Mesa temática 10. Los márgenes y el centro. Literaturas

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Mesa temática 10. Los márgenes y el centro. Literaturas
Mesa temática 10. Los márgenes y el centro. Literaturas poscoloniales
Título: “Zonas assustadoramente inesperadas”: O Silêncio e o Grito na criação
literária de Clarice Lispector e Nélida Piñon
Dra. Carla Cristina García1 - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
[email protected]
O objetivo central deste trabalho é analisar a partir das contribuições teóricometodológicas dos Estudos da Subalternidade, como algumas autoras Latino
Americanas têm trabalhado em suas obras, a voz feminina na narrativa contemporânea.
Neste sentido, não constitui um paradoxo buscar a significação que o silêncio também
adquire como manifestação de um modo de vida e como a aquisição de uma postura
ante a mesma. Spivak2 refletindo sobre a consciência da mulher subalterna diz que uma
vez posta à margem da sociedade no contexto da produção colonial em que o homem é
o dominante, a mulher subalterna não tem história e não pode falar sendo colocada às
sombras. Tal reflexão não pode ser reduzida a uma mera questão idealista, uma vez que
ignorar o debate acerca da mulher subalterna seria um gesto apolítico que, ao longo da
história, tem perpetuado o radicalismo masculino. Dessa maneira, na busca por aprender
a falar (ao invés de ouvir ou falar por) historicamente, o assunto emudecido da mulher
subalterna é sistematicamente esquecido pelo intelectual pós-colonial. Ao negar a
palavra às mulheres, negou-se também a liberdade, o acesso e o controle sobre seus
corpos bem como suas potencialidades criativas, como o acesso ao poder e ao
conhecimento: “A era do silêncio impunha-lhes regras. Reduzia a cinzas partes ativas
da mente. Pois à ausência da voz o pensamento não se formulava, incapazes de
manobrar o rumo da abstração.”
3
Nas autoras analisadas podemos encontrar formas
criativas de resistência contra o poder discursivo do patriarcado, pois tomar a palavra,
não significa que as mulheres devam falar sob as mesmas premissas que a racionalidade
falogocêntrica impõe socialmente: “Juro que este livro está construído sem palavras. É
1
Nota de autorização
Eu, Carla Cristina Garciaa utorizo a publicação do artigo “Zonas assustadoramente inesperadas”: O
Silêncio e o Grito na criação literária de Clarice Lispector e Nélida Piñon” em qualquer formato que
o Comitê Acadêmico do II Congreso de Estudios Poscoloniales/III Jornadas de Feminismo Poscolonial
defina.
2
Spivak, Gayatri Chakravorty (1990), The Post-Colonial Critic, Interviews, Strategies, Dialogues, New
York: Routledge,1990
3
Piñon, Nélida, Sala de armas. Rio de Janeiro: Franscico Alves, 1973: 78
uma fotografia muda. Este livro é um silencio.”4. O dizível fica indissoluvelmente
ligado ao indizível, ao não verbalizável. Por meio do silêncio, do não falado, brota uma
linguagem obscura, múltipla e plural. Silêncio que não pode ser quebrado com palavras,
mas com um grito: “Porque há o direito ao grito. Então eu grito. Grito puro e sem
pedir esmola.” 5. Uma linguagem que não define, caracteriza ou esclarece o que afirma,
mas que sugere, insinua ou evoca possibilidades infinitas.
Para Trinh T. Minh-Há, o silêncio das mulheres, por exemplo, pode ser uma forma de
resistência:
Dentro do contexto do discurso das mulheres, o silêncio possui muitas
faces. Como o véu das mulheres já mencionado, o silêncio só pode ser
subversivo quando ele se liberta do contexto masculinamente definido
da ausência, da falta e do medo enquanto territórios femininos. Por um
lado, enfrentamos o perigo de inscrever a feminilidade como ausência,
como falta e como um espaço em branco ao rejeitar a importância do
ato de enunciação. Por outro lado, entendemos a necessidade de colocar
as mulheres no lado de negatividade e de trabalhar com voz baixa, por
exemplo, em nossas tentativas de minar os sistemas patriarcais de
valores. O silêncio é muito comumente definido em oposição ao
discurso. O silêncio como uma vontade de não dizer ou uma vontade de
desdizer e como uma linguagem em si mesma tem sido pouco
explorado.6
Historicamente, na sociedade ocidental, a feminilidade esteve associada ao lado escuro
da vida, a terra, e a incapacidade ou ausência do pensamento abstrato. A feminilidade é
esta realidade interna que ameaça com explodir e se esparramar fazendo com que o
homem possa perder a capacidade do controle racional.
