se por abrigar espécies da fauna como bando de aves migratórias. Tais
alagados são freqüentemente utilizados como pastagens por pequenos criadores.
Nas áreas de brejos localizados próximos a faixa
de dunas frontais são encontrados vegetais de porte
arbustivo como o grageru (Chrysobalanus icaco), espécie típica de restinga localizada a sotavento das
dunas de pequeno porte, em áreas mais baixas, pela
menor intensidade erosiva dos ventos. Essa mesma
espécie desenvolve um porte arbustivo maior, quan-
do mais afastada da praia, por se localizar a barlavento de dunas que ficam protegidas por outras parcialmente fixadas pela vegetação.
Os depósitos formadores das dunas são caracterizados por um material não consolidado tendo a
presença de areias eólicas, arenitos e argilas na composição das dunas.
Mesmo havendo uma alimentação eólica suficiente para o processo de sedimentação na linha de
praia alterações sobre a morfologia praial são percebidas por conta de processos relacionados à pressão
por diversos utilizadores.
São realçadas, em alguns pontos da costa, práticas impensadas como o pisoteio descontrolado, a
abertura de caminhos provocados pelo fluxo de pessoas e veículos motorizados sobre as dunas onde já
ocorrem desmontes de dunas sem nenhuma vigilância por parte dos órgãos responsáveis de fiscalização,
uma vez que parte da área de estudo diz respeito a
propriedade da Reserva Biológica de Santa Isabel.
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
Conseqüências da deficiência isolada e vitalícia do hormônio do crescimento (GH)
59
A partir das listas de controle aplicadas nos dois
setores de estudo nesta fase de monitoramento foi
encontrado um percentual de 28.34% correspondente
ao Nível 1 de vulnerabilidade o que focaliza um ambiente em que se percebem sinais de mudanças no
conjunto do sistema.
O primeiro trecho em que se aplicou a lista de
controle localizado nas proximidades da zona da
praia apresentou grau de 27.54% no primeiro campo
e 22,44% no segundo, ambos perfazendo nível 1 de
vulnerabilidade. Nível em que os sinais de degradação não são tão significativos.
Na fase de diagnóstico (primeiro campo) o Litoral Norte, em comparação as outras porções do Litoral (Litoral Centro e Sul) adquiriu os menores valores condizentes com níveis mínimos de degradação.
A percentagem média abrangeu 29.72%, também
nível 1 de vulnerabilidade.
O que mais contribui para a diminuição da percentagem encontrada é a presença de dunas recentes intensamente colonizadas por exemplares de vegetação, espécies típicas de restinga, favorecidas pelas condições de umidade.
Os setores de estudo, por se tratarem de uma área
de proteção ambiental da Reserva Biológica de Santa Isabel, apresentaram pouco grau de transformação do sistema dunar.
A distinção entre os graus de vulnerabilidade
encontrados em cada setor de estudo de acordo com
as duas fases de campo pode ser visualizada no gráfico abaixo.
Em contrapartida aos resultados do monitoramento
encontrados no Setor 1 do Litoral Norte, o segundo setor
estudado, localizado nas imediações da Lagoa Redonda
dentro da área da Reserva Biológica, possui características
marcantes quanto ao fornecimento de areia em virtude da
dinâmica eólica presente no local o que fez repercutir no
aumentodograudevulnerabilidadeencontradode31,90%
para 34.25%. Processos de erosão dunar são evidenciados
a exemplo de muitas brechas ativas que se formam em
trechos de dunas localizadas mais interiormente.
Gráfico 1. Demonstrativo da diferenciação entre os níveis de vulnerabilidade. 2003-2005
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
60
Anízia C. de Assunção Oliveira; Rosemeri Melo e Souza
Associado a tais processos de ameaças à estabilidade dunar existem sinais de ocupação por mecanismos de pressão humana em virtude do crescente
afluxo de pessoas neste campo de dunas.
As formas de interação entre os componentes
biofísicos dos sistemas dunares e as pressões
advindas das atividades antrópicas sobre tais ambientes caracterizam o grau de transformação desses
sistemas costeiros.
Nessa perspectiva, a análise dos fatores
condicionantes e estruturantes do processo de vulnerabilidade em ambientes dunares utiliza como
suporte a elaboração de matrizes de sensibilidade
ambiental biofísica com base nos resultados obtidos
para os indicadores de sustentabilidade propostos
para dunas.
Para o Litoral Norte foi elaborada uma matriz referente aos dois setores exposta a seguir:
Analisando as interações entre os componentes
da matriz temos que o período de estudo, por se tratar de estágio chuvoso com níveis de umidade consideráveis e ventos regulados pelos alíseos de NE,
faz com que os fatores: extensão das dunas; fonte de
alimentação praia –duna e estabilidade dunar sejam
os que mais inteferências sofram frente aos processos relacionados ao índice de pluviosidade e à dinâmica eólica.
No Litoral Norte os indicadores relacionados à
dinâmica biofísica são os que mais se sobressaem,
uma vez que, há uma diversidade fisionômica associada a disposição seqüencial de feições dunares, em
porções interiores encontram-se geoformas em estado original além de existir um campo dunar ativo
em virtude de uma dinâmica eólica atuante.
A área ocupada pelas dunas apresentou maior
sensibilidade biofísica aos fatores índice de chuvas
e dinâmica eólica. A barreira a contribuição eólica
Quadro 2 - Matriz de sensibilidade biofísica litoral norte
INDICADORES/DANOS
Índice de
pluviosidade
Dinâmica
eólica
Barreira à
contribuição
Pisoteio e Remoção de
tráfego
vegetação
motorizado
dunar
sobre dunas
1B
1B
Área ocupada pelas dunas
3B
3A
-
Fonte de alimentação praia –duna
3B
3A
-
-
-
Distribuição vegetal sobre superfície dunar
2B
2C
1C
1B
3C
Estabilidade dunar
3B
3C
1C
2B
3C
Processos de acresção/erosão dunar
3B
1C
1C
1B
3C
Ameaças de degradação ao sistema dunar
2C
2C
1C
2B
3C
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
Conseqüências da deficiência isolada e vitalícia do hormônio do crescimento (GH)
constitui outro dano ambiental para o indicador fonte de alimentação praia-duna.
A remoção da vegetação dunar representa um
dano ambiental de maior sensibilidade biofísica no
que se refere ao indicador III (distribuição vegetal
sobre superfície dunar). A presença desse dano contribui para afetar a estabilidade dunar (indicador IV)
bem como interfere nos processos de acreção e erosão dunar e ameaças de degradação ao sistema dunar
(quinto e sexto indicadores).
4. LITORAL SUL
O trabalho de campo que teve como foco o Litoral Sul, praias do Saco e Abais foi realizado no mês
de dezembro, dia 03 de dezembro de 2004. Desenvolveu-se o mesmo procedimento de aplicação das
check lists dos campos anteriores (fase de diagnóstico). A visita anterior ao Litoral Sul ocorreu no mês
de abril dia 20, perfazendo assim cerca de oito meses de distância.
De maneira geral, no Litoral Sul (Praias do Saco e
Abais) o perfil das feições dunares é disposto primeiramente por zonas de dunas recentes situadas
nas proximidades da linha de costa, logo seguidas
por dunas semifixas, em porções interdunares delimitadas por superfícies alagadas e seqüenciadas por
depósitos mais interiores, os quais apresentam declives mais moderados além de composição
vegetacional de porte arbóreo e arbustivo.
Os campos dunares apresentam uma dinâmica
eficaz no processo migratório das areias, tal fator
explica a dimensão do alinhamento dunar.
No que se refere à contribuição eólica, existe na
região uma alimentação constante, principalmente
de sedimentos marinhos retrabalhados. Estes sedimentos são direcionados, sobretudo pelo esquema
de marés, para a zona emersa (praia). O vento continua o processo, este denominado de
turbilhonamento.
61
Neste trecho confirma-se o prolongamento de
dunas em zonas desnudas de vegetação onde a ação
do vento provoca o arraste das areias. Em
contrapartida, processos biofísicos de reconstituição
dunar são perceptíveis através do registro de pequenos montículos de areia que associados a vegetação
instalada no local possibilitam a contínua formação
de feições maiores. O vento, por efeitos dispersivos,
transporta as partículas microscópicas e as areias são
então adensadas quando de componentes herbáceos
ou arbustivos.
A vegetação exerce um papel regulador no processo de estabilidade dunar. Definida por espécies
de restinga, esta faixa visitada apresenta uma pouca
percentagem de cobertura vegetal impenetrável, principalmente em áreas de gerações de dunas mais antigas. Um dos maiores representantes da cobertura
vegetal desta área é o (Chrysobalanus icaco), mais
conhecido como o grageru.
A intensidade de habitação sobre os campos
dunares (casas de veraneio, hotéis, pousadas, estabelecimentos comerciais, infra-estrutura urbana, etc)
são os mecanismos que mais ameaçam a permanência das características biofísicas.
Todos esses mecanismos de ação antrópica comprometem os processos de recomposição dunar pela
intensidade de ocupação que dificulta a passagem
do aporte de sedimentos, fazendo com que o vento
perca sua competência e nesse sentido produza um
maior distanciamento entre as feições e a linha de
costa.
Outra forma de ocupação diz respeito aos cultivos agrícolas. Os coqueirais estão presentes em zonas interdunares e em porções mais interiores.
Os depósitos de lixos permanecem, em algumas
áreas situadas entre o campo dunar e a rodovia principal que margeia as seções de dunas.
Destacam-se também como grande ameaça aos
sistemas dunares instalações comerciais situadas à
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
62
Anízia C. de Assunção Oliveira; Rosemeri Melo e Souza
beira-mar. Na área mais visitada por banhistas presencia-se bares voltados para o turismo de lazer, porém com precárias instalações.
Devido às construções sobre a zona de dunas,
medidas de controle representadas por molhes de
contenção (pedregulhos) permanecem como tentativa de conter os avanços do mar uma vez que há por
conta das construções um bloqueio da alimentação
no sentido praia-duna traduzindo-se em zonas de
antedunas marcadas por evidentes sinais de degradação associada à utilização.
Das cinco seções observadas mais diferenças foram encontradas no conjunto de variáveis referente
à seção D (Pressão exercida por diversos utilizadores).
As ameaças de degradação representadas pelos atributos enumerados nas listas obtiveram resultados
qualitativos acima dos especificados no campo anterior.
No segundo campo nota-se um consenso por parte dos observadores quanto ao aumento da intensidade da extração comercial/ocasional.
Mesmo sendo uma região definida como área de
recuperação ambiental medidas de vigilância e controle ainda não são verificadas, uma vez que, principalmente nos setores de antedunas e dunas móveis
a ocupação é realizada de forma irregular.O constante desmonte de dunas para fins de ocupação, seja
por loteamentos ou estabelecimentos comerciais, e
a inexistência de fiscalização tanto municipal quanto estadual acarretam não só a desconfiguração dos
ambientes dunares como promove danos irremediáveis ao equilíbrio natural dos ecossistemas que deles dependem.
Comparando-se as análises quanto aos resultados
da aplicação das check lists nos dois momentos de
estudo, nota-se que não houve alterações significativas nos níveis de vulnerabilidade encontrados, apesar de existirem diferenças na caracterização (pontuação) de algumas variáveis pela intensificação ou
diminuição de alguns processos.
Os dados do primeiro campo detectaram no setor 1 - Praia do Saco/Litoral Sul um nível 1 de vulnerabilidade biofísica sendo 35.19% o percentual
encontrado na primeira avaliação e 39.19% na segunda.
Os processos de arrasamento das feições por afeito
de interferências antrópicas e mecanismos de proteção dunar não atuantes permanecem como fatores
condicionantes já que o nível de vulnerabilidade indica sinais de mudanças no conjunto do sistema; a
sensibilidade de baixa passa a se acentuar.
Já no setor 2 Praia do Abaís (dunas a 100 metros
da Orla) os dados de campo mostram que fatores
modificam mais intensamente a situação dos elementos biofísicos definidores das condições de equilíbrio dos sistemas dunares observados se comparados ao setor 1, porém não chegam a alterar o nível
médio geral de vulnerabilidade.
Os níveis médios de vulnerabilidade encontrados
neste setor na primeira fase e na segunda focalizam
um ambiente descaracterizado, onde já existe um
considerável nível degradação dos seus sistemas, os
graus encontrados referem-se ao nível 2 (53.86%) no
mês de abril e 52% no mês de dezembro.
Quanto ao sítio e morfologia dunar tal setor apresenta um campo dunar interrompido em que o processo de ocupação por casas de veraneio promove
uma descontinuidade das feições existentes. Tais
evidências comprometem tanto a área ocupada pelas dunas quanto a largura do alinhamento dunar.
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
Conseqüências da deficiência isolada e vitalícia do hormônio do crescimento (GH)
Nesse sentido é que a altura e largura do alinhamento dunar são insignificantes em face da constante retirada do aporte sedimentar realizada sem nenhuma fiscalização pra fins de ocupação por casas.
A pressão exercida pelos diversos utilizadores
pode ser presenciada pela alta densidade dos caminhos, pelo intenso acesso por estradas, pelo pisoteio
descontrolado sobre dunas, além da crescente especulação imobiliária.
As ações de proteção aos sistemas dunares não
são verificadas em virtude de inexistirem medidas
de ordenamento e controle do acesso às dunas.
O pisoteio descontrolado, a falta de vigilância e
manutenção, a deficiência da proteção legislativa são
exemplos de como tal setor apresenta-se comprometido frente às permanências das feições originárias.
Sendo assim, o indicador de ameaças de degradação ao sistema dunar comprova-se como o mais
expressivo para a caracterização do estado relativo
das dunas neste setor.
No setor 3 da Praia do Abais (Dunas interiores)
foram verificadas pequenas mudanças na avaliação
das variáveis.
A análise dos indicadores demonstra um nível 1
de vulnerabilidade encontrado no setor 3, uma vez
que, foi verificado 33.95% no primeiro campo e 35.49
% no segundo, o que confere um certo grau de sensibilidade que de baixa passa a se acentuar pelo
63
indicativo de sinais de mudanças no conjunto do sistema.
Construções como pousadas e armazéns, casas de
veraneio além ruas e estradas não asfaltadas demonstram a presença humana no local. Pela intensidade
de ocupação, tal infra-estrutura passa a funcionar
como mecanismo de pressão antrópica.
Essas instalações agem como barreira afetando a
própria dinâmica natural, uma vez que, comprometem a não colmatação das brechas situadas em pontos específicos de algumas dunas.
O desmonte de dunas, a queimada da vegetação
para a retirada das areias é realizado sem nenhuma
intervenção por parte das autoridades competentes.
Dessa forma, nota-se a necessidade de uma maior
vigilância e controle em virtude da crescente ocupação e pressão humana, sendo ineficaz o desenvolvimento de medidas de proteção recentes.
Entretanto, em meio aos agentes de degradação,
no setor 3, há a predominância de uma dinâmica
eólica em que a disposição das feições existentes
denota um campo dunar ativo com características
morfológicas importantes para a definição dos menores índices de vulnerabilidade encontrados nos três
segmentos de análise.
É considerado grande o número de cristas
ortogonais, sendo maior que 500 metros a área ocupada pelas dunas, também considerável é a largura
do alinhamento dunar.
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
64
Anízia C. de Assunção Oliveira; Rosemeri Melo e Souza
Foto 6 - Dunas de grande porte sendo degradadas.
A vegetação é primeiramente queimada para após
haver a remoção das areias.
Foto 7 - Mesma duna oito
meses depois. Notar o processo de
reconstituição dunar.
No setor 3 as dunas apresentam altura, em alguns
pontos, superior a 20 metros. As mais interiores apresentam maior altura, atingindo até 25 metros e já consolidadas, ou seja, resistentes à ação dos ventos mesmo
quando não apresentam cobertura vegetal permanente.
Tais variáveis caracterizam-se como as mais significantes
no que se refere ao sítio e morfologia dunar.
Dentre as variáveis que se destacam na caracterização das dunas tem-se a porcentagem da frente
dunar vegetada como a mais significante.
No tocante às características de praia a presença
de brechas a barlavento demonstra o quanto a competência dos ventos influencia na disposição dos
campos dunares fato que explica a constante migração de dunas móveis.
A presença de montículos expõe o processo de
retrabalhamento das areias.
O perfil biogeográfico está relacionado a tal indicador, já que neste setor,existem 2 a 3 níveis de
estratos vegetais. O caráter arbustivo e arbóreo é
predominante, sendo que em alguns pontos, percebe-se no topo da duna o avanço de gramíneas
sobre o cordão dunar. Muitos depósitos recentes
de areia colonizados por gramíneas foram verificados.
A comparação entre os níveis de vulnerabilidade
verificados nos três setores de estudo pode ser
visualizada no gráfico que se segue.
Gráfico 2. Demonstrativo da diferenciação entre os níveis de vulnerabilidade. 2003-2004
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
65
Conseqüências da deficiência isolada e vitalícia do hormônio do crescimento (GH)
O grau de vulnerabilidade geral obtido a partir do
somatório das médias dos valores percentuais relativos a cada setor do Litoral Sul também se assemelha
ao resultado do anterior, ou seja, os sistemas dunares
dos três setores da porção sul do estado expõem um
nível 2 de vulnerabilidade (42.22%), no campo anterior - 41% .
Para o Litoral Sul foi elaborada uma matriz referente aos três setores.
sedimentar. A interação entre o indicador referente
à fonte de alimentação praia-duna e o dano relacionado à presença de barreiras à contribuição eólica
(casas de veraneio) atingiram grau de sensibilidade
elevado demonstrando assim, alterações no padrão
de circulação eólica.
A estabilidade dunar (indicador 3) e ameaças de
degradação (indicador 4) correspondem a indicadores de maior sensibilidade biofísica. O primeiro é
Quadro 3 - Matriz de sensibilidade biofísica litoral sul
INDICADORES/DANOS
Regime de
chuvas
Barreira à Pisoteio e Remoção
Dinâmica
Turismo
eólica
de vegeta- desordenado
tráfego
contribuição
motorizado ção dunar
eólica
sobre dunas
Área ocupada pelas dunas
2B
2A
3C
3
3
3
Fonte de alimentação praia -duna
1B
1A
3C
-
-
-
Distribuição vegetal sobre superfície dunar
1B
1
3C
3
3
3
Estabilidade dunar
1B
1
2C
3
3
3
Processos de acresção/erosão dunar
1
1
3C
3
3
3
Ameaças de degradação ao sistema dunar
1
1
3
3
3
3
FONTES: Burel e Baudry, 2002. Adaptado e Modificado de Melo e Souza, 2003.
Graus de Sensibilidade: 1 - pequena; 2 - média; 3 – grande.
Freqüências de danos: A - constante; B - freqüente e C – eventual.
No Litoral Sul as análises oriundas das aplicações
das listas de controle elegem os indicadores de pressão como os responsáveis pela produção de um ambiente descaracterizado, onde já existe um considerável nível degradação dos seus sistemas de dunas.
Diferentemente das observações realizadas no
Litoral Norte, em que o período chuvoso traçou um
perfil de matriz marcado por indicadores relacionados a dinâmica costeira, no Litoral Sul os graus de
sensibilidade apontam para os danos condizentes
com os indicadores de pressão antrópica.
O desenvolvimento de feições dunares depende
do tipo de sedimento e da natureza do fornecimento
fortemente influenciado pelos seguintes danos: barreira a contribuição eólica, remoção da vegetação
dunar, turismo desordenado.
As ameaças de degradação ao sistema dunar (indicador VI) corresponde ao indicador de maior sensibilidade biofísica verificado neste estudo, sendo
fortemente influenciado pelos seguintes danos
ambientais: barreira á contribuição eólica, no caso
das dunas do Litoral Sul a inexistência de um campo dunar pleno dá-se a partir da barreira de casas
que impede a livre circulação dos sedimentos provenientes da linha de praia para alimentar o campo
de dunas situado mais internamente; tráfego motorizado sobre praia e dunas, e turismo desordenado.
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
66
Anízia C. de Assunção Oliveira; Rosemeri Melo e Souza
Quanto ao último dano ambiental citado (turismo desordenado), a infra-estrutura turística é considerada como um indicador que impõe limitações à
dinâmica natural dos ambientes dunares do Litoral
Sul de Sergipe, uma vez que, a intensificação das
atividades turísticas vem promovendo desmonte de
dunas móveis para loteamentos, residências secundárias e hotéis. O interesse pelo desenvolvimento do
turismo no Litoral de Sergipe parte principalmente
de empresas hoteleiras que visam o estabelecimento
grandes complexos de hotéis (resorts).
Em suma, as feições dunares do litoral sul
sergipano se posicionam sobre o limiar de resilência,
apresentando considerável nível de degradação das
geoformas.
5. LITORAL CENTRO
O método das listas de controle possibilitou avaliar as condições de vulnerabilidade biofísica dunar
em três setores delimitados para o Litoral Centro no
período de 2003.
escala 3 de vulnerabilidade (70.83%) enfatizando
assim uma sucessão de geoformas dunares bastante
arrasadas.
A infra-estrutura pertencente à Orla da Atalaia,
representadas pela freqüência e intensidade de atividades de uso antrópico, acarreta a inviabilidade
de processos naturais responsáveis pela
reconstituição das formas dunares degradadas. A situação torna-se mais delicada pela inexistência de
medidas gerais de vigilância e controle desses mecanismos de pressão socioeconômica.
O complexo Orla da Atalaia composto por bares,
restaurantes, áreas de eventos, praças, ciclovias, quadras de esportes, parques infantis, estacionamentos
etc é fruto de processos sucessivos de reurbanizações
gerados por políticas setoriais vinculadas as iniciativas do Estado em desenvolver essas regiões através
do estabelecimento de uma infra-estrutura turística,
em que a construção de orlas marítimas traduz-se
como componente principal.
