Cavalo do Gelo

Transcrição

Cavalo do Gelo
Prólogo
NodiaemqueAlexandre,oGrande,comapenasdozeanosdeidadenaépoca,desafioue
domou o garanhão Bucephalus, eu sabia que ele estava destinado a ter um futuro
extraordinário. Mas eu não sabia, então, que os nossos destinos se entrelaçariam para
sempre.
Euestavaàprocuradeumcavalodebatalhaquefosseforteedeboarecuperação,esabia
queumnegociantedaTessáliaestavaacaminhodacortedeFilipeII,ReidaMacedônia,
para apresentar seus melhores cavalos. Imediatamente, notei um garanhão preto e
impressionante,deolhosqueirradiavamorgulho,tãoimpetuosoquantoforteequenão
deixavaninguémseaproximar.“Euqueroaquele!”—gritou,arrogantemente,Alexandre.
“Eleseráseusevocêconseguirdomá-lo,meugaroto”—disseReiFilipecomumsorriso
malicioso.
Omeninohaviaentendidointuitivamentequeocorcelnãotinhamedodenada,alémda
suaprópriasombra.Emumúnicomovimentoágil,Alexandremontounocavaloe,depois
de uma luta de resistência, conseguiu virá-lo em direção ao Sol, amansando a fera.
Bucephaluseraumdaquelescavalosquesóobedeciamaumúnicomestre,eeusabiaque
eleserialealaAlexandreparasempre.ReiFilipe,então,profetizoualgumaspalavras:“A
Macedónia não será suficiente para satisfazer a sua fome; você terá que conquistar o
mundointeiro!”
AlexandretinhavinteanosdeidadequandoReiFilipemorreu.Euhaviasidoempregado
aseuserviçoehaviametornadoseufielguarda-costas.Elepossuíatodosostraçosdeum
heróidaIlíada:carismático,ambicioso,intemperadoebruto,mastambémeducadoeum
inteligenteestrategista.Aristóteleshaviaaceitadoserseuprofessoreseusensinamentos
deramfrutos.QuandoAlexandreanunciouasuadecisãodeconquistaroimpérioPersa,
40.000soldadosgregosemacedôniososeguiramsemhesitação.
Logo antes de partir para a guerra, Rainha Olímpia, uma poderosa sacerdotisa de Zeus
que dormia rodeada de cobras e era temida por todos, costurou um objeto cilíndrico,
protegido por pele de cobra, nas abas da sela de Bucephalus. Ao redor do pescoço de
Alexandre, ela amarrou um colar ornamentado com uma estrela de cinco pontas,
entalhado com símbolos incompreensíveis, o qual escondeu dentro de seu peitoral. Em
seguida,elamefezjuraramaiordaspromessas:
“Ptolomeu,euconfioatiaproteçãodomeufilho.Eleseráinvencívelnocampodebatalha
enquantomontarBucephaluseater-seaesteselodeonipotência.Certifique-sedequeele
nuncaseseparedoselo,eeuprevejoquevocêsetornaráoreideumavastaterradistante.
Seusdescendentescontinuarãoaprosperarporcentenasdeanos”.
Emoitoanossoboseucomando,nósderrotamosospersaseosmedos,mesmoestando
em menor número. De guarda-costas, virei tenente e, então, general. Nós éramos
invencíveis.MasasededeAlexandreporpodereglóriaeramuitograndeedevastadora,o
queofezperderarazão.Semumgovernoforte,osreinosquehaviamsidoconquistados
foramtomadospelocaos.Ograndeconquistadorestavaobcecadocomomedodatraição
do seu próprio povo e costumava ter episódios incontroláveis de raiva. Seus olhos
coloridos ardiam devido à loucura, e ele executava qualquer um que contestasse suas
ordens.Foiquandoeleapunhalouseusdoisempregadosmaisleais,quevieramimplorar
para que ele deixasse as tropas exaustas voltarem para casa, que eu decidi interferir e
quebrarojuramentoquefizaOlímpia.Foiadecisãomaisdifícilquejátivequetomarem
todaaminhavida.
Na noite anterior à batalha contra os indianos, uma batalha que eu sabia que não se
poderia vencer, eu consegui drogar Alexandre e Bucephalus. Perdemos um grande
número de homens e cavalos durante a batalha contra arqueiros indianos, posicionados
em suas torres de madeira montadas em elefantes de batalha invencíveis. Alexandre,
apesardeenfraquecidopelosefeitosdasdrogas,estavadeterminadoeobrigouastropasa
continuarem lutando. Bucephalus caiu ao confrontar um elefante, e Alexandre caiu
inconsciente.EuordeneiqueoexércitorecuasseeretireiAlexandreemumamaca.Mas,
antes,retireioselodepoderequebreicadapontacomaminhaespada.Cincocavaleiros
de confiança foram encarregados de levar uma ponta da estrela para o mais longe
possível,assegurandoqueninguémjamaisconseguissejuntartodasapartesdenovo.O
quintocavaleiro,meumelhortenente,montouBucephalus,aindadesorientadopeloefeito
dasdrogasedaqueda,epartiuprontamenteparaumdoscantosdaTerra.
Alexandre ordenou que a cidade de Alexandria erguesse uma estátua de Bucephalus no
localondeelefalecera.Elenuncafoiomesmodepoisdisso.Abandonamosaconquistada
Índia e recuamos. Alexandre morreu de malária na Babilônia, um pouco antes de seu
aniversáriodetrintaetrêsanos.
AsprofeciasdaRainhaOlímpiatornaram-serealidade;eumetorneioReidoEgito.Do
topo do farol que ergui no porto de Alexandria, a cidade fundada por Alexandre, vejo a
extensãodoseureino,queprosperousobomeucomandoenquantoprocurava,também,
serjustoeterrespeitopeloscostumesegípcios.Euacabeidecelebraromeuoctogésimo
aniversário e, em minha longa vida, nunca vi nenhum dos cinco cavaleiros de novo. O
mundo é muito grande para uma única pessoa tentar governá-lo sem causar a sua
destruição. Eu rezo a Zeus e Amun para que, até o fim dos tempos, ninguém reúna os
cincofragmentosdoselodeAlexandre,oGrande.
MemóriasdePtolomeuISóter,aproximadamente285a.C.
-1Altaïr, eu sou um idiota. Eu devia ter ouvido seus conselhos. Você, que está sempre
preparado para galopar sem limites, parecia inquieto, balançando sua cabeça e batendo
suacaudaparamefazerentenderqueochãonãoeraseguroabaixodestanevetraiçoeira.
Depoisdagrandesecadoverão,esteinvernotemsidoparticularmentelongoesevero,e,
no dia em que eu decidi encará-lo, uma tempestade branca nos atingiu. Cego pela
tempestadedeneveeareiadaSibéria,eudesciearrasteivocêcomigo.Vocêseempinou,
arrancandoasrédeasdasminhasmãose,derepente,ochãosemoveusobosmeuspés.E,
agora, estou jogado no fundo dessa fenda de rocha e gelo, indefeso e sozinho. Como eu
vousairdaqui?
Paredetrotaremcimadafendaouvocêvaiacabarcaindotambém!Váprocurarajuda.
Volteàtendaeconteparaaminhafamília.Você,Altaïr,queganhouacorridadecavalos
jovens comigo no festival nacional de Naadam. Você que carrega o nome de uma das
estrelasmaisbrilhantesdaconstelaçãodeÁquila.Elesseguirãovocê.Vá!Voe!
Meugaranhãodeixaescaparumrelinchodeagoniaantesdesevirareseguirdevoltapara
oacampamento.EurezoaTengri,oinfinitocéuazul,paraqueaajudacheguelogo,antes
quemeucorpocongelenestetúmulogelado.
Eu mexo meus dedos, protegidos por botas revestidas com lã de ovelha. Eu tensiono os
músculosdaperna;elesaindaparecemestarbem.Tentomesentar,masumadoraguda
nomeupeitoeombrodireitomeimpededecontinuar.Eunãoconsigomexermeubraço
direito;devoterdeslocadomeuombro.Bem,poderiatersidomuitopior.Respirofundo,
ranjoosdentesejogomeupesoparaoladoesquerdoparaconseguirmelevantar.Alguns
pedaçosderochacaem.Euosescutosedeslocandodasparedesdafendaantesdosilêncio
abafadoretornar.Nãoouçonadaalémdosanguepulsandoemminhastêmporas.Euolho
em volta da minha prisão gelada, procurando uma forma de escapar. Estou em uma
pequenasaliência,unsquatrometrosabaixodapróxima.Asparedesrochosassãolisas,
raiadascomáguadedegelo,agoracongeladaspelofrioedurascomovidro.Nãoconsigo
enxergarnenhumapoionaturalquemepermitaescalar.Aocair,perdiminhabolsaque,
claro,continhaalimento,umacordadecrinadecavalo,fósforos,binóculos,umatigelae
uma faca. Eu retiro minha luva esquerda e examino os bolsos do meu casaco, agora em
frangalhos. Em um deles, encontro pedaços de coalhada seca, os quais eu devoro sem
pensar. Este queijo seco me dará um pouco de força. O outro bolso está furado,
totalmenterasgado.Estoutãodesamparadoquantoumpiolhoemcabeçadecareca…
Hmm, será que consigo usar um pedaço afiado de rocha como gancho? Agitadamente,
examino a saliência rochosa em que estou apoiado. Nada além de neve, cascalhos e as
gotasdesanguequepingamdomeunariz.Furioso,chutoaneve.Evejoumacobra!Eu
recuoinstintivamente.Seelaacordassedesuahibernação,eupareceriaumidiota.Como
é a minha única companhia nesta fenda, eu a observo mais de perto. Eu a empurro
gentilmente com meu pé, e a sua pele se desintegra levemente, revelando um brilho
bronzeado embaixo. Eu cutuco o animal novamente, libertando da carcaça um cilindro
metálicodeumpalmodecomprimento,parecidocomumpequenorolodemassa.Eume
agacho e pego o objeto cuidadosamente. Parece sólido e compacto. Eu o seguro firme e
testooquãoresistenteébatendocontraochão,cadavezcommaisforça.Eaesperança
começaacresceremmim.Talvezmesirvadeganchodeescalada!
Mas,antes,precisorecuperarmeubraçodireito.Eufirmoospés,girootroncoe,emum
movimentoligeiro,jogoomeuladodireitocontraaparederochosa.Umapontadadedor
viajadacabeçaaospés,fazendo-meuivarcomoumanimalselvagem.Lágrimasembaçam
minhavisão,eeucaiodejoelhos,semfôlego.Lentamente,recuperomeussentidosetento
movimentarmeubraçodireito.Adorédiferente,fracaeconstante,maseuconsigousar
meubraçonovamente.Comcuidado,ficodepéerespirofundo.Euvouconseguir!
Usandomeumachadoimprovisado,eubatonoscanaisdeáguacongeladaqueescorrem
pela parede, criando fendas largas o suficiente para encaixar meus dedos nelas. Lenta e
metodicamente,lutandocontraadorqueirradiapelomeuombro,escaloospalmosque
meseparamdasaliênciarochosaacima.Eudescansoporumtempo,agachado,ofegante,
mas orgulhoso desta primeira vitória. E, então, olho para cima: se eu continuar nessa
velocidade,levarei…Droga…Pelomenostrêsdias,semparar,parachegaraotopo!
Eulutocontraodesesperoquetomacontademim.EupensonomeubravoAltaïr.Seique
ele encontrará o caminho de volta para as tendas. Mas quanto tempo levará até meus
salvadoresmeacharememetiraremdesteprecipício?
Meus batimentos cardíacos lentamente voltam ao normal, enquanto eu permaneço
deitado na pequena saliência. Mas a dormência nas minhas extremidades me força a
levantar.Fazernadafarácomquemeucorpoeminhamenteadormeçam,eeupegareino
sonosemperceber.Vamos!Euprecisolutar,continuaraescalar,sentir-mevivo,mesmo
que eu só consiga subir mais alguns palmos. Mas, antes, preciso beber alguma coisa.
