Nota Técnica n.º 6016/2013/DF COGUN/SEAE/MF

Transcrição

Nota Técnica n.º 6016/2013/DF COGUN/SEAE/MF
MINISTÉRIO DA FAZENDA
Secretaria de Acompanhamento Econômico
Coordenação-Geral de Infraestrutura Urbana e Recursos Naturais
Nota Técnica n.º 06016/2013/DF
COGUN/SEAE/MF
Brasília, 28 de fevereiro de 2013.
Prestação de Serviços Funerários no
Município de Curitiba/PR
Assunto:
Recomendação: (i) fim do rodízio entre os
permissionários; (ii) não estabelecer preços
fixos para os serviços obrigatórios, liberando-os
gradativamente;
(iii)
flexibilização
das
condições de entrada no mercado; (iv)
concentrar a regulação em normas qualitativas e
de ordem sanitária e ambiental, visto que o setor
é potencialmente competitivo; e (v) promoção
de debates no âmbito do governo federal, para
se discutir a necessidade e a conveniência de se
promover alterações em normas legislativas que
afetam o mercado.
Acesso: Público
1 - Introdução
1.
A Organização Social de Luto Curitiba S/C Ltda1 solicitou, em audiência nesta
Secretaria, certificado de autorização para exercer a atividade de vendas de planos funerários,
alegando que era vítima de perseguição e da imposição de obstáculos ao seu funcionamento.
Ressalta-se que este pleito foi devidamente enviado à área competente desta Secretaria, não
sendo objeto desta nota.
2.
Ademais, a empresa em questão (doravante denominada representante) entregou a
esta Secretaria documento de novembro de 2004 em que denúncia um suposto cartel formado
pelas 21 permissionárias que prestavam serviços funerários em Curitiba/PR e que envolveria a
própria prefeitura do município2. Na opinião da representante, o conluio ficaria explícito (i) pelos
preços praticados no mercado com a autorização da prefeitura, que garantiam elevada margem
aos permissionários e (ii) pelo reajuste dos serviços funerários, por meio de decreto municipal,
em percentuais muito acima da inflação verificada no período3.
1
A referida organização, com sede na cidade de Curitiba, atua no segmento de prestação de serviços de assistência
funeral, disponibilizando aos seus clientes planos de luto (serviço funerário). Informações obtidas em:
http://www.lutocuritiba.com.br/. Último acesso em: 02 de maio de 2012.
2
Denúncia similar havia sido feita à Prefeitura Municipal de Curitiba pela Funerária Paranaense, no ano de 1998.
3
No âmbito da Ação Civil Pública nº 39004/2002 foi realizado laudo pericial com a finalidade de verificar se havia
justificativa para o aumento nos percentuais autorizados pelo Decreto nº 60/2002. Para isso, foi feito um
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3.
Ainda de acordo com a representante, o consumidor não teria direito de escolha
no momento da contratação do serviço funerário. Isso porque os serviços deveriam ser
contratados por meio de uma central de atendimento criada pela prefeitura, que estabelecia um
rodízio sequencial entre as 21 permissionárias autorizadas pelo município. Além disso, a
representante mencionou que estaria sofrendo uma série de restrições por parte da prefeitura, que
teria lhe negado licença para mudança de endereço e para a instalação de capela própria.
4.
Finalmente, a representante alegou que a razão para a exclusão de empresas que
operam planos de serviços funerários residiria no fato de que esta atividade dificultaria a
exploração, por parte das empresas funerárias, dos serviços ditos acessórios. Tal fato restringiria
a atuação das funerárias à venda de urnas e transporte do corpo, uma vez que as demais despesas
já teriam sido contempladas pelo plano funerário.
5.
Além do documento apresentado pela representante, destacam-se: (i) normas
legislativas responsáveis pela regulamentação do serviço funerário no Município de Curitiba ao
longo dos anos e (ii) relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), de outubro de 2001,
instaurada no âmbito da Câmara Municipal de Curitiba para apurar denúncias sobre o
funcionamento de permissionárias de serviço funerário no município4.
6.
Entre as conclusões da referida CPI, devem ser citadas: (i) o município tem
competência para regulamentar os serviços públicos, obedecida as legislações federal e estadual
sobre a matéria; (ii) o poder público municipal tem competência para organizar os serviços
públicos de interesse local e dispor sobre os serviço funerários; e (iii) o sistema de
escalonamento aleatório é positivo e usual. A CPI apresentou ainda as seguintes recomendações:
(i) instauração de procedimento licitatório para a concessão dos serviços funerários; (ii)
elaboração, pelo legislativo local, de projeto de lei que regulamente o serviço funerário local;
(iii) fiscalização adequada dos serviços executados pelas permissionárias; (iv) controle da
emissão de notas fiscais pelas permissionárias para afastar a evasão fiscal; e (v) intervenção do
prefeito municipal para que se adote um regulamento conjunto para todo o serviço funerário
prestado na Região Metropolitana de Curitiba. Por fim, a CPI relatou que não encaminhou cópia
dos trabalhos ao Ministério Público, pois não vislumbrou indícios de ilícito penal, improbidade
administrativa ou violação ao Código de Defesa do Consumidor, mas apenas irregularidades
administrativas sanáveis. In verbis:
Por fim, convém salientar que como não se vislumbram indícios de ilícito penal,
improbidade administrativa ou violação ao Código do Consumidor, mas apenas
algumas irregularidades administrativas, por consequência, sanáveis, deixamos
de sugerir a remessa do presente expediente ao Ministério Público.
7.
No contexto em questão, considerando suas competências legais, o objetivo desta
nota é analisar os fatos apresentados pela representante e avaliar possíveis aperfeiçoamentos
regulatórios em prol da concorrência no mercado de serviços funerários em Curitiba. Para tanto,
esta nota será dividida da seguinte forma: a seção 2 descreve as atribuições da Seae na promoção
da concorrência; a seção 3 descreve a regulação e o funcionamento dos serviços funerários em
Curitiba; a seção 4 apresenta aspectos teóricos sobre a regulação de mercados; a seção 5 analisa
o caso concreto do mercado de serviços funerários de Curitiba; finalmente, a seção 7 apresenta
as conclusões e as recomendações desta Secretaria.
comparativo da evolução dos preços dos serviços funerários com índices de inflação, constatando que os reajustes
aplicados aos primeiros foram muito superiores à evolução da mesma (fls. 93 a 110 dos autos).
4
Dentre elas, a denúncia realizada pela Funerária Paranaense, já mencionada em rodapé anterior.
Fl 3 da Nota Técnica
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2 - Das Atribuições da Seae
8.
Na atual configuração do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC),
a Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 20115, estabelece a competência da Seae para “propor a
revisão de leis, regulamentos outros atos normativos da administração pública federal, estadual,
municipal e do Distrito Federal que afetem ou possam afetar a concorrência nos diversos setores
econômicos do país”6.
9.
Ademais, o Decreto nº 7.482/2011 define como atribuição da Seae “propor
coordenar e executar as ações do Ministério, relativas à gestão das políticas de regulação de
mercados, de concorrência e de defesa da ordem econômica”7 e “promover o funcionamento
adequado do mercado”8, além de “avaliar e manifestar-se acerca dos atos normativos e
instrumentos legais que afetem as condições de concorrência e eficiência na prestação de
serviços, produção e distribuição de bens”, articulando-se com os órgãos públicos responsáveis9.
10.
Já quanto às supostas infrações à ordem econômica, a Lei nº 12.529/2011
estabelece que compete à Superintendência Geral do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) “promover, em face de indícios de infração da ordem econômica,
procedimento preparatório de inquérito administrativo e inquérito administrativo para apuração
de infrações à ordem econômica”10, bem como, “instaurar e instruir processo administrativo para
a imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica”11.
11.
Dentro do rol de atribuições desta Secretaria, conforme exposto, está a advocacia
da concorrência, que consiste em esclarecer e incutir nos agentes econômicos (dentre os quais
estão agentes privados e públicos) os ganhos alocativos e produtivos que a introdução e
manutenção da concorrência produzem. Tais benefícios, de modo geral, se traduzem em preços
menores e qualidade superior de bens e produtos, além de maior incentivo à inovação
tecnológica. Em suma, a advocacia da concorrência visa fomentar a concorrência na sociedade (o
que necessariamente inclui o meio empresarial) e nos órgãos da Administração Pública.
12.
Uma das formas de se promover a advocacia da concorrência é a identificação,
pelos órgãos que compõem o SBDC, de normas legais ou infralegais (municipais, estaduais ou
federais) que tenham o condão de ferir ilicitamente a livre iniciativa ou a livre concorrência,
previstas no artigo 170, inciso IV12, da Constituição Federal, impedindo que a sociedade goze
dos benefícios oriundos da concorrência.
5
Essa lei determina a estrutura do SBDC. De acordo com a mesma, o SBDC é composto pela Secretaria de
Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda, e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica,
órgão ligado ao Ministério da Justiça.
6
Art. 19. Compete à Secretaria de Acompanhamento Econômico promover a concorrência em órgãos de governo e
perante a sociedade cabendo-lhe, especialmente, o seguinte:
.....................................................................................................................................................................................
VI - propor a revisão de leis, regulamentos outros atos normativos da administração pública federal, estadual,
municipal e do Distrito Federal que afetem ou possam afetar a concorrência nos diversos setores econômicos do
país;
7
Art. 29, inciso I.
8
Art. 29, inciso VII.
9
Art. 29, inciso VII, alínea e, c/c, art. 29, inciso XI.
10
Art. 13, inciso III.
11
Art. 13, inciso V.
12
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
.....................................................................................................................................................................................
IV - livre concorrência;
.....................................................................................................................................................................................
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13.
Neste contexto, a Seae pode realizar estudo com o objetivo de fomentar mudanças
na estrutura regulatória editada por um ente público, no caso, o Município de Curitiba, com
vistas a levantar alguns pontos acerca do mercado de prestação de serviços funerários e orientar
ações de advocacia da concorrência. Ressalta-se que, do ponto de vista institucional, a Seae não
constitui instância deliberativa dentro do SBDC, embora possa provocar ou instigar eventuais
mudanças normativas ou regulatórias.
14.
Vale destacar a importância de estabelecer como objetivo da regulação a melhoria
da prestação do serviço de prestação de serviços funerários para o usuário. Neste contexto, a
concorrência tem o potencial de garantir eficiência e qualidade na prestação deste serviço. No
entanto, uma regulação adequada não envolveria somente um ambiente mais propício à
concorrência, mas incluiria ainda fiscalização eficaz, programas de treinamento para os
prestadores de serviços, central de atendimento ao usuário, entre outras questões.
15.
Cabe mencionar que os órgãos de defesa da concorrência têm recebido queixas
quanto á prestação de serviços funerários em alguns municípios, que refletem a percepção
acertada do consumidor de que é possível aumentar a concorrência no mercado. Na maioria das
vezes, a não exploração do potencial competitivo do segmento advém de uma regulação
defasada, adotada pelos municípios, que não leva em consideração as questões relativas à
concorrência.
16.
