a cidade alienada e apropriação do espaço
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a cidade alienada e apropriação do espaço
UNI VERSI DADEL USÍ ADADOP ORTO ACI DADEALI ENADAEAAP ROP RI AÇÃO DOESP AÇOURBANO_Ar a z ã opr á t i c ado g r a f f i t i numal e i t ur adac o nt e mpo r a ne i da de Te r e s aCl a r aRa f a e l Di s s e r t a ç ã opa r ao bt e nç ã odoGr a udeMe s t r ee mAr q ui t e c t ur a P o r t o , 2 0 0 9 I Agradecimentos YouthOne, pelo passeio no universo do graffiti. Professor Doutor Henrique Fabião, pela indispensável orientação, motivação e encorajamento. Professor Doutor António Oliveira, pelas conversas. Socióloga Cristina Farinha, pelas críticas incisivas e conselhos, sempre que me perdia em liricismos. Aos meus primos e irmã. Ao meu avô e à minha mãe. II A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Índice Introdução 1 I - Enquadramento histórico-teórico da cidade como ideal. 1.1 O modelo clássico de cidade: a cidade ideal. 9 1.2 A importância da escolha do lugar. A harmonia dos elementos. 14 1.3 Cidade limitada geograficamente. O todo e as partes. 23 1.4 Modelo cultural da cidade. A cidade toma forma pelo lugar e reflecte todos os substractos culturais que a geram. 29 II – A alienação na cidade contemporânea _ O lugar perdeu o seu valor intrínseco e passou a ter um valor comercial, em que a ordem económica se sobrepõe à moral, aos valores, à cultura, à identidade, ao homem. 2.1 O lugar como matriz de Sistema e de Cultura. 32 2.2 O valor do lugar. 51 2.3 A utopia moderna e o espaço urbano. 58 2.4 Crescimento e Declínio: Suburbanização; Pós- suburbanização/ Gentrificação. 70 2.5 Cidade e Sociedade _ A promoção social do individualismo nas sociedades contemporâneas põe em causa o papel da cidade, enquanto comunidade e lugar de civilização. 82 III – Subculturas urbanas _ As subculturas autonomizam-se e enfrentam o sistema com regras próprias, abrindo possíveis vias de mudança. 3.1 Alienação e subcultura _ hip hop como construção de uma identidade. 3.2 Graffiti : expressão artística e humana. A emergência do graffiti em Nova Iorque. 90 110 III A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. 3.3 Graffiti _ Identidade urbana. 117 3.4 Resistência urbana. 124 3.5 Graffiti como instrumento de comunicação e contestação social. Ideologia. 127 3.6 A cidade como espaço de cultura e inclusão. 136 Conclusão 140 Bibliografia 150 Índice de imagens 158 Anexos IV A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Resumo A cidade contemporânea é abstracção. O espaço urbano é povoado por gente que, cada vez mais tem um papel anónimo, caminha cegamente pelas aparência da coisas, deslumbrada, como se tudo existisse só para si, ficando as referências individualizadas. A cidade contemporânea carece de um modelo que a regenere, que a entenda como um conjunto de relações entre partes de um todo, por oposição a um conjunto de partes. Numa perspectiva cultural a cidade contemporânea tem falta de mecanismos naturais, pois é um ser vivo que cresce, que lhe permitam estar atenta às emergências que nela se manifestam e que dela resultam, valorizando todos os seus fenómenos culturais emergentes. As subculturas quando não são assimiladas devidamente pela sociedade, por excesso de individualismo e pela própria complexidade desta, são esmagadas. Ao não serem integradas criam fenómenos de alienação e de falta de identidade urbana. O graffiti é um fenómeno urbano por excelência. É uma forma de arte marginal, uma atitude em que a necessidade de manifestação pública é a forma de criar uma identidade: Eu existo. Ao afirmarmos a cidade como um todo, isto é, como uma unidade, verificámos que o graffiti surgiu, como uma fénix, nas partes segregadas da cidade. É um fenómeno que pertence à cidade, e, os seus símbolos, caracterizam uma nova forma cultural, que redefine o espaço urbano. O que começa por ser um fenómeno da desagregação da cidade como um todo converte-se num fenómeno de assimilação por essa conquista de identidade. Procura-se observar a cidade acima dos pontos de vista, tentar vê-la indistintamente, conhecêla nas suas imperfeições, admitindo-a como um todo num caminho de acesso ao ideal, garantindo a sua universalidade absoluta. Palavras-chave: Cidade, Sistema, Segregação, Alienação, Identidade, Cultura, Subcultura, Graffiti. V A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Abstract The contemporary town is an abstraction. The urban space is populous with people, that more and more has an anonymous role, walking blindly for the appearance of things, dazzled, as if everything it only existed for itself, forcing references to turn personal. The contemporary town is absent of a theoretical representation that can regenerates itself, understanding it as a set of relations between parts of a whole, and not to a set of parts. In a cultural perspective the contemporary town lacks of natural mechanisms, since, the town is an alive being in a constant growing, that must qualified itself to be aware of emergencies, that result and comes out from within, promoting its cultural phenomenon. When they are not properly assimilated by society as a whole, by excess of individualism and its own complexity, subcultures are crushed. Staying unknown, and not integrated, they create alienation, misunderstanding the urban identity. Graffiti is an urban phenomenon, par excellence. It is an art form, free of direction and rules, towards to public expression, creating a new born identity: I exist. Promoting the city as a whole, in its unity, one realizes that graffiti appeared, as a phoenix, in the segregated parts of the city. Graffiti belongs to the city, and, its symbols, characterize new cultural forms, giving new meanings to the urban space. What starts to be a phenomenon of the disaggregation in the city as a whole, becomes into a phenomenon of assimilation for the achievement of identity. One seeks to observe the city above particular points of view, accepting its imperfections, admitting it as a whole towards an ideal, providing its absolute universality. Key-words: Town, System, Segregation, Alienation, Identity, Culture, Subculture, Graffiti. VI A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Introdução Âmbito e Perspectivas Pretende-se que este trabalho se entenda como um observatório dos fenómenos de segregação (humana, histórica, do território) consequentes de disfunções urbanas. Não se pretende que seja um trabalho completo, mas que funcione como um registo, um impulso para reflexões posteriores. Procura-se observar a cidade acima dos pontos de vista, tentar vê-la indistintamente, conhecê-la nas suas imperfeições, admitindo-a como um todo, num caminho de acesso ao ideal, garantindo a sua universalidade absoluta. A cidade contemporânea segrega as pessoas: (...) à medida que a cidade cresce, o espaço urbano se transforma num imenso caldo de cultura que segrega fenómenos que não podemos, por mais tempo, disfarçar. 1 A cidade contemporânea segrega o território: A cidade devora tudo o que a terra e o mar à sua volta produzem. Drena e suga as riquezas naturais que são lançadas às caldeiras que fornecem energia à comédia humana e cujos detritos depois expulsa em forma de esterco e podridão.2 Na cidade emergem fenómenos que não são assimilados nem controláveis. Segrega a cultura: (...) o sistema, ao rejeitar os seus próprios detritos começa a ficar surpreendido ao verificar como eles se autonomizam em subsistemas culturalmente diferenciados, que depois o enfrentam com as suas próprias regras.3 A cidade contemporânea padroniza os valores, excluíndo. É alienante: Quanto mais vastas, mais espessas e mais largas são as muralhas da cidade mais ela se entrega ao 1 BAPTISTA, António Alçada, Prefácio de FONSECA,R., Feliz ano novo,p.9, ll.25 a 28. 2 Idem, p.10, ll.11 a16. 3 Idem, p.10, ll.3 a 7. 1 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. estranho labor de construir signos e metáforas, de transformar a matéria em símbolos. O citadino acaba por se alimentar desses símbolos, afasta as coisas, o desejo e a morte, apaga o pânico dum frente a frente com a grandeza e o mistério do cosmos e, na palavra abstracta, na produção obcessiva do símbolo, encontra o centro de gravidade de uma existência sem alegria e sem glória. 4 Estes símbolos deixam de identificar a coesão social. A partir duma determinada escala existe uma diversidade tal que os faz perder a sua universalidade. A cidade contemporânea está ameaçada. As crises alastram-se em todos os contextos da vida social criando conflitos e tensões na sociedade. Estas novas crises distinguem-se pois tendem a tornar-se permanentes e estáveis, demonstrando que o sistema actual das nossas sociedades entrou em falência: As metrópoles modernas vivem uma esquizofrenia colectiva, nem sempre contida, e as relações humanas não escondem essa sintomatologia. Os comportamentos do homem no exercício da cidadania e do trabalho, na vida amorosa e na criação artística, foram profundamente alterados e damo-nos conta, ao compará-los com os comportamentos impostos pelos modelos tradicionais, que com eles se não atingiram situações de maior liberdade interior. 5 A cidade contemporânea, reflexo da supermodernidade e da superabundância, está desencantada. Entretanto vivemos em cidades, ou não cidades, cada vez mais feias, que nem por isso funcionam melhor; muitos técnicos se têm proposto a salvá-las, em muitos casos à custa de novas lacerações no seu tecido, típicas de quem trata de um órgão sem perseguir o organismo; (...) 6 4 5 6 Idem, p.10, ll.16 a 25. Idem p.12, ll.19 a 27. PORTAS, Nuno, A cidade como arquitectura, p. 15, ll.31 a 35. 2 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Promete-nos uma espacialidade de ócio e de consumo everywhere nowhere, recuperando o aforismo inglês, ainda que o preço resulte em paisagens de lugar nenhum.7 A verdade é que a cidade cresceu em novas demandas espaciais 8que a transformaram num imenso caldo de cultura9 e subculturas, provocando sintomas preocupantes que não deveríamos continuar a ignorar. As áreas marginais autonomizam-se, em subsistemas culturalmente diferenciados, com regras que não se coadunam com o sistema cultural vigente. Quando não integradas, estas áreas incapacitam o exercício da cidadania na sua plenitude, pondo em causa toda a ordem social. São simultâneamente fenómenos de cultura, por si mesmos.10 7 Demonizam as grandes superfícies, que levam o centro para a periferia, mas todos sabemos que são a fnac, o via catarina e o corte espanhol que vão salvar a baixa. (...) O centro é periférico e a periferia tornou-se central. Cf URBANO, Luís, «Periferia, Ódio, Eclipse», p.68 a 71. (...) restando-lhes apenas uma cenografia de falsete, de simulacro ou de fantasmagoria (vejam-se os artifícios decorativos e iconográficos dos edifícios dos centros comerciais). Quando tudo flutua é necessário encontrar uma bóia. Cf DOMINGUES, Álvaro, «O centro e a sua representação simbólica», p.60 a 63. 8 Estas novas demandas espaciais, num contexto urbano, mostram-nos a cidade como um recipiente superlotado, segundo Lewis Mumford, que também acrescenta: Todavia, a continuada expansão da metrópole na disforme conurbação megapolitana e a multiplicação e extensão dessas conurbações revelam a profundeza da praga que todas as sociedades enfrentam hoje em dia. ... Os problemas internos da metrópole e suas áreas subsidiárias são reflexos de toda uma civilização que tem em vista a expansão por meios rigorosamente racionais e científicos, para fins que se tornaram, cada vez mais, vazios e triviais, mais infantis e primitivos, mais bárbaros e pesadamente irracionais. MUMFORD, Lewis, A cidade na história suas origens, transformações e perspectivas, p.597, ll.9 a 11, 23 a 27. 9 As metrópoles modernas ainda não se deram conta de que, logo a seguir ao nosso bairro, nos subúrbios da cidade, vive uma tribo da Polinésia com os seus estranhos costumes, com a sua específica moral, com os seus ritos próprios, com a sua música, e, evidentemente, com a sua outra linguagem. BAPTISTA,António Alçada, Prefácio de FONSECA,R., Feliz ano novo, p.15, ll.12 a 18. 10 A propósito do dualismo urbano, Alfredo Mela explica que as sociedades pós-industriais se caracterizam por 3 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. O homem de hoje alimenta-se de símbolos, de imagens, de metáforas, de ideias, alienando-se dos factos e subtraíndo a sua existência ao real. A cidade contemporânea é abstracção, o espaço urbano é povoado por gente que cada vez mais tem um papel anónimo, que caminha cegamente pelas aparência da coisas, deslumbrada, como se tudo existisse só para si, ficando as referências individualizadas. Com uma nova perspectiva da realidade, que se abre a múltlipas dimensões, as relações humanas, os padrões de comportamento, as relações com as coisas, com o espaço e com o território, alteraram-se. A cidade renova-se a um ritmo vertiginosamente rápido, sem um papel definido para o novo homem, que se fica pelo papel de figurante, no palco da evolução da peça que estava a escrever. Hoje, o objectivo não é o homem mas sim os conceitos: a economia, a política, os interesses privados. O lugar perdeu o seu valor intrínseco e passou a ter valor comercial. O homem é o instrumento e não o fim, tornando-se escravo da cidade. Como entendemos que o tema da cidade é pluridisciplinar, todo o exercício é composto por múltiplos discursos, que cruzam vários pensadores. Passos da dissertação A história das cidades no mundo, berço de inúmeras civilizações, é longa. Muitas um aumento da diferença entre as classes, tornando o fosso entre ricos e pobres maior. A presença de novos grupos de indivíduos ( os emigrantes, provenientes de diversos grupos étnicos, as novas elites urbanas...), segundo Castells, já não significa a tendência da cidade a organizar-se em dois universos sociais internamente homogéneos e claramente contrapostos entre si (como acontecia, sob alguns perfis, na cidade oitocentista dividida entre bairros burgueses e proletários). Pelo contrário,a natureza dos processos de estruturação da sociedade urbana é de tal ordem que provoca fragmentação social e encerramento dos grupos nos seus próprios estilos de vida e nas modalidades peculiares de utilização do território. MELA, Alfredo, A sociologia das cidades, p.112, ll.33 a 36. 4 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. desapareceram, novas surgiram, mas actualmente a maioria luta pela sobrevivência do próprio conceito. No Capítulo I entendemos ser importante estudar os atributos que o modelo clássico pressupunha para a cidade (coesa), como referência para aferir, em termos de valor, os atributos que a cidade contemporânea (fragmentada) não tem. Pretende-se fazer uma síntese afirmativa do que é a cidade. O modelo clássico da cidade, entendendo como clássico tudo aquilo que é pensado e organizado por categorias, com uma estrutura de pensamento hierarquizado, implica pensar na cidade integralmente, como um todo, implica ter cânones de referência. Sendo a cidade uma das mais valiosas heranças patrimoniais, pois dá referências directas às pessoas, constatamos que a cidade contemporânea caminhou para longe dos seus valores, perdendo a sua identidade. Parece-nos acima de tudo imperativo que, a cidade contemporânea, tenha a capacidade de assimilar as suas partes, para poder existir como um todo. As sociedades actuais reflectem a perda de valores e de referências, e, a cidade, é o seu espelho. Começámos por estudar o modelo ideal de cidade, analisando os modelos clássicos, referênciados em aspectos arquitectónicos, sociais e políticos. A fundação de uma cidade surgia de um modelo interiorizado, construído a partir da razão e fruto do conhecimento e cultura universal. A cidade era a materialização do conhecimento. Apoiamo-nos em Alberti, ao longo deste exercício, fazendo-o acompanhar por Vitrúvio, Thomas More e Platão. Desde a importância da escolha do lugar, que deveria estar em harmonia com os elementos, à importância da salubridade, da capacidade de defesa e de subsistência, às utopias das sociedades perfeitas, a cidade reflectia um modo de estar no mundo: a pólis grega, os 5 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. acampamentos romanos, o modelo de cidade integrada no território de Vitrúvio; o modelo de Alberti, as Utopias. O modelo ideal ajuda-nos a procurar caminhos de acesso ao absoluto. Isto é, no plano ideal encontramos uma harmonia entre conhecimento e pensamento, que nos servirá de base para a reflexão do capítulo seguinte. No Capítulo II debruçamo-nos sobre a cidade contemporânea, sobre os fenómenos de alienação, de esquizofrenia cultural, desenvolvendo as seguintes hipóteses: − O lugar perdeu o seu valor intrínseco e passou a ter um valor comercial; − A promoção social do individualismo nas sociedades contemporâneas põe em causa o papel da cidade, o seu sentido de comunidade, de civilização; − As subculturas autonomizam-se e enfrentam o sistema com regras próprias, abrindo possíveis vias de mudança. Ao confrontarmo-nos com a cidade contemporânea percebemos que esta carece de uma ideia de cidade, de um modelo que a regenere e a entenda como um conjunto de relações entre partes de um todo e não apenas como um conjunto de partes. A cidade deixou de caber nas suas muralhas há já muito tempo e avançou cegamente pelos arredores. Os seus subprodutos, anónimos e esquecidos, transformaram as práticas e os usos, e, as relações, passando-se entre estranhos, fortalecem a alienação. Estando também em causa a ideia de cidade como comunidade, entendemos ser pertinente a reflexão sobre esta nova condição urbana, que pede ferozmente inclusão, intervenção, participação e reconhecimento social. A redenção da cidade contemporânea passa obrigatoriamente por valorizar todos os seus fenómenos culturais emergentes. Temos que integrar tudo na cidade. Quando não se integra, 6 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. a cidade começa a criar cancros que implodem. Por frustração, surgem bombas humanas, que numa anulação total do indivíduo, têm como lema de sobrevivência: “rebentamos tudo, afundamo-nos todos”. Num último estágio, a violência urbana transforma-se em algo organizado, em guerilha urbana. É o grito final, isto é, já não interessa que reparem na sua existência, já só querem gritar, pois não têm nada a perder. Defendemos que isto é uma chamada de atenção. Não nos interessa falar sobre cada vez mais polícia, mais ordem social, maior combate ao crime, mas sim olhar a partir da raíz, o que se passa à nossa volta. Entendemos ser importante afirmar que os indíviduos comportam-se e reflectem as condições do meio ambiente em que vivem. Isto é, a promoção social do individualismo faz com que o interesse particular se sobreponha a todos os outros e a cidade não pode ser assim. As partes cancerosas da cidade devem ser tratadas, e, não devem ser anuladas por meio de forças autistas que, numa esquizofrenia colectiva 11, se esquecem de um pressuposto que considerámos fundamental: o da unidade. A cidade é um todo, pela justa proporção dos seus elementos, e, só o é em absoluto, se incluir todas as suas partes. É una e múltipla porque tudo contém. O discurso sobre a cidade é afirmativo. As rupturas que analisamos mostram-nos identidades, modelos culturais, que pertencem à cidade enquanto ideal de harmonia social. No Capítulo III, para tentar demonstrar tudo o que analisámos atrás, tomamos como referência uma subcultura: o graffiti. O graffiti é um fenómeno urbano por excelência. É uma forma de arte marginal. O que o distingue é o facto de ser uma forma de expressão do nosso tempo, em que a sua forte componente social surge aliada com a manifestação de uma identidade. É uma atitude em 11 Cf BAPTISTA, António Alçada, Prefácio de FONSECA,R., Feliz ano novo, p.12. 7 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. que a necessidade de manifestação pública é a forma de criar uma identidade: Eu existo. Ao afirmarmos a cidade como um todo, isto é, como uma unidade, verificámos que o graffiti surgiu, como uma fénix, nas partes segregadas da cidade. Não entendemos como um problema partes da cidade serem desactivadas. O problema está nas pessoas deslocadas, que são depositadas em lugares que não interessam. O problema está de facto na segregação das pessoas, que consequentemente, não se sentem uma parte do todo. Assim, defendemos que o graffiti é uma forma de libertação da cidade e não, de declínio urbano: − é um grito de existência para a sociedade dominante, uma espécie de “Eu existo e também posso ser tudo o que quiser ser”; − é um estímulo, no sentido de que é uma força de comunicação, de diálogo, imperativo para não cairmos na “lei da bala”. Na cidade ideal não pode existir segregação. No modelo clássico, os processos que a evitam podem ser mais ou menos legítimos, mas prevalece a afirmação da cidade como um todo, delimitando-a como um ideal na qualidade de uma unidade, que só o pode ser em absoluto, se não excluir nenhuma das suas partes. A cidade contemporânea enquanto unidade surge pela análise das várias identidades que nela encontramos, achando aí a sua potencialidade e a sua fragilidade. Defendemos que a civilização, na contemporaneidade, deve referenciar-se no ideal, definido pelo pensamento universal, para construir uma identidade plena. Tudo isto entendemos ser fundamental para a humanidade poder viver em paz. 8 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. I - Enquadramento histórico-teórico da cidade como ideal. 1.1 O modelo clássico de cidade: a cidade ideal. fig.1 Civita Solis, Tomás Campanella, inspirada na Utopia de More A partir de meados do século XV, com a expansão económica e marítima, as aspirações do homem renovaram-se, manifestando-se num novo pensamento. (fig.1) A necessidade de um modelo ideal para a cidade, quer tenha surgido por desilusão face ao presente, como crítica aos valores e às instituições, quer por desejo de resolver os problemas de higiene pública, segurança interna, defesa das cidades, sociais e políticos, carrega uma forte atitude experimental. Encontramos na cidade ideal do Renascimento uma possibilidade de diferença, de libertação absoluta. O modelo ideal de cidade contém em si uma forte carga utópica, não no sentido de uma concepção irrealizável mas, pela sua importância como pensamento marginal e crítica directa às estruturas e aos valores sociais então presentes. (fig.2) O Renascimento olhou para o passado como se olha para uma descoberta. Foi repensar tudo à antiguidade clássica, desde a política, a organização da sociedade, os modelos de governação e de organização urbana. Vai procurar recuperar os atributos da tradição clássica para o 9 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. ajudar a encontrar alternativas para o presente, e, criar novas vias de mudança para o futuro. Faz uma actualização do pensamento clássico, para o ajudar a projectar o que há-de vir. (...) movida pelos estudos humanísticos, pela restauração da antiguidade, (...) empreende uma renovação total dos seus delineamentos, credos estéticos e formas. 1 fig.2 Filarete (Antonio Averlino), planta da cidade utópica de Sforzinda, Trattato di architettura, 1465. Alberti, autor do tratado De Re Aedificatoria, publicado pela primeira vez em 1485, recolhe da tradição grega o conhecimento mítico-filosófico, do pragmatismo romano o saber-fazer e a eficácia administrativa, já presentes na obra de Vitrúvio. Acrescenta-lhe um discurso cultural de um modelo de cidade que afirma os lugares, fundindo-se na sua morfologia, não a condicionando nem a restringindo, determinado pela universalidade do pensamento. El mayor y más espacioso de ellos es la ciudad, o mejor, si se nos permite emitir esta interpretación, el medio ambiente en que está situada la ciudad.2 Propõe um modelo urbano ideal no plano do conhecimento e fruto da pura elaboração do espírito. A cidade é produto do conhecimento e da fé na cultura universal: En consecuencia, la obra que vaya a acometer debe idearla com su intelecto, conocerla merced a su experiencia, desmenuzarla com su raciocinio, conformarla com su juicio,ejecutarla com su arte.3 1 GOITIA, Fernando Chueca, Breve história do urbanismo, p.95, ll.15 a 19. 2 ALBERTI, Leon Battista, De Re Aedificatoria, p.408, ll.37 a 39. 3 Idem, p.401, ll.12 a 14. 10 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Apresenta um programa arquitectónico e urbanístico que joga com a realidade e com o pragmatismo. Não pára na descrição do fenómeno, mas antes, investiga-o nos seus princípios subjacentes. Tem como ideia um novo mundo a construir, uma cidade construída a partir da razão e de acordo com a natureza. Encara a cidade como um corpo: as formas são produzidas pela mente e os materiais, pela natureza. A cidade surge de um modelo interiorizado pelo conhecimento, aplicado às características de cada sítio, reconvertendo as particularidades naturais deste em benefício desta. Tal como Alberti, que se ocupa do problema urbano,Thomas More (1478-1535), no seu livro Utopia (1516), dedica-se aos aspectos sociais, descrevendo uma sociedade perfeita que, em analogia à cidade de Alberti, também vai buscar à tradição clássica os seus atributos fundamentais. Em ambos constatámos os mesmos fundamentos, ainda que aplicados a aspectos diferentes, podendo afirmar que os discursos estão a par. Thomas More na sua tese, estabelece um paralelismo entre a civilização europeia e a “Utopia”, através dos relatos de Rafael Hitlodeu, que descreve uma ilha com localização geográfica no plano do ideal, organizada numa sociedade baseada na perfeita ordenação e classificação social equitativa 4, contrapondo-se aos controversos estados europeus do século XIV 5 : Foi o rei Utopos que dela se apoderou e lhe deu o nome (pois até aí se chamava Abraxa), transformando o povo rude e selvagem que a habitava num povo com uma civilização perfeita, que em muitos pontos ultrapassa a de todos os outros povos.6 4 (...)quer porque os Utopianos praticam um sistema tendencialmente igualitário de repartição dos bens sociais. MORE, Thomas, Utopia, p.10, ll.22 a 24. 5 Por isso, quando considero e comparo todas estas repúblicas, tão florescentes hoje em dia, Deus me perdoe, não vejo senão uma enorme conspiração dos ricos para alcançarem o seu próprio bem, em nome da república. Idem, p.138, ll.32 a 35. 6 Idem, p.64, ll.15 a 19. 11 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Na Utopia, More combina os conceitos clássicos de sociedades perfeitas com a astúcia da retórica romana: Não houve ciência ou arte do Império Romano que não aproveitassem, aprendendo-as com estes estrangeiros, ou descobrindo-as a partir do que eles lhes tinham ensinado. 7 Compreendemos a importância da herança da República de Platão 8 ao longo do relato de More: ambos têm as mesmas matrizes de pensamento, com conceitos de ordem e de novo presentes, assim como a singularidade de, tanto a ilha da Utopia (fig.3) como a Atlântida, se encontrarem isoladas, sem heranças do passado capazes de ameaçar o modelo: Se repetisse as teorias que Platão expressa n'A República, e que os Utopianos põem em prática, embora sejam efectivamente superiores às que nos regem, admito que poderiam parecer estranhas e absurdas. Por exemplo, aqui o direito de propriedade é individual, e lá é comum toda a propriedade. 9 fig.3 Gravura de 1516 que ilustra o livro Ilha da Utopia de Thomas More. 7 Idem, p.60, ll.27 a 30. 8 Por isso, Platão afirmou que a humanidade atingirá a felicidade perfeita no dia em que os filósofos forem reis e os reis filósofos. Idem, p.46, ll.9 a 11. 9 Idem, p.55, ll.23 a 28. 12 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Amaurota apresenta-se como imagem da cidade vitruviana, numa projecção ideal. A cidade é um espaço de contemplação, ordenado pela sensibilidade humana. É em si mesma parte de um todo, envolvendo-se na paisagem que a rodeia. Tipifica todo um pensamento clássico e universal, inerente ao homem, que elabora o modelo urbano puramente a partir do espírito. Ao criar uma sociedade perfeita, More passa-nos a mensagem da necessidade social de ordem e de disciplina, essenciais para a harmonia. (fig.4) Por isso, quando comparo com as nossas as sábias e justas leis dos Utopianos, que, embora em pequeno número, tão bem orientam e tudo tão prosperamente organizam que a virtude é recompensada e estimada e, apesar de tudo ser propriedade comum, ninguém tem falta de coisa alguma; quando comparo com essas leis as de tantas nações que constantemente multiplicam as suas, que, no entanto, são insuficientes para garantir, distinguir e defender a propriedade de alguém da cobiça de outrem;(...) quando me entrego a tais pensamentos, sou da opinião de Platão, e não me admiro que ele se recusasse a fazer leis para aqueles que não aceitavam que todos os homens deviam possuir e gozar equitativamente os bens e o conforto.10 fig.4 Gravura que representa as leis da Ilha da Utopia, deThomas More. Platão diz que a ordem da cidade é uma incorporação na realidade da ideia de agathon (bem). 10 Idem, p.57, ll.25 a 33, p.58, ll.1 a 5. 13 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Através do uso da razão, todo o homem pode conhecer os valores humanos. (fig.5) fig.5 Gravura que representa a filosofia na Ilha da Utopia, deThomas More. Para Platão estes valores são perenes, repousam na estrutura lógica do ser. No seu livro A República (séc. IV a.C), idealiza uma cidade, na qual os dirigentes e os guardiães são a encarnação da pura racionalidade. O ideal humano de Platão era visto na figura do cidadão filósofo, livre das responsabilidades da sobrevivência, deixadas para a classe dos trabalhadores, constituindo um ideal altamente elitista. No entanto, o que se pretende expor é um ideal de estado, que se esforça por desvendar os vínculos que ligam os destinos dos homens ao destino da cidade. Os dois arquétipos de utopia política, representados pela Utopia de Thomas More e pela República de Platão, mostram-nos que uma sociedade não se realiza se não se expressar numa forma espacial, perpetuando a busca pela cidade ideal. 1.2 A importância da escolha do lugar. A harmonia dos elementos. A terra onde se implanta a cidade é sempre pátria. 11 A importância da escolha do lugar para edificar a cidade, segundo os antigos, está vinculada aos elementos (água, fogo, terra e ar) pois são estes que determinam a qualidade e a 11 GOITIA, Fernando Chueca, Breve história do urbanismo, p.30, l.17. 14 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. salubridade da vida. A implantação procurava estar em harmonia com o meio ambiente, enraízando-se no solo por simbiose e não, por imposição, fortalecendo o seu significado de pátria através da criação de uma nova relação de harmonia entre o homem e o cosmos. (fig.6) fig.6 Castelo de Algoso, Bragança, Portugal. Segundo a tradição grega, a escolha do lugar para construir uma cidade, sucede da capacidade de discernimento perante a complexidade dos factores que condicionam a paisagem natural, considerados atributos indispensáveis para a escolha de um lugar de fixação humana. O discurso de Vitrúvio (séc.I a.C) centra-se na importância desta escolha para definir o traçado de uma cidade, segundo o qual, a reflexão fundamental reside em defendê-las dos ventos predominantes. Um lugar inapropriado é o adiantar da morte da cidade. For fortified towns the following general principles are to observed. First comes the choise of a very healthy site. Such a site will be high, neither misty nor frosty, an in a climate neither hot nor cold, but temperate; further, without marshes in the neighbourwood. For when the morning breezes blow toward the town at sunrise, if they bring them mists from marshes and mingled with the mist, the poisonous breath of the creatures of the marshes to be wafted into the bodies of the inhabitants, they will make the site unhealthy.12 12 Cit. VITRUVIO, Livro I, cap. IV, 1, p.17. 15 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Se Vitrúvio tem como inquietação máxima a direcção dos ventos, Alberti fala-nos do puro prazer da contemplação, num discurso que nos diz que a escolha do lugar deve resultar agradável de todos os seus pontos de vista, em consonância com a natureza e os seus habitantes. A arte de construir, de ordenar, está intrínsecamente ligada com a natureza, com a capacidade de fundir a cidade com a grandiosidade e a diversidade natural. Uma adequação perfeita das qualidades externas e internas de modo harmonioso e exaltante. Conta-nos a propósito da fundação das cidades, uma prática estabelecida por Demétrio que, no momento de fundar uma cidade ou um acampamento militar, através da observação do fígado dos animais ali estabelecidos, poder-se-ia constatar se o lugar era ou não salubre. Este costume antigo demonstra um ritual como expressão de um pragmatismo indiscutível.13 Alberti fala-nos da cidade como um monumento vivo. Percorrendo-a, sentímos toda a sua história. A cidade é o reflexo directo de um modo de estar no mundo. Com a mesma disposição, Thomas More descreve-nos uma ilha/reino idealizada como uma proposta de Estado. Mestre Rafael Hitlodeu, um audacioso marinheiro, representa o homem renascentista 14, culto e viajado, herdeiro da sabedoria dos homens da Grécia antiga no séc. XVI. (fig.7) 13 Dice Dionisio de Halicarnaso que en tiempos de Rómulo los ancianos, a la hora de comenzar la construcción de las ciudades, acostumbraron a encender fuego delante de sus tiendas, tras haber hecho un sacrificio, y a llevar al pueblo a esse lugar, para que pasaran a través de las llamas com el fin de purificarse. ALBERTI, Leon Battista, De Re Aedificatoria, p.177, ll.6 a 10. 14 - Então não me enganei – disse-lhe -, pois logo à primeira vista percebi que se tratava de um marinheiro. - Não, aí é que vos enganastes. Já navegou, na verdade, mas não como o marinheiro Palinuro. Antes como o sábio e prudente Ulisses, ou como o grande filósofo Platão. Rafael Hitlodeu, pois este é o seu nome, conhece bem o latim, e o grego na perfeição. Como se dedicou predominantemente ao estudo da filosofia, aprofundou por isso o seu conhecimento do grego, e, assim, considera que poucas coisas interessam em latim, com excepção de algumas obras de Séneca e Cícero. Nasceu em Portugal e deixou aos irmãos os bens que por herança paterna lhe tinham cabido em sorte. Levado pelo desejo de ver e conhecer as mais longínquas regiões do mundo, juntou-se a Américo Vespúcio e acompanhou-o em três das suas quatro últimas viagens, cujo relato corre mundo. MORE, Thomas, Utopia, p.21, ll.14 a 27, p.22, ll.1 a 2. 16 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. fig.7 Homem vitruviano de Leonardo Da Vinci, símbolo do ideal renascentista: humanista e clássico. Sendo a personagem central, descreve um povo que visitou, desconhecido das culturas europeias: Os Utopianos definem assim a virtude: “Viver conforme a natureza, e para isso Deus nos destinou.” O homem que segue o curso da natureza é aquele que se orienta pela razão nos seus apetites e desprezos. Ora, a razão inspira, em primeiro lugar, ao homem, o amor e a veneração pela magestade divina, a cuja bondade devemos o ser e a possibilidade de atingir a felicidade. E, em segundo lugar, ensina-nos e incita-nos a viver alegremente e sem tristezas, levando-nos a auxiliar e a desenvolver nos outros o respeito pela natureza, que nos leva a obter tal felicidade. 