Em 2003, o nível médio geral encontrado no Litoral Centro, por meio da aplicação das check lists, foi
de 47.12% - escala 2 de vulnerabilidade.
Dentre os efeitos negativos que tais infraestruturas
podem gerar tem-se como maior dano a impossibilidade de recomposição dos campos dunares em virtude da ausência de alimentação eólica pelas barreiras antrópicas neles localizados. No Litoral Centro
estes processos são perceptíveis em face da deficiência já existente no processo de acumulação de sedimentos transportados pelos de ventos, por mais
que se perceba uma dinâmica eólica satisfatória o
que vem repercutir no alinhamento dunar (distribuição sucessiva das feições desde antedunas a dunas
fixas) e que remontam a uma situação de degradação severa e generalizada com possibilidades de trazer conseqüências a longo prazo no perfil de praia
ao interferir no balanço de sedimentos provenientes
da fonte de alimentação praia-duna.
Dos três setores de estudo que compõem o Litoral Centro (Orla/Coroa do Meio, TECARMO-Terminal de Carmópolis, e Praia da Aruana) o segmento
referente à Orla obteve o maior índice de vulnerabilidade. O nível médio encontrado correspondeu a
Analisado as condições de vulnerabilidade em
cada setor de estudo parte-se para a produção de uma
síntese de relações positivas e negativas entre os fatores componentes da dinâmica da paisagem dunar
do Litoral Centro.
Para os períodos subsequentes do monitoramento (2004-2005), as análises realizadas no Litoral Centro deram-se a partir de observações realizadas em
todo o decorrer do período de monitoramento sem a
realização de trabalhos de campos especificamente
determinados, haja vista esta porção do campo dunar
localizar-se em Aracaju. De modo complementar às
observações diretas, procedeu-se à coleta e leitura
de notícias jornalísticas sobre os efeitos antrópicos
neste trecho da pesquisa.
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
Conseqüências da deficiência isolada e vitalícia do hormônio do crescimento (GH)
O diagrama abaixo expõe as condições de
desequilíbrio dos sistemas dunares pertencentes ao
Litoral Centro em que mecanismos evidentes de
antropização regulam a dinâmica biofísica dunar.
67
Recomenda-se medidas emergentes de proteção
visto a necessidade de um sistema de acompanhamento sistemático gerando assim melhor controle
ambiental associado a conservação e recuperação de
Quadro 2 - Relações dinâmicas no litoral centro
A seqüência de ligações marcada pelos fatores
barreiras antrópicas, alterações no padrão de alimentação eólica e estabilidade dunar expõe relações negativas, uma vez que, a interação entre tais mecanismos remonta a alterações na distribuição vegetal sobre a superfície das dunas, fator controlante na estabilização das areias provenientes da alimentação
praia-duna, acarretando assim deficiência nos processos de acresção/erosão dunar.
Quanto aos resultados globais da vulnerabilidade biofísica dunar encontrados a partir do monitoramento o fato de haver sinais de mudanças no conjunto do sistema nos setores de estudo do Litoral
Norte, expressivas condições de sensibilidade nos
segmentos referentes ao Litoral Sul e mecanismos
de degradação significativa nas porções do Litoral
Centro em tão curto período de acompanhamento
revela-se preocupante, uma vez que, tais alterações
expressam, de modo inequívoco, a necessidade de
certa restrição a uma maior utilização sobremaneira
de natureza antrópica visando deter os efeitos degradantes já em curso.
áreas dunares já degradadas com intuito de preservar os a riqueza natural do lugar.
6. CONSERVAÇÃO DOS AMBIENTES
DUNARES COSTEIROS DE SERGIPE
A procura de soluções alternativas para o desenvolvimento econômico com justiça social e racionalização do uso dos recursos naturais que atenue os impactos ambientais, é o caminho a ser perseguido pelas sociedades atuais e futuras (Roos, 2003, p 16-17).
A problemática da zona costeira, tendo em vista,
o grau ou a intensidade de mudanças nos processos
naturais gerados pelos crescentes mecanismos de
pressão humana recebeu atenção maior, nas últimas
décadas, por parte de vários órgãos responsáveis pela
implementação de estratégias de gestão ambiental.
O desenvolvimento de vários instrumentos representados por órgãos, programas, planos, projetos e
leis previstas na legislação em vigor propõem a exe-
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
68
Anízia C. de Assunção Oliveira; Rosemeri Melo e Souza
cução de ações mais articuladas entre as diversas
instâncias governamentais que permitam atuar na
preservação, conservação e reabilitação dos
ecossistemas litorâneos.
Conforme Melo e Souza (2003),
“no Brasil, a preocupação com a delimitação e a otimização do aproveitamento dos
recursos do mar, bem como do diagnóstico
das condições sócio-ambientais da faixa
litorânea data de pelo menos duas décadas passadas, tendo como marco a criação da CIRM (Comissão Interministerial
para os Recursos do Mar), através do Decreto nº 74.557/74, órgão de assessoria da
Presidência da República que já trabalhava na elaboração da Política Nacional para
os Recursos do Mar, provavelmente em resposta a avanços legislativos internacionais
da época, como o estabelecimento do mar
territorial de 200 milhas para o Brasil
(1970), alvo de discussões em fóruns internacionais”.
A Lei nº 7.661, promulgada a em 16 de maio de
1988, institui o Plano Nacional de Gerenciamento
Costeiro- PNGC, como parte integrante da Política
Nacional para os Recursos do Mar e da Política Nacional do Meio Ambiente, “visa orientar a utilização
racional dos recursos da Zona Costeira, de forma a
contribuir para elevar a qualidade de vida de sua população e a proteção de seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural” (Carvalho, 1994, p 17-18).
Como base legal fundamental do planejamento
ambiental da zona costeira do Brasil, o PNGC previa
três instrumentos de ação: a criação de um Sistema
Nacional de Informação do Gerenciamento Costeiro
(SIGERCO); a implementação de um programa de
zoneamento da zona costeira, executado de forma descentralizada pelos órgãos de meio ambiente estaduais
e municipais, coordenados pelo governo federal; a elaboração de planos de gestão e programas de monitoramento para atuação mais localizada em áreas críticas.
A mesma Lei que instituiu o PNGC fixa, no art.10,
que “praias são bens públicos de uso comum do povo,
assegurando o livre acesso a elas e ao mar e proibindo qualquer utilização ou urbanização que impeça
ou dificulte o acesso à praia” determina também que
os usos e atividades na Zona Costeira devem priorizar
a conservação e proteção das dunas.
Dunas costeiras são áreas de grande importância
ecológica, dotadas de beleza cênica que compõem a
diversidade de ambientes do litoral.
Enquadradas em categorias de manejo referente
ao Sistema de Unidade de Conservação a nível federal, são consideradas como áreas de preservação permanente.
Nesse sentido, “por ser uma área de preservação
permanente fica vedada qualquer forma de utilização e apropriação deste espaço, que deve ser preservado em sua integridade” (Cavedon e Diehl, 2000, p.
348).
O grau ou a intensidade de mudanças nos processos naturais em ambientes dunares pode ser detectado a partir de um diagnóstico local das condições de sustentabilidade das dunas sucedido por
monitoramento permanente como forma de acompanhamento dos fatores físicos, bióticos e antrópicos
intervenientes na dinâmica natural de tais
ecossistemas. O diagnóstico e o monitoramento
socioambientais atuam como procedimentos relevantes para o manejo adequado dos ecossistemas.
Um plano de monitoramento ambiental não é
necessariamente um sinônimo de levantamento das
condições ou características ambientais. Por definição, monitor é um aparelho, uma pessoa ou estrutura capaz de emitir alertas a respeito do mau funcionamento de sistemas como um todo de partes desses sistemas (Almeida e Tertuliano, 2002, p.161).
Em síntese, monitorar implica estudar ambientes
com a finalidade expressa de detectar alterações, ou
seja, identificar áreas vulneráveis que possam ser
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
Conseqüências da deficiência isolada e vitalícia do hormônio do crescimento (GH)
atribuídas a fontes degradantes e dar o alerta em caso
de impacto.
Considera-se impacto ambiental “qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma
de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota, as condições
estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade
dos recursos ambientais” (Conama, 001, 23/01/1986).
O processo de avaliação de impacto ambiental é
parte integrante da Política Nacional do Meio Ambiente e define-se como “um estudo destinado a identificar e interpretar - assim como prevenir -as conseqüências ambientais ou efeitos que determinados
projetos ou ações podem causar à saúde e ao bemestar do homem a ao entorno, ou seja, os ecossistemas
em que o homem vive e de que depende” (Bolea,
1984 apud Bastos e Almeida, 2002, p. 81).
A avaliação ambiental é composta por práticas de
diagnóstico ambiental que deve caracterizar as
potencialidades e vulnerabilidades da área de estudo.
Como bem argumentam Almeida e Tertuliano
(2002, p. 156-157).
“A avaliação da vulnerabilidade e sensibilidade é função da amplitude do intervalo de
limites de tolerância às variações dos fatores
abióticos e bióticos. Quanto mais próximo ela
estiver de um de seus limites, mais vulnerável será”. Sua utilização como indicadora de
condições ambientais e como instrumento de
avaliação para fim de gestão ambiental exige, entretanto, que seja avaliada do ponto
de vista do grau de detalhamento do nível de
conhecimento desejado, dos critérios utilizados para obtenção da informação necessária e sua hierarquização”.
69
O entendimento das verdadeiras dimensões do
problema ambiental é passo fundamental para o
desencadeamento de propostas associadas ao melhor
planejamento de práticas e instrumentos de gestão
integrada com políticas públicas que priorizem a
conservação do meio ambiente.
O planejamento ambiental deve considerar o
melhor ajustamento entre o aproveitamento dos recursos e as medidas de conservação das condições
ecológicas locais sem que se comprometa a
biodiversidade, o equilíbrio natural e a capacidade
de resiliência dos ecossistemas afetados, tendo em
vista que vigora é a pressão gerada pelas necessidades de consumo, e não a preocupação com a capacidade de suporte do ambiente pelos impactos da atividade transformadora, a qual define os objetivos do
planejamento territorial.
O Planejamento Territorial inscreve-se no contexto
dos processos definidores de marcos regulatórios
referentes à gestão do território. Implica a adoção,
de um lado, de estratégias de tomada de decisão pelos vários atores sociais imbricados na
(re)apropriação e ressiguificação das práticas sociais
de uso e ordenação dos recursos ambientais (Melo et
al, 2004, p 64).
Como percebemos o meio ambiente é uma questão que deve nortear nossa compreensão sobre a crise ambiental, uma vez que, as práticas humanas seguem padrões regulados pelo desenvolvimento econômico sem precedentes que atua desarticuladamente com as políticas de conservação.
As propostas de conservação do meio ambiente
devem então aglutinar formas de mudanças na relação homem-natureza, posto que, os bens ambientais
necessitam ser vistos de outra maneira, ou seja, de
uma ótica que não vislumbre apenas o consumo exacerbado dos chamados recursos e que priorize a
melhor qualidade de vida e da própria sobrevivência das espécies sobre o planeta.
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
70
Anízia C. de Assunção Oliveira; Rosemeri Melo e Souza
O presente trabalho baseado nos resultados do
diagnóstico e monitoramento socioambiental, envolvendo o acompanhamento e a análise integrada dos
condicionantes biofísicos e antrópicos, alertou para
a atual situação das dunas, posto que, as características encontradas notificaram um caráter de urgên-
cia na aplicação de medidas concretas apoiadas no
conhecimento ora disponível para a formulação de
estratégias específicas de gestão e conservação desses ambientes visando a concertação dos usos múltiplos pautada em um elenco de prioridades que levem em conta seu estado atual de vulnerabilidade.
Revista da Fapese, n. 2, p. 51-72, jul./dez. 2005
Conseqüências da deficiência isolada e vitalícia do hormônio do crescimento (GH)
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Revista da Fapese de Pesquisa e Extensão, v. 2, p. 73-88, jul./dez. 2005
73
A leitura de literatura infantil na alfabetização: o que
falam/fazem os professores sobre essa prática?
R e s u m o
Maria de Fátima Monteiro*
O
texto apresentado constitui-se uma síntese da dissertação
do mestrado intitulada “A Leitura de Literatura Infantil na
Alfabetização: o que falam/fazem os professores sobre essa
prática?”, realizada pelo Programa de Pós-graduação em Educação,
da Universidade Federal de Pernambuco/UFPE, sob orientação da
Profª Drª Eliana Borges Correia de Albuquerque, defendida em 15/
12/2004. A dissertação buscou analisar as práticas de leitura, desenvolvidas na alfabetização, mais especificamente no que diz respeito à literatura infantil. Participaram do estudo seis professoras
de alfabetização que trabalhavam em duas escolas da cidade de
Garanhuns/PE, com biblioteca, sendo uma da rede Estadual de ensino e outra da rede Municipal de ensino. Em cada uma das escolas
foram selecionadas professoras com formação nos seguintes níveis:
só magistério do 2º grau, graduação em pedagogia ou outra licenciatura e pós-graduação. No âmbito desse trabalho, o professor estaria sujeito a um conjunto de experiências de leitura que “influenciariam” as práticas de leitura efetivadas por ele junto a seus alunos.
Assim, na análise das entrevistas, contatou-se que as professoras
têm procurado desenvolver um trabalho de leitura de diferentes
textos, entre eles o livro de literatura infantil, os quais eram lidos,
principalmente, objetivando trabalhar algum conteúdo específico ou
manter os alunos calmos e disciplinados. Já nas observações, as professoras da escola Municipal liam, freqüentemente, os textos de livros
didáticos, enquanto da escola Estadual, por trabalharem a partir de
projetos, realizaram leituras de diferentes gêneros. Observou-se, ainda, que as experiências de formação das professoras estavam influenciando no desenvolvimento de suas práticas de ensino de leitura.
PALAVRA-CHAVE: Leitura, Literatura Infantil, Professor,
Escola.
74
Maria de Fátima Monteiro
N
esses últimos anos, temos observado que os textos de literatura infantil têm sido apreciados por
muitos estudiosos, na medida em que eles se integram no ensino escolar, como elemento imprescindível para a formação do leitor. No entanto, temos
conhecimento que um leitor só pode se constituir,
de fato, mediante uma prática constante de leitura
organizada em torno da diversidade de textos que
circulem socialmente. Assim, torna-se interessante
refletirmos sobre o modo como, atualmente, a escola vem difundindo as leituras de livros de literatura
infantil no desenvolvimento de um trabalho de alfabetização.
1. A ESCOLARIZAÇÃO DA LITERATURA
INFANTIL
Uma das considerações mais importantes que nos
leva a falar da leitura de literatura infantil está no
fato de ela guardar características próprias de sua
função, enquanto texto em que o leitor conduz a leitura de maneira própria, atualizando no tempo e no
espaço. Não se trata simplesmente de extrair informações da escrita, decodificando-a letra por letra,
palavra por palavra. Além disso, temos conhecimento
que a leitura realiza um trabalho ativo de construção
do significado do texto, a partir dos seus conhecimentos sobre o assunto, sobre o autor, enfim, sobre
tudo o que se sabe sobre a língua: características do
gênero, do sistema de escrita, se estão sendo utilizados livros, revistas ou jornais, etc. No entanto, alguns estudiosos têm questionado que o fato de os
textos infantis terem conseguido entrar no espaço
escolar, isso não significa, exatamente, que a escola
saberia que lugar eles deveriam ocupar, pelo menos
do ponto de vista do conhecimento e do significado
da obra literária. Desse modo, Soares (1999), ao falar
sobre a escolarização da literatura infantil destaca
dois caminhos que podem ser seguidos: O primeiro
diz respeito à “interpretação das relações entre literatura infantil e escolarização como sendo a produção de literatura para a escola, para a clientela escolar, a literatização do escolar” (p. 19-20). O outro caminho a que se refere Soares (1999) relaciona-se à
apropriação, pela escola, dos textos literários, destinados às crianças, ou de interesse delas, a fim de
atender aos seus propósitos. Nessa perspectiva, a literatura infantil, ao entrar na escola, passa por um
processo de escolarização, como acontece com os
conhecimentos e práticas sociais nela privilegiados.
O problema maior, segundo essa autora, não reside
nesse processo em si, mas em como ele tem sido realizado. Como afirmado por ela:
O que se pode é distinguir entre uma
escolarização adequada da literatura –
aquela que conduza mais eficazmente às
práticas de leitura que ocorrem no contexto social e às atitudes e valores que
correspondem ao ideal de leitor que se quer
formar - e uma escolarização inadequada, errônea, prejudicial da literatura aquela que antes afasta que aproxima de
práticas sociais de leitura, aquela que desenvolve resistência ou aversão à leitura
(SOARES, 1999, p. 25).
A inadequada escolarização da literatura infantil, referida por Soares perpassa por algumas instâncias que utilizam a literatura escolar como fins formadores e educativos. Dentro dessa situação, a autora chama a atenção, principalmente, para a presença de textos literários nos livros didáticos, fruto
de uma má pedagogização/didatização relacionada a
diferentes aspectos: ênfase na apresentação de apenas dois gêneros – a história e o poema –, limitando
as crianças do contato com outros textos narrativos
(biografia, diário, memórias, etc.); o trabalho é sugerido a partir da leitura dos textos – exercícios de ortografia e gramática – o que os transforma em “pretextos” para o ensino desses conteúdos; apresentação de textos fragmentados/mutilados e adaptados,
sem possuírem uma unidade de sentido; priorização
de autores e obras; e ausência das referências bibliográficas dos textos, etc. Assim, a escola, que é um
ambiente que deveria realizar leituras nas situações
de valorização do texto literário a partir do diálogo,
despertando na criança o prazer e as relações culturais, ou subjetivas, alinhadas ao texto escrito, não o
Revista da Fapese, n. 2, p. 73-88 jul./dez. 2005
A leitura de literatura infantil na alfabetização: o que falam/fazem os professores sobre essa prática?
tem feito. Ao contrário, o que se tem observado é a
realização de atividades organizadas com objetivos
específicos de aprendizagem. Por outro lado, todos
nós temos conhecimento da importância da leitura
de textos infantis enquanto prática social. Não falta
quem a recomende, não há professor que não saliente a sua importância e não há programa, atualmente,
que não a torne prioritária. Então, que motivos levariam o professor (ou a escola) a escolher um tipo de
leitura que reflete, muitas vezes, em uma leitura literária inadequada?
Um dos motivos pode estar no que Cafiero e Correia (2003) enfatizam sobre os textos que são chamados de literários, mas, que, muitas vezes, são produzidos somente com a intenção de ensinar determinado conteúdo, construindo o que se convencionou
chamar de para-didático. Uma outra questão é que,
normalmente, o livro literário não é procurado socialmente pelas escolas enquanto produto que é lançado nas livrarias para serem avaliados pelo consumidor; quanto ao seu valor literário; e sim, encomendados dentro dos moldes que veiculam os interesses
de algumas escolas ou de certas editoras. Além disso, reconhecemos que aparelhar a escola é algo que
requer condições favoráveis, não só dos recursos
materiais disponíveis – biblioteca, livros de diversos
gêneros à disposição dos alunos, inclusive para empréstimo – mas, e principalmente, em relação ao uso
que deles se faz nas práticas de leitura e no gostar da
leitura.
Diante de tais desafios que se colocam para a formação de leitores literários, Soares (1999, p. 42; 47)
defende, também, a possibilidade da descoberta de
uma escolarização adequada da literatura, que obedecesse, no momento da leitura, “a critérios que preservem o literário”; que propiciem ao leitor a
“vivência do literário, e não uma distorção ou uma
caricatura dele”. A autora – considerando que a relação da leitura literária no interior de um projeto de
formação de leitores, a partir dos repertórios de leitura dos mesmos em direção a um alargamento de
horizontes – defende a descoberta de uma
escolarização que “conduzisse eficazmente às práti-
75
cas de leitura literária que ocorrem no contexto social e às atitudes e valores próprios do ideal de leitor
que se quer formar”.Todas essas possibilidades de
construir uma escolarização adequada têm como
objetivo levar à autonomia dos leitores, a partir do
esclarecimento participativo na leitura com os professores, abrindo caminho para a valorização dos textos literários. Com isso, torna-se necessário repensar
a importância da leitura como sistema de ligação ao
livro encontrado na escola, na biblioteca, no acervo
em sala de aula, na livraria... É nesse momento, também, que se busca entender que possibilidades o
professor tem tido de leitura na sua formação de leitor, ou o que ele tem oferecido como formador de
leitores no processo de interação entre o texto infantil e a criança, em especial, na alfabetização.
2. ALGUNS ASPECTOS SOBRE A
FORMAÇÃO DO PROFESSOR-LEITOR
Pensar na formação do professor de educação infantil, enquanto leitor, é pensar que, se existem políticas de leitura necessárias para tal formação, o que tem
levado à criação de programas especiais de formação
docente, é porque o professor deve estar imbuído das
informações para trabalhar a formação do aluno-leitor. Nesse sentido, Santos (2003) adverte que o processo de formação de professores, no Brasil, tem se
agravado, acentuadamente, tendo em vista a permanência do modelo de formação predominante, como
as licenciaturas curtas e plenas, estruturadas a partir
da dicotomia preparação pedagógica/conhecimento
específico da disciplina, preparação para o ensino/preparação para a pesquisa. Além disso, a autora acrescenta que os cursos de formação de Magistério, de
Pedagogia, de Letras, por exemplo, em sua maioria,
deixam a desejar, porque discutem superficialmente
a problemática relacionada ao desenvolvimento infantil bem como o processo de aquisição da leitura e
da escrita, gerando lacunas e despreparo na formação
dos alfabetizadores. Por outro lado, quando se considera a formação do docente, sob o aspecto de cursos
para atualização na formação do professor, Aguiar
(1997) enfatiza que quando eles participam, alegam
Revista da Fapese, n. 2, p. 73-88 jul./dez. 2005
76
Maria de Fátima Monteiro
que os cursos têm pouca duração e não oferecem uma
ajuda concreta, sendo a contribuição mínima diante
de suas atividades na escola. Esse sentimento apontado pelos professores é identificado por Santos
(1999) como uma falta de articulação entre a teoria e
a prática, articulação essa indispensável para que
ocorra uma reflexão de suas práticas em sala de aula.