Enfatiza-se que as conclusões da Seae sobre a matéria possuem caráter opinativo,
servindo apenas para orientar a elaboração de regulamentos mais atinentes à concorrência no
mercado. O ente municipal tem liberdade para construir regulamentos para disciplinar o serviço
funerário em seu território, o que inclui a possibilidade de aceitar ou rejeitar recomendações
desta Secretaria.
17.
Diante do exposto, constata-se não compete a esta Secretaria a investigação da
denúncia de cartel que lhe foi apresentada. Esta atribuição é do Cade. Por esta razão, a nota não
abordará esta questão. Ademais, deve ser ressaltado que a representante não apresentou qualquer
indício da suposta conduta ilícita, motivo pelo qual esta Secretaria não enviou a denúncia em
questão ao Cade. A representante apenas mencionou sua existência, relacionando-a com as
portarias da Prefeitura de Curitiba em que são fixados os preços a serem praticados.
18.
Por outro lado, ao analisar o material que lhe foi entregue, esta Secretaria tomou a
decisão de identificar a possibilidade de aperfeiçoar o arcabouço regulatório do Município de
Curitiba aplicável ao setor funerário. Neste intuito, a próxima seção apresenta o arcabouço
regulatório e o funcionamento do mercado de serviços funerários em Curitiba.
3 - Serviços Funerários em Curitiba: Regulação e Funcionamento
19.
Originalmente, a prestação do serviço funerário no Município de Curitiba era
regida pela Lei Municipal nº 2.819/6613 que, desde aquela época, já estabelecia que o referido
serviço (i) seria de utilidade pública; (ii) poderia ser delegado a particulares, mediante permissão,
com ou sem exclusividade; e (iii) teria sua tarifa fixada pelo chefe do Poder Executivo. Por sua
vez, o serviço funerário municipal foi criado pela Lei nº 5.000/7414, sendo de caráter facultativo
e gratuito, destinado a atender sepultamentos nos cemitérios públicos municipais.
13
Disponível em: http://www.leismunicipais.com.br/legislacao-de-curitiba/892679/lei-consolidada-2819-1966curitiba-pr.html. Último acesso em 14 de maio de 2012.
14
Disponível em: http://www.leismunicipais.com.br/legislacao-de-curitiba/898793/lei-consolidada-5000-1974curitiba-pr.html. Último acesso em 14 de maio de 2012.
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20.
Sob a égide das leis acima mencionadas, o Decreto nº 475/87 15 editou novo
regulamento para a prestação dos serviços funerários municipais, dispondo, dentre outros temas,
que novas permissões decorreriam de prévio procedimento licitatório e que a Secretaria
Municipal de Meio Ambiente seria o órgão competente para disciplinar determinados aspectos
relacionados ao mercado. Dessa forma, em 1991, a referida secretaria, por meio das Instruções
Normativas nº 01, 02 e 03, buscou disciplinar a prestação de serviços de forma escalonada pelas
permissionárias (sistema de rodízio). Tal fato teria resolvido, em grande parte, problemas
relacionados ao agenciamento de corpos, possibilitando a atuação de todas as permissionárias no
mercado16.
21.
Atualmente, o serviço funerário no Município de Curitiba é regido pela Lei nº
17
10.595/2002 e pelo Decreto nº 699/200918, que regulamenta o exercício da atividade.
Conforme o decreto citado, em seus artigos 1º19 e 2º20, o serviço funerário tem caráter público e
essencial, podendo ser exercido diretamente ou outorgado a terceiros, mediante prévia licitação.
As concessões seriam feitas até que fosse atingido o número máximo de uma empresa funerária
para cada 70 mil habitantes, conforme expresso no parágrafo único, do seu artigo 2º21.
22.
Apesar de ser exigida a realização de procedimento licitatório desde a vigência do
Decreto nº 475/87 para a concessão da prestação de serviços funerários, as permissionárias que
atuavam no município, até a data de conclusão do relatório da CPI (16 de outubro de 2001), não
haviam participado de qualquer licitação. Infere-se que esse fato tenha se estendido até
recentemente. Isso porque em audiência realizada na Câmara Municipal de Curitiba, em 22 de
março de 2012, a Secretária Municipal do Meio Ambiente, Sra. Marilza Dias, informou que
apenas em 20 de março de 2012 foi concluído processo licitatório, em trâmite desde 2008,
concedendo o direito de exploração do serviço funerário municipal a 26 empresas22.
23.
Destaca-se que o Decreto nº 699/2009 (i) manteve o sistema de rodízio, porém, o
revezamento entre as permissionárias passou a ser feito de forma aleatória23 e não mais
cronológica24; (ii) divide os serviços funerários em25 serviços obrigatórios26, serviços facultativos
15
Esse decreto aprovou o regulamento das empresas funerárias de Curitiba, revogando o Decreto nº 454/78.
Informações retiradas do relatório da CPI da Câmara Municipal de Curitiba.
17
Alguns de seus dispositivos foram alterados pela Lei nº 11.643/2005, Lei nº 12.336/2007 e Lei nº 12.756/2008.
Disponível
em:
http://www.leismunicipais.com.br/legislacao-de-curitiba/887295/lei-consolidada-10595-2002curitiba-pr.html. Último acesso em 14 de maio de 2012.
18
Disponível em: http://www.leismunicipais.com.br/legislacao-de-curitiba/761339/decreto-699-2009-curitibapr.html . Último acesso em 14 de maio de 2012.
19
Art. 1º - O serviço funerário municipal tem caráter público e essencial conforme dispões no artigo 10, inciso IV da
Lei Federal nº 7.783, de 28 de junho de 1989 e no artigo 11, inciso IX, da Lei Orgânica do Município de Curitiba,
podendo ser exercido diretamente ou outorgado a terceiros por concessão e consiste na prestação de serviços ligados
à organização e realização de funerais, remunerados por meio de cobrança de tarifa, conforme estabelecido neste
regulamento, portarias, resoluções e demais atos normativos expedidos pela autoridade competente.
20
Art. 2º - A outorga dos serviços será precedida de licitação observando-se as prescrições estabelecidas pela Lei
Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 e atendendo ao disposto no artigo 104, da Lei Orgânica do Município
de Curitiba.
21
Parágrafo único. Adotar-se-á, como critério para outorga dos serviços, o número máximo de uma empresa
funerária para cada 70.000 (setenta mil) habitantes, segundo o censo oficial.
22
Informação retirada de relatório sobre audiência pública realizada na Câmara Municipal de Curitiba em 22 de
março de 2012, disponível em: http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.php?not=18452. Último acesso em: 07 de maio de
2012.
23
Art. 5º - As concessionárias, sob supervisão permanente do Poder Público Municipal, para garantia da divisão
equitativa, atenderão aos usuários de forma escalonada, mediante escolha aleatória, através de sistema eletrônico de
processamento de dados, visando afastar a prática do agenciamento na busca de clientes.
24
Caso a família não concorde com as condições estipuladas pela empresa sorteada para a prestação dos serviços, o
decreto, no parágrafo 2º, do art.5º, dispõe da seguinte forma:
16
§2º. Na hipótese da família não concordar com as condições propostas pela concessionária
indicada por meio de escolha aleatória em lote oneroso, por sua opção e mediante justificativa,
poderá retornar ao Serviço Funerário Municipal para a escolha aleatória de outra, sendo que a
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tabelados27 e serviços facultativos adquiridos livremente28; e (iii) estabelece que compete à
Secretaria Municipal do Meio Ambiente29 a fixação dos preços dos serviços funerários no
município, que devem ser aprovados por ato do chefe do Poder Executivo30, sendo fixos para os
serviços considerados obrigatórios e máximos para os serviços facultativos tabelados31.
24.
Ressalta-se que a questão do rodízio entre as permissionárias tem sido tema de
debates desde a sua criação. Em audiência recente realizada na câmara municipal, já mencionada
neste tópico, a prefeitura defendeu a permanência do rodízio, a fim de evitar o agenciamento
ilícito de cadáveres, enquanto os sindicatos das funerárias defenderam o direito de livre escolha
da funerária por parte dos consumidores. In verbis:
Uma audiência pública na tarde desta quinta-feira (22), na Câmara Municipal,
debateu a questão do rodízio de funerárias em Curitiba. O evento foi proposto
pelo vereador Jair Cézar (PSDB), presidente da Comissão de Serviço Público.
Enquanto a prefeitura defendeu a necessidade de permanência do rodízio da
forma como está, para evitar o agenciamento ilícito de cadáveres e o assédio
indiscriminado das famílias pelas funerárias, sindicatos da categoria defenderam
o direito de livre escolha pelos curitibanos na hora de optar pelo prestador de
serviço.
25.
Finalmente, o Decreto nº 699/2009 dispõe ainda sobre: (i) as condições das
instalações, sede, veículos e equipamentos das concessionárias; (ii) os direitos dos usuários; (iii)
as obrigações das concessionárias e dos usuários e; (iv) as penalidades aplicadas ás
concessionárias em caso de descumprimento das normas municipais, destacando-se a
possibilidade de suspensão temporária das atividades ou mesmo da cassação da concessão32.
4 - Aspectos Teóricos sobre Regulação de Mercados
26.
A regulação pode ser entendida como a intervenção governamental que, por meio
de seu poder coercitivo, limita a atuação dos agentes no mercado. Stone (1982)33 definiu
regulação como:
primeira, para a garantia da divisão equitativa, será compensada imediatamente no mesmo ou no
próximo lote oneroso da escolha aleatória, conforme o caso.
25
Art. 6º - Serão considerados partes integrantes dos serviços funerários, as seguintes atividades: I – serviços
obrigatórios: (...) II – serviços facultativos tabelados (prestados exclusivamente por concessionárias): (...) III –
serviços facultativos, adquiridos livremente pelos usuários, compreendendo: (...)
26
O decreto inclui nesta categoria: (i) a preparação do corpo sem vida; (ii) o fornecimento de urna no padrão
escolhido pelos familiares; (iii) a montagem e manutenção dos velórios; e (iv) o transporte de corpos sem vida
dentro dos limites da capital e fora destes, nas hipóteses previstas no regulamento.
27
Enquadram-se nessa categoria: (i) ornamentação de urna; (ii) paramentos fora do padrão da urna tabelada; (iii)
obtenção de documentos para funerais; (iv) serviços para obtenção da 1ª via da certidão de óbito; (v) véu em tule;
(vi) maquiagem necrófila; e (vii) toilete.
28
Exemplos desses serviços: (i) aluguel de capela; (ii) flores e coroas; (iii) transporte de cadáveres humanos
exumados; (iv) tanatopraxia; (v) embalsamento; (vi) reconstituição; e (vii) cinerários.
29
Art. 7º - Compete à Secretaria Municipal do Meio Ambiente, em relação ao serviço funerário: (...) III- fixar
tarifas, mediante ato próprio; IV – intermediar todos os ajustes entre usuários e concessionárias; V – fixar e
fiscalizar o tabelamento dos serviços, relacionados no artigo 6º, inciso II, deste regulamento; (...).
30
Art. 12 – As tarifas serão propostas pelo Secretário Municipal do Meio Ambiente e aprovadas por ato do chefe do
Poder Executivo Municipal.
