universidade federal da bahia

Transcrição

universidade federal da bahia
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA
Sergio M. S. Vidal
Colhendo Kylobytes:
O Growroom e a cultura do cultivo
de maconha no Brasil
SALVADOR - BA
2010.1
Sergio M. S. Vidal
Colhendo Kylobytes: O Growroom e a cultura do
cultivo de maconha no Brasil
Monografia apresentada como
requisito parcial para obtenção
do título de Bacharel em
Ciências
Sociais
com
concentração em Antropologia,
sob orientação do Prof. Dr.
Edward MacRae
SALVADOR - BA
2010.1
2
AGRADECIMENTOS
À Família da qual venho (Mãe, Pai e irmão), por terem me apoiado, mesmo quando
nem sempre entendiam ou concordavam com todos os meus motivos e formas de
agir;
À família que estou formando (Laura e o bebê), pela paciência e tolerância que
tiveram e ainda terão que ter pelas conseqüências dos caminhos que escolhi trilhar;
Aos amig@s verdadeiros, por alimentarem minha alma, me acolherem nos
momentos mais difíceis e celebrarem comigo os grandes momentos;
Ao Ira, que mais que um amigo é um irmão que já fazia parte da Família antes
mesmo de nos conhecermos pessoalmente;
Ao meu orientador, que têm atuado de forma muito mais ampla do que esta função,
sendo apoiador, incentivador e amigo;
Aos Mestres contemporâneos com os quais tenho a honra de compartilhar lições
inesquecíveis;
Aos ilustres anônimos que me incentivaram, muito ou pouco, por e-mail, telefone;
carta, pensamento positivo ou sinal de fumaça;
Aos membros da comunidade Growroom, sem os quais nenhuma dessas linhas
faria o menor sentido de serem escritas;
E à Santa Maria por nos dar a vida e a luz para vivê-la com sabedoria.
3
RESUMO
Este trabalho discute a cultura do cultivo não-comercial de maconha no Brasil,
através dos dados de uma pesquisa realizada em uma comunidade de usuários na
Internet. A pesquisa utiliza dados etnográficos sobre a comunidade Growroom
(www.growroomnet), relacionando-os com dados quantitativos a respeito do perfil e
dos hábitos de consumo de pessoas que plantam maconha para uso pessoal no
Brasil, coletados através de um levantamento realizado em 2004 (Censo
Cannábico). Além disso, discute o atual status legal da planta e da conduta de
cultivar para uso pessoal, reservando também uma discussão a respeito dos
aspectos históricos e culturais dessas práticas. A monografia é finalizada com
algumas considerações a respeito de mitos existentes em torno desses hábitos,
tecendo recomendações que possam embasar mudanças nas políticas e leis que os
regulam.
Palavras-chave: Cannabis sativa – Maconha - Brasil; Cultivo de maconha para
consumo próprio; Aspectos históricos e antropológicos; Legislação e Políticas
Públicas; Growroom – seu espaço para crescer
4
ABSTRACT
Keywords:
5
SUMÁRIO
1. Sobre o lugar do autor neste trabalho...........................................................7
2. Sobre este trabalho.......................................................................................11
3. Drogas, Ciência e Cultura.............................................................................15
4. A maconha na História do Brasil.................................................................27
5. A maconha no Brasil atual............................................................................35
6. O status legal do cultivo não-comercial de maconha................................41
7. A redescoberta da cultura do cultivo de maconha....................................48
8. O nascimento do Growroom........................................................................57
9. Tornando-se usuário do Growroom.............................................................61
10. Cultivando maconha para consumo próprio..............................................76
11. Sobre o mito da “maconha transgênica” e outras considerações...........91
12. Referências..................................................................................................104
ANEXOS
I. Questionário das entrevistas com usuários do Growroom.....................111
II. Questionário do Censo Cannábico............................................................114
6
1.Sobre o lugar do autor neste trabalho
“pra mim é sagrado, é a minha Santa Maria, minha mãe, é a luz da
minha vida, enfim, é a cura para humanidade... É quem me dá o meu
valor... Pra eu ser quem sou, do jeito que escolhi ser...” (Cabelo1)
Antes de iniciar as discussões do trabalho apresentado aqui, é preciso
compartilhar questionamentos e dúvidas que, ao longo do tempo, tornaram-se
reflexões epistemológicas constantes, desde que decidi me enveredar pela
Antropologia das drogas e alimentos2. Na experiência do fazer antropológico, desde
cedo me deparei com questões que, aos poucos, decidi transformar em pilar para os
tão
necessários
exercícios
de
estranhamento
e
vigilância
epistemológica,
fundamentais para o trabalho de campo. Afinal, ao conviver em comunidades para
estudar a cultura do uso de drogas, que lugar estaria eu ocupando nessas
Observações Participantes? O lugar de antropólogo observando enquanto participa
para aprender com os nativos, ou de um nativo que, deixando apenas de participar,
passou a aprender com a comunidade de antropólogos as ferramentas que
possibilitaram também exercer a observação e outras atuações do fazer
antropológico?
Essa reflexão se fez cada vez mais necessária, à medida que passei a optar por
temáticas específicas dentro da área de estudo escolhida. Antes de entrar na
Faculdade já havia experimentado diversas drogas, entre lícitas e ilícitas, bem como
me tornado usuário habitual de algumas. Porém, tais fatos, por si, não seriam um
motivo especial para que a escolha dessa área de estudos demandasse alguma
reflexão específica sobre os dilemas do trabalho de campo.
Diversos antropólogos estudam hábitos alimentares, sexuais, crenças
religiosas e outros temas que lhes são próximos enquanto indivíduos ou que fazem
1
2
Escolhi ilustrar cada tópico com um trecho das falas dos usuários entrevistados por mim durante a
pesquisa.
Existe uma ampla discussão entre os antropólogos sobre qual seria realmente o melhor termo para
substituir a palavra drogas, sob argumento de que esta estaria muito estigmatizada atualmente.
Substâncias psicoativas, plantas de poder e enteógenos, são apenas alguns dos exemplos dos
termos utilizados, num debate que se amplia cada vez mais, sobretudo se formos buscar uma forma
de definir o ramo da Antropologia que estudaria a relação dos seres humanos com as “drogas”.
Nesse trabalho adotei a definição do historiador Henrique Carneiro, para quem as drogas, na maior
parte da história humana, estiveram associadas à alimentos, sendo a origem do termo oriunda do
holandês antigo: droog. Tal palavra era utilizada para designar os produtos de origem vegetal
condicionados de forma desidratada, na clássica divisão entre secos e molhados, encontrada em
diversas tradições humanas até os dias de hoje.
7
parte do seu cotidiano extra-acadêmico. Alguns autores inclusive estudam práticas
sexuais que são próximas às suas próprias, ou sistemas religiosos dos quais muitas
vezes são praticantes. Existem inúmeros exemplos desse tipo, como o de
pesquisadoras feministas que estudam o próprio movimento feminista, ou de
antropólogos que fazem parte de Casas de Culto Afro-brasileiras e em seus trabalhos
tomam como objeto de estudo seus próprios sistemas de crença.
No entanto, sempre acreditei que, qualquer pesquisador que pretenda estudar
uma comunidade religiosa da qual faça parte, ou qualquer outro tipo de comunidade
ou grupo de indivíduos do qual ele mesmo seja um dos membros, precisará,
necessariamente, fazer considerações a respeito desse lugar especial que ocupa. Até
mesmo para manter a maior honestidade possível com leitores do seu trabalho, o
pesquisador-nativo, ou nativo-pesquisador, precisa expor seu pertencimento ao
grupo ou comunidade, e buscar uma forma de trabalhá-lo não só ao longo da
pesquisa de campo, mas principalmente na forma de exposição dos dados, ou seja no
texto publicado, construindo-o de maneira a deixar claro para o leitor onde termina a
fala do nativo e começa a do pesquisador e vice-versa.
Quando participei, como Bolsista do Programa de Incentivo à Bolsistas de
Iniciação Científica – PIBIC/UFBA – de uma pesquisa de campo por 30 dias no Acre,
coordenada pelo prof. Edward MacRae, a respeito do uso religioso de Ayahuasca3, foi
mais fácil equacionar essa questão. Apesar de já haver tomado Ayahuasca antes de
participar da pesquisa e ter uma relação que pode ser considerada espiritual com a
bebida, não sou “fardado”, nem posso afirmar que seja um “daimista” 4, ou nem ao
menos um seguidor de alguma das religiões que fazem uso da bebida. Isso significa
que, mesmo estando em comunidades onde se faz uso da bebida, e mesmo
compartilhando daqueles momentos de uso ritual, não fazia parte das comunidades
estudadas. Os códigos, as categorias e os significados compartilhados em torno da
bebida e de seus usos tiveram que ser completamente apreendidos por mim, ainda
3
4
Ayahuasca é uma bebida de origem indígena, utilizada por religiões brasileiras como a União do
Vegetal, a Barquinha e o Santo Daime, dentre outras. A ayahuasca é preparada com o cipó
Banisteriopsis caapi e com as folhas da Psichotria viridis, fervidos juntos com água durante horas,
para reduzir o volume do líquido e extrair o princípios ativos. A bebida contém substâncias como o
DMT, Harmalina, Harmina, dentre outras, consideradas psicodélicos tão poderosos como o LSD25, a Mescalina ou MDMA, e capazes de proporcionar estados especiais de percepção existencial.
Fardado é o termo utilizado para designar os adeptos do Santo Daime que realizam o ritual no qual
se comprometem em seguir a Doutrina e participar frequentemente dos rituais do calendário
daimista. Já Daimista é o termo com o qual se auto-denominam os adeptos do Santo Daime. É
importante lembrar que o Santo Daime é um sistema de crenças com diferentes vertentes, muitas
vezes divergentes entre si. As Igrejas que frequentei durante a pesquisa pertenciam ao CEFLI –
Centro Eclético Flor de Lótus Iluminado e CEFLURIS – Centro Eclético Fluente Luz Universal
Raimundo Irineu Serra.
8
que de forma mediada pelas leituras de trabalhos a respeito do tema, e por minhas
próprias experiências com a bebida e com a religião.
Não precisei fazer o esforço para me colocar num lugar estranho, já que eu na
verdade tive que utilizar todo meu arcabouço teórico sobre essas religiões para
realizar o exercício de apreender aspectos da cultura da comunidade específica que eu
estava estudando, ou seja, o estranhamento estava dado. Não somente por estar em
uma comunidade religiosa com significados a respeito da bebida bastante
diversificados dos meus, ou ainda por estar em um contexto ecológico, cultural, social
e geográfico totalmente diferentes do que eu conhecia, mas principalmente por não
fazer parte dessas comunidades. Além disso, não apenas os significados sobre a
bebida eram diferenciados, mas as concepções centrais sobre muitos valores de vida
eram diferentes das minhas, facilitando a realização de uma observação mais
distanciada.
A experiência da antropologia ayauasqueira5 é algo discutido há bastante
tempo dentro da área dos estudos sobre drogas, especialmente na antropologia
brasileira, onde é comum encontrarmos muitos pesquisadores que não apenas
comungam significados espirituais sobre a bebida, mas também participam
ativamente das religiões. De fato, desde o século XIX diferentes pesquisadores que
atuaram em comunidades indígenas no Brasil relataram não apenas a cultura do uso
da ayahuasca, mas suas próprias experiências com a bebida.
Devido, principalmente, à necessidade de estudos oficiais sobre essas culturas
que embasassem o processo de regulamentação do uso religioso dessas substâncias6,
diversos pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento têm sido chamados a
opinar sobre esses grupos. Desde a primeira expedição oficial do governo, no início
da década de 1980, antropólogos e sociólogos foram incorporados à equipe e, mesmo
antes disso, alguns pesquisadores já realizavam expedições independentes, como
Edward MacRae, orientador deste trabalho.
5
6
A antropóloga Beatriz Labate tece uma excelente reflexão a respeito do lugar do antropólogo
ayahuasqueiro, discutindo as tensões nesse campo, tanto na comunidade de antropólogos quanto
nas comunidades ayahuasqueiras, incluindo considerações sobre ética, regras de conduta, dentre
outros temas relevantes. Ver, LABATE, B. A reinvenção do uso da ayahuasca nos centros urbanos.
Campinas – SP: Editora Mercado de Letras, 2004.
O início do processo de regulamentação da Ayahuasca deu-se a partir da primeira expedição oficial
do governo brasileiro para estudar uma comunidade que fazia uso religioso da bebida. Em 1983 o
governo brasileiro enviou uma equipe multidisciplinar, que incluía um antropólogo e uma
socióloga, para estudar o uso do Daime em comunidades da Igreja CEFLURIS. O processo de
regulamentação só foi concluído em 2006, quando um Grupo Multidisciplinar de Trabalho
formado por membros do governo, cientistas e representantes de diferentes religiões que fazem uso
da bebida firmaram os Princípios Deontológicos do uso da Ayahuasca, que tornou-se, então, o
documento base para a atual política sobre o tema.
9
Face a estas considerações feitas, posso afirmar que, em minha participação
nesse trabalho de campo em comunidades religiosas que fazem uso de Ayahuasca, foi
mais fácil para mim realizar os exercícios de estranhamento e vigilância
epistemológica, já que contava com reflexões de outros autores a respeito desse tipo
de experiência e ao mesmo tempo, era muito mais explícito, tanto para mim, quanto
para os membros das comunidades, os limites entre meu “lado nativo” e meu “lado
antropólogo”. Nessa experiência de campo eu não podia ser considerado um nativo
apenas por fazer uso das mesmas plantas que a comunidade e por compartilhar
alguns dos seus valores e significados. Eu não era membro da comunidade, nem eles
me entendiam como um membro da comunidade, e sim, no máximo, como um
pesquisador em condição especial, principalmente por estar trabalhando com
Edward MacRae, que é bastante conhecido e respeitado na maioria das comunidades
do Santo Daime, especialmente nas que visitamos.
No entanto, a experiêcia do fazer antropológico da pesquisa apresentada nesta
Monografia, sobre a comunidade Growroom e a cultura do cultivo de maconha7, a
situação é bastante diferente. Não apenas faço uso da mesma planta que outros
membros da comunidade, mas também faço parte de sua história desde seu
surgimento, conhecendo o fundador antes mesmo da existência do fórum de
discussões, estimulando-o e auxiliando-o na organização e moderação. Além disso,
atualmente participo do processo de institucionalização do Growroom, que por hora
passa por criação de Estatuto e registro de documentos, dentre outras atividades, o
que me coloca diretamente ligado à sua estrutura, forma de atuação e funcionamento.
Assim, uma vez que faço parte da comunidade à qual me propus estudar antes
mesmo de ter definido quais seriam meus rumos na Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, achei correto, do ponto de vista da manutenção do estatuto da
neutralidade científica8, colocar de forma clara meu envolvimento com a
comunidade, com o fórum e com as transformações realizadas ao ao longo de sua
7
8
A maconha é uma planta usada pelos seres humanos há mais de 12.000 anos, para as mais diversas
finalidades. Atualmente existem inúmeros termos para designar a planta, sendo maconha o mais
conhecido no Brasil e Cannabis sativa, seu nome mais conhecido na taxonomia botânica. Por esse
motivo, neste trabalho, usaremos predominantemente maconha e cannabis para nos referirmos à
esta planta.
Discutir o conceito de neutralidade científica é algo fora dos objetivos e do formato necessário à
este trabalho. Por hora, gostaria apenas de afirmar que meu posicionamento é de que a ciência,
como todas as práticas humanas, estão impossibilitadas de ter uma neutralidade absoluta, por sua
característica intrínseca de estar vinculada aos contextos histórico, econômico, social, cultural,
dentre outros, dos quais faz parte. A neutralidade é, dessa forma, entendida neste trabalho como o
esforço permanente para exercer a vigilância epistemológica e expor os meus lugares de
pesquisador e nativo.
10
história. Por isso, decidi que utilizaria nesse trabalho algumas estratégias para deixar
da maneira mais explícita possível de que forma tem sido a minha participação na
comunidade, dentre as quais, utilizar meu próprio perfil e mensagens no fórum como
exemplos, quando isso for possível.
O tema drogas, e a análise das múltiplas questões envolvidas nele, ainda é um
tabu em nossa sociedade, ainda que muito tenhamos avançado nesse debate. Sei que
declarar-se usuário de alguma droga, especialmente ilícita, é uma atitude socialmente
arriscada, pois, na grande maioria das vezes, trazemos para nós olhares
estigmatizantes e discriminatórios. Olhares esses que, de forma superficial e taxativa,
provavelmente nos acompanharão a vida toda, mesmo que nossos trabalhos tenham
boa qualidade e a nossa relação com o uso da substância seja equilibrada. No entanto,
apesar de todos os riscos, acredito que não exista outra forma de fazer antropologia
senão sendo extremamente honesto tanto com a comunidade estudada, quanto com a
comunidade de antropólogos e com a sociedade em geral. Na verdade, não há outra
forma de se fazer qualquer atividade sem haver honestidade com as pessoas direta ou
indiretamente participantes do que é estudado e/ou produzido, e talvez influenciadas
por aquilo que fazemos ou falamos.
Espero ter trilhado este caminho, da melhor forma possível, neste trabalho,
com todas as comunidades e indivíduos a quem devo respeito e responsabilidades, e
onde busquei trazer colaborações para que a sociedade brasileira compreenda e possa
se relacionar melhor com aqueles cidadãos que optaram por cultivar a maconha que
consomem.
2.Sobre este Trabalho
“É incrível como a planta reage aos estímulos. É
impressionante como ela muda diariamente, se relacionando mesmo
conosco, de acordo com as condições que oferecemos a ela. Isso
sempre me deixa impressionado. Me faz lembrar que sempre posso
mudar também”. (Pintolico)
Inicialmente, na pesquisa que deu origem à esta Monografia, eu pretendia
analisar apenas a forma como usuários de maconha estabeleciam relações sociais
através de um fórum de discussões na Internet (www.growroom.net/board). Minha
11
idéia original era realizar uma observação participante em alguns tópicos de subfóruns com temas específicos, realizar entrevistas com alguns informantes-chave e
traçar o histórico do fórum através de depoimentos do seu fundador. Além disso,
também analisaria os dados do Censo Cannábico, projeto do qual fiz parte, e que
consistiu num levantamento quantitativo realizado em 2004, que reuniu cerca de
5.400 questionários respondidos, com mais de 70 perguntas sobre os hábitos e o
perfil dos usuários de maconha brasileiros, sendo totalmente produzido e divulgado
através do Growroom.
O objetos principais da pesquisa era o fórum, sua estrutura, seu histórico, seus
espaços, tempos e mecanismos de sociabilidade, e os dados do Censo Cannábico,
buscando traçar um perfil do usuário de maconha brasileiro que também faz uso da
Internet, e a questão do cultivo para consumo próprio entraria apenas como um dos
temas debatido na pesquisa. Porém, diversos acontecimentos ao longo da pesquisa
me fizeram redimensionar os espaços reservados a discutir o fórum e os dados do
Censo Canábico e decidir analisar mais aprofundadamente, considerando como uma
importante questão a ser debatida, a cultura e condutas de cultivo não-comercial ou
para consumo próprio de maconha e seus atuais aspectos sócio-político-legais.
Alguns exemplos de fatores que motivaram a decisão de alterar o espaço e os
temas trabalhados na Monografia são: mudanças na Lei sobre drogas ocorridas em
2006, equiparando as condutas de portar e plantar para consumo próprio e definindo
para estas penas alternativas à prisão; a crescente intensificação do debate público
em torno da legalização da maconha e, principalmente, o que, nesse momento,
revela-se como o tema mais relevante para a comunidade estudada, que é o
alarmante aumento de usuários presos sob acusações de tráfico, devido a
desinformação a respeito do cultivo de maconha para uso pessoal.
Há também o fato de que a prática de cultivo para consumo próprio é cada vez
mais aceita entre os especialistas como uma estratégia de redução de danos eficiente,
e como uma forma de diminuir a violência do mercado atual de maconha 9. Além
disso, tal prática, e sua regulamentação, é objeto de um Projeto de Lei que o
Deputado Paulo Teixeira (partido e estado) pretende propor, e também está sendo
discutida por um Grupo de Trabalho, do qual faço parte, do Conselho Nacional de
Políticas sobre Drogas (CONAD). É importante ressaltar que essa é uma prática ainda
9
Publiquei um artigo no qual discuto especificamente os trabalhos que relacionam a regulamentação
do cultivo para consumo próprio como uma estratégia de redução de danos e riscos do uso de
maconha. Para saber mais ver: Toxicomanias: Abordagens clínicas e sócio-antropológicas.
Salvador: Edufba, 2009.
12
muito pouco debatida na sociedade e que, mesmo a Lei 11.343/06 prevendo tal
conduta, muitos usuários têm sido acusados injustamente de tráfico de drogas por
cultivarem alguns espécies de maconha10.
Assim, trazer à tona a discussão sobre essas questões, através da perspectiva
antropológica, mostrou-se indispensável para o a compreensão de processos recentes
no campo da cultura e das drogas. Considero como sendo a atuação principal do
antropólogo a de tradutor cultural. Nesse sentido, o antropólogo teria a função de
compreender aspectos da vida de uma comunidade, utilizando as ferramentas da
etnografia e da antropologia, enquanto participa do seu cotidiano, procurando
elaborar um nível de compreensão mínima a respeito da cultura estudada. Caberia ao
antropólogo focar o olhar não apenas para aqueles temas que sejam relevantes para si
mesmo e para a comunidade de antropólogos, ou outras a quem precise prestar
contas da pesquisa, mas também em questões que sejam relevantes para o grupo
específico com o qual está trabalhando e para a sociedade em geral.
Em minha convivência com a comunidade de usuários do fórum Growroom,
percebi como sendo o principal tema de discussões, o que inclusive o diferencia de
outros fóruns e sites sobre o tema, a troca experiências sobre cultivo para consumo
próprio e o significado atribuído à esta conduta, vista como uma forma potencial de
interferir no mercado de drogas em geral, diminuindo o poder do denominado
“tráfico”11 e a violência envolvida. De 2002 para cá, alguns membros da comunidade
foram presos e acusados de tráfico de drogas e, em geral, foram submetidos a longos
períodos de encarceramento antes de conseguirem ser reconhecidos como usuários.
Esses episódios causaram grande comoção na comunidade e o crescimento do
interesse de que a figura do cultivador passasse a ser reconhecida social e legalmente.
Todos esses processos políticos, legais e sociais e o reconhecimento, nascido na
própria experiência de pesquisa de campo, da relevância do tema do cultivo para a
comunidade estudada, me levaram a crer que tal prática merecia prioridade na
divulgação dos resultados da pesquisa, estimulando uma reflexão sobre mudanças no
10
11
Os casos mais recentes que envolveram diretamente a comunidade Growroom são o de Fábio (RJ) e
Alexandre (RS), usuários que foram inicialmente acusados de tráfico e que depois da intervenção
de advogados sob orientação e apoio do Growroom conseguiram reverter a acusação para cultivo
com fins de consumo pessoal. Para maiores informações sobre o caso de Alexandre ver o tópico
iniciado
no
dia
14
de
dezembro,
disponível
no
endereço:
http://www.growroom.net/board/index.php?showtopic=33112&st=0. Para maiores informações
sobre o caso de Fábio,
ver o tópico iniciado no dia 16, disponível em:
http://www.growroom.net/board/index.php?showtopic=33125&st=0.
A lei define tráfico de drogas como o comércio sem a devida autorização legal. Neste texto,
aparecem como sinônimos os termos: tráfico, comércio não-autorizado, comércio ilegal e comércio
sem a devida autorização.
13
objeto deste trabalho. Na difícil tarefa de recortar o objeto, procurei redimensionar a
necessidade de produzir uma extensa descrição da história do Growroom, de sua
estrutura, formas e mecanismos de sociabilidade e de me debruçar sobre todos os
dados do Censo Canábico. Por mais relevante que seja descrever uma comunidade de
maconha no ciberespaço, ou conhecer algumas informações sobre o perfil atual do
consumidor de maconha brasileiro, esses tópicos podem esperar um pouco mais para
terem a atenção que merecem e, é claro, me dedicarei à publicação desses outros
resultados da pesquisa em trabalhos futuros. Assim, , por hora, optei por eleger como
objetivo central discutir aspectos sócio-culturais e legais do cultivo para consumo
próprio, a partir da comunidade de usuários do fórum Growroom e dos dados do
Censo Cannábico, situando o atual status dessa prática segundo as Convenções
Internacionais sobre Drogas (1961, 1971 e 1988) e a Lei 11.343/2006 .
A pesquisa apresentada aqui é fruto de uma análise baseada em 4 tipos de
dados: Bibliográfico, sobre a maconha, seus usos e usuários; Observação Participante
realizada na Comunidade do Growroom – www.growroom.net/board; Entrevistas
com o fundador do Growroom e com outros usuários que cultivam para consumo
próprio; Dados do Censo Cannábico das pessoas que afirmaram plantar pra consumo
próprio.
O levantamento bibliográfico permitiu traçar um panorama sobre a maconha
na História do Brasil, até a atualidade. Os dados coletados em minha participação na
comunidade Growroom são utilizados para analisar as formas de sociabilidade entre
usuários e de reprodução das informações a respeito das técnicas e experiências de
cultivo. Além disso, também são usados para realizar uma descrição do histórico do
fórum, de sua estrutura e forma de funcionamento.
E os dados das entrevistas realizadas e dos questionários do Censo Cannábico
são utilizados para traçar um perfil dos usuários que plantam maconha para consumo
próprio e realizar algumas reflexões a respeito dessa prática no Brasil. As entrevistas
com os usuários do Growroom foram realizadas através de questionários abertos,
respondidos ao longo do último semestre de 2008, sendo que as entrevistas com Ira,
fundador do Growroom, foram realizadas através de softwares de comunicação
online e em 4 oportunidades em que pude estar pessoalmente com ele.
A utilização de metodologias de coleta de dados tão variadas se deve
especialmente ao objeto de estudo tão peculiar e que exige o maior número de
informações disponíveis para ser possível a realização de análises criteriosas sobre a
14
matéria. Espero ter utilizado da forma mais adequada e proveitosa possível, inclusive
expondo as vantagens e desvantagens dos caminhos escolhidos para a obtenção das
informações as quais tive acesso para a realização deste trabalho.
3.Drogas, Ciência e Cultura
“O Growroom é um verdadeiro centro científico. Lá aprendi muito
mais sobre plantas do que nas minhas aulas de biologia no colégio”
(Tochiba).
Atualmente, vários pesquisadores têm afirmado a necessidade da utilização de
diferentes tipos de abordagens, concomitantemente, quando nos propomos realizar
estudos sobre o uso de drogas. (ROMANI, 1999; MACRAE, 2000; 2005). As
abordagens precisariam obrigatoriamente se debruçar de forma equivalente sobre
aspectos biológicos, sociais, culturais e psicológicos, que se relacionariam dentro do
contexto no qual uma determinada substância é utilizada. Não se trata de dizer que o
efeito farmacológico de uma droga não teria influência sobre a maneira como ela será
consumida, ou como seus efeitos serão percebidos, mas de admitir que todo uso de
substâncias psicoativas está obrigatoriamente inserido dentro de um contexto sóciocultural.
Quando se admite isso, é possível também admitir o fato de que as drogas têm
efeitos diferentes entre si e, de acordo com a configuração que o seu uso assuma em
um determinado grupo social, têm também efeitos antropológicos diferenciados.
Assim, tanto as concepções válidas que circulam na sociedade a respeito de drogas,
quanto os pressupostos epistemológicos, teóricos e metodológicos que estariam por
trás dos discursos científicos sobre o tema, deveriam se tomados como parte dos
objetos a ganhar atenção dos cientistas que estudam o uso de drogas (ROMANÍ,
1999).
Os fenômenos sociais relacionados à saúde e enfermidade têm recebido cada
vez maior atenção de cientistas sociais das mais diferentes correntes teóricas. Porém,
tradicionalmente deixada às ciências biomédicas, a produção do saber sobre essas
questões tem sido marcada pela busca do princípio da universalidade de tais
fenômenos que, muitas vezes, vêm sendo compreendidos apenas à luz de suas
determinantes biológicas. Essa perspectiva é informada pelo paradigma positivista e
15
visa, em última instância, produzir conhecimento para fomentar uma intervenção.
Por outro lado, o pensamento antropológico de cunho mais compreensivista, partiria
da concepção de que é preciso produzir conhecimento sobre os fenômenos a partir da
forma como as populações estudadas se relacionam com eles. Em outras palavras, à
Sociologia e Antropologia caberia a compreensão e às ciências biomédicas a resolução
dos problemas.
Na área dos estudos sobre o fenômenos do consumo de substâncias psicoativas
não tem sido muito diferente.
Apesar das suas especificidades, a produção de
conhecimento sobre o tema tem seguido a lógica das ciências biomédicas, buscando
modelos explicativos baseados na necessidade de elucidar o nexo causal do problema
a ser equacionado, o que, no caso das drogas, seria eminentemente determinado pela
relação substância-organismo. O que significa dizer que, os trabalhos a respeito
consumo de drogas têm, em grande medida, buscado o entendimento sobre esses
fenômenos partindo de explicações centradas nos efeitos farmacológicos dessas
substâncias. Assim, as experiências com drogas não seriam entendidas como práticas
sociais diversas, com especificidades envolvendo valores, sujeitos, representações,
significados, dentre outros aspectos, mas como padrões comportamentais gerados
por indução farmacológica de um princípio ativo. Toda a experiência com drogas, que
envolveria não só a substância, mas principalmente o contexto sócio-cultural de uso,
seria entendida como causada unicamente pelo efeito da substância no organismo.
No Brasil, o crescimento da produção de trabalhos em Ciências Sociais no
campo dos fenômenos da saúde se deu principalmente através de sua introdução em
cursos de pós-graduação nos campos da Medicina Social e da Epidemiologia (ALVES
& RABELO, 1998). Com essa afirmação, não se pretende negar a existência de
trabalhos anteriores ao estabelecimento da relação entre ciências sociais e ciências
biomédicas e mesmo de trabalhos posteriores oriundos exclusivamente da Sociologia
e Antropologia. No entanto, a introdução de uma demanda por parte das ciências
biomédicas pela colaboração de cientistas sociais no seu campo traz particularidades
ao pensamento social nessa área que são importantes de serem discutidas.
Ainda que as preocupações sobre os aspectos coletivos da saúde antecedam a
institucionalização de disciplinas especificas, foi somente a partir da década de 1940
que esse processo tomou impulso, sendo também nesse período que Ciências Sociais
entraram nos cursos de Pós-Graduação12. Assim, o processo de institucionalização
Como exemplo temos o Curso de Problemas da Sociologia aplicada à Higiene (1945) na Faculdade
de Saúde Pública da USP.
12
16
das Ciências Sociais no país ocorreu paralelo ao das disciplinas da Saúde Coletiva e
Medicina Social, dentre outras iniciativas de tornar o olhar sobre a saúde mais
interdisciplinar. (CANESQUI, 1995).
Até a década de 60, a introdução das Ciências Sociais no pensamento sobre a
saúde no país se deu principalmente pelo que se chamavam de “Ciências da
Conduta”, através da cooperação em pesquisas epidemiológicas e que produziram
mudanças bastante restritas na compreensão clínica da noção de individuo enquanto
ser bio-psico-social (CANESQUI, 1995, p.20-1). Discutindo ainda sobre esse processo,
Canesqui identifica entre as décadas de 60 e 70 uma transição da hegemonia do
paradigma funcionalista para um materialismo histórico de inspiração althuseriana,
o que seria, segundo ela, a troca de um estruturalismo por outro (p. 22). Essa
mudança teria aberto um largo espaço para o florescimento de uma Epidemiologia
Social ou Crítica, que proporcionou o crescimento da inclusão de cientistas sociais
nas iniciativas de pesquisa nessa área.
No entanto, ainda que as pesquisas epidemiológicas tenham ampliado sua
relação com os fatores sociais das determinantes das doenças e enfermidades, a
lógica positivista intrínseca ao fazer epidemiológico excluía a possibilidade da
compreensão enquanto meta final, permanecendo a epidemiologia uma ferramenta
eminentemente intervencionista. Assim, o saber epidemiológico seria eminente
intervencionista, enquanto boa parte do saber sociológico seria produzido em bases
epistemológicas compreensivistas. Ou seja, em última instância, à epidemiologia
caberia produzir saber sobre um aspecto determinado sobre o qual se possa intervir,
sem a obrigação de desvendar o nexo causal entre determinantes, o que teria sugerido
a metáfora da Epidemiologia de Caixa-preta (p.24). Nesse contexto, caberia aos
cientistas sociais apenas o papel de facilitar a criação dos mecanismos de coleta de
dados para as pesquisas realizadas pelos epidemiologistas.
Mas, as especificidades das abordagens sociológicas de base compreensivista
para os fenômenos da saúde e doença tornaram possível que na década de 80
emergissem novas concepções sobre o tema. Canesqui (1994), analisando 120
trabalhos de ciências sociais na área de saúde, encontrou “crescente interesse
antropológico na análise de fenômenos saúde-doença, fugindo evidentemente à
visão naturalizada, dominante no modelo médico biologicista e mecaniscista”
(p.14). Este interesse teria como reflexo não apenas o crescimento de estudos
antropológicos sobre o tema mas, em sentido mais geral, revelar que a produção das
17
Ciências Sociais sobre o tema da saúde havia se ampliado. Até esse período, a
produção das Ciências Sociais sobre o tema estava atrelada ao seu papel subsidiário
do conhecimento biomédico com vistas à promoção de intervenções médico
sanitárias, ou, no máximo, a produzir conhecimento sobre aspectos sociais que
facilitassem essas intervenções.
No entanto, os trabalhos deixaram de ser inspirados meramente por demandas
oriundas dos grupos de interesse ou instituições ligadas às ciências biomédicas, e
também surgiram trabalhos baseados nas preocupações emergidas dentro do próprio
campo das Ciências Sociais. Assim, o foco deixou de ser a doença ou o processo
patológico e passou a ser as populações que estavam sendo estudadas, seus processos
culturais e as relações que estabeleciam com os processos de saúde-enfermidade.
