Coordenação Geral de Infraestrutura Urbana e Recursos Naturais

Transcrição

Coordenação Geral de Infraestrutura Urbana e Recursos Naturais
MINISTÉRIO DA FAZENDA
Secretaria de Acompanhamento Econômico
Coordenação Geral de Infraestrutura Urbana e Recursos Naturais
Nota Técnica n.º 06145/2012/DF
COGUN/SEAE/MF
Brasília, 27 de junho de 2012.
Assunto: Prestação de Serviços Funerários no
Município de Nova Iguaçu (RJ)
Recomendações: (i) Permissão de entrada para novos
agentes no mercado, devendo a regulação concentrarse na expedição de normas qualitativas e de ordem
sanitária e ambiental; e (ii) promoção de debates no
âmbito do governo federal, para se discutir a
necessidade e a conveniência de se promover
alterações em normas legislativas que afetam o
mercado.
1.
Introdução
1.
Em julho de 2003, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) instaurou o
Procedimento Administrativo nº 08012.004992/2003-78 com o objetivo de apurar possível
infração à ordem econômica na prestação de serviços funerários no Município de Nova Iguaçu
(RJ), em função de matéria publicada no jornal O Globo.
2.
Segundo a matéria, funcionários de nove estabelecimentos funerários estariam,
como forma de protesto, impedindo a entrada e a saída de corpos do Instituto Médico Legal
(IML) do Município de Nova Iguaçu. Os funcionários alegavam que o IML só permitia o
trabalho de uma empresa funerária, prejudicando as demais.
3.
A SDE, a fim de apurar o fato narrado, enviou ofício ao IML e à Prefeitura
Municipal de Nova Iguaçu, solicitando uma série de informações1. Em resposta, o IML
respondeu que (i) nenhuma empresa funerária trabalha junto ao órgão; (ii) não gerencia o
cadastramento, fiscalização nem realiza licitação para a prestação de serviços funerários, sendo
atribuições da prefeitura; e (iii) a responsabilidade para a remoção do corpo é da família.
4.
Já a Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu encaminhou cópia do contrato firmado
com a Funerária São Salvador, afirmando que o mesmo refere-se à exploração de serviços
funerários e à administração de todos os cemitérios públicos do município. Informou ainda que:
(i) a referida funerária é a única que detém concessão para exploração dos serviços funerários, o
que impossibilita à família do de cujus optar por serviços de outra empresa; (ii) o transporte de
1
A SDE solicitou as seguintes informações ao IML: (i) número de funerárias que trabalhariam junto ao órgão; (ii)
critérios adotados pelo órgão para permitir o trabalho das funerárias; (iii) se o órgão restringe o acesso de
determinadas empresas funerárias; e (iv) relação das funerárias que atuam junto ao órgão. Já à prefeitura, a SDE
solicitou: (i) cópia do contrato de concessão de serviços funerários à funerária São Salvador; (ii) relação dos
serviços prestados pela referida funerária; (iii) informação sobre a possibilidade de outras empresas funerárias
prestarem seus serviços no município; (iv) informar se seria possível a família do de cujus optar pela prestação dos
serviços por meio da funerária de seu interesse; e (v) informar se a retirada de corpos do IML estaria restrita à
Funerária São Salvador.
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corpos dentro do município também é de exclusividade da Funerária São Salvador, o que não
ocorre no caso do transporte intermunicipal2.
5.
Constam ainda nos autos: (i) ação ajuizada por M. de Jesus Funerária contra a
Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu3, alegando que esta lhe negou alvará de localização com
base em legislação municipal que outorga a terceiro a exploração do ramo funerário4;(ii)
Acórdão do STF julgando procedente Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) impetrada
contra lei estadual que impunha gratuidade nos serviços funerários, em determinados casos 5. No
caso da ação ajuizada por M. de Jesus Funerária, o Supremo Tribunal Federal (STF) não
reconheceu o recurso da empresa, alegando inexistência de inconstitucionalidade6. Já em relação
ao acórdão do STF, a alegação principal da Corte (que é similar à apresentada na decisão
mencionada no item anterior) é de que a competência para legislar sobre a matéria é municipal.
6.
Finalmente, em fevereiro de 2007, a SDE concluiu pela inexistência de indícios de
infração à ordem econômica e encaminhou cópia dos autos a esta Secretaria para estudo acerca
de eventuais medidas regulatórias ou de advocacia da concorrência que possam vir a ser
adotadas para viabilizar a concorrência no mercado de prestação de serviços funerários em Nova
Iguaçu.
7.
Neste contexto, o objetivo desta nota é apresentar a análise desta Secretaria acerca
do mercado de serviços funerários em Nova Iguaçu no que tange a possíveis aperfeiçoamentos
em prol da concorrência. Em virtude da possibilidade de eventual problema concorrencial
decorrer de legislação municipal que estabelece o monopólio na prestação dos serviços
funerários na citada localidade, inicialmente serão abordados os aspectos teóricos que envolvem
a regulação de mercados pelo Estado. Em seguida, será feita a análise propriamente dita,
buscando-se identificar o problema e as instituições impactadas e avaliar eventuais impactos ao
bem estar econômico. Finalmente, serão apresentadas as considerações finais e recomendações
desta Secretaria.
2.
Aspectos Teóricos sobre Regulação de Mercados
8.
A regulação pode ser entendida como a intervenção governamental que, por meio
de seu poder coercitivo, limita a atuação dos agentes no mercado. Stone (1982) 7 definiu
regulação como:
A state imposed limitation on the discretion that may be exercised by
individuals or organizations, which is supported by the threat of sanction.
9.
A primeira teoria a tratar do tema foi a Teoria do Interesse Público, que dispõe
que a atividade regulatória do Estado deve ser direcionada à correção de falhas de mercado.
Segundo essa teoria, a intervenção regulatória estatal seria não onerosa e capaz de corrigir as
imperfeições do mercado, aumentando a eficiência econômica e o bem estar social. Trata-se,
portanto, de uma teoria normativa8 e pró-regulatória, voltada à correção das falhas de mercado.
2
Relatou, no entanto, que as famílias encontravam dificuldades para a retirada de corpos que seriam enterrados em
outros municípios, caso essa atividade não fosse realizada pela funerária São Salvador.
3
Recurso Extraordinário nº 94.872-4. Recorrente: M. de Jesus Funerária. Recorridas: Prefeitura Municipal de Nova
Iguaçu e Funerária São Salvador Ltda.
4
Contestou, assim, a constitucionalidade da norma.
5
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.221-5. Requerente: Procurador-Geral da República. Requerido:
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
6
A ação já havia sido julgada improcedente pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ).
7
Stone, Alan. Regulation and Its Alternatives. In Viscusi, W. Kip; Vernon, John M.; Jr, Joseph E. Harrington.
Economics of Regulation and Antitrust. Second edition. MIT press, p. 307. 1995.
8
Esse arcabouço teórico aponta as razões que levariam à regulação de mercados e é denominada de teoria positiva.
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10.
Observou-se, no entanto, que a Teoria do Interesse Público não conseguia explicar
porque a regulação de determinados mercados não alcançava os objetivos almejados de aumento
de eficiência econômica e bem estar social. Nesse sentido, algumas teorias, vinculadas à escola
positiva9, surgiram a fim de demonstrar como ocorre o processo regulatório: (i) a Teoria da
Captura10; (ii) a Teoria Econômica da Regulação; e (iii) a Teoria da Escolha Pública.
11.
A primeira afirma que o ente regulador pode ser capturado pelo setor regulado.
Dessa forma, a regulação imposta ao mercado não atenderia os interesses sociais e sim das
empresas. A segunda amplia essa questão, afirmando que inúmeros grupos de interesse
pressionam o ente regulador e que a regulação beneficia o grupo que exerce maior influência
sobre esse órgão11. Grupos menores e bem organizados seriam mais propensos a obter benefícios
da regulação do que grupos difusos. Já a terceira aplica conceitos da microeconomia na
compreensão do jogo político12, chegando à conclusão de que a escolha pública é irracional, do
ponto de vista social, e ineficiente.