Usandoocilindrodemetal,quebroalgunspedaçosdegeloeosdeixoderreteremminha
boca. Eu examino a parede para escolher onde abrir mais buracos. Hmm… Parece que
temumbrilhometálicoumpoucomaisacima,umtipodeespelhodegelomuitomaiordo
queasveiasgélidas.Usareiaquilocomopontodereferênciaecomolocalparadescansar
porque, talvez, eu consiga improvisar uma base lá. Eu me concentro nessa meta, e,
teimosocomoumcavaloqueriscaaneveàprocuradegrama,eucontinuominhasubida.
Cheguei neste bloco de gelo na hora certa; sinto meus músculos começarem a parar.
Suspenso no ar, eu martelo a superfície como um louco, fazendo cristais translúcidos
voarem para todos os cantos. O gelo racha e estala. Minhas pálpebras estão quase
fechadas para evitar que os cristais afiados acertem meus olhos. De repente, o som do
ganchonogelomuda,evibraçõesressoampelomeubraço.Écomoseeutivesseacertado
umtambor.Anãoserqueocansaçotenhacausadoumzumbidonosmeusouvidos.Abro
osolhosecomeçoabaternovamente:osoméreal!
Intrigado,abromaisduasfendasparameerguerequasecaioaterrorizadoaoveroque
estáàminhafrente.Noburaconogelo,vejoumaneldemetalpresoaumafaixadecouro.
Eu levanto o olhar e me deparo com um rosto horripilante, que me encara com olhos
opacos…
Umcavalocongeladonogelo!
-2Há quanto tempo estou imóvel em frente a este cavalo congelado? Ele deve ter sofrido
uma queda horrível, mas foi menos afortunado que eu… coitado. Ao menos por
enquanto…
As paredes acima são de rocha sólida, impossíveis de escalar. Pensamentos incoerentes
começam a palpitar em minha mente. A luz do dia está desaparecendo e, ainda assim,
borboletas coloridas voam ao meu redor, trazendo sorrisos aos meus lábios. O inverno
acabou,agramaverdeemaciabrotapelotapetebranco.Papoulas,ranúnculos,miosótise
violetas exibem seu desejo descarado pela primavera por todas as montanhas da
Mongólia. Mas meu devaneio logo se esvai, provocando calafrios em meu corpo. Não,
não! O inverno não acabou. Eu estou perdendo a cabeça e talvez nem veja a próxima
primavera.
Como é possível que eu, Battushing, um estudante de computação da Universidade
NacionaldaMongóliade17anos,encontro-melongedaanimaçãodacapital,UlanBator,
paramorrerdefrionasmontanhasdaMongólia?
Eumeconcentronasminhasúltimaslembranças.Umaviagemdeônibusdedezhorasem
umaestradaesburacadaparachegaràsestepes,seguidadeumacaminhadadeduashoras
atéoacampamentodeinvernodaminhafamília.Meucavalo,Altaïr,umgaranhãocorde
café torrado com manchas cor de cereja, crina preta e brilhosa, separava-se da manada
galopando em minha direção, relinchando alto. Um reencontro emocionante… Ele
encostandoacabeçanomeupescoço,empurrandoofocinhocontraomeupeito,virando
erodandocomoumfilhote,antesdevoltaracolocarafrontenomeuombro,respirando
pesadamente.Euoacariciei,abraceieconverseicomelegentilmente.Comoeusentiraa
suafalta!
Altaïr me escoltou até as tendas, cavalgando felizmente. Minhas três irmãs mais novas
correramemminhadireção,quasemederrubandonochãodevidoàssuastentativasde
serem as primeiras a pular nos meus braços. Minhas pequenas haviam crescido mais
ainda. Minha mãe, Daguima, segurou-me em seus braços antes de contar que meu pai
partira para uma reunião de criadores de cavalos nas Montanhas Altai. Mas que ele já
devia estar voltando. Eu me lembro da minha decepção; eu tinha tão pouco tempo! E
quando menos espero, minha mãe me agasalha com roupas tradicionais, protegendo
meuspéscomtirasdefeltroquesetornambotasatéaalturadostornozelos.Elaesperaeu
subirnoAltaïr,colocaumabolsadesuprimentosnomeuombroeespalhagotasdeleite
emhomenagemaosespíritosdosnossosancestraisparameproteger.Euacenoparaelae
partogalopandoaoencontrodomeupai,paracontá-losobreasótimasnovidades.
Gantulga, meu pai, tinha orgulhoso demais das tradições para usar um telefone celular.
Felizmente,Daguima,minhamãe,conseguiuconvencê-lodecomprarpainéissolarespara
que pudessem ter eletricidade como a maioria dos nômades. E uma antena parabólica
paraacompanharasnovidades,assimcomonovelascoreanasnatelevisão!Ah,meupai.
Nãopoderiamterarrumadoumnomemaisapropriadoparaele,quesignifica“coraçãode
aço”. E consegue ser mais orgulhoso do que Genghis Khan! Qual será a reação dele
quando eu contar a coisa incrível que aconteceu comigo? Graças aos cursos de
computaçãoon-lineoferecidospeloMIT,oInstitutodeTecnologiadeMassachusetts,eao
projetoqueeudesenvolvicomaajudadeprofessoresealunosnaUniversidadeNacional
daMongólia,oMITmeofereceuumabolsaescolarquemepermitiráfazerpartedocorpo
discente.Vereiorgulhonorostodomeupaiousuafriezamefaráficarcomoestecavalo
congelado?
Já é noite? Posso ver as primeiras estrelas brilhando, e o cavalo do gelo relincha para
saudá-las.Primeiroeuoescutocavalgar;agoraelefalacomigo.Esfregomeusolhoscom
as mãos dormentes. O cavalo do gelo continua imóvel. Deve ter sido uma alucinação
causadapelahipotermia.
“Battushig!Aguentefirme!Viemossalvá-lo!
Um som metálico tine pelo silêncio abafado das montanhas. Através da névoa no meu
cérebro, consigo perceber dois pontos brilhantes se aproximando lentamente. Consigo
escutar vozes me encorajando. Uma cadeia de pontos fica cada vez maior. Segurando
picaretasecommosquetõesecordasaoredordascinturas,membrosdaminhatribose
aproximamdemim.Meuirmãomaisvelho,Gambat,líderdoacampamentonaausência
domeupai,ergue-meebatenomeurostoparaajudarosangueavoltaracircular.Como
que me resta de força, aponto para o cavalo preso no gelo. O reflexo da lanterna de
Gambat no gelo me cega. Meu irmão quase me derruba com o espanto, mas ele se
recuperaeeuosintoamarrarfaixasemmim.
“Altaïrnosguiouatévocê,seuimprudente!”
Achoqueconseguidarumsorrisoantesdeperderaconsciência.
-3“Acordou?Finalmente!”
Eu escuto uma voz suave me chamando. Sinto alguém acariciando o meu braço, e meu
coraçãodispara.ÉSalonqa,minhaamada,ameninaquesempreameieporquemnunca
pudeconfessaromeuamor.Achoquevoucontinuarfingindoqueestoudormindo!
Sintodedospassandopelaminhabarriga,fazendocócegasatéeuabrirosolhosecomeçar
arir.Risosquesetransformamemchoro:
“Ai!”
“Desculpa!”—dizSalonqa,desculpando-se.“Euesqueciquevocêestavamachucado!”
Imagensdaminhaquedaedomeuresgatevoltamdeformaconfusa.Estounohospital?
Não… Reconheço as paredes arredondadas de madeira, as ripas cobertas de feltro da
nossa tenda, as tapeçarias com formas geométricas coloridas nas paredes e o cheiro de
ensopadodecarneironofogão.Meuestômagoreclamaimpacientemente!
“Não foi tão ruim. Poderia ter sido pior” — digo, levantando as mão e descobrindo que
elasestãoenfaixadas.
“Hmm… Você deu sorte, de acordo com o médico. Apenas algumas costelas quebradas.
Mas por causa das queimaduras causadas pelo frio, você não poderá mais usar um
teclado…nemmesmocomospés!
Salonqa tira um espelho da mochila, passando-o pelo meu corpo como um scanner. Eu
examino a gravidade dos ferimentos. Ataduras em volta do meu peito por causa das
costelasquebradas,mãosepésenfaixadoscomocriança,emeurosto…umamisturade
escoriações pretas, roxas e amarelas. Não é nada bonito de se ver. Então mudo de
assunto:
“Eomeuirmão?EoAltaïr?”
“Elesestãobemeestãoloucosparatever.E,comovocênãopodeselevantardacama,
seupreguiçoso,eutetrouxeumpresente!”
Salonqa coloca cuidadosamente algo na minha barriga. É o meu computador, o que eu
deixara na universidade! Ela não poderia ter me deixado mais feliz! Mas como vou
digitar?
“Seus colegas de classe fizeram um pequeno ajuste!” — anuncia alegremente Salonqa.
“Comandosdevoz.Telembraalgo?Vai,experimenta!
Eu estava mais do que disposto a experimentar, pois eu já adaptara um programa de
reconhecimento de voz para a língua mongol e criara um manual para ajudar crianças
nômades das estepes e das montanhas a aprenderem a ler e escrever. Nosso governo se
empenhouparamelhorarainternetacabonopaís,portantotudooqueosnômadestêm
defazeréligaroscomputadoresdeleseconectá-losaumdosdiversosrelésespalhados
pelo país para trabalhar e progredir. Eu sou tão grato por ter tido a oportunidade de
usufruir dos cursos gratuitos à distância do MIT, que queria ajudar crianças do meu
própriopaísausarestemodelo.Éumpouco…digo,émuitoatépara…GraçasàSalonqa,
filhadeumcriadorderenasdataigasetentrional,agoraestudanteuniversitáriadevidoà
suaforçadevontade.Apaixãodelaemensinarétãocontagiosa,elaétão…
“Vamos,vocênãoestáolhandoparaumaestátua!Façaalgumacoisa!”
Euobedeço,ficandovermelhoapesardasescoriações.
“Ligar.”
Ocomputadorobedeceimediatamente.Atelarevelaumaimagempanorâmicadasalade
aula na Universidade de Ulan Bator. Meus colegas de classe vibram de emoção até que
meumestre,ProfessorTemudjin,aparecenatelaeossilencia:
“Estamos felizes que você está bem,” — diz ele, acenando. “Isto,” — ele diz, apontando
paraacâmeranaparededasaladeaula,“significaquevocênãoperderánenhumaaula.
Sejabem-vindo.Bem,vamoscontinuar,”—elefinaliza,sumindodatela.
Ah, a famosa discrição mongol! Mas eu pude notar o quanto ele estava feliz, meu
professorquerido.Elemecontratoucomoassistente,oquemepermitiufinanciarmeus
estudos sem nenhum custo para os meus pais, e ele nunca parou de me encorajar. Eu
devo tudo a ele! Salonqa diz que ele não tem filhos, que decidiu dedicar-se aos alunos,
apoiá-losmesmodepoisqueelesterminassemseusestudos.E,então,acabouarrumando
umafamíliaextremamentegrande,umaqueélealegrata.
Hmm…Temumíconedeinformaçãopiscandonotopodatela.Otermosdebuscaqueeu
programeimepermitemfiltrarofluxoimensodenotíciasinternacionais.Douocomando
devozparaabri-lo,eimagensaovivocomeçamasertransmitidas.
“Notíciadeúltimahora.Umdescobertaincrívelempolgouomundodospaleantropólogos
epesquisadoresdehistórianatural.Apósoacidenteenvolvendoumjovememumafenda
nogelo,nasMontanhasAltaidaMongólia,ocorpocongeladodeumcavalofoidescoberto
e identificado como uma raça que, provavelmente, foi extinta há muitos anos. O corpo
parece estar bem conservado. Cientistas da Academia de Ciências de Ulan Bator
construíramumlaboratóriodeobservaçãoimprovisadopertodolocaldadescobertacom
aajudadeespeleologistas.Deacordocomasestimativasiniciaisdoscientistas,ocavalo
deve ter vivido entre 2000 e 2500 anos atrás. A busca nas montanhas continua para
encontrarocorpodoseupossívelcavaleiro…”
“Ei! É o Jargal!” — Salonqa exclama repentinamente, apontando para um belo rapaz
dentreoscientistas.Eleestáficandocadavezmaisbonito…”
MinhamandíbulaseapertainvoluntariamenteaoouvironomeJargal,oexdaSalonqa.
