“O consenso é uma arm

Transcrição

“O consenso é uma arm
ID: 57665151
27-01-2015
Tiragem: 34191
Pág: 12
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 25,70 x 30,61 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 2
“O consenso é uma arm
Cristina Martín Jiménez, que lançou agora em Portugal o
seu livro O Clube Secreto dos Poderosos — Os Planos Ocultos de
Bilderberg, diz que a crise das dívidas soberanas foi fabricada
Entrevista
Leonete Botelho
Ao fim de dez anos a investigar
o Clube Bilderberg, a jornalista
espanhola Cristina Martín Jiménez
lança o seu quarto livro sobre o
assunto. A sua tese é agora que a
crise das dívidas soberanas e a sua
solução — o resgate das economias
reais — foram forjadas nesse clube
restrito que junta políticos e
empresários dos mais poderosos
do mundo. Politicamente
incorrecta, alerta para o outro lado
da moeda: “O consenso é uma
repartição do poder e, como tal,
uma arma contra a democracia.”
Defende neste último livro que
a crise desencadeada depois da
falência do Lehman Brothers,
em 2008, foi provocada por
Bilderberg. Porquê?
Aí foi quando se anunciou a crise.
Mas tinha havido uma reunião de
Bilderberg em 2006, no Canadá,
onde o então presidente da
Reserva Federal Norte-americana
— que mais tarde passa a ser o
secretário do Tesouro de Obama —
disse que ia haver uma crise, que
iam subir as hipotecas e que muita
gente ia perder a sua casa. Disse
também que os mais vulneráveis
iam ser os jovens e as pessoas que
não tinham um trabalho fixo. Em
meados de Setembro de 2008 cai o
Lehman Brothers e 15 dias depois
aparece a solução: o resgate.
Começa a propaganda: vamos
resgatar as economias reais.
Não os bancos.
(risos) Nacionalizaram os bancos
e são os contribuintes que pagam.
É parte da engenharia financeira
que tinham previsto. Com a crise,
surge uma entidade a governar os
países que nem sequer aparece
no Tratado de Lisboa: a troika.
E à frente das três instituições
da troika há três Bilderberg. Os
países mais atacados são os do
Sul, onde dentro do tecido político
há gente muito corrupta, e por
isso são mais vulneráveis. E logo
aparecem fundos de investimento
estrangeiros a comprar as
grandes empresas que, com a
crise, ficaram em saldo. Ocorreu
em Espanha, em Portugal, na
Itália: as grandes empresas
foram compradas por fundos de
investimento que sabiam o que ia
acontecer na Europa.
Mas os chineses também vieram
comprar algumas empresas,
nomeadamente em Portugal,
e não estão em Bilderberg,
seguramente.
Claro, Bilderberg pretende
controlar o mundo, mas ainda não
consegue. Mas estão atentos aos
chineses. Na reunião de Sintra, em
1999, falou-se muito da ascensão
da China, e o objectivo era que
o gigante asiático se juntasse a
eles. Mas a China é um país muito
poderoso, como também é a Rússia
de Putin, e não se deixam dominar.
Muita gente pensa que o Clube
Bilderberg não passa de uma
teoria da conspiração. Porque
acha que não o é?
Primeiro, pelo que significa
conspiração. A palavra está
muito degradada nos meios
de comunicação. Conspiração
significa respirar juntos. Desde o
assassinato de Júlio César temos,
dentro do poder político e da
economia, alguém que tem poder,
quer mais poder e conspira para
o conseguir. O que acontece é que
fizemos uma investigação que
demonstra que há uma campainha
que toca quando há uma reunião
anual que concentra a elite
política, económica, militar, dos
meios de comunicação. O que se
passa lá? Isso não sabemos. Mas o
“Com a crise surge
uma entidade
que não aparece
no Tratado de
Lisboa: a troika,
E à frente das
três instituições
da troika há
três Bilderberg.
Os países mais
atacados são os do
Sul, onde há mais
corrupção”
jornalista tem de estar atento ao
que se passa no poder.
Bilderberg não é a única
reunião secreta de onde não
saem informações públicas,
onde não se revelam as suas
conclusões.
Não é a única, mas é mais
chamativa pela sua natureza.