12.
Essas teorias vinculadas à escola positiva demonstram que a intervenção estatal
pode ser onerosa e pode gerar ineficiências, pois há inúmeras dificuldades que devem ser
consideradas ao longo do processo regulatório.
13.
Thomas e Stoneham (2011)13, por exemplo, apresentam uma série de fatores que
explicariam a origem de custos inerentes ao processo regulatório. Dentre eles, destacam-se: (i)
ausência de informações, por parte do regulador, sobre a distribuição dos custos de produção e
das preferências dos consumidores (hidden information)14; (ii) dificuldade do órgão regulador
em verificar se os agentes regulados estão cumprindo as normas impostas (hidden action)15; (iii)
dificuldade do órgão regulador em prever contingências futuras que possam dificultar o
cumprimento das obrigações pelos agentes regulados (incomplete regulatory contracts); e (iv)
problemas relacionados à complexidade das transações, podendo impor elevados custos de
transação e de cumprimento da norma regulatória.
14.
Sintetizando, as teorias da escola positiva destacam que a solução estatal pode não
ser melhor que a solução de mercado, pois o governo também está sujeito a falhas. Ou seja, para
essas teorias, o mercado pode ser a instituição mais adequada na promoção do bem estar social.
Salgado (2003)16 abordou essa questão da seguinte forma:
As teorias da escolha pública e da regulação entendem que o interesse público
já é representado de forma eficiente por meio do mecanismo de mercado;
qualquer outra instituição – como o mercado político – apenas contribui para
9
As teorias dessa escola buscam demonstrar os meandros do processo regulatório, ou seja, analisar como é feita a
regulação econômica.
10
Alguns autores não fazem a distinção entre a Teoria da Captura e a Teoria Econômica da Regulação, considerando
a primeira como parte integrante da segunda.
11
Segundo Posner (1974, p. 15), a Teoria Econômica da Regulação sugere que o processo regulatório seria o
resultado das forças de oferta e demanda por normas regulatórias. The economic theory insists that regulation be
explained as the outcome of the forces of demand and supply. National Bureau of Economic Research. Theories of
Economic Regulation. Posner, Richard A. Working Paper nº 41. New York. May, 1974. Disponível em:
http://www.nber.org/papers/w0041.pdf. Último acesso em: 30/08/2011.
12
A teoria parte do princípio de que os indivíduos, independentemente da esfera em que atuam, são maximizadores
do interesse próprio. Nesse sentido, os políticos agiriam no intuito de maximizar seus votos e os burocratas de
maximizar o orçamento. Nesse contexto, o governo atuaria como agente comprador de políticas regulatórias da
burocracia.
13
Department of Treasury and Finance. Innovative Approaches to Regulation: The Role of Information and
Incentives. Thomas, Claire and Stoneham, Gary. April, 2011.
14
Segundo o autor, essa falta de informações introduz o risco de seleção adversa ao processo regulatório, podendo o
mesmo beneficiar firmas com custos mais elevados.
15
Esse fato está no cerne do problema conhecido como risco moral (moral harzard).
16
IPEA. Agências Regulatórias na Experiência Brasileira: Um Panorama do Atual Desenho Institucional. Salgado,
Lucia Helena. Documento de Trabalho nº 941, março de 2003.
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confundir os sinais fornecidos pelo sistema de preços e comprometer a
eficiência do sistema. (...). O pressuposto é de que o livre mercado é a
representação perfeita do interesse público.
(...)
A idéia central é que a mão invisível da política, ao contrário de sua contraparte
no mercado, produz incentivos distorcidos e informação enviesada, de modo
que os mesmos indivíduos, movidos pela mesma libido racional-maximizadora,
obtêm resultados perversos, do ponto de vista social, quando atuando na arena
política.
15.
Ao considerar o livre mercado como maximizador do interesse público, as teorias
da escola positiva, de certa forma, corroboram a tese defendida pela Teoria do Interesse Público,
ou seja, de que a política regulatória deve voltar-se apenas à correção das falhas de mercado17.
Nesse sentido, Viscusi et al (1995)18 destacam que a regulação tem como objetivo tornar o
mercado mais eficiente, ou seja, fazer com que o mesmo se aproxime ao máximo de um mercado
perfeitamente competitivo19. Esse resultado seria alcançado pela maximização da diferença entre
os benefícios e os custos gerados à sociedade, envolvidos no processo regulatório. In verbis:
Ideally, the purpose of antitrust and regulation policies is to Foster
improvements judge in efficiency terms. We should move closer to the perfectly
competitive ideal than we would have in the absence of this type of
intervention. The object is to increase the efficiency with which the economy
operates, recognizing that we may fall short of the goal of replicating a perfectly
competitive market, but nevertheless we can achieve a substantial
improvements over what would prevail in the absence of such government
intervention.
Put somewhat differently, our task is to maximize the net benefits of these
regulations to society. Such a concern requires that we assess both the benefits
and the costs of these regulatory policies and attempt to maximize their
difference.20
16.
Feitas essas considerações teóricas, passa-se a avaliar se a intervenção
governamental no mercado de serviço funerários promovida pelo Município de Nova Iguaçu
promove danos à concorrência e à eficiência econômica.
3.
Da Análise
3.1.
Do Problema Identificado, Objetivo e Instituições Impactadas
17.
Inicialmente, convém discorrer acerca do que a legislação e a jurisprudência
entendem como serviços funerários, de forma a esclarecer dois aspectos: (i) se é um serviço
público; e (ii) qual ente tem a competência de regulá-lo.
17
Casos clássicos que justificariam a intervenção regulatória do governo seriam: a presença de monopólio natural
(ocorre quando a minimização do custo da indústria para a produção da quantidade socialmente ótima de um
determinado bem é obtida com a presença de uma única firma no mercado. O governo atuaria para evitar
comportamento abusivo da firma no mercado); e a existência de externalidades (ocorre quando a ação de um agente
afeta a ação de outro. O governo atuaria, por exemplo, criando regras para minimizar as externalidades geradas).
18
Viscusi, W. Kip; Vernon, John M.; Jr, Joseph E. Harrington. Op cit., p. 10.
19
Na competição, cada empresa tenta maximizar o lucro realizado, enfrentando a concorrência, sem qualquer
preocupação com o benefício social. Nesse processo, os consumidores buscam maximizar as suas próprias utilidades
com comportamentos individuais e particulares. A resultante desse “egoísmo coletivo” é a maximização do bem
estar social. (Benjó, 1999, p. 67). Benjó, Isaac. Fundamentos de Economia da Regulação. Rio de Janeiro. Thex
Editora. 1999.
20
Viscusi, W. Kip; Vernon, John M.; Jr, Joseph E. Harrington. Op cit., p. 10.
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18.
Acerca do primeiro ponto, cabe mencionar que, segundo Medauar (2006)21,
entende-se por serviço público a atividade prestada pelo Estado direcionada à satisfação de
necessidade da coletividade. Ainda de acordo com o autor, tal satisfação pode se concretizar em
duas vertentes: (i) direta, em que se realizam as aspirações emanadas pela sociedade ou (ii)
indireta, em que se efetivam atividades proveitosas para o Estado e que, indiretamente,
beneficiam a sociedade.
19.
A prestação desses serviços, por sua vez, pode ser feita diretamente pelo ente
público ou pode ser delegada, mediante prévia licitação, sob o regime de concessão ou
permissão, conforme preceitua o artigo 175, da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 (CF 88):
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob-regime
de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços
públicos.
20.
A prestação direta pelo Poder Público não demanda maiores considerações. Nesta,
a responsabilidade por todas as etapas que constituem a atividade, que no caso analisado
referem-se aos serviços funerários, compete ao ente publico encarregado pela prestação do
serviço. A realização do serviço é concretizada pelos próprios recursos da pessoa responsável
pela prestação, podendo ser o próprio ente estatal, ou preposto deste, como autarquia ou empresa
estatal constituída para este fim. Não se exige, neste caso, norma específica para a prestação do
serviço, sendo suficiente a mera regulação da atividade.