Eu odeio ele, aquele Don Juan. Claro, ela acabou o largando por ser tão infiel, mas ela
aindasofriabastante.Eeureceioqueelaaindagostedele…Numsurtoderaiva,euestico
os braços para fechar as imagens, mas, por causa dos curativos, acabou jogando o
computadorlonge.
“Vai com calma!” — ri Salonqa, colocando o computador de volta no meu colo. “Tente
usar a voz em vez desses dedos gordos. Bem, tenho que ir para a aula. Eu volto mais
tarde.” — finaliza ela, dando um beijo na minha bochecha tão gentil quanto uma
borboleta.Meucoraçãodisparacomoumaáguia,batendosuasasasnagaiolaqueéomeu
peito.Sóesperoqueelanãoescuteobarulho.Dapróximavezemqueeuavir,confessarei
omeuamorporela!
Umarisadavindadetrásdaminhacamamefazsaltar.Minhaavóseaproximaarrastando
ospés,comumaxícaradechácomleitenasmãos.Elaestavasentadanatenda,atrásde
mim, esse tempo todo! Com seu sorriso cheio de rugas, como se representassem as
lembrançasboasdavida,elamefazbeberlentamente,exatamentecomoquandoeuera
umacriança.Eeusougratoqueadiscriçãomongolsejatãolendária,jáqueelamepoupa
deterqueresponderàprovocaçãoquepercebonosolhosdela…
-4Minhamentenãoparaenquantopermaneçodeitadonacama,impotenteeinútil.Minha
aula se torna barulhos indistintos, e eu sou incapaz de prestar atenção. A tentação é
grandedemais.Eureviroasinformaçõesqueconseguireunirsobreocavalodogelo.Há
muitas especulações na mídia, mas, até que as análises sejam concluídas, a verdade
continuaráescondida.Eseeuretornasseaolocalondecaíparaobservarosnaturalistase
ospaleantropólogos?
Nãoria.Nãoquerodizeriratélápessoalmente,considerandoomeuestado.Levandoem
conta o equipamento incrível da nossa Academia de Ciências, graças a investidores
internacionais,comcertezadevehaverumsistemadecâmerasquepermitaqueocavalo
seja estudado à distância, sem o risco de danificá-lo. Se ao menos eu pudesse acessar o
sistema,discretamenteclaro,euteriainformaçõesaovivo!
Euseiaquemperguntar!Oyunbileg,umamigodauniversidadeumpoucomaisvelhodo
que nós, um engenheiro de computação especializado em redes ópticas. Ele é uma
daquelas mentes brilhantes, que não foi seduzido por um salário obsceno para deixar a
Mongólia,etrabalhanaAcademiadeCiênciasdeUlanBator.Seiqueeleconcordaráem
meconectaràrededolaboratórioimprovisado.Cruzandoosdedos,nosentidofigurado,
levandoemcontaoestadodaminhamão,entroemcontatocomele.
OrostobagunçadodeOyunbilegapareceefazcaretaparamimnatela.Elericomouma
hienaaoverminhasmãosenfaixadaseperguntacomoeufaçoparacutucaronariz.Sim,
emborasejammuitointeligentes,osensodehumordoscientistasdacomputaçãodeixaa
desejar. No entanto, ele promete resolver as coisas para que eu tenha acesso à rede de
câmerasnomeucomputador.Vailevarumtempo,maselenãodizquanto.Euagradeço
decoraçãoetentomeconcentrarnaauladauniversidade.Mascomeçoasentirminhas
pálpebrasficandopesadas,e,emboraeutenteprestaratenção,ascortinassefecham,eeu
pegonosono…
OsgritosdoMarilynMansoninvademmeusouvidosemeacordamviolentamente.Como
coração a mil, tento me controlar e me preparo para gritar coisas terríveis contra o
sociopata que me acordou de forma tão brutal, até que a risada de uma hiena abafa a
música,queédesligadalogoemseguida.OutrabrincadeirademaugostodoOyunbileg,
mas eu o perdoo assim que vejo uma janela aberta na minha tela: ele conseguiu me
conectaràrededecâmerasdoimprovisadotemporárionasMontanhasAltai.
Asuperfíciedoabismodegelopareceumacenadecrime.Faixaspretaseamarelas,para
manter intrusos longe, marcam a área de investigação dos especialistas. Equipes de
espeleologistas extraem pedaços de gelo para datá-los e coletam todas as amostras e
vestígios que possam ser de alguma importância. Outros, armados com equipamentos
portáteis de radiologia, tiram fotos de todos os ângulos do cavalo. No laboratório
improvisado, homens de máscaras e aventais cirúrgicos já estão fazendo análises. Não
consigo me segurar e acabo procurando o Jargal. Lá está ele, usando pinças para pegar
umtecidodeestampadediamantes,colocando-osobreumaplacadevidroetirandoum
pedaçocomobisturi.Elepõeaamostraemumtubodeensaio,cheioatéametadecom
um líquido transparente, e o coloca em uma máquina redonda. Ao fechar a tampa da
máquina, eu começo a entender: não é o tecido de uma fantasia de palhaço, é a pele de
cobra que escondia o gancho de escalada que eu usei! Se bem me lembro, eu ainda o
seguravaquandomeuirmãoapareceu.Seeuoencontrasse,poderialevá-lopessoalmente
aoscientistas!
Eutiroocomputadordocoloelevanto,tentandonãodemonstrardor.Hã…Estousóde
cueca…Procuroocilindrodentrodatenda.Àprimeiravista,nãofoicolocadoemnenhum
dosbaúsdemadeira,nemnacômodagrandedaminhamãe.Talvezestejanobaúdomeu
irmão?Andolentamenteatéobaúelevantoatampa,mastudooquevejosãoroupase
revistas antigas. Será que alguma das minhas irmãs mais novas “pegou emprestado” o
meubrinquedinhonovo?Tambémnão.Nadaalémdelivrosdecolorir,bonecasdepanoe
coisasdemeninas.Comosouburro!Nãoprocureinomeuprópriobaú!
Eumeviro,ofegandofeitoumcavalovelhocomreumatismo,eabroobaú.Logoemcima,
vejoaminharoupa,limpaecosturada!Minhaavóérealmenteincrível.Euaproveitopara
vesti-la,disfarçandooscurativos.Éumtantofrio,longedalareiradatenda.Eureviroas
roupas do baú, e algo cai no fundo fazendo barulho. Eu consigo pegá-lo mesmo com as
ataduras e examino-o cuidadosamente. Apesar de ter sido martelado contra o gelo, não
parece muito danificado. Há símbolos estranhos entalhados na superfície. Eu olho nas
extremidades; foram lacradas com tampas de metal. Será que tem algo dentro do
cilindro?
Aimaginaçãomefogeaocontrole:seráqueessecilindroguardaummapaquemostraa
localizaçãodeumtesouroperdido?Oudiamantesbrutos?Ouumarelíquiaantigaquetraz
fama, poder e fortuna? Eu tento abrir as tampas. Nossa, como sou desajeitado! Tento
pensar em uma forma de tirar as tampas de metal. Não vai ser com as minhas unhas.
Machadoseserrasestãoforadecogitação.Porfaltadeopção,procuroapinçausadapara
seguraroestercousadocomocombustívelnoforno.Eupegoapinçaesentopróximoao
fogão,segurandoocilindroentreosjoelhos.Usandomeuantebraço,seguroatampacom
apinçaetentogirá-la.Apinçaescorrega;nãoestavafirmeobastante.Tentodenovo,ede
novo,atéqueumgritoirrompemeusouvidos:
“Fogo!”
Antesmesmodeperceberoqueestáacontecendo,baldesdeáguageladasãojogadosem
mimeminhasroupassãotiradasdomeucorpo.Euestavatãoconcentradonaquiloque
nãonoteiqueminharoupaestavamuitopertodofornoetinhapegadofogo!
-5Minhamãeagradeceosvizinhosquevieramapagaroprincípioincêndio,acompanha-os
atéasaídadatendaevoltafuriosamenteemminhadireção.Euresmungo,
“Desculpa,mãe.Prometotrabalharduroparacomprartecidopararoupasnovase…Ai!”
Elamesegurapelaorelhaemearrastaparaforadatenda.Elamesentanotapeteedepois
joga uma manta em meus ombros. Sou obrigado a descascar verduras com minha avó,
exatamente como quando eu era pequeno. Os membros da nossa tribo (composta por
famíliasemsuastendas)são,delonge,amissãomaisvalentequeconheço,dizminhamãe
em um tom que deixa claro não aceitar discussão. Enquanto ela volta para limpar a
bagunça dentro da tenda, eu tento separar as folhas de um repolho… Muito bem,
aspiranteaIndianaJones!
De longe, avisto meu irmão Gambat em seu cavalo, acompanhado pelas crianças mais
velhasdatribo,guiandoasovelhasdevoltaaocurralparapassaremanoite.Elededicoua
vida a estes cavalos e este rebanho. Mesmo que, às vezes, ele inveje a minha vida na
cidade,comtodasas“distrações”debareseboates,elenuncaquestionariaadecisãode
seguir os passos do nosso pai. No meu caso, ainda que eu não vá a estas “distrações”, e
mesmoquecavalgarnasestepessejaoqueeumaisgostedefazernomundointeiro,eu
nãoconsigomevernoramodoscriadores.Eeutenhoqueadmitir:estouumaliviadoque
meuirmãoherdarátudoisso…Oqueeuquerodizercomisso?Ocãesdatribo,comseus
focinhos apontando para o sudoeste, começaram a uivar para chamar a nossa atenção.
Seriaumanovaameaçaseaproximando?
Eu posso ouvir relinchos vindo de longe; uma cavalgada. Cavaleiros se aproximam do
nossoacampamento.Minhaavóselevantaesegueparaanossatenda.Elavaipreparar
um gesto tradicional de hospitalidade, a cerimônia Airag, na qual uma tigela de prata
cheiadeleitedeéguafermentadoécompartilhadaentreosvisitantes.Masestesnãosão
merosvisitantes!
Impaciente,minhamãecorreemdireçãoaalgunscavalosamarradosàOuiaa,umacorda
suspensaentredoispostes.EladesataonódocabrestodeTarjenjau,suavelhaéguaalazã,
e,semnemcolocarasela,agarraacrinaesobenagarupadela.Muitofelizemcavalgar,
Tarjenjau,a“filhagorda”,correagalopesemdireçãoaoscavaleiros.Meupaieoshomens
datriboretornaram!
Oscavaloscaminhamladoalado.Meupaiabraçaminhamãe,alevanta,levecomouma
pena,eacolocanaselaemsuafrente.Eupossoescutarorisodeladaqui.Seráque,um
dia,carregareitambémamulherqueamonagarupadeAltaïr?
Antes de irem para as suas famílias, cada cavaleiro cuida de seu cavalo. Os cavaleiros
tiram as selas dos cavalos, verificam seus cascos, acariciam e os massageiam, antes de
retiraremasrédeasedeixarem-nosbeberáguadorio.Sódepois,cadahomemsegueem
direção à sua família, abraçando-as em ordem de idade. Minhas três irmãs pequenas
fazemmeupairirdealegria.Mas,assimqueeleascolocanochão,osemblantedelese
fecha.Eleolhaparamim,seusolhosseveroseimpiedosos.Euenguloseco;nãoconsigo
dizernadaatéqueelefaleprimeiro.Maselenãosepronuncia.Quandonosviraascostas
e entra na tenda, a minha garganta dando um nó, e meus olhos começam a arder
levemente.Gambatmedáumtapinhaamigávelnascostasantesdevoltaraocurraldas
ovelhas. Ignorando a minha sensibilidade, olho para o horizonte, para o Sol se pondo.
Homensnãochoram.
Duranteanoite,ouçomeupaisuspiraresussurrarparaaminhamãe,
“Seráque,algumdia,elevaisetornarumhomemresponsável?”