Porque reúne a aristocracia
europeia, os reis, os chefes de
Estado democraticamente eleitos,
e que se reúnem com os donos
das multinacionais, com a NATO,
com o FMI, com o Banco Mundial,
com a ONU, com os que estão a
fazer a política no mundo. Algo se
passa ali.
Diz no seu livro que Bilderberg
é uma aliança entre a
aristocracia católica, os judeus
e os maçons. Onde estão os
judeus e os maçons?
Os judeus estão na banca e têm
uma cabeça privilegiada para
regular a finança mundial. David
Rockefeller, Henri Kissinger e
outros são de origem e orientação
judia. Há políticos maçons,
como Valérie Giscard d’Estaing,
promotor da Constituição
europeia, Barack Obama.
Obama vai todos os anos a
Bilderberg?
Não, Obama é como um peão.
Foi apresentado em Bilderberg
em 2008, antes da sua eleição
como Presidente dos Estados
Unidos. A convenção é como uma
boda, como a festa onde se vai
falar, negociar, trabalhar. Há um
trabalho prévio. E há católicos,
como Mario Monti, membro do
comité directivo de Bilderberg. Aí
se vê como Bilderberg manobrou
toda esta crise, antes e durante
a crise, quando em Itália, no
auge da crise, se nomeia Mario
Monti primeiro-ministro italiano,
desde a União Europeia, também
controlada por Bilderberg, e ele
sendo membro do comité directivo
de Bilderberg. Há uma relação
directa. Obviamente que se trata
de um catolicismo hipócrita, não é
o catolicismo da rua, das pessoas.
É o catolicismo do poder, veja-se a
monarquia espanhola...
Mas acha que junta maçons e
Opus Dei debaixo da mesma
cúpula?
Há uma coisa que quero
diferenciar: os católicos foram
proibidos de ser maçons porque
são duas ideologias que se
enfrentam. A maçonaria moderna
surge contra o poder estabelecido,
a monarquia e a Igreja. São
inimigos, mas, claro, são aliados
quando lhes interessa. E não há
nada mais interessante do que o
negócio e o controlo do mundo.
Considera que o objectivo de
Bilderberg é criar um governo
mundial. Onde está a liderança,
na Europa ou nos Estados
Unidos?
É mais forte o poder norteamericano. A alma do Clube
é David Rockefeller, que
internamente foi premiado com
a medalha de planeamento
de um mundo feliz. Mas esse
governo mundial está lançado
de forma propagandística e
durante a crise estive atenta a
mensagens que vinham da União
Europeia e de Bilderberg, que à
maioria da população passaram
desapercebidas, com tanto ruído
em torno do medo e da crise.
Essas mensagens apontavam para
que a solução estava no governo
mundial.
O Banco Central Europeu
(BCE) aprovou um programa
bilionário de compra de dívida
pública, e isso aconteceu
quatro dias antes das eleições
ID: 57665151
27-01-2015
Tiragem: 34191
Pág: 13
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 25,70 x 30,61 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 2 de 2
ma contra a democracia”
JOÃO SILVA
na Grécia. Acha há uma relação
entre os dois factos?
Está a ver-se que, além de política,
faz-se marketing emocional.
Ainda há pouco tempo o Fundo
Monetário Internacional (FMI)
estava a ameaçar os gregos para
não votar em tal partido porque o
país iria entrar em colapso. E dias
antes das eleições é anunciado
um programa que vai acabar
por beneficiar a Grécia. É clara a
pressão que Bilderberg, através
do FMI e do BCE, está exercer
sobre a soberania e a livre eleição
de um país.
A verdade é que o mundo
ocidental está muito ameaçado
por muitos focos de conflito e
de guerra. Não é importante
que haja alguma união dos
países para enfrentar ameaças
como o terrorismo?
É o que eu chamo no livro Terceira
Guerra Mundial, e que um ano
depois de o ter publicado também
o disse o Papa. Recordo que, após
a última reunião de Bilderberg,
na Dinamarca em 2014, eu disse
que era a reunião mais bélica que
tinha encontrado em dez anos de
investigação. A presença militar foi
muito forte, estava o comandante
norte-americano da força aliada,
foram convidados os ministros dos
Negócios Estrangeiros, os serviços
secretos, e da agenda constava a
coordenação dos serviços secretos
“Barroso pode ir
para a comissão
trilateral,
outro braço de
Bilderberg, ou para
a ONU. São lugares
adequados
ao seu
curriculum”
ocidentais. Havia realmente
sinais de guerra. Dez dias depois
apareceu de novo um foco de
guerra entre Israel e Palestina e 15
dias depois apareceu o ISIS.