21.
Já na execução indireta, a responsabilidade frente aos usuários pelos serviços
realizados compete a terceiros, que se vinculam à administração pública pelas normas
disciplinadoras da delegação. Todavia, merece destaque o fato de que os terceiros que venham a
prestar tal serviço devem ser selecionados mediante processo licitatório.
22.
A mera compreensão do que se deve entender por serviço público não se
apresenta como meio suficiente para bem definir as atividades dignas de receberem esta alcunha.
A utilização indiscriminada do conceito, ampla por natureza, encerra em si o risco de desrespeito
ao intuito exarado pelo constituinte originário ao redigir as disposições constitucionais
concernentes à Ordem Econômica e Financeira aplicável ao estado brasileiro, qual seja restringir
as atividades estatais a um núcleo essencial e indispensável, delegando as demais atividades à
livre iniciativa22.
23.
Nas lições da doutrinadora Medauar (2006):
Saber quando e porque uma atividade é considerada serviço público remete ao
plano da concepção política dominante, ao plano da concepção sobre o Estado e
21
“Serviço Público, como um capitulo do direito administrativo, diz respeito a atividade realizada no âmbito das
atribuições da administração, inserida no executivo. E refere-se a atividade prestacional, em que o poder publico
propicia algo necessário à vida coletiva, como, por exemplo, água, energia elétrica, transporte urbano. As atividades
-meio (por exemplo: arrecadação de tributos, serviços de arquivo, limpeza de repartições , vigilância de repartições)
não se incluem na acepção técnica de serviço publico. Assim, o serviço público apresenta-se como uma dentre as
múltiplas atividades desempenhadas pela administração, que deve utilizar seus poderes, bens e agentes, seus atos e
contratos para realizá-lo de modo eficiente.” MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006. pp. 313-314.
22
O próprio texto constitucional, em seu artigo 173, estipula o grau de liberdade conferido ao Estado quando no
desempenho de atividades econômicas que não encerrem em si o caráter de serviços públicos.
“Art. 173, CRFB 88. Ressalvados os casos previstos nesta constituição, a exploração direta de atividade econômica
pelo estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo, coforme definidos em lei.”
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seu papel. É o plano da escolha política, que pode estar fixada na Constituição
do país, na lei e na tradição23.
24.
Coforme se depreende do exposto e, reconhecendo a natureza histórica de nosso
ordenamento jurídico, é possível afirmar que cabe à lei a tarefa de limitar os reais contornos
permitidos a partir da aplicação do conceito conferido ao termo serviços públicos. E esta
limitação legal já se inicia na própria Constituição que, utilizando critérios técnicos e jurídicos,
realizou a divisão de competência em razão da natureza e dimensão dos serviços pelos três entes
estatais, quais sejam União, Estados e Municípios.
25.
A divisão concebida na Carta Constitucional de competências atribuídas a cada
um dos entes federativos optou por estabelecer expressamente aquelas concedidas à União e aos
municípios, restando aos estados a competência para o exercício das atribuições que não lhes
fossem vedadas pela constituição e que não violassem as reservadas aos demais membros24.
26.
No que concerne ao serviço funerário, não há na Constituição menção que lhe seja
expressa indicando sua caracterização como serviço público. Nos itens que compõem os artigos
21 e 22 que determinam a repartição de competência a cargo da União, não se apresenta possível
a inserção da atividade de serviço funerário. Tampouco nos artigos 23 e 24 da Constituição, que
indicam as atividades compartilhadas pela União, Estados e Municípios se identifica qualquer
previsão acerca do serviço funerário.
27.
No entanto, ao se examinar o rol conferido aos municípios, encerrado no artigo 30
do texto constitucional, dois são os incisos que guardam relevância no que se refere ao serviço
funerário e na sua classificação como serviço público, excluindo, portanto, a sua inserção na
competência residual dos estados. Dispõe o artigo 30 em seus incisos I e V25:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I – legislar sobre assuntos de interesse local;
[...]
V- organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que
tem caráter essencial;
28.
O inciso I do artigo 30 da CF 88 menciona a competência conferida aos
municípios no que concerne a sua competência para legislar sobre assuntos de interesse local.
Não se exige, entretanto, que este interesse esteja restrito ao município, uma vez que reflexos
deste interesse podem ser verificados nas esferas estaduais e federais. O que se requer é uma
preponderância do interesse municipal frente aos demais26. A respeito dos significados que o
conceito de interesse local deve assumir assim se posiciona a jurisprudência dos tribunais
pátrios.
23
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. pp. 313314.
24
Nos artigos 21 e 22, referentes à União, bem como no artigo 30, que diz respeito aos municípios, entendeu por
bem o constituinte apresentar rol taxativo das competências que lhes seriam atribuídas. No entanto, ao tratar dos
Estados-membros, optou por uma abordagem diversa, estabelecendo no artigo 25, § 1° que “são reservadas aos
estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta constituição”.
25
Válida a menção ao inciso VIII do artigo 30 da constituição que ao determinar que cabe aos municípios
“promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano” concede a estes entes o suporte legal para legislarem sobre a
implantação e funcionamento dos cemitérios.
26
SILVA, Justino Adriano Farias Da. Tratado de Direito Funerário: Teoria Geral e Instituições de Direito
Funerário. São Paulo: Método Editora, 2000. P. 364.
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RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR. JULGAMENTO ANTECIPADO
DA LIDE.
[...]
4. Em tese, o interesse local é exteriorizado pela vontade política, porquanto a lei
local reflete o anseio da comunidade mediante a boca e a pena dos legisladores
eleitos pelos municípios. Entretanto, no caso dos autos, verifica-se pelo histórico
legislativo do Município de Bady Bassitt que o interesse da comunidade local
sempre foi o de proibir a construção de hotéis, motéis, lanchonetes dançantes e
similares às margens da rodovia, consoante se observa às fls. 450 do acórdão
recorrido.
5. Frise-se que compete ao município legislar sobre questões atinentes a interesse
local, dentre eles, promover o adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.
Conclui-se, portanto, que a população sujeita-se às limitações urbanísticas
impostas pelo poder publico, que, in genere, são realizadas em prol do interesse
coletivo.
STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – RESP – RECURSO ESPECIAL
– 474475 – Processo: 200201089461 – SP –Órgão Julgador: PRIMEIRA
TURMA – DJ DATA 25/02;2004- Relator : Luiz Fux
29.
Especificamente, no que concerne aos serviços funerários e a sua classificação
como serviço público, o doutrinador Justino Adriano Farias da Silva afirma serem os serviços
funerários típicos exemplos de serviços públicos.27 Tal entendimento é compartilhado pelos
tribunais nacionais:
MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIÇO FUNERÁRIO – PRESUNÇÃO
DE GRATUIDADE – ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL – SEPULTAMENTO
DE CORPO.
Apelação. Mandado de Segurança. Serviço funerário gratuito. Ato da
administração municipal exigindo a apresentação de nota fiscal do serviço pra a
realização do sepultamento. Hipótese em que o serviço publica o sepultamento,
nos termos do permitido pela C.F./88 e pela própria Lei Orgânica do município
deve ser prestado pelo próprio município que, entretanto pode conceder ou
permitir que terceiro preste esse serviço de interesse local. Ato impugnado que se
reveste de legalidade, inexistindo direito liquido e certo amparado, no caso, posto
que ausente a permissão ou a autorização 2002.001.23706 - APELAÇÃO CIVEL
DES. AZEVEDO PINTO – julgamento: 24/04/2003 – DECIMA TERCEIRA
CAMARA CIVEL.
30.
O Supremo Tribunal Federal (STF) corrobora essa tese, consolidando o
entendimento de que os serviços funerários se revestem de interesse local, sendo a competência
para a organização dos mesmos atribuída aos municípios. Nesse ínterim, o STF é seguido pelos
demais órgãos jurisdicionais:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. MUNICIPIO. SERVIÇO FUNERARIO. C.F.,
art. 30, V. I. – Os serviços funerários constituem serviços municipais, dado que
dizem respeito com necessidades imediatas do Município. C.F., 30, V. II. – Ação
direta de inconstitucionalidade julgada procedente.