O feminino, o outro, o polo negativo deste mundo profundamente maniqueísta, pertence
aquele que é o reprimido social e psiquicamente. O não nomeado, o desconhecido,
aquele que a linguagem oficial não quer pronunciar. De acordo com Kristeva7, esta
separação entre masculinidade e feminilidade está entrelaçada com a tensão entre o
4
Lispector, Clarice . A hora da Estrela. Rio de Janeiro, Nova Fronteira,1977: 47
Ibid., p.56
6
Trinh, T. Minh-Ha. "Não (como) você: mulheres pós-coloniais e o entrelaçamento de questões de
identidade e diferença" in YAGO, D. (org) Feminismos da Diferença. Tradução de Daniel Françoli Yago.
São Paulo: Limiar, 2014 (no prelo).
7
Kristeva, Julia , Revolution in Poetic Language, New York, Columbia University Press.,1974.
5
semiótico e o simbólico. O Semiótico como oposto ao simbólico está por sua vez
associado ao inconsciente que se erige a partir de relações duais, especulares e
imaginárias ligadas a relação da criança com a mãe e com o mundo. Relações nas quais
as experiências se constroem mediante sensações não tanto visuais e auditivas, mas
também táteis, gustativas e olfativas, experiências rítmicas e sensuais que surgem do
contato corporal direto. É o mundo do desejo, do inconsciente no qual os limites
materiais, as diferenças, as separações absolutas não existem. O tempo cronológico, o
espaço físico, a matéria sólida e as relações causais se borram para deixar fluir o desejo,
o principio do prazer, para usar o conceito de Freud.
As pulsões de vida e morte, como expressões interdependentes e inseparáveis não são
excludentes entre si como pretende o ocidente. Os desejos tendem a introduzir, devorar,
tragar e fundir-se com o outro para ser um, uma unidade sem limites nem fronteiras que
os separem, mas, ao mesmo tempo tendem a separar, cortar ou expulsar o outro. Os
desejos lutam entre a continuidade com o outro e descontinuidade, entre reter e
expulsar, entre amor e ódio. Momentos que não se excluem, mas que se complementam
em sincronia ilimitada, as diferenças, os contrários aparecem e se dissolvem ao mesmo
tempo. Não há absolutos, mas sim possibilidades. O diferente, a alteridade são
momentos de um transcorrer permanente, de um fluir intemporal e imprevisível. Um
fluir onde os limites entre o próprio, o estranho, o mesmo e o diferente não são estado
permanentes e fixos, mas experiências relativas em constante movimento.
Para
enfrentar-se com essa feminilidade inominável e indesejável para a ordem patriarcal
masculinizada, se impõe uma racionalidade falo e logocêntrica que se alça prepotente
sobre tudo o que a enfrente, que a oponha ou que simplesmente se diferencia dela. Este
mundo paternalmente masculino é o mundo das hierarquias e da desigualdade e da
ordem linguística dominante. Tal ordem é baseada em uma lei autoritária que impõe o
que deve e pode ser falado, dito ou pronunciado mediante uma linguagem racionalizada
e instrumentalizada, que deve esquecer o desejo que a move, a força que lhe dá a vida.
Esta ordem linguística particular que se pretende universal, “desafetivada” e
“deserotizada” se aprende desde cedo no mundo privado e que cobra força no mundo
público. Converte-se naquela realidade externa que se leva nas leituras sagradas das leis
de mercado e do poder político, que não se comovem ante a dor, o sofrimento e a
miséria humana que os rodeia diariamente. Esta realidade falocêntrica e logocêntrica
instaura-se mediante a palavra consensual, a fala comum que se impõe sobre o corpo,
esta conectividade de signos que pretende dizer para além do humano. A pobreza, a
desesperança e a frustração generalizada não são obstáculos para esta lei, para esta
racionalidade de morte que controla o mundo atual. O desejo fálico, genitalizado se
erige monumento à humanidade, pertence e produz a ordem prevalecente. O poder
fálico se funde com a racionalidade sagrada que legitima o poder da riqueza, a força
material e a masculinidade, sobre a pobreza, a vulnerabilidade e a feminilidade.
Esta relação entre linguagem e constituição da subjetividade de gênero conforma o eixo
central sobre o qual se instaura a posição das mulheres como sujeitos marginais nas
sociedades patriarcais. Ao negar a palavra às mulheres, negou-se também a liberdade, o
acesso e o controle sobre seus corpos bem como suas potencialidades criativas, como o
acesso ao poder e ao conhecimento.
Na literatura sobre a mulher na América Latina encontramos esta relação contraditória
entre linguagem e feminilidade como manifestação de sua posição em relação ao poder.
