guia de estudos - 2004

Transcrição

guia de estudos - 2004
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES
UNIDAS
Delegados e delegadas desta Comissão de Direitos Humanos,
Nossos mais sinceros e ternos cumprimentos!
Gostaríamos de dar-lhes as boas vindas à SOI 2004, mais
especificamente ao nosso estimado comitê, e pensamos em fazê-lo da forma mais
natural e humana possível, contando um pouco da nossa história.
Talvez a parte mais fundamental do nosso trabalho tenha sido a escolha
dos tópicos. Podemos dizer que naquela noite chuvosa de dezembro em que Fernanda
ligou para Artur, ficamos desesperados procurando tópicos instigantes e desafiadores,
que tratassem da renovação do tema Direitos Humanos. Surgiu o que hoje está expresso
neste guia e o que será consumado na SOI, com participação de todos nós. Quase um
ano de trabalho duro, mas extremamente recompensador. Noites em claro e reuniões
bem humoradas com certeza fazem parte da agenda do CDH da SOI 2004.
Eu, Wagner Artur, estou no começo de minha carreira em modelos. Este
é meu quarto, sendo o segundo como diretor. Sou aluno do 4º semestre do curso de
Direito da UFRN, e este é meu segundo comitê de Direitos Humanos, mas eu admito
que não sou tão bom nisso quanto Fernanda. Nosso trabalho não teria sido possível sem
a ajuda inestimável dos Adriano e João Cícero, que vestiram a camisa da Comissão de
Direitos Humanos e contribuíram imensamente para o nosso comitê. Não seríamos os
mesmos sem a precisão cirúrgica de Adriano e o talento nato de João Cícero pra
incomodar Fernanda. Tenho interesse patológico por música, história, filosofia, cinema,
relações internacionais, livros, entre outros assuntos.
Eu, Fernanda, também estou afeita ao curso de Direito, em seu 6º
período, e desde o começo do curso tenho procurado poder tomar parte da experiência
enriquecedora que é organizar ou participar de um modelo. Confesso que nem sempre é
fácil, mas garanto que sempre recompensador pelo trabalho, pelos amigos e, quem diria,
pelas farras. Este é o meu sexto modelo e espero podermos fazer dele inesquecível.
Gostaria de agradecer ao ombro amigo de Wagner e à dedicação e paciência de Adriano
e Cícero, além de é claro, à família, amigos e namorado que sempre me incentivam.
Colega de sala e amigo de Fernanda, eu, Adriano, só tenho a agradecê-la
pelo convite para participar da organização desta Comissão de Direitos Humanos, algo
que muito me orgulha. Este é o meu terceiro modelo e o primeiro na diretoria, tendo
participado do CDH como delegado na SOI do ano passado, experiências estas que
despertaram e estimularam meu interesse pelo Direito e as Relações Internacionais.
Espero, sinceramente, que o mesmo possa ocorrer com todos os que nos acompanharão
nessa nova jornada.
Olá, meu nome é João Cícero, estou no 5º período do curso de Direito na
UFRN e minhas matérias de maior interesse são: Direito Internacional e Filosofia. Esse
é meu quarto modelo, o primeiro como diretor assistente, e é nele que pretendo ter a
melhor experiencia em modelos, não só para mim, mas para todos aqueles que irão
dividir essa experiência comigo.
Mesmo com uma história tão singular, acreditamos que os melhores
momentos ainda estão reservados para os cinco dias da SOI. Confiamos em sua
dedicação, e nos comprometemos a fazer o que for possível para o sucesso desse grande
debate, sobre também grande ideal dos Direitos Humanos. Gostaríamos de convidá-lo a
fazer parte da nossa lista de e-mails enviando um e-mail em branco para [email protected], e vamos nos manter em contato!
No mais, deixe a vergonha na porta ao entrar, e seja bem-vindo às
Nações Unidas.
Cordiais saudações,
Wagner Artur Cabral
[email protected]
Diretor
Fernanda Laís de Matos
[email protected]
Diretora
Adriano de Oliveira Othon
[email protected]
Diretor Assistente
João Cícero de Asevedo Ramos
[email protected]
Diretor Assistente
HISTÓRICO DA COMISSÃO
Nos anos que seguiram o fim da Segunda Guerra Mundial, entre a
adoção da Carta das Nações Unidas1 e os julgamentos dos Tribunais de Nuremberg e
Tóquio (1945-1949), nasceu, em 1946, um dos seis (06) principais órgãos
intergovernamentais2 do Sistema das Nações Unidas, o ECOSOC ou Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas. Dentre suas responsabilidades, destaca-se o
incentivo ao progresso econômico e social; a proposição de soluções a problemas
econômicos, sociais e de saúde; a facilitação da cooperação internacional cultural e
educacional; bem como a promoção do respeito universal aos direitos humanos e
liberdades fundamentais.
O art. 68, capítulo X, da Carta das Nações Unidas revela a seguinte
redação: “O Conselho Econômico e Social criará comissões para os assuntos
econômicos e sociais e a proteção dos direitos humanos assim como outras comissões
que forem necessárias para o desempenho de suas funções”. Dessa forma, dentre as
discussões concernentes aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1948 naquele
conselho, tiveram precedência deliberações acerca da criação da Comissão de Direitos
Humanos das Nações Unidas. Esta, por sua vez, priorizou a elaboração de uma Carta
Internacional dos Direitos Humanos, concluindo e adotando em menos de três (03)
anos da sua fundação o primeiro dos três documentos que viriam a constituir a carta: a
Declaração Internacional dos Direitos do Homem (DUDH).
Em seguida, iniciou-se a elaboração de um documento, no caso um
pacto, que atestasse a obrigação jurídica dos sujeitos de direito internacional na
promoção e proteção dos direitos humanos, já que a declaração tinha força “meramente
orientadora e referencial” (ALVES, 1997). Fossem os direitos contidos neste pacto
civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, etc, acabou por se formar discordâncias
entre os países membros, optando-se pela confecção de dois documentos, ao invés de
um. Passados trinta (30) anos de debate, entraram em vigor o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais.
A partir daquele momento foram criados instrumentos para auxiliar a
estrutura de proteção dos direitos humanos no âmbito das Nações Unidas. Os chamados
Mecanismos Convencionais (em inglês, Treaty Monitoring Bodies) como o Comitê de
Direitos Humanos, o Comitê sobre os Direitos da Criança, o Comitê sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial, entre outros, surgiram para assegurar a
elaboração de documentos que visem garantir a proteção e efetivação internacional dos
direitos humanos.
Os órgãos legislativos das Nações Unidas, incluindo a Comissão de
Direitos Humanos, a partir de 1979 puderam instituir através de resolução Mecanismos
Especiais (em inglês, Special Procedures) como a de designação relatores,
representantes especiais e experts independentes, a nomeação de grupos de trabalho e a
implantação do procedimento 1503 (para recebimento de denúncias de violações).
1
Documento fundador de 26 de junho de 1945 que criou a referida organização.
Hoje o sistema conta com apenas cinco (05) órgãos principais. Com a independência de Palau em 1º do
outubro de 1994, o Conselho de Tutela foi extinto em 1º de novembro de 1994.
2
A Comissão atualmente ainda fornece Serviços de Aconselhamento e de
Cooperação Técnica aos países membros e das Nações Unidas e está ligada ao
Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos – figura
política responsável pela união de padrões e programas das Nações Unidas na promoção
dos direitos humanos desde sua criação em 1993. Ela é composta de 53 países, membros
das Nações Unidas que alternam seus mandatos de 3 em 3 anos, e suas sessões regulares
acontecem em Genebra, durante seis semanas entre março e abril. Pode ainda convocar,
por maioria de votos, sessão especial para lidar com intensas e urgentes violações aos
direitos humanos. Este ano a SOI estará simulando a próxima sessão regular da
Comissão de Direitos Humanos, ou seja, a 61ª sessão e, em cumprimento às
recomendações da última sessão, deliberará sobre os tópicos apontados.
Tópico A
O Uso de Mercenários como Meio de Violação aos Direitos Humanos e
Impedimento ao Exercício do Direito à Autodeterminação dos Povos
1. Apresentação
Dado o fato que poucos sequer ouviram a respeito, a indústria militar
privatizada é um negócio surpreendentemente grande. Possui várias
companhias operando em mais de 100 países em seis continentes e mais de
$100 bilhões de lucro anual.
Peter W. Singer
Em um mundo perfeito nós não os necessitaríamos ou os quereríamos.Mas o
mundo não é perfeito.
Sir Brian Urquar, Ex-Sub-Secretário das Nações Unidas
Os mercenários, ou “soldados da fortuna", são grupos humanos
contratados para um serviço militar além do seu exército pátrio, visando apenas
recompensa financeira. Antigamente reunidos em grandes grupos irregulares, a figura
do mercenário tem adquirido um status cada vez mais profissional, a ponto do eventual
surgimento das Companhias Militares Privadas (PMCs), firmas que se encarregam
desde a logística, até embates armados, a gosto do seu contratante.
Essas companhias, de uso corrente na atualidade, revelam participação
decisiva em momentos de tensão, muitas vezes encoberta da opinião pública pelos seus
contratantes. Também chamados de “soldados das sombras”, estes combatentes residem
em uma fração delicada do direito da guerra. Não se enquadram em contingentes
militares nacionais, são elementos ativos independentes.
Acusados de realizarem atividades obscuras à observação internacional,
especialmente no que se refere aos direitos humanos, torturas, maus-tratos e violência
desmedida, são tidos como uma ameaça severa a princípios de direitos humanos como a
autodeterminação dos povos.
Mas tudo isso era admitido em outras épocas. As legislações internas dos
países só começaram a repelir o mercenarismo no século XIX, estando ele muito mais
presente na história e formação das nações do que se imagina. Países nasceram como
fruto de embates mercenários, mesmo que a duras penas para a vida e a integridade da
sua população.
Os ideais da Revolução Francesa e do movimento voltado à proteção do
cidadão e, posteriormente, dos direito humanos, incutiram no inconsciente coletivo que
colocar os direitos humanos sob o prisma da violência como meio de atingir o objetivo
da paz não é mais aceitável. O fenômeno do mercenarismo passou a se confundir com
terrorismo, tráfico e crimes internacionais, interferindo no bem-estar e no poder não só
do Estado, mas de cada pessoa em garantir o seu futuro.
2. Histórico do Problema
2.1 Mercenarismo - Histórico Clássico
A expectativa que muitos pensadores e humanistas, ao longo da história,
guardavam sobre a possibilidade do mundo ver-se um dia livre das guerras,
seguramente frustrou-se. Imaginavam eles que com o avanço da civilização e
com o crescente aperfeiçoamento ético dos homens e das mulheres fosse
possível evitar-se as chacinas e as demais desgraças trazidas pelos grandes
confrontos armados. Longe de permanecer como uma relíquia dos tempos
bárbaros e primitivos da humanidade, a guerra, ao invés de desaparecer,
apenas modernizou-se, adotando, devido aos avanços da tecnologia, uma
potencialidade ainda mais mortífera e destrutiva do que em qualquer outra
situação do passado.
Prof. Voltaire Schilling
A história da civilização humana sempre foi repleta de embates armados.
Suas causas e justificativas são indissociáveis do interesse econômico – seja ele direto
ou indireto – que invariavelmente os impulsionou. É certo que a atual disposição
geopolítica do globo seria inimaginável sem se levar em conta todos os conflitos
deflagrados até hoje.
Figurando como importantes personagens dessa história de tantas
guerras, os mercenários muitas vezes tiveram papel decisivo no desenrolar e desfecho
dos confrontos. Ao contrário do que normalmente se pensa, a idéia de cidadãos
guerreando por uma causa do próprio Estado-Nação é uma realidade apenas dos últimos
300 anos. Assim sendo, buscar-se-á aprofundar a análise de antecedentes e expor as
várias formas de participação dos mercenários nos embates ao longo da história, além
de acompanhar a evolução desse ofício até os dias atuais, reconhecendo seu caráter ora
negativo, ora necessário, mas quase sempre controvertido.
¾ Antigüidade Oriental e Antigüidade Clássica
Datam de 1700 a 1300 a.C., fase do apogeu das civilizações da
Mesopotâmia, documentos cuneiformes que fazem com freqüência menção a um povo
chamado habiru, palavra bastante semelhante ao termo bíblico “hebreus”. Estes seriam,
segundo tais textos, um povo nômade e erradio que vendia seus serviços como
mercenários aos babilônios, assírios, hititas3 e hurritas4.
Já no século XI a.C., os próprios hebreus, sob o comando de Davi,
sucessor do rei Saul, fizeram uso de numerosos mercenários estrangeiros durante a fase
mais poderosa da história hebraica. Eles constituíam parte importante do exército do
Estado israelita, que estendeu seu poderio, derrotou os arquiinimigos filisteus e
conquistou a cidade de Jerusalém, posteriormente transformada em capital política e
religiosa do reino.
3
Antigo povo da Ásia Menor e Oriente Médio, que habitou a terra de Hatti no planalto central, atual
Anatólia (Turquia) e algumas regiões do norte da Síria (ENCARTA, 2001).
4
Povo asiático, governado, provavelmente, por uma aristocracia indo-européia, que fundou os reinos de
Hurri e de Mitanni (II milênio a.C.). Eram famosos pelo adestramento de cavalos e o manejo de carros
(LAROUSSE, 1977).
Mercenários gregos foram utilizados pela primeira vez por faraós do
Egito para compor suas tropas auxiliares no período denominado Renascimento Saíta
(século VIII a.C.). Nesse interregno, Sais havia sido transformada na nova capital e o
Império – que estava enfraquecido –, passava por um curto tempo de recuperação.
Ressalta-se também, a participação de mercenários líbios que serviam como guardas de
fronteira no Antigo Egito (COURAU, 2004).
Os persas, durante as Guerras Médicas contra os atenienses e os
espartanos (490 a 479 a.C.), também contaram com mercenários gregos, que durante
batalhas épicas como as de Termópilas e Salamina eram estimulados a depor suas armas
e a não combater contra a pátria-mãe. A existência de tantos mercenários no seu
contingente foi fator determinante da derrota persa, visto que muitos deles desertavam
assim que as batalhas começavam a lhes ser desfavoráveis e o único interesse em lutar
era advindo da recompensa em dinheiro.
A propósito, mercenários gregos também estiveram presentes em guerras
internas na Pérsia. Contratado pelo príncipe persa Ciro, o Jovem, para depor seu irmão
Artaxerxes II, o militar Xenofonte5 comandou 10 mil mercenários nessa mal-sucedida
aventura, fantasticamente retratada em “Anábasis” pelo próprio comandante. Mais
tarde, tal narrativa foi inteligentemente utilizada por Alexandre Magno, da Macedônia,
educado por Aristóteles, quando do início da expansão do seu reinado rumo ao Oriente,
já que cerca de metade do percurso estava detalhadamente descrito na referida obra.
Mas, da mesma forma que o aumento do mercenarismo foi prejudicial
aos persas, ele é visto como um dos indícios da decadência e desintegração da pólis
grega. Em decorrência disto, a ida para a Pérsia de milhares de gregos empobrecidos fez
com que estes homens deixassem completamente suas raízes cívicas e as cidades gregas
perdessem o controle da função militar, fator vital de estabilidade política.
Cartago, que até o século III a.C. controlava o Mar Mediterrâneo,
igualmente utilizou soldados mercenários. O exército e a marinha, que protegiam os
seus navios comerciais, foram obrigados, pelas contínuas campanhas e pelas
necessidades defensivas, a estabelecer bases continentais. Nestas, eram atraídos
soldados estrangeiros como celtiberos, líbios, númidas6 e mauritanos, que passavam a
integrar o núcleo militar cartaginês. Com advento das Guerras Púnicas – que se
estenderam de 246 a 164 a.C. –, Cartago sucumbiu ao poderio de Roma, que passou a
dominar o Mediterrâneo ou mare nostrum, como o denominavam.
Denota-se, ainda, a presença de soldados mercenários no Império
Romano, principalmente os de origem germânica, sendo contratados, por vezes, bandos
inteiros de guerreiros. Um destes, chamado Estilicão, chegou a ser até mesmo o general
mais influente do Império. Em outro momento, para combater a invasão dos hunos,
Roma firmou uma união temporária com os bárbaros, na qual um grupo composto por
hérulos e godos servia como exército mercenário. Em 476 d.C., estes reivindicavam o
status de federados, o que lhe daria o direito de obter terras e, aos chefes, o direito de
arrecadar tributos. Diante da negativa imperial, o chefe hérulo Odoacro tomou a
5
Também grande historiador e filósofo da Grécia Antiga.
Povo nômade originário da Numídia, região do norte da África, equivalente a atual Argélia
(LARROUSE, 1977).
6
iniciativa de derrubar o fraco imperador Rômulo Augusto (475-476), coroando-se rei e
pondo fim ao Império Romano do Ocidente.
¾ Idade Média
O Império Bizantino – ou Romano do Oriente – utilizou mercenários
estrangeiros de várias partes do seu território no combate à expansão muçulmana que se
iniciava, sobretudo normandos, alguns francos e turcos do norte do Danúbio. Na
histórica Batalha de Manzikert, apesar da maioria numérica, o heterogêneo e
desorganizado exército bizantino foi incapaz de obedecer corretamente a um comando
central, sendo fragorosamente derrotado pelos sunitas seldjúcidas7. Tal derrota marcou o
início do fim do Império Bizantino.
Os próprios árabes valeram-se de mercenários turcos (os mamelucos)
durante a expansão do Império Islâmico rumo ao Ocidente e no combate às Cruzadas
cristãs do século XI. No entanto, tal estratégia não foi bem sucedida durante campanha
no Egito, na qual os próprios mamelucos acabaram por tomar, eles próprios, o poder. Os
turcos governaram o Egito por dois séculos e meio.
Por seu turno, a Europa feudal cristã que via seus domínios territoriais
cada vez mais ameaçados, ora pelos muçulmanos, ora por piratas marítimos
escandinavos – os vikings – promoveu a organização de milícias comandadas por
oficiais aristocratas encarregados da defesa local. Tais tropas eram constituídas por
soldados mercenários dotados de habilidade profissional, mas que só permaneciam nas
fileiras enquanto recebiam o devido pagamento. Eram descritos como homens de
espírito cosmopolita, desempregados e geralmente odiados por serem saqueadores.
Com o declínio da autoridade moral da Igreja nos séculos XV e XVI e o
fortalecimento dos reis, o uso dos detestados soldados mercenários nas guerras
medievais só aumentou, o que, apesar dos grandes malefícios sociais que ocasionou,
originou uma era de notável riqueza e estabilidade econômica.
¾ Idade Moderna (Estado Absolutista)
A criação do Estado absolutista abriu caminho para o surgimento dos
exércitos permanentes, já que anteriormente existiam, no máximo, exércitos de vassalos
a serviço do sistema feudal, sem subordinação alguma ao poder central.
A guerra, numa concepção proveniente da Idade Média, continuava a ser
considerada o meio mais rápido e fácil para a conquista de riquezas e território. Foi com
essa mentalidade que os monarcas de França, Holanda, Espanha, Inglaterra e Áustria,
entre outros, organizaram exércitos regulares comandados pela nobreza (cuja arma era a
cavalaria) e formados por uma infantaria de mercenários estrangeiros – suábios
albaneses, suíços, valáquios8, turcos, húngaros ou italianos. Nesse contexto também se
encaixam os famosos wild geese (gansos selvagens, em inglês), irlandeses e escoceses
que serviram ao rei Gustavus Adolphus da Suécia e a vários monarcas franceses.
7
Importante dinastia turca do Oriente Médio que governou o oriente muçulmano durante os séculos XI e
XII (ENCARTA, 2001). Possuía um exército poderoso e leal (LAROUSSE, 1977).
8
Povo originário da região da Transilvânia, na Romênia.
O uso dos mercenários em grande escala revelou-se extremamente
conveniente para a monarquia absolutista européia que expandia suas riquezas e
domínios sem haver a necessidade de armar seus camponeses e trabalhadores urbanos,
evitando revoltas. Jean Bodin, teórico do absolutismo, em 1578 declarou: “É
praticamente impossível treinar todos os súditos de um Estado nas artes da guerra e ao
mesmo tempo mantê-los obedientes às leis e aos magistrados”.
Ainda nesse período, esquadras de mercenários foram montadas para
enfrentar lutas nas colônias européias na América, a exemplo dos holandeses que
arregimentaram franceses e mercenários da Europa Central e Setentrional para defender
os postos de comércio já estabelecidos no Brasil.
Em fins do século XV, o mercantilismo havia se disseminado pela Itália,
quando se conheceu a forma mais aperfeiçoada do ofício do mercenário até então – as
companhias privadas de segurança. Os condottieri, como eram conhecidos, assinavam
uma condotta, ou seja, um contrato escrito com um príncipe ou uma cidade, no qual era
descrito o tipo de serviço a ser prestado e a forma de sua execução. Essas empresas
também eram contratadas por famílias de grandes banqueiros e comerciantes para
prover a segurança dos seus negócios, atacar concorrentes ou mesmo tomar o poder em
cidades italianas. Crítico ferrenho dos mercenários, Nicolau Maquiavel a eles atribuía,
dentre outros motivos, a instabilidade política sofrida pela Itália àquela época. A esse
respeito, asseverou, em sua célebre obra O Príncipe:
(...) se um príncipe fundamenta o seu poder nas armas mercenárias, não
o terá jamais sólido nem gozará de segurança, porque os soldados não se
lhe afeiçoam, são ambiciosos, indisciplinados e infiéis, animosos entre os
amigos, vis diante do inimigo; e não temem a Deus nem usam da lealdade
para com os outros. Com eles a seu serviço, um príncipe só difere e sua
ruína na medida em que difere a ação guerreira. Nos tempos de paz és
espoliado por eles; na guerra, pelos inimigos. A causa disso é que não
nutrem nem estima nem qualquer outro bom sentimento em relação a ti
que os mantenha em campanha; e só te servem por um punhado de
moedas, que entretanto nunca é suficiente para fazer com que se
disponham a morrer por ti. Querem ser teus soldados enquanto não
fazes a guerra; e fogem ou te abandonam tão logo ela chegue
(MAQUIAVEL, p.87).