[...]
“ Os serviços funerários constituem, na verdade, serviços municipais, tendo em
vista o disposto no art. 30, V, da constituição: aos municípios compete organizar
e prestar diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços de
interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”.
27
V. SILVA, Justino Adriano Farias Da. Op. Cit. P. 560.
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Interesse local diz respeito a interesse que diz de perto com as necessidades
imediatas do município. E não há duvida que o serviço funerário diz respeito com
as necessidades imediatas do município. Leciona Hely Lopez Meirelles que “ o
serviço funerário é da competência municipal, por dizer respeito a atividades de
precípuo interesse local, quais sejam, a confecção de caixões, a organização de
velório, o transporte de cadáveres, e a administração de cemitérios “. ( Hely
Lopes Meirelles, “ Direito municipal Brasileiro”,10º. Ed., 1998, atualizada por
Izabel Camargo Lopes Monteiro e Célia Marisa Prendes, Malheiros Editores,
pág., 339). Esse entendimento é tradicional no Supremo Tribunal Federal
conforme SAE vê do decidido no RE 49.988/SP, Relator o Ministro Hermes
Lima, cujo acórdão esta assim ementada: “EMENTA: Organização de serviços
públicos municipais. Entre estes estão os serviços funerários. Os municípios
podem, por conveniência coletiva e por lei própria, retirar a atividade dos
serviços funerários do comércio comum.” (RTJ 30/155)
[...]
ADI 1221 / RJ – RIO DE JANEIRO – AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE – Relator (a): Min. CARLOS VELLOSO –
julgamento: 09/10/2003 – Órgão Julgador: Tribunal Pleno – Publicação: DJ
31/10/2003
EMENTA: PROCESSULA CIVIL – SERVIÇOS FUNERARIOS – LICITAÇÃO
– EMPRESA VENCEDORA – DIREITO À EXCLUSIVIDADE 1. “Em sede de
agravo de instrumento só se discute o acerto ou desacerto do ato judicial
hostilizado, não sendo viável o exame aprofundado de temas relativos ao meritum
causae (AI n.º 99.017438-7, Des. Eder Graf)
sob pena de supressão de um
grau de jurisdição” (AI n.º 2005.021175-6, Des. Luiz César Medeiros). 2.
Compete aos municípios “prestar, diretamente ou sob-regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local” (CF, art. 30, V), entre os quais,
os serviços funerários. Às empresas concessionárias, que se submeterem ao
processo de licitação, deve ser assegurado, no âmbito do território do município
concedente, o direito à exclusividade na exploração desse serviço, ressalvados
aqueles contratados anteriormente à concessão e em relação aos óbitos ocorridos
em outros municípios. Agravo de Instrumento 2005.027182-4 - TJ-SC –
Relator: Des. Newton Trisotto. – Data da Decisão: 22/11/2005
31.
Sob o entendimento em questão, os demais entes federados estão impedidos de
legislar acerca da concessão ou permissão dos serviços funerários. Assim, apesar de os três entes
terem a prerrogativa de legislar sobre concessão e permissão, cabe aos municípios a aplicação
em seus territórios dos diplomas legais frutos do exercício de sua competência legislativa28.
28
Tal assertiva é comprovada não apenas com base na competência constitucionalmente atribuída aos municípios
(artigo 30, I e V CRFB 88), como também pelo artigo 18 da CRFB 88, que em seu caput concede autonomia aos
entes federados, declarando que “a organização político-administrativa da Republica Federativa do Brasil
compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos [...]”. Deve-se, pois,
considerar que tendo-se concluído ser o serviço funerário um serviço publico cuja prestação foi constitucionalmente
atribuída aos municípios (constituindo-se assim em serviço publico municipal), o estabelecimento de leis seja pelos
estados, seja pela União, no que concerne à delegação ou concessão dos serviços funerários, caracterizaria violação
à autonomia conferida àqueles entes federados. Neste sentido, é esclarecedor o seguinte entendimento
jurisprudencial: “I. – Concessão de serviço público municipal de transporte coletivo: revisão de tarifas:
questionamento relevante da validade de clausula do contrato de concessão que a determina sempre e conforme os
mesmos índices da revisão das tarifas do mesmo serviço deferida no município da capital. O reajuste de tarifas do
serviço público é manifestação de uma política tarifaria, solução, em cada caso, de um complexo problema de
ponderação entre a exigência de ajustar o preço do serviço às situações econômicas concretas do seguimento social
dos respectivos usuários ao imperativo de manter a viabilidade econômico-financeiro do empreendimento do
concessionário: não parece razoável, à vista do art. 30, V, CF, que o conteúdo da decisão política do reajustamento
de tarifas do serviço de transportes de um município, expressão de sua autonomia constitucional, seja vinculada ao
que, a respeito, venha a ser decidido pela administração de outro. II. – Recurso extraordinário, porém de que não se
pode conhecer, dada a existência no acórdão recorrido de outro fundamento suficiente à concessão da
Fl 9 da Nota Técnica
06145/2012/ RJ
Ressalva que deve ser feita a esta regra refere-se à criação de normas gerais, que segundo o
artigo 22, inciso XXVII, da CF 88, é de competência da União, vinculando os demais entes29.
Art. 22, CF 88. Compete privativamente a União legislar sobre:
[...]
XXVII- normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para
as administrações publicas diretas, autárquicas e fundacionais da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e
para as empresas públicas e sociedade de economia mista, nos termos do art.
173,§ 1°, III; ( Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
32.
A título de exemplo, duas leis devem ser observadas pelos estados e municípios,
quando estes optam por delegar a prestação de serviços públicos a particulares. São elas a Lei nº
8.666/93, que institui normas para licitações e contratos administrativos, e a Lei nº 8.987/95, que
dispões sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos30.
33.
A Lei n° 8.987/95 é marcada por previsões genéricas, permitindo-se, por
conseguinte, que os demais entes possam compatibilizar suas realidades locais aos preceitos
legais. Visa a lei esmiuçar todos os pontos previstos no artigo 175 da CF 88, guardando normas
que tutelam a qualidade do serviço a ser prestado à sociedade, direitos e obrigações dos usuários,
política tarifária realização de licitação, entre outros.
34.
Destaca-se que a necessidade de prévia licitação para a delegação de serviço
público não condiciona a concessão de exclusividade à prestação do mesmo. O inciso III, do
artigo 7º e o artigo 16 da Lei nº 8.987/95 sustentam essa firmação:
Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990,
são direitos e obrigações dos usuários:
(...)
III – obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores
de serviço, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente.
Art. 16. A outorga de concessão ou permissão não terá caráter de exclusividade,
salvo no caso de inviabilidade técnica ou econômica justificada no ato a que se
refere o art. 5º desta lei31.
35.
Ainda que se pretendesse questionar a adequação do serviço funerário, buscando
descaracterizar o caráter essencial aplicável a este e, por conseguinte, a conveniência em se
classificar tal serviço como sendo público32, encontra-se, em lei nacional, fundamentos que
confirmam o caráter essencial deste grupo de atividades.
segurança.”(STF – RECURSO EXTRAORDINARIO – Processo: 191532 – SP – DJ 29/08/1997 – Relator:
SEPÚLVEDA PERTENCE).
29
Tal exceção não é de rara constatação, bem como não se caracteriza como tendente a violar a autonomia
municipal. Exemplos outros podem ser citados, como o presente na ementa a seguir: “[...] 2. De qualquer maneira,
se é exato que a Constituição federal confere autonomia aos municípios, nos termos dos artigos 29, 30 e 31, exato
também é que deles exige o cumprimento de seus princípios ( art.29). E um desses princípios é o do art. 40, § 4°,
que não se aplica apensas aos servidores públicos federais, mas, também, aos estaduais e municipais. [...]” (STF –
RECURSO EXTRAORDINARIO – Processo: 173682 – Sp – DJ 19/12/1996 – Relator: SYDNEY SANCHES).