15 15 Idem, p.93, ll. 13 a 23. 17 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. A ilha da Utopia tipifica o modelo, em que os lugares são escolhidos pelas suas qualidades intrínsecas, enquanto próprios para serem habitados. 16 Observando esta experiência, é possível revivificar a sensibilidade e o saber, de uma cidade que surge por intentos humanos: a liberdade de escolha do lugar mais adequado ao homem determinado pela universalidade do pensamento. A matriz do modelo da cidade de Alberti convive e incentiva à contemplação da natureza. Justifica essa opção pelo prazer, ampliando o discurso de Vitrúvio, que identifica a cidade como um todo, como uma unidade estética. A cidade surge como um lugar de onde se descortina todo o horizonte, ordenada pela sensibilidade do homem. Na altura de construir uma cidade dever-se-ia ter em conta o lugar, a orientação e os seus limites geográficos, para assegurar que todos pudessem viver pacificamente. A cidade nascia como um lugar inserido no mundo, com definição geográfica cósmica. A ideia de cidade limitada geograficamente também era importante. A geometria está presente desde a definição do perímetro da cidade até à implantação do edifício.17 Sobre os atributos do lugar, a Alberti interessa que este seja provido de acessos múltiplos e distintos, os quais sirvam para o transporte, durante todo o ano, quer por mar ou por terra, dos bens necessários à vida dos seus habitantes. Demétrio demonstrou sabiamente que a cidade, no essencial, é um organismo vivo, que não pode sobreviver se depender exclusivamente do exterior para se alimentar. A fertilidade dos solos que envolvem a cidade fornecem o seu sustento. Os lugares eram escolhidos pelas suas qualidades intrínsecas, enquanto lugares para serem habitados. 16 Quanto às cidades, quem conhece uma conhece todas. Assemelham-se tanto quanto a natureza do local o permite. Idem, p.67, ll.16 a 18. 17 Por lo demás, la superficie se emplaza en un llano, en una pendiente o en lo más alto de la cúspide de una montaña. Si está emplazada en un llano, hay que levantarlo artificialmente y alzar una especie como de zócalo. ALBERTI, Leon Battista, De Re Aedificatoria, p.78, ll. 3 a 5. 18 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Na antiguidade, pretendia-se que a cidade fosse auto-suficiente, de modo a não ter que depender do exterior. Protegida pelo seu perímetro, possibilitando a defesa, no caso de invasão,18 a cidade tinha que, porém, ter a capacidade de acumular riqueza para garantir a sua sobrevivência. (fig.8) fig.8 Gravura que representa a agricultura na Ilha da Utopia, deThomas More. Também na ilha da Utopia, era fundamental a capacidade de auto-suficiência de cada cidade, funcionando e articulando todas as partes: Assim, toda a ilha é como uma única família. Depois de terem posto em reserva para si próprios uma provisão suficiente, que equivale às necessidades de dois anos, na incerteza do ano seguinte, os excedentes são exportados para outros países: cereais, mel, lã, linho, madeira, materiais de tinturaria, peles, cera, sebo, couro e animais vivos. Um sétimo destas mercadorias é distribuído aos pobres desse país. 19 A cidade deveria proporcionar uma vida moderada e cómoda. Os campos seriam variados e férteis, abundantes e com recursos hídricos. O acesso por mar era importante para a 18 Se elogia a Egipto sobre todo por estar asombrosamente protegido por todas partes y ser prácticamente inaccesible, por un lado a causa del mar, por outro como consecuencia de estar de por medio un enorme desierto, por la derecha montañas escarpadísimas, por la izquierda extensísimas zonas pantanosas; (...) Idem, p.170, ll.31 a 35. 19 MORE, Thomas, Utopia, p.85, ll.20 a 27. 19 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. importação e exportação de produtos, deveria estar provida de meios fáceis que permitissem o exercício das actividades civis e militares, de modo a tornar-se grandiosa, acolhedora e temida. (fig.9) fig.9 Gravura que representa a vida em comunidade na Ilha da Utopia, deThomas More. Apoiada pelo conhecimento universal, a cidade surge por desígnios humanos, como a liberdade de escolher um lugar para existir, mas também integrada num sistema de produção de riqueza global. A fundação de uma cidade, obedece a diferentes estratégias consoante o tipo de terreno (montanhoso, plano, costeiro, etc). Porém, no momento da escolha do lugar, Alberti cita o famoso conselho de Sócrates que diz que en el sentido de considerar que aquello que esté de tal modo concebido que no pueda ser modificado sin que se torne peor, es lo mejor.20 Alberti fundamenta-se no conhecimento e na experiência da antiguidade para construir a sua realidade: Así pues, las obras se proyectarán a partir de los modelos a que hemos referido; y es preciso prever de antemano, guiados por esas mismas maquetas, no sólo lo que vas a utilizar al iniciar la obra, sino también las necesidades que irán surgiendo durante su ejecución, y es preciso igualmente que nos procuremos todo ello, para evitar que, comenzadas las obras, se produzcan dudas, variaciones e 20 ALBERTI, Leon Battista, De Re Aedificatoria, p.171, ll.10 a 12. 20 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. interrupciones, sino que, por el contrario, una vez concebida com concisión la idea del complejo constructivo, esté a nuestra disposición escogido, reunido y dispuesto todo aquello que sea apropiado y conveniente.21 Sobre a orientação, diziam os antigos, que se uma cidade se situasse sobre as colinas, a condição ideal seria voltada para oriente, em zonas quentes, voltadas para norte, outros voltavam-na para poente, por acreditarem que essa parte do céu tornava os seus terrenos mais produtivos. Platão (428/27 a.C- 347 a.C) dizia, a propósito da orientação, que, se uma cidade fosse na costa, esta deveria distar do mar dez milhas. Rafael Hitlodeu descreve a orientação e vantagem natural da ilha da Utopia: A configuração da ilha faz que esta reentrância seja como que um porto, que, para grande vantagem e comodidade dos habitantes, dá acesso por barco a todos os pontos da ilha. O exterior das duas extremidades é perigoso e traiçoeiro, por causa dos bancos de areia e dos rochedos. A meio delas eleva-se acima do nível da água um enorme rochedo, que, por ser bem visível, não oferece perigo algum. No cimo desta rocha foi construído um belo e seguro forte, defendido por uma guarnição. Outros rochedos ficam ocultos sob a água, e são por tal razão muito perigosos. Só os naturais da ilha conhecem os passos navegáveis. Por isso, quase nenhum navio estrangeiro se atreve a penetrar no porto sem um piloto utopiano. Aos próprios habitantes se tornaria perigosa a entrada, se não tivessem, na costa, certos pontos de referência que os orientassem. A simples mudança ou deslocação de tais sinais para outros locais faria que os navios inimigos, por mais numerosos, fossem destruídos. O círculo exterior da ilha possui também numerosos portos, mas tão bem defendidos pela natureza e pelo trabalho do homem, que basta um pequeno número de defensores para impedir o desembarque dos maiores exércitos. 22 21 Idem, p.400, ll.1 a 9. 22 MORE, Thomas, Utopia, p.63, ll.10 a 19, p.64, ll.1 a 12. 21 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Uma escolha adequada do lugar permitia uma escolha em que o lugar e o clima estivessem em harmonia, reforçando a convicção de que através do conhecimento se escolhe um lugar adequado para o Homem viver. Alberti passa-nos a ideia de que a doença, a desgraça e a fome têm a ver com uma má escolha do lugar em que os elementos estão em desarmonia. Se a saúde significa o equilíbrio do corpo, noutra escala, a cidade tinha que ter como princípio fundamental o equilíbrio com os elementos. Todo, como nada, es demasiado. 23 A cidade deve estar proporcionada, deve ser adequada, não só em termos geográficos mas também em termos funcionais.24 Como exemplo de uma perfeita e completa harmonia entre os elementos recorremos à construção do templo de Salomão, no qual não se empregou o ferro, num simbolismo de que nada pudesse matar. A construção do templo era feita em circunstâncias puras, no sentido das leis, dos valores, da ética: Na construção do templo só se empregaram pedras lavradas na pedreira, de sorte que durante os trabalhos da construção, não se ouvia barulho algum de martelo, de cinzel, ou de qualquer outra ferramenta.25 Merece consideração a Alberti que o homem possua uma existência com conforto. A cidade não deve sustentar apenas as necessidades do homem mas também prover o seu espaço urbano possibilitando o seu disfrute. 23 ALBERTI, Leon Battista, De Re Aedificatoria, p.176, l.24. 24 Por último, dicen los antiguos que la ciudad y el barco no deben tener un tamaño tal que se balanceen, sí están vacíos, o que no basten, sí están llenos; (...), Idem, p.176, ll.12 a 13. 25 Bíblia Sagrada. 22 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Tomámos como exemplo, um relato sobre as qualidades a que um templo deveria observar: Pero es mi deseo que en el templo se cumpla el requisito siguiente: que, allí donde se dirija la mirada, todo tenga tales características que no podrías establecer com facilidad si merecen mayores alabanzas la inteligencia y la habilidad de los artesanos o él interés de los ciudadanos por preparar y poner a la vista nales y sobresalientes, que no puedas determinar si eso mismo lo hacen más para conseguir la belleza y el decoro o para alcanzar la eternidad.26 Para proporcionar uma existência confortável e apropriada, tudo devia estar em harmonia, em consonância com a dignidade de todos e de cada um. 1.3 Cidade limitada geograficamente – o todo e as partes Os antigos equiparam as suas cidades com todo o tipo de construções, pois se por um lado, era uma forma de garantir que os governantes fossem recordados na posterioridade, também era um modo de elevar o papel do arquitecto perante o estado. A glória deste estava relacionada com a capacidade do último conseguir, que os seus habitantes disfrutassem do tempo livre de uma forma saudável, exercessem o seu trabalho proveitosamente, acrescentando dignamente património. Os variados tipos de construções, fossem oficiais, privadas, sagradas, civis, utilitárias, funcionais, de lazer, derivaram da procura do Homem por lugares seguros, onde pudessem descansar e proteger-se dos elementos climatéricos adversos. Aí começou por se estabelecer, apropriar e procurar conforto, fundamentando a origem da ordenação dos edifícios. A visão de Alberti foca a intervenção e o restauro de edifícios pré-existentes necessários para que as partes novas da cidade se inter relacionem com as antigas orgânicamente.27 26 ALBERTI, Leon Battista, De Re Aedificatoria, p.286, ll.14 a 20. 27 A Creta la hizo famosa sobre todo la tumba de Júpiter; y a Delos se la frecuentaba no tanto por el oráculo de Apolo como por el aspecto y la belleza de la ciudad y del templo. Idem, p.59, ll.33 a 35. 23 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Al contrario que los utopistas, Alberti no establece para la ciudad una estructura geométrica obligada: su sensibilidad realista lo lleva a considerar los infinitos parámetros ambientales que influyen en la configuración urbana y a volcar su interés no solo en la ciudad nueva, sino en la reforma de la ciudad presente; (...) 28 A intervenção renascentista vem no sentido de regrar, dar racionalidade ao edifício. Todas as partes, na sua diversidade, deveriam estar interligadas em harmonia: ...En la ciudad pequeña Alberti aconseja las calles que se doblan a un lado y a outro como un río com sus recodos:”porque, en primer lugar, pareciendo más larga la calle, se tendrá la impresión de que la ciudad es más grande; además, porque es de gran provecho tanto para la belleza como para la utilidad (...). De hecho no poca importancia tiene que el que camina vaya descubriendo poco a poco, casi a cada paso, nuevas perspectivas de edificios...”. Esta predilección por la curva viene a indicar también entre los ideales de Alberti la aspiración a una gran síntesis en la que, junto a las adquisiciones de la nueva cultura perspectiva, encuentre sitio la conservación de ciertos aspectos de la tradición ciudadana medieval en los que resplandece la capacidad de interpretar aspiraciones constantes del alma humana.29 A variedade dos diferentes tipos de construções destinavam-se, umas às necessidades vitais, outras a funções específicas, outras ainda ao lazer, mas também aos diferentes tipos de pessoas. Para compreender os tipos de edifícios é preciso reflectir nas diferenças entre os seres humanos a quem se destinam.30 A cidade é composta por várias partes, que formam um corpo uno, e a cada uma dessas partes é atribuído um determinado tipo de edifício. Fica a ideia de que para cada edifício, 28 PORTOGHESI, Paolo, El angel de la historia, p.24, l.41; p.25, ll.1 a 4. 29 Idem, p.25, ll.9 a 22. 30 Pero cuando vemos a nuestro alrededor la abundancia y variedad de edificios, comprendemos sin esfuerzo que todos están destinados no sólo a las funciones señaladas y que no están asignados a tal o tal fin exclusivamente, sino que, en función de los diversos tipos de seres humanos, sucede que tenemos obras diversas y de múltiples clases. ALBERTI, Leon Battista, De Re Aedificatoria, p.165, ll.14 a 18. 24 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. um tipo de classe civizacional. A cidade e os seus serviços públicos destinavam-se a todos os seus habitantes. Às pessoas ilustres, que se destacassem da massa de homens, caberia o papel de gerir e cuidar do estado. Tratar-se-iam os assuntos divinos através da religião, da igualdade e da justiça através da lei, da segurança através de um corpo militar e, os seus dirigentes, seriam exemplo da conduta moral e do modo de viver honradamente. Outros destacar-se-iam pela elevada experiência e prática. O importante seria que, em qualquer momento da vida de um homem, o seu conhecimento seria útil e aplicado às circunstâncias.31 Para garantir a salubridade do lugar, Alberti sugeria que nada do que pudesse contaminar a pureza e qualidade do ar, podia ter lugar dentro do perímetro da cidade: Sin embargo, no me atrevería a censurar a nuestros contemporáneos, que efectúan los enterramientos en los lugares más sagrados del interior de la ciudad, a condición de que no introduzcan el cadáver dentro del templo, donde los notables y los magistrados se reúnen ante el altar para rogar a los dioses, lo que a veces puede ocasionar que la pureza del sacrificio se contamine com la hediondez que despide el cadáver putrefacto.32 Para garantir isto, cita Platão: Platón opinaba que había que actuar de modo que el individuo no resultara incómodo para su comunidad ni vivo ni muerto; y por esse motivo prescribía que se realizaran los enterramientos no sólo fuera de la ciudad sino únicamente en una zona de campo completamente improductiva.33 Do mesmo modo encontramos na Utopia de More, sobre o tema da salubridade, influências platónicas: 31 Por lo demás,todas las personas en su conjunto obedecerán y prestarán su ayuda, en la medida en que lo exijan las circunstancias, a estos de más rango. Idem, p.168, ll.6 a 8. 32 Idem, p.331, ll.22 a 28. 33 Idem, p.334, ll. 11 a 15. 25 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. No caso da doença não só ser incurável mas originar também dores incessantes e atrozes, os sacerdotes e magistrados exortam o doente, fazendo-lhe ver que se encontra incapacitado para a vida, que sobrevive apenas à própria morte, tornando-se um empecilho e um encargo para os outros e fonte de sofrimento para si próprio e que deve decidir não mais alimentar o mal doloroso que o devora. 34 Os limites e extensão das províncias estão tão bem determinados para cada uma delas, que nenhuma possui à sua volta menos de vinte milhas de terras aráveis, e por vezes mais, se, de algum dos lados, a distância entre uma cidade e outra for maior. 35 E ainda: Não suportam que entre na cidade coisa alguma suja, repugnante ou imunda, com receio de que o ar poluído pelas imundices putrefactas ocasione epidemias. (...) Dentro do perímetro da cidade, um pouco fora das muralhas, existem quatro grandes hospitais, amplos e espaçosos, que se assemelham a quatro pequenas cidades. A sua amplidão tem como fim impedir que os doentes, por mais numerosos que sejam, não estejam demasiado amontoados, em condições desconfortáveis e incómodas; e também com o fim de poderem ser isolados dos restantes os doentes que sofram de males contagiosos, para evitar o perigo a isso inerente.36 A delimitação da cidade identificava-a como uma identidade geográfica. Tal como um corpo, a cidade é uma unidade, pela justa proporção dos seus elementos. É esta unidade que lhe confere a harmonia entre o todo e as partes.37 34 35 36 37 MORE, Thomas, Utopia, p.106, ll.30 a 32, p.107, ll.1 a 5. Idem, p.65, ll.14 a 18. Idem, p.80, ll.8 a 10 e 22 a 30. Cuenta Curcio que, murallas adentro, Babilonia estuvo distribuida en barriadas alejadas y sin ninguna solución de continuidad. Platón, por el contrario, aconsejó que no sólo los barrios sino también los muros de las casas formaran un todo, y quiso que esa obra desempeñara la función de muralla de la ciudad. ALBERTI, Leon Battista, De Re Aedificatoria, p.184, ll.28 a 32. 26 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Assim, a cidade é proporcional ao homem. Aplica-se o mesmo princípio às partes, garantindo o perfeito ajustamento entre si. A morfologia da cidade é ordenada pela relação do sítio com a envolvente. Rafael Hitlodeu, marinheiro português, descreve-nos Amaurota, numa exposição da cidade da Utopia: A cidade é rodeada por uma alta e espessa muralha de pedra, enxameada de torres e fortes. (...) As ruas são atraentes e foram convenientemente dispostas e orientadas, quer para as necessidades de transporte, quer como protecção contra o vento. As casas são belas e bem construídas, formando duas filas contínuas ao longo das ruas, cuja largura é de vinte pés. Nas traseiras das casas, e entre elas, existem vastos jardins. Cada casa tem duas portas, uma para a rua e outra para o jardim. Estas portas não têm fechadura ou cadeado, bastando um leve empurrão para as abrir ou fechar. Qualquer pessoa aí pode entrar, pois nada há dentro das casas que seja pertença individual de algum indivíduo. (...) Têm grandes cuidados com os jardins, em que cultivam a vinha e árvores de fruto, flores e plantas de toda a espécie. Tornam-nos tão agradáveis, tratam-nos com tanta habilidade e gosto, que nunca vi em qualquer outro lugar jardins tão belos e cuidados.38 A natureza invade a cidade, marcada por um traçado que concentra a rua para o interior do quarteirão, com um carácter de lugar de prazer e de divertimento, cenário da perfeição da construção humana e do lugar. Encontramos ainda na Utopia de Thomas More o desejo de harmonia entre os homens e a realidade natural do sítio que habitam. O autor descreve os aglomerados urbanos da ilha da Utopia como parte de um compromisso sério entre urbanidade e paisagem natural. 38 MORE, Thomas, Utopia, p.68, ll.27, 28, 32 a 37, p.69, ll.1 a 11. 27 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Como em todas as construções utópicas, More procura um padrão que regule o caos, a desordem e a exclusão sociais. Não obstante o modelo-matriz que se auto-reproduz, reflecte também o desejo de uma tomada de consciência da cidade como um todo, com uma dinâmica própria, em que as partes que o constituem são integradas, para certificar uma existência harmoniosa. O espaço da cidade deveria adaptar-se às condições de vida dos seus habitantes, respondendo às necessidades dos diferentes grupos de pessoas. O conceito da cidade como corpo uno composto por partes múltiplas, más que una sola ciudad, es un conjunto de pequeñas ciudades adosadas39, dizia também ser essencial existir uma separação das partes, para que a coexistência com o todo fosse tranquila. Ao separar, conseguia-se um maior controlo das partes, garantindo a segurança interna de toda a cidade.40 Sócrates afirma que o universo é uno na forma da esfera e múltiplo porque a esfera tudo contém. Num raciocínio análogo afirmamos que a cidade é una e múltipla na sua plurifuncionalidade. La racionalización y sistematización del conjunto se harán no sólo de forma que los elementos rivalicen en dignificar la obra, sino de modo que uno de ellos no tenga razón de ser sin los demás y que dé la impresión de que no puede mantener suficientemente su propria importancia.41 Compreendemos a presença da ideia de cosmos, de um conceito platónico de macro e de micro cosmos. Ao nível planetário é análogo à composição dos elementos. Tudo obedece às mesmas regras.42 39 ALBERTI, Leon Battista, De Re Aedificatoria, p.196, ll.12 a 13. 40 No está de más recoger lo que leemos en Festo: Servio Tulio dispuso que los patricios vivieran en un barrio, en el que, si estuvieran maquinando algo, podrían ser reprimidos desde un lugar más alto. Idem, p.197, ll.1 a 3. 41 Idem, p.399, ll.17 a 20. 42 La fortaleza, en resumen, habrá de ser construida como si levantaras una especie de ciudad en pequeño; por consiguiente, se la construirá mediante el mismo procedimiento y la misma técnica que la propria ciudad, y se la dotará de los servicios que sean necesarios. Idem, p.205, ll.4 a 7. 28 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. 1.4 Modelo cultural da cidade - A cidade toma forma pelo lugar e reflecte todos os substractos culturais que a geram. Decía Platón que un estado bien regulado y com sólidos cimientos debe tomar por ley la precaución de que no se introduzcan en la ciudad la molicie de los pueblos extranjeros, y de que ningún ciudadano menor de 40 años salga al exterior; y de que quienes hubieren acudido a la ciudad para instruirse, en el mismo momento en que se hubiesen embebido de las probas enseñanzas, fueran enviados de regreso com los suyos. Ello sin duda porque, mediante el contacto com esa clase de extranjeros, los ciudadanos van poco a poco olvidando la antigua sobriedad de sus antepasados y se suscita su odio contra las costumbres tradicionales; por esse único factor en especial se deterioran enormemente las ciudades.43 Alberti cita Platão pelos motivos culturais. Platão projecta na Atlântida um ideal de cultura. Existe um sentido civilizador da cidade para com a sua populações. Ao chegar à cidade, oriundos do campo, as pessoas iam civilizar-se. Precaver o excesso de população estrangeira na cidade, vinha no sentido de não ameaçar o padrão de cultura da cidade. A matriz cultural da cidade vive simultaneamente no plano ideal e no do conhecimento. A cidade era vista como um espaço culural. Para funcionar bem tinha que ter uma matriz. Apesar de considerarmos que os meios, para preservar o padrão de referência que garantisse a sobrevivência cultural, são mais ou menos legítimos, não se pode negar a importância de afirmar o factor cultural na preservação da identidade, dos costumes e sobrevivência da própria cidade. O reconhecimento de raízes culturais comuns apresenta-se como um aspecto importante para uma unidade política. 43 Idem, p.282, ll.3 a 12. 29 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Na ilha da Utopia, o tempo dedicado ao estudo, ao cultivo do espírito, era essencial para a formação dos cidadãos. (fig.10) Acreditavam no conhecimento integrado no cosmos, em harmonia absoluta com este: Aprendem as ciências na sua própria língua, rica em expressões, harmoniosa ao ouvido e apta para interpretar fielmente o pensamento. (...) Imaginaram inteligentemente mecanismos diversos que representam com exactidão os movimentos do Sol, da Lua e de todos os astros visíveis acima da linha do seu horizonte. (...) Discutem as qualidades da alma, do corpo e da felicidade e se a noção de bem se pode aplicar a todas estas coisas ou apenas ao desenvolvimento das faculdades do espírito. 44 fig.10 Gravura que representa a educação na Ilha da Utopia, deThomas More. A cidade é um meio eficaz para ligar cada indivíduo às suas raízes, estabelecendo laços de identidade com um grupo, indispensáveis para a harmonia social do conjunto. 44 MORE, Thomas, Utopia, p.91, ll.6 a 8 e 29 a 32, p.92, ll.13 a 15. 30 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. La conciencia de que la ciudad no es outra cosa que un instrumento de la sociedad para mejorar la vida de los hombres hace, eso sí, que no se contraponga al campo, sino que trate de integrarse en él al menos en lo que respecta al consuelo alterno que los dos tipos de vida, el urbano y el de la villa, pueden ofrecer al ciudadano pudiente. 45 45 PORTOGHESI, Paolo, El angel de la historia, p.25, ll.31 a 36. 31 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. II – A alienação na cidade contemporânea _ O lugar perdeu o seu valor intrínseco e passou a ter um valor comercial, em que a ordem económica se sobrepõe à moral, aos valores, à cultura, à identidade, ao homem. 2.1 O lugar como matriz de Sistema e de Cultura. A escolha do lugar é o princípio básico da arquitectura, é o início da cidade. De acordo com o modelo ideal de cidade de Alberti, o homem constrói para viver confortavelmente, de acordo com o seu imaginário cultural e a sua consciência, em harmonia com a natureza. Interpretava a cidade como um todo, isto é, como uma unidade que integrava todas as suas partes. O lugar, não tendo apenas uma existência física, perdeu estes princípios na contemporaneidade: A cidade devora tudo o que a terra e o mar à sua volta produzem. Drena e suga as riquezas naturais que são lançadas às caldeiras que fornecem energia à comédia humana e cujos detritos depois expulsa em forma de esterco e podridão. Quanto mais vastas, mais espessas e mais largas são as muralhas da cidade mais ela se entrega ao estranho labor de construir signos e metáforas, de transformar a matéria em símbolos. O citadino acaba por se alimentar desses símbolos, (...) 1 (fig. 11) fig.11 Imagem do filme La Haine (1995) Mathieu Kassovitz. 1 BAPTISTA, António Alçada, Feliz ano novo, p.10, ll.11 a 20. 32 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. As muralhas que definiram outrora os limites da cidade há muito que se tornaram interiores, uma malha de um tecido urbano que foi crescendo. Actualmente a dificuldade consiste em delimitá-la, face à indecisão da sua extensão. Não existem valores de referência, anulam-se os lugares, as identidades, a cultura, pela sobreposição dos interesses económicos. Se a experiência do longínquo nos ensinou a descentrar o olhar, temos que aproveitá-la. O mundo da sobremodernidade não é feito à exacta medida daquele em que pensamos viver, pois vivemos num mundo que ainda não aprendemos a olhar. Temos que reaprender a pensar o espaço. 2 Olhamos para a cidade como um modo de fazer (arché) e ser arte. Apreendemos, ao percorrê-la, uma realidade material de um conjunto de qualidades sensíveis. A cidade é um vínculo expressivo que comunica o tempo. É um ícone da materialização do corpo e do espaço, que entendemos como ideal, num determinado período do tempo. A cidade é vista como algo que existe antes de nós. Pela perspectiva da cidade como objecto de arte, as manifestações arstísticas que nela ocorrem são decorrentes dos seus problemas sociais, e, encaramos estes fenómenos, como vivos. Num sentido mais abrangente, a cidade é uma estrutura dinâmica, de vários grupos sociais, diferentes, que habitam um mesmo lugar, determinante no plano cultural, urbano e efémero. É uma aglomeração estruturada por orgãos administrativos, hierarquizados, que determinam a sua finalidade principal. Entendemos o lugar como matriz de Sistema e de Cultura. Significa isto que na cidade temos locais de trabalho, de trocas comerciais, de troca de ideias, que se ajustam e combinam, formando um conjunto que interage entre si. 2 AUGÉ, Marc, Não – Lugares, Introdução a uma antropologia da sobremodernidade, p.43, ll.18 a 23. 33 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Sistema O termo sistema, tem na sua raíz grega o significado de combinar, ajustar, formar um conjunto. A noção de sistema serve para assinalar um conjunto complexo, formado por elementos distintos ligados entre si, de modo a formar um todo que se organiza tanto por relações de interacção como por relações de interdependência, entre os elementos que o compõem, com objectivos e funções determinadas. A teoria dos sistemas foi proposta em 1930 por L. von Bertalanffy.3 Sendo um sistema composto por elementos e as suas relações entre eles, estes podem ser considerados subsistemas, ou seja, pertencem à mesma categoria do conjunto de que fazem parte. (fig.12) Pode ser um sistema aberto ou fechado, consoante exista interacção com o meio em que se situa, ou não, respectivamente. A homeostase é uma propriedade de um sistema aberto que permite regular o seu ambiente interno, de modo a manter uma condição estável, mantendo o equilíbrio das suas funções, fig.12 Rueda – Ley – Maquina – Sistema (60X60 cm). Jorge Martínez García, 2007. 3 Confrontar com BERTALANFFY, Ludwig von, Théorie générale des systèmes. Physique, biologie, psychologie, sociologie. 34 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. mesmo perante mudanças no meio externo. Neste sentido podemos afirmar que toda a organização interna, estrutural e funcional de um sistema contribui para a manutenção do seu equilíbrio. O equilíbrio da cidade contemporânea está ameaçado pois esta desagrega-se pelo excesso de individualismo e pela incapacidade de assimilar as culturas emergentes. Para explicar o não esmagamento/anulação de uma parte pelo todo, defendemos que o equilíbrio nasce precisamente da constatação de que é necessário actuar numa parte quando esta se encontra instável. Se isto não acontece, sucede-se o esmagamento dessa parte. A psicologia da Gestalt considera que, (...) um todo é o resultado de, (...) a soma das suas partes. O todo é dependente da posição, do número e das características inerentes das partes. 4 A boa integração e interacção dos elementos no sistema, contribui para uma acção coordenada, isto é, para a sinergia (propriedade que possibilita o funcionamento adequado de um sistema). Partindo da condição prévia de que o todo é a soma das partes, as transformações ocorridas numa das partes, influenciará todas as outras. O sistema constitui um todo com propriedades próprias, superiores em complexidade às suas partes. A noção de feed-back ou retroacção, como uma reacção do sistema à mudança duma variável, foi, entre outras, introduzida na teoria dos sistemas, que afirma que estes são abertos e sofrem interações com o ambiente onde estão inseridos. O feed-back pode ser uma reacção positiva, em que a resposta amplifica a mudança da variável, ou pode ser uma reacção negativa, pela qual o sistema responde de modo a reverter a direcção da mudança, com o objectivo de manter estáveis as variáveis, permitindo a manutenção do equilíbrio. 4 VENTURI, Robert, Complexidade e Contradição em Arquitectura, p.121, ll.7 a 10. 35 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Ao observarmos o sistema social verificamos que é composto por diversos elementos que se inter-relacionam, funcionando como um todo. Niklas Luhmann (1927) 5 defende que, como qualquer outro sistema, os sistemas sociais são comunicativos, no sentido em que produzem e processam informações. A informação tem o sentido de novidade, e não apenas o de mensagem transmitida ou recebida. Luhmann, apresenta uma teoria de sistemas sociais baseada no conceito de comunicação, enquanto processo fundamental que constitui a sociedade. Esta é apresentada como um sistema complexo, não determinado, capaz de tranformar diferenças emergentes, no ambiente do sistema, em informação. Luhmann, ao afirmar que um sistema social é comunicativo, por interações que contêm informação, também quer dizer que deixando de existir comunicação, o sistema acaba. It is possible that those responsible for the policy of classes and nations might become conscious of the processes with which they are playing and cooperate in an attempt to solve difficulties. This, however, is not very likely to occur since anthropology and social psychology lack the prestige necessary to advise; and, without such advice, governments will continue to react to each other's reactions rather than pay attention to circumstances. 6 O sistema social da cidade contemporânea é composto por diferentes matrizes culturais. Isto é, os seus cidadãos trazem passados culturais diferentes do sistema cultural dominante. A underclass 7 vive nas cidades num ambiente rural, no sentido em que ainda vivem da subsistência. (fig.13) Quando alojados em bairros sociais ou barracos, sem terra para cultivar, sem espaço físico para manifestarem toda a carga informativa que trazem, as diferenças 5 Confrontar com LUHMANN, Niklas, Social Systems. 6 BATESON, Gregory, Steps to an Ecology of Mind: Collected Essays in Anthropology, Psychiatry, Evolution and Epistemology, p.72, ll.9 a 16. 7 (...)o termo underclass (literalmente, infraclasse), introduzido nos anos 60 pelo economista sueco Myrdal para designar os americanos pobres, excluídos do mercado do trabalho ou ocupados em actividades marginais. MELA, Alfredo, A sociologia das cidades, p.107, ll.20 a 22. 36 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. emergentes perdem-se. Não sendo aproveitadas pelo sistema, geram sentimentos de frustração e de alienação. Estas diferenças emergentes são notícias, são informações, que a cidade deve integrar. Quando não as aproveita, quando não as transforma em informação, elas começam como um cancro, a corroer-se a si mesmas. Manos saem de cana Mas cá fora não há chance para gente cadastrada Então vão e voltam como se a prisão Fosse uma segunda casa (...) Na rua não há futuro Não há amor Não há fé Esses putos roubam para comer Bro! E comem bué. 8 fig.13 IC-19, Amadora, Portugal. 8 VALETE, Subúrbios, Serviço Público, 2006. 37 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Um dos discursos mais recorrentes sobre as migrações é ver os seus agentes como os “novos” cosmopolitas e os representantes de culturas viajantes, os “cosmopolitas vernaculares”(...) Estes permitiriam pensar novas formas de cidadania assentes noutros laços que não o Estado-nação bem como na criação de novas paisagens. Os migrantes seriam assim as figuras da contemporaneidade por representarem os fluxos e um mundo sem fronteiras. 9 Ao reflectir sobre este ponto de vista, percebemos que nem tudo é fluxo. As pessoas estão de facto ligadas aos lugares, enquanto territórios de pertença e identidade. 10 Em À noite 11 é-nos descrito um mundo que sente não fazer parte de nada, que fica para além do mundo do sistema dominante. Apesar disso, e, paradoxalmente, o homem não se consegue desligar da sua natureza social, e vive em contradição com ela: Sem energia a noite vem como comunas Só ganha vida nas colunas das casas nocturnas Com turmas pluriculturais ruidosas como tunas À noite visitas aos subúrbios são inoportunas. (...) Contacta com o ambiente nocturno Mas vem bem comportado Porque à noite polícias são hooligans mal humorados Não é imposição da autoridade São satisfações pessoais À noite torturas medievais invejam os quadros policiais Conseguiram eles baixar a criminalidade? Jamais 9 MAPRIL, JOSÉ, Aqui ninguém reza por ele! Trânsitos fúnebres entre o Bangladesh e Portugal, p.3, ll.1 a 5. 