Nesse sentido, a autora defende que o modelo de formação em serviço não seja por práticas idealizadas
e, sim, por uma via que mantenha uma postura crítico-reflexiva, de forma contínua, tendo a prática como
eixo. Dessa maneira, que tipo de leitor é o professor?
Quais suas experiências de leitura? Como elas foram
constituídas?
Os estudiosos Batista (1998) e Rosa (2003) referem que os professores são, no geral, “leitores escolares”. Ou seja, são leitores que tiveram uma “má
escolarização”; que vivenciaram práticas de leitura
objetivando, apenas, a compreensão/resolução de
“atividades escolares”. Desse modo, eles tenderiam
a investir em suas leituras adquiridas escolarmente,
mesmo nas leituras não diretamente voltadas para a
escola ou para a prática docente. Albuquerque (2002)
analisando as experiências de leituras de um grupo
de professoras constatou que, durante a infância, elas
tinham lido basicamente textos de livros didáticos.
Também, com relação às suas leituras no momento
da pesquisa, elas liam, principalmente, o que estava
relacionado às suas práticas de ensino, embora, inicialmente, elas tenham reconhecido a importância
de estimular os alunos à leitura dos textos de literatura infantil, justificando, por outro lado, que nem
sempre isso era possível. Assim, por exemplo, os livros desse tipo de literatura eram lidos com o objetivo de se ensinar algum conteúdo específico. Dessa
maneira, Albuquerque refere que elas parecem incorporar o que está sendo prescrito nos discursos
acadêmicos e oficiais, sem se desvencilharem das
práticas que têm constituído seus trabalhos de ensino nessa área. Nesse aspecto, Zappone (2001) destaca que o saber acadêmico que o professor tem sobre
a leitura é de circulação restrita, uma vez que ele
chega até o docente de modo fragmentado, seja através de revistas educativas, como a Nova Escola, seja
através dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs,1998 ), que adotam maneiras para direcionar
a prática do professor em sala de aula.
Diante do exposto até então, faz-se necessário refletirmos sobre a seguinte questão: o discurso oficial
– dos PCNs, por exemplo – exigem que os professores desenvolvam, em seus alunos, o gosto e a competência para a leitura de diferentes gêneros, mas,
eles próprios, no entanto, em suas experiências escolares e extra-escolares, não se formaram-leitores
na perspectiva hoje enfatizada na academia e nos
textos oficiais. Assim, vem a questão: será que a leitura dos textos infantis em nossas escolas acontece
porque alunos e professores são usuários desses textos nos acervos escolares, havendo sua introdução
dentro de uma prática constituída pelo prazer de ler?
Ou ela é abordada de forma restrita e direcionada ao
cumprimento de tarefas do livro escolar?
Dessa forma, consideramos relevante entender
melhor o que as professoras falavam sobre suas práticas de leitura de literatura infantil e suas experiências prévias enquanto leitores, nas influências dessas leituras.
3. PRÁTICAS DE LEITURA NA
ALFABETIZAÇÃO
Realizamos este estudo investigando as práticas
de leitura desenvolvidas em turmas da alfabetização,
especificamente no que diz respeito à literatura infantil. A amostra foi composta por (06) seis professoras de (02) duas escolas das Redes Estadual e Municipal de Garanhuns-Pe. As duas escolas foram escolhidas por elas serem as únicas da rede pública
com biblioteca, além dos acervos de livros de literatura infantil (Quadro 1.).
Revista da Fapese, n. 2, p. 73-88 jul./dez. 2005
77
A leitura de literatura infantil na alfabetização: o que falam/fazem os professores sobre essa prática?
Quadro 1 - Dados gerais das Escolas
Escolas
Municipal
Estadual
Modalidade Nº total
Nº de alunos
de Ensino de Alunos na Alfabetização
Nº de salas
p/ turma na
Alfabetização
Biblioteca
Nº de Livros
de Literatura
Infantil
Sala de
Leitura
E. Infantil e
Fundamental
1.917
75
03
01
300
01
E. Infantil e
Fundamental
450
168
06
01
150
01
Foram selecionadas (03) três professoras de cada
escola, cada uma possuindo um nível de formação:
magistério do 2º grau, graduação em pedagogia ou
outra licenciatura e pós-graduação, em nível de especialização (Quadro 2).
Para buscarmos os dados, utilizamos como instrumento de coleta, a entrevista semi-estruturada e a
observação. Os dados da pesquisa foram coletados
no período de agosto a dezembro de 2003. Sendo
quarenta e oito horas de observação por sala de aula
e doze horas de entrevista semi-estruturada por professora. O estudo ocorreu dentro de um olhar qualitativo admitindo a experiência subjetiva do investigador e dos participantes, para construção de uma
leitura de acontecimentos que se passaram num determinado momento, dentro do contexto escolar. O
contexto extra-escolar também foi contemplado, a
partir da rememorização dos sujeitos, sobre suas ex-
periências de leitura e de ensino de leitura. Na entrevista procuramos investigar as seguintes questões:
O que se lia na sala de aula? Havia leitura de textos
de literatura infantil? Como eram lidos? Pra quê?
Procuramos saber sobre suas práticas de leitura em
torno do livro didático, dos livros de literatura infantil, e a disponibilidade desses livros para leitura
dentro e fora da sala de aula. Dessa forma quando
indagamos a respeito de suas práticas de ensino da
leitura, cinco das seis professoras entrevistadas mencionaram que liam diferentes textos: Poesia, literatura infantil, música , parlenda, lista de compra, jornais... Como pode ser observado, as professoras têm
procurado oferecer aos alunos os mais variados gêneros de textos, possibilitando que eles se familiarizem com os diferentes tipos de discurso. Uma professora destacou, também, o trabalho com a diversidade textual contemplado no uso do livro didático,
que contém diferentes gêneros:
Quadro 2 - Dados gerais dos professores
Formação
Alzira
Magistério
Escola Municipal
Berenice
Catarina
Grad. geografia Grad. biologia/
Pós-graduação
gestão/escolar
Dália
Magistério
Escola Estadual
Elvira
Francisca
Grad. História Grad.Pedagogia/
Geografia Pósgrad. geografia
Idade
36 anos
52 anos
30 anos
47 anos
42 anos
36 anos
Tempo de
Magistério
18 anos
32 anos
10 anos
15 anos
15 anos
13 anos
Tempo de
Ensino na
Alfabetização
3 anos
4 anos
1 ano
2 anos
10 anos
3 anos
Revista da Fapese, n. 2, p. 73-88 jul./dez. 2005
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Maria de Fátima Monteiro
“A cartilha traz textos que são muito interessantes, assim, trabalha parlenda, adivinhações, que vai [sic] também trabalhando o lógico, né?” (FRANCISCA).
Uma professora da escola municipal ressaltou a
importância da literatura infantil no ensino da leitura, a partir do interesse das crianças pelos textos de
literatura infantil:
Essa experiência de leitura de diferentes textos é
associada, principalmente, à possibilidade de expansão
do conhecimento e de aprendizagem. Assim, três professoras destacaram o enriquecimento e a aprendizagem a partir das leituras que realizam em sala de aula:
“Eu, sem saber da importância da literatura infantil no ensino da leitura, na educação infantil, já fazia isso” (BERENICE).
“Porque é através da leitura que a gente
conhece o mundo, que a gente aprende”.
(ALZIRA).
“A leitura é uma forma de repassar as histórias; Nós estamos, agora, com um novo
projeto de deixar as crianças letradas, né?
Então, isso incentiva, através da leitura,
porque ela vai lendo todo tipo de leitura e
ela vai se enriquecendo” (DÁLIA).
“E ler todos os dias, porque eles lendo vão
aprender palavras diferentes, palavras novas, que vai [sic] ajudá-los, né?” (ELVIRA).
A leitura de diferentes textos também foi realizada, principalmente, para atender aos propósitos da
escola, em cumprimento de sua programação de ensino. Uma professora da escola municipal mencionou, entre os textos lidos para esse fim, o uso de
textos cartilhados e de palavras soltas:
“Eu leio poesias, poemas; leio histórias infantis, textos com palavras soltas,
assilabação” (BERENICE).
Apenas uma professora não mencionou, explicitamente, a leitura de diferentes gêneros. Ela citou a
leitura de histórias e de textos relacionados com as
datas comemorativas:
“Eu leio história, assim, e gravo a fita. Leio,
também, assim, datas comemorativas, né?”
(CATARINA).
É interessante observar nos depoimentos acima
citados que, dentre os textos mencionados pelas professoras, os de literatura infantil se fizeram presentes, como as histórias, as fábulas, os contos de fada,
etc. Parece haver uma preocupação, por parte das
professoras, quanto à leitura de textos atrativos para
seus alunos, considerando a faixa etária deles. Uma
professora da escola estadual, por exemplo, destacou não só a preferência das crianças pelas histórias
infantis como também pelas músicas infantis:
“Todo tipo de leitura é importante, mas, o
[sic] que eles mais se prendem, realmente,
é a música infantil e as histórias infantis”
(DÁLIA).
3.1 Literatura Infantil: o que era lido
As seis entrevistadas destacaram as preferências das
crianças pelos contos clássicos e que, por isso, eram
priorizados por elas. É possível que o fato de todas as
professoras, ao serem solicitadas a listar os textos de
literatura infantil que liam para os alunos, terem mencionado contos clássicos se dê não só por serem estes
os da preferência dos alunos, mas, também, porque eles
lhes eram conhecidos e familiares. Outra preferência
das professoras era pelos textos curtos por possibilitarem um trabalho com a leitura e escrita de palavras, ou
do próprio texto, atividades relacionadas à apropriação do sistema de escrita alfabética:
“Eu trabalho uma história, assim, que eles
gostam, né? Texto pequeno, né? Aí, dali, a
gente pode ver os personagens, eles vão
identificando as letras...” (ELVIRA).
Revista da Fapese, n. 2, p. 73-88 jul./dez. 2005
A leitura de literatura infantil na alfabetização: o que falam/fazem os professores sobre essa prática?
3.2 As Atividades de leitura de literatura infantil
As atividades desenvolvidas pelas professoras
após a leitura de livros de literatura infantil foram
agrupadas em três blocos:
1. Professoras que realizam atividades de leitura
e interpretação com questões orais e
dramatização: Alzira e Berenice, ambas da escola municipal.
2. Professoras que realizam atividades de leitura
e interpretação a partir de desenho e aproveitam o texto para trabalharem algumas palavras:
Catarina e Francisca.
3. Professoras que realizam atividades de leitura
do texto, seguida do reconto oral e escrito do
aluno: Dália e Elvira, ambas da escola estadual.
Pelo fato de a criança não estar alfabetizada, algumas professoras sentem a necessidade de contar a
história modificando algumas palavras que elas julgam difíceis para as crianças compreenderem, como
se a leitura do texto, na forma como ele está escrito,
fosse incompreensível ou de difícil concentração para
as crianças.
“Eu conto histórias, sem ser da leitura,
porque eu acho que contando história eles
se desenvolvem mais na aprendizagem, na
escrita. Contar histórias fica melhor para
fazer a dramatização e, dramatizando, dá
mais vida, mais ânimo e a leitura, não”
(CATARINA).
“Têm as historinhas que eles gostam muito só que elas são muito longas. Por conta
disso, eu sempre leio antes e, depois, procuro contar a história... porque aí eles vão,
né? Eu vou lendo a história, só que eles
não percebem que eu já vou conduzindo
pra que eles não percam, assim”
(FRANCISCA).
79
3.3 Para que ler livros de literatura infantil na sala
de aula?
Para a maioria das professoras da escola municipal essa atividade era importante para manter os alunos atentos, calmos e disciplinados:
“… Principalmente na questão de comportamento. Muitas vezes, quando chegam na
escola, chegam muito revoltados, muito
agressivos...”(ALZIRA).
“ Eles ficam mais atentos ao texto, ficam
mais silenciosos, eles prestam mais atenção”. (CATARINA).
As três professoras da escola estadual relacionaram a leitura de textos de literatura infantil ao ensino/aprendizagem de conhecimentos relacionados a
alguma disciplina curricular, como Ciências ou Língua Portuguesa:
“Pode trabalhar ciências, trabalhar a gramática, quer dizer, ela é muito rica e, ao
mesmo tempo, tá no texto e o interessante
é que eles gostem.” (DÁLIA).
“... Partindo de uma história, de um texto,
de uma frase, à parte da gramática ela é
tirada do texto” (FRANCISCA).
“Geralmente eu leio e vou mostrando, né, as
figuras, mostrando, também, onde estou lendo. E ler todos os dias porque, eles lendo,
vão aprender palavras diferentes, palavras
novas, que vai [sic] ajudá-los, né” (ELVIRA).
Como a leitura na escola acontece em vários momentos, três professoras destacaram a importância
do professor ler para que o aluno desenvolva o gosto/prazer pela leitura:
“Quando o aluno, ele sente que o professor gosta de ler, ele vai ter, também, esse
gosto” (ELVIRA).
Revista da Fapese, n. 2, p. 73-88 jul./dez. 2005
80
Maria de Fátima Monteiro
“É necessário, em primeiro lugar, que o
professor leia. Certo? Goste de ler. Sinta esse
prazer. Porque nós somos o espelho pra
criança, né?” (ALZIRA).
“Ele (o professor) que está formando, ele
tem que ler muito; ele tem que interagir com
o próximo.” (FRANCISCA).
Mas, a falta de tempo e a precariedade de recurso
financeiro foram utilizadas por algumas professoras
para justificar a não leitura na escola. No entanto, é
importante destacar que as duas escolas onde as professoras trabalham possuem biblioteca, com um razoável acervo de livros de literatura infantil.
3.4 O uso da biblioteca
Identificamos na fala das professoras que a biblioteca não estava desempenhando uma das principais funções que motivou a sua criação, qual seja, a
de viabilizar o acesso de alunos e professores a diversos tipos de leituras.
4. EXPERIÊNCIAS DE LEITURA DAS
PROFESSORAS
Uma das maneiras utilizadas, na entrevista, para
apreendermos as experiências de leitura das professoras, foi a retomada das primeiras convivências de
leitura, desde o que elas leram na infância até as suas
leituras atuais e de formação, tanto no espaço escolar como fora dele. Dessa forma, solicitamos as professoras que lembrassem quem, na convivência diária, as motivaram à leitura, uma vez que a participação nessas situações envolve e desperta a vontade
de ler, também. Nesse sentido, algumas professoras
lembraram de experiências de leitura, na infância,
nas seguintes situações:
· Experiência de ouvir outro lendo (da família e
fora da família):
Das seis professoras, apenas uma da escola municipal (Catarina) não teve oportunidade de ouvir
leituras na infância. Nessa escola, duas professoras
(Alzira e Berenice) mencionaram convivência inicial de leitura fora do ambiente familiar.
· Experiências de ouvir histórias contadas:
“Sempre eu trabalho com eles na sala de
aula. Pra mim é bem melhor, porque eles
são bem pequenos. E, pra mim, é mais prático trabalhar na sala de aula com eles”
(ALZIRA).
As professoras Catarina e Dália lembraram que
ouviam mais histórias contadas por adultos, do que
propriamente lidas:
“Verdadeiramente, eu tenho utilizado pouco, porque eu faço mais uso da sala de
aula” (FRANCISCA).
“Minha mãe me contava as historinhas.
Ela inventava as histórias mais do que lia”
(CATARINA).
Desse modo, a biblioteca não se tem constituído,
para os alunos, como um local apropriado, onde se
desfruta das variedades do que se quer ler. Com relação ao empréstimo de livros para ler em casa, as crianças não levavam porque não tinham o hábito de
freqüentar a biblioteca ou porque as professoras temiam que danificassem os livros. A falta de recursos
materiais/físicos na sala de aula, para formação de
um cantinho de leitura, também foi mencionada por
todas as professoras
“Minha irmã mais velha já era professora
e contava histórias para mim” (DÁLIA).
· Experiências de realizar sua própria Leitura:
Para quatro professoras, os textos infantis se fizeram presentes nas lembranças de realização de
suas próprias leituras. Apenas as professoras
Catarina e Francisca não falaram de tais lembranças de leitura
Revista da Fapese, n. 2, p. 73-88 jul./dez. 2005
A leitura de literatura infantil na alfabetização: o que falam/fazem os professores sobre essa prática?
· Experiências de leitura fora da escola:
As lembranças de leitura de textos literários ou
revistas, fora do ambiente escolar, na infância e na
adolescência, também foram mencionadas pelas quatro professoras. Francisca apenas desfrutou de leituras do livro didático e Catarina por ter tido mais contato com a oralidade, no ambiente familiar, não mencionou lembranças de leitura fora da escola.
· Experiências de leitura no espaço escolar:
Um outro elemento importante para a formação
do leitor é a prática de leitura que pode ser vivenciada
na escola, por ser ela um espaço que deve socializar
o conhecimento e que assegura, enquanto instituição de ensino, o aprendizado da leitura. Assim, poderemos destacar, analisando as falas das professoras, que a escola, que deveria ser um dos principais
pontos de contato de lembranças de leitura, mediado pelo professor, deixou lacunas na infância e na
adolescência, para a maioria das professoras da escola Municipal em relação às professoras da escola
Estadual, que mencionaram lembranças de livros
didáticos ou leitura de textos literários ou didáticos.
A partir dos textos literários, destacamos a professora Elvira como a única que referiu lembranças de
leitura desses textos, na infância e na adolescência,
dentro e fora do espaço escolar.
“Eu li muito na escola esses livros que a
gente conhece hoje, os livros de literatura
infantil, como a Branca de Neve e outros.
Foi na escola que eu tive o gosto pela leitura” (ELVIRA).
· Experiências de Leituras na formação inicial
(Magistério ou outros cursos)
Cinco professoras lembraram de suas leituras em
sua formação inicial. Dessas, apenas duas professoras da escola estadual fizeram comentários sobre suas
leituras:
81
“Eu li o Montessori, inclusive, eu tenho ele.
Às vezes, até eu pego, assim... Porque é o
construtivismo, na visão européia. Mas, é
o construtivismo” (DÁLIA).
“A minha preferência foi Paulo Freire, muito
marcante para mim. Também Emília Ferreiro,
Werneck. Coisas que fazem com que o educadorvápensandonasuapostura”(FRANCISCA).
· Leituras atuais das professoras
Para investigarmos as leituras atuais das professoras, indagamos, inicialmente, se elas gostavam de
ler e que leituras elas estariam fazendo atualmente.
Dessa maneira, percebemos diferenciação em relação à finalidade e ao caráter de suas escolhas de leitura, que aconteceram dentro dos diversos contextos em que cada uma privilegiou. Assim, percebemos, com as falas das seis professoras, que houve
um consenso em gostar de ler dentro dos diversos
contextos em que privilegiaram ou puderam privilegiar suas leituras. Entendemos que as leituras atuais
das professoras Alzira, Berenice e Francisca, em relação as outras professoras, têm sido alvo de preenchimento do cumprimento escolar, voltadas para a
formação acadêmica ou para o ensino dos seus alunos. Já a carga horária não disponível para as leituras, como também a participação do ensino em outras turmas, criou um obstáculo entre o trabalho e o
prazer das leituras atuais para a professora Francisca.
Com isso, podemos pensar que a existência de livros
disponíveis e de fácil acesso não garante, por si só, e
necessariamente, o surgimento da leitura enquanto
experiência de prazer e de conhecimento, quando o
professor não dispõe de seus momentos de leitura,
distanciados das obrigações do trabalho escolar. Por
outro lado, em outros momentos da vida desses professores, podem ter recebido incentivos de leituras
voltados para a sua formação, numa perspectiva de
despertar novos leitores. Dessa maneira, poderemos
identificar, por exemplo, quais foram às leituras realizadas nos seus respectivos cursos ou capacitações.
Revista da Fapese, n. 2, p. 73-88 jul./dez. 2005
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Maria de Fátima Monteiro
· Leituras voltadas para a formação de leitor na
Educação Infantil
Nesse momento da entrevista, indagamos às professoras que leituras elas têm realizado para a formação de leitor na educação infantil, uma vez que as
políticas de leitura apresentam programas especiais
de formação docente para a formação do aluno-leitor. Assim, de acordo com as respostas, agrupamos
as professoras com os textos dos programas que foram lidos ou não:
·
Professoras que leram textos do PCN e livros
do PNBE: Alzira e Berenice;
·
Professoras que leram textos do PROFA: Dália
e Elvira;
·
Professoras que não leram nenhum desses textos: Catarina e Francisca.
Em relação aos textos dos Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCNs, a professora Berenice destaca a
sua importância, da seguinte maneira:
“Eu fiz um curso (apresentação dos PCNs)
maravilhoso para educação infantil [...].
Mas, o que mais gostei foi quando eles falaram para colocar parlenda e motivar a
criança a contar histórias, coisa que eu já
trabalhava. A gente recebeu os PCNs e, geralmente, eu dou uma olhada neles”
(BERENICE).