30
Nos procedimentos de concessão ou permissão de serviços públicos, as previsões contidas na Lei nº 8.666/93
serão aplicadas subsidiariamente às disposições da Lei nº 8.987/95, desde que essas não conflitem.
31
Art. 5º. O poder concedente publicará, previamente ao edital de licitação, ato justificando a conveniência de
concessão ou permissão, caracterizando seu objeto, área e prazo.
32
Tal fato faria com que a prestação de serviços funerários fosse igualada à prestação de qualquer outro tipo de
serviço, sendo a entrada determinada pelas condições mercado. Ou seja, não seria necessária a realização de
licitação para a concessão desses serviços.
Fl 10 da Nota Técnica
06145/2012/ RJ
36.
Já nos anos de 1960, a Lei nº 4.330, ao regular o direito de greve, elencava
algumas atividades que, por serem consideradas fundamentais, não poderiam ser atingidas pelo
exercício deste direito. Posteriormente, já sob a égide da atual constituição, a Lei nº 7.783, de 28
de junho de 1989, ao revogar a Lei nº 4.330, enumerava em seu artigo 10 aqueles serviços
reputados como essenciais, cuja prestação à comunidade deveria ser resguardada durante o
exercício do direito de greve.
Lei nº 4.330/64.
Art 12. Consideram-se fundamentais as atividades nos serviços de água, energia,
luz, gás, esgotos comunicações, transportes, carga ou descarga, serviço funerário,
hospitais, maternidade, venda de gêneros alimentícios de primeira necessidade,
farmácias e drogarias, hotéis e industrias básicas ou essenciais à defesa nacional.
Lei n° 7.783/89.
Art. 10 são consideradas serviços ou atividades essenciais
[...]
IV – funerários;
[...]
37.
O fato de os serviços funerários serem considerados serviços públicos e de a
Constituição Federal estabelecer a necessidade de licitação para selecionar os prestadores, em
caso de prestação indireta do serviço pelo poder público, são restrições à concorrência. Isso
porque a entrada no mercado está sujeita a uma licitação prévia, não dependendo apenas da
vontade do agente econômico. Ou seja, cria-se uma barreira regulatória à entrada no mercado,
que pode limitar a concorrência no mesmo. Todavia, tais limitações podem ser minimizadas a
depender da regulação implementada pelo município.
38.
No contexto em questão, não há ilegalidade por parte da Prefeitura de Nova
Iguaçu em licitar a prestação de serviços funerários no município e atribuí-lo a uma única
empresa. Para corroborar o afirmado basta apresentar decisão proferida pelo STF no julgamento
do Recurso Extraordinário nº 94.872-433, conforme disposto abaixo:
Por sua vez, ensina Hely Lopes Meireles: “O serviço funerário é da
competência municipal por dizer respeito a atividade de precípuo
interesse local, quais sejam, a confecção de caixões, a organização de
velório, o transporte de cadáveres e a administração de cemitérios. As
três primeiras podem ser delegadas pela municipalidade, com ou sem
exclusividade, a particulares que se proponham executá-las mediante
concessão ou permissão, como pode o município realizá-las por suas
repartições, autarquias ou entidades paraestatais” (Direito Municipal Brasileiro,
pág. 514)
Ora, o Município de Nova Iguaçu possui lei, disciplinando o “serviço
funerário”, a qual, em seu artigo 27 dispõe: “Fica proibido o licenciamento de
novas agências funerárias salvo as instaladas pelas concessionárias de
cemitérios públicos ou permissionárias de cemitérios particulares para
atendimento vinculado aos cemitérios objetos de concessão ou permissão”.
Trata-se, pois, de exame de lei local que, por sua vez, não viola nenhum
dispositivo constitucional.
4 – Por estes motivos, não conheço do recurso.
33
Recorrente: M. de Jesus Funerária. Recorridas: Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu e Funerária São Salvador
Ltda.
Fl 11 da Nota Técnica
06145/2012/ RJ
39.
É oportuno ressaltar que, embora não haja ilegalidade, é possível haver margem
para o aperfeiçoamento da norma com vistas a ampliar a concorrência e a eficiência econômica,
conforme será abordado no decorrer deste documento.
40.
Assim, do exposto até o momento, pode-se constatar que: (i) a prestação de
serviços funerários não pode ser caracterizada como mera atividade econômica, estando inserida
na categoria de serviço público, (ii) a competência para legislar sobre a matéria recai sobre os
municípios, (iii) os serviços funerários podem ser prestados direta ou indiretamente pelo poder
público; (iv) no caso de prestação indireta, a delegação deve ser precedida de licitação; (v) a
prestação indireta não implica concessão de exclusividade; (vi) o fato de os serviços funerários
serem serviços públicos é barreira legal à entrada no setor, com repercussões na concorrência;
(vii) eventuais danos à concorrência podem ser minimizados a depender da regulação aplicada ao
setor.
41.
Ultrapassada esta etapa, cabe, então, entender quais atividades fariam parte dos
chamados serviços funerários.
42.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em documento intitulado
Orientações Técnicas para o Funcionamento de Estabelecimentos Funerários e Congêneres 34,
define como estabelecimentos funerários e congêneres as empresas públicas ou privadas que
desenvolvam uma das atividades mencionadas:
(i)
a remoção de restos mortais humanos;
(ii)
a higienização de restos mortais humanos;
(iii)
o tamponamento de restos mortais humanos;
(iv)
a conservação de restos mortais humanos;
(v)
a tanatopraxia;
(vi)
a ornamentação de urnas funerárias;
(vii)
a necromaquiagem;
(viii) o comércio de artigos funerários;
(ix)
o velório; e
(x)
o translado de restos mortais humanos.
43.
Dessa forma, como a agência considera estabelecimentos funerários aqueles que
prestam um dos serviços elencados, deduz-se que os serviços funerários compreendem tais
atividades na visão da agência.
44.
A Anvisa recomenda que as orientações técnicas por ela emitidas sejam
observadas na normatização e fiscalização sanitária de estabelecimentos funerários e congêneres
situados em estados e municípios que não possuam legislação específica. Não obriga, portanto,
que os município que já tenham regulamentação sobre a matéria sigam a definição adotada no
documento.
34
Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/institucional/snvs/descentralizacao/orientacoes_tecnicas_funerarias.pdf.
Último acesso em 19 de dezembro de 2011.
Fl 12 da Nota Técnica
06145/2012/ RJ
45.
Dessa forma, acerca do que são os serviços funerários, infere-se que é possível
haver escopos diversos entre os municípios. Tal diferença decorreria de dois fatos: (i) municípios
têm discricionariedade para definirem as atividades que compõem o serviço funerário, dentro
daquelas dez listadas pela Anvisa; (ii) definição estabelecidas pelos municípios antes daquela
dada pela agência continuam válidas. Tal arranjo faz com que uma mesma atividade seja
exercida somente precedida de processo de licitação em um município, enquanto que em outro
ela seja desempenhada sem tal barreira à entrada. Ressalta-se que se um determinado município,
antes da citada resolução da Anvisa, definiu como sendo serviços funerários uma atividade que
não consta no rol daquelas elencadas pela agência, ela terá uma restrição legal à entrada que seria
desnecessária à luz do que a Anvisa entendeu como serviços funerários.
46.
O arcabouço legal ora exposto mostra um risco de uma atividade com potencial
competitivo ter restrições legais à entrada mais rígidas. Como conseqüência, não se descarta a
hipótese de os consumidores pagarem mais caro pelo serviço prestado e terem menor leque de
escolha.
47.
