Fundação Dom Cabral

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Fundação Dom Cabral
CADERNO DE IDÉIAS – CI0219
Antônio Batista da Silva Júnior
VANTAGENS E DESVANTAGENS EM RELACIONAMENTOS
COOPERATIVOS: O CASO USIMINAS-FIAT
CI0219
Setembro 2002
Fundação Dom Cabral
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CADERNO DE IDÉIAS – CI0219
VANTAGENS E DESVANTAGENS EM RELACIONAMENTOS COOPERATIVOS:
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O CASO USIMINAS-FIAT
Antônio Batista da Silva Júnior
RESUMO
Alianças, redes e todas as formas de relacionamentos cooperativos têm sido abordados de
uma maneira ampla e generalizada na literatura em estratégia. Dentre estas abordagens,
destacam-se a teoria da dependência de recursos, a teoria da escolha estratégica, a teoria da
organização industrial, a teoria do capital social, a teoria do stakeholder, a teoria dos custos de
transação, a teoria dos jogos, a teoria institucional, a teoria dos recursos (resource-based view)
e a teoria da aprendizagem organizacional. Estas diversas abordagens apontam vantagens e
desvantagens que o processo de formação e implementação de relacionamentos cooperativos
trazem para as empresas que deles participam. O objetivo deste trabalho é mostrar, a partir da
análise de uma experiência concreta de uma aliança estratégica formada entre a Fiat e a
Usiminas, as vantagens e desvantagens potenciais advindas de um relacionamento
cooperativo entre duas empresas. A análise do caso confirma a presença da maioria das
características relacionadas pela literatura
INTRODUÇÃO
Diversos motivos têm levado as empresas a buscar mecanismos inovadores para responderem
com eficácia aos novos desafios que o ambiente empresarial apresenta.
Alianças estratégicas têm se constituído cada vez mais, numa eficaz ferramenta para
desenvolver aprendizado coletivamente, mudar hábitos e atitudes dos executivos, aperfeiçoar a
gestão e, consequentemente, aumentar a competitividade das empresas no mercado. Seja
para melhorar a qualidade de produtos e serviços ou o atendimento ao cliente, superar
barreiras comerciais, desenvolver novas tecnologias, aprender ou acessar novas competências
e habilidades, repartir custos de desenvolvimento de produtos, alavancar a produtividade ou
ganhar vantagem no mercado competitivo global, a formação de alianças tem ganhado impulso
e se transformado numa forma eficaz de resultados para as empresas que a utilizam.
Entretanto, uma aliança estratégica é um movimento que pode trazer tanto competências como
vulnerabilidades para as empresas que dela participam.
O objetivo deste trabalho é mostrar, a partir da análise de uma experiência concreta de uma
aliança estratégica formada entre a Fiat e a Usiminas, as vantagens e desvantagens potenciais
advindas de um relacionamento cooperativo entre duas empresas. Buscaremos identificar
estas características no caso em questão, apoiando-nos em algumas abordagens teóricas
potencialmente explicativas do processo de formação de alianças estratégicas, que aqui serão
denominadas de maneira mais ampla de relacionamentos cooperativos.
Abordagens teóricas que potencialmente apoiam a compreensão dos relacionamentos
cooperativos.
Alianças, redes e todas as formas de relacionamentos cooperativos têm sido abordados de
uma maneira ampla e generalizada na literatura em estratégia e organização.
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Trabalho apresentado no XXVI ENAMPAD – Encontro da Associação Nacional dos Programas de PósGraduação em Administração, em setembro/2002.
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CADERNO DE IDÉIAS – CI0219
Sem pretender sermos exaustivos, buscamos identificar algumas abordagens teóricas que
trazem compreensão às razões pelas quais as empresas cooperam entre si. Dentre estas
abordagens destacam-se a teoria da dependência de recursos (PFEFFER e SALANCIK, 1978),
a teoria da escolha estratégica ((HARRIGAN, 1988), (JARILLO e RICART, 1987)), a teoria da
organização industrial (PORTER, 1980), a teoria do capital social (PUTNAM, 1993), a teoria do
stakeholder (JONES, 1995), a teoria dos custos de transação ((COASE, 1937), (WILLIAMSON,
1975)), a teoria dos jogos ((AXELROD, 1984), (BRANDENBURGER e NALEBUFF, 1996)), a
teoria institucional (DiMAGGIO e POWELL, 1983) a teoria dos recursos (resource-based view)
((PENROSE, 1997), (WERNERFELT, 1984), (RUMELT, 1984), (BARNEY, 1986), (DIERICKX e
COOL, 1989), (PETERAF, 1993), (PRAHALAD e HAMEL, 1990) e (NELSON, 1991)) e a teoria
da aprendizagem organizacional (DOZ, 1996).