31
É o que se infere pela leitura dos Anexos I e II do decreto nº 699/2009. Disponível em:
http://www.leismunicipais.com.br/legislacao-de-curitiba/761339/decreto-699-2009-curitiba-pr.html . Último acesso
em 14 de maio de 2012.
32
Ressalta-se que há ainda nos autos uma série de normas (leis, decretos e instruções normativas, por exemplo) que
vem regulamentando a atividade de prestação de serviços funerários no Município de Curitiba ao longo dos anos.
33
Stone, Alan. Regulation and Its Alternatives. In Viscusi, W. Kip; Vernon, John M.; Jr, Joseph E. Harrington.
Economics of Regulation and Antitrust. Second edition. MIT press, p. 307. 1995.
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A state imposed limitation on the discretion that may be exercised by
individuals or organizations, which is supported by the threat of sanction.
27.
A primeira teoria a tratar do tema foi a Teoria do Interesse Público, que dispõe
que a atividade regulatória do Estado deve ser direcionada à correção de falhas de mercado.
Segundo essa teoria, a intervenção regulatória estatal seria não onerosa e capaz de corrigir as
imperfeições do mercado, aumentando a eficiência econômica e o bem estar social. Trata-se,
portanto, de uma teoria normativa34 e pró-regulatória, voltada à correção das falhas de mercado.
28.
Observou-se, no entanto, que a Teoria do Interesse Público não conseguia explicar
porque a regulação de determinados mercados não alcançava os objetivos almejados de aumento
de eficiência econômica e bem estar social. Nesse sentido, algumas teorias, vinculadas à escola
positiva35, surgiram a fim de demonstrar como ocorre o processo regulatório: (i) a Teoria da
Captura36; (ii) a Teoria Econômica da Regulação; e (iii) a Teoria da Escolha Pública.
29.
A primeira afirma que o ente regulador pode ser capturado pelo setor regulado.
Dessa forma, a regulação imposta ao mercado não atenderia os interesses sociais e sim das
empresas. A segunda amplia essa questão, afirmando que inúmeros grupos de interesse
pressionam o ente regulador e que a regulação beneficia o grupo que exerce maior influência
sobre esse órgão37. Grupos menores e bem organizados seriam mais propensos a obter benefícios
da regulação do que grupos difusos. Já a terceira aplica conceitos da microeconomia na
compreensão do jogo político38, chegando à conclusão de que a escolha pública é irracional, do
ponto de vista social, e ineficiente.
30.
Essas teorias vinculadas à escola positiva demonstram que a intervenção estatal
pode ser onerosa e pode gerar ineficiências, pois há inúmeras dificuldades que devem ser
consideradas ao longo do processo regulatório.
31.
Thomas e Stoneham (2011)39, por exemplo, apresentam uma série de fatores que
explicariam a origem de custos inerentes ao processo regulatório. Dentre eles, destacam-se: (i)
ausência de informações, por parte do regulador, sobre a distribuição dos custos de produção e
das preferências dos consumidores (hidden information)40; (ii) dificuldade do órgão regulador
em verificar se os agentes regulados estão cumprindo as normas impostas (hidden action)41; (iii)
dificuldade do órgão regulador em prever contingências futuras que possam dificultar o
cumprimento das obrigações pelos agentes regulados (incomplete regulatory contracts); e (iv)
problemas relacionados à complexidade das transações, podendo impor elevados custos de
transação e de cumprimento da norma regulatória.
34
Esse arcabouço teórico aponta as razões que levariam à regulação de mercados e é denominada de teoria positiva.
As teorias dessa escola buscam demonstrar os meandros do processo regulatório, ou seja, analisar como é feita a
regulação econômica.
36
Alguns autores não fazem a distinção entre a Teoria da Captura e a Teoria Econômica da Regulação, considerando
a primeira como parte integrante da segunda.
37
Segundo Posner (1974, p. 15), a Teoria Econômica da Regulação sugere que o processo regulatório seria o
resultado das forças de oferta e demanda por normas regulatórias. The economic theory insists that regulation be
explained as the outcome of the forces of demand and supply. National Bureau of Economic Research. Theories of
Economic Regulation. Posner, Richard A. Working Paper nº 41. New York. May, 1974. Disponível em:
http://www.nber.org/papers/w0041.pdf . Último acesso em: 30de agosto de 2011.
38
A teoria parte do princípio de que os indivíduos, independentemente da esfera em que atuam, são maximizadores
do interesse próprio. Nesse sentido, os políticos agiriam no intuito de maximizar seus votos e os burocratas de
maximizar o orçamento. Nesse contexto, o governo atuaria como agente comprador de políticas regulatórias da
burocracia.
39
Department of Treasury and Finance. Innovative Approaches to Regulation: The Role of Information and
Incentives. Thomas, Claire and Stoneham, Gary. April, 2011.
40
Segundo o autor, essa falta de informações introduz o risco de seleção adversa ao processo regulatório, podendo o
mesmo beneficiar firmas com custos mais elevados.
41
Esse fato está no cerne do problema conhecido como risco moral (moral harzard).
35
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32.
Sintetizando, as teorias da escola positiva destacam que a solução estatal pode não
ser melhor que a solução de mercado, pois o governo também está sujeito a falhas. Ou seja, para
essas teorias, o mercado pode ser a instituição mais adequada na promoção do bem estar social.
Salgado (2003)42 abordou essa questão da seguinte forma:
As teorias da escolha pública e da regulação entendem que o interesse público
já é representado de forma eficiente por meio do mecanismo de mercado;
qualquer outra instituição – como o mercado político – apenas contribui para
confundir os sinais fornecidos pelo sistema de preços e comprometer a
eficiência do sistema. (...). O pressuposto é de que o livre mercado é a
representação perfeita do interesse público.
(...)
A ideia central é que a mão invisível da política, ao contrário de sua contraparte
no mercado, produz incentivos distorcidos e informação enviesada, de modo
que os mesmos indivíduos, movidos pela mesma libido racional-maximizadora,
obtêm resultados perversos, do ponto de vista social, quando atuando na arena
política.
33.
Ao considerar o livre mercado como maximizador do interesse público, as teorias
da escola positiva, de certa forma, corroboram a tese defendida pela Teoria do Interesse Público,
ou seja, de que a política regulatória deve voltar-se apenas à correção das falhas de mercado43.
Nesse sentido, Viscusi et al (1995)44 destacam que a regulação tem como objetivo tornar o
mercado mais eficiente, ou seja, fazer com que o mesmo se aproxime ao máximo de um mercado
perfeitamente competitivo45. Esse resultado seria alcançado pela maximização da diferença entre
os benefícios e os custos gerados à sociedade, envolvidos no processo regulatório. In verbis:
Ideally, the purpose of antitrust and regulation policies is to Foster
improvements judge in efficiency terms. We should move closer to the perfectly
competitive ideal than we would have in the absence of this type of
intervention. The object is to increase the efficiency with which the economy
operates, recognizing that we may fall short of the goal of replicating a perfectly
competitive market, but nevertheless we can achieve a substantial
improvements over what would prevail in the absence of such government
intervention.
Put somewhat differently, our task is to maximize the net benefits of these
regulations to society. Such a concern requires that we assess both the benefits
and the costs of these regulatory policies and attempt to maximize their
difference.46
42
IPEA. Agências Regulatórias na Experiência Brasileira: Um Panorama do Atual Desenho Institucional. Salgado,
Lucia Helena. Documento de Trabalho nº 941, março de 2003.
43
Casos clássicos que justificariam a intervenção regulatória do governo seriam: a presença de monopólio natural
(ocorre quando a minimização do custo da indústria para a produção da quantidade socialmente ótima de um
determinado bem é obtida com a presença de uma única firma no mercado. O governo atuaria para evitar
comportamento abusivo da firma no mercado); e a existência de externalidades (ocorre quando a ação de um agente
afeta a ação de outro. O governo atuaria, por exemplo, criando regras para minimizar as externalidades geradas).
44
Viscusi, W. Kip; Vernon, John M.; Jr, Joseph E. Harrington. Op cit., p. 10.
45
Na competição, cada empresa tenta maximizar o lucro realizado, enfrentando a concorrência, sem qualquer
preocupação com o benefício social. Nesse processo, os consumidores buscam maximizar as suas próprias utilidades
com comportamentos individuais e particulares. A resultante desse “egoísmo coletivo” é a maximização do bem
estar social. (Benjó, 1999, p. 67). Benjó, Isaac. Fundamentos de Economia da Regulação. Rio de Janeiro. Thex
Editora. 1999.
46
Viscusi, W. Kip; Vernon, John M.; Jr, Joseph E. Harrington. Op cit., p. 10.
Fl 9 da Nota Técnica
Acesso: Público
06016/2013/ DF
34.
Feitas essas considerações teóricas, passa-se a avaliar se a intervenção
governamental no mercado de serviço funerários promovida pelo Município de Curitiba
promove danos à concorrência e à eficiência econômica.
5 - Da Análise
5.1 - Do Problema Identificado, Objetivo e Instituições Impactadas
35.
Inicialmente, convém discorrer acerca do que a legislação e a jurisprudência
entendem como serviços funerários, de forma a esclarecer dois aspectos: (i) se é um serviço
público; e (ii) qual ente tem a competência de regulá-lo.
36.
Acerca do primeiro ponto, cabe mencionar que, segundo Medauar (2006)47,
entende-se por serviço público a atividade prestada pelo Estado direcionada à satisfação de
necessidade da coletividade. Ainda de acordo com o autor, tal satisfação pode se concretizar em
duas vertentes: (i) direta, em que se realizam as aspirações emanadas pela sociedade ou (ii)
indireta, em que se efetivam atividades proveitosas para o Estado e que, indiretamente,
beneficiam a sociedade.
37.
A prestação desses serviços, por sua vez, pode ser feita diretamente pelo ente
público ou pode ser delegada, mediante prévia licitação, sob o regime de concessão ou
permissão, conforme preceitua o artigo 175, da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 (CF 88):
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob-regime
de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços
públicos.
38.
A prestação direta pelo Poder Público não demanda maiores considerações. Nesta,
a responsabilidade por todas as etapas que constituem a atividade, que no caso analisado
referem-se aos serviços funerários, compete ao ente público encarregado pela prestação do
serviço. A realização do serviço é concretizada pelos próprios recursos da pessoa responsável
pela prestação, podendo ser o próprio ente estatal, ou preposto deste, como autarquia ou empresa
estatal constituída para este fim. Não se exige, neste caso, norma específica para a prestação do
serviço, sendo suficiente a mera regulação da atividade.
39.
Já na execução indireta, a responsabilidade frente aos usuários pelos serviços
realizados compete a terceiros, que se vinculam à administração pública pelas normas
disciplinadoras da delegação. Todavia, merece destaque o fato de que os terceiros que venham a
prestar tal serviço devem ser selecionados mediante processo licitatório.
40.
A mera compreensão do que se deve entender por serviço público não se
apresenta como meio suficiente para bem definir as atividades dignas de receberem esta alcunha.
