Placa Coronária Aterosclerótica Vulnerável: Estado Atual

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Placa Coronária Aterosclerótica Vulnerável: Estado Atual
Rev Bras Cardiol Invas 2006; 14(3): 314-323.
Raudales JC, et al. Placa Coronária Aterosclerótica Vulnerável: Estado Atual. Rev Bras Cardiol Invas 2006; 14(3): 314-323.
Artigo de Revisão
Placa Coronária Aterosclerótica Vulnerável:
Estado Atual
José Casco Raudales1,2, Alexandre C. Zago1,2, Alcides J. Zago1,2, Marcelo Rava Campos3,
Márcia Flores Casco2, Jacqueline Wachleski1
RESUMO
SUMMARY
A progressão da doença arterial coronária (DAC) inclui as
síndromes coronárias estáveis e crônicas (angina estável),
as síndromes coronárias agudas (angina instável ou infarto
agudo do miocárdio) e, até mesmo, a morte súbita de
origem cardiovascular. As características mais óbvias que
diferenciam os pacientes com síndromes coronárias agudas
(SCA) dos pacientes com DAC estável são: 1) estenoses
coronárias complexas; 2) fissuras nas placas coronárias; 3)
trombos recentes; e 4) inflamação da placa. A conversão
de uma lesão estável e assintomática em uma placa rompida
e instável envolve muitos processos. Os autores se propõem
revisar, de maneira crítica, os mecanismos envolvidos na
gênese da placa coronária aterosclerótica vulnerável, bem
como os mecanismos fisiopatológicos da sua ruptura. Além
disso, será discutido o conceito de paciente vulnerável, e
serão comentados os métodos diagnósticos (consagrados e
experimentais) e as perspectivas de tratamento desta afecção.
Vulnerable Atherosclerotic Coronary Plaque:
Current Status
Coronary artery disease (CAD) progression includes chronic
and stable coronary syndromes (stable angina), acute coronary
syndromes (unstable angina or acute myocardial infarction)
and even sudden death from cardiovascular nature. The
more obvious characteristics that help us distinguish patients
with acute coronary syndromes from those with stable CAD
are: 1) complex coronary stenosis; 2) fissured coronary plaques;
3) recent thrombosis; and 4) plaque inflammation. The shift
from an asymptomatic, stable lesion to a fissured, unstable
plaque involves many complex mechanisms. The purpose of
the authors is to carry out a critical review of the vulnerable
atherosclerotic coronary plaque mechanisms, as well as
development and rupture physiopathological mechanisms.
The concept of vulnerable patient will also be reviewed,
with comments on diagnostics tools (widely accepted or
experimental) and perspectives for treatment options.
DESCRITORES: Arteriosclerose, patologia. Arteriopatias oclusivas. Coronariopatia. Isquemia miocárdica.
DESCRIPTORS: Arteriosclerosis, pathology. Arterial occlusive
diseases. Coronary disease. Myocardial ischemia.
A PLACA ATEROSCLERÓTICA
tuem a principal causa de morte em homens com
idade inferior a 65 anos, na Europa2.
A doenças cardiovasculares continuam sendo a
principal causa de morte em sociedades industrializadas,
e estima-se que, no ano de 2020, serão a primeira
causa de morte no mundo todo, devido ao rápido
aumento da sua prevalência em países do terceiro
mundo e na Europa Oriental e pela incidência cada
vez maior de obesidade e diabetes, no mundo ocidental1. As doenças cardiovasculares são responsáveis por
38% de todas as mortes, nos Estados Unidos e consti-
1
Hospital Luterano da ULBRA, Porto Alegre, RS.
Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS.
3
Hospital Mãe de Deus, Porto Alegre, RS.
Correspondência: José Casco Raudales. R. Guilherme Schell, 308/504
- Porto Alegre, RS - CEP 90640-040
E-mail: [email protected] e [email protected]
Recebido em: 30/11/2005 • Aceito em: 16/12/2005
2
As lesões ateroscleróticas são espessamentos assimétricos focais da camada mais interna do vaso, a
íntima. Estas placas estão constituídas por células, por
elementos do tecido conjuntivo e por detritos3. Células inflamatórias sangüíneas e do sistema imune também formam parte do ateroma, sendo o restante constituído pelo endotélio e por células musculares lisas.