Fora do eixo da Europa, os mercenários europeus figuraram, ainda, nas
guerras disputadas pelos shoguns – senhores feudais – no Japão. Embora esses soldados
tenham conseguido se manter neutros com relação às desavenças internas, se engajaram
em ambos os lados dos conflitos.
Dito isso, nota-se que o mercenarismo foi prática comum durante toda a
Idade Moderna, prolongando-se até o final do século XVIII e início do século XIX,
quando passou a ser veementemente combatido e evitado pelos Estados, tendendo o seu
uso à extinção.
2.2 Mercenarismo - Histórico Moderno
¾ Século XX – Anos 60 e 70 – Os “cães de guerra”
O advento da Revolução Francesa provocou mudanças radicais nas
concepções dominantes no campo sócio-político da Europa, dentre elas o fato dos ideais
nacionais passarem a ter uma ligação indissolúvel com o serviço militar, o que não
acontecia, haja vista não existirem previamente Estados capazes de suscitar tal
sentimento cívico.
Com isso, o que antes era a exceção passou a ser a regra: Estados
dotados de exércitos nacionais permanentes formados unicamente por cidadãos da
própria nação. A queda nas atividades mercenárias foi significativa e praticamente
desapareceu da metade do século XIX até o fim da Segunda Guerra Mundial. A
despeito dessa diminuição, algumas atividades mercenárias perduraram, a exemplo dos
soldados mercenários utilizados nas forças militares de Franco, na Espanha, de 1936 a
1939.
Somente no período pós-guerra, com a dispensa
de um grande contingente militar e o início dos conflitos de
descolonização na África, o mercenarismo voltou a ser prática
comum, atingindo seu auge nos anos 1960 e 1970. Os regimes
colonialistas, no intuito de permanecerem no poder, montavam
milícias formadas pelos chamados “cães de guerra”. Ficaram
assim conhecidos devido à fama de homens aventureiros,
anarquistas e sem escrúpulos, cheios de cicatrizes de guerra,
sempre fortemente armados e dispostos a matar pelo melhor
salário. Essa talvez seja a imagem mais recorrente quando se fala
em “mercenário”.
Tais soldados, com larga experiência em guerras
eram, na sua maioria, britânicos, belgas, franceses, alemães e sulafricanos. Agiam sós ou em pequenos grupos na realização de
missões específicas – embora em algumas guerras eles tenham
atuado de forma ampla –, e muitas vezes gozavam do direito de
saquear os bancos das cidades onde combatiam ou mesmo furtar
jóias. Devido a tal comportamento os mercenários eram
chamados pelos africanos de “les affreux” – os terríveis, em
francês.
Figura 1:
www.tropaselite.hpg.ig.com.br
Embora os europeus fossem maioria na África, nos anos 1970 Cuba
exportou entre 20 e 40 mil mercenários para sustentar o governo filo-comunista contra a
União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), subvencionada pela
África do Sul do apartheid e pelo governo estadunidense.
Os principais conflitos travados nesse período pelos mercenários na
África aconteceram no Congo Belga e em Katanga9, atualmente territórios da República
9
Região da extremidade meridional do Congo. Ficou independente de julho de 1960 e janeiro de 1963,
quando foi reunificada pelo Congo, com ajuda das Nações Unidas (LAROUSSE, 1977).
Democrática do Congo, em Biafra10, Angola, Moçambique, Costa do Marfim, Libéria,
Namíbia, Rodésia (atual Zimbábue) e Argélia. Boa parte dos que lutaram nesses países
já havia combatido e perdido batalhas na colônia francesa da Indochina, formada por
Laos, Camboja e Vietnã11.
Com a independência da grande maioria dos países africanos no final da
década de 1960, a repulsa ao mercenarismo passou a ser bandeira desses novos Estados,
insatisfação essa expressa em declarações das sucessivas reuniões da Organização da
Unidade Africana (OUA) – Kinshasa (1967), Addis-Abeba (1969 e 71) e Lagos
(1970)12. Embora não tenham definido juridicamente o vocábulo mercenário, tais
documentos foram taxativos ao condenar o mercenarismo e procurar criminalizar
atividades de recrutamento e treinamento de mercenários por outros países (MARTIN,
1976).
Prova máxima da aversão dos africanos ao mercenarismo foi o polêmico
julgamento e posterior condenação de treze estrangeiros, dos quais nove13 foram
condenados a penas de prisão e outros quatro14 foram condenados à morte, sendo
posteriormente executados por um pelotão de fuzilamento. Tal execução se deu em 10
de julho de 1976, cumprindo sentença do Tribunal Revolucionário do Povo, em Luanda,
Angola (Ibidem).
O julgamento e as execuções subseqüentes foram bastante criticados por
não ser o mercenarismo àquela época um crime internacional, e tampouco a legislação
angolana entender dessa forma. Contendas judiciais à parte, esse episódio impulsionou
as discussões internacionais a respeito do tema, o que culminou com a adoção do
Protocolo I adicional às Convenções de Genebra de 1949, adotado em 8 de junho de
1977.
Em decorrência dessa conjuntura internacional desfavorável, a partir de
meados da década de 1980 houve uma acentuada queda no mercado e nas práticas
mercenárias tradicionais e o aparecimento e ascensão de firmas particulares, mais
conhecidas como Companhias Militares Privadas (ou PMCs, sigla em inglês de Private
Military Companies), às quais vamos nos ater daqui para a frente.
¾ A Era das Companhias Militares Privadas (PMCs)
Com o fim da Guerra Fria e do apartheid, os Estados Unidos e várias
outras nações passaram a reduzir gradativamente seu contingente, o que produziu o
aumento de mão-de-obra militar disponível no mercado mundial. Essa mudança, aliada
aos cada vez mais freqüentes conflitos e guerras deflagrados ao redor do globo,
principalmente durante os anos 1990, deram ensejo ao nascimento e crescimento das
Companhias Militares Privadas (PMCs).
10
Região situada a leste da Nigéria. Estado efêmero, a República de Biafra existiu de maio de 1967 a
janeiro de 1970 (Ibidem).
11
Esses três países se tornaram autônomos em 1954, com a derrota da França na guerra de independência.
12
Cidades situadas, respectivamente, na atual República Democrática do Congo, Etiópia e Nigéria.
13
Seis britânicos, um irlandês, um norte-americano e um argentino.
14
Três britânicos e um norte-americano.
Diferentemente dos famigerados “cães de
guerra” de outrora, as PMCs procuram, através da
natureza de pessoas jurídicas – com contratos sociais
devidamente registrados –, distanciar-se ao máximo do
conceito de mercenários. Estas instituições são dotadas de
grande vocação empresarial e têm tentado passar a
imagem de legalidade e transparência dos seus negócios,
trabalhando por meio de contratos claros, seguindo regras
internacionais de comércio e possuindo, a maioria,
vistosos sites na Internet, nos quais divulgam seus
serviços15. Há até mesmo uma revista mensal nos EUA
que trata do tema16.
Compostas por ex-agentes e oficiais de
patentes elevadas e experiência em combate de grandes
potências militares, a maioria dessas empresas goza de
estreita relação com os governos de seus países de
origem.
Fig. 2: www.sofmag.com
Os contratos firmados pelas PMCs incluem todo tipo de assistência aos
seus clientes (governos, empresas multinacionais e organizações internacionais), que
vão desde operações militares de apoio logístico, treinamento, assessoria e venda de
armas e equipamentos até o envolvimento direto em eventuais combates.
Dito isso, as PMCs têm como principal área de atuação países em
desenvolvimento que abrigam situações reais ou potenciais de conflitos internos. Uma
vez contratadas, essas empresas, dotadas de moderna infra-estrutura tecnológica e
considerável poderio bélico, instalam-se nos referidos países, provendo proteção a
chefes de Estado ameaçados por revoltas de opositores, a exemplo do que ocorreu em
Serra Leoa, ou dando segurança à vida de líderes de oposição.
Um dos principais ramos de negócio das PMCs tem sido o treinamento
de forças militares de vários Estados17, o que abrange o fornecimento de equipamentos,
o uso de armas e a aprendizagem de táticas. De acordo com a Estratégia de Segurança
Nacional para um Novo Século, publicada em 1999 nos Estados Unidos, o treinamento
militar seria uma ótima forma de intercâmbio e divulgação de ideais democráticos e
boas relações civis-militares (AVANT, 2002).
Entretanto, freqüentemente tem-se apontado que os países que sediam
Companhias Militares Privadas as têm usado como forma de acobertar suas pretensões
políticas externas, já que muitas vezes seria inviável a execução de certos tipos de
operações com suas próprias Forças Armadas. Cogita-se, inclusive, que essas firmas
assumam a condição de extensões de agências de inteligência dos seus países, tais como
a CIA18 (norte-americana), a MI619 (inglesa) e a SDECE20 (francesa).
15
Calcula-se que em 2010 o mercado de segurança internacional renderá em torno de 200 bilhões de
dólares (AVANT, 2002).
16
Site da Soldier of Fortune: www.sofmag.com.
17
Durante os anos 1990, firmas norte-americanas treinaram militares em mais de 42 países (AVANT,
2002).
18
Sigla em inglês de Central Intelligence Agency.
Por fim, as PMCs têm sido bastante requisitadas para garantir a
segurança de grupos multinacionais que exploram atividades econômicas, sendo
fundamentais na manutenção de seus negócios e interesses. É o caso das empresas que
atuam na Costa do Marfim na cultura do cacau, na extração minerária em vários países
africanos ou na exploração petrolífera, na qual as PMCs dão proteção principalmente
aos oleodutos.
Muitas vezes estas chegam a atuar diretamente em atividades extrativas
através de concessões obtidas como retribuição aos serviços prestados. Por exemplo, a
recém-extinta Sandline International, uma das mais conhecidas, fazia parte da Adson
Holdings, que realiza atividades de transporte aéreo, desarmamento de minas e
informática, tendo como subsidiária a Diamond Works, dedicada à extração minerária
de diamantes na África. Isso demonstra que algumas dessas companhias são apenas
parte de megacorporações que, além de explorarem a guerra como um negócio, também
tiram proveito das potencialidades econômicas de países devastados por conflitos.
Como firmas particulares e não simples reunião de homens dispostos a
guerrear em troca de uma recompensa em dinheiro, as PMCs não são alcançadas pelas
definições do termo mercenário até agora constantes em convenções internacionais, seja
no âmbito das Nações Unidas21, seja na Convenção para a Eliminação de Mercenários
da OUA.
Como já mencionado, as PMCs estão sediadas nos países desenvolvidos
detentores de grande poderio militar, com destaque para os EUA – onde estão
estabelecidas em torno de 35 PMCs –, Reino Unido e Israel. Até 1999 era baseada na
África do Sul a Executive Outcomes – umas das mais poderosas do mundo –, quando
foi obrigada a fechar suas portas diante da promulgação da lei “antimercenários” nesse
país, sendo incorporada pela Sandline. Vejamos, então, quais são as principais
Companhias Militares Privadas, destacando suas características, o tipo de serviço
prestado e os locais onde atuam ou já atuaram:
•
Defense Systems Ltd. (DSL) – Reino Unido
o Com cerca de quatro mil funcionários, a DSL possui em torno de 20 subsidiárias
e filiais em 44 países. Em 1997, foi comprada pela norte-americana Armor
Holdings.
o Sua especialidade é a proteção de embaixadas, companhias petrolíferas e
mineradoras, embora também atue em resgate de reféns, negociações em caso de
seqüestro, operações de inteligência e treinamento militar.
o Tem entre seus clientes agências das Nações Unidas, o Banco Mundial e várias
companhias multinacionais – Texaco, Chevron, Schlumberger, British Gas,
British Petroleum e American Airlines.
o Protege embaixadas norte-americanas em Angola, Uganda e República
Democrática do Congo.
o Já treinou as forças de segurança de países como Sri Lanka, Papua Nova Guiné,
Angola e Moçambique.
19
Sigla em inglês de Military Intelligence section Six.
Sigla em francês de Service de Documentation Extérieure et de Contre-Espionnage.
21
Protocolo I adicional às Convenções de Genebra de 1949 (1977) e Convenção Internacional contra o
Recrutamento, Uso, Financiamento e Treinamento de Mercenários (1989).
20
•
DynCorp22 – EUA
o Possui em torno de 20 mil empregados trabalhando em mais de 50 países do
mundo. Seu faturamento anual passa de US$ 1,2 bilhão de dólares, sendo 90%
dos seus contratos com o governo estadunidense.
o Destaca-se em treinamento de pilotos e tripulações de helicópteros e aviões,
controle e combate aéreo, bem como no fornecimento de mecânicos de
aeronaves.
o Atuou no Timor Leste a serviço do governo da Indonésia em 1999 durante a
guerra de independência. Prestou serviços na Guerra do Golfo, trabalhou na
guerra de contra-insurreição de El Salvador. Atualmente participou da ofensiva
anti-drogas na Colômbia e forneceu os guarda-costas do presidente afegão
Hamid Karzai.
•
Levdan – Israel
o Dirigida por um ex-general israelense, possui contratos com mais de 30
governos ao redor do mundo, gozando de ótimas relações com o governo do seu
país.
o É especializada em treinamento de guardas e seguranças presidenciais, a maioria
deles africanos.
o Possui união com a firma de comercialização de diamantes Kardan Ivestiment,
também beneficiária de concessões de prospecções petrolíferas na África.
•
Military Professional Resources Inc. (MPRI)23 – EUA
o Formada por oficiais militares que ocuparam importantes postos no Pentágono e
tendo íntima relação com este, a MPRI apresenta-se como a “maior conjunção
empresarial de conhecimentos militares do mundo” e vangloria-se de somente
aceitar contratos autorizados pelo Departamento de Estado dos EUA
(ISENBERG, 2000).
o Fornece logística e treinamento militar na guerra contra o narcotráfico na
Colômbia.
o Por ordem de Bill Clinton, em 1995 profissionalizou, treinou e equipou as
Forças Armadas de Croácia e Bósnia.
o Formou grupos de combatentes para ações no Kuwait, Guiné Equatorial e
Nigéria.
•
Sandline International – Reino Unido
o Como já visto, a Sandline, que era uma das maiores, mais atuantes e talvez a
mais famosa PMC do mundo, fechou suas portas em abril de 2004 por medida
do governo britânico. Era uma das únicas PMCs que oferecia serviços de
combate armado direto.
o Ficou mundialmente conhecida em 1998 devido ao escândalo do fornecimento
de 30 toneladas de armas vindas da Bulgária ao governo de Serra Leoa, país este
sob embargo decretado pelas Nações Unidas quanto ao comércio de armas.
22
23
Acesse www.dyncorp.com.
Acesse www.mpri.com.
o Em 1997, a Sandline foi acusada de irregularidades no seu contrato com o
governo de Papua Nova Guiné. Ao fim das investigações, nada foi provado.
•
Vinnell Corporation24 – EUA
o Durante vários anos esteve na Arábia Saudita formando e adestrando a Guarda
Nacional, que protege o soberano, parte da família real e alguns dos sucessores
de sangue azul (MAIEROVITCH, 2003).
3. Definição Moderna
Guerra e Anarquia reinarão na África porque tem sido explorada por
pessoas fazendo promessas. A Guerra Fria deixou um grande vácuo e eu
identifiquei um nicho de mercado — nós estamos vendendo o negócio da
sobrevivência.
Eeben Barlow – Presidente da extinta Executive Outcomes
A definição moderna do que vem a ser mercenarismo, ou a quem se
aplica o título de mercenário, mais que um simples conceito, é uma fonte de acalorados
debates e pontos de vista divergentes. O único tratado internacional no âmbito das
Nações Unidas que versa sobre o tema, a Convenção Internacional contra o
Recrutamento, Uso, Financiamento e Treinamento de Mercenários preceitua em seus
artigos 1º e 2º:
1. Um mercenário é qualquer pessoa que:
(a) É especialmente recrutada localmente ou no exterior com o intuito de lutar em um
conflito armado;
(b) É motivada a participar das hostilidades essencialmente pelo desejo de ganho
privado e, de fato, é prometido, por, ou em nome de, uma das partes do conflito, a uma
compensação material substancial excedente ao pago a combatentes de patente e
funções similares nas forças armadas daquela parte
(c) Não é nacional de uma parte do conflito ou residente de território controlado por
uma parte do conflito;
(d) Não é membro das forças armadas de uma parte do conflito e
Não foi enviado por um Estado que não é parte do conflito em missão oficial como
membro de suas forças armadas.
Também acrescenta a mesma Convenção, no art. 2º:
2. Um mercenário também é qualquer pessoa que, em qualquer outra situação:
(a) É especialmente recrutado localmente ou no exterior para o propósito de participar
de um ato planejado de violência voltado a:
(b) Derrubar um Governo, ou desestabilizar a ordem constitucional de um Estado; ou
(c) Desestabilizar a integridade territorial de um Estado;
(d) É motivado a participar essencialmente pelo desejo de ganho privado significativo e
é motivado pela promessa ou pagamento de compensação material;
(e) Não é nem nacional ou residente do Estado ao qual tal ato é direcionado;
(f) Não foi enviado por um Estado em missão oficial; e
24
Acesse www.vinnell.com.
(g) Não é membro das forças armadas do Estado em cujo território o ato é efetivado.
Esta definição, no entanto, vem sendo alvo de críticas e sugestões de
modificações ou emendas por ser tida como deveras abrangente e insatisfatória tendo
em vista o panorama atual das forças mercenárias. Ao se buscar uma definição, é
preciso ter em mente sua finalidade. Uma definição serve não somente para definir um
padrão nos quais uma pessoa precisa encaixar-se para ser considerada mercenária, mas,
ainda mais importante, para que as pessoas que não se encaixam naquela descrição,
devam ser excluídas deste perfil.
A descrição atual tem se revelado de uma aplicabilidade extremamente
limitada. O Relator Especial no uso de mercenários como meio de impedimento do
direito dos povos à autodeterminação, Sr. Enrique Bernales Ballesteros, comenta que
“um dos maiores problemas ao combater atividades mercenárias é a falta de uma
definição legal clara, compreensível e não ambígua do mercenário.”25 O Relator trouxe
algumas sugestões em seu relatório mais recente, e listou os pontos cruciais da questão
da definição.
Isso se prova especialmente problemático pela variedade de formas nas
quais esse fenômeno se concretiza. Consultoria militar privada pode tanto ser oferecida
por um homem só, quanto por um exército completo, e ambas as formas podem ter suas
conseqüências danosas ou benéficas em um Estado.
Devido ao estigma conferido ao mercenarismo, o de soldados cruéis e
brutais, a maioria das PMCs recusa-se a aceitar esse termo como sua função, preferindo
a designação de “Consultoria Militar”. De fato, estas empresas possuem treinamento
vasto não só nas batalhas de campo, mas eficientes departamentos de logística, que
fornecem serviços terceirizados a diversas nações.
Uma grande discussão reside não na criminalização do mercenarismo,
mas na delineação entre um mercenário e um consultor de segurança. A linha divisora é
tênue, e pela abrangência da referida Convenção, temos uma situação onde cada estado
tem sua própria definição de mercenários, e as empresas de segurança militar privadas
são consideradas legais ou ilegais, dependendo do país.
Alguns países têm alegado em diversos fóruns internacionais que a
estrutura das Operações de Paz das Nações Unidas (PKO – Peace-Keeping Operations)
é diretamente prejudicada por sua burocracia, e a resposta para isso, seria justamente a
utilização de mercenários. Países como Reino Unido e Estados Unidos da América
argumentam que o custo de toda a operação, aliado a toda a burocracia decorrente dos
variados chamados recebidos pelos “capacetes-azuis”, as tropas das Nações Unidas, nos
mais diversos e remotos cantos do globo, acabam por tornar uma missão privada mais
eficiente, em uma verdadeira privatização da Guerra.
As conseqüências disso são preocupantes. Ao legitimar-se uma entidade
paraestatal o poder militar para interferir em vários Estados, cria-se uma dezena de
questões éticas e de segurança. Provavelmente a mais ressonante delas seja a questão: se
eles estão sem regulação estatal, quem poderá fiscalizar suas ações? Os instrumentos
25
Relatório E/CN.4/2004/15.
atuais das Nações Unidas são deficitários em grande parte pela falta de esclarecimento
sobre quem são afinal os mercenários, ao abarcar definições vagas e imprecisas, mas
também por ser a profissão de soldados de aluguel uma ocupação cercada por brumas e
sombras, muitas vezes com tarefas que jamais chegam ao conhecimento público.