Não obstante, tomar a palavra não significa que as mulheres, ao resistirem frente às
formas de exclusão as quais estão sujeitas, devam falar sob as mesmas premissas que a
racionalidade falogocêntrica impõe socialmente.
Como uma forma de resistência, na qual o semiótico flui e inunda a ordem simbólica,
Clarice Lispector se nega a falar a partir de uma linguagem racionalizada e instrumental.
Em seu romance A Hora da Estrela diz: “Não sou um intelectual, escrevo com o corpo.
E o que escrevo é uma névoa úmida. As palavras são sons transpassados de sombras
que se entrecruzam desiguais, estalactites, encaixes, música de órgão transfigurada”8
A linguagem como música provém das aberturas do corpo, da sensualidade da carne,
surge como incompletude, como experiência vital que não se deixa capturar pela
palavra neutra, desapaixonada e deserotizada da linguagem compartilhada socialmente.
E diz: “Juro que este livro está construído sem palavras. É uma fotografia muda. Este
livro é um silêncio. Este livro é uma pergunta.” 9
O dizível fica indissoluvelmente ligado com o indizível com o não verbalizável. Por
meio do silêncio, do não falado, da dissimulação, do mistério nas próprias palavras,
brota uma linguagem obscura, múltipla, plural. Uma linguagem que não define,
8
9
Clarice Lispector. A hora da Estrela. Rio do Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1977, pg.18.
Ibid.p.18.
caracteriza ou esclarece o que afirma, mas sugere, insinua ou evoca possibilidades
diversas e infinitas. A alteridade na América Latina: etnicidade, pobreza e feminilidade.
A autora pretende relatar a história de uma jovem nordestina brasileira, pobre,
desconhecida, solitária e órfã em meio ao caos urbano do rio de Janeiro. Uma mulher
cujo viver é ralo e incompetente, sem habilidade para ser hábil, sem consciência de si,
mas que não obstante, quer ser ela mesma. Era um sopro de vida: “Tratarei de sacar
ouro do carvão.” 10
Falar da pobreza, da carência e da ausência que a exclusão social de uma mulher pobre
e imigrante traz consigo se converte o discurso de Lispector em urgência: “O que
escrevo é mais do que uma invenção, é minha obrigação falar dessa menina entre
milhares delas. É meu dever, ainda que seja uma arte menor, revelar sua vida. Porque
existe o direito ao grito, então eu grito”11
O direito ao grito, a queixa e a resistência frente a um mundo excludente de forma cruel
e sem piedade, um direito arrebatado a milhares de pessoas, surge como uma
necessidade vital para a escritora:
“Como a nordestina, há milhares de mulheres disseminadas pelas
favelas, sem camas, nem quartos, trabalhando atrás de balcões, até a
exaustão. Nem sequer percebem que são facilmente substituíveis e que
tanto faz se existam ou não. Poucas se queixam e, que eu saiba,
nenhuma reclama porque não sabe para quem. E este alguém existirá?”
A paixão segundo G.H
12
, livro de Clarice Lispector publicado em 1964, ao mesmo
tempo em que reafirma as questões metafísicas dos romances anteriores, traz, pela
primeira vez na obra clariceana, o problema da luta de classes Nele, as questões
filosóficas, os conflitos pessoais, confundem-se com as barreiras e choques entre as
classes.13 Nesta obra, a autora: [...] enfatiza a necessidade de reexaminar o sistema de classes
em cujo ápice a narradora vive. G.H. aprende a encontrar beleza na barata repugnante. Da
10
Ibid.p.18.
Ibid.p.15.
12
Lispector, C. A Paixão segundo G.H. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira,1979,13.ed.
11
13
Oliveira, Solange Ribeiro de. A barata e a crisálida. Rio de Janeiro: José Olympio/Pró-Memória INL,
1985.
mesma forma, levanta a viseira ideológica que a vinha impedindo de ver sua antiga empregada
como outro ser humano, em vez de um simples objeto de exploração.14
Esse choque entre conflitos pessoais e conflitos sociais reaparece, de maneira
contundente em A Hora da Estrela . Neste romance, o autor-narrador Rodrigo S.M. se
vê frente ao outro de classe, uma nordestina que vira nas ruas do Rio de Janeiro. Esta
nordestina, Macabéa, provoca no escritor quase os mesmos questionamentos que a
doméstica Janair e a barata provocam em G.H., narradora do outro romance.