A utilização indiscriminada do conceito, ampla por natureza, encerra em si o risco de desrespeito
ao intuito exarado pelo constituinte originário ao redigir as disposições constitucionais
concernentes à Ordem Econômica e Financeira aplicável ao estado brasileiro, qual seja restringir
47
“Serviço Público, como um capitulo do direito administrativo, diz respeito a atividade realizada no âmbito das
atribuições da administração, inserida no executivo. E refere-se a atividade prestacional, em que o poder publico
propicia algo necessário à vida coletiva, como, por exemplo, água, energia elétrica, transporte urbano. As atividades
-meio (por exemplo: arrecadação de tributos, serviços de arquivo, limpeza de repartições , vigilância de repartições)
não se incluem na acepção técnica de serviço publico. Assim, o serviço público apresenta-se como uma dentre as
múltiplas atividades desempenhadas pela administração, que deve utilizar seus poderes, bens e agentes, seus atos e
contratos para realizá-lo de modo eficiente.” MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006. pp. 313-314.
Fl 10 da Nota Técnica
Acesso: Público
06016/2013/ DF
as atividades estatais a um núcleo essencial e indispensável, delegando as demais atividades à
livre iniciativa48.
41.
Nas lições da doutrinadora Medauar (2006):
Saber quando e porque uma atividade é considerada serviço público remete ao
plano da concepção política dominante, ao plano da concepção sobre o Estado e
seu papel. É o plano da escolha política, que pode estar fixada na Constituição
do país, na lei e na tradição49.
42.
Coforme se depreende do exposto e, reconhecendo a natureza histórica de nosso
ordenamento jurídico, é possível afirmar que cabe à lei a tarefa de limitar os reais contornos
permitidos a partir da aplicação do conceito conferido ao termo serviços públicos. E esta
limitação legal já se inicia na própria Constituição que, utilizando critérios técnicos e jurídicos,
realizou a divisão de competência em razão da natureza e dimensão dos serviços pelos três entes
estatais, quais sejam União, Estados e Municípios.
43.
A divisão concebida na Carta Constitucional de competências atribuídas a cada
um dos entes federativos optou por estabelecer expressamente aquelas concedidas à União e aos
municípios, restando aos estados a competência para o exercício das atribuições que não lhes
fossem vedadas pela constituição e que não violassem as reservadas aos demais membros50.
44.
No que concerne ao serviço funerário, não há na Constituição menção que lhe seja
expressa indicando sua caracterização como serviço público. Nos itens que compõem os artigos
21 e 22 que determinam a repartição de competência a cargo da União, não se apresenta possível
a inserção da atividade de serviço funerário. Tampouco nos artigos 23 e 24 da Constituição, que
indicam as atividades compartilhadas pela União, estados e municípios se identifica qualquer
previsão acerca do serviço funerário.
45.
No entanto, ao se examinar as atribuições conferidas aos municípios, encerradas
no artigo 30 do texto constitucional, dois são os incisos que guardam relevância no que se refere
ao serviço funerário e na sua classificação como serviço público, excluindo, portanto, a sua
inserção na competência residual dos estados. Dispõe o artigo 30 em seus incisos I e V51:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I – legislar sobre assuntos de interesse local;
[...]
48
O próprio texto constitucional, em seu artigo 173, estipula o grau de liberdade conferido ao Estado quando no
desempenho de atividades econômicas que não encerrem em si o caráter de serviços públicos.
“Art. 173, CRFB 88. Ressalvados os casos previstos nesta constituição, a exploração direta de atividade econômica
pelo estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo, coforme definidos em lei.”
49
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. pp. 313314.
50
Nos artigos 21 e 22, referentes à União, bem como no artigo 30, que diz respeito aos municípios, entendeu por
bem o constituinte apresentar rol taxativo das competências que lhes seriam atribuídas. No entanto, ao tratar dos
Estados-membros, optou por uma abordagem diversa, estabelecendo no artigo 25, § 1° que “são reservadas aos
estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta constituição”.
51
Válida a menção ao inciso VIII do artigo 30 da constituição que ao determinar que cabe aos municípios
“promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano” concede a estes entes o suporte legal para legislarem sobre a
implantação e funcionamento dos cemitérios.
Fl 11 da Nota Técnica
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06016/2013/ DF
V- organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que
tem caráter essencial;
46.
O inciso I do artigo 30 da CF 88 menciona a competência conferida aos
municípios no que concerne a sua competência para legislar sobre assuntos de interesse local.
Não se exige, entretanto, que este interesse esteja restrito ao município, uma vez que reflexos
deste interesse podem ser verificados nas esferas estaduais e federais. O que se requer é uma
preponderância do interesse municipal frente aos demais52. A respeito dos significados que o
conceito de interesse local deve assumir assim se posiciona a jurisprudência dos tribunais
pátrios.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR. JULGAMENTO ANTECIPADO
DA LIDE.
[...]
4. Em tese, o interesse local é exteriorizado pela vontade política, porquanto a lei
local reflete o anseio da comunidade mediante a boca e a pena dos legisladores
eleitos pelos municípios. Entretanto, no caso dos autos, verifica-se pelo histórico
legislativo do Município de Bady Bassitt que o interesse da comunidade local
sempre foi o de proibir a construção de hotéis, motéis, lanchonetes dançantes e
similares às margens da rodovia, consoante se observa às fls. 450 do acórdão
recorrido.
5. Frise-se que compete ao município legislar sobre questões atinentes a interesse
local, dentre eles, promover o adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.
Conclui-se, portanto, que a população sujeita-se às limitações urbanísticas
impostas pelo poder publico, que, in genere, são realizadas em prol do interesse
coletivo.
STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – RESP – RECURSO ESPECIAL
– 474475 – Processo: 200201089461 – SP –Órgão Julgador: PRIMEIRA
TURMA – DJ DATA 25/02;2004- Relator : Luiz Fux
47.
Especificamente, no que concerne aos serviços funerários e a sua classificação
como serviço público, o doutrinador Justino Adriano Farias da Silva afirma serem os serviços
funerários típicos exemplos de serviços públicos.53 Tal entendimento é compartilhado pelos
tribunais nacionais:
MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIÇO FUNERÁRIO – PRESUNÇÃO
DE GRATUIDADE – ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL – SEPULTAMENTO
DE CORPO.
Apelação. Mandado de Segurança. Serviço funerário gratuito. Ato da
administração municipal exigindo a apresentação de nota fiscal do serviço pra a
realização do sepultamento. Hipótese em que o serviço publica o sepultamento,
nos termos do permitido pela C.F./88 e pela própria Lei Orgânica do município
deve ser prestado pelo próprio município que, entretanto pode conceder ou
permitir que terceiro preste esse serviço de interesse local. Ato impugnado que se
reveste de legalidade, inexistindo direito liquido e certo amparado, no caso, posto
que ausente a permissão ou a autorização 2002.001.23706 - APELAÇÃO CIVEL
DES. AZEVEDO PINTO – julgamento: 24/04/2003 – DECIMA TERCEIRA
CAMARA CIVEL.
52
SILVA, Justino Adriano Farias Da. Tratado de Direito Funerário: Teoria Geral e Instituições de Direito
Funerário. São Paulo: Método Editora, 2000. P. 364.
53
V. SILVA, Justino Adriano Farias da. Op. Cit. P. 560.
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48.
O Supremo Tribunal Federal (STF) corrobora essa tese, consolidando o
entendimento de que os serviços funerários se revestem de interesse local, sendo a competência
para a organização dos mesmos atribuída aos municípios. Nesse ínterim, o STF é seguido pelos
demais órgãos jurisdicionais:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. MUNICIPIO. SERVIÇO FUNERARIO. C.F.,
art. 30, V. I. – Os serviços funerários constituem serviços municipais, dado que
dizem respeito com necessidades imediatas do Município. C.F., 30, V. II. – Ação
direta de inconstitucionalidade julgada procedente.
[...]
“ Os serviços funerários constituem, na verdade, serviços municipais, tendo em
vista o disposto no art. 30, V, da constituição: aos municípios compete organizar
e prestar diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços de
interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”.
Interesse local diz respeito a interesse que diz de perto com as necessidades
imediatas do município. E não há duvida que o serviço funerário diz respeito com
as necessidades imediatas do município. Leciona Hely Lopez Meirelles que “ o
serviço funerário é da competência municipal, por dizer respeito a atividades de
precípuo interesse local, quais sejam, a confecção de caixões, a organização de
velório, o transporte de cadáveres, e a administração de cemitérios “. ( Hely
Lopes Meirelles, “ Direito municipal Brasileiro”,10º. Ed., 1998, atualizada por
Izabel Camargo Lopes Monteiro e Célia Marisa Prendes, Malheiros Editores,
pág., 339). Esse entendimento é tradicional no Supremo Tribunal Federal
conforme SAE vê do decidido no RE 49.988/SP, Relator o Ministro Hermes
Lima, cujo acórdão esta assim ementada: “EMENTA: Organização de serviços
públicos municipais. Entre estes estão os serviços funerários. Os municípios
podem, por conveniência coletiva e por lei própria, retirar a atividade dos
serviços funerários do comércio comum.” (RTJ 30/155)
[...]
ADI 1221 / RJ – RIO DE JANEIRO – AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE – Relator (a): Min. CARLOS VELLOSO –
julgamento: 09/10/2003 – Órgão Julgador: Tribunal Pleno – Publicação: DJ
31/10/2003
EMENTA: PROCESSULA CIVIL – SERVIÇOS FUNERARIOS – LICITAÇÃO
– EMPRESA VENCEDORA – DIREITO À EXCLUSIVIDADE 1. “Em sede de
agravo de instrumento só se discute o acerto ou desacerto do ato judicial
hostilizado, não sendo viável o exame aprofundado de temas relativos ao meritum
causae (AI n.º 99.017438-7, Des. Eder Graf)
sob pena de supressão de um
grau de jurisdição” (AI n.º 2005.021175-6, Des. Luiz César Medeiros). 2.
Compete aos municípios “prestar, diretamente ou sob-regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local” (CF, art. 30, V), entre os quais,
os serviços funerários. Às empresas concessionárias, que se submeterem ao
processo de licitação, deve ser assegurado, no âmbito do território do município
concedente, o direito à exclusividade na exploração desse serviço, ressalvados
aqueles contratados anteriormente à concessão e em relação aos óbitos ocorridos
em outros municípios. Agravo de Instrumento 2005.027182-4 - TJ-SC –
Relator: Des. Newton Trisotto. – Data da Decisão: 22/11/2005
49.
Sob o entendimento em questão, apesar de os três entes terem a prerrogativa de
legislar sobre concessão e permissão dos serviços funerários, cabe aos municípios a aplicação em
seus territórios dos diplomas legais frutos do exercício de sua competência legislativa54. Ressalva
54
Tal assertiva é comprovada não apenas com base na competência constitucionalmente atribuída aos municípios
(artigo 30, I e V CRFB 88), como também pelo artigo 18 da CRFB 88, que em seu caput concede autonomia aos
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que deve ser feita a esta regra refere-se à criação de normas gerais, que segundo o artigo 22,
inciso XXVII, da CF 88, é de competência da União, vinculando os demais entes55.
Art. 22, CF 88. Compete privativamente a União legislar sobre:
[...]
XXVII- normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para
as administrações publicas diretas, autárquicas e fundacionais da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e
para as empresas públicas e sociedade de economia mista, nos termos do art.