Percebemos, na fala da professora Berenice, que,
em sua leitura, não houve esclarecimento sobre a
importância da leitura de textos literários na formação de leitores ou, então, ela não se apropriou do
texto, como aconteceu com a professora Alzira, que
refere a importância de despertar os alunos para a
leitura:
“Nós tivemos capacitação (apresentação
dos PCNs) que abrange todos os setores
voltados à leitura... A importância de se ler,
a importância de fazer com que o aluno se
desperte para uma nova realidade... Nós,
também, recebemos os Parâmetros
Curriculares” (ALZIRA).
Já os textos do Programa Biblioteca na Escola –
PNBE, que foram lidos pelas professoras Alzira e
Berenice, não foram suficientes para a construção
do acervo de livros na sala de aula:
“... Então, você tem a capacitação, mas
quando você volta para a sala de aula, existe aquela dificuldade que você tem que
enfrentar... Para fazer um acervo com esses livros, fica quase que impossível, porque você faz e no outro dia você chega e
não existe mais. Isso prejudica o aluno e
atrapalha a aprendizagem, porque, com
certeza, no outro dia você não encontra
mais os livros” (ALZIRA).
Esse sentimento, apontado na fala da professora
Alzira, reflete a falta de articulação entre a teoria e a
prática, quando ocorrem as formações em serviços a
partir de práticas e concepções que se chocam com a
realidade da escola. Essa situação vai de encontro ao
sentido da reflexão na ação referida por Santos (1999).
Por outro lado, a professora Berenice, que é da mesma escola de Alzira, não demonstrou dificuldade em
montar o acervo de livros em sala de aula, muito
embora, durante as observações realizadas em sua
sala de aula, não tenham sido encontrados livros à
disposição das crianças, e sim, dentro do armário.
“Eu recebi alguns livros de literatura infantil para montar o acervo, mas, antes,
eu já tinha alguma coisa, e, aí, eu montei
o acervo na sala de aula. Eu prefiro trabalhar com acervo da sala de aula, em vez
da biblioteca, porque as crianças não ficam muito quietas e eu não posso falar
muito” (BERENICE).
Duas professoras da escola estadual enfatizaram
leituras de textos do Programa de Alfabetização –
Revista da Fapese, n. 2, p. 73-88 jul./dez. 2005
A leitura de literatura infantil na alfabetização: o que falam/fazem os professores sobre essa prática?
PROFA e demonstraram em suas falas como contribuir com a formação do leitor, no sentido de preparar e despertar a criança para a leitura. Assim, a professora Dália chama a atenção para o significado da
alfabetização e das tarefas escritas que, muitas vezes, as crianças desenvolvem sem leituras:
“[...] porque a pessoa alfabetizada, não é
só a pessoa saber ler. É a pessoa ter conhecimento... O PROFA prepara a gente a despertar à leitura, porque é o seguinte: a gente
só escreve o que lê, né? O que a gente escreve sem ler tá copiando, né?” (DÁLIA).
A professora Elvira comenta a importância das crianças lerem o texto que elas gostem, a importância da
professora ler com eles literatura, de irem à biblioteca
e de levarem livros para serem lidos em casa:
“Nós fizemos um curso todo voltado para a
leitura. Foi o PROFA. Esse curso foi de dois
anos, para resgatar a leitura dos meninos.
Querer ler mais, voltar a ler, ler com os meninos. Outra leitura foi para que o professor sempre levar o aluno para biblioteca.
Trabalhar com ele literatura, trabalhar com
ele textos que eles gostassem; que eles levassem para casa os livros.” (ELVIRA).
Nas falas das professoras da escola estadual, as
suas leituras de textos, para processo de alfabetização, tiveram uma relação de esclarecimento sobre o
papel do professor-leitor na formação do aluno-leitor. Porém, tivemos conhecimento que, quando se
trata da questão em que as crianças possam levar os
livros para lerem em casa, a professora Elvira refere
que só emprestaria a partir de uma mini-biblioteca
em sala de aula, com receio de os livros da biblioteca
da escola desaparecerem. Por outro lado, percebemos que essa mesma professora resgata o texto lite-
83
rário em diversos momentos de sua fala, com seus
alunos, nas diversas situações de aplicação prática
de leitura, existindo uma relação de experiências
desses textos com suas lembranças de leitura na infância e na adolescência.
Outras professoras, como Catarina e Francisca,
não lembraram ou não participaram de leituras que
fossem voltadas para a formação de leitor na educação infantil nem para a organização de livros para a
montagem do acervo em sala de aula. A professora
Francisca, que não participou de nenhum desses
cursos ou textos voltados para a leitura em sua formação, demonstrou insatisfação com o curso de pedagogia, por não trabalhar outros textos que envolvessem, por exemplo, a literatura.
“Eu não tenho participado de cursos voltados para leitura, na minha formação. Eu
terminei meu curso de pedagogia no ano
passado, mas o que me frustrou um pouco
no curso de pedagogia, foi isso: nós trabalhamos muito a formação do educador, que
foi muito importante, mas, essa questão de
criatividade, de trabalhar a literatura, a
recreação infantil… que é uma disciplina
que foi extinta da grade; disciplinas que
iriam lidar com a criança”(FRANCISCA).
5. PRÁTICAS DE LEITURA NA
ALFABETIZAÇÃO
Para termos uma compreensão melhor sobre as
falas das professoras no que diz respeito às suas
práticas de leitura de literatura infantil, nos propusemos a observar dois dias de aula de cada professora, buscando responder às seguintes questões: O
que era lido? Para que se fazia leitura? Como se fazia a leitura?
Revista da Fapese, n. 2, p. 73-88 jul./dez. 2005
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· Para que se fazia leitura?
· O que era lido?
As professoras da escola municipal realizavam atividades de leitura com o objetivo principal de ensinar a
leitura e a escrita aos alunos, com ênfase na
decodificação e codificação (no caso da professora
Catarina), no aprendizado de conteúdos ortográficos e
gramaticais e na avaliação da habilidade de compreensão de texto (no caso das outras duas professoras). Já as
professoras da escola estadual realizavam um trabalho
mais contextualizado. As atividades de leitura envolviam uma ampliação dos conhecimentos que as crianças
tinham sobre a temática do Projeto e do Natal (no caso
da professora Elvira). As professoras dessa escola buscavam, também, analisar a compreensão das crianças
sobre o texto lido (as músicas sobre Garanhuns, na prática de Dália e Francisca, e a história do Natal, na prática de Elvira). Todas realizavam atividades de exploração do sistema de escrita, a partir do texto.
A partir da análise dos Quadros, o gênero mais
lido pelas cinco professoras foi a música. Apenas uma
professora, Catarina, não fez atividade envolvendo
esse texto. Ao contrário, nos dois dias de observação
houve, em sua sala de aula, apenas a leitura de um
texto cartilhado. Em relação às músicas lidas em sala
de aula, é interessante destacar que duas professoras
da escola estadual – Dália e Francisca – leram e cantaram músicas relacionadas ao projeto que estavam desenvolvendo sobre a cidade de Garanhuns. A primeira trabalhou com uma música de Luiz Gonzaga – Onde
o Nordeste Garoa – que fala sobre a cidade de
Garanhuns, e a outra realizou uma atividade com o
Hino dessa cidade. Já a professora Elvira cantou e leu
uma música natalina. Assim, na escola estadual as
músicas lidas e cantadas nas aulas, como também a
entrevista, o jogo de dominó e a lista, se relacionavam
com o projeto didático que estavam vivenciando ou
com as festas correspondentes ao período das observações, que no caso foi o Natal. Já as músicas trabalhadas nas salas das professoras da escola municipal
- Alzira e Berenice - corresponderam a uma música
de Vinícius de Morais (Lar doce lar, da Arca de Noé) e
uma música religiosa, inventada pela própria docente. Na prática de três das docentes observamos leituras de histórias. A professora Elvira leu um livrinho
que contava uma história natalina (“Era Belíssima”...
Diálogo com as crianças sobre Maria, de Chiara
Lubich). As outras duas professoras – Alzira e Berenice
– leram a história “Medo do Escuro”, do livro didático
“Eu chego lá” de Melo e BarausKas (PNLD/2002).
· Como se fazia a leitura?
A) Leitura coletiva entre professores e alunos, com
o texto escrito (ou anexado) no quadro ( Alzira,
Dália, Elvira, Francisca);
B) Leitura oral do texto pela professora, sem que
os alunos tivessem acesso ao texto escrito, o
que possibilitaria que acompanhassem a leitura da professora (Alzira, Berenice, Elvira);
C) Leitura oral, pela professora, do texto escrito
no quadro (Catarina);
Quadro 3 - O que era lido
Músicas
Histórias Livros de literatura
Histórias do LD
Texto cartilhado
Entrevista: Questões sobre Garanhuns
Jogo de dominó
Lista
Alzira
Berenice
X
X
X
X
Catarina
Dália
Elvira
Francisca
X
X
X
X
X
X
X
X
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A leitura de literatura infantil na alfabetização: o que falam/fazem os professores sobre essa prática?
D) Leitura realizada, oralmente, tanto pela professora quanto pelos alunos, que tentavam ler,
sozinhos, seguindo pistas (Dália, Elvira,
Francisca).
A modalidade de leitura parece ter relação com o
gênero lido. Assim, das cinco professoras que trabalharam com música, quatro realizaram uma leitura
coletiva, onde a professora e os alunos cantavam, ao
mesmo tempo em que liam a música escrita no quadro. A única exceção foi na leitura da música, na
sala de Berenice, cuja modalidade foi a C (ela leu e
os alunos acompanharam-na, através do texto escrito no quadro). Provavelmente isso ocorreu devido
ao fato de os alunos não conhecerem essa música
que, segundo a docente, é de sua autoria. Nas outras
salas, as músicas lidas eram familiares aos alunos
(música infantil de Vinícius de Morais, o hino de
Garanhuns e uma música de Luiz Gonzaga sobre
Garanhuns, muito tocada na cidade). Em relação à
leitura de história, seja do livro didático ou de um
livro de literatura infantil, observamos o desenvolvimento de uma mesma modalidade de leitura: a
professora lendo para os alunos. É importante destacar que, nos últimos anos, os livros didáticos vêm
sofrendo mudanças e estão contemplando uma diversidade textual que inclui textos de literatura infantil, devido ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). A prática de leitura desenvolvida na
sala da professora Catarina envolveu, apenas, um
texto (cartilhado) e a modalidade C. Nesse caso, a
professora, primeiramente, escreveu o texto no quadro e solicitou que os alunos copiassem-no. Depois
ela leu o texto, oralmente, palavra por palavra, e
destacou a família silábica que iria ser trabalhada
(a do VA-VE-VI-VO-VU). A modalidade de leitura D
se fez presente, apenas, nas práticas das professoras da escola estadual. É interessante que nessa
modalidade os professores estimulavam os alunos
a lerem sozinhos, fazendo com que eles utilizassem os conhecimentos que já haviam desenvolvido
sobre o sistema de escrita alfabético Analisando as
modalidades de leitura presentes na prática de cada
professora, observamos que quatro delas realizavam,
pelo menos, duas modalidades, enquanto uma de-
85
las, a professora Catarina, realizou, apenas, a modalidade C, e, uma outra, a professora Elvira, desenvolveu três modalidades diferentes, relacionadas aos gêneros lidos.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para concluirmos o presente trabalho, gostaríamos de levantar alguns pontos relacionados com as
práticas de ensino de leitura das professoras
investigadas com alguns aspectos por nós
enfatizados. Um primeiro ponto, que consideramos
ser importante destacar, diz respeito ao resultado
geral da pesquisa, onde constatamos, que embora as
professoras tenham falado, na entrevista, que liam
diferentes gêneros na sala de aula, percebemos que
o gênero mais lido foi à música. Também destacamos, tanto na análise das entrevistas como das observações de aulas das professoras, que, em suas práticas de alfabetização, o desenvolvimento de atividades de leitura de livros de literatura infantil, pelos
alunos, a partir do acervo escolar se fez ausente ou
pouco freqüente. Um dado que merece ser ressaltado refere-se ao fato de que as escolas onde as professoras trabalhavam possuíam biblioteca e salas de leitura, com acervo de livros de literatura infantil, os
quais chegaram às escolas a partir de diferentes programas de incentivo à leitura, desenvolvidos pelo
MEC e, ainda, por doações. No entanto, as professoras pouco utilizavam esses espaços, como também
não solicitavam, com a devida freqüência, os livros
para serem lidos para os alunos (ou pelos alunos).
Dessa forma, entendemos que não basta ter livros
disponíveis; é necessário que os professores percebam a importância da leitura dos mesmos na Educação Infantil. Neste sentido, alguns estudos levantam
como um dos fatores para a ausência (ou pouca freqüência) de leitura literária na escola, principalmente na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, o fato de os professores não terem
vivenciado, na infância, práticas de leitura de livros
de literatura infantil. Assim, os docentes responsáveis pela formação de leitores não tiveram, eles mesmos, essa formação.
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Estudiosos, como Batista (1998) e Rosa (2003),
têm demonstrado, através de suas pesquisas, que os
professores são leitores, mas, eles tiveram, principalmente, uma formação “escolar” de leitura, ou seja,
eles são leitores escolares. As professoras que fizeram parte desta pesquisa tiveram, em sua maioria,
contato com diferentes gêneros na infância, mas com
maneiras diferentes de convivência com esses textos. Assim, professoras que só tiveram contato com
histórias contadas (Catarina), ou que não lembraram
de terem vivenciado leitura desses textos (Francisca),
priorizaram, em suas práticas, o contar as histórias
infantis para seus alunos em vez de lê-las. Se, por
um lado, essa opção pode ter relação com suas experiências com os livros literários, por outro, existe uma
crença pedagógica de que crianças da Educação Infantil envolver-se-iam mais e teriam uma melhor
compreensão das histórias contadas do que das histórias lidas. Já a professora da escola estadual (Elvira)
– que mencionou lembranças de leitura de textos literários desde a infância até os dias atuais, tanto na
escola como fora dela – declarou, durante a entrevista, que lia livros de literatura, fato esse presenciado
por nós nos dias em que fizemos observação na sala
de aula. Por outro lado, outras professoras que realizaram leituras na infância, fora do espaço escolar,
não contemplaram-nas em suas práticas, durante as
nossas observações. Ou seja, as experiências de leitura das professoras são importantes para o desenvolvimento de suas práticas de ensino de leitura, mas
não são determinantes, o que foi observado por
Albuquerque (2002).
É preciso considerar que outros aspectos e experiências que influenciam, como, por exemplo, a
concepção de escola, de alfabetização, de criança,
do que é ensinar/aprender, etc. É interessante percebermos que as práticas de ensino de leitura também não tiveram uma relação direta com o nível de
formação dessas professoras no sentido de que aquelas com grau de formação mais elevado desenvolveriam práticas mais condizentes com as orientações atuais na área. Assim, as professoras que tinham graduação em pedagogia ou outra licenciatura e pós-graduação em áreas específicas do ensino
(Catarina e Francisca), pelo fato de as crianças não
estarem alfabetizadas ou terem dificuldade de entender o texto, falaram que preferiam contar as histórias a fazer as leituras propriamente ditas. A maioria das professoras relacionou as leituras de livros
de literatura infantil com ensino–aprendizagem ou
com conhecimento no sentido mais geral, com exceção da professora Elvira, que mencionou leituras
com o objetivo de desenvolver o gosto/prazer pelo
ato de ler. Enquanto isso, as professoras da escola
municipal (Alzira e Catarina) mencionaram a leitura desses livros para deixar os alunos calmos e disciplinados.
Por outro lado, quando analisamos as práticas de
leitura de cada escola, nos seus diferentes gêneros,
percebemos que a escola Estadual, em relação à Municipal, realiza suas leituras através de um planejamento mais contextualizado, onde há o envolvimento
da própria escola com as professoras e alunos, no
sentido de trabalhar a leitura nas diversas situações
em que ela se insere, a partir do desenvolvimento de
Projetos Didáticos. Assim, Francisca – que é professora dessa rede de ensino, mesmo com suas experiências de leitura na infância e na adolescência voltadas para o livro didático – em suas práticas de ensino de leitura, conseguiu inserir, a partir do projeto
vivenciado na escola, leituras de diferentes gêneros.
Já na escola Municipal, as professoras planejam suas
aulas de forma mais individualizada e usam o livro
didático recebido. A professora Catarina, dessa rede
de ensino, se diferencia por trabalhar, predominantemente, com textos cartilhados, para ensinar às crianças a leitura e a escrita a partir da decodificação e
codificação.
Precisamos, também, refletir sobre o fato de as
práticas de leitura dessas professoras se manifestarem não só pelos conhecimentos de leitura que puderam ser construídos nos espaços escolares e não
escolares, mas, também, pelos que permearam os
processos de formação continuada. Enfocamos o relevo que duas docentes da escola estadual (Dália e
Elvira) deram aos cursos de formação continuada,
especificamente ao PROFA, que apresenta um trabaRevista da Fapese, n. 2, p. 73-88 jul./dez. 2005
A leitura de literatura infantil na alfabetização: o que falam/fazem os professores sobre essa prática?
lho com leitura de diferentes gêneros, entre eles a
leitura literária, com ênfase no processo de reflexão
sobre as práticas profissionais. Já as professoras da
escola municipal, que não vivenciaram um processo
de formação continuada que possibilitasse uma reflexão sobre suas práticas de ensino da alfabetização, destacaram a leitura dos PCNs de Língua Portuguesa e dos livros do PNBE. Assim, podemos inferir
que a formação em serviço e o desenvolvimento de
um planejamento coletivo na escola, com ênfase na
realização de projetos didáticos, são aspectos que
contribuem para uma prática de alfabetização na
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perspectiva do letramento, com relevo na formação
do leitor.
Enfim, consideramos que os resultados presentes neste trabalho poderão se voltar para futuras reflexões, levando em consideração que não basta
disponibilizar acervos de livros de literatura infantil
nas escolas, mas viabilizar práticas de formação continuada que possibilitem aos professores vivenciarem
experiências diferenciadas de leitura e reflexão sobre o desenvolvimento de um trabalho de alfabetização na perspectiva do letramento.
Revista da Fapese, n. 2, p. 73-88 jul./dez. 2005
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Maria de Fátima Monteiro
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O problema da sombra em a Bela Vassilissa
R e s u m o
Ana Maria Leal1
E
ste trabalho propõe uma leitura junguiana do arquétipo da
sombra no conto popular russo A Bela Vassilissa, mostrando
que o processo de crescimento psíquico da heroína em dire-
ção a uma personalidade mais rica e madura não depende da sua
vontade; ele se desenvolve ao longo da vida do indivíduo de modo
involuntário e natural. Esse processo chamado por Jung de
individuação, cujo simbolismo arquetípico está em estreita relação
com o fenômeno do mito, efetua-se em diferentes etapas ao longo
da vida.
PALAVRAS-CHAVE: Arquétipo; Sombra; Processo de
Individuação; Mito.
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Ana Maria Leal
O
mito é um discurso cuja paisagem simbólica,
na qual é alocado, transmigra para outros pólos
de configuração à medida que novos paradigmas de
manutenção de estruturas culturais são estabelecidos. Isso implica dizer que nem todos os mitos devam ser deslocados de suas origens. Sabe-se que determinados discursos míticos, inseridos em dados
contextos socioculturais, são perpetuados, adaptados com objetivos que só os modos de produção de
cada sociedade sabem determinar, interferindo nas
estruturas antropológicas do imaginário, pois as imagens míticas são mantidas, atualizadas ou criadas
numa relação com a forma do desenvolvimento dos
modos de produção de cada contexto cultural.
Consoante Joseph Campbell, a função primária
da mitologia e dos ritos sempre foi a de fornecer os
símbolos que levam o espírito humano a avançar,
opondo-se àquelas outras fantasias humanas constantes que tendem a levá-lo para trás. Ao tentar definir o mito do herói, Campbell estabelece: “O herói é
o homem ou a mulher que conseguiu vencer suas limitações históricas pessoais e locais e alcançou formas normalmente validas, humanas” (Campbell,
1993, p.28). Ele reconhece neste mito - cuja aventura heróica costuma seguir um padrão nuclear: um
afastamento, uma penetração em alguma fonte de
poder e um retorno triunfante - diferentes etapas na
sua trajetória, repletas de provações (simbolizando
as dificuldades e sofrimentos) por que este terá que
passar a fim de obter o “tesouro”. Pouco importa a
esfera do interesse (político, religioso ou pessoal), os
atos verdadeiramente criadores são atos gerados por
alguma espécie de morte para o mundo; e tudo o que
ocorre no intervalo em que ele, o herói, deixa de existir
- necessário para que ele volte renascido e pleno de
poder - recebe da humanidade um relato unânime.
Essa concepção de Campbell encontra eco na psicologia analítica de Jung, que serviu-se da trajetória
do herói arquetípico para explicar o processo de
individuação - busca da Totalidade - em que o ego
vive uma aventura de transformação que exige ruptura, recolhimento, renúncia e torna-se herói. Este,
por sua vez, representa o grau de energia psíquica
que transita entre o self e o ego e que, devido à sua
natureza, está associado aos ritos de passagem.
Nossa abordagem da sombra no conto popular
russo A Bela Vassilissa, ilustra uma atitude construtiva no confronto com os poderes do mal, uma vez
que essa heroína se deixa guiar, nesse enfrentamento,
pelo caminho natural da sabedoria.
Vassilissa fica órfã muito cedo. Antes de morrer,
sua mãe passa às suas mãos uma boneca de pano,
aconselhando-a a conservá-la sempre consigo e a
pedir-lhe ajuda nos momentos de perigo: “(...) se te
ocorrer algo de mau dá-lhe de comer e pede-lhe conselho. Ela comerá e te dirá como podes remediar teus
males”(Afanasev, 1986, p.173).