Deve ser mencionado que os serviços funerários, devido às suas características,
não ensejariam, considerando o exposto na Seção 2, controle do Estado sobre a quantidade de
agentes que nele atuam. O Conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade), Sr. Olavo Zago Chinaglia, corrobora essa tese. Em voto proferido no âmbito do Processo
Administrativo nº 08012.001822/2003-3135, o Conselheiro se pronunciou da seguinte forma
acerca da existência de barreiras à entrada no mercado: “Inexiste no setor de serviços funerários
insumo específico cuja escassez dificulte a entrada de potenciais competidores. Outros fatores
que podem embaraçar a entrada – altos custos irrecuperáveis, fidelização dos consumidores a
marcas, recursos de propriedade exclusiva, etc. – tampouco se fazem presentes”.
48.
Alguns fatores, no entanto, devem ser considerados na análise desse segmento. O
primeiro refere-se à proteção do consumidor em momento de fragilidade emocional. Em situação
normal, o consumidor geralmente realiza pesquisa comparando preço e qualidade do
produto/serviço antes de adquiri-lo. No caso da contratação de serviços funerários, em função do
desgaste emocional decorrente da situação, muitas vezes isso não é possível, reduzindo o poder
de barganha do consumidor frente ao agente econômico e, consequentemente, favorecendo o
abuso econômico por parte deste. Outros aspectos estariam relacionados a questões religiosas,
sanitárias e ambientais, em função das atividades envolvendo o manuseio e a destinação final de
cadáveres. Tais fatos podem justificar a escolha do Legislador em atribuir aos serviços funerários
a característica de serviço público, ensejando maior controle do Estado.
49.
O caso concreto de Nova Iguaçu revela, todavia, que a extensão do controle do
Estado pode ser desproporcional. O município optou pelo monopólio na prestação do serviço. Ou
seja, no quadro atual, apenas uma empresa funerária atua no município. O preço dos serviços é
estabelecido em contrato celebrado entre a administração municipal e o agente delegatário e o
mercado está fechado à entrada de concorrentes. Como será mostrado ao longo deste documento,
trata-se de uma escolha que acaba prejudicando os consumidores.
50.
É oportuno destacar que o fato de a legislação de Nova Iguaçu para os serviços
funerários não ser considerada inconstitucional, não significa que não possa ser melhorada em
termos concorrenciais. Como será mostrado neste documento, de fato, há margens para
aperfeiçoamentos. Cabe salientar também que o fato de a definição do que é serviço funerário ser
flexível, como apontado acima, amplifica o problema concorrencial decorrente da prestação do
serviço em regime de monopólio, ainda que com teto de preços.
35
Representante: Ministério público do Estado de São Paulo. Representados: Funerária Atibaia Ltda, Funerária São
Lázaro Ltda e outros. Disponível em: http://www.cade.gov.br/temp/t1912201116437803.pdf. Último acesso em:
19/12/2011.
Fl 13 da Nota Técnica
06145/2012/ RJ
51.
Por fim, cabe apontar os agentes potencialmente afetados pela regulação de Nova
Iguaçu (e pelo seu eventual aperfeiçoamento): (i) empresas potencialmente prestadoras de
serviços funerários, que não podem desenvolver suas atividades no município; (ii) os
consumidores que, independentemente da qualidade dos serviços prestados, são obrigados a
utilizá-los, pagando o preço previamente fixado no contrato de delegação dos serviços; (iii)
empresas ofertantes de planos funerários36, já que a definição ampla de serviços funerários em
um determinado município limita o número de atividades em que se permite o emprego da
modalidade de livre concorrência e, em consequentemente, reduz a possibilidade de a empresa
de planos funerários negociar o preço desses serviços no mercado.
3.2.
Dos Possíveis Impactos ao Bem-Estar Econômico
52.
A análise dos impactos sobre o bem-estar econômico, causados pela forma como
os serviços funerários vem sendo prestados no município de Nova Iguaçu, compõe-se de três
subseções. A primeira trata de eventuais impactos sobre a concorrência. A segunda subseção
avalia outras consequências sobre a eficiência econômica. A terceira subseção, por sua vez,
discorre sobre os impactos ao bem-estar econômico de políticas alternativas.
3.2.1.
Impactos à Concorrência
53.
Para avaliar as consequências prováveis do modo como o serviço funerário é
prestado no Município de Nova Iguaçu sobre a competição no mercado, utiliza-se metodologia
desenvolvida pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) 37. A
metodologia consiste de um conjunto de questões a serem verificadas na análise do impacto de
políticas públicas sobre a concorrência. O impacto competitivo poderia ocorrer por meio de: i)
limitação no número ou variedade de fornecedores; ii) limitação na concorrência entre empresas;
e iii) diminuição do incentivo à competição. As referidas questões e seus respectivos efeitos são
descritos abaixo:
1º efeito - limitação no número ou variedade de fornecedores:
i)
conceder direitos exclusivos a um único fornecedor de bens ou de serviços;
ii) estabelecer regimes de licenças, permissões ou autorizações como requisitos de
funcionamento;
iii)
limitar a alguns tipos de fornecedores a capacidade para a prestação de bens ou serviços;
iv)
aumentar significativamente os custos de entrada ou saída no mercado;
v)
criar uma barreira geográfica à aptidão das empresas para fornecerem bens ou serviços,
mão-de-obra ou realizarem investimentos.
36
Plano funerário, segundo o estabelecido no artigo 7º, inciso v da Lei nº 5.768/71, é a “modalidade de captação
antecipada de poupança popular, mediante promessa de contraprestação em bens, direitos ou serviços de qualquer
natureza”, sendo certo que essa última expressão deve, no caso dos planos funerários, fazer referência à atividades
entendidas como integrantes do conceito de serviços funerários.
37
Referência: OCDE (2007). Guia de Avaliação da Concorrência. Versão 1.0. Disponível em:
http://www.oecd.org/dataoecd/15/43/39680119.pdf. Acessado em 21.07.2010.
Fl 14 da Nota Técnica
06145/2012/ RJ
2º efeito - limitação da concorrência entre empresas:
i)
controlar ou influenciar substancialmente os preços de bens ou serviços;
ii) limitar a liberdade dos fornecedores de publicarem ou comercializarem os seus bens ou
serviços;
iii) fixar normas de qualidade do produto que beneficiem apenas alguns fornecedores ou que
excedam o que consumidores bem informados escolheriam;
iv) aumentar significativamente o custo de produção de apenas alguns fornecedores
(especialmente no caso de haver diferenciação no tratamento conferido a operadores históricos e
a concorrentes novos).
3º efeito - diminuir o incentivo para as empresas competirem:
i)
estabelecer um regime de autorregulamentação ou de corregulamentação;
ii) exigir ou estimular a publicação de dados sobre níveis de produção, preços, vendas ou
custos das empresas;
iii) isentar um determinado setor industrial ou grupo de fornecedores da aplicação da
legislação geral da concorrência;
54.
Realizando uma análise a luz do manual da OCDE, em tese, pode-se afirmar que a
opção da Prefeitura de Nova Iguaçu de delegar a prestação de serviços funerários a uma única
empresa, ainda que precedida de licitação e respeitada a legislação vigente, acaba por reduzir a
concorrência ao “conceder direitos exclusivos a um único fornecedor de bens ou de serviços”
(item i do 1º efeito).
55.
Ainda que tenha havido uma concorrência pelo mercado (ou seja, que as empresas
interessadas a atuar na prestação do serviço tenham disputado em igualdade de condições, via
certame licitatório, o direito para ser a monopolista), não se pode afastar o dano potencial à
concorrência. Isso porque uma vez realizado o certame com a restrição para que um único agente
preste o serviço, o vencedor atuará de forma exclusiva no mercado. Com isso, mesmo que o
preço máximo seja definido pela prefeitura, os consumidores não terão opção de preço ou
qualidade de serviço. Ressalta-se que um novo processo competitivo só ocorrerá quando houver
um novo procedimento licitatório, ou seja, após findo o prazo da delegação anterior.
56.