173,§ 1°, III; ( Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
50.
A título de exemplo, duas leis devem ser observadas pelos estados e municípios,
quando estes optam por delegar a prestação de serviços públicos a particulares. São elas a Lei nº
8.666, de 21 de julho de 1993, que institui normas para licitações e contratos administrativos, e a
Lei nº 8.987, 13 de fevereiro de 1995, que dispões sobre o regime de concessão e permissão da
prestação de serviços públicos56.
51.
A Lei n° 8.987/95 é marcada por previsões genéricas, permitindo-se, por
conseguinte, que os demais entes possam compatibilizar suas realidades locais aos preceitos
legais. Visa a lei esmiuçar todos os pontos previstos no artigo 175 da CF 88, guardando normas
que tutelam a qualidade do serviço a ser prestado à sociedade, direitos e obrigações dos usuários,
política tarifária realização de licitação, entre outros.
52.
Destaca-se que a necessidade de prévia licitação para a delegação de serviço
público não condiciona a concessão de exclusividade à prestação do mesmo. O inciso III, do
artigo 7º e o artigo 16 da Lei nº 8.987/95 sustentam essa firmação:
Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990,
são direitos e obrigações dos usuários:
entes federados, declarando que “a organização político-administrativa da Republica Federativa do Brasil
compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos [...]”. Deve-se, pois,
considerar que tendo-se concluído ser o serviço funerário um serviço publico cuja prestação foi constitucionalmente
atribuída aos municípios (constituindo-se assim em serviço publico municipal), o estabelecimento de leis seja pelos
estados, seja pela União, no que concerne à delegação ou concessão dos serviços funerários, caracterizaria violação
à autonomia conferida àqueles entes federados. Neste sentido, é esclarecedor o seguinte entendimento
jurisprudencial: “I. – Concessão de serviço público municipal de transporte coletivo: revisão de tarifas:
questionamento relevante da validade de clausula do contrato de concessão que a determina sempre e conforme os
mesmos índices da revisão das tarifas do mesmo serviço deferida no município da capital. O reajuste de tarifas do
serviço público é manifestação de uma política tarifaria, solução, em cada caso, de um complexo problema de
ponderação entre a exigência de ajustar o preço do serviço às situações econômicas concretas do seguimento social
dos respectivos usuários ao imperativo de manter a viabilidade econômico-financeiro do empreendimento do
concessionário: não parece razoável, à vista do art. 30, V, CF, que o conteúdo da decisão política do reajustamento
de tarifas do serviço de transportes de um município, expressão de sua autonomia constitucional, seja vinculada ao
que, a respeito, venha a ser decidido pela administração de outro. II. – Recurso extraordinário, porém de que não se
pode conhecer, dada a existência no acórdão recorrido de outro fundamento suficiente à concessão da
segurança.”(STF – RECURSO EXTRAORDINARIO – Processo: 191532 – SP – DJ 29/08/1997 – Relator:
SEPÚLVEDA PERTENCE).
55
Tal exceção não é de rara constatação, bem como não se caracteriza como tendente a violar a autonomia
municipal. Exemplos outros podem ser citados, como o presente na ementa a seguir: “[...] 2. De qualquer maneira,
se é exato que a Constituição federal confere autonomia aos municípios, nos termos dos artigos 29, 30 e 31, exato
também é que deles exige o cumprimento de seus princípios ( art.29). E um desses princípios é o do art. 40, § 4°,
que não se aplica apensas aos servidores públicos federais, mas, também, aos estaduais e municipais. [...]” (STF –
RECURSO EXTRAORDINARIO – Processo: 173682 – Sp – DJ 19/12/1996 – Relator: SYDNEY SANCHES).
56
Nos procedimentos de concessão ou permissão de serviços públicos, as previsões contidas na Lei nº 8.666/93
serão aplicadas subsidiariamente às disposições da Lei nº 8.987/95, desde que essas não conflitem.
Fl 14 da Nota Técnica
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(...)
III – obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores
de serviço, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente.
Art. 16. A outorga de concessão ou permissão não terá caráter de exclusividade,
salvo no caso de inviabilidade técnica ou econômica justificada no ato a que se
refere o art. 5º desta lei57.
53.
Ainda que se pretendesse questionar a adequação do serviço funerário, buscando
descaracterizar o caráter essencial aplicável a este e, por conseguinte, a conveniência em se
classificar tal serviço como sendo público58, encontra-se, em lei nacional, fundamentos que
confirmam o caráter essencial deste grupo de atividades.
54.
Já nos anos de 1960, a Lei nº 4.330, de 1º de junho de 1964, ao regular o direito
de greve, elencava algumas atividades que, por serem consideradas fundamentais, não poderiam
ser atingidas pelo exercício deste direito. Posteriormente, já sob a égide da atual constituição, a
Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, ao revogar a Lei nº 4.330, enumerava em seu artigo 10
aqueles serviços reputados como essenciais, cuja prestação à comunidade deveria ser
resguardada durante o exercício do direito de greve.
Lei nº 4.330/64.
Art 12. Consideram-se fundamentais as atividades nos serviços de água, energia,
luz, gás, esgotos comunicações, transportes, carga ou descarga, serviço funerário,
hospitais, maternidade, venda de gêneros alimentícios de primeira necessidade,
farmácias e drogarias, hotéis e industrias básicas ou essenciais à defesa nacional.
Lei n° 7.783/89.
Art. 10 são consideradas serviços ou atividades essenciais
[...]
IV – funerários;
[...]
55.
O fato de os serviços funerários serem considerados serviços públicos e de a
Constituição Federal estabelecer a necessidade de licitação para selecionar os prestadores, em
caso de prestação indireta do serviço pelo poder público, são restrições à concorrência. Isso
porque a entrada no mercado está sujeita a uma licitação prévia, não dependendo apenas da
vontade do agente econômico. Ou seja, cria-se uma barreira regulatória à entrada no mercado,
que pode limitar a concorrência no mesmo. Todavia, tais limitações podem ser minimizadas a
depender da regulação implementada pelo município.
56.
No contexto em questão, não há ilegalidade por parte da Prefeitura de Curitiba em
legislar sobre os serviços funerários. Pode-se, contudo, discutir eventuais ilegalidades e até
ineficiências econômicas em determinados dispositivos, tais como: (i) estabelecer um sistema de
rodízio entre as empresas que operam no município para prestar serviços funerários à população;
57
Art. 5º. O poder concedente publicará, previamente ao edital de licitação, ato justificando a conveniência de
concessão ou permissão, caracterizando seu objeto, área e prazo.
58
Tal fato faria com que a prestação de serviços funerários fosse igualada à prestação de qualquer outro tipo de
serviço, sendo a entrada determinada pelas condições mercado. Ou seja, não seria necessária a realização de
licitação para a concessão desses serviços.
Fl 15 da Nota Técnica
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(ii) fixar o preço dos serviços; e (iii) limitar a entrada, na proporção de uma empresa funerária
para cada 70 mil habitantes. Tais pontos serão melhor abordados no decorrer deste documento.
57.
Assim, do exposto até o momento, pode-se constatar que: (i) a prestação de
serviços funerários não pode ser caracterizada como mera atividade econômica, estando inserida
na categoria de serviço público, (ii) a competência para legislar sobre a matéria recai sobre os
municípios, (iii) os serviços funerários podem ser prestados direta ou indiretamente pelo poder
público; (iv) no caso de prestação indireta, a delegação deve ser precedida de licitação; (v) a
prestação indireta não implica concessão de exclusividade; (vi) o fato de os serviços funerários
serem serviços públicos é barreira legal à entrada no setor, com repercussões na concorrência; e
(vii) eventuais danos à concorrência podem ser minimizados a depender da regulação aplicada ao
setor.
58.
Ultrapassada esta etapa, cabe, então, entender quais atividades fariam parte dos
chamados serviços funerários.
59.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em documento intitulado
Orientações Técnicas para o Funcionamento de Estabelecimentos Funerários e Congêneres 59,
define como estabelecimentos funerários e congêneres as empresas públicas ou privadas que
desenvolvam uma das atividades mencionadas:
(i)
a remoção de restos mortais humanos;
(ii)
a higienização de restos mortais humanos;
(iii)
o tamponamento de restos mortais humanos;
(iv)
a conservação de restos mortais humanos;
(v)
a tanatopraxia;
(vi)
a ornamentação de urnas funerárias;
(vii)
a necromaquiagem;
(viii) o comércio de artigos funerários;
(ix)
o velório; e
(x)
o translado de restos mortais humanos.
60.
Dessa forma, como a agência considera estabelecimentos funerários aqueles que
prestam um dos serviços elencados, deduz-se que os serviços funerários compreendem tais
atividades na visão da agência.
61.
A Anvisa recomenda que as orientações técnicas por ela emitidas sejam
observadas na normatização e fiscalização sanitária de estabelecimentos funerários e congêneres
situados em estados e municípios que não possuam legislação específica. Não obriga, portanto,
que os municípios que já tenham regulamentação sobre a matéria sigam a definição adotada no
documento.
62.
Em suma, acerca da definição de serviços funerários, infere-se que é possível
haver escopos diversos entre os municípios. Tal diferença decorreria de dois fatos: (i) municípios
59
Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/institucional/snvs/descentralizacao/orientacoes_tecnicas_funerarias.pdf.
Último acesso em 19 de dezembro de 2011.
Fl 16 da Nota Técnica
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têm discricionariedade para definirem as atividades que compõem o serviço funerário, dentro
daquelas dez listadas pela Anvisa; (ii) definição estabelecidas pelos municípios antes daquela
dada pela agência continuam válidas. Tal arranjo faz com que uma mesma atividade seja
exercida somente precedida de processo de licitação em um município, enquanto que em outro
ela seja desempenhada sem tal barreira à entrada. Ressalta-se que se um determinado município,
antes da citada resolução da Anvisa, definiu como sendo serviços funerários uma atividade que
não consta no rol daquelas elencadas pela agência, ela terá uma restrição legal à entrada que seria
desnecessária à luz do que a Anvisa entendeu como serviços funerários.
63.
No caso de Curitiba, por exemplo, alguns dos serviços elencados pela Anvisa
estariam classificados pela norma local na categoria de serviço funerário obrigatório. Neste caso,
os preços seriam fixados pela administração municipal. Outros serviços estariam enquadrados na
categoria de serviços facultativos tabelados e teriam preços máximos definidos pelo município.
Finalmente, alguns dos serviços mencionados pela Anvisa foram definidos pelo município como
serviços facultativos, podendo ser adquiridos livremente em qualquer empresa. A falta de
padronização conceitual, portanto, leva a um tratamento diferenciado dos serviços entre os
municípios e, consequentemente, a diferentes graus de competição na prestação de um
determinado serviço. Tal fato ocorre em função dos diferentes níveis de barreiras regulatórias à
entrada existente no mercado.
64.
O arcabouço legal ora exposto mostra um risco de uma atividade com potencial
competitivo ter restrições legais à entrada mais rígidas. Como consequência, não se descarta a
hipótese de os consumidores pagarem mais caro pelo serviço prestado e terem menor leque de
escolha.
65.
