Refugo industrial como insumo para a cerâmica artesanal: uma

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Refugo industrial como insumo para a cerâmica artesanal: uma
Refugo industrial como insumo para a cerâmica
artesanal: uma alternativa sustentável para o
artesanato do Cabo de Santo Agostinho – Pernambuco
/ Brasil
Industrial residue as a consumable for craftwork ceramic: a sustainable alternative to
crafwork of Cabo de Santo Agostinho – Pernambuco / Brasil
Silva, Germannya D´Garcia Araújo; Mestre; Universidade Federal de Pernambuco
[email protected]
Cavalcanti, Virginia Pereira; Doutor; Universidade Federal de Pernambuco
[email protected]
Andrade, Ana Maria de; Mestre; Universidade Federal de Pernambuco
[email protected]
Santos Filho, Plínio Bezerra dos; Phd; AGÊNCIA DE ESTUDOS E RESTAURO DO
PATRIMÔNIO – AERPA [email protected]
Cordeiro, Erimar José Dias; Graduado; Universidade Federal de Pernambuco
[email protected]
Resumo
No Nordeste do Brasil, a cerâmica artesanal tem, em muitos casos, o processo produtivo como um dos
principais problemas para a manutenção da sustentabilidade econômica e ambiental. Este artigo
descreve a estratégia do Laboratório O Imaginário na melhoria do processo produtivo cerâmico, com a
introdução de resíduo industrial como insumo para a cerâmica artesanal, e o uso de esmalte para
vitrificação de peças. A abordagem metodológica, estudo de caso, tem como unidade de análise a
comunidade do Cabo de Santo Agostinho. Os resultados apontam o uso mais eficiente dos recursos
naturais e produção, a diversificação no desenvolvimento de produtos e ganho de rendimento e de
eco-eficiência.
Palavras Chave: artesanato, sustentabilidade, processo produtivo
Abstract
In the Northeast of Brazil, craftwork in ceramics have, in many cases, found the production
process to be one of the main problems in maintaining economic and environmental
sustainability. This article describes the action strategy of the Imaginário for improving the
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production process for ceramics, namely the use of industrial residue as a consumable for
craftwork ceramics and of glaze to vitrify pieces. The methodological approach used, a case
study, takes as the unit of analysis an community in Cabo de Santo Agostinho. The results
point up the more efficient use of natural resources and of production, the diversification in
the development of products, besides gains in yield and eco-efficiency.
Key-words: craftwork, sustainability, production process
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Cabo de Santo Agostinho – Pernambuco / Brasil
Introdução
No Brasil, a cerâmica artesanal utilitária e decorativa tradicional é encontrada
nacionalmente, mas principalmente nos Estados do Nordeste. Em muitos casos, o processo
produtivo é o principal problema para a manutenção da sustentabilidade econômica e
ambiental de grupos artesãos ceramistas.
Segundo Manzini e Vezzoli (2005), todos os materiais possuem certo nível de impacto
ambiental que pode se manifestar nas fases de produção, seja na transformação da matériaprima em produto, durante o uso pelo consumidor ou mesmo na sua eliminação final. Na
perspectiva da sustentabilidade, os recursos para a produção de cerâmica são limitados e nãorenováveis.
Desta forma, as tentativas de minimização desse impacto, a saber, vão da fase de préprodução à escolha dos materiais e dos processos. A reciclagem ou o reaproveitamento é uma
oportunidade de transformação de uma fonte importante de despesas em faturamento ou, pelo
menos, de redução dos gastos com deposição e armazenagem. A reciclagem ou o
reaproveitamento de resíduos significa redução de custos e até novas oportunidades de
negócios, mas principalmente o fortalecimento da cadeia produtiva que recicla e reduz o
volume de extração de matéria-prima, preservando os recursos naturais limitados (ZOLDAN
e LEITE, 2007).
Em Pernambuco, a iniciativa do Laboratório O Imaginário, da Universidade Federal
de Pernambuco, com projetos que visam a sustentabilidade a partir do design, tanto em
comunidades artesãs quanto em indústrias, propôs a reutilização do refugo cerâmico,
proveniente da fábrica de Cerâmica Porto Rico, como insumo para a produção da cerâmica
artesanal da comunidade do Cabo de Santo Agostinho.