Percorrer a paixão de G.H. é trilhar o mesmo caminho de Rodrigo S.M. Mas há uma
diferença: enquanto G.H. tenta apreender a coisa em si, sem sistemas interpretativos,
Rodrigo S.M. almeja consegui-lo pela linguagem. Além disso, o sofrimento pela
identificação com o outro – a paixão – adquire valores diferentes: para G.H. a aceitação
do outro – culminando com a colocação da matéria branca da barata na boca – leva a
narradora a um radical questionamento existencial, metafísico.
Em A Paixão Segundo G.H., “a questão social, apresentada, sobretudo por meio de
uma rede de imagens densamente entrelaçadas, torna-se, por sua vez, o símbolo de
outro problema: o do confronto do homem com a realidade e com a angústia
existencial.”15 O “ato proibido” de tocar a barata leva G.H. da reflexão sobre o outro de
classe à reflexão metafísica da busca da realidade última, pois “para G.H., a tentativa
de atingir a realidade última, sem a interferência de qualquer sistema criado para
moldá-la na medida da compreensão humana, é o alvo máximo.”16 A partir de sua
identificação com a barata, G.H. praticamente deixa de lado o questionamento do social.
A Hora da Estrela parece questionar essa ordem na relação dos problemas: Rodrigo
S.M. esforça-se por tentar tornar maior o questionamento social; o sofrimento aqui se
mantém o conflito entre o social e o existencial, que estrutura toda a narrativa. Os dois
romances são narrados em primeira pessoa. G.H. é escultora; Rodrigo S.M. é escritor.
Ambos procuram dar forma às coisas, seja pela escultura, seja pelas palavras.
Representam tipos de seu estrato social. Daí as iniciais bastarem a G.H. e a abreviação
do sobrenome do escritor.
14
Lispector, C. A Paixão segundo G.H. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira,1979, p.94
Ibid.p.56
16
Ibid.p.71
15
O contato com o outro de classe rompe o conforto material e pessoal, levando a uma
angustiada reflexão sobre o “eu” e o “outro”, sobre a “realidade” e a alienação. O autor
narrador de A Hora da Estrela anuncia numa dedicatória o conflito que sustentará sua
narração. Ele dedica o livro:
A todos esses que em mim atingiram zonas assustadoramente inesperadas, todos
esses profetas do presente e que a mim me vaticinaram a mim mesmo a ponto
de eu neste instante explodir em: eu. Esse eu que é vós, pois não aguento ser
apenas mim, preciso dos outros para me manter em pé [...]17
G.H. também precisa dos outros: a narradora tenta – através de uma perspectiva
múltipla, de uma visão caleidoscópica – abarcar, além da perspectiva da primeira
pessoa, todos os pontos de vista sobre a realidade concreta. Dessa forma, há um
movimento de identificação e desidentificação, ora do leitor para com a narradora, ora
da narradora para com Janair ou a barata, ora a tentativa de G.H. ver-se pelos olhos dos
outros. Mas, a visão do/pelo outro a amedontra, pois no seu mundo alienado, G.H.
protegera-se sempre contra todas as formas contundentes da realidade.
Macabéa é uma dessas formas contundentes da realidade, com a qual se depara Rodrigo
S.M.: “numa rua do Rio de Janeiro peguei no ar de relance o sentimento de perdição
no rosto de uma moça nordestina.”18 O enfrentamento de Rodrigo S.M. frente ao outro
de classe – Macabéa – é o mesmo de G.H. ela “tem que aprender, como parte de sua
‘paixão’, a confrontar-se, na pessoa da empregada Janair, e de seu duplo, a barata, com
as classes chamadas inferiores. Seu calvário, rumo ao encontro com a realidade última,
“começa pela batalha com a linguagem”19. O de Rodrigo S.M. também, mas de outro
modo. G.H. quer eliminar a “barreira” da linguagem e apreender diretamente o mundo.
Rodrigo S.M. quer apreender a realidade, o mundo das pessoas “reais”, como a
nordestina, pela linguagem, através da sua literatura.
Durante o percurso, ambos hesitam. Em certo momento G.H. ainda tenta agarrar-se à
sua antiga condição privilegiada, de mulher que “vivia bem, vivia na supercamada das
17
Clarice Lispector. A hora da estrela. Rio de Janeiro/São Paulo: Record: 1984,p.33
Ibid,p.32
19
Oliveira, Solange Ribeiro de. A barata e a crisálida. Rio de Janeiro: José Olympio/Pró-Memória INL,
1985,p.82
18
areias do mundo, e as areias nunca haviam derrocado de debaixo de seus pés”20 (p.77).