Deve ser mencionado que os serviços funerários, devido às suas características,
não ensejariam, considerando o exposto na Seção 4, controle do Estado sobre a quantidade de
agentes que nele atuam60. O Conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade), Sr. Olavo Zago Chinaglia, corrobora essa tese. Em voto proferido no âmbito do Processo
Administrativo nº 08012.001822/2003-3161, o Conselheiro se pronunciou da seguinte forma
acerca da existência de barreiras à entrada no mercado:
Inexiste no setor de serviços funerários insumo específico cuja escassez
dificulte a entrada de potenciais competidores. Outros fatores que podem
embaraçar a entrada – altos custos irrecuperáveis, fidelização dos consumidores
a marcas, recursos de propriedade exclusiva, etc. – tampouco se fazem
presentes.
66.
Alguns fatores, no entanto, devem ser considerados na análise desse segmento. O
primeiro refere-se à proteção do consumidor em momento de fragilidade emocional. Em situação
normal, o consumidor geralmente realiza pesquisa comparando preço e qualidade do
produto/serviço antes de adquiri-lo. No caso da contratação de serviços funerários, em função do
desgaste emocional decorrente da situação, muitas vezes isso não é possível, reduzindo o poder
de barganha do consumidor frente ao agente econômico e, consequentemente, favorecendo o
abuso econômico por parte deste. Outros aspectos estariam relacionados a questões religiosas,
sanitárias e ambientais, em função das atividades envolvendo o manuseio e a destinação final de
cadáveres. Tais fatos podem justificar a escolha do legislador em atribuir aos serviços funerários
a característica de serviço público, ensejando maior controle do Estado.
60
Neste ponto vale lembrar que em Curitiba, o Decreto nº 699/2009, estabelece que as concessões seriam realizadas
até que fosse atingido o número máximo de uma empresa funerária para cada 70 mil habitantes.
61
Representante: Ministério público do Estado de São Paulo. Representados: Funerária Atibaia Ltda, Funerária São
Lázaro Ltda e outros. Disponível em: http://www.cade.gov.br/temp/t1912201116437803.pdf. Último acesso em: 19
de dezembro 2011.
Fl 17 da Nota Técnica
Acesso: Público
06016/2013/ DF
67.
O caso concreto de Curitiba revela, todavia, que a extensão do controle do Estado
pode ser desproporcional. O município optou pelo sistema de rodízio na prestação do serviço,
pela prática de preço fixo para os serviços funerários obrigatórios e pela limitação à entrada na
proporção de uma empresa para cada 70 mil habitantes. Ou seja, no quadro atual, (i) o
consumidor não poderia escolher a empresa de sua preferência para realizar o serviço funerário,
tendo que aceitar os serviços fornecidos pela empresa sorteada eletronicamente no sistema de
rodízio adotado62, (ii) o preço dos serviços obrigatórios é estabelecido em decreto municipal, não
sendo possível a prática de descontos e (iii) novas empresas estariam proibidas de entrar no
mercado após alcançada a proporção funerária/habitante acima mencionada.
68.
Do exposto, nota-se que há indícios de que a legislação de Curitiba para os
serviços funerários gera ineficiências econômicas, prejudicando o bom funcionamento do
mercado e onerando desnecessariamente o consumidor. Ou seja, há o desenho regulatório do
setor apresenta problemas. Por esta razão, e como será mostrado neste documento, há margens
para aperfeiçoamentos.
69.
Por fim, cabe apontar os agentes potencialmente afetados pela regulação de
Curitiba (e pelo seu eventual aperfeiçoamento): (i) empresas potencialmente prestadoras de
serviços funerários, que podem vir a ser proibidas de desenvolver suas atividades no município;
(ii) os consumidores que, independentemente da qualidade dos serviços prestados, são obrigados
a utilizá-los, pagando o preço fixado em decreto municipal; (iii) empresas ofertantes de planos
funerários63, já que a definição ampla de serviços funerários em um determinado município
limita o número de atividades em que se permite o emprego da modalidade de livre concorrência
e, consequentemente, reduz a possibilidade de a empresa de planos funerários negociar o preço
desses serviços no mercado.
5.2 - Dos Possíveis Impactos ao Bem-Estar Econômico
70.
A análise dos impactos sobre o bem-estar econômico, causados pela forma como
os serviços funerários vem sendo prestados no Município de Curitiba, compõe-se de três
subseções. A primeira trata de eventuais impactos sobre a concorrência. A segunda subseção
avalia outras consequências sobre a eficiência econômica. A terceira subseção, por sua vez,
discorre sobre os impactos ao bem-estar econômico de políticas alternativas.
5.2.1 - Impactos à Concorrência
71.
Para avaliar as consequências prováveis do modo como o serviço funerário é
prestado no Município de Curitiba sobre a competição no mercado, utiliza-se metodologia
desenvolvida pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) 64. A
metodologia consiste de um conjunto de questões a serem verificadas na análise do impacto de
políticas públicas sobre a concorrência. O impacto competitivo poderia ocorrer por meio de: (i)
limitação no número ou variedade de fornecedores; (ii) limitação na concorrência entre
62
Vale lembrar que há previsão legal estabelecendo que, caso o consumidor não aceite as condições impostas pela
funerária teria a opção de retornar ao serviço funerário municipal para que fosse escolhida, de forma aleatória, nova
empresa funerária para prestar o serviço.
63
Plano funerário, segundo o estabelecido no artigo 7º, inciso v da Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971, é a
“modalidade de captação antecipada de poupança popular, mediante promessa de contraprestação em bens, direitos
ou serviços de qualquer natureza”, sendo certo que essa última expressão deve, no caso dos planos funerários, fazer
referência à atividades entendidas como integrantes do conceito de serviços funerários.
64
Referência: OCDE (2007). Guia de Avaliação da Concorrência. Versão 1.0. Disponível em:
http://www.oecd.org/dataoecd/15/43/39680119.pdf. Acessado em 21 de julho de 2010.
Fl 18 da Nota Técnica
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empresas; e (iii) diminuição do incentivo à competição. As referidas questões e seus respectivos
efeitos são descritos abaixo:
1º efeito - limitação no número ou variedade de fornecedores:
(i)
conceder direitos exclusivos a um único fornecedor de bens ou de serviços;
(ii) estabelecer regimes de licenças, permissões ou autorizações como requisitos de
funcionamento;
(iii) limitar a alguns tipos de fornecedores a capacidade para a prestação de bens ou serviços;
(iv) aumentar significativamente os custos de entrada ou saída no mercado;
(v) criar uma barreira geográfica à aptidão das empresas para fornecerem bens ou serviços,
mão-de-obra ou realizarem investimentos.
2º efeito - limitação da concorrência entre empresas:
(i)
controlar ou influenciar substancialmente os preços de bens ou serviços;
(ii) limitar a liberdade dos fornecedores de publicarem ou comercializarem os seus bens ou
serviços;
(iii) fixar normas de qualidade do produto que beneficiem apenas alguns fornecedores ou que
excedam o que consumidores bem informados escolheriam;
(iv) aumentar significativamente o custo de produção de apenas alguns fornecedores
(especialmente no caso de haver diferenciação no tratamento conferido a operadores históricos e
a concorrentes novos).
3º efeito - diminuir o incentivo para as empresas competirem:
(i)
estabelecer um regime de autorregulamentação ou de corregulamentação;
(ii) exigir ou estimular a publicação de dados sobre níveis de produção, preços, vendas ou
custos das empresas;
(iii) isentar um determinado setor industrial ou grupo de fornecedores da aplicação da
legislação geral da concorrência;
72.
Realizando uma análise à luz do manual da OCDE, em tese, pode-se afirmar que a
opção da Prefeitura Municipal de Curitiba em estabelecer sistema de rodízio entre as empresas
prestadoras de serviços funerários, ainda que estas tenham sido autorizadas a prestar o serviço a
partir de licitação, acaba por reduzir a concorrência ao “conceder direitos exclusivos a um único
fornecedor de bens ou de serviços” (item i do 1º efeito). Isso porque, no momento da contratação
Fl 19 da Nota Técnica
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06016/2013/ DF
dos serviços, apenas a empresa sorteada de forma aleatória no sistema de rodízio implantado
estaria apta a prestar o serviço65.
73.
Já o fato de a prefeitura fixar o preço dos serviços considerados obrigatórios, sem
a possibilidade de concessão de descontos aos consumidores, limita a concorrência ao “controlar
ou influenciar substancialmente os preços de bens ou serviços” (item i do 2º efeito) em um
mercado com potencial concorrencial.
74.
Finalmente, a imposição de limite para a entrada de empresas funerárias no
mercado reduz a concorrência ao “aumentar significativamente os custos de entrada ou saída no
mercado” (item iv do 1º efeito). Na verdade, a entrada seria vedada quando o limite estabelecido
pela prefeitura fosse alcançado.
75.
Ressalta-se que, ainda que tenha havido uma concorrência prévia pelo direito de
atuar no mercado (ou seja, que as empresas interessadas em atuar na prestação do serviço tenham
disputado em igualdade de condições, via certame licitatório, o direito de fazer parte do sistema
de rodízio)66, não se pode afastar o dano potencial à concorrência. Isso porque, uma vez
realizado o certame, os vencedores atuam de forma alternada no mercado, de acordo com o
sistema de rodízio, não havendo competição entre os mesmos. Com isso, mesmo que seja
estabelecido um sistema de preços máximos ou livres pela prefeitura e seja retirada a limitação à
entrada no mercado, os agentes econômicos não terão incentivos para concederem descontos e
melhorar seus serviços, ficando os consumidores sem opção de preço e qualidade.
76.
Afirma-se que há dano potencial à concorrência tendo em vista que o mercado de
prestação de serviços funerários não enseja características de monopólio natural. Não há indícios
de economias de escala, por exemplo, em tal atividade. Por isso, é possível afirmar que os
consumidores poderiam desfrutar de preços mais baixos e melhor qualidade na prestação do
serviço se a prefeitura (i) optasse em conceder ao consumidor o direito de escolha no momento
da contratação do serviço, (ii) flexibilizasse a entrada e (iii) deixasse os preços livres para os
serviços obrigatórios. Isso ficará mais claro na Seção 6.2.3.
77.
Conclui-se, portanto, que a forma como a Prefeitura Municipal de Curitiba
gerencia a prestação de serviços funerários no município, com (i) a fixação de preços para os
serviços obrigatórios, (ii) a criação do sistema de rodízio e (iii) a imposição de limites à entrada,
restringe a concorrência na prestação do serviço funerário.
5.2.2 - De Outros Impactos ao Bem-Estar Econômico
78.
Na Seção 5.1 deste articulado foi mencionado que não há um conceito padrão para
serviço funerário. Em função disso, cada município determina quais os serviços se enquadram
nessa definição. Dessa forma, serviços que poderiam ser considerados mera atividade
econômica, tendo preços e qualidade orientados pelas condições de mercado, passam a ser
influenciados pela intervenção do ente regulador, quando classificados como serviços funerários.
79.
