A vivência paterna de uma perda perinatal: implicações
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A vivência paterna de uma perda perinatal: implicações
1 A vivência paterna de uma perda perinatal: implicações para a intervenção Ana Fonseca Psicóloga Foi sensivelmente a partir dos anos 70 do século passado que se começou a reconhecer o impacto emocional significativo da ocorrência de uma perda perinatal para a família que a experiencia. Como salientam, por exemplo, Badenhorst e Hughes, as investigações nesta área começaram a verificar que a maioria dos pais apresenta reacções de luto após a perda de um bebé, semelhantes às que decorrem da morte de um adulto ou de uma criança mais velha; essas reacções são, no entanto, permeáveis a influências culturais, sociais, e ao próprio contexto socioeconómico (Badenhorst & Hughes, 2007). Esta mudança de perspectiva possibilitou quer o progressivo desenvolvimento de novas orientações, quer o maior interesse teórico e empírico pela vivência psicológica dos pais que experienciam a perda de um bebé. A experiência masculina de uma perda perinatal tem sido significativamente menos estudada do que a experiência feminina; os estudos que consideram também a experiência paterna da perda focam-se sobretudo nas diferenças entre homens e mulheres, e não tanto num olhar mais profundo sobre a experiência masculina de luto por perda perinatal (Badenhorst, Riches, Turton, & Hughes, 2006). Algumas razões parecem estar subjacentes a este facto. Por um lado, a experiência feminina da perda de um bebé é mais reconhecida, uma vez que a mulher está “no centro da gravidez”, experienciando a componente física e emocional da perda, e podendo vivenciá-la como um fracasso pessoal do seu corpo (Leon, 2000; Willick, 2006). Por outro lado, durante muito tempo, foi assumido que os pais não estabeleciam uma ligação afectiva forte com o bebé antes do nascimento, acreditando-se que não seriam tão afectados como as mães em situações de perda, especialmente em casos de perdas numa fase inicial da gestação (Duncan, cit. in Schott, Henley, & Kohner, 2007). No entanto, e cada vez mais, a investigação empírica e a experiência clínica mostram que os pais começam a estabelecer uma relação com bebé ainda durante a gravidez (relação esta que é facilitada por aspectos como o acompanhamento da mãe às consultas, a possibilidade de ver o bebé nas ecografias, etc.). De uma forma geral, a revisão de estudos feita por alguns autores evidencia que muitos pais experienciam luto após uma perda perinatal, manifesto em reacções de choque, raiva, sensação de vazio, solidão e desespero, não surgindo como relevante a dimensão de culpa (Badenhorst et al., 2006); para além disso, de forma consistente, os estudos quantitativos reportam níveis inferiores de luto, ansiedade e depressão nos pais, quando comparados com as mães (Badenhorst & Hughes, 2007; Badenhorst, et al., 2006), embora possa existir uma percentagem de pais que reporta níveis mais intensos de luto (e.g., Zeanah, Danis, Hirshwww.revistaperitia.org Todos os direitos reservados | Reprodução proibida sem permissão do editor 2 berg, & Dietz, 1995). Num outro estudo, menos recente, a maioria dos pais descreveu os seus sentimentos de luto como fortes mas não intoleráveis ou intensamente debilitantes e, para grande parte deles, a duração do seu período de luto mais intenso foi de sensivelmente um mês, apesar de descreverem um desequilíbrio familiar com a duração de cerca de um ano (Hughes & Page-lieberman, 1989). Como principal explicação para estas diferenças, para além da questão da componente física da perda, os autores têm apontado o papel social dos pais, de quem é esperado que sejam fonte de suporte/apoio para as companheiras – após a perda, os homens tendem a acreditar que necessitam de ser fortes e de se focar no apoio à companheira, sentindo-se responsáveis por manter o seu bem-estar. Para além disso, os autores têm também enfatizado a influência de um contexto cultural mais alargado; enquanto é “culturalmente permitido” às mulheres expressar abertamente o seu luto através de diferentes manifestações (choro, isolamento, falar abertamente sobre a perda), também é socialmente esperado que, nestas situações, os homens sejam fortes e guardem para si os seus sentimentos. No mesmo âmbito, os autores defendem que o papel parental é, ainda, encarado como um tópico mais central para as mulheres, pelo que a própria rede social dirige predominantemente a sua atenção à vivência materna da perda (Badenhorst & Hughes, 2007; Badenhorst, et al., 2006; Stinson, Lasker, Lohmann, & Toedter, 1992). As diferenças de género na vivência e expressão do processo de luto podem constituir-se como um precipitante de dificuldades ao nível conjugal. Estas diferenças podem acentuar o isolamento e o sentimento de incompreensão, já frequentemente sentido por cada um dos membros do casal, bem como a incapacidade de prestar apoio ao outro membro do casal – não raras vezes, uma mãe e um pai em luto percepcionam