Cada uma dessas abordagens analisadas, embora não tenha sido desenvolvida
especificamente para explicar as origens dos relacionamentos cooperativos e tenha diversas
outras contribuições complementares, possui uma lógica própria que as conectam com estes
relacionamentos e ajudam a entendê-los. O Quadro 1, a seguir, busca sintetizar o foco de cada
uma, bem como apontar a lógica de cada uma das abordagens em relação aos
relacionamentos cooperativos.
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QUADRO 1
Abordagens teóricas e lógicas em relação aos relacionamentos cooperativos
Abordagem
teórica
Foco
Lógica de cada abordagem teórica
em relação aos relacionamentos cooperativos
Teoria dos
custos de
transação
Aborda como uma empresa deve organizar
suas atividades e fronteiras de forma a
minimizar os custos de produção internos e
de transação com o mercado.
Os relacionamentos cooperativos podem reduzir a
incerteza causada pelos problemas de mercado
ou redução de custos associados com a
hierarquia.
Teoria da
dependência de
recursos
Argumenta que todas as organizações
devem engajar-se em trocas com o seu
ambiente para obter recursos.
As organizações formam relacionamentos
cooperativos para exercer poder ou controle sobre
outras organizações que possuem recursos
escassos.
Teoria da
escolha
estratégica
Estuda os fatores que proporcionam
oportunidades para as empresas
aumentarem sua competitividade ou poder
de mercado. Lucros e crescimento são os
principais objetivos que dirigem o
comportamento estratégico
As organizações entram em relacionamentos
cooperativos se os benefícios financeiros ao fazêlo são menores do que os custos. Estratégias de
relacionamento podem aumentar a habilidade da
organização em entregar produtos e serviços
superiores de maneira mais eficiente ou reduzir a
competição.
Teoria do
stakeholder
Organizações estão no centro de uma rede
interdependente de stakeholders e tem
responsabilidade de considerar os
interesses legítimos de seus stakeholders
quando tomam decisões e fazem
transações de negócios.
As organizações formam alianças, também
chamadas de redes ou constelações, para alinhar
seus próprios interesses com os interesses dos
stakeholders e também reduzir as incertezas
ambientais.
Teoria da
aprendizagem
organizacional
Aborda os processos que levam ao
aprendizado organizacional. Um fator chave
é a capacidade de absorção, que é definida
como uma habilidade da empresa em
reconhecer o valor de um conhecimento,
assimilá-lo e aplicá-lo em um ambiente de
negócios.
As organizações buscam absorver a maior
quantidade possível de conhecimento, desta
forma aumentando as competências
organizacionais e agregando valor à si próprias.
Teoria
institucional
Sugere que ambientes institucionais
impõem pressões sobre as organizações
para conferir legitimidade e estar de acordo
com as normas sociais prevalecentes.
As organizações formam relacionamentos
cooperativos para obter legitimidade, ou como
resultado de terem sucumbido às pressões
isomórficas ao imitar outras organizações que
participam de relacionamentos cooperativos.
Teoria da
organização
industrial
Aborda a necessidade da empresa construir
As organizações constróem relacionamentos
e sustentar vantagens competitivas através
cooperativos como forma de adquirir um melhor
do posicionamento frente às forças
posicionamento frente às forças competitivas.
competitivas do seu segmento.
Teoria do capital
social
Sustenta que o comportamento cooperativo
dos indivíduos ajuda a solucionar os
dilemas encontrados em uma sociedade,
diminuir a complexidade e reduzir a
incerteza.
O relacionamento cooperativo constrói os pilares
do capital social, que por sua vez gera um melhor
desempenho das instituições.
Teoria dos jogos
Aborda os comportamentos que indivíduos
e organizações mantém frente num
ambiente de incerteza e complexidade.