O ateroma é precedido pela estria gordurosa, isto é,
um acúmulo de células carregadas de lipídios localizadas abaixo do endotélio4. A maioria das células da
estria gordurosa é representada por macrófagos e alguns linfócitos T. As estrias gordurosas prevalecem em
indivíduos jovens, nunca causam sintomas e podem
progredir para lesões mais complexas ou, eventualmente, até desaparecerem2.
No centro do ateroma, células espumosas e gotículas
de lipídios extracelulares formam a região central, a
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qual é circunscrita por uma capa de células musculares
lisas e uma matriz rica em colágeno. Linfócitos T,
macrófagos e mastócitos infiltram a lesão e são particularmente abundantes nas bordas do ateroma2,3,5. Muitas
das células do sistema imune mostram sinais de ativação
e de produção de citoquinas inflamatórias2,5,6. A estabilidade das placas ateroscleróticas é proporcionada
por uma matriz extracelular e por uma capa fibrosa
espessa, composta, predominantemente, de colágeno
(tipos I e III) e elastina7,8. A síntese de colágeno é
responsabilidade das células musculares lisas, secundária à estimulação de fatores de crescimento, tais
como o fator de crescimento β transformador (TGF-β)7.
Um fato que mudou, radicalmente, o conceito de
que a aterosclerose é uma doença vascular sempre
obstrutiva é o conhecimento e o reconhecimento de
que a placa aterosclerótica ao longo da sua formação
tem um padrão de crescimento extraluminal, isto é, ela
se expande dentro da parede arterial previamente ao
interior do lúmen. Assim sendo, um substancial volume
de placa pode existir sem ocorrer estenose significativa. Avaliações com ultra-som intravascular têm confirmado in vivo os achados de antigos estudos a partir
de autopsias: a estenose representa a “ponta do Iceberg”
da aterosclerose9,10. Esse fenômeno é considerado como
“remodelamento positivo” ou expansivo, já que a área
luminal não está comprometida significativamente11.
A noção e o termo “placa aterosclerótica vulnerável”
foram introduzidos, há uns 20 anos, em referência a
lesões intactas, que são semelhantes àquelas placas
encontradas em exames patológicos com sinais de ruptura e complicadas por trombose9,12-15. Convém ressaltar
aqui que é um fato bem conhecido, a partir de estudos
angiográficos, que a maioria dos infartos do miocárdio
ocorre em lesões consideradas como estenoses leves a
moderadas9,15-17; aproximadamente 60% desses infartos
são causados por ruptura das placas17. Virmani et al.18
propõem o uso de uma terminologia descritiva, baseada nas características patológicas das lesões ateroscleróticas, assim a placa vulnerável passaria a ser chamada de “fibroateroma de capa fina” (TCFA pelas siglas
em inglês). Os ateromas de capa fina de pacientes que
faleceram por infarto agudo do miocárdio estão associados a estenoses com menos de 50% do diâmetro
luminal, explicando-se, assim, a recente preocupação
do perigo que estas placas podem representar9,12.
Independentemente do termo utilizado, a placa vulnerável ou instável é um fibroateroma inflamado, com
uma capa fibrosa delgada e erosada ou rota, com trombos nas margens e muitas células inflamatórias e com o
núcleo central necrosado, com mais de 40% do volume
total constituído por lipídios2,9,12,15,17,19,20 (Figura 1).
MECANISMOS DE RUPTURA DE PLACA
A progressão da doença arterial coronária (DAC)
inclui as síndromes coronárias estáveis e crônicas (angina
estável), as síndromes coronárias agudas (angina instável ou infarto agudo do miocárdio) e, até mesmo, a
morte súbita de origem cardiovascular. As características mais óbvias que diferenciam os pacientes com
síndromes coronárias agudas (SCA) dos pacientes com
DAC estável são: 1) estenoses coronárias complexas;
2) fissuras nas placas coronárias; 3) trombos recentes;
e 4) inflamação da placa21. A conversão de uma lesão
estável e assintomática para uma placa rompida e
instável envolve muitos processos, os mais estudados
são: fatores de crescimento, infiltração por células musculares lisas e do sistema imune, inflamação, desarranjos
celulares, neovascularização e hemorragia intraplaca
e a expansão de um núcleo necrosado, acelular e rico
em lipídios7,19,20,22,23. De todos esses fatores, os processos
inflamatórios, locais ou sistêmicos, são tidos como a
principal causa de instabilidade da placa aterosclerótica 2,5,6,9,11,14,15,18,20,22-26.