10 Idem, p.1, ll.10 e 11. 11 VALETE, À Noite, Serviço Público, 2006. 38 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Todas as noites gatunos vêem buscar aumentos salariais Movimentos ilegais movem-se com todo o aparato À noite os puros gangs são exércitos da nato, Balas e pugilato. (...) Rebelião na escuridão em todas as partes da nação Skinheads na rua para baixar a taxa de imigração. Se pensarmos num corpo, é como se este tivesse uma chaga que não cura. Sendo o homem um animal social, quando não é integrado no sistema, o sentimento de exclusão faz com que ele se reagrupe. Estes novos grupos de indivíduos, com sentimentos comuns, lutam contra o sistema dominante, pois este não os vê: Eu fui o homem escolhido Para ditar a sentença Olha o meu peito erguido, pá Man, para vingar o planeta Entrei na Casa Branca assim, cheio de moral Nossos snipers iam abatendo a escolta presidencial eu andava no piso inferior, de corredor em corredor Abria porta a porta à procura daquele estupor Vi a porta dos fundos, senti um feeling interior Abri-a... Até que enfim seu ditador! Agora sente o pavor Vais pagar pela tua merda e pela dos teus antecessores Isto é pelas vítimas das guerras que vocês fabricaram 39 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Pelas bocas que morreram pela falta de pão que vocês negaram Pelo terror que semearam, alastraram, perpetuaram Pelos homens e mulheres que as vossas bombas mutilaram Pelo suor dos trabalhadores que vocês escravizaram Pela alma deste planeta que vocês danificaram. 12 O Fim da Ditadura é uma alegoria da Tanatos13. É entendermos que para sobreviver se tem que destruir uma parte, pois já não existe esperança nem salvação possível. Consequentemente, o sistema social se não combinar, ajustar, formar um conjunto, morre. Ao evitar olhar de frente a segregação social como um problema de raíz das nossas sociedades, corremos o risco da revolução que Óscar Niemayer profetiza nas suas memórias 'Quando a miséria desaparecer, e a pobreza se multiplicar, haverá a revolução' 14, explodir de forma incontrolável. Aí o sistema deixa de conseguir manter o equilíbrio, quando uma parte é anulada pelo todo, acabando. ----------------------------------Na cidade materializam-se concretamente as tensões da civilização. Não a podemos separar da concentração de capital. Na raíz dos seus conflitos encontra-se o seu destino ambíguo, legado de criações culturais e progresso material. Os investimentos estimulados pela especulação imobiliária revelaram-se altamente rentáveis, causando um impacto negativo no urbanismo, enquanto processo racional de adaptação da cidade aos seus habitantes, influenciado por grupos interessados na exploração urbana. Castells 15 levanta a hipótese para o termo “urbano”, como referência a uma ideologia que reage à definição do urbano como lugar da reprodução colectiva da força de trabalho nas sociedades capitalistas. 12 13 14 15 VALETE, Fim da Ditadura, compilação Poesia urbana Vol. I, Horizontal Records, 2004. Morte, em grego. NIEMAYER, Óscar, As curvas do tempo: Memórias, As. Confrontar com CASTELLS, Manuel, La question urbaine. 40 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Reconhecendo na cidade uma unidade reprodutora de trabalho, defende que o aspecto central da ambiguidade entre acumulação de capital e reprodução do trabalho, está no modo como o urbanismo divide socialmente e territorialmente o trabalho. Acrescentamos que essa divisão, leva inevitavelmente à alienação do espaço urbano, em que as necessidades reais e o funcionalismo (útil) se tornam escravas da ordem económica e dos interesses privados. Isto é, a cidade existe para a acumulação de riqueza. Debruçamo-nos sobre o conceito de alienação, para melhor compreender os factores que geram esta condição. Alienação Termo utilizado por diversos registos de linguagem (jurídico, médico, teológico, etc). Na filosofia e na sociologia, J.-J. Rousseau define-o no Contrato Social (1766) 16: cada associado, “dando-se a todos, não se dá a ninguém”, abandonando os seus direitos naturais para originar o corpo político. É no entanto na filosofia alemã (Fichte, Hegel e Marx) que ele expressa o sentido que hoje lhe é atribuído: a alteração da actividade própria do homem, num poder que lhe é estranho, e que, posteriormente, o domina. Há uma anulação da personalidade individual, pois o indivíduo alienado carece de si próprio, tornando-se na sua própria negação. Alterando a actividade própria do homem, que entendemos como sendo a natureza humana, cria-se a antítese Eu/ Mundo. O indivíduo sente que o mundo não é o espelho dele: Manos encharcam na bebida todo o espírito frustrado. 17 Há um processo de identidade que é decepado: (figs.14 e 15) É um povo escravizado nesta sociedade de extremos Trabalham duas vezes mais e ganham duas vezes menos 16 Confrontar com ROUSSEAU, Jean-Jacques, The Social Contract. 17 VALETE, Subúrbios, Serviço Público, 2006. 41 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Sentes o cheiro intenso que esses homens trazem no sovaco Porque não há desodorizante que abafe o suor do trabalho escravo (...) Negros dos subúrbios são sempre vistos como gente a mais. 18 figs.14 e 15 Trabalhadores chineses. À direita, Trabalhadores de uma fábrica, anos 30. Ambos representam a dualidade produção-consumo que alimenta a alienação. Marx, torna a noção de alienação numa noção sociológica. Em O Capital (1867) 19 : A alienação do operário significa não apenas que o seu trabalho se torna um objecto, uma existência exterior, mas que o seu trabalho existe fora dele, independentemente dele, estranho e se torna um poder autónomo em relação a ele; que a vida que ele conferiu ao objecto se lhe opõe, hostil e estranha. Assim, a alienação manifesta-se a partir do momento em que o objecto fabricado se torna alheio ao seu criador, pois ao criar algo fora de si, o indivíduo nega-se na sua criação. A alienação torna-se no indício de todas as dificuldades do homem dos nossos dias. 18 VALETE, Subúrbios, Serviço Público, 2006. 19 MARX, Karl, Le Capital. 42 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. As indústrias utilizam a força de trabalho, a produção é colectivizada, necessitam de vários funcionários para fabricar um produto, no entanto, nenhum domina o processo por inteiro. A alienação no trabalho, por desemprego ou expectativas de ascensão social, é um termo que foi utilizado pela primeira vez por Marx, para expôr a alienação da sociedade burguesa, entregue à adoração excessiva do material. A mercadoria é produzida na sociedade e, independentemente do lucro dos produtos gerados, é produzida e vendida acima do preço investido nos trabalhadores, rompendo o homem de si mesmo. A consciência alienada é reflexo da actividade alienada. A alienação alimenta-se da dualidade produção- consumo, sendo que o consumo produz a produção, e sem o consumo o trabalhador não vive. Assim, o produto comprado “alimenta” as pessoas, contribuindo ao mesmo tempo para a alienação e exploração destas enquanto indivíduos. A alienação é comunicada sob a forma de algo novo, é recebida por um receptor que desconhece o assunto, sendo este último “alienado” pelo comunicador. Partindo deste princípio, tudo pode ser considerado de ter mensagens alienadas: as escolas, as igrejas, a política, os media, as ruas, em casa. Porém, a noção de alienação mantém-se inseparável de uma compreensão da história e do destino do homem, do ideal consciente, fundamentado nos valores da matriz Cultural/ Pólis, da sua queda à sua salvação. A cidade clássica sempre teve um factor de ideal, de civilização, pois o ideal da cidade reflecte o ideal da civilização. Em contraponto, a cidade contemporânea carece de um modelo de civilização. Verificamos que as coisas são humanizadas e o homem é coisificado. (figs.16 e 17) 43 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. fig.16 Manifestação solidária com as famílias que ocupavam o Sonho Real, contra a violência e demagogia dos governantes, em Março de 2005, no Brasil. fig.17 Los Angeles, em hora de ponta. ----------------------------------Quando os factores económicos se sobrepõem a todos os valores, geram segregação. A sociedade marginaliza, e ao mesmo tempo, não quer os excluídos. A não integração das novas comunidades que formam a cidade gera confrontos étnicos e culturais, que se materializam numa cidade alienada, por sua vez geradora de ghettos. Ao olharmos a cidade do subúrbio vemos desemprego, violência, droga, sexo, morte: Putos sub-16, as ruas são os seus apartamentos Vêm daqueles bairros de má fama, bairros problema (...) Aqueles bairros onde toda a gente reza, mas nunca se vê um sinal Só por baixo da pirâmide é que tu vês a classe social Os bairros onde se faz caridade e onde se nega oportunidades Os bairros onde as mulheres passam a vida na maternidade Putos comercializam todos os narcóticos mas na boca só entra wella Adoram a escola: há lá bué de clientela 44 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Roubam carros, casas, lojas, com toda a gente a vê-los Ilícito porquê? As ruas são deles. (...) O povo chama-os de delinquentes, marginais, inconscientes, Eles sabem que não têm futuro, mas eles têm o presente. E vão sempre vivendo o momento, com a mente, doente ou sã E pensam no dia de amanhã, só amanhã. Sistema segrega e gera putos de corações sangrentos Nada a perder para quem nesta vida, vive o momento Mal amados da nação, produtos de segregação Delinquentes puros, largam o ódio em qualquer chão. 20 Quando um indivíduo sente que não tem direito à cidade, isto é, para ele a cidade é a rua, e, é a rua quando os outros não a querem: Andam na rua sem fazer barulho, à noite, Vampiros e canibais mano, só andam à noite. Gente equilibrada desiquilibra-se, à noite, À noite, à noite, à noite, É só para machos, à noite. Gatilhos da polícia acordam sempre à noite, Ladrões, killers e dealers man, são filhos da noite, É melhor trazeres colete à prova de chumbo, à noite, À noite, à noite, à noite, Vida fodida, à noite. 21 20 VALETE, Nada a perder, Educação Visual, 2002. 21 VALETE, À Noite, Educação Visual, 2002. 45 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Quando um sujeito sente que a cidade não comunica com ele, a tendência natural é a de se alienar do sistema dominante, que não o integra. O que se vê nas cidades contemporâneas é frustração, gerada pela não integração de todas as suas partes. Assiste-se a implosões por todo o lado, das partes excluídas, mas à medida que as diferenças aumentam, facilmente se acende um rastilho incontrolável, se se propaga. É inegável que a cidade está feia e solitária. O ideal de cidade como uma unidade perdeu-se. O que caracteriza a cidade contemporânea é (...)a sua desintegração. Não é uma cidade pública à maneira clássica, não é uma cidade camponesa e doméstica, não é uma cidade integrada por uma força espiritual. É uma cidade fragmentária, caótica, dispersa, a que falta uma figura própria. É constituída por áreas indescritivelmente congestionadas, com zonas diluídas pelo campo circundante. A vida de relação não pode existir, numas por asfixia e noutras por dispersão. O homem, (...) sofre estímulos tão contraditórios que ele próprio, à semelhança da cidade que habita, acaba por se encontrar totalmente desintegrado. 22 A cidade vive uma crise de identidade. Não perder a relação com as suas partes é imperativo para que não morra. Entre a progressiva e intensa construção/ destruição do espaço urbano, torna-se imperativo o compromisso de pensar na identidade que queremos para a cidade como alicerce das suas decisões. Isto é também, pensar na cidade como Matriz de Cultura. Cultura (Matriz) A palavra cultura tem a sua origem no latim, com o sentido de cultivar o solo, cuidar. O termo foi sofrendo variadas interpretações ao longo do tempo. 22 GOITIA, Fernando Chueca, Breve história do urbanismo, p.22, ll.11 a 21. 46 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. No sentido figurado de cultura de espírito, é usado, nos finais do séc. XVI, pelos humanistas do Renascimento: o homem cultivado é sinónimo de ter gosto e opinião, requinte e boas maneiras, de ser erudito. No séc.XIX a palavra cultura é sinónimo de civilização. Em Primitive Culture 23, E. F. Tylor define cultura através do desenvolvimento mental e organizacional das sociedades, sendo práticas e ações sociais que seguem um determinado padrão. Esse todo complexo inclui os conhecimentos, as crenças, os comportamentos, os valores, as instituições, as regras morais e todos os hábitos e capacidades que o indivíduo obtém enquanto membro da sociedade. Consideramos estes aspectos importantes para reflexão pois estão postos em causa na esquizofrenia colectiva que a cidade vive hoje. Entendemos esquizofrenia como uma mente dividida, uma cabeça com duas razões, por analogia, vivemos uma esquizofrenia urbana – ideia de que há pedaços que se separam. Estes pedaços possuem vida própria pois encerram em si subculturas distintas, autónomas, que são mecanismos de sobrevivência que ligam o homem ao homem. Em Os Meus 24 , poema de Rap (expressão musical da subcultura hip hop), encontramos um forte sentido de comunidade, do local, das raízes: Estamos ligados na alegria na saúde e na esperança Na tristeza e na guerra, na dor, na fome e na doença Garanto, que isto é bem forte e ninguém pode minar Amigos para sempre, até que a morte nos separe. Meu people de Benfica, Nélson, França, Benarrivo, 23 Confrontar com TYLOR, Sir Edward Burnett, Primitive culture. 24 VALETE, Os Meus, Educação Visual, 2002. 47 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Braima, Togu, Nuno, Manel, o Satã e o Ivo, Santiago, Diogo, Kulkov, David e Chico, o NBC e o Bomberjack (...) E também das crenças, dos valores, das regras morais, dos hábitos e das capacidades do indivíduo: Tu és o nigga do meu lado quando é preciso agir Manténs-me sempre focado para que eu não possa cair Trazes as palavras certas que não me deixam desistir Se a nossa meta é a mesma no fim ainda vamos sorrir Sinceridade e honestidade são os pontos vitais A gente até discute, mas acaba sempre em freestyles E assim vai, porque isto é amizade sem preço Quando um come todos comem, temos todos o mesmo peso. Todos estes valores, a matriz de cultura, são postos em causa na esquizofrenia da cidade: Onde a tua mãe aos 14 engravidou Onde o teu pai semeou e não ficou Onde a pobreza penetrou e se instalou Subúrbios onde Deus nunca passou Onde a polícia espancou e assassinou Onde o meu povo lagrimou e ripostou Onde o meu flow escureceu e congelou Subúrbios onde Deus nunca passou. 25 25 VALETE, Subúrbios, Serviço Público, 2006. 48 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Por outro lado, mais tarde, a antropologia cultural americana defendia que o homem molda a sua personalidade através da observação das práticas comuns e através das instituições que também ditam um jogo de regras. Esta modelação acontece inconsciente ou conscientemente (culturalismo). Os culturalistas insistem na ideia de transmissão de património cultural, destacando o papel da cultura, como modo de vida de um povo 26, que é encarada como uma aquisição do homem, com estabilidade relativa, no entanto sujeita a contínuas mudanças, que sem se impor à nossa consciência, ordena o curso da vida. Como é que isto joga no conflito entre matrizes culturais, quando se cruzam matrizes? Como é que se transmite o património cultural às turmas pluriculturais 27 que constituem as sociedades contemporâneas? (figs.18 e 19) O património cultural ocidental é diferente dos valores, das crenças, da multiculturalidade dos indivíduos que constituem as sociedades actuais. A significação moderna do termo leva-nos ao modo de como cada sociedade transmite o saber, os valores, num tempo de mudanças rápidas, repleto de ícones e símbolos que funcionam eles próprios como transmissores de valores. Entendemos uma subcultura como um sinal de identidade. Só é sub porque não é dominante. 26 Entendemos que os povos, na sociedade global, são as subculturas. 27 VALETE, À Noite, Serviço Público, 2006. 49 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. fig.18 Cartaz do filme Lisboetas (2004), fig.19 Cartoon multicultural. realizado por Sérgio Tréfaut. Os modelos de cultura dos grupos sociais (popular, erudita/elitista) assim como a cultura comunicada pelos media às massas, têm na sua origem efeitos que podem ser alienantes e de desvalorização. (...)as condições em que são gerados e vivem estes subsistemas produzem situações culturais que afectam de tal modo os parâmetros da condição humana que são precisamente novas culturas, no sentido estrutural do termo, que, ao nosso lado, aceleradamente se vão criando. As metrópoles modernas(...) arriscam-se a um dia destes, acordarem rodeados duma tribo duma insólita raça que, com os seus gritos de guerra, evoca novos ídolos que exigem o sangue dos seus inimigos. 28 Moles (1967) 29 , questiona a substituição da cultura humano-criativa, pela de autoria de gestores e especialistas de marketing ou sociais, vínculada a factores económicos. 28 BAPTISTA, António Alçada, Prefácio de FONSECA,R., Feliz ano novo, p.15, ll.7 a 22. 29 Confrontar com MOLES, Abraham, Sociodynamique de la culture. 50 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Neste sentido, a cultura de massas é radicalmente diferente da cultura clássica e académica. É produzida para a população em geral, a despeito das divisões económico-sociais, em que a informação perde a qualidade intrínseca para passar a ser de ordem psicoafectiva. A cultura de massas justapõe leituras e emissões ao acaso, em que a procura extrema pela originalidade e pela autênticidade começa a desconcertar e a cansar. Entendemos cultura como tudo o que é apreendido e partilhado pelos indivíduos de um grupo específico, que lhe confere identidade dentro do grupo a que pertence. Se o indivíduo não tem essa identidade no grupo, gera uma e cria códigos próprios: À maneira que os marginais vão deixando de estar individualizados deixam de ser tolerados.(...) Ao contrário dos elementos do «sistema», os marginais não têm acesso às palavras mas estão perante as coisas e as situações (...) É essa situação que obriga os marginais a constituirem-se em subsistema autónomo, com os seus esquemas de sobrevivência e as suas específicas normas. 30 A cidade contemporânea carece de um modelo que seja inclusivo e unificador das novas formas culturais, pois actualmente favorece a alienação e a exclusão. 2.2 O valor do lugar Actualmente a cidade não é lugar mas área. A extensão da cidade contemporânea faz com que a mobilidade transforme os símbolos da cidade em abstracção. A própria velocidade faznos perder a noção de que estamos numa cidade, enquanto espaço físico, para passarmos a ver slides. A necessidade de transportes rápidos para nos deslocarmos, reforça a simbologia abstracta do espaço físico da cidade. Percorremos a cidade, que não nos diz muito nem pouco. Percepcionamos o território, como se víssemos televisão: gente, carros, edifícios, mais carros, mais gente, mais edifícios. 30 BAPTISTA, António Alçada, Prefácio de FONSECA,R., Feliz ano novo, p.14, ll.20 a 31. 51 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Como é que isto acontece? Parece-nos que a cidade, seja pela sua dimensão ou pela promoção de aspectos ou áreas individuais, faz com que as assimetrias dentro dela se acentuem. Assistimos a uma evolução da ordem material que atinge contornos delirantes, pois afecta todas as classes. Os lugares transformam-se: o lugar sagrado, de troca espiritual, adapta-se a funções práticas; em contraponto, a concorrência política/ administrativa vai adquirindo contornos de sagrado. Porém, as pessoas permanecem ligadas aos lugares onde vivem, mesmo que estes sejam marginais (figs.20 e 21). fig.20 Bairro do Lagarteiro, Porto. fig.21 Favela da Rocinha, Rio de Janeiro.A auto construção é uma consequência da segregação e da desagregação da cidade. Images of the metropolis are polarised: new developments are surrounded by areas of residual decay to the inhabitants of wich the 'benefits' of development do not extend. These hitherto stable if impoverished and 'disorderly' communities are re-classified by development as marginal. Corporate development and affluene are put into focus by 'aceptable levels' of deprivation in housing, health care, education, transport and culture. 31 Os cidadãos sem recursos são empurrados para as periferias pela especulação imobiliária, gerada pelas próprias imobiliárias, com a aprovação do governo. O Estado faz bairros sociais em lugares sem valor comercial: 31 MILES, Malcom, Art, Space and the City: Public Art and Urban Futures, p.105. ll.10 a 16. 52 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Numa entrevista ao jornal Público, João Teixeira Lopes, dirigente do Bloco de Esquerda, sobre uma visita ao bairro do Aleixo, no Porto, e, acompanhado pelo arquitecto Manuel Correia Fernandes, disse que o caso da demolição do Aleixo ilustra a “forma de governo de ódio” aos mais pobres da CMP, que acusou de “criar uma imagem dos bairros sociais, em particular do Aleixo, em que as pessoas que lá vivem são marginais ou delinquentes”. O sociólogo acusou o presidente da câmara, Rui Rio, de “colaborar activamente com interesses imobiliários” ao preconizar a demolição das torres, construção de habitação de luxo no local e realojamento dos actuais moradores noutros pontos da cidade, a definir. Segundo Teixeira Lopes, o presidente da câmara do Porto quer transformar o Porto “numa cidade apartheid, com bairros sociais de um lado e condomínios fechados do outro” (fig.22) e “apostar nos segmentos com altos rendimentos” nas políticas de reabilitação urbana. Correia Fernandes partilha a mesma opinião e acrescenta que existe uma tendência para “transformar problemas urbanísticos em problemas de mercado simples”, e que faltam na cidade “equipamentos à escala de bairro” e “políticas de apoio à sociedade”(...) Teixeira Lopes considera inadmissível que “os moradores não tenham sido ouvidos”. 32 fig.22 Favela de Paraisópolis situada no bairro do Morumbi , um dos mais chiques da cidade de São Paulo. 32 MARTINHO, Joana Caldeira, «BE diz que “é possível criar um movimento cívico” pelo Aleixo», Público. 53 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Uma governação unilateral não prevê que os aspectos locacionais, para além de estarem ligados a aspectos de localização, também devem integrar aspectos do sítio e do lugar: (...) que tomem os valores do sítio e dos conteúdos da vida urbana, para se compor sobre eles um discurso novo que integre palavras conhecidas. O que há aqui de novo neste processo é portanto o sítio ou locus, termo ainda de Rossi – todo aquele material funcional e formal que singulariza cada situação, que chegou a tornar mítico o acto de escolher um sítio, e à qual o zoning parecia ter retirado tal liberdade, para além da imposição de uma proposta tipológica que, dialecticamente , e pela sua natureza abstracta a quer domar e se não deixa ela domar (...) 33 A questão social é abordada circunstancialmente. Isto é, grande parte das intervenções valorizam o espaço físico, em detrimento dos equipamentos básicos e condicionando a população. As intervenções na cidade são pessoais, escapando em projecto, aos fenómenos. Esta realidade é representativa da falta de interesse pelos cidadãos por parte dos promotores urbanos e sociais. O governo das cidades deixa um rasto de desapropriações que promovem o higienismo social por via da segregação. A população marginalizada reagrupa-se, em subsistemas autónomos que compõe o tecido fragmentado da cidade contemporânea. Estes subsistemas tornam-se simultâneamente subculturas (culturas emergentes). Estas, devem poder transformar a novidade em informação, caso contrário a tendência é fecharemse sobre si mesmas, perdendo-se a comunicação. As culturas emergentes comunicam e a cidade deve tirar partido disso. A cidade precisa de um conjunto de regras que garantam a segurança e a ordem públicas. Na cidade actual, a polícia não cria laços de confiança nas camadas mais baixas da sociedade, consequentemente não é recebida como uma ordem, mas como um alvo a abater: 33 PORTAS, Nuno, A cidade como arquitectura, p.98, ll.21 a 32. 54 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Morre um no Cerco, morre outro em Aldoar, É tempo de perguntar, o que é que se está a passar. Há abuso da autoridade, Brutalidade, nas rusgas aos bairros sociais da cidade. Agentes intimidam inocentes com cacetetes Dealers despejam droga nas retretes. (...) Rusga, pé na porta, bósfia vasculha Não importa se é gente boa ou pulha. (...) Passam multas enquanto mulheres ficam viúvas, Tão nas calmas, enquanto ressacas roubam casas É só fachada, corrupção organizada. Porque o maior furto, é o do polícia corrupto São os guardas prisionais que levam o produto. (...) Não queremos Mas a raiva é o nosso estado mental Pois vivemos numa sociedade policial Prejudicial à saúde emocional Condenam crimes, Cometem outros muito piores. E quem se safa? Quem tem massa. (...) 55 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. São o real inimigo Invadem bairros e guetos Fazem guerra entre brancos e pretos Gajos sem escrúpulos, dos mais corruptos, Mas nós não baixamos os punhos. 34 Se a cidade não tem a capacidade de gerar um sentimento de ordem, os homens reagem de acordo com a realidade em que vivem (fig.23): − Mas diz-me: quando se maltratam os cavalos, estes tornam-se melhores ou piores? − Piores. − Piores relativamente ao padrão porque aferimos esta espécie de animais ou pelo que usamos com os cães? − Pelo que é próprio da sua espécie. − E quando maltratamos os cães, não se tornarão eles piores relativamente à virtude própria à sua espécie do que às dos cavalos? − Lógicamente. − Do mesmo modo, não diremos que os homens a quem se faz mal se tornam piores relativamente à virtude própria do homem? − Decerto que é. − Portanto, meu amigo, os homens a quem se faz mal tornam-se necessáriamente mais injustos. − Assim parece. 35 34 DEALEMA, Bofiafobia, Dealema, 2003. 35 PLATÃO, A República. 56 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Na República, Platão diz sobre a ordem na cidade, que a polícia deve ser formada em ginástica e em música. Em ginástica para assegurar o sentimento de segurança, em música porque esta lhes vai dar uma matriz, uma dimensão humana. fig.23 Imagem do filme La Haine, 1995, de Mathieu Kassovitz. A cidade produz sentimentos de exclusão, os indíviduos são marginalizados quando não se enquadram nos padrões convencionais da sociedade: Sociedade afasta e cria os fugitivos. Vivendo à margem duma vida normal, O chamado marginal numa vida ilegal. O fundamental é saber de onde vem a causa. (...) Pessoas são pessoas, há más e há boas, Ajuda é apreciada mas com desprezo magoas. Uns nascem deitados em berços dourados, Outros nascem com o pai a ver o sol aos quadrados. (...) Pacientes sem paciência, Vítimas da negligência, 57 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Sofrimento. Causam o susto. Lamenta a violência Lema: sobrevivência Tentar viver a todo o custo. 36 Perante esta troca de valores, papéis, identidades, como lhe queiramos chamar, torna-se urgente pensar na defesa da cidade em função não do presente mas do urbano. Isto é, pensar no urbano como vínculo expressivo que comunica o tempo histórico. Temos que pensar na cidade como autónoma, em certo sentido vê-la de cima, como algo que não nos pertence. 2.3 A utopia moderna e o espaço urbano. A cidade tem uma caracterização cívica. Um lugar de trocas que impulsiona a vida e as coisas. A sua implantação urbana é incontornável, e, a sua espacialidade, é o lugar onde se fixou. Desde sempre sujeita a pressões – invasões, movimentos, migrações e imigrações, transformações constantes, resta-lhe o seu contrato histórico como porto seguro de afirmar a sua identidade e unicidade. Hoje, a cidade é um fenómeno global, isto é, existe uma dinâmica, que sendo uma qualidade urbana, do espaço, escusa a acção do arquitecto, do poder e do legislador. Formas correspondentes a funções começam a definir a cidade. (figs.24 e 25) 36 SAM THE KID, P.S.P, Sobre(tudo), 2001. 58 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. fig.24 Primeiro restaurante McDonald's, Illinois, E.U.A, 1955. fig.25 À direita, McDonald's em Jaipur (Rajastão), India. Ao olharmos por um momento para trás, para as primeiras aldeias neolíticas, que fizeram a passagem de uma economia agrícola para uma industrial, deparamo-nos com os contornos geradores da cidade: a concentração de riqueza e o conteúdo habitado, que juntos fazem da cidade um ser mutante – um processo organizacional, dinâmico, gerador de tensões, mas que acompanha a matriz cultural, pois a cidade é um retrato físico da maneira como se vive. A anulação do lugar na cidade contemporânea fez com que o seu carácter distintivo se tornasse virtual. Os factores económicos são exteriores à gestão dos lugares pois a cidade encontra-se em constante transformação. A complexidade dos fenómenos sociais aumentou com a expansão da população e com a lei da oferta e da procura. Em contraponto à Utopia de More, que aspirava a um desejo de harmonia entre os homens e a realidade natural onde habitavam, uma cidade como produto de um sistema de pensamento, podemos afirmar que a cidade de hoje é uma utopia, no sentido de não lugar. Neste sentido, Nuno Portas37 cita Argan: O utopismo do nosso tempo, que começa na fábrica modelo e acaba na ficção-científica, é tecnológico. Já que o progresso tecnológico é o facto saliente da época em que vivemos, a utopia moderna segue a 37 PORTAS, Nuno, A cidade como arquitectura, p.156, ll.23 a 30. 59 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. regra geral: imagina um mundo em que não haja senão o progresso tecnológico. Mas pela primeira vez, a utopia está ameaçada de se ver alcançada e superada pelos próprios factos. Os lugares passaram de uma existência real para uma existência virtual. A morfologia da cidade foi alterada. As linhas de água foram desviadas e canalizadas. A cidade impermeabilizou-se e isolou-se do solo na sua maior extensão. As cidades reduziram-se a lotes, ruas, prédios (em banda, em torre, moradia, blocos, verde, centro) desligando-se da estrutura urbana e da sua morfologia: Higienistas, engenheiros civis e administradores da cidade do industrialismo intentaram controlar essencialmente a ocupação do solo, a viabilidade da circulação e as condições sanitárias substimando-a como figuração paisagística, como espacialidade ou pelo menos partindo do princípio que continuaria composta de tipologias e volumetrias conhecidas que se não previa viessem a ser postas em causa. (...) E enquanto o «regulamento»38 modelou desoladoramente as «cidades novas» de todas as cidades, cego que foi, e cada vez mais, aos sítios característicos, à interpretação da paisagem, às mudanças que se iam operando na vida e na cultura (...) 39 Não obtendo resposta para os problemas que resultaram da cidade industrial, o urbanismo foi-se especializando em problemas menores: infra-estruturas, gestão urbana, planeamento urbano, rede viária, assistência social. Entretanto, vivemos em cidades, ou não cidades, cada vez mais feias, que nem por isso funcionam melhor; muitos técnicos se têm proposto salvá-las, em muitos casos à custa de novas lacerações no seu tecido, típicas de quem trata de um órgão sem perseguir o organismo;... 40 Assiste-se a interferências por toda a cidade, que ora corrigem ora expandem traçados, mas que, actuam isoladas, num sistema complexo, que tende a isolar as perspectivas disciplinares 38 Refere-se ao Regulamento da edificação. 39 PORTAS, Nuno, A cidade como arquitectura, p.36, ll.12 a 28. 40 Idem, p.15, ll.31 a 35. 60 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. das diferentes estratégias. Olhando a dispersão disciplinar que prolifera na cidade contemporânea, concluímos que o urbanismo e as motivações do seu traçado, dão resposta a oscilações socio-económicas de circunstância. Assim como o somatório de componentes construtivos não faz um edifício significativo, assim o somatório de edifícios, ou de estradas, ou de parques, não faz uma cidade, (...) mas apenas aglomerações (...) 41 Estamos num lugar e ao mesmo tempo movimentamo-nos. Nesta constante diversidade, a aldeia global que a história sugere, é uma espécie de regressão. As cidades têm o seu início e, ou desaparecem, ou convertem-se. Neste sentido, a cidade actual, para se salvar, converteu-se à economia global. O alargamento territorial (centro urbano e área envolvente - raio de influência) conduziu-a ao gigantismo. Assim as qualidades do urbano tendem a esvaziar-se. É sujeito da democraticidade da cidade. Passa a um mero lugar de fixação, em que os habitantes deixam de participar, de ter acção na sua gestão. A frustração crónica pelo deprimente resultado das «cidades despedaçadas» pelo mecanismo do mercado interpretado por administrativos, promotores e, naturalmente, ainda pelos urbanistas, conduz desde há muito arquitectos visionários a renovar por antítese o sonho clássico da cidade ideal projectada como uma só peça que, para ressalvar uma autocrática e estática unidade da forma, se condena a ficar fora da história, a não comunicar, diante da sua construção poética, por falta de assento na língua comum das necessidades práticas e simbólicas da quotidianeidade. 42 41 Idem, p.24, ll.12 a 16. 42 Idem, p.24, ll.18 a 28. 61 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Uma cidade desenhada de raíz, na contemporaneidade, pretende que a cidade resolva os seus problemas ao nível do trânsito evitando congestionamentos, dos bairros residenciais serem providos dos serviços e equipamentos necessários, etc. O que acontece no trânsito é que, na perfeição, as pessoas não comunicam com nínguém, pois também não se cruzam. A visão que temos ao percorrer uma cidade assim é cinematográfica, perdendo-se o contacto à escala humana. A cidade dá-nos projecções, imagens de postais. Uma cidade de forma estática perde toda a poética de ocupação do espaço. (fig.26) fig.26 Vista da Torre da Tv, lado sul, de Brasília, no Brasil. A cidade não tem escala humana, não pode ser apreciada a pé , só de automóvel. Percorrendo-a, é como se de um cenário cinematográfico se tratasse. A qualidade do urbano fica entregue a elementos de referência extinguindo-se os cidadãos pela dissolução da consciência: Estou a tentar perceber, há dois anos na rua, o tempo passa e nada consigo ver. Estou a tentar entender esta escola marada foi uma fachada que me pôs a roer. Foram 4 e meio a ler, a depender do sistema que tinha que ouvir, Calar e comer. Nesta vida estou fodido, neste caminho estou perdido. Procuro tanta coisa que não encontro um sentido. Estou catalogado, não apago o meu passado nem o posso meter de lado, 62 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Sou mais um cadastrado neste mundo civilizado. Será que sou culpado? Não, fui só mais um sacrificado. 