A cooperação emerge da evidência de que um
comportamento de um ator atuando apenas em
seu próprio interesse é pior, em termos de
resultados da ação, do que uma relação
cooperativa com a outra parte.
Teoria dos
recursos
Sustenta que as organizações criam e
mantém vantagens competitivas
sustentadas baseadas em recursos
desenvolvidos internamente.
O relacionamento cooperativo permite o
desenvolvimento coletivo de recursos e
competências necessários para a conquista e
manutenção de vantagens competitivas.
Fonte: adaptado de BARRINGER e HARRISON (2000) e desenvolvido pelo autor.
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Os relacionamentos cooperativos, de acordo com as diversas abordagens teóricas, apresentam
vantagens e desvantagens para as organizações que deles participam. Os Quadros 2 e 3, a
seguir, buscam sintetizar estas vantagens e desvantagens, correlacionando-as com as
abordagens teóricas tratadas até aqui.
QUADRO 2
Vantagens dos relacionamentos cooperativos
Vantagens potenciais
Descrição
Abordagem teórica
Ganho de acesso a
recursos particulares
Organizações formam relacionamentos
organizacionais para ganhar acesso a recursos
particulares, tais como capital, conhecimento,
mercado ou processos.
Teorias de recursos, da
dependência de recursos,
do capital social, do
aprendizado.
Economias de escala
Em muitos segmentos, custos fixos altos requerem
que as empresas encontrem parceiros para
expandir o volume de produção.
Compartilhamento de
risco e custo
Relacionamentos cooperativos permitem que duas
ou mais empresas compartilhem os riscos e custos
de um empreendimento particular.
Ganho de acesso a
mercados externos
Estabelecer parcerias com uma empresa local é
freqüentemente a única maneira prática de ganhar
acesso a mercados externos.
Teoria do custo de
transação, da escolha
estratégica, da
organização industrial.
Teoria do custo de
transação, da escolha
estratégica, dos jogos, do
aprendizado.
Teoria do aprendizado,
dependência de recurso,
dos recursos.
Desenvolvimento de
produtos e/ou serviços
Relacionamentos cooperativos proporcionam às
empresas a oportunidade de juntar suas
habilidades para desenvolver novos produtos e/ou
serviços.
Teoria dos recursos,
institucional, dos jogos.
Aprendizado
Relacionamentos cooperativos proporcionam às
empresas a oportunidade de aprender com outros
parceiros
Teoria do aprendizado.
Velocidade ao
mercado
Empresas com habilidades complementares (ex:
tecnologia de produção e acesso ao mercado)
podem aliar-se para capturar as vantagens de
entrar primeiro em um determinado mercado.
Teoria do custo de
transação, da escolha
estratégica, dos jogos, dos
recursos.
Flexibilidade
Relacionamentos cooperativos proporcionam uma
alternativa valiosa para mercados e hierarquias.
Teoria do custo de
transação.
Lobby Coletivo
Organizações formam relacionamentos
cooperativos para aumentar a sua capacidade de
pressão coletiva sobre o governo, no sentido de
que se adote políticas favoráveis aos seus
interesses.
Teoria do stakeholder, do
capital social.
Neutralização ou
bloqueio de
competidores
Através de relacionamentos cooperativos, as
empresas podem ganhar competências e poder de
mercado que é necessário para neutralizar ou
bloquear os movimentos dos competidores.
Teoria de recursos, da
organização industrial, do
aprendizado.
Fonte: adaptado de BARRINGER e HARRISON (2000).
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QUADRO 3
Desvantagens dos relacionamentos cooperativos
Desvantagens
potenciais
Descrição
Abordagem teórica
Perda de informação Informação proprietária pode ser perdida
proprietária
por um parceiro que já seja um competidor
ou eventualmente se torne um.
Teoria do custo de
transação,dos recursos, da
organização industrial.
Gerenciamento das
complexidades
Relacionamentos cooperativos requerem
esforços combinados de duas ou mais
empresas, o que é difícil de gerenciar.
Teoria do aprendizado, do
custo de transação,
institucional, do capital
social.
Riscos financeiros e
organizacionais
A participação em relacionamentos
interorganizacionais sujeita a empresa a
potenciais comportamentos oportunísticos
por parte dos parceiros.
Teoria do custo de
transação, dos jogos, do
stakeholder.