-6Meucelularvibranobolsodacalça.Eucoloconochãoosbaldescheiosdeáguadorio,
queestãopenduradosemmeuscotovelos,paraqueeupossapegá-locommaisfacilidade.
Oqueestoufazendonoladodefora,nomeiodanoite,enroladoemumamanta,perdido
emsofrimento?
Incapazdedormir,levanteiantesdoamanhecerparabuscaráguaparaochádamanhã,
paraqueodiadaminhafamíliacomecedeformaagradável.Depois,seguireiparaUlan
Bator.Láéomeulugar,enãoasestepe,apesardoforteapegoquesempretereiporeste
lugar.Queriaterfaladocomomeupai,maselejásaíradatendaparaveraséguasprestes
a parir. Não sei o que posso fazer para ganhar a aprovação dele, quem dirá o orgulho.
Desde que comecei na universidade, tornei-me desprezível por não ter seguido seus
passos.Chega!Deixodeladopensamentosamargoseatendomeutelefone;devesermeu
irmão Gambat querendo saber onde estou. Quando será que ele vai deixar de sentir-se
responsávelpormim?
“Estouindo,”—digosucintamente.
MasnãoéavozdeGambatdooutroladodalinha.Éavozdealguémquenãoconheço,
umavozconfiante,umtantoáspera,comumsotaqueanglo-saxônicopuxado.
“Sr.Battushig,aquiquemfalaéJohnFitzgeraldHannibal,daHannibalCorp.Euvenho
acompanhando o seu progresso na universidade bem de perto. Parabéns por ter sido
aceitonoMIT…”
Eu quase deixo o telefone cair. A empresa americana Hannibal Corp., que fez a sua
fortuna graças ao trabalho pioneiro deles no campo da inovação científica, é a principal
patrocinadora da Academia de Ciências de Ulan Bator e da Universidade Nacional da
Mongólia.Quasetodososnossosequipamentoscientíficosedetecnologiadainformação
foramfinanciadosporgrandesdoaçõesdestaempresa,ajudando,assim,alunosdevários
paísessubdesenvolvidos.Osalunosmaisinteligentestêmachancedeseremcontratados
pela Hannibal Corp. Eu sei que isso aconteceu com alguns ex-alunos da nossa
universidade, e o Professor Temudjin sempre comenta sobre Khubilai, agora chefe de
segurançaderedesdaempresa.Eunãopossonemimaginarcomoéserumdospoucos
escolhidos!Estoutãoabalado,quesóconsigogaguejarcomoumidiota,
“Haha…”
“Sr.Battushig,eunãoquerotomarseutempo.”
Pronto.Meucoraçãovaiparar.Eujápossomevernocaminhodaglória,eminhaalegriaé
misturada com um medo desconhecido; eu nunca corresponderei às expectativas do Sr.
Hannibal.
“QuandocaiunasMontanhasAltai,você,poracaso,encontrouumobjetocilíndrico?”
Ah…Euvoltoàrealidade.Nãoénomeupotencialcomoumfuturocientistaqueeleestá
interessado. Ele só quer o cilindro de metal que eu usei como um gancho de escalada.
Comaminharoupapegandofogoecomoretornodomeupai,esquecicompletamentedo
cilindromisterioso.
“Sim,senhor,”—eumurmuro.”“Euiaentregá-loparaaequipedolaboratório.
“Excelente.Maseupoupareiseuesforço.Emmenosdeumahora,umhelicópteropousará
pertodeseuacampamento.Vocêpodeentregá-loaopiloto.Esperoquemelhorelogo!”
Alinhacai.Elenemperguntouondeficaonossoacampamento.OGPSdomeutelefonejá
deveterfornecidotodososdetalhes.Ou,talvez,umdronesecretoestejameobservandolá
decima.Etudoporcausadeumtubodemetal.Eumesintotãoidiota,pensandoporum
segundoqueeutocariaasestrelas…
Asestrelas!Éclaro!Comonãopenseinissoantes?Comoseeutivessesidoatingidopor
umraio,largoosbaldesnochãoecorrodevoltaparaatenda.Jogoamantanacamae
abroomeubaú,tentandofazeromínimobarulhopossível.Minhamãedevetercolocado
ocilindroaqui.Namosca!Euolevoparaforadatendaesuboumacolinacorrendopara
analisar o objeto misterioso sob a luz das estrelas. Antes de entregá-lo ao piloto, quero
muito uma recordação dele. Com as mãos ainda estabanadas, uso o telefone para tirar
algumasfotosdetodososângulos,antesdesegurá-loegirá-lobemnaminhafrente.Acho
queossímbolosgravadosneleformamumaestrela…
Éumaestrelapeculiar,decincopontas,bemnomeiodocilindro.Etemoutraidêntica,
em perfeita simetria, no verso do cilindro. Embora fascinado por estes dois símbolos
ancestrais, eu seguro o cilindro cuidadosamente com o dedão e o dedo indicador,
colocandoapontadelesnasestrelas.Euseguroocilindronahorizontal;eleequilibra-se
perfeitamente.E,comonuncadeixeidesercriança,balançoamãoparacimaeparabaixo
paracriaraquelafamosailusãodeóptica,obastãodeborrachamágico.Obastãodança,
fazendo-merirfeitoumbobo.Euquaseesqueçoporquêestousentadoemumamontanha
deneve.
Derepente,umbafoquentenaminhanucaarranca-medotranse.Comosusto,eupuloe
aperto o cilindro fortemente para não o derrubar. Eu reconheceria essa respiração em
qualquer lugar; é o meu Altaïr! Eu começo a virar alegremente em direção a ele, mas,
naquele momento, minhas mãos começam a tremer e tiram a minha atenção. Altaïr me
cutucagentilmentecomacabeça,suaformadedarumabraço,maseuoempurroeme
concentro no fenômeno estranho que acabou de acontecer. Como se estivesse sendo
controlado interiormente, uma das “tampas” se abre. Com as mãos trêmulas, retiro a
tampaparaveroquêhádentro.
Além do mecanismo de abertura, construído com engrenagens delicadas de varetas e
travasdemetalfino,háumsegundoobjetocilíndricodentro!
-7Gostaria de saber quantos cilindros estão escondidos dentro do primeiro. Seria um
sistemaMatrioshka,aquelasbonecasrussasquecabemumadentrodaoutra?
Osegundocilindropareceserfeitodeosso,devidoaosriscosescurosaolongodele,epor
seroco.Euolevantocontraaluzdasestrelasparaverseháalgoescondidonocentro.A
luznãopassaatravésdele,maseunãoconsigoenxergarnadanocentrodocilindro.Euo
agito para tentar deslocar algo que possa estar dentro, mas nada acontece. Eu coloco
meus lábios em uma extremidade e assopro como se fosse uma flauta. O ar passa por
dentrodele,masparecequeoconteúdoestánocaminhoquandoassopro.Euprecisaria
enfiarumavaretademetalouumgalhodentrodocanalpararemoveroconteúdo.Mas
não há nada aqui que eu possa usar, além de neve. Seguro o cilindro de osso na minha
frente e giro-o levemente em minhas mãos. Existem gravuras entalhadas na superfície;
maissímbolosmisteriosos.Reconheçoumacabeçadecavalocomumaestrelanaponta;
cincopontasdenovo.Euolhoparaverseexisteoutraestrela,paraverseestecilindrose
abrecomooprimeiro,masnãoachonenhuma.Nãosepodeganharsempre!Eucontinuo
examinando.Háclaramenteumasériedesímbolos,letrasenúmeros,masocontornoeo
desenho não me lembram nada. Sito que continuarei desapontado quando entregar o
objetoparaopiloto…
“Ôu!Qualoseuproblema,Altaïr?”
Meu cavalo está mordiscando meu cabelo. Sem dúvidas, ele descobriu como chamar a
minhaatenção.Eagoraeleestátentandoengoliraminhaorelha!
“Ei!Para!Issofazcócegas!”
Eumecontorçoedeixoocilindrocair,deixandoumamarcaretangularnaneve.Eume
agachoparapegá-lo,enquantoAltaïrbeliscaasminhascostas.Euoempurroparaqueeu
possa colocar o cilindro de osso de volta dentro do metálico, e, pressionando as duas
estrelas, consigo fechar a tampa de novo. Então eu coloco o cilindro no bolso da calça,
junto ao meu celular, antes de me levantar e resmungar altamente com Altaïr, fazendo
umaprovocação:
“Vocêquerbrincar?”
Em resposta, Altaïr empina e boxeia com as patas da frente, antes de voltar ao chão na
minhafrente.Osolhosbrilhando,asorelhasapontadas,osmúsculostensionados,pronto
para reagir ao primeiro movimento. Eu o olho bem nos olhos, mantendo-me
completamenteimóvelantesdepularparaolado,dandoumlevetapanatraseiradele.Eu
meviroparaesquivardeAltaïr,poisseiqueelevairevidar.Euoconheçomuitobem!Eu
estavapresenteduranteopartocomplicadodeleeoalimenteinamamadeiraduranteos
primeirosdiasdevida,quandosuamãenãoconseguia.Porváriasvezes,dormiapoiadoa
ele. Nós éramos inseparáveis. Meu pai cuidou da mãe de Altaïr usando o conhecimento
emcurativosecaldosdeervas,sempreencorajando-aadeixarofilhotealimentar-senela.
Ela sofreu muito durante o parto. Estava tão fraca que se recusava a deixar a cria
aproximar-se dela. Mas eu nunca vi um cavalo resistir a meu pai por tanto tempo; ela
eventualmenteacabouaceitandoofilho.Naépoca,fiqueimagoadocommeupaiporele
termeseparadodeAltaïr,masdepoisentendiquefoiparaobemdopotro.Masaquele
vínculo especial que formamos persistiu, e Altaïr, agora um garanhão majestoso, ainda
brincacomigocomoquandoeraumpotro,emeucoraçãoseenchedealegriasempreque
compartilhamosdestesmomentos.
Eumeesquivodeoutratentativademeatingirecorro.Altaïrmealcançaimediatamente,
ultrapassando-meeparandoàminhafrente.Eufinjoparardeumlado,depoisdooutro,
masAltaïrtambémmeconhecebemeprevêoquevoufazer,bloqueandoomeucaminho.
Nósandamosemcírculo,dançandojuntosatéquemeucorceldeconfiançamefazperder
oequilíbrio,fazendo-meafundarnaneve,assimcomoocilindrodeossoquandoodeixei
cair.Eucaionagargalhada.
“Vocêganhou!”
Altaïrempinaorgulhoso,antesdeseaproximaremefossar.Aindacaídonochão,lanço
meus braços em volta do pescoço dele e respiro gentilmente em seu topete. Altaïr deita
gentilmente no chão ao meu lado, fazendo-me um convite irrecusável. Eu me apoio em
suas costas, passo uma perna por cima de seu flanco, e Altaïr levanta-se gentilmente,
carregando-meparaumpasseioemocionanteemsuagarupa.Emmomentoscomoeste,o
tempopara,enadamaisimporta,anãoserestevínculointenso.
Masoruídocrescentedeummotormetrazdevoltaàrealidade.Atravésdosraiosdosol
nascente,umpontonocéucomeçaaaumentar,aproximando-seemaltavelocidade…
-8Eu me endireito nas costas de Altaïr para desacelerá-lo e peço para que trote e, depois,
caminhe. Meu cavalo balança a cabeça incomodado, bafejando alto. Nós recuperamos o
fôlego enquanto o avião se aproxima e pousa na neve, fazendo um som abafado poucos
metrosànossafrente.Assustado,Altaïrobservaointruso,farejandooaremovimentando
asorelhasemtodasasdireções.Osmúsculosdeletremem,prontosparaumconfrontoou
paraescapardestepossívelpredador.Euoacaricioeconversogentilmentecomelepara
acalmá-lo, mas ainda posso sentir a tensão dele. Eu examino o pequeno avião
aerodinâmico equipado com esquis. Mais parecia um jato do James Bond do que o
helicóptero enorme que eu estava esperando. Na lateral da aeronave, o logotipo da
HannibalCorp.:umHmaiúsculodentrodeumtriânguloequilátero.Osmotoresparam
deroncar,eajanelalateraldacabinedopilotoseabre,aomesmotempoqueumarampa
deslizasilenciosamenteatéochão.