Canesqui destaca como sendo importantes para esse período as contribuições dadas a
partir das discussões sobre os conceitos de disease, illness e sickness, que guardariam
“distinções entre manifestações patológica ou biológica da doença, a percepção
individual ou subjetiva da doença e a ordem cultural estabelecida” (Eisemberg,
1977; Kleinmam, 1978; Frankenberg, 1980; Yung, 1982; apud CANESQUI, 1994).
Esses conceitos abriram a possibilidade de trabalhos que buscaram
compreender o saber fundamentado nas ciências biomédicas também como inseridos
em sistemas de referências social e culturalmente determinados. Essa forma de
conceber os fenômenos do adoecer, baseada nos conceitos de disease e illness, serviu
de base para o surgimento da “Teoria do Conflito”. Essa teoria parte do suposto de
que o sistema médico de referências é intrinsecamente oposto ao sistema leigo de
referência, formado a partir das concepções do paciente. Muito utilizada para
entender os padrões de utilização dos serviços de saúde, afirma que “a concepção
biomédica está usualmente em uma oposição conflituosa com a do paciente, pois
para este a doença é formulada através de um ‘sistema leigo de referencia, isto é,
um corpo de conhecimentos, crenças e ações que estruturam a percepção leiga do
doente” (ALVES, s/d).
Assim, os sistemas culturais que informariam as concepções de médicos e
pacientes seriam intrinsecamente opostos e, a priori, seriam inconciliáveis, segundo
essa teoria. Em outras palavras, a ascensão de paradigmas compreensivistas, dentro
da sociologia, possibilitaram a emancipação do pensamento social sobre a saúde em
relação aos seus vínculos com o saber de origem biomédica. Essa emancipação tem
permitido que o saber antropológico sobre os fenômenos da saúde-doença deixem
18
seus pactos com a intervenção sobre as populações estudadas e reatem seus
compromissos com a compreensão de tais realidades sociais, ainda que se
mantenham interesses intervencionistas, em alguns casos.
Podemos concluir, portanto, que o desenvolvimento do pensamento
antropológico em relação aos fenômenos da saúde-doença se fez em um primeiro
momento ligado às ciências biomédicas e foi à elas subjugado. Em um segundo
momento, a influência das Ciências Sociais se fez mais presente e determinou a
ascensão dos fatores sociais dentro dos modelos explicativos para esses fenômenos.
Foi somente a partir do surgimento de um pensamento sobre os fenômenos
relacionados à saúde-doença oriundos das Ciências Sociais e seus próprios
pressupostos que pudemos assistir ao crescimento das discussões que compreendem
os sistemas médicos e os sistemas leigos enquanto sistemas culturais plurireferenciados e, muitas vezes, conflitivos entre si.
Já as contribuições das Ciências Sociais especificamente para os estudos do
uso de drogas, tiveram início ainda na década de 1950, quando começaram a surgir os
primeiros trabalhos enfocando esses fenômenos dentro de alguns grupos urbanos
específicos.
Na década de 1950, analisando grupos de usuários de maconha, o sociólogo
americano Howard Becker propôs nos Estados Unidos um novo método para abordar
a reprodução e manutenção dessas práticas de consumo, buscando respeitar e
compreender a lógica interna dos grupos no qual elas se reproduziam. Vivendo em
um país onde o uso da Cannabis também é muito difundido, Becker inaugurou o
paradigma cientifico que passou levar em conta que os usuários, compartilhavam
entre si valores e significados sobre a maconha e seus usos,e que eram diferentes aos
socialmente hegemônicos. Ou seja, ainda que em muitos aspectos de suas vidas esses
usuários compartilhassem de valores e significados comuns à indivíduos e
comunidades de não-usuários, os valores e significados que se relacionavam à
Cannabis eram divergentes e até mesmo antagônicos. Becker, utilizou o conceito de
cultura definido na Antropologia, para falar em cultura da droga, passando a clamar
pela necessidade de um olhar diferenciado para as comunidades de usuários de
drogas, afirmando ser preciso entender tais grupos dentro de seus próprios termos
(BECKER, 1966).
Em seus trabalhos, Becker analisou a maneira como usuários de maconha, a
partir das experiências em grupo, construíam os significados que justificavam a
19
permanência naquilo que ele chamou de carreira de maconheiro. Ele destacou a
maneira como a quantidade, a qualidade, as informações e as formas de uso, que
circulavam nesses grupos de usuários, influenciavam e determinavam as
representações dos usuários sobre seus hábitos, determinando inclusive as
configurações que esse hábito assumia. Dessa forma ele demonstrou que, para se
tornar um maconheiro, seria necessário ao usuário participar da cultura da droga,
para poder saber utilizar a substância da maneira adequada e aprender a identificar
dentre os efeitos obtidos, aqueles que buscava, bem como
percebê-los como
prazerosos e reconstruir os próprios valores sobre a substância e suas práticas de uso,
distanciando-se daqueles reproduzidos no senso comum, que tendem a categorizar a
cultura da droga como algo negativo.
Com esse trabalho, Becker forneceu uma importante contribuição e construiu
as primeiras ferramentas teóricas e metodológicas para que os pesquisadores
pudessem analisar comunidades de usuários de drogas sem, no entanto, partirem do
estatuto de que toda a experiência com essas substâncias é determinada meramente
pelos fatores farmacológicos. Segundo ele:
“Evidências experimentais, antropológicas e sociológicas
convenceram grande parte dos observadores de que os
efeitos da droga variam muito, dependendo de variações
na fisiologia e psicologia das pessoas que as tomam, do
estado em que a pessoa se encontra quando ingere a
droga e da situação social na qual ocorre a ingestão da
droga”.(BECKER, 1977).
Assim, em sua perspectiva, o usuário aprende socialmente a perceber tais
efeitos e a interpretá-los como sendo ou não causados pela droga, bem como se tais
efeitos devem ou não ser encarados como prazerosos. Dessa forma, uma determinada
droga pode causar distorção na percepção do tempo e isso ser experimentado como
algo ruim por um indivíduo, mas pode ser o efeito buscado por um outro e ser tido
como prazeiroso. Nesse sentido, a quantidade e a qualidade de informações sobre a
substância consumida, na medida em que uma substância desencadeia múltiplos
efeitos sobre o organismo, o acesso a quais são esses efeitos e a forma como tais
efeitos devem ser percebidos pelo usuário, influenciariam diretamente a experiência
psicoativa.
20
Informações sobre quais dosagens são necessárias para se obter os efeitos
esperados, a forma de consumir e as sensações que devem ser buscadas nesse leque
de efeitos são apenas alguns dos exemplos do que é aprendido em fontes que o
usuário considera confiáveis: normalmente usuários mais experientes, ou grupos de
usuários com os quais podem compartilhar experiências. Os usuários aprenderiam
também com sua própria experimentação e com informações buscadas em
publicações, pesquisas, livros, revistas e outros meios de comunicação, tanto dos
sistemas de especialistas como dos sistemas leigos de referência. Tudo isso formaria o
que Becker chamou de saber informal sobre a droga, que seria o conjunto de
informações que circulam nas redes de sociabilidade formadas por usuários
(BECKER, 1977).
Dessa forma, as representações que grupos na sociedade em geral e os grupos
formados por usuários em particular, constroem sobre a substância, sobre a cultura
em torno do seu consumo e sobre seus efeitos, tanto individuais quantos sociais, são
de fundamental importância na elaboração das experiências com psicoativos. Por
outro lado, a maneira como a droga e os usuários são entendidas por um grupo social
específico e na sociedade em geral também podem determinar o caráter das
informações sobre as substâncias e seus usuários que serão produzidas pelas
instituições dessa sociedade.
Sabe-se que se uma determinada substância é historicamente categorizada de
forma negativa e sofre um longo processo de estigmatização, é comum que boa parte
das informações divulgadas pelos veículos de comunicação, principalmente os de
massa, estejam de acordo com esses significados e inibam o acesso de cidadãos,
usuários ou não de drogas, a outros tipos de informações, influenciando
especialmente a interpretação que os usuários têm para o uso e para os efeitos
experimentados em suas carreiras.
É nesse sentido que, usuários de maconha, que tenham que conviver com a
ilegalidade do seu hábito, sentem necessidade de reforçar valores que justifiquem a
sua opção e a continuidade de sua carreira desviante, buscando a construção de uma
imagem positiva tanto para seu hábito, quanto para si, em contraposição às
representações sociais que ligam a maconha e os usuários de maconha à imagens de
marginalidade, imoralidade, insanidade e vício. (MACRAE & SIMÕES, 2000).
Como vimos, as representações que os usuários têm sobre a droga, seu
consumo e seus efeitos são construídas em redes de sociabilidade de usuários,
21
quando os usuários de determinada substância se mantêm ligados, mesmo que
indiretamente, por um certo período, fazendo circular uma grande quantidade de
informações sobre suas experiências formando o que se chama cultura da droga.
(BECKER, 1977). A cultura da droga é muitas vezes ignorada ou contestada nas
análises sobre os usuários construídas meramente sobre dados farmacológicos ou
jurídico-legais. Tais análises tendem a ignorar as opiniões e motivações dos
indivíduos na busca pelo uso de drogas, elaborando interpretações sobre os usuários
e seus hábitos desprovidas de qualquer relação com a cultura da droga.
Todas essas representações negativas elaboradas em torno da cultura da
droga acabam gerando um volume de informações que concorrem diretamente com
as informações que circulam nas redes informais de sociabilidade de usuários,
gerando uma disputa por legitimidade de duas posições que discordam em muitos
aspectos. As representações sobre a substância, os usuários, o consumo e os efeitos de
determinada substância, que são elaboradas em cima dessa visão reducionista,
tendem a empurrar de forma ainda mais acentuada os usuários para a marginalidade
e a intensificar na sociedade a construção de imagens negativas relacionadas às
substâncias psicoativas e seus usuários. (MACRAE, 2000).
No Brasil, os trabalhos de Becker e outros autores começaram a inspirar o
surgimento de novas abordagens, que passaram a levar em conta os contextos
socioculturais no qual o consumo de drogas se desenvolve, e detsacam-se os trabalhos
de Gilberto Velho sobre os comportamentos desviantes. (VELHO, 1974). Em meados
de 1980, as publicações sobre o consumo de Cannabis já revelavam uma forte
identificação do hábito entre as diversas camadas sociais do país e a preocupação em
analisá-los a partir de olhar mais compreensivista. (HENMAN e PESSOA Jr., falta o
ano, pq não foi citado antes.; MACIEL, 1985).
No entanto, até esse período, a produção de dados a respeito dos fenômenos
relacionados ao uso de drogas se refere basicamente a estatísticas policiais,
hospitalares e de institutos médico-legais (BUCHER, 1992), com ênfase nos aspectos
ligados ao tráfico e ao uso de drogas ilícitas. Richard Bucher, afirma que somente a
partir de 1986 é que muitos estudos realmente relevantes começaram a surgir na
área, a partir do incentivo de instituições de fomento à pesquisa nacionais e
internacionais,
“... graças a uma política de incentivo à investigação
22
científica sobre o tema (com apoio do CNPq, do UNDCP,
da OMS e outros), aliada ao esforço de diversos grupos de
pesquisadores universitários, o Brasil se destaca como o
país latinoamericano que mais dispõe de dados
epidemiológicos recentes sobre o consumo de substâncias
psicoativas ” (BUCHER, 1992, p. 12)
Dessa forma, foi somente a partir do final da década de 80 que surgem as
primeiras pesquisas de grande porte a respeito do consumo de drogas no Brasil. No
entanto, é importante ressaltar que tais pesquisas referem-se principalmente a
levantamentos quantitativos baseados em técnicas de survey, apoiados nos
paradigmas epidemiológicos emprestados da biomedicina, a exemplo dos estudos de
Bucher & Totugui (1986/87), Carlini-Cotrim & Carlini (1987), Almeida Filho &
Santana (1987/8), Carvalho Neto e outros (1987), Achutti (1989) (BUCHER, Op. Cit.,
p.9-23).
Na década de 1990 as abordagens interdisciplinares consolidaram sua
legitimidade enquanto perspectivas eficientes para os estudos sobre os usos de
psicoativos e os aspectos sócio-culturais do consumo passaram a ser cada vez mais
levados em consideração nas discussões sobre o tema. Nesse processo, os indivíduos
começam a ser vistos como sujeitos ativos na busca pelas substâncias e responsáveis
pela atualização das práticas e representações que justificam a manutenção desses
hábitos. (Espinheira; Neri Filho; Bucher; in, BUCHER et al, 1994). Desde então, as
várias configurações que o uso, os padrões de consumo e os hábitos relacionados
assumem, e como esses têm sido articulados nos mais diversos contextos dentro da
sociedade, têm sido objeto de variados métodos de observação. Assim, populações
com características específicas passaram a ser estudas a luz das determinantes sócioculturais que tecem as suas especificidades e ao mesmo tempo indicam as melhores
abordagens.
A partir daí, têm surgido diversos trabalhos estudando situações em que o uso
de substâncias psicoativas não se relaciona necessariamente com problemas sociais
ou à saúde e muitas vezes é parte importante da cultura da população estudada. Entre
os temas estudados estão as práticas de uso tradicional, ritual e religioso de maconha
entre populações indígenas e caboclas13; uso ritual e religioso de Ayahuasca (Daime,
Yagé) entre povos indígenas e populações caboclas e urbanas14; e o uso ritual de
Sobre esse assunto ver os trabalhos de Anthony Henman (1986), Edward MacRae (1989 e 2005) e
Domingues (1989).
14
Sobre o tema ver os trabalhos de Edward MacRae (1992 e outros) Beatriz Labate (2002) e as
coletâneas “O uso ritual de Ayahuasca” (LABATE & GOULART, 2004) e “O uso ritual de plantas de
13
23
fermentados alcoólicos (Mocororó, Cauim)15. Assim, o que se assistiu foi o
reconhecimento da importância de se observar a singularidade de cada uso de drogas,
o que levou, finalmente, a uma preocupação com o contexto sócio-cultural em que o
ato de tomar a substância está inserido, pois é nele que se forma o que poderia ser
chamado de efeito antropológico, ou seja, tudo que uma população se habituou a
esperar de uma droga e de seus usuários (BUCHER, Op. Cit.).
Lima, discutindo as concepções teóricas que das abordagens sobre o tema no
Brasil, considera como sendo três os modelos principais:
1. Modelo Experimental – ligado aos paradigmas posteriores aos trabalhos de
Darwin e Pasteur, fortemente influenciados pelo modelo explicativo da
biomedicina experimental do século XIX, baseando suas análises à substância
usada e aos seus efeitos farmacológicos como principal foco de saber sobre os
fenômenos relacionados ao consumo.
2. Modelo Clínico – baseado na experiência clínica junto a pacientes em
tratamento, e que constrói seu quadro analítico a partir do referencial de um
conjunto de sintomas que apontariam para possíveis desordens. A causalidade
deixaria de ser apenas farmacológica, mas continuaria a perspectiva de que o
uso é um sintoma do vício, doença que teria agora origem biopsicosocial.
3. Modelo Estrutural – associado às perspectivas de Saúde Pública e da Medicina
Social, buscando adotar abordagens sistêmicas, multi e interdisciplinares para
analisar os fenômenos. Esse modelo ainda estaria influenciado pelo paradigma
da biomedicina e o aporte teórico metodológico estaria ainda muito embasado
na epidemiologia, mas também é marcado por uma preocupação em incluir
fatores relativos aos aspectos sociais do consumo. (LIMA, 1997. p. 94-8)
No entanto, essas três vertentes apontadas por Lima dão conta apenas dos
trabalhos preocupados com de que maneira o uso de drogas está sendo realizado,
visando possíveis intervenções no sentido de combater o problema das drogas. Na
perspectiva de Lima, os modelos dariam conta de explicar que paradigmas estariam
informando os estudos sobre drogas de acordo com diferentes referenciais. Mas, para
ele, os modelos experimental, clínico e estrutural seriam permeados constantemente
pelo risco de um determinismo farmacológico intrínseco às abordagens tradicionais
Poder” (LABATE & ARAÚJO, 2004).
15
Sobre o uso do Cauim e outras bebidas fermentadas tradicionais ver Henrique Carneiro (2005).
24
sobre o uso de drogas16. Assim, para ele, nos estudos sobre o uso de substâncias
psicoativas seria recorrente a compreensão de que a substância em si é portadora de
fatores de explicação causal.
Seguindo a sugestão de Richard Bucher, podemos dividir os estudos sobre a
Cannabis no Brasil entre o que ele chama de perspectivas moralista e liberal17. No
primeiro grupo estariam os estudos voltados para discutir os aspectos negativos do
uso da maconha, a partir dos efeitos farmacológicos da substância, focalizando as
análises na discussão dos potencias riscos e danos relacionados com o uso abusivo.
Nesse caso, à ciência caberia não apenas o papel de compreender o fenômeno, mas
também de julgá-lo, considerando-o em si negativo ou positivo e, por isso, ilícito ou
lícito. No segundo, estariam os estudos que entendem a maconha e outras drogas
como sendo objetos de consumo, em si, neutros ou vazios, não podendo ser
analisados fora de seus contextos culturais específicos, e que não atribuem
julgamentos de valor supostamente baseados em conhecimentos científicos
(BUCHER, 1992).
Para os autores inseridos nesse segundo grupo, qualquer que fosse o
“problema das drogas”, este seria expressão de uma configuração específica, num
contexto sócio-cultural determinado, mas que não poderia ser generalizado para
todos os casos, já que as experiências com drogas na maioria das vezes não é
entendida como um problema para o usuário. Seguindo essa linha, na maioria dos
estudos, as práticas relacionadas com uso de drogas não são analisadas como
problemas, uma vez que não seria de grande valia uma ciência da cultura que, a
priori, considerasse como problema uma prática cultural tida como comum para o
grupo estudado.
O antropólogo Oriol Romaní, discutindo o papel do cientista social no campo
de estudo dos fenômenos relacionados ao uso de substâncias psicoativas, afirma que
não apenas tais fenômenos, mas também os próprios paradigmas que orientam as
reflexões sobre eles, precisam ser entendidos à luz das características sócio-culturais
da sociedade da qual são fruto. Assim, para além de constituir conclusões a respeito
das substâncias em si, o antropólogo inserido nesse campo precisa constituir um
discurso sistemático a respeito do maior número de fenômenos relacionados às
LIMA, Élson da Silva. Existe um paradigma epidemiológico para o estudo do fenômeno da
drogadição?. In; BAPTISTA, Marcos; INEm, Clara (Orgs.) TOXICOMANIAS – abordagem
multidisciplinar Rio de Janeiro – RJ: Editora Sette Letras, 1997. p. 94.
17
BUCHER, Richard. Drogas e Drogadição no Brasil. Porto Alegre – RS: Editora Artes Médicas,
1992. p. 89-91.
16
25
formas com as quais a sociedade que estuda lida com essas substâncias. Tanto as
concepções válidas que circulam na sociedade a respeito das drogas, seus usos e
usuários (sistemas leigos), quanto os pressupostos epistemológicos, teóricos e
metodológicos que estariam por trás dos discursos científicos sobre o tema (sistemas
especialistas) deveriam ser objetos da atenção do cientista social na área do uso de
psicoativos (ROMANÍ, 1999.p.135-174).
Romaní afirma ainda que, por fazerem parte tão intrínseca da cultura das
sociedades, as drogas devem ser estudadas de uma forma muito especial, voltada
para a compreensão de toda a diversidade e formas singulares de expressão do
fenômeno, ao invés da comum busca obsessiva por uma explicação causal. Em suas
palavras “considerando que en el caso de las drogas estamos ante un fenómeno
expresivo, tendremos una mayor capacidad de entenderlo si lo situamos en el
contexto de los paradigmas científicos que priman la comprensión a la explicación”
(ROMANÍ, Op. Cit.,p. 138).
O papel das ciências sociais na produção do conhecimento a respeito dos
fenômenos sobre o uso de drogas estaria, portanto, vinculado não apenas à produção
de dados a respeito da ação das substâncias, ou dos problemas relacionados ao seu
uso, mas, sobretudo, à compreensão crítica da forma como toda sociedade que ele
analisa se relaciona com as drogas, seus usos e usuários. Nesse sentido, ao cientista
social caberia o papel de compreender como a droga é usada social e culturalmente
não apenas por seus usuários, mas por diversos grupos na sociedade, inclusive os que
querem combatê-las ou analisá-las.
Durante essa pesquisa procurei elaborar reflexões críticas não apenas a
respeito do uso da maconha, mas também a respeito da prática científica relacionada
com o tema. Nessa pesquisa, adotei a postura sugerida por Romani e antes dele por
Bucher e muitos outros, procurando utilizar o texto para realizar uma tradução o
mais eficaz possível da realidade estudada, numa linguagem inteligível para
antropólogos e não-antropólogos. Devido a meu lugar especial de nativo-antropólogo,
já mencionado anteriormente, essa postura se fez ainda mais inevitável, devido ao
meu conhecimento sobre quais temas são de maior relevância para os cultivadores e
que precisavam ter maior destaque. Ao me colocar neste papel procurei não criar
julgamento baseados em valores morais ou ideológicos, mas sim me ater à tarefa de
analisar e discutir a respeito da cultura estudada sem “maquiá-la” de forma alguma.
Espero que o papel a que me propus nessa pesquisa tenha sido realmente a melhor
26
escolha e que, através desse trabalho, tenha podido realizar boas análises críticas a
respeito do tema e também trazido dados e informações relevantes que ajudem na
compreensão da maconha, seus usos e usuários, no Brasil atual.
4.A Maconha na História do Brasil
“Conheço político, advogado, policial, médico, professora de jardim
de infância, preto, branco, azul e verde. Todo mundo fuma, pô!”
(Fangorn)
As práticas culturais relacionadas com o consumo de maconha no Brasil atual
não poderiam ser discutidas sem antes fazer algumas considerações a respeito dos
usos e papéis que a planta teve na história do país. Também considerei que deveria
discutir de que maneira foi construída a imagem negativa associada à planta e seus
usos e como se deu o processo de criminalização da maconha no Brasil, tendo como
principal fonte de conhecimento os dados encontrados ao longo da pesquisa
bibliográfica.
No Brasil, as práticas sociais associadas ao consumo Cannabis sativa e seus
derivados sempre foram bastante comuns, desde o inicio da colonização, e
incorporadas junto com outros elementos culturais de diferentes grupos étnicos que
vieram ou foram trazidos para o país (Dória, 1915; Iglesias, 1918; Moreno, 1946;
Mott, 1986; In; HENMAN & PESSOA Jr, 1986). Embora a maioria dos registros
históricos apontem que, nesse período inicial essas práticas fossem quase
exclusivamente restritas aos escravos, sabe-se que com o passar dos anos, assumiram
as mais variadas configurações, com uma maior ou menor penetração em diferentes
camadas sociais.
Certamente, os colonizadores, agentes do Império Lusitano, já estavam
habituados,
desde
o
período
denominado
como
Expansão
Marítima,
ao
relacionamento com diferentes culturas consumidoras da planta. Além de
conhecerem os usos lúdicos e medicinais de sua resina, a partir do seu contato com
populações de países asiáticos e africanos, onde mantinham outras colônias, também
conheciam as utilidades de sua fibra. Denominada na Europa mais comumente de
Linho-cânhamo, ou somente Cânhamo, as fibras da planta eram amplamente
utilizadas na indústria têxtil, sendo reconhecidamente um dos produtos centrais à
economia e sociedade da época (HERER, 1985; BOOTH, data pq não foi citado
antes.; BENTO, 1992).
27
Apesar dos dados históricos apontarem que as contribuições dos africanos e
seus descendentes à cultura do uso da maconha no país sejam bem antigas, tudo
indica que as contribuições dos colonizadores também foram bastante relevantes
para a disseminação dessa espécie vegetal em todo país. Se por um lado a introdução
e utilização de Cannabis seguiram a mesma lógica que outros aspectos da vida das
populações de escravos e ex-escravos, estando restritas às determinações das elites
econômicas, sociais e políticas, por outro, os colonizadores cultivaram oficialmente
variedades da planta de diversas origens, em diferentes regiões do país.
Pesquisas evidenciam a existência de fazendas e benfeitorias com plantio de
maconha, instaladas no sul do país, em regiões que atualmente ficam entre os
municípios de Canguçu e Pelotas, no estado do Rio Grande do Sul ainda no século
XVIII. Também foi a partir desse período que ocorreu um amplo movimento,
inserido num projeto de fortalecimento do Estado através da busca por riquezas
naturais que pudesses ser exploradas economicamente, de cultivo da planta no Brasil,
com ações oficiais entre as quais destacam-se a importação de sementes da Índia e
Europa para serem distribuídas e cultivadas em diferentes pontos do país, tradução
de manuais de cultivo para o português, e estudos e investimento na adaptação
climática de variedades da planta. Os Hortos Botânicos Imperiais trabalharam na
produção desse conhecimento e alguns relatórios e correspondências apontam para
as discussões sobre o desempenho das plantas em solo nacional, sendo que para
alguns, era um cultivo considerado altamente promissor (SANTOS & VIDAL, 2009).
Fora esse período de iniciativas oficiais de usos e os registros de usos entre
africanos, há ainda poucos registros encontrados sobre as práticas de uso da
maconha, anteriores ao século XX. Mas, ainda assim, sabe-se que já no início do
século XIX, havia um cenário de usos distinto do que havia no início da colonização, e
nesse contexto, apesar de ainda bastante limitado às populações rurais, os usos já
eram identificados também entre brancos, indígenas e mestiços, com os quais os
antigos fumadores possivelmente mantiveram algum contato (HENMAN e PESSOA
Jr., Op. Cit).
Do século XIX é o primeiro documento proibindo o uso da maconha, uma
Postura18 da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, de 1830, penalizando a venda e o
uso do denominado pito do pango, sem, no entanto obter quaisquer repercussões
significativas. Foi somente no início do século XX, com a intensificação do processo
18
Nome dado à época aos decretos de validade municipal.
28
de urbanização, quando o hábito ganhou adeptos entre os habitantes das zonas
urbanas, que ele passou a figurar entre as preocupações das autoridades
governamentais.
Apesar de sua ampla utilização como matéria-prima para fibra têxtil,em
determinado período, principalmente pelas populações ligadas às elites econômicas e
sociais, a imagem da planta ficou marcada permanente por sua associação com o uso
por parte das populações pobres, negras e indígenas. Até o final do séc. XIX e as
primeiras décadas do séc. XX, a planta era bastante difundida nas regiões norte e
nordeste do país, sendo consumida por ex-escravos, mestiços e grupos indígenas,
principalmente nas zonas rurais, mas com o avanço do processo de urbanização, as
populações migrantes passam a ser vistas como fonte de problema sociais e
sanitários. Os hábitos de consumo e higiene desses grupos tornaram-se objeto de
estudo e controle das instituições e autoridades médicas e sanitárias. Foram criadas
delegacias e outras instituições específicas para tratar do assunto, a exemplo da
Inspetoria de Entorpecentes, Tóxicos e Mistificações, que também era responsável
pela repressão às práticas religiosas de origem africana, afro-brasileira e afroindígenas, em geral consideradas feitiçaria, curandeirismo ou magia-negra.
(MACRAE & SIMÕES, 2000; ADIALA, 2006).
A partir de 1910, alguns cientistas, como Rodrigues Dória e Francisco Iglesias,
passaram a divulgar e descrever, em artigos e congressos científicos internacionais,
suas teorias relacionando o comportamento considerado por eles, e outros
eugenistas, como natural19 das populações de origem africana, com os efeitos
farmacológicos da Cannabis. Segundo essa perspectiva, a maconha causaria em seus
consumidores
“degeneração
mental
e
moral”,
“analgesia/entorpecimento”,
“vício/compulsão”, “loucura, psicose e crime”. Esses efeitos seriam os responsáveis
pelo comportamento atribuído por esses cientistas à natureza das populações de
origem africana, que seriam caracterizadas pela “ignorância”, “resistência física”,
“intemperança”, “fetichismo” e “criminalidade” (ADIALA, 1986, 2006; RODRIGUES,
2004).
19
A eugenia é um paradigma científico que se ampara na teoria evolucionista para afirmar que é
importante atuar rigorosamente de forma seletiva na reprodução para garantir a “evolução” das
espécies. Durante o final do séc. XIX e primeiras décadas do séc. XX, ela foi amplamente utilizada
como justificativa para políticas de controle social e cultural, como base científica de diversas
iniciativas de cunho racista e de perseguição à práticas culturais de populações consideradas
“inferiores”. Um dos maiores exemplos históricos desse tipo de uso do paradigma eugenista foram
as políticas de controle das populações “indesejavéis”, como Judeus, ciganos, imigrantes, dentre
outros, durante os regimes nazistas na Alemanha, na primeira metade do séc. XX.
29
Essas ideias se difundiram facilmente no ambiente acadêmico da época,
quando muitos dos conceitos ligados às teses eugênicas estavam no auge de sua
influência nos meios científicos do país. As drogas foram consideradas “venenos
sociais” e o hábito de consumi-las uma doença socialmente transmissível. (STEPAN,
2005). Bem aceita no meio acadêmico e na sociedade em geral, essa tese alcançou
repercussões nacionais e internacionais. As posições do Dr. Dória sobre o que ele
chamou de “a vingança dos vencidos” podem ser resumidas no trecho que encerra
sua comunicação no Segundo Congresso Científico Pan-mericano, realizado em
Washington, 1915:
“A raça preta, selvagem e ignorante, resistente,
mas intemperante, se em determinadas circunstâncias
prestou grandes serviços aos brancos, seus irmãos mais
adiantados em civilização, dando-lhes, pelo seu trabalho
corporal, fortuna e comodidades, estragando o robusto
organismo no vício de fumar a erva maravilhosa, que,
nos estases fantásticos, lhe faria rever talvez as areais
ardentes e os desertos sem fim de sua adorada e saudosa
pátria, inoculou também o mal nos que o afastaram da
terra querida, lhe roubaram a liberdade preciosa, e lhe
sugaram a seiva reconstrutiva” (DÓRIA, 1915. p.37)
A partir dos esforços do Dr. Dória e seus colaboradores, as práticas e
representações sobre o uso, plantio e preparo de Cannabis, tradicionalmente
transmitidas e socialmente validadas através das diversas gerações de brasileiros que
a consumiam há séculos, passaram a ser oficialmente desqualificadas, deslegitimadas
e consideradas sintomas de uma doença social (MACRAE e SIMÕES, 2000). Foi
como doença transmissível de população para população que o hábito de consumir
Cannabis foi introduzido nos meios científicos da época, e foi dessa forma que passou
a ser discutido e pensado dentro de boa parte da comunidade científica.
Interpretadas como sintomas de uma “psicose hetero-tóxica” e compreendidas a
partir das categorias “maconhismo” ou “canabismo”, essas práticas passaram a ser
objeto de estudos e pesquisas em grande parte fomentadas ou promovidas pelas
autoridades oficialmente legitimadas sobre o assunto. (ADIALA, 1986, 2006).
Em 1921, as autoridades brasileiras que lidavam com as questões das drogas se
alinharam às posições repressoras dos EUA, seu principal aliado comercial e político,
aderindo aos acordos firmados na reunião da Liga das Nações Unidas através da
aprovação da Lei Federal nº 4.294, de 6 de julho de 1921, que “estabelecia medidas
30
penais mais rígidas para os vendedores ilegais, fortalecia a polícia sanitária nas
suas prerrogativas e reafirmava a restrição do uso legal de substâncias psicoativas
para fins terapêuticos” (RODRIGUES, 2004, p. 135).
Com essa lei, o país estabeleceu os primeiros passos para a burocratização da
repressão
e
do
controle
das
substâncias
proscritas.
Essa
norma
previa
encarceramento para os traficantes, mas interpretava os consumidores como doentes,
vítimas das substâncias, prevendo para eles o tratamento compulsório. Apesar dos
esforços das autoridades ligadas ao aparelho de repressão estatal, o ordenamento
jurídico brasileiro em relação ao tema só voltaria a sofrer alterações significativas na
década de 1930, período de promulgação de uma nova Constituição.
A partir da década de 1930, a repressão ao uso da maconha, no Brasil, ganhou
força e se intensificou, principalmente devido à postura adotada pelo representante
brasileiro na reunião da Liga das Nações, em 1924, que, de forma arbitrária e
contradizendo importantes estudos científicos realizados no país, incluindo os dele
próprio, comparou os perigos da maconha aos do ópio, exigindo equivalência na lista
classificatória da Convenção20 (CARLINI, 2004; MILLS, 2005). A equivalência
solicitada pelas autoridades brasileiras foi aceita, a após isso houve a inclusão da
planta como substância proscrita no país e a promoção de uma campanha para
erradicação do seu cultivo e consumo, com a implantação do Decreto 20.930, em
1932, onde os crimes de “vender, ministrar, dar, trocar, ceder ou, de qualquer modo,
proporcionar substâncias entorpecentes, sem a devida autorização” passaram a ser
previstas penas de 1 a 5 anos.
O mesmo Decreto passou a incluir a maconha na lista de substâncias
proscritas, sob a denominação de Cannabis indica, descrevendo o uso como doença
passível de internação e notificação compulsórias, inaugurando ainda a prisão para
usuários, ao prever penas de até nove meses para “[...] quem for encontrado tendo
consigo, em sua casa, ou sob sua guarda” (RODRIGUES, Op. Cit.).
Em 1934, foi promulgada uma nova Constituição, em meio a muitas agitações
políticas e sociais e, um ano depois, o Poder Executivo decretou a Lei de Segurança
Nacional (LSN), através da qual passou a vigorar um Estado de Exceção, com
restrições às liberdades individuais e direitos constitucionais. Em 1937, o então
20
É importante informar que no dia 2 de março de 2008, em Reunião do Conselho Nacional de
Políticas sobre Drogas, o Brasil aprovou o encaminhamento à Organização das Nações Unidas de
um documento no qual se retrata oficialmente pela postura dos seu representantes nas Reuniões
Internacionais de 1924 e 1961, e no qual sugere que, em reparação às consequências desse erro a
Cannabis seja retirada da Lista IV da Convenção Única de 1961.