Risco de se tornar
dependente de um
parceiro
Um poder desequilibrado emerge se um
parceiro é dependente de outro. Gera uma
oportunidade de um comportamento
oportunístico por parte do mais forte.
Teoria do custo de
transação, do aprendizado,
dos recurso, da
dependência de recursos.
Perda parcial de
autonomia de
decisão
As culturas das organizações podem
Teoria do capital social,
chocar-se, tornando difícil a implementação institucional, do
e gerenciamento do relacionamento.
aprendizado.
Perda da
flexibilidade
organizacional
As rotinas criadas pelo relacionamento
cooperativo podem dificultar a ação
independente de uma das empresas.
Teoria da dependência de
recursos, do custo de
transação, institucional.
Implicações
antitrustes
Os benefícios de um relacionamento
cooperativo podem ser severamente
afetados por políticas regulatórias
antitrustes.
Teoria da organização
industrial, do stakeholder.
Fonte: adaptado de BARRINGER e HARRISON (2000).
A ALIANÇA USIMINAS-FIAT
A Usiminas, fabricante de aços planos, faz parte de um sistema composto por 14 empresas,
com cerca de 35.000 empregados e com faturamento, no ano 2000, de aproximadamente R$
2,4 bilhões. Seus principais produtos são chapas grossas, laminados a quente e a frio,
inclusive eletrogalvanizadas ou galvanizadas por imersão a quente.
A Fiat Automóveis no Brasil obteve um faturamento líquido, em 2000, de aproximadamente R$
5,4 bilhões, produzindo cerca de 434 mil veículos e empregando cerca de 12.000 empregados.
A parceria entre a Usiminas e a Fiat surgiu em 1994, em um período que demonstrava
prosperidade do setor automobilístico.
A Fiat, limitada em seu espaço físico e com estratégia de otimizar investimentos e focar em seu
negócio principal, adotava uma política de desverticalização de parte de sua produção via
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estabelecimento de parcerias fortes que pudessem atender sua demanda e, conseqüentemente,
viabilizar seu crescimento e o ganho de produtividade exigido pelo mercado.
A Usiminas, voltada para a questão do crescente aumento da capacidade produtiva de aço no
mundo, após a privatização do setor, em 1991, respondia ao novo ambiente competitivo com a
adoção de uma estratégia de fornecer soluções ao cliente com agregação de valor ao produto.
INÍCIO DA ALIANÇA
As duas empresas, num processo de complementaridade sinérgica, conjugaram seus esforços
para geração de ganhos mútuos. O processo iniciou-se quando a área de marketing da
Usiminas apresentou à Fiat uma nova proposta de fornecimento semanal de bobina de aço, em
pequenos ciclos, via sistema just in time, de forma a reduzir o estoque na cadeia produtiva. A
Fiat respondeu com uma proposta mais abrangente que era a formação de uma parceria
estreita, de longo prazo, que envolvia cessão para a Usiminas, em regime de comodato, de
algumas linhas de prensas e de corte (que até então estavam instaladas em outras unidades
de produção) para que esta última produzisse e fornecesse peças estampadas, prontas para
serem montadas no veículo.
Do ponto de vista da Fiat era uma das grandes oportunidades de conseguir elevar, no médio
prazo, sua produção para 420.000 veículos por ano. A ocasião era oportuna pelo fato da
Usiminas ser um fornecedor forte que teria condições de realizar os investimentos necessários
para a formação da parceria.
Do ponto de vista da Usiminas, essa poderia ser a oportunidade de voltar ainda mais sua
atenção para um de seus segmentos alvo – o automotivo – que demonstrava crescimento no
mercado interno e agregar valor ao aço, uma de suas estratégias.
A proposta da Fiat soava tentadora para a Usiminas, que buscou estudar as vantagens e a
viabilidade do negócio inovador que estava em suas mãos.
Com a aliança proposta, os ganhos para a Usiminas eram vislumbrados pela oportunidade de
ampliar seu market share, saindo na frente de seus competidores como também, reduzindo a
ameaça de entrada de novos concorrentes. Adicionalmente, a Usiminas poderia adquirir um
aprendizado específico, em áreas estratégicas, que permitiria a formação de um novo negócio
que ofereceria um produto diferenciado, reestruturando, assim, sua forma de relacionamento
com os clientes.