43 É um grito de alienação pura. As coisas não lhe dizem nada. Há uma anulação da personalidade individual. A pseudo cidade que habitamos pode ser demolidora mas também é o lugar onde o nosso corpo existe. Neste sentido, o problema das cidades é também, de um ponto de vista cultural, um problema de civilização, cívico. A cidade como arquitectura remete-nos ao espaço vivido. Como um espaço objectual que se constrói na consciência. Como objecto materializável, depende da vivência de uma estrutura conceptual. Neste sentido: Sob o ponto de vista da arquitectura urbana não pode haver edifício que não faça cidade ou seja, não há tipologia que não esteja, por estrutura, penetrada por uma morfologia urbana. Fora deste sistema não há senão individualismo ou ilusão tecnocrática. 44 Sendo o espaço uma categoria do tempo, a sua vivência é o modo como ele é adquirido pelo corpo animado. O espaço é o sujeito no mundo, fixando-nos a este. A permanência (tempo) na cidade é sinónimo de modificação constante. A materialização conflui na expressão espacial. Assim o espaço urbano materializa-se em função dos ritmos e dos fluxos da vida urbana. É o campo de batalha de guerras políticas e económicas. Estes grupos influenciam e decidem o espaço urbano no seu sentido vivencial. Sendo o conflito subjacente à cidade, o urbano é resultado de aspectos políticos e económicos que estiveram na sua origem. O espaço urbano tornou-se um simples instrumento, caracterizado por aspectos económicos, essencialmente conflituosos, em que a rentabilidade se sobrepõe à vivência. 43 SAM THE KID, Negociantes, Pratica(mente), 2006. 44 PORTAS, Nuno, A cidade como arquitectura, p.15, ll.25 a 30. 63 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Sendo o lugar onde o espaço se materializa, o tempo inscreve-se no espaço de forma natural, em que as paragens são organizadoras dos fluxos, e, os percursos, dinamizadores do movimento. O espaço urbano regista vestígios dos gestos quotidianos dos indivíduos, das suas práticas sociais, mas também, as aspirações sociais da sociedade. A vida social fixa-se nas estruturas, no entanto não deixa de estar no sistema de transformação. A cidade vive de um movimento duplo de ordem e transgressão, no entanto, o modo como é organizada e ordenada é essencial para a sua eficácia como lugar de vida. As exigências de funcionalidade são correntemente usadas por oposição às categorias estéticas. Quando um bairro da cidade entra em colapso, a intervenção que se vai considerando, para combater a decadência, é de útil. Se as condições do útil, da funcionalidade, se sobrepõem às condições estéticas, cria-se um vazio ao qual a arquitectura não dá resposta. Um espaço com grande carga funcional não resolve nada. Isto é, quando resolve apenas obrigações do útil, gera espaços desligados socialmente, pois não têm implicações sobre as pessoas. A arquitectura como domínio do espaço é fundamentalmente o domínio do tempo. (...) a compreensão do tempo é mais complicada pela superabundância de acontecimentos do presente do que propriamente minada por uma subversão radical dos modos prevalecentes da interpretação histórica, assim também a compreensão do espaço é menos subvertida pelas transformações em curso (porque ainda existem terrenos e territórios na realidade dos factos de campo e, mais ainda, na das consciências e das imaginações, (individuais e colectivas) do que complicada pela superabundância espacial do presente. 45 45 AUGÉ, Marc, Não – Lugares, Introdução a uma antropologia da sobremodernidade, p.41, ll.22 a 30 e p.42, ll.1a 2. 64 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Nem precisaremos recorrer aos clássicos, para perceber a evidência de que o espaço urbano influencia os comportamentos. Sendo a arquitectura o elemento que permite canalizar e separar, a sua necessidade de vivência põe em causa a grandiosidade da cidade. Mostra as verdadeiras aspirações humanas. A arquitectura serve a política descartando-se da sua função de objecto independente. Não tem a grandeza da aderência, encontrando os seus limites no construído. Desde o início, a arquitectura tem na cidade a tarefa de ordenar e regrar o caos 46, desenhando dualmente o colectivo e o individual. O espaço urbano não é apenas lugar, é também expressão da vida humana como função social. Depende das características psicológicas (dos seus habitantes), do político, do económico, do vivencial (acaso). Cada vez menos uma unidade, a cidade contemporânea revela-se um sistema de contradições. (figs.27, 28 e 29) 46 Caos no sentido de ausência de ordem: (...) Não deposito confiança em distintivos nem fardas, Somos instintivos, eles andam à caça de indivíduos (...),DEALEMA, Bofiafobia, Dealema, 2003. 65 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. figs.27, 28 e 29 Imagens dos motins em Paris, Outubro de 2005. O desenvolvimento económico é um mito incapaz de fornecer uma explicação do real. O conceito de países desenvolvidos e países sub desenvolvidos cai por terra perante motins como os que ocorreram em Paris. A filosofia multiculturalista, que diz que diversos grupos podem coexistir, numa mesma nação, sem partilharem valores básicos de comunidade, caiu. Jovens franceses, dos bairros periféricos, confrontaram o Sistema. Marx já os tinha nomeado de “os que não têm resevas”. São jovens sem perspectivas, sem esperança, que não têm nada a perder perante o não futuro que o Sistema lhes oferece. Sem ilusões, a única coisa que gerem é a sua própria sobrevivência. Não têm líderes nem modelos que os inspirem: Não sou licenciado nem recenseado, Com paciência, há-de aparecer alguém credenciado, com moral, Que me faça votar, me faça lutar, me faça notar E faça esgotar a campanha eleitoral. Por enquanto é só comédia, many manipula os média, Que se excedem a assustar o nosso povo com medo. Eu não voto, eu boicoto, mas crio as horas nocturas, Sei que é o meu futuro, mas não vou acordar cedo, Para pôr um voto nulo ao eleger um chulo ou um cherne, 66 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Ou quem governe só com charme mas num mês dá um terno. E tropeçam, mal começam quando quebram a promessa, Não me peçam interesse, vocês não se interessam. 47 Velhos lutadores cansados, com cara de preguiça. Ninguém conhece a justiça. Não há mais nada para ver. Aqui neste mundo é só nascer para sofrer. 48 Todo o poder da violência simbólica, i.e, todo o poder que consegue impor significações e impô-las como legítimas, dissimulando as relações de força que são o fundamento da sua força, junta a sua força própria i.e, propriamente simbólica, a essas relações de força. 49 A realidade falsificada pelo sistema dominante revela-se quando as contradições sociais se tornam visíveis. (fig.30) Entendemos que estas são uma condição real da humanidade. O número de jovens que não acreditam na inclusão social, nas instituições, na educação, aumenta por todo o mundo. Eles não votam, não trabalham, num sentido de não trabalhar para o todo comum, para a comunidade: Eu sou: a percentagem que a sondagem nunca mostra. Eu sou: a mente exausta da miragem mal composta. Eu sou: a indiferença e a insatisfação. Eu sou a anti-comparência, eu sou a abstenção. (...) 47 SAM THE KID, Abstenção, Pratica(mente), 2006. 48 VALETE, Mundo resignado, maquete, 1997. 49 BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude, A Reprodução – Elementos para uma teoria do sistema de ensino, p.23, ll.1 a 5. 67 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Tu és: justiça postiça que nos pisa a voz. É o que nos diz a pesquisa dos bisavós. Alguns dizem que o povo unido não será vencido E aí não dúvido. 50 fig.30 Motins em Atenas, Dezembro de 2008. Não podemos continuar a qualificar os problemas sociais como casos de polícia. Os motins de Paris, aos quais se seguiram os de Atenas (Dezembro de 2008), que tomamos como exemplo, expõem a divisão entre as grandes cidades europeias e os seus subúrbios, com elevadas taxas de desemprego, crime e pobreza, aos olhos do mundo inteiro. Estes subúrbios estão a rebentar de frustração, causada pela injustiça económica e racial das sociedades contemporâneas. A administração do território segrega as pessoas ao ponto de estas ficarem sem espaço vital. (figs.31 e 32) O sentimento de desigualdade manifesta-se nos cidadãos das classes mais pobres pelo abuso da autoridade policial e pela recusa de oportunidades, ao nível do emprego, da habitação, dos direitos: Ricos são venerados. Pobres desprezados, frustrados, por vezes têm de ir pelo escuro. 50 SAM THE KID, Abstenção, Pratica(mente), 2006. 68 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Futuro não interessa ao nosso jovem imaturo (...) Não posso ser fiel a nada, não consigo Acreditar em nada, não me deixam entrada. Aqui ninguém te dá valor, ninguém te dá amor, Vivemos num filme de terror. Cada um por si e o mundo contra ti. 51 figs.31 e 32 Imagens de Nova Orleães atingida pelo furacão Katrina, 2005. O conceito de cidade expressa um aglomerado urbano de primeira importância. Uma organização administrativa e territorial que anuncia, em primeiro lugar, uma comunidade de cidadãos. A cidade personificou desde sempre um lugar destinado a um grupo humano, regido pelos seus ciclos e costumes, adaptado às exigências da comunidade que o habita, no que diz respeito à troca de bens e de serviços. A cidade tradicional, para permitir o aumento da concentração humana, exigido pelas novas estruturas industriais, passou a objecto de intervenção global. O urbanismo, tentou pensar num modelo de cidade eficaz, que se adaptasse às exigências da produção industrial, em particular, sobre os aspectos de concentração e de mobilidade. 51 VALETE, Mundo resignado, maquete, 1997. 69 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. O desenho, à custa de elevados custos humanos e ambientais, continuou num traçado desvairado, que ignora a urgência de um novo modelo para a cidade. Não é assunto que não seja já amplamente discutido, o da salvação da cidade. Mas existirá uma ideia concreta do que queremos? As falhas são analisadas, discutidas, mas o caminho também passa por, como diz Augé aprender a olhar o mundo em que vivemos, numa perspectiva da cidade como um todo. (...) a «sobremodernidade») coexistem com ilhas de miséria e também com os lugares onde permanentemente se reafirmam a necessidade do sentido social e a exigência de viver em conjunto. 52 O espaço está intrínsecamente ligado a um território de interacção. É um ambiente construído, de cenários manipulados, marcas do percurso criativo e activo do homem. A sua realidade é fisicamente percepcionada, social e culturalmente. Inscreve um modo de estar no mundo e de representação dele. 2.4 Crescimento e Declínio: Suburbanização; Pós- suburbanização/ Gentrificação. Como se tornou a cidade num abcesso que exsuda o líquido purulento que a enche – por necrose – para os seus arrabaldes? Muitos dos arrabaldes da cidade eram zonas agrícolas que de repente foram alvo de uma vaga de construção. Significante de uma nova dinâmica de centralidades, a suburbanização exprimiu uma tendência ilustradora da saída dos habitantes do centro da cidade para a periferia. Para além desta tendência, também os bairros da cidade conheceram novos habitantes com o aumento do número de imigrantes. No caso de Portugal, na década de 70, a entrada de população regressada das ex-colónias em África, reflectiu-se no território: a população residente na cidade aumentou, afectando com 52 AUGÉ, Marc, Não – Lugares, Introdução a uma antropologia da sobremodernidade, p.8, ll.3 a 6. 70 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. este novo processo o crescimento da periferia; a crescente terciarização das áreas residenciais e o preço elevado da habitação, motivaram a população a deslocar-se para a periferia. (fig.33) Actualmente a cidade debate-se pela vida num cenário de desertificação, que assumiu proporções elevadas. (fig.34) Esta situação evoluiu em três fases: suburbanização, pós suburbanização / gentrificação ( processo caracterizador de uma nova dinâmica que desloca os habitantes residentes no centro da cidade para a periferia, e, consequentemente, procura atrair segmentos com altos rendimentos para o centro). As novas políticas, as transformações da sociedade e as tendências económicas são alguns dos elementos determinantes que contribuem para esta tendência. fig.33 Subúrbio americano. fig.34 Bronx, Nova Iorque A partir da segunda guerra mundial o desenvolvimento dos subúrbios foi determinado pelo crescimento de muitas cidades. Este processo, ainda que visível a nível mundial, teve particular importância nas cidades norte americanas. Os apoios do estado à habitação, as inovações tecnológicas, a construção de novos eixos viários, permitiram uma maior mobilidade residencial, resultando numa mudança na estrutura de classes e, consequentemente, da sociedade. O crescimento das cidades levou à sua expansão para a periferia gerando um movimento de saída do centro: suburbanização. 71 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Suburbanização A perda de população das cidades foi contínua, desde a 1º guerra mundial (1914). Na origem deste fenómeno esteve o congestionamento urbano destas. Devido à forte densidade urbana, os focos de doença, fome, pobreza, desemprego, rebelião (insegurança urbana) ocorriam nos bairros operários da cidade. (figs.35 e 36) Durante o período em que a indústria foi surgindo dentro da própria cidade, a população migrou do campo para a cidade, só que esta, densificou-se pois não possuia condições para os alojar. fig.35 Barricadas em Paris, 1871. A Comuna de Paris, a que se sucedeu o plano Haussmann, foi uma revolução operária que tomou a cidade e o seu governo. O Estado teve que intervir, estabelecendo uma matriz de controlo policial da cidade, isto é, uma estrutura de controlo operário, para evitar insurreições. Este fenómeno de densificação urbana, que teve origem dentro da cidade, antecipa o que se passou a seguir: retirar esta população, em excesso, da cidade para a periferia. fig. 36 À direita, decreto da Comuna de Paris. Em Inglaterra, em 1900, as pressões para descongestionar as cidades eram intensas. Por um lado foi uma tentativa de higienizar a cidade, por outro, para controlar politicamente os focos. A suburbanização é um fenómeno que surge, nos finais do século XIX para o século XX, quando a cidade começa a entrar em ruptura, pelo seu excesso de população. (figs. 37 e 38) 72 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. As vizinhanças da cidade entraram em rápido declínio, entre as duas guerras, quando uma vasta onda de construção, de casas na periferia, foram edificadas para populações operárias. Com o crescimento dos subúrbios e governos locais, criaram-se estados periféricos: 53 The outward movement of jobs and people was actively encouraged from 1930 to 1975 with the aim of reducing overcrowding, cleaning up cities and planning orderly settlements. 54 fig.37 Habitações operárias na Londres Industrial. Ilustra a grande densificação urbana da cidade no século XIX. fig.38 Desenho de Gustave Doré (c.1869-71) que representa a Londres Vitoriana. 53 Confrontar com POWER, Anne; MUNFORD, Katharine, The Slow Death of Great Cities?: Incipient Urban Abandonment or Urban Renaissance. 54 Idem, p.68, ll.3 a 6. 73 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Novas centralidades surgiram nos subúrbios da cidade, contribuíndo para o abandono do centro. This might lead us to conclude that it is the growth of these less urban districts, at the expense of cities, that is driving the regional population shift. 55 Numa primeira fase de suburbanização, o processo de renovação urbana e social esteve ligado ao poder económico da classe média, que permitia o acesso à compra de habitação e automóvel. Nos centros das cidades ficaram os que não tinham poder económico para sair. 56 Em People, Plans and Policies (1991), Gans analisou o tipo de vida da classe média da periferia, assim como os tipos de habitantes da cidade. Defende que o problema base das cidades é a pobreza e o racismo e que enquanto não se tomar uma decisão firme de igualdade racial, criação de emprego, entre outras reformas, a fraca qualidade de vida urbana persistirá. Pós suburbanização / Gentrificação Com o declínio gerado pela perda de população 57 começaram a aparecer nos anos 70, nos EUA e em algumas cidades europeias, novos modelos residenciais. Associamos esta situação a uma segunda fase do processo de renovação urbana e social. Esta renovação promove a ideia de que viver no centro da cidade tem um valor social diferente do que viver na periferia, promove um novo estilo de vida, de modo a atrair um grupo exclusivo de novos residentes urbanos. Para que “o gosto de viver no centro” seja associado a determinados grupos, de nível económico médio-alto, combate-se o naufrágio do centro com o apelo a pequenos nababos58 para o povoarem. Para tal ser possível originou outro 55 Confrontar com LUPTON, Ruth; POWER, Anne, The growth and decline of cities and regions. 56 Confrontar com GANS, Herbert, People, Plans and Policies: Essays on Poverty, Racism, and Other National Urban Problems. 57 Confrontar com POWER, Anne; MUNFORD, Katharine, The Slow Death of Great Cities?: Incipient Urban Abandonment or Urban Renaissance. 58 Não sendo o validar de um sarcasmo, utilizo o termo no sentido de que as novas políticas urbanas tendem a atrair os que vivem em abundância e em contraponto ignorar os mais pobres, e, consequentemente, a fragmentar o tecido da cidade com a construção de condomínios fechados, quais reinos, que não 74 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. fenómeno: a gentrificação. A localização da habitação numa zona priveligiada tem importância em termos económicos mas também sociais, em que a necessidade de nova habitação é também determinada pelas aspirações sociais: Demolition has not generally stemmed the tide of abandonment although demolition of specific unpopular blocks has sometimes increased the popularity of surrounding houses. 59 O renascimento urbano é determinado pelos apoios à reabilitação das políticas públicas, através do mercado imobiliário que se dinamiza com ofertas de lugares para habitar no centro da cidade: There is a strong link between city-wide planning, resource allocation and neighbourhood action. Most importantly, the brownfields focus will work only in an even playing field. Interestingly, developers are ahead of the game – pioneering core city conversions, proposing inner renewal schemes and capitalising on untapped demand from higher income groups to return to the city.60 A pós suburbanização marca esta nova fase: a tendência de regresso ao centro da cidade. Este novo processo tenta contrariar o abandono e o declínio a que o centro tem sido condenado há décadas. De acordo com Power e Munford (1999), a população em declínio, associada à falta de sentido comunitário, comportamento anti-social, fraco apoio social, problemas de gestão de bairros problemáticos, são alguns factores associados ao declínio urbano. As dinâmicas de regeneração urbana são indissociáveis de um processo social: The biggest challenges for cities are: attracting back more people in work on higher incomes and with higher skills; developing the skills and confidence of existing residents and linking them into new work comunicam com esta. 59 POWER, Anne; MUNFORD, Katharine, The Slow Death of Great Cities?: Incipient Urban Abandonment or Urban Renaissance, p.28, ll.15 a 18. 60 Idem, p.94, ll.14 a 23. 75 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. oppotunities; stabilising community conditions and preventing further exodus; creating strong neighbourhood management structures that can co-ordinate and deliver programmes, enforce basic conditions and maintain core services; addressing the inner city environment – street cleaning, refuse, repair, lack of greenery, traffic.61 Gentrificação The process transforms old and valueless neighbourhoods into sought-after areas of rising value through the injection of investment and the attraction of better off people. 62 Esta acção converte zonas antigas da cidade em zonas residenciais de classe média alta, investindo na remodelação dos edifícios, o que resulta na sua valorização. A saída dos residentes do centro para a periferia abriu a entrada para “alguns” residirem no centro histórico das cidades. Inicia-se um processo inverso, de regresso ao centro. Os centros das cidades, ocupados por classes trabalhadoras, são alterados. Os pequenos artesãos e comerciantes são deslocados para zonas mais afastadas. O centro torna-se caro e encantador pelo seu ambiente urbano para os novos residentes, apreciadores deste modo de viver (lifestyle). Verifica-se uma alteração do uso e dos habitantes do centro da cidade: If public building programmes resembled an unstoppable juggernaut and inner city renewal a stunted Cinderella, economic change was like a tidal wave, swamping whole communities, sweeping away jobs and sucking out the energy and lifeblood of whole areas. 63 Este movimento de deslocação dos residentes dos bairros tradicionais e da chegada de novos residentes, de classe social mais elevada, caracteriza esta tendência. No entanto, o processo de realojamento dos mais pobres, não prevê a possibilidade de escolha destes cidadãos mais desfavorecidos, um sinal da fragilidade da condição moderna: 61 Idem, p.10, ll.6 a 17. 62 Idem, p.2, ll.5 a 9. 63 Idem, p.70, ll.1 a 7. 76 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Allocating housing without choice to the poorest people fits uneasily with modern urban society. It creates a high refusal and dissatisfaction rate. 64 A emergência deste fenómeno obriga-nos a reflectir nas consequências da gentrificação, nomeadamente ao nível dos efeitos sociais que surgem nas populações deslocadas. O processo de gentrificação é activado pela reabilitação de zonas degradadas no centro das cidades. O conceito relaciona a classe social com o local, pressupondo uma mudança de residentes de acordo com o nível social, alterando as características do bairro e do lugar. This is a contemporary form of the purification of parts of the city for bourgeois life wich took place in the eighteenth and nineteenth centuries. 65 O processo de renovação urbana é influenciado pela dinâmica actual de localização e transformação do território. O traçado do território reflecte estas mudanças na sociedade e no espaço, condicionando as relações entre as novas e as velhas centralidades. Zukin (1988), ao analisar os edifícios de Nova Iorque, nomeadamente, os lofts, verificou uma mudança do tipo de residentes, para além da mudança do uso: Lofts changed from sites where production took place to items of cultural consumption. This process annihilates ligth manufacturing activity. Lofts that are converted to residential use can no longer be used as machine shops, printing plants, dress factories, or die-cutting operations. The residential conversion of manufacturing lofts confirms and symbolizes the death of an urban manufacturing center. In spatial terms, lofts also represent a terrain of conflict between the various social groups that compete for their use. 66 64 Idem, p.91, ll.11 a 14. 65 MILES, Malcom, Art, Space and the City: Public Art and Urban Futures, Londres, Routledge, 1997.p.107, ll.12 a 14. 66 ZUKIN, Sharon, Loft living: Culture and Capital in Urban change, p.3, ll.5 a 12. 77 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Numa perspectiva sociológica, Zukin defende que a cultura e a economia influenciam o processo de gentrificação. Os novos habitantes do centro são identificados por grupos com um determinado estilo de vida: Appealing to higher income, younger working households with new -style city flats and town houses offers one way forward for areas that are quite literally abandoned by traditional employers and residents. 67 A escolha da residência é determinada por novas tendências de modelos sociais. O centro da cidade atrai grupos de residentes que apreciam o estilo de vida urbana, aliado à proximidade entre o local de trabalho e a residência, como sinónimo de maior qualidade de vida. Na base destas novas políticas urbanas encontram-se o valor arquitectónico do edificado, que é amplamente propagandeado, assim como as alterações dos residentes tipo dos bairros tradicionais. Associados aos interesses imobiliários, estes factores tentam tornar o centro da cidade mais atractivo. A gradual perda de população da cidade (centro) e sua expansão para a periferia esteve vinculada ao fenómeno de suburbanização. O afastamento do local de trabalho da residência, a importância do trabalhador terciário e a estrutura familiar mostram a importância da classe média neste fenómeno. A ascendente terciarização da zonas de residência assim como o custo da habitação, influenciaram e conduziram à saída da população do centro para a periferia. Nos centros, os prédios, com valor histórico, são reabilitados, os usos são reformulados, para posteriormente serem ocupados por novos residentes, com características diferentes. ----------------------------------67 POWER, Anne; MUNFORD, Katharine, The Slow Death of Great Cities?: Incipient Urban Abandonment or Urban Renaissance, p.77, ll.14 a 19. 78 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. A coesão do território pressupõe uma compreensão dos movimentos da população. Os residentes do centro são idosos, residentes de longa data, com baixos recursos económicos, presos ao centro pela impossibilidade de melhores condições. Os centros das cidades, actualmente, ilustram velhas centralidades em declínio. Voltando ao tema do espaço urbano, entendemo-lo também como espaço social, campo de tensões, no qual os elementos integrantes tanto colidem como se associam, numa sucessão de novas espacialidades, derivantes de novos tipos de mobilidades. Sendo a organização das sociedades impossível sem os seus lugares, também o sentimento de pertença a estes é intrínseco ao homem. O espaço possui a capacidade de alterar os nossos sentimentos. Isto é, quem desconhece certos espaços, desconhece-os fisicamente mas também percepcionalmente. No espaço os indíviduos interagem, partilhando-o. No entanto, estas interacções são complexas. De acordo com a perspectiva de Augé 68 , que anunciava já a redução do espaço à sua efemeridade, nas sociedades actuais a tendência é a de esvaziar o espaço, cada vez mais, do seu sentido real, substituindo-o pela abstracção. Apesar de se prever a morte dos lugares na cidade há já algum tempo, observámos agora o seu destino inevitável, a fazer-se cumprir sob o avanço da globalização, apoiada pelos avanços tecnológicos. A velocidade a que tudo isto acontece, origina um aumento de fluxos que traz consigo a perda de vínculos ao lugar: (...)superabundância espacial do presente. Vimos que esta se exprime nas mudanças de escala, na multiplicação das referências imagéticas e imaginárias, e nas acelerações espectaculares dos meios de transporte. Atinge, concretamente, alterações físicas consideráveis: concentrações urbanas, transferências de população e a multiplicação do que nós chamaremos «não lugares»... 69 68 Como perspectiva global, genérica, como tomada de postura estrutural. AUGÉ, Marc, Não – Lugares, Introdução a uma antropologia da sobremodernidade. 69 AUGÉ, Marc, Não – Lugares, Introdução a uma antropologia da sobremodernidade, p.42, ll.2 a 9. 79 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. No século XXI, observámos novos lugares: os lugares de passagem, ou lugares de lugar nenhum. Actualmente verificamos que a designação de Augé não é tão radical, pois cada espaço global apropria num contexto particular, interage com os modos de vida, distintos, que nele vivem diariamente. Apesar de aglutinador de fluxos, o espaço também é marcado pelos indivíduos, pelas suas angústias e dualidades, isto é, pelas suas vivências específicas que sobre ele actuam e interagem. Referimos como exemplo o estudo que Cresswell fez, sobre o aeroporto Schiphol. Apresentanos indíviduos concretos, os sem abrigo, os taxistas, que se misturam com os funcionários e utentes do aeroporto, que ao utlizarem aquele espaço, também o tingem com as suas histórias pessoais: Schiphol is clearly a place of movement, but it is not a place that easily becomes a metaphor. It does not do justice to the many-layered complexity of the place to call it a non-place or a transnational utopia... It is not simply a part of the life-world of the kinetic elite, but a place of shelter and livehood. 70 O aumento da circulação global e da mobilidade deixou o espaço desarrumado, espaço esse que dificilmente se encaixa nas velhas concepções, demasiado redutoras: local e global, lugar e não lugar, centro e periferia. Com o aumento dos movimentos, o espaço caótico por eles deixado não nos é indiferente. À sua passagem, ele interfere e padece de constantes intervenções, resultantes das interacções espaciais geradoras de novas espacialidades, que redefinem os circuitos. A falta de harmonia espacial inscreve-se no tecido urbano, produzindo uma cidade estratificada, pela utilização de 70 CRESSWELL, Tim, On the move: Mobility in the Modern Western World, p.257, ll.5 a 8 e 12 e 13. 80 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. modelos segregadores, para populações em situação de exclusão social, como o são os bairros sociais e os condomínios fechados. (Bauman, 2006)71 Neste sentido, as políticas criadas para renovar a cidade excluem os mais pobres: (...) they were to glamorous and too expensive for poorer and more extensive inner neighbourhoods. 72 Estas assimetrias não se vinculam apenas ao espaço urbano mas estendem-se para além dos últimos bairros suburbanos, para ir encontrar aldeias despovoadas e esquecidas, que se contrapõem à cidade densa e moderna. Não querendo alargar o tema para fora da cidade, serve esta observação para reforçar a ideia de que a complexidade do lugar não pode ser unicamente observada a partir de uma única escala. Tanto os bairros sociais como os condomínios fechados, assim como as pequenas aldeias e cidades provincianas, são lugares definidos e consequentemente condicionados aos seus limites geográficos locais. Simultâneamente, coexistem com os centros financeiros das cidades, que se movem virtualmente, num universo tecnológico de poderosas correntes de comunicação. De acordo com Munford e Power, as transformações urbanas e sociais, a nível geral, passaram pelas mudanças dos modos de produção, o que acarreta a emergência de novas actividades que, ao mesmo tempo, põem em causa os modelos tradicionais de formação. As transformações económicas e sociais levaram ao colapso meios de produção tradicionais, de carácter mais regional e pessoal. Um novo rumo para as geografias locais passa por uma política de retorno à especificidade intrínseca de cada lugar. 71 Confrontar com BAUMAN, Zygmunt, Confiança e medo na cidade. 72 POWER, Anne; MUNFORD, Katharine, The Slow Death of Great Cities?: Incipient Urban Abandonment or Urban Renaissance, p.71, ll.5 a 7. 81 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. 2.5 Cidade e Sociedade _ A promoção social do individualismo nas sociedades contemporâneas põe em causa o papel da cidade, enquanto comunidade e lugar de civilização. O social começa com o indivíduo. 73 Na segunda metade do século XX, com a evolução das sociedades, a importância do papel que a memória colectiva desempenha, clarifica-se. A memória colectiva faz parte das grandes questões, tanto das sociedades desenvolvidas como das menos desenvolvidas, das classes dominantes como das classes dominadas, lutando pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência ou promoção. A busca de identidade (memória), individual ou colectiva é uma das actividades fundamentais dos indivíduos das sociedades de hoje, na febre e na angústia: Nas sociedades ocidentais, pelo menos, o indivíduo pretende ser o mundo. Entende interpretar as informações que lhe são transmitidas por e para si mesmo. 74 Nas sociedades desenvolvidas, os arquivos orais e audio visuais não escapam à vigilância dos governantes. Toda a evolução do mundo contemporâneo, sob pressão da história imediata, fabricada ao acaso, em grande parte pelos media, caminha no sentido de um mundo acrescido de memórias colectivas. História que permuta a partir do estudo dos lugares da memória colectiva: lugares topográficos (arquivos, bibliotecas, museus), lugares monumentais (cemitérios, arquitectura), lugares funcionais (manuais, autobiografias, associações). Todos os comportamentos que se desviam da norma social, da ordem de valores que orienta os indivíduos na sociedade, devem ser aceites como uma realidade social. Proibir é não aceitar uma realidade. Legalizar é aceitar a realidade, procurando soluções para lidar com ela. É acabar com redes que se alimentam e vivem da marginalidade. Deveria ser proibido proibir. 73 AUGÉ, Marc, Não – Lugares, Introdução a uma antropologia da sobremodernidade, p.27, ll.22 a 23. 74 Idem, p.44, ll.25 a 27. 82 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir; se houver um, é o que já está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos. Há dois modos para não o sofrermos. O primeiro torna-se fácil para muita gente: aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos. O segundo é arriscado e exige uma atenção e uma aprendizagem contínuas: tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, quem e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar. 75 A contemporaneidade seduz para viver cada dia como se fosse o último. Como se fosse eterno. Como se não existisse um fim. Isso não seria negativo se fosse aliado a um aumento do nível de consciência. A verdade é que acontece precisamente o oposto: existe um forte sentimento de alienação face à realidade e ao mundo, que degenera na perda do sentido dos nossos limites humanos, que na cidade reflecte a perda do sentido de comunidade, de civilização, arrastando-os para o vazio, transferindo para o plano virtual as suas vidas. Sendo a realidade complexa, é no terreno da fantasia que vivemos. O Estado Social gera uma cultura de dependência, de massas, mantidas na ignorância e sem auto-estima, que se entretêm a brincar com o lixo da Revolução Industrial espoliando-se de si próprios: Farto de vos ver sentados, manipulados Por uma televisão que vos deixa impávidos e formatados Asnáticos inconformados, fechados e enganados Otários e atrasados, inválidos e atordoados. Nós estamos do lado contrário Nesta jornada cheia de gente angustiada Traumatizada por um passado onde foram pisadas, 75 CALVINO, Italo, As cidades Invisíveis, p.166, ll.4 a 12. 83 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Martirizadas, apedrejadas, excluídas, extorquidas Expropriadas, cuspidas. 76 A não integração social do indivíduo desenha os contornos do sentimento de frustração, que por sua vez leva à alienação dos valores comuns, vitais para a sobrevivência da cidade enquanto comunidade de cidadãos. (figs.39 e 40) figs.39 e 40 Sem abrigo dormem nas ruas da cidade. A sensação de controlo é amplamente propagandeada pelos os media, pelos órgãos de consumo, atirando-nos a todos para uma existência alucinada em que as ideias querem ser gente. A prioridade absoluta reina como exigência da sociedade pós-industrial. É verdade que a civilização só evoluiu acreditando no impossível, mas actualmente como podemos evoluir se ignorarmos a realidade? A industrialização determinou uma estética industrial para uma prática de produção de objectos. O artesão converteu-se em técnico. A máquina tornou-se num elemento pertubador do homem e da sua relação com o mundo. A atitude em relação à máquina 77 foi sofrendo 76 VALETE, Anti-herói, Serviço Público, 2006. 