31
presidente Getúlio Vargas fechou o Congresso, prendeu parlamentares e decretou o
estabelecimento de uma ditadura que vigoraria até 1945, conhecida como Estado
Novo.
Um ano após a instauração do Estado Novo, Getúlio Vargas impôs o Decretolei nº 891, de 25 de novembro de 1938, que punia com penas ainda mais severas o
comércio não-autorizado e os usuários, ao prever pena de até quatro anos de prisão
para a conduta de “ter consigo [...] sem prescrição do médico ou cirurgião-dentista
[...] ou sem observância das prescrições legais ou regulamentares”. Segundo o
Cientista Político Thiago Rodrigues:
“A condenação moral de fundo religioso, que criou um caldo de
pressão política na sociedade da década de 1910, é absorvido
pelo Estado; o saber médico, da mesma forma, é capturado
pelas instâncias sanitárias estatais, que com essa apropriação
passam a determinar quais drogas são permitidas e quais não
são, indicando aquelas que poderiam ser receitadas [...]
Mesmo modificada, a lei de 1938 lança as bases de um
ordenamento repressivo moderno, afinado com as
determinações internacionais e fundante do controle ampliado
do Estado sobre a sociedade e a conduta individual, tônica da
estratégia de controle social condensada nas leis antidrogas a
partir de então” (RODRIGUES, Op. Cit.,p. 148-9).
O Decreto-lei n. 891, tinha como principais pontos a regulamentação e
definição das atribuições da Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes
(CNFE), criada em 1936 e o estabelecimento de penalidades de encarceramento para
condenados por uso ou porte para consumo pessoal. Além de introduzir o
entendimento de que o usuário não era mais um doente e sim um criminoso, a lei
regulamentou no ordenamento jurídico o papel da CNFE, órgão centralizador de
todos as ações anti-drogas. A partir disso, outras instituições estaduais e municipais
passaram a ser formadas especificamente para tratar das questões relacionadas ao
consumo e comércio das substâncias proscritas, que passaram a ser chamadas
genericamente de tóxicas ou entorpecentes. Houve um crescimento do número de
delegacias, departamentos de polícias, clínicas e outros órgãos e instituições que
passaram a ter como principal atividade designar aos usuários e comerciantes nãoautorizados das drogas tornadas ilícitas um tratamento burocrático-legal21.
21
É interessante notar que, apesar de prever exceções para uso medicinal e científico, as leis antidrogas foram tão parcialmente e erroneamente utilizadas, que esses usos também foram
paulatinamente exterminados no processo de criminalização da maconha. Atualmente, apesar da
Lei 11.343 também prever tais exceções, não há conhecimento de cidadão ou instituição que
32
A CNFE surgiu para centralizar todos os esforços anti-drogas em uma só
agência Federal, e a Cannabis e seus usuários entraram nesse processo como o elo de
caráter nacional que faltava para a unificação das iniciativas de combate às drogas.
Como planta psicoativa de uso bastante difundido em todo território nacional, a
maconha se transformou no estandarte unificador dessas iniciativas, e em mito
explorável para promover e justificar as “medidas enérgicas de profilaxia”
recomendadas pelos especialistas. (ADIALA, Op. Cit.; CARDOSO, 1994).
Em 1943, uma expedição científica foi destacada para visitar comunidades
onde se fazia uso nos estados da Bahia, Sergipe e Alagoas, principalmente nos
povoados às margens do Rio São Francisco. Ao término da expedição um relatório foi
encaminhado à CNFE alertando que a planta era cultivada e consumida
principalmente entre as “classes baixas”, mas que na Bahia, o uso também ocorria
nas “classes altas”. É importante ressaltar o fato de que, a despeito das leis vigentes, o
relatório aponta que quase a totalidade dos cultivadores e consumidores visitados
desconhecia a proibição da planta, que era vendida livremente por mateiros e
herboristas em feiras e mercados sob a denominação de “fumo bravo”. O relatório
recomendava a CNFE que promovesse uma intensa campanha mostrando os
“malefícios do cultivo e do uso da maconha”, e buscasse maior articulação entre os
diversos Estados da Nação com o objetivo de erradicação da planta e de seu uso.
(CNFE, 1951).
Para isso, a CNFE promoveu a realização do Convênio Interestadual da
Maconha, em 1946, reunindo em Salvador representantes das Comissões de
Fiscalização de Entorpecentes dos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco.
Após dezenas de palestras e outras exposições de agrônomos, médicos, autoridades
policiais e outros especialistas, os trabalhos foram encerrados com a publicação do
Relatório Final, redigido pelo Dr. Pernambuco, e com o lançamento da Campanha
Nacional de Repressão ao Uso e Comércio da Maconha. O Relatório estabeleceu as
seguintes normas, que deveriam passar a ser seguidas rigidamente em todo o
Território Nacional:
1)
Planejamento de ações e padronização de estudos visando a promoção
de uma intensa campanha educativa contra o uso e plantio;
2)
Organização de cursos práticos para as autoridades policiais e sanitárias
tenham conseguido autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária para sequer cultivar a
planta.
33
para ampliar os conhecimentos sobre a botânica e os “males” da planta, buscando
principalmente facilitar o trabalho de identificação dos “criminosos e viciados”;
3)
Estímulo a classe médica para promover estudos sobre os “males da
maconha” e sobre as características dos usuários;
4)
Promoção da inclusão do tema nos congressos e reuniões de psiquiatria;
5)
Incentivo a cooperação e articulação entre as Comissões de Fiscalização
dos estados onde o uso e plantio seriam mais disseminados – Bahia, Sergipe, Alagoas,
Pernambuco, Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas – promovendo o estabelecimento de
convênios e a obrigatoriedade do intercâmbio de todo tipo de informações (relatórios,
dados estatísticos, fichas criminais, dentre outros);
6)
Criação nos Departamento de Segurança Pública, em nível federal e
estadual, de um órgãos especializados na repressão e combate ao uso;
7)
Registro de indivíduos e grupos ligados a cultos afro-brasileiros onde se
fazia uso da planta, a partir de fontes médicas e sociológicas, e encaminhamento dos
dados às autoridades responsáveis;
8)
Estabelecimento de gratificações aos membros das Comissões de
Fiscalização de Entorpecentes do país, “em vista dos extraordinários serviços
prestados por eles à sociedade”. (CNFE, op. cit.; 237-9).
Apesar de toda repressão, a partir da segunda metade da década de 1960 a
maconha deixou de ser apenas hábito de negros, pobres e marginalizados (se é que
algum dia esteve restrito a eles), para ser cada vez mais consumida nas chamadas
classes médias e altas. Os inimigos da saúde pública, da moral e dos bons costumes
deixaram de ser habitantes das favelas e das camadas baixas dos estados do Norte e
Nordeste, para serem os jovens adeptos da contra-cultura, do movimento hippie, das
experimentações psicodélicas e de outras manifestações culturais alternativas,
oriundos das camadas médias e altas urbanas.
Em 1964 foi publicado o Decreto-lei nº 54.216, incorporando ao ordenamento
interno do país os acordos firmados na Convenção Única sobre Entorpecentes,
realizada em Nova York (1961). Em 1968, um novo Decreto passou a estabelecer
equivalência penal entre condenados por tráfico e por uso. Mais uma vez as leis de
controle sobre hábitos culturais voltaram a ser utilizadas para controlar populações
específicas. Para manter sob constante vigilância grupos considerados como
potencialmente ameaçadores às ordem social, cultural, política mantida à força, as
leis sobre drogas foram uma oportunidade de ampliar os controles sobre a sociedade.
34
Mas as principais mudanças foram inseridas com a Lei 6368, de 1976,
conhecida como Lei de Tóxico, que passou a reunir todos os ordenamentos jurídicos
relacionados com tema em apenas um documento. Os poderes de repressão do
Estado em relação ao uso da maconha e outras drogas ganharam novas dimensões e,
na prática, passaram a marginalizar ainda mais os consumidores, submetendo-os a
violência e arbitrariedades maiores que antes. Um exemplo de uma das principais
distorções dessa legislação é a tipificação do crime de “apologia ao uso de drogas”,
que também tornaria possível a condenação de qualquer um que falasse dos aspectos
positivos de uma substância ou da sua legalização, mesmo que não estivesse
vendendo ou consumindo, como foi o caso dos integrantes do grupo musical Planet
Hemp, que ficaram presos por 5 dias, em 1997, acusados de infração à Lei 6368/76
(MUNDIM, 2006, p.151-174).
6.A Maconha no Brasil Atual
“Chega de subsidiar o tráfico de drogas punindo brasileiros que
querem apenas se libertar desses mesmos traficantes!” (Beque)
Apesar de proibida no Brasil desde 1932, a maconha é uma das plantas mais
antigas cultivadas pelos seres humanos e, atualmente, é a droga ilícita mais
consumida em todo o mundo. Há, pelo menos, 12.000 anos, pessoas de diferentes
países e tradições culturais de todo o planeta fazem uso tanto das partes psicoativas
quanto das partes não-psicoativas da planta (ABEL, 1980). Seja por suas
potencialidades medicinais, nutricionais, pelas utilidades de suas fibras têxteis, de
seu óleo combustível, ou ainda por suas propriedades psicoativas, consumir
derivados de Cannabis sempre foi algo natural às sociedades humanas. No entanto,
como vimos, desde o início do séc. XX e, principalmente, a partir da década de 1960,
o hábito de fumar a planta vem se intensificando em diversos países, tornando-se um
fenômeno de massa bastante integrado à sociedade capitalista de consumo.
Ao
mesmo no tempo, a partir da década de 1970, se ampliaram os esforços repressivos
em todo o mundo e, no Brasil, isso se traduziu em operações de erradicação de
cultivos no norte e nordeste do país e aumento da repressão em centros urbanos.
Por
outro,
lado
também
houve
o
surgimento
dos
movimentos
antiproibicionistas e as lutas por mudanças nas leis. Os primeiros movimentos
35
antiproicionistas podem ser datados do final da década de 1960 e inicio dos anos
1970. Em 1967, foi lançado na capa do New York Times o primeiro manifesto
internacional pela legalização da maconha, assinado por diversos artistas, entre os
quais os Beatles. Na década de 1970, surgiram organizações pela legalização da planta
e a primeira revista de cultura canábica, a High Times22, nos EUA, que desde 1974
publica mensalmente matérias sobre a cultura da planta, técnicas de cultivo, ativismo
pró-legalização, dando um exemplo da extensa rede antiproibicionista que já estava
em crescimento nesse período.
No Brasil, os primeiros movimentos pela revisão das leis anti-drogas também
centravam o discurso no pedido de legalização da Cannabis sativa. Em 1976,
estudantes da USP organizaram um encontro para debater o tema que reuniu cerca
de 400 pessoas na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. A partir dali,
diversas outras iniciativas do gênero passaram a ocorrer com maior frequência. Outra
forma de organização do movimento antiproibicionista brasileiro passou a ser a
publicação de revistas e jornais sobre o tema. Nessa época, circulavam no Rio de
Janeiro, por exemplo, publicações como o Ato Vapor, Panflema, o Jornal da Massa e
o Patuá, esse último editado por estudantes de Ciências Sociais da UFRJ.
Em 1982, na PUC, foi organizado um evento que reuniu cerca de 200 pessoas e
resultou no que pode ser considerado o 1º Manifesto Brasileiro pela Legalização da
Cannabis. O documento pedia a descriminalização total da Cannabis, do seu uso,
posse e cultivo para consumo próprio. Assinavam o documento diversas
personalidades, entre as quais músicos como Jorge Mautner e Hermeto Paschoal e
parlamentares como Fernando Gabeira, José Genoíno e Lúcia Arruda.
Em 1983, alguns estudantes e jovens intelectuais que formavam o denominado
Coletivo Maria Sabina, em homenagem à curandeira mexicana que utilizava
cogumelos psicodélicos em seus rituais de cura, organizaram um debate de 5 dias no
qual filósofos, advogados, antropólogos, juízes, escritores, deputados e outros
debatedores de diferentes áreas discutiram variados aspectos do tema. As
perspectivas giravam em torno do respeito aos direitos individuais, à pluralidade
cultural e não deixaram de abordar as consequências negativas das políticas
proibicionistas. O debate foi transcrito e em 1985, a editora Brasiliense publicou o
livro Maconha em Debate, com o texto das exposições no evento, dando maior
divulgação aos conteúdos debatidos.
22
Atualmente, além dos EUA e diversos países da Europa, existem publicações desse tipo na
Argentina, Chile e Peru.
36
A década de 1980 foi marcada por muita discussão na Academia e na chamada
“imprensa nanica” a respeito do tema. O pesquisador Pedro Mundim, em sua análise
sobre o discurso produzido pelo grupo musical Planet Hemp, realizou uma detalhada
historiografia a respeito do debate público sobre o tema nas décadas de 1970 a 1990.
Segundo ele, além dos espaços nas universidades e em algumas publicações
impressas, o debate também ganhou os espaços políticos ao ser usado por diversos
candidatos em diferentes momentos a partir da década de 1980. Isso tudo revela que,
desde o momento da abertura política em 1978, a demanda oprimida por discutir a
questão passou a ser atendida de diferentes maneiras (MUNDIM, 2006).
O debate antiproibicionista no Brasil parece ter ficado um pouco apagado na
década de 1990. Apesar de existirem alguns trabalhos a respeito de décadas
anteriores, nenhum dos autores estudados ao longo da pesquisa discutem maiores
informações a respeito desse período, no máximo chamando atenção para o papel
desempenhado pelo Deputado Fernando Gabeira e a atuação da banda Planet Hemp.
Mesmo Mundim, que analisa detalhadamente a história do grupo e o contexto sóciopolítico da época com relação ao tema, atém sua análise do período à atuação do
grupo, algumas pesquisas de opinião sobre o tema e suas repercussões na imprensa e
na sociedade. Isso não significa que os trabalhos estejam falhando em suas análises,
mas que talvez a década de 1990 realmente tenha apresentado um vácuo importante
e preocupante, nas discussões sobre legalização.
Alguns pesquisadores com quem tenho dialogado admitem a possibilidade de
que o estabelecimento de espaços de tolerância ao consumo em certos ambientes e
circunstâncias dentro da sociedade brasileira tenha feito com que o consumo tenha se
normalizado, sem ser legalizado, em alguns espaços específicos. Ou seja, ainda que
ilícito, o consumo de maconha, como outras práticas sociais ilícitas a exemplo do
“jogo do bixo”, a pirataria de Cd's e DVD's, etc, passou a ser mais socialmente aceito.
Não que o preconceito e a estigmatização das pessoas que fumam maconha tenha
diminuído, ou mesmo que tenha diminuído a quantidade de presos por consumo ou
porte da planta, mas passou a ser mais aceita a existência de rodas de fumo em festas,
e outros ambientes. Assim, as pessoas que fumam maconha puderam seguir com seus
hábitos sem sentirem a necessidade de se engajar na luta pela legalização.
Essa tese ajuda entender um pouco, mas não explica completamente o fato do
movimento antiproibicionista ter diminuído suas atividades nesse período. Até
porque, apesar disso, o discurso pró-legalização retomou forças a partir da segunda
37
metade dos anos 90, através das músicas de grupos como o Planet Hemp e outros .
Nos anos 2000, o debate ganhou força novamente com algumas iniciativas.
Em 2002 surgiu o Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP),
primeiro grupo de cientistas brasileiros antiproibicionistas (www.neip.info). E, no
mesmo ano surgiu o Growroom, um centro de convivência e redução de danos para
usuários de Cannabis na Internet. A partir do Growroom muitos usuários puderam se
conhecer e começar a ser articular para organizar passeatas e outras formas de
manifestação e ativismo. Um dos exemplos foram as Passeatas Verde, realizadas de
2003 a 2006, em São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades. Além disso, muitos dos
organizadores das Marchas da Maconha, que ocorrem todos os anos desde 2004, em
diversas cidades do país, também se conheceram e começaram suas atividades de
militância através do Growroom.
Atualmente existem dezenas de sites e blogs a respeito do tema, abordando-o a
partir das mais variadas perspectivas, num claro exemplo do avanço da
democratização da produção e difusão de informações sobre o assunto, num contexto
em que cresce o uso da planta. Em 2006, o Relatório Mundial da Agência das Nações
Unidas para o Combate às Drogas e à Criminalidade – UNODC, baseado nos dados
enviados pelas autoridades policiais brasileiras, apontou o país como o principal
consumidor de maconha da América do Sul (UNODC, 2006). Segundo o Relatório, a
produção brasileira de maconha se concentraria nas regiões Norte e Nordeste do país,
em áreas onde os períodos de sol possibilitam um maior número de colheitas por ano,
e onde tradicionalmente se cultiva a planta desde o início da colonização. O valor
final da produção é de U$ 30,00 o quilo, custando até U$ 220,00 nas zonas urbanas,
chegando ao consumidor final por um preço de até U$ 2.000 o quilo, ou U$ 2,00 a
grama (UNODC, 2006, p.167-168).
O Relatório apontou ainda que as autoridades do Paraguai relataram que 85%
da produção do país foi destinada ao mercado brasileiro, 12% ao mercado do Cone
Sul e apenas 3% ao mercado paraguaio. Além disso, a forte demanda brasileira fez
com que os cultivadores paraguaios contratassem agrônomos para lhes ensinar
técnicas de cultivo, colheita e preparo, e a utilizar variedades melhores adaptadas ao
clima do país, ganhando em rendimento e potência. Com isso, os cultivadores do
Paraguai têm conseguido uma produção maior e até desenvolveram uma técnica de
confecção de haxixe de qualidade apreciada em toda na América Latina,
principalmente no Brasil. O relatório ainda chama atenção para o fato de que o país
38
produz apenas 20% do que consome, importando o restante de países vizinhos,
principalmente do Paraguai. (UNODC, Op. Cit.).
Já as estatísticas do II Levantamento Domiciliar sobre o uso de Drogas
Psicotrópicas no Brasil, afirmam que cerca de 2,6% de brasileiros entre 12 e 65 anos
fumaram maconha no ano 2005 (CARLINI et al., 2005, p. 23). Esse mesmo trabalho
apontou que cerca de 8,8% das pessoas entrevistadas havia fumado maconha pelo
menos 1 vez em toda a vida, um crescimento em relação aos 6,9% encontrados em
2001 (CARLINI et al, 2001). Nesse mesmo ano, segundo Relatório do Departamento
Penitenciário Nacional, existiam 296.919 mil detentos em presídios, dividindo as
apenas 206.347 vagas existentes (DEPEN, 2006, p. 34). À época estavam em vigor, as
Leis nº 6.368, de 1976 e 10.409, de 11 de janeiro de 2002, essa última não
substituindo completamente a anterior por ter tido grande parte de seu conteúdo
vetado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Ainda que a forma de coleta dessas informações torne questionável o alcance
dos seus dados a respeito dos detalhes sobre os padrões e frequências de consumo
para substâncias ilícitas23, eles são importantes fontes de informações sobre a atual
magnitude do uso de maconha no Brasil. Além disso, em relação ao uso de maconha e
outras drogas atualmente consideradas ilícitas, eles nos ajudam a pensar qual seria o
impacto no Sistema Penitenciário, caso todas as quase seis milhões de pessoas
estimadas que, em 2005, afirmaram já ter fumado maconha ao menos uma vez na
vida, por exemplo, tivessem sido responsabilizadas penalmente pelo crime de portar
maconha (à época sob pena de 6 meses a 2 anos), e tivessem que cumprir pena no
Sistema Penitenciário, já sobrecarregado.
Esses dados nos ajudam a refletir um pouco sobre o atual cenário do uso de
maconha no Brasil e a relevância de discutir esse tema e de propor que as políticas e
leis relacionadas sejam mais justas, humanas e eficientes. Além disso, ajudam-nos a
avaliar se os objetivos propostos pela atual política proibicionista realmente têm sido
alcançados, ajudando a medir a eficácia das leis e políticas públicas que priorizam a
repressão às condutas de porte e cultivo sem intenção de comercializar.
Mesmo que, em suas origens, essas leis e políticas tivessem a intenção de
proteger a saúde e a ordem públicas, atualmente, essas estratégias têm conseguido
apenas agravar os fatores causadores de danos e custos sociais associados ao mercado
23
Os conceitos conhecidos como dependência e, uso indevido, abuso, uso crônico são utilizados de
forma pouco homogênea e, muitas vezes, bastante ambígua, pelos autores que tratam do tema. Para
uma discussão crítica sobre o conceito de dependência utilizado nos levantamentos
epidemiológicos sobre o uso de drogas, ver FIORE (2006); MACRAE; VIDAL (2007).
39
consumidor dos derivados da planta, obtendo pouco ou nenhum sucesso na
diminuição das práticas de produção e distribuição não-autorizadas.
A proibição não diminuiu os problemas relacionados com o uso indevido de
maconha e outras drogas, nem diminuiu o consumo. Como vimos mais acima, há um
crescente movimento de utilização da maconha dentro do contexto urbano, inserido e
bastante integrado à sociedade capitalista de consumo. Nesse novo contexto, saberes
e significados sobre a planta, sua história, seus usos, têm sido resgatados,
reformulados e re-apropriados, formando o que alguns autores têm chamado de
tradição ultramoderna cannábica24.
Nesse movimento de re-apropriação de saberes e significados sobre a planta e
seus usos, está incluída a retomada da prática do cultivo não-comercial da planta
para subsistência, formando um movimento social que prega o cultivo doméstico
como uma das alternativas ao mercado criminalizado da planta – seja para não
financiar a violência, seja para melhorar a qualidade do que é consumido ou para
qualquer outro objetivo. Isso tem exigido dos estudiosos novos olhares sobre a
prática do consumo de maconha e suas representações, sobre o conceito de Redução
de Danos25 e sobre a elaboração de leis e políticas que busquem dar conta dessas e de
outras novas modalidades de consumo.
O nascimento de uma cultura centrada na prática do cultivo de Cannabis sem
fins lucrativos exigiu a emergência de leituras mais amplas sobre diversos conceitos,
principalmente sobre o de usuário de drogas, que deixou de ser apenas aquele que
consome, porta ou armazena, mas também aquele que cultiva ou prepara o que
consome. Agora, cada vez mais se torna obrigatória a inclusão dessa nova figura nas
discussões sobre o uso de maconha, especialmente as que visem a elaboração de leis e
políticas públicas: as pessoas que plantam a maconha que fumam.
7.O Status Legal do Cultivo Não-Comercial26 de Maconha
24
Para conhecer a discussão sobre a tradição ultramoderna da Cannabis, ver GAMELLA et al, 2004, p.
23-54.
25
A redução de danos é um paradigma redescoberto a partir dos anos 1980, quando os saberes
oriundos da cultura do uso de drogas passou a ser levado em consideração na elaboração das
estratégicas de intervenção. Atualmente diversos autores discutem aspectos históricos e conceituais
da redução de danos e esse paradigma já faz parte das políticas e leis sobre drogas no Brasil,
faltando-lhe apenas maior regulamentação e aplicação.
26
O termo não-comercial foi escolhido em detrimento do termo para uso pessoal, que é o termo
utilizado na Lei 11343 para definir as condutas relacionadas com o uso. Isso porque na experiência de
campo percebi que todos os usuários compartilham o uso do fumo produzido a partir de cultivos
domésticos com amigos e conhecidos. Dessa forma, optamos por utilizar no título o termo não-
40
“O problema não é o comércio, é a proibição. Pô, com a proibição, os
bandidos se aproveitam do negócio pra tirar uma grana. Não seria
muito melhor dar uma grana pra o tiozinho que já planta tomate,
cebola, completar a renda pra pagar os estudos das crianças do que
por dinheiro na mão de vagabundo?” (Macanudo)
Apesar do foco das regulamentações propostas através das Convenções
Internacionais terem sido desde o princípio a repressão de condutas destinadas à
comercialização não-autorizada, as Leis brasileiras pós-Convenções reproduziram os
equívocos históricos das Leis e Decretos anteriores, que tendiam a centralizar os
esforços da repressão nas condutas relacionadas com o consumo pessoal. Além disso,
as autoridades brasileiras também optaram pela interpretação mais repressora das
Convenções, negando qualquer nível de regulamentação, mesmo que para fins
médicos ou científicos, em flagrante oposição às Convenções.
Segundo a interpretação oficial do Escritório das Nações Unidas para Drogas e
Crime (UNODC)27, as Convenções das Nações Unidas Sobre Controle de Drogas, de
1961 a 1988, têm como principal objetivo regular o uso medicinal e científico de
drogas28 e restringir o comércio não-autorizado, principalmente de nível
internacional. A Convenção de 1961, por exemplo, afirma que os países signatários
não são obrigados a extinguir a produção autorizada das substâncias listadas na
Convenção, incluindo a Cannabis, apenas indicando a proibição como uma das
possibilidades a serem levadas em consideração na elaboração de medidas que
restrinjam o comércio não-autorizado. Ainda segundo a UNODC, mesmo se, após
estudos e análises do contexto sócio-cultural da sociedade em questão, um dos países
signatários decidir que a proibição da produção, distribuição e consumo é mesmo a
melhor estratégia para reprimir o comércio ilegal, os usos médicos e científicos não
devem ser obstruídos por tal medida (LEBAUX, 2004, p. 109-10).
comercial, entendendo como usuário mesmo aquele que produz e distribuí pequena quantidade sem
que tenha obtido lucro com tal atividade, ou seja, sem interesse de mercância. Durante o texto também
são usados os termos uso pessoal, uso próprio, dentre outros, mas com esse mesmo significado.
27
Os dados apresentados a respeito do status da Cannabis sativa nas Convenções sobre Drogas da
ONU (1961, 1971, 1988), são baseadas na fala de Valerie Labaux, Ph.D. em leis na área judicial,
formada pela Universidade Paris II em Direito, à época representante do escritório das Nações Unidas
para Drogas e Crime (UNODC), durante o “Simpósio Cannabis sativa L. e substâncias Canabinóides
em Medicina” (CARLINI et al, 2004).
28
É importante destacar que o cultivo de Cannabis para exploração comercial das partes nãopsicoativas da planta não é controlado pelas Convenções sobre Drogas das Nações Unidas, que se
referem apenas às finalidades medicinais e científicas das partes psicoativas. Países como Holanda,
Canadá e Alemanha, atualmente, empreendem cultivos controlados pelo governo para abastecimento
do mercado médico-farmacêutico e, além desses, diversos outros países como França, Hungria, Itália,
Romênia, EUA, dentre outros, têm explorado de diferentes formas o mercado voltado ao uso industrial
das fibras da planta.
41
A Convenção Única de 1961 não menciona nada sobre condutas relacionadas
ao consumo pessoal e, nesse caso, a interpretação oficial é de que todas as
recomendações dessa Convenção, visando o estabelecimento de regulamentações e
punições para as condutas de porte e plantio, se referem apenas às que têm intenção
de gerar comércio não-autorizado (LEBAUX, Op. Cit., p. 111).
Somente na Convenção de 1988, as condutas de porte, aquisição e plantio para
consumo pessoal são mencionadas, sugerindo-se, mais uma vez, que cada país
signatário deva tratá-las respeitando os princípios constitucionais e os conceitos
básicos de cada sistema jurídico-legal, e, é claro, suas especificidades sócio-culturais.
Ainda segundo a Convenção de 1988, os países signatários, ao estabelecerem tais
condutas como proibidas, não são obrigados a processar ou punir as pessoas que
usam maconha através do sistema de justiça criminal (LEBAUX, Op. Cit.,2004, p.
112-3).
Assim, apesar das Convenções da Organização das Nações Unidas (ONU)
darem aos países signatários uma grande margem de atuação para a criação de leis e
políticas sobre drogas, adaptadas às suas próprias realidades, diversos países têm
dado prioridade àquelas que concentram seus objetivos na repressão às condutas de
porte, aquisição e plantio destinadas a consumo próprio. É a própria UNODC quem
denuncia os abusos cometidos em nome de uma suposta obediência às Convenções.
Entre os itens que chama de “discrepâncias na implementação das Convenções da
ONU”, Lebaux cita as nações onde a prioridade são os processos judiciais contra
condutas relacionadas com o consumo pessoal. Segundo ela, esses casos são
preferidos por serem de fácil execução já que, em geral, os réus dispõem de poucos
recursos para a defesa, aumentando de forma equivocada as estatísticas sobre
combate ao crime de drogas. No entanto, ela alerta para o fato de que, nos países que
adotam essa postura, há um desvio de recursos que poderiam estar sendo
empreendidos contra grandes organizações que realmente estejam ameaçando a
ordem social e uma superlotação desnecessária do sistema judicial. (LEBAUX, Op.
Cit., p. 104).
Segundo Maria Lúcia Karam, importante jurista que, nos últimos anos, tem
denunciado incansavelmente os danos causados pela adoção desse tipo de política,
“Além de ocultar os riscos e danos à saúde pública, o
proibicionismo oculta ainda o fato de que ,com a intervenção
do sistema penal sobre as condutas de produtores e
distribuidores das substâncias e matérias primas proibidas, o
42
Estado cria e fomenta a violência. Não são as drogas que
criam a violência. A violência só acompanha as atividades
econômicas de produção e distribuição das drogas
classificadas de ilícitas porque o mercado é ilegal” (KARAM,
2008).
Fica claro que, apesar das Convenções Internacionais sobre Drogas da ONU
não focarem a atenção sobre as condutas relacionadas ao uso pessoal e até mesmo
serem flexíveis quanto à possibilidade de adaptação para as realidades dos países
signatários, o Brasil optou por uma das interpretações mais duras das Convenções.
Isso ajuda a entender porque, durante o séc. XX, as políticas de drogas no Brasil
buscaram se amparar numa “ideologia do combate à maconha que serviu para
orientar o sistema punitivo disciplinar para as áreas ocupadas pela população
negra e mestiça” (CARDOSO, 1994, p. 81).
Usadas para reforçar os mecanismos institucionais de punição e controle sobre
essas populações, seus hábitos e costumes tradicionais, essas leis e políticas foram
implantadas durante períodos marcados pelo autoritarismo estatal e pela restrição de
direitos e liberdades adquiridos, ignorando ou se opondo aos saberes científicos sobre
o tema, sem maiores debates ou diálogo com os setores interessados da sociedade
civil.
Em outubro de 2006, entrou em vigor a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de
2006, trazendo algumas alterações significativas, dentre as quais, o fato de que as
condutas de posse, porte e plantio destinados ao consumo pessoal foram
equiparadas. Apesar da Lei 11.343 abrir novos caminhos para a atuação de policiais,
juízes e outros operadores do Direito, conforme citado anteriormente, ela reproduz a
maioria dos erros históricos das Leis e Decretos anteriores. Além disso, não teve sua
implantação efetivamente realizada, já que lhe faltam reformas e regulamentação em
diversos pontos, e a maioria dos policiais e operadores do direito aplicam
interpretações proibicionistas para essa Lei, o que faz com que continue violando boa
parte dos princípios fundamentais da Constituição Brasileira. Dessa forma, a Lei
ainda
[...] impede um controle de qualidade das substâncias
entregues ao consumo, impõem obstáculos ao uso medicinal,
dificulta a informação e a assistência, cria a necessidade de
aproveitamento de circunstâncias que permitam um consumo
que não seja descoberto, incentivando o consumo descuidado
43
ou anti-higiênico[...]. (KARAM, Op. Cit., p.118).
Antes da Lei 11.343, não havia o tipo penal do usuário que planta para
consumo pessoal. Os verbos “semear, cultivar, preparar, colher”, dentre outros
relacionados com a produção de maconha, eram exclusivos do artigo que tipificava a
conduta de comércio não-autorizado. Esse fato fazia com que boa parte dos casos nos
quais usuários cultivavam pés de maconha para uso pessoal fossem sentenciados
como tráfico.
Durante a vigência da Lei 6.368/76, as condutas de “semear, cultivar ou fazer
a colheita” estavam descritas apenas no artigo 12, que tratava do comércio nãoautorizado da planta. Nesse contexto, inexistia no artigo 16, que tratava da “posse,
armazenamento, transporte”, condutas relacionados com o uso, descrições que
previssem a figura do usuário que planta para consumo pessoal.
Os juristas Junqueira e Fuller29, afirmam que nesse período existiam três tipos
de interpretações dadas pelos magistrados, formando correntes diferenciadas de
posicionamentos sobre o tema. A primeira, dava à essa conduta a interpretação
através do artigo 16, sentenciando-os a penas por uso. A segunda, seguia de forma
quase ortodoxa as definições do texto legal, dando à conduta de cultivo para consumo
próprio sentenças baseadas numa interpretação fundamentalista do artigo 12, devido
ao fato de ser o único que contemplava os verbos necessários para descrever a
conduta, justificando que, nesses casos, havia exclusivamente o delito de tráfico,
independentemente das intenções do agente. Uma terceira corrente, que se restringia
a pouquíssimas decisões, defendia que tratava-se de conduta atípica, e que por isso
não poderia ser qualificada penalmente30.
A Lei 11.343, portanto, trouxe algum avanço ao dar aos magistrados uma
possibilidade maior de atuação no sentido de sentenciar mais corretamente o cidadão
que cultiva maconha para seu próprio consumo. Porém, como já afirmei, não houve
uma iniciativa no sentido de capacitar os magistrados e outros operadores do direito
para lidarem com a figura do cultivador não-comercial. Isso se reflete no fato de que
apenas uma pequena parte dos magistrados, na prática, entendiam a conduta como
atípica e boa parte deles ainda reservava à essa conduta a sentença de tráfico. Há
ainda o fato de que a Lei prevê a emissão de autorização para plantio que sejam
29
30
Ver: FULLER, P. H.; JUNQUEIRA, G. D. Legislação penal especial. 3. Ed. São Paulo: Premier,
2006. v. 1, p. 181.
Ver: ARRUDA, S. M. Drogas: Aspectos penais e processuais penais (Lei 11.343/2006). São Paulo –
SP: Editora Método, 2007. p. 27-28.
44
destinados apenas a uso científico ou medicinal, criminalizando cidadãos que fazem
uso recreativo da planta e cultivam sua própria maconha, mesmo que sejam adultos,
sem antecedentes criminais e sem históricos de problemas de saúde física ou mental.