Rodrigo S.M. desabafa:
O definível está me cansando um pouco. Prefiro a verdade que há no
prenúncio. Quando eu me livrar dessa história, voltarei ao domínio mais
irresponsável de apenas ter leves prenúncios. Eu não inventei essa
moça. Ela forçou dentro de mim a sua existência.21
Essa hesitação dilacera Rodrigo S.M. do começo ao fim de sua narrativa. Rodrigo S.M.
queria atingir-se a si mesmo. Fazia isso rezando “mudamente e escondido de todos”,
pois “quando rezava conseguia um oco de alma – e esse oco é o tudo que posso eu
jamais ter.” (p.34) Mas não podia prescindir dos outros, dos fatos da realidade, que o
sustentam. A história que o narrador contará “tem fatos. Apaixonei-me subitamente por
fatos sem literatura – fatos são pedras duras e agir está me interessando mais do que
pensar, de fatos não há como fugir.”22 (p.36) Esse embate é dilacerante, custa a Rodrigo
S.M. abandonar-se e falar da realidade. Sardônico, o narrador acusa o leitor, assim como
a nordestina o acusou, redimindo-se de sua culpa:
Se o leitor possui alguma riqueza e vida bem acomodada, sairá de si para ver
como é às vezes o outro. Se é pobre, não estará me lendo porque ler-me é
supérfluo para quem tem uma leve fome permanente. Faço aqui o papel de
vossa válvula de escape e da vida massacrante da média burguesia. Bem sei
que é assustador sair de si mesmo, mas tudo o que é novo assusta. [...]23
O Mundo Seco e Sujo do Outro
O confronto entre classes nos romances está representado também pelo contraste entre o
“úmido” e o “seco”. Em A paixão segundo G.H. esse contraste está subjacente a toda a
textura semântica e metafísica do romance, resumindo a oposição entre mundo aberto,
mas desolado e cru dos pobres e os abrigos frescos e elegantes, embora fechados, onde
os privilegiados se protegem contra o espetáculo do sofrimento dos humildes.24 O
mundo de Janair e de Macabéa é seco. O quarto da doméstica é “um deserto”; Macabéa
20
Lispector, Clarice . A hora da estrela. Rio de Janeiro/São Paulo: Record: 1984,p.77
Ibid.p,51
22
Ibid.p.36
23
Ibid.p.18
24
Oliveira, Solange Ribeiro de. A barata e a crisálida. Rio de Janeiro: José Olympio/Pró-Memória INL,
1985,p.52
21
vem do sertão árido. G.H. e Rodrigo S.M. vivem em ambientes frescos, refrigerados,
que não conhecem a “poeira” do mundo. Assim como G.H., Rodrigo S.M. está
confinado num quarto, num “cubículo”, espaço onde tenta apreender a realidade. Mas
são quartos com valores distintos. G.H. está aprisionada na cela do outro – o quarto
“era nu, como preparado para a entrada de uma só pessoa. E quem entrasse ali se
transformaria num ‘ela’ ou num ‘ele’”.25 Além disso, o quarto da empregada faz
lembrar o sofrimento dos pobres, ofendendo-a como uma censura.
A imagem da sujeira impregna as imagens do pobre. G.H. espera encontrar o quarto da
empregada “imundo, na sua dupla função de dormida e depósito de trapos, malas
velhas, jornais antigos, papéis de embrulho e barbantes inúteis”.26 Sua primeira reação
ao outro de classe dá-se justamente porque se depara com um quarto impecavelmente
arrumado; a empregada, numa “ousadia”, rebela-se contra o estereótipo concebido por
G.H.: “aquela empregada, sem me dizer nada, tinha arrumado o quarto a sua maneira,
e numa ousadia de proprietária o tinha espoliado de sua função de depósito”27 (p.40)
Macabéa, ao contrário de Janair, representa o pobre sujo imaginado pelos da classe de
Rodrigo S.M. e G.H:
“Ela era um pouco encardida, pois raramente se lavava. [...] Uma colega de
quarto não sabia como avisar-lhe que seu cheiro era murrinhento.” (...) A
nordestina se me grudou na pele qual melado pegajoso ou lama negra. [...] Pois
a datilógrafa não quer sair dos meus ombros. Logo eu que constato que a
pobreza é feia e promíscua.” (...) Chegar até Macabéa é “tornar nítido o que está
quase apagado e que mal vejo. Com mãos de dedos duros enlameados apalpar o
invisível na própria lama.”28
O confronto entre G.H. e a empregada e a barata é o encontro com o ‘outro’, o ser que,
chocando-se conosco, nos define.