A alternativa de utilizar o resíduo de um processo como matéria-prima em outro,
possibilitou a redução de custos, além de ganhos de rendimento e de eco-eficiência.
As atividades do Imaginário na comunidade do Cabo, iniciadas 2003, tiveram como
objetivo, dentre outros, incorporar a esmaltação ao processo de produção cerâmica, visando
ampliar o mercado e o valor agregado daquela produção. A esmaltação gera uma camada
vítrea sobre a cerâmica, que se traduz em condições de higiene e uso imprescindíveis aos
produtos utilitários de mesa, como panelas, pratos e xícaras.
Ampliar o mercado com a oferta desses produtos para hotéis e restaurantes foi a
estratégia para a sustentabilidade econômica da cerâmica no Cabo de Santo Agostinho.
Todavia, os estudos da argila extraída da jazida de Suape, beneficiada pelos próprios artesãos,
apontaram problemas que precisavam ser pesquisados para buscar soluções.
A seguir, serão apresentadas as ações realizadas pelo Imaginário envolvendo pesquisas
de materiais e processos que possibilitaram o desenvolvimento de novos produtos e
minimizaram o impacto ambiental da atividade.
A abordagem metodológica da pesquisa aplicada
A abordagem metodológica utilizada nesta pesquisa é o estudo de caso tal como
proposto por Yin (2002). A produção dos artesãos do Espaço Mauriti no Cabo de Santo
Agostinho é a unidade de análise. O método de procedimento escolhido foi à pesquisa
experimental, uma vez que, a partir do estudo de materiais e processos serão obtidas as
informações necessárias para a produção dos compostos cerâmicos para o desenvolvimento
de novos produtos.
O procedimento obedeceu às etapas de pesquisa: características da argila da jazida
localizada em SUAPE com a identificação das necessidades de alteração do composto para
atender a finalidade desejada; articulação com indústria cerâmica e estudo dos resíduos da
empresa; ensaios com os compostos, manipulação da mistura pelos artesãos para avaliação de
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plasticidade e mecânica; estudos em laboratórios para identificação das características físicas
e confrontação com resultados percebidos a olho nu, além de experimentos com uso de
esmaltes.
O Imaginário e o Cabo de Santo Agostinho
O Imaginário é um laboratório de pesquisa e extensão da Universidade Federal de
Pernambuco, formado por professores, profissionais e estudantes de diversas áreas do
conhecimento, que atua em todo o Estado de Pernambuco, tanto em comunidades produtoras
de artesanato quanto em indústrias da região.
A aplicação do conhecimento produzido, no que diz respeito à produção artesanal, tem
contribuído para a geração de trabalho e renda, inclusão social e valorização da cultura local
em comunidades artesãs. A abordagem multidisciplinar é orientada para a melhoria da
qualidade de produtos e de processos de produção, considerando o respeito às questões
humanas, ambientais e culturais.
O município de Cabo de Santo Agostinho, localizado no litoral sul de Pernambuco, a
41 km do Recife, possui um cenário que reúne, ao mesmo tempo, o maior pólo industrial e
portuário do estado e um cenário de belas praias e manifestações culturais seculares, entre
elas, o artesanato.
A cerâmica artesanal produzida no Cabo remonta à época dos engenhos de açúcar,
período cuja produção de tijolos e telhas se voltava apenas para o consumo da própria usina,
e para a moradia de seus trabalhadores. Com o passar dos anos essas olarias, locais de
produção de cerâmica, se tornaram independentes para produzir e vender artefatos utilitários,
como potes, panelas e moringas para a população do entorno. Tal tradição, transferida de pai
para filho, pode ser continuada, graças as recentes intervenções que mantem aquela produção
atual e competitiva.
O processo cerâmico artesanal para produção de peças utilitárias e decorativas ocorre
por via úmida, ou seja, durante todo o processo de beneficiamento e modelagem é adicionada
água à argila. O processo consiste em extrair a argila da jazida; estocar em baias úmidas para
a estabilização do material orgânico; compactar através de um equipamento denominado
Maromba; conformar em tornos manuais; secar a temperatura ambiente; e queimar em fornos
intermitentes a uma temperatura de até 700ºC.