77 Utensílio de efeito imediato, constituído por uma combinação de peças que utilizam uma força motriz mecânica e repetitiva. 84 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. mudanças consideráveis. Foi tema cultural no século XIX, susceptível de se constituir em pretexto espiritual e, ultimamente, existe o culto mágico da máquina como símbolo de poder. A máquina é um objecto lúdico que foi arrastado pelos problemas da massificação industrial. A qualidade e a natureza do produto decorre na reflexão da máquina, enquanto que o valor ético e educativo esvazia-se cada vez mais. Em relação de semelhança com a máquina, o consumismo contemporâneo tomou novos contornos em que, quando compramos, não compramos algo que queremos, mas algo que é representativo do nosso estilo de vida. (figs.41 e 42) É uma atitude de comprar para construir uma identidade. 78 fig.41 Paris Hilton ao sair da cadeia com uns jeans da sua marca, promoveu-os e vendeu-os, como produto. fig.42 Paris Hilton versus Paparazzi. É uma criatura do nosso tempo, uma celebração do self.. Simultâneamente ao falarmos do crescente do ego, teremos que explicar melhor o conceito de massas: Massa (sociedade e cultura de): (...) Gerada por um triplo movimento de industrialização, de 78 Confrontar com o documentário Paris Hilton Inc: the selling of celebrity, disponível em: www.cbc.ca/Docs, data de acesso Novembro 2008. 85 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. urbanização, de assalariamento, e promovida politicamente pela instauração do sufrágio universal, a massa representa também um conjunto social homogéneo, frequentemente tomado de modo pejorativo pelo indivíduo que dele se exclui. A massa é, sobretudo, um referencial fundamental com o qual são relacionados todos os fenómenos de comunicação e de consumo. Os primeiros diagnósticos avançados colocaram a tónica na atomização do corpo social, reduzido a não ser mais que um agregado de indivíduos desunidos. Todos atribuem a este tipo de sociedade os mesmos traços característicos: dissolução dos grupos primários, desintegração das comunidades locais, dominação de aparelhos burocráticos e uniformização das condições. Com o deslocamento das funções de socialização para fora da família, (...) e o desenvolvimento de relações impessoais constituir-se-ia assim uma vasta sociedade anónima exposta a todas as manipulações (...). 79 O mundo actual, dominado por mecanismos económicos, é determinado por um positivismo feroz. O uso do conhecimento é para servir fins económicos. No êxtase da comunicação, banaliza-se o processo e cortam-se as liberdades individuais. O saber por amor ao conhecimento passa a saber como produto de comércio. O novo é a confirmação do presente. A promoção social do individualismo, nas sociedades contemporâneas, gera alienação mas é também consequente do próprio poder: (...) we must first consider how power is distributed in our society. (...) it should be obvious that access to the means by which ideas are disseminated in our society (i.e. Principally the mass media) is not the same for all classes. Some groups have more to say, more opportunity to make the rules, to organize meaning, while others are less favourably placed, have less power to produce and impose their definitions of the world in the world. 80 79 BOUDON, Raymond, et al., Dicionário de sociologia, p.152. 80 HEBDIGE, Dick, The Meaning of Style, p. 14, ll.26 a 36. 86 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. A sociedade cria a necessidade global como meio de comunicação da cultura. A urgência de sentir, de prazer, de ser, cria a necessidade de reinvenção constante em que ora nos incluímos ora nos excluímos da realidade, mas facilmente gera o esquecimento do próprio. Neste sentido o individualismo nasce das pessoas perceberem que não podem contar com nada a não ser com elas próprias. A sociedade não as protege, aliás só as protege se estiverem num determinado estrato: Só por baixo da pirâmide é que tu vês a classe social. 81 O individualismo tem a ver com a perda da matriz cultural. Este aumenta porque a sociedade se centrou no indivíduo, na sua capacidade de trabalho, de criação de riqueza e de poder. O que é que acontece às subculturas que compõe a cultura dominante? Autonomizam-se. A sociedade, por não transformar em novidade aquilo que estes indivíduos trazem de novo (informação), faz com que as subculturas se segreguem e se autonomizem (fecharem-se para dentro). Porém, tal como uma catedral, a cidade precisa de fundações resistentes, que impeçam a sua queda. (fig. 43) fig. 43 Catedral de S. Paulo, Londres. A imagem da catedral vem no intuito de reforçar a ideia de que cada pedra, se se retirar, a catedral cai. No mesmo sentido, ainda que a sociedade contemporânea seja complexa, tem que incluir todos, desde os indivíduos que trabalham na base e que ninguém vê - as fundações-, aos que gerem, no topo. 81 VALETE, Nada a Perder, Educação Visual, 2002. 87 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. figs.44 e 45 Protestos contra a especulação imobiliária, Brasil. Se no caminho para promover o modelo de cultura ocidental, a cidade, como fenómeno social e histórico ( de marcar o tempo, como um sinal identificativo deste), passar a reger-se por interesses individuais ou particulares, ela perde o seu sentido social. (figs.44 e 45) Como consequência, deixa de ser um espaço colectivo, que marca o seu tempo e a sua história, para navegar de acordo com as circunstâncias. Se os interesses da cidade, que é colectiva, passam a ser geridos a partir de interesses particulares, todos os valores ligados à história da cidade, como vínculo expressivo que comunica o tempo, anulam-se. Deixa de ser a imagem da projecção de uma identidade. Ao viver de acordo com as circunstâncias, a 88 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. cidade corre o risco de deixar de ser um reflexo, um vínculo expressivo que comunica. Os seus símbolos tornam-se vazios, pois ninguém se identifica com eles. (fig.46) fig.46 Praça D.Pedro, actualmente praça da Liberdade. Deste postal, de 1866, pouco resta. De planta quadrangular, a praça era fechada nos quatro lados por construções que desapareceram, ou que foram profundamente alteradas. "Nessa velha praça de D. Pedro, reinava naqueles tempos uma paz absoluta. Não havia o retinir das campainhas dos eléctricos, nem o buzinão dos automóveis, nem a praga dos alto-falantes - pela razão simples de que ainda nada disso tinha sido inventado! (...) Nesse passeio central, fechado a toda a volta por um forte gradeamento, havia muitos bancos de ferro e grandes árvores que, na Primavera, se cobriam de cheirosas flores e davam muita sombra" . 82 Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto, Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto. É que Narciso acha feio o que não é espelho. 83 82 BASTO, Artur de Magalhães, A Foz Há 70 Anos. Pouco resta do lugar onde a 7 de Maio de 1829 foram supliciados liberais e em 1891 foi proclamada, pela primeira vez, a República. 83 Letra da música Sampa, de Caetano Veloso, Personalidade (1993), fala sobre a cidade de S.Paulo, sobre esta não ser a imagem dele. Não era a cidade com que ele se identificava. 89 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. III – Subculturas urbanas _ As subculturas autonomizam-se e enfrentam o sistema com regras próprias, abrindo possíveis vias de mudança. 3.1 Alienação e subcultura _ hip hop como construção de uma identidade As subculturas não são, à partida, um fenómeno de alienação, pois ao chamarmos subculturas estamos a afirmá-las enquanto cultura. O prefixo sub vem apenas restringir, significando que não são a cultura dominante. Ao afirmarmos uma subcultura estamos a afirmar a cultura. Neste sentido, a alienação numa subcultura significa que esta se fecha e não traz nada para a sociedade. Às subculturas emergentes está-lhes negado o acesso ao indivíduo: The 'public' and the 'masses', (...) are also both opposed to subcultures. The public has been conceived as a body of rational individuals, responsible citizens who are able to form their own opinion and express it through officially recognized democratic channels. By contrast, subcultures tended to be envisaged as disenfranchised, disaffected and unofficial. Their shadowy, subterranean activities contrast dramatically with the 'enlightened' civil decencies of the 'public'. 1 A underclass não tem acesso à promoção social, um aspecto das sociedades contemporâneas, no sentido de não puderem adquirir prestígio, poder, enquanto indivíduos. Estes indivíduos não percebem porque é que vão para a escola, nem os professores entendem que o que lhes estão a ensinar não lhes diz nada, pois a realidade em que vivem é diferente da estrutura de valores de ensino estabelecida: (...) a língua não é somente um instrumento de comunicação, mas fornece, por outro lado, um vocabulário mais ou menos rico, (...) de modo a que a aptidão para decifrar e para manipular estruturas complexas, (...) depende, por um lado, da complexidade da língua transmitida pela família. 1 THORNTON, Sarah, The Subcultures Reader, p.2, ll.31 a 38. 90 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. (...) a mortalidade escolar não pode crescer senão à medida que se vai em direcção às classes mais afastadas da língua escolar... 2 A qualidade da língua falada e a língua escolar não se refere apenas à qualidade linguística, mas também a estar dentro das lógicas da escola. Quando as práticas (capacidade de actuar) e as competências, para entender a linguagem escolar, não são adquiridas, por via da socialização familiar, os indivíduos, ainda que tenham valores escolares, não conseguem ter espaços físicos nem ambientes para perceber a prática. Ao afirmamos subcultura, afirmamos também a diferença entre esta e a cultura dominante. Contudo, e apesar dos interesses da subcultura variarem dos da cultura dominante, esta está sempre presente, isto é, a subcultura é uma parte ausente e presente da cultura. De acordo com Thornton: subcultures are groups of people that have something in common with each other (i.e. They share a problem, an interest, a practice) which distinguishes them in a significant way from the members of other social groups. 3 A subcultura desafia os conceitos dominantes: While struggles over territory, place and space are core issues, subcultures would appear to bring a little disorder to the security of neighbourhood. Subcultures are more often characterized as appropriating parts of the city for their street (rather than domestic) culture. 4 Nas subculturas, como não é a cultura dominante, o indivíduo não tem acesso a projectar-se na cultura dominante, a criar a sua própria identidade. Quando ele se autonomiza na sua subcultura, cai na alienação. A alienação é uma consequência do individualismo, quando o indivíduo não encontra espaço para se projectar, para existir: 2 BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude, A Reprodução – Elementos para uma teoria do sistema de ensino, p.103, ll.7 a 16. 3 THORNTON, Sarah, The Subcultures Reader, p.1, ll.17 a 20. 4 Idem, p.2, ll.20 a 24. 91 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Estou catalogado, não apago o meu passado nem o posso meter de lado, Sou mais um cadastrado neste mundo civilizado. 5 De acordo com a afirmação entendemos que o indivíduo se sente marcado pela sua subcultura, não tendo direito à sua individualidade. A cultura dominante promove o indivíduo. Quando esta não insere os indivíduos mas os exclui, porque não têm o estatuto nem a matriz cultural, não existe mais para onde descer. A cultura dominante faz com que todas as outras culturas passem a ser menores. Estas autonomizam-se. O autonomizar-se é um grito de sobrevivência. Contrariamente ao que seria natural, perante fenómenos de desagregação de identidade, o graffiti e o rap – manifestações artísticas da subcultura hip hop -, aparecem como fenómenos positivos de comunicação para que o processo não entre em colapso absoluto. Ao observarmos a subcultura hip hop, encontramos uma forte componente urbana pois esta subcultura apareceu nas ruas da cidade de Nova Iorque. A rua é apropriada como um espaço próprio, sempre que o espaço público se torna permeável à sua utilização. Ao apropriar o espaço com formas de expressão próprias, o hip hop cria uma forma de estar no mundo, cria uma identidade de pertença à cidade. Nesse sentido, 'it gave formal expression to an experienced bond, it shared a certain amount of communal space, a common language, and revolved around similar focal concerns 6. As franjas ambíguas da cidade permitem que o fenómeno criativo surja nesse processo de apropriação. Na tentativa de se promover, o hip hop cria-se a ele próprio: escreve a sua história, pinta, inventa códigos, expressões, gestos, vestuário, dança. Os símbolos, as crenças e as atitudes influenciam na construção da identidade, dando-lhe um conjunto de características que o posicionam, enquanto indivíduo na sociedade. Neste 5 SAM THE KID, Negociantes, Pratica(mente), 2006. 6 HEBDIGE, Dick, The Meaning of Style, p.48, ll.24 a 27. 92 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. sentido, o estilo, os valores, as normas, as crenças, que fazem parte do universo simbólico que criou, distinguem-no, dando-lhe uma identidade que o relaciona com a subcultura. O que começa por ser um fenómeno da desagregação da cidade como um todo converte-se num fenómeno de assimilação, pela conquista de uma identidade. (figs.47, 48, 49 e 50) fig. 47 Writer YouthOne, no evento JWMN (Just Writing My Name). Casa da Música, Porto, Setembro de 2008. fig. 48 Dj Kwan e Dj Nel' Assassin, gravação do videoclip Hey DJ dos Mundo Complexo, Lisboa, 2008. 93 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. fig.49 Breakdance 12 Makakos, gravação do videoclip Hey Dj (Mundo Complexo), Lisboa, 2008. fig.50 Concerto de Rap, NBC, festival Sudoeste, 2007. Todas estas formas de expressão, tal como uma criança que grita quando tem fome, denunciam que algo se passa na cidade. Se estes jovens não gritarem, é como se não tivessem existência. Quando não encontram espaço para se manifestarem de forma positiva, a alienação pode chegar à auto-destruição, pois sentem que os seus gritos deixaram de se ouvir. Para melhor compreender tudo isto, tomamos como exemplo o vídeo Stress 7, realizado por Romain Gavras para o grupo de música francês Justice. O vídeo é realizado recorrendo ao formato de documentário, altamente realista. Foi censurado pela televisão mas amplamente 7 Vídeo disponível em www.dailymotion.com/video/x58z2a_justice-stress-official-video_music, data de acesso: Julho 2008. 94 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. visto online 8. À parte das considerações que dizem que o vídeo promove a violência urbana, parece-nos bastante pertinente reflectir sobre a exposição desta realidade. Mostra-nos um grupo de jovens parisienses dos subúrbios que, por onde passam, destroem tudo e todos os que com eles se cruzam, durante as suas saídas em grupo, provocando o caos total, ao ponto de, no final, atacarem o próprio operador de câmara, que capta as imagens. Simbólicamente mostra-nos que não têm limites. Para estes jovens suburbanos a violência é um modo de viver o dia a dia, vivendo o dia de amanhã, só amanhã 9. As sequências no vídeo denunciam um comportamento violento, agressivo, cada vez mais urbano, facilmente registado em imagens, que muitos acusam de serem propagandeadoras do estilo. Parece-nos imperativo olhar, não apenas sobre se o vídeo propagandeia a violência, pois com todos os recursos tecnológicos disponíveis, hoje em dia, é impossível a censura absoluta, para uma realidade urbana, cada vez mais significativa, à qual não temos meios eficazes pensados para desencorajar. Estes jovens esmurram, pontapeiam, cospem e batem durante 24 horas, sete dias por semana. (figs.51 e 52) figs.51 e 52 Imagens retiradas do vídeo Stress. O vídeo foi lançado em 2008, porém, lembra-nos o filme La Haine 10 de 1995, onde Kassovitz retratou a vida de jovens alienados de um subúrbio de Paris, com um realismo de 8 Confrontar com PICKARD, Anna, «Justice – Stress», artigo disponível em http://music.guardian.co.uk/pickardofthepops/page/0,,2278373,00.html, data de acesso: Novembro, 2008. 9 VALETE, Nada a perder, Educação Visual, 2002. 10 La Haine, 1995, Mathieu Kassovitz. 95 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. cinema-verdade. No vídeo de Gavras participamos no voyerismo da câmara, que glorifica a violência, mas que também regista um fenómeno que, ao censurar, o ignorámos e encorajamos a se desenvolver livremente. Estes jovens não são marginais com comportamentos reprováveis, são jovens a gritar para se sentirem vivos. São jovens que sentem que a cidade não os quer e que por isso não têm nada a perder. Encontramos muitas críticas a este vídeo 11 , condenando a sua mensagem, designando-a de propagandista e incentivadora da violência. A crítica pós-moderna dos media chamou-lhe a powerful but truly failed piece of art. 12. Ainda que, na opinião de uns, o vídeo reforce os clichés dos subúrbios, seja racista, e que os próprios realizadores sejam acusados de compactuar com a marginalidade, defendemos que ficar por aqui é negar o fenómeno. A par com a liberdade de expressão, o vídeo desafia-nos à reflexão sobre o tema da violência urbana. Realidade urbana é vista no meu planeta, Sonho juvenil que ambiciona dar paleta, (...) Sente o presente sem um rumo definido, Delinquente não tem um esquema pré-concebido (...) O dinheiro e a ganância vivem um romance, Esfomeados estão na bicha à espera de uma chance, 11 Fóruns de discussão disponíveis em http://www.fubiz.net/blog/index.php?2008/05/01/1579-justice-stress, http://www.strictlysocial.com/journal/2008/05/01/justice-stress-video/ , data de acesso: Novembro, 2008. 12 BROWN, August, «Reporter's Notebook: So, about that Justice “Stress” video...», disponível em http://latimesblogs.latimes.com/soundboard/2008/05/reporters-noteb.html, data de acesso: Novembro, 2008. 96 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Mentes brilhantes acabam traficantes, (...) Futuro excitante ou sonhos só por instantes, (...) Só uma porta aberta com vida sem opções, Esperança ausente da mente limpa pela gente, Que rodeia o meio que não te deixa indiferente, (...) Desilusão quando vejo a farda azul, (...) Se o mundo é de loucos como querem que eu regule? Se a paca 13 não cai do céu e o talento não se empresta, Hip Hop é tudo que me resta! Quando houver condições, há acções, Vamos inventar novas profissões, Tipo Mc, B-boy, Writer, Dj, E fazer do hip hop o braço forte da lei. 14 Este poema é um apelo à inserção, ao reconhecimento como indivíduo. Para melhor compreender isto, entendemos ser pertinente falar sobre a frustração. Freud foi o primeiro a definir a agressão como uma reacção primordial. A frustração (agressão) acontece quando um indivíduo não consegue alcançar um objectivo pessoal, do qual tinha expectativas positivas. Quanto maiores as expectativas, maior o nível de frustração. Ao ter 13 Paca é um termo de linguagem calão que significa dinheiro. 14 SAM THE KID, Realidade urbana, Sobre(tudo), 2001. 97 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. que satisfazer uma pulsão15 primária, o indivíduo sente necessidade de resolver algo. Quando não consegue satisfazer uma necessidade directamente, fá-lo por sublimação: contorna o obstáculo e por compensação, tenta substituí-lo por formas que, muitas vezes, nada têm a ver com a natureza do objecto. Quando não se consegue arranjar um processo de sublimação que anule a pulsão do indivíduo, acontece a frustração: é bater com o desejo contra uma parede. Não se encontra resposta. (fig.53) fig.53 Jean-Michel Basquiat, auto-retrato, 1982. Ao analisar a temática do rap e do graffiti, encontramos frustração, no sentido da anulação do indivíduo enquanto membro da sociedade. Os discursos utilizados nas letras de rap, contam o quotidiano de jovens que, se não conseguem resolver as suas pulsões com dignidade, isto é, como ser humano, se não conseguem sentir que fazem parte de um todo, contornam. Oi oi eu quero saber o que é que se passa, Oi oi porquê que aqui ninguém me diz, Oi oi o país está na miséria 15 Partindo do pressuposto de pulsão como a procura de prazer e a satisfação imediata, Princípio do Prazer (Freud). 98 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. E não consegue explicar e controlar o que já fez. Oi oi porquê que a infelicidade é imensa? Oi oi qual é a razão da nossa crença? Oi oi queremos um mundo melhor, Deve ser porque estamos fartos da dor. (...) O silêncio já se quebrou! Sim manos, qual é o plano este ano? Andar para a frente ou fazer mais danos? Preocupa-me, fico isolado, assustado, Por saber as condições sociais deste Estado. Independência! Se não me dão condições usarei a violência: Directa mas verbal, contra tudo aquilo que está mal (...) Isto é Hip Hop manos, isto é o meu plano, Fazer algo pelo país sem queimar o pano. 16 Defendemos que o rap e o graffiti são manifestações positivas e produtivas. Quando o sujeito não consegue encontrar espaço para se manifestar dignamente, pode entrar num processo de auto-destruição, que se pode transformar rapidamente num ambiente social tenso, semelhante ao que acontece nas pequenas máfias: ao sentir que a minha frustração é igual à daquele, encontro uma afinidade. E isto não é um fenómeno das culturas tradicionais, é um fenómeno da sociedade contemporânea: “Vai bulir”, “vai estudar”, fala uma voz activa. 16 NEL'ASSASSIN, Quê que se passa? (feat. Ridículo), álbum Time Code, 2004. 99 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Mas eu não sei porquê que nada aqui já me motiva. Qual é a alternativa? E é se ela existe. É triste quando à degradação se assiste. Giro com amigos, os de fora chamam bando. É contraditório mas o crime vai compensando. Aos olhos da lei sou a escumalha, Aquele que legalmente não trabalha. Aquele que faz dinheiro quando calha. (...) Pacientes sem paciência, Vítimas da negligência, Sofrimento, causam o susto. Lamenta a violência, Lema: sobrevivência. Tentar viver a todo o custo. 17 A população das cidades, que tem vindo a aumentar, e que segundo o relatório da Onu 18, até 2030, a população urbana deverá chegar a ser 60% da população mundial, é um problema urbano que só pode encontrar uma solução quando se aceitar que a cidade mudou. A título de exemplo recorremos à reacção do então Ministro do Interior francês, Nicolas Sarkozy, aos incêndios de Paris em 2005, (figs. 54, 55, 56 e 57), que se traduz numa reacção alienada da realidade urbana: we must close down all these squats and all these buildings, to prevent such tragedies. 19 17 SAM THE KID, P.S.P, Sobre(tudo), 2001. 18 «Lançamento do Relatório sobre a Situação da População Mundial 2007 », disponível em http://www.unfpa.org.br/relatorio2007/swp_mensagem.htm, data de acesso: Dezembro de 2008. 19 «Immigrants die in new Paris fire», artigo disponível em http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/4196080.stm, data de acesso: Dezembro de 2008. 100 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. figs.54, 55 Incêndios de Paris em prédios ocupados por imigrantes africanos. fig.56 Os edifícios degradados eram alugados a emigrantes ilegais, que dada a sua condição, não reclamavam junto das autoridades. A imagem mostra um emigrante senegalês na cave onde habitava com várias famílias africanas, que aguardavam realojamento em habitações sociais. fig.57 Africanos mortos nos fogos de Paris, 2005: 15 Abril, fogo na Ópera de Paris, 24 mortos. 26 Agosto, incêndio no 13º distrito, mata 17 pessoas, das quais 14 crianças. 30 Agosto, incêndio em Marais mata 7 pessoas, das quais 4 crianças. 101 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Muito bem, e então as pessoas? Fecham-se os prédios, o problema de possíveis tragédias decorrentes da sua degradação e ocupação desaparece, mas as pessoas não. Quando a underclass não vive em bairros de lata e até tenta encontrar condições para se integrar, o resto da sociedade dominante diz não ao direito ao indivíduo: São eles que fazem cair ministros da administração interna, Boas intenções não servem, para quem tem de sobreviver. Eles querem tudo, não têm nada a perder. Depois é ver a nossa oligarquia, erguer vozes contra esses chavais Que a sociedade marginaliza, e não quer que sejam marginais. 20 As grandes cidades mundiais, perderam o seu sentido de comunidade. São sociedades de promoção social do individualismo, mas para quem consegue. Compreendemos duas formas de individualismo: há o individualismo da promoção social do indivíduo, da promoção da cultura ocidental, e, o das subculturas que se autonomizam. Quando não tem capacidade para integrar os valores da cultura dominante, o indivíduo fecha-se. (fig.58) fig.58 Janelas com grades. Casa das Missionárias da Caridade, Chelas, Lisboa. No decorrer da análise à temática do rap e do graffiti, concluímos que dentro desta 20 VALETE, Nada a perder, Educação visual, 2002. 102 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. subcultura existe um forte sentido de comunidade: têm uma maneira de cantar, de vestir, de dançar, próprias, numa tentativa de o identificar e lhe dar identidade. (figs.59, 60 e 61) figs.59 e 60Writers com roupas personalizadas. fig.61 Writers passam a tarde a desenhar nos seus blackbooks e a ver os álbuns de fotografias dos seus trabalhos. Mostra-me a verdade que tu revelas, Porque a minha tu sabes que vem de Chelas. (...) 103 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Chelas está no sangue, Chelas está nos genes. Imagem está igual, banda sonora: sirenes.21 Encontramos uma forte relação entre tudo isto e a arquitectura, os lugares da cidade onde vivem (figs.62 e 63): Sítio dividido com letras do alfabeto, Zonas divididas em lotes com mau aspecto. Chibaria em todo o lado, tem cuidado. Ambiente pesado para um mal habituado.22 figs.62 Capa da revista de hip hop e Elementos. fig.63 Grupo Cultural AfroReggae (GCAR), formado em 1993, com o objetivo de enfraquecer a violência, gerada pelo trafico de drogas e pela opressão social nas comunidades do Rio de Janeiro. Se se puder pensar numa cidade ao contrário, sem revestimento, sem pele, em que as ruas desaparecem porque as casas estão amontoadas, onde é que o indivíduo vai buscar a sua identidade? Os lugares onde vivem são o contrário do individualismo no sentido de promoção social. 21 SAM THE KID, Chelas, Sobre(tudo), 2001. 22 Idem. 104 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Para além de serem expressões de uma subcultura, as letras das músicas revelam sentimentos de jovens suburbanos, actuando como uma forma de denúncia/ protesto contra a violência, o preconceito e a descriminação que vivem. O indivíduo encontra espaço no rap e no graffiti para manifestar a sua revolta contra o Sistema, que entende não o proteger, mas sim, que o agride. Utilizam a arte como meio para reivindicar a sua cidadania. (fig.64) fig.64 Dragon, Nova Iorque, 1982.Mural dedicado a uma vítima de violência urbana. As letras das músicas e as pinturas imprimem a realidade vivida por eles. Os que não encontram espaço para se expressarem de uma forma pacífica, partem para a violência concreta. O rap e o graffiti, enquanto manifestações artísticas, oferecem à sociedade um veículo para comunicar com estes jovens, cujas realidades são ignoradas, pois registam as injustiças de que são alvo, através do discurso verbal e simbólico, não violento. Para além de denunciar, é uma forma de politizar essas classes desfavorecidas, dando-lhes voz. (fig.65) 105 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Ao se identificarem com esta realidade, unem-se contra a segregação. É uma religião, um modo de viver – a mensagem original é a de incentivarem outros a melhorar as suas vidas, num intuito de reclamar o direito à cidadania. Desafiam à acção para enfrentar um Sistema que os oprime, recorrendo e promovendo uma nova cidadania , como trégua. fig.65 Comboio atravessa Bronx River com graffiti de Duster, dedicado a Lizzie, 1982. Estas manifestações artísticas contribuem para a formação duma identidade, para a reconstrução da auto-estima, reforçando os valores de comunidade. (fig. 66) fig.66 Writers: Trap com o seu mestre Dez 106 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Trazem uma nova consciencialização, trazem novas informações, e defendem o sentido de identidade colectiva para romper com os ciclos de pobreza e de exclusão. As subculturas quando não são assimiladas devidamente pela sociedade, por excesso de individualismo e pela própria complexidade desta, são esmagadas. Ao não serem integradas criam fenómenos de alienação e de falta de identidade urbana. O sujeito torna-se numa bomba humana e a sociedade deixa de funcionar. Numa tentativa de encontrar uma forma de evitar a ruptura, as subculturas autonomizam-se, criando uma identidade definida, com valores próprios: um estilo de viver, de vestir, de gestos, de códigos, de linguagens, que os definem enquanto indivíduos. By the late 1990s, street art, graffiti and hip hop were all a big business: the graffiti writers had opened the door to the corporate world (...) 23 O facto de, hoje em dia, a subcultura hip hop ter sido integrada e transformada num mercado rentável, de estar em moda, é um factor positivo, no sentido das culturas emergentes transformarem a novidade em informação24. Porém admitimos que o fenómeno, quando desencorajado num local, desloca-se. A luta do MTA para manter o metro de Nova Iorque livre de graffitis fez com que o fenómeno se espalhasse globalmente. (figs.67, 68 e 69) The funeral song of New York graffiti came in 1989 (...) But from the ashes of this defeat rose a movement that was tougher, more hardcore, more dedicated, and by this point , worldwide. 25 23 LEWISOHN, Cedar, Street Art _ The Graffiti Revolution, p.81, ll.25 a 26. 24 Confrontar com LUHMANN, NIKLAS, Sistemas Sociais - Fundamentos de uma teoria geral. 25 LEWISOHN, Cedar, Street Art _ The Graffiti Revolution, p.80, ll.17 a 20. 107 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. fig.67 Exposição Street Art, Tate Modern, Londres, Agosto 2008. fig.68 À direita, ténis Nike personalizados, inspirados no graffiti, expressão artística, visual, da cultura hip hop. fig.69 Jay-Z, segundo a revista Forbes (2007), é o rapper mais rico do planeta com uma fortuna estimada em 34 milhões de dólares. Quando revemos o filme Suburbia 26, (fig.70), um retrato de punks suburbanos que fogem de casa para viverem em comunidade, em casas abandonadas da periferia, verificamos que os valores que os jovens tinham era no sentido de se afirmarem como indivíduos, mas também porque era o que viviam, era a sua causa. Isto é, o movimento Punk era o porta-voz de uma juventude que se sentia descurada. A materialização da sua alienação é definida por uma 26 Suburbia, de Penelope Spheeris, 1984. 108 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. forte componente política. O facto de a sociedade integrar estes fenómenos, pode também significar o seu fim como subcultura. (figs.71 e 72) Porém a sua morte pode ser apenas uma transformação, que gera novos fenómenos, novas subculturas. fig.72 Sapatos Vivienne Westwood. fig.71 Colecção Vivienne Westwood Inverno 2007. fig.70 Cartaz do filme Suburbia (1984). It is this alienation from the deceptive 'inocence' of appearances wich gives the teds, the mods, the punks and no doubt future groups of as yet unimaginable 'deviants' the impetus to move from man's second 'false nature' (Barthes, 1972) to a genuinely expressive artifice; a truly subterranean style. As a symbolic violation of the social order, such movement attracts and will continue to attract attention, to provoke censure and to act, as we shall see, as the fundamental bearer of significance in subculture. 27 Hebdige 28 analisa a subcultura caracterizando-a segundo a ideologia, a resistência social, a construção de identidade e a simbologia e estética. De acordo com estes elementos, entendemos usá-los como esquema teórico de suporte, para a análise do graffiti. 27 HEBDIGE, Dick, The Meaning of Style, p.19, ll.4 a 13. 28 Confrontar com HEBDIGE, Dick, The Meaning of Style. 109 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. 3.2 Graffiti : expressão artística e humana _ A emergência do graffiti em Nova Iorque The public as a right to art. The public needs art, and it is the responsability of a 'self – proclaimed' artist to realise the public needs art, and not to make bourgeois art for the few and ignore the masses. I am interested in making art to be experienced and explored by as many individuals as possible with as many different individual ideas about the given peace with no final meaning attached. The viewer creates the reality, the meaning, the conception of the piece. I am merely a middleman trying to bring ideas together. 29 A produção artística é um vestígio fascinante deixado pelo homem ao longo do tempo. As suas mais antigas manifestações foram certamente as pinturas deixadas nas paredes das cavernas. Tendo uma linguagem simbólica própria, são os primeiros exemplos de graffiti. (fig.73) O graffiti é um veículo para comunicar uma identidade: Eu existo. (fig.74) 29 HARING, Keith, Journal entry, 14 Outubro de 1978, in Street Art _ The Graffiti Revolution. 110 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. (...) graffiti can make fascinating reading. They draw attention to themselves. They are an expression both of impotence and kind of power – the power to disfigure (Norman Mailer calls graffiti – 'Your presence on their Presence... hanging your alias on their scene' . 30 fig.73 Cavalo (15.000 – 10.000 a.C.). Pintura rupestre em Lascaux, França. fig.74 Lady Pink posa ao lado de um tag pintado de fresco. É uma forma de comunicar uma identidade socio – cultural. O graffiti que compõe o espaço urbano contemporâneo é uma forma intensa de riscar, marcar e documentar um 30 HEBDIGE, Dick, The Meaning of Style, p.3, ll.31 a 35. 111 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. determinado período de tempo. As suas mensagens comunicam e chamam a atenção para os assuntos globais e para os conflitos sociais. A sua forma de expressão artística veio democratizar a arte, uma vez que os seus símbolos, podem ser vistos e feitos por todos na cidade. (figs.75 e 76) fig.76 Graffiti de Os Gémeos, Brasil. fig.75 Carruagens pintadas com graffitis, Nova Iorque nos anos 80. Sendo que todas as manifestações artísticas representam o momento em que ocorrem, pois são realizadas num determinado momento histórico, social e económico, o graffiti apropria-se da cidade, como seu suporte físico, destapando a realidade percepcionada e vivida por quem o faz. O graffiti interfere com a cidade, de forma espontânea, subvertendo os seus valores. (fig.77) O facto de usar o espaço público, contraria a tendência da sociedade para armazenar a arte em contentores (galerias, museus...), cujo acesso por parte de todos é questionável. Para melhor compreender este fenómeno urbano, fomos observar a sua história. 112 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. fig.77 Graffiti de Banksy, Liverpool. O conceito de graffiti surgiu nos bairros estigmatizados de Nova Iorque, no final da década de 60. Desafiou a cidade proclamando: 'We are here. We will not be ignored.' 