No entanto, na prática, nem mesmo para uso medicinal tem sido emitida
autorizações para cultivo legal e muitos usuários têm se submetido ao conflito com a
lei para ter acesso ao seu medicamento. Um caso que merece destaque é o de
Alexandre, portador de um tumor maligno, que utiliza Cannabis para tratar os
sintomas das terapias de combate ao tumor. Alexandre foi autuado por cultivo nãoautorizado e atualmente conta com ajuda de membros do Growroom para realizar
sua defesa jurídico no caso. O caso de Alexandre tem causado grande comoção entre
os membros do Growroom, desde o dia 13/12/2009, quando a polícia invadiu seu
sítio e apreendeu 22 espécimes de Cannabis. Alexandre ficou foragido cerca de 1
semana antes de comparecer com um advogado para prestar depoimento e explicar
sua situação.
Outro caso interessante que ajuda a analisar a real eficácia das mudanças na
Lei é o caso de Fábio, usuário que cultivava para consumo pessoal no Rio de Janeiro e
foi preso acusado de tráfico. Sua imagem foi divulgada de forma deturpada por quase
toda a imprensa, até que eu e outro ativistas como o sociólogo Renato Cinco e o
advogado Gerardo Santiago, ambos do Rio de Janeiro, nos envolvéssemos no caso e
lutássemos para reverter a acusação de tráfico inicialmente proposta pela Polícia Civil
do Rio de Janeiro, para a de usuário. É relevante ressaltar que, nesse caso, devido à
hiper exposição na mídia, foi possível que pessoas envolvidas com movimentos prólegalização tomassem conhecimento e buscassem ajudar, mas muitos outros casos
como o de Fábio devem passar anônimos cotidianamente. Casos, sobretudo, de
garotos pobres, moradores de bairros populares, afrodescendentes sem acesso à
ajuda financeira, jurídica, ou de qualquer ordem, flagrados com alguns pés de
maconha e acusado de tráfico por isso.
Os exemplos de Alexandre e Fábio me levam a crer que, ainda que faltem
dados oficiais substanciais sobre a real aplicabilidade da Lei 11.343, ao menos na
questão de considerar quem cultiva como usuário, ela ainda está longe de ser aplicada
como
está
escrita.
Esses
e
muitos
outros
casos
semelhantes
aparecem
constantemente no fórum do Growroom e as repercussões de cada um podem ser
acompanhados diariamente.
Desde março de 2009 está em curso um processo de construção de reformas e
45
regulamentações visando melhorias na aplicação da Lei 11.343. O marco inicial desse
processo foi o pronunciamento do General Félix, Secretário Nacional de Políticas
sobre Drogas, na Sessão Especial das Nações Unidas sobre as Drogas – UNGASS – ,
realizada em Viena. Esse pronunciamento foi construído de forma democrática no
Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas - CONAD, órgão normativo máximo do
Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - SISNAD, com estrutura de
representação paritária. O posicionamento brasileiro se deu no sentido de afirmar
que a meta de um mundo sem drogas é inatingível e que, mais do que simplesmente
reprimir ou combater a oferta e a demanda, é necessário admitir novas posturas
sobre o tema para poder lidar melhor com as consequências do uso indevido de
drogas. Segundo ele,
Em dezembro de 2006, o Brasil deu mais um
importante passo na modernização legislativa e na
garantia dos direitos humanos, ao estabelecer que
conduta que não envolva prática de mercancia não pode
ser considerada como tráfico ilícito de drogas. Com essa
medida, permite-se tratamento diferenciado entre
pequenos e grandes traficantes de drogas. Nesse sentido,
a nova Lei de drogas brasileira já, em 2006, aboliu
definitivamente a pena privativa de liberdade para o
cidadão usuário de drogas[...] Temos clareza de que as
metas de um “mundo sem drogas” se mostraram
inatingíveis, com visível agravamento das “consequências
não desejadas”, tais como aumento da população
carcerária por delitos de drogas, aumento da violência
associada ao mercado ilegal das drogas, aumento da
mortalidade por homicídio e violência entre jovens - com
reflexo dramático nos indicadores de mortalidade e de
expectativa de vida da população. (Gen. Félix, SENAD,
2009)
A UNGASS foi um exemplo de como está em curso no mundo um verdadeiro
movimento de mudança na postura política com relação às drogas, engendrado por
países atualmente insatisfeitos com o resultado do proibicionismo31. Pela primeira vez
na história dessa Reunião não houve consenso entre os países e diversos temas, como
a inclusão da redução de danos como um dos pilares da política de drogas mundial,
31
Proibicionismo é um termo utilizado frequentemente para designar as posturas oficias, políticas e
leis, incluindo aí a forma como são colocadas em prática, que têm a proibição às drogas como a
principal meta a ser atingida, independentemente dos custos econômicos, sociais, políticos, dentre
outros, em jogo. O conceito de proibicionismo é utilizado de forma variada pelos pesquisadores da
área e pelos ativistas ligados a movimentos sociais. Nesse trabalho consideramos proibicionismo a
utilização de regras, leis e políticas de proibição de condutas que causem mais danos e riscos do que
as condutas que pretendem proibir.
46
ficaram em aberto, sem definições consensuais.
Em agosto de 2009, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas – SENAD
– convidou uma parte dos membros do CONAD e especialistas na área, parar formar
um Grupo de Trabalho e sugerir reformas e regulamentações à Lei 11.343. Em
paralelo, a Ong Viva Rio, com o apoio do Deputado Federal Paulo Teixeira (PT-SP),
lançou a Comissão Brasileira Drogas e Democracia, formada por 50 membros de
diversos setores da sociedade civil. Esses dois espaços têm como objetivo articular um
Projeto de Lei a ser proposto ao Congresso nacional, solicitando a regulamentação do
cultivo de maconha para consumo próprio e a descriminalização do porte de outras
drogas para uso pessoal.
Desde dezembro de 2008, sou representante da União Nacional dos
Estudantes – UNE – no CONAD e, por isso, também represento a UNE no GT da Lei
11.343, a partir das discussões que estão sendo realizadas, considero que o objetivo
não é apenas fazer pequenas reformas na Lei, mas alterá-la de forma que realmente
seja possível minimizar as consequências negativas que o mercado ilícito tem gerado.
Tanto no CONAD, quanto no GT, a maioria dos pontos de vista são de que os
principais danos causados pela proibição da maconha são a exposição do usuário aos
pontos de tráfico de drogas, a criminalização e a discriminação e estigmatização a que
estão sujeitos, e, é claro, as consequências do atual comércio não-autorizado e do
proibicionismo para toda a sociedade.
A proposta discutida nesses espaços e que embasa o Projeto de Lei do
Deputado Paulo Teixeira é a regulamentação do cultivo de maconha para consumo
próprio e a descriminalização do porte de pequenas quantidades de outras drogas.
Nesse sentido, é mais do que essencial se discutir a regulamentação do cultivo para
consumo próprio com base na realidade brasileira a respeito do tema, com vistas
colocá-la em prática com um mínimo de conhecimento necessário à elaboração de
qualquer política pública. Dessa forma, a pesquisa apresentada aqui procura ajudar a
plantar as primeiras sementes sobre um solo tão fértil para o florescimento de
discussões e políticas públicas interessantes e necessárias, mas que até então tem sido
pouquíssimo explorado.
8.O Ressurgimento32 da Cultura do Cultivo de Maconha
32
Ao usar o termo ressurgimento ao invés de surgimento, estou fazendo uma referência ao fato de
que existiam, no período anterior à proibição, diversos culturas relacionadas com o cultivo nãocomercial e comercial da planta. Essa história só poderá ser escrita com um ampla pesquisa que
inclua a contribuição dos processos ocorridos nos países europeus também. Para atender às
47
“Cannabis é uma planta. Seu uso já é conhecido há milhares de anos.
Todos os seres vivos têm uma função no grande bioma que é a Terra.
Não existe esse poder especial que vocês acham que têm de dizer o
que pode crescer no solo de sua nação ou não”. (Txapuan)
Em 1972, o governo do presidente estadunidenses Richard Nixon criou a Drug
Enforcemente Agency – DEA, com poderes para atuar realizando revistas, escutas e
visitas a domicílios sem necessidade de mandado e centralizando em nível federal
todos os órgãos e agências relacionadas às drogas ilícitas. Esse pode ser considerado
o início oficial da War on Drugs, que inaugurou um novo patamar nos investimentos
para reprimir a produção, distribuição e consumo de maconha e outras drogas. Em
1975, a Agência lançou uma série de atuações buscando a supressão do fornecimento
de maconha com origens em plantações mexicanas. Entre elas, numa parceria entre
os governos dos EUA e do México, a DEA iniciou pulverizações de plantações
mexicanas de Cannabis sativa com o herbicida Paraquat33®.
Em 1979, após quatro anos de pulverizações, o Secretário de Saúde dos EUA
publicou alertas, em diverso meios de comunicação, afirmando que fumar a
marijuana fumigada com o herbicida poderia causar danos permanentes, câncer e
levar à morte. No mesmo ano, o DEA iniciou o Domestic Cannabis Eradication and
Suppression Program, intensificando as operações de erradicação de cultivos da
planta dentro dos EUA, antes centralizados apenas no Havaí e Califórnia, ampliandoas para mais de cinqüenta estados da União. (DEA, 2007)
As operações de fumigação em cooperação bilateral só pararam em 1981,
depois que o governo dos EUA pulverizou plantações no estado da Geórgia, e recebeu
diversas pressões internas e externas. As pressões da empresa distribuidora do
Paraquat® nos EUA, a Chevron Chemical Co., que chegou a declarar publicamente
que “a etiqueta do produto exibe a palavra ‘veneno, com uma caveira e ossos
cruzados como insígnia, mas aterrorizar populações para forçá-las a mudar
comportamentos sociais não está entre os usos registrados do produto’”, além do
fato da Agência de Proteção Ambiental nos EUA ter proibido o comércio do produto
em solo estadunidense, são exemplos do que determinou o fim dessas operações com
33
restrições desse trabalho nos limitaremos à descrever apenas a realidade estadunidense e
brasileira. A opção pelos EUA se deve ao fato da sua reconhecida importância para a história do
proibicionismo.
O Paraquat é um dos nomes comerciais do conhecido “Agente Laranja”, substância utilizada pelo
Exército dos EUA durante a Guerra do Vietnã para exterminar as florestas vietnamitas esperando,
com isso, facilitar a identificação das bases consideradas inimigas.
48
o herbicida. (JELSMA, 2001).
No entanto, ainda que os EUA tenham cortado as operações bilaterais com o
México usando o Paraquat®, continuaram estimulando testes em território
mexicano, colombianos, bolivianos e outros. Além disso, diversos testes com
alternativas como o Roundup® foram realizadas e os EUA abertamente facilitaram a
manutenção de operações locais de fumigação de plantações de Cannabis, papoula34 e
coca35, em diversos países aliados. De fato, os EUA obtiveram muito êxito na
exportação de tecnologias antidrogas, já que México e Colômbia prosseguiram
fumigando suas plantações e em 2001 o governo mexicano registrava a destruição
anual de mais de 85% dos 50.000 hectares estimados de plantações de Cannabis no
país, embora o próprio governo admitisse que essas fossem replantadas quase
imediatamente e que existiam centenas de vítimas com problemas de saúde devido à
contaminação pelos herbicidas usados nas operações. (JELSMA, op. cit.).
Dessa maneira, o DEA procurava reprimir radicalmente a oferta de Cannabis
no mercado consumidor dos EUA. No entanto, as evidências apontam para que a
crescente demanda por derivados da planta, e o intenso combate ao seu cultivo
empreendido pelos EUA nesse período, atuaram conjuntamente para que ocorresse o
crescimento do que a juíza Maria Lúcia Karam chama de “demanda artificial”,
incentivando que novos atores se interessassem pelo negócio. (KARAM, 2003, p.4647). Nesse sentido, a elevação dos preços dos derivados de Cannabis se deu pela
supressão sistemática do fornecimento do produto, o que criaria no mercado uma
variável introduzida por fatores externos aos envolvidos diretamente na dinâmica de
mercado, fazendo com que houvesse uma elevação dos preços, sem uma justificada
base real. Plantar e colher Cannabis, ou mesmo separar as inflorescências femininas
não é uma tarefa custosa, que envolva muitos gastos para o produtor, mesmo em
cultivos de larga escala. No entanto, sob regimes proibicionistas, outros fatores, que
não apenas os que envolvem o processo de cultivo, colheita e preparo do fumo,
passam também a serem tomados como intrínsecos à produção.
Assim, quando uma legislação fomenta a supressão ao acesso às substâncias, o
mercado sofre uma interferência externa e os preços são superestimados, por
34
35
Nome popular da planta denominada pela botânica como Papaver soninferum, cujos bulbos
floridos onde são produzidas as sementes têm uma resina rica em diversas substâncias, muito
procurada por suas propriedades psicoativas. O nome mais conhecido dessa resina é ópio.
Nome comum da planta denominada botanicamente como Erythroxylon coca, cujas folhas são
tradicionalmente utilizadas como estimulante e consideradas como manifestações divinas por
diversos povos em toda América Latina. A substância mais conhecida extraída dessa planta é a
cocaína.
49
agregarem valores estranhos à produção do bem em si (fatores como violência, riscos
de prisão, marginalização, vácuos extraordinários na oferta, dentre outros). Com as
possibilidades de obter lucro artificialmente elevadas e as fontes de oferta do produto
estagnadas, segundo essa tese, cresceria o interesse pela lucratividade gerada pelo
negócio e aumentaria o número de indivíduos atraídos para o empreendimento.
Nesse sentido, o mercado de drogas estaria constantemente influenciado em termos
de elevação de preço, e principalmente, por oportunidade de trabalhar nos vácuos de
oferta, criados pelos fatores que poderíamos chamar de “risco proibição”. (KARAM,
op. cit:45-97).
O sociólogo Paulo Morais analisa esse processo destacando que, na era Reagan
(1981-1989), com o aumento da repressão, o preço da maconha teve elevação de até
14% (?), tendo como consequência principal a exclusão de pequenos e médios
investidores e a geração de um mercado de importação e distribuição oligopolizado,
sem qualquer registro de diminuição no consumo. (MORAIS, 2005, p.3). Isso
significa dizer que o aumento da repressão à produção e distribuição da planta não
diminuiu o consumo, apenas criou condições para as quais passaram a ser
necessárias a criação de estratégias alternativas.
A intensa campanha do governo dos EUA fez com que as pessoas que
consumiam Cannabis, preocupadas com sua saúde, passassem a evitar os fumos
cujas procedências ou aparências levantassem a menor suspeita de que suas origens
fossem campos contaminados. No entanto o consumo não parou e as pessoas que
usavam Cannabis tiveram apenas que inserir no seu rol de preocupações o cuidado
com a procedência do fumo. O que essas intensas campanhas de erradicação de
plantações de Cannabis conseguiram, de fato, foi diminuir os canais de oferta do
produto num momento específico no qual a demanda era crescente. A escassez de
oferta fez com que os cidadãos dos EUA passassem a buscar no cultivo da planta
excelentes oportunidade de alcançar grandes lucros rapidamente, ou de obter
colheitas que permitissem ficar independentes do mercado fornecedor.
Além do surgimento de um mercado de cultivo doméstico da planta para
consumo próprio, a atividade de cultivador de Cannabis tornou-se altamente atrativa
e as relações entre as tradições fortes no país em empreendimentos comerciais e no
cultivo da planta, moldaram o contexto propício para o ressurgimento de técnicas de
cultivo que permitiram a adaptação à criminalização do mercado produtor.
Como discutido anteriormente, os consumidores de derivados de Cannabis
50
compartilham saberes específicos essenciais para a manutenção do seu consumo, que
são desenvolvidos de forma mais ou menos individual para a resolução de problemas
comuns. Os usuários desenvolvem e compartilham um conjunto mais ou menos
comum de símbolos, significados, representações, regras de conduta e outros
elementos que os definiria enquanto coletividade sui generis, formando o que se
chama de cultura da Cannabis. (BECKER, Op. Cit.). Embora tenham existido
culturas da maconha há milhares de anos, desde que os seres humanos começaram a
utilizá-la, em diferentes regiões do globo, somente no início na década de 1960
surgiram os primeiros discursos públicos sobre legalização da planta e passou a
ocorrer o ressurgimento da cultura do cultivo de Cannabis para consumo próprio, que
alguns autores têm chamado de ‘cultura ultra-moderna da Cannabis’ (GAMELLA &
RODRIGO; 2004), e a ONU tem chamado de re-engineering of cannabis e
rediscovery of sinsemilla (UNODC, 2006, p.155-196).
No início, os principais veículos de divulgação dessa cultura eram os relatos
orais e as publicações impressas. Em 1966, uma coletânea de artigos sobre cultivo da
planta foi publicada sob o título “How to Grow the Finest Marijuana Indoors Under
Lights” , que é a publicação mais antiga que encontrei sobre o tema36. A partir daí,
surgiram uma série de publicações em língua inglesa sistematizando, compilando e
principalmente divulgando e registrando as informações relacionadas a técnicas de
cultivo.
No início da década de 1970, esses conteúdos passam a ser publicados com
maior frequência e intensidade, a exemplo de: 1969 (GAINAGE & ZERKIN;
SUPERWEED); 1970 (DRAKE; SUPERWEED); 1971 (DRAKE; KRANZ & KRANZ);
1973 (STEVENS); 1974 (DRAKE; FABER; FLEMING; FRANK & ROSENTHAL;
KRAMER; MURPHY); 1975 (FITCH; GOTTLIEB); 1976 (RICHARDSON & WOODS;
DANIELS); 1977 (CLARKE; MURPHY; OAKUM); 1978 (FRANK & ROSENTHAL;
IRVING); 1979 (DRAKE; STEVENS); 1981 (CLARKE). Essas obras não apenas
criaram um meio físico que pudesse servir de registro dos saberes relacionados ao
cultivo da planta, até então transmitidos apenas oralmente, mas forneceram base de
consulta para milhares de leitores, principalmente em língua inglesa. Não é possível
dizer ao certo em que medida o acesso a essas obras influenciou as transformações no
mercado fornecedor da planta nos EUA e em todo o mundo, mas essas publicações
36
Por estarmos tratando do ressurgimento da cultura do cultivo de maconha para consumo próprio e
não da sua formação que tem origem imemorável, estamos considerando nessa reconstituição
apenas o período histórico pós-proibição, quando a cultura da planta passou a ser perseguida,
deslegitimada e ignorada.
51
certamente são parte integrante desse processo.
A partir da década de 1980, a DEA começou a encontrar as primeiras
plantações que utilizavam técnicas de cultivo indoor37 e, é claro, a promover
operações de combate a esse tipo de práticas. No entanto, o mesmo período que
poderíamos considerar como o de nascimento da cultura do cultivo indoor (19661980), foi o de maiores iniciativas de repressão ao fornecimento dos derivados da
planta. Tanto a repressão à importação com a intensificação do controle das
fronteiras, quanto o recrudescimento das iniciativas de combate às plantações de
Cannabis nos EUA (manualmente) e no México, Jamaica, Colômbia e outros países
(quimicamente), causaram um vácuo no fornecimento de derivados da planta. É
possível afirmar que cultivadores estadunidenses tenham passado a querer preencher
esse vácuo, mas se depararam com uma intensificação do combate ao cultivo dentro
do próprio território estadunidense.
Até 1980, somente 10% da maconha consumida nos EUA era produzida no
próprio país. Em 1984 era12,5%., 25% em 1989 e em 1995 esse número chegava a
50%, ainda que a legislação aplicasse à posse de 100 espécimes da planta penas
idênticas às da posse de 100g de heroína – 5 a 40 anos de reclusão. (POLLAN, 1995).
Até a década de 1970, quase toda a maconha consumida nos EUA era
proveniente dos campos mexicanos, ainda que muitos cidadãos estadunidenses já
cultivassem suas próprias colheitas, dentro do engajamento nos princípios do “Grow
your own”38. A situação foi alterada a partir das operações de fumigação com
Paraquat® e com a intensificação da War on Drugs. Mas até então, o
empreendimento de cultivo indoor era considerado muito dispendioso e pouco
rentável, pois as variedades da planta que cresciam no México, Jamaica, Colômbia e
outros países da América do Sul, não se desenvolviam muito bem na maioria das
regiões dos EUA.
Nesse período, hippies que viajavam por países orientais como Marrocos e
Afeganistão, visitando comunidades das regiões que ficaram conhecidas como “the
hashish trail”, levaram para os EUA sementes de variedades de fenótipo indica,
cultivadas tradicionalmente há dezenas de gerações, e selecionadas, na busca por
37
O termo indoor é usado aqui para designar os empreendimentos de cultivo que usam lâmpadas,
ventiladores e outros mecanismos para reproduzir em ambientes fechados as condições necessárias
para o desenvolvimento da planta.
38
O Grow your own foi um movimento cultural que preconizava que cada indivíduo deveria tentar se
responsabilizar ao máximo pela produção do seu alimento e dos bens necessários à sua
sobrevivência. Esse movimento surgiu nos anos 1980 e em suas versões mais radicais proclamava o
cultivo de vegetais usados para produção de roupas, utensílios, etc.
52
espécies mais resinosos, principalmente para finalidades medicinais e religiosas. A
partir dessas sementes selecionadas, os cultivadores estadunidenses passaram a fazer
cruzamentos entre as diversas variedades que tinham à mão, obtendo espécies sui
generis, que mantinham características de ambos os fenótipos, indica e sativa. Com
o tempo, passaram desenvolver variedades com características que podiam ser
melhor utilizadas comercialmente, como floração densa, alta produção de resina e
ciclo de vida curto, características de plantas indica, e o grande porte das plantas e
concentrações de proporção de THC na resina, características de plantas sativa.
Nesse período, foram desenvolvidas variedades como Skunk, Big Bud, Haze,
Califórnia Orange e Northern Lights39, ganhadoras de diversas premiações
internacionais em festivais de colheita e base para as variedades atualmente mais
valorizadas no comércio legal de sementes de Cannabis. (POLLAN, 2002; pp. 128139).
Nesse período os cultivadores passaram a utilizar o maior número de técnicas
agrícolas já existentes, aperfeiçoando-as constantemente e adaptando-as às
especificidades botânicas da Cannabis, procurando dominar as condições de
crescimento das plantas para otimizar os resultados da colheita. A necessidade de
migrar as colheitas para ambientes indoor impôs novos fatores a serem considerados
na seleção dos espécies que iriam ser reproduzidos. Nesse processo, as
experimentações com diferentes linhagens da planta, para poder recriar em
ambientes fechados as condições climáticas ideais, resultaram em saberes específicos
sobre esse tipo de cultivo, que envolvem botânica, agronomia e até mesmo
engenharia. As experimentações com novas linhagens e cruzamentos de plantas com
genótipos variados resultou no desenvolvimento de linhagens híbridas adaptadas às
condições indoor e às características buscadas pelos cultivadores – maior produção
de inflorescências, aromas, cores e sabores variados e, especialmente, plantas com
39
Em 2003, o mercado legal de sementes de Cannabis contava com 450 variedades registradas, das
quais muitas com origens genéticas em variedades nativas de países como Jamaica, Colômbia,
México, E.U.A e Brasil, além de países na Ásia e África. (GREEN, 2003, p. 16). Muitas landraces,
como são comercialmente conhecidas as variedades que não sofreram hibridização e que por isso
mantém as características desenvolvidas no habitat de uma determinada região, têm origem em
países onde o cultivo da Cannabis é bastante reprimido. No entanto, os espécimes mais apreciadas
pelos breeders, profissionais desenvolvedores de variedades, são provenientes de landraces,
porque guardam possibilidades genéticas inéditas e ainda não exploradas. O exemplo do Brasil
pode ilustrar bem o caso de países de política repressora que exportam qualidade genética
canábica, sem que a maioria dos seus cidadãos nem o imagine. Variedades como Bahia Black
Head, Black Widow, El Niño, Leda Uno, Medicine Man,White Shark, Great White Shark, White
Widow, dentre outras, são exemplos de marcas registradas em propriedade de bancos de sementes
holandeses, ganhadoras de prêmios internacionais, que têm origens genéticas em landraces
brasileiras. (ROSENTHAL, 2001).
53
ciclos de vida mais curtos.
Michael Pollan identifica 1987 como o ano de surgimento do conjunto de
técnicas que marcaria definitivamente o modelo indoor como exemplo de eficiência e
controle de produtividade. O modelo que ficou conhecido como “Sea of Green” ou
“Mar Verde”, consiste na aplicação de técnicas de clonagem (mudas, estacas),
amplamente utilizadas em outros tipos de agricultura, aos saberes relacionados às
especificidades do ciclo de vida e do metabolismo das plantas Cannabis sativa.
Planta anual, a Cannabis só floresce quando o seu ambiente de crescimento
lhe fornece um período sem luz (noite), mais longo do que o período com luz (dia), e a
planta entende que é chegado o outono e é preciso iniciar o processo de floração. O
ciclo de vida da planta é dividido pelos cultivadores em períodos de “germinação”,
“vegetação” e “floração”, com durações que podem variar respectivamente entre 1 a 4
semanas, 8 a 32 semanas e 7 a 24 semanas. Assim, uma planta in natura, pode levar
até 15 meses para completar seu ciclo de vida, de acordo com sua variedade, que se
encerra com a maturação completa das inflorescências. Os cultivadores que utilizam
ambientes indoor procuram encurtar ao máximo o ciclo de vida da planta, sem
prejudicar sua saúde, controlando o fotoperíodo e simulando a chegada da época de
floração através da diminuição do período em a planta fica exposta à luz.
Assim, esses cultivadores procuraram criar condições de cultivo ideais a partir
da adoção das seguintes práticas: controlar o ciclo de vida da planta, mantendo-a o
mínimo possível no período “vegetativo” e administrando um regime de luz que force
a floração precoce40; manter as melhores condições de cultivo para as plantas com
exposição máxima à iluminação, buscando lâmpadas com maior eficiência e
estudando as respostas das plantas aos diferentes tipos de irradiações41; inserir as
plantas em condições de nutrição ideais, a partir do uso do cultivo hidropônico42 com
40
41
42
Alguns cultivadores administram o regime de 24hs de luz e 0hs de escuridão, durante o período
“vegetativo”, outros optam por regimes de 20/4hs, 18/6hs ou até mesmo de 14/8, mas é unânime o
reconhecimento de que as plantas iniciam a fase de produção de inflorescências quando lhes é
administrado um período de no mínimo 12hs de escuridão diário.
As lâmpadas usadas inicialmente eram lâmpadas de vapor de flúor em baixa pressão, que
conferem uma quantidade razoável de iluminação sem produzir muito calor. Com o surgimento das
lâmpadas de vapor em alta pressão, as lâmpadas de vapor de Sódio (HPS) e vapor metálico (HQI)
substituíram as fluorescentes na maioria dos empreendimentos de cultivo por oferecerem uma
maior quantidade de iluminação, e frequências luminosas mais eficientes, ainda que produzam
muito mais calor, exigindo o investimento num sistema de refrigeração.
As técnicas de cultivo hidropônico foram desenvolvidas em Israel. Elas têm conseguido
proporcionar o fornecimento de alimentos de qualidade cultivados em locais onde o acesso à terra
com nutrientes adequados é difícil. As técnicas hidropônicas baseiam-se no conceito de dar às
plantas condições de nutrição máxima para o crescimento de um vegetal. Assim, cultivam as
plantas em soluções à base de água e nutrientes em quantidade previamente estudada, mantendo-a
enriquecida com oxigênio.
54
quantidade e qualidade de nutrientes, acidez (Ph) e temperaturas equilibrados;
eliminar os espécimes machos das plantações43 e seleçionar os mais saudáveis
espécimes fêmea e macho que apresentem as características que interessam para o
desenvolvimento de híbridos melhores adaptados ao cultivo indoor (curto ciclo de
vida, rápida floração, enraização homogênea, etc)
O “Sea of Green”, ou SOG marca o ápice desse processo moderno de
domesticação da planta visando a intensificação da produção em ambientes fechados.
O intenso desenvolvimento das práticas de cultivo tornou possível que os cultivadores
mantivessem o que se denomina de “planta mãe”, uma espécime fêmea escolhida
após um período de experiência com o cultivo e seleção em uma determinada
população de plantas. Essa planta passa a ser a base para a aplicação da variedade de
técnicas acumuladas para produzir o máximo de colheita com o mínimo de espaço.
Assim, os cultivadores recolhem mudas das linhagens que desejem manter das
“plantas mãe” e administram condições adequadas para que possam produzir mais
facilmente as raízes. Em cerca de dez a quinze dias elas já estarão na fase
“vegetativa”, ainda que tenham apenas alguns centímetro de altura. Dessa forma, os
cultivadores obtêm plantas geneticamente idênticas às “plantas mãe”, mas com um
porte menor e um metabolismo em fase adulta. Ou seja, os espécimes serão todos
fêmeas, com as características das “plantas mãe” e poderão ter sua estatura mais
facilmente controlada, ainda que tenham potencial para floração semelhante ao de
uma planta de grande porte.
O ressurgimento da cultura do cultivo de maconha e o desenvolvimento das
técnicas de cultivo indoor não podem ser relacionadas diretamente à ampliação do
mercado produtor de maconha nos EUA. No entanto, essas evidências apontam ser
possível uma reflexão no sentido de admitir que, de certa forma, o trabalho de
domesticação
da
planta
empreendido
por
esses
cultivadores,
coletiva
ou
individualmente, transformou o mercado da planta não só nos EUA, mas também na
Europa e outras partes do planeta. Atualmente, o cultivo e Cannabis é o maior
agronegócio dos EUA, gerando uma renda anual de cerca de 36 bilhões de dólares,
em um mercado dominado pelos empreendimentos de cultivo de linhagens híbridas
43
A quantidade de resina produzida por espécimes machos é irrelevante para o uso. O que se
considera como maconha, marijuana, ou seja, de onde se deriva o fumo de valor comercial são as
inflorescências dos espécimes fêmeas. A maconha chamada “sinsemilla” (sem semente) nada mais
é do que a colheita de plantações onde os machos são regularmente controlados e eliminados antes
de florirem e polinizarem os espécimes fêmeas. Quando não são polinizadas, as inflorescências
femininas continuam produzindo resina até a sua colheita, o que não acontece quando são
fecundadas pelo pólen e têm que se dedicar a produção das sementes.
55
em ambientes indoor. (GETTMAN, 2006).
O Relatório Mundial da Agência da Organização das Nações Unidas para as
Drogas e o Crime (UNODC), referente ao consumo mundial de substâncias
psicoativas no ano de 2006, dedicou um capítulo especial à Cannabis (UNODC,
2006, p.161). Ainda que mantendo o discurso alarmista em relação ao consumo dos
derivados da planta, a ONU admitiu que as atuais técnicas de cultivo em ambientes
indoor permitem que a produção seja realizada em países onde as condições
climáticas impedem o cultivo da planta, favorecendo o surgimento de produtores de
pequena e média escala, que muitas vezes vendem diretamente ao consumidor final.
Segundo o Relatório, atualmente os cultivadores holandeses, utilizando
práticas de cultivo em ambientes indoor, conseguem produzir toda a Cannabis
consumida no país e são responsáveis por 25% da maconha em países como Áustria,
Belarus e Bélgica; 50% na República Checa; 20% Estônia; 50% na França, Alemanha,
Hong Kong e Hungria; 17% na Islândia, Irlanda e Itália; 75% na Lituânia; além de
exportar também para países como Espanha, Polônia, Suíça e Estados Unidos
(UNODC, Op. Cit.:170-171). A Agência estima também que, com base nas apreensões
reportadas pelos países que participaram da pesquisa, a produção mundial de
maconha seja de 30.000 toneladas e a de haxixe ultrapasse as 7.000 toneladas
(UNODC,Oop. Cit.:174).
O mercado consumidor norte-americano está estimado entre 10 e 60 bilhões
de dólares e é abastecido em sua maioria por cultivadores locais, que respondem pela
3ª maior colheita mundial de maconha, atrás do México e do Marrocos,
respectivamente. (UNODC, Op. Cit.; 164). O relatório chama a atenção para o fato
dos EUA ser um país que produz uma grande quantidade de Cannabis e que também
tem revelado altos índices de consumo dos derivados da planta. Assim, não apenas
consome toda a Cannabis que produz, como importam de produtores no Canadá e
México.
Ao estimar o consumo mundial de derivados da planta, o Relatório chama
atenção para os desvios inerentes aos dados produzidos dessa forma, alertando para
as dificuldades intrínsecas em se fazer levantamentos sobre o uso de drogas, práticas
consideradas criminosas, especialmente nos países onde o uso é estigmatizado e
bastante reprimido.
Esses dados nos fazem refletir sobre o ressurgimento da cultura do cultivo de
maconha e a difusão de saberes associados que, ao mesmo tempo que possibilita aos
56
usuários se tornarem auto-suficientes, facilitam a inserção de novos atores na função
de produtores não-autorizados da planta. Existem poucos trabalhos que tratam das
consequências da popularização desses saberes na configuração do mercado ilícito da
planta em países como Austrália, Inglaterra, Holanda, EUA, dentre outros, e neste
trabalho iremos analisar e discutir ressurgimento dessa cultura no Brasil, através de
uma comunidade específica na Internet, que abriga usuários de maconha que falam
português: O Growroom – seu espaço para crescer.
9.O Nascimento do Growroom
“Me apaixonei desde o início!” (Ira, fundador do Growroom)
A Internet é um ambiente fértil para as novas experiências de sociabilidade e
compartilhamento de interesses e significados. Nesse espaço é possível que se
formem grupos que discutam sobre quaisquer assuntos de maneira mais ou menos
livre, compartilhando experiências, informações, significados e representações.
(GUIMARÃES, 1997).
Não é possível datar exatamente quando a cultura canábica, já bastante
registrada em revistas, livros, fotos e outros tipos de publicações impressas e em
vídeos, passou também a ser divulgada através da Internet. Seria uma tarefa
exaustiva e impossível de ser realizada fazer o levantamento de cada site publicado. A
alta velocidade e os diversos caminhos possíveis de publicação na Internet tornaram
bastante trabalhosa a tarefa de acompanhar o fluxo de conteúdos que atualmente são
publicados por essa via. Ademais, a Internet é considerada pelos principais autores
da área como um instrumento potencializador e veículo facilitador de divulgação de
culturas existentes no mundo off-line e não como uma cultura diferenciada em si
mesma. Dessa forma, podemos admitir que, desde que o primeiro entusiasta da
cultura canábica teve acesso às tecnologias de comunicação em rede, fez uso delas da
forma que lhe era possível.