Este quadro fomenta a preocupação da comunidade internacional, pois
apesar de receber diversas acusações de violações, acredita-se que sua maioria ainda
não esteja ao alcance da opinião pública. Registraram-se queixas desde tortura e maustratos, até comércio de mulheres para fins sexuais. Já ocorreram casos emblemáticos,
como os que aconteceram nos Bálcãs. Empregados da DynCorp, que foi contratada
recentemente para desempenhar papel de polícia para as Nações Unidas e manutenção
de aeronaves para o governo norte-americano, foram acusados de envolvimento em
círculos de prostituição infantil. O supervisor desta mesma empresa, na antiga
Iugoslávia, chegou a se filmar enquanto estuprava duas mulheres. Estes empregados
foram transferidos para fora do país, mas jamais processados26.
Entretanto, existem pontos favoráveis que não devem ser negligenciados.
Em diversos casos, como o de Serra Leoa, a interferência das PMCs mostrou-se
eficiente e decisiva. Especialmente após o incidente em Mogadíscio, Somália, em 1993,
as Operações de Paz têm sido cercadas por uma cautela renovada.
Nesta ocasião, soldados norte-americanos de elite se viram levados do
que seria uma missão de rotina e captura de um grande chefe militar local para uma
incursão ao terror, cercados pela milícia e população local, causando cerca de vinte
mortos e quase oitenta feridos, somente nas forças dos Estados Unidos. Esta ocasião
repecurtiu estrondosamente, causando a retirada das forças norte-americanas do cenário
das missões de paz, até o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. O desastre
público causado por uma operação fracassada trouxe à tona o questionamento: não seria
mais prático o envio de forças mercenárias, de custo reduzido, e sem os inconvenientes
da opinião pública?
Porém, por mais que uma companhia militar privada seja destacadamente
superior em quesitos como aparato tecnológico, condições de treinamento e mobilidade
estratégica, não se pode descartar a importância e responsabilidade que é a de fazer
parte das operações de paz das Nações Unidas, algo muito mais complexo que
simplesmente desembarcar exércitos e vestir uma boina azul. Mais que puramente
combate, muitas vezes é uma questão de reconstrução social. As regras de conduta são
diferentes, sempre pautadas pela neutralidade e busca pela paz. Por mais que sua
eficiência seja indiscutível, os perigos envolvidos evidenciam a responsabilidade com
que esse tema precisa ser debatido, pois afinal, a paz e segurança dos povos estão em
jogo.
Uma das vertentes mais defendidas é a opinião de que a regulação é
necessária, e não a proibição. A legalização acompanhada de uma vigilância criteriosa
de organismos internacionais, talvez fosse capaz de conferir ao fenômeno a
confiabilidade necessária. Talvez uma das propostas mais debatidas até agora seja a
enviada por Michael Grunberg às Nações Unidas em 1998, fundador e dono do
conglomerado britânico Plaza 107, onde as PMCs seriam registradas, listadas, e teriam
26
P.W. Singer, Peacekeepers, Inc., Policy Review, junho de 2003.
todas suas operações seguidas por observadores, destinados a coibir e punir qualquer
abusos e desrespeito aos direitos humanos, incluindo qualquer ingerência ou
permanência além do estritamente necessário.
Entrementes, é necessário enfatizar que sob esta questão não existe ponto
pacífico, e o tema persiste em debate na Comissão de Direitos Humanos.
4. A Guerra Civil de Serra Leoa (1991-2002)
Figs. 3 e 4: Enciclopédia Microsoft Encarta 2001
Situada no oeste da África, fazendo fronteira com Guiné e Libéria, a
República de Serra Leoa é, segundo as Nações Unidas, o país mais pobre do mundo,
figurando em último lugar no índice de desenvolvimento humano. A taxa de
mortalidade infantil é a mais alta do mundo, com 170 mortes por mil nascimentos, o
salário médio mensal de um trabalhador equivale a R$ 25, a expectativa de vida é de 39
anos e 69% da população é analfabeta. Na capital Freetown, fundada pelos britânicos
em 1787 para acolher escravos libertos na Inglaterra e nos Estados Unidos pelos
movimentos abolicionistas (ENCARTA, 2001), vive a maioria dos 4,9 milhões de
habitantes, formada por cristãos e muçulmanos que sempre conviveram pacificamente.
A trágica situação sofrida atualmente por este pequeno país deve-se,
unicamente, à disputa por áreas ricas em jazidas de diamantes27. A guerra civil em Serra
Leoa teve início em 1991 e o seu fim só foi declarado oficialmente em 2002, deixando o
saldo macabro de 50 mil mortos e outros milhares de pessoas feridas, mutiladas e
estupradas.
O conflito começou em março de 1991, quando a Frente Revolucionária
Unida (FRU), fundada pelo serra-leonês Foday Sankoh – e apoiada pelo governo
liberiano do golpista Charles Taylor –, tomou o poder em Serra Leoa. Um ano depois,
um golpe militar liderado pelo Capitão Valentine Strasser derrubou o governo, em abril
de 1992. Com o apoio dos EUA, o seu governo retomou as minas ao leste e ao sul,
anteriormente capturadas pelos rebeldes.
27
Calcula-se que das minas de Serra Leoa já saíram cerca de US$ 25 bilhões em diamantes.
Sem uma verdadeira força militar, Strasser contratou a companhia sulafricana Executive Outcomes (EO), que, de maio de 1995 a janeiro de 1996, retomou o
controle dos centros de exploração de diamantes, mas não impediu um novo golpe do
General Julius Mada Bio. Este planejou a realização de eleições, e em março de 1996
emergia como presidente Ahmad Tejan Kabbah, que ao assumir o cargo encerrou o
contrato com a EO, assinou um pacto de defesa bilateral com a Nigéria e negociou um
acordo de paz com a FRU.
Em maio de 1997 um novo golpe, agora liderado pelo Major Johnny Paul
Koroma, derruba o governo eleito. Só em fevereiro de 1998, apoiado pela força militar
multilateral ECOMOG28 – composta por países africanos e liderada pela Nigéria – e
pela britânica Sandline International, Kabbah expulsa os golpistas e retoma o poder
(LEATHERWOOD, 2003). A partir de então, forças militares do Reino Unido e tropas
de paz das Nações Unidas intervieram no país, pondo termo ao conflito em 2002.
Atualmente, as Nações Unidas mantêm 17 mil soldados em Serra Leoa, na maior
missão de sua história.
Durante sua participação na guerra, a Sandline, contratada em julho de
1997 e fevereiro de 1998, ficou marcada pela revelação do fornecimento ilegal de 30
toneladas de armas provenientes da Bulgária ao ECOMOG 1m 1998 e a recolocação de
Kabbah no poder. Como foi dito, este exército comunitário dos países africanos é
encabeçado pela Nigéria, país alvo de sanções do próprio Reino Unido, da Comunidade
Britânica e da União Européia no tocante ao fornecimento de armas. Este escândalo,
somado às suspeitas de colaboração do governo trabalhista inglês com a companhia,
pode ser visto como causa determinante do seu fechamento.
Dois anos após o fim dos combates, Serra Leoa tanta se reerguer. A
brutalidade dos conflitos é visível nos milhares de mutilados que sobreviveram. Apesar
dos rebeldes da FRU serem vistos pela população como os grandes vilões, já que foram
os responsáveis pelas maiores barbaridades contra os civis, atrocidades também foram
cometidas pelas forças pró-governo.
O Tribunal Internacional para Serra Leoa29 é a prova da complexidade
dessa guerra. Tendo iniciado seus trabalhos em junho desse ano, julgará nove pessoas,
de ambos os lados do conflito, sendo a primeira vez em que o recrutamento forçado de
crianças será julgado de acordo com a lei internacional. Apoiado pelas Nações Unidas,
o tribunal serra-leonês é o primeiro composto tanto por juízes apontados pelas Nações
Unidas como por magistrados locais. A intenção é criar um modelo de tribunal mais
eficiente, rápido e barato que os tribunais de crimes de guerra como o da ex-Iuguslávia e
o de Ruanda. As duas grandes ausências no julgamento são Foday Sankoh, líder rebelde
da FRU, que morreu em 2003 em decorrência de um derrame sofrido no ano anterior, e
o ex-presidente da Libéria Charles Taylor, que a despeito dos sucessivos apelos do
tribunal, continua exilado na Nigéria.
Resta ao povo de Serra Leoa reconstruir seu país e superar o trauma de
dez anos de intenso conflito. Em cartaz colocado na chegada à capital Freetown, no qual
28
Grupo de Monitoração do Cessar-Fogo da ECOWAS, que, por sua vez, significa Comunidade
Econômica dos Estados da África Ocidental.
29
Site do Tribunal: www.sc-sl.org/.
se lê “se você não pode nos ajudar, por favor, não nos corrompa”, mostra que será uma
árdua tarefa.
Figura 5 - http://www.viomundo.com.br/fotos03.htm
5. Mas e os Direitos Humanos?
5.1 Direitos Humanos e o Princípio da Autodeterminação dos Povos
O Direito seja ele em âmbito nacional ou internacional, se fundamenta,
entre outros fatores, em princípios e costumes. Nestes alicerces o direito encontra seu
propósito e suas metas. O Direito Internacional dos Direitos Humanos busca, em suma,
uma convivência melhor entre toda a humanidade, a despeito de suas diferenças, e o
desenvolvimento mundial, apoiado no respeito ao próximo e à dignidade inerente ao ser
humano. A estas práticas e princípios que o direito precisa recorrer, quando há uma
dúvida substantiva, seja sobre como se lidar com algo que já se passou, ou a que direção
prosseguir. A despeito de serem usualmente pouco valorizados por sua força, no campo
dos Direitos Humanos os princípios e costumes possuem participação determinante nas
decisões estatais.
Portanto, coube à Carta de São Francisco, o estatuto das Nações Unidas,
e à Declaração Universal dos Direitos do Homem elencar alguns dos princípios mais
veementes dos Direitos Humanos. Entre estes nos enseja destacar o Princípio da AutoDeterminação dos Povos. Dita esse princípio que cada povo tem o direito de determinar
a situação legal e política do território onde vive, como, por exemplo, decidindo sobre a
criação de um Estado, ou da sua fusão a outro.
Até a Carta das Nações Unidas, referências ao princípio eram imprecisas
e escassas. Registram-se, entretanto, casos como o do Tratado de Versailles, onde um
plebiscito foi convocado na região da Alta Silésia para determinar se esta deveria se
juntar à Polônia ou Alemanha. A Carta de São Francisco declama expressamente esse
princípio em seus artigos 1°, parágrafo 2º, artigo 55, e implícitamente, nos artigos 73 e
76 (alínea b). Entretanto, mesmo sendo plenamente aceito e acolhido pela doutrina de
direitos humanos internacional, o conceito deste princípio permanece relativamente
vago.
Em síntese, a idéia de que todo povo tem direito a se auto-afirmar esbarra
na incerteza do que caracteriza um povo, e quais as consequências legais deste
reconhecimento. No clamor do debate, estudiosos concordam que o tema é muito vago,
e faltam indicações de direitos e deveres. O professor Peter Malanczuck relembra que:
É também ‘um dos grandes mitos’ acreditar que os compositores da
Carta visualizaram a autodeterminação da forma que mais tarde se
desenvolveu. Seu conceito de autodeterminação não incluía o direito dos
povos dependentes à independência, ou sequer ao voto, mas estava ligado
aos direitos iguais dos Estados, não dos indivíduos, no sentido de
proteger o povo de um Estado contra interferência de outro Estado
(2003, p.326).
Assim, desde 1945, o escopo desta visão tem sido ampliado
frequentemente pela aprovação de novas resoluções da Assembléia Geral, trazendo
mudanças profundas no cenário internacional. Alguns dos passos mais importantes
desta evolução foram as aprovações da Declaração sobre a Concessão da Independência
aos Países e Povos Coloniais em 1960 e dos dois Pactos de Direitos Humanos: o de
Direitos Civis e Políticos30 e o de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais31, ambos de
1966. Ambos Pactos possuem redação idêntica em seu artigo 1º, que acrescenta que
além do direito de determinar seu status político, os Estados possuem o direito de buscar
seus desenvolvimentos econômicos, sociais e culturais. Mas talvez o avanço mais
determinado aconteceu com o advento da Declaração de Relações Amigáveis, adotada
pela Assembléia Geral em 1970. Esta declaração traz em seu texto não só referências ao
direito de autodeterminação, mas inclui a proibição expressa de interferênias externas, e
o mais importante, declara o dever de cada Estado de “respeitar este direito de acordo
com as provisões da Carta”.
Posteriormente, a despeito da imiscuição do conceito de
autodeterminação no Direito Internacional, pouco tem se tratado do referido princípio
em instrumentos de direito congente. O também chamado “hard law”, ou jus cogens, é
direito que vincula as Altas Partes Contrantes, compondo-se dos tratados em sentido
lato. No campo da “soft law”, recentemente a Corte Internacional de Justiça, em sua
decisão no caso Timor Leste, descreveu a autodeterminação como uma obrigação
aplicável a todos, mas sem maiores detalhes.
¾ Suspensões da Auto-Determinação
•
Mandatos Territoriais
O século XX foi palco de evoluções drásticas nos conceitos de
autodeterminação também nas searas da política internacional, em uma evolução que se
iniciou bem antes do surgimento das Nações Unidas. Ainda sob a tutela da Liga das
Nações, surgiu um dos aspectos mais relevantes deste tema na modernidade, os
mandatos territoriais.
Após a Primeira Guerra Mundial, alguns países aliados demonstraram
interesse em anexar regiões da Alemanha e do recém decaído Império Turco-Otomano.
Entretanto, sob protesto do então Presidente dos Estados Unidos da América, Woodrow
30
31
Entrou em vigor em março de 1976.
Entrou em vigor em janeiro de 1976.
Wilson, optou-se por adotar um novo sistema, que respeitasse a idéia do direito à
autodeterminação das áreas em disputa. Assim foi criado o sistema de mandatos, onde
uma nação aliada administrava um território sob a observação da Liga das Nações.
Extremamente popular entre as grandes potências, esse sistema surgiu sob a premissa
que as regiões em questão necessitavam de um auxílio temporário, e que em uma data
breve, teriam sua independência político-administrativa restabelecida. Porém essa data,
ao contrário do que se pretendia ao início, ou ao do que ao menos se alardeava, jamais
foi fixada. Todas os territórios sob mandatos readquiriram sua independência pouco
antes do final da Liga das Nações, exceto a Nanimbia, antigo território alemão na áfrica,
cujo mandatário era a África-do-Sul.
•
Conselho de Tutela
De forma praticamente hereditária ao sistema de mandatos da Liga das
Nações, a Carta das Nações Unidas trouxe consigo uma nova forma de administração, o
Conselho de Tutela. Um dos seis órgãos principais das Nações Unidas, o Conselho foi
criado para dar prosseguimento ao sistema de mandatos. Em 1955, existiam onze
territórios sob tutela de 7 Estados. Após um plebiscito em Palau, em 1994, e a
confirmação desse território como região sob proteção dos Estados Unidos, sendo este o
último território ainda tutelado, o Conselho de Tutela foi suspenso. No princípio de
2004 o Secretário-Geral Kofi Annan afirmou que uma das partes mais importantes da
reforma das Nações Unidas é a reativação deste Conselho, trazendo de volta o debate
sobre sua utilidade como ferramenta não de impedimento, mas de comprometimento
com o a autodeterminação dos povos.
5.2 Violações do Princípio de Autodeterminação dos Povos – A Ameaça
Mercenária
Assim como seu papel singular o enfatiza como um princípio de extrema
relevância, é igualmente perceptível a quantidade de ataques à sua integridade,
ocorridas no cotidiano do cenário das relações internacionais. As formas em que esse
princípio é cerceado são diversas, e mais comuns que se pensa. Eleições manipuladas
pela coerção, invasão militar, impedimento de livre exercício de costumes ou religião,
desestabilização de um governo, entre várias outras formas.
Exemplos concretos são variados, numerosos, e, sobretudo, polêmicos.
Questões como a ingerência estrangeira em países como Colômbia, Afeganistão e
Iraque, da responsabilidade brasileira em proteger a Amazônia, até a histórica greve de
fome empregada por integrantes do I.R.A., como forma de protesto à dominação inglesa
e aos maus tratos carcerários.
Sobre as violações provocadas por influência de forças mercenárias, o
Relator Especial no uso de mercenários como meio de impedimento do direito dos
povos à autodeterminação, Sr. Enrique Bernales Ballesteros, comenta em seus relatórios
sobre o emprego de mercenários e seu vínculo a conflitos armados nacionais ou
internacionais:
Neste contexto, da localização das atividades mercenárias, como descrito
pelo Relator Especial em seus relatórios anteriores, mostra que o
emprego de mercenários geralmente ocorre em conexão com um conflito
armado internacional ou interno, quando uma ou todas as partes
beligerantes convocam mercenários para viabilizar sua estratégia
militar. No contexto de um conflito armado internacional, qualquer seja
sua casa ou natureza, atividade mercenária é sempre um ato ilegal que
abre caminho para outro ato contrário ao direito internacional, ou à
violação de princípios de direito internacional, como a agressão militar
de um Estado contra outro, a invasão e ocupação de seu território,
intervenção armada com o objetivo de interferir em seus assuntos
internos, ou a violação dos princípios de respeito à integridade territorial
dos Estados, autodeterminação dos povos e não-intervenção. Atividades
mercenárias são também conduzidas por Estados terceiros que escolhem
se envolver, direta ou indiretamente, em um conflito armado
internacional, resultando, entre outras coisas, no uso dos mercenários
(BALLESTEROS, 1993, p.23).
O caso de conflito armado internacional seria então a primeira vertente
da influência mercenária, sendo costumeiramente exercido apoio logístico e operacional
para as forças em combate. Serviços como transporte e manutenção são comuns.
A prática de recorrer a atividades mercenárias, que agora é difundida,
não é confinada a conflitos armados internacionais. Os indícios
apresentados nos relatórios prévios demonstram que, em conflitos
armados internos, e “guerras de baixa intensidade”, mercenários são
ativos em um lado, e até de ambos os lados, de um conflito. Isto é devido,
normalmente, ao fato de que tais conflitos são relacionados não somente
a relações sociais, interesses econômicos ou tensões políticas estritamente
internas. Interdependência é um fato da sociedade contemporânea, assim
como a existência de blocos internacionais de poder era até muito
recentemente. Neste contexto, não tem sido incomum que algumas partes
de um conflito recorram a “auxílio internacional”, que costumava ser o
recebimento de formas bem menos comprometedoras de fundos para o
recrutamento e financiamento de bandos de mercenários (Ibidem, p.23).
Este caso foi particularmente comum na Guerra Fria, mas não se invalida
na atualidade. Grandes potências buscavam auxiliar seus aliados de formas indiretas, ou
até diretas.
A terceira forma de atividade mercenária é a recorrida por Estados
terceiros intervindo em um conflito interno visando seus próprios
interesses. Esta tem sido a forma de mercenarismo mais comum na
África recentemente. De fato, o conflito interno em Moçambique teve um
componente mercenário, em que um terceiro da região, África do Sul,
participou efetivamente (Ibidem, p.24).
Efetivamente comum na África e Oriente médio, onde as riquezas
naturais em diamantes e pedras preciosas é abundante e muitas vezes pouco explorada.
Uma quarta forma de atividade mercenária pode ser observada quando
um Estado terceiro lança mão de mercenários com o intuito de violar a
soberania e a autodeterminação de povos que estão gozando plenamente
de ambos os direitos. Isto é o que ocorreu, por exemplo, quando os
governos prévios da África do Sul usaram mercenários para alienar o
exercício pelos povos de Botswana, Lesotho, Seychelles, Suazilândia,
Zâmbia e Zimbabwe de seu direito à autodeterminação (Ibidem, p.25).
Sendo esta forma característica do processo de descolonização, muitas
vezes incorre na tentativa de um Estado de desestabilizar um de seus antigos territórios
recém-independente. Em um atentado à ordem constitucional, busca-se restaurar o
status quo original.
Isto não significa, contudo, que atividades mercenárias são limitadas a
conflitos armados. Recentemente tem sido demonstrado que tais
atividades podem ocorrer também isoladamente, em associação com
crimes internacionais ou circunstâncias internas imprevisíveis de um
Estado ou da situação internacional. Como tem sido destacado, existem
fontes mercenárias e grupos organizados disponíveis para conduzir
atividades mercenárias que tem objetivos imediatos diversos, por
exemplo, reforçar interesses políticos inseguros, auxiliando ou
impedindo ações de grupos opositores, e até se mobilizando em ações que
são em si ilegais e proibidas, incluindo atos terroristas, operações de
tráfico de armas e drogas, e assassinatos pagos (Ibidem, p.25).
As atividades mercenárias fora de contexto de conflito armado são,
inclusive, das mais danosas a uma nação. Especialmente no caso dos Estados de
dimensões reduzidas que dependem largamente do Turismo para sua subsistência, um
ato de assassinato ou de desestabilização governamental gera uma insegurança que pode
afetar gravemente a economia local durante um período de tempo incerto, e trazer
consigo problemas ainda mais graves, especialmente na esfera social.
Em seu relatório à Assembléia Geral (A/47/412, anexo, para. 46), o
Relator Especial se referiu a atividades ilegais internacionais nas quais
traficantes de armas e drogas, bem como grupos armados irregulares
praticantes do terrorismo, juntam-se a mercenários cometendo atos de
violência enfraquecendo a ordem constitucional dos Estados. A
informação recebida pelo Relator Especial confirma que, de diversas
formas, estes grupos se apóiam e se favorecem, prejudicando, em sua
violência, ambos um determinado país ou povo bem como a comunidade
internacional como um todo.