A argila do Cabo, extraída da jazida administrada pelo Complexo Industrial Portuário
de Suape, foi submetida a alguns testes físico-químicos para analisar seu comportamento
quando se alteram as condições de temperatura de queima, visando entender as possibilidades
de sua utilização. Como principais conclusões dos ensaios, é possível afirmar que a argila
usada no Cabo apresenta um bom comportamento durante o aquecimento com uma retração
baixa, com índice de 11% , uma redução de tamanho aceitável. No que diz respeito ao ponto
de pré-fusão próximo de 1400°C, revela que a argila tem pouco material refratário na sua
composição.
Quando queimada à temperatura de 700ºC, a absorção de água é em torno de 18,74%.
Tal percentual classifica-a como porosa, de acordo com a NBR 6220/801. Com essa
característica, a cerâmica do Cabo não seria recomendada para a produção de utilitários de
1
NBR 6220: Materiais refratários densos conformados - Determinação da densidade de massa aparente, porosidade aparente, absorção e
densidade aparente da parte sólida (1997)
Vítreo – Absorção de água abaixo de 0,5%;
Semivítreo – Absorção de água entre 0,5 e 4,0 (ASTM 0,5 a 10%);
Poroso – Absorção de água acima de 4,0% (ASTM* maior que 10%).
* ASTM – Associação Internacional de Tecnologias de Materiais.
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mesa. Todavia, a aplicação de um esmalte adequado a essa argila, queimado a uma
temperatura superior a 700ºC (dupla queima), poderia baixar esse índice de absorção.
Uma outra alternativa analisada foi trabalhar com a argila misturada a materiais
fundentes para diminuir a absorção de água. Nesse caso, a matéria-prima deve ser seca, moída
e misturada com água antes da modelagem. Contudo, essa ação pode comprometer a saúde
dos artesãos, uma vez que a técnica de produção tradicional utilizada é a de modelar em
tornos com o uso das mãos e os elementos fundentes são bastante irritantes ao contato com a
pele.
Outra conclusão dos ensaios indicou que, para alcançar maiores temperaturas de
queima ao ponto de esmaltá-la, será necessário substituir a tecnologia de combustão para um
combustível de maior poder calorífico. Diante deste cenário, O Imaginário traçou estratégias
para alcançar melhores resultados na produção de cerâmica do Cabo que serão tratadas nesse
artigo.
A produção de cerâmica no Cabo de Santo Agostinho
Na comunidade do Cabo, a extração da argila para o artesanato cerâmico ocorre sob a
autorização de Suape e fiscalização da CPRH – Agência Estadual de Meio Ambiente e
Recursos Hídricos de Pernambuco. Entretanto, é necessário o acompanhamento para garantir
o uso correto da reserva, evitar o desperdício e a manipulação inadequada durante o processo
de beneficiamento.
No complexo de olarias, localizado no bairro Mauriti, no município do Cabo de Santo
Agostinho, as duas primeiras etapas do processo produtivo da cerâmica2, a extração e o
beneficiamento, são compartilhadas pelo grupo.
Figura 1 e 2: Extração e Beneficiamento da cerâmica do Espaço Mauriti
A etapa de extração tem início na retirada da argila com o auxílio de pás. O
transporte é feito em por meio de caçambas de caminhão, protegida por lonas plásticas. O
material é entregue e acondicionado no Espaço Mauriti.
O consumo médio mensal é de 72 toneladas/mês de argila in natura, sem mistura, para
uma produção de 10.300 peças distribuída entre cinco olarias. No entanto, durante o período
das chuvas (de março a agosto), as condições de acesso à jazida não favorecem a atividade,
comprometendo o atendimento de pedidos e a qualidade das peças produzidas.
2
Extração da Jazida; Beneficiamento [Sazonamento e Preparação da Massa]; Produção [Conformação e Secagem]; Finalização [Queima e
Estoque produto final /Distribuição].
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O diagnóstico realizado pelo Imaginário identificou que a etapa de beneficiamento tem
início na descarga do caminhão, que acontece próximo às baias úmidas. Nove baias em área
coberta, protegidas contra intempéries, são insuficientes para a produção mensal dos artesãos.
Desta forma, o reabastecimento da argila sem um planejamento adequado atropela o processo
correto de sazonamento da matéria-prima, uma vez que a argila precisa de tempo para
estabilizar seu material orgânico.