Na análise do Presidente da Usiminas, “essa nova modalidade de prestação de serviço
garantiria à empresa o aumento do valor agregado ao seu produto”. Além disto, sua imagem
frente ao mercado seria de fornecedora de soluções, o que coadunava com sua estratégia.
Para a Fiat, os ganhos passariam pela garantia do abastecimento sob o regime de just-in-time
com pontualidade e confiabilidade, o que otimizaria o fluxo de produção. O material recebido
estaria pronto para ser montado no veículo. Os benefícios seriam quantificados na otimização
de estoque, na queda do custo com mão-de-obra e, principalmente, na redução e otimização
dos investimentos necessários para liberação de área de importância estratégica para o
aumento de sua capacidade produtiva. Adicionalmente, haveria, ainda, divisão de riscos e a
ampliação de garantia do produto vendido pela Usiminas.
CONCRETIZAÇÃO DA ALIANÇA
De acordo com os estudos técnicos de viabilidade realizados pelas partes para implantação de
uma unidade de estampagem – Usistamp 1 – a parceria era vista como de pouco risco. O
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mercado parecia garantido. O preço necessário para manter a parceria e gerar ganhos
almejados pelas partes estava acertado. A tecnologia necessária era dominada pela Fiat, que
transferiria para a Usiminas, sem ônus. A unidade seria gerenciada com base em um acordo
bilateral a ser orientado pela Fiat e o volume de fornecimento inicial estabelecido girava em
torno de 1.000 toneladas/mês de peças estampadas.
Com a clareza dos dados e dos futuros passos, a Usiminas e a Fiat, num processo ganha –
ganha, concretizaram a aliança com a fundação da primeira unidade de serviço de
estampagem. A Usistamp 1, parceria sem contrato formalizado e pertencente à Usiminas, foi
instalada dentro das dependências da siderúrgica, na cidade de Ipatinga-MG, a 260
quilômetros distante da fábrica da Fiat. O conjunto de prensas da Fiat foi cedido em regime de
comodato por 10 anos. Assim, a montadora passaria a receber, por meio de entregas
programadas, 60 tipos diferentes de peças para painéis internos. A unidade, com 26 prensas,
possuía a capacidade de processamento de 2000 toneladas de aço por mês. O investimento
total para a implantação e funcionamento da Usistamp 1 foi de aproximadamente US$ 42
milhões, sendo que US$ 10 milhões foram investidos pela Usiminas e o restante pela Fiat por
prensas cedidas em comodato.
Quatro anos depois, agora, por um contrato formal de parceria para a compra e venda de
peças de aço cortadas e estampadas, foram inauguradas outras duas unidades: a Usistamp 2
e o Usicort. A Usistamp 2 é responsável por estampagem de peças de automóveis enquanto
que o Usicort, pelo corte de bobinas de aço em peças (blanks e/ou platinas).
Pertencentes à Usiminas, as unidades estão localizadas dentro de um complexo de serviços
chamado Usifast. O local é tido como estratégico para a instalação das unidades pelo fato de
estar situado a apenas 4 quilômetros da fábrica da Fiat.
No período de escolha do local para instalação desses dois novos empreendimentos – Usicort
e Usistamp 2 – foram avaliados outros lugares. No local escolhido, a proximidade da unidade
possibilitava a otimização da logística de transporte para a Fiat, reduzindo o risco de problemas
com a entrega just-in-time e com a qualidade do produto. O investimento necessário, de
responsabilidade da Usiminas, envolvia a reforma de um galpão, implantação de linhas de
corte, ponte rolante, além de equipamentos auxiliares.
Para a construção do Usicort, as duas empresas investiram cerca de US$ 30 milhões. A Fiat
aplicou US$ 6 milhões pela cessão em regime de comodato de uma linha automática de corte
e a Usiminas realizou um investimento de US$ 24 milhões destinados à infra-estrutura, uma
linha de corte por prensagem (blanking line), cinco tesouras automáticas e duas manuais.
O Usicort, conforme estabelecido em contrato, atenderia a demanda da Fiat de 270 mil
toneladas de aço por ano em peças cortadas – blanks regulares (chapas cortadas de formato
retangular), blanks irregulares (trapézios) e platinas (blanks obtidos por prensagem em blanking
line ).