No romance, a escultora tem de atravessar o caminho entre os dois mundos [o
seu e o do outro de classe]. Isso é parte do processo de sua “paixão”. À medida
que o romance se desenrola, ela gradativamente muda do ódio para a aceitação
da empregada. Num processo paralelo, chega a enfrentar e aceitar todos os seres
25
Lispector, Clarice . A hora da estrela. Rio de Janeiro/São Paulo: Record: 1984,p.67
Lispector, C. A Paixão segundo G.H. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira,1979, p.35
27
Ibid.p. 40
28
Lispector, Clarice . A hora da estrela. Rio de Janeiro/São Paulo: Record: 1984,p.69
26
humanos, até que finalmente tateia à procura do próprio eu e da realidade
última. Nesse ponto a questão social já se tornou uma metáfora para o problema
mais vasto da angústia existencial.
29
A transformação do “eu” no “outro” começa a ser realizada, de certa maneira, quando
G.H. se vê no desenho deixado por Janair na parede do quarto. G.H., ao se deparar com
os desenhos feitos na parede, sente-se julgada pela empregada. E sente que Janair a
odiava, mas “não um ódio que me individualizasse, mas apenas a falta de
misericórdia”(p.44). O ódio da empregada era o ódio da classe oprimida contra os
opressores e que também é recíproco: “Perguntei-se se na verdade Janair teria me
odiado – ou fora eu que, sem nem sequer a ter olhado, a odiara” (p.47).
Além de um certo ódio, G.H. sente medo dos oprimidos: “[...] eu estava com medo. E
precipitou-me então um medo maior [...] seria o modo que ‘eles’ [...] tinham de não me
deixar mais sair?” (...) Medo que cresce e toma conta: “O medo grande me
aprofundava toda.” (p.59) Janair era “a representante de um silêncio” (...), assim
como Macabéa “jamais disse frases (...) por ser parca de palavras.”.
Era esse medo que abafava o grito de G.H. Ao ver a matéria branca saindo da barata
G.H. quer ter “o direito ao grito”, mas tem medo:
“Grite”, ordenei-me quieta. “Grite”, repeti-me inutilmente com
um suspiro de profunda quietude. [...] Mas seu eu gritasse uma só
vez que fosse talvez nunca mais pudesse parar. Se eu gritasse
ninguém poderia fazer mais nada por mim; enquanto, se eu nunca
revelar a minha carência, ninguém se assustará comigo e me
ajudarão sem saber; mas só enquanto eu não assustar ninguém por
ter saído dos regulamentos. Mas se souberem, assustam-se, nós
que guardamos o grito em segredo inviolável. Se eu der o grito de
alarme de estar viva, em mudez e dureza me arrastarão, pois
29
OLIVEIRA, Solange Ribeiro de. A barata e a crisálida. Rio de Janeiro: José Olympio/Pró-Memória
INL, 1985. P.63
arrastam os que saem para fora do mundo possível, o ser
excepcional é arrastado, o ser gritante.”
Rodrigo S.M. vence esse medo e reconhece:“Porque há o direito ao grito.
Então eu grito.” (p.33) E dá esse grito através do grito dos oprimidos que atemoriza
G.H.: “através dessa jovem dou o meu grito de horror à vida. À vida que tanto amo.”
(p.55).
O outro desperta sentimentos ambivalentes, ora atrai ora repele. A barata causa nojo em
G.H.. A visão do outro é repelente, é preciso afastá-la de si, por isso G.H. tenta matar a
barata, esmagando-a na porta do armário. Mas depois a barata é descrita como um
“objeto de luxo”, uma “gema preciosa ferruginosa”, uma “noiva de pretas joias”.(p.81)
A identificação é um processo ambivalente: “Tenho nojo e maravilhamento por mim.
[...] É que eu olhara a barata viva e nela descobrira a identidade de minha vida mais
profunda” (pp.64-5). Mas, enfim, o outro é aceito: “Olhei-a, à barata: eu a odiava tanto
que passava para o seu lado, solidária com ela, pois não suportaria ficar sozinha com
minha agressão” (p.65). G.H., então, perde o medo e toca no outro: “Eu fizera o ato
proibido de tocar no que é imundo” (p.81). Esse ato de libertação de si mesmo é radical:
para que G.H. atinja o “outro”, a “realidade última” é necessária mais que a empatia, é
necessária a total identificação e, então, G.H. se obriga a colocar na boca a matéria
branca que sai das costas da barata esmagada na porta do armário.
Também Rodrigo S.M. enfrenta a ambivalência de sentimentos frente ao outro. Para
tentar chegar até Macabéa o autor-narrador ingenuamente prepara um “ambiente
propício”:
Agora não é confortável: para falar da moça tenho que não fazer a
barba durante dias e adquirir olheiras escuras por dormir pouco,
só cochilar de pura exaustão, sou um trabalhador manual. Além
de vestir-me com roupa velha rasgada. Tudo isso para me pôr no
nível da nordestina.