As cinco formas de atividade mercenária a que foram feitas referências
na presente seção podem ser conduzidas por nacionais em seu próprio
país; neste caso, contudo, este comportamento não constitui atividade
mercenária, mas seus atos criminosos são passíveis de condenação sob os
códigos penais imiscuídos nas leis internas de cada país. De acordo com
as normas internacionais nesta área, para um criminoso ser definido
como mercenário, ele precisa ser estrangeiro. Deve ser ressaltado,
entretanto, que traficantes de armas e drogas, terroristas, e mercenários
tendem a agir como gangues internacionais que são relacionadas. Assim,
um grupo armado irregular que pratica terrorismo pode rapidamente se
tornar em um grupo mercenário se deslocando a um Estado adjacente
para oferecer proteção e cobertura a uma gangue de traficantes de
drogas ou para ocupar uma porção de território estrangeiro, tomando-a
da autoridade do Estado soberano (Ibidem, p.25-26).
6. Mercenarismo e Terrorismo
Devido aos recentes acontecimentos no cenário da segurança
internacional, a mídia e diversas ONGs têm apontado a ocorrência de mercenários, se
não ligados ao terrorismo em si, ligados à luta contra o terror. Informações apontam
para sua ocorrência em diversas áreas do planeta, como evidenciado por visitas do
Relator Especial para a Questão do Uso de Mercenários a diversos continentes. No
entanto, comparar mercenarismo a terrorismo não se revela uma tarefa fácil, até mesmo
por que não há um consenso quanto à definição do que seja terrorismo no sistema das
Nações Unidas.
O Relator Especial informou, em seu relatório A/58/11538 à Assembléia
Geral, que havia “sistematizado informações sobre terrorismo e identificado várias
modalidades pelas quais uma conexão criminal poderia ser feita entre terrorismo e
mercenários”. No entanto elucida que “essa não é uma relação orgânica, em andamento.
Na maioria dos casos, o terrorista é um fanático ideológico cuja personalidade tem sido
substancialmente alterada, fazendo com que ele passe a ser uma pessoa que mata
indiscriminadamente”.
Na realidade, a relação que pode ser traçada envolve a preparação de um
ato terrorista, que envolve tanto tecnologia humana quanto de equipamentos e de
estratégias, resultando em um “mercenário por motivação e um terrorista por
excelência” Um ato terrorista não depende da clandestinidade, pode ser organizado por
uma empresa especializada em segurança ou armamento. A linha divisória se mostra
bastante tênue, tornando o tema inerentemente polêmico, mesmo por que não se tem
identificado as formas nem de uma, nem da outra atividade.
7. Ações Prévias das Nações Unidas
As primeiras ações internacionais sobre este tema aconteceram ainda
antes do surgimento das Nações Unidas, no âmbito da Liga das Nações. Antes da Carta
de São Francisco e conseqüente estabelecimento das Nações Unidas, alguns
documentos importantes foram produzidos:
As Convenções de Haia de 190732 foram a primeira manifestação
internacional com vistas a regular o uso de tropas em conflitos armados ao abordar
normas e costumes da guerra terrestre. A IV e V Convenções de Haia fazem referência à
qualidade de combatentes e prisioneiros de guerra e aos direitos e deveres de países e
pessoas neutros em caso de guerra terrestre, respectivamente. Elas decidiram que seria
impossível definir mercenários como combatentes legítimos, não cabendo o direito
previsto naquele tratado no caso de serem capturados e que, de acordo com o art. 4º da
V Convenção, “no território de uma potência neutra não poderão se formar grupos de
combatentes, nem abrir oficinas de alistamento em benefício dos beligerantes”. Desde
já, as atividades mercenárias se mostravam reprováveis.
As Convenções de Londres sobre a Definição de Agressor (1933)
definiram como Estado agressor aquele que, entre outras ações, apóia grupos armados
que, formados em seu próprio território, tenham invadido o território de outro Estado e
tenham negado, apesar do pedido da parte invadida, a tomar em seu próprio território
“todas as medidas ao seu alcance para privar os ditos grupos de ajuda e proteção”, se
referindo dir%tamente a atividades mercenárias.
Já sob os auspícios das Nações Unidas, o Estatuto do Tribunal Militar
Internacional de Nuremberg definiu e classificou de forma ampla em seu art. 6º os
chamados “crimes de guerra”, não mencionando diretamente o nome “mercenário”,
podendo deduzir-se do seu texto a sua aplicabilidade a esse grupo armado. A
Convenção Sobre a Imprescritibilidade de Crimes de Guerra e Crimes Contra a
32
O documento pode ser encontrado em http://www.lib.byu.edu/~rdh/wwi/hague.html.
Humanidade (A/7218) de 1968 reafirmou as determinações do referido estatuto,
determinando sujeitos aos quais se aplicarão as determinações contra crimes de guerra.
Resultado da Conferência Diplomática sobre a Reafirmação e o
Desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário, o Protocolo I e Convenções de
Genebra de 12 de agosto de 1949 só entraram em vigor em 7 de dezembro de 1979. O
art. 4º da Convenção de Genebra (III) Relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de
Guerra traz uma definição de prisioneiros de guerra, enquanto que o art. 47 do
protocolo traz, como conseqüências da condição de mercenário, a negação do estatuto
de combatente ou de prisioneiro de guerra. Tal dispositivo define o mercenário por meio
de suas características principais, tomando como critério primordial a motivação
pecuniária ao se tomar parte nas hostilidades de um conflito armado.
A Convenção Internacional contra o Recrutamento, Uso, Financiamento
e Treinamento de Mercenários adotada pela Resolução 44/34 da Assembléia Geral no
dia 4 de dezembro de 1989, entrou em vigor apenas no dia 20 de outubro de 2001, data
na qual foi depositado o vigésimo-segundo instrumento de acessão. A convenção, em
seu art. 1º, definiu o que se entende pelo termo “mercenário”. Já nos arts. 2º, 3º e 4º
afirma o caráter criminal das atividades mercenárias e, logo depois, elabora sobre a
responsabilidade internacional na qual incorrem seus patrocinadores (arts. 5º e 6º);
enfatiza a necessidade de desenvolver uma ampla cooperação internacional para a
combater o fenômeno (arts. 7º, 8º e 10); prevê um mecanismo de extradição e um
mecanismo para solução de controvérsias.
Este documento vem suscitando controvérsias entre especialistas e os
mecanismos especiais do sistema de promoção e proteção dos direito humanos das
Nações Unidas, apesar de sua assinatura e ratificação ser recomendada por ser o único
documento deste sistema a abordar de forma direta o tema. É acusada de ser omissa em
relação às novas formas de mercenarismo.
Entrementes, relatórios do Relator Especial para a Questão do Uso de
Mercenários têm motivado a emenda da convenção através de um protocolo, pela
insuficiência dos seus conceitos. A Assembléia Geral das Nações Unidas convocou duas
Reuniões de Especialistas sobre Tradicionais e Novas Formas de Atividades
Mercenárias como Meio de Violação dos Direitos Humanos e Impedimento do
Exercício do Direito de Auto-Determinação dos Povos, que discutiram
aprofundadamente em 2001 diversos aspectos do tema dos mercenários e suscitaram
uma nova definição, atuações e fizeram recomendações33.
No âmbito regional, a Convenção da Organização da União Africana
(OUA) sobre a Eliminação do Mercenarismo na África é o único instrumento regional a
abeirar-se do tema, tratando da sua definição, aprofundando a discussão sobre os
princípios envolvidos como auto-determinação dos povos, bem como estabilidade e
integridade territorial frente ao anti-apartheid, processo de descolonização e
consolidação de independência política
Adotada no dia 3 de julho de 1977 e tendo entrado em vigor no dia 22 de
abril de 1985 e registrada nas Nações Unidas no dia 2 de março de 1990, a convenção
33
Relatório E/CN.4/2001/18 da Comissão de Direitos Humanos.
define o que é um mercenário (art. 1º); quem pode cometer o crime de mercenarismo
(art. 2º); trata da negação da condição de combatente ou prisioneiro de guerra (art. 3º);
do grau de responsabilidade penal na qual incorre o mercenário por seus atos (art. 4º);
dos casos nos quais o Estado ou seus representantes podem ser tidos como responsáveis
por estes atos (art. 5º), entre outras determinações.
Entre as resoluções dos órgãos das Nações Unidas que versam sobre o
tema incluem-se as da Assembléia Geral, editadas anualmente, e as do Conselho de
Segurança34, de freqüência ocasional, que, juntamente às resoluções da Comissão de
Direitos Humanos, formam a base internacional para o estudo do tema35.
8. Posicionamento dos blocos
A despeito do que ocorre com a maioria das outras questões que o
Direito Internacional dos Direitos Humanos encerra, a discussão acerca do uso de
mercenários em guerras e conflitos armados está dividida, basicamente, entre os países
desenvolvidos e os em desenvolvimento. Os primeiros, em muitos casos apoiando
abertamente tais práticas, são aqueles que sediam, fazem uso e/ou desfrutam das
vantagens proporcionadas pelo mercenarismo. Já os países em desenvolvimento,
embora alguns também já tenham utilizado os serviços mercenários em outras ocasiões,
não mais toleram a sua perpetuação, por terem sido os maiores prejudicados, ao longo
dos anos, quando da presença de mercenários em seus territórios.
Todavia, há países que por diversos motivos não se encaixam em
nenhuma dessas duas classificações, tomando um posicionamento intermediário e
descomprometido. É o caso de Croácia e Arábia Saudita, que nos anos 1990
contrataram Companhias Militares Privadas, e da República da Coréia.
Dito isso, vejamos a composição dos blocos a seguir:
¾ EUA, União Européia, Austrália e Japão
Maiores potências econômico-militares do globo, esses países são
também os principais beneficiários de bilhões de dólares produzidos pela indústria das
PMCs. Com a gradual redução das Forças Armadas permanentes dessas nações, tais
empresas surgem como uma alternativa mais barata e eficaz na resolução de conflitos e
alcance de pretensões geopolíticas. Nesses países estão estabelecidas as matrizes de
todas as PMCs e deles provêm quase que a totalidade da mão-de-obra nelas empregada.
Uma breve análise das legislações internas dos países desse bloco dá
uma idéia da ambigüidade com que é tratado o assunto. Nos Estados Unidos, as
disposições legais vigentes são muito claras em condenar o alistamento de cidadãos
norte-americanos em exércitos estrangeiros e o recrutamento de mercenários em seu
território. Entretanto, apesar do inequívoco significado dessas leis, o governo
estadunidense não as aplica. Da mesma forma, o Reino Unido possui legislação que
34
A última foi a Resolução 1467/2003.
Ver também os relatórios dos mecanismos especiais da Comissão de Direitos Humanos em
http://www.ohchr.org/english/issues/mercenaries/index.htm.
35
proíbe práticas mercenárias, mas que, todavia, por ter sido promulgada em 1870,
encontra-se totalmente obsoleta (MAGNUS, 1998).
As legislações da França e da Bélgica também condenam, de forma
semelhante, o recrutamento dos seus cidadãos para atuar em conflitos alheios ao
interesse nacional, no entanto constata-se a intensa participação de franceses e belgas
nos mais diversos conflitos durante as últimas cinco décadas. Por fim, a Austrália – dos
países exportadores de mercenários –, é o que vem fazendo os mais sérios esforços na
regulação da conduta mercenária, muito embora sua legislação possua graves lacunas,
como, por exemplo, permitir o recrutamento de pessoas em seu território para servir a
forças armadas particulares nos casos de defesa da segurança nacional ou das relações
internacionais do país (Ibidem).
O caráter incompleto e pouco preciso das legislações internas desses
países demonstra porque eles, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos das Nações
Unidas, embora não apóiem abertamente, posicionam-se de forma tolerante às práticas
mercenárias. O surgimento das PMCs tornou ainda mais evidente tal condescendência,
pois na interpretação desses países, as Companhias Militares Privadas não são
classificadas como mercenárias.
¾ África, América Latina, Caribe, Federação Russa, China e demais países asiáticos
Liderados pelos países africanos – África do Sul e Angola possuem
legislações próprias criminalizando o mercenarismo –, esse bloco, embora bastante
heterogêneo, possui em comum o fato de alguns dos seus países já terem passado por
experiências negativas com relação aos mercenários, enquanto outros se constituem em
áreas propícias à sua atuação. Prezam pela não intervenção estrangeira em conflitos
internos e procuram condenar as práticas das PMCs na Comissão de Direitos Humanos
das Nações Unidas, no intuito de equipará-las ao conceito de mercenário presente nas
convenções internacionais existentes a respeito do tema.
9. Questões que a Resolução Precisa Responder
Em meio ao clamor do debate, a comunidade internacional espera da Comissão,
resposta para uma série de dilemas, dentre os quais:
¾ Qual a posição da Comissão de Direitos Humanos frente às PMCs? Podem elas ser
classificadas como mercenárias?
¾ A definição de mercenário contida na Convenção Internacional contra o
Recrutamento, Uso, Financiamento e Treinamento de Mercenários se mostra
suficiente para caracterizar tal fenômeno mercenário? Eles cometem crimes
internacionais?
¾ A Comissão pode identificar quais têm sido as mais recentes formas do
mercenarismo? Elas abrangem formas de atos ilícitos internacionais?
¾ Qual a forma mais eficiente de preservar os direitos humanos prejudicados?
¾ Quais são os principais direitos humanos afetados por atos de mercenários?
¾ Quais são as recomendações da Comissão quanto à preservação do princípio da
autodeterminação dos povos?
¾ Existe responsabilidade do Estado em prevenir ou punir atos de mercenarismo?
Qual é a sua responsabilidade frente mercenários ou PMCs nacionais?
¾ Que recomendações podem ser feitas à comunidade internacional e ao sistema das
Nações Unidas referente ao assunto?
¾ O mercenarismo pode ser incluído no terrorismo ou vice-versa?
10. Referências
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n.6. Disponível em: http://www.fpif.org/briefs/vol7/v7n06miltrain.html. Acesso em: 27
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BALLESTEROS, Enrique Bernales. The right of peoples to self-determination and its
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ENCARTA. In: Enciclopédia Microsoft Encarta 2001 BR. 1 CD-ROM.
ISENBERG, David. Combat for sale: the new, post-Cold War mercenaries. USA Today
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MAGNUS, Federico Chabaud. Los mercenarios ante el derecho internacional. Revista
Mexicana de Politica Exterior, México, D.F., n. 53, fev. 1998. p. 131-158.
MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. Cães de guerra corporativos: empresas militares
transnacionais tomam o lugar dos mercenários. Carta capital, 07 jul. 2003. Disponível
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MALANCZUK, Peter. Akehurst´s Modern Introduction to International Law. 7. ed. rev.
Nova Iorque: Routledge, 2003.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Cultrix, sem data.
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internacional de juristas, Genebra, n. 17, dez. 1976. p.109-115.
MERCENÁRIOS.
Disponível
http://www.tropaselite.hpg.ig.com.br/Mercenarios.htm. Acesso em: 04 mai. 2004.
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SCHILLING, Voltaire. A história da Guerra – 1ª parte. História por Voltaire Schilling,
São
Paulo,
2003.
Disponível
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http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/2003/08/22/002.htm. Acesso em: 01 jul.
2004.
SINGER, Peter W. Peacekeepers, Inc. Policy Review, Washington, n. 119. Disponível
em: http://www.policyreview.org/jun03/singer.html. Acesso em: 27 de agosto de 2004.
VICENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. atual. e ampl. São Paulo: Scipione, 1997.
ANEXO I
ATIVIDADE DAS COMPANHIAS MILITARES PRIVADAS (PMCs)
Atividade de apoio operacional
Companhia Militar Privada (PMC)
1. Combate: Prover suporte ou Sandline International (extinta); Reino
participar de operações militares Unido.
governamentais.
Executive Outcomes Ltd.- EO (extinta);
África do Sul.
The Jedburgh Group; Florida, Estados
Unidos.
Lubrinco Group Ltd.; Pennsylvania,
Estados Unidos.
1. Treinamento militar e assistência:
Prover treinamento para forças militares
estatais, incluindo forças especiais e
grupos de elite, abrangendo uso de
armas, táticas e estrutura da força.
2. Aquisição: Compra direta ou
aconselhamento.
3. Análise militar: Avaliação e
estimativa de ameaças para os governos.
Defence Systems Ltd. (DSL); Reino
Unido
Military Professional Resources Inc. MPRI; Alexandria, VA, Estados Unidos.
Saladin Security Ltd. (uma subsidiária da
KMS); Londres, Reino Unido.
Control Risks Group (uma subsidiária da
Hogg Robinson Insurance, e Network
Holdings Ltd.); Reino Unido.
Vinnell Corp. (uma subsidiária da TRW &
BDM International); Fairfax, VA, Estados
Unidos.
BDM International (aka) Braddock,
Dunn and McDonald Inc.; McLean, VA,
Estados Unidos.
Sandline International (extinta); Reino
Unido.
Executive Outcomes Ltd. - EO (extinta);
África do Sul.
Strategic Applications International
Corp - SAIC
Levdan; Israel
Rapport Research and Analysis
Lonrho
1. Logística: Inclui entrega de
equipamentos, proteção humanitária e
participação
em
operações
de
pacificação das Nações Unidas.
2.
Resolução
pós-conflito:
Restabelecimento da infraestrutura
pública e limpeza de minas terrestres.
Defence Systems Ltd. – DSL; Reino
Unido
Brown and Root; Houston, TX, Estados
Unidos.
Pacific Architects and Engineers - PAE
DynCorp (pilotos); Reston, VA, Estados
Unidos.
Saracen
Saladin Security, Ltd.; Reino Unido.
1. Proteção e segurança comercial:
Proteção de propriedades e pessoal.
2. Análise de riscos: Avalia a
insegurança e a instabilidade de áreas de
interesse do cliente para investimentos e
operações futuras.
Kroll Associates, Inc. - O'Gara
Protective Services; Nova Iorque, Estados
Unidos.
Saladin Security Ltd.; Reino Unido.
KMS (parte da Saladin Security Ltd.)
Defence Systems Ltd. – DSL; Reino
Unido
Control Risks Group - CRG
Rapport Research and Analysis
Group 4
Sandline International (extinta); Reino
Unido
Rapport Research and Analysis
LifeGuard Management
Corps of Commissionaires
1. Inteligência privada/corretores de
informações:
Investigação
e
levantamento de inteligência contra
crimes praticados contra as companhias,
como extorsão, fraude, contaminação de
produtos, entre outros. As operações de
inteligência envolvem análise de clientes
em potencial, possíveis sócios e análise
da interferência política nas ações
comerciais.
2. Resposta a seqüestros: Negociação e
aconselhamento em situações com
reféns.
Kroll Associates Inc.
Saladin Security Ltd.; Reino Unido
Control Risks Group - CRG
Network Security Management
Argen
Carratu International
Asmara
Executive Outcomes Ltd. - EO (extinta);
África do Sul.
Neil Young Associates
Oxford Analytica
Economist Intelligence Unit
Interfor
Fonte: www.tropaselite.hpg.ig.com.br/Mercenarios.htm.
Tema B
Globalização Econômica e Direitos Humanos
1. Apresentação
A globalização não é novidade. É um poderação derivado ou gerador de uma capacidade decisiva sem
precedentes. A mundialização, outra designação difundida, se
revela resultado de uma gama de processos que partem do
local para o geral. Ao mesmo tempo, esse resultado se torna a
fonte de um outro quantum de possibilidades de escolha, um
trade-off entre a preservação do status quo e a força
impulsionadora de uma nova “mão invisível” (SMITH apud
ARAÚJO, 1988). Mas esta é apenas uma visão do fenômeno.
Não se pode definir o que é globalização, senão
uma “verdadeira força integradora e inclusiva” (ANNAN,
2002). Ela congregra todos os campos nos quais as pessoas
transitam, sejam eles civil ou político, econômico, social ou
Fig. 6:
cultural, acadêmico, científico, financeiro, comercial,
http://www.globalpolicy.org/
diplomático ou humano. O mais fácil, talvez, seja rotulá-la de
boa ou má. Mas, na realidade, a questão se resume a como realizá-la na busca de nossas
prioridades, sem comprometer o bem-estar de todos, países ou pessoas.
A opinião pública internacional, bem como os Estados-Nações, estão
cientes de que os problemas que ameaçam o futuro da humanidade não são somente
internacionais, mas também transnacionais. Quer concernentes à segurança
internacional, ao meio ambiente ou ao ilícito, quer à miséria, à saúde ou à imigração,
todos, irrestritamente, estarão envolvidos. A dialética dos contrastes toma dimensão
antes desconhecida e exige da comunidade mundial disposição para conjunturas que
colocam os direitos humanos em xeque.
Novas questões e novos desafios estão postos à mesa. O surgimento de
valores inéditos e a reinterpretação dos já existentes revela a possibilidade de
(re)construção de uma entidade global fundada em uma ética privilegiadora da eqüidade
e dos direitos humanos. E isso ocorre sem que se comprometa o desenvolvimento, a
economia globalizada e a coexistência pacífica dos povos, freiando a ação devastadora
do abismo global entre diferentes países, pessoas, economias, religiões, o abismo
digital, nutricional, etc.
A globalização não é novidade. Todos os órgãos, agências
especializadas, fundos e eventos das Nações Unidas apresentam em suas pautas ou em
seus debates a questão da influência da globalização nos variados assuntos abordados.