31 De acordo com Chalfant, um novo olhar sobre o conceito de propriedade pública vem desvelar uma identidade que surge oferecendo cores e formas a uma comunidade, vítima de injustiças e descriminação, desenhando a sua efemeridade e história (oral) com a divisa: 'owning nothing yet owning it all'. 32 Inserido na subcultura hip hop, uma espécie de CNN da periferia, como já a chamaram, em que as classes excluídas expressam as suas dificuldades, em forma de expressão artística, gerando uma identidade própria, de resistência à cultura dominante. O hip hop e o graffiti surgiram em comunidades urbanas atingidas pela renovação urbana, do meio do século passado. Sob o pretexto duma melhoria de qualidade de vida, que escondia os seus propósitos económicos, estas renovações deslocaram milhares de pessoas. 31 Foreword by Henry Chalfant in Street Art _ The Graffiti Revolution, p.7, l.4. 32 Idem, p.7, l.7. 113 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Robert Moses, importante figura do planeamento urbano na história dos Estados Unidos, entre 1930 e 1950, transformou a cidade de Nova Iorque ao nível do planeamento urbano, criando arranha-céus e vias rápidas, que ligavam a modernos subúrbios, alterando a morfologia dos bairros para sempre. (figs.78 e 79) Numa tentativa de reconstruir a metrópole, o seu trabalho permaneceu controverso pois alterou a forma física da cidade, mudou a forma dos bairros tradicionais, deslocou milhares de residentes da cidade e priveligiou o trânsito. 33 fig.78 Robert Mose's and The Modern City. Panfleto, 1959. fig.79 Cross-Bronx Expressway, Bronx, Nova Iorque. Projecto de Moses proposto em 1945. A expansão suburbana, pós 2ª Guerra Mundial, em detrimento da cidade, permitiu o declínio desta. As comunidades deslocadas e realojadas confrontaram-se com um choque de raízes. (...)urban renewal relocation efforts not only dispersed central-city populations to the suburbs, but also they replaced the commerce of the street with the needs of the metropolitan market. 34 33 CARO, Robert A., «The Man who built New York», artigo disponível em http://www.robertmosesnyc.com/, data de acesso: janeiro 2009. 34 ROSE, Tricia, Black Noise: Rap Music and Black Culture in contemporary America, p.29, ll.28 a 31. 114 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. O graffiti nasceu numa era de declínio económico, produto da negligência do planeamento urbano, e, teve a sua raíz nas comunidades urbanas deslocadas e alienadas. A juventude urbana, face às condições em que vivia, inventou, baseada numa resposta criativa, uma subcultura: o hip hop. Hoje, num mundo profundamente urbanizado, inspira pessoas em condições semelhantes, sendo um fenómeno global. (fig.80) fig.80 Projecto de JR, em Israel e na Palestina. que consiste em expor retratos de pessoas, de ambos os lados do muro. Bethlehem, 2007. O artista diz que depois de ter estado nesta parte do globo, percebeu, à parte dos clichés que os media propagandeiam, que a maioria das pessoas só quer viver em paz. A migração para as cidades continua a crescer e o fosso entre classes é cada vez maior. Estas comunidades têm um incrível potencial criativo e uma necessidade imperativa de se expressarem, de sentirem que as muralhas que os cercam também lhes pertence. Chalfant define o hip hop como: an autonomous subculture, not for sale, free of direction from any force of society or government, and free of the dictates of the market place. It's about artists taking control of their lives. 35 Para melhor compreender o graffiti entendemos ser pertinente falar um pouco sobre hip hop. 35 Foreword by Henry Chalfant in Street Art _ The Graffiti Revolution, p.8, ll.25 a 27. 115 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. O hip hop surgiu como uma expressão do ghetto para os mais pobres. Combinava uma série de elementos que marcavam a paisagem urbana: Rap, Djing, Breakdance e Graffiti. O universo da cultura hip hop, ou cultura da periferia, é constituído por 4 elementos: − O MC; − O Dj; − O Break dance; − O Graffiti. O rap 36 é a expressão musical/verbal do hip hop. Dentro do rap, o Mc 37 representa a consciência, o Dj representa a essência, a sua raíz. O rap faz discursos sobre as carências, os problemas económicos, a violência, os desejos, das classes excluídas da sociedade contemporânea. O break dance é uma dança robotizada, que representa o corpo através da dança. O graffiti, sendo a expressão plástica do movimento, representa a arte como meio de comunicação. É uma manifestação artística que ocorre fora dos espaços fechados e académicos. É uma arte de rua que tem a cidade como cenário para as suas manifestações. Os desenhos traduzem o universo da subcultura hip hop, em que os writer 38, ou pintor de graffiti, chama a atenção, consciente ou inconscientemente, para problemas sociais e políticos. O graffiti, na sua raíz, desenha letras com o objectivo de desenvolver o máximo estilos possíveis. Porém o seu universo simbólico está repleto, com figuras a cantar, a dançar, a pensar, com mensagens e cenas apocalípticas. Apesar do hip hop combinar todos estes elementos, focar-nos-emos no graffiti, passível de ser 36 Tradução: Rythm and Poetry. 37 Tradução literal: Mestre de Cerimónias.O MC acompanha o Dj, interpretando a música que o último passa. 38 Tradução literal: escritor. 116 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. analisado como um fenómeno por si só (tal como todos os outros elementos), pelo facto das suas marcas e efeitos no espaço urbano gerarem posições complexas e contraditórias. 3.3 Graffiti _ Identidade urbana Existem valores de base na subcultura graffiti: fama, expressão artística, poder e rebelião. A fama que o writer deseja significa o reconhecimento e o respeito, por parte dos outros writers, pelo seu trabalho. The more places you get your name up, the better your chance of getting fame. Suppose there's a robbery on the train and the photographers and TV crews come, your name might come out in the evening news! 39 O reconhecimento de um writer resulta do seu trabalho combinar quantidade, exposição e qualidade. (fig.81) O poder manifesta-se na apropriação do território. 40 fig.81 Graffiti de Seen, 1981. 39 CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, p.30. 40 Confrontar com ELEMENT, Kevin, «Hard Hitting Modern Perspective on Hip Hop Graffiti», artigo disponível em www.graffiti.org/faq/element.html, data de acesso: Fevereiro 2009. 117 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. O graffiti tem uma identidade própria, possui uma estética e simbologia própria que marca uma atitude de resistência social, que se manifesta na apropriação do espaço da cidade como espaço de expressão artística, traduzida na sua componente de rebelião. (figs.82 e 83) fig.82 Barry McGee, Instalação, Meatmarket, Melbourne, 2004. fig.83 À direita, edifício coberto com tags. A técnica é designada de pichação. São Paulo, Brasil. Em oposição às práticas dominantes do uso do espaço público, cria uma nova relação com este. Style in subculture is, then, pregnant with significance. Its transformations go 'against nature', interrupting the process of 'normalization'. As such, they are gestures, movements towards a speech which offends the 'silent majority', which challenges the principle of unity and cohesion, which contradicts the myth of consensus. 41 41 HEBDIGE, Dick, The Meaning of Style, p.18, ll.9 a 14. 118 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. De acordo com Hebdige, a subcultura desafia os conceitos dominantes relacionados com a cultura dominante. O writer deixa a sua marca, a prova da sua existência, na cidade (fig.84). O graffiti começou nos terminais dos comboios e metro. (figs.85 e 86) Existe uma forte ligação entre estes e os writers, pois ofereciam um suporte físico que lhes permitia ter o seu trabalho exposto ao público, e aos outros writers, por toda a cidade. O graffiti produzido nos comboios significava movimento, perigo (pois é ilegal pintá-los), audácia, num cocktail de adrenalina, que lhes permitia ter uma maior visibilidade, uma maior audiência, diferente da que lhes ofereciam os muros e os edifícios, por conseguinte, estáticos. fig.84 Os transportes públicos publicitam o writer e a sua obra figs.85 e 86 Carruagem pintada À direita, writer a pintar uma carruagem. 119 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. O graffiti pode ser feito de forma legal ou ilegal, no entanto, a sua natureza intrínseca é marginal, estando fortemente ligado ao proibido. A sua prática está associada a quebrar regras, o que desperta a adrenalina e aumenta o interesse. Confirmamos isto através da observação dos seus suportes: locais públicos ou privados, espaços devolutos ou abandonados, paredes, muros, becos, vias de circulação, comboios, autocarros, equipamento urbano (postes, caixotes do lixo...). O graffiti possui uma simbologia e uma estética própria. Os seus símbolos contêm os seus princípios fundamentais. A forma de vestir, de dançar, a música que ouvem, os gestos, a linguagem que criam para comunicar, identifica-os ao grupo. Neste sentido, o universo simbólico serve para comunicarem a sua diferença, e as pinturas para a comunicar à cidade. Apesar dos inúmeros estilos que encontramos hoje, existem algumas formas base reconhecidas pelos writers. As formas mais antigas utilizadas são os tags – assinatura do writer. Podemos distinguir vários tipos de morfologias no graffiti, em que os desenhos e estilos são planeados e desenvolvidos no black book 42 do writer (fig.87) : fig.87 Blackbook. 42 Caderno de esquissos. 120 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. − Tag: é a assinatura do writer, o seu pseudónimo. É a forma mais simples de graffiti. Tem como objectivo a obtenção de reconhecimento e respeito. O tag é espalhado pela cidade, como uma impressão digital. Significa uma presença. (fig.88) fig.88 Tag de Taki 183. − Throw-ups: podemos defini-lo como um tag mais desenvolvido. Letras gordas, de rápida execução, com o objectivo de espalhar a marca do writer; numa escala maior. A quantidade prevalece sobre a qualidade no momento de “bombardear” a cidade. São feitos no exterior dos comboios, utilizando, por norma, duas cores: uma para preenchimento e uma para o contorno. (fig.89) fig.89 Throw Up. Quik e Sach, Nova Iorque, 1982. − Pieces: é o termo que designa uma obra-prima. O desenvolvimento tecnológico dos materiais utilizados ajudaram a desenvolver esta forma de graffiti. 121 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. − Top to bottoms: termo que se refere às obras que cobrem, de cima a baixo, uma carruagem de comboio. A pintura não inclui o comprimento da carruagem. (fig.90) fig.90 Top to Bottom, Mad, 1982. − End to ends: termo que significa a pintura completa de um lado da carruagem, mas não a sua totalidade. − Whole cars: a pintura cobre toda a carruagem, incluindo janelas. A primeira carruagem pintada foi em 1973 pelo writer Flint 707. Quando um writer pinta um whole car ganha respeito por parte dos outros writers, especialmente se também tiver um bom estilo. Estas peças são vistas como obras-primas do graffiti. − Whole train: Até ter sido pintado o primeiro whole train, o whole car era considerado como o ex libris de um writer. Era um trabalho, partilhado por vários writers , pretendia criar uma peça única, tridimensional. Pelo seu carácter ilegal, são raros. (fig.91) fig.91 O Freedom Train, pintado em 1976 sob a liderança de Caine, não chegou a desfilar por inteiro pois a MTA rapidamente separou as carruagens do comboio. No entanto algumas carruagens circularam. Foi o primeiro comboio a ser pintado por completo, ainda que com um curto período de vida. O segundo comboio pintado por completo foi o Christmas Train, em 1977, pelos Fabulous Five. 122 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. A partir da segunda metade da década de 70 os writers concentraram-se em desenvolver estilos para as letras. No início, o estilo das letras identificava o local de proveniência do writer. Alguns dos estilos desenvolvidos pelos writers incluem: o wild style (letras quase inteligíveis, todas ligadas entre si, criando movimento) (fig.92), letras em 3D (fig.93), esbatidas, partidas, de computador (desenvolvidas por Kase 2), cores misturadas, sombras, tal como variações dos oldstyles. fig.92. Fasim, graffiti Wild Style, Barcelona, 2003. fig.93 Daim, graffiti 3D, Alemanha, anos 90. O facto das letras wildstyle serem praticamente ilegíveis para um outsider do graffiti, fazia com que a sua identidade marcasse e definisse a sua diferença enquanto subcultura. Neste 123 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. sentido, a fama é importante para um writer pois significa o reconhecimento pelos outros membros da sua subcultura. A fama, para o writer, é o motivo do jogo. (fig.94) I don´t feel like a celebrity normally, but the guys make me feel like one when they introduce me to someone. 'This is him', they say. The guys knows who the first one was. 43 No início dos anos 70, um writer que assinava Taki 183, espalhou o seu tag por toda a cidade de Nova Iorque. Isto despoletou uma atitude de afirmação, em que todos começaram a espalhar o seu tag no máximo de superfícies que conseguiam. (fig.95) fig.94 Pela competição intensa, a fama é a forma de um writer se destacar dos outros, conseguindo o estatuto de King. Porém, mante-lo requer que este se esteja sempre a superar, a si e aos outros que competem com ele. fig.95 À direita: Fotografia que acompanhava a entrevista do New York Times,de Julho de 1971, a Taki183. O artigo representa um ponto de viragem, a partir do qual o fenómeno começou a ter atenção por parte dos media. 3.4 Resistência urbana A resistência ao graffiti, por parte do governo da cidade, coexistiu com ele praticamente desde que este surgiu. Quando emergiu em Nova Iorque, o governo da cidade, os media, a 43 Entrevista a Taki 183, Taki 183 Spawns Pen Pals, New York Times, artigo disponível em www.ni9e.com/blog_images/taki_183.pdf, data de acesso: Dezembro 2008. 124 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. MTA (Metropolitan Transportation Authority), declararam-lhe guerra, acusando-o de símbolo de deteorização social, tornando-o uma questão política. A MTA, entidade governamental responsável pela gestão do metro de Nova Iorque, dispendeu grandes quantias de dinheiro e energia no combate ao graffiti, já nos anos 70, pois considerava-o one of the worst forms of pollution we have to combat 44. Num ciclo vicioso, com custos de limpeza elevados, os comboios eram limpos, para que, assim que voltavam ao activo, serem novamente bombardeados com pinturas. A MTA luta desde os anos 80 contra o graffiti nos comboios, organizando várias campanhas. (fig.96) Milhares de graffitis são limpos por ano dos comboios, mas sem dúvida em número inferior aos que aparecem todos os dias. Não obstante, a MTA aceita a publicidade nas janelas dos comboios, o que nos leva a questionar se não estará apenas a substituir uma coisa (graffiti) por outra (publicidade). Apesar de ser bem mais rentável, consideramos que a publicidade é igualmente invasiva. (fig.97) fig.96 Cartaz de uma campanha da MTA. fig.97 Janela de uma carruagem coberta com um painel de publicidade. Mal aceite pelos governos das cidades tentou ser eliminado a todo o custo. Apesar disso, começou a ser reconhecido, por muitos, como uma subcultura autónoma, e por isso 44 Declaração de Sanford Garelik, Presidente da Câmara em 1972 in CASTLEMAN, Craig, Getting Up: Subway graffiti in New York, p.x. 125 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. impossível de controlar com os métodos tradicionais, visto que não tentavam eliminar um fenómeno de vandalismo, mas uma comunidade. (fig.98) Há quem defenda que encorajar pinturas legais seria uma alternativa para minimizar os danos, no entanto, não nos devemos esquecer que esta forma de expressão está fortemente ligada ao proibido. E a sua beleza e significado reside precisamente na sua efemeridade, o que faz com que as suas mortes originem inúmeros renascimentos. fig.98 Graffiti de Greg, Nova Iorque, 1977. The role of art might, then, be to encourage the use of public transport by obvious strategies such as making it (visually) more attractive or locally distinctive, thereby contributing to a positive public image of a transport system. 45 Ainda que seja associado por muitos ao vandalismo, que assim o rejeitam como uma forma de expressão, como fenómeno artístico, transpôs à muito tempo os muros do ghetto, tornando-se num fenómeno de expressão global. Uma atitude em forma de terrorismo artístico, que evoluiu das carruagens dos comboios para as galerias de arte como expressão artística contemporânea. (figs.99 e 100) 45 MILES, Malcom, Art, Space and the City: Public Art and Urban Futures, p.132, ll.14 a 16. 126 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. fig.99 Banksy, One Nation under CCTV. fig.100 Bansky, Brew Period, Festival de Cannes. Graffiti writing has already acquired a tradition, built on the contributions of several generations of writers. 46 3.5 Graffiti como instrumento de comunicação e contestação social. Ideologia. É preciso que as coisa mudem para que se mantenham como estão 47. O panorama político, social e cultural de Nova Iorque nos anos 70 sofria grandes transformações que estavam a reestruturar a América. In the 1970s, cities across the country were gradually losing federal funding for social services, information service corporations were beginning to replace industrial factories, and corporate developers were buying up real estate to be converted into luxury housing, leaving working class residents with limited affordable housing, a shrinking job market and diminishing social services. 48 46 CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, p.19, ll.20 a 21. 47 Il Gattopardo, filme de Luchino Visconti, 1963. 48 Rose, Tricia, Black Noise: Rap Music and Black Culture in contemporary America, p.27, ll.27 a 32. 127 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Esta crise acentuou as diferenças sociais. O pós Vietnam, a negligência, a pobreza, o racismo, a violência, são factores que levaram a uma fragmentação do tecido social, criando áreas proibidas: os ghettos. Através do graffiti, os jovens que neles viviam, numa tentativa de afirmar uma identidade, entre eles e perante a sociedade, mostraram os seus pontos de vista sobre o mundo, sob a forma de um retrato social das suas vidas. (fig.101) The streets were our school and our subject matter comes from the streets. 49 O graffiti tem um conjunto de princípios, propósitos, fundamentos e influências que faz com que possua uma ideologia própria. É uma subcultura de resistência à cultura dominante, recusando submeter-se a ela, questionando os seus limites sociais e artísticos. Altera a cidade visualmente, numa atitude que a desafia, pela sua forma imprevisível de wildstyle urbano, sempre em movimento, alterando, evoluindo. fig.101 Epítaph de Lee, 1980. Confronta a cultura capitalista, que se manifesta através das leis e dos mercados, os quais lhe conferem uma estrutura social de ordem e valores, nomeadamente o de propriedade privada.50 49 «Os Gémeos» , artigo da 12oz.Prophet Magazine, 1998. 50 Confrontar com WALSH, Michael, Graffito, 1996. 128 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. For many graffiti writers, the power and beauty of graffiti art is related to graffiti as a ritual and symbolic act against a capitalist value system and the alienating world it constructs and maintains. 51 O graffiti teve as suas origens na cidade de Nova Iorque e emergiu para o mundo. É uma forma de expressão e de identificação de uma subcultura, uma expressão artística de resistência à Autoridade: I feel good breaking the law. Laws are made to control people. The people who make laws are not affected by them, and laws are usually directed at minorities, and made to prevent people from getting to their level. 52 Sendo um fenómeno de expressão de uma subcultura, debruçamo-nos sobre o seu papel cultural, social e político, na sociedade actual. Ao olhar o espaço da cidade, vemos os graffitis aparecerem à luz de uma forma de resistência ao urbano (imposto pela cultura dominante). (fig.102) fig.102 Graffiti de Spin, 1982. O graffiti mostra as suas diferenças à cultura dominante. A sua prática associa uma componente de risco, pois é marginal, subvertendo o uso convencional do espaço, acrescentando-lhe novas funções. (figs. 103 e 104) 51 WALSH, Michael, Graffito, p.7, ll.38 a 41. 52 Omar (A.K.A Swatch 1), writer, NYC, in WALSH, Michael. Graffito. 129 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. fig.103 Throw-up de Barry McGee, São Francisco, Estados Unidos. fig.104 Graffiti de Miss Van. A resistência social expressa-se na forma como conquista o espaço da cidade enquanto espaço de expressão artística. Apesar de não confrontar directamente a cultura dominante, colide com ela, influenciando-a. O ambiente urbano é, numa clima socialmente aceite, bombardeado por publicidade. Naturalmente que as receitas que estas oferecem ao orçamento da cidade são importantes para a sobrevivência desta. Não queremos prolongar este parêntese mas ao questionar como 130 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. se tornou a cidade subordinada das receitas da publicidade, percebemos que é a saúde da cidade que está em causa. À semelhança da cidade, que sobrepõe os interesses económicos às características intrínsecas dos lugares, também as receitas geradas pela publicidade, se sobrepõem aos benefícios que o graffiti traz às comunidades, nomeadamente no que diz respeito ao incentivo do sentimento cívico e de pertença a esta. Ao observarmos a forma como os governos reagem ao graffiti, encontrando dificuldades em reconhecê-lo como um vínculo expressivo, que comunica uma identidade, não significa que o seu papel seja menos importante. (fig.105) fig.105 Apropriação de outdoor, numa atitude que claramente quer subverter os conceitos. A crew, according to T-Kid, “is a unit of dudes who work together to achieve a goal: get up and to go all city”. Crews are made up of trusted friends, “a bunch of brothers that are down by street law with each other. (...) There is a strong sense of community within a crew. 53 Numa perspectiva cultural, o graffiti é um fenómeno de comunicação. 53 CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, p.52, ll. 3 a 7 e 19. 131 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. A oposição entre a arte e a sociedade é mais aparente do que real. O criador ultrapassa-se a si próprio e com o espectador, cria um super ego de contacto. Tenta, num universo abstracto, encontrar uma resposta. Nesta acção, a experiência de vida é importante. É uma teoria incisiva de respostas sobre a vida. O indivíduo, ao manisfestar-se artísticamente, reflecte a vida, exprimindo-a numa existência constituída pela ficção. A ficção é criada no quotidiano, em que constantemente se elabora, interpreta, e, aperfeiçoa a realidade à nossa personalidade, num jogo de sobrevivência pessoal. A combinação do uso do espaço com a arte promove e estimula o sentido de identidade do indivíduo com o ambiente exterior. Constrói pontes entre o eu e a comunidade, promovendo relações com o espaço, estimulando a capacidade de o transformar, melhorando-o. (fig.106) In a situation of such poverty, the fact that they can stay unified seems to me the ultimate in human dignity. They have nothing but each other. The idealist in me likes to think that they have some art to go with that now. 54 O graffiti veio para democratizar a arte. De acordo com Ferrell 55 o espaço urbano é fragmentado por etnias, classes económicas e segregação consumista. O graffiti permite mobilidade pois ultrapassa as barreiras étnicas, a segregação social, por integrar indivíduos com diferentes raízes culturais. Ao mesmo tempo que o graffiti tem uma atitude de alienação face à sociedade, o writer cria uma identidade para dar sentido ao lugar de onde vem, às suas raízes, e, ao mesmo tempo, sentir que tem poder. (fig.107) 54 Excerto de um artigo em que Os Gémeos falam sobre a experiência de pintar em favelas. 12oz.Prophet Magazine. 55 Confrontar com FERRELL, Jeff, Urban Graffiti: Crime, Control and Resistance, pp.73 a 92. 132 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. fig.106 Graffiti de Antonio “Chico” Garcia, Manhattan, Nova Iorque. fig.107 Graffiti de Seen P Jay, 1980. Ao percorrermos a cidade real, onde grande parte das pessoas vivem, podemos sentir a sua energia crua. Os desenhos queimam as paredes, os carros e os edifícios, como memoriais para nos lembrarem do estado das coisas. Denunciam o medo, a violência, a droga, a pobreza, traduzindo mensagens de sobrevivência, dando voz aos excluídos. Representa a cidade nas suas questões, nas suas falhas. O graffiti é o instrumento que dá poder aos writers, que comunicam, através da arte, o seu protesto. (figs.108 e 109) Não se trata apenas de embelezar o espaço urbano, mas de marcar uma atitude perante este: 133 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. The things that we paint are often a result of seeing that type of thing in the street. We often paint simply for the people in the streets and if it makes their life a little more easier knowing that we paint just for them, and bring a little color to the streets just for them, it is a means of escaping the reality of the harsh world. These people are able to see these big murals and know that they are not excluded from the rest of the world. 56 fig.108Graffiti de Lee, Kel 139 e Futura, Nova Iorque, início dos anos 80. fig.109 Stop the Bomb, Lee, Nova Iorque, 1979. A revista de graffiti Xylene, de Vancouver, publicou no seu número dois (1995), um manifesto, de autor anónimo, intitulado «Major Writer's Meeting in New York City in the Year 2000». 56 Os Gémeos ,12oz.Prophet Magazine, 1998. 134 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. [The major meeting in New York in the year 2000 is] to bring [writers] out of stagnation and figure out how to bring [HHG 57] art to the next level and stay true to the game. Elimination of negative ideas by reeducating writers who teach hate, racial segregation and self-ideologies... In the next 20 to 30 years the people who had fucked us up... will be slotted into power and they think graffiti art is cool?... The spray can is a symbol of our generation. It is an icon... [Hip hop art] is an art form with so much soul and integrity that it will crush the art world into early retirement and that the art on the streets are the real life galleries. The art galleries with deep connections with the art mafia, have been slaving you for the past 50 years of your precious life... Art is very, very powerful and should be for the masses not the elitist...[so] we have a situation here where the blind (society) has been leading the blind (graffiti). We must break from the art world and create our own separate identity. So fuck this post-modernism, bullshit-fuckcrap! [Graffiti] will be on every surface except your television. (Xylene 18) 58 Manter o graffiti à parte da comunidade artística, permanecendo verdadeiro com a sua natureza marginal, é uma forma de o reclamar para todos, afastando-o de modelos de exploração artística, para o manter como uma forma de expressão e de exploração humana. O fenómeno global iniciou-se com os documentários, em que referimos, pela sua importância, o Wild Style e o Style Wars 59, que retraram a cultura hip hop e graffiti em Nova Iorque, assim como os avanços tecnológicos, os livros e as revistas, fortaleceram a promoção do graffiti para o mundo. Hoje é um fenómeno de expressão artística e urbana global (fig.110). É uma perspectiva da cidade que mostra como as luzes da supermodernidade coexistem com as sombras da decadência urbana (fig.111). Representa uma revolta no seu melhor. 57 HHG- Hip Hop Graffiti. 58 ELEMENT, Kevin, «Hard Hitting Modern Perspective on Hip Hop Graffiti», artigo disponível em www.graffiti.org/faq/element.html, data de acesso: Fevereiro 2009. 59 Wild Style, 1983, realizado por Charlie Ahearn; Style Wars, 1983, realizado por Tony Silver e Henry Chalfant. 135 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. figs. 110 e 111 Banksy. 3.6 A cidade como espaço de cultura e inclusão A arte é uma forma de comunicação universal. Nesse sentido, o uso da arte nos espaços públicos é um instrumento vinculador de laços sociais entre os indivíduos. De acordo com 136 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Miles 60, que questiona a relação entre a cultura e o urbano, sob a perspectiva da arte no espaço público como contribuidora para o futuro das cidades, para funcionar como uma comunidade, defendemos que o espaço público, através do seu uso social, pode ser transformado em espaços de cultura e inclusão. A arte actua como elemento de ligação entre os diferentes grupos étnicos e sociais. 'The architecture and quality of life in our cities are subjects of debate throughout the country ... The arts are making a substancial contribuition to the revitalisation of our cities ' (Arts Council, 1989). (...) The text states that 'Arts activities provide a community with a focus and increase its sense of identity (...) 61 A actividade cultural e artística na cidade cria laços nas comunidades e incentiva à participação cívica. Neste contexto, a arte serve como instrumento de comunicação, que associa os vários grupos de indivíduos com a cultura, estabelecendo territórios comuns. Para existir integração na sociedade, tem que existir integração na comunidade. (...) in ignoring the social impact of development, art is complicit in the consequent social fragmentation. 62 A utilização do espaço público urbano para actividades artísticas pode ser olhada como um veículo para redefinir o sentido de participação cívica e, por conseguinte, gerar o sentimento de pertença à cidade, no sentido de se sentir que a cidade inclui todos os seus cidadãos. The Arts Council case continues ' art on public view gives an impression of social, cultural and economic confidence...' 63 60 61 62 63 Confrontar com MILES, Malcom, Art, Space and the City: Public Art and Urban Futures. Idem, p.109, ll.1 a 7. Idem, p.107, ll.36 a 37. Idem, p.112, ll.34 a 35. 137 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. As actividades culturais artísticas no espaço urbano são catalisadoras, para encorajar os laços sociais, através da integração e participação na vida da cidade. A cultura é um meio de transmissão de valores que deve ser usada para aproximar, integrar e redefinir o cidadão urbano contemporâneo. (fig. 112) fig.112 Exposição Street Art, Tate Modern, Londres, Agosto de 2008. Para criar laços sociais e de cidadania, o espaço público é determinante. Sendo o espaço o elemento físico de integração social, a arte e a cultura surgem como estratégias que promovem a sociabilidade e o sentido de comunidade. A função colectiva é enfatizada no espaço público, actuando como palco das interacções sociais comunitárias. O espaço urbano funciona como mediador de estratégias de inclusão e de responsabilidade social e, simultâneamente, como intermediário físico, através do qual se constrói o capital social comunitário. ' The dominant philosophy of the next century will be sustainability... This relates to a public responsability rather than the predominant factor of today, wich is private greed' (Rogers, 1995:3). 64 64 Idem, p.105, ll.12 a 14. 138 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. A criação de arte nos espaços urbanos, que proporcione actividades de celebração e reunião comunitária, cultiva a aceitação étnica e o sentimento de pertença a um todo multicultural. A integração na cidade só é possível se existir um forte sentido de identidade, de identificação com o espaço, não só ao nível individual, mas também para fazer parte do desenvolvimento social e político da cidade. Artists and craftspeople can work with architects, engineers and developers to great effect, enriching and humanising the environment through public sculpture, floorscapes, cladding, murals, architectural carving, land art, wrought ironwork and street furniture. (LDDC, 1991). 65 Esta posição surge-nos para afirmar a urgência de repensar o sentido da cidade como uma comunidade, inalienável da experiência da cidade enquanto lugar de intercâmbio cultural. A diversidade étnica na cidade contemporânea, ao ser integrada, enriquece a oportunidade de trocas culturais. O espaço da cidade quando gera barreiras físicas, que geram segregação cultural e social, e, desencoraja as interrelações, não comunica com as pessoas e contribui para a alienação destas, face à cidade. ...' the dominant culture can encompass only part of the city. And while corporate power inscribes these cultures and identities with “otherness” thereby devaluing them, they are present everywhere' (Sassen, 1996:188). the dream city, it seems, is for the saved. The others wait outside. 66 O espaço urbano, quando apropriado pela cultura, regenera e revitaliza a cidade, creating (...) a sustainable sense of neighbourhood and 'street life' 67 , desenvolvendo relações sociais e o sentido de comunidade, numa união em que as pessoas, de diferentes passados e com diferentes experiências, se juntam para criar. 65 Idem, p.125, ll.16 a 19. 66 Idem, p.106, ll.6 a 10. 67 Idem, p.112, ll.8 a 10. 139 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Conclusão Entendemos este trabalho como uma reflexão sobre a cidade, como o maior monumento que a civilização construiu, e, o único que permite o contacto directo entre os cidadãos, a troca de ideias imediata, a mudança de hábitos e a discussão. Tem como princípio fundamental a representação da cidade como um todo. Sendo esta o maior legado do homem, parece-nos importante fazer uma pausa, na superabundância dos acontecimentos (Augé 1 ), para pensar e tentar compreender o significado da cidade para o homem, na contemporaneidade. Sabemos que já se pensou sobre a cidade, de formas diferentes, e entendemos que a cidade contemporânea pede que pensem sobre ela. Quando falamos na cidade ideal não é uma referência concreta, é um elemento de localização no plano ideal. É aquilo que exige a nossa consciência. Aponta-se o que existe e aquilo que poderia ser, de acordo com os limites da nossa consciência. Partindo do princípio de que a natureza é indiscutível, é intrínseco ao homem o desejo de querer uma cidade perfeita, não no sentido de acabada, pois esta nunca está terminada, mas perfeita na sua consciência. Sabemos que não existiram períodos da história ideais, mas houveram picos. E é por esses picos que vale a pena lutar. Se se esquecer que esses picos existiram, morre-se por dentro. E a cidade, como civilização, corre esse perigo. A análise crítica às imperfeições da cidade surge sob o ponto de vista do ideal, à luz de uma tomada de consciência, que projectamos num plano ideal, apoiada no conhecimento universal. Isto é, existe uma prática, uma realidade, que depende das circunstâncias mas que, como o homem possui memória, a memória da civilização, sabemos que à luz da nossa inteligência, da nossa capacidade para resolver problemas e para criar ideais, a cidade poderia ser muito melhor como civilização. Ao sermos confrontados com a realidade da cidade, que 1 Confrontar com AUGÉ, Marc, Não – Lugares, Introdução a uma antropologia da sobremodernidade, p.35, ll.24. 