Mas ele mesmo admite que uma tal encenação não basta, sabe que talvez “tivesse que
me apresentar de modo mais convincente às sociedades que muito reclamam de quem
está neste instante mesmo batendo à máquina”.
Contar a história da nordestina, que tem fatos, é sua expiação: “Estou passando por um
pequeno inferno com esta história. Queiram os deuses que eu nunca descreva o lázaro
porque senão eu me cobriria de lepra.” (p.61) Mas ele deve percorrer essa via crucis
para chegar ao objeto: “a ação desta história
terá como resultado minha
transfiguração em outrem e minha materialização enfim em objeto.” (p.41). Assim
como G.H. se reconhece nos desenhos de Janair, depois na barata, Rodrigo S.M. se
transfigura na outra: “vejo a nordestina se olhando ao espelho e [...] no espelho
aparece o meu rosto cansado e barbudo. Tanto nós nos intertrocamos.” (p.43)
A identificação total é aceita, mas é preciso que o outro de classe morra:
“Ela [Macabéa] estava livre enfim de si e de nós. Não vos
assusteis, morrer é um instante, passa logo, eu sei por que acabo
de morrer com a moça. Desculpai-me esta morte. É que não pude
evitá-la.” A morte de Macabéa é a morte de Rodrigo S.M.
transmutado no outro: “Macabéa me matou.” (p.111)
É necessária a morte do outro – da barata e de Macabéa – para que a identificação seja
possível. Assim como na tragédia, a morte traz o terror e a piedade. Mas não basta a
empatia com o herói trágico para que a falha seja purgada. Para G.H. e Rodrigo S.M. é
preciso a identificação total. Assim, G.H. prova da matéria branca que a barata expele,
Rodrigo S.M. morre com Macabéa. É necessário que ambos passem pela metamorfose
de se transformar no outro, para redimir a sua culpa e a culpa dos outros, esperando a
ressurreição de uma nova pessoa.
A exploração econômica se funde com a dominação social e a sujeição dos desejos que
ficam ocultos nos lugares mais recônditos da subjetividade humana. As diversas formas
de exclusão social se exercem por meio de espaços que coexistem e se contrapõem
gerando uma infinidade de possibilidades de resistências e subversões. A sujeição que
se exerce contra as mulheres, contra os pobres e contra grupos culturais específicos e, ao
mesmo tempo uma trilha de possibilidades de luta frente às relações de poder que
buscam condenar a alteridade ao silêncio, a ausência e a negação de suas experiências
vitais. A ausência da palavra, o enigmático e o inexplicável da realidade das mulheres
pobres, indígenas, camponesas são a presença de sua força, de suas potencialidades e de
seu poder.
Sua especificidade como gênero, classe ou etnia é mistificada a partir de uma
polarização que encerra, em definições unilaterais e indivisíveis que negam sua
pluralidade ou diversidade cultural. ( Spivak, 1990). Falar do feminino implica referir-se
as especificidades de mulheres que pertencem a culturas, etnias, classes sociais e países
diferentes. Não existem mulheres em abstrato, fora da história e de contextos sociais
particulares. A dominação e a negação que se exerce sobre o feminino, não afeta por
igual a todas as mulheres. Depende do lugar que ocupem nas relações de poder, de sua
posição na sociedade e no mundo. Na America Latina, a heterogeneidade é um traço
encarnado em nossas raízes mais profundas, falar da identidade latino-americana como
uma experiência unitária, como uma realidade homogênea, clara e transparente,
implicaria negar a enorme diversidade de geografias, culturas, etnias e manifestações
dos povos do continente. A pluralidade se converte na própria condição de nossa origem
colonial. A mestiçagem constitui a experiência - mesmo que com frequência seja
negada e repudiada – que marca nossas relações, nossos corpos e nossa realidade
compartilhada. A conquista e a colônia determinaram esta multiplicidade de
manifestações socioculturais, políticas e econômicas, mediante formas de opressão e
destruição incalculáveis. Legaram-nos uma realidade profundamente rica e diversa em
que prevalecem a pobreza, o sofrimento e a violência avassaladora. Este descobrimento
faz com que voltemos o olhar para as origens comuns durante a conquista e a colônia,
para aquela mestiçagem persistente e iniludível que atravessa todo o continente.
Nesta história, às mulheres pertencentes aos setores populares lhes tocou viver tanto a
dor pela exploração econômica e a dominação étnica como indígenas negras ou
mestiças, como a opressão por serem mulheres, seres bárbaros, inferiores e irracionais.