Afirma-se que há dano potencial à concorrência tendo em vista que o mercado de
prestação de serviços funerários não enseja características de monopólio natural. Não há indícios
de economias de escala, por exemplo, em tal atividade. Por isso, é possível afirmar que
possivelmente os consumidores poderiam desfrutar de preços mais baixos e melhor qualidade na
prestação do serviço se a prefeitura tivesse optado pela possibilidade de mais empresas atuarem
neste mercado. Isso ficará mais claro na Seção 3.2.3.
57.
Conclui-se, portanto, que a forma como a Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu
gerencia a prestação de serviços funerários no município, delegando a prestação dos mesmos de
modo exclusivo a uma única empresa, restringe a concorrência na prestação do serviço funerário.
Fl 15 da Nota Técnica
3.2.2.
06145/2012/ RJ
De Outros Impactos ao Bem-Estar Econômico
58.
Na Seção 3.1 deste articulado foi mencionado que não há um conceito padrão,
estabelecendo que tipo de serviço pode ser definido como funerário. Em função disso, cada
município determina quais os serviços se enquadram nessa definição. Dessa forma, serviços que
poderiam ser considerados mera atividade econômica, tendo preços e qualidade orientados pelas
condições de mercado, passam a ser influenciados pela intervenção do ente regulador, quando
classificados como serviços funerários.
59.
Com isso, inúmeros serviços que poderiam ser contratados diretamente no
mercado, situação em que consumidor poderia optar entre serviços qualitativamente distintos e
com preços variados, passam a ficar refém da regulamentação imposta pelos municípios. Esse
fato, invariavelmente, resulta em redução da competição nos mercados de prestação desses
serviços, prejudicando consumidores e, possivelmente, agentes econômicos interessados em
atuar nesses setores.
60.
Ressalta-se que enquanto não houver um conceito padronizado do que venha a ser
serviço funerário, não se pode questionar a definição dada pelo município, pois esse detém a
competência constitucional para regulamentar a matéria.
61.
Independentemente dessa questão, no entanto, o município de Nova Iguaçu pode e
deve atuar no sentido de permitir que outros agentes econômicos possam atuar no mercado,
aumentando a competição e dando opções aos consumidores.
62.
A concessão dos serviços a um único agente econômico restringe a competição no
mercado, como mencionado na Seção 3.2.1. Neste contexto, o monopolista não tem incentivos
para melhorar os seus serviços, pois, independentemente da forma como o executar, não há
alternativas para o consumidor no mercado. Este último fica, portanto, refém de um único
agente, tendo que se sujeitar ao serviço prestado, seja este bom ou ruim, e sem opções de preço
no mercado.
63.
Dessa forma, além da ineficiência causada pela redução da concorrência
potencial, há redução no bem-estar do consumidor pelo fato de a situação de monopólio não
estimular o monopolista a inovar; não há incentivo para melhoria do serviço; via de regra, a
empresa se restringe a atender a qualidade mínima determinada pelo regulador.
3.3.
Considerações sobre Possíveis Opções à Proposição
64.
Ao longo de toda a análise foram destacados três problemas fundamentais, sob o
ponto de vista concorrencial, envolvendo o segmento de serviços funerários: (i) classificação dos
mesmos como serviços públicos; (ii) inexistência de conceito padrão de serviços funerários; e
(iii) concessão de exclusividade na delegação dos serviços funerários no Município de Nova
Iguaçu.
65.
Acerca das questões colocadas, é oportuno enfatizar que, conforme se infere do
exposto na Seção 2 deste articulado, a regulação de qualquer mercado apresenta custos e
incertezas, decorrentes, dentre outros fatores, de assimetria de informação, possibilidade de
captura do ente regulador e, de um modo geral, de falhas de governo. Nesse sentido, a teoria
econômica recomenda que a regulação seja utilizada apenas para a correção de falhas de
mercado desde que os benefícios gerados pelo processo regulatório superem os custos
envolvidos.
Fl 16 da Nota Técnica
06145/2012/ RJ
66.
No caso dos serviços funerários, conforme já salientado, há indícios de que seria
potencialmente competitivo, caso não houvesse barreiras de ordem regulatória à entrada nos
níveis atuais. Por isso, a intervenção governamental nesse segmento deveria se restringir em
garantir às condições necessárias para a prestação de um serviço de qualidade e o respeito às
normas sanitárias e ambientais. Do contrário, qualquer limitação maior imposta aos agentes
econômicos geraria ineficiências no mercado, inibindo ou mesmo impossibilitando a atuação
eficiente por parte dos seus agentes.
67.
Dessa forma, para justificar, sob o ponto de vista teórico, a regulação desse
mercado além do estritamente necessário para garantir a qualidade dos serviços prestados e as
normas sanitárias e ambientais deve-se, no mínimo, apontar os benefícios decorrentes da
regulação e demonstrar que os mesmos mais que compensariam os custos da intervenção estatal.
68.
Vale ressaltar, que em outros países, a sociedade entendeu que não haveria
justificativas para as restrições à entrada existentes no Brasil. Em tais localidades, o poder
público estabelece uma série de requisitos que, uma vez atendidos, habilita o agente a entrar no
mercado em questão38. O interessado, simplesmente, deve preencher um questionário,
fornecendo as informações solicitadas pelo governo e declarar possuir as instalações e os
equipamentos necessários, mostrando-se apto a executar a prestação dos serviços funerários39.
Após análise do pedido e da documentação porventura anexada, a licença para a exploração dos
serviços é ou não concedida40.
69.
No Brasil, um dos principais argumentos utilizados para a defesa das restrições à
entrada no mercado de prestação de serviços funerários é que a concorrência acirrada poderia
estimular a prática de ações consideradas antiéticas, como a captação de corpos na porta de
hospitais. Ou seja, com a restrição concorrencial a atividade dos chamados “papa-defuntos”
estaria sendo inibida. O objetivo, portanto, seria proteger a família do de cujus em momento
emocional tão difícil.
70.
Embora a intenção da estratégia seja meritória e salutar, esta Secretaria considera
que não seja a mais adequada. Para evitar a conduta antiética de alguns agentes de mercado, a
concorrência não precisa ser sacrificada, basta que haja fiscalização e punições aos agentes que
atuarem de forma inapropriada. Como já mencionado, a ausência de competição no mercado
desestimula a melhora do serviço por parte do agente econômico e prejudica o consumidor pela
falta de opções e, invariavelmente, pela prática de preços superiores ao que seriam praticados em
mercados competitivos.
71.
No contexto apresentado, constata-se que há margem para aperfeiçoamentos que
beneficiariam a sociedade, notadamente o consumidor, ao se permitir a ampliação da
concorrência no mercado de prestação de serviços funerários em Nova Iguaçu.
72.
No caso deste município, uma alternativa de impacto imediato, a depender das
regras que balizaram a licitação que culminou no direito ao monopólio, seria a permissão para
que várias empresas prestem os serviços funerários, desde que atendam requisitos mínimos de
ordem sanitária, ambiental e social, por exemplo. Esses requisitos devem ser especificados pelo
próprio município.
38
Em British Columbia, Canadá, por exemplo, a norma regulatória dispõe sobre os documentos e requisitos que os
agentes interessados em ingressar no mercado precisam possuir. Essa norma está disponível em:
http://www.bclaws.ca/EPLibraries/bclaws_new/document/ID/freeside/11_298_2004#section31. Último acesso em:
21/12/2011.
39
O questionário referente ao estado de Delaware, Estados Unidos, por exemplo, pode ser obtido no seguinte sítio:
http://dpr.delaware.gov/boards/funeralservices/documents/Funeral_Establishment_Application.pdf. Último acesso
em: 21/12/2011.
40
Note que, embora seja necessária a autorização governamental para a entrada no mercado, o procedimento, em
tese, é mais simples, favorecendo a entrada e, consequentemente, a competição no setor.
Fl 17 da Nota Técnica
06145/2012/ RJ
73.