O recebimento de chapas devidamente cortadas e de peças estampadas, em vez das bobinas,
permitia à Fiat reduzir espaços em sua fábrica em Betim-MG.
Para a Usistamp 2, a Fiat investiu o equivalente à cessão de 12 prensas à Usiminas em regime
de comodato por 10 anos. Em contrapartida, a Usiminas investiu cerca de US$ 7 milhões em
infra-estrutura, perfazendo um investimento total de aproximadamente US$ 30 milhões. A
Usistamp 2, unidade de estampagem criada em sinergia com o Usicort, tinha como objetivo
formal atender à Fiat processando 2.200 toneladas de aço por mês.
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O CONTRATO FORMAL DA ALIANÇA
O documento contratual que constituiu a parceria possui a vigência de 10 anos e foi assinado
no final do ano de 1996. Seu objetivo é apresentar as condições essenciais para a operação
das unidades. Para o Usicort, ficou formalizado que a Fiat iria ceder em comodato à Usiminas,
por um prazo de 10 anos consecutivos (contados a partir do “start-up” da última etapa do
empreendimento, prevista para janeiro de 1998), uma linha de corte de blanks retangulares e
ou trapezoidais. Além disso, a Fiat assumia o compromisso de entregar a linha de corte no
local de sua instalação, sem nenhum custo para a Usiminas. Em caso de modificações e/ou
substituições parciais ou totais das ferramentas desenvolvidas caberia à Fiat arcar, por sua
conta e risco, com os custos decorrentes das modificações.
Adicionalmente, a Fiat ficaria responsável pela execução dos serviços de montagem, ajuste e
teste de funcionamento da linha de corte. Possibilitaria a transferência de tecnologia em
confecções de blanks e platinas para a siderúrgica, como também, ministraria treinamentos nas
instalações da Fiat e nas instalações da Usiminas (na fase de try out) para toda a equipe da
Usiminas envolvida no processo. Ao longo do período contratual, a Fiat prestaria suporte
técnico à equipe da Usiminas e manteria a média mensal de cerca de 25.000 toneladas de
serviços de corte de blanks e platinas, mantendo os níveis assumidos para a composição do
preço básico da tonelada referente aos serviços para confecção das peças, conforme
estabelecido na análise de viabilidade econômico-financeira.
Os compromissos assumidos pela Usiminas eram: adquirir 5 tesouras automáticas, 2 tesouras
manuais e 1 linha de corte por prensagem (blanking line), contratar o ferramental de corte das
platinas e assumir os seguros de todos os equipamentos, a partir do seu start-up. A Usiminas
assumiria, também, a manutenção e conservação dos equipamentos, ferramentas e outros
materiais e equipamentos de propriedade da Fiat e que estivessem a serviço da Usiminas.
Utilizaria a linha de corte recebida em comodato exclusivamente para a fabricação de blanks
para a Fiat. Seria responsável pela realização de todas as obras de infra-estrutura necessárias
para a instalação dos equipamentos.
Adicionalmente, executaria serviços de corte de aço de acordo com quantidades e
especificações da Fiat, e no prazo acordado pelas partes, embalando e identificando os
produtos finais, de acordo com as instruções passadas pela montadora. Em caso de rescisão
do contrato formalizado, caberia à Usiminas liberar a retirada dos bens cedidos em comodato.
No Usistamp 2, a diferença das exigências contratuais girava apenas em torno dos tipos de
equipamentos. Do ponto de vista da demanda, a Fiat deveria manter a média mensal de 1.100
toneladas de pedidos de peças estampadas, a partir do start up da linha, mantendo os níveis
que foram assumidos para composição do preço básico da tonelada referente aos serviços
para a confecção das peças estampadas, conforme estabelecido na análise de viabilidade
econômica financeira da Usistamp 2.
As responsabilidades para a Usiminas no contrato do Usistamp 2 eram as mesmas do contrato
do Usicort, tendo como diferença básica os tipos de equipamentos tratados no contrato. No
Usicort são tesouras e no Usistamp são prensas.
Algumas condições comerciais foram tratadas em contrato. A primeira diz respeito à possível
queda da média mensal de pedidos. Caso ocorresse, as condições comerciais deveriam ser
reavaliadas de forma a manter o equilíbrio econômico-financeiro do empreendimento.