Acha que o próprio Ocidente
está a provocar esses focos de
terrorismo islâmico?
A ideia da Maçonaria é que não
há outra maneira de controlar o
mundo senão através da guerra. E
vêem a guerra como um negócio.
Mas essas ameaças existem
realmente!
O que eles fazem é incrementar
o ódio que já existe. A guerra do
Islão contra o Ocidente nunca
acabou. O Islão quer recuperar
El Andaluz, como o disse o rei da
Arábia Saudita. Eles não gostam
da nossa cultura, do papel das
mulheres, das nossas liberdades,
a começar com a liberdade de
expressão. Essa é uma guerra
bíblica que nunca terminou.
Mas não acha que, perante
essas ameaças, que são reais,
o Ocidente pode aceitar um
governo mundial para dar
segurança perante o inimigo?
O que Bilderberg quer é dominar
todo o planeta, não apenas o
Ocidente. Há negociações com a
China e com os países árabes e a
sede dessas negociações é a ONU.
A ONU é uma tentativa de governo
mundial. A primeira tentativa foi
feita após a I Guerra Mundial, com
a Sociedade das Nações. Depois
com a ONU e agora está, como
disse Javier Solana, na Europa,
que se converteu num laboratório.
É possível que venha a existir
uma nova ONU, aperfeiçoada,
que seria um governo mundial,
que resolveria tudo e à luz do
qual todas as religiões são iguais.
Mas não são iguais. Há religiões
com cultura da vida e outras com
cultura da morte. E há políticas
que defendem a vida e outras que
apontam para a morte.
Como por exemplo?
No auge da austeridade, Christine
Lagarde disse que era preciso
baixar as pensões porque as
pessoas vivem demasiado tempo.
O ministro da Economia japonês
disse que os japoneses mais velhos
tinham de morrer mais cedo,
porque implicavam muitos gastos.
Isso é uma cultura de morte.
As questões demográficas são
tratadas com muita atenção,
porque há a ideia de que
a demografia impede o
desenvolvimento.
No seu livro critica
muito a ideia de consenso,
dizendo que é através dele que
se quer dominar o mundo. O
consenso não é uma coisa boa?
O consenso, o compromisso
é uma repartição do poder. É
uma arma contra a liberdade e a
democracia. É uma palavra chave
de Bilderberg, segredo e consenso.
Com consenso não há democracia,
não há confronto de ideias, não
há alternativa. É a ditadura do
pensamento único.
Diz no seu livro que Durão
Barroso é um poderoso
Bilderberg. Agora que Barroso
deixou a presidência da União
Europeia, o que acha que vai
fazer a seguir?
Pode ir para a comissão trilateral,
que é um triângulo de relações
económicas e políticas entre o
Japão, a Europa e os Estados
Unidos, outro braço de Bilderberg,
onde acabou Jean-Claude
Trichet com um cargo muito
relevante. Pode ir para a ONU,
são lugares onde cabia muito bem
um curriculum como o seu e a
subordinação ao poder como a sua
(risos).
Que aviso faria hoje aos
europeus perante toda esta
teoria conspirativa relativa
à crise, à austeridade e aos
programas de resgate?
A mensagem de que o jornalismo
tem um sentido, ganhámos muito
crédito com a crise, apesar de
grandes meios de comunicação
como a Prisa em Espanha e a
Impresa em Portugal estarem
em Bilderberg. Que abram os
olhos e vejam que nem todos os
políticos são iguais, nem todos os
jornalistas são iguais, nem todos
os meios de comunicação são
iguais, que também em Portugal
têm de ver a importância das
eleições, sobretudo as europeias,
em que a participação é muito
pequena, tal como em Espanha.
Há decisões muito importantes
que estão a ser tomadas na
Europa, estão a tomar a nossa
soberania e nós não estamos
a dar-nos conta. Estamos a
dispersar-nos, não nos estamos a
concentrar no essencial. Não nos
deixemos iludir com pão e circo,
como em Roma. Para construir a
democracia, temos de a defender.
A democracia não é um presente,
não nos é dada, temos de lutar
por ela. Temos de envolver-nos.
Na educação, no jornalismo e na
honradez, que é o contrário da
corrupção.