Com isso, inúmeros serviços que poderiam ser contratados diretamente no
mercado, situação em que consumidor poderia optar entre serviços qualitativamente distintos e
com preços variados, passam a ficar refém da regulamentação imposta pelos municípios. Esse
fato, invariavelmente, resulta em redução da competição nos mercados de prestação desses
65
O consumidor, em tese, teria o direito de solicitar ao serviço funerário municipal o “sorteio eletrônico” de nova
empresa funerária para a prestação do serviço.
66
Como visto no tópico 3 deste articulado, os permissionários de Curitiba atuavam no mercado sem ter passado pelo
crivo de um processo licitatório, fato que veio a ocorrer apenas em março de 2012.
Fl 20 da Nota Técnica
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serviços, prejudicando consumidores e, possivelmente, agentes econômicos interessados em
atuar nesses setores. Ressalta-se que enquanto não houver um conceito padronizado do que
venha a ser serviço funerário, não se pode questionar a definição dada pelo município, pois esse
detém a competência constitucional para regulamentar a matéria.
80.
Independentemente da questão colocada, o Município de Curitiba pode e deve
atuar no sentido de encerrar a prática de rodízio, flexibilizar a entrada de outros agentes
econômicos no mercado e permitir a prática de preços livres para os serviços obrigatórios.
81.
O sistema de rodízio, por exemplo, desestimula a pesquisa de mercado por parte
dos consumidores, uma vez que estes estão impedidos de escolher a empresa que melhor
atenderia sua demanda. Ademais, essa medida inibe a concorrência via preços e a melhora na
qualidade da prestação dos serviços. Isso porque, no momento da contratação dos serviços, há
uma reserva de mercado para a empresa sorteada, de forma aleatória, no modelo de rodízio
adotado67. Esta, portanto, não teria incentivos para reduzir preços e/ou melhorar a qualidade de
seu atendimento, pois, segundo a norma local, a ela caberia a realização dos serviços
independentemente dessas variáveis.
82.
A imposição de preços fixos para os serviços obrigatórios, por sua vez, impede a
concorrência via preços68. Isso prejudica (i) o consumidor, que poderia obter serviços por preços
inferiores no mercado e (ii) as empresas mais eficientes, que poderiam praticar preços menores e,
com isso, conquistar mercado.
83.
Já a limitação à entrada no mercado, de um modo geral, (i) torna o abuso de
eventual posição dominante mais propício, ao impedir que novos entrantes contestem essa
estratégia, e (ii) reduz o incentivo para manutenção da qualidade em níveis adequados e para a
inovação. No mercado de serviços funerários não é diferente. Limites quantitativos que
restringem à entrada de novas empresas funerárias criam reserva de mercado que não estimula o
aumento da qualidade na prestação desse serviço, a inovação e, principalmente, a concorrência
via preços.
84.
Devido às consequências indesejáveis, mencionadas acima, sempre que possível e
cabível, é desejável uma elevação no número de permissões ou até mesmo o fim de eventual
limite quantitativo. Neste cenário, a flexibilização, no mercado de prestação de serviços
funerários, tendo em vista suas características, deve ser feita em conjunto com o estabelecimento
de requisitos rigorosos de modo a evitar a entrada de empresas desqualificados ou despreparadas.
De fato, a melhor forma de garantir a qualidade na prestação desse serviço é estabelecer uma
regulação de qualidade adequada, sem definir mecanismos artificiais que restrinjam à entrada ou
que impeçam a concorrência via preços.
85.
A regulamentação adotada pelo Município de Curitiba, portanto, restringe a
competição no mercado. Nesse contexto, os agentes econômicos não têm incentivos para
melhorar os seus serviços, pois, independentemente da forma como os executar, não há
alternativas para o consumidor no mercado. Este último fica, portanto, refém de um único agente
no momento da contratação, tendo que se sujeitar ao serviço prestado, seja este bom ou ruim, e
sem opções de preço.
86.
Dessa forma, além da ineficiência causada pela redução da concorrência
potencial, há redução no bem-estar do consumidor pelo fato de a regulamentação municipal não
estimular os permissionários a inovar e a melhorar a qualidade dos serviços prestados. A
67
Caso o consumidor não aceite as condições impostas por essa empresa, outra pode ser indicada, também por meio
de sorteio aleatório.
68
Como visto, o sistema de rodízio, por si só, já desestimula esse tipo de concorrência.
Fl 21 da Nota Técnica
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empresa, na verdade, por ter garantido o serviço, quando sorteada aleatoriamente, restringe-se a
atender a qualidade mínima determinada pelo regulador.
5.3.
Considerações sobre Possíveis Opções à Proposição
87.
Ao longo de toda a análise foram destacados cinco problemas fundamentais, sob o
ponto de vista concorrencial, envolvendo o segmento de serviços funerários: (i) classificação dos
mesmos como serviços públicos; (ii) inexistência de conceito padrão de serviços funerários; (iii)
existência de rodízio na prestação dos serviços funerários no Município de Curitiba; (iv) preços
fixos para os serviços funerários obrigatórios; e (v) limitação à entrada de novos agentes no
mercado, na proporção de uma funerária para cada 70 mil habitantes.
88.
Acerca das questões colocadas, é oportuno enfatizar que, conforme se infere do
exposto na Seção 4 deste articulado, a regulação de qualquer mercado apresenta custos e
incertezas, decorrentes, dentre outros fatores, de assimetria de informação, possibilidade de
captura do ente regulador e, de um modo geral, de falhas de governo. Nesse sentido, a teoria
econômica recomenda que a regulação seja utilizada apenas para a correção de falhas de
mercado desde que os benefícios gerados pelo processo regulatório superem os custos
envolvidos.
89.
No caso dos serviços funerários, conforme já salientado, há indícios de que seria
potencialmente competitivo, caso não houvesse barreiras de ordem regulatória à concorrência
nos níveis atuais. Por isso, a intervenção governamental nesse segmento deveria se restringir em
garantir as condições necessárias para a prestação de um serviço de qualidade e o respeito às
normas sanitárias e ambientais. Do contrário, qualquer limitação maior imposta aos agentes
econômicos geraria ineficiências no mercado, inibindo ou mesmo impossibilitando a atuação
eficiente por parte dos seus agentes.
90.
Dessa forma, para justificar, sob o ponto de vista teórico, a regulação desse
mercado além do estritamente necessário para garantir a qualidade dos serviços prestados e as
normas sanitárias e ambientais deve-se, no mínimo, apontar os benefícios decorrentes da
regulação e demonstrar que os mesmos mais que compensariam os custos da intervenção estatal.
91.
No caso do sistema de rodízio para a prestação de serviços em Curitiba, o
principal argumento utilizado para a sua criação é que a concorrência acirrada poderia estimular
a prática de ações consideradas antiéticas, como a captação de corpos na porta de hospitais. Ou
seja, com a restrição concorrencial a atividade dos chamados “papa-defuntos” estaria sendo
inibida. O objetivo, portanto, seria proteger a família do de cujus em momento emocional tão
difícil. Esse mesmo argumento é geralmente utilizado para justificar a criação de normas que
restringem a entrada no mercado.
92.
Embora a intenção dessas normas seja meritória e salutar, esta Secretaria
considera que este não seja o caminho mais adequado. Para evitar a conduta antiética de alguns
agentes de mercado, a concorrência não precisa ser sacrificada, basta que haja fiscalização e
punições aos agentes que atuarem de forma inapropriada. Segundo o Sr. Aloísio Bittar de
Rezende69, em Goiânia/GO, por exemplo, o consumidor tem o seu direito de escolha respeitado e
69
Esse senhor foi ouvido durante a CPI da Câmara Municipal de Curitiba. Se autoqualificou como consultor
funerário e foi contratado para assessorar o Sindicato das Empresas de Luto do Estado do Paraná.
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o agenciamento de corpos é evitado aplicando-se a legislação existente, que prevê a retirada do
mercado das empresas que incorrerem nessa conduta70.
93.
Vale ressaltar, que em outros países, a sociedade entendeu que não haveria
justificativas para as restrições à entrada ao modelo utilizado em muitos municípios brasileiros.
Em localidades daqueles países, o poder público estabelece uma série de requisitos que, uma vez
atendidos, habilita o agente a entrar no mercado em questão71. O interessado, simplesmente, deve
preencher um questionário, fornecendo as informações solicitadas pelo governo e declarar
possuir as instalações e os equipamentos necessários, mostrando-se apto a executar a prestação
dos serviços funerários72. Após análise do pedido e da documentação porventura anexada, a
licença para a exploração dos serviços é ou não concedida73.
94.
Quanto à fixação de preços para os serviços considerados obrigatórios torna-se
difícil qualquer argumento em prol dos benefícios que tal medida possa trazer aos consumidores.
Esse modelo tarifário apresenta poucas possibilidades de competição entre os agentes de
mercado, constituindo-se em barreira para o incremento da mesma. Um dos argumentos
utilizados favorável a essa medida seria proteger o consumidor de possível exploração por parte
do agente funerário, em função da fragilidade emocional do consumidor em momento tão
delicado. Todavia, em virtude das características do mercado, o modelo acaba por prejudicar os
cidadãos brasileiros.
95.
Dada as características do mercado em questão, ao contrário do preço fixo, o
modelo de liberdade de preços tem a vantagem de (i) impedir que, em determinados casos,
consumidores paguem a mais do que pagariam e (ii) conferir flexibilidade ao mercado suficiente
para que as funerárias concorram entre si, oferecendo preços menores e melhores serviços aos
consumidores. Ressalta-se, todavia, que essa medida só teria estes benefícios no mercado com o
fim do sistema de rodízio, já que este impede a competição, desestimulando a concessão de
descontos. Ou seja, com o sistema de rodízio o preço praticado no mercado tenderia a ser o preço
máximo estabelecido pela norma.
96.
Sintetizando, a ausência de competição no mercado desestimula a melhora do
serviço por parte do agente econômico e prejudica o consumidor pela falta de opções e,
invariavelmente, pela prática de preços superiores ao que seriam praticados em mercados
competitivos.
97.
No contexto apresentado, constata-se que há margem para aperfeiçoamentos que
beneficiariam a sociedade, notadamente o consumidor, ao se permitir a ampliação da
concorrência no mercado de prestação de serviços funerários em Curitiba.
98.
No caso deste município, uma alternativa de impacto mais imediato seria o fim do
rodízio entre as permissionárias. Esse fato dotaria o consumidor de opções de escolha,
aumentando a competição no mercado.
70
De acordo com o Sr. Aloísio Bittar de Rezende, “Goiânia adota sistema diverso do utilizado em Curitiba, pois lá é
assegurado o direito de escolha do cidadão. Que o agenciamento de corpos é evitado apenas aplicando-se os
preceitos da lei existente, que impõe a ‘cassação’ das empresas que incorrerem em práticas ilegais.” Fls. 37 dos
autos.
71
Em British Columbia, Canadá, por exemplo, a norma regulatória dispõe sobre os documentos e requisitos que os
agentes interessados em ingressar no mercado precisam possuir. Essa norma está disponível em:
http://www.bclaws.ca/EPLibraries/bclaws_new/document/ID/freeside/11_298_2004#section31. Último acesso em:
21 de dezembro de 2011.