A segunda diz respeito ao preço final de venda das peças à Fiat. O preço final era composto,
entre outros itens, pelo preço do aço consumido (valor já definido previamente pelas partes)
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deduzido o valor apurado com a venda da sucata gerada no processo, mais os serviços de
corte e/ou estampagem, fretes e custo financeiro do estoque.
Pelo acordo, ficava estabelecido que o fluxo de caixa gerado remuneraria apenas o
investimento feito, conforme projeções de payback estabelecidos para 10 anos.
Dessa forma, mudanças nos custos dos serviços ou alterações quantitativas ou qualitativas no
mix de produtos apresentadas de maneira transparente teriam como conseqüência alterações
nos preços de venda.
O fato de haver a necessidade de novas obras de infra-estrutura ou a introdução de novas
modalidades de equipamentos geraria uma reavaliação nos preços de forma a reestruturar a
composição dos custos.
O contrato propunha avaliações periódicas do projeto para verificação do equilíbrio econômico–
financeiro do mesmo, e, caso necessário, as partes envolvidas renegociariam novas condições
comerciais.
Acrescenta-se a esses pontos, a possibilidade de cobrança de multa compensatória
(considerando os investimentos realizados) no caso de infração aos termos do acordo, por
qualquer uma das partes, que levasse à rescisão antecipada do contrato.
Além disso, em caso de rescisão, a Fiat teria o direito de preferência em adquirir o
empreendimento ou os equipamentos nele instalados. Caso o pedido de rescisão partisse da
Usiminas, ela teria que continuar o fornecimento de peças e serviços por prazo que permitisse
a Fiat desenvolver alternativas de abastecimento.
Apesar da clareza das responsabilidades de cada parte e do acordo firmado, a realidade entre
as parceiras se apresentava de outra forma. As dificuldades eram constantes e a flexibilização
dos itens do contrato eram freqüentes.
EXPECTATIVAS X REALIDADE
O ano de 1997 havia sido marcado pelo auge de produção e vendas de automóveis
(2.070 mil de veículos produzidos no País, registrando um crescimento de 12,8% em relação a
1996). Naquele ano, o faturamento da indústria automobilística havia sido de US$ 26 bilhões,
10% a mais que o ano anterior (1996). As projeções de crescimento para o ano 2000 eram
otimistas, vislumbrando o volume de produção de 2,5 milhões de automóveis.
Contudo, com a crise econômica asiática de 1997, começaram a surgir os primeiros sinais de
desaquecimento do setor. Em 1998, em decorrência do colapso econômico russo, iniciou-se
uma retração mais severa na produção brasileira de automóveis que passou a registrar uma
queda nas vendas. A Fiat, como todas as montadoras brasileiras, depois de um período de
grande crescimento, se via no momento de frear seus investimentos e desacelerar sua
produção para acompanhar o mercado que a forçava a manter o pátio de sua fábrica sem
vagas para estoque de produto acabado.
Com o crescente incremento do mercado automobilístico no Brasil, a inauguração de mais
estas duas unidades de agregação de valor ao aço significava, para a Usiminas, a certeza de
um retorno esperado pela análise de viabilidade do negócio. Contudo, o mercado com as
crises das economias asiáticas e russa entrou em processo de retração e de mudança radical.
A moeda nacional sofreu uma desvalorização e o comércio interno e externo transformaram-se.
Como conseqüência, a demanda de aço no mercado brasileiro sofreu uma forte queda.
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CADERNO DE IDÉIAS – CI0219
A Usistamp 1, com um quadro de demanda crescente, esperava processar anualmente 24.000
toneladas de aço. Apesar desta expectativa positiva, os bons resultados se estenderam por
poucos anos. No seu segundo ano de funcionamento, em 1996, chegou a processar cerca de
17.000 toneladas. Em 1997, registrou um volume considerável – aproximadamente 20.000
toneladas de aço processadas. Entretanto, o ano de 1998 foi decepcionante, registrando um
processamento de apenas 14.000 toneladas.
A Fiat, no contrato da parceria para a formação da Usistamp 2, assumiu o compromisso de
processar cerca de 26.000 toneladas de aço estampado ao ano. A Usistamp 2 fechou o ano de
1998 com o volume de apenas 13.000 toneladas aproximadamente.