que as suas necessidades e sentimentos não são coincidentes, e que, por isso, não são capazes de corresponder adequadamente às necessidades do outro (Bennett, Litz, Lee & Maguen, 2005; Mander, 2005; Schott et al., 2007). As expectativas de cada membro do casal acerca do processo do luto do outro parecem também ser distintas, e constituem um aspecto relevante para a forma como se desenvolve a relação conjugal. No estudo de Vance e colaboradores (2002), por exemplo, os pais tendem a demonstrar maior aceitação e reconhecimento do sofrimento emocional vivenciado pelas mães, enquanto estas tendem a mostrar desagrado, quando percebem que os pais apresentam níveis menores de sofrimento emocional. As dificuldades podem também colocar-se ao nível da comunicação entre os membros do casal; não partilhando a mesma vivência, cada um dos pais pode tentar proteger o outro, guardando para si os seus pensamentos e sentimentos mais dolorosos ou, por outro lado, pode sentir que o outro não compreenderá ou empatizará com aquilo que está a experienciar. O que expus brevemente nos parágrafos anteriores, fruto de uma breve revisão da literatura na área em apreço, convida-nos a reflectir sobre as implicações clínicas que podem decorrer da vivência dife- www.revistaperitia.org Todos os direitos reservados | Reprodução proibida sem permissão do editor 3 renciada do luto por perda perinatal, em função do género. Desde logo se salienta que as implicações clínicas devem ser consideradas, pelo menos, a dois níveis: individual e conjugal. Ao nível individual, é fundamental que o pai seja integrado no processo de intervenção psicológica, não se considerando apenas a sua dimensão de “cônjuge/companheiro”, mas também as suas necessidades e manifestações individuais, enquanto pai do bebé que faleceu. No contexto de uma intervenção mais individualizada, será importante promover estratégias que favoreçam formas adequadas de expressão emocional acerca da perda – estratégias que sejam mais congruentes com os papéis sociais masculinos e que, por isso, não causem tanta dissonância cognitiva, constituindo-se como menos ameaçadoras para os pais. Adicionalmente, para diminuir a sobrecarga associada ao papel de cuidador que o pai tende a assumir, na fase subsequente à perda, será útil trabalhar estratégias de resolução de problemas e de activação da rede de suporte social – identificando as necessidades de apoio individuais e da família (do casal, de outros filhos existentes), bem como os diferentes tipos e fontes de suporte disponíveis, e a melhor forma de os activar. Ao nível conjugal, a psicoeducação (aos dois membros do casal) assume um papel fundamental, tanto ao nível das diferenças de coping com a perda, como ao nível das manifestações de luto associados a essa perda, e do seu potencial para provocar isolamento e conflito conjugal. Num momento posterior, as estratégias de comunicação entre o casal devem ser objecto de intervenção, sobretudo no que diz respeito à comunicação acerca da perda. Para além disso, a promoção da construção de significados partilhados acerca dessa perda – “o que significou a perda para nós, enquanto casal?”, “o que mudou em nós, enquanto casal?” – bem como o restituir de rotinas e a realização de actividades gratificantes enquanto casal, são também dimensões importantes na intervenção conjugal, para minimizar o impacto potencialmente disruptivo das diferenças na forma de lidar com a perda, existentes entre os membros do casal. Em síntese, as diferenças de género associadas à vivência do luto por perda perinatal existem e devem ser reconhecidas, quer pelos membros do casal, quer pelos Profissionais de Saúde. Esse factor deve ser tomado em consideração na prestação de cuidados à família e, mais concretamente, na intervenção psicológica ao nível individual e conjugal. www.revistaperitia.org Todos os direitos reservados | Reprodução proibida sem permissão do editor 4 Referências Bibliográficas 1. Badenhorst, W. & Hughes, P. (2007). 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(2007). Pregnancy loss and the dead of a baby: Guidelines for professionals. London: Bosun Press. 8. Stinson, K.; Lasker, J.; Lohmann, J. & Toedter, L. J. (1992). Parents' grief following pregnancy loss: A comparison of mothers and fathers. Family Relationships, 41: 218-223. 9. Vance, J.; Boyle, F.; Najman, J. M. & Thearle, M. J. (2002). Couple distress after sudden infant or perinatal death: A 30-month follow-up. Journal of Paediatrics and Childs Health, 38: 368-372. 10. Willick, M. L. (2006). The grief never goes away: A study of meaning reconstruction and long-term grief in parents narratives of perinatal loss. Dissertação de Doutoramento não publicada, Saskatchewan, Saskatoon, Canada. 11. Zeanah, C. H.; Danis, B.; Hirshberg, L. & Dietz, L. (1995). Initial adaptation in mothers and fathers following perinatal loss. Infant Mental Health Journal, 16(2): 80-93. www.revistaperitia.org Todos os direitos reservados | Reprodução proibida sem permissão do editor