Então, qual o(s) motivo(s) que leva(m) à ruptura da
placa? Quais são as características dessa placa para
virar vulnerável ou instável? Quais as características
dos pacientes? Pesquisas no campo da biologia vascular
têm desvendado o papel crítico dos fatores de crescimento, a proliferação de células musculares lisas e o
papel central dos processos inflamatórios no início e
na progressão da aterosclerose24. As pesquisas também
têm seu foco orientado para desvendar os eventos
iniciais ou “gatilhos” que, qualitativamente, alteram a
estabilidade de uma placa aterosclerótica e que iniciam
a cascata de eventos que culminam no infarto agudo
do miocárdio ou na síndrome coronária aguda.
Há aproximadamente 16 anos, Muller et al.27 escreveram que o infarto agudo do miocárdio, tipicamente,
começa com a placa aterosclerótica coronária de alto
risco (ou placa vulnerável), uma lesão focal em perigo
de ruptura da placa27. A ruptura da placa ocorre quando
Macrófagos
Trombo
Macrófagos
Capa
rompida
Fator tecidual
Núcleo rico em lipídios
Figura 1 - Imagem histológica de uma placa vulnerável (fibroateroma
de capa fina), com sinais de inflamação (infiltração de macrófagos),
com a capa fibrosa delgada e rompida; observando-se trombose
intravascular oclusiva e um núcleo central necrosado com grande
volume de material lipídico.
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a capa fibrosa, agora afinada, rasga e o núcleo lipídico
necrosado (o qual é altamente trombogênico) fica exposto
ao sangue circulante no lúmen arterial2,7,9,17. As margens de uma placa complexa, as quais apresentam
tendência para a ruptura, contêm macrófagos, linfócitos
T e um escasso número de células musculares lisas.
As placas cujos núcleos lipídicos excedem mais de
40% do volume da placa e cuja capa tenha uma
espessura entre 65 a 150 mm são especialmente vulneráveis7,11,21,28. A ruptura ou a fissuração da placa são
as responsáveis pela maioria dos trombos que causam
as síndromes coronárias agudas2,7,9,21,25,28. De fato, Burke
et al.29, a partir de estudos histológicos de pacientes
portadores de DAC e que tiveram morte súbita, demonstraram que a placa no local da lesão culpada mostrava
evidência de ruptura em 70% dos pacientes e erosão
nos outros 30%15,29.
A seqüência de eventos que precedem à ruptura
da placa poderia ser iniciada pela presença de microorganismos, de auto-antígenos ou de várias moléculas
inflamatórias que poderiam ativar as células T, os macrófagos e os mastócitos. Estas células, uma vez ativadas,
liberam citoquinas inflamatórias (interferon-γ e fator de
necrose tumoral entre outros)2. Como mencionado previamente, a capa que recobre o fibroateroma inflamado
é muito fina e a ruptura, presumivelmente, acontece
pela digestão da capa pelos macrófagos ativados, à
medida que estes migram, tanto da parede vascular
em direção à luz, como os que passam do lúmen para
a parede, e também porque as células musculares
lisas (responsáveis pela síntese e pelo suporte da capa)
estão muito diminuídas, seja por motivo de envelhecimento ou por apoptose causada pelas citoquinas inflamatórias2,7,17,28,30, tudo isso somado ao alto estresse da
parede vascular (vasos calibrosos)17. Paralelamente, dois
tipos de proteases, liberadas pelos macrófagos e pelos
mastócitos, têm sido implicadas como peças chaves
na ativação da placa: as metaloproteinases da matriz
(MMPs, enzimas proteolíticas com aproximadamente
20 membros conhecidos), particularmente as MMPs1, 8, 9 e 13, e as proteases da cisteína, as quais, ao
digerirem o colágeno (tipo I e III) e a elastina da capa,
podem desestabilizar a placa2,7-9,11,12,21,31.