Já com relação ao Usicort, apesar do contrato prever a compra de cerca de 300 mil toneladas
de aço, no ano de 1998 foi registrado uma demanda de apenas 10% do projetado.
Para a Usiminas, a renegociação do preço dos serviços de corte e das peças estampadas
poderia ser uma das formas de minimizar as perdas. Contudo, para a Fiat, o aumento era uma
solução complexa, pois geraria aumento no custo dos automóveis e, consequentemente, no
preço final passado para o consumidor que, com a desvalorização da moeda, tinha seu poder
aquisitivo reduzido.
O gerenciamento da aliança era um fator de relevante preocupação. Algumas dificuldades
foram encontradas no processo de efetivação da parceria. Para a Fiat, a gestão da Usiminas
poderia ser mais ágil dentro das necessidades do setor automobilístico. Uma grande
dificuldade para a Usiminas no gerenciamento das unidades fruto da parceria eram as
constantes mudanças do mix de produto que gerava um aumento do custo.
CONCLUSÃO
O valor capturado pela Usiminas passou basicamente pela aprendizagem adquirida frente a um
novo negócio em áreas estratégicas, tais como conhecimento de ferramentaria, processo de
estampagem, forma inovadora de relação com o cliente via contrato de terceirização, logística
complexa, criação de valor na cadeia produtiva do cliente, fornecimento customizado de
soluções em aço e aperfeiçoamento da tecnologia de negociação.
Além de todos esses pontos, a Usiminas desenvolveu um melhor conhecimento de seu próprio
produto, pois as unidades de corte e estamparia passaram a ser um laboratório real que
permitia a realização de descobertas de como melhorar a aplicação do aço de acordo com a
necessidade do cliente final.
Nitidamente, esses aspectos reforçam as vantagens apontadas nas diversas abordagens
teóricas. Estas características dizem respeito ao acesso a recursos particulares, como
conhecimento e processos, ao compartilhamento de custo e risco, ao aprendizado, ao aumento
da velocidade ao mercado, à flexibilidade, a economias de escala, à junção de habilidades para
o desenvolvimento de produtos/serviços e à neutralização ou bloqueio de competidores.
Nenhuma vantagem de acesso a mercados externos ou ocorrência de lobby coletivo foi
verificado. Se por um lado a aliança trouxe benefícios para as empresas envolvidas, por outro,
trouxe vulnerabilidades, demarcada pela forte interdependência entre as partes.
Na perspectiva da Usiminas, essa dependência é marcada pelo fato da Fiat ser um de seus
maiores clientes tanto em volume de aço fornecido como em serviços prestados de corte em
blanks e de peças estampadas. Todo o fornecimento é realizado sob o regime just-in-time com
estoques ajustados à necessidade do cliente. A Usiminas, fornecendo de 70 a 80% do aço total
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utilizado pela Fiat, poderia sofrer uma queda nos seus resultados caso houvesse qualquer
oscilação no mercado de automóveis.
Do ponto de vista da Fiat, a dependência da Usiminas passa pelos aspectos de atendimento.
Uma pequena interrupção deste sistema provocaria uma inevitável parada na montagem de
veículos e prejuízos incalculáveis. O grau de dependência da Fiat praticamente não permitiria o
desenvolvimento de fornecedor alternativo a curto e médio prazos, no mesmo nível de
atendimento, uma vez que demandaria investimentos significativos.
Esses aspectos reforçam as desvantagens nos relacionamentos cooperativos apontados pelas
diversas abordagens teóricas, tais como, dificuldade no gerenciamento das complexidades
geradas pela combinação de recursos das duas empresas, maiores riscos financeiros e
organizacionais, maior risco de se tornar dependente de um parceiro, perda da autonomia de
decisão e perda da flexibilidade organizacional. Estas características, como visto, foram
nitidamente observadas nesta aliança.
Nenhum aspecto relacionado à perda de informação proprietária ou implicação antitruste foi
identificado.
Finalmente, vale destacar que o estudo de caso realizado, bem como o levantamento das
diversas abordagens teóricas que apresentam alguma explicação para o estabelecimento de
relacionamento cooperativo entre empresas, constituem explorações iniciais, fornecendo pistas
para estudos futuros que possam ratificar ou identificar outras vantagens e desvantagens
existentes em alianças estratégicas.
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