A mestiçagem que se produziu a partir da violação e do abuso sexual, com frequência
brutal, sistemático e legitimado pelas relações de poder, produto da conquista e da
colônia. A relação entre os processos de constituição do sujeito sexuado ou sujeito de
gênero, de estrutura de classe e da divisão internacional do trabalho, permite encontrar
nos processos de reprodução simbólica, condições que se entrelaçam de forma
complexa. As relações de poder que se consolidam graças à imposição generalizada nas
relações sociais, do medo, do ódio e da rejeição ao estranho, ao estrangeiro, ou a
alteridade como ameaça a ordem dominante.
Na America Latina, a mestiçagem, a pobreza e a feminilidade constituem condições de
marginalidade que, por suas múltiplas qualidades perigosas devem ser controladas
mediante barreiras que possam bloquear sua capacidade subversiva. A pluralidade
cultural e a multiplicidade étnica, como elementos próprios, são negados, discriminados
e oprimidos em função de uma suposta homogeneidade cultural dominante. No
imaginário social colonial e agora neocolonial se impõe uma identidade uniforme
mediante as relações de poder prevalecentes em todos os níveis da vida social.
O medo e como consequência a hostilidade exercida sobre o diferente a esta
racionalidade do progresso, submetida atualmente a eficiência tecnológica e ao êxito
econômico, são aspectos comuns que legitimam a perseguição e a violência sistemática
que caracteriza a realidade atual dos setores populares, dos grupos étnicos ou das
mulheres. O que, afinal gera tanto terror e tanta raiva para legitimar, na consciência
individual e coletiva, tanta violência, destruição e morte em nas sociedades latinoamericanas e no mundo globalizado?A resistência da vida, contra uma racionalidade de
morte que se impõe de forma cada vez mais irracional. As lutas inseparáveis pela
sobrevivência, pela justiça, pelo direito ao prazer e ao riso, a dignidade, a autoestima e
ao respeito pela diferença são condições vividas como obscuras e sinistras, associadas
ao caos.
Tudo o que se oponha a esta forma de conceber o progresso e o êxito, constitui algo
caótico, realidades obscuras, profundas e irracionais, experiências fluidas que
transbordam como fluxos incontroláveis que devem ser contidos a qualquer custo e por
qualquer meio. Fluxos destrutivos que representam o bestial, o demoníaco, o infernal,
cuja liberação aterroriza. Não obstante, frente a esta visão pervertida do diferente,
podemos afirmar que o que não flui, o que não se move, é aquilo que está morto. A vida
é movimento, é corrente que flui sem rumo ou destino fixo. O corpo humano esta
composto de objetos parciais dotados de fluxos diversos: sangue,lagrimas, menstruação,
esperma, suor, fezes, urina. Fluxos que não limitam sua fluidez e movimentos por ele
mesmo, mas que são contidos ou obstaculizados por forças internas e externas. A pulsão
sexual, sob o princípio do prazer, se expressa como o desejo de uma vida livre de
ausências ou carências, como uma corrente de prazer que percorre nosso corpo. Os seres
humanos vivem enquanto estes fluxos corporais estejam em movimento. Se seus
líquidos secam, os corpos morrem. A sexualidade é esta força interior que tende a busca
do gozo, da satisfação e da liberdade. Mas que por esta mesma potencialidade de
explosão, liberação e fluidez, em condições de repressão excedente, é profundamente
ameaçadora e sistematicamente proibida.
Se, como vimos, a feminilidade foi associada na história da cultura ocidental com a
sexualidade e, portanto, com o perverso e o demoníaco, não parece casual que,
atualmente, sua realidade se encontre entretecida com a realidade da pobreza e da
diversidade cultural. Condições que também foram convertidas, dentro do discurso
dominante que surge desde a época colonial, em metáforas de monstruosidade,
bestialidade e barbárie. Imaginário social sobre o qual, se legitimou a violência sobre
estes setores sociais, incluindo algumas vezes a cumplicidade destes mesmos setores em
sua própria opressão.
Em momentos em que o racismo e a xenofobia se impõem, nossa diversidade pode se
converter em uma antecipação utópica frente à intolerância e o terror que se
experimenta naquilo que é vivido como estranho ou estrangeiro. Do mesmo modo, a
heterogeneidade que caracteriza o feminino em nossas sociedades patriarcais, as
experiências inomináveis, profundas e intemporais, a realidade aquática do gozo do
corpo, da imaginação e da criatividade, do riso satírico, podem constituir-se em
possibilidades subversivas para uma realidade que nos asfixia. Desvelar o silenciado e
reprimido, o novo e incompreensível, rejeitando todos os papeis e separações abismais
nas quais nos encarceram, pode ser uma alternativa, uma utopia esperançosa.
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