Essa inadequação na etapa de beneficiamento influi negativamente na qualidade dos
produtos cerâmicos produzidos pelo grupo, dentre outros, pelos seguintes motivos:
1. O beneficiamento é realizado apenas com um equipamento – a maromba, que tem por
função compactar a massa de argila e produzir as “bolas” (porção de argila preparada
com peso variando de 3 a 4 kg). Esta condição de beneficiamento não promove a
alteração granulométrica da massa (dimensão dos grãos), apenas a compactação;
2. Há apenas um operador responsável pelo beneficiamento (compactação da argila na
maromba) que atende a todo o complexo do espaço Mauriti;
3. O processo de tratamento da argila demanda um longo tempo para execução e é
penoso para o operador. São beneficiados, em média, 200 kg de argila por dia;
4. Já que todas as peças produzidas pelos artesãos começam a partir da preparação da
“bola”, fica claro que o setor de beneficiamento é um dos “gargalos” de produção,
uma vez que a mão de obra, os equipamentos e os espaços produtivos são insuficientes
para atender a demanda com eficiência, qualidade e segurança.
Na etapa de produção das peças são utilizados tornos manuais confeccionados no
próprio local. Neste caso, a área física do setor de produção também atende à etapa de
secagem, porém há uma insuficiência de estrados para suporte de produtos acabados e/ou
semi-acabados;
Figura 3 e 4: Área de secagem e estoque de peças acabadas
Para a finalização das peças, a queima é realizada em fornos em formato torre,
alimentados por combustível sólido, principalmente a madeira. Os fornos intermitentes3 estão
localizados na área externa, sem cobertura de proteção contra intempéries. Tais características
contribuem para uma perda de qualidade nas peças, em função da falta de controle da queima4
e da atmosfera não homogênea de temperatura no interior do forno.
3
Um forno do tipo intermitente possui ciclo de queima (aquecimento/ resfriamento) estabelecido em função do tipo de material a ser
processado.
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A distribuição de calor não homogênea no interior do forno, gera problemas na qualidade das peças cerâmicas produzidas
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Figura 5; Área de queima das peças cerâmicas
Por fim, a área de estoque e distribuição das peças acontece, muitas vezes, sobreposta
à área de produção, pela falta de espaço no interior das olarias. Assim, as peças acabadas
ocupam o mesmo espaço das peças em processo, caracterizando graves problemas de fluxo e
de espaço no arranjo físico das olarias. Por isso, durante o deslocamento, ocorrem acidentes e
quebra de peças.
Figura 6: Transporte de peças para a Distribuição
A partir da situação existente, o Imaginário propôs a reorganização do processo
produtivo cerâmico, através da implementação de novos equipamentos na etapa de
beneficiamento e da alteração da tecnologia de combustão por um forno a gás para aumentar a
temperatura de queima e possibilitar o controle do processo.
A inserção dos novos equipamentos na etapa de beneficiamento implicou na
adequação do espaço de produção incluindo fases como: secagem, trituração, umidificação,
mistura e preparação do composto cerâmico conforme a figura a seguir.
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Figura 7: proposta de layout para o espaço de beneficiamento da matéria prima
De acordo com o diagrama acima, o novo processo de beneficiamento obedece as
seguintes fases:
1. Após a chegada da argila in natura, transportada pelo caminhão, deve ser
descarregada em um dos pátios de secagem. (pilhas A e B).
2. Após um período de secagem, a argila deve ser transportada por uma esteira até um
laminador, que aceita um teor de umidade na faixa de 30 a 40%.
3. Posteriormente, o composto cerâmico deve ser umedecido e misturado na maromba
extrusora, para ser transformado em bastões (tarugos distribuidos por produto).
Transformados em peças os produtos seguem para a etapa de finalização ou queima.
Para alcançar patamares de queima de até 1200ºC foi formatado um projeto para
implementar um forno a gás. Diante dessas novas possibilidades foi negociada uma parceria
com a Prefeitura do Cabo para a construção de um novo Centro de Produção de Cerâmica
Artesanal do Cabo.