Quando ocorre a ruptura da placa, tanto o fator
tissular quanto o colágeno ficam expostos, promovendo
assim a trombose intravascular. A composição da placa
determina seu potencial trombogênico7,28. O conteúdo
de fator tissular e do inibidor-1 do ativador do plasminogênio (PAI-1) das placas vulneráveis é o dobro
do encontrado nas placas estáveis e proporcional à
área dos macrófagos32. Adicionalmente, o diabetes, a
obesidade e a angiotensina-II podem aumentar a expressão de PAI-1 por vários tipos de células9. O incremento
na atividade das plaquetas e dos fatores de coagulação
nas SCA intensifica o potencial trombogênico das placas
rompidas9,28. Caracteristicamente, a conversão do fibrinogênio para fibrina e a liberação do fator de von
Willebrand pelas plaquetas ativadas iniciam a formação do chamado trombo “branco” (malha de plaquetas
circundadas por fibrina). A atração e ativação ulterior
de mais plaquetas, a liberação de fatores quimiotáticos
e a incorporação de eritrócitos dentro da malha contribuem para a formação do trombo “vermelho”.
A hemorragia intraplaca é comum em lesões ateroscleróticas coronárias avançadas2,9,11,19. Num trabalho
recente de Kolodgie et al.19, os autores concluíram que
existe associação entre a hemorragia intraplaca e o
aumento no tamanho do núcleo necrosado com a
instabilidade da lesão nas placas ateroscleróticas coronárias19. A neovascularização, a formação de novos
microvasos sangüíneos (ou vasa vasorum), nas artérias
ateroscleróticas, ocorre primariamente pelo crescimento
a partir da adventícia ou a partir do lúmen para o
interior da íntima, em placas avançadas. Esta nova
neovascularização sugere uma resposta adaptativa da
parede arterial a uma demanda aumentada de nutrientes
dentro da placa20. Funcionalmente, a neovascularização
parece ser muito frágil e susceptível à ruptura (hemorragia
intraplaca), o que acarreta aumento súbito no tamanho
da placa7,9,20. Para comparação, em artérias normais, a
vasa vasorum somente é observada na adventícia e na
camada média externa da aorta e seus grandes ramos7.
O PACIENTE VULNERÁVEL
Naghavi et al.11 têm proposto o conceito de “paciente vulnerável” para identificar pacientes nos quais
a ruptura da placa poderia resultar num evento clínico
(SCA, IAM ou morte súbita). Nestes pacientes, outros
fatores além da placa (por exemplo, sangue trombogênico
ou instabilidade elétrica do coração) seriam responsáveis pelo desfecho final. Para eles, placas com características similares podem ter diferentes apresentações
clínicas devido à coagulabilidade do sangue (sangue
vulnerável) ou pela suscetibilidade do miocárdio para
desenvolver arritmias fatais (miocárdio vulnerável)11.
Recentemente, Hong et al.33 publicaram um estudo cujo objetivo era a avaliação ultra-sonográfica (IVUS)
das três artérias coronárias, comparando pacientes com
IAM com pacientes portadores de angina estável, para
determinar a incidência e os preditores de ruptura de
placas, isoladas ou múltiplas. Os resultados mostraram
que a ruptura da placa da lesão culpada (66% versus
27%), de placas secundárias remotas (17% versus 5%)
e de placas múltiplas (20% versus 6%) foram mais
freqüentes nos pacientes com IAM do que naqueles
com angina estável, respectivamente. Os preditores
independentes para a ruptura de placas foram altos
níveis de proteína C-reativa (PCR), para os pacientes
do grupo IAM (p = 0,004) e diabetes melito, para os
doentes com angina estável (p = 0,005)33.
Do ponto de vista clínico, a transição de DAC
estável para uma SCA coincide com níveis elevados
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de alguns marcadores inflamatórios, como a PCR26,34,35,
o amilóide-A ou a interleucina-6, em aproximadamente 70% dos pacientes, o que sugere que mecanismos
inflamatórios locais podem contribuir para a instabilidade da placa26,34-36. Porém, pesquisas recentes, como
a de Buffon et al.22, mostram que as SCA estão associadas a níveis sistêmicos de PCR, o que sugere que
os processos inflamatórios não estão apenas confinados à lesão culpada pela SCA e sim a um processo
inflamatório generalizado22. Além disso, a persistência
de níveis elevados de marcadores inflamatórios (PCR),
em 50% e 45% dos pacientes na alta hospitalar e
após 6 meses de acompanhamento, respectivamente37,
é preditor de recorrência de instabilidade coronária
em pacientes sobreviventes a uma SCA2,9,22,25,26,37. Os
níveis de outros marcadores de inflamação também
estão elevados neste grupo de pacientes, incluindo o
fibrinogênio, as interleucinas 7 e 8, o CD40 solúvel e
a proteína pentraxina-3 relacionada à PCR2.