No caso dos fóruns de discussão sobre a maconha, essa tarefa é mais restrita,
mas ainda assim é muito ampla e fugiria aos objetivos deste trabalho. Por me propor
uma análise restrita à cultura relacionada com o cultivo para consumo próprio no
fórum Growroom, cabe registrar a história dos fóruns de discussão em língua
portuguesa, que são onde se desenvolveram os processos que me coloquei como
57
tarefa analisar.
Em 2002, Ira44, um brasileiro à época residindo na Holanda, criou o
“Growroom – seu espaço para crescer” www.growroom.net, um blog de notícias
sobre maconha que abriga o fórum de discussões on-line cujo objetivo inicial era
proporcionar um espaço onde pessoas adultas, usuárias de maconha, pudessem
trocar suas experiências sobre o tema em uma plataforma de sociabilidade on-line,
comumente chamadas de fórum de discussões, ou apenas fóruns. Situado no
ciberespaço, está estruturado para receber usuários de qualquer parte do mundo que
tenham acesso à Internet, disponibilizando um espaço no qual é possível consultar
um banco de experiências e informações gerado pela interação de milhares de
pessoas..
Nessa época, já existiam diversos fóruns do mesmo estilo, mas nenhum deles
tinha o português comoidioma utilizado. Havia fóruns do mesmo tipo nos EUA,
Inglaterra, Espanha, França, Itália, Canadá, Holanda, Alemanha, dentre outros
países. Nesse tipo de espaço de sociabilidade online, os internautas encontraram a
possibilidade de construir perfis, como em outros sites de relacionamento, mas para
discutirem temas relacionados especificamente a maconha e seus usos. Entre 1997 e
2008, Ira morou na Europa, em países como Holanda, Alemanha, Espanha e Portugal, onde
teve contato com uma realidade completamente diferente da brasileira, com relação não só ao
uso da planta, mas também às políticas públicas e iniciativas sociais e culturais relacionadas
aos usuários. Nesse período, visitou diversos países europeus e conheceu ativistas e pessoas
ligadas à cultura canábica em diferentes cidades. Em seu relato, ele conta:
“Cara! É impressionante como são mundos
diferentes. Enquanto nêgo ta falando de legalizar ou não
legalizar por aqui, os caras lá tão debatendo se o grau de
pureza das flores45 dos cafés46 é adequado mesmo para o
uso medicinal ou se é melhor consumir o produto
44
45
46
Ira é o pseudônimo do criador do Growroom. Por motivos de segurança, os dados sobre ele foram
cuidadosamente estudados, procurando utilizar somente aquilo que interessava para facilitar a
compreensão das informações relevantes para a discussão deste trabalho, preservando-o de uma
exposição desnecessária e que poderia incorrer em riscos à sua segurança e privacidade.
As flores dos espécimes femininos são as partes da Cannabis com maior concentração de princípios
ativos. Em países onde há certa regulamentação do mercado consumidor somente as flores são
comercializadas.
Na Holanda algumas cidades autorizam que estabelecimentos possam vender flores de maconha e
haxixe, a resina psicoativa extraída das flores, sob algumas regras. Essa política é constantemente
revisada de acordo com as mudanças sociais, culturais, políticas e principalmente a utilização de
dados das pesquisas sobre o tema.
58
cultivado pelo governo(...). Naquela época (2002), tudo
que eu queria era tentar fazer com que os brasileiros
pudessem ter acesso a esse tipo de informação. A galera
precisava saber que, mesmo ilegal, essa planta é vista de
forma muito diferente em outros países(...). O Growroom
era principalmente uma forma de ver se os brasileiros
acordavam pra vida, saca? Pra ver se eles corriam atrás
e mudavam um pouco a realidade por aqui(...)”
Em 2002, quando criou o Growroom, Ira passou a abrir tópicos no Overgrow e
em outros fóruns em línguas diferentes, chamando os brasileiros a se cadastrarem no
fórum do Growroom (?). O Overgrow era uma plataforma de relacionamento em
língua inglesa e durante anos foi o principal canal de diálogo entre milhares usuários
de maconha de todo o mundo. Apesar de terem acesso aberto a pessoas de todas as
nacionalidades, o Overgrow e outros fóruns eram direcionados para pessoas em
países com idiomas e realidades completamente diferente da brasileira, dificultando
o acesso de boa parte dos brasileiros , que ficavam sem um espaço específico no qual
pudessem debater seus temas locais. Por isso, mesmo que as discussões abarcassem
questões e problemas comuns a pessoas que consomem Cannabis e derivados, seja
no Brasil, nos EUA ou em outros países, o Overgrow e o outros fóruns do gênero
nunca conseguiram proporcionar a reunião de muitos brasileiros. Era essa lacuna que
Ira queria ocupar com a criação do Growroom e seu fórum.
O Growroom nasceu, portanto, da ideia de criar um espaço de sociabilidade
que funcionasse como um ponto de diálogo entre a cultura sobre a maconha que
existia em outros países e os usuários brasileiros que não tinha acesso à essas outras
realidades, nem tinha um espaço onde pudessem trocar experiências e dialogar com
outros brasileiros. Além disso, Ira tinha como objetivo central promover o debate
sobre a maconha dentro da comunidade de brasileiros. Ele acreditava que, se os
brasileiros tivessem acesso à existência de discussões sobre manifestações pela
legalização e políticas e leis voltadas para a tolerância ao cultivo para consumo
próprio, talvez começasse a surgir um movimento social no país que fosse baseado no
autocultivo, como existia em diversos países desde a década de 1960.
Foi no Overgrow que conheci Ira e foi através dele que Ira conseguiu os
primeiros parceiros para trabalhar na administração do fórum. Em maio de 2002 o
Growroom começou a funcionar na Internet e, em menos de 10 dias, mais de 400
pessoas se inscreveram no fórum, entre elas eu, que passei a acompanhar as
59
discussões e ajudar na administração, participando da equipe de moderação.
ANO
2002
2003
2004
2006
2007
2009
Cronologia com alguns fatos marcantes na história do Growroom
FATO
Ira inicia a pesquisa para definir qual o melhor designer e o software apropriado para ser
usado no Fórum
Em 12 março o Growroom é lançado e em 1 semana já tem 400 usuários cadastrados
São iniciadas as discussões em torno da construção do Censo Cannábico
O questionário do Censo Cannábico fica disponível on-line entre 5 de março e 1 de maio
Atendendo a pedidos de usuários de Portugal, que usavam desde o início um Fórum específico do Growroom, foi cedido um espaço no servido do Portal para hospedar o Horta da
Couve, portal Português sobre o tema
Em setembro a Revista Trip publica um matéria sobre o cultivo para consumo próprio e cita
o Growroom e os dados do Censo
No final do ano a Polícia de Portugal entra em contato com os administradores do Growroom ameaçando iniciar um processo caso continuassem a dar apoio ao Horta da Couve.
Após essa ameaça, o fórum ficou fora do ar por poucos meses.
Em janeiro o Growroom voltou a funcionar e o Horta da Couve ganhou um servidor próprio
Membros do Growroom passam a atuar em grupos antiproibicionistas e ajudar no fomento
ao debate pela legalização da maconha, principalmente no Rio de Janeiro e Salvador. Desde então esse trabalho vem se intensificando e a articulação e diálogo com outros grupos
também
Em dezembro o Growroom atuou diretamente no processo de defesa do cultivador Fábio,
preso injustamente sob acusação de tráfico
Nesse momento está havendo um processo de institucionalização do Growroom, para criar
2010 uma estrutura que possa dar conta dos diversos projetos em andamentos sob coordenação
dos integrantes da Diretoria
10.Tornando-se usuário do Growroom
“Para mim o Growroom representa uma esperança para quem luta
pela Cannabis. Ajuda para quem quer cultivar sua própria erva e
não mais contribuir com o tráfico. O Growroom é uma família, uma
escola, uma irmandade. É um espaço para aprender e ensinar” (Tito)
O endereço www.growroom.net, dá ao internauta acesso a um blog de notícias
sobre a cultura da maconha e, nele, há um botão redirecionando o usuário para o
fórum. Quando clicado, o botão apresenta uma versão restrita do fórum, onde só é
possível visualizar os sub-fóruns sobre avisos, notícias, uso medicinal e as discussões
desenvolvidas neles. O objetivo dessa restrição é limitar o acesso aos espaços de
discussões às pessoas devidamente cadastradas e que tenham afirmado, para o
reenchimento de formulário de cadastro, que leram, entenderam e aceitaram as
Regras de Conduta e Termos de Utilização do Fórum. Após isso, precisam escolher
um apelido e uma senha, informando também um endereço de e-mail válido através
60
do qual será confirmada a veracidade dos dados emitidos.
Com essa política, o Growroom se reserva apenas a obrigação de confirmar que
o endereço de correio eletrônico informado é realmente existente e é utilizado pela
mesma pessoa que pediu o cadastro no fórum, tornando desnecessário a utilização de
nomes pessoais no cadastro do fórum, preservando o anonimato dos usuários. Dessa
forma o Growroom, como outros sites de relacionamento, passa às empresas que
prestam serviço de correio eletrônico a responsabilidade pela veracidade dos dados
dos usuários do serviço de correio eletrônico, se reservando apenas a obrigação de
avaliar a veracidade do e-mail fornecido.
Após realizar o cadastro, em cerca de 10 minutos a pessoa recebe uma
mensagem em seu email com as informações para realizar a validação desse cadastro
no fórum. Nessa mensagem o usuário recebe um endereço de Internet, um código de
identidade do usuário (User ID) e a chave de validação (Validation Key). Na primeira
visita é preciso acessar através do endereço citado no e-mail de boas-vindas e utilizar
o User ID e a Validation Key. Só após esta operação o usuário tem acesso à página do
Growroom, onde deverá usar seu apelido e senha escolhidos. Feito isso, o usuário
pode acessar todos os tópicos do fórum e sub-fóruns e tambémsua página pessoal,
onde poderá alterar as configurações do seu perfil .
O fórum é baseado num tipo de software de relacionamento conhecida como
board, que permite aos usuários registrados criarem perfis com informações básicas
a respeito de si mesmos, possibilitando que formem uma representação de si para a
comunidade, a exemplo de outras plataformas de relacionamento populares como
orkut (www.orkut.com), MSN – (www.msn.com.br) e twitter (www.twitter.com).
Abaixo, uso meu próprio perfil no fórum como exemplo:
61
62
Painel de controle do meu perfil no Growroom (Alma_Rastafari)
Esse tipo de plataforma permite aos usuários trocarem mensagens através de
duas maneiras: 1) Tópicos e Postagens no fórum; 2) Mensagens Privadas – MP´s. As
mensagens privadas funcionam como um sistema de correio eletrônico interno do
fórum, onde cada membro possui uma caixa de mensagens e pode se corresponder
com outros usuários sem que terceiros tenham acesso à troca de mensagens e seus
conteúdos. Os tópicos e postagens são abertas e podem ser visualizadas por qualquer
membro do fórum.
Os membros moderadores são voluntários que trabalham na administração do
fórum. Os moderadores foram sendo recrutados à medida que Ira estabelecia um
circulo de relacionamentos com usuários específicos do fórum, que passaram a se
destacar por suas contribuições em alguns tópicos. A equipe de moderadores se
alterou ao longo do tempo, de acordo com a disponibilidade das pessoas para a
função e com o nível de engajamento dos usuários do fórum.
No início, as Regras de Conduta e os Termos de Utilização do fórum, dois
documentos centrais para definir o que é o fórum e como ele pode ser usado, ainda
eram documentos muito pouco claros e com apenas algumas linhas escritas. Esses
dois documentos, juntos com os registros das discussões de casos específicos no subfórum de acesso restrito aos moderadores, podem ser considerados como a política
de funcionamento do Growroom. Enquanto os tópicos no sub-fórum de moderadores
serve como orientação para que estes saibam como se portar em casos semelhantes,
63
as Regras de Conduta e os Termos de Utilização do Fórum são documentos usados
como referência pelos moderadores para justificarem uma advertência ou punição à
alguma conduta dos usuários do fórum que desrespeite às Regras e/ou os Termos.
Uma vez cadastrado, o usuário pode abrir tópicos ou publicar postagem em
quaisquer dos sub-fóruns, para discutir algum tema de seu interesse. Nos “Termos de
Utilização de Uso do Site Growroom” é recomendado que antes de abrir um novo
tópico os usuários consultem a busca para saber se já não há outros tópicos
discutindo o assunto sobre o qual ele quer se informar ou trocar experiências. Nos
caso do tema já estar sendo contemplado em algum tópico, é recomendado que o
usuário leia todas as postagens de outros usuários a respeito do tópico e caso deseje
fazer algum comentário, publique uma nova postagem, que será adicionada ao fim do
tópico. Assim, os tópicos são uma espécie de mural de recados, onde um usuário
inicia um assunto e aguarda comentários de outros usuários, a partir dos quais
constroem réplicas, tréplicas, sem uma data limite para ser finalizado.
No início, os tópicos eram abertos como uma forma de puxar assunto sobre um
determinado tema e, com isso, facilitar estabelecimento de relações com outros
membros, como em qualquer espaço semelhante na Internet. As pessoas não usavam
o espaço para tirar dúvidas e a grande maioria dos tópicos eram abertos para discutir
temas como filmes, livros e outros assuntos relacionados com maconha e outras
drogas. A maioria dos usuários desconhecia a cultura do cultivo para consumo
próprio, que só passou a ser introduzida no fórum à medida que os brasileiros que já
plantavam e utilizavam fóruns em outros idiomas passaram a se cadastrar no
Growroom e postar suas experiências.
Inicialmente, muitos tópicos eram abertos pedindo conselho sobre locais
seguros para comprar drogas em uma determinada cidade, ou sobre qual o melhor
espaço público para fumar sem ser incomodado. Esse tipo de discussão rapidamente
foi identificada e rechaçada pela equipe de moderadores como sendo limítrofe entre
liberdade de expressão e apologia, e estes se reuniram e publicaram atualizações nos
“Termos de Utilização de Uso do Site Growroom”, o que passou a ser feito
periodicamente, buscando dar conta das questões que surgiam ao longo do
desenvolvimento do fórum.
Com o passar do tempo e a intensificação das relações sociais estabelecidas via
fórum, os próprios usuários passaram a criar controle informais. Aos poucos, regras
informais de conduta, que nunca foram colocadas em nenhum dos documentos
64
oficiais do fórum, se estabeleceram como consenso e seguem sendo praticadas até
hoje. Em minha leitura, essa etiqueta coletiva é baseada principalmente em três
princípios: 1) Garantir a segurança do fórum acima de tudo; 2) Garantir a harmonia
entre os participantes do fórum; 3) Garantir a qualidade e organização das
informações no fórum.
Aos poucos, uma série de tipos de comportamento passaram a ser criticados e
combatidos publicamente, mesmo quando não mereciam atenção dos moderadores.
Criar tópicos com temas repetidos, divulgar dados pessoais, criar tópicos em subfóruns que não correspondem ao tema proposto e falar de drogas ou plantas que não
sejam variedades de maconha, são apenas algumas dentre as muitas condutas que
estão previstas nos documentos oficiais do fórum, mas são reprimidas pelos próprios
usuários. Por outro lado, ao mesmo tempo em que alguns tipos de condutas são
reprimidas, outros tipos de conduta são extremamente valorizados. Compartilhar
fotos e relatos de experiências de cultivo para consumo próprio, dar dicas e responder
dúvidas sobre os cultivos de outros usuários do fórum e produzir manuais, guias, ou
relatórios que possam facilitar a compreensão sobre um determinado assunto
específico, são alguns exemplos de condutas valorizadas dentro da comunidade.
Aos poucos, o banco de dados com informações e experiências sobre os mais
variados temas foi se tornando cada vez maior e mais abrangente. Em 2002, o fórum
dispunha de menos de 10 sub-fóruns, em contraste com os atuais 46 sub-fóruns,
divididos em assuntos que vão de técnicas avançadas de cultivo para consumo
próprio à farmacodinâmica da interação entre maconha e medicamentos.
Para melhor compreender o funcionamento de uma discussão realizada
através do fórum e as informações ali compartilhadas, analisaremos abaixo exemplos
de tópicos sobre temas diferentes: um aberto pelo usuário Tapa na pantera, outro
pelo usuário Cezar e por último o tópico aberto pelo usuário SRV. Através dos
exemplos do Tapa na Pantera e Cezar discutirei os aspectos apresentados acima a
respeito da formação do que podemos chamar código de ética e conduta do usuário
do Growroom. Através do exemplo do SRV, discutirei alguns aspectos relacionados
com a socialização do saber a respeito do cultivo de maconha para consumo próprio
através do fórum.
O tema escolhido por Tapa na pantera foi a própria experiência de utilização
do fórum, em especial o uso da ferramenta de busca para consultas no banco de
dados. Ele inicia o tópico com um manual bem elaborado a respeito de como utilizar
65
a busca, formulado a parir da sua própria experiência. Em seguida, diversos outros
usuários comentam seu tópico através de postagens. Nesse caso, o tema pode ser
considerado esgotado e não vemos entre os comentários qualquer acréscimo de
informações sobre o assunto.
O tutorial criado por Tapa na pantera é um manual bem elaborado com
informações de utilização do fórum que os próprios moderadores do Growroom não
tinham produzido. Seu tópico explica em detalhes e com ilustrações como utilizar a
ferramenta de busca, facilitando o trabalho dos milhares de usuários do site. Todos as
postagem são comentários elogiosos e muitos recomendam que os moderadores
coloquem o tópico fixo no alto do sub-fórum. Quando um tópico é considerado
relevante para a comunidade, uma das opções utilizadas pelos moderadores é colocálo fixo na página inicial do sub-fórum, medida que foi adotada nesse caso.
O caso do tópico aberto pelo usuário Cezar será utilizado aqui em contraste
com o tópico do Tapa na pantera. O tópico do Cezar trata de um pedido de ajuda a
respeito da planta que ele estava cultivando pela primeira vez. Ele iniciou o tópico
afirmando ser novato e tratando do caso específico da sua planta, que, segundo ele,
estaria passando por dificuldade no desenvolvimento.
Um outro usuário, Pedrogs bike, imediatamente respondeu seu tópico,
afirmando que a postura do Cezar de abrir um tópico só para discutir esse tema era
desnecessária. Pedrogs bike rechaça o tópico de Cezar, recorrendo à uma das
categorias mais estigmatizantes do Growroom, a de novato. O novato tanto pode ser
aquele que desconhece as técnicas de cultivo, como aquele que desconhece o código
de ética implícito do site. É curioso notar que essa categoria não é formal, ou seja, não
é encontrada nos Termos de Utilização e Regras do Fórum. Do mesmo modo, não são
previstas sansões ou regras de moderação especialmente para alguém por ser novato.
Ao mesmo tempo, informalmente, tanto os moderadores quanto usuários mais velhos
se sentem à vontade para corrigir e disciplinar usuários mais novos do site.
É interessante notar também que não necessariamente a categoria novato é
acionada apenas por usuários muito antigos ou moderadores, nem mesmo é sempre
associada à uma interpretação pejorativa. O próprio Cezar inclusive já inicia o tópico
se colocando como novato no cultivo. Além disso, a categoria também pode ser
acionada, mesmo em casos onde não há explicitamente um consenso sobre se a
atitude foi ou não de novato. No caso citado, o usuário Cezar, está registrado no
fórum desde setembro de 2009, enquanto o usuário Pedrogs bike foi registrado em
66
julho, ou seja, apenas 2 meses antes. Assim, o próprio Pedrogs bike também poderia
ser considerado um novato, mas não houve nenhuma utilização por parte de outros
membros no tópico, a não ser eles dois, da categoria em questão.
67
68
O exemplo acima não é um caso de comportamento proibido no fórum, tanto
que, o único moderador que respondeu ao tópico, Zóio vermeio, disse para o Cezar
“relaxa... brow... posta uma foto...”. Zóio vermeio, ao afirmar isso está sinalizando
que o tópico não infringiu nenhuma das regras e que não há motivo para se assustar
com a resposta do Pedrogs bike. Já ao afirmar “posta uma foto...” ele sinaliza que
seria de bom tom haver mais informações sobre a planta para a qual o Cezar deseja
um diagnóstico e que essa seria uma forma mais interessante de pedir ajuda sobre
um cultivo. Seja por ter ficado envergonhando por uma de suas primeiras aparições
no fórum ter sido rapidamente reprimida por outro usuário, ou porque descobriu
como usar a busca, o próprio Cezar solicitou o trancamento do tópico.
Esse exemplo nos ajudar a vislumbrar de que forma os quase 8 anos de
acúmulo de experiência e de estabelecimento de relacionamentos ajudaram a criar os
códigos e regras informais de conduta no fórum e os mecanismos que asseguram seu
funcionamento. O contraste entre as reações ao tópico do Tapa na pantera e ao
tópico do Cezar são bastante ilustrativas sobre como são construídos os valores a
respeito de que forma e quais sãos os temas que merecem ser debatidos, e quais
temas e tipos de comportamento devem ser rechaçados.
Além desse jogo entre o tipo de comportamento valorizado e o que é
rechaçado, toda a estrutura de sociabilidade no fórum é baseada na noção da
pontuação por qualidade dos tópicos. Os usuários podem pontuar os tópicos de
outros usuários, fazendo com que o tipo de conteúdo e a forma de um comentário
possam não apenas influenciar a opinião de outras pessoas a respeito de um usuário,
mas alterar a forma de exibição do seu perfil. Assim, os melhores tópicos e postagens
são pontuados com estrelas que podem ir de 0 a 5. Dessa forma, os usuários
desenvolveram a cultura de pontuar as contribuições uns dos outros, de acordo com
os critérios próprios de cada área temática do fórum.
Em relação ao tópico aberto pelo usuário SRV, utilizo-o para ilustrar de que
forma são socializados os conhecimentos a respeito do cultivo de maconha. Nesse
tópico, SRV expõe dados de sua primeira experiência de cultivo hidropônico, no qual
estava germinando 5 sementes da variedade The Pure, desenvolvidas pelo banco de
sementes The Flying Dutchmen e compradas através da Internet, e 2 sementes de
variedade híbrida obtidas a partir de um cruzamento entre plantas de variedades
Skunk e Haze. SRV descreveu as características da sua estufa e adiciona à sua
descrição fotos para ajudar a ilustrar seu tópico.
69
Apesar de demonstrar bastante conhecimento sobre projeto e construção de
estufas e até mesmo sobre técnicas de cultivo, SRV não abriu o tópico somente para
compartilhar sua experiências, mas também para tirar dúvidas. Esse é um tipo de
tópico bastante comum, já que raramente se encontra um no qual o usuário posta
toda a experiência de cultivo, sem receber qualquer comentário ou sugestão. No
tópico citado, ele busca informações sobre manejo de nutrientes, que é o aspecto que
parece ser o mais difícil de dominar no cultivo hidropônico.
SRV questionou especificamente se o sal amargo, nome popular para o Sulfeto
de Magnésio, poderia ser usado na mistura de água com os fertilizante para
hidroponia. O Sulfeto de Magnésio é um laxante mineral para uso humano, vendido
em farmácias e utilizado pelos cultivadores para acrescentar magnésio à dieta das
plantas. O magnésio é um elemento essencial para a maioria dos processos
metabólicos da Cannabis sativa e da maioria dos vegetais, atuando na formação da
clorofila, substância essencial para os processos nos quais a planta transforma a
energia solar, utilizando-a para absorver os macronutrientes como nitrogênio (N),
fósforo (P) e potássio (K), minerais (cobre, ferro, zinco, dentre outros) e aminoácidos
vitais como tiamina (vitamina B1), dentre outras.
É interessante notar que, para a maioria da população, até mesmo cidadãos
acostumados a praticar como hobby a jardinagem, esse tipo de informação é pouco
conhecida. Porém, em se tratando de um tipo de cultivo destinado à subsistência de
uma necessidade de consumo, qualquer diferença na produção final é significativa,
forçando os usuários a procurarem controlar o máximo de fatores determinantes,
conforme discutido anteriormente. O exemplo do sal amargo citado no tópico do
SRV pode ser utilizado por nós para refletirmos sobre o grau de aprofundamento em
conhecimento de nutrição vegetal, necessário ao cultivo de maconha.
SRV abriu o tópico no dia 12 de setembro de 200947, pedindo sugestões sobre a
dúvida sobre o sal amargo. Desde esse dia, diversas mensagens elogiando seu cultivo
surgiram, mas só no dia 16 o usuário Usainbolt respondeu ao tópico com uma
sugestão de quantidade de Sulfeto de Magnésio a ser acrescentada na fórmula
hidropônica. SRV respondeu agradecendo, afirmando que já estava experimentando
por conta própria uma quantidade menor do mineral, obtendo resposta positiva das
plantas e que iria aumentar para a dose sugerida. No dia 18, ele respondeu ao tópico
47
Acompanhei dezenas de tópicos desde que iniciei minha colaboração no Growroom e todas as
reflexões feitas a partir dos exemplos citados se baseiam em observações de outros tópicos também,
não apenas nos tópicos usados como exemplos.
70
informando que as plantas estavam aparentemente melhor nutridas e se recuperando
bem da falta de nutrientes do período inicial do cultivo, no qual as quantidade de
magnésio ainda eram administradas de forma insuficiente.
Esse exemplo permite ver de que maneira a interação mediada pelo fórum
Growroom permitiu a dois usuários de maconha compartilharem informações sobre a
dose de um mineral específica da nutrição da planta. A rapidez da comunicação
permitiu com que a informação disponível pela experiência da carreira de cultivador
de Usainbolt fosse facilmente assimilada por SRV que, em poucos dias pôde passar a
aplicar um novo conhecimento e melhorar o seu cultivo. A agilidade nesse tipo de
sociabilidade proporciona aos usuários suprir as necessidades das plantas que estão
sob seus cuidados de maneira que um erro ou inaptidão possam ser corrigidos em
tempo hábil para manutenção da saúde do vegetal.
No dia 22 do mesmo mês, SRV postou uma nova mensagem, colocando mais
algumas informações sobre o tipo de fertilizantes usados na planta. Ele afirmou que
usava fertilizantes da série Dyna, mas que antes usava dosagens menores, até ter sido
aconselhado por outros usuários a aumentar as doses, obtendo realmente melhores
resultados. Mais uma vez ele não usou o tópico somente para colocar informações
sobre o cultivo, mas para tirar dúvidas. Ele perguntou se era possível que os órgãos
pré-flores já estivessem nascendo com apenas 5 semanas de crescimento. SRV
utilizou uma foto para ilustrar as pré-flores, para que cultivadores mais experientes
pudessem identificar se eram pré-flores e, em caso afiirmativo, qual o sexo da planta.
O próprio SRV, que também é cultivador experiente descobriu que se tratavam
de pré-flores denunciando uma planta macho, o que é possível perceber pela forma
como respondeu o tópico. No entanto, a esperança de estar enganado, já que plantas
macho não servem para produzir fumo, ou o desejo de socializar uma nova
informação sobre o seu cultivo, o tenham motivado a tirar uma foto e publicar no site,
mesmo tendo quase certeza da resposta às sua dúvida. Sete minutos depois de sua
postagem, o usuário MaldororBR respondeu, taxativo, “Sim, dá pra ver... são
sacudos mesmo! Passa a faca!”, dando a sugestão de eliminar o espécime macho e
assegurar que
as flores das outras plantas fossem sinsemilla. Diversas outras
respostas se seguem a essa, dando-lhe a mesma sugestão e ironizando o fato de ter
nascido um macho.
A interação em um tópico não se dá apenas entre o usuário que abriu o tópico e
os usuários que o respondem, sendo livre que os usuários dialoguem entre si casos
71
semelhantes ao debatido no tópico. No caso analisado, o usuário Blackweed
respondeu afirmando que pretendia usar um sistema de gotejamento da solução
hidropônica semelhante ao utilizado por SRV, aproveitando para consultar se este
estaria satisfeito com o tipo de fertilizante – Dynagro. O usuário Usainbolt, que havia
respondido a dúvida do SRV sobre se era possível acrescentar sal amargo à nutrição
das plantas em hidroponia, respondeu afirmando que o Dynagro é um fertilizante
razoável, bastante completo e dá indicações de tipos do produtos e formas de
utilização . No entanto, ele chama atenção que, no período de floração, no qual a
planta necessita de maiores quantidade de micronutrientes, é preciso utilizar algum
tipo de suplementação.
Os aspectos de nutrição da planta são apenas um dos fatores que devem ser
controlados para conseguir otimizar as colheitas. Um bom cultivador sabe que a
relação das plantas com as fontes de energia é o que determina o resultado final. Por
isso a qualidade e quantidade das fontes de luz, água e nutrientes são os principais
pontos de interesse das discussões no fórum. As discussões, em geral, são a
socialização de experiências de cultivo com objetivo de que o saber coletivo possibilite
que esses fatores sejam melhor controlados.
No dia 1 de outubro de 2009, SRV colocou outra resposta no fórum
atualizando a comunidade a respeito de suas plantas. Animado com os resultados da
72
fórmula de nutrientes, informou que havia iniciado o processo de forçar a floração
nas plantas da variedade The Pure. Ele informou ainda que todas as plantas estavam
bem, mas as híbridas de Skunk com Haze estavam ainda com pouca saúde e por isso
ele havia decidido não incluí-la no grupo de plantas que iria colocar em regime de
floração. SRV aproveitou para dizer que fez mudas, chamadas pelos usuários do
Growroom mais comumente de clones, antes de colocar as The Pure para florir,
usando mais uma vez uma foto para ilustrar o fato.
No dia seguinte, 2 de outubro, SRV publicou uma resposta com outra foto,
dessa vez pedindo uma ajuda para solucionar os problemas de desenvolvimento de
algumas mudas, que apresentam folhas amareladas e retorcidas nas pontas. Para
ajudar no diagnóstico, SRV utilizou mais uma vez o recurso da fotografia.
73
Poderia analisar toda a experiência de cultivo de SRV e a troca de experiências
geradas pelo seu tópico, ou ainda acompanhar e descrever toda uma experiência de
cultivo, analisando cada assunto debatido no tópico. Mas acredito que a análise dos
temas debatido nos casos citados acima ilustraram bem a forma como se dá a
sociabilidade no fórum Growroom, possibilitando conhecer um pouco melhor os
caminhos de formação da cultura da maconha nessa comunidade, atendendo aos
limites estabelecidos e propostos neste trabalho.
As especificidades da comunidade Growroom se expressam de maneira mais
acentuada quando se compara essa cultura da maconha com a descritas pelas
pesquisas de Becker na década de 1950, e de MacRae e Simões, na década de 1980.
Os saberes informais sobre a maconha e seus usos, nos casos estudados por esses
autores, se reproduziam através da interação direta e presencial dos usuários em
redes e círculos de amizade em que ocorria o consumo. Já na comunidade do
Growroom, o saber surge tanto de interações diretas, quanto da interação indiretas
dos usuários. As interações diretas podem ocorrer através da troca de mensagens no
fórum, ou mesmo de encontros pessoais ou em outros espaços virtuais, marcados
através do fórum. Já as interações indiretas são os casos no qual um tema já foi
suficientemente explorado e o usuário apenas lê a interação de outros usuários sobre
um determinado assunto.
74
Essa rede de sociabilidades, construída através das contribuições de muitos
indivíduos, possibilita que usuários de diversas partes do mundo compartilhem
experiências, informações e significados sobre diversos aspectos relacionados com a
maconha, seus usos, usuários e a forma como esse hábito é visto na sociedade. Talvez
de nenhuma outra forma um número tão grande de usuários poderia se manter em
contato direto.
Essa nova forma de sociabilidade precisa ser analisada à luz das contribuições
de Becker e outros autores sobre a importância do saber que circula na comunidade
de usuários para o processo de construção da cultura da droga. Percebi, a partir do
Growroom, as especificidades dessa nova forma de comunicação e a maneira como os
desdobramentos da virtualização48 das informações, e da própria experiência de
sociabilidade, dão uma dinâmica e configuração especificas a conceitos, práticas,
valores e saberes que circulam nessa comunidade de usuários de maconha.
Esse tipo de sociabilidade permite que um grande número de usuários esteja
em constante contato, mantendo uma rede de sociabilidade virtual, com a qual todos
eles interagem sem que os desdobramentos de tais contribuições se encerrem em
algum deles especificamente. Os textos escritos pelos usuários, em geral, também
contém links que levam a outros sítios da Internet, onde o usuário poderá ir buscar
maiores informações sobre as ideias e experiências que influenciaram a construção
daquele texto. Pode-se, assim, construir suas próprias idéias sobre aquele tema
debatido, a partir da sua relação com todo o emaranhado complexo de informações
disponibilizadas na Internet, para daí tornar sua própria experiência enriquecida por
esse acervo de informações. Tal forma de expor conteúdos cria uma teia de
informações abrindo inúmeras possibilidades para que cada tópico, texto ou link seja
analisado e interpretado de uma maneira especifica pelos diversos usuários do fórum,
possibilitando que as referências que cada um tenha sobre determinado assunto
possam ser compartilhadas de forma direta com outros.
Nas redes de usuários analisadas por Becker, por MacRae e Simões e outros
pesquisadores, a maior parte dos saberes que circulavam nas redes de usuários
provinham do acervo coletivo de informações, baseadas principalmente nas
48
Virtualização aqui é usado no sentido apresentado por Levy (1999). Virtualizar é não encerrar no
objeto suas possibilidades, levando em consideração sempre as pressões e inferências externas ao
objeto como determinantes do próprio objeto, ou seja, as informações virtualizadas em um fórum
de discussões no ciberespaço nunca se encerram na sua leitura, sempre existem desdobramentos,
hipertextos e interatividade constante, no sentido de garantir o eterno fazer-se das informações
virtualizadas.