140 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. é de facto imperfeita, assumimos uma postura de distanciamento, para a observar a partir de si mesma e ao mesmo tempo fora de si. Esta postura surgiu do desejo de pegar na matéria prima e perceber, que tudo o que acontece na cidade contemporânea tem potencial, a todos os níveis, para a transformar num lugar ideal, em que todos podem viver e expressar as suas próprias ideias. Isto é, expressar a sua identidade. A natureza das pessoas varia, uns prosperam mais do que outros, mas isso diz respeito à natureza e vontade de cada um, que deve poder manifestar-se como entender. Não deve ser a cidade a ditar isso. A cidade deve inspirar os valores morais de uma sociedade e simultâneamente ter uma estrutura de apoio para podermos coexistir. Essa estrutura é comum e deve ser protegida e cuidada nesse sentido. Nenhuma sociedade pode viver pacificamente se sentir que a sua estrutura é gerida por um grupo, que decide unilateralmente o seu funcionamento. O resultado é uma cidade fragmentada. A população segregada, sob as suas inúmeras formas, tem a sobrevivência como único propósito. Com hábitos, formas de viver próprias, as pessoas criam laços com os lugares que habitam. Existem questões na cidade cuja resolução parece durar eternamente, vítimas mais de burocracia mental do que da incapacidade de serem resolvidas. São crimes de administração do território que priveligiam interesses exclusivos em detrimento do bem comum. Transformar “Aleixos”, que cresceram e se tornaram mini cidades, em “La Defenses”, deslocando os seus residentes originais, demolindo o bairro e as suas raízes, e das suas cinzas nascer uma fénix, continua na mesma linha das reestruturações de Hausssman em Paris ou de Moses em Nova Iorque. Conhecemos as falhas que resultaram deste tipo de renovação urbana, sabemos o que acontece quando uma parte da população que constitui a cidade é marginalizada, e o que daí se desenvolve (periferias sobrelotadas, bairros em estado de sítio, 141 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. aumento da violência urbana e do crime, desprezo pela ordem e pelo bem comum...), e repetimos o mesmo, insistindo em viver em amnésia permanente. Para poder voltar a recuperar a sua consciência, a cidade tem que pensar nas pessoas. A renovação da cidade não passa por demolir bairros, apagar as memórias dos lugares, arrancar as raízes às pessoas, deslocando-as, qual mercadoria, e misturando-as repetidamente com outras identidades, consoante se esvazia um fogo aqui e ali. Passa pela integração de todas as partes que formam a cidade. Uma cidade tribal é segregadora e gera identidades esmagadas que, por sublimação, tentam existir, resistindo, e a cidade personifica o inimigo a combater. Se a cidade não conseguir assimilar, vai segregar e isto significa perdermos um bocado de nós. A cidade precisa de se reinventar. No processo de criação, como pode aprender a viver com as diferentes culturas que a formam, e trazem informações novas, mantendo as características que fixam a sua individualidade, a sua identidade e a sua história? Ao estudar a realidade da cidade percebemos que esta é formada por milhares de identidades, numa diversidade cultural característica do nosso tempo. A cidade contemporânea é uma cidade pluralista. É o cosmos, é o mundo inteiro ali. Para aceitar a sua identidade a cidade tem que viver como um sistema aberto, pois o oposto, consiste em negar-se a si própria. Numa perspectiva cultural, a cidade contemporânea tem falta de mecanismos naturais, pois é um ser vivo que cresce, que lhe permitam estar atenta às emergências que nela se manifestam e que dela resultam. The task ahead for humanity is to détourn the unsustainable consumer culture, the unsustainable paradigms of economics that we have today. Right across the board we have a global system that needs to be détourned in the most fundamental way and many culture jammers, like myself, see it in those 142 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. terms. We basically want to have a cultural revolution and détourn the whole current system into a new one. 2 Estas novas emergências, o graffiti particularmente, são declarações apaixonadas à cidade: Amem-me. É um fenómeno que pertence à cidade, em que os seus símbolos caracterizam uma nova forma cultural, que redefine o espaço urbano. Traduz-se numa forma de arte expontânea e, interpretámo-lo como um fenómeno vivo. Através da análise da pintura graffiti, como fenómeno artístico urbano, vimos que pela cidade fora, todos os dias, indíviduos gritam a sua existência, a sua identidade, e, a cidade não os assimila. A arte, no geral, é uma linguagem universal, no particular, não é lida no mesmo sentido por todos. O graffiti criou um código universal, uma espécie de “esperanto” urbano, para poder comunicar, numa cidade que é exclusiva e que marginaliza os seus próprios cidadãos. Este trabalho deseja ser um olhar sobre este tempo, com as características dele, que diz que a cidade contemporânea é demasiado complexa para ser resolvida por uma disciplina só. Sentimos a responsabilidade, como outros, noutros tempos, sentiram, de nos observar por dentro, numa visão que olha a partir de si, e concluir que, o mundo actual, poderia ser melhor, isto é, quanto mais a cidade integrar, mais riqueza vai produzir, mais conhecimento vai descobrir. Perspectivas de continuidade da investigação: Durante este trabalho tornou-se pertinente estudar a emergência do graffiti, como forma de expressão artística, em termos sociais. A cidade tem que integrar as pessoas. Uma perspectiva de estudo, em termos futuros, seria estudar ao nível urbano, social e artístico, por correlação, o graffiti como forma de expressão natural. Consequentemente, ao reflectirmos nesta 2 Kalle Lasn, Founder of Adbusters magazine in LEWISOHN, Cedar, Street Art _ The Graffiti Revolution, p.115, ll.17 a 21. 143 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. proposição final, novas questões surgiram. Pela sua complexidade e contradição de resposta, concluímos que a investigação pode e deve ser aprofundada. Pintar graffiti é sujar a cidade? E a publicidade? E as inscrições murais? O Tribunal de Viseu condenou esta terça-feira pagamento de 350 euros de multa dois militantes da Juventude Comunista Portuguesa (JCP), pelo crime de dano simples, por terem pintado um mural onde anunciavam o congresso da estrutura partidária (...) A advogada e ex-deputada do PCP Odete Santos, que defendeu os dois jovens, (...) considera que «a propaganda política não está dependente de autorização nenhuma», porque «o local não está proibido por lei (no artigo 4º da Lei 97/88)», criticando ainda o tribunal por fazer uma distinção entre pintura mural e inscrição mural, dizendo que não era uma pintura mural, quando a própria lei se aplica às inscrições e pinturas murais». (...) (...) o caso seguirá para o Tribunal Constitucional ou até para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, «por violação do artigo décimo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem», porque «está em causa um direito fundamental, que é o direito à liberdade de expressão».(...) 3 Durante a reflexão dizemos que a cidade deve integrar as pessoas, deve ver no graffiti um sinal , um problema de identidade com a cidade no seu todo. Por outro lado concluímos que, sendo o graffiti uma expressão artística marginal, ao ser integrado corre o risco de ser destruído. Como perspectiva de investigação sugeríamos ver se este fenómeno deve ser controlado, à partida, ou se deve a cidade tolerá-lo, abrindo-lhe uma porta de expressão. Como é que o graffiti pode ser integrado? O graffiti vive da denúncia, na marginalidade. Se a cidade permitir que ele aconteça, mata a 3 «Viseu: militantes da Juventude Comunista condenados», (11-11-2008), disponível em http://diario.iol.pt/politica/jcpcondenados-pintura-viseu-mural-justica/1011844-4072.html , data de acesso Fevereiro 2009. 144 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. sua essência marginal e efémera. Em contradição de termos, pode a cidade incluir um fenómeno marginal? Como é que este mantém a sua essência quando é integrado? Na expressão artística o indivíduo e a arte estão ligados. Existem iniciativas que levam a arte a diferentes lugares da cidade. O que acontece, é que também se faz arte nesses lugares. Neste sentido, entendemos que será importante estudar o graffiti do ponto de vista artístico e do ponto de vista social. Tendo uma ética própria, o graffiti chama a atenção para os buracos da cidade. Cria um espaço de inquietação e contestação. Se a cidade criar espaços para o graffiti, vai-lhe retirar a sua alma, a sua espontaneidade de intervenção. Do ponto de vista artístico, o graffiti poderia ser lido como uma forma de apropriação, de enriquecimento e de expressão, dos lugares marginais que a cidade renegou, e deve continuar a ter esse papel. O graffiti deve ser entendido como uma forma de arte marginal pois a cidade precisa que este lhe lembre os seus pontos frágeis (a fragilidade do sistema). É uma forma saudável da sociedade se manter coerente, com perspectivas e auto crítica, que lhe é fundamental. Como fenómeno social é um ponto de viragem, ao qual a sociedade deve estar atenta pois mostra-nos que a sociedade democrática, que vive de clichés, não o é, de facto. O graffiti mantém-se à margem porque considera que a sociedade, com os seus valores, não lhe interessa. Continuando sob o ponto de vista social, o graffiti é um fenómeno urbano que nos permitiu chegar a problemas de segregação e de identidade da cidade. É um fenómeno marginal, é um grito de sobrevivência, de afirmação de uma identidade, que a sociedade no seu todo tem que resolver. Estes fenómenos sociais revelam problemas, de integração e de cultura, que têm que ter solução. Por outro lado, se a cidade entender que tem que assimilar este fenómeno, admitimos que ao 145 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. integrar, pode acontecer, como muitos outros fenómenos na sociedade contemporânea, perder a sua espiritualidade mais pura e desaparecer. Dentro das soluções possíveis temos consciência de que a sociedade vai perder, ao assimilar, parte do seu sentido de auto crítica. Uma posição de distanciamento é válida como atitude artística. Os livros de autores como Jean Genet, Apollinaire, Baudelaire, controversos e marginais nos seus escritos, repousam na prateleira destinada à Literatura Clássica Francesa. Significa isto que uma literatura marginal foi integrada, de uma forma subversiva, pela sociedade, e não perdeu a sua natureza marginal. Neste sentido é necessário dizer que não é obrigatório que o fenómeno de integração artística do graffiti seja a solução, porque muitos comunicam com a sociedade, vendo-a à distância. O writer sente-se à margem da sociedade dominante, por isso criou uma identidade. E ele quer integrar-se enquanto artista? O writer ao entrar no mercado da arte deixa de ser marginal? A ambiguidade reside no facto da sociedade contemporânea comprar obras de graffiti, o governo cobrar taxas sobre o material, mas o facto é que a sua prática é ilegal. No graffiti, o indíviduo não se desliga da sua arte. Um writer hoje, tem galerias próprias e expõe as suas obras no mundo inteiro. No entanto, continua a pintar na rua. (figs.113 e 114) 146 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. figs.113 e 114 Banksy, indoor e outdoor, respectivamente. Se existisse um conjunto de regras legais para a prática, os graffitis ilegais acabavam? Pela observação participativa encontramos benefícios ao nível da integração. Um writer integrado vai fazer menos “estragos”, ou pelo menos, mais conscientes, pois sabe que o seu trabalho é valorizado e faz parte integrante. Porém, um writer vai sempre pintar na rua, pois essa é a natureza do graffiti. A sua beleza é não ter regras, e o writer sabe-o. (figs.115 e 116) figs.115 e 116 Evento de graffiti JWMN (Just Writing My Name) que aconteceu na Casa da Música, no Porto, em Setembro 2008. Em cima, graffiti do writer YouthOne, em baixo, tag deixado no sofá dos camarins do evento. 147 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Incorporá-lo na sua vertente artística é no sentido de o conhecer e de o dar a conhecer, pois a sociedade torna-se mais rica quando integra todos os fenómenos que a compõem. Como é que a cidade deve lidar com o graffiti e geri-lo? Deverá existir um regulamento para a prática? Se a cidade tentar controlar o fenómeno limitando-o, é opressora. Se o integrar em absoluto, mata-o. Deve-se então procurar explicar a integração ao nível artístico e ao nível social. Não defendemos a assimilição artística porque ela deve continuar a ter o seu papel, mas, do ponto de vista social, a sociedade tem que integrar estes fenómenos, pois ao alienar-se deles, fica com uma parte amputada. O graffiti é um fenómeno que não pode ser resolvido só em termos urbanos, nem políticos, nem repressivos. As formas de integração seriam definidas ao nível pluridisciplinar. Como possibilidade, entendemos que não deve existir proteccionismo legal com estes fenómenos, devem ser mantidos, isto é, deixa-los ser, nascer, crescer, envelhecer, transformar e morrer. Em termos futuros estudaríamos o graffiti ao nível do controlo legal, o que é que se poderia fazer e que estratégias existem. Aferir, num enquadramento de análise da realidade, como é que o Sistema lida com ele, as soluções que existem e como é que elas podem ser, razoáveis ou problemáticas, como se distingue a arte do vandalismo (pois percebemos que há um descontrolo de apropriação do fenómeno). O que acontece quando é reprimido? E quando é tolerado? Em termos urbanos, estudaríamos as diferentes posições relativamente ao graffiti, os resultados e consequências. Encontramo-nos perante duas atitudes antagónicas – como integrar o graffiti sem o matar? Na presença de um problema que, aparentemente, exige soluções opostas, tentaríamos encontrar, em ambas as premissas, o que não é oposição e transformar isso no meio-termo que vai anular a contradição dos opostos. A solução terá que passar por ir às duas premissas, em simultâneo: 148 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. − não se deve apropriar os fenómenos espontâneos de expressão artística na cidade; − deve-se estar atento aos gritos na cidade, pois são fenómenos que, em termos sociais e urbanos, significam que alguma coisa está a entrar em colapso. Salvaguardando o que é importante para a primeira, não condicionar, não desvirtuar, deve-se ler os problemas sociais para acabar com eles. Aparentemente não existe nenhuma afinidade. Isto é, estamos a desligar o artista da arte. Por natureza, o graffiti é um fenómeno que se apropria da cidade. O propósito seria estudar uma espécie de regulamentação para o graffiti, que não o desvirtue como expressão artística, mas também que este não seja demolidor para o espaço urbano. A cidade é um espaço público, tem que ter leis, regras, pois tem a função de civilizar. Mas a cidade sem estes diferentes fenómenos culturais não fica mais pobre? Não fica mais inconsciente aos problemas dos seus cidadãos? Sendo um fenómeno que emergiu na contemporaneidade, ao reprimir, a cidade no seu todo não perderia com isso? 149 A cidade alienada e a apropriação do espaço urbano _ A razão prática do graffiti numa leitura da contemporaneidade. Bibliografia: ALBERTI, Leon Battista, De Re Aedificatoria, trad. Javier Fresnillo Núñez, Ediciones Akal S.A., Madrid, 1991. AUGÉ, Marc, Não – Lugares, Introdução a uma antropologia da sobremodernidade, 2ª ed., trad. Lúcia Mucznik, col. «Librairie du Xxe siècle», Bertrand Editora, Venda Nova, 1998. 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Fonte: hitchcock.itc.virginia.edu figura 16 Manifestação solidária com as famílias que ocupavam o Sonho Real, contra a violência e demagogia dos governantes, em Março de 2005, no Brasil. Fonte: www.midiaindependente.org figura 17 Los Angeles, em hora de ponta. Fonte: clubepf.blogspot.com figura18 Cartaz do filme Lisboetas (2004). Fonte: www.atalantafilmes.pt2006lisboetasLisboetas.doc figura 19 Cartoon multicultural. Fonte: www.johnelsonartist.co.uk figura 20 Bairro do Lagarteiro, Porto. Fonte: thejpl.blog.com figura 21 Favela da Rocinha, Rio de Janeiro. Fonte: www.travelblog.org figura 22 Favela de Paraisópolis situada no bairro do Morumbi , São Paulo. Fonte www.geocities.com figura 23 Imagem do filme La Haine, 1995, de Mathieu Kassovitz. Fonte: alsolikelife.com figura 24 Primeiro restaurante McDonald's, Illinois, E.U.A, 1955. Fonte: www.mcdonalds.com figura 25 McDonald's em Jaipur (Rajastão), India. Fonte: www.tropicalisland.de figura 26 Vista da Torre da Tv, lado sul, de Brasília, no Brasil. Fonte: www.geocities.com figura 27 Imagens dos motins em Paris, Outubro de 2005. Fonte: mikeymikez1.blogspot.com figura 28 Imagens dos motins em Paris, Outubro de 2005. Fonte: www.cbc.ca figura 29 Imagens dos motins em Paris, Outubro de 2005. Fonte: news.bbc.co.uk figura 30 Motins em Atenas, Dezembro de 2008. Fonte: www.abc.net.au figura 31 Imagens de Nova Orleães atingida pelo furacão Katrina, 2005. Fonte: blog.mccannta.com figura 32 Imagens de Nova Orleães atingida pelo furacão Katrina, 2005. Fonte: www.wingsoflove.orgKatrinaRitaPics.htm figura 33 Subúrbio americano. Fonte: blueroof.files.wordpress.com 159 figura 34 Bronx, Nova Iorque. Fonte: lettres-histoire.ac-rouen.fr figura 35 Barricadas em Paris, 1871. Fonte: blogdojoao.blog.lemonde.fr/2005/08/10/ figura 36 Decreto da Comuna de Paris. Fonte: www.eglise-etat.org figura 37 Habitações operárias na Londres Industrial. Fonte: www.vivercidades.org.br figura 38 Desenho de Gustave Doré (c.1869-71). Fonte: www.vivercidades.org.br figura 39 Sem abrigo dormem nas ruas da cidade. Fonte: revolucionaria.wordpress.com figura 40 Sem abrigo dormem nas ruas da cidade. Fonte: www.infonature.org figura 41 Paris Hilton. Fonte: blogs.smarter.com figura 42 Paris Hilton versus Paparazzi. Fonte: www.dailymail.co.uk figura 43 Catedral de S. Paulo, Londres. Fonte: www.allposters.com figura 44 Protestos contra a especulação imobiliária, Brasil. Fonte: www.midiaindependente.org figura 45 Protestos contra a especulação imobiliária, Brasil. Fonte: www.midiaindependente.org figura 46 Praça D.Pedro, actualmente praça da Liberdade. Fonte: portuense.blogspot.com figura 47 Writer YouthOne, no evento JWMN (Just Writing My Name). Fotografia de autor. figura 48 Dj Kwan e Dj Nel' Assassin, gravação do videoclip Hey DJ dos Mundo Complexo, Lisboa, 2008. Fotografia de autor. figura 49 Breakdance 12 Makakos, gravação do videoclip Hey Dj (Mundo Complexo), Lisboa, 2008. Fotografia de autor. figura 50 Concerto de Rap, NBC, festival Sudoeste, 2007. Fotografia de autor. figura 51 Imagem retirada do vídeo Stress. Fonte: www.booooooom.com figura 52 Imagem retirada do vídeo Stress. Fonte: www.booooooom.com figura 53 Jean-Michel Basquiat, Auto-retrato, 1982. Fonte: EMMERLING, Leonhard, JeanMichel Basquiat, Taschen. figura 54 Incêndios de Paris em prédios ocupados por imigrantes africanos. Fonte: affordablehousinginstitute.org 160 figura 55 Incêndios de Paris em prédios ocupados por imigrantes africanos. Fonte: news.bbc.co.uk figura 56 Incêndios de Paris em prédios ocupados por imigrantes africanos. Fonte: affordablehousinginstitute.org figura 57 Africanos mortos nos fogos de Paris, 2005. Fonte: news.bbc.co.uk figura 58 Casa da Missionárias da Caridade, Chelas, Lisboa. Fonte: www.agencia.ecclesia.pt figura 59 Writers com roupas personalizadas. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 60 Writers com roupas personalizadas. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 61 Writers passam a tarde a desenhar nos seus blackbooks e a ver os álbuns de fotografias dos seus trabalhos. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 62 Capa da revista de hip hop e Elementos. Fonte: neograffiti.org.br figura 63 Grupo Cultural AfroReggae (GCAR). Fonte: diboahiphop.blogspot.com figura 64 Dragon, Nova Iorque, 1982. Mural dedicado a uma vítima de violência urbana . Fonte: COOPER, Martha; SCIORRA, Joseph, New York Spraycan Memorials, Thames & Hudson. figura 65 Comboio atravessa Bronx River com graffiti de Duster, dedicado a Lizzie, 1982. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 66 Writers: Trap com o seu mestre Dez. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 67 Exposição Street Art, Tate Modern, Londres, Agosto 2008. Fotografia de autor. figura 68 Ténis Nike personalizados, inspirados no graffiti. Fonte: www.soleredemption.com figura 69 Rapper Jay-Z. Fonte: crunkquotes.com figura 70 Cartaz do filme Suburbia (1984). Fonte:www.interpunk.com 161 figura 71 Colecção Vivienne Westwood Inverno 2007. Fonte: www.harpersbazaar.co.uk figura 72 Sapatos Vivienne Westwood . Imagem da capa do livro “Shoes: A History From Sandals to Sneakers”. Fonte: www.atlanticbooks.com figura 73 Cavalo (15.000 – 10.000 a.C.). Pintura rupestre em Lascaux, França. Fonte: juniorsieb.blogspot.com figura 74 Lady Pink. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 75 Carruagens pintadas com graffiti, Nova Iorque nos anos 80. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 76 Graffiti de Os Gémeos, Brasil. Fonte: LEWISOHN, Cedar, Street Art _ The Graffiti Revolution, Tate Publishing. figura 77 Graffiti de Banksy, Liverpool. Fonte: LEWISOHN, Cedar, Street Art _ The Graffiti Revolution, Tate Publishing. figura 78 Robert Mose's and The Modern City. Panfleto, 1959. Fonte: www.metropolismag.com figura 79 Cross-Bronx Expressway, Bronx, Nova Iorque. Fonte: wirednewyork.com figura 80 Projecto de JR, em Israel e na Palestina. Fonte: LEWISOHN, Cedar, Street Art _ The Graffiti Revolution, Tate Publishing. figura 81 Graffiti de Seen, 1981. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 82 Barry McGee, Instalação, Meatmarket, Melbourne, 2004. Fonte: LEWISOHN, Cedar, Street Art _ The Graffiti Revolution, Tate Publishing. figura 83 Edifício em São Paulo, Brasil. Fonte: LEWISOHN, Cedar, Street Art _ The Graffiti Revolution, Tate Publishing. figura 84 Os transportes públicos publicitam o writer e a sua obra através da cidade. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. 162 figura 85 Carruagem pintada Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 86 Writer a pintar uma carruagem. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 87 Blackbook. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 88 Tag de Taki 183. Fonte: www.subwayoutlaws.com figura 89 Throw Up. Quik e Sach, Nova Iorque, 1982. Fonte: www.graffiti.org, Interviews & Articles «Graffiti Historia y Introduccion». figura 90 Top to Bottom, Mad, 1982. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 91 Freedom Train, 1976. Fonte: www.at149st.com figura 92 Fasim, graffiti Wild Style, Barcelona, 2003. Fonte: onte: www.graffiti.org, Interviews & Articles «Graffiti Historia y Introduccion». figura 93 Daim, graffiti 3D, Alemanha, anos 90. Fonte: onte: www.graffiti.org, Interviews & Articles «Graffiti Historia y Introduccion». figura 94 Fama. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 95 Fotografia que acompanhava a entrevista do New York Times,de Julho de 1971, a Taki183. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 96 Cartaz de uma campanha da MTA. Fonte:weblogs.amny.com figura 97 Janela de uma carruagem coberta com um painel de publicidade. Fonte: antiadvertisingagency.com figura 98 Graffiti de Greg, Nova Iorque, 1977. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. 163 figura 99 Banksy, One Nation under CCTV. Fonte: www.banksy.co.uk figura 100 Bansky, Brew Period, Festival de Cannes. Fonte: www.artofthestate.co.uk figura 101 Epítaph de Lee, 1980. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 102 Graffiti de Spin, 1982. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 103 Throw-up de Barry McGee, São Francisco, Estados Unidos. Fonte: LEWISOHN, Cedar, Street Art _ The Graffiti Revolution, Tate Publishing. figura 104 Graffiti de Miss Van. Fonte: LEWISOHN, Cedar, Street Art _ The Graffiti Revolution, Tate Publishing. figura 105 Apropriação de Outdoor. Fonte: LEWISOHN, Cedar, Street Art _ The Graffiti Revolution, Tate Publishing. figura 106 Graffiti de Antonio “Chico” Garcia, Manhattan, Nova Iorque. Fonte: COOPER, Martha; SCIORRA, Joseph, New York Spraycan Memorials, Thames & Hudson. figura 107 Graffiti de Seen P Jay, 1980. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 108 Graffiti de Lee, Kel 139 e Futura, Nova Iorque, início dos anos 80. Fonte:LEWISOHN, Cedar, Street Art _ The Graffiti Revolution, Tate Publishing. figura 109 Stop the Bomb, Lee, Nova Iorque, 1979. Fonte: CHALFANT, Henry; COOPER, Martha, Subway Art, Thames & Hudson. figura 110 Banksy. Fonte: www.artofthestate.co.ukBanksy figura 111 Banksy. Fonte: www.banksy.co.uk figura 112 Exposição Street Art, Tate Modern, Londres, Agosto de 2008. Fotografia de autor. figura 113 Banksy, indoor. Fonte: www.banksy.co.uk figura 114 Banksy, outdoor. Fonte: www.banksy.co.uk figura 115 Evento de graffiti JWMN (Just Writing My Name), Casa da Música, Porto, Setembro, 2008.Graffiti do writer YouthOne. 164 figura 116 Evento de graffiti JWMN (Just Writing My Name), Casa da Música, Porto, Setembro, 2008. Tag deixado no sofá dos camarins do evento. 165 DEALEMA, Bofiafobia, álbum Dealema, 2003. What are you here for? I'm here to kill you Hey! Existe um polícia adormecido dentro de cada um de nós E ele deve ser abatido Morre um no Cerco, morre outro em Aldoar É tempo de perguntar o que é se tá a passar Há abuso da autoridade, brutalidade Nas rusgas aos bairros sociais da cidade Agentes intimidam inocentes com cacetetes Dealers despejam droga nas retretes Água! Água! Soam as sirenes Vem um carro dos judites, vem um carro do INEM Rusga, pé na porta, bófia vasculha Não importa, se é gente boa ou pulha Força bruta, seja guna ou puta Tudo em fila, pia fino ou ainda levas com a batuta Geninhos sem cabeça, decapitam a presa Matam com tinto a sede de violência Passam multas, enquanto mulheres ficam viúvas Tão nas calmas, enquanto ressacas roubam casas É só fachada, corrupção organizada Porque o maior furto, é o do polícia corrupto São os guardas prisionais que levam o produto Quem foi dentro também tem acesso a tudo Putos injectam na penitenciária Gajos de pasta ficam em domiciliária A rua não tem medo, da retaliação Para cada acção, existe a reacção Agimos motivados pelo medo Desta nova babilónia, a bófia Agimos motivados pelo medo Podes vê-los bem cedo Engole em seco Não queremos Mas raiva é o nosso estado mental Pois vivemos numa sociedade policial Prejudicial, à saúde emocional Condenam os nossos crimes Cometem outros muito piores E quem se safa?! Quem tem a massa Menores são detidos Por pequenos delitos Numa instituição de correcção Será que a punição levará a algum lado? Sairá curado ou mais revoltado? Não deposito confiança em distintivos nem fardas Somos instintivos eles andam atrás de indivíduos Pacíficos, que rolam o cachimbo da paz Em prol ... São o real inimigo Invadem bairros e guetos Fazem guerras entre brancos e pretos Gajos sem escrúpulos, dos mais corruptos ... mas nós não baixamos os punhos Agimos motivados pelo medo Desta nova babilónia, a bófia Agimos motivados pelo medo Podes vê-los bem cedo Engole em seco SAM THE KID, Abstenção, álbum Pratica(mente), 2006. [Avô de Sam The Kid (samplado)] Ele em mim não manda nada Porque ele é um ordinário que não presta p'ra nada P'ra mim... Mas digam-lhe isso a ele mesmo, Ele p'ra mim não conta p'ra nada porque ele é uma merda Ele não percebe nada disto... Ele só está aqui pa carregar ordens... Mandar? Não. Trabalhe! O povo, unido, jamais será vencido! Yeah, não sou licenciado nem recenseado, Com paciência, há-de aparecer alguém credenciado, com moral Que me faça votar, me faça lutar, me faça notar, E faça esgotar a campanha eleitoral Por enquanto é só comédia, many manipula os média, que se excedem a assustar o nosso povo com medo Eu não voto, eu boicoto, mas crio as horas nocturnas Sei que é o meu futuro, mas não vou acordar cedo Para pôr um voto nulo ao eleger um chulo ou um cherne Ou quem governe só com charme , mas num mês dá um terno E tropeçam, mal começam quando quebram a promessa Não me peçam interesse, vocês não se interessam Eu não preciso de ref lexão eu já, 'tou decidido Eu só voto na verdade e não a vejo em nenhum partido A minha previsão é o privilégio garantido Para um puto no colégio "onde é que 'tá algum conhecido?" Refrão: E eu sou - a percentagem que a sondagem nunca mostra, Eu sou - a mente exausta da miragem mal composta Eu sou - a indiferença e a insatisfação Eu sou a anti-comparência, eu sou abstenção P'ra muitos é defeito, é de facto imperfeito E o respeito vem de fato p'ró eleito, logo, P'ra mim é mais um cromo que só me vai dar um défice Só me vai dar a fome quando eu só quero é peace E ó lefice, aperta esse apelo, é só: loi-no não sou boi, eu sou Conforto no aborto de liberdade de escolha, mas só Oiço é palavras sem acção, ponham uma rolha E acabem com a brincadeira, putos arrebenta a bolha A linguagem não é crua e tendo mais remorsos Eu nunca vos vi na rua a não ser em arredores Ou de urso, o discurso é coincidência Todos querem presidência para ter nova residência É a minha impressão, o meu desabafo Neurónios memorizam na televisão toda a gaffe e o staff Limpa-vos a boca dos beijos que não convencem Vocês vencem, já não pertencem ao povo, pensem um pouco E comecem do início, de novo Alterem e tirem "o sacrifício do povo" E eu devolvo a indiferença para foder partidos e blocos, Eles é que tão em alta, a gente anda aqui a contar trocos Refrão: E eu sou - a percentagem que a sondagem nunca mostra, Eu sou - a mente exausta da miragem mal composta Eu sou - a indiferença e a insatisfação Eu sou a anti-comparência, eu sou abstenção Tu és - justiça postiça que nos pisa a voz É o que nos diz a pesquisa dos bisavós Alguns dizem que o povo unido Não será vencido e aí não duvido [Avô de Sam The Kid (samplado)] O meu pai era um homem inteligentíssimo Não devia nada a estes cabrões destes filhos duma puta... Porque é que eles estudaram e eu não estudei? Porque é que eles têm mais estudos do que eu? Ai não sabes... porque já os pais deles eram mais ladrões que o meu. [Interlúdio do álbum - entrevista (samplado)] [Jornalista] E temos também aqui algumas pessoas que trabalham dentro da prisão e ainda não tiveram oportunidade de trabalhar lá fora. Quando vê os seus colegas todos os dias saírem, fica com vontade também de sair? [Entrevistado] É assim, eu fico com vontade de sair, só que a minha situação é diferente da dele porque eu não sei se vou poder beneficiar do ravé porque a minha pena é pequena e faltame pouco tempo. Mas é bom, é bom ver isto e é bom que mais meus companheiros que aqui estão, e, têm penas maiores, possam beneficiar disso e tanto, temos estado a ver pelas pessoas, as celebridades que tão aqui hoje: a ministra da justiça, o sr. presidente da câmara de Sintra... [Jornalista] Mas não fica com um pouco de inveja todos os dias quando os vê sair? [Entrevistado] É assim, não podemos, não podemos ir por aí, não podemos utilizar esse termo de inveja porque é bom isto acontecer porque além do mais deles começarem-se a reinserir na sociedade, estão a começar a despertar, estão a começar a acreditar que existe outra coisa, que a vida é boa... e a gente vem, vem dum... estámos habituados a um mundo de lá de dentro, que é totalmente diferente deste... e sendo assim, a gente consegue começar a ter mais expectativas, começar a aproveitar melhor a vida. SAM THE KID, Chelas, álbum Sobre(tudo), 2001. Em Chelas... em Chelas. Chelas é o sítio, Chelas é o berço Chelas, o sítio onde eu moro Procuro a verdade e a informação que eu devoro Eu não ignoro , toda a espécie de pessoa Oiço uma voz que ecoa na rotina que enjoa É sempre a mesma coisa que se vive e que se passa E o que mete graça é que não há nada que se faça Queres droga vai à praça, é assim o sistema Porque isto é real não confundas com cinema Tempos tão mudados, nomes sao alterados Mas olhos continuam sempre atrás dos cortinados E ficam na janela se for preciso uma noite inteira Enquanto isso o filho rouba-lhe o dinheiro da carteira Aqui não podes ser otário , tu tens que ser bem vivo E tem cuidado com o monarca do distintivo A cara podre é o escudo que faz a distância Quuando ele se quebra não existe a tolerância Respondo e pergunto, não escondo o assunto Disfarce à parte pondo o sincero mais junto O jovem sonha de perder a realidade medonha Trabalho trás preguiça , preguiça trás vergonha De onde é que vem a censura que eu não vejo o sensor Porque o que eu aprendi é que o talento não tem côr Mostra-me a verdade que tu revelas Porque a minha tu sabes que vem de Chelas Refrão : O sítio onde eu moro, o sítio onde eu vivo, o sítio onde eu páro e fico pensativo, Chelas !! , Chelas !! Chelas !! Os dramas são vários com problemas diários Se és falado por trás então caga nos comentários Porque eu tenho um arsenal de desprezo E tu não vês o teso indefeso porque sentiu o meu peso Consciente do Oriente p'a tuga directamente Yo acorda e sente a brisa porque a rua é exigente A minha inspiração surge numa noite escura Na minha rua nem a passadeira é segura E queres sabe-la? É Manuel Teixaira Gomes, É onde eu vivo e onde conheci muitos nomes Uns bazaram outros baicaram mas ficam Na memória daqueles que não complicam A variedade predomina há de tudo um pouco Do consciente ao louco Do que fighta ... ao que fighta com soco Cuidado com o cusco. Atento porque manca qualquer movimento brusco Chelas tá no sangue, Chelas tá no genes Imagem tá igual , banda sonora , sirenes Vejo pitas confusas com tusas constantes Naquela que o sexo vai fazer delas mais importantes, mais elegantes.. Mas não esse é o resultado Inexperiência faz ela cair em qualquer corvo, coitado Eu penso que se ela fosse minha mana Curtia que abrisse mais a pestana Refrão : O sítio onde eu moro, o sítio onde eu vivo, o sítio onde eu páro e fico pensativo, Chelas !! , Chelas !! Chelas !! Sítio divido em zonas com letras do alfabeto Zonas divididas em lotes com mau aspecto Chibaria em todo lado , tem cuidado Ambiente pesado para um mal habituado Pitas querem ser senhoras , senhoras querem ser pitas Tão bonitas, cuidado é quem tu imitas Os putos de hoje tambem querem crescer mais depressa Mas quando crescem sabem que o tempo não regressa Dá tempo ao tempo, um dia vais perceber A vida é fodida mas tenta vivê-la com prazer Mesmo que custe ao menos faz a tentativa Tentar galar o mundo com outra perspectiva Muitos feitios, uns quentes outros frios Alguns não se mexem outros aceitam desafios Sem atrofios, apenas opiniões Fazem comparações sem nenhumas instruções Confusão nocturna num prédio silencioso Agitação mental quando a zona está em repouso Ref lexão da vida enquanto acendo um porro É aqui que eu nasço é aqui que eu morro Refrão : O sítio onde eu moro, o sítio onde eu vivo, o sítio onde eu páro e fico pensativo, Chelas !! , Chelas !! Chelas !! SAM THE KID, Negociantes, álbum Pratica(mente), 2006. Há para aí bites sem rumos, a cota vai a perfumes... não interessa Todos queremos é números, procuramos um grande Mas para mim por enquanto não tenho pressa Só quero o que baste, para aquilo que eu gasto, para aquilo que eu gosto, O resto pode vir por arrasto, eu mostro um coche frustrado (por quê?) Toda a gente foge do bairro, procura uma falsa felicidade Quando estão a bordo no barco sem ordenado, prefiro fazer enriquecer complexados Porque isto até toca no amor, que me invoca a supôr Que na verdade não sou um bom namorado Eu fujo da idade ,sou criança que sonha Dependo da minha mãe e eu não tenho vergonha Querem que eu ponha a alma à venda, de encomenda Quem não entenda a minha ideia que se oponha Eu não pago a renda, faço a ronda só à zona, até que o sol acende a uma rua que ressona E aí a classe que dá no aço até ao osso já trabalha A minha laia acorda só ao almoço É quando eu finalizo o beat que ontem era um esboço Para pôr melhor o que eu ouço, não há trabalho sem esforço Para ter um maço grosso no bolso e pô-lo sempre vivo É não deixar de estar no activo, esse é o motivo ya Refrão: Faz o que tens a fazer para teres o teu Todos nós sabemos que não cai do céu Se não o fizeres ninguém o fará por ti Esta é a nossa life: We gonna get, our money Enquanto bites lutam em becos e discutam e disputam os egos Boys a quem estão entregues, não há paca só me cravam é pregos Não há paca só se gravam é buteleges para evitar pregos Com bijutaria lotaria é uma ilusão, é uma luta dia-a-dia com pressão E eu oiço quando eu falo com as ruas, O palco das falcatruas, o assalto em duas saídas ao sacristão Ou não é isto que me anseia desde quando veio a moeda europeia Portugal fica à boleia, vem aí a recessão Vamos para a assembleia fazer a recessão, dizer que a coisa está feia E que isto é uma decisão, eu só quero atenção e a compreensão Não quero a vossa redenção e tirem-me esta retenção na fonte Igual a esta fonte é a fonte do vosso banco para gastarem Numa emigrante no elefante branco Vida na cidade trouxe a fossa e ela roça no privado Para que possa pagar a universidade ou casamentos por documentos Por mil euros, ou até quinhentos ajudam para quem tem rebentos O choro não se corre o vazio está à vista e isto é louro e knorr não se pode pôr num recinto recipro-turista É casinos clandestinos com bué paca na montra Respeita ela mas respeita mais o que ela não compra ya Refrão: Faz o que tens a fazer para teres o teu Todos nós sabemos que não cai do céu Se não o fizeres ninguém o fará por ti Esta é a nossa life: We gonna get, our money O que é que vais fazer se o teu sonho não arranca? Abra a tua banca seja pula shit ou branca Ou baza bulir no Mac, paca na 5 aSec, guito vivo ou em cheque Se queres ver pilim, isto é poupanças e cobranças, é damas que fazem tranças Por importâncias simbólicas no fim, então baza bulir no Mac, paca na 5 a Sec, Guito vivo ou em cheque, tem que ser assim Como é Snake? Como é Sam? 