Opilototiraocapacete,colocaosóculosescurosedescearampa.ApertandoAltaïrcom
asminhaspernas,euoencorajoaandaremdireçãoaorecém-chegado,maseleplantaos
quatrocascosnaneveerecusa-seamover-se.Euinsisto,emvão,eacabodescendopara
meaproximarapédopiloto.Atrásdemim,possosentiraansiedadeedesconfiançado
meucorcel,queestábatendooscascos.Eutentotranquilizá-lo,maselecontinuatrotando
para frente e para trás. Eu examino mais de perto a figura alta andando em minha
direção.Apesardeumalevemanqueira,eleaparentaumaincrívelautoconfiança,enãosó
porcausadaroupaeleganteefinamenteconfeccionadanoocidente,queéleveequente
aomesmotempo,esuasbotascarasdetrilha.Eletemcabelopretoeespesso,esuabarba
cuidadosamentefeita.Nósnosaproximamoslentamente,comodoisvaqueirosnoVelho
Oeste,semdesviaroolharumdooutro.Instintivamente,colocoamãoesquerdanomeu
bolso traseiro e aperto o cilindro firmemente, como se fosse uma pistola. Nós nos
encontramoscaraacara,comoemumdueloatéamorte…Eumesintocompletamente
semfôlego.Quemvaisacarprimeiro?
O piloto estende a mão com luva como se fosse apertar a minha, e eu, instintivamente,
estendo-a por cortesia. Mas logo percebo o gesto que ele faz com a mão. Palma virada
paracima,sinalizandoqueeuentregueoobjetoqueelevierabuscar.Minhamãodireita
cai ao meu lado, e eu, relutante, tiro o cilindro do bolso e coloco-o na palma erguida.
Assimqueovê,opilotoperdetodoointeresseemmim.Seuslábiosproduzemumsorriso
malicioso, enquanto os dedos dele se fecham em torno do cilindro, e ele me olha
fixamentecomumolharazulgélidoportrásdosóculosescuros.Sóquandoelefalacoma
voz áspera e aquele sotaque, que percebo que é o próprio John Fitzgerald Hannibal na
minhafrente.
“Estoumuitoagradecido.Esteobjetoémuitovalioso…cientificamentefalando.”
Queroperguntar-lhemuitascoisasporquequerosabermaissobreocilindro,ossímbolos
gravadosneleedeondeeleveio,masficoimóvel,debocaabertacomoumpeixeidiotaou
algo do tipo. Quando Hannibal me entrega um envelope grosso, eu balanço a cabeça e
murmuro,
“Não,nãoépreciso.É…éparaaciênciaafinaldecontas.”
Hannibal ri e tenta colocar o envelope dentro da minha camisa à força. Naquele
momento, obviamente pensando que estou sendo atacado, Altaïr aparece, partindo
violentamenteparacimadeHannibal,quetropeçaecainochão.Nãofoiumempurrãode
brincadeira como quando ele brinca comigo, mas um ataque de verdade. Narinas
dilatadas, orelhas voltadas para trás, ele está preparado para morder e pisotear sem
piedade o meu agressor. Eu corro até Hannibal para ajudá-lo a se levantar, mas a
expressão em seu rosto faz com que meu sangue corra frio e me faz dar um passo para
trás.
Hannibalestápálido.Eleselevanta,comumaexpressãodeódionorosto,etiradobolso
umfinobastãotelescópico,oqualelechicoteianoarparaexpandir.Eleergueobraçoe
chicoteiaAltaïrcomumaviolênciainacreditável.Umlongorastrodesangueapareceno
pescoçodomeucavalo.Sempensar,eumelançoentreAltaïreHannibal,debraçosparao
alto,levandoumapancadadebastãonoladodorosto,nolugardeAltaïr:
“Pare!Porfavor!Elenãovaimachucá-lo!”
Hannibal range os dentes, as narinas palpitando. Percebo um tique nervoso nas
bochechasdele.ColocogentilmenteminhamãonopescoçodeAltaïresussurroalgumas
palavras para tranquilizá-lo, sem tirar os olhos de Hannibal. Lentamente, Hannibal
resmunga:
“Eusugiroquevocênuncaodeixechegarpertodemimnovamente.”
Eu movo a mão do pescoço para a fronte de Altaïr, empurro ele para trás e assobio
agudamente. Altaïr recua, vira e sai trotando rapidamente, rabo erguido e orelhas
voltadas para trás, parando a uma distância segura. Posso ver que ele está furioso,
preparado para atacar a qualquer movimento suspeito, mas também sei que ele me
obedecerá. Hannibal abaixa a arma sem guardá-la. Ele anda de volta ao avião, sobe a
rampa e fecha a janela da cabine. O avião decola assim que os motores dão partida,
acompanhados pelo relincho furioso de Altaïr. O medo toma conta de mim, e minhas
pernas tremem como folhas ao vento. Eu dou-me um tapa para recompor-me e digo a
mimmesmoqueopiorjápassou.Respirandoprofundamenteeaindatremendo,sigoem
direçãoaomeucavalo.
“Eu…Eu…Vamos.”
SemnemnotarasnotasvoandodedentrodoenvelopequeHannibaldeixoucair,esfrego
uma mão cheia de neve no ferimento de Altaïr para limpá-lo. Então, retorno para o
acampamentoapé,completamenteabatidoefrustradocomoencontro,comoumpobre
vaqueirosolitário.
Quando chego ao acampamento, todos já estão acordados faz algum tempo e estão
trabalhandoemsuastarefassemprestarematençãoemmim.Altaïrseafastaparabeber
águadorio,eeu,comocoraçãopesado,entronatendaepegomeucomputadoreoutras
coisasqueprecisareipararetornaraUlanBator.Seeumeapressar,possopegaroúnico
ônibus do dia. Preciso conversar com alguém sobre o que aconteceu, mas, infelizmente,
ninguémdaminhafamíliapodemeajudar…
-9“Vocêétãoidiota,deviateraceitadoodinheiro!Podiaterusadoparacomprarumaroupa
nova!
Depoisdoquepareceuserumaviagemsemfim,duranteaqualnãoconseguipregaros
olhos, a resposta de Salonqa me magoa profundamente. Ela que é normalmente tão
delicada,nãoparececonseguirentenderporqueeunãopoderiajamaisaceitaralgodeum
pessoa como Hannibal. Com todas as suas atividades filantrópicas, este cara deve ser
doenteparatercoragemdeatacaroAltaïrcomosefosseumbárbaro.Eumesentiriasujo
seaceitasseodinheirodele.
Salonqasuspiraprofundamenteedeixaescaparumbocejolongo,lembrando-mequeeua
acordeibemnahoraqueelaestavapegandonosono.Elavaiparaobanheiroeretorna
comumcremeantisséptico,algodãoegazes.Elaempurraumacadeiracomopéeaponta
comoqueixo:
“Parece que você lutou com um urso. Primeiro, vamos limpar seus ferimentos, depois
vocêpodememostrarasfotosdocilindro.SeHannibalfoibuscá-lopessoalmente,então
devesermuitovalioso.”
“Issoarde!”
“Vocêétãomole!Pronto,acabou.”
Quando Salonqa pega meu telefone e vê as fotos, o mau humor dela desaparece,
imediatamentesubstituídoporumacuriosidadeintensa.
“Éinacreditável!”
Elaabreagavetadaescrivaninhaemeentregaumblocoeumlápis.
“Éumapenaquevocênãotenhatiradoumafotodocilindrodeosso.Definitivamente,ele
nos daria uma ideia melhor do que se trata. Mas se você puder desenhar a cabeça do
cavaloeasoutrasgravuras…”
“Sim,senhora!”Enquantoeurabiscocomolápisnapalmadamão,comoumacriançade
escola primária, Salonqa passa as fotos para o computador dela. Ela as organiza em
formatoderetângulo,e,umavezcolocadasem3D,parecemjustamentecomoocilindro
original.Euficoimpressionado.
Salonqaolhaodesenho,escaneia-oeexecutaomesmoprocessoaplicadonasfotos.
“Pareciacomisto?”
“Semlevaremconsideraçãoofatodequeeudesenheicomoumpatosofrendodemalde
Parkinson,sim,parece.”
Salonqapensaatentamentee,depois,meolhafixamentecomumolharintenso.
“Umalinguagemantigaesímbolosestranhos.Vamosprecisardeajudaparadecifrartudo
isto.Tudobemsepedimosà‘Rede’?”
ARede…Sãotodososusuáriosnainternetque,famososouanônimosemseuscampos,
ajudaramacriaronossosistemadeaprendizagemparacriançasnômadesdaMongólia.
Envolvepessoasdetodasasnacionalidades,usandotodosostiposdeconhecimentoem
todos os assuntos possíveis, ajudando uns aos outros. Seria o lugar perfeito para
encontrarrespostas!
Enquantoeupreparoumchábemforte,possoouvirSalonqadigitandonotecladocomo
se estivesse possuída. Quando ela decide se dedicar a um projeto, nada e nem ninguém
ficanocaminhodaforçadevontadeedaenergiadela…Euconsigoimaginá-la,franzindo
as sobrancelhas, assoprando impacientemente o cabelo da frente dos olhos. Seus dedos
finoselongosdançandoe,ocasionalmente,parandoparacolocarocabeloatrásdaorelha.
Eladizqueumdiavairaspartudo.Eurezoparaqueelanuncaofaça,jáquesoulouco
pelocabeloloucodela,oscachoscor-de-mognobloqueandoaluz.Eupoderiaacariciaro
cabelo dela por horas, afogando-me em seu aroma. Mas fico parado como um idiota,
hipnotizado pelas suas costas. As duas xícaras de chá queimando as minhas palmas até
queela,finalmente,martelaatecla“Enter”ereclina-senacadeira,alongandoopescoçoe
osbraçospordetrásdela,dedosesticadoscomoestrelasdecincopontas.
Elaselevantaecaminhaemminhadireçãoparapegaraxícaradechá.
“Obrigada!Masporquevocêestámeolhandodestejeito?Meurostoestásujo?
Eclaro,souincapazdedizê-laoquãofascinadosouporelaeoquantogostodela.Emvez
disso,desviooolhar,sentindo-meficarvermelhoepergunto,
“Vocêtemumespelho?”
-10Depois de um comentário tão idiota, qualquer outra garota teria me dado um tapa ou
corrido para se olhar no espelho. Mas Salonqa não. Ela responde com o seu humor
lendário:
“Sim,naminhamochila.Porque?Vocêquerpassarbatom?”
Enquantoelaestavatodaesticadanacadeira,comorostodecabeçaparabaixoeasmãos
estendidas como estrelas, tive uma ideia brilhante: e se nós tentássemos decifrar as
gravurasnocilindrodeossoaocontrário?Eumelembrodequandodeixeicairocilindro,
damarcaretangularqueficounaneve,eexplicoaminhaideia:
“As gravuras estão em alto-relevo. Se rolássemos o cilindro em uma placa de cera ou
argila,comonossosancestraiscostumavamfazer,asmarcasficariam…”
“Aocontrário,comoemumespelho!!!”
Em vez de pegar o espelho dentro da bolsa, Salonqa corre para o computador e faz o
comandodereverterasimagens.Elasoltaumgritodesurpresa,
“Que forma brilhante de conduzir uma mensagem escrita. Mais fácil de esconder, bem
menos volumoso e mais resistente do que uma placa de argila ou um pergaminho.
Quando revertida, parece ser da Grécia Antiga. Há grupos de palavras e um monte de
símbolosgeométricosentrelaçados…Masquesegredoseleesconde?”