Todavia, uma vertente da globalização, a globalização econômica, oferece outros tantos
parâmetros e paradigmas, levando ao encontro do instituto do comércio, secular e
internacionalizado, a questão da responsabilidade de corporações e do próprio EstadoNação na preservação dos direitos e garantias elencados pela DUDH.
Deixar a globalização sucumbir à desigualdade por conta do
desequilíbrio nas negociações comerciais entre países pobres e ricos seria frustrar o seu
potencial. Então a única questão que resta a ser colocada em pauta é: Como unir a
arquitetura financeira internacional à arquitetura internacional dos direitos humanos?
2. Descrição do Problema
2.1. Globalização – Existe uma definição?
Não se encontra em documentos e normas nacionais ou internacionais
uma definição clara e precisa do que seja a globalização ou, pelo menos, uma
demarcação consensual. Nem mesmo sua nomenclatura é universal, podendo ser
chamada de nova ordem mundial ou global, unidade global ou econômica, entidade
global, mundialização36 e até inclusividade mundial37. Em contrapartida, uma retórica
da globalizalção, incorporarando a sua simbologia a idéia de panacéia, de
desglobalização38 e até de clichê dos novos tempos, tem sido debatida. Devido a sua
elevada difusão nos meios acadêmico, científico, jornalístico, jurídico e diplomático,
para a nossa reunião, estaremos adotando a denominação globalização.
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores do governo
britânco, em 1998 foram escritos, no mundo, 2822 trabalhos acadêmicos e 589 novos
livros sobre o tema, cada um apesentando abordagem diversa. Assim sendo, não se pode
aqui expôr uma acepção acertada e unânime, somente apontar características
reconhecidas pela comunidade internacional, já que este fenômeno se mostra evidente e
imiscuído à vida social contemporânea.
Apontada, muitas vezes, como um processo ou conjunto de processos
provocador de reações multidimensionais, a globalização é irrestrita. A busca
incessante, e paralela, ao desenvolvimento, riqueza, bem-estar e conhecimento, denotalhe um sinal premonitório (signum prognosticum) da disposição humana moral para o
progresso e a evolução (KANT, 1965). Ocorre um alargamento, um aprofundamento e
um alastramento do global shift (reorganização global), promovendo a interação e
integração de diferentes dimensões culturais, cada uma com suas características e
peculiaridades.
A globalização pode ser da economia, da política, de mercados, da
cultura, de pessoas da justiça, do trabalho e, atualmente, de qualquer outra ocorrência.
No entanto, existem indicadores deste processo (ou processos) evidenciados na mídia,
economia e política internacionais que tentam dar-lhe forma. Destaca-se o(a):
¾ Liberalização do comércio - A transformação do modelo fordista (baseado na
organização industrial para produção em larga escala) em um modelo de
especialização flexível (utilização de inovações tecnológias, maior variabilidade de
produção e investimento na responsabilização do trabalho) ocasionou uma
revolução que, aliada à abertura de mercados, estimulou a liberalização
internacional de políticas comerciais, facilitando as trocas comerciais;
36
Denominação mais comumente usada, ao lado de globalização; cunhada por Marshall MacLuhan
(BERARDO, 2004).
37
Tradução árabe do termo globalização (ANNAN, 2002).
38
Título do livro de Walden Bello com idéias para uma nova economia mundial.
¾ Mudança nos padrões de fluxos financeiros - A desconcentração material da moeda
e a desterritorialização, levou à mobilidade sem precedentes de Investimentos
Diretos, Foreign Direct Investment (FDI), em inglês. Com isso, houve fomento à
indústria manufatureira e de serviços e à desregulamentação do comércio,
liberalizando fluxos de capital estrangeiros;
¾ Crescimento no tamanho e poder de corporações - Através do fenômeno da
transnacionalização, mega-empresas puderam criar sedes em diversos países através
de incentivos como isenção de impostos e aproveitamento de mão-de-obra barata.
Nascem as TNCs (do inglês, Transnational Coporations). O remodelamento das
forças de produção (capital, força de trabalho, tecnologia e divisão internacional do
trabalho) reterritorializou a divisão espacial da produção, internacionalizando-a. Os
produtos passaram a ser produzidos com tecnologia, mão-de-obra e materiais de
países e regiões diferentes.
¾ Avanço em Tecnologias de Comunicação e Informação (TCIs)39 - As tradicionais
economias industriais de produção em larga escala cederam lugar para economias
pós-industriais da informação, criando a “sociedade da informação” e a Era da
Informação/Comunicação. A institucionalização da Rede Mundial de
Computadores, a Internet, e o avanço em tecnologia de telecomunicações
promoveram a integração do mundo em torno de um novo conceito do saber, a
informação on-demand (sob demanda);
¾ Mudança nos fluxos migratórios - A migração em decorrência da fome, da miséria,
da guerra e da busca por um ambiente de trabalho favorável sempre ocorreu e
sempre fora constatada. No entanto, surge com novo espectro a partir do momento
em que se dá a desregulamentação de fronteiras internas de países membros de
blocos regionais. Tanto a migração inter-hemisfério meridional, quanto os fluxos
Ocidente-Oriente utilizam, predominantemente, da teia de sistemas de transporte
cada vez mais eficiente para lograr novas oportunidades (ANNAN, 2004).
Os fatores acima apontados se interrelacionam e apontam para a mesma
questão: o estreitamento da relação espaço x tempo. Essa dinâmica espaço-temporal se
refere à troca e acesso a informações via Internet ou telecomunicações e
interdependência das decisões e ilações políticas no globo. É através dos recursos
tecnológicos propiciados pela eletrônica e informática que se desenham os contornos e
movimentos, condições e possibilidades da integração global.
Além disso, uma das mais notáveis conseqüências dessa sucessão de
mudanças foi a construção de blocos e grupos regionais e internacionais, como o G7 e a
União Européia, bem como a criação de organismos reguladores internacionais como a
Câmara Internacional do Comérico.
No que tange às implicações dos conceitos acima citados, podem ser
apontadas três teorias ou aboradagens distintas:
¾ Os hiperglobalistas apresentam uma visão do mundo globalizado como algo que se
processa essencialmente nos campos econômico e político. Por isso, afirmam que os
39
Derivado da sigla em inglês ICTs ou Information and Communication Technologies.
Estados-Nações estariam sendo erodidos e fragmentados, substituindo o poder de
decisão (decision-making) pelo poder de imposição (decision-taking).
¾ Os céticos, em seguida, resistem à acepção anterior, pregando que as circuntâncias
globais contemporâneas não sinalizam a existência de precedentes. Para eles, a
intensificação de atividades sociais e internacionais não relegou o poder de mudança
do Estado às transformações, mas o ampliou em determinadas esferas.
¾ Por úlitmo, os transformalistas oferecem um conceito intermediário. Defendem que
a globalização cria novas condições políticas, econômicas e sociais que tranformam
inequitativamente o poder do Estado e o cenário internacional no qual estes se
inserem. Devido às proporções assumidas, as decisões internacionais deveriam
competir a organismos intergovernamentais (HELD et al.).
2.2. Mas e a Globalização Econômica?
A globalização possui diversas faces. Em cada dimensão engendra
modificações antes inimagináveis, sem que uma prevaleça sobre a outra, completando e
complementando-se. Samir Amin (2004) aconselha que “nunca se aceite esta palavra
sozinha; ela não tem sentido se não qualificada”, contudo explica que “o que se entende
por seu uso na linguagem moderna é globalização capitalista liberal”.
A globalização econômica é vista por uns como a forma mais
contundente da globalização. Na realidade, vista como fenômeno, a globalização não se
separa ou se divide, já que sua característica de interdependência não permite seu
fracionamento. Todavia, como um espectro de cores que dão vida a uma paisagem, a
globalização econômica compõe uma das variáveis da globalização, parte de um todo.
Para Flávia Piovesan, globalização econômica é um processo que tem
como ponto de partida a agenda do chamado Consenso de Washington. Essa
denomicação foi cunhada por John Williamson, Diretor do Instituto para a Economia
Internacional (Institute for International Economics - IIE), para o relatório de uma
reunião ocorrida em Washington em 1989. O documento continha um resumo de
propostas para políticas e reformas feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e
Grupo do Banco Mundial (BM), visando promover o desenvolvimento latinoamericano. Veio a receber severas críticas, sendo considerado, por muitos, suplantado
face à noção cada vez mais apregoada de desenvolvimento sustentável. Sobre este
relatório, a autora elabora:
... sinônimo das medidas econômicas neoliberais voltadas para a reforma
e a estabilização das denominadas ‘‘economias emergentes’’. Tem por
plataforma o neoliberalismo, a redução das despesas públicas, a
privatização, a flexibilização das relações de trabalho, a disciplina fiscal
para a eliminação do déficit público, a reforma tributária e a abertura
do mercado ao comércio exterior. (PIOVESAN, 2004, p. 242)
O Consenso de Washington pode ser um ponto de partida ou um marco
para a globalização econômica, entretanto, está longe de resumir seu sentido ou
extensão. Por globalização econômica se pode depreender a reunião de determinantes e
não um diapasão. Pode ser um conjunto de regras adotadas para o comércio
internacional nas rodadas da Organização Mundial do Comérico (OMC), a influência da
moeda americana no mercado internacional, a extensão de crises econômicas internas à
economia global, o aumento dos fluxos de capital entre os países ou tudo isso, ao
mesmo tempo.
Os cenários econômicos se renovam e fazem despontar conjunturas
sociais que combinam os benefícios de ter regiões remotas aproximadas aos impactos da
desigualdade. Não abandona a dialética da globalização, nem se separa de outras
vertentes, como a globalização política; intensifica as características clássicas da
globalização. Em suma, a globalização econômica exprime um processo de constante
reciclagem da economia política diante da integração mundial e suas implicações
variantes e invariáveis na vida das pessoas.
2.3 Implicações da Globalização Econômica no Panorama do Direito Internacional
dos Direitos Humanos – A Nova Dialética
“Mas nós também reconhecemos que o fenômeno da globalziação
pode trazer ameaças e levantar temores, pois existem perigos no mundo da
economia, dentre eles, aqueles que destróiem elos de solidariedade, que
marginalizam países, quiçá regiões inteiras do planeta e, ainda, que alargam
progressivamente o foço entre ricos e pobres”.
Kofi Annan em discurso ao Parlamento Europeu
O ideal de paz perpétua de Kant, perfilhado no direito internacional,
inclui o intuito de harmonizar os direitos das nações. O século XX vivenciou a
intensificação das forças globalizantes a patamares antes inconcebíveis; seu legado
desafia o século XXI a equilibrar tais forças. A intensificação sem precedentes das
relações internacionais e o papel das Nações Unidas foram conhecidos e reconhecidos
por centenas de países. Em virtude da globalização, a maioria das decisões
internacionais ganharam notoriedade e documentos produzidos internacionalmente
puderam ser absorvidos internamente. Com isso, o Direito Internacional dos Direitos
Humanos (DIDH), bem como outros ramos do Direito Internacional, se expandiu,
justamente para se inserir nesta incipiente ordem jurídica internacional.
As dialéticas de Platão e Georg Hegel sofrem uma releitura, já que
parece impossível, à primeira vista, congruir as etapas do desenvolvimento ao caráter
imutável (unabänderlich)40 dos direitos humanos. A globalização econômica faz parte
de um “tecido econômico” - intrincado sistema de fios representando a integração dos
escopos social, cultural, político, etc – difundindo suas características nos outros
campos da vida, como um curto-circuito que corre o risco de disseminar uma
“deslegitimação progressiva” (FONSECA JR., 1998 e BATISTA, 2002).
A maior parte das obras que fazem referência à globalização abordam tão
somente sua dimensão econômica. Ao contrário, ela constitui um fato social completo,
entrelaçando cultura, idealização e subjetividade e se perfaz no plano dos direitos
humanos. O conceito de “direitos humanos” se mostra, freqüentemente, associado
exclusivamente a direitos civis e políticos - os chamados direitos humanos de primeira
geração. Todavia, direitos humanos também significa o direito a alimentação adequada,
água potável, educação e saúde – direitos econômicos, sociais e culturais ou de segunda
40
SCHMIDT apud BONAVIDES, 2003.
geração -, e, ainda, direito ao desenvolvimento, ao meio-ambiente e à comunicação – as
novas gerações de direitos.
Importante se faz a distinção entre os direitos humanos na área de sua
aplicação, não por serem fundamentalmente desiguais, mas para a determinação de
obrigações internacionais negativas (freedom from) ou positivas (freedom for) dos
sujeitos de direito. Na realidade, no âmbito das Nações Unidas cresce a intenção de unir
o Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturas e o Comitê sobre Direitos Civis
e Politicos, tendo em mente a universalidade, indivisibilidade, inter-dependência e interrelacionamento dos direitos humanos explicitados no art 5° da Declaração de Viena.
Na prática, o sistema econômico mundial e o sistema internacional de
promoção e proteção aos direitos humanos têm operado isoladamente nos meios
institucional ou intelectual. As diferentes abordagens e “linguagens” dos direitos
humanos e do comércio têm se reconciliado, fato que não deu fim às suas diferenças. A
exemplo disto, direitos de propriedade intelectual têm levado direta ou indiretamente à
exclusão do direito ao acesso a medicamentos essenciais, notadamente drogas
necessárias à inibição do alastramento de doenças em países em desenvolvimento, como
o HIV/AIDS, a malária e a tuberculose.
À despeito do tema, Mary Robinson, ex-Alta Comissariada das Nações
Unidas para os Direitos Humanos (1997-2002), na 5ª Reunião Ministerial da OMC em
Cancún41 asseverou:
Eu gostaria de pontuar firmemente minha convicção que não existe um
conflito essencial entre os objetivos do Direito Internacional dos Direitos
Humanos e do Direito Internacional do Comércio. Cada corpo de direito
deve ser respeitado. Ambos buscam aperfeiçoar padrões de vida; um
através do reconhecimento de que uma vida digna inclui o direito a um
padrão de vida adequado, incluindo um emprego decente, acesso ao
melhor padrão de saúde, educação e alimentação; o outro através da
prática do livre comércio, levando ao crescimento econômico, tão vital na
geração de riqueza para o bem-estar dos indivíduos, comunidades e
nações, incluindo através de financiamento ao desenvolvimento social.
- Aldeia Global x Abismo Mundial: Os Desafios dos Contrastes
De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas de 2003, cerca de
54 países – a maioria da África Sub-Saariana – estão mais pobres agora do que em 1990. Em 21 países,
uma quantidade maior de pessoas está passando fome. Em 14, mais crianças estão morrendo antes dos
cinco anos. Em 12, estão diminuindo o ingresso a escolas primárias. Em 34, a expectativa de vida tem
diminuído.
É claro que as estatísticas desses países se traduzem em cruéis realidades individuais. É
revoltante que, a cada 24 horas, mais de 30.000 crianças ao redor do mundo morram de doenças cuja
prevenção pode ser realizada, que mais de 120 milhões nunca irá para a escola e que a maioria seja
meninas. A mulher ainda é a mais pobre dos pobres do mundo – oitocentos milhões (800.000.000) delas
– representando dois terços (2/3) daqueles que vivem com menos de 2 dólares por dia. Um bilhão
(1.000.000.000) de pessoas ainda não tem acesso a suprimento de água potável e 2,4 bilhões de pessoas
carecem de saneamento básico.
Fonte: Ethical Globalization Iniciative
(Tradução Livre)
41
Houve cinco Conferências ou Reuniões Ministeriais da OMC: Singapura (09-13 de dezembro de 1996),
Genebra (18-20 de maio de 1998), Seattle (30 de novembro a 3 de dezembro de 1999), Doha (09-13 de
novembro de 2001) e Cancún (10-14 de setembro de 2003).
Mesmo que a globalização econômica e os direitos humanos caminhem
juntos na formação do direito internacional, é necessário que sejam tomadas medidas
que assegurem o não-aprofundamento das desiguladades sociais, econômicas e humanas
internacionais. Fala-se na transformação da universalidade em desigualdade dos direitos
humanos. Segundo Telma Berardo, em um extremo do mundo estaria o "último
homem" de Hegel e Fukuyama, detentor do conhecimento, aproveitando todas as
vantagens trazidas pela tecnologia, e em outro extremo, o "primeiro homem",
concepção de Hobbes, condenado a uma vida brutal, desaparecendo direitos humanos.
Os extremos da oportunidade para uns e o nada para outros trazem à tona
o desafio traduzido nas palavras do presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn:
Em um mundo de seis bilhões de pessoas, um milhão detêm 80% do PIB,
enquanto um outro bilhão se esforça para sobreviver com menos de um
dólar por dia. […] Nos próximos 25 anos, 1,5 bilhão de pessoas serão
somados aos países pobres e muitos experienciarão pobreza, desemprego
e desilusão com o que chamarão de sistema global injusto. (ROBINSON,
2003)
Destaca-se, ainda a ocorrência dos atentados do 11 de setembro que
intensificou o sentimento de divisão e insegurança mundial. As ameaças de ataques
terroristas têm trazido à tona a preocupação com a abertura das sociedades e dos
Estados para a proteção de liberdades civis, como a livre circulação de pessoas. A
mudança nos padrões legais de imigração, a vigilância em fronteiras e a perseguição aos
fluxos financeiros de apoio a gupos terroristas modificam as negociações no âmbito das
Nações Unidas. Os relatores especiais J. Oloka-Onyango e Deepika Udagama para o
Tema da Globalização e seu Impacto no Pleno Gozo de Todos os Direitos Humanos
definiram esta situação como o “choque de civilizações”, ou em inglês, clash of
civilizations.
A interconexão do mundo não deve se confundir com a divisão do
mesmo e, sim, afastar-se desta última. Nos dizeres de Mary Robinson, a criação de
condições para a emergência de um “novo muro de Berlim” deve ser execrada.
- A Realização dos Direitos Humanos (Promoção, Proteção e Gozo): Os Princípios
Na busca da plena realização dos direitos humanos pela comunidade e
sujeitos internacionais, existem princípios elencados em diversos documentos das
Nações Undias para assegurar o respeito pelos direitos humanos, prosperidade,
segurança e dignidade, em face da atual conjuntura econômica globalizante. Dentre eles,
merecem destaque os princípios de eqüdade, igualdade e dignidade, do direito ao
desenvolvimento, do direito à participação e do princípio da não-discriminação no
contexto do direito mercantil e da política econômica, entre outros.
- De Quem é a Responsabilidade?
¾ IFIs, MLIs e TNCs
Fig. 7: http://www.globalpolicy.org
Na Conferência de Bretton Woods
(cidade americana localizada no estado de New
Hampshire), em 1945, negociadores americanos e
britânicos se reuniram para a criação do Banco
Mundial, do Fundo Monetário Internacional e da
Organização Internacional do Comércio (OIC)
como agências especializadas das Nações Unidas.
O Grupo do Banco Mundial, denominação mais
adequada, e o FMI são referidos comumente como
Instituições Financeiras Internacionais (IFIs)42 e,
junto à Organização Mundial do Comércio (OMC)
– Instiutição Multilateral (do inglês, Multilateral
Institution - MLI), – formam as conhecidas Três
Irmãs da economia mundial.
•
Instituições Financeiras Internacionais (IFIs)
São, essencialmente, bancos de desenvolvimento, internacionais ou
regionais. A missão da maioria das IFIs é a redução da pobreza e, por isso, têm
determinado uma agenda de desenvolvimento para a América Latina, Ásia, África e
Europa Oriental. Estas instituições incluem o Grupo do Banco Mundial, o Banco de
Desenvolvimento Asiático, o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento, o
Banco Europeu de Investimento e o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o
FMI. Existem duas categoriais de IFIs:
o Bancos Multilaterais de Desenvolvimento: Como exemplo, pode-se citar a
Corporação Financeira Internacional (do inglês, International financional
Institution - IFC), integrante do Grupo do Banco Mundial que se encontra
sediada em Washington. Como o resto do Grupo do Banco Mundial, existe para
prover financiamento ao desenvolvimento, especialmente ao mundo em
desenvolvimento. Diferentemente da seção principal do banco, financia projetos
do setor privado em países em desenvolvimento. A IFC geralmente opera
independentemente do resto do Banco Mundial e é legalmente e financeiramente
autônoma. Outro exemplo é o Banco Europeu para a Reconstrução e o
Desenvolvimento (do inglês, European Bank for Reconstruction and
Development - EBRD).
o Agências de Crédito à Exportação: Podem ser órgãos públicos ou privados. As
agências públicas são administradas por governos nacionais e usam de dinheiro
público para prover segurança e garantias a exportadores e bancos nacionais
contra riscos (políticos, de cotação ou quebra de contrato de parte estrangeira).
Elas são as maiores fontes de financiamento público a projetos do setor privado
no mundo. Em 2000, apoiaram países em desenvolvimento com mais de 500
bilhões de dólares em garantias e seguro e 58,8 bilhões em créditos à
42
Do inglês, International Financial Institutions.
exportação. Em contraste, o total de empréstimos concedido por bancos de
desenvolvimento, como o Banco Mundial, foi de 41 bilhões de dólares.
•
Banco Mundial e FMI
O Banco Mundial é uma das maiores fontes de financiamento e
consultoria para apoiar governos de países membros em projetos de investimento em
escolas, centros de saúde, fornecimento de água e eletricidade, combate a doenças e
proteção do meio ambiente. Ele não é um banco, em seu senso comum; tornou-se uma
organização internacional pertencente a 184 países, em que as decisões são tomadas
com base em um sistema de cotas.