72
O questionário referente ao estado de Delaware, Estados Unidos, por exemplo, pode ser obtido no seguinte sítio:
http://dpr.delaware.gov/boards/funeralservices/documents/Funeral_Establishment_Application.pdf. Último acesso
em: 21 de dezembro de 2011.
73
Note que, embora seja necessária a autorização governamental para a entrada no mercado, o procedimento, em
tese, é mais simples, favorecendo a entrada e, consequentemente, a competição no setor.
Fl 23 da Nota Técnica
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99.
Outra medida seria a flexibilização à entrada de novas empresas no mercado.
Sempre que possível e cabível, é oportuna a elevação do número de permissões ou até mesmo o
fim de eventual limite quantitativo. Neste cenário, a flexibilização, no mercado de prestação de
serviços funerários, tendo em vista suas características, deve ser feita em conjunto com o
estabelecimento de requisitos rigorosos de modo a evitar a entrada de empresas desqualificados
ou despreparados e o agenciamento de corpos. De fato, a melhor forma de garantir a qualidade
na prestação desse serviço é estabelecer uma regulação de qualidade adequada, sem definir
mecanismos artificiais que restringem à entrada ou que impeçam a concorrência via preços.
100.
Finalmente, a adoção de preços livres para os serviços considerados obrigatórios,
associada à facilitação para a entrada no mercado e ao fim do sistema de rodízio, poderia
beneficiar o consumidor que encontraria diferentes opções de preço e qualidade de serviço no
mercado.
101.
Ressalta-se ainda que, conforme já abordado ao longo deste articulado, o
segmento voltado à prestação de serviços funerários é potencialmente competitivo. Não fosse a
prestação desses serviços envolver questões de ordem sanitárias e ambientais, por exemplo, a
solução de mercado poderia ser a mais adequada a esse segmento. Nesse sentido, o foco do
município em questão deve ater-se à regulamentação da qualidade dos serviços e à preservação
das condições sanitárias e ambientais já mencionadas, incentivando o caráter competitivo do
mercado.
102.
Dessa forma, o Município de Curitiba deveria modificar a regulamentação desses
serviços e permitir a exploração dos mesmos por outros agentes econômicos interessados a
ingressar no mercado, resguardando o direito de escolha do consumidor e a competição via
preços entre os agentes que atuam no mercado.
103.
Outro potencial aperfeiçoamento é padronizar o conceito de serviço funerário.
Trata-se de medida importante com vistas a mitigar o risco de que tal atividade tenha escopo
diferenciado entre municípios, muitos dos quais vizinhos. Ao se fazer isso, a concorrência é
favorecida, pois empresas que atendem uma determinada localidade passam a ter mais condições
de atender outras.
104.
A padronização em questão poderia ser feita por meio de elaboração e discussão
de projeto de lei no Congresso Nacional, especificando quais os serviços que poderiam ser
enquadrados nesse conceito74. Para tanto, seria importante a participação das autoridades
sanitárias, que têm competência para estabelecer esta definição.
105.
Por fim, julga-se oportuno que a sociedade avalie o enquadramento dos serviços
funerários como serviços públicos75. Todavia, trata-se de questão que merece amplo debate, já
que há entendimento doutrinário e jurisprudencial, classificando os serviços funerários como
74
Ressalta-se que deve estar pacificado que não haveria, nesta alternativa, desrespeito à Constituição Federal quanto
à competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local. De fato, considerando o que a doutrina
entende por lei nacional e lei federal, a criação de um conceito de serviço funerário por parte da União estaria de
acordo com as competências que lhe foram atribuídas pela Constituição Federal. Obviamente, é vedado à União, por
exemplo, o estabelecendo de normas sobre o modo de prestação e organização dos serviços funerários. Tais
parâmetros integram exatamente o que se deve entender por assuntos de interesse local, cuja competência legislativa
cabe aos municípios. Esta competência, no entanto, não se apresenta incompatível com o estabelecimento pela
União de um conceito padrão para serviço funerário. Tem-se assim o exercício de duas competências distintas, por
entes federativos distintos que, no entanto, se complementam.
75
Destaca-se que o simples enquadramento dos serviços ora analisados como serviço público traz embutida uma
série de restrições concorrenciais em função do estabelecido em legislações nacionais, como as Leis nº 8.987/95 e nº
8.666/93. Dessa forma, conforme já exposto ao longo deste articulado, a execução desses serviços não pode ser
considerada mera atividade econômica, negociada livremente no mercado. A prestação desses serviços é regulada
pelo governo municipal e a entrada no mercado é precedida de licitação.
Fl 24 da Nota Técnica
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serviços públicos. Em virtude disso, é provável a necessidade de elaboração e a discussão de
projeto de lei no âmbito do Congresso Nacional.
106.
A alternativa à revisão do enquadramento dos serviços funerários como serviços
públicos seria a modificação na forma de delegação dos serviços funerários, de modo a permitir
que os serviços públicos que apresentassem mercados potencialmente competitivos tivessem
flexibilizados seu modo de delegação. Esta poderia ser feita, por exemplo, mediante solicitação e
cumprimento de determinados requisitos estabelecidos em legislação apropriada, sem a
necessidade de procedimento licitatório. Entretanto, também é provável que, para ser
implementada, sejam necessárias elaboração e a discussão de projeto de lei no âmbito do
Congresso Nacional, com a inevitável participação das autoridades sanitárias.
107.
Diante do exposto, esta Secretaria entende que a alternativa a ser priorizada seja a
revisão do modelo de prestação de serviços funerários do Município de Curitiba, no sentido de
permitir (i) ao consumidor a opção de escolha no momento da contratação dos serviços, ou seja,
por fim ao sistema de rodízio existente entre os permissionários, (ii) a concorrência via preços na
prestação de serviços obrigatórios, podendo haver uma fase de transição, com preços máximos,
que seria liberados à medida em que haja flexibilização à entrada no mercado, e (iii)
flexibilização da entrada no mercado, até um regime de livre entrada, desde que atendidos
requisitos de qualidade impostos para a prestação dos serviços.
6 - Da Conclusão e Recomendações
108.
O documento protocolado pela representante nesta Secretaria abordava três
questões fundamentais: (i) suposto cartel no mercado de funerárias no Município de Curitiba e
(ii) problemas na regulação do mercado e (iii) solicitação de certificado autorizando o exercício
de suas atividades no ramo de planos funerários.
109.
Esta Secretaria, em sua análise, entendeu que os motivos que levaram a
representante a suspeitar de conluio, seriam, na verdade, decorrentes da legislação municipal76,
não havendo indícios suficientes que apontem para a existência de ação coordenada por parte das
permissionárias. Já quanto ao pedido de certificado da representante, esta Secretaria direcionou o
pleito à área competente. Assim, esta nota foi direcionada à avaliação do mercado de prestação
de serviços funerários do Município de Curitiba, no âmbito da advocacia da concorrência, e
procurou propor medidas necessárias para mitigar possíveis efeitos deletérios à concorrência no
mercado. Nada impede, porém, que, surgindo indícios de ação coordenada no mercado,
representação seja formulada junto ao Cade.
110.
Buscou-se, assim, avaliar se a solução adotada pelo Município de Curitiba é
eficiente do ponto de vista econômico. O resultado obtido foi que alterações no modo de
prestação e/ou delegação dos serviços podem ser realizadas, em função dos seguintes fatores:
76
(i)
O município estabelece um sistema de rodízio entre os permissionários
para a prestação de serviços funerários na localidade;
(ii)
Há uma limitação para a entrada de empresas no mercado, na proporção de
uma empresa para cada 70 mil habitantes;
(iii)
Os preços para a prestação dos serviços considerados obrigatórios são
fixos;
Destaca-se que, conforme já amplamente discutido neste parecer, o município detém a competência para regular
sobre a matéria.
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(iv)
Não há competição no mercado, ficando os consumidores sem opção de
escolha;
(v)
Os agentes que atuam no mercado não têm incentivos para melhorar a
qualidade dos serviços prestados;
(vi)
O segmento de serviços funerários é potencialmente competitivo, devendo
a regulamentação restringir-se a normatizar questões qualitativas e de
ordem sanitária e ambiental;
(vii)
Ausência de benefícios aos consumidores e de justificativas econômicas
para a forma como é feita a prestação e delegação dos serviços; e
(viii) Prejuízo a concorrentes e a empresas do mercado de planos funerários.
111.
Além disso, constatou-se que a ausência de uma definição padrão para serviços
funerários prejudica a regulação eficiente neste mercado, pois torna possível que:
(i)
Alguns municípios classifiquem como serviços funerários atividades que
poderiam ser negociadas livremente no mercado;
(ii)
Em função do exposto no item anterior, os serviços, que não seriam
públicos, passam a ter que se submeter às regulamentações do poder
público local, o que, invariavelmente, restringe a competição nesses
mercados;
(iii)
Consumidores e outros agentes econômicos, como empresas do ramo de
planos funerários, possam vir a ser prejudicados.
112.
Por sua vez, a própria classificação dos serviços funerários no âmbito dos serviços
públicos representa, por si só, restrição à concorrência no mercado, em função das normas
existentes que regem a delegação de serviços públicos.
113.
que:
Diante de todo o exposto, esta Secretaria recomenda ao Município de Curitiba
(i)
Encerre a prática de rodízio entre os permissionários;
(ii)
Não estabeleça preços fixos para os serviços obrigatórios;
(iii)
Se for o caso, utilize preços máximos temporariamente, sendo permitida a
prática de descontos, liberando os preços à medida que se avance na
flexibilização das barreiras legais à entrada;
(iv)
Flexibilize as condições de entrada no mercado, que deve ser regida por
critérios qualitativos e não por métodos artificiais como a adoção de
limites proporcionais à população;
(v)
Concentre sua regulação na expedição de normas qualitativas e de ordem
sanitária e ambiental, visto que o setor é potencialmente competitivo.
Fl 26 da Nota Técnica
Acesso: Público
06016/2013/ DF
114.
Finalmente, recomenda-se a promoção de debates, no âmbito do governo federal,
para se discutir a necessidade e a conveniência de se promover alterações legislativas com o
objetivo de (a) não mais classificar serviços funerários como serviços públicos ou, de forma
alternativa, facilitar a delegação de serviços públicos de caráter competitivo77 e (b) estabelecer
um conceito mais uniforme de serviços funerários.
115.
Nesse sentido, sugere-se o encaminhamento da presente nota técnica aos seguintes
órgãos para a adoção das medidas que julgarem necessárias:
(i)
Câmara Legislativa do Município de Curitiba;
(ii)
Prefeitura Municipal de Curitiba;
(iii)
Ministério da Saúde; e
(iv)
Anvisa.
À consideração superior.
ANDREY GOLDNER BAPTISTA SILVA
Coordenador-Geral de Infraestrutura Urbana e Recursos Naturais
De acordo.
RUTELLY MARQUES DA SILVA
Secretário-Adjunto de Acompanhamento Econômico
ANTONIO HENRIQUE PINHEIRO SILVEIRA
Secretário de Acompanhamento Econômico
77
Essa delegação poderia ser feita, por exemplo, mediante solicitação e cumprimento de determinados requisitos
estabelecidos em legislação apropriada, sem a necessidade de procedimento licitatório.

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