Como se confirmasse a minha suspeita, recebemos uma mensagem de Talila, uma
estudante australiana de Arte Primitiva, acompanhada de fotos de um pedaço de tecido
colorido protegido por um vidro, e de um cilindro cinza com símbolos em alto-relevo
muitoparecidoscomosnossos.Umfusofoifincadonomeio,ehápigmentaçõescoloridas
nospotesdeargilaaoladodele.Amensagemdelatemumtomzombeteiro:
“Crianças,sevocêsestãopensandoeminventaroprocessodeimprimirestampasétnicas
emtecidoparacomeçarumanovatendênciademoda,saibamqueapatentefoicriadaem
Fenícia,hámaisde2500anosatrás!Earrumemumdesenhistaprofissionalparacriaros
modelos,anãoserquevocêstenhamoptadopeloestiloprimitivo!”
Salonqa envia uma mensagem para agradecê-la, antes de virar-se para mim com um
brilhodesafiadornosolhos.
“Se eu tivesse uma placa de argila e rolasse o cilindro de osso sobre ela, seria capaz de
imprimiramensagemsecreta.Mas,seeunãotenhoo‘decodificador’,comovousaberde
qualdireçãodevolê-laeoqueestessímbolossignificam?”
Ô-ôu… E lá vamos nós. Eu sou especialista em computação, perito em criptografia de
dados,nãoumaciberpirataquedecifracódigossecretos!Meusamigossempremepedem
paraajudá-losaassistirfilmeseprogramasdetelevisão,ouajogarjogosdegraça,eeu
nuncaconsigodizernão.Masissoéoutrahistória!Comovouconseguirentrarnamente
depessoasqueviveramhátantotempoeentenderosistemadeencriptaçãodeles?Mas
com os olhos lindos de Salonqa me implorando e a mão macia dela em meu ombro, eu
nãopossoresistir.Eutentopersuadi-la:
“Para saber por onde começar, vou precisar descobrir de qual período ele veio. Você
poderiaperguntaraalgumespecialistaemlínguasantigasouhistoriadoresderelíquias?”
Salonqaabreumsorrisograndeemepassaomeucomputador.
“Eujáteenvieiasimagens.Euseiquevocêconsegue!”
Então,elanosserveoutraxícaradechá.Anoitesóestácomeçando!
-11Antes de me afundar no trabalho de criptografia arqueológica, penso em quando
encontreioprimeirocilindro,parcialmentecobertopelapeledecobra.E,depois,avisão
surrealdocavalodogelosurgeemminhacabeça.Poderiaexistirumaligaçãoentreeste
cilindro e o cavalo? Quando me conectei às câmeras do laboratório perto de onde caí,
Jargal,osedutor,estavaexaminandoapeledecobra.Euprecisosuperaresteciúmebobo
e descobrir quais descobertas eles fizeram no laboratório. Vou ver o quão longe eles
chegaram. Dada a velocidade do jato de Hannibal, os cientistas já devem estar com o
cilindro.Poderiamelesjáterresolvidoasmisteriosasmensagenssecretascontidasdentro
dele?
Euusoumcomandodevozparaconectar-meàcâmeradolaboratórioeaproximoozoom
nodepartamentoquecuidadapeledecobra.Hmm,parecequeasanálisesprogrediram
bastante, visto que há um número grande de pessoas reunidas em volta da mesa de
Jargal.Não,elesestãoolhandoparaumatelaqueestámostrandoasescamasemforma
dediamante,esticadasepressionadasentreduaslâminasgrandesdevidro.Umcientista,
provavelmente um herpetologista, um especialista em anfíbios e répteis, está
apresentandooresultadodeseusestudos.
“Esta espécime, da subespécie Vipera ammodytes meridionalis, altamente venenosa,
viveu aproximadamente há 2300 anos de acordo com as nossas estimativas iniciais. De
acordocomanossabasededados,nãopodetervindodaMongólianemqualquerregião
vizinha, já que esta espécie é nativa das ilhas gregas. Foi ‘importada’, muito
provavelmente após à morte, como vocês podem ver por este corte quase cirúrgico. Os
órgãos internos foram removidos e substituídos por… alguma coisa. Algo com até 20
centímetrosdecomprimentoe3centímetrosdediâmetro.Apelefoiraspadaantesdeser
tratada com sal para limpá-la e preservá-la. Depois, foi perfurada nas extremidades e
costurada em volta do objeto misterioso… Você disse que o objeto ainda não foi
encontrado?
Comoassim?!Hannibalnãolhesentregouoobjeto???OhomemqueéconhecidocomoO
defensordaciência,guardouoobjetoparasipróprio?
Maseumaltenhotempoparapensarnessaindignação,poismeusolhossãoatraídospor
algonatela.Aplacadevidrogira,revelandoafaceinterior.Forçandoosolhos,consigo
reconhecerasmarcasdeixadasnapeleporalgunsdossímbolosgravadosnocilindrode
metal,incluindoduasestrelas!
“E, agora, deixarei vocês com meus colegas dos departamentos de linguística e
simbologia!” — conclui o herpetologista. “Eu ficaria honrado se vocês pudessem me
manteratualizadocomosresultadosdasuapesquisa.”
Meu primeiro impulso seria de mandar as imagens que Salonqa modelou para o
laboratório,maseuestavatãochocadocomaviolênciadeHannibaletenhotantomedo
doimensopoderfinanceirodele,queapenasficosentado,paralisado,bemcomoquando
eufaziaalgodeerradonainfância,fazendomeupaiterumdeseusataquesderaiva.Um
dia terei que amadurecer e não deixar ser intimidado, mas, por enquanto, tudo o que
possoimaginaréoqueHannibalfarácomigosedescobrirquemandeiasimagensparao
laboratório.Oquedevofazer?
Felizmente,Salonqaseafastadapesquisadelaparaseconcentraremmim,salvando-me
doestadodeprostração.
“De acordo com Anguélos Keusséoglou, em Atenas, as letras são de um dos dialetos da
Grécia Antiga. Este deve datar da metade do quarto século AC. Ele acredita ter
reconhecidoAttic-Ionic,alínguaoficialdacortemacedônica,maselequerpesquisarum
poucomaisparatercerteza.”
“MacedôniaéumaregiãononortedeAtenas,seeumelembrocorretamente.Oqueele
descobriunaprimeiraleitura?”
“PareceseralgumtipodefeitiçodeproteçãoparaofilhodeZeusouparaocavalodele.E,
aparentemente,hátambémalgumtipodeameaçacontraladrões.Aindanãoestámuito
claro.Evocê,oquedescobriu?”—elaacrescenta,sentandoaomeuladoparaolharatela.
Comumnónagarganta,contooquedescobrisobreapeledecobra,confirmandoadata
estimada pelo sr. Keusséoglou. Também conto sobre a enganação de Hannibal e meu
medodeeleusarocilindroparaproveitopróprio.Salonqaamua-seemdúvida.
“Além de estar colecionando bugigangas arqueológicas, não vejo o que ele possa estar
tramando. De fato, não sei nada sobre Hannibal, além de que ele é um empresário
internacionaleumfilantropo.Vocêpesquisoualgosobreele?”
Eubalançoacabeça,negando.Salonqaesfregaosolhosantesderetornaraocomputador.
“Vamosveroquediznainternet.Talvezajudeaacabarcomasuaparanoia!”
EuesperoqueSalonqaestejacerta,massintoumainquietaçãoestranhadentrodemim.
OqueHannibalescondepordetrásdaquelaaparênciaperfeita?
-12EnquantoSalonqapesquisasobreHannibal,euvoltoaolharascâmeras.
“Vocênãovaiacreditar!”Euengasgo,inesperadamente.
“Oquê?VocêdescobriumaisalgumacoisasobreaquelenojentodoHannibal?”
“Osespeleologistasencontraramocavaleirodocavaloqueestavanofundodafendaque
eucaí.Olhaestasfotos!”
Através das câmeras fixadas nos capacetes dos espeleologistas, podemos ver o fundo do
abismoondeopobrecavaleirocaiu.
Salonqa senta ao meu lado e desliza o braço embaixo do meu cotovelo, apertando meu
ombro.
“Epensarqueissopoderiateracontecidocomvocê…”
Senãofossepelatrágicavisãodocorpocontorcidocongelado,euteriaabraçadoSalonqa,
beijadoopescoçodela,subindoatéocabelo,passandopeloslábios…
“Vocêviuisso?”—elagrita,afastando-sedemimeapontandoparaatela.
Não me diga que ela ainda está enlouquecida pelo sorriso deslumbrante de Jargal. Não
importa, eu perdi outra a chance. Às vezes, eu queria que Salonqa não fosse tão
inteligenteecuriosasobretudo.Qualqueroutragarotateria,semdúvidas,cedidoaomeu
indescritívelcharmehámuitotempo.Masporoutrolado,comoeupoderiameinteressar
poroutragarotaalémdeSalonqa?
“Eleaindaestácomaarmadurasobreatúnicaesemumasandália,coitado.”
Entãoerapelocavaleiroqueelaestavainteressada.Euimaginoumaespadaaoladodeste
guerreiroantigo,perneirasestendendo-sedassandáliasparacobriraspanturrilhas.Por
ummomento,imaginocavalgardesandáliananevecomAltaïr,eumarrepioinvoluntário
tomacontademim.Comparadoasoldadosdopassado,eurealmentesouumfraco…
“Volte.Nãotoqueemnada,estamosmandandoumtime,”
—alguémgritaeosespeleologistasdeixamolocaldadescoberta.Paraminhafrustração,
asimagensdascâmerassãodesviadasdocavaleiroeposicionadasdevoltaàssaliências
rochosas,traçadascomcordas,mosquetões,fitasepinos.
Discussões exaltadas começam no laboratório. Alguns estão falando de uma grande
descoberta histórica, um Prêmio Nobel, outros estão dizendo que eles deviam estar
entrando em contato com os meios de comunicação. E, então, o administrador do
laboratóriopedesilêncio.Comumavoztriste,eleanuncia:
“Temosqueguardartudo.OgovernoacabadeanunciarqueaHannibalCorp.vaicuidar
dorestodaoperação.
Nomeiodorebuliçodecomentáriosfrustrados,escutoumavozdesiludida.
“Elesvãomandarosfigurõeselevartodoocrédito.Elesvãoinvadiramontanhaelevar
todasasnossasdescobertasdevoltaparaosEstadosUnidos,naquelesaviõesrefrigerados
deles.Enós…”
Salonqameolhaporumlongotempo.
“Quando, exatamente, você parte para Massachusetts? Eu gostaria de lembrar que uma
das companhias subsidiárias da Hannibal Corp. é a maior especialista em criogenia do
mundo,eficaapoucosquilômetrosdoMIT.”
Repentinamente, constato que não tenho desejo algum de ir para os Estados Unidos, já
queSalonqaficaránaMongólia.Euficodevastadocomapossibilidade.
“Eu…AmaioridadenosEUAéaos21anos.Vouprecisardaautorizaçãodomeupai.”
“E?”
“Euaindanãoperguntei,”—respondopateticamente.“Mas,Salonqa,eu…”
“Vocêdeviatervergonha!”—Salonqadizindignada,levantando-seàminhafrente,olhos
flamejantesecommãosnosquadriscomoumadeusafuriosa.“Andalogocomisto!Pegue
as suas coisas e vá para casa. Quando você recebe a oportunidade de estudar em uma
escolarenomeada,nadamaisimporta!”
E,assim,elabateaportanaminhacara.Comoeusouidiota!
-13Eu deixo os corredores do dormitório com o coração apertado. Eu devia tentar usar as
horasquefaltamatéoamanhecerparadormir,masmeucérebroestáamil,eeuachoque
não conseguiria me desligar. Eu caminho pelas ruas desertas, rodeadas por construções
de concreto idênticas, construídas pelos soviéticos nos anos setenta. Involuntariamente,
meus pés me levam até a universidade. Uso meu cartão para entrar pela biblioteca, um
lugardepesquisaourefúgioparaalunosinsones.Nãotemninguémaqui.Eusigoparao
departamento de História, lendo as marcações nas estantes até encontrar a seção de
HistóriaAntiga.Então,passomeudedoindicador,aindaenfaixado,pelaslombadasdos
livros.Seráquealgumdesteslivrosantigospossuiachaveparaentenderoqueocavaleiro
estavafazendonaMongólia,pertodospicosdasMontanhasAltai?