De fato, a Seção 3.2 já apontou os danos potenciais que o monopólio em Nova
Iguaçu causa aos consumidores e a outros agentes de mercado. Ademais, conforme já abordado
ao longo deste articulado, o segmento voltado à prestação de serviços funerários é
potencialmente competitivo. Não fosse a prestação desses serviços envolver questões de ordem
sanitárias e ambientais, por exemplo, a solução de mercado poderia ser a mais adequada a esse
segmento. Nesse sentido, o foco do município em questão deve ater-se à regulamentação da
qualidade dos serviços e à preservação das condições sanitárias e ambientais já mencionadas,
incentivando o caráter competitivo do mercado.
74.
Dessa forma, o Município de Nova Iguaçu deveria modificar o modo de
delegação desses serviços e permitir a exploração dos mesmos por outros agentes econômicos
interessados a ingressar no mercado. Na Seção 3.1 foi demonstrado que a exigência de prévia
licitação para a delegação de serviços públicos não implica concessão de exclusividade. Pelo
contrário, o consumidor deve ter o direito de obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha
entre vários prestadores, sempre que possível e desde que observadas as normas do poder
concedente.
75.
Outro potencial aperfeiçoamento é padronizar o conceito de serviço funerário.
Trata-se de medida importante com vistas a mitigar o risco de que tal atividade tenha escopo
diferenciado entre municípios, muitos dos quais vizinhos. Ao se fazer isso, a concorrência é
favorecida, pois empresas que atendem uma determinada localidade passam a ter mais condições
de atender outras.
76.
A padronização em questão poderia ser feita por meio de elaboração e discussão
de projeto de lei no Congresso Nacional, especificando quais os serviços que poderiam ser
enquadrados nesse conceito41. Para tanto, seria importante a participação das autoridades
sanitárias, que têm competência para estabelecer esta definição.
77.
Por fim, julga-se oportuno que a sociedade avalie o enquadramento dos serviços
funerários como serviços públicos42. Todavia, trata-se de questão que merece um amplo debate,
já que há amplo entendimento doutrinário e jurisprudencial, classificando os serviços funerários
como serviços públicos. Em virtude disso, é provável a necessidade de elaboração e a discussão
de projeto de lei no âmbito do Congresso Nacional.
78.
A alternativa à revisão do enquadramento dos serviços funerários como serviços
públicos seria a modificação na forma de delegação dos serviços funerários, de modo a permitir
que os serviços públicos que apresentassem mercados potencialmente competitivos tivessem
flexibilizados seu modo de delegação. Entretanto, também é provável que, para ser
implementada, sejam necessárias elaboração e a discussão de projeto de lei no âmbito do
Congresso Nacional, com a inevitável participação das autoridades sanitárias.
41
Ressalta-se que deve estar pacificado que não haveria, nesta alternativa, desrespeito à Constituição Federal quanto
à competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local. De fato, considerando o que a doutrina
entende por lei nacional e lei federal, a criação de um conceito de serviço funerário por parte da União estaria de
acordo com as competências que lhe foram atribuídas pela Constituição Federal. Obviamente, é vedado à União, por
exemplo, o estabelecendo de normas sobre o modo de prestação e organização dos serviços funerários. Tais
parâmetros integram exatamente o que se deve entender por assuntos de interesse local, cuja competência legislativa
cabe aos municípios. Esta competência, no entanto, não se apresenta incompatível com o estabelecimento pela
União de um conceito padrão para serviço funerário. Tem-se assim o exercício de duas competências distintas, por
entes federativos distintos que, no entanto, se complementam.
42
Destaca-se que o simples enquadramento dos serviços ora analisados como serviço público traz embutida uma
série de restrições concorrenciais em função do estabelecido em legislações nacionais, como as Leis nº 8.987/95 e nº
8.666/93. Dessa forma, conforme já exposto ao longo deste articulado, a execução desses serviços não pode ser
considerada mera atividade econômica, negociada livremente no mercado. A prestação desses serviços é regulada
pelo governo municipal e a entrada no mercado é precedida de licitação.
Fl 18 da Nota Técnica
06145/2012/ RJ
79.
Diante do exposto, esta Secretaria entende que a alternativa a ser priorizada seja a
revisão do modelo de licitação do Município de Nova Iguaçu, no sentido de se permitir que
outros agentes econômicos prestem o serviço funerário.
4.
Da Conclusão e Recomendações
80.
A análise desta Secretaria procurou atender a demanda da SDE no sentido de que
fossem adotadas, no âmbito da advocacia da concorrência, as medidas necessárias para mitigar
possíveis efeitos deletérios à concorrência provocados pelo modo como a Prefeitura Municipal
de Nova Iguaçu realiza a delegação dos serviços funerários. Procurou-se avaliar se a solução
adotada pelo município é eficiente do ponto de vista econômico. O resultado obtido foi que
alterações no modo de delegação dos serviços podem ser realizadas, em função dos seguintes
fatores:
(i)
O município delega a um único agente econômico a prestação de serviços funerários na
localidade;
(ii)
Em função do exposto no item anterior, não há competição no mercado, ficando os
consumidores sem opção de escolha;
(iii) Ainda decorrente de (i), o único agente que atua no mercado não tem incentivos para
melhorar a qualidade dos serviços prestados;
(iv) O segmento de serviços funerários é potencialmente competitivo, devendo a
regulamentação restringir-se a normatizar questões qualitativas e de ordem sanitária e
ambiental;
(v)
Ausência de benefícios aos consumidores e de justificativas econômicas para a forma
como é feita a delegação dos serviços; e
(vi) Prejuízo a concorrentes e a empresas do mercado de planos funerários.
81.
Além disso, constatou-se que a ausência de uma definição padrão para serviços
funerários prejudica a regulação eficiente neste mercado, pois torna possível que:
(i)
Alguns municípios classifiquem como serviços funerários atividades que poderiam ser
negociadas livremente no mercado;
(ii)
Em função do exposto no item anterior, os serviços, que não seriam públicos, passam a ter
que se submeter às regulamentações do poder público local, o que, invariavelmente,
restringe a competição nesses mercados;
(iii) Consumidores e outros agentes econômicos, como empresas do ramo de planos funerários,
possam vir a ser prejudicados.
82.
Por sua vez, a própria classificação dos serviços funerários no âmbito dos serviços
públicos representa, por si só, restrição à concorrência no mercado, em função das normas
existentes que regem a delegação de serviços públicos.
83.
(i)
Diante de todo o exposto, esta Secretaria recomenda que:
O Município de Nova Iguaçu permita que outros agentes participem da oferta dos serviços
funerários e concentre sua regulação na expedição de normas qualitativas e de ordem
sanitária e ambiental; e
Fl 19 da Nota Técnica
(ii)
06145/2012/ RJ
Sejam promovidos debates, no âmbito do governo federal, para se discutir a necessidade e
a conveniência de se promover alterações legislativas com o objetivo de (a) não mais
classificar serviços funerários como serviços públicos e (b) estabelecer um conceito mais
uniforme de serviços funerários.
84.
Nesse sentido, sugere-se o encaminhamento da presente nota técnica aos seguintes
órgãos para a adoção das medidas que julgarem necessárias:
(i)
Câmara Legislativa do Município de Nova Iguaçu;
(ii)
Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu;
(iii) Conselho Administrativo de Defesa Econômica43;
(iv) Ministério da Saúde; e
(v)
Anvisa;
À consideração superior.
ABEL ABDALLA TORRES
Assistente Técnico
ANDREY GOLDNER BAPTISTA SILVA
Coordenador-Geral de Infraestrutura Urbana e Recursos Naturais
De acordo.
RUTELLY MARQUES DA SILVA
Secretário-Adjunto de Acompanhamento Econômico
ANTONIO HENRIQUE PINHEIRO SILVEIRA
Secretário de Acompanhamento Econômico
43
A solicitação do presente estudo foi realizada pela SDE, após avaliar inexistentes indícios de conduta
anticompetitiva no mercado. A referida Secretaria, no entanto, não faz parte da nova estrutura do Sistema Brasileiro
de Defesa da Concorrência estabelecida pela Lei nº 12.529/2011. Dessa forma, entende-se por bem encaminhar o
presente estudo ao Cade, para ciência do órgão.

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