75
experiências individuais dos membros dos diversos grupos que acessavam essa rede.
Na rede de usuários do Growroom, além das informações disponibilizadas pelas
experiências individuais de consumo, é possível ter acesso a uma grande quantidade
de publicações ,cientificas ou não, sobre o tema, bem como de sítios do Brasil e de
muitos outros países que tratam do mesmo assunto, ampliando, assim, a quantidade
e a qualidade de informações disponíveis para os usuários.
Dessa forma, podemos afirmar que a cultura da maconha que é compartilhada
pelos usuários do Growroom é, de certa forma, bastante distinta da descrita pelos
trabalhos citados, tanto em seus conteúdos, como na forma como ela se reproduz e
difunde. Nesse sentido, destaco que a compreensão da cultura da maconha na
comunidade Growroom é peça fundamental para ajudar a entender melhor a prática
do cultivo de maconha para consumo próprio na atualidade, quem são as pessoas que
estão exercendo tal atividade e de que maneira a estão realizando.
11.Cultivando maconha para consumo próprio
76
“A grande maioria dos cannabicultores são pessoas que se
preocupam com a realidade ambiental que os cercam e, de forma
equivocada ou não, estão dispostos a pensar um caminho melhor.
Eles dizem que somos nós que financiamos o tráfico, pois bem, e eles?
Criam o mercado de trabalho dos traficantes, geram mão-de-obra e,
pior, ainda cobram caro por isso! Se nós financiamos o tráfico, já
estamos tentando achar uma solução, venham construí-la junto
conosco, ao invés de atrapalhar!” (Pintolico)
Nesta parte do trabalho, tentarei traçar um perfil do usuário de maconha que
planta para consumo próprio, com base na análise dos dados da etnografia realizada
na convivência no fórum, da amostra do Censo Cannábico relacionada com as
pessoas que afirmaram já terem cultivado, e dos questionários distribuídos por mim a
alguns usuários do Growroom.
Durante o segundo semestre de 2007, publiquei uma chamada no fórum
pedindo voluntários para participar da pesquisa preenchendo questionários abertos
(Anexo I). Recebi diversas mensagens solicitando participação, dentre as quais
selecionei 20 pessoas, seguindo alguns critérios. Para participar da pesquisa, o
indivíduo deveria ter realizado ao menos um cultivo de ciclo completo, isto é,
semeado e cuidado de uma planta da germinação até sua colheita. O perfil desses
usuários é bastante variado, com idade mínima de 22 e máxima de 41 anos. Todos os
usuários que responderam a este questionário são homens, com profissões variadas,
incluindo estudantes, professores, empresários, um advogado e até mesmo um agente
da Polícia Rodoviária Federal.
Os dados referentes à amostra de pessoas que afirmaram já ter plantado no
questionário do Censo Cannábico foi de mais difícil análise, devido a falta
de
ferramentas tecnológicas necessárias para trabalhar com o extenso banco de dados
que possuo49. O Censo Cannábico foi uma iniciativa de alguns moderadores do
Growroom que, constatando a existência de uma escassez de dados sobre os usuários
da Cannabis no Brasil, procuraram uma forma de trazer à tona informações até então
ignoradas e que pudessem ser úteis no debate sobre a planta e o seus usos. A intenção
era levantar informações que pudessem elucidar diversos aspectos mais gerais
49
É preciso ser dito também que os dados do Censo não foram publicados até hoje porque o grupo
que realizou o projeto se desfez e boa parte dos integrantes romperam relações entre si e nunca foi
possível retomar uma equipe com tempo e qualificação necessária para realizar a análise e
publicação dos resultados. Isso se deve principalmente a grande dificuldade em obter
financiamentos para essa pesquisa, sobre Cannabis, que há anos vem sendo realizada.
77
relacionados ao uso da maconha e mais específicos dos perfis dos usuários e seus
hábitos de consumo.
Em novembro de 2003, em uma reunião online, alguns moderadores do
fórum, entre eles eu, conversaram sobre as possibilidades técnicas de realizar um
levantamento através da Internet, que pudesse alcançar um grande número de
usuários de maconha e produzir dados relevantes e inéditos sobre o tema. Acolhida
com entusiasmo, a idéia passou a ser desenvolvida pelo moderador de pseudônimo
Meriadoc, um programador de informática versado na linguagem mySQL50. Nessa
fase inicial do projeto a equipe de colaboradores era formada pelos moderadores
Alma Rastafari (autor deste trabalho), Ira (designer gráfico fundador do
Growroom), Luluds (técnica em programação mySQL e processamento de dados,
versada em SPSS51) e
Meriadoc, que dialogaram entre si através de e-mails e
encontros virtuais52 para a troca de idéias e sugestões sobre qual seria a melhor forma
de confeccionar o questionário, quais perguntas inserir e de que forma recrutar
informantes interessados em respondê-las.
Após as primeiras semanas de debate, uma primeira versão do questionário já
estava confeccionada e foi decidido que mais três pessoas seriam convidadas a
participarem
do
projeto:
Luchiano
(técnico
em
programação
mySQL
e
processamento de dados que, à época, havia sido recém admitido como moderador
do fórum), e dois sobrinhos do Luchiano, que o auxiliavam na elaboração do banco
de dados. A importância da admissão do Luchiano, seus sobrinhos e da Luluds se
deveram à necessidade de pessoas que se dedicassem com afinco à tarefa de extração
dos dados da base em mySQL. Além disso, Luluds tinha experiência em trabalhar
com bancos de dados de pesquisas quantitativas. A linguagem mySQL funciona
baseada no sistema operacional Linux53 e, para que os dados produzidos ,utilizando-a
como ferramenta, pudessem ser tratados pelo SPSS ou por outros softwares de banco
de dados, como o Excel ou Acces, foi necessário converter os formatos originais. A
opção pelo uso da linguagem mySQL se fez pelo fato de que toda a plataforma do
50
51
52
53
MySQL é um tipo de programação específica para criação e gerenciamento de banco de dados.
Software de tratamento estatístico para dados de análises sociais. SPSS – Statiscial Package for
Social Science.
Os encontros virtuais se baseavam em softwares de comunicação instantânea como o MSN
messenger® e o YAHOO! messenger®, bem como através de mensagens trocadas através do fórum
do Growroom.
Sistema operacional baseado nos princípios do software livre, no qual os usuários não precisam
pagar pela programação e podem ajudar comunidades de programadores a melhorar o sistema e os
softwares a ele relacionados.
78
fórum e do portal do Growroom estão baseadas no sistema operacional Linux e,
estando o Censo Cannábico hospedado na Internet através do Growroom, ele
precisaria estar programado em linguagem com a qual o Linux pudesse dialogar de
forma menos trabalhosa.
No início de janeiro de 2004, o questionário (Anexo II) foi considerado
concluído pela maior parte da equipe, e era composto por 79 questões, em cinco
grupos temáticos: Dados Pessoais, Dados Econômicos, Dados Sócio-culturais,
Hábitos de Consumo e Efeitos Colaterais e Danos. As perguntas 2 a 12, 14 a 16 e 22
cobrem algumas características socioeconômicas dos usuários e, apesar de terem
sofrido algumas adaptações, tiveram como base as pesquisas censitárias do IBGE 54.
As perguntas 13, 21 a 24, 28 e 32 a 65 estão relacionadas diretamente aos hábitos de
consumo e abrangem uma quantidade ampla de aspectos, incluindo os usos religioso
e medicinal, que foram abordados pela primeira vez em uma pesquisa do tipo, é
importante destacar.55 Detalhes sobre da cultura da maconha foram trabalhados nas
perguntas sobre a iniciação ao uso, práticas e hábitos de consumo e aquisição56 e
sobre a experiência psicoativa com a planta. As perguntas 17 a 20, 25 a 27, 30 e 31
procuraram abordar as representações sociais sobre o uso, através das opiniões dos
usuários sobre o tráfico, sobre a legislação relacionada e sobre a estigmatização de
usuários. Essas perguntas atendem boa parte das demandas sociais contemporâneas
sobre o tema e foram desenvolvidas a partir dos referenciais e experiências do grupo
de colaboradores do Censo. Outro grupo de perguntas está relacionado aos efeitos
colaterais e danos, possíveis problemas de saúde, distúrbios sociais ou psicológicos e
dependência ao qual se confrontam alguns usuários da Cannabis. Esse grupo também
contempla perguntas relacionadas aos possíveis problemas ocorridos em decorrência
do status legal da planta e do seu uso.
Toda a estratégia de distribuição dos questionários representou um desafio
para conseguir levar a pesquisa ao maior número de usuários possível, ultrapassando
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – www.ibge.org.br.
As perguntas sobre uso medicinal da canábis, e algumas sobre os hábitos e práticas de consumo
foram adaptadas ou inspiradas no Questionário para Registro dos Pacientes de Cannabis, iniciativa da
Multidiciplinary Association for Psychedelic Studies (Associação Multidisciplinar para Estudo
Psicodélicos – www.maps.org. O questionário é um anexo do livro HEMP – Uso Medicinal e
Nutricional da Maconha, do autor Chris Conrad.
56
As perguntas sobre métodos e práticas de aquisição abordaram especialmente aspectos relacionados
ao autocultivo de Cannabis, devido ao envolvimento do portal Growroom com tal movimento. É um
movimento social que se expressa nos empreendimentos de usuários, ou grupos de usuários, que
desenvolvem e compartilham técnicas de cultivo e preparo da planta, única e exclusivamente com o
objetivo de consumi-la sem precisar comprá-la.
54
55
79
os limites impostos pela comunicação via Internet, sem comprometer a idoneidade da
amostra. A solução encontrada para iniciar a distribuição do questionário foi utilizar
banners57 no Portal Growroom, convidando usuários que frequentavam o fórum a
respondê-lo. Contudo, esse tipo de convite influenciaria para que boa parte dos que
respondessem pudessem ser formada apenas de freqüentadores do fórum.
Para minimizar esse viés da amostra, na própria página do Censo foi
disponibilizada a opção para que as pessoas que o respondessem pudessem divulgar
com facilidade a existência desse tipo de iniciativa para amigos e conhecidos usuários
de Cannabis, enviando convites para até 10 pessoas por vez. Dessa forma, cada
visitante do Censo que acionou a ferramenta de divulgação atuou como agente
distribuidor
de
questionários,
contribuindo
para
ampliar
os
níveis
de
heterogeneidade e aleatoriedade da amostra. Esse tipo de metodologia de coleta,
conhecida como bola de neve, dispensa o prévio estabelecimento do tamanho da
amostra, deixando-o à mercê do sucesso do esquema de distribuição dos
questionários.
Os 5.44358 questionários, respondidos de 05 de março a 01 de maio de 2004,
constituem uma amostra de proporções suficientemente seguras para servir de base
para pesquisas, análises e estudos. Mesmo garantida a margem de segurança da
amostra, o fato do questionário só ter sido respondido por pessoas que tinham acesso
à Internet é um fator que deve ser considerado em todas as etapas da pesquisa.
Qualquer projeção das análises em um universo maior de usuários requer uma
relativização dos dados e um cuidado constante para não invadir espaços alheios à
amostra.
O volume e a amplitude dos dados do Censo Cannábico são suficientes para
colher uma amostra expressiva de uma população específica de usuários de maconha
no Brasil e de diversos aspectos importantes relacionados aos seus hábitos. Porém, é
preciso tecer com cuidado qualquer tipo de consideração sustentada através deles.
Devido ao fato de sua divulgação e aplicação ter sido feita exclusivamente pela
Internet, os dados do Censo têm, logo de saída, um alcance restrito à população com
algum tipo de acesso à Rede.
Banners são mídias eletrônicas utilizadas em páginas de Internet que consistem em imagens e textos
animados expostos em um espaço de destaque.
58
A amostra original era de 8.190 questionários respondidos. No entanto, foram adotadas algumas
estratégias para evitar repetição de questionários enviados pela mesma pessoa, como os enviados com
menos de 10 segundos de intervalo, ou que tivessem as respostas totalmente iguais ou ainda que
tivessem sido enviados pelo mesmo IP (identidade individual de cada máquina na Internet).
57
80
Mesmo no Brasil, um dos líderes de acesso mundial e o maior da América
Latina, “só se pode constatar um número aproximativamente exato da abrangência
de utilização da Internet por meio de estimativas”. (German, 2000). A dificuldade
em precisar esse universo se revela mais claramente quando levamos em
consideração de que há múltiplas formas de acessar a Rede. Já em 1999, quando o
número de usuários era apenas 3,3 milhões de pessoas59, mais da metade dos acessos
era realizado em locais como trabalho, escola e estabelecimentos de acesso à internet,
revelando uma ampla profusão de modos de uso da Rede.
Dessa forma, ainda que os dados permitam uma certa aproximação com a
realidade de acesso à Internet, a profusão e a variedade de formas pela qual ele é feito
nos impedem de afirmar que apenas pessoas com computadores em casa tenham
respondido ao Censo. Mesmo que o fato de ser proprietário de um computador com
acesso à internet pudesse nos fazer considerar que as pessoas que responderam ao
Censo são de camadas social e economicamente privilegiadas, a variedade de modos
de acessar à Rede nos dá margem para afirmar que a amostra do Censo tenha em sua
formação uma ampla participação de pessoas das mais diversas camadas sociais e
econômicas.
Ainda que a recente popularização da Internet já tenha permitido que o Brasil
figure entre os países com maior acesso à Internet, os custos de acesso e de aquisição
de um computador e a obrigatoriedade de familiaridade com um conjunto de
conhecimentos técnicos para o controle da tecnologia utilizada, ainda são alguns dos
fatores que mantém a maioria dos brasileiros excluídas do universo digital. Ainda que
a Internet brasileira, hoje, seja acessível a parcelas cada vez maiores e mais amplas da
população do país, ela demanda dos seus usuários um certo engajamento na
sociedade de mercado informatizada, seja através do consumo direto ou do aluguel
do acesso à Internet, ou do vínculo com alguma instituição que permita esse acesso,
ou ainda do acesso à educação formal ou informal sobre tecnologias informacionais.
É importante destacar que a abrangência dos dados do Censo e o alcance de
quaisquer projeções que se possa fazer com seus dados estão limitados a essa
população específica de brasileiros que têm acesso a serviços de correio eletrônico60.
Nesse sentido, após ter descrito suficientemente as características das metodologias
que foram usadas na coleta dos dados utilizados na análise do perfil do usuário que
59
60
Cf. www.ibope.com.br/digital/produtos/adpprc60.htm In; German, 2000.
O Censo foi respondido apenas por pessoas que o acessaram através do banner no Growroom, ou
que receberem um convite enviado por amigo através de correspondência eletrônica.
81
cultiva para consumo próprio, inclusive dedicando uma crítica aos aspectos positivos
e negativos, acredito que podemos nos debruçar sobre esses dados com a consciência
adequada a respeito das suas possibilidades e limitações.
Os dados do Censo que são usados nessa discussão foram selecionados da subamostra de pessoas que responderam a alternativa sim à questão de número 54,
“Você planta?”61. Das 5.443 que responderam ao questionário, 609 afirmaram “Sim”,
correspondendo a pouco mais de 11%. A amostra de pessoas que responderam
positivamente à questão sobre cultivo acompanha outras pesquisas sobre o uso de
drogas, sendo predominantemente formada por pessoas do sexo masculino. Das 609,
534 são homens (87,68%), enquanto apenas 75 afirmaram ser do sexo feminino
(12,22%).
É interessante notar que a segmentação por faixa etária segue proporções
semelhantes na amostra do sexo masculino e feminino em quase todas as questões.
Essa proporção é constante em quase todos os dados relativos tanto às pessoas que
plantam como às pessoas que não plantam. A seguir exponho alguns gráficos
ilustrando os dados a respeito do perfil das pessoas que responderam “sim” à
pergunta “você planta?”, do questionário do Censo Cannábico.
Faixa etária
41%
250
200
22%
27%
150
100
50
6%
2%
2%
1%
23%
49%
24%
3% 0%
10 a 15 anos
16 a 20 anos
21 a 25 anos
26 a 30 anos
31 a 40 anos
mais de 40 anos
0
Homens
Mulheres
É possível notar que nos dois grupos o maior número de cultivadores é
61
É importante destacar que aqui há uma distinção importante com relação à amostra de cultivadores
selecionada no Growroom para entrevistas semi-estruturadas. Enquanto o critério para esta última
era o de ter realizado ao menos uma colheita, a pergunta do Censo Cannábico dá margem para que
pessoas que tenham apenas semeado algumas sementes em qualquer oportunidade sejam incluídas
na amostra. Dessa forma, o universo onde foram coletados os dados do Censo deve ser tomado com
bastante cuidado, entendido inclusive como mais abrangente do que o de onde foi retirado a
amostra mais restrita.
82
encontrada entre os jovens de 16 a 30 anos, grupo que entre os homens chega a 90%
e entre as mulheres 96%.
Cor e/ou identificação racial
450
77%
400
350
Branco(a)
Mestiço(a)
Outro(a)
Afro-descendente
Negro(a)
Oriental
Albino(a)
Índia
300
250
200
150
14%
75%
100
50
4% 2%
1% 1% 1% 0%
15%4% 3%
0% 1% 1% 1%
0
Homens
Mulheres
Os dados referentes à cor/identificação62 racial revelam uma predominância de
branco(a)s. Notamos que houve um maior número de pessoas que optou pela
categoria afro-descendentes ao invés de negro. Os dados referentes talvez não sirvam
para analisar o uso de maconha, mas podem demonstrar uma desigualdade social
com relação ao acesso à internet e, por isso, também ao acesso à cultura do cultivo
para consumo próprio, difundida principalmente através da WEB.
Com relação à ocupação das pessoas que plantam para consumo próprio é
bastante difícil expressar os dados em uma tabela, já que se tratam de dezenas de
categorias. É suficiente dizer que para todas as categorias disponíveis, entre as quais
cito como exemplo, policiais, atletas profissionais, médicos, psicólogos, professores,
políticos, pilotos de avião e designer, houve no mínimo 1 pessoa que respondeu
exercê-las como profissão. A categoria mais expressiva é a de estudantes, que fica em
quase 27%, coerente com a faixa etária da maioria dos cultivadores, 16 a 30 anos.
62
As categorias contempladas no questionário foram fruto de um trabalho coletivo.
83
A maior parte dos usuários tem nível superior completo, ou está cursando a
graduação ou pós-graduação, somando 82% da amostra. A renda dos usuários
também sinaliza uma boa inserção no mercado de circulação de bens e serviços, já
que mais da metade deles, 62%, possui renda pessoal superior a 500 reais por mês63.
Em relação aos hábitos de cultivo metade dos usuários afirmou utilizar
sementes recolhidas de fumos comprados para consumo e apenas 28% afirmou
comprar sementes de seed banks64. Apesar do clima brasileiro possibilitar o cultivo de
maconha sem a necessidade do uso de lâmpadas e ambientes indoor, a maior parte
dos usuários, 55%, realiza o cultivo utilizando esse método. Pouco menos de 5% dos
usuários utilizam técnicas hidropônicas de cultivo. Esse fato se deve principalmente à
necessidade de ocultar a prática de vizinhos, amigos ou familiares que poderiam se
escandalizar com o fato ou até mesmo realizar uma denúncia formal à polícia.
Sobre esse dado, é interessante analisar algumas das respostas dos usuários do
Growroom, obtidas através dos qustionários, a respeito dos motivos que os levariam a
optar pelo cultivo indoor. Todos os cultivadores que optaram pelo cultivo indoor são
taxativos ao afirmarem que não preferem esse tipo de cultivo, só optando por ele por
segurança:
“Olha, eu não prefiro não. O que acontece é que no
atual estado das coisas, a gente tem que viver dando um
jeitinho nas coisas, entende? E o indoor é uma coisa
escondida, que tem as vantagens de te permitir controlar
o crescimento da planta, manter plantas-mãe
eternamente vegetando... mas preferir, eu prefiro o Sol, o
que acontece é que temos que usar tudo a nosso favor e
em favor da causa. Eu também já plantei usando
lâmpadas uma época e depois usando só o Sol... agora eu
uso o melhor de cada mundo!” (Cabelo)
“Prefiro indoor porque o risco de alguma pessoa
descobrir sua horta é menor. Os muros da minha casa
são baixos, mas se eu morasse em um local apropriado
com certeza utilizaria a energia do Deus Sol.” (Txapuan)
As falas de Cabelo e Txapuan ilustram bem a posição dos cultivadores a
63
64
Existem diversos outros dados referentes ao Censo, mas que não seriam interessantes de serem
explorados neste trabalho, e mereceriam muitas críticas antes de serem utilizados de forma
honesta.
Os seed banks são estabelecimentos regulamentados em países onde plantar maconha para
produção de sementes é uma atividade legal. Apesar desses estabelecimentos não venderem
diretamente para o Brasil, existem atualmente centenas de sites que fazem a mediação entre os
seed banks e os clientes em países como o Brasil.
84
respeito da real necessidade do uso de ambientes de cultivo indoor. Para eles, como
para a maioria dos usuários, o que determina a opção pelo indoor são as
possibilidades de controlar o ciclo de vida da planta e a segurança do cultivo. Dessa
forma, seriam características relacionadas com as leis sobre o cultivo e com o
significado desta prática na sociedade em geral que influenciariam para que os
usuários optassem pelo uso do indoor. Ou seja, motivos semelhantes aos que fizeram
as técnicas indoor se desenvolverem e adquirirem legitimidade nos EUA: a Guerra às
Drogas, que mantém atualmente as condições para que esse tipo de iniciativa esteja
se proliferando em diversos países.
Entre os usuários que responderam ao Censo, o hábito de cultivar maconha é
algo recente para a maioria, 61%, respondeu realizar a atividade há menos de 1 ano na
época. A forma como os usuários têm adquirido os conhecimentos necessários para o
cultivo revelam algumas particularidades dessa cultura e reforçam alguns dados
encontrados na observação na comunidade Growroom.
As diferenças entre os dados a respeito dos hábitos dos homens e mulheres
seguiu uma proporção bastante semelhante, não sendo relevante separar as
informações, que foram apresentadas acima de modo geral. No entanto, os dados
sobre as fontes de informação sobre o cultivo apontam reflexões que merecem
destacar novamente essas diferenças. Em minha observação no Growroom, constatei
que é bem reduzido o número de mulheres no fórum e a participação na sessão de
cultivo é quase nula, sendo, inclusive, motivo de comemoração por parte dos
usuários, quando ocorrem.
Durante o período em que selecionei usuários para participar da pesquisa
apenas uma cultivadora entrou em contato. Após a troca de algumas mensagens
tentando esclarecer-lhe sobre a segurança e o anonimato na participação da pesquisa,
me apresentando e explicando as intenções do levantamento, ela desistiu e parou de
me responder sem dar qualquer explicação. Seja por receio maior de se expor, ou pela
falta de acesso à informações sobre a existência do fórum, de fato a menor
quantidade de mulheres é um dado comum desde a sua fundação, ainda que nos
últimos dois anos tenha aumentado muito a participação feminina no fórum.
Fontes de Informação sobre Cultivo
85
400
69%
350
300
Internet
Amigos
Livros
Revistas
250
200
150
18%
10%
100
3%
30%
51%
50
16%
3%
0
Homens
Mulheres
É interessante notar nesses dados que, no caso dos homens, a grande maioria
busca informações na Internet, opção de 69% dos cultivadores. Já entre as mulheres
a fonte de informação preferida sãos os amigos, em seguida a Internet e,
aparentemente, as mulheres também lêem mais livros sobre o tema do que os
homens. Essa preferência feminina por obter informações através dos amigos
também pode sinalizar que é o contato com outros cultivadores no seu círculo de
amizade que as têm estimulado a plantar. Tanto os resultados do Censo como o
resultado das entrevistas realizadas apontam o Growroom como o principal espaço de
aprendizado sobre o tema. Nas palavras de alguns entrevistados:
“O Growroom sempre foi minha principal fonte de
informação sobre cultivo, notícias, leis e ativismo, além
de ser um instrumento de integração entre eu e meus
amigos growers que adquiri no site. Ampliei
incrivelmente meus horizontes. Além dos conhecimentos
sobre botânica, adquiri noções de marcenaria, elétrica,
luminotécnica, dentre outras”. (Tito)
“Tenho ótima relação com o Growroom. Lá aprendi,
ensinei e tento ajudar outros cidadãos interessados em
fugir do tráfico. Para mim o Growroom representa um
poderoso mecanismo de apoio às pessoas que, como eu,
querem fumar seu beck sem ter que recorrer ao crime,
afinal de contas, também somos honestos e odiamos ter
que conviver com o estigma de contribuir com a
violência. Ele é a chave que nos traz a informação que
precisamos para poder fumar sem precisar sujar as mãos
de sangue comprando do crime organizado. Ele é um
exemplo de como nós, maconheiros, somos pessoas
organizados, sociáveis e mentalmente saudavéis”.
86
(Cabelo).
Esses depoimentos nos permitem entender de que maneira a prática do cultivo
para consumo próprio e o acesso a informações sobre o tema, bem como a outros
usuários, têm tido um impacto positivo na vida dos indivíduos. Para muitos usuários,
a convivência no Growroom tem proporcionado transformações não apenas no tipo e
na qualidade da maconha consumida, mas na relação estabelecida com o uso e com a
planta. Algumas falas a respeito da atual relação dos usuários com a maconha podem
ajudar a ilustrar essas reflexões:
“Minha relação com as plantas é muito boa. Eu adoro
cuidar das minhas 'filhas' e, até hoje, todo dia, eu faço
alguma coisa no meu grow65, é uma verdadeira terapia.
Tanto o fato de cuidar das plantas, como o de bolar as
estufas, planejar a iluminação, ventilação, etc.” (Nem me
viu)
“Hoje eu a utilizo como um instrumento para me
conhecer e conhecer a Deus. Essa é minha relação atual
com a erva, como uma planta sagrada, mestra, criada
por Deus para fazermos uso consagrado, não
atrapalhado, que se vem praticando para uso de ego e
dinheiro... Por isso ela é proibida, querem fazer dinheiro
mantendo ela proibida... Ela é minha mãezinha santa
que nunca fez mal mas é crucificada todos os dias... essa
é minha relação com ela, pra mim é sagrado, é a minha
Santa Maria, minha mãe, é a luz da minha vida, enfim, é
a cura para humanidade... É quem me dá o meu valor...
Pra eu ser quem sou, do jeito que escolhi ser...” (Cabelo)
Em minha análise, pude perceber que uma das principais preocupações a
respeito da cultura do cultivo para uso pessoal se refere ao risco dos usuários se
tornarem pequenos traficantes. Apenas um dos usuários entrevistados afirmou já ter
vendido sua produção, justificando ter utilizado o dinheiro para cobrir parte dos
custos com energia elétrica. Porém, muitos deles, ao contrário, afirmam que evitam
até mesmo doar aos amigos, devido à grande dificuldade em se produzir o fumo.
Todos eles demonstraram valorizar muito a produção doméstica, reservando-a
apenas ao consumo pessoal, e no máximo compartilhando com amigos mais
65
Nome dado à estufa onde se cultiva maconha Do inglês, Grow – crescer, cultivar; Room – sala,
ambiente; Growroom – Sala para o cultivo. Dessa expressão vem o nome do fórum, Growroom –
Espaço para crescer.
87
próximos. A fala do usuário Nem me viu ilustra bastante esse fato, ainda sendo
representativo da mudança de significado sobre o uso, proporcionado pela cultura do
cultivo:
“Já doei algumas poucas vezes, e fumei também com
alguns conhecidos. Não faço mais isso, pois não me
agrada a ideia de ver o resultado do meu trabalho
banalizado, fumado sem propósito, apenas para ficar
doidão, como faz a esmagadora maioria dos
maconheiros, sem a consciência do trabalho que deu
criá-la, desde a germinação até a colheita e a secagem, a
cura, acho que isso tudo tem um propósito, não acho que
fico doidão quando eu fumo, alcanço um estado de
consciência que me permite enxergar o mundo sob outro
prisma”. (Nem me viu)
O tema do comércio com os frutos da colheita doméstica é bastante
controverso no fórum e, desde a abertura do Growroom, tem sido encarado das mais
variadas formas. Atualmente é possível notar que, como em outros países, a figura do
cidadão que cultiva e vende maconha, sem se envolver com outros crimes, tem
sofrido uma sensível modificação na forma como é entendida no fórum. Não faz parte
do objeto de estudo deste trabalho, mas vale a pena apenas destacar que o cultivador
que tem vendido seu excedente tem sido cada vez menos considerado criminoso e
mais entendido como uma figura necessária num contexto de injustiça forçada. Num
contexto de extrema violência urbana relacionada com o comércio de maconha
oriunda do crime organizado, muitos usuários têm preferido comprar colheitas
excedentes de amigos à alimentarem esquemas violentos e corruptos, abrindo a
possibilidade de novas configurações no atual mercado ilícito de drogas. Esse tema
merece ser explorado numa oportunidade mais adequada, na qual seus diversos
pontos polêmicos possam ser analisados e debatidos com maior propriedade.
Dos 20 usuários entrevistados através dos questionários, apenas 4 (20%),
haviam conseguido obter o sustento total do seu consumo através do cultivo. Quando
questionados sobre o motivo que os impedia de obter a independência, todos os
usuários atribuíam como principal causador dessa situação o fato de não poderem
cultivar muitos pés, sob risco de serem interpretados como traficantes caso
decidissem cultivar mais plantas. Nesse sentido, é importante destacar que não há
como atribuir à uma determinada conduta de cultivo uma interpretação como sendo
destinada ao comércio não-autorizado sem qualquer indício de intenção de
88
comercializar. Esse receio de ter uma quantidade maior de espécimes de maconha
tem feito com que a maioria dos usuários cultivadores não obtenham uma autonomia
com relação ao seu abastecimento. Dessa forma, o fumo produzido por cultivo
doméstico é um produto escasso bastante valorizado pelos cultivadores, raramente é
doado ou mesmo compartilhado e quase nunca é vendido.
É importante destacar também que a grande maioria dos usuários afirmaram
estarem dispostos a se adequar aos limites legais de uma eventual regulamentação
para uso pessoal. Apenas dois deles (10%) afirmaram que só se adequariam caso os
limites estivessem de acordo com as suas necessidades pessoais. Todos eles foram
enfáticos ao afirmarem ser bastante difícil obter auto-suficiência com poucos pés de
maconha. Ao serem questionados sobre qual deveria ser o número máximo de
plantas por pessoa, nenhum deles conseguiu responder de forma definitiva à questão
e as respostas oscilaram entre 3 e 40 espécimes. É importante destacar que nem
todos concordaram com a utilização de quantidades máximas para uso pessoal e
todos enfatizaram a necessidade de se levar em conta principalmente as técnicas e as
condições de cultivo para se avaliar a real produtividade de um empreendimento do
gênero.
Devido à variedade de respostas, ficou claro que o único critério possível de ser
adotado é o das evidências de comércio para a caracterização de tráfico. É até possível
estabelecer um teto máximo de plantas por usuário, mas sabendo que qualquer limite
fixo não dará conta de todos os padrões de uso, nem das condições de cultivo de todos
os cidadãos. Nesse sentido, de fato, a melhor maneira de construir uma
regulamentação seria não estabelecer limites de número de plantas para uso pessoal,
sendo necessária apenas autorização prévia, mediante fiscalização de Agência de
Estado.
No atual contexto, em que se mantém a Lei 11.343 sem alteração, prevendo
punições aos crimes de semear, cultivar ou preparar maconha para consumo pessoal,
é recomendado que se siga a orientação constitucional de presunção da inocência. Ou
seja, até que haja julgamento, o cidadão acusado deverá ser presumido inocente, a
não ser em casos de flagrante delito. Nos casos em que haja dúvida a respeito de se o
cultivo destinava-se ao comércio ou não, é importante levar em consideração a real
ameaça que representa à sociedade uma pessoa que apenas cultive maconha. Em
casos onde não há flagrante, a não ser que hajam provas, resultantes de investigação
autorizada judicialmente, nenhum cidadão deveria ser presumido culpado. Em outras
89
palavras, sem provas ou flagrante de venda, nenhuma quantidade de pés de maconha
deveria ser considerada suficiente para iniciar um processo por tráfico contra
nenhum cidadão brasileiro.
Antes de iniciar as considerações finais, acho importante destacar ainda, um
dado do Censo que nos ajuda a refletir sobre o grau de mudança na relação com o
consumo de maconha, proporcionado pelo engajamento na cultura do cultivo para
consumo próprio. Já vimos como o engajamento na cultura do cultivo para consumo
próprio demanda um envolvimento e a aquisição de uma série de saberes específicos,
mais amplos do que os descritos nas pesquisas de Becker, MacRae e Simões e outros.
Dentre essas especificidades, seria interessante discutir até que ponto há de fato
transformações no significado atribuído ao uso de maconha e temas afins.
Enquanto, entre na amostra de pessoas que responderam ao Censo e que não
plantam, somente 10% afirmaram participar de algum movimento pela legalização da
planta, entre a amostra dos que cultivam esse número sobe para 32%. Isso me faz
crer que o envolvimento com outros aspectos relacionados com a cultura da planta
amplie a percepção do usuário tanto do seu papel enquanto consumidor, quanto do
seu papel de cidadão.
Esse fato se revela ainda mais interessante quando o relacionamos com o fato
de que todos os cultivadores entrevistados por mim afirmaram saber que a Lei
brasileira sobre drogas tinha mudado e quase a totalidade, 85%, afirmou já ter lido a
Lei. Esse dado revela um grau de politização e reflexividade a respeito da sua própria
conduta não encontrado nos usuários de maconha e outras drogas de um modo geral.
Mesmo havendo poucas discussões e pesquisas a esse respeito, é possível afirmar que
o Growroom e outros espaços de sociabilidade para usuários de drogas têm servido
como espaços de politização do debate público sobre o tema.