“Nãoconseguedormir,Battushig?”
Eudeixoescaparumsomdesurpresaemeviroemdireçãoavoz.Atrásdeumamontanha
delivrosemumamesa,reconheçoaquelacabeçacareca.
“ProfessorTemudjin!”
“Sente-secomigoeconte-mequaisrespostasvocêestáàprocura.Eutrouxechánaminha
garrafatérmica.”
Depois de alguns goles de chá, consigo soltar algumas palavras incompreensíveis. O
sorriso amigável do meu professor alarga-se, e ele acena com a cabeça para que eu
continue.Abarragemserompe.ContomeusmedossobreirparaaAméricaedeixartudo
o que conheço para trás, sobre não ser bom o suficiente, sobre confrontar meu pai…
Quandofinalmentetermino,oprofessorolhaemvoltaparaasestantesdabibliotecacom
umolharafetuosonorosto.
“Éinteressantequevocêtenhavindobuscarrespostasaqui,nessemontedelivrosvelhos.
Massabe,‘omundoéumlivro,eaquelesquenãoviajamsóleemumapágina’.FoiSanto
Agostinho,umberberecristão,teólogoefilósofodoséculoV,quedisseisso.”
Euconcordocomacabeça.Meuprofessorsabedaminhasedeporconhecimentoecomo
conseguiromelhordemim.Enquantoserveumpoucomaisdechá,elepergunta,
“OquetetrouxeatéaseçãodeHistóriaAntiga?Umdesejorepentinoporsabedoria?”
“Não,Professor.Vouexplicar,”—eucontinuo,abrindomeucomputadorparamostrar-lhe
asfotosdoscilindros.
E,emumfluxointermináveldepalavras,contotudooqueeueSalonqadescobrimos.Ao
mencionaronomedela,osolhosdoprofessorpiscam,maseleabstém-sedecomentare
continuaescutandoatentamente.Quandoterminodefalar,elesemantémemsilênciopor
umlongotempo.Então,eleresmungaumnome.
“Khubilai. Ele é um dos nossos ex-alunos mais inteligentes e trabalha para a Hannibal
Corp.Elemontouosistemadesegurançadoscomputadoresdaempresa.Achoquejáfalei
dele… muitas vezes, na verdade. Você gostaria que eu te colocasse em contato com ele?
Pode te ajudar a evitar uma “invasão” desnecessária. A Hannibal Corp. é uma entidade
poderosacommuitasinformaçõesperigosas.”
Euaceitocomgratidão.Então,meuprofessorpegaalgoenroladoemumpapeloleosode
dentrodasuapastavelha.
“Coma.Vocêvaiprecisardeforçaparavoltaràsestepes.”
Tento recusar, mas não adianta; sei que é uma luta perdida. Então, eu lhe agradeço,
cumprimento respeitosamente e deixo a biblioteca. Ando de volta pela cidade, agora
lentamentedespertando-se,esigoparaopontodeônibus.Foibomconversarcommeu
professor.Tudooquemerestaagoraéconfrontarmeupai!
Mas, quando finalmente chego ao acampamento da minha família, quero gritar de
desespero;nãotemnadaaqui!Elesdevemterdecididomudarolocaldoacampamentoe,
em duas ou três horas, conseguiram desmontar as tendas e empacotar todos os bens.
Existem pegadas e rastros dos rebanhos rumo ao sul, mas eu não sei para onde eles
possam estar indo. Suspirando profundamente, decido escalar a frente da montanha,
aindacobertadeneve,paraterumavisãomelhor.Usandominhasmãosparaevitarficar
cego por causa do reflexo do sol na neve, eu vejo um grupo grande de pessoas se
movendo. A tribo inteira e seus rebanhos estão se movendo como um grupo só. Muito
bem,achoquevouterquecorrerparaconseguiralcançá-los…
-14Parece que estou caminhando há séculos e estou começando a perder as forças. O que
parecia ser uma rosquinha, dada pelo meu professor, foi devorada há muito tempo; eu
esperoqueelesnãoestejammuitolonge.Temcadavezmenosnevenochão,pedaçosde
gramacomeçamaaparecer,sinalizandoachegadadaprimavera,comseudesejourgente
porvegetação.Oventosobreasestepescarregaosomdeberrosevozeshumanas.Estou
quase lá. Finalmente! E, do topo de um pequeno morro, tenho uma visão maravilhosa.
Um vale coberto de grama impecável, com um rio afluente correndo no meio, banhado
pelaluzdosol.Esteéonovolocaldepastagemqueatriboescolheu,eogado,cordeirose
cavalosquemalpodemesperarparaprovardonovocapim,estádesfrutandodeledetodo
ocoração.Comaenergiadelesmerejuvenescendo,logoeuchegoaoacampamento.
Eureconheçomeupai,que,juntocomGambatemuitosoutroshomensdatribo,jáestá
firmando estacas para o curral das ovelhas. Os outros estão colocando os tapumes no
chão, em círculos, dobrando-os como sanfonas. Depois, eles fixam postes longos que
foram amarrados juntos na coroa central, como hastes de um guarda-chuva, levantam
tudoecolocamemdoispilarescentrais.E,porfim,estaestruturacomsuportepróprioé
presa no local por meio de várias cordas e nós firmes. Sempre digo que os nômades da
Mongóliasãoosnavegadoresdasestepes!
Euvejominhamãeespalhandootelhadodefeltronochãoemeaproximoalegremente.
Osolhosdelabrilham,umlargosorrisoiluminaseurosto,masoabraçoteráqueesperar
atéqueotrabalhosejaconcluído.Eupegoumposte,deslizo-oatéofeltroeajudomeus
vizinhosalevantareiçarotecidopesadoatéotopodaarmação.Colocamosemvoltada
coroa central e amarramos cuidadosamente. Então, rolamos as laterais de feltro até o
chãosobreostapumescirculares,deumladoaooutrodaportacentral,easamarramos
também.Dentrodatenda,minhaavóeminhasirmãsestãoforrandotapetesnochãode
madeira,enquantoesperamqueofornocentral,ascamaseosbaússejamcolocadosem
seusdevidoslugares.
Comcadavizinhoajudandoumaooutro,levaapenasduasoutrêshorasparaquetodasas
tendas da tribo estejam prontas e os fornos acesos. Os mais velhos, então, fazem uma
oferendadeleiteaTengri,oPaiCelestial,anossosancestraiseaosespíritosprotetores,
para que eles guardem os rebanhos e os habitantes das tendas. Eu agarro os bolinhos
oferecidospelasminhasirmãs,quenãoparamdefalar,ansiosasparamecontarsobreas
últimas aventuras, quando acontece uma grande explosão. Os cães do acampamento
começam a latir sem parar. Um temporal terrível cai repentinamente, bombardeando o
chão. Para nós, tempestades são desastres tão graves quanto lobos atacando nossos
rebanhos.Riosdeáguajácobremochãodatenda,inundandootapete.Osgritosdeterror
demulheresecriançasmefazemagir.Euordenoqueminhasirmãssubamnascamase
não se me mexam até que os adultos retornem. Então, corro para fora da tenda para
ajudaromeupovo.
As mães juntam as crianças e as guiam para dentro das tendas. As ovelhas nos currais
berram de pavor, pisoteando umas às outras, enquanto o nível de água sobe a uma
velocidade alarmante. Por que elas já estão nos currais quando a noite ainda está tão
distante?Ondeestãomeuirmão,meupaieoshomensdatribo?
Droga!Elesdevemtersaídoparafazeroferendasàantigaárvorenotopodamontanha,
amarrando laços de tecidos coloridos nos galhos e rezando para os espíritos dos nossos
ancestrais e os espíritos da natureza por uma primavera abundante. Quando eles
voltarem, a tempestade vai ter afogado até os peixes do rio! Alguém tem que tirar as
ovelhas do curral! Eu assobio alto e, imediatamente, escuto um relincho respondendo:
Altaïr,desafiandoatempestade,galopaemminhadireção.Eulançomeusbraçosemvolta
de seu pescoço e, usando uma técnica que aprendi quando criança nas estepes, lanço
minha perna sobre o flanco dele e subo em suas costas. Eu aperto com as pernas e o
direciono para os currais. As patas de Altaïr formam ondas de água barrenta ao nosso
redor,enquantoeleabrecaminhovalentementepelacorrenteza.
Chegamos no curral. Eu arranco as cordas das estacas da entrada, e as ovelhas correm
paraforaempânico,empurrando-nosparalonge.Saindoemumfluxomaisdensodoque
o da chuva caindo em nossas cabeças, elas seguem direto para o rio. Elas estão
completamente enlouquecidas! Aperto o flanco de Altaïr e, galopando furiosamente,
alcançamosasovelhasàfrentedorebanho.Altaïrseempinanafrentedelas,desviando-as
o caminho. Belo trabalho, meu maravilhoso Altaïr. Empurramos as ovelhas, guiando-as
rio acima para que se refugiem na subida da montanha. Quando a tempestade acabar,
teremos que encontrá-las e torcer para que os lobos não nos façam pagar caro pela
escolha,masémelhorarriscarperderalgumasdoquetodas.Istoéalgoquemeupainos
ensinou.Derepente,escutoberrosdeangústiaatrásdemim.Achuvaestátãointensaque
bloqueia a luz do dia. Eu sigo em frente quase sem enxergar, guiado apenas pelo som,
quandoochãodesapareceembaixodoscascosdeAltaïr.Elelutacontraumacorrenteza
delamaqueestánoslevandoemdireçãoaorio.Háalgoespirrandoáguaànossafrente;
certamenteumcordeiro.EufaçocomqueAltaïrváemsuadireção.Agarroocordeirocom
o antebraço e levanto até o pescoço de Altaïr, segurando-o contra meu peito. Meu
garanhãolutacomtodaasuaforçaeconseguesairdacorrentezadelama,subindoatéo
chãofirme.Elebufaeretornainstintivamenteparaoacampamento.
Atempestadeacabatãodepressaquantocomeçou.Umaluzpálidabrilhasobrearegião
mais uma vez. Eu sinto a adrenalina deixando meu corpo lentamente, agora que o pior
passou. Ainda confuso, eu me aproximo das tendas para conferir a extensão dos danos.
Comoumfuracãoestremecendoumiatenooceano,afúriadocéuseaproprioudetudoo
quenãoestavapresoaochãofirmemente.Ascoisasestãoespalhadasportodososlados:
tecidos estendidos para secarem, louças em pedaços, selas, móveis quebrados… Uma
mulhercorreemminhadireçãoaosberros,outrosaacompanham.Elasejogaemmim,
arrancandoocordeiroqueeuseguravafortementecontrameupeito.
“Taitchou!”—elarepeteváriasvezes,soluçandodealívio.
Eu percebo que o que eu pensava ser um cordeiro é, na verdade, Taitchou, o filho mais
novo dela. Aprendendo a andar recentemente, ele conseguiu escapar do olhar atento da
mãeparaexploraronovoacampamento,eascorrentezasdechuvaelamaocarregaram
para longe. Graças a Deus, Altaïr estava lá para me ajudar a salvá-lo! Formas escuras
começam a aparecer sob as minhas pálpebras, quando sinto braços me agarrando,
tirando-medascostasdeAltaïrelevando-meparadentrodeumatenda…
-15Quando acordo, um sol glorioso está iluminando as estepes encharcadas. Raios de sol
entrampelo“tono”,acoroacentraldemadeiraqueservecomochaminé,assimcomopara
sustentar a estrutura da tenda. Confuso, pisco algumas vezes antes de levantar-me e
seguirparaasaídadatenda.
Eucomeçoaabriraportaeperceboqueoscurativosforamretiradosdasminhasmãos.