Desde sua fundação como o Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD) e, sobretudo nos anos 1950 e 1960, época em que se deu a
independência de muitos países até então antigas colônias, o número de membros só
aumentou. Em decorrência disto, o banco se expandiu e é composto atualmente por
cinco agências diferentes: o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento,
já mencionado, a Associação Internacional de Desenvolvimento (IAD), a Sociedade
Financeira Internacional (SFI), a Organismo Multilateral de Garantia dos Investimentos
(AMGI) e o Centro Internacional para a Solução de Controvérsias Relacionadas com os
Investimentos (CIADI).
Apesar das atribuições do FMI serem diferentes das do Banco Mundial,
sua funções complementam as do Banco Mundial – até mesmo por que o primeiro é um
fundo, enquanto que o segundo é uma agência formada por organismos com atribuição
adversas. O Grupo do Banco Mundial, mas conhecido como Banco Mundial, não é um
mero banco ou conjunto de bancos. Ele oferece apoio financeiro a países em
desenvolvimento através da concessão de empréstimos aliados à assistência para sua
implementação, de doações, do financiamento dos investimentos do setor privado, da
prestação de apoio técnico a governos e empresas, de garantias a investidores
estrangeiros e da prestação de serviços para a solução de controvérsias relacionadas com
investimentos que possam sugir entre investidores estrangeiros e o país auxiliado.
Já o FMI tenta estabilizar o sistema monetário internacional,
monitorando suas cotações mundiais. Ele foi criado para promover a cooperação
internacional; facilitar a expansão e crescimento harmonioso do comércio internacional;
promover a estabilidade de taxas de câmbio; ajudar a estabelecer um sistema
multilateral de regulação; e disponibilizar seus recursos a países endividados através de
garantias. Desta forma, estas duas agencias, análogas, complementam-se e têm sido alvo
de duras críticas quanto ao seu sistema de funcionamento, composição e falha na
prevenção de crises enconômicas internacionais.
•
OMC
A OMC – organização de direito – nasceu do Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio – organização de tarifas –, o GATT (General Agreement on Tariffs
and Trade), estabelecido no pós-guerra, em 1947. Uma série de negociações comerciais
começaram a se dar objetivando a redução de tarifas e a facilitação do comércio
internacional de bens. Nação-mais-favorecida é uma regra de tratamento nãodiscriminatório (constante no artigo I do GATT, artigo II do GATS – Acordo Geral
sobre Comércio de Serviços – e artigo IV do Acordo de TRIPs) que estabelece a
obrigação para um membro da OMC de estender a todos os demais membros da
organização a concessão que fizer a um deles.
A OMC, em 1995, substituiu o GATT em resultado do sistema de regras
da Rodada do Uruguai (1986-1994) como o novo órgão internacional para o comércio.
Os ordenamentos comerciais do GATT estabelecidos entre 1947 e 1994 – em particular
aqueles negociados na Rodada do Uruguai – permanecem como livro de regras
primárias para o comércio multilateral de bens e formam as fundações para o comércio
de serviços, bem como para direitos de propriedade intelectual.
Suas principais atividades incluem a administração de acordos de
comércio da própria instituição, realização de fóruns para negociações comerciais,
arbitragem de disputas comerciais, monitoramento de políticas comerciais, assistência
técnica para países em desenvolvimento e cooperação com outras organizações
internacionais.
Composta por 143 países43, suas decisões são tomadas com base na
unanimidade e realiza suas atividades com base em quatro princípios: extensão de
concessões comerciais eqüitativamente entre todos os membros da OMC; procura por
um livre comércio internacional de tarifas mais baixas, independentemente do local;
tornar o comércio menos instável, através do uso de regras pré-estabelecidas; e estímulo
à competência com o corte de subsídios.
•
PAEs ou SAPs - Políticas de Ajuste Estrutural
Desde os anos 1960, o Banco Mundial e o FMI têm provido assistência
para programas de desenvolvimento de países em desenvolvimento e promoção de
estabilidade econômica de mercado. Desde os anos 1980, eles têm adicionado a
realização de “condicionalidades” aos seus empréstimos, na tentativa de cambiar a
estrutura das economias dos países em desenvolvimento. Exigências como a
privatização de empresas estatais, corte em gastos públicos buscando atingir superávit
primário; e a adoção de medidas e reformas incentivadoras do livre comércio são
condicionalidades que têm recebido críticas quanto à deteriorização de serviços
essenciais como saúde, educação, cultura, além de atingir apenas um crescimento
nominal do Produto Interno Bruto (PIB).
Um dos organismos multilaterais, componente do Grupo do Banco
Mundial, a Sociedade Financeira Internacional (SFI), sinalizou a intenção de incluir os
direitos humanos entre suas sauvegardes44 para o desenvolvimento sustentável. No
início de 2003, já havia publicado um documento intitulado “Princípios do Equador”,
com idéias de responsabilidade social e ambiental para os projetos de financiamento do
banco.
Desde 1995, quando James Wolfenson assumiu a presidência do Banco
Mundial, o banco tem coloborado com mecanismos para o alívio de dívidas externas,
sobretudo para Países Altamente Pobres e Endividados (ou em inglês, Highly Indebted
Poor Countries - HIPC). O FMI, ao contrário, tem se esforçado na disponibilização de
43
44
Em 23 de abril de 2004 (www.wto.org).
Salvaguarda, proteção.
informações no seu site para melhorar o sistema de monitoramento de desenvolvimento
nacional sem, no entanto, abordar a questão dos direitos humanos aprofundadamente.
A discussão em torno da violação aos direitos humanos em detrimento de
práticas dos órgãos acima citados leva em consideração as medidas implantadas pelas
IFIs, regras internacionais da OMC e o uso de barreiras tarifárias e não-tarifárias pelas
nações. As agências especializadas das Nações Unidas que fornecem empréstimos com
facilidades de pagamento a longo prazo são acusadas de regular as economias internas
dos países em desenvolvimento, fazendo com que os investimentos estatais sejam
convergidos para a consecução de práticas que sustentam e economia e não os direitos
humanos, sobretudo, os direitos econômicos, sociais e culturais.
As barreiras tarifárias – taxas impostas por normas internas dos Estados
ao comércio internacional – e as não-tarifárias – como cotas, subsídios, barreiras
sanitárias e fito-sanitárias e a obrigatoriedade de índices laboratoriais específicos –,
combatidas principalmente pelos países em desenvolvimento no âmbito da OMC,
podem incorrer na ameaça a princípios do Direito Internacional dos Direitos Humanos
como o direito ao desenvolvimento. Advoga-se pelo entendimento de que os direitos
humanos não são condicionáveis às regras comerciais internacionais, e que eles fazem
parte da construção do comércio livre e justo, mostrando ser praticável o interrelacionamento entre ambos para implementar padrões45 de promoção e proteção dos
direitos humanos.
Mas não são apenas a OMC, o FMI, o Banco Mundial ou outro
organismo internacional que exercem influência no pleno exercício dos direitos
humanos. A responsabilidade internacional das TNCs, sua atuação, princípios e regras
têm sido debatidos no âmbito das Nações Unidas. A circulação de capitais em empresas
que, transnacionalizadas, atuam em países e continentes diferentes, gerou uma
capacidade decisória inegavelmente importante. Com isso, as deliberações dessas megaempresas passam a afetar um número maior de pessoas, podendo ou não beneficiá-las.
Muitas empresas, no entanto, adotaram voluntariamente princípios e/ou
regras de proteção aos direitos humanos, geralmente direitos humanos do trabalho. É o
caso de IKEA, EMI, Banco ABN-AMRO, Hewllet Packard, Nokia, Reebook, Roche,
British Airways, Colgate, Nestlé, Unilever, entre outras. A indagação que se faz, no
entanto, é se a responsabilização voluntária é suficiente, eficiente, ou não.
Outras empresas que aderiram a esta nova tendência do comércio
internacional, encabeçam uma campanha contra a positivação da responsabilidade
internacional das TNCs, devendo cada empresa apresentar regras de acordo com a sua
esfera de atuação. O grupo de empresas Royal Dutch/Shell encabeça esta corrente. A
Taxa Tobin, proposta em 1972 por James Tobin, prêmio Nobel de Economia em 1981,
sugere a taxação de transações financeiras com vistas ao freio de fluxos especulatórios.
¾ Estados-Nações
Para Held e McGrew (2004) “os padrões contemporâneos da
globalização econômica têm sido fortemente associados ao remodelamento da relação
45
Recomendações dos Relatórios E/CN.4/Sub.2/2003/14 e E/CN.4/Sub.2/2000/13.
entre Estados e Mercados”, ou seja, o relacionamento entre os Estados está fadado e se
intensificar ao passo que a economia mundial se integra, ligando os destinos dos países.
O Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento Social das Nações Unidas (UNRISD)
publicou um estudo mostrando que algumas TNCs apresentam maior riqueza do que
determinados Estados, ou seja, que as vendas anuais de algumas TNCs exede o PIB do
Chile, Equador e Costa Rica.
Em 1990, a fatia de participação de acordos comerciais entre países em desenvolvimento para
as suas respectivas economias era de 34%. Hoje, ela passou para 43%, o que representa 11% do volume
global de comércio exterior.
De acordo com a United Nations Conference on Trade and Development (Conferência das
Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento) - UNCTAD -, os acordos econômicos regionais
"Sul-Sul" - a exemplo do Mercosul, diz a instituição - "podem ser um útil campo de testes" para que os
países em desenvolvimento aprimorem as suas capacidades exportadoras e a estratégia de inserção em
novos setores.
Prova de que o ritmo mais acelerado de negociações à parte do avanço das grandes negociações
multilaterais não tem atravancado a dinâmica global de comércio vem de números da própria OMC
(Organização Mundial do Comércio). Em seu mais recente relatório, a instituição afirma que, em 2003,
o volume de comércio global cresceu 4,5%. Esse foi o melhor resultado desde 2000. Para 2004, a
organização projeta crescimento de 7,5%.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u85204.shtml
Alguns teóricos sobre a globalização afirmam que a tendência é de haver
uma eliminação do poder estatal na esfera internacional e, conseqüentemente, no seu
poder de proteção aos direitos humanos. A deterioração do Estado Social, outrora
eminente na Europa Ocidental, não levou a estrutura de poder de volta ao Estado
Liberal, mas a uma interdependência dos Estados e à sua reunião em torno de
organismos internacionais, por exemplo, as Nações Unidas, criando um Estado Liberal
pluralista.
A questão relativa à soberania do Estado, enquanto peça fundamental
para a proteção dos direitos humanos através de seu poder coativo, se mistura à
nacionalização de normas internacionalmente elaboradas e consituídas. Ainda assim, a
nova estrutura econômica internacional veio a questionar a extensão do poder dos
Estados em defender os direitos humanos e qual a sua responsabilidade frente às novas
realidades econômicas. A presença de TNCs estrangeiras em seu território e, ao mesmo
tempo, de TNCs de origem nacional em outros territórios confirmaram a necessidade de
etabelecer o papel de cada instituição na proteção dos direitos humanos.
Peter Drucker, especialista em política econômica e renomado pensador
contemporâneo, sintetiza:
Até então, não existe outra instituição capaz da integração política e
associação eficaz na comunidade política mundial. Provavelmente,
portanto, o Estado-Nação sobreviverá a globalização da economia e a
revolução da informação que a acompanha. Mas ele será um EstadoNação vastamente modificado, especialmente em políticas domésticas
fiscais e monetárias, relações econômicas internacionais, controle do
comércio internacional (…).
- Integração de Blocos: Regionalização x Fragmentação
A regionalização pode ser vista como uma necessidade da globalização,
ainda que seja simultaneamente um movimento de integração de Estados-Nações. Sob
certos aspectos, a regionalização pode ser uma técnica de preservação dos interesses
nacionais por meio da integração. Blocos ou alianças constituídos por acordos ou
tratados representam uma forma conciliatória de atender aos interesses tanto dos países
quanto da economia mundial. Podemos, atualmente, identificar quatro estágios de
integração entre as economias nacionais:
¾ Zona de Livre Comércio: na qual as mercadorias provenientes dos países membros
podem circular livremente e as tarifas alfandegárias são eliminadas, havendo
flexibilidade nos padrões de produção, controle sanitário e de fronteiras (ex: Nafta e
Alca);
¾ União Aduaneira: além da zona de livre comércio, envolve a negociação de tarifas
alfandegárias comuns para o comércio realizado com outros países como a TEC Tarifa Externa Comum (ex: Mercosul a partir de 1995, União Européia até a
assinatura do tratado de Maastricht e a SACU – Southern African Customs Union);
¾ Mercado Comum: engloba as duas fases anteriores e lhes acrescenta a livre
circulação de pessoas, serviços e capitais (ex: antigo Mercado Comum Europeu);
¾ União Econômica e Monetária (UEM): essa fase pressupõe a existência de um
mercado comum em pleno funcionamento. Consiste na coordenação das políticas
econômicas dos países membros e na criação de um único banco central para emitir
a moeda que será utilizada por todos (ex: União Européia).
A globalização da economia mundial traduz a implantação de grandes
empresas em países em desenvolvimento, otimizando a sua produção através do
aproveitamento de mão-de-obra barata, incentivos fiscais e perspectivas de crescimento
de mercado. As chamadas multinacionais se expandiram de tal forma que representam
atualmente mais de um terço de participação no comércio internacional. Com a
disseminação dos acordos de livre comércio, regiões aduaneiras e mercados comuns,
cria-se a regionalização da economia colocando países, antes não atuantes, no comércio
mundial. Essa participação torna-se possível, pois esses países abrem seus mercados,
aumentando sua participação nas transações e produção internacional.
Paralelamente às decisões tomadas pelas IFIs e MLIs, predominam os
acordos bilaterais e regionais no cenário do comércio mundial. Em meio a críticas dos
que crêem que essas modalidades de tratados comerciais atravancam as negociações
multilaterais, elas hoje já respondem por mais da metade do volume global de comércio
exterior. Assim sendo, não apenas organismos e organizações devem abordar a questão
dos direitos humanos frente ao comércio internacional, mas os novos blocos e grupos
regionais.
A questão, contudo, de predominar a fragmetnação ou a regionalização é
a mesma. A “des-territorialização” ou “re-territorialização” do espaço político
internacional são, na realidade, duas forças opostas de um mesmo processo. O que
importa neste processo é como continuar a dar às pessoas as mesmas garantias dadas
pelos Estados-Nações. Enquanto se formam blocos, grupos de minorias podem se ver
prejudicados, como é o caso de imigrantes, de índios e, ainda, da mulher e da criança. A
regionalização/fragmentação deve procuar repelir o fanatismo, isolacionismo,
separatismo, etc. Além disso, ao mesmo tempo em que aumenta a área de atuação
política de um grupo, eleva o número de pessoas que deverão ter seus direitos tutelados.
2.4. Existem Benefícios da Globalização?
Vapor Barato, um mero serviçal do narcotráfico
Foi encontrado na ruína de uma velha escola em construção
Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína
Tudo é menino e menina no olho da rua
O asfalto, a ponte o viaduto ganindo pra lua
Nada continua
E o cano da pistola que as crianças mordem
Reflete todas as cores da paisagem da cidade que é muito mais bonita
e muito mais intensa do que no cartão postal.
(...)
Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem
Apenas sei de diversas harmonias bonitas possíveis sem juízo final.
(...)
Alguma coisa está fora da ordem
Fora da nova ordem mundial.
Trecho da música “Fora da Ordem” de Caetano Veloso, cantor e compositor.
O pragmatismo levou a crer que a globalização não apresenta benefícios.
Para muitos, difícil fica conceber como o fluxo de tecnologia, técnicas, cultura, idéias,
informações, entretenimento e pessoas pode diminuir. Os princípios do livre comércio
parecem estar inatingíveis ao bem-estar público. A globalização tem sido acusada de
não apresentar uma face humana ou de imperrar o seu desenvolvimento.
O comércio internacional promove a eficiência e racionaliza recursos
através do encorajamento de produção de bens e serviços em países nos quais os custos
são mais baixos. Ele leva à diminuição de preços para consumidores pela
competitividade entre empresas. Tem o potencial de criar mais empregos e a oferta de
alimentos. A globalização ainda pode melhorar a governança e usar de tecnologias da
informação para a educação e melhorias nos serviços básicos oferecidos pelos governos
nacionais, o mapeamento do genoma humano, o tratamento do HIV/AIDS, etc.
3. Histórico do Problema
“Ainda que o respeito pela soberania e integridade do Estado seja
uma questão central, é inegável que a antiga doutrina da soberania exclusiva
e absoluta não mais se aplica e que a soberania jamais foi absoluta.”
Boutros-Ghali – “Empowering the United Nations”, Foreign Affairs,
v. 89, 1992/1993.
A intensificação do comércio mundial, os aumentos nas trocas entre os
Estados e a globalização econômica sempre estiveram presentes na história das
civilizações. Como um resultado de processos interconexos e desencadeadores de
técnicas e tecnologias, mesmo o descobrimento do fogo pelo homem e a domesticação
de animais e plantas foram responsáveis pelos primeiros indícios de trocas entres as
comunidades. A única coisa que, na realidade, mudou, foi a velocidade das
transformações nos âmbitos nacional e internacional e as culturas envolvidas.
No Antigo Egito a vida girava em torno do ciclo de cheias e vazantes do
Nilo, o qual era considerado um deus. Muitos o vêem mais como um país agrícola que
mercantil. Embora esta visão não seja completamente incorreta, o povo egípcio tinha
uma forte estrutura de comércio entre suas cidades e mesmo além de suas fronteiras.
Segundo a tradição suméria, Quish foi a primeira civilização
mesopotâmica; depois surgiram Ur, Uruk, Lagash, Eridu e Nipur. Eram CidadesEstados, com autonomia religiosa, política e econômica. O chefe político, representante
do deus principal, era o patesi. Com o tempo, ele instituiu o direito à hereditariedade,
dando origem às dinastias. Dentre elas, a mais famosa foi a de Lagash, que anexou Ur.
Vemos aqui um dos mais importantes fatores para a disseminação de pensamentos e
técnicas: a guerra. O enfraquecimento sumério criou condições para a ascensão dos
semitas concentrados em torno da Babilônia. Esta civilização chegou a montar rotas
fixas de viagem, conectando suas cidades. No século VI a.C., o chefe persa, Ciro, se
tornou rei de dois povos, os medos e os persas. A ótima qualidade de suas estradas
permitia o rápido deslocamento de tropas e mercadorias.
O desenvolvimento do comércio mesopotâmico se explica tanto pela
escassez de certos produtos na região, quanto pela facilidade de comunicação com
outros povos. A economia mesopotâmica era mais liberal que a egípcia, apresentando o
mesmo sistema global de produção, já que se tratava do sistema de produção asiático.
Já os cretenses cultivavam cereais, vinhas e oliveiras e seus trabalhos
com metais e cerâmicas eram vendidos em todo Mediterrâneo Oriental. Seus
mercadores vendiam vasos com azeite e vinho, artigos de bronze e estofos. Compravam
minérios, marfim, e perfumes. Tinham o monopólio do comércio no Mar Egeu. Os
faraós lhes deram exclusividade no transporte do cedro extraído do Líbano para o Egito.
Trocavam-no por produtos ou pagavam com grossos discos de bronze de até trinta (30)
quilos.
Os fenícios habitavam a região do atual Líbano numa faixa de duzentos
(200) quilômetros de comprimento entre o mar e as montanhas. Habilidosos nos
negócios, os fenícios transformavam as matérias primas trazidas do estrangeiro em
produtos manufaturados e os reexportavam.
Na época em que floresceram as civilizações do Oriente Médio, a
humanidade passou a depender menos da natureza e a usar melhor os instrumentos e a
técnica para dominá-la. A indústria46 evoluiu com a técnica artesanal. Desenvolveu-se a
metalurgia, a cerâmica e o preparo dos papiros e placas de barro para a escrita. Os
frígios inventaram a moeda.
Felipe II se apoderou da Grécia com astúcia política e, como conhecedor
do individualismo das Cidades-Estados, respeitou sua autonomia. Alexandre Magno,
filho de Felipe II não só se utilizava da diplomacia astuciosa do pai, como também já
reconhecia no homem47 o caráter de “cidadão mundial”, ou seja, um ente maior do que a
cidade, maior que a pólis grega, extrapolando limites com suas conquistas. Em suma,
cosmopolita (RELAÇÕES INTERNACIONAIS & GLOBALIZAÇÃO, 1999).
46
47
Ainda em fase pré-artesanal.
Romano do gênero masculino, maior de idade, possuidor de terras e escravos.
Com o fim do Ancien Regime recaiu sobre o mundo o feudalismo,
descentralizado e em termos comerciais, extremamente retroativo, já que sua economia
era voltada para a auto-suficiência. Na baixa Idade Média começou a nascer o
capitalismo, ou melhor, o pré-capitalismo, pois já havia produção para o mercado,
trocas monetárias e espírito de lucro, mas ainda não havia relações assalariadas. Seu
nascimento está relacionado com a crise do feudalismo, explicada esta pelo aumento da
população, que estimulou o consumo de produtos para a alimentação, habitação e
vestuário.
Cessando as ondas de violência bárbara, dando margem para a volta de
uma relativa segurança, a população feudal cresceu em um ritmo assustador. Com esse
excedente populacional, vigorava a escassez na produção de alimentos. Houve uma
grande marginalização populacional e as Cruzadas foram determinantes para manter a
ordem social.