A esse respeito é interessante citar algumas das falas dos usuários, quando
questionados sobre se gostariam de deixar alguma mensagem para as autoridades
que eventualmente fossem ler este trabalho. Esse depoimentos demonstram
engajamento no debate a respeito das questões políticas do tema, reforçando os
indícios de que o compartilhamento do espaço no fórum facilita a politização dos
cidadãos usuários de maconha que frequentam o Growroom:
“Diria que, antes de condenar quem cultiva pequenas
quantidades, seria interessante que fosse feita uma
reflexão baseada em três questionamentos: Essa pessoa
90
está prejudicando alguém com seu cultivo? Essa pessoa
está prejudicando a si própria? Está prejudicando ou
destruindo o meio ambiente e a natureza? Caso as três
respostas sejam negativas, ou apenas a segunda seja
positiva, que deixem as pessoas em paz e que vão fazer o
trabalho que se espera dos repressores que é proibir e
prender os verdadeiros criminosos que são os
responsáveis pela roubalheira e corrupção absurda que
assolam este país!” (Nem me viu).
“Eu diria a eles o que na verdade eles já sabem. O cultivo
para consumo próprio descaracteriza qualquer argumento
que associe o consumo de maconha ao crime. Não existem
vitimas, pois não é proveniente do tráfico de drogas,
considerado atualmente o maior problema do país, mas
que só existe por causa da proibição, que financia toda a
máquina criminosa do país. Enquanto os governantes de
todo o país ignorarem soluções simples como a Gaiola de
Faraday (para acabar com os celulares em presídios) e a
legalização, ao menos do cultivo para consumo pessoal e
dos clubes coletivos, nosso país vai continuar seguindo o
caminho do colapso que tem seguido nas últimas décadas”
(Tito).
Diversos outros temas de discussão e objetos de estudo poderiam ser
analisados através dos dados do Censo, da Observação Participante e das entrevistas
realizadas com cultivadores. Espero ainda publicar esses resultados e as discussões
afins em diversas outras oportunidades e seguir com as pesquisas sobre esse tema,
com o intuito de explorar melhor e mais profundamente essa tão ampla e
pouquíssimo explorada área de estudo.
12.Sobre o mito da “maconha transgênica” e outras considerações finais
“Sou empresário e pago meus impostos em dia há 10 anos. Tenho
automóvel há mais de 15 anos e nenhum histórico de acidente, muito
menos que envolvesse o uso de drogas lícitas ou ilícitas. Gostaria que
as autoridades enxergassem os usuários de maconha, não como
criminosos, mas como eles são. Me considero um cidadão comum,
que não faria mal algum a outro indivíduo ou ao Estado e não como
um criminoso” (Oversize)
Não poderia finalizar este trabalho, sem me debruçar sobre um dos maiores
mitos formados a partir do ressurgimento da cultura do cultivo de maconha. Em
muitos países do mundo essa discussão já foi ou está sendo travada e estudada por
91
pesquisadores, mas, no Brasil, entretanto, essa questão tem sido debatida apenas pela
imprensa, ou por poucos parlamentares, em geral de forma pouco informada66.
Diversas notícias têm criado alarde sobre os perigos do Skunk67, da maconha
hidropônica ou da “maconha transgênica”68, baseadas principalmente em situações
de apreensão no qual plantas estavam sendo cultivadas por usuários para consumo
próprio, em geral quando esses utilizam técnicas indoor ou sementes de seed banks.
Esse processo de estigmatização sobre as práticas de cultivo não-comercial é
fundamentado na desinformação a respeito das características botânicas da planta e
nas características culturais das comunidades que realizam esse tipo de prática.
Um dos principais mitos relacionados com esse tipo de cultura é a acusação de
que tais técnicas de cultivo e os novos híbridos da planta possibilitariam plantas com
maiores quantidades de resina e princípios ativos, incorrendo em maiores riscos e
danos à saúde dos usuários. De fato, a produção de resina e inflorescências depende,
como vimos, dos cuidados do cultivador e das técnicas empregadas. Porém, alguns
pesquisadores afirmam que qualquer linhagem de maconha, quando bem cuidada,
poderá produzir muitas flores e grandes quantidades de resina. No entanto, isso não
significa dizer que, por isso, as plantas sejam geneticamente modificadas, muito
menos que os usuários estejam consumindo maconha de forma mais arriscada ou
perigosa.
O citado ressurgimento da cultura de cultivo de maconha é um movimento
relativamente recente na história da humanidade e ainda mais recente na história da
evolução dessa espécie vegetal. Seria muita pretensão acreditar que os cultivadores
contemporâneos, em menos de 50 anos de relação com o vegetal, tenham conseguido
desenvolver técnicas de cultivo assim tão inovadoras e revolucionárias. Como vimos
em outros momentos deste trabalho, tudo o que eles fizeram foi resgatar, registrar,
66
67
68
Sobre esse tema é curioso a afirmação do Senador Demóstenes Torres na ocasião em que a Lei
11.343 estava sendo discutida no Senado, durante o debate sobre o artigo que classificava o cultivo
para consumo próprio como conduta de usuário. Ele afirmou que para produzir um cigarro de
maconha eram necessários de 2 a 3 pés da planta, demonstrando ou um total desconhecimento a
respeito do tema ou uma postura completamente negligente com a realidade.
Apesar de atualmente existirem centenas de variedades híbridas vendidas no mercado legal de
sementes e registradas comercialmente, no senso comum, o nome Skunk, apenas uma dessas
muitas variedades, é utilizado como sinônimo de maconha cultivada com sementes selecionadas
vendidas em banco de sementes internacionais.
Tanto veículos de imprensa quando a população em geral têm usado erroneamente o termo
transgênico para se referir às variedades hibridas. Transgênicos são espécies desenvolvidas com
alguns genes de outras espécies e o processo é realizado através de modificações em laboratórios de
genética. Os híbridos da maconha são desenvolvidos mediante seleção manual de espécimes e o
cruzamento entre as diferentes linhagens é realizado utilizando técnicas semelhantes às utilizadas
há milhares de anos: coleta manual de pólem das plantas macho que deverá ser levado às plantas
fêmeas.
92
difundir e adaptar dentro das condições específicas do regime proibicionista em cada
localidade, uma ampla variedade de saberes que já estavam por aí difundidos.
Além disso, o mercado legalizado de variedades da planta tem investido muito
mais em propriedades como aroma, sabor, proporção dos canabinóis69, cores e
formatos das inflorescências, do que somente na busca de maiores quantidades de
flores ou resina70. Dessa forma, tem procurado ampliar a possibilidade da cultura
canábica desenvolver-se de forma semelhante à cultura do consumo de vinho, cerveja
ou café, por exemplo.
Quando fazemos considerações comparando a maconha produzida por um
cultivo doméstico, com o fumo apreendido em operações policias, precisamos fazer
ponderações importantes, afim de assegurar um mínimo de equidade. A maconha é
um produto bastante frágil, que perde a maior parte das suas propriedades quando
armazenado, transportado ou manuseado em condições inadequadas. A resina
psicoativa, que atualmente lhe dá valor no mercado ilícito de drogas, se apresenta na
planta apenas nas inflorescências dos espécimes fêmeas, na forma de pequenas gotas
de óleo, que facilmente se desprendem.
Essa resina se desprende tão facilmente da planta que, durante uma colheita
doméstica, somente com a resina que cai na manipulação da planta no processo de
manicuração71, é possível obter pequena quantidade de haxixe. O próprio método
tradicional de extração da resina para manufaturação de haxixe é feito colocando a
planta sobre um tecido de seda esticado, cobrindo a planta com uma lona e batendo
com varas por cima, para que a resina passe pela seda e se acumule em um recipiente.
Isso significa que todo tipo de manipulação das flores após a colheita, até mesmo as
realizadas com bastante cuidado, ocasionam perda de resina. Não há pesquisas sobre
o grau de perda da resina no processo de produção, armazenamento, transporte e
distribuição de maconha sob regimes proibicionistas. Além disso, todas as pesquisas
realizadas para medir o nível de resina e princípios ativos são feitas com amostras de
69
70
71
Até o momento, são conhecidos cerca 70 princípios ativos produzidos especificamente por plantas
Cannabis, conhecidos como canabinóis, dos quais 9 são psicoativos. Atualmente sabemos que não
só a quantidade de princípios ativos, mas sua configuração, ou seja, a proporção de cada um deles
também é um importante fator para determinar os efeitos da planta nos usuários.
A produção de resina não é um fator atrelado à produção de princípios ativos numa planta. Apesar
dos canabinóis estarem presentes na resina, isso não significa que todas as variedades produzam a
mesma proporção de canabinóis por grama de resina. Isso significa dizer que, na prática, uma
planta menos resinosa pode até mesmo ser mais psicoativa do que uma outra que produza mais
resina.
Após colher as plantas é preciso cortar todas as folhas grandes e as folhas anexas às flores, deixando
o mínimo de matéria vegetal que não seja inflorescências. À esse processo os cultivadores
denominam manicuração.
93
maconha apreendidas bem depois de terem sido colhidas, o que faz com que tenham
boa parte da sua resina já deteriorada ou perdida.
Flor de cannabis cultivada para consumo pessoal72.
Dessa forma, não pode-se afirmar que a maconha cultivada atualmente é mais
forte que a cultivada no período pré-proibicionismo, a não ser que se façam estudos
comparando as características das híbridas de seed banks com land races brasileiras.
Com base nos conhecimentos botânicos sobre a planta e sua resina, pode-se apenas
especular
que o produto vendido ao consumidor final na maioria dos
empreendimentos atuais que comercializam maconha sem autorização perde boa
parte da sua resina antes de ser consumida pelo usuário. Isso se deve não só aos
rústicos processos de colheita, armazenamento, transporte e distribuição, que têm
que seguir a lógica da priorização da quantidade, mas também ao fato dos pólos
consumidores se encontrarem a longas distâncias dos locais de cultivo. Nesse
contexto, grande parte da maconha vendida no Brasil está em estado de deterioração
avançado, muitas vezes contaminada com fungos e bactérias nocivas. Portanto,
72
É interessante notar que, segundo o usuário Serth, que gentilmente nos cedeu esta foto, essa planta
foi cultivada utilizando sementes comuns, recolhidas de fumo comprado na região nordeste do país.
Nota-se que, ao contrário do fumo comumente vendido, a flor ainda preserva a resina cobrindo-a e
lhe dando o brilho peculiar.
94
quaisquer comparações entre os níveis de resina e princípios ativos da produção
doméstica e os da produção comercial não-autorizada merecem bastante ressalva, já
que as diferenças não estão na qualidade da maconha produzida numa e noutra
situação, mas no estado doproduto e na quantidade de resina que chega até o
consumidor final.
É verdade que, ao cultivar para consumo próprio, os usuários podem obter
fumo fresco, recém colhido e livre de fungos e outros fatores deteriorantes, mantendo
boa parte da resina produzida pela planta. Porém, isso não significa que estejam
consumindo maiores quantidades de resina ou princípios ativos. Nesse sentido,
precisamos admitir que existe uma diferença entre quantidade de resina e de
princípios ativos contidos na maconha colhida e preparada pelos próprios usuários e
pela maconha apreendida pela polícia. Mas, nesse caso, a maconha cultivada não é
mais potente e por isso mais perigosa e arriscada. É a maconha vendida nas ruas que
está mais deteriorada, por ser armazenada, transportada e manuseada em condições
inadequadas, e com isso, aumentando os riscos à saúde dos usuários.
Uma leitura patologizante da cultura da maconha tende a afirmar que os
usuários buscam um fumo mais potente e, quando o encontram, isso não significa
uma diminuição nas dosagens. Em outras palavras, dentro dessa tese, se um usuário
de maconha consome por mês 100 gramas contendo 1% de princípios ativos e passa a
plantar, obtendo uma maconha com uma proporção maior de princípios ativos, ele
consumiria a mesma quantidade, apenas mantendo-se sob efeitos mais intensos.
O relatório da ONU sobre drogas de 2006 dedica um capítulo especial ao tema
chamado de re-enginnering of cannabis (UNODC, 2006). Porém, apesar de tecer
comentários alarmistas sobre a potência da maconha produzida atualmente, o
relatório afirma que, antes da utilização dessa técnica, grande parte do que era
comercializado como maconha era, na verdade, composta de folhas, galhos, sementes
e outras partes da planta não aproveitadas pelos usuários. O relatório alerta que,
apesar dos esforços em reprimir o comércio não-autorizado, a partir da década de
1970, os produtores passaram a optar por vender quantidade menores que tivessem
melhor qualidade e, com isso, pudessem obter maior lucro por grama da erva.
Isso significa que no início do proibicionismo grande parte da erva disponível
para consumo era de péssima qualidade e continha muitas partes não-psicoativas da
planta. Com o surgimento, a partir da década de 1970, do que o relatório chamou de
redescoberta da marijuana sinsemilla e a retomada de técnicas de cultivo e
95
adaptação dessas técnicas aos ambientes indoor, os comerciantes não-autorizados
passaram a oferecer maconha de boa qualidade para os usuários. Tendo acesso à
maconha em condições de preservação que mantenham boas quantidades de resina
nas flores, os usuários, em geral, consomem quantidades de material vegetal menor.
Ou seja, para obter os mesmos efeitos, inalam menos fumaça.
Assim, quando tem acesso apenas à maconha com pouca resina, os usuários
tendem a inalar maiores quantidade de fumaça para obter o efeito desejado. O
próprio relatório da ONU, ao traçar comparações entre os hábitos de consumo de
usuários de diferentes países, traz dados que ilustram bem essa afirmação:
Adaptado da tabela disponível no Relatório da ONU de 2006, página 1977374.
País
Holanda
ReinoUnido
Canadá
EUA
Jamaica
Gramas demaconhaem1baseado
0,1g–0,25g
0,15g–0,33g
0,2g–0,33g
0,4g–0,5g
2g–3g
Adicionatabaco?*
Sim
Sim
Às vezes
Não
Não
Sinsemilla**
Sim
Sim
Sim
Não
Não
Baseados feitos com1grama
4–10
3–7
3–5
2
0,5–0,33
É claro que diversos outros fatores de ordem cultural, social, política,
econômica, dentre outras, determinam as quantidades de maconha utilizadas em
cada país, tanto quanto a quantidade de princípios ativos disponíveis por grama de
maconha. No entanto, esses dados nos ajudam a refletir sobre a necessidade de
relativizar a noção de que maior acesso à maconha de melhor qualidade signifique
necessariamente um maior consumo do vegetal ou de seus princípios ativos, ou
mesmo maiores danos à saúde.
Os danos ocasionados pelos padrões de consumo geralmente estão ligados à
utilização de métodos de ingestão que usam a fumaça da planta como veículo
condutor dos princípios ativos (CORRIGALL et al, 1999; MACRAE, 2006). A ingestão
de qualquer conteúdo inalando a fumaça da sua queima provoca irritação e danos nos
órgãos e tecidos dos aparelhos digestivos e respiratórios, que podem levar ao
desenvolvimento de feridas e, até mesmo, ao câncer. Usada na forma de cigarros,
além da fumaça em alta temperatura, a Cannabis libera substâncias tóxicas, como o
monóxido de carbono, que podem apresentar o mesmo potencial de risco que as
liberadas pela queima do tabaco e outras plantas.
Quando o consumo é feito em locais reservados, os indivíduos muitas vezes
73
Países em que há cultura de adicionar tabaco nos cigarros confeccionados com maconha (baseados).
Um país estar na tabela marcado como sim, não significa que não hajam pessoas que fumem maconha
sem adicionar tabaco, apenas que este é a forma mais predominante de consumo de maconha.
74
A técnica sinsemilla, como falamos anteriormente faz com que a maconha produza mais resina do
que quando o espécime é polinizado e passa a dedicar sua energia à produção da semente. Como no
caso da prática de adicionar tabaco, o uso da técnica sinsemilla é expressa aqui como sendo a de maior
predominância ou não no país citado, o que não exclui a existência de exceções à regra.
96
procuram evitar fumar pontas de cigarros ou utilizam técnicas para resfriar a fumaça
(cachimbos, piteiras, cachimbos d’água, bongs, etc.) ou se alimentam com preparados
à base da erva, buscando métodos para eliminar os riscos da inalação de fumaça em
alta temperatura (LOPES-MALCHER; RIBEIRO, 2007, p. 91). Desde a década de
1990, também estão disponíveis no mercado aparelhos que aquecem as
inflorescências a uma temperatura que varia entre 150Cº e 250Cº, o suficiente para
transformar em vapor toda a água e grande parte da resina contida na matéria
vegetal, sem necessidade de provocar a queima. Estas tecnologias reduzem ao
máximo os riscos do ato de inalar a resina, com uma perda mínima dos princípios
ativos contidos na matéria vegetal. Tais mecanismos diminuem muito os riscos do
consumo dos compostos ativos da Cannabis. (GIERGINGER et al, 2004).
O uso das propriedades psicoativas da planta também são contra-indicadas no
caso de pessoas com propensão a problemas psiquiátricos, embora haja mais
controvérsias do que confirmações sobre as possibilidades da maconha provocar
danos ao cérebro ou à psique. Alguns autores afirmam que o número de dependentes
da planta e ou de usuários crônicos é bastante variável e os principais riscos à saúde
estariam ligados a esses padrões de consumo. Para outros:
A maconha é a droga ilícita mais consumida no mundo e é a
primeira da lista em um grande número de países. Ainda
assim, não há descrito sequer um único caso de morte por
‘overdose’ da droga. Constata-se que mesmo a maconha sendo
consumida por muitos milhões de pessoas, é extremamente
pequeno o número dos que estão em tratamento ou dele
precisam por problemas de saúde física ou mental
verdadeiramente induzidos pela droga. A maconha é uma
droga pouco tóxica e sem grande poder de levar pessoas à
dependência ou a prejuízos físicos e mentais graves. Na
realidade, apesar de séculos de uso, somente nas últimas 2 ou
3 décadas algumas correntes passaram a pregoar poder
indutor de dependência à maconha. (ABRAMD, 2006, p. 6).
Pelas razões expostas, fica claro porque alguns autores têm sugerido que os
principais danos decorrentes do consumo da planta seriam causados pela forma
como a sociedade lida com a produção, a distribuição e o consumo dos seus derivados
(WENDY et al, 2000; MAUER; KING, 2006; GOLUB et al., 2006; MACRAE, 2006).
Em meio a tantas controvérsias a respeito do potencial danoso do consumo da
Cannabis, a única certeza é que os mercados de derivados da planta, quando tornados
97
ilícitos, têm assumido configurações muitas vezes violentas e quase sempre
relacionadas com outros crimes, causando mais problemas na vida dos indivíduos
consumidores e da comunidade da qual fazem parte do que os que poderiam ser
causados pelas propriedades farmacológicas da planta.
Quando a produção, distribuição e consumo de uma determinada droga
tornam-se legalmente atividades criminosas e condutas altamente repreendidas,
variáveis não inerentes às propriedades específicas da substância são inseridas dentro
dos contextos de consumo. O contato com ambientes violentos, a repressão policial e
produtos em condições inadequadas seriam algumas das principais conseqüências
diretas da adoção de políticas públicas focadas na repressão às condutas relacionadas
com o consumo pessoal (KARAM, 2003; MACRAE, 2000; 2005; 2006).
Se, por um lado, as políticas proibicionistas atuam introduzindo fatores
geradores de danos sobre um determinado mercado consumidor, por outro, sua
eficácia, enquanto estratégia para prevenção e diminuição do consumo de drogas, é
bastante questionável. Um estudo conduzido na Austrália entrevistou pessoas entre
18 e 29 anos e concluiu que proibição e repressão não são os únicos fatores que atuam
desestimulando o consumo de Cannabis e que as decisões dos indivíduos são
tomadas levando em consideração muitos outros aspectos.
Quase a metade dos entrevistados (47%) respondeu que nunca havia usado a
planta (47%) porque nunca haviam pensado sobre o assunto, enquanto 41%
afirmaram nunca ter fumado por preocupações com a saúde. Dentre os que já haviam
experimentado, mas não seguiram com o hábito, 52% afirmaram não o fazer por não
ter gostado da experiência com a planta. Dos que nunca experimentaram a erva,
apenas 29% afirmou ter sido a proibição a principal motivação para não ter usado
(WEATHERBURN; JONES, 2001, p. 5).
De fato, estudos anteriores realizados nos EUA já apontavam a ineficácia das
políticas proibicionistas e a sua posição desconfortável com relação ao custobenefício, quando comparadas com políticas mais voltadas para a redução de dano e
prevenção. Um artigo publicado por Saffer & Chaloupka, em 1998, afirma que a
persuasão à redução do consumo e a prevenção são estratégias eficientes, mas que
medidas de restrição à liberdade eram pouco produtivas, chegando a custar quatro
vezes mais do que as medidas preventivas.
O estudo conduzido na Austrália, permite reflexões sobre a ineficácia das
políticas baseadas no sistema criminal com relação à promoção da diminuição do
98
consumo de derivados de Cannabis e à prevenção ao seu uso inadequado. Outros
estudos têm apontado dados ainda mais relevantes não apenas sobre os custos de tais
políticas, mas sobre suas consequências, indicando serem tais políticas as principais
responsáveis por danos à sociedade bastante específicos, como: criação de condições
para o surgimento de um mercado criminoso das substâncias; desrespeito às
liberdades individuais e direitos civis; uso ineficiente dos recursos humanos e
materiais dos setores judiciais e policiais; dentre outros (LENTON et al., 1999a,
1999b, 2000; HALL, 2000).
Além de não coibirem o uso, as intervenções desse tipo não têm grandes
resultados na diminuição da oferta e na elevação dos preços. Diversos autores têm
apontado para o fato de que, ainda que as intervenções de repressão ao comércio
ocasionem uma elevação do preço temporária em uma determinada região, esse
crescimento tem um limite e o mercado rapidamente se estabiliza novamente
(DESIMONE, 1998; SHEPARD; BLACKLEY, 2005; OURS; WILLIAMS, 2005).
No Brasil, não existem pesquisas semelhantes que possam nos ajudar a refletir
mais detalhadamente sobre os custos e os impactos da proibição na vida dos
consumidores e da sociedade. Porém, alguns levantamentos realizados entre 1997 e
2003 apontaram para o fato de que, nas regiões onde há cultivos de larga-escala de
Cannabis e em centros urbanos onde há distribuição da droga, ocorre o
desenvolvimento de relações sociais violentas e outros crimes, principalmente devido
ao enfrentamento com outros grupos concorrentes no mercado de produção e
distribuição não-autorizado e à necessidade de auto-regulamentação dos conflitos
entre esses grupos (IULIANELLI, 2000; GUANABARA et al., 2004; RIBEIRO,
2006). Esse fenômeno vem ocorrendo desde a década de 1970, período em que se
intensificaram as operações de erradicação e repressão ao cultivo da planta no Norte
e Nordeste do país.
Estudos mais recentes acrescentam que, além de todos esses problemas, esses
contextos de produção também estariam submetendo jovens e adultos camponeses
engajados em pequenos e médios empreendimentos de cultivo comercial a condições
subumanas de trabalho (MOREIRA, 2004; LIMA et al., 2005; IULIANELLI et al.,
2006). O sociólogo Paulo César Morais sugere que, ao focar a atenção na proibição e
repressão ao uso, tais políticas geralmente não atingem os objetivos de constranger o
comércio não-autorizado e o consumo, gerando o que ele chama de efeito perverso.
Isso se deve, principalmente, ao fato de se basearem em “interpretações equivocadas
99
sobre o comportamento de usuários, sobre a relação entre usuários e traficantes, e
entre traficantes e pequenos varejistas; em suma, sobre o mercado de drogas”
(2005, p. 1).
O consumo de drogas deve ser visto como um fenômeno de massa bastante
complexo que, para ser analisado com vistas ao estabelecimento de medidas de
intervenção, requer que sejam levados em consideração dois fatores básicos: 1) uma
lei só pode ser eficaz quando é respeitada e considerada justa; e 2) o consumo de
drogas é um fenômeno que ocorre das maneiras mais variadas possíveis, dentro de
episódios esparsos na história de vida de milhões de pessoas diferentes. Tendo isso
em vista, a amplitude de tais comportamentos e a óbvia dificuldade em torná-los
ilícitos, é possível entender os motivos para a pouca efetividades das leis sobre drogas
que se baseiam na proibição do porte, aquisição e cultivo para consumo pessoal.
Fenômeno de massa, o consumo de drogas acontece geralmente em ambiente
privado ou em ambientes públicos tolerantes onde o uso é feito de maneira que possa
ser ocultado ou dissimulado, ocorrendo com uma periodicidade variável e em
companhia de pessoas diferentes. Em tais circunstâncias, um ato privado praticado
por milhões de pessoas, que já se acostumaram a desenvolver técnicas para garantir a
segurança da prática e ocultá-la de pessoas indesejáveis, torna-se praticamente
impossível de ser controlado por autoridades policiais. Como outros comportamentos
de âmbito privado, o controle e a formação de regras e sanções sobre o consumo de
drogas sempre esteve a cargo dos grupos e comunidades nas quais o consumo era
empreendido e só no período recente da história da humanidade isso foi alterado. A
persuasão e o convencimento sempre foram as principais maneiras de atuar na
promoção de padrões e modos seguros de consumo de quaisquer substâncias
psicoativas.
Intervenções que visem diminuir os problemas em decorrência do consumo de
Cannabis e da configuração do seu mercado precisam levar em conta os múltiplos
fatores que se inter-relacionam na formação do mercado consumidor e adotar
estratégias que atinjam esse mercado de maneira mais ampla. Admitir a
heterogeneidade e fluidez das estruturas de produção e distribuição dessa planta e de
seus derivados pode ser uma primeira medida nesse sentido. A criação de leis mais
adequadas e embasadas nessa realidade e o treinamento das autoridades policiais
para o enfrentamento de situações concretas de forma a estarem amparadas em
informações reais sobre esse cenário são essenciais, se quisermos criar políticas que
100
promovam de fato a saúde das pessoas que fazem uso de drogas e o bem-estar da
sociedade em geral.
O uso controlado de drogas, muito mais do que pela polícia ou pela lei, é
fundamentalmente regulado pela forma como as sanções e rituais sociais são
socialmente apreendidos pelos usuários, ou seja, pela cultura da droga e a
comunidade que lhe dá sentido. Tal aprendizado depende diretamente da
disponibilidade e da qualidade das informações sobre a substância, os efeitos, os
usuários, seus hábitos, sobre a própria cultura da droga e todos os temas
relacionados.
Atualmente vivemos um tempo em que as opiniões sobre o tema são, muitas
vezes, cercadas de maniqueísmos estéreis e a escassez de informações isentas de
parcialidade se faz predominante. Ter na Internet possibilidades para que grupos de
usuários possam ter acesso a formas de sociabilidade dinâmicas e abertas, na qual
informações de todos os tipos de fontes e experiências estejam disponíveis é, de certa
forma, tranquilizador. Me faz ter esperança que, de uma forma ou de outra, a cultura
da droga sobrevive reproduzida pelos milhões de usuários e dando-lhes amparo, num
contexto no qual só encontram exclusão social, política e legal do Estado.
Ainda que o uso da Cannabis possa causar alguns danos, em uma sociedade na
qual informações sobre maneiras seguras de consumir a planta circulassem
abertamente,
certamente
esses
danos seriam
menores
e
mais
facilmente
equacionados. As principais formas de diminuir os problemas decorrentes do uso, no
atual contexto, seriam políticas que garantissem o acesso a informações seguras e
diversificadas sobre o tema, capacitando as pessoas que usem maconha a
estabelecerem uma relação menos prejudicial de consumo.
Assim, as melhores estratégias de redução de danos são aquelas que alteram
de forma persuasiva os métodos de consumo utilizados, dialogando de maneira
franca com os usuários. Para isso, seriam necessários espaços de convivência,
promoção de debates, seminários, palestras e, até mesmo, a utilização de fóruns de
discussão. (MACRAE, 2006, p. 368).
Fica claro que, em meio às discussões e divergências sobre modelos
preventivos e de regulamentação a serem adotados, a preocupação de todos os atores
envolvidos nesses debates é com a saúde e o bem-estar dos cidadãos brasileiros que
fazem ou não uso de derivados da maconha. Admitindo isso, devemos também
entender que a persistência em defender a proibição e a manutenção do foco da
101
repressão nas práticas de porte e plantio para consumo próprio é realizada em um
contexto de desconhecimento do histórico de políticas públicas sobre o tema, dos
seus resultados e de suas consequências, bem como no vácuo de pesquisas sobre os
reais riscos à saúde provocados pela planta. No entanto, ao observarmos o atual
cenário, no qual a atuação pública sobre o tema é hegemonicamente proibicionista,
vemos que os resultados das medidas adotadas, supostamente visando à proteção da
saúde dos usuários e a segurança e o bem-estar dos cidadãos, estão longe de alcançar
os objetivos que se propõem.
Assim, acredito ser uma agressão aos fundamentos constitucionais brasileiros,
que atualmente um adulto que cultive, prepare e armazene uma quantidade de
maconha para seu uso pessoal ou compartilhamento entre amigos seja considerado
um criminoso. A despeito de se deve ou não ser legalizada a maconha e outras drogas
e de como deveria ser uma eventual produção regulamentada, é inadmissível que
adultos não possam optar sobre o tipo de vegetais que irão cultivar para seu próprio
uso. Como afirmei acima, não se trata de negar riscos e danos do uso de maconha,
mas de admitir que desde a proibição da planta no território nacional a cultura do seu
uso não foi exterminada, como prevista pelos proibicionistas, ao contrário, persiste e
tem se adaptado.
Ao admitirmos isso, ampliamos a compreensão sobre o uso da maconha e
podemos entender que a Guerra à Maconha e outras drogas não é só um esforço de
promoção da extinção de uma espécie vegetal, o que já seria um absurdo, mas o
extermínio sistemático das culturas de utilização de algumas plantas selecionadas
para serem mantidas na ilicitude. Nesse sentido, a Guerra às Drogas seria, na
verdade, uma guerra etnocida, que visa o encarceramento de pessoas que fazem parte
de culturas onde o consumo de drogas é compreendido de forma diversa do que prega
a legislação atualmente em vigor (HENMAN, op. Cit.).
Com este trabalho espero ter podido trazer alguns dados e informações
importantes sobre a cultura do cultivo não-comercial de maconha, desejando, com
isso, auxiliar na tarefa de promover reflexões críticas a respeito do atual status social
e político-legal desse hábito. Assim, talvez possamos produzir reflexões a respeito da
realidade brasileira e das possibilidades de transformá-la através de processos que,
verdadeiramente, melhorem a qualidade de vida das pessoas, sejam elas
consumidoras ou não de Cannabis e derivados, reduzindo os custos da administração
pública e da violência associados ao mercado criminalizado.
102
Desejo, com esta pesquisa, ter conseguido realizar a função de tradutor
cultural a que me propus, facilitando a compreensão da comunidade de antropólogos
e outros cientistas sobre os usuários de maconha, mas também possibilitando que
usuários de maconha tenham acesso a informações e dados que lhes ajudem na luta
pela garantia dos seus direitos. Só assim, num contexto de garantias de Direitos
Constitucionais e acesso real e igualitário à esses direitos poderemos realmente
diminuir os danos e riscos do consumo de qualquer droga.
Por fim, quero registrar algumas recomendações que, em minha opinião,
poderiam ajudar a acelerar a implantação desse tipo de política na realidade
brasileira:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
Promoção de debates, palestras e outras iniciativas de cunho informativo sobre
a nova lei n. 11.343, o histórico de Leis brasileiras e internacionais, a
interpretação oficial da UNODC sobre as Convenções da ONU e sobre as
possibilidades da regulamentação do cultivo não-comercial de Cannabis,
destinados a todas as pessoas ligadas ao SISNAD e outros cidadãos
interessados no tema;
Dar seguimento ao envio da petição pela retirada da Cannabis sativa da
Cédula IV, da Convenção de 1961, em reconhecimento dos erros históricos
cometidos pela delegação brasileira, em 1924, conforme o processo iniciado
em 2004 pela Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD). (CARLINI et. al.,
2004);
Estabelecimento de parcerias com os governos dos países que têm adotado
uma interpretação mais flexível das Convenções da ONU, promovendo o
intercâmbio de experiências, dados e informações a respeito de políticas e leis
sobre drogas;
Estabelecimento de parcerias com instituições de pesquisas, nesses países,
para a promoção de estudos comparativos sobre a viabilidade da aplicação
dessas políticas, no Brasil;
Fomento e incentivo para realização de pesquisas que tenham como objetivo
analisar a implantação da Lei nº 11.343 e seus impactos na sociedade, assim
como o funcionamento dos diferentes setores do SISNAD;
incentivo a grupos de pessoas e instituições para criação de espaços de
convivência, mesmo que em ambiente on-line, para compartilhamento de
experiências e informações, sempre atentando para a criação de espaços de
diálogo entre as pessoas que usam Cannabis ou outras drogas e o Sistema
Único de Saúde (SUS);
promoção de estudo sob coordenação do Conselho Nacional Antidrogas
(CONAD) sobre as possibilidades de implantação de modelos de
regulamentação da posse, aquisição e cultivo para consumo próprio, a exemplo
do Office of Medicinal Cannabis75, na Holanda, dos Medical Clubs nos EUA76
Para saber mais sobre a Office of Medicinal Cannabis, na Holanda, visite: www.cannabisoffice.nl.
Sobre as experiências de regulamentação do uso medicinal da Cannabis nos EUA, ver: GERBER,
2004, p. 121-34; GIERINGER, 2003).
75
76
103
ou dos Cannabis Social Clubs77;
8. fortalecimento do diálogo com os grupos, comunidades, associações e outros
coletivos de pessoas que usam Cannabis e outras drogas, buscando entender
as demandas e as necessidades específicas dessas populações.
Referências:
ABEL, E. L. Marihuana – The First Twelve Thousand Years. New York:
Plenum Press, 1980.
ABRAMD (Associação Brasileira para o Estudo Multidisciplinar sobre
Drogas). MACONHA – Uma Visão Multidisciplinar. 2006. Disponível no endereço:
http://www.neip.info/downloads/textos%20novos/maconha.pdf
ADIALA, Júlio César. A Criminalização dos Entorpecentes. Rio de
Janeiro: 2006.
________________. O Problema da Maconha no Brasil: ensaio sobre
racismo e drogas. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro, 1986. (Estudos, n.52).