Guardado certo tempo de luto, o mercador, pai
de Vassilissa, resolve casar-se novamente com uma
viúva que tinha duas filhas. Com o casamento se estabelece o drama da pequena Vassilissa, pois a madrasta e as filhas infligem-lhe duros castigos e trabalhos pesados, para que a jovem emagreça de cansaço
e fique com a pele feia. O conto de Afanasev repete a
façanha mitológica do monstro-tirano acumulador do
benefício geral: está sempre ávido pelos vorazes direitos do “meu” e para “mim”.
O mercador precisou viajar e a madrasta aproveita a sua ausência para mudar-se com as meninas para
uma casa perto de uma floresta muito escura. Do
ponto de vista da trajetória mitológica do herói, a
viagem do pai representa o “chamado da aventura”,
assim definido por Campbell (1993, p.66):
O chamado da aventura significa que o
destino convocou o herói e transferiu-lhe o
centro de gravidade do seio da sociedade
para uma região desconhecida. Essa fatídica região dos tesouros e dos perigos pode
ser representada sob várias formas: como
uma terra distante, uma floresta, um reino
subterrâneo, (...) o topo de uma montanha
ou um profundo estado onírico. Mas sempre é o lugar habitado por seres
Revista da Fapese, n. 2, p. 89-96, jul./dez. 2005
O problema da sombra em a Bela Vassilissa
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estranhamente fluidos e polimorfos, tormentos imagináveis, e delícias impossíveis.
amplitude à experiência exterior, abrindo espaço para
a fantasia.
Não obstante o trabalho forçado, a menina tornase cada vez mais bela e, as outras, cada vez mais
feias, embora vivessem de braços cruzados.
O chamado da aventura tem um umbral, cuja transposição indica o início de um grande desafio.
Transpassá-lo, equivale a vivenciar as fantasias. Antes
de partir,Vassilissa lembra-se da boneca que sua mãe
lhe dera, coloca-a no bolso, e segue em direção à floresta escura. Cruzando o limiar, a menina depara-se com “
um cavaleiro branco, vestido de branco, montado em
um cavalo branco, que também tinha brancos arreios.
Então começa a amanhecer” (Op. cit., p.176).
Jung afirma que no período em que a pessoa
vivencia um trauma ou intensa tristeza, pode ocorrer a irrupção do arquétipo (qualquer que seja ele),
pois trata do momento em que ela está relativamente fragilizada. Tudo indica que o problema de
Vassilissa teve início quando da morte da mãe, agravando-se com o casamento do pai.
Uma noite em que as meninas, por ordem da mãe,
bordavam e tricotavam, a madrasta apaga as luzes
da casa e deixa apenas uma vela acesa. Mais tarde,
ao apagá-la, a madrasta juntamente com as irmãs de
Vassilissa, jogam-na porta afora, ordenando-lhe que
vá à casa da Baba Yaga2 para buscar fogo. De acordo
com Campbell, a aventura é anunciada por um arauto que costuma ser sombrio, repugnante e maléfico;
essas qualidades se encaixam perfeitamente na pessoa da madrasta, que abre espaço para que a pequena Vassilissa adentre os labirintos da perigosa floresta (o inconsciente). O labirinto anuncia a presença de alguma coisa sagrada e “(...) pode ter a função
de defesa de um território, uma vila, uma cidade, um
tesouro” (Chevalier, 1999, p.530).
Do ponto de vista psicológico, a protagonista está
sendo conduzida ao interior de si mesma, o que representa a luta pela superação das trevas da inconsciência. Jung lembra que devemos prestar atenção à
linguagem da psique - a fantasia - pois é por meio
desta que o homem é capaz de se lançar em um limitado processo de simbolização, tornando-se um criador interminável de novas possibilidades culturais,
uma vez que a mente se enche de imagens que dão
Para Campbell, a aventura traduz-se sempre numa
passagem pelo véu do desconhecido, as forças que
vigiam o limiar envolvem riscos; mas somente aqueles que têm competência e coragem testemunharão
o perigo desaparecer. Ao transpor o limiar, o herói,
geralmente, encontra-se com uma figura protetora (o
guia), que fornece, ao aventureiro, proteção. Numa
visão psicológica, o cavaleiro branco metaforiza o
guardião do limiar de passagem (o guia transpessoal)
que conduz a menina até o local do tesouro. Essa
idéia é reforçada pela figura do cavalo, que, sendo
um animal de grande força, é uma das muitas representações do self - a porção ordenadora de toda a
psique - no seu aspecto teriomórfico.
Ao penetrar mais profundamente no interior da
“floresta”, a protagonista principal encontra “um
cavaleiro de vermelho, montado em um cavalo também vermelho. O sol surge” (Op. cit., p.177). Nesse
instante, Vassilissa é tomada por um poder
avassalador que é experimentado como numinoso3
informe, onde o ego é confrontado com o arquétipo.
O vermelho tem conotações de fogo, ardência e paixão, o que nos leva a crer que o segundo cavaleiro é
uma manifestação do animus negativo de Vassilissa,
isto é, sua contraparte sexual, que necessita ser integrada à personalidade, caso contrário, pode tornar-
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Ana Maria Leal
se autônomo e negativo, agindo de maneira destrutiva
sobre suas relações com outras pessoas. Esse processo está ligado a ritos religiosos, cuja função é integrar o indivíduo no seio da sociedade.
Segundo o psicanalista junguiano Erich
Neumann, a consciência primeiro reage e, gradualmente, cria novas formas de adaptação ao arquétipo
que, no nível subjetivo, conduz ao desenvolvimento
e à extensão da consciência, e daí ao nível objetivo
onde se manifesta em encarnações do numinoso cada
vez mais diferenciado. Assim, essa força penetrante
e ao mesmo tempo “arrebatadora” que a jovem não
experiencia pessoalmente em relação a um homem
concreto, mas sim a um transpessoal em forma de
cavaleiro, corresponde a uma das várias manifestações por que passa o animus. A esse respeito reitera
que o masculino pode aparecer sob várias formas:
Como serpente, dragão e qualquer outro
monstro em um grande número de ansiedades sexuais e comportamentos neuróticos da mulher que dificultam o seu relacionamento com os homens. Entretanto, na
entrega feminina de aceitação dessa situação, e ao se deixar dominar, a mulher é
levada à vitória sobre o medo e sua ansiedade é transformada em embriaguez e orgasmo (Neumann, 2000, p.21).
Ao ultrapassar o limiar “mágico” que separa os
dois mundos, Vassilissa cai no fundo da floresta uma região desconhecida que se faz campo livre para
projeção de conteúdos inconsciente. Ainda do ponto de vista psicológico, a floresta é uma imagem da
Grande Mãe4 (inconsciente), cujo útero abriga o filho (ego) em desenvolvimento.
Tendo andado por toda a noite e grande parte do dia
seguinte, Vassilissa chega a uma clareira em cujo centro está a casa da Baba Yaga, cercada por ossos humanos, o que provoca medo na protagonista. Os medos da
heroína estão projetados no meio ambiente; a energia
regredida faz com que as regiões desconhecidas (a floresta, por exemplo) atuem como obstáculos, impedindo a eficácia da verdadeira realização dos seus objetivos. Deste modo, o medo da casa é o temor ancestral da
floresta escura, que o inconsciente coletivo concebe
como sendo o lugar onde habitam os entes que podem
destruir o homem e onde estão os obstáculos por onde
terá que passar a heroína inexperiente. Começa um novo
ciclo que requer um afastamento do mundo na busca
do seu eu verdadeiro.
Quando, por medo, já estava quase desmaiando,
um cavaleiro passou a galope por ela. Seu rosto era
negro “estava vestido de negro e montava um cavalo negro. Ele galopou ate a porta de Baba Yaga e
desapareceu (...). Depois caiu a noite. Vassilissa arrepiou de medo” (Op. cit., p.177). O cavaleiro representa o guardião do limiar do tesouro, figura aterrorizadora que cabe afastar todos os que forem tentados a penetrar no local sagrado. Ele surge para
anunciar a chegada da perversa Baba Yaga (a sombra), que “esporeava com seu pilão e varria seus
rastros com uma vassoura” (Op. cit., p. 178). As
mitologias folclóricas povoam com ogras e perigosas presenças todos os locais fora das vias normais
da cidade. A feiticeira5 indagou por que Vassilissa
estava em sua casa; a menina conta-lhe que viera
apanhar o fogo a mando de sua madrasta. Baba Yaga
acrescentou “Mas antes de eu lhe dar fogo você deve
ficar aqui e trabalhar para mim, senão, vou comêla no jantar” (Op. cit., p. 178).
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O problema da sombra em a Bela Vassilissa
Surpresa com a coragem da menina e, vendo nela
um “apetitoso” jantar, a velha convida-a para entrar.
A menina observa que a casa era desordenada e “cercada de caveiras” (Op. cit., p.177). Essa aparente
“desordem exterior” reflete o interior de Vassilissa,
cujos terrores pânicos são o medo das revelações do
desconhecido. A jovem é tentada a penetrar no interior da casa (local sagrado), o que do ponto de vista
psicológico representa um voltar-se para dentro de
si mesma, fazendo emergir do seu íntimo uma nova
direção para a vida.
Explorada pela feiticeira, ela executa todos os trabalhos domésticos e conta sempre com a ajuda da
sua fiel bonequinha. Na verdade, a boneca introduz
a possibilidade do auxílio mágico nos momentos de
aflição pelos quais passa a menina. Consoante
Campbell (1993, p. 102) “(...) o herói é auxiliado, de
forma encoberta, pelo conselho, pelos amuletos e
pelos agentes secretos do auxiliar sobrenatural que
havia encontrado antes de penetrar nessa região”.
A casa - que na concepção campbeliana tem
conotações do ventre da baleia - é o local em que a
personagem obtém sua recompensa fazendo serviços domésticos. Não obstante estar sob o domínio
da ogra, situação de extremo perigo, a menina se torna uma habilidosa fiandeira. No contexto psicológico, Vasselissa aprende aos poucos a dominar o medo.
No entender de Lutz Muller (1995, p.96) “O medo,
porém, é uma reação humana saudável para a segurança da vida. Por isso, o primeiro passo para a superação do medo não é reprimi-lo, mas sim admiti-lo”.
A cada dia que passava, a bruxa ficava mais desapontada, pois não conseguia ver nada fora do lugar,
tudo parecia limpo e perfeito, o que a aborrecia. Esse
aparente “desapontamento” da bruxa equivale, no
contexto psicológico, a um grau mais elevado no processo de transformação e expansão da personalidade de Vassilissa.
Certa feita, enquanto Baba Yaga janta, a menina
lhe pergunta sobre os três cavaleiros que encontrou
no caminho, ao que a velha responde: “ Todos os três
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são meus fiéis servidores” (Op. cit., p. 181). A ogra
também desejou saber como Vassilissa conseguia
executar todo o serviço doméstico com tanta rapidez
sem demonstrar cansaço. A menina conta-lhe que
recebeu a ajuda e benção da mãe. Baba Yaga, num
gesto de raiva, gritou: “Fora daqui, filha abençoada.
Não quero ninguém abençoado em minha casa” (Op.
cit., p.182). Feito isso, apanhou alguns ossos e uma
das caveiras de olhos flamejantes e os entregou à
menina, ordenando-lhe que fosse embora, levando o
fogo que viera buscar. Para Chevalier (1999, p.666),
o osso é símbolo de firmeza, de força e virtude e devemos nos lembrar a esse respeito, da passagem do
Gênesis (2, 23) que diz: “o osso dos meus ossos”,
passagem que toma essa parte do corpo como o “caroço” da imortalidade. Além disso, acrescenta
Chevalier ( 1999, p.666) “ (...) a contemplação do
esqueleto pelos xamãs é uma espécie de retorno ao
estado primordial, pelo despojamento dos elementos perecíveis do corpo”.
Vassilissa correu de volta para casa e deparou-se
com a madrasta e as filhas, que a esperavam à porta
de entrada. “Os olhos da caveira fitaram-nas com
intensidade a ponto de queimá-las. Pela manhã estavam transformadas em três montinhos de cinzas
no chão. Só Vassilissa estava intocada pelo fogo” (Op.
cit., p. 183). Estando sozinha, a menina enterrou a
caveira no jardim.
Fundamentalmente, a passagem do herói mitológico é uma passagem para dentro, para as camadas
profundas em que são superadas obscuras resistências, e onde forças há muito esquecidas são revitalizadas. Jung postula que a primeira batalha a ser travada na luta pela unificação da personalidade diz
respeito àquela entre o ego e a sombra. Assim, a caveira (enterrada) metaforiza a sombra já integrada à
personalidade da menina.
Mas a tarefa da jovem protagonista parece ainda
não ter atingido o seu final. A narrativa enfatiza que,
após enterrar a caveira “Vassilissa partiu para uma
cidade vizinha” (Op. cit., p.183), foi encontrada por
uma bondosa senhora sem filhos “que deu-lhe abriRevista da Fapese, n. 2, p. 89-96, jul./dez. 2005
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Ana Maria Leal
go e ali ela ficou morando, esperando a volta do pai”
(Op. cit., p. 183).
O conto A Bela Vassilissa reatualiza o mito de Prometeu, que foi aos céus, roubou o fogo dos deuses e
voltou à Terra. A simbólica do fogo está resumida na
doutrina hindu em que Agni, Indra e Surya, são os
fogos dos mundos terrestre (o amor e a cólera), intermediário (a purificação através do sofrimento) e celeste (o espírito ou sopro divino) simbólica igualmente ressaltada na narrativa de A Bela Vassilissa, através das personagens Baba Yaga/ madrasta, Vassilissa
e a velha senhora, respectivamente. A trajetória
mítica da jovem protagonista corresponde aos rituais de “purificação”, característicos das culturas agrárias; com efeito, simbolizam as queimadas dos campos, que após certo tempo, fazem brotar um manto
verdejante de natureza viva. Do ponto de vista psicológico, Vassilissa representa o ego/herói circulando entre o inconsciente e a consciência.
A velha senhora comprou-lhe o melhor linho e
ela pôs-se a trabalhar. Com a ajuda da boneca, que
“transforma uma lançadeira velha e a crina de cavalo em um grande tear” (Op. cit., p.183). A menina
produziu o mais perfeito tecido da região; torna-se,
então, uma fiandeira e exímia costureira. Campbell
enfatiza que o herói necessita da ajuda transpessoal
para vencer as dificuldades. No contexto da trajetória mitológica de Vassilissa, a velha senhora representa tal ajuda, uma vez que resolve oferecer em palácios da redondeza, algumas das peças produzidas
por sua filha adotiva. Uma delas despertou o interesse do czar que desejou conhecer a artesã. Ao vê-
la, apaixonou-se perdidamente: “Nunca a deixarei.
Será minha esposa.” (Op. cit., p. 185). Assim, a jovem casa-se com o rico czar e “vive feliz para sempre”. O casamento (hierósgamos), inauguração de
uma nova vida, inscreve um ritual de passagem relativo à vitória e à fertilidade. Equivale a um novo ciclo da vida.
A viagem mítico-psicológica da personagem
Vassilissa ao mundo inferior (a floresta), traduz-se
numa experiência que viabiliza uma consciência
modificada e conhecimentos que não podem ser adquiridos de nenhuma outra forma: é a redenção pelo
sofrimento. Ela foi capaz de protagonizar seus mitos, fazer escolhas possíveis, subsistir a muitas provas e privações, lutando até o último momento contra os “monstros” interiores. Enfrentando os aspectos sombrios de sua psique, foi perseguida pelo medo,
o que aumentou suas forças para ultrapassar os obstáculos da vaidade e prepotência do ego no julgamento da reflexão, experienciou o significado das
perdas, das limitações e das derrotas.
Nessa caminhada em busca da unificação da personalidade, o ego/herói enfrenta dificuldades e, após
a luta, com a força energética aumentada, é guiado
por sua face contra-sexual para realizar a sizígia, aproximando-se do self, onde estão forças contrárias integradas pela conjunctio oppositorum. O que prova
que a sombra não é de todo negativa, na verdade, ela
serviu para conduzir Vasselissa ao verdadeiro tesouro que a aguardava. Ao final dessa árdua luta tornase a “velha sábia”, unindo e transformando os contrários.
Revista da Fapese, n. 2, p. 89-96, jul./dez. 2005
O problema da sombra em a Bela Vassilissa
95
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Revista da Fapese, n. 2, p. 89-96, jul./dez. 2005
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Na Trilha dos Passos do Senhor: A devoção ao Senhor
dos Passos de São Cristóvão/Se
Magno Francisco de Jesus Santos1
R e s u m o
Verônica Maria Meneses Nunes2
O
presente artigo tem o propósito de estudar a Procissão do
Senhor dos Passos entre os anos de 1870 e 1920. A procissão é um secular evento religioso da cidade de São Cristó-
vão, realizada sempre no segundo final de semana da quaresma,
reunindo devotos de diferentes segmentos sociais. O objetivo desse
estudo é analisar a Procissão do Senhor dos Passos, destacando a
participação da elite açucareira e dos segmentos populares. Os documentos usados foram o Annuario Christovense de Serafim
Sant’Iago, artigos e notas de jornais aracajuanos e o diário de Aurélia
Rollemberg. Através desses documentos foi possível constatar a
relevância da participação da elite açucareira sergipana (buscando
legitimar-se) e dos segmentos populares. Estes registraram a sua
participação e práticas devocionais através dos ex-votos.
PALAVRAS-CHAVE: Religiosidade, Procissão de Passos,
Elite, São Cristóvão.
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Magno Francisco de Jesus Santos; Verônica Maria Meneses Nunes
Fé ao Senhor dos Passos
uma graça concebida
uma promessa cumprida
(Alves,17/03/1984)
A
s festas constituem um dos principais momentos do catolicismo popular3 . É difícil imaginar o
cotidiano de uma pequena cidade brasileira sem as
agitações das novenas, santas missões, acompanhamentos4 e procissões. Essas são algumas expressões
de religiosidade que acabam por se tornar um grande instrumento para se compreender a sociedade na
qual estão inseridas.
Isso ocorre porque as expressões de religiosidade
revelam contradições, angústias, desejos, hierarquias, carências, ordem e desordem inerentes à sociedade. Esse é um dos principais motivos que vem fazendo os cientistas sociais se debruçarem sobre as
temáticas do universo religioso. A história não ficou
imune a esse processo de renovação e de ampliação
das áreas de pesquisa, graças ao diálogo
interdisciplinar difundido pelo movimento dos
Annales5 . Assim, emergem na historiografia mais
recente, temáticas como morte, festas, devoções e
imaginário religioso.
É dentro desta perspectiva que se insere o objeto
desse estudo. A proposta que se segue visa estudar a
procissão do Senhor dos Passos na cidade de São
Cristóvão, Sergipe, entre os anos 1870 e 1920. Essa
procissão, ainda no século XIX tornou-se uma das
principais manifestações religiosas de Sergipe, conseguindo aglomerar fiéis devotos de diferentes segmentos sociais e de várias partes da antiga província. Neste estudo, temos o objetivo de analisar a Pro-
cissão do Senhor dos Passos, destacando a participação da elite açucareira e dos segmentos populares.
Estes registraram a sua participação através dos exvotos, que ao longo dos séculos foram depositados
no claustro da Ordem Terceira do Carmo.
1. BREVE INCURSÃO PELO UNIVERSO
RELIGIOSO DOS PASSOS
A historiografia sobre religiosidade é consideravelmente diversificada. A diversificação pode ser
vista como produto do recente diálogo
interdisciplinar ocorrido entre as ciências humanas,
que propiciou o estudo do fenômeno religioso em
suas diversas facetas, graças à aplicação de diferentes categorias de análise. Com isso, a religiosidade é estudada por diferentes ângulos, com múltiplos olhares.
No âmago desses olhares emergem discussões a
respeito das diferentes categorias e temas, sob o viés
da nova história cultural, como religiosidade, imaginário e cotidiano. Para se compreender com amplitude um fenômeno complexo como a procissão do
Senhor dos Passos na cidade de São Cristóvão é imprescindível esclarecer os conceitos que serão utilizados na reflexão.
Neste estudo, um conceito-chave é o de religião
popular, que será visto como as práticas consideradas pela hierarquia eclesiástica como ultrapassadas,
arcaicas, ilegítimas. Percebe-se que para haver um
“catolicismo popular”, é necessário que haja o seu
oposto, nesse caso, o “catolicismo oficial”. Esse caráter dual entre religiosidade popular e oficial é esclarecido pelo sociólogo Pierre Sanchis, ao dizer que:
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Ela (religião popular) é o fenômeno estrutural não se manifestando senão num grupo social frente a outro grupo, dominante
e modernizador. Esses grupos sociais não
se confundem necessário e simplesmente
com classes sociais em conflito e uma maior atenção às elites dirigentes, numa e noutra classe fundamental, deverá sempre
matizar, e, às vezes, balancear as perspectivas unilaterais de uma sociologia da luta
de classes, se quisermos, um dia, poder
restituir a palavra “povo” a densidade de
um conceito puramente operacional
(Sanchis, 1979, p. 258).
Ainda deve ser ressaltado que, apesar de haver
uma relação dialética entre a religiosidade popular e
a oficial, não existe uma fronteira fixa entre ambas,
mas sim um dinamismo tecido por trocas recíprocas
(Vovelle, 1987, p. 154-5). Nesse sentido, a religiosidade, como componente fundamental da cultura,
deve ser analisada na perspectiva de um contínuo
processo de circularidade em que os seus agentes
não permanecem estáticos no campo do popular ou
do oficial (elite), mas sim, em diálogo entre si
(Ginzburg, 1987, p. 21).