O espaço de produção foi projetado para contemplar as etapas de modelagem,
secagem, queima, esmaltação e estoque de produto acabado. Atualmente, o espaço está sendo
utilizado como centro de comercialização das peças e deverá abrigar um centro de
treinamento.
Figuras 8 e 9: Fachada do novo centro de produção artesanal do Cabo e instalações internas Centro de
Produção de Cerâmica Artesanal do Cabo.
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Com o apoio financeiro do BNB (Banco do Nordeste do Brasil), o forno a gás
desenvolvido pela equipe técnica do Instituto Tecnológico de Pernambuco - ITEP, foi
executado em conjunto com Prefeitura do Cabo, com a Companhia Pernambucana de Gás COPERGAS e com os artesãos da comunidade.
Esse forno também contribui para a redução do impacto ambiental causado pela
extração e queima de madeiras, ao mesmo tempo em que garante o aumento e controle da
temperatura de combustão e, conseqüentemente, homogeneização da queima das peças.
No entanto, por questões operacionais e de segurança, o forno a gás foi instalado em
espaço separado, porém integrado aos locais de produção e armazenamento. Depois de
queimadas, as peças podem seguir direto para a expedição ou ainda passar pela nova fase do
processo – a esmaltação.
Figuras 10, 11, 12 e 13– instalação da unidade de queima a gás natural no novo centro de produção
artesanal
Finalizada a fase de aplicação do esmalte, a peça retorna ao forno a gás para a segunda
queima. Logo depois da queima e do esfriamento, a peça é inspecionada pelo controle da
qualidade, e segue para a expedição.
Os novos recursos disponibilizados pelo forno, associados ao uso de esmaltes,
ampliam as oportunidades para a produção cerâmica do Cabo. Dessa forma, a linha de
cerâmica artesanal utilitária de mesa do Cabo poderá atingir os padrões técnicos exigidos pelo
mercado nacional e internacional.
Todavia, como descrito anteriormente, a implantação deste novo forno, por si só, não
garantirá o salto de qualidade desejado, sem que se busque também a adequação da massa
cerâmica durante o beneficiamento, e consequentemente, a qualidade dos produtos a serem
oferecidos ao mercado.
A seguir serão apresentados os passos que nos conduziram a utilização do refugo
cerâmico industrial como matéria prima para a cerâmica utilitária artesanal.
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A pesquisa com novos materiais cerâmicos
Uma das estratégias do Imaginário para realização das ações é buscar parceiras com
órgão públicos e privados como as já citadas anteriormente. Pensando assim, do outro lado da
PE-60, próximo ao Centro de Produção Artesanal dos ceramistas do Cabo, localiza-se a
fábrica de pisos cerâmicos Porto Rico. Esta empresa, primeira a utilizar o processo cerâmico
em via seca5 no Estado, tem capacidade de produção de aproximadamente 9.000
toneladas/dia, sendo cada tonelada capaz de produzir 68m2 de piso.
A composição da mistura utilizada no processo é basicamente o Filito e o Argilito. O
primeiro, com característica fundente, corresponde a 70% da composição e provém de uma
jazida no Estado de Alagoas a 376 km da fábrica. Já o segundo, com características plásticas e
elásticas, corresponde a 30% da mistura e provém de uma outra jazida localizada no Crato, no
Estado do Ceará, distante 740 km da empresa.
Todo esse investimento com detonação, exploração, transporte e mão de obra garante
ao piso cerâmico da Porto Rico uma classificação de absorção B II de mercado, de acordo
com NBR 138186. A média do consumo mensal da mistura é de 270 t. Cada tonelada de argila
equivale a 68 m2 de piso cerâmico, totalizando um volume médio da produção de 18.500 m2.
Todavia, caso impurezas sejam absorvidas no processo, o cálculo para a perda de
qualidade é de 12% ou seja, 8 m2 de piso por tonelada tornam-se desclassificados. Para evitar
esse ônus, a empresa decidiu não reutilizar o pó em suspensão que se deposita no chão da
fábrica, recolhido basicamente pelo sistema de sucção e por varredura. Atualmente, em torno
de 3% deste material, considerado refugo, é acumulado em terrenos de propriedade da
empresa e destinado a aterros para a construção civil.