As Cruzadas dinamizaram as relações comerciais entre Ocidente e
Oriente. Reabriram o Mediterrâneo aos europeus. Até o comércio proibido pela igreja
era praticado com os muçulmanos. Com o surgimento de mercados urbanos,
companhias mercantis e da contabilidade, o comércio deixou de ser itinerante e cíclico,
passando a ter caráter constante. Foi uma revolução. No entanto, havia um fator
favorável ao comércio internacional: a passagem pelas fronteiras era livre. As barreiras
políticas à livre circulação só começaram a aparecer no século XV, com a formação dos
Estados e o fortalecimento da soberania nacional.
Entre os séculos XVI e XVIII, apesar de ser mais comum a existência do
produtor independente (artesão), passou a se generalizar o trabalho assalariado. A
denominação “comercial” em Capitalismo Comercial se relaciona ao fato de haver
preponderância do capital mercantil sobre o capital de produção. A maior parte do lucro
se concentrava nas mãos dos comerciantes, intermediários, não mais nas dos produtores.
Lucrava mais quem comprava e revendia mercadorias, não quem as produzia. Por isso,
o capital se acumulava na circulação (comércio), não na produção (indústria). A fase
primitiva do processo de acumulação de capital permitiria a ocorrência da Revolução
Industrial.
Na segunda metade do século XVIII, na Inglaterra, inicia-se o chamado
Capitalismo Industrial. O capital acumulado na circulação de mercadorias é investido na
produção; o capital industrial domina o conjunto da produção, inclusive a distribuição e
circulação. O trabalho assalariado se instala, em prejuízo dos artesãos, separando
claramente os detentores dos meios de produção e o exército de trabalhadores. O
processo se espalha por Europa, América do Norte e Ásia, no século XIX, e ganha o
mundo no século XX quando numerosas nações passam a lutar para atingir a condição
de país industrializado.
Delineou-se em fins do século XIX e cristalizou-se no século XX o
sistema bancário. As grandes corporações financeiras se tornaram dominantes, passando
a controlar as demais atividades econômicas. As empresas concentram seu capital48 em
torno do produto, tornam-se cada vez mais poderosas, assumem dimensão internacional,
surgem as multinacionais. Considerando a concentração do capital e a formação de
48
Em seu sentido clássico, ou seja, o conjunto de investimento, infraestrutura, tecnologia, informação,
mão-de-obra qualificada, segurança, entre outros.
empresas tentaculares, aparece o capitalismo monopolista ou chamado, mais
comumente, de Capitalismo Selvagem Financeiro, que sofreu seu primeiro grande
impacto com a crise de 1929.
Com o encerramento da Segunda Guerra Mundial, pela primeira vez,
desde que as caravelas européias alcançaram o Novo Mundo, um único centro
dominava a economia internacional. O crescimento do consumismo capitalista mundial
vem de um processo de produção adotado pelas fábricas modernas, as linhas de
montagem. O fordismo criou uma concepção de que cada produto não mais deveria ter
suas particularidades, como era visto na produção artesanal, mas estes deveriam possuir
as mesmas características não importando sua origem ou seu destino.
O dinamismo das indústrias americanas e a força do dólar alicerçavam a
economia mundial. Nas décadas do pós-guerra, a desigualdade nos ritmos de
crescimento nacionais reduziu a diferença entre os Estados Unidos e os parceiros
europeus e asiáticos, sendo a crise do sistema de paridade fixa entre o dólar e o ouro um
dos reflexos dessa redução.
Transformações sociais, econômicas, políticas e culturais germinaram
desde o começo do século XX, aceleraram-se após o término da Segunda Guerra
Mundial e intensificaram-se a partir das reformas iniciadas por Gorbachev – a tentativa
de implantação da perstroika e da glasnost – desde 1985. A queda do muro de Berlim,
além do seu significado histórico – o fim da Guerra Fria e da ordem bipolar –,
representou a abertura de novas fronteiras para a expansão do capitalismo, ao mesmo
tempo em que inaugurou um novo período de divergências e tensões no âmbito das
velhas e novas nações capitalistas.
O fim da Guerra Fria inaugura um novo paradigma mundial, conhecido
como a nova ordem mundial. Nos planos diplomático, militar e estratégico, a efetivação
do processo de globalização e à expansão do neoliberalismo exigem das nações um
grande esforço para que seja mantida sua competitividade no mercado internacional.
Tais esforços, por inúmeras vezes, sacrificam a instabilidade interna do país em
detrimento de um fortalecimento externo frente às demais economias nacionais ou
mesmo aos blocos econômicos.
A noção de competição parece passar a predominar sobre a de
cooperação e empresas evoluem na direção de uma forte abertura de seu capital através
da participação no mercado de ações. A postura econômica neoliberal estimulou a
concorrência entre as empresas, desregulando os mercados e eliminando normas
protecionistas. Disseminou-se a idéia de que o “capitalismo de consumo” americano
estaria condenado a entregar os pontos para o “capitalismo-fábrica” japonês ou para a
“economia social” alemã. Os adeptos das soluções européias profetizavam a degradação
das relações de trabalho nos Estados Unidos e a perda geral de competitividade de uma
sociedade minada por bolsões crescentes de pobreza.
A nova ordem mundial também aposta num papel renovado para as
Nações Unidas: a ONU encontra-se em processo de discussão para o ingresso de novos
membros e intervém, cada vez mais, nos conflitos mundiais. A OMC (antigo GATT)
passou de uma organização com característica de fórum para uma com capacidade
prescritiva e punitiva.
A mudança na ordem das relações internacionais estruturada no pósguerra com o fim da Guerra Fria afetou os países periféricos, perdedores da
globalização, levando-os a conflitos internos. As regiões mais afetadas foram o terceiro
mundo (ao Sul), a África e o Oriente Médio, além de economias anteriormente
socialistas (Leste Europeu). O fenômeno também influenciou o primeiro mundo, mas de
forma menos problemática. Apesar disso, há a observação de um processo de
desenvolvimento no terceiro mundo, principalmente na Ásia.
Os efeitos de sua aceleração colocaram o neoliberalismo frente a vários
impasses. O desemprego estrutural deixou de ser característico apenas das nações
periféricas estagnadas economicamente e passou também a aparecer em regiões onde se
registra crescimento econômico.
Nos grandes centros das megalópoles, os ricos se isolam cada vez mais
em seus condomínios fechados, enquanto no plano internacional, os países ditos de
primeiro mundo fecham-se aos imigrantes vindos da periferia do sul.
No mundo desenvolvido, o processo de acumulação e distribuição de
capital é comandado por fatores de ordem interna, enquanto que nos países emergentes
esses processos são submetidos a planos de ajuste que decorrem de fatores externos,
tendendo, então o desenvolvimento desses países, a ser bloqueado, agravando assim
seus problemas sociais e econômicos.
Em 1973, logo após a guerra de Yom Kippur, a primeira crise do
petróleo abalou a conjuntura produtiva internacional baseada nesta fonte energética,
modificando, assim, as relações financeiras e as trocas comerciais. Como as TNCs
perderam o controle de fixar os preços de seus produtos, a OPEP (Organização dos
Países Exportadores de Petróleo) quadruplicou o valor do barril de petróleo, aluindo a
economia dos países pobres dependentes da importação de petróleo, quebrando Bolsas
de Valores no mundo inteiro.
Em 1979, conjunturas políticas externas fizeram com que o preço subisse
novamente, no segundo choque do petróleo. A revolução ortodoxa no Irã, comandada
pelo aiatolá Komeini, cria um sentimento anti-ocidental em grande parte do Oriente
Médio e inicia-se a histórica guerra entre Irã e Iraque. Como se não bastasse, a União
Soviética invadiu o Afeganistão numa época em que a Guerra Fria estava em seu auge.
Desse modo, esta região do Oriente Médio se tornou um "barril de pólvora",
provocando desespero nos países importadores de petróleo. Diante dessa situação, a
OPEP resolveu aumentar o preço do barril de US$ 13,00 dólares para US$ 34,00
dólares.
Em 1986, o preço do barril de petróleo baixou, voltando à mesma
cotação dos anos 6049. Assim, os investimentos no Oriente Médio, que já eram poucos,
diminuíram ainda mais, fazendo com que as diferenças sociais se agravassem. Para se
ter uma idéia, a renda per capta no Kuwait, em 1986, era de US$ 13 mil dólares por ano,
contra US$ 650 dólares no Egito.
A incursão do Oriente Médio na dominação de suas produções de
petróleo, principalmente a partir de 1973, fez com que muitos analistas vissem a
49
Nessa época, o preço do barril do petróleo custava por volta de US$ 10,00.
situação mais como uma "maldição" do que uma "dádiva de Deus", já que trouxe
consigo guerras, concentração de renda e aumento das desigualdades sociais. Os
conflitos religiosos e territoriais, que sempre marcaram a região, se intensificaram com
a questão do petróleo.
A Guerra Fria, momento da história contemporânea que concentrou
investimentos maciços na corrida armamentista, nuclear e astronáutica entre os
chamados mundos capitalista e socialista, se sucedeu de um período em que o
predomínio das forças integracionistas, como o desenvolvimento econômico dos Tigres
Asiáticos se opôs ao predomínio das forças desagregadoras, como o desmantelamento
da ex-Iugoslávia.
Atualmente, a invasão típica da globalização é a dos capitais
especulativos de curto prazo, conhecidos como smart money ou hot money, porque são
extremamente ariscos e ávidos por lucratividade, movimentando-se com grande rapidez
em busca dos mercados que lhe sejam mais interessantes. Quando este capital
especulativo é utilizado por um país para emitir moedas no mercado interno e logo após
esse é retirado de sua economia, este smart money se transforma em dólares podres50.
Essa foi a principal razão para a crise ocorrida no final dos anos noventa e início do
milênio no México, na Ásia, na Rússia e, mais recentemente, na Argentina, mostrando
assim, a interdependência dos mercados a quaisquer mudanças no contexto da estrutura
financeira internacional.
4. Ações Prévias das Nações Unidas
“Quando criança, se eu perdia uma flecha, costumava lançar outra em
seguida, para achar a primeira. Assim as duas arriscando, acabava, muitas
vezes, por ambas encontrar”.
Shakespeare - O Mercador de Veneza – Cena I,
Ato 1.
4.1. Assembléia Geral das Nações Unidas
A questão da integração financeira global se mostra tema de reiterada
discussão no âmbito das Nações Unidas, já que medidas de integração econômica
internacional poderiam reduzir drasticamente as mazelas provocadas pela globalização
econômica. A Assembléia Geral tem apontado na direção da cooperação entre
organizações internacionais como sendo a melhor saída. A Resolução A/RES/50/91, que
reafirmou a Resolução S-18/3, explicita em seu art. 3º que em um mundo globalizado,
estabilidade fiscal interna se torna essencial para evitar grandes choques econômicos
gerados por grandes movimentações de capital em economias de países em
desenvolvimento.
Na Resolução 54/165, a Assembléia Geral sublinhou a necessidade de
analisar as conseqüências da globalização para garantir a pleno gozo dos direitos
humanos e requisitou ao Secretário-Geral que submetesse um abrangente relatório sobre
a globalização o qual deu origem ao documento A/55/342 intitulado Globalização e seu
50
Moeda que corre no mercado interno, mas que não tem valor monetário internacional.
Impacto no Pleno Gozo dos Direitos Humanos: Relatório Preliminar do SecretárioGeral.
Em 1993, outro documento, a Resolução A/Res/48/181, reinforçou a
idéia de que os laços entre as próprias instituições de Bretton-Woods e destas com os
organismos das Nações Unidas devem ser fortalecidos para a descomposição de
problemas internacionais. Em sua 55ª sessão, a Assembléia Geral aprovou a Resolução
A/Res/55/191, reiterando esta posição e apontando a importância de trabalhos conjuntos
com organismos regionais de grande relevância não afiliados às Nações Unidas.
Uma importante ação tomada pela Assembléia Geral das Nações Unidas
foi a adoção das Metas do Milênio através da Declaração do Milênio das Nações
Unidas. Ela enumerou objetivos a serem alcançados até 2015, dentre os quais se
encontra a formação de uma parceria global para o desenvolvimento. A Cúpula do
Milênio das Nações Unidas ressaltou a importância de criar regras que fomentem a
abertura comercial e financeira não-discriminatória, incluindo um comprometimento
para a governabilidade, o desenvolvimento social e a redução da pobreza.
Além disso, o incentivo ao estabelecimento de tarifas mais justas aos
países em desenvolvimento e a cooperação com o setor privado para tornar viável os
benefícios das novas tecnologias, especialmente nos campos da comunicação e
informação, deveriam ajudar no combate à pobreza, especialmente em países menos
desenvolvidos (LDCs51), como países altamente pobres e endividados. No seu Relatório
do Milênio (A/54/2000), o Secretário-Geral citou que se fosse para os países capturarem
as promessas da globalização enquanto gerenciam seus efeitos adversos, que todos
deveriam aprender a governar melhor.
4.2. Mecanismos de Proteção aos Direitos Humanos das Nações Unidas
Existem vários relatórios dos Mecanismos Especiais para os direitos
humanos que tratam, em especial, de direitos econoômicos, sociais e cuturais relativos
ao comércio e investimento. A título exemplificativo, cita-se o relatório
E/CN.4/Sub.2/2003/9, quarto de uma série do Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Direitos Humanos. Segundo o relatório, a relação entre direitos humanos e
investimento é muito difícil de ser generalizada e depende de uma sucessão de fatores
que incluem o tipo de investimento que está sendo realizado, o setor que receberá o
investimento, o país em questão, a motivação dos investidores e as ações
governamentais envolvidas. Investimentos bem aplicados teriam, desta forma, grande
potencial de promover e proteger a realização dos direitos humanos, além de facilitar a
busca de países menos desenvolvidos pelo desenvolvimento.
O relatório dos especialistas J. Oloka-Onyango e Deepika Udagama da
Sub-Comissão para Prevenção da Discriminação e Proteção às Minorias,
E/CN.4/Sub.2/1999/11, consituído em sua 55ª sessão, aborda o tema de direitos
humanos como objetivo principal do comércio, investimentos, políticas e práticas
financeiras internacionais. Ele reconheceu que a globalização tem sido vista como um
desenvolvimento veloz de divergências e implicações contraditórias para a humanidade
no que tange ao respeito aos direitos humanos.
51
Least Developed Countries, em inglês.
A Sub-Comissão para Promoção e Proteção dos Direitos Humanos, de
outra feita, produziu uma série de resoluções que dizem respeito aos direitos humanos,
comércio e investimentos (E/CN.4/Sub.2/RES/2002/11), liberalização do comércio de
serviços, e direitos humanos (E/CN.4/Sub.2/RES/2001/4), liberalização econômica e
seus impactos nos direitos humanos (E/CN.4/Sub.2/RES/1999/30).
Os documentos do Comitê para os Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais E/C.12/2002/11, E/C.12/2000/4, E/C.12/1999/5 e E/C.12/1999/10 mostram
que a globalização econômica tem sua gama de influências positivas e negativas cada
vez mais abrangentes, uma vez que é notável que a globalização age sobre direitos
relativos às necessidades básicas para a sobrevivência e subsistência das pessoas: o
direito à água, à saúde, à alimentação e à educação.
Em sua Resolução 2002/11, a Sub-Comissão para a Promoção e Proteção
dos Direitos Humanos requisitou ao Alto Comissariado a feitura de um documento a
respeito de direitos humanos, comércio e investimento para a 5ª Reunião Ministerial da
OMC em setembro de 2003, resultando num documento explicativo do relacionamento
entre direitos humanos e comércio entitulado 5ª Reunião Ministerial da OMC: Direitos
Humanos e Comércio (5th Ministerial WTO Ministerial Conference: Human Rights and
Trade).
Em agosto de 2003, a Sub-Comissão para a Promoção e Proteção dos
Direitos Humanos através do Grupo de Trabaho sobre Métodos de Trabalho e
Atividades de Corporações Transnacionais aprovou as Normas das Nações Unidas
sobre as Responsabilidades de Corporações Internacionais e Outras Empresas
Comerciais em Relação aos Direitos Humanos [E/CN.4/Sub.2/2003/12/Rev.2 (2003)],
levando a inquietação de organizações de direitos humanos sobre a expansão do poder
corporacional transnacional e sua atuação no cenário internacional dos direitos
humanos.
4.3. Comissão de Direitos Humanos
Inúmeros documentos formalizados pela Comissão de Direitos Humanos
apontam na direção do tema globalização econômica. Questões como as implicações da
imigração, da dívida externa, do comércio, do desenvolvimento, dos PAES, entre
outros, se encontram cada vez mais evidentes nas agendas das suas sessões.
A Comissão de Direitos Humanos, em 1999, aprovou a Resolução
1999/59, que reconheceu a globalização não meramente como um processo econômico,
mas também social, político, ambiental, cultural e jurídico que afeta os direitos humanos
e pode se caracterizar de forma diferente em cada país.
As Resoluções E/CN.4/RES/2002/28 e E/CN.4/RES/2003/23 apresentam
a mesma tônica: a globalização que afeta a promoção e proteção de todos os direitos
humanos é responsabilidade primordial do Estado. Estas resoluções também asseveram
que se faz necessário criar ambientes nos nos âmbitos nacional e internacional voltados
ao desenvolvimento e à eliminação da pobreza através de governabilidade,
transparência financeira, sistemas monetários e comerciais mais justos e
comprometimento com um sistema comercial e financeiro multilateral, aberto, justo,
baseado em regras, previsível e não discriminatório.
¾ 60ª Sessão
A Sexagésima Sessão da Comissão de Direitos Humanos, realizada nos
meses de março e abril de 2004, deferiu importância à discussão do tema globalização52
como evidencia o relatório do Alto Comissariado E/CN.4/2004/40, Estudo Analítico do
Princípio Fundamental da Não-Discriminação no Contexto da Globalização. Este
notabiliza que o princípio da não-discriminação é um dos alicerces da globalização e
que se por um lado a globalização criou oportunidades para o crescimento de trocas
comerciais e culturais, por outro tende a evidenciar as gritantes diferenças entre os
países.
A Resolução E/CN.4/2004/L.35 tratou do tema Globalização e o Impacto
no Pleno Gozo dos Direitos Humanos, tema dicutido reiteradamente nas sessões da
Comissão desde o ano de 2000, sua 56ª sessão, a pedido da Assembléia Geral e do
ECOSOC. Neste documento enumera uma série de princípios a serem seguidos e pontos
a serem considerados no combate às suas adversidades.
No tocante aos efeitos das PAEs, a Comissão lembra em sua resolução
E/CN.4/2004/47 que todos estão ligados a uma ordem social e internacional na qual os
direitos e liberdades elencados pela Declaração Universal possam ser plenamente
realizados; enfatizando que a Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena
clamou por esforços para aliviar o peso de dívidas externas, visando garantir esforços
para alcançar a plena realização dos direitos econômicos, sociais e culturais de Países
Altamente Pobres e Endividados.
4.4. Declarações e Outros Documentos
A Conferência Mundial dos Direitos Humanos, chamada mais
comumente de Conferência de Viena de 1993, determinou em seu art. 98 da sua
Declaração a importância de fortalecer o gozo dos direitos econômicos, sociais e
culturais, de gerar novos meios para sua inserção no cenário internacional, tais como um
sistema de indicadores feitos para medir o progresso da realização dos direitos
elencados no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Far-seía necessário um esforço concentrado para garantir o reconhecimento dos direitos
econômicos, sociais e culturais nos âmbitos nacionais, regionais e internacional.
A Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social realizada em
Copenhagen em 1995, pautada na Resolução A/Res/53/28, foi um marco na proteção
dos direitos econômicos sociais e culturais, traçando metas para a construção de uma
nova ordem social internacional com vistas à redução da pobreza, geração de empregos
produtivos e fortalecimento da integração social mundial à luz da globalização.
A Declaração do Comitê para os Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais das Nações Unidas à Terceira Conferência Ministerial da Organização
Mundial do Comércio (E/C.12/1999/9) feita em 1999 em Seattle (EUA) tratou de
questões substanciais acerca da implementação do Pacto dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais no âmbito no âmbito daquelas negociações.
52
Por exemplo, os itens 7 e 10 da sua agenda (E/CN.4/2004/1).
Aduziu oito pontos principais que, dentre ele, se destacam o/a:
reconhecimento de vantagens de um sistema internacional de comércio como previsto
no preâmbulo do Acordo de Estabelecimento da Organização Mundial do Comércio de
1994; chamamento da OMC para efetuar ampla revisão do comércio internacional,
políticas de investimento e regras, com vista a assegurar que estas sejam consistentes
com os tratados, legislações e políticas designadas a proteger e promover os direitos
humanos; garantia de que os princípios e obrigações do Direito Internacional dos
Direitos Humanos sejam completamente integrados às futuras negociações da OMC;
urgente necessidade de realização de um amplo estudo para determinar o impacto que a
liberalização comercial possa causar no efetivo gozo dos direitos humanos. O comitê
ainda se comprometeu a dar seqüência ao monitoramento do impacto das políticas de
economia internacional na realização progressiva das obrigações dos Estados membros
do pacto.