Mesmo constituindo uma solenidade de cunho
oficial da Igreja Católica em Sergipe, a Procissão do
Senhor dos Passos pode ser vista sob a ótica do catolicismo popular, por ser criticada pela hierarquia
eclesiástica local. Isso pode ser constatado no Livro
de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Vitória de
São Cristóvão, onde os párocos da cidade registraram ao longo do século XX, a sua insatisfação com
os procedimentos dos devotos e principalmente dos
leigos, na tradicional Festa de Passos6 .
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Tais devotos, ao longo dos anos, imprimem uma
rotina de obrigações com pagamentos de promessas,
orações e visitação aos lugares sacros. Com isso, é
pertinente esclarecermos algumas questões acerca do
universo sagrado. O sagrado pode ser entendido como
algo que se manifesta sempre como uma realidade
de uma ordem inteiramente diferente da das realidades “naturais”, ou seja, ele se manifesta como coisa
absolutamente diferente do profano (Eliade, p. 20).
Essa interação entre os universos sagrados e profanos não ocorre de forma aleatória no espaço, tendo
em vista que este apresenta rupturas, quebras, ou
seja, não é homogêneo. Assim, para o homem religioso há porções de espaço qualitativamente diferente
das outras, há um espaço sagrado, forte, significativo e outros não sagrados (Eliade, p. 27).
Essa sacralização não ocorre somente com os lugares, uma vez que ela também se manifesta através
do “gestual, da sensibilidade, do imaginário, das atitudes coletivas”. (Lima, 2002, p. 8). Nesse sentido, em
São Cristóvão não veremos como espaço sagrado apenas o complexo do Carmo e as ruas que compreendem o itinerário das procissões, mas sim a interação
dos fiéis com esses lugares. É desse modo que ganha
dimensão aspectos como as formas de percepção do
sagrado, o diálogo, o gestual e o simbólico, ou seja, as
variadas formas pela qual o devoto percebe, absorve e
retrabalha elementos do universo sagrado. Com isso,
é possível também falarmos de uma espécie de “tempo sagrado”, pois, assim como o espaço, o tempo também apresenta rupturas e heterogeneidade de acordo
com os intuitos da sociedade com a qual interage. No
campo religioso, é possível distinguir que, ao longo
do ano, existem períodos mais sagrados do que outros. Se todo dia é dia santo, existe o dia santo fino7
ou seja, um dia com maior poder simbólico do que os
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demais (Bourdieu, 1998, p. 19). É fácil detectar esses
“dias prestigiados” do calendário católico, haja vista
que a própria denominação de tais períodos já revela
a idéia de seu prestigio8 .
Uma das formas de “tempo diferenciado” é o que
podemos chamar de tempo festivo. O tempo da festa
“é celebrado como tempo de utopias, fantasias e liberdades, onde se exprimem frustrações, revanche e
reivindicações de vários grupos que compõem a sociedade” (Del Priore, 1994, p. 9). A festa pode ser
vista como quebra da rotina, desperdício e ociosidade (Lima, 2002, p. 11), mas também é sinônimo de
continuidade, levando-se em consideração que nela
são projetadas angústias, desejos e contradições dos
segmentos sociais que dela participam.
Em outra perspectiva, a festa também pode ser
vista como um jogo do poder, pelo qual através de
símbolos e representações são expressas as disputas
presentes na sociedade. É isso que ocorre com as festas de caráter religioso-popular, como um ciclo que
percorre ao longo do tempo, paralelamente e de modo
simbólico, o próprio ciclo de rotina e trabalho da
sociedade (Anjos, 2001, p. 24).
No catolicismo popular, um dos principais momentos festivos ocorre com as romarias. Para se ter
uma idéia da dimensão dessa relevância é só observar o poder de mobilização social que detém no Brasil romarias como a de Padre Cícero no Juazeiro do
Norte (CE), São Francisco das Chagas em Canindé
(CE), Nossa Senhora de Nazaré em Belém (PA) e Bom
Jesus da Lapa (BA). No entanto, apesar da reconhecida importância dessas celebrações, ainda permanecem
algumas polêmicas quanto a sua classificação. A principal polêmica gira em torno da diferença entre romarias e peregrinação. Saber distinguir tais conceitos é
de importância primordial na reflexão das celebrações do Senhor dos Passos em São Cristóvão.
Etimologicamente, peregrino se originou dos vocábulos peregrinus, peregre e significa “aquele que
se encontra fora da residência ou aquele que sai de
sua casa ou pátria” (Balbinot, 1998, p. 78). Nessa
perspectiva, o termo peregrinação serve para designar o grupo de pessoas que sai de seu lugar em direção ao lugar sagrado, para realizar atos religiosos, com
objetivos piedosos, votivos ou penitenciais. Peregrinar é dirigir-se a um lugar “fora de”, “longe de”, segregando espacialmente o agente em relação ao seu
ambiente e ao seu locus geográfico cotidiano, sem
ter, no entanto, o definitivo desligamento do mundo, pois sempre há o retorno. Com isso, os peregrinos reúnem-se num ponto, o santuário, e nele há
contato com o sagrado e ”expiação dos males”. A
peregrinação é também um ritual de aflição. Nela o
“agente se reinsere em um tempo sacralizado, que é
também histórico” (Agostinho, 1986, p. 12). Dessa
forma, a peregrinação pode ser conceituada como:
(…) uma marcha ritual em que, partindo
de uma periferia mais ou menos distante,
se entra temporariamente num centro ou
foco de concentração do sagrado, para depois retornar ao mesmo ponto de partida,
confortado pela participação em virtude do
sagrado (Balbinot, 1998, p.80).
Já as romarias representam o momento da festa,
da visita ao santo padroeiro, ou particular. Os devotos veneram os santos como “amigo”, o santo atende
aos pedidos que lhes são feitos, o que coloca os cristãos na obrigação de cumprir as promessas feitas
(Feitoza, 2002, p. 10-11). Nessa concepção romaria
aparece ligada à idéia de veneração aos santos (veneração com forte intimidade entre o devoto e o santo) e à prática de cumprimento da promessa (ex-voto
ou desobriga). Etimologicamente o vocábulo romaria tem origem nos termos romerus, romerius, que
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servia para designar os peregrinos que iam a Roma, a
partir do século VI, devido ao domínio mulçumano
na Terra Santa (Balbinot, 1998, p. 77). Esse conceito
hoje é insuficiente para classificar as celebrações religiosas populares, devido à dimensão e complexidade que tais manifestações de fé atingiram. Partindo dessa acepção, podemos indagar sobre a diferenciação entre romaria e peregrinação.
Nesse caso, a forma mais adequada de distinção
entre ambas é saber qual o segmento que detém o
poder de organização, controle e decisão em um
evento festivo. Com isso, romaria pode ser vista enquanto:
(…) festa coletiva com forte inclinação
para fora da alçada da hierarquia eclesiástica. É a manifestação maior da religiosidade popular. As manifestações cardinais da romaria conservam identidade:
promessa, o culto comunitário e teoricamente oficial da missa e da procissão, o
intercâmbio e a comunicação, a feira em
volta do santuário, o canto, a dança durante o caminhar de ida e volta e o encontro e congraçamento entre famílias
(Sanchis, 1979, p. 251).
Todos esses elementos descritos acima estão presentes na Festa de Passos7 , que levá-nos a considerála como uma romaria. Essa classificação é contundente, visto que os leigos detinham uma considerável influência na organização dos ofícios, das procissões e, principalmente, na arrecadação das esmolas8 .
101
Seguindo a mesma linha de raciocínio, peregrinação pode ser interpretada como uma espécie de
anti-romaria, em que a hierarquia eclesiástica busca
impor práticas recristianizadoras9 , através de mecanismos como mandar ou proibir, suprimindo arraiais, atrofiando o papel das promessas em seu aspecto teatral e canalizando-as para os atos dos sacramentos, regulados pelo clero (Sanchis, 1979, p. 254).
Resumindo, peregrinação é o evento religioso com
grande poder de mobilização e com forte predominância da hierarquia eclesiástica na organização.
Compreendendo a Festa de Passos enquanto romaria, é possível detectar que a celebração gira em
torno das procissões do Depósito e do Encontro, realizadas respectivamente, no segundo sábado e domingo da quaresma. Procissão pode ser conceituada
como “marcha solene, de caráter religioso, acompanhada de cantos e rezas” (Fontes, 1998, p. 24). Então, pode-se dizer que, a procissão é “começo e o fim
de tudo, é o verdadeiro ponto dos festejos em homenagem ao santo. É momento da festa em que os fiéis
estabelecem o diálogo com o santo padroeiro”
(Almeida, 2002, p. 27). A procissão também é um
campo de disputa, com dimensão geográfica simbólica. Em São Cristóvão, na Procissão dos Passos, pode
ser destacada essa disputa pelo campo, entre os membros da Ordem Terceira do Carmo e o clero. O foco
dessa disputa no campo é a posse dos festejos, cujas
procissões são o ápice, o momento maior e mais
aguardado. “É no momento da procissão que os fiéis
e até mesmo aqueles que não vão à procissão por
promessa, só fazendo gosto de particular, sentem-se
inseridos dentro de uma experiência em que está
presente” (Nascimento, 2002, p. 39).
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É difícil falar da Procissão dos Passos sem
enaltecer o papel desempenhado pelos irmãos terceiros do Carmo. Até o século XIX, as irmandades
detinham um papel predominante no Brasil. Esse
papel aliado à rivalidade entre as irmandades foi um
dos responsáveis pela disseminação de igrejas nos
períodos colonial e imperial (Oliveira, 2000, p. 13).
O prestígio das irmandades nesse período é devido a
grande preocupação que permeava a população: a
morte. Não é gratuito que uma das principais obrigações sociais das irmandades era quanto aos sepultamentos. O medo da morte sem proteção e sepultamento digno era o principal elemento aglutinador
de leigos nas irmandades. “A morte era um comércio
rentável” (Silva Filho, 2000, p. 45).
As irmandades constituíam um valioso instrumento de distinção social e assistencialismo (Farias,
2004, p. 11). Tais aspectos tornavam visíveis através
de obras de assistência1 0, dos funerais e principalmente, das pomposas procissões dos santos padroeiros dos oragos. A grandiosidade das celebrações
era um requisito determinante para a entrada de novos membros na irmandade. Assim, “quanto mais
pomposa era a festa, mais irmãos atraía” (Santos,
2001, p. 31).
A organização das irmandades estava estreitamente relacionada com o aspecto devocional. Devoção
pode ser entendida enquanto “diversas práticas religiosas do tipo particular, dirigidas a honrar certo
objeto religioso, de acordo com a preferência do indivíduo devoto” (Andrade, 1999, p. 18). Muitas vezes, a origem da devoção está ligada ao medo, que
pode ser visto como “um sentimento fruto de nossa
imaginação que muda de acordo com as situações de
perigo. Pode ser uma doença psicológica que bloqueia
nossas ações” (Andrade, 1999, p. 15). Nesse caso, a
partir de uma ameaça ou de um perigo concreto, pode
surgir uma nova devoção como forma de defesa, por
meio do voto ou promessa.
A relação voto/ex-voto também é uma questão
inerente à abordagem sobre o universo simbólico dos
Passos. Prova disso é que no claustro da Igreja da
Ordem Terceira do Carmo está reunido o maior acervo de ex-votos de Sergipe. A localização desses objetos não pode ser ignorada, haja vista que o claustro
detém uma relevância considerável no universo religioso cristão. Ele pode ser visto como um elo entre
o humano e o sagrado, como está evidenciado na
descrição de Champeaux, que compara o claustro a
Jerusalém Celeste:
Na encruzilhada das quatro vias do espaço, o poço, uma árvore, uma coluna, marcam o umbigo do mundo, o ônfalo. Por aí
passa a eixo terrestre, essa escala espiritual cujo pé mergulha nas trevas inferiores.
É, igualmente, um centro cósmico, em relação com os três níveis do universo, com
o mundo subterrâneo pelo poço; com a
superfície do solo; com o mundo celeste
pela árvore, pela roseira, pela coluna ou
pela cruz. Ademais, sua forma quadrada
ou retangular, aberta sob a cúpula do céu,
representa a união da terra e do céu. O
claustro é símbolo da intimidade com o
divino.
Em São Cristóvão, essa intimidade com o divino
está explícita no claustro da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, que desde o século XIX recebe ex-votos dos romeiros do Senhor dos Passos. Ex-voto “é o
fruto do sincretismo cultural e da fé, são objetos tradicionais de oferta às divindades de culto católico,
para retribuir uma graça alcançada” (Leite, 2002, p.
1). Eles podem ser classificados em antropomórficos, zoomórficos, agrícolas, representativos de valor, específicos, médicos e de significado imaterial
(Santos, 2004, p. 22-29). A grande variedade de exvotos é em decorrência das diferentes formas de se
estabelecer o voto. O ex-voto é um testemunho de
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dimensão social, que pode servir à História como
documento revelador das ações humanas (Leite,
2002, p. 1). Daí se explica a importância do Museu
de Ex-voto de Sergipe, que “surgiu com a necessidade de preservar o depósito dos votos e ex-votos das
milhares de pessoas que se dirigem à cidade para a
Cerimônia de Passos e que, cheia de esperança, ali
depositam suas promessas (Santos, 2004 p. 29).
Como se viu, a origem dos ex-votos está ligada às
festividades do Senhor dos Passos, que é uma romaria de penitência com a participação de um elevado
número de fiéis. As penitências são reminiscências
do catolicismo rústico brasileiro que ainda podem
ser encontradas em algumas cidades sergipanas. A
forma mais comum é a dos chamados “penitentes”
ou “Irmãos das Almas”, que constituem uma sociedade secreta que tem como função principal pagar
promessas e orar pelas almas dos mortos (Amaral,
2003, p. 185). Esses grupos saem às ruas nas noites
quaresmais, vestidos com túnica branca, com a cruz
alçada, carregando velas acesas, com cânticos e orações penitenciais no ritmo das matracas, visando
salvar as almas. No imaginário popular, esses grupos são acompanhados pelas almas que expiam seus
pecados. Com isso um grupo penitente pode ser interpretado como rito, por ter “ações estandardizadas
baseadas sobre uma disciplina estrita e ligadas a fórmulas, gestos, símbolos e sinais de um determinado
significado para a sociedade que o engendrou” (Santos, 2002, p. 56).
No entanto, a Cerimônia de Passos tem algo diferenciado dos grupos penitentes por ser uma celebração em que os fiéis almejam atingir benesses
imediatas, graças cotidianas, enquanto o foco central dos penitentes é a salvação das almas. A procissão dos Passos é uma celebração da dor que
relembra os sete passos da Paixão de Cristo. É um
ato de interação, de identidade, no qual a dor do
Cristo sofredor se confunde com o sofrimento cotidiano do romeiro.
103
Esse tipo de celebração é de origem ibérica e ocorre
em diversas cidades brasileiras como Pirenópolis (GO),
Paraty (RJ), São Paulo (SP), Florianópolis (SC), Olinda
(PE) e cidades históricas mineiras. Nelas é perceptível
uma considerável mobilização popular, mas também
o caráter oficial, com a participação de membros do
Estado. Um exemplo elucidativo dessa constatação é a
Procissão do Senhor dos Passos da Corte no Segundo
Império, que tinha um dos varões do andor carregado
pelo imperador D. Pedro II (Monteiro, 1982, p. 203).
Em São Cristóvão, a Procissão dos Passos entre as
décadas do final do século XIX e do início do XX era
uma das principais celebrações religiosas de Sergipe.
Provavelmente é a que atraía o maior número de romeiros, que se deslocavam de variadas regiões
sergipanas. Quando se aproximava o segundo domingo da quaresma, alguns dias antes, a multidão de
romeiros se dirigia à cidade para acompanhar o evento (Sant’Iago, 1920, p. 19 v). Assim, em tempos
quaresmais, a cidade era:
(…) lendário nicho onde vão os
aracajuanos ver o echymosado Senhor dos
Passos, quando o sino grande do Carmo
enche de dolentes soluços, à hora do solpôr, a profunda tristeza do Vale do Paramopama. (Silva, 1920, p. 83).
A Procissão de Passos é detentora de uma relevante importância na sociedade sergipana desde
primórdios do século XIX. Essa relevância é evidenciada ao se verificar o elevado número de obras que
citam o evento. Apesar de ser um evento muito citado, a celebração dos Passos ainda é muito pouco entendida, carente de uma reflexão mais específica. Isso
porque a maior parte dos estudos que referencia a
solenidade, a abordam de modo geral, reproduzindo
conclusões que estão em vigor desde o início do século XX. Com isso, está evidente que chegou o momento de se buscar novos problemas, conceitos e
olhares sobre o fenômeno religioso dos Passos.
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2. FÉ, STATUS E PODER: A DEVOÇÃO DA
ELITE
Entre 1870 e 1920, a Procissão do Senhor dos Passos na cidade de São Cristóvão era um evento que
mobilizava romeiros de diferentes localidades
sergipanas. Ao se aproximar o segundo final de semana da quaresma, uma multidão se dirigia a São
Cristóvão para assistir à solenidade do Senhor dos
Passos. Essa locomoção ocorria de formas variadas,
de acordo com as condições financeiras do romeiro
e com o período, como explicita Sant’Iago:
Hoje o nosso Estado acha-se dotado com
uma estrada de ferro, havendo trem diario
para aquella cidade, desapareceu a grande influencia dos romeiros costumados, que
alguns dias antes começavam a viajar, uns
a pé, outros em carros puxados a bois, fazendo um agradável descanso nas margens
do Rio Pitanga (Sant’Iago, 1920, p. 19).
Apesar das constantes dificuldades de locomoção, ainda na primeira semana da quaresma começavam a chegar em São Cristóvão às primeiras famílias oriundas de diversos pontos de Sergipe, principalmente de Aracaju (Sant’Iago, 1920, p. 19v). Esse
elevado afluxo de fiéis que se dirigiam à cidade demonstra que a Procissão do Senhor dos Passos entre
os séculos XIX e XX era uma das principais celebrações religiosas de Sergipe. A Procissão dos Passos
conseguia aglomerar em seus cortejos não só romeiros populares, pagadores de promessas, mas também
importantes membros da elite açucareira.
Nesse estudo, consideramos como “elite” um pequeno grupo que, num conjunto mais vasto — religioso, cultural, político, militar, econômico ou outro
— é tido como superior pelas suas funções de mando, de direção, de orientação ou de simples representação (Barata e Bueno, apud Nascimento, 2005,
p. 112). No caso desse estudo, a elite analisada é a
detentora do poder nos campos econômicos, político e social. Optamos por denominá-la de elite
açucareira pelo fato da maioria dos seus membros
estarem vinculados com a produção açucareira. Deve
ser considerado ainda que, muitos dos integrantes
dessa elite açucareira eram membros das irmandades sancristovenses, principalmente a do Santíssimo
Sacramento da Igreja Matriz Nossa Senhora da Vitória e da Ordem Terceira do Carmo.
A participação desse segmento social na cerimônia dos Passos pode ser constatada através de registros do período estudado, como o Annuario
Christovense de Serafim Sant’Iago, e o Diário de D.
Aurélia Dias Rollemberg, que foi editado recentemente por Samuel Barros de Albuquerque, além de artigos e notas dos jornais da época.
A elite açucareira a qual nos referimos nesse artigo era formada por políticos (presidentes e vice-presidentes da província, deputados gerais e provinciais), militares (comandantes do Corpo Policial), bacharéis, detentores de títulos nobiliárquicos e senhores de engenho. Quase todos estavam ligados ao cultivo de cana-de-açúcar, principal atividade econômica da Província de Sergipe.
No final de semana da solenidade dos Passos, essa
elite açucareira se deslocava de Aracaju e de suas propriedades com destino a São Cristóvão. A Procissão
do Senhor dos Passos era um evento que atraía uma
considerável parte dos administradores e funcionários públicos sergipanos. Ao contrário dos demais romeiros, que seguiam a pé até São Cristóvão, os membros da elite eram conduzidos por carros puxados por
animais, como destaca Serafim Sant’Iago:
Chegava finalmente no sabido a tarde o
Exmo. Senhor Presidente da Província de
seu estado-maior, assim como um grande
número de funcionários públicos gerais e
provinciais e a musica do Corpo de Policia. Grande era a concorrência de carros
conduzindo famílias a entrarem dia e noite na Velha Cidade (Sant’Iago,1920, p.20).
As celebrações religiosas dos períodos colonial e imperial brasileiro contavam com a marcante
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Na Trilha dos Passos do Senhor: A devoção ao Senhor dos Passos de São Cristóvão/Se
participação de membros da elite. As festas religiosas serviam como espaço de legitimação do poder
político-econômico dessa elite que buscava manter
um posicionamento de destaque nas procissões. Assim, as procissões acabavam revelando a hierarquia
presente no cotidiano da sociedade. Dentro dessa
hierarquia processional, um lugar de destaque é nas
proximidades da charola do santo protetor.
Geralmente as charolas eram carregadas nas procissões por pessoas de maior destaque na sociedade,
como políticos, senhores de engenho e fazendeiros.
Poder carregar um dos varões da charola em uma
procissão era indício de Status, de que a pessoa tinha prestígio naquela sociedade. A busca pelo Status
de se ter sobre os ombros o varão de um andor fazia
com que houvessem disputas acirradas por tais postos. As disputas eram mais intensas quando a procissão tinha um caráter oficial, com a participação
de autoridades políticas. Uma das solenidades que
tinha esse aspecto era a procissão do Senhor dos Passos, uma vez que no Rio de Janeiro, um dos varões
do andor era carregado pelo imperador D. Pedro II
(Monteiro, 1982, p. 203).