BECKER, H. S. Outsiders: studies in the sociology of deviance. London:
77
O Cannabis Social Clubs é um modelo de regulamentação criado pela Coligação Européia por
Políticas de Drogas Justas e Eficazes (ENCOD), colocado em prática, atualmente, por Organizações
Não-governamentais (ONG’s), na Espanha, Bélgica e Suíça, e foi apresentado oficialmente como
proposta de redução de danos, durante a 4ª Conferência Latina de Redução de Riscos relacionados ao
Consumo de Drogas (CLAT), em 2007. A proposta se baseia na formação de associações de
consumidores que teriam como princípios: 1) não ter fins comerciais nem buscar obtenção de lucro; 2)
só aceitar como associados pessoas maiores de 18 anos; 3) não fazer qualquer tipo de publicidade; 4)
notificar constantemente a quantidade de plantas cultivadas, e de flores colhidas e distribuídas; 5) não
realizar qualquer tipo de comércio ou de distribuição gratuita a pessoas não associadas; e 6) manter
um constante diálogo com os órgãos de Saúde Pública. Para saber mais sobre a proposta, visite o
endereço: www.encod.org/info/test.
104
Free Press of Glencoe, 1966.
__________. Consciência, Poder e Efeito da Droga. In, Uma Teoria da
Ação Coletiva. Zahar: Rio de Janeiro, 1977.
BENTO, Cláudio Moreira. Real Feitoria de Linho Cânhamo em Canguçu
Velho. Ediçao eletrônica: http://www.resenet.com.br/ahimtb/realfeitoria.htm
_________Real Feitoria do Linho Cânhamo de Rincão do Canguçu
1783-1789. Canguçu; Prefeitura Municipal, 1992.
BOOTH, Martin. Cannabis: a history. USA: St. Martin´s Press, 2003.
CARDOSO, A J. C. A Ideologia do combate à maconha: um estudo dos
contextos de produção e desenvolvimento da ideologia do combate ao consumo de
maconha no Brasil. Salvador. 1994. 152p. Dissertação de Mestrado – Universidade
Federal da Bahia.
CAVALVANTI, B. C. Dançadas e Bandeiras: um estudo do maconhismo
popular no nordeste do Brasil. Recife, 1998. 319p. Dissertação de Mestrado
Universidade Federal de Pernambuco.
CARLINI, E. A. (e outros). I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de
Drogas Psicotrópicas no Brasil. Centro Brasileiro sobre Drogas Psicotrópicas, 2001.
Disponível em: http://www.cebrid.epm.br/levantamento_brasil/index.htm
____________________. II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de
Drogas Psicotrópicas no Brasil. Centro Brasileiro sobre Drogas Psicotrópicas, 2005.
CARVER, George W. (Org.). How to Grow the Finest Marijuana Indoors
Under Lights. Paperback, 1966.
CLARKE, Robert Connell. The Botany and Ecology of Cannabis.
Califórnia: Pods Press, 1977.
____________________. Marijuana Botany: The Propagation and
Breeding of Distinctive Cannabis. Berkeley - Cafiórnia: And/or Press, 1981.
CORRIGALL, W. et al. The Health Effects of Cannabis. Canada: Center for
Addiction and Mental Health, 1999.
DANIELS, P. How to Grow Marijuana Hydroponically. EUA: Sun Magic
Publishing, 1976.
DESIMONE, Jeff. The Relationship Between Marijuana Prices at
Different Market Levels. Departament of Economics, East Carolina University, 1998.
DÓRIA, Rodrigues. Os Fumadores de Maconha: Efeitos e Males do Vício.
In: HENMAN, Anthony & PESSOA JR., Osvaldo. (Orgs.). Diamba sarabamba:
coletânea de textos brasileiros sobre a maconha. São Paulo: Ground, 1986.
105
DRAKE, B. The cultivators handbook of marijuana. Agrarian Reform
Company, 1970.
________. The international cultivators handbook. Berkeley: Wingbow
Press, 1974.
________. Mariajuana: the cultivators handbook. Berkeley: Wingbow
Press, 1979.
________. The connoisseur´s handbook of marijuana. San Francisco:
Straight Arrow Books, 1971.
DRUG ENFORCEMENT AGENCY – DEA. Endereço eletrônico da
Agência: www.dea.gov, visitado em fevereiro de 2007.
FABER, C.E. A Guide to Grow Cannabis Under Fluorescents. (1974). In:
Cannabis Underground Library. Ronin Publishing, 1980.
FITCH, Charles Marden. The complete book of houseplants under lights.
1975.
FLEMING, D. A complete guide to growing marihuana. San Diego – CA:
Sundance Press, 1974.
FRANK, M & ROSENTHAL, E. The indoor outdoor highest quality
marijuana grower´s guide. San Francisco: Level Press, 1974.
_____________________.Marijuana
edition. Berkeley - CA: And/Or Press, 1978.
grower´s
guide
–
deluxe
GAINAGE, M & ZERKIN, E. L. A comprehensive guide to the Englishlanguage literature on Cannabis. Madison: Stash Press, 1969.
GAMELLA, J. F.; RODRIGO, M. L. J. La Cultura Cannábica en España:
La Construcción de una Tradición Ultramoderna. 2004. Disponível no endereço:
http://www.fundacionmhm.org/pdf/Mono5/Articulos/articulo2.pdf
GIERINGER, D. et al. Vaporizer Combines Efficent Delivery THC with
Effective Supression of Pyrolitic Compounds. Journal of Cannabis Therapeutics, vol
4.
2004.
Disponível
no
endereço:
http://www.canorml.org/healthfacts/jcantgieringervapor.pdf
GETTMAN, J. B. Marijuana Production in the United States (2006). In;
Bulletin
of
Cannabis
Reform
,
2006.
Disponível
no
endereço:
http://www.drugscience.org/Archive/bcr2/MJCropReport_2006.pdf
GOLUB, A. et al. Smoking marijuana in public: the spatial and policy
shift in New Yokr City arrests, 1992-2003. Harm Reduction Journal, n.3, 2006.
GOTTLIEB, Adam. Ancient and Modern Methods of Growing Marijuana.
(1975). In: Cannabis Underground Library, Ronin Publishing, 1980.
106
GREEN, G. The Cannabis Grow Bible. California: Green Candy Press,
2003.
GUANABARA, L. et al. Uma Guerra sem Sentido: Drogas e Violência no
Brasil. In: Drogas e Conflito. Amsterdam: Transnational Institute/ Ministério de
Assuntos Externos da Holanda, novembro de 2004.
GUIMARÃES, Mários José Lopes Jr. A Cibercultura e o Surgimento de
Novas
Formas
de
Sociabilidade.
1997.
Coletado
em
http://www.cfh.ufsc.br/~guima/ciber.html no dia 20/03/04.
HALL, W.. Reducing the harms caused by cannabis use: the policy debate
in Australia. In: Drug and Alcohol Dependence. N. 62, 2000. pp. 163-174.
HENMAN, Anthony & PESSOA JR., Osvaldo. (Org.). Diamba sarabamba:
coletânea de textos brasileiros sobre a maconha. São Paulo: Ground, 1986.
HENMAN, A. A guerra às drogas é uma guerra etnocida: um estudo do
uso da maconha entre os índios Tenetehara do Maranhão. In: HENMAN, Anthony &
PESSOA JR., Osvaldo. (Org.). Diamba sarabamba: coletânea de textos brasileiros
sobre a maconha. São Paulo: Ground, 1986. p. 91-116
H OU GH , M. E t. a l. A g row i n g m a rke t : Th e dome s ti c
cu lt iv a ti on of ca n n a bi s . D rug an d a lco h o l res earc h p ro gr am m e s eri e s .
U K: J o s ep h Ro wn t ree F o un d a tio n , 20 0 3.
IGLÉSIAS, F. Assis. Sobre o vício da diamba. In: HENMAN, Anthony &
PESSOA JR., Osvaldo. (Org.). Diamba sarabamba: coletânea de textos brasileiros
sobre a maconha. São Paulo: Ground, 1986.
IRVING, D. A guide to growing marijuana in the British Isles. London:
Hassle Free Press, 1978.
IULIANELLI, J. A. S. et al. Relatório Final da pesquisa: Jovens
construindo políticas públicas para a superação de situações de risco, no plantio de
maconha, na região do submédio São Francisco. Secretária Nacional de Segurança
Pública. Concurso Nacional de Pesquisas Aplicadas em Justiça Criminal e Segurança
Pública. Abril,2006.
_______________. O gosto bom do bode: juventude, sindicalismo,
reassentamento e narcotráfico no Submédio. In: RIBEIRO, M. & IULIANELLI, J.
Narcotráfico e Violência no Campo. Rio de Janeiro: KOINONIA e DP&A Editora,
2000.
JELSMA, M. La Guerra Química y Biológica a las Drogas. El Circulo
Vicioso. Transnational Institute, Amsterdam, março de 2001. p. 14-20.
KARAM. M. L. Redução de danos, ética e lei: os danos das políticas
proibicionistas e as alternativas compromissadas com a dignidade do indivíduo. In;
SAMPAIO, C & CAMPOS, M. Drogas, Dignidade & Inclusão Social 0 A lei e a prática
da redução de danos. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Redutores de Danos,
107
2003. pp.45-97.
KRAMER, J. Plants Under Lights. Hardcover, 1974.
KRANZ, J. L. e KRANZ, F. H. Gardening Indoors Under Lights.
Hardcover, 1971.
LENTON, S. Et al. An evaluation of the impact of changes to Cannabis
law in Western Australia – Summary of Year 1 findings. Monograph Series Nº12.
National Drug Law Enforcement Research Fund and the National Drug Strategy,
2005.
_______________. The Regulamentation of Cannabis Possession, Use
and Supply - A discussion document prepared for The Drugs and Crime Prevention
Committee of The Parliamente of Victoria. National Drug Research Institute - NIDA,
2000.
__________________. Laws applyig to minor cannabis offences in
Australia and their evaluation.International Journal of Drug Policy, 10(4), 1999. pp.
299-303.
The Social Impact of a Minor Cannabis Offence
Under Strict Prohibition - The Case of Western Australia. National Centre for
Research into the Prevention of Drug Abuse, 1999. p. 1-229.
_______________.___
LÉVY, Pierre. O Que é o Virtual? São Paulo: Editora 34, 1999.
LIMA, E. Existe um paradigma epidemiológico para o estudo do
fenômeno da drogadição?. In: BAPTISTA, Marcos & INEm, Clara (Orgs.)
TOXICOMANIAS – abordagem multidisciplinar Rio de Janeiro: Editora Sette
Letras, 1997.
LIMA, M. et al. Conglomerados de violência em Pernambuco, Brasil. In:
Revista Panamericana de Salud Publica, n. 18, 2005. pp. 122-128.
LINS, E. A Nova Lei sobre drogas (n. 11.343) e os usuários. In; Seminário
Drogas: Interpretações Jurídicas, Clínicas e Antropológicas. Programa de Pósgraduação em Direito/UFBa; GIESP: Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre
Substâncias Psicoativas/UFBa, 2006. (Participação em Mesa Redonda)
_________. A Nova Lei sobre drogas (n. 11.343) e os usuários. Fórum
Interinstitucional sobre Adolescência & Drogas. In: Centro de Estudo e Atenção ao
Abuso de Drogas – CETAD/UFBa, 20 de abril de 2007. (Palestra)
_________. A Nova Lei sobre drogas (n. 11.343) e os usuários. Políticas
públicas e legislações sobre Drogas no Brasil. I Seminário ‘Maconha na Roda’:
Políticas públicas em diálogo com a sociedade civil. Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas/UFBa, 2007. (Participação em Mesa Redonda)
MA CD ONA LD , D . E t al . Le g is la t iv e O pti on s fo r Ca n na bi s
108
Us e i n A us t ra li a . Com m o n wea lth of Aus tr ali a, Mo no gr ap h n º26 , 19 9 4 .
p .1 - 9 6 .
MACIEL, Luiz Carlos (Org.). Maconha em Debate. São Paulo: Brasilense,
1985.
MACKENZIE, S. Organised Crime and Common Transit Networks.
Australian Institute of Criminology, 2002.
MACRAE, Edward & DOMINGUES, Sergio. Maconha e Xamanismo numa
tribo Timbira. São Paulo: Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São
Paulo – IMESC, 1989 (relatório de pesquisa).
MACRAE, Edward & SIMÕES, Júlio Assis. Rodas de Fumo – O Uso da
Maconha Entre Camadas Médias Urbanas. Coleção Drogas: Clínica e Cultura.
Salvador: EDUFBA, 2000.
MACRAE, Edward. Controles Sociais e Aspectos Sócio-culturais do Uso de
Drogas. In: SELBEL, S. D. & TOSCANO, J. A. (orgs.). Dependência de Drogas. São
Paulo: Atheneu, 2000.
MAUER, M. & KING, R. The War on marijuana: The transformation of
the war on drugs in the 1990’s. Harm Reduction Journal, n.3, 2006.
MORAIS, Paulo C. C. Criminalização, Mercado e Controle de Drogas.
Universidade Federal de Minas Gerais, 2005.
MCDONALD, Vin and BOURKE, Kathleen. The Complete Book of
Gardening under Lights. Paperback, 1964.
MUNDIM, P. Das rodas de fumo à esfera pública: o discurso da
legalização da maconha nas músicas do Planet Hemp. São Paulo: ANNABLUME
Editora, 2006.
MURPHY, Wendy B. Garden Under Light. Hardcover, 1977.
MURPHY, Stevens. How to grow marijuana indoors under light. 1974.
OAKUM, O. Growing marijuana in New England (and other cold
climates). Ashville – ME: Cobblesmith, 1977.
OURS, J. & WILLIAMS, J. Cannabis process and dynamic of Cannabis
use. Departaments of Economics, Tilburg University, 2005.
POLLAN, Michael. Marijuana in the 90´s – High Tech, High Crime, High
Stakes. The New York Magazine, fevereiro de 1995. p.30-35 e 44-50.
____________. The Botany of Desire – a plant´s-eye view of the world.
New York: Random House Trade Paperbacks, 2002.
RIBEIRO, A. No Submédio São Francisco: Uma Reflexão sobre o Cultivo
de Maconha no Brasil. Universidade Federal Fluminense, 2006.
109
RICHARDSON, J. & WOODS, A. Sinsemilla marijuana flowers. Berkeley:
And/Or Press, 1976.
RODRIGUES, Thiago M. S. Narcotráfico e repressão estatal no Brasil um panorama de drogas brasileiro. In; LABROUSSE, Alain (Org.) Dictionnarie
Géopolitique dês drogues, verbete “Brésil”. Bruxelas: DeBoeck, 2003. Disponível em:
http://www.neip.info/downloads/artigo2.pdf , consultado no dia 28 de dezembro de
2006.
_________________.Política e Drogas nas Américas. São Paulo:
FAPESP/Editora da PUC, 2004.
ROMANI, O. Ciencias Sociales e intervención en el campo de las drogas.
Las Drogas – Suemos e razones. Espanha: Editora Ariel, 1999.
ROSENTHAL, E. The Big Book of Buds. Canada: Quick American
Archives, 2001.
SAFFER, H; CHALOUPKA, F. Demographic Differentials in the Demand
for Alcohol and Illicit Drugs. National Bureau of Economics Research, NBER –
Workinkg Paper Series, Working Paper 6432, 1998.
STEPAN, N. Venenos Raciais e a Política da Hereditariedade na América
Latina na Década de 1920. In: A Hora da Eugenia. Rio de Janeiro: Editora
FIOCRUZ, 2005.
SHEPARD, E.; BLACKLEY, P. Marijuana Law Enforcement in the United
States: Statistical estimates of na economic crime model. Canadian Economics
Association Meetings, 2005.
STEVENS, M. How to grow marijuana indoors under lights. Seatle – WA:
Sun Magic Publishing, 1973.
___________. How to grow the finest marijuana indoors. Seatle – WA:
Sun Magic Publishing, 1979.
SUPERWEED, M. J. The complete Cannabis cultivator. San Francisco:
Stone Kingdom Syndicate, 1969.
________________. Super Grass Grower´s Guide. (1970). In:
Cannabis Underground Library, Ronin Publishing, 1980.
SWIFT, W. et al. Cannabis and harm reduction. Drug and Alcohol Review.
N. 19, 2000. pp. 101-112.
TOONEN, Marcel Ph. D. & RIBOT, Simon, B.Sc. e THISSEN, Jac, M.Sc.
Yield of Illicit Indoor Cannabis Cultivation in The Netherlands. Journal of Forensic
Sciences Amsterdam, Volume 51, n.5, setembro de 2006. p. 10-50.
UNODC-United Nations Office on Drugs and Crimes. World Drug Report
2006. Disponível em:http://www.unodc.org/unodc/world_drug_report.html
110
WEATHERBURN, Don & JONES, Craig. Does prohibition deter cannabis
use?. In: Crime and Justice Bulletin: Contemporary Issues in Crime and Justice, n.
58, ago. 2001.
ANEXO I
Questionário das entrevistas com usuários do Growroom
“Prezado Usuário,
Você está sendo convidado a fazer parte de um levantamento a respeito das
pessoas que consomem Cannabis sativa, e que também a cultivam. Se aceitar,
deverá responder ao questionário abaixo, elaborado para coletar alguns dados a
respeito das pessoas que plantam Cannabis sativa para consumo próprio.
As informações que você me fornecer serão usadas de uma forma que não
prejudique ou identifique as pessoas que colaborarem com a pesquisa. O sigilo e
111
o anonimato das pessoas que participam deste tipo de pesquisa é assegurado
pelas diretrizes impostas pelo Código de Ética da Associação Brasileira de
Antropologia. Ou seja, ao assumir realizar uma pesquisa de cunho antropológico,
para resultar na produção de uma monografia de graduação em antropologia,
estou me comprometendo em seguir todas as normas e regulamentações
próprias do fazer antropológico, o que inclui a preservação das fontes,
especialmente em casos em que algumas informações possam prejudicar a
comunidade estudada, como é o caso desse trabalho. Não se preocupe quanto
ao sigilo com relação às informações que for me enviar, asseguro que são
de uso exclusivo para análise científica e os dados publicados não
identificarão nenhum dos entrevistados, nem direta nem indiretamente.
O Código de Ética da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), pode ser
consultado no site da instituição www.abant.org.br
O questionário pode ser respondido livremente, ou seja, não se limite a dizer sim
ou não, aproveite o espaço para explicitar tudo que deseja com relação ao tema.
Todo o conteúdo sobre você e seu histórico de vida relacionado com o tema que
tiver interesse de revelar é importante para meu trabalho. (NÃO TENHA
PRESSA PARA RESPONDER, FAÇA NO SEU TEMPO).
Acredito que talvez seja interessante me enviar ele respondido em um arquivo de
Word anexado, para o endereço de emaiL: [email protected] a não ser
que prefira por aqui. Aguardo notícias. Qualquer dúvida pode entrar em
contato no mesmo endereço, ou via Mensagem Privada no fórum.
•
IDADE?
•
COR / ETNIA / RAÇA?
•
SEXUALIDADE?
•
QUAL SUA OCUPAÇÃO NO MOMENTO, INDEPENDETEMENTE DE SE
LHE TRAZ RENDA OU NÃO?
•
RENDA MENSAL? COMO ELA É ADIQUIRIDA?
•
É CASADO, SOLTEIRO, ETC...?
•
COMO É SUA RESIDÊNCIA E COM QUEM A DIVIDE?
•
O QUE VOCÊ COSTUMA FAZER PRA SE DIVERTIR?
•
COM QUANTOS ANOS VOCÊ FICOU BÊBADO PELA PRIMEIRA VEZ?
•
COMO FOI SUA RELAÇÃO COM AS BEBIDAS ALCÓOLICAS NO INÍCIO?
112
•
COMO É ATUALMENTE SUA RELAÇÃO COM AS BEBIDAS ALCÓOLICAS?
•
QUANTOS ANOS TINHA QUANDO FUMOU O 1º BASEADO?
•
COMO FOI SUA RELAÇÃO COM A MACONHA NO INÍCIO?
•
COMO É ATUALMENTE SUA RELAÇÃO COM A MACONHA?
•
VOCÊ JÁ EXPERIMENTOU OUTRAS DROGAS? QUAIS?
•
ATUALMENTE, COMO É SUA RELAÇÃO COM OUTRAS DROGAS?
•
COM QUANTOS ANOS VOCÊ PLANTOU MACONHA PELA PRIMEIRA VEZ?
•
VOCÊ JÁ CONHECIA O GROWROOM?
•
COMO ERA SUA RELAÇÃO COM O GROWROOM NO INÍCIO?
•
COMO É SUA RELAÇÃO COM O GROWROOM ATUALMENTE?
•
O QUE REPRESENTA O GROWROOM PARA VOCÊ?
•
COMO FOI SUA RELAÇÃO COM O PLANTIO DE MACONHA NO ÍNICIO?
•
E ATUALMENTE COMO É?
•
PORQUE VOCÊ PLANTA MACONHA?
•
VOCÊ PLANTA USANDO O SOL OU USANDO LÂMPADAS?
•
SE VOCÊ PLANTA USANDO LÂMPADAS, PORQUE PREFERE O CULTIVO
INDOOR?
•
SE VOCÊ PLANTA COM LÂMPADAS, COMO É O SEU “GROWROOM”?
•
SE VOCÊ PLANTA COM O SOL, QUAIS SÃO AS CONDIÇÕES DO LUGAR
(QUANTIDADE DE LUZ, SE É GUERRILHA OU DOMÉSTICO, ETC)?
•
QUE TIPO DE SEMENTES VOCÊ CULTIVA?
•
QUAIS TÉCNICAS DE CULTIVO VOCÊ COSTUMA UTILIZAR?
•
VOCÊ UTILIZA FERTILIZANTES? DE QUE TIPO?
•
QUAL É ATUALMENTE SUA MAIOR FONTE DE INFORMAÇÕES SOBRE O
TEMA?
113
•
VOCÊ ESTARIA DISPOSTO A ADEQUAR SUAS PRÁTICAS DE CULTIVO E
CONSUMO A UMA LEGISLAÇÃO QUE PREVESSE O CULTIVO DE UMA
QUANTIDADE LIMITADA PARA CONSUMO PRÓPRIO?
•
QUAL VOCÊ ACHA QUE SERIAM OS LIMITES DE UM CULTIVO PARA
CONSUMO PRÓPRIO?
•
COMO VOCÊ ACHA QUE DEVERIA SER A LEIS QUE REGULAMENTAM A
POSSE E O CULTIVO DE MACONHA?
•
VOCÊ SABE QUE A LEI BRASILEIRA SOBRE DROGAS MUDOU?
•
VOCÊ JÁ LEU A LEI 11.343?
•
O QUE VOCÊ ACHOU/ENTENDEU DESSA NOVA LEI?
•
VOCÊ ATUALMENTE
CONSUMO?
•
SE NÃO, COMO CONSEGUE O RESTANTE?
•
VOCÊ COSTUMA DOAR ALGUMA QUANTIDADE DA COLHEITA A AMIGOS
E CONHECIDOS?
•
VOCÊ JÁ VENDEU ALGUMA VEZ ALGUMA QUANTIDADE DA COLHEITA?
PORQUE? FOI PARA UM AMIGO, CONHECIDO PRÓXIMO, CONHECIDO
DISTANTE OU PARA UM ESTRANHO?
•
O
QUE
VOCÊ
COLHE
GOSTARIA
O
DE
SUFICIENTE
DIZER
PARA
PARA AS
TODO
SEU
AUTORIDADES
BRASILEIRAS SOBRE O CULTIVO PARA CONSUMO PRÓPRIO?”
ANEXO II
Questionário do Censo Cannábico
1. E-mail (opcional)
2. Cidade onde mora
3. Estado
114
4. Faixa etária
10 a 15
16 a 20
21 a 25
25 a 30
31 a 40
mais de 40
5. Sexo
Masculino
Feminino
6. Cor e/ou identificação étnica
Negro
Branco
Mestiço
Afro-descendente
Oriental
Albino
Indígena
Outro
7. Religião
Afro-brasileira
Budismo
Islamismo
Cristianismo
Rastafarianismo
Agnóstico
Ateu
Hinduísmo
Semitismo
Nenhuma
Outra
8. Opção Sexual
Heterossexual
Homossexual
Bissexual
9. Ocupação
10. Renda pessoal (em R$)
até 500
500 a 800
800 a 1.500
1.500 a 2.500
2.500 a 4.000
4.000 a 7.000
7.000 a 12.000
115
mais de 12.000
11. Renda familiar
até 500
500 a 800
800 a 1.500
1.500 a 2.500
2.500 a 4.000
4.000 a 7.000
7.000 a 12.000
mais de 12.000
12. Você contribui na renda da família?
Sim
Não
13. Quanto você gasta por mês em maconha? (em R$)
Nada ou quase nada
até 10
entre 11 e 20
entre 21 e 30
entre 31 e 50
entre 50 e 100
mais de 100
14. Número de pessoas na família, residentes no mesmo lar
1a3
4a6
7 a 10
10 a 15
mais de 15
15. Escolaridade
1 grau
Ginásio incompleto
Ginásio com incompleto
2 grau incompleto
2 grau completo
Superior incompleto
Superior completo
Pós-graduação
16. Grau de escolaridade do chefe da família
1 grau
Ginásio incompleto
Ginásio com incompleto
2 grau incompleto
2 grau completo
Superior incompleto
Superior completo
116
Pós-graduação
17. Qual a sua posição quanto às leis relacionadas a drogas psicoativas?
A favor da legalização total de todas as drogas
Só as mais leves (Cannabis, p. ex.)
Descriminalização e permissão de plantio/produção
Punir apenas o tráfico, usuário não é criminoso
Liberar o consumo em locais específicos
18. Você acredita que usar drogas ilegais contribui com o tráfico (mercado negro),
aumenta a violência e faz mal à sociedade como um todo?
Sim
Não
19. Você costuma se sentir culpado acreditando que pode estar financiando a
violência?
Sim
Não
20. Você considera hipócrita o fato de cigarro e cerveja serem drogas liberadas para
consumo, enquanto a maconha é proibida?
Sim
Não
21. Você associa o consumo à alguma religião e/ou prática religiosa?
Sim
Não
22. A qual religião e/ou prática religiosa você associa seu consumo? (selecione até
três opções)
Cristianismo
Budismo
Espiritismo
Hinduísmo
Islamismo
Práticas Místicas
Religiões Afro-brasileiras
Seitas daimistas
Outras
23. Você utiliza Cannabis medicinalmente?
Sim
Não
24. Em caso afirmativo, qual tipo de uso? (selecione até três opções)
Analgésico
Estimulador de apetite
Tópico
Psicológico
117
25. Você participa de algum movimento pró-legalização?
Sim
Não
26. Que tipo de movimento? (selecione até três opções)
Lista de discussões
Fóruns de discussões
Entidades partidárias
Organizações não-governamentais
27. Já sofreu algum tipo de descriminação?
Sim
Não
28. O que você mais gosta de fazer quando está sob efeito da droga? (selecione três
opções)
matar a larica (comer)
transar (fazer sexo)
zoar com a galera
andar de carro
escutar um som
tocar um instrumento musical
cinema
trabalhar
beber
praticar esportes coletivos
praticar esportes individuais
shows e espetáculos
ler
relaxar e não fazer nada
29. Quais estilos de música você prefere? (selecione três opções)
Rock
Pop-rock
Rock progressivo
Reggae
Soul/R&B
Jazz/Blues
Clássico
Latina
Hip-Hop/Rap
Axé
Pagode Pop
Samba/Pagode “raiz”
Heavy-metal e afins
Música internacional (indiana, celta, russa, etc.)
Techno
Trance
House
Drum and bass
118
MPB/Bossa Nova
Pop
30. Você estuda o assunto (Cannabis e a relação do homem com ela)?
Sim
Não
31. O que você estuda sobre o assunto? (selecione até três opções)
Uso medicinal
Legislação
Cultivo
Dependência, tratamento e/ou Redução de danos
Psicologia do uso
História
Aspectos sócio-antropológicos
Tráfico e violência
Todos
32. Quanto você fuma em média?
Algumas vezes por ano
uma ou outra vez por mês
alguns fins de semana
todo fim de semana
mais de três vezes por semana
todo dia
2 a 3 baseados por dia
mais de 3 baseados por dia
33. Quantas gramas consome por mês?
Entre 1 e 10
Entre 11 e 30
Entre 30 e 50
51 e 100
100 e 150
150 e 200
mais de 200
quase nada (menos de 1 g)
34. Em geral você fuma mais...
sozinho
acompanhado
meio a meio
35. Quanto você gasta por mês com equipamentos (sedas, cachimbos, pipes,
bongs, etc.)?
Menos de R$ 3,00
De R$ 3,00 a R$ 7,00
De R$ 7,00 a R4 15,00
De R$ 15,00 a R$ 30,00
De R$ 30,00 a R$ 50,00
119
Acima de R$ 50,00
36. Como você mais costuma consumir?
Alimentos (Cannabis culinária)
Baseado (cigarro)
Bong
Cachimbo ou marica
Chillum
Narguillé
Tinturas, chás, bebidas à base de Cannabis
Vaporizador
Outro
37. Se você costuma optar por consumir em baseados, que tipo de papel prefere
para fazê-los?
Papel de Arroz
Papel de Cânhamo Industrial
Papel de seda
Papel de guardanapo de lanchonete
38. Já comeu maconha?
Sim
Não
39. Com que frequência você come?
Raramente
Ocasionalmente
Frequentemente
40. Em quais locais prefere fumar? (selecione duas opções)
Em casa
Na praia
Em bares e boates
No campo
Shows e espetáculos
No carro
Na Faculdade/Escola
No trabalho
41. Você consome por motivo de tratamento médico?
Sim
Não
42. Quantas pessoas conhece que são usuários ativos?
Entre 1 e 5
Entre 6 e 10
Entre 11 e 20
Entre 21 e 30
Mais de 30
120
43. Começou a fumar com quantos anos?
Entre 10 e 15
Entre 16 e 19
Entre 20 e 25
Mais de 25
44. Seus pais fumam ou fumaram maconha?
Sim
Não
45. Já fumou com seus pais?
Sim
Não
46. Seus pais sabem que você consome?
Sim
Não
47. Que tipo de maconha consome com mais frequência?
Solto
Prensado
Haxixe
“Skunk”
48. Você usa outras drogas regularmente?
Sim
Não
49. Quais outras drogas costuma usar regularmente? (selecione até três opções)
Álcool
Alucinógenos (cogumelo, LSD, etc.)
Anfetaminas
Calmantes e Xaropes
Cocaína
Crack
Narcóticos (morfina, heroína, ópio)
Tabaco
Tranquilizantes e Soníferos
Outras plantas psicoativas
50. Você costuma associar o uso de Cannabis à outras drogas (álcool, anfetaminas,
etc.)?
Sim
Não
51. Alguém te aplicou (te induziu ou convenceu a fumar) ou você decidiu sozinho?
Sozinho
Fui aplicado (a)
52. É fácil conseguir maconha?
121
Sim
Não
53. Como você consegue sua maconha? (selecione até quatro opções)
Plantando
Doações de amigos e conhecidos
Compro de alguém que conhece
Compro direto do traficante
54. Você planta?
Sim
Não
55. Planta o que?
Genética comum (semente de fumo comum)
Genética qualificada (sementes de seed bank)
Ambos
Nada
56. Planta em que ambiente?
Indoor (interior)
Outdoor (exterior)
57. Qual meio de cultura usa na plantação?
Terra
Hidroponia
Côco
Outros
58. Quanto tem investido em seu cultivo?
Até R$ 50,00
Até R$ 200,00
Até R$ 500,00
mais de R$ 500,00
mais de R$ 1.000,00
59. Há quanto tempo cultiva?
A pouco tempo
mais de 1 ano
de 2 a 5 anos
mais de 5 anos
60. Onde aprende sobre cultivo?
Livros
Web
Amigos
Revistas
61. Planta apenas para o consumo próprio?
Sim
122
Não
62. Com quem fumou o primeiro baseado?
Amigo(a)
Namorado(a)
Irmã(o)/Primo(a)
Pai/Mãe/Tio(a)
Cônjuge
Colega de trabalho
63. Aonde foi?
Na Escola/Faculdade
Na praia
No campo
Na nigth
Show ou estáculo
Festa
No trabalho
Na casa de amigos ou parentes
64. Que tipos de efeitos ou reações prefere? (selecione duas opções)
Viajar/filosofar
Morgar/relaxar
Estímulo/empolgação
Alucinações visuais e auditivas
65. Você acredita que fumar aumenta sua libido (tesão)?
Sim
Não
Ás vezes
Raramente
66. Você acredita que a maconha te levou a usar outras drogas?
Sim
Não
67. Já teve algum problema de saúde causado pelo uso da maconha?
Sim
Não
68. Se respondeu “Sim” na pergunta acima, quais? (selecione até três opções)
Respiração ofegante
Tosse
Dor de garganta
Ardência nos olhos
Confusão mental
Perda de memória
Dificuldade de concentração
69. Já se sentiu prejudicado em sua vida profissional/ acadêmica devido ao
123
consumo da erva?
Sim
Não
70. Você percebe que passa dos limites...
Na maioria das vezes
Ás vezes
Poucas vezes
Quase nunca
Nunca
71. Você já se sentiu dependente?
Sim
Não
72. Você consegue se controlar com facilidade?
Sim
Não
73. Você já pensou em parar de consumir Cannabis?
Sim
Não
74. Você já tentou parar de fumar?
Sim
Não
75. Quantas vezes já tentou parar de usar maconha?
Uma vez
De 2 a 5 vezes
Mais de 5 vezes
76. Você já “rodou” (foi pego em flagrante pela polícia)?
Sim
Não
77. Mais de uma vez?
Sim
Não
78. Na ocasião, ocorreu suborno aos oficiais?
Sim
Não
79. Já assinou o 12 ou o 16?
Só o 12
Só o 16
Os dois
Nenhum
O que é isso?
124
125

Documentos relacionados

Haze #1 - Revista HAZE

Haze #1 - Revista HAZE continua com suas intenções de manter um sistema de escravidão moral que tanto mal faz a educação e saúde das pessoas. É graças a este trabalho e ao do resto das estruturas de poder, que podemos en...

Leia mais