Olho espantado para as pontas pretas e azuis dos meus dedos. Recomponho-me e dou
alguns passos sobre o chão esponjoso. Já está quase anoitecendo. Os homens da tribo
devem ter se apressado de volta da peregrinação e estão ajudando com os trabalhos
comunitários, como reunir os rebanhos espalhados, secar os tapetes, as tapeçarias e os
móveis e recuperar tudo o que podem. O modo de vida nômade está sujeito a todas as
incertezas da terra onde vivem. As diferenças de temperatura variam de -40° a +40°,
obrigando-nosamudardelocalacadanovaestaçãoe,àsvezes,maisfrequentemente,se
for preciso achar novas pastagens. Sem mencionar todos os imprevistos da natureza,
comoestatempestade.Euadmiroaforçadomeupovo,asolidariedadedeterminadadeles
nosmomentosdeapuro.Nãoháumaúnicareclamação;pelocontrário,elescomeçama
entoarcantosguturaisparaincentivaremunsaosoutros.
Minhasirmãsmeveemecorrememminhadireção,gritandocomogansosselvagens.Elas
se jogam em mim, derrubando-me no chão, cobrindo-me de beijos com suas risadas
ressoandoemmeusouvidos.Derepente,umasombracontraosúltimosraiosdeSolme
cobre, silenciando as risadas das minhas irmãs. Elas somem tão rapidamente quanto
chegaram,eeu,levantando-meprontamente,encontro-mecaraacaracommeupai.
Elemeencaraporumlongotempo,impassivelmente.Então,lentamente,abreosbraços
paramedarumabraço,oqualeuaceitoaliviado.Mantendoosilêncio,meupaigesticula
para que eu entre na tenda e me sente. Estou apavorado, mas faço de tudo para não
demonstrar.Meupairetiraumacaixademetaldobolso,abreemeentrega.Hã?!Rapé?
Isso significa que ele me considera um homem? Minhas mãos tremem levemente. Eu
pegoumapitadaderapé,coloconodorsodamão,entreodedãoeoindicador,einaloa
substânciapungente.Eusoudominadoporumataquedeespirros,enquantomeupaifaz
uso de seu tabaco com a sua serenidade habitual. Pergunto-me se algum dia vou me
acostumar com este ritual masculino. Quando finalmente paro de espirrar, olho
timidamenteparameupaieesperoqueelefale.
“Eufaleicomasuamãe.”
Em seguida, um longo silêncio, e a ansiedade me corroendo por dentro como um rato
faminto.Então,elecontinua,irritado:
“Lamento que você não tenha escolhido a vida de pastor nômade, como seu pai e seus
ancestrais.EuatérezeiparaTengri,comesperançadeelechamá-loàrazão.Masdecidi
respeitarasuadecisão.”
Meu coração dispara. Meu pai suspira suavemente e se levanta para deixar a tenda. Eu
fico imediatamente de pé e me curvo diante a ele, agradecendo. Então, ele tira um
envelopeenroladodedentrodobolsoecolocadentrodomeu.
“TenhacuidadonaAmérica.”
Eledeixaatendarapidamente,semdizermaisnada.Achoquenuncaoouvidizertantas
palavrasdeumasóvez.Eudesenrolooenvelopeeoabro.Dentrodele,apermissãopara
queeu,ummenor,estudenoMIT.Hátambémummaçodedinheiroamassadoemnotas
pequenas.Elávamosnós,denovo.Meusolhosardem,eeusintoaslágrimasbrotando.
Destavez,euasdeixocair.
-16NocaminhoparaoônibusquemelevaráparaUlanBator,quemmaismesurpreenderia
senãooProfessorTemudjinacompanhadodeSalonqa!?Eleveiomebuscaremseucarro
velho e, antes de explicar qualquer coisa, já pergunta se a viagem foi proveitosa. Eu
mostro o envelope amassado, e ele acena com a cabeça, demonstrando satisfação.
Salonqa,poroutrolado,nãoparadefalar.
“Professor Keusséoglou me disse de onde os desenhos e os cilindros são. Eles são da
Macedônia e datam de 350 a 330 AC. Porém, os símbolos geométricos ainda são
desconhecidosparaele.”
“Professor,oqueelessabiamdematemáticaegeometrianesteperíodo?!
“Em 600 AC, Pitágoras formalizou uma série de conceitos que ainda são utilizados até
hoje, como os números inteiros, quadrados, as propriedades do triângulo retângulo, o
númeropi,arazãoáurea,opentagramaetc.,eostraduziuemcomponentesmatemáticos
absolutos. Diversas sociedades esotéricas, como os Francomaçons, alegam ainda
representarasdescobertasdePitágorase…”
Meuprofessoréveementeapaixonado;eupoderiaescutá-loporhoras.Maseutenhoque
meconcentrarnoassuntoe,comoquemnãoquernada,tussoaltoparainterrompê-lo.
“Então, os cilindros, eles datam aproximadamente do tempo em que Pitágoras estava
formalizandotudoisso?
“Sem dúvida. Este conhecimento se espalhou cortes reais mais importantes daquele
tempo. Os professores eram chamados de preceptores. Eles se dedicavam a educar
príncipesemembrosdanobrezaemfilosofia,ciências,estratégiamilitar…”
Ao chegarmos no estacionamento da universidade, meu professor para de falar. Assim
queentramosnabiblioteca,Salonqamedirecionaaumamesacheiadelivros,pegameu
computadoreocolocanamesa,emfrenteaumacadeira.
“Na tela, você encontrará fotos do cilindro de osso, originais e na versão 3D. Eu
embaralheiasletrasqueoSr.Keusséoglouidentificoucomopartedoidiomamacedônico,
mas elas não parecem fazer nenhum sentido. De qualquer forma, ainda existe uma
misturadesímbolosbizarrosqueeunãoentendo.Suavez.”
Pareceumaestrelasupernova.Eugiroaimagememtodasasdireçõesparaverseconsigo
criarumaformageométricacomadistribuiçãodossímbolos,algumaordemnocaos,mas
nadaóbvioaparece.Sebemque…todosestessímbolossãocheiosdaquelesângulosretos
que Pitágoras amava tanto. Eu conto vinte e quatro símbolos diferentes, mas todos de
formasgeométricassimples.Separoumgrupodedezoitosímbolosquecontêmlinhasdo
mesmo comprimento. Eles são organizados ponta com ponta, nos ângulos retos, em
pares,emtrêsouemquatroparaformaremumquadrado.Metadedestesdezoitotemum
ponto no canto quando há duas linhas, na linha central quando há três, e no centro
quandoháquatro.Derepente,eucomeçoarir.
“Ojogodaslinhas!”
Oprofessormeolhaconfuso,entãoeuexplicooqueestoupensando.
“Issomelembraumjogodequandoeueracriança.”
Usandoalgunscomandosdevoz,separoasnoveformascompontodasoutraseorganizoasparaformarumagradedenovequadrados,compontosemcadaquadrado.
“Se me permite, há simetria nos nove símbolos restantes,” — diz meu professor. “Olhe,
umagradevazia,”—elediz,usandooteclado.
Eujuntoasduasformassimétricasesintoumarrepionaespinha.
“Salonqa,quantasletrasexistemnoalfabetoqueelesusavamnaMacedônia?”
“Vinteequatro.Dezoitoconsoanteseseisvogais,assimcomoemgregoantigo.Veja.”—
elacomplementa,usandootecladoparamostrarnatela.
Eucrioumagradequeemparelhaosdezoitoquadradoscomasconsoantesgregas,depois
substituoasformasgeométricasnocilindrodeossopelasconsoantes.Depois,alternoos
triângulosediamantesqueacreditoseremasvogaisemváriascombinaçõespossíveis.
Derepente,Salonqa,queestavaatrásdemim,deixaescaparumgritodesurpresa.
“Pronto! Aproxime nesta sequência. Mandarei para o Sr. Keusséoglou. Acho que
reconheçoumapalavranocilindrodemetal…”
ΆλογοτουΑλεξάνδρου,ανίκητοςστηνπλάτησαςθαείναιαθάνατοδύναμηαστέρι.
OProfessorKeusséogloumalrecebeasequênciaeenviaatradução.ProfessorTemudjin
ficatãoabismadoquesóconsegueresmungar.
“Éincrível,é…Battushig,amensagemsecretaésobrealguémtãofamosoquantoGenghis
Khanéparanós!Alexandre,oGrande,umdosmaioresconquistadoresdomundo,eseu
famosocavaloBucephalus!”
Nestemomento,umanotificaçãoaparecenocantodateladocomputador,mostrandoque
eu tenho uma nova mensagem. Instintivamente, eu a abro, quase pulando para fora da
minhapelequandovejoquemmandouamensagem.ÉdeKhubilai,oex-alunodanossa
universidade, que agora trabalha na Hannibal Corp. O Professor Temudjin passou-lhe
meue-mailemeupedido,depoisqueeupartiparafalarcommeupai.Emlealdadeaseu
antigo professor, Khubilai aceitou enviar-me fotos dos objetos retirados do corpo do
cavaleiro encontrado no gelo e ao redor dele. Além dos fragmentos de roupa e de
armadura,existeumtriângulodemetalgravadocomsímbolos,algumasmoedasdeouro
edoispergaminhos.
AmensagemdeKhubilaiébreve.“Oprimeirodocumentoéum‘passe’militareosegundo
é uma carta de câmbio. Os dois documentos datam de 326 AC, e estão assinados pelo
generalPtolomeu,comandantesupremodoexércitodeAlexandre,oGrande.
“MasPtolomeunãofoioprimeirodeumalongadinastiadefaraósegípcios?”—pergunta
Salonqa.
“Certamente,”—respondeprofessorTemudjin.“Éomesmogeneralque,posteriormente,
viroureidoEgito,cincoanosdepoisdamortedoConquistador.”
ProfessorTemudjinnoschamaparapertoenosmostranatelaomapadasconquistasde
Alexandre,oGrande,depoisqueeledeixouaMacedôniaem334AC.Eleapontaparaa
cidadedeBucéfala,emalgumlugardaatualregiãodePunjabe.
“Aquifoiondeabatalhafinalaconteceu,antesdastropasrecuaremem326AC.Ocavalo
queridodeAlexandre,Bucephalus,desapareceu,eAlexandrefundouacidadeaqualele
nomeouemsuahomenagem.”
Depois, ele aponta para as Montanhas Altai e faz o trajeto da jornada em direção a
Punjabe.
“Estaéarotaqueocavaleironogeloprovavelmentetomou.”
Euviroparaocomputador,voltandoàtraduçãodamensagemsecretadocilindrodeosso.
“Cavalo de Alexandre, invencível em tuas costas há de carregar uma estrela de poder
eterno”
Aquela maldita estrela de novo… Eu pego a foto do triângulo de metal com a ponta
quebrada, faço quatro cópias dela, giro as cinco imagens e organizo-as para que fiquem
conectadas pelas bases. A imagem criada é a que eu imaginava: uma estrela de cinco
pontas… A estrela de poder eterno, um selo de onipotência, quebrada. Um arrepio
percorreaminhaespinha.IstosignificaqueHannibalpossuiumfragmentodaestrela,e…
Sou apreendido por um medo muito provavelmente irracional, mas impossível de
controlar. Os “e se” agitam meu cérebro e se multiplicam, levando-me a uma terrível
conclusão:
Se John Fitzgerald Hannibal, com o poder de sua rede de inteligência, seu apoio
financeiroeseudomíniodamaissofisticadatecnologia,
obtiverospedaçosdoseloquebradoejuntá-los,
eencontrarBucephalus…
Entãoelesetornarátãopoderosoeinvencívelquantoumdosmaioresconquistadores,e
ditadores,domundo!
Euprecisodetê-lo!Mascomoéqueeu,SalonqaeoprofessorTemudjinvamos,sozinhos,
lutarcontraasededepodereosinúmerosrecursosdeHannibal?
Vocês,membrosdaredeon-line,todososdesconhecidosemseuscampos,assimcomoos
conhecidos, que representam cada nacionalidade, armados com todo o conhecimento e
com todo o suporte possível, espero que vocês se juntem a nós para que, juntos,
encontremososfragmentosdoselodaonipotênciaantesqueHannibalofaça.Eparaque
possamosimpedi-lodecolocarasmãosemumpodertãoperigoso!
Sevocêgostoudessahistória,venhaconhecerAltaïredescobrirosoutroscavalos
lendáriosnobr.howrse.com
AutoradashistóriasdosCavalosLendários:ChristineFrasseto
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