Em São Cristóvão ocorria algo semelhante, principalmente na procissão do Depósito, realizada no
segundo da quaresma, em que se caracteriza por conduzir a imagem do Senhor dos Passos velada entre
as igrejas da Ordem Terceira do Carmo e a matriz de
Nossa Senhora da Vitória. Ela é uma procissão noturna, cujo foco principal é o aspecto penitencial.
Devido a esse aspecto peculiar, a charola do Senhor
dos Passos tornava-se alvo de disputas, para ser carregada durante a procissão. Essa situação é evidenciada em registros como o de Serafim Sant’Iago:
Via-se também ao pé da charola, aguardando o momento da sahida, o Presidente
da Província com seu estado-maior, Barão
da Estância, Comendador Sebastião
Gaspar de Almeida Botto, Coronel Jozé
Guilherme da Silveira Telles, Coronel Domingos Dias Coêlho e Mello, Dr. Silvio
Anacleto de Souza Bastos, Dr. Simões de
105
Mello e muitíssimos outros abastados proprietários do Vasa-barris, antigos devotos
da respeitável Imagem do Senhor do Passos. A charola nesta procissão, era carregada exclusivamente pelo Exmo Senhor Presidente e seus imediatos; então os homens
que naquelle tempo, faziam votos para
nesse dia carregarem a charola, era necessário que rogassem para serem cedidos alguns dos varões dos devotos que haviam
feito a promessa. (Sant’Iago, 1920, p. 20)
Neste relato fica evidente que a charola do Senhor dos Passos era carregada na procissão exclusivamente pela elite açucareira sergipana, reunindo
senhores de engenho do Vaza-barris e do Cotinguiba.
Durante o itinerário das procissões, era perceptível
uma certa hierarquia, estabelecida pela ordem da
saída. Com isso, ganhavam destaque os membros das
ordens terceiras da cidade, principalmente as do
Carmo, cujo compromisso incluía a procissão do
Senhor dos Passos como uma das obrigações.
Os membros da Ordem Terceira do Carmo também podem ser vistos como membros da elite
açucareira sergipana, como atesta a historiografia
local (Nunes, 1986). Entre os membros se destacavam os capitães José Pedro de Oliveira, José Joaquim
Pereira, Antônio José Pereira e os tenentes Manoel
Messias Álvares Pereira, José Florêncio dos Santos e
João Caetano de Andrade. Esta é mais uma
constatação que demonstra a exclusividade da elite
açucareira em transportar a charola do Senhor dos
Passos durante as procissões.
A presença da elite na procissão do Senhor dos
Passos pode ter interpretações que vão além dos aspectos devocionais. É evidente que o Senhor dos
Passos constituía uma das principais devoções do
catolicismo em Sergipe, tendo fiéis de diferentes segmentos sociais. No entanto, elementos como a busca
pelo direito de transportar sobre os ombros um dos
varões da charola revela intenções que extrapolam
ao caráter penitencial. O transporte da charola pode
ser visto como um eficiente meio de legitimação do
Revista da Fapese, n. 2, p. 97-110, jul./dez. 2005
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Magno Francisco de Jesus Santos; Verônica Maria Meneses Nunes
poder, de demonstração do status que esse segmento
social detinha, ou seja, a elite usava do prestígio da
imagem para consolidar e expor o papel de destaque
que desempenhava na sociedade sergipana. Assim
podemos dizer que, além da devoção da elite ao Senhor dos Passos, havia também um forte jogo de interesses, uma disputa pelo poder materializada na
posse de um dos varões da charola.
A exclusividade da elite no transporte da charola
durante as procissões era garantida também pela força e pela ordem, haja vista que a charola era
guarnecida por oito praças do Corpo de Polícia. Com
isso, a legislação (da Ordem Terceira do Carmo), a
força (o corpo policial) e a tradição estavam a serviço da manutenção do monopólio da elite açucareira
sobre a charola do Senhor dos Passos.
O momento em que o restante dos fiéis tinha a
oportunidade de se aproximarem da imagem do Senhor dos Passos era nos intervalos entre as missas e
as procissões, quando ocorria situações de reverencia e de intimidade entre o devoto e o santo. Um
exemplo visível dessa intimidade está exposto em
um artigo de Gumercindo do Bessa, no qual testemunha um acontecimento irreverente:
Na véspera da Festa foi à Ordem 3a do
Carmo para ver de perto, demoradamente
e só, a bella esculptura do Christo. Não teve
a prazer de fazer sosinho o seu estudo. Lá
estava o armador Luiz Pitanga enfeitando
a charola, pregando e collando. E, segundos depois, chegava assobiando, o José
Pedro que, dirigindo-se para o lado do
andor, dizia familiarmente:
— Bom dia, Senhor.
— Bom dia, seu Capitão, respondia o
Pitanga.
— Não é com o Senhor que eu falo, é com
o Senhor dos Passos; retrucou o velho dos
assobias (Bessa, 1915, p. 1).
Essa nota de Gumercindo Bessa demonstra o grau
de intimidade que havia entre o devoto e o santo.
Esta constitui uma relação familiar, de proximidade
e troca, concretizada com os atos devocionais ao
transportar o andor e com os ex-votos dos romeiros.
3. PASSOS DESCALÇOS: A DEVOÇÃO
POPULAR REGISTRADA NOS EX-VOTOS
Como já foi exposto anteriormente, a celebração
dos Passos era um compromisso da Ordem Terceira
de Nossa Senhora do Carmo. Essa celebração pode
ser compreendida como uma solenidade oficial, considerando que, no século XIX o Presidente da Província, através de anúncios nos jornais, convidava
os fiéis para comparecerem e participarem da procissão.
Apesar do “clima” de solenidade oficial, no qual
só os representantes da elite política e econômica
podiam sustentar e transportar os varões do andor
era a participação popular que dava corpo e volume
à procissão e deixava o seu registro que era o exvoto. Essa afirmativa, entretanto, não exclui a idéia
de que os representantes dos segmentos político e
econômico também não fizessem o depósito dos exvotos como agradecimentos, isto é, o recado deixado
para o santo pelo milagre alcançado.
A origem dos ex-votos prende-se a cultos e ritos
de antigas formas de agradecimento ligadas aos cultos de veneração das forças da natureza, em que se
buscava assegurar a fertilidade do solo. Pesquisas
arqueológicas evidenciam que nos templos de
Asclépio ou Esculápio, onde religião e medicina se
mesclavam, os doentes que para lá iam em busca de
curas milagrosas, lá deixavam, como agradecimento, lápides com inscrições votivas ou pequenas esculturas antropomórficas.
Em Roma seu uso também era constante e pode
ser constatado na aposição em tabuinhas de inscrição V.F.G.A. (votum fecit graciam accepit, isto é, fez
um voto e recebeu uma graça). A informação levanos a compreender que o ex-voto foi uma herança
absorvida pelos primeiros cristãos, quando a partir
Revista da Fapese, n. 2, p. 97-110 jul./dez. 2005
Na Trilha dos Passos do Senhor: A devoção ao Senhor dos Passos de São Cristóvão/Se
de 312 o cristianismo foi reconhecido como religião
oficial do Império Romano.
O Concílio de Trento (1545-1563) teve entre seus
objetivos conter a expansão do protestantismo e uma
das “armas” foi o incentivo a “veneração” das sagradas imagens, porque através delas se manifestavam ao povo os benefícios e mercês que Cristo lhes
concede, e se expõem aos olhos dos fiéis milagres
que Deus obra pelos seus Santos e seus saudáveis
exemplos”.
Tais palavras estimulavam a devoção, a crença
nos milagres e os agradecimentos públicos, e o exvoto vai ser um testemunho individual do encontro
com o sagrado e objeto que materializava a confissão direta.
Os ex-votos se popularizavam na Europa, na Idade Media. Uma prática ex-votiva de agradecimento
era a construção de retábulos que traziam retratos na
parte inferior e em pequenas dimensões, o milagrado.
Posteriormente aparecem igrejas e mosteiros erigidos
em conseqüência de promessas ou de extrema devoção. Posteriormente aparecem sob a forma de tábuas
votivas e desde o século XVI já estão presentes na
colônia portuguesa na América, resultante do contexto da religiosidade dos colonizadores portugueses,
praticantes de um catolicismo popular apoiado nas
tradições religiosas da metrópole.
No entender de Vovelle:
O ex-voto é um documento cultural portador de uma mensagem codificada, desenhada e pintada transmitida por pessoas
que sua maioria não dispunham de outros
meios de expressão para testemunhar suas
crenças, receios e esperanças (1997, p.113).
Uma das formas do ex-voto é a tábua votiva na
qual o artista representa a cena e escreve o texto,
atribuindo a graça o santo ou santa invocada.
107
Das muitas interpretações que podem ser elaboradas sobre essas tábuas destacamos duas: 1) a dificuldade da escrita, o que é justificado na população majoritariamente analfabeta da América portuguesa e no
papel desempenhado pela “medicina que por si só
nada valia” uma vez que “a droga salvadora não curava e a lanceta do cirurgião nada faria” caso uma força
divina não ajudasse (Bilac apud Castro, 1994, p. 12).
Entende-se então que os ex-votos estavam ligados às adversidades de todas as espécies que atingem o homem, além de representarem, quase sempre, necessidades individuais (doenças, acidentes,
cirurgias, etc) e coletivas (epidemias, naufrágios) cuja
função específica é o cumprimento da promessa.
A Procissão dos Passos é, provavelmente, em
Sergipe a primeira referência a essa prática votiva
que registra a “imagem simbólica da ação milagrosa”
(Pessôa, 2001, p. 18) que eram deixadas no teto e nas
paredes da sala dos milagres do claustro da igreja
Nossa Senhora do Carmo. Eram poucas as cenas em
tábuas votivas com narrativas e uma delas data do
ano de 1859. A grande concentração estava no objeto concreto, no qual foi concedida a graça: olhos,
cabeças, cabelos, pernas, pés, seios. Uma coleção
onde se pode observar a variedade de formas elaboradas por artistas anônimos. Ao lado de objetos confeccionados em madeira, barro e cera também podem ser constatados uma forma de ex-voto representada pela fotografia, segundo a estrutura da tábua votiva: as fotos representam cenas de casamento, acidentes, imagens de casas e automóveis com
um texto contendo o relato que descreve a situação
em que foi ou para que foi feita a promessa, isto é, o
voto. Outras formas de expressões do ex-voto era o
uso de velas e fitas.
O hábito de pagamento da promessa/voto era
exteriorizado assim através do ex-voto ou desobriga
e exprimia a presença do sagrado e do milagre na
vida cotidiana como uma “imagem-testemunho” da
relação do homem com Deus.
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108
Magno Francisco de Jesus Santos; Verônica Maria Meneses Nunes
Na procissão que estamos estudando, a desobriga era realizada na solenidade noturna, realizada
na noite do segundo sábado da quaresma. Muitos
devotos, pagadores de promessa que a ela se dirigiam, trajavam túnica roxa ou lilás, como a
indumentária das imagens do Senhor dos Passos e
de Nossa Senhora da Soledade, levava às mãos o seu
ex-voto, com pés descalços e, muitas vezes, venciam
de joelhos o itinerário dos Passos entre as igrejas do
Carmo e da Vitória. Ao final do trajeto, na igreja de
Nossa Senhora da Vitória, o milagrado retornava à
igreja de Nossa Senhora do Carmo para depositar a
sua desobriga. Nos últimos anos a equipe que organiza a solenidade, estabeleceu pontos pré-determinados para recolher os ex-votos, o que não impede
que o fiel o leve até a igreja do Carmo. Um outro
modo evidencia a forma tradicional, ou seja, mantém a noção de que o ex-voto deve ser depositado
em espaço público religiosos dedicado ao santo ou a
divindade milagreira, por isso encontramos ex-votos também em cruzeiros e nas denominadas santacruz de beira de estrada. Como afirma Mattos:
Simbolicamente, ao ser inserido no templo sagrado, o momento aflitivo e a interferência do poder
divino — milagre — são perpetuados e o objeto material identifica-se com a natureza intemporal do
locus sagrado (2001, p. 24).
Por esse motivo percebe-se que o ex-voto é um
documento cultural, uma mensagem transmitida por
pessoas que, em sua maioria não dispunham de outros meios de expressão para testemunhar seus re-
ceios, crenças e esperanças (Vovelle, 1997, p. 113).
No contexto sergipano podemos entender a Procissão dos Passos com o depósito dos ex-votos como
uma expressão da religiosidade tradicional, representando uma história de vida de cada pagador de promessa, demonstrando as experiências individuais nas
quais o homem coloca nas mãos de Deus a instância
última para o atendimento do seu pedido, seja ele
qual for, e ele, pagador de promessa, ia humilde e
descalço agradecer.
4. Á GUISA DE UMA CONCLUSÃO
Entre 1870 e 1920, a Procissão do Senhor dos Passos constituía uma das principais cerimônias religiosas do catolicismo em Sergipe. A procissão conseguia atrair romeiros de diferentes segmentos sociais,
das mais variadas regiões de Sergipe, tornando-se
uma procissão com considerável poder de
mobilização social.
Vimos que na cerimônia do Senhor dos Passos a
elite açucareira sergipana desempenhava algumas
funções relevantes, como o monopólio no transporte da charola durante as procissões, visando a
legitimação social. Apesar do destacado papel desempenhado pela elite, quem dava corpo a procissão eram
os romeiros de segmentos populares, que seguiram
descalços a charola do Senhor dos Passos, cercada
por autoridades políticas e senhores de engenho. Tais
romeiros registraram a sua participação ao longo dos
anos através dos ex-votos.
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Na Trilha dos Passos do Senhor: A devoção ao Senhor dos Passos de São Cristóvão/Se
109
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Revista da Fapese de Pesquisa e Extensão, v. 2, p. 111-122, jul./dez. 2005
111
A pesquisa aplicada e as possibilidades de
desenvolvimento do campo de estudos em
jornalismo
Carlos Eduardo Franciscato
R e s u m o
Josenildo Luiz Guerra1
E
ste artigo realiza uma breve análise sobre o estado da arte da
pesquisa em jornalismo, caracterizando os dilemas teóricoconceituais nela presentes e principalmente a rica e tensa
relação entre pesquisa pura e aplicada. Como a literatura teórica e
as pesquisas empíricas que abordam esta relação, no âmbito nacional e internacional, são escassas, o presente esforço busca contribuir para se avançar tanto na compreensão teórico-metodológica
sobre inserção social do jornalismo quanto na aplicabilidade técnica do conhecimento produzido sobre a atividade. Tal análise tem
origem na proposta de um Mestrado Profissional em Novas
Tecnologias da Comunicação, com área de concentração em Jornalismo, em cujo projeto se busca harmonizar elementos teóricos capazes de sistematizar o fazer jornalístico com a necessidade de sua
aplicação a fim de vislumbrar o aperfeiçoamento das práticas profissionais. Para tanto, as atividades planejadas visam desenvolver
modelos aplicados de inovação nas técnicas, nos produtos e no seu
uso social, elaborando modelos explicativos sobre processos e conteúdos.
PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo, Pesquisa Aplicada, Novas
Tecnologias.
112
Carlos Eduardo Franciscato; Josenildo Luiz Guerra
1. INTRODUÇÃO
O jornalismo é uma atividade social, institucional
e coletiva, concretizada em organizações, práticas,
princípios, normas e um corpo técnico especializado (os jornalistas), que atua como produtor de um
tipo específico de conteúdo, as notícias (relatos
construídos com base em regras e normas
jornalísticas com sentido de fidelidade a um real que
se desdobra no tempo presente). O jornalismo atua,
portanto, na construção do conhecimento sobre o
mundo e como agente instituinte de formas específicas de sociabilidade a partir da circulação pública
das notícias: por um lado, laços, relações e ações sociais; por outro, concepções, interpretações e imagens sobre as coisas do mundo. Por ser dinâmica e
contextual, a atividade jornalística, mesmo tendo
ganhado forma e unidade em princípios práticonormativos com certo grau de generalidade, manifesta-se diferenciadamente conforme realidades particulares.
Consideramos, então, pertinente afirmar o jornalismo como um processo de interpretação do mundo que alcança uma externalidade social, afetando
formas de experiência social. Práticas e valores se
institucionalizam ou se modificam socialmente conforme os modos de atuação jornalística e o os modos
como as pessoas se relacionam com ela. O jornalismo tende a ser tanto indutor de processos de estabilidade quanto também de mudança social, econômica, política e cultural, e são ricas as formas como o
conteúdo jornalístico interage com práticas e saberes locais.
Tais processos de interação são cada vez mais
complexos, pois o jornalismo está vinculado a movimentos sócio-tecnológicos amplos e históricos que
atravessam formas específicas de instituições e constituem os princípios organizativos de uma sociedade, tais como a construção e a transmissão da cultura, as relações econômicas (o mercado como regulador da circulação), as formas de ação política e as
transformações tecnológicas. Por isso, movimentos
estruturais amplos no campo das novas tecnologias
da informação e da comunicação afetam as relações
entre jornalismo e sociedade, gerando uma nova e
rica diversidade de experiências conforme realidades locais.
O trabalho científico em torno do jornalismo vem
se caracterizando, contemporaneamente, por um
duplo desafio. Um, compreender, teórica e
conceitualmente, a atividade jornalística em sentido
estrito bem como as suas relações ou interações sociais. Outro, reorientar esta compreensão para a própria atividade, com o fito de promover aperfeiçoamentos nos processos e, principalmente, nos resultados do trabalho jornalístico, que incidem diretamente na qualidade da informação disponibilizada
para o conjunto da sociedade.
Este artigo visa, à luz de uma sistematização inicial do conjunto de questões presentes no primeiro
desafio, apresentar as premissas que nos orientam
num caminho em construção para enfrentar aquele
segundo desafio. Tais premissas constituem a base
de um projeto de mestrado profissional em Novas
Tecnologias da Comunicação na área de concentração em Jornalismo gestado, inicialmente, no Laboratório de Estudos em Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe, mas que tem buscado incorporar
as contribuições de diferentes pesquisadores de diversas áreas a fim de viabilizar uma proposta inovadora de pesquisa aplicada ao sistema de produção
de notícias.
2. DILEMAS DA PESQUISA EM
JORNALISMO
As abordagens sobre jornalismo vêm acompanhando os debates e desenvolvimentos das ciências
humanas nos últimos cem anos, recorrendo a seus
pressupostos e metodologias e enfrentando, de forma semelhante, suas grandes polêmicas. Em outras
Revista da Fapese, n. 2, p. 111-122 jul./dez. 2005
A pesquisa aplicada e as possibilidades de desenvolvimento do campo de estudos em jornalismo
palavras, os estudos sobre jornalismo têm estado à
mercê de um conjunto de problemas, dilemas e
impasses que todas estas ciências vêm enfrentando2 .
Se por um lado esta semelhança e vinculação são
necessárias para inserir as pesquisas em jornalismo
em uma tradição de pensamento acadêmico, por
outro lado tem também gerado dificuldades nos avanços que o jornalismo, como campo específico de saberes, vem necessitando alcançar para qualificar teórica e instrumentalmente sua atividade. Uma das
dificuldades reside na insuficiência de formulação
de um consistente aparato conceitual próprio que
possa explicar a atividade. Em vez disso, pesquisas
em jornalismo têm sofrido uma tendência a conduzir suas discussões para o interior de disciplinas
humanísticas fundadoras de quadros conceituais. Tal
movimento redunda, pela própria natureza de rigor
disciplinar da tradição, em uma exigência de o pesquisador em jornalismo dar conta dos problemas
(epistemológicos inclusive) destas disciplinas, e tal
enfrentamento lhe faz tirar o foco principal sobre as
questões conceituais específicas do jornalismo.
Vejamos alguns problemas que podem ser pertinentes a um pesquisador que, além de aplicar instrumentais metodológicos típicos das ciências humanas e sociais, busca investigar a possibilidade de
se construir uma “epistemologia do jornalismo”:
Se, como pretendem algumas perspectivas
teóricas, o jornalismo é efetivamente uma
113
forma de conhecimento – ao lado da filosofia e da ciência -, qual o seu estatuto
epistemológico? O que o distingue das demais formas estabelecidas de conhecimento e quais os pressupostos que lhe são próprios? Será a realidade de que trata o jornalismo, em sentido ontológico, diferente
da realidade de que tratam as ciências e a
filosofia? Terá o jornalismo, em sentido
epistemológico, um modo de declarar, afirmar ou descrever diferente do de outras
áreas? O que é fato para o jornalismo não
será fato para as ciências e vice-versa?
Qual o conceito de verdade operado pelo
jornalismo? (Tambosi, 2003, p. 41).3
Um segundo nível de argumentos sobre os desafios das pesquisas contemporâneas em jornalismo,
levantado por alguns acadêmicos brasileiros
(Meditsch 2004; Machado, 2004; 2005), alcança um
outro objetivo, além deste. Há um questionamento
se a vinculação disciplinar mais adequada para a área
de jornalismo não seria o campo das ciências sociais
aplicadas, em vez de se localizar no das ciências
humanas, locus de onde surge a maioria dos estudos
comunicacionais e, também, de jornalismo. Como
defesa inicial desta tese está um argumento
institucional: em sua divisão das áreas de conhecimento, o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) insere a área de comunicação (e, em decorrência, a de jornalismo) no
campo das Ciências Sociais Aplicadas.
Revista da Fapese, n. 2, p. 111-122, jul./dez. 2005
114
Carlos Eduardo Franciscato; Josenildo Luiz Guerra
Entretanto, o principal argumento em favor desta
tese é qualitativo: o jornalismo é uma atividade social prática4 que necessita da pesquisa aplicada para o
seu desenvolvimento. A atividade jornalística é um
corpus de conhecimentos e procedimentos individuais, coletivos e organizacionais que exigem um contínuo aperfeiçoamento para corresponder às exigências sociais quanto para dar conta das transformações sociais no campo da tecnologia, economia, política e cultura, bem como estimulam a busca de inovações de processos e produtos jornalísticos.