De 18 a 22 de março de 2002, uma reunião com representantes do Banco
Mundial, do FMI, da OMC, da sociedade civil e do setor privado, no México, elaborou
o Consenso de Monterrey. O documento adotado por mais de 50 países incluiu, em sua
declaração final, políticas com orientação de mercado para a criação de condições dadas
como essenciais para gerar sociedades justas. Ele é considerado o segundo ato de uma
peça de três componentes que serviram para analisar os compromissos assumidos na
Eco-92: a Conferência da OMC realizada em Doha, o Consenso de Moneterrey e a
Cúpula para o Desenvolvimento Sustentável, em Johannesburgo.
Por iniciativa do Secretário-Geral das Nações Unidas, o Global Compact
foi proposto em 1999, durante o Fórum Econômico Mundial, para desafiar os líderes
comerciais mundiais a promover e aplicar, em sua área de atuação, princípios
relacionados com direitos humanos, respeito ao meio ambiente e complemento de
normas trabalhistas, oriundos de documentos internacionais (DUDH, Declaração da
Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios Fundamentais e Direitos do
Trabalho e a Declaração do Rio de 1992 na Conferência sobre Meio-ambiente e
Desenvolvimento).
Cinco agências das Nações Unidas se encontram engajadas nesta
iniciativa: o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos
Humanos, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a OIT, o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização para o
Desenvolvimento Industrial das Nações Unidas. Sua primeira reunião, em 26 de julho
de 2000, estabeleceu nove princípios norteadores dessa aliança e num segundo
encontro, na Cúpula Mundial do Global Compact em junho de 2004, um décimo
princípio, concernente à corrupção foi adicionado.
O Escritório do Alto Comissariado produziu, ainda, dois documentos
procurando conscientizar a comunidade comercial dos preceitos da DUDH em como
ajudar a implementá-la. Em conjunto com a ONG Business for Social Responsibility,
preparou uma publicação conjunta intitulada “Business and Human Rights: A Progress
Report” para o Fórum Econômico Mundial em Davos (2000). O outro documento, o
relatório “Business and Human Rights: An Update” teve o intuito de esclarecer
questões de direitos humanos à realização do Global Compact em 26 de julho de 2000,
anotando que durante o primeiro semestre, a comunidade comercial estava se
adiantando em construir um sistema de proteção aos direitos humanos.
Em relatório da Comissão Mundial sobre as Dimensões Sociais da
Globalização (“A Fair Globalization: The Role of the ILO”) publicado em fevereiro de
2004 após a 92ª Conferência Internacional do Trabalho, a Organização Internacional do
Trabalho (OIT) admitiu a necessidade de assegurar às pessoas de todo o mundo, e
especialmente aos pobres, a possibilidade de se beneficiar da globalização e de ter suas
necessidades levadas em consideração nas decisões internacionais a serem tomadas.
Outras iniciativas internacionais como o Fórum Social de Porto Alegre e, mais
recentemente, o Fórum Social 2004 na Índia e o Fórum de Barcelona (iniciativa que
conta como apoio da Organização Educativa, Social e Cultural das Nações Unidas UNESCO)
Além destes documentos, outros poderão ser encontrados na página
www.ohchr.org/english/issues/globalization/index.htm e no sistema das Nações Unidas.
5. Posicionamento dos Blocos
Apesar de não haver uma definição acertada de quais países se mostram
a favor ou contra a globalização econômica, eles tendem a se posicionar a favor ou
contra algumas de suas implicações. O tema, globalização econômica, abrange uma
gama de assuntos e temas diversos que vão desde políticas adotadas por governos frente
à tendência extintiva das fronteiras nacionais, sua políticas de proteção e promoção de
direitos humanos, seu relacionamento com as IFIs, entre outros. Recomenda-se que cada
tópico abordado no guia seja pesquisado pelo delegado em fontes como livros e,
principalmente, a Internet e os sites dos ministérios das relações exteriores dos
respectivos países.
Não obstante a divisão clássica internacionalmente aceita de países que
“desenvolvidos” e “em desenvolvimento”, a Comissão de Direitos Humanos, enquanto
um órgão intergovernamental voltado à promoção e proteção dos direitos humanos,
apresenta em suas discussões variadas, experiências adversas trazidas por seus
membros. Quer pela participação em grupos como G7, G8, G77 e G20, quer pela
integração regional ou produção legislativa nacional, alguns países têm apresentado
características semelhantes, quanto à sua estrutura frente às características da
globalização econômica.
Um primeiro grupo, composto por alguns dos chamados países exsocialistas como a Federação Russa, China e, ainda, por países como Coréia do Sul,
Índia, Brasil e México pôde construir um sistema produtivo nacional relacionado com a
expansão do mercado internacional, mesmo que tardiamente. Muitos apresentam em seu
território grande presença de TNC´s. Já que não estão imunes a desiguldades sociais,
advogam pela interconexão mundial sem prejuízo ao direito ao desenvolvimento. A
China foi a última deste grupo a fazer parte da OMC, antes apenas observadora.
Outros países apresentaram leve desenvolvimento industrial sem, no
entanto, terem conseguido construir um sistema de produção local integrado. Nota-se a
existência de “unidades de indústrias” – transnacionais, privadas ou estatais – que
competitivas no mercado global, não refletem seu desenvolvimento para a sociedade
nacional como um todo. São geralmente países da América Latina, África do Sul e
Sudeste da Ásia. Os países da América Central que concluíram em 17 de dezembro de
2003 o Acordo de Livre Comércio da América Central (ALCAC) com o intuito a
promoção de um modelo de comércio privilegiador de avanços econômicos de acordo
com o desenvolvimento eqüitativo e sustentável, advogam pela proteção dos direitos
humanos no âmbito do comércio internacional.
Um terceiro grupo de países pouco tem desenvolvido sua indústria
nacional, permanecendo preso a padrões de exportação de matérias-primas, minerais,
petróleo e comodities. Nesta concepção se encontram os países da África Sub-Saahriana
e os países do Golfo Pérsico exportadores de petróleo, ricos ou não. Seus formatos
sociais e humanos recebem duras críticas, além de apresentarem indíces mais
alarmantes de pobreza e fome. Afirmam ser os “perdedores” da globalização econômica
e que as TNCs em seu território não alavancaram seu desenvolvimento, mas o
retardaram.
Já a União Européia e países como Japão e Estados Unidos, pioneiros no
desenvolvimento do seu parque industrial, hoje expandem suas corporações por todo
mundo. São geralmente os países que apresentam o maior nível de positivação dos
direitos humanos, apesar de algumas das TNC´s provenientes de seus territórios serem
criticadas por não produzirem normas internas relativas a direitos humanos e suas
práticas internacionais serem questionadas por ONGs.
Vale salientar, em adição, que a recém aprovada Constituição Européia,
primeiro documento constitucional elaborado por um bloco regional, tem, entre suas
determinações, a criação de uma carta de direitos humanos. Além disso, a Comunidade
Européia foi a primeira manifestação regional a tratar das questões componentes da
globalização.
Os Estados Unidos acreditam que o comércio multilateral leva à
tolerância e que a intensificação no compartilhamento da informação pôs em evidência,
no escopo internacional, os direitos humanos. Não acreditam que a pobreza aumenta
com a globalização econômica, mas que através desta última, se geram novas
oportunidades para os países em desenvolvimento.
6. Soluções Propostas
“A globalização pode parecer ser tão imutável quanto às forças da
natureza. Mas isto não quer dizer que não possa ser moldada. Globalização
é um produto de escolhas e decisões feitas por homens e mulheres. Como o
economista Karl Polanyi celebremente escreveu, o ‘laissez-faire foi
planejado’. Se hoje existem ganhadores e perdedores, não precisa ser
necessariamente o caso do amanhã. Nosso desafio é fazer a globalização
trabalhar para todos os povos do mundo.... Nós estamos todos convencidos
de que somente um novo conceito de solidariedade tornará possível evitar –
ou, ao mesnos atenuar – as exclusões inevitáveis e inerentes da sociedade
global. Mas solidariedade não pode ser atingida por decreto. Solidariedade
é, em primeira intância, uma plena convicção de que pertencemos ao mesmo
mundo. Solidariedade é também o desejo de construiro futuro sob uma
aliança social.
Kofi Annan em discurso sobre os ganhadores e perdedores da globalização.
O sistema das Nações Unidas, baseado em sua carta fundamental, vê-se
motivado por princípios de direito internacional para o alcance de seus objetivos.
Dentro da temária abordada, espera-se que princípios como o da cooperação
internacional sejam levados em conta para propor soluções às controvérsias entre
globalização econômica e direitos humanos. Nada mais natural no universo de decisões
em fóruns intergovernamentais. As soluções para as controvérsias que giram em torno
da globalização econômica podem ser inúmeras e o poder de cada delegado em trazer as
diferentes experiências culturais ao debate se mostra de suma importância para atingir
uma interseção universal.
O sistema de proteção e promoção de direitos das Nações Unidas, através
de relatórios provenientes de seus mecanismos especiais, recorda que “a globalização é
basicamente um produto de decisões adotadas por seres humanos e que, por
conseguinte, poderia ser modificada, seja por consenso ou mediante um enfrentamento;
não está nem fora de controle nem é irreversível”53.
Dessa forma, a Comissão de Direitos Humanos, dentro da sua área de
deliberação e recomendações, deve estimular os órgãos das Nações Unidas, outros
organismos ou organizações internacionais ou não-governamentais, a sociedade civil, a
iniciativa privada e os Estados-Nações a se empenharem efetivamente no estímulo aos
benefícios da globalização e repúdio a sua face não-eqüitativa.
Considerando sempre que os direitos humanos, independentemente de
serem civis, políticos, econômicos, sociais ou culturais, existem como um conjunto de
garantias à convivência pacífica dos povos, a Comissão deverá identificar os campos em
que a globalização econômica atua juntamente aos direitos humanos e mostrar que os
princípios do Direito Internacional dos Direitos Humanos são aceitos e respeitados. A
diplomacia preventiva pode engajar a Comissão a garantir aos povos que os direitos
humanos não serão marginalizados.
A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas deve decidir que
tipo de globalização quer para promover um processo inclusivo de longo prazo,
pensando internacionalmente e, não, localmente.
Para garantir os direitos humanos e liberdades fundamentais,
determinados nos mecanismos convencionais das Nações Unidas e idealizados pela
sociedade internacional no pós-guerra, evitando uma lobotomia virtual da sociedade
globalizada, procura-se um ponto de referência comum para delimitar e acessar políticas
que visem galgar o desenvolvimento e progresso econômico junto a direitos universais,
indivisíveis, independentes, mas, sempre, em trânsito.
7. Questões que a Resolução deve Responder
¾ Qual o papel da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas na promoção e
proteção dos direitos humanos em face da globalização econômica, tendo em mente
assegurar o gozo dos direitos humanos?
53
Relatório do Presidente dos Relatores, José Bengoa, nº E/CN.4/Sub.2/2002/18 de 9 de agosto de 2002,
de acordo com a resolução nº 2001/24 da Sub-Comissão para a Promoção e Proteção de Direitos
Humanos.
¾ Que outras instituições e mecanismos das Nações Unidas podem trabalhar em
conjunto com a Comissão de Direitos Humanos no referido tema? Que
recomendações pode a Comissão fazer para eles? Pode haver algum
monitoramento?
¾ Qual o papel do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e
do seu escritório, na condição de órgão de promoção e proteção de direitos
humanos? Como se pode buscar a efetividade dos programas de direitos humanos
das Nações Unidas?
¾ Como os Estados podem atuar na preservação dos direitos humanos frente à
globalização econômica? E, em contrapartida, as coorporações transnacionais?
¾ Como Organizações Não-Governamentais e a sociedade civil podem ajudar no
trabalho das Nações Unidas?
¾ Como criar um diálogo entre especialistas de direitos humanos e de economia que
incentive a inserção dos princípios do direito internacional dos direitos humanos nas
novas regras da comércio internacional?
¾ Quais são os fins que a globalização econômica pode atingir para implementar o
respeito a todos os direitos humanos?
¾ Quais são os impactos das características da globalização econômica no exercício
dos direitos humanos, ou seja, no que concerne:
•
•
•
•
•
Liberalização do comércio;
Mudança nos padrões de fluxos financeiros;
Crescimento no tamanho e poder de corporações;
Avanço em tecnologia da comunicação e da informação;
Mudança nos fluxos migratórios.
¾ Que recomendações podem ser feitas às Instituições Financeiras Internacionais em
relação ao tema? E em relação aos Programas de Ajuste Estrutural?
8. Referências
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VIZENTINI, P. F. A nova ordem global: relações internacionais no século XX. 2. ed.
ver. e ampl. Porto Alegre: ed. universidade/UFRGS, 1999. 4ª parte.
E AGORA???
¾ Documentos de Posicão
Tendo sido realizada a leitura do guia de estudos, pesquisa sobre os
temas, documentos e posicionamento do país escolhido, mostra-se de fundamental
importância para o debate a elaboração de documentos de posição de cada país. Estes
documentos devem conter as posições básicas do seu país em ambos os tópicos e serão
avaliados pela mesa diretora. Também serão expostos durante toda a reunião, ficando
disponíveis para eventuais consultas por parte de qualquer delegado.
Contendo no máximo uma página, deverá ser entregue impreterivelmente
no ato de cadastramento na cerimônia de abertura do evento, em uma folha de papel
com a devida identificação de sua representação diplomática. Deverá conter:
•
•
•
•
•
Apresentação da posição do país do delegado, bem como de suas
expectativas para a resolução do problema;
Ações e esforços nacionais ou em conjunto com outros países, blocos ou
organizações internacionais, presentes ou passados, através de, por exemplo,
tratados, acordos, investimentos, planos de ação, etc;
Política nacional e propostas para resolução de controvérsias e obstáculos à
realização dos diretios humanos no tema em questão;
Intenções na participação e cooperação com este e outros organismos
internacionais frente ao tema;
Outras informações que o delegado considerar relevantes para os debates.
¾ Sites Úteis
http://brettonwoodsproject.org – The Bretton Woods Project
http://csis.org – Centre for Strategic and International Studies
http://www.achpr.org/ - Comissão Africana sobre o Direitos Humanos e das Pessoas
http://www.ahrchk.net/ - Comissão Asiática para os Direitos Humanos
http://www.amnesty.org/ - Anistia Internacional
http://www.business-humanrights.org/Home - Business and Human Rights Resource
Centre
http://www.caritas.org/ - Caritas Internacional
http://www.cceia.org/humanrights.php Carnegie Council on Ethics and International
Affairs – Human Rights
http://www.ceip.org –Carnegie Endowment For International Peace
http://www.cfr.org – Council on Foreign Relations
http://www.cidh.oas.org/ - Comissão Inter-Americana dos Direitos Humanos
http://www.coe.int/T/E/Human_rights - Diretoria Geral para os Direitos Humanos do
Conselho da Europa
http://www.commissiononglobalization.org/ - Commission on Globalization
http://www.corteidh.or.cr/ - Corte Interamericana de Direitos Humanos
http://www.developmentgateway.org - Development Gateway
http://www.direitoshumanos.usp.br/ – Biblioteca Virtual de Direitos Humanos –
Universidade de São Paulo
http://www.echr.coe.int/ - Corte Européia de Direitos Humanos
http://www.eginitiative.org/ - Ethical Globalization Initiative
http://www.unglobalcompact.org/ - Global Compact
http://www.globalenvision.org/ - Global Envision
http://www.globalisationguide.org/ - Globalisation Guide
http://www.globalissues.org/ - Global Issues that Affect Everyone
http://www.globalpolicy.org – Global Policy Fórum
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http://www.hrw.org/ - Human Rights Watch
http://www.hrweb.org/ - Human Rights Web
http://www.hrweb.org/legal/undocs.html - A Summary of United Nations Agreements
on Human Rights
http://www.humanrightsfirst.org – antigo Lawyers for Human Rights
http://www.iccwbo.org/ - International Chamber of Commerce – The World Business
Organtization
http://www.ifg.org/ - International Forum on Globalization
http://www.iidh.ed.cr/ - Instituto Inter-Americano de Direitos Humanos
http://www.ilhr.org/ - Liga Internacional de Direitos Humanos
http://www.ilo.org/public/english/wcsdg/ - Comissão Mundial sobre as Dimensões
Sociais da Globalização
http://www.imf.org/ - FMI
http://www.mofa.com/ - Ministries of Foreign Affairs
http://www.ohchr.org - Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos
http://www.ohchr.org/english/bodies/chr/ - Comissão de Direitos Humanos das Nações
Unidas
http://www.oic-oci.org/ - Organização da Conferência Islâmica
http://www.osce.org - Organização para a Segurança e Cooperação na Europa
http://www.rsf.org/ - Repórteres sem Fronteiras
http://www.transparency.org – Transparency International
http://www.unesco.org - Homepage da Unesco
http://www.un.org/ - Organização das Nações Unidas
http://www.un.org/partners/business/index.asp - The UN and Business
http://www.unchr.info/ - WMD (Web Monitoring and Documentation) – inclui todos os
documentos apresentados pelo sistema de direitos humanos das Nações Unidas
http://www.unglobalcompact.org/- Global Compact
http://www.worldbank.org/ - World Bank Group
http://www.worldbank.org/knowledge/chiefecon/stiglitz.htm - Site do Banco Mundial
para palestras e discursos de Joseph Stiglitz, seu ex-vice-presidente que atualmente
questiona as políticas do órgão uma vez por ele encabeçado.
http://www.wto.org/ - OMC
http://www.wworld.org/ - ONG Women´s World
http://www1.umn.edu/humanrts/index.html/ - Human Rights Library – Universidade de
Minesota (EUA)
http://www.odebatedouro.com.br - O Debatedouro
http://www.thinkingpeace.com - Thinking Peace
http://www.fas.org - Federation of American Scientists
http://untreaty.un.org/ - United Nations Treaty Collection
http://www.asiafoundation.org - The Asian Foundation
http://www.globalpolicy.org/ - Global Policy Forum
¾ Links Interessantes
•
Tópico A
http://www.combat-online.com - Combat-Online
http://corpwatch.radicaldesigns.org/article.php?list=type&type=176 - War Profiteers
http://www.sofmag.com - Soldiers of Fortune Magazine
http://www.cpa-iraq.org/ - Coalition Provisional Authority in Iraq
http://www.aegisdef-webservices.com/ - Aegis Defence Services
http://www.blackwaterusa.com/ - Blackwater USA
http://www.caci.com/ - CACI
http://www.custerbattles.com - Cluster Battles
http://www.csc.com/ - CSC
http://www.dyncorp.com - Dyncorp -(Em março de 2003 foi adquirida pela CSC)
http://www.erinysinternational.com/ - Erinys International
http://www.northbridgeservices.com/ - Northbridge Services Group
http://www.globalrsl.com/ - Global Risk Strategies
http://www.hartgrouplimited.com - Hart Group Limited
http://www.mtctrains.com/ Management & Training Corporation
http://www.vinnell.com/ Vinnell Corporation
http://www.vbr-turkey.com/ Vinnell Brown & Root http://www.gurkha.com.hk/main.html Gurkha International Group
•
Tópico B
http://www.globalization101.org/ask/ - “Ask the Experts” com entrevistas interessantes
http://tv.oneworld.net/tapestry?link=1623 – Filme sobre “fair trade”
http://www.wcl.american.edu/humright/center/film.cfm - Mais filmes
http://tv.oneworld.net/tapestry?story=217&window=viewer – Informações sobre a Taxa
Tobin
http://tv.oneworld.net/tapestry?link=4247&window=viewer – Pronunciamento do
ganhador do Nobel de Economia e ex-Presidente do Banco Mundial, Prof. Joseph
Stiglitz
http://tv.oneworld.net/tapestry?link=3829&window=viewer – “Fair Trade Rap”
http://www.wto.org/english/res_e/webcas_e/webcas_e.htm#wtosystem – Vídeos sobre o
sistema da OMC
http://yaleglobal.yale.edu/video.jsp - Uma série de vídeos sobre globalização
http://www.globalisationguide.org/sb06.html - Free online book extracts (Globalization
Guide)
http://www.globalisationguide.org/sb02.html - Websites sobre globalização
http://www.globalization101.org/useful/ - Links para os sites de governos sobre
globalização
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante todo esse guia, procuramos sintetizar ao máximo uma base de estudo,
para que vocês, delegados, contassem com uma boa plataforma para a sua pesquisa.
Existe muito mais a ser dito, exemplos, conflitos, polêmicas, mas não seria fisicamente
possível abordar todos os aspectos de temáticas tão complexas em um documento tão
limitado em seu tamanho. Portanto, recomendamos: mãos à obra! Pesquisem muito,
pois há muito a ser encontrado. Fontes como jornais, revistas, Internet, especialmente,
serão extremamente valiosas em seu trabalho.
Além da pesquisa acadêmica, não poderíamos deixar de sugerir alguns filmes.
Para o primeiro tópico, sugerimos “Falcão Negro em Perigo”, “Prova de Vida” e até “O
Último Samurai”. O primeiro aborda a situação supracitada em Mogadíscio, o segundo
uma PMC em ação e o terceiro, o mercenarismo ainda em tempos de samurai no Japão.
E abordando ambos os temas, recomendamos os dois polêmicos filmes de Micheal
Moore, “Tiros em Columbine” e “Fahrenheit 9-11”.
Ademais, esperamos que tenham gostado do guia e gostaríamos de agradecer a
todos vocês pela participação, renovando nossos votos de que este comitê nos enseje a,
cada vez mais, tomar a responsabilidade que nos cabe de cuidar do nosso mundo.
Até lá, e bons estudos!

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