'Tou a tentar perceber, há dois anos na rua o tempo passa e nada consigo ver 'Tou a tentar entender, desta escola marada foi uma fachada que me pôs a roer Foram quatro e meio ler, a depender do sistema, que tinha de ouvir calar e comer Nesta vida estou fodido, neste caminho 'tou perdido Procuro tanta coisa que não encontro um sentido 'Tou catalogado, não apago o meu passado, nem o posso meter de lado Sou mais um cadastrado neste mundo civilizado, será que sou culpado? Não chic, fui só mais um sacrificado Sem dúvidas com dívidas, mete isto na consciência Chelas é o local do crime droga e violência, abre a tua banca para atingires a independência A moral da história acabas logo na falência Refrão: Faz o que tens a fazer para teres o teu Todos nós sabemos que não cai do céu Se não o fizeres ninguém o fará por ti Esta é a nossa life: We gonna get, our money César porquê que tiveste de falecer, junto do alto de uma rosa para o irmão do Barbosa Os meus sentimentos, e do mais velho, do verdadeiro, o Snake que o acompanhou nos Afanamentos e o meteu no break Para o Chulas e para o Mama, passem um bom recado, tens os bófias, os , A olhar para ti de lado, eles querem-te fechar, lock down, mas isto não pode ser assim yo A nossa life é essa twent y for seven, 24 sobre 7, a viver sobre pressão Não podemos sair do bairro, eles não nos podem tirar do bairro Nós nascemos ali, nascidos e criados Chelas cit y, zona j forever, thanks Sam. SAM THE KID, P.S.P, álbum Sobre(tudo), 2001. Quanto custa uma vida boa para um inocente? Não tem culpa de ter nascido sem um ingrediente... Importante para viver com dois olhos positivos. Sociedade afasta e cria os fugitivos. Vivendo à margem, duma vida normal, O chamado marginal numa vida ilegal. O fundamental é saber de onde é que vem a causa, Porque ninguém anda nesta merda para mandar pausa. Meios pr'ó objectivo, é uma definição, Porque o que vive bem não dá valor à refeição. Pensa bem então em todos os elementos, Porque nem todos são cabrões sem sentimentos. Pessoas são pessoas, há más e há boas. Ajuda é apreciada mas com desprezo magoas. Uns nascem deitados em berços dourados, Outros nascem com o pai a ver o sol aos quadrados. Prejudicados, com uma figura na ausência. E agora diz-me que aqui não existe a inocência. Todo o dia, toda a vida a tentar, Conseguir o longe sempre devagar. Refrão: Pacientes, sem paciência Vítimas da negligência Sofrimento, causam o susto Lamenta a violência Lema : sobrevivência Tentar viver a todo o custo Pacientes, sem paciência Vítimas da negligência Sofrimento, causam o susto Lamenta a violência Lema : sobrevivência Tentar viver a todo o custo Todos queremos paz e sossego, carro e emprego, Vejo a minha vez, 'tá longe, mas lá não chego. Procuro outra vida, que alguma gente encontra Proposta recebida, com o futuro na montra. Tentação chega e bate com poder, O que é que se perde quando não há nada a perder? Não me entrego ao mundo porque lá sou clandestino, A dor bate à porta com o filho da puta do destino Porque é que vêm tão cedo? Com tanta gente aí é a mim que apontas o dedo? Não minto quando escrevo a mensagem que eu alastro. Samuel Mira, MC sem cadastro. Não sou um astro, nem sou estrela. Vida sem problemas, quem me dera tê-la. Nem consigo vê-la, pela visão, Escola da vida já nem consegue dar lição. Ocupação da vida, como se ocupa? Não se faz nada e isso é que preocupa. De quem é a culpa? É de algum familiar? Não sei quem é mas vou viver custe o que custar. Refrão: Pacientes, sem paciência Vítimas da negligência Sofrimento, causam o susto Lamenta a violência Lema : sobrevivência Tentar viver a todo o custo Pacientes, sem paciência Vítimas da negligência Sofrimento, causam o susto Lamenta a violência Lema : sobrevivência Tentar viver a todo o custo Quando o matrimónio é um ringue, o amor não se distingue. O ódio vê um velório e pede que alguém se vingue. Problemas resolvidos no gargalo da garrafa. Pessoas vão a sorteio para ver quem é que se safa. Um walk para o Sam, microondas pra Maria. Felicidade num dia, muita alegria. Mas esse dia foi muito particular, Porque essa família sempre viveu com azar. Graças a Deus, ou graças aos meus? Aqueles que me apoiaram e não disseram adeus. "Vai bulir.", "Vai estudar.", fala uma voz activa. Mas eu não sei porque que nada aqui já me motiva. Qual é a alternativa? E é se ela existe. É triste, quando à degradação se assiste. Giro com amigos, os de fora chamam bando. É contraditório, mas o crime vai compensando. Aos olhos da lei sou a escumalha, Aquele que legalmente não trabalha. Aquele que faz dinheiro quando calha. O tempo faz escutar as paciências, Vivendo um problema que deixa muitas reticências. Refrão: Pacientes, sem paciência Vítimas da negligência Sofrimento, causam o susto Lamenta a violência Lema : sobrevivência Tentar viver a todo o custo Pacientes, sem paciência Vítimas da negligência Sofrimento, causam o susto Lamenta a violência Lema : sobrevivência Tentar viver a todo o custo SAM THE KID, Realidade urbana, álbum Sobre(tudo), 2001 Realidade urbana é vista no meu planeta / Sonho juvenil que ambiciona dar paleta / Vê o mais velho e dá-lhe o papel principal / Mira o seu futuro numa bola de cristal / Pretende ser igual ao homem que idolatra / Mas na culatra, não aponta a mira exacta / Sente o presente sem um rumo definido / Delinquente, não tem um esquema pré-concebido / Ódio e a inveja divididos num balanço / Movimentos dão-se num cenário de suspense / O dinheiro e a ganância vivem um romance / Esfomeados estão na bicha à espera duma chance / Mentes brilhantes acabam traficantes / Lifam nos becos onde também são vigilantes / Grandes vazantes, feitas com ou sem ..... / Futuro excitantes ou sonhos só por instantes / É um ciclo o do boss e do discípulo / Hoje tás calmo mas ainda queres fazer o título / Que se foda a vida, que se foda a sociedade / Mentalidade, algo que vive em dificuldade/ Orgulho elimina ajuda sem hesitações / Só uma porta aberta com vida sem opções / Esperança ausente da mente limpa pela gente / Que rodeia o meio que não te deixa indiferente / Se não necessitas és otário / Ou tu és daqueles que curte a cena pelo cenário? / A paca extra, a extra paca / Mais uma guita que se saca / Mais um vírus que te ataca / Quando estiveres orientado, vais ver invejosos / A falarem mal de ti, que mandas dicas vaidosos / Yo! Conversas são feitas durante charros / Atitudes e comportamentos bué bizarros / Infiltrado, num universo adversário / Permanente, que era para ser temporário / Tarde demais, quando aparece o imprevisto / Cana dá , nenhuma mãe merece disto !! / Filhos da puta não compreendi o porquê / A darem paleta, já com programas na TV / A tentarem provar que a justiça é deficiente / Mas eles não pensam se fosse com o seu parente / Ah? E se fosse? O que é que tu farias? / Prendias? Ou chegavas à esquadra e mentias? / Desilusão quando vejo a farda azul/ A ser revistado por um sócio que andou comigo na school / Pessoal não bule boy! Pessoal não bule! / Se o mundo é de loucos como querem que eu regule? / Se a paca não cai do céu e o talento não se empresta / Hiphop é tudo o que me resta!!! / Quando houver condições há acções!/ Vamos inventar novas profissões / Tipo Mc, B-boy, Writer, DJ / E fazer do Hiphop, o braço forte da lei / Abre os olhos o sonho acaba.. /Abre os olhos a realidade chama / Realidade chama... VALETE, À Noite, álbum Serviço Público, 2006. Andam na rua sem fazer barulho, à noite Vampiros e canibais mano so andam, à noite Gente equilibrada desiquilibra-se, à noite À noite, à noite, à noite É so p'ra machos, à noite Gatilhos da polícia acordam sempre, à noite Ladrões, killers e dealers, man, são filhos da noite É melhor trazeres colete à prova de chumbo, à noite À noite, à noite, à noite Vida fodida, à noite O sol desce, 19 horas a lua cresce. A temperatura arrefece, mais uma vez a noite f loresce. Melancolia, rua vazia, Monotonia na escuridão que traz a chave pa fechar o dia. Sem energia a noite vem como comunas, Só ganha vida nas colunas das casas nocturnas, Com turmas pluriculturais ruidosas como tunas. À noite visitas aos subúrbios são inoportunas, À noite passa-se tudo mas, pxeee, ninguém viu, Psicopatas coleccionam corpos no fundo do rio, Doentio, a noite liberta o espírito sombrio E betas aristocratas são cadelas em fase de cio. Drogados em barracos vão retardando a ressaca, Macas carregam vítimas de balas e facas, É assim que acontece quando a cidade escurece, Até que a lua desce, 7 horas o sol cresce. Andam na rua sem fazer barulho, à noite Vampiros e canibais, mano, só andam, à noite Gente equilibrada desiquilibra-se, à noite À noite, à noite, à noite É so p'ra machos, à noite Gatilhos da polícia acordam sempre, à noite Ladrões, killers e dealers, man, são filhos da noite É melhor trazeres colete à prova de chumbo, à noite À noite, à noite, à noite Vida fodida, à noite Contacta com o ambiente nocturno mas vem bem comportado, Porque à noite polícias são hooligans mal humorados, Não é imposição da autoridade são satisfações pessoais. À noite, torturas medievais invejam os quadros policiais. Conseguiram eles baixar a criminalidade? Jamais, todas as noites gatunos vêm buscar aumentos salariais. Movimentos ilegais movem-se com todo o aparato, À noite os puros gangs são exércitos da Nato, balas e pugilato. O crime não perde f luidez, casas de narcóticos, São hipermercados ao fim do mês. Vem a lua e vês a metamorfose dos seres vivos, À noite não há omnívoros só há alcoolívoros Depois as consequências já são de senso comum. Automóveis ligeiros são modelos de formula 1, É viver ao pormenor, é adrenalina e suor. Prostitutas batem recordes em maratonas hardcore, Vitalidade mor, numa atmosfera hostil, Gays e transsexuais fazem-se o 25 de abril, Rebelião na escuridão em todas as partes da nação. Skinheads na rua para baixar a taxa de imigração. Só à noite é que os meus negros, Vêm do emprego e à noite é que esses negros, Vão para o emprego, uma horinha de sossego P'ra ver Tv e comer a xota, Mas Tv's às horas nobres são pilhas de shopping center, Deus descansa e deixa a sua voz inactiva, E o vaticano aproveita e faz masturbação colectiva.. ( yo valete, quem te mandou falar dessas coisas man, quem te mandou!!! ) Andam na rua sem fazer barulho, à noite Vampiros e canibais mano, só andam, à noite Gente equilibrada desiquilibra-se, à noite À noite, à noite, à noite É so p'ra machos, à noite Gatilhos da polícia acordam sempre, à noite Ladrões, killers e dealers, man, são filhos da noite É melhor trazeres colete à prova de chumbo, à noite À noite, à noite, à noite. Vida fodida, à noite VALETE, Anti-herói, álbum Serviço Público, 2006. Los que le cierran el camino a la revolución pacífica, le abren al mismo tiempo el camino a la revolución violenta. Só se pode fazer isto uma vez. Eu cresci trancado num quarto com livros de Marx e Pepetela, Alimentado com parágrafos de Nélson Mandela, Foi esta a fonte do ódio que agora já não escondo, Este é o som que eu inalei na voz de Zeca Afonso. Ninguém me separa deste Guevara que eu tenho em mim, E podes ver na minha cara a raiva de Lenine, Eu choro este sangue que devora o espírito, E choca os mais sensíveis, e torna-me num monstro como Estaline. Valete a.k.a Ciclone Underground, nigga O filho do bastardo da vossa opressão, nigga Eu tenho nos meus olhos a cor da insurreição, nigga Sou como Malcom-x com o microfone na mão. Eu desenterro vítimas de genocídio capitalista, E levo mais comigo para a rebelião. Eu sou o primeiro a marchar para esta revolução, Tu és o primeiro a bazar na hora da intervenção. Eu vim para ressuscitar Lumumba, Ghandi e Arafat, E os nossos homens de combate, através desta canção. Pai, eu tatuei no meu peito a Tua imagem, Para respirar através dela a Tua batalha e a Tua coragem. Hoje eu trago nos meus braços a Tua alma e a Tua mensagem, E esses escumalhas não sabem que jamais irão levar vantagem, Nós vestimos a farda de Xanana, E levamos drama de terceiro mundo à Casa Branca. Desfilamos com a mesma gana que tropas em Havana, E com a resistência suburbana, desssa convicção cubana, Toma, esta ira psicopata deste filho de Zapata, Activismo de vanguarda é o registo do som. Eu trago a obstinação com que Luther King abalou, E a mesma solução todo o meu people sonhou. Eu sou aquele mundo novo que Bob Marley cantou, Esboço desse sofrimento todo meu povo guardou. Refrão: Eu sigo este caminho que o ódio abriu para mim E serei um dos guerreiros que aplaudirão no fim Este é o som da revolução que em breve chegará Eu sou anti-herói, que nunca se renderá Eu sou um dos filhos deste mundo que a Luta inspirou No mesmo trilho da mensagem que Cabral deixou Esta é a voz da justiça que um dia se afirmará Eu sou o anti-herói que o povo aclamará Enquanto eu me enveneno com este rancor, Vou pondo balas no carregador para abater esses opressores, Esta é a missão dos peronistas, que eu assumi na hora, Com a determinação que herdei da minha progenitora. Ninguém pára a frente armada que eu comando agora, Combate a escória na alvorada como fez Samora, Eu trago nesta oratória a história dos filhos, Que viram a morte inglória dos pais, E que hoje anseiam desforra. Na Palestina, no Cambodja, Vietname, Angola, No Iraque, Na Somália, Afeganistão e Bósnia, Este é o grito desse mundo que chora e implora Pela justiça dos homens porque já viram que Deus não acorda. Vítimas de quem fez de todo o mundo seu património, Da hipocrisia assassina do FMI e da ONU, É o povo anónimo, cobaia do liberalismo económico, Que sai das amarras eufórico para combater o demónio. Eu sou aquele que vocês chamaram de fundamentalista, Quando eu disse que era um trotskista belicista, Posicionei-me assim contra a América imperialista, Aqui está o vosso kamikaze terrorista. Farto de vos ver sentados, manipulados, Por uma televisão que vos deixa impávidos e formatados, Asnáticos inconformados, fechados e enganados, Otários e atrasados, inválidos e atordoados. Nós estamos do lado contrário nesta jornada Cheia de gente angustiada, Traumatizada por um passado onde foram pisadas, Martirizadas, apedrejadas, excluídas, Extorquidas, extropiadas, cuspidas, Por uma brigada desalmada de parasitas, Que devastaram, arrasaram vidas. E agora vão pagar com a descarga Desta entifada, criada pelos homens que vocês f lagelaram E sobraram com guerra para vingar aqueles que não ficaram. Refrão: Eu sigo este caminho que o ódio abriu para mim E serei um dos guerreiros que aplaudirão no fim Este é o som da revolução que em breve chegará Eu sou anti-herói, que nunca se renderá Eu sou um dos filhos deste mundo que a Luta inspirou No mesmo trilho da mensagem que Cabral deixou Esta é a voz da justiça que um dia se afirmará Eu sou o anti-herói que o povo aclamará. VALETE, Fim da Ditadura, compilação Poesia urbana Vol. I, Horizontal Records, 2004. Revolucionário: Yo, Valete, o people está a preparar um K.O. definitivo à América. Vai haver uma concentração clandestina no México, em Guadalajara… e queremos saber se vais ou não? Valete: Eu sou Valete, bro, e sempre quis ser regicida Sacrificar a vida pela maioria oprimida Sem contrapartida, pela revolução sou suicida Reserva um bilhete de ida para mim, 'tou de partida. E vou contra América que Mao Tse Tung propagandeara Com a filantropia com que Platão revolucionara, outrora Com aquele Marxismo que Trotsky impulsionara Estou farto da senzala, chao, só me galas em Guadalajara. A minha aversão ao imperialismo não sara Não quero fama nem glória, dá-me só uma T-shirt de Che Guevara Põe-me num 747, México aqui vou Viajo lembrando de como a segunda torre se desmoronou. Depois de 15 horas de voo, meu boing aterrou, Já fora do aeroporto, houve um bro que me identificou: “Irmão Valete, eu vim-te buscar para a concentração Entra no carro, só faltas tu para começar a acção” Chegámos ao ponto rapidamente, assim clandestinamente Provavelmente eu nunca vira pela frente tanta gente Era uma cidade subterrânea cheia de dissidentes Só resistentes e combatentes naquele contingente Eu vi Sardar, Saramago, Mia Couto e Chomsky Também vi os mentores do atentado de Nairobi Nipónicos para vingar Hiroshima e Nagasaki Fidel Castro, Arafat, Chavez e Khadafi Activistas do Hamas, Jihad e Hezbollah Zapatistas, Talibãs e bombistas da Fatah. Todos diferentes mas com um objectivo em comum: Acabar com esta ditadura que a América implantou. A sede de vingança deixava todo o exército operante Deram o sinal para nos reunirmos numa sala gigante Em cima do palanque 'tava um fulano que elaborava o plano Com st yle de saudita ou iraquiano, só queria saber quem é esse mano Deixava toda a gente focada enquanto ele liderava (Outro Revolucionário) “Yo Valete é o Bin Laden” (Valete) “Bin Laden?!” Bin Laden, Voz alterada sem barba e com cara totalmente modificada Eu não o curtia mas ele era o que a América merecia Radical sem diplomacia, assim como se exigia Formulou o plano perfeito para a revolução que se pretendia Tínhamos túneis subterrâneos até à cidade de Alexandria Hackers bloqueavam a informação da NSA e da CIA Tínhamos M1’s, F 16’s e muita artilharia, eu ria. (Informador) “Informação! Informação! As bases militares americanas em todo o mundo, já estão controladas pelas FARC , Al Qaeda e milhões de civis revoltosos. O ataque aéreo ao Pentágono está previsto para as 3h e 36 m. Os ataques bombistas serão às 3h e 42 m. A invasão à Casa Branca ficará para 4h e 28m. Já sabem o que têm a fazer!” Era um batalhão de insubmissos para acabar com aquela arrogância ‘Tava incluído na missão: Invasão à Casa Branca Que seria reforçada pelo movimento black panther Garanto que a América nunca vira tanta encrenca Fomos pelo túnel a dentro e chegámos em meio-dia Alexandria tinha como Washington, cidade vizinha E quando lá cheguei era inenarrável o que eu vira América já ardia, rendida à nossa investida. Ficaram na defensiva, deixámos tropas sem vida Éramos só homicidas com ira, topa a chacina Numa outra ofensiva, edifício da ONU caíra Largámos bué de mísseis em New York, Carolina California, Louisiana, Detroit e Virgínia, Georgia, Indiana, Illinois, Pensilvania e Kansas. Às quatro e um quarto já ‘tava tudo controlado Nossos soldados já tinham a Rádio a TV e o Pentágono Passado mais um bocado, Fidel leu o comunicado: “Acabou a Ditadura” Podes crer, é o golpe de estado. E à porta da Casa Branca fiquei com Bin Laden a sós Disse-lhe sem hesitar um coche: Deixa-me liquidar o George Ele esboçou um sorriso e olhou-me fundo nos olhos Sentiu segurança na minha voz e passou-me uma kalashnikov Era só ódio destrutivo na minha cabeça kalash fui exibindo, assim a dar paleta Eu fui o homem escolhido para ditar a sentença Olha o meu peito erguido man, para vingar o planeta Entrei na Casa Branca assim, cheio de moral Nossos snipers iam abatendo a escolta presidencial, eu andava No piso inferior de corredor em corredor Abria porta a porta à procura daquele estupor Vi a porta dos fundos, senti um feeling interior Abri… até que enfim seu ditador! Agora sente o pavor, Vais pagar pela tua merda e pela dos teus antecessores Isto é, pelas vítimas das guerras que vocês fabricaram Pelas bocas que morreram pela falta de pão que vocês negaram Pelo terror que semearam, alastraram, perpetuaram Pelos homens e mulheres que as vossas bombas mutilaram Pelo suor dos trabalhadores que vocês escravizaram Pela alma deste planeta que vocês danificaram. (Tiros) VALETE, Mundo resignado, maquete, 1997. Mundo resignado... Canal 115... Adamastor, Valete, Deixa f luir... Refrão: Mundo resignado já não procura a mudança Caras do preconceito vão mantendo a distância Olhar para quê? Não há mais nada para ver Aqui neste mundo é só nascer p'ra sofrer Onde longe de ser perfeito, sou mais um sujeito Recente no peito, efeito de algo sem sentido (Preconceito) Pensa comigo: se somos diferentes, iguais, não há nada A mais, p'ra quê guerras com sinais? Somos todos irmãos, entre raças e sexos não há distinção Somos todos irmãos, ilusão, só vejo divisão Num planeta de uma só nação Onde está a evolução? Evoluem as máquinas, Atrasam-se os homens, alguns nada comem e morrem No meio de lutas por poder o Homem deixou de crescer Pisam-se uns aos outros, matam-se uns aos outros, Homens loucos, Seria bom se fossem poucos, Mas são todos da nova geração possuída pela ambição. Ricos são venerados, Pobres desprezados, frustrados, por vezes têm de ir pelo escuro, futuro não interessa ao nosso jovem imaturo. Mundo duro e ingrato, no qual mantenho contacto e fiz um pacto de me manter inconformado, neste mundo resignado Velhos lutadores cansados com cara de preguiça, Ninguém conhece a justiça, não há mais nada para ver Aquí neste mundo é só nascer pra sofrer Refrão: Mundo resignado já não procura a mudança Caras do preconceito vão mantendo a distância Olhar para quê? Não há mais nada para ver Aqui neste mundo é só nascer p'ra sofrer Vivemos num mundo em que nada se faz pela paz, Andamos para trás, O negro ainda é mal tratado, por vezes escravizado, Passou a escravatura, mas nada foi ultrapassado Quanto mais escura for a tua pele: mais és rejeitado Rejeitados também os que nascem diferentes: O homossexual: vítima da sociedade actual Obrigado a ficar desprezado neste mundo enfeitado De cabeças envolvidas na sujidade Porque é que entre o homem e a mulher não há igualdade? Porque é que a mentira se sobrepõe à verdade? Porque é que há guerras em todos os pontos da Terra? Porque é que alguns têm de nascer para sofrer? Como é possível acreditar em Deus, Se vivemos num mundo tão cruel? Não posso ser fiel a nada, não consigo acreditar em nada, não me deixam entrada Aqui ninguém te dá valor, ninguém te dá amor, Vivemos num filme de terror Cada um por si e o mundo contra ti Egoísmo acima de tudo Ignorância por trás do escudo Querem fugir... Não sabem p'ra onde Querem fugir... Não sabem p'ra onde Refrão: Mundo resignado já não procura a mudança Caras do preconceito vão mantendo a distância Olhar para quê? Não há mais nada para ver Aqui neste mundo é só nascer p'ra sofrer VALETE, Nada a perder, álbum Educação Visual, 2002. Ontem pequenos rebentos, hoje corações sangrentos Putos sub-16, as ruas são os seus apartamentos Vêm daqueles bairros de má-fama, bairros problema Onde repórteres do drama, não conseguem desligar a câmara Aqueles bairros onde toda a gente reza, mas nunca se vê um sinal Só por baixo da pirâmide é que tu vês a classe social Os bairros onde se faz caridade e onde se nega oportunidades Os bairros onde as mulheres passam a vida na maternidade Putos comercializam todos os narcóticos mas na boca só entra wella Adoram a escola, há lá bué de clientela Roubam carros, casas, lojas com toda a gente a vê-los Ilícito porquê ? As ruas são deles É melhor temeres, evita qualquer confrontação E é melhor saberes que esses putos não tremem com armas na mão Quando aparecem na tua zona, ninguém sai de casa no serão Só as sirenes é que fazem os putos sair do quarteirão Mas eles sabem que respeito nas ruas não é só para quem tem testículos Também é necessário, aparecer na esquadra para encher currículo Isto é a legislação das ruas e fraquejar é sacrilégio É difícil confiar em alguém, ter amigos é um privilégio O povo chama-os de delinquentes, marginais, inconscientes Eles sabem que não têm futuro, mas eles têm o presente E vão sempre vivendo o momento, com a mente, doente ou sã E pensam no dia de amanhã, só amanhã Sistema segrega e gera putos de corações sangrentos Nada a perder, para quem nesta vida vive ao momento Mal amados da nação, produtos de segregação Delinquentes puros, largam ódio em qualquer chão Sistema segrega e gera putos de corações sangrentos Nada a perder para quem nesta vida vive ao momento Mal amados da nação, produtos de segregação Delinquentes puros, não tremem com armas na mão Putos enteados do sistema têm na rua o corpo docente Muitos nunca viram o pai, porque a mãe não fodia bem o suficiente Pai ausente, mas estilo é o mesmo: são pussy - dependentes Sentem amor por todas as chicas, desde que haja uma cama presente Dizem-lhes vá, sente, sexo de forma eloquente Quando elas vêm de barriga cheia, eles são inocentes São muitas adolescentes com gravidez que não sabem a origem Lá nos bairros, aos 14 são lésbicas, se ainda forem virgens Putos seguem a caminhada, sempre com a polícia na interferência E sempre que saem da esquadra, dão entrada nas urgências Não é sarcástico dizer, que isso é pouco ou quase nada Basta um guarda com enxaquecas para perderem o corpo na esquadra Arriscada vida de risco, sempre acidentada A morte bate à porta todos os dias até lhes apanhar em casa Aos centros de reincersão social, eles agradecem tamanha ajuda Lá podem comer, dormir e aprimorar técnicas de fuga São esses putos que durante a noite fazem-te ter mais 5 pernas São eles que fazem cair ministros da administração interna Boas intenções não servem , para quem tem de sobreviver Eles querem tudo, não têm nada a perder Depois é ver a nossa oligarquia, erguer vozes contra esses chavais Que a sociedade marginaliza, e não quer que sejam marginais. Sistema segrega e gera putos de corações sangrentos Nada a perder para quem nesta vida, vive ao momento Mal amados da nação, produtos de segregação Delinquentes puros, largam ódio em qualquer chão Sistema segrega e gera putos de corações sangrentos Nada a perder para quem nesta vida vive ao momento Mal amados da nação, produtos de segregação Delinquentes puros, não tremem com armas na mão VALETE, Os Meus, álbum Educação Visual, 2002. Quando estou falido nem me dão mão para um cumprimento saudoso Quando tenho guito todos querem pôr a mão no meu bolso Sou cauteloso tu não me encaras com nenhum nigga venenoso Eu só respeito bros de 2 caras se for G-pro Quando o meu rap ficou fat eu só vi simpatia Quando era wack eu nem sabia que muitos de vocês sorriam Damas da minha zona só diziam "Bom dia, Boa noite!" Passou para "oi fofinho" 2 videoclips depois Mesmo com cd viam-me sem paca e com um citroen velho Se eu vendesse tipo Da Weasel comia bem mais que um Pac Man Meus amigos são como irmãos e nenhum deles me decepciona Não há traição por maior que seja o cu da minha dama A sanção para traidores é como a de chibos nas ruas Não sou Jesus, não há perdão, nós crucificamos Judas Sempre que há acção, ninguém diz não, todos mostram os dentes Sou tipo África, eu tenho as costas quentes. Refrão: Adamastor, nigga Bónus, nigga Maradona Sílvia, Raquel, Deco e a minha mana Joana Sempre unidos não deixamos apagar a chama Vocês são os meus manos, eu sou vosso Meu crew de sempre, Lamini, Dudu e Mauro Danilo, Hélio, Sílvio, Nelson e o Osvaldo Touché, Arlindo, Saraiva e o meu nigga Paulo Vocês os meus niggas, meus manos Esses abraços e ternura, nada disso é verdadeiro Vossa amizade só dura até paca entrar no meio Só eu não curto os teus actos, não quero acordos nem pactos Porque entre nós é tenso tipo Notorious Big e 2Pac No teu team é só falsos, não te aproximes és nefasto Se quiseres contacto é melhor enviares um fax Afasto-me de vocês porque é só cinismo que eu capto As vossas más vibrações só contaminam o meu espaço Põem valores do avesso, vocês é só negócios Para vocês tudo tem preço, até leiloam sócios Estou fora, para mim só vale honestidade e confiança Um por todos, todos por um é assim que eu faço alianças Estamos ligados na alegria na saúde e na esperança Na tristeza na guerra, na dor, na fome e na doença Garanto, que isto é bem forte e ninguém pode minar Amigos para sempre, até que a morte nos separe Refrão: Meu people de Benfica, Nélson, França Benarrivo Braima, Togu, Nuno, Manel, o Satã e o Ivo Santiago, Diogo, Kulkov, David e Chico O NBC e o Bomberjack O Galy, o Armindo, o Sanchez e o Rodrigo Não esqueço do Barras, do Hugo, e do Ilídio O Du, o Jon, a Patrícia e o Gang Lírico O M e o Lince, o Sam e o Xeg Tu és o nigga do meu lado quando é preciso agir Manténs-me sempre focado para que eu não possa cair Trazes as palavras certas que não me deixam desistir Se a nossa meta é a mesma no fim ainda vamos sorrir Na amizade a matemática faz sempre sentido O teu problema é o meu problema por isso a gente divide Respiramos isto como música que cai leve no ouvido Intensamente, Pratica(mente) como Ace e Sam the kid Ou como o M e o Lince, assim sempre unidos Temos crescido juntos, ainda somos 115 Eliminamos hipocrisias, falsidades e mentiras Só lidamos com a verdade por mais que faça feridas Sinceridade e honestidade são os pontos vitais A gente até discute, mas acaba sempre em Freest yles E assim vai, porque isto amizade sem preço Quando um come todos comem, temos todos o mesmo peso VALETE, Subúrbios, álbum Serviço Público, 2006 Subúrbios.... onde a realidade é sinistra e não dá abvérbios 5 da matina, já todos caminham para o mesmo enredo Porque nos subúrbios o sol levanta sempre mais cedo É um povo escravizado nesta sociedade de extremos Trabalham 2 vezes mais e ganham 2 vezes menos Sentes o cheiro intenso que esses homens trazem no sovaco Porque não há desodorizante que abafe o suor do trabalho escravo Manos encharcam na bebida todo o espírito frustrado Por cada garrafa que cabe é uma esposa com o olho inchado Ainda creditas que o futuro será diferente do passado Aqui não dá para dormir Quanto mais para sonhar, és parvo! Aqui o Diabo choca e actua Às vezes para veres o Inferno Basta abrires a porta da rua Negros dos subúrbios são sempre vistos como gente a mais Para as discotecas africanas eles são pretos demais São 22:00h ainda há gente no trabalho Porque para os suburbanos a lua Levanta sempre mais tarde.... Refrão: Onde a tua mãe aos 14 engravidou Onde o teu pai semeou e não ficou Onde a pobreza penetrou e se instalou Subúrbios onde Deus nunca passou... Onde a polícia espancou e assassinou Onde o meu povo lagrimou e ripostou Onde o meu f low escureceu e congelou Subúrbios onde Deus nunca passou Manos em desespero gritam... Que se foda os empregos Há sempre trabalho nas esquinas do ghetto Vendem doses duras a pobres coitados à deriva E que se armam em heróis e pensam que podem foder com a Heroína Vês milhares deles por aí com uma seringa no braço A investirem a vida num suicídio de médio prazo Momento de silencio para todos os manos que a heroína levou... Chicas querem sempre algo em troca para poder abrir as pernas Mas a única cena que manos têm para oferecer é o esperma São racionais mas raramente racionalizam Acham que a cona é quente demais para usarem camisa Aqui tens de ter cuidado com as pachaxas que tens a merecer Podes entrar cheio de fé e sair com HIV, ouviste! Esses dreads entram em qualquer racha que se abre Por isso aqui nada cresce, a não ser a taxa de natalidade E dos putos que nasçem há uns que nem têm a cara do pai É fodido, têm a cara do melhor amigo do pai Subúrbios... Refrão: Onde a tua mãe aos 14 engravidou Onde o teu pai semeou e não ficou Onde a pobreza penetrou e se instalou Subúrbios onde Deus nunca passou... Onde a policia espancou e assassinou Onde o meu povo lagrimou e ripostou Onde o meu f low escureceu e congelou Subúrbios onde Deus nunca passou Manos saem de cana Mas cá fora não há chance para gente cadastrada Então vão e voltam como se a prisão, fosse uma segunda casa Aqui mães sofrem, porque mães sabem Que a cada 2 filhos que fazem 1 é para as ruas adoptarem Na rua não há futuro, não há amor, não há fé Esses putos roubam para comer bro! E comem bué! Sempre que há drama só contigo é que podes contar Porque 112 aqui pode ser o nº do azar Bófias vêem para os Subúrbios com arrogância e prepotência Por isso é que forças de segurança aqui só trazem insegurança Vêem numa de roubar pretos com armas e cacetetes Há mais Skinheads na PSP que no PNR Mas onde tá tudo mudado não é só levar e cair Manos também estão armados, porque estão cansados de fugir Enrrolam com bué artilharia, prontos para quando o beef estala Bófias têm 7 vidas niggas têm 8 balas Refrão: Onde a tua mãe aos 14 engravidou Onde o teu pai semeou e não ficou Onde a pobreza penetrou e se instalou Subúrbios onde Deus nunca passou... Onde a policia espancou e assassinou Onde o meu povo lagrimou e ripostou Onde o meu f low escureceu e congelou Subúrbios onde Deus nunca passou O people da linha de Sintra, vai sentir este som Tropas da Margem Sul, vão sentir este som Todos os manos que tão de cana, vão sentirem este som Em Odivelas (ODC), St. António, vão sentir este som Em Talaide e Carcavelos, vão sentir este som Manos de Quarteira e Gaia, vão sentir este som Até nos subúrbios de Braga, vão sentir este som A rádio é muito pataqueira para passar este som Subúrbios... Subúrbios... Subúrbios... Bófias têm 7 vidas, niggas têm 8 balas