Há, aqui, um importante ponto de convergência
entre o setor acadêmico e o produtivo, com possibilidade de produção de conhecimento (objetivo maior da academia) que tenha fins aplicados (interesses
das organizações produtivas, como as indústrias da
mídia). Meditsch esclarece que a indústria jornalística
brasileira vem, nos últimos anos, buscando apoio das
universidades para a solução de seus problemas, sem
encontrar interlocutor interessado ou capacitado para
esta parceria. “As empresas se deram conta de que a
profissão já não pode se reproduzir ‘na prática’ como
antigamente; a mutação cultural, social e tecnológica
obriga a uma compreensão científica do que está ocorrendo” (Meditsch, 2004, p. 99). Isto significa apontar para a possibilidade de parcerias entre o setor
produtivo e as universidades, como a experiência
modelar do Gannett Center for Media Studies, na Universidade de Columbia, Estados Unidos, resultado de
uma interação entre universidade e indústrias
jornalísticas a fim de produzir livros, estudos e outros
produtos intelectuais (Dennis e Stebenne, 2003).
Machado (2004) considera que a hesitação dos
pesquisadores em jornalismo em optar por realizar
pesquisa social aplicada (preferindo localizar-se no
campo das ciências humanas) tem gerado, na área,
uma incapacidade em desenvolver metodologias próprias de pesquisa e, em conseqüência, dificuldades
em se constituir como um campo de conhecimento:
Quando renuncia a aplicação das teorias
que desenvolve o campo do jornalismo,
comete um duplo equívoco. De um lado,
quando se trata de uma teoria criativa,
deixa de possibilitar que este tipo de conhecimento seja traduzido em aplicações
que poderiam melhorar a qualidade de
vida das pessoas. De outro, por não aceitar sequer a possibilidade de pôr à prova
da prática as suas hipóteses, o pesquisador muitas vezes acaba por assumir uma
postura reativa ou mesmo contestatória ao
mundo institucionalmente dado. Não raras vezes, mais que teorias reafirma princípios políticos.
Ao defendermos a prioridade para a pesquisa aplicada nada mais queremos que,
com mais de dois séculos de atraso, o circuito da produção de conhecimento seja
completado no campo do jornalismo. Com
o estímulo à pesquisa aplicada haveria a
possibilidade para a pesquisa auto-reflexiva, - a que determina o nível de amadurecimento do próprio campo - e que permitiria a cobertura de uma lacuna que provoca muitos prejuízos ao processo de formação: o desenvolvimento de métodos de pesquisa e metodologias de ensino no campo
do jornalismo (Machado, 2005).
Pressupomos, então, haver uma rica e tensa relação complementar entre pesquisa pura e aplicada em
jornalismo. Entendemos ser praticamente inexistente
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A pesquisa aplicada e as possibilidades de desenvolvimento do campo de estudos em jornalismo
a literatura teórica e as pesquisas empíricas que compreendam esta relação, no âmbito nacional e internacional. Por isso, esperamos que os resultados deste projeto representem um avanço tanto na compreensão teórico-metodológica da inserção do jornalismo nas sociedades quanto nos estudos aplicados em
jornalismo.
3. A PESQUISA APLICADA EM
JORNALISMO E A PÓS-GRADUAÇÃO
A produção científica tendo o jornalismo como
objeto central de pesquisa vem crescendo significativamente nos últimos dez anos no Brasil. Indicadores deste incremento podem ser percebidos ao considerarmos o número de trabalhos científicos apresentados anualmente nos dois principais congressos
brasileiros de pesquisa em comunicação INTERCOM e COMPOS - e na criação, ao final de
2003, da Sociedade Brasileira dos Pesquisadores em
Jornalismo (SBPJor). Estes são movimentos que, por
um lado, revelam uma intenção dos pesquisadores
em produzir um avanço teórico do campo, melhor
definição de metodologias adequadas ao estudo do
jornalismo e aprofundamento no conhecimento das
especificidades do objeto e das relações que estabelece com outros atores, processos e práticas sociais.
Ao mesmo tempo, se observamos as linhas de
pesquisas formalmente estabelecidas nos programas
de pós-graduação em Comunicação no País, o jornalismo tem sido um objeto de relevância secundária quando considerado, tem aparecido predominantemente como um dado empírico para pesquisas com
focos sobre questões que transcendem a atividade
jornalística. Os programas de pós-graduação
(mestrado e doutorado) em comunicação não investem na produção de pesquisa aplicada para o desenvolvimento do campo de estudos em jornalismo.
Como as linhas de pesquisa destes programas não
priorizam o desenvolvimento de um conhecimento
básico e aplicado do jornalismo, este objeto tende a
não se constituir como um campo de estudos relevante e capaz de alcançar solidez, unidade mínima e
115
densidade teórica suficiente para a formação de modelos explicativos e aplicados sobre os fenômenos
específicos que esta atividade opera.
É algo até paradoxal, já que, dentro da classificação das áreas de pós-graduação elaborada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), responsável pela organização, fiscalização e avaliação do sistema brasileiro de pósgraduação, os 19 programas de pós-graduação em
Comunicação e os 7 em Ciência da Informação localizam-se na área “Ciências Sociais Aplicadas I”. Em
Comunicação, são 9 programas de Mestrado e 12
programas de Mestrado e Doutorado, resultantes de
um crescimento acelerado na área nos últimos anos
(em 1996, havia 8 programas de mestrado e 4 de doutorado em Comunicação).
Este crescimento possui um esboço de paradoxo
porque, mesmo que a localização dos programas seja
na área de “Ciências Aplicadas”, há, proporcionalmente, uma redução institucional de linhas de pesquisa voltadas à aplicação do conhecimento para o
desenvolvimento de processos e produtos das atividades profissionais. Estes campos com vocação profissional vêm sendo englobados em linhas de pesquisa com maior grau de generalidade, como, por
exemplo, a perda de um foco específico em “jornalismo” e a inclusão deste campo em sub-áreas como
“comunicação impressa” ou “estudos dos meios de
comunicação”. Em contrapartida, há um acentuado
crescimento em áreas predominantemente teóricas,
com ênfase em disciplinas tradicionais das Ciências
Humanas (Ciências Sociais, Filosofia, História), das
Ciências da Linguagem ou Artes, revelando uma vocação multidisciplinar da área.
Outro exemplo dessa pouca afinidade teórica com as “Ciências Aplicadas” é que a
área de Comunicação não possui, até hoje,
nenhum programa de Mestrado Profissional. Em uma nova chamada pública para
apresentação de propostas de Mestrado Profissional em 2005, a CAPES avalia que estes programas têm o perfil adequado para
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Carlos Eduardo Franciscato; Josenildo Luiz Guerra
permitir “(1) a mais rápida transferência do
conhecimento científico para a sociedade,
(2) a elevação da produtividade de nossas
empresas, (3) o aumento da competência
dos setores sociais da administração pública, bem como de organizações não governamentais que tenham por meta a redução
da dívida social” (www.capes.gov.br).
PES, um projeto de criação de um Mestrado Profissional, denominado “Novas Tecnologias da Comunicação”, com área de concentração em Jornalismo. O
projeto foi aprovado nos conselhos internos da Universidade e enviado, em setembro de 2005, à CAPES, para que esta avalie a solidez e a viabilidade da
proposta e, se for o caso, autorize o seu funcionamento5 .
Para a área de Ciências Sociais Aplicadas I, a
CAPES lançou, em seu portal na Internet, um documento, datado de julho de 2005, em que apresenta
parâmetros complementares a um Mestrado Profissional:
A proposta de criação de um mestrado profissional em que o jornalismo é a preocupação central e
ponto de convergência das investigações busca complementar as áreas de reflexão sobre os fenômenos
comunicacionais existentes no sistema brasileiro de
pós-graduação. E, particularmente, dar um corpo
institucional que contribua para constituir um núcleo emergente e convergente de estudos sobre jornalismo voltados para o desenvolvimento de pesquisas aplicadas.
1. A função básica de um Mestrado Profissional em Ciências Sociais Aplicadas I deve
ser a de obter desenvolvimentos significativos de competências superiores de nível crítico, estratégico, criativo, analítico e
interpretativo sobre questões e problemas do
espaço profissional, e conforme interesses e
expectativas da sociedade sobre tais profissões. 2. Esse desenvolvimento será obtido
através da ampliação e diversificação experimental de projetos envolvendo pesquisa para geração de conhecimentos (elaborando reflexões teóricas sobre as práticas
profissionais em pauta), pesquisa de linguagens, experiências de produção, de criação
e de processos profissionais inovadores.
4. A PROPOSTA DE UM MESTRADO
PROFISSIONAL EM JORNALISMO
As lacunas teórico-metodológicas na pesquisa em
jornalismo motivaram um grupo de professores da
Universidade Federal de Sergipe a apresentar, à CA-
Este projeto surge também como resposta da Universidade a uma demanda regional de qualificação
profissional na área de jornalismo. A formação de
nível superior em jornalismo se tornou uma realidade em Sergipe a partir de 1985, com a criação do
primeiro curso de nível superior em Comunicação
Social/Jornalismo, pela antiga Faculdade Tiradentes
e, em 1993, com o início de funcionamento do curso
da UFS.
Esta nova geração de jornalistas formados em
Sergipe encontrou, à sua espera, um mercado de comunicação que opera ainda sob uma lógica de baixos investimentos em produção, qualificação,
tecnologia e diversificação de atividades de comunicação. Isto faz com que, em média, o jornalista se
depare com empresas cujos processos de produção
apresentam defasagem tecnológica e atrasos na introdução de inovações na área produtiva.
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A pesquisa aplicada e as possibilidades de desenvolvimento do campo de estudos em jornalismo
Assim, a reduzida vocação empresarial das
empresas e seus reduzidos investimentos em novas
tecnologias da informação e da comunicação, bem
como a baixa remuneração dos jornalistas e a necessidade de um segundo ou terceiro empregos para
complementar a renda salarial são fatores que limitam as possibilidades reais de qualificação profissional dentro do quadro existente. A partir deste perfil de demanda, o projeto de Mestrado Profissional
serve como indutor de processos inovadores de produção jornalística.
4.1 Caracterização da proposta
O Curso de Mestrado Profissional em Novas
Tecnologias da Comunicação, com área de concentração em Jornalismo, tem como objetivo geral capacitar jornalistas com formação de nível superior para
dois tipos de ações:
a) o desenvolvimento de novos processos e produtos jornalísticos nas suas áreas de atuação:
utilização da tecnologia aplicada ao jornalismo, rotinas de produção jornalística, compreensão das áreas temáticas que são objetos regulares de intervenção jornalística e investigação de novos estilos de construção textual;
b) a formulação de modos de investigação das
indústrias jornalísticas e sua inserção em contextos sócio-econômico-culturais regionais.
O jornalista será, então, direcionado a desenvolver modelos aplicados de inovação nas técnicas, nos
produtos e no seu uso social, bem como analisar a
atividade e as indústrias jornalísticas a partir de sua
estrutura produtiva, seus processos de produção e
da especificidade do seu produto, elaborando modelos explicativos sobre seus processos e conteúdos.
Embora o curso tenha como foco principal a qualificação profissional em jornalismo, é intenção do
117
projeto contribuir para promover uma melhoria no
conjunto da atividade profissional no Estado. Isto
significa que o curso pretende desenvolver reflexão
crítica sobre a atividade, articulando pesquisadores
e estudantes de pós-graduação não necessariamente
ligados diretamente a esta atividade-fim.
O Curso trabalhará com dois tipos de públicoalvo:
a) Prioritariamente formados em cursos de graduação em Comunicação Social/Jornalismo ou
formados em cursos de graduação de qualquer
área de conhecimento e com registro profissional em Jornalismo. O foco principal no jornalismo se deve à necessidade de qualificação
profissional e desenvolvimento de tecnologias
e procedimentos inovadores na atividade, considerando-se as necessidades do ambiente regional de produção jornalística;
b) Formados em cursos de graduação em demais áreas de conhecimento, conforme interesses específicos para abordagem
multidisciplinar do jornalismo. Este segundo tipo de público se deve à oportunidade
de desenvolver uma qualificação no procedimento de análise crítica do produto
jornalístico e nas possibilidades de desenvolvimento de competência crítica de leitura para o público leitor de produtos
jornalísticos, bem como no estímulo à sedimentação de novas formas de vínculo e legitimidade do jornalismo na sociedade.
Admite-se, por exemplo, a presença de alunos
formados em áreas de conhecimento de Ciências da
Computação, como forma estimular o desenvolvimento de tecnologias, processos e produtos inovadores em banco de dados e internet aplicados ao jornalismo e, em conseqüência, qualificar profissionais
desta área a atuar no desenvolvimento de aplicativos
para fins jornalísticos.
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Carlos Eduardo Franciscato; Josenildo Luiz Guerra
4.2 As linhas de pesquisa
O projeto do Curso de Mestrado Profissional em
Novas Tecnologias da Comunicação apresenta duas
linhas de pesquisa, “A reportagem jornalística em
ambientes digitais” e “Áreas Temáticas Aplicadas à
Produção Jornalística”. As duas linhas de pesquisa
têm um caráter complementar, ou seja, os conhecimentos gerados em cada uma poderão alimentar
conceitual e instrumentalmente a outra linha: ambas
possuem bases nos estudos em jornalismo e buscam,
por meio de atividades diferenciadas, a qualificação
do campo do jornalismo.
novas formas de interação entre jornalistas e leitores, havendo, como nos blogs, graus de co-participação do leitor na tecitura da escrita e, desta forma,
reconstruindo vínculos com a instituição jornalística.
Além das reflexões necessárias à compreensão
destes aspectos, será estimulado o desenvolvimento
de processos inovadores de produção jornalística a
partir dos novos suportes tecnológicos. Rotinas de
trabalho baseadas na Computer-Assisted Reporting
(CAR) serão avaliadas e desenvolvidas como qualificação das fases de apuração, redação e edição de produtos jornalísticos.
4.2.2 ÁREAS TEMÁTICAS APLICADAS À PRODUÇÃO
4.2.1 A REPORTAGEM JORNALÍSTICA EM AMBIENTES DIGITAIS
Esta linha de pesquisa propõe estudar os processos e produtos jornalísticos tendo por base as novas
tecnologias da comunicação e da informação, particularmente o ambiente das redes midiáticas surgidas
com a convergência entre informática e telecomunicações. Estes estudos direcionam-se a apresentar e a
desenvolver conhecimentos sobre os modos como o
jornalista pode qualificar seu trabalho de reportagem
ao utilizar ferramentas como programas de busca na
internet, banco de dados, filtros para selecionar materiais, espaços interativos na internet, bem como
desenvolver usos aplicados dessas ferramentas para
fins jornalísticos.
Para isso, o mestrando deverá adquirir sólido conhecimento das teorias e modelos explicativos sobre o jornalismo, a saber: os estudos sobre as rotinas
da produção jornalística, a noticiabilidade, o
agendamento, os gêneros jornalísticos, bem como
estudos que diagnostiquem os alcances dos novos
processos comunicacionais realizados em ambientes telemáticos. O jornalista será desafiado e pensar
estes ambientes não somente como locais de desenvolvimentos de novas tecnologias e ferramentas de
interação, edição e leitura de produtos jornalísticos,
mas como: a) novas posturas possíveis do jornalista
no espaço público; b) redefinições do papel do jornalista na operação de sistemas de informação; c)
JORNALÍSTICA
Esta linha de pesquisa busca estudar os modos
como os jornalistas abordam áreas especializadas de
conhecimento, suas dificuldades na compreensão de
conhecimentos complexos e sua tradução para linguagens simplificadas e acessíveis ao leitor não especialista. Ao compreender estes aspectos, supomos
estar preparando um mapeamento de temas, abordagens e questões necessários à qualificação profissional em áreas temáticas, por meio do desenvolvimento de competências gerais e específicas e de novos processos de produção jornalística.
Assim, esta linha de pesquisa propõe articular
pesquisadores que investiguem a influência das áreas especializadas de conhecimento para a interpretação dos fatos e elaboração da notícia, bem como
desenvolver metodologias de pesquisa pura e aplicada para um melhor domínio e manejo destas áreas
de conhecimento por jornalistas.
Entendemos que esta proposta de linha de pesquisa possui um caráter multidisciplinar em sua
institucionalidade, articulação e trabalho efetivo. Esta
multidisciplinaridade irá se manifestar na forma
como as áreas temáticas especializadas alimentarão,
com diagnósticos e sistematização de conhecimentos, os processos e produtos jornalísticos. Teremos,
para isso, as novas tecnologias da informação e da
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A pesquisa aplicada e as possibilidades de desenvolvimento do campo de estudos em jornalismo
comunicação como suporte teórico-prático para indicar novas interfaces tecnológicas entre o conhecimento especializado e a atividade jornalística.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme procuramos expor nos fundamentos e
no projeto de criação do Curso de Mestrado
Profissionalizante em Novas Tecnologias da Comunicação, área de concentração em Jornalismo, é para
esta área de concentração que convergem tanto as
linhas de pesquisa, os projetos, os grupos de pesquisadores quanto as demais atividades do programa.
Entendemos que o jornalismo é definido não pela
particularidade do objeto de estudo, mas pela
especificidade dos conhecimentos utilizados tanto
na compreensão do objeto quanto no desenvolvimento de processos e produtos jornalísticos. Por meio
desta área de concentração consideramos possível
estabelecer um foco sobre abordagens, teorias e modelos de investigação da prática jornalística.
O jornalismo é uma instituição social constituída
historicamente para cumprir um papel social específico, não executado por outras instituições. A instituição jornalística conquistou historicamente uma legitimidade social para produzir, para um público amplo, disperso e diferenciado, uma reconstrução
discursiva do mundo com base em um sentido de fidelidade entre o relato jornalístico e as ocorrências
cotidianas.
O projeto pedagógico do Mestrado Profissional
pretende enfrentar o desafio de transformar uma visão histórico-interpretativa do jornalismo (como objeto das Ciências Humanas) em um modo de conhecimento que articule teoria e prática e que conduza a
uma qualificação teórica e técnica dos modos de produzir jornalismo. A intenção é possibilitar que o pósgraduando tanto amplie sua compreensão sobre temas e situações da atividade fundados nas mais recentes transformações histórico-sociais e
tecnológicas quanto se qualifique para intervir nas
tensões próprias ao mercado regional de comunica-
119
ção, com vistas a introduzir novos modelos inovadores de processos e produtos jornalísticos.
Dois aspectos finais podem ser ainda mencionados, particularmente sobre o modelo de pós-graduação vigente no Brasil, os desafios para os próximos
anos e a localização desta proposta de Mestrado Profissional neste contexto de formação em pós-graduação. Primeiro, o Plano Nacional de Pós-Graduação
2005-2010 avalia que o Sistema Nacional de PósGraduação apresenta enormes assimetrias no seu
funcionamento, tanto do ponto de vista regional,
intra-regional e entre estados:
O sistema continua concentrado na região sudeste. Independentemente de políticas
direcionadas, nos últimos anos a Região Sul
vem encontrando estratégias desenvolvimentistas e consolidando seus programas, de sorte a ocupar hoje lugar de visibilidade no Sistema. O Nordeste alcançou algum destaque,
porém, ainda apresenta assimetrias entre os
seus estados. No Centro-Oeste o quadro de
assimetrias é ainda mais acentuado, uma vez
que a pós-graduação concentra-se em Brasília.
E no Norte, região de extrema importância
nacional pela sua dimensão e diversidade, encontra-se uma pós-graduação incipiente, com
concentração em dois estados de uma região
de dimensão continental (p.46).
A área de pós-graduação em Comunicação reproduz estas disparidades regionais. As regiões NorteNordeste apresentam apenas dois programas de pósgraduação (strito sensu) em Comunicação: a)
Mestrado e Doutorado em Comunicação e Cultura
Contemporâneas (Universidade Federal da Bahia); b)
Mestrado em Comunicação na Universidade Federal
de Pernambuco. Ambos são mestrados acadêmicos,
e concentrados nos dois pólos sócio-econômicos das
regiões. Por isso, a proposta de criação de um
mestrado profissional na Universidade Federal de
Sergipe contemplará tanto uma possibilidade de
desconcentração da pós-graduação nas regiões Sul e
Sudeste quanto fora dos pólos regionais.
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Um segundo aspecto é a presença de um caráter
multidisciplinar como uma das dimensões necessárias para a qualificação profissional em jornalismo.
Entendemos que o jornalismo não é uma área estritamente multidisciplinar, mas, ao contrário, depende de um rigor disciplinar em seus métodos e técnicas de trabalho, bem como na clareza dos seus princípios e conceitos norteadores para que possa alcançar um avanço teórico e prático. Isto é, a qualificação da atividade jornalística depende da instituição
e consolidação de um campo de conhecimentos em
jornalismo.
Ao mesmo tempo, o jornalismo necessita também
manter uma interface contínua e viva com outras
disciplinas para o exercício qualificado da atividade. É este o aspecto multidisciplinar com o qual o
jornalismo deve interagir. Entendemos que esta perspectiva insere-se na percepção estratégica de desenvolvimento de áreas multidisciplinares indicadas
pelo Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) 20052010. Este documento revela esta preocupação no
item em que aborda a destinação dos recursos de
ciência e tecnologia nacionais,sugerindo: “Estimular
a formação de parcerias e consórcios entre programas de regiões distintas, de forma a promover a
desconcentração do sistema nacional de pós-graduação, utilizando para isso a parceria federal-estadual no financiamento, particularmente em áreas estratégicas e multidisciplinares” (p. 58).
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A pesquisa aplicada e as possibilidades de desenvolvimento do campo de estudos em jornalismo
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