Assim, na perspectiva de rever os processos de fabricação e discutir o porquê das
perdas de material e energia na produção artesanal, O Imaginário propôs à empresa discutir os
benefícios do uso do refugo cerâmico industrial como insumo para a produção de cerâmica
artesanal no Município do Cabo de Santo Agostinho.
Os primeiros resultados dos experimentos da combinação das matérias primas
apontam para a possibilidade de reduzir em 50% a extração da matéria-prima in natura da
jazida de SUAPE, além de melhorar a qualidade das peças artesanais produzidas. Será ainda
possível reduzir o tempo de queima e garantir o estoque de matéria-prima acabada para os
meses de chuva.
Em parceira com a AERPA – Agência de Estudo e Restauro do Patrimônio foram
realizados além dos experimentos com as temperaturas de queima, os testes físicos com a
cerâmica do Cabo misturada na proporção de 1:1 com o refugo industrial, devidamente
peneirado, umedecido e misturado à argila proveniente de Suape. A comparação quanto à
retração aponta que a mistura tem um índice menor (10%) do que a argila pura (11%) e que
esta retração ocorre de forma mais rápida. A absorção de água pela cerâmica queimada a
1038ºC foi também reduzida na mistura: a argila pura queimada nesta temperatura absorve
11,91% do seu peso quando submergida em água. Já a peça feita com a mistura de argilas
queimada no mesmo patamar absorveu 7,54%.
5
A argila é misturada, moída, peneirada, granulada, prensada, esmaltada e queimada para produção de pisos cerâmicos,
com adição mínima água.
6
ABNT / NBR 13818: Placas Cerâmicas para Revestimento - Especificação e Métodos de Ensaios (Abril/1997):
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Figuras 14, 15 e 16 – Construção e avaliação dos corpos de prova com uso de gabaritos para
comparação com as medidas iniciais de tamanho e peso.
A incorporação do refugo industrial ao processo artesanal do Cabo de Santo Agostinho
trouxe melhoras significativas, a saber:
1. Redução de custos financeiros na aquisição da matéria-prima próximo de 50%, uma
vez que a fábrica cede o refugo sem ônus e o frete do material é menor do que o da
retirada na jazida;
2. Melhoria na qualidade das peças, em função de uma menor absorção de água. Pelos
testes efetivados até agora, ainda é classificado como cerâmica porosa, mas estima-se
que com o aumento da temperatura proporcionada pelo forno a gás, seja possível
chegar à classificação de semi-vítrea;
3. Benefício ambiental, uma vez que é possível extrair 50% menos argila da jazida de
Suape e incorporar o resíduo produzido pela empresa.
Conclusões
Os experimentos gerados a partir da incorporação de resíduos industriais na
produção da cerâmica artesanal no Cabo de Santo Agostinho apontam para soluções de
problemas de design e sustentabilidade. A nova matéria-prima permite o desenvolvimento de
produtos, como por exemplo, os utilitários de mesa, que uma vez vitrificados, irão permitir
que os ceramistas do Cabo usufruam de oportunidades de negócios oferecidos pelo
aquecimento do turismo naquele município.
No que se refere ao aspecto ambiental, o experimento permitiu que o resíduo da
empresa, antes indesejável, torne-se matéria-prima necessária ao processo artesanal,
contribuindo para um uso mais eficiente da jazida localizada em Suape.
Os testes feitos com a mistura cerâmica identificaram possibilidades de uso de esmaltes
que reagem a temperaturas variadas, viabilizando o uso de diferentes tipos de forno e tipo de
combustão, o que permite a apropriação do processo por outros grupos de artesãos do Estado.
As idéias e experimentos apresentados neste artigo reforçam a importância da formação
de redes para solucionar os problemas presentes, assim como para planejar o futuro. E, neste
sentido a participação de Universidades, associações, empresas públicas e privadas são
fundamentais para criar ambientes de pesquisa e permitir que os resultados sejam apropriados
na construção de uma sociedade sustentável.
Referências
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producing craftwork: an experience in Cabo de Santo Agostinho. In: ISSD, 2007 –
Curitiba – PR.
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IMAGINÁRIO PERNAMBUCANO: design, cultura, inclusão social
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e
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Editora da Universidade de São Paulo, 2005: 147- 169.
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Setor Madeireiro – Estudo de caso. In: Anais do Congresso Internacional de Administração
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