Por outro lado, a exposição das células endoteliais
a estímulos pró-inflamatórios induz uma atividade prótrombótica, levando à expressão endotelial de proteínas
de superfície celular, chamadas de moléculas de adesão,
que impossibilitam a biodisponibilidade do potente
inibidor das plaquetas, o óxido nítrico (NO). A disfunção
endotelial também está associada a um incremento no
estresse oxidativo, um importante facilitador do processo
inflamatório. Cabe salientar que o processo inflamatório é parcialmente regulado pelo NO, o qual pode
reduzir a expressão endotelial de vários mediadores
inflamatórios e moléculas de adesão que, por sua vez,
aumentam a vulnerabilidade da placa38.
A ativação inflamatória do endotélio também pode
tornar suas propriedades fisiológicas vasodilatadoras e
antitrombóticas (produção de EDRF, PGI2, tPA) em propriedades patológicas de vasoconstrição e pró-trombose
(ausência de produção de mediadores vasodilatadores
e antitrombóticos e a produção de mediadores vasoconstritores e pró-trombóticos, tais como a endotelina1, fator tissular e moléculas de adesão para leucócitos
e plaquetas)21. Fichtlscherer et al.25 comprovaram a
hipótese de que a disfunção endotelial sistêmica (avaliada por testes farmacológicos de vasoreatividade) é
um preditor maior de recorrência de instabilidade coronária e das taxas de eventos cardiovasculares, em
pacientes que tiveram uma SCA. Eles sustentam que a
avaliação da função vasodilatadora sistêmica fornece
um índice integrado de todos os mediadores inflamatórios presentes num indivíduo, refletindo, assim, o
fenótipo vascular capaz de identificar o assim chamado
paciente “inflamado” ou “vulnerável”25.
Como mencionado previamente, a neovascularização (vasa vasorum) nas artérias ateroscleróticas ocorre
primariamente pelo crescimento a partir da adventícia
ou a partir do lúmen para o interior da íntima em
placas avançadas e surge como uma resposta adaptativa
da parede arterial a uma demanda aumentada de nu-
trientes dentro da placa20. Esses microvasos consistem
de camadas de células musculares lisas orientadas
radialmente ao redor de uma camada única de endotélio38. O impacto da disfunção endotelial na vasa
vasorum se torna bastante significativo, isto porque a
área vascular desta é mais de 70 vezes a longitude do
vaso “mãe”38.
Assim, fazendo eco às palavras de Libby e Theroux9, estes achados recentes desafiam nosso tradicional ponto de vista de entender a aterosclerose coronária
como uma doença segmentar ou localizada, tratandoa apenas com terapias locais, como a cirurgia ou a
revascularização percutânea. O conceito de “cardiologia
intervencionista” deve ser expandido além da revascularização mecânica percutânea, abrangendo intervenções preventivas e, fundamentalmente, sistêmicas, para
se antecipar a futuros eventos cardiovasculares.
DIAGNÓSTICO E AVALIAÇÃO DA
PLACA E DO PACIENTE VULNERÁVEL
Devido ao fato de que a DAC é a causa mais
freqüente de mortalidade nos países industrializados1,2
e seu início é comumente imprevisível, há necessidade
de busca de novos métodos de triagem em indivíduos
aparentemente sadios, para identificar aqueles com risco
aumentado39. Técnicas já bem estabelecidas, como a
angiografia coronária, o ultra-som intracoronário e a
ressonância magnética, e novas tecnologias de imagem,
tais como a histologia virtual, a tomografia de coerência
óptica, a termografia, a espectrografia por infravermelho, a tomografia computadorizada por feixe de elétrons,
e a tomografia computadorizada multislice ou de múltiplos detectores, devem fornecer informações adicionais
relacionadas ao risco da progressão e de eventos cardiovasculares em relação à quantidade de aterosclerose e
de seu grau de atividade (ou estabilidade)9,31,33,39-45.
Sousa et al.45 sugerem que o método ideal para a
triagem da DAC subclínica e/ou de placas ou pacientes vulneráveis deveria ser um método não-invasivo,
aplicável a pacientes assintomáticos e capaz de proporcionar avaliação de múltiplos leitos vasculares; deve,
também, apresentar alta resolução e, de preferência,
evitar a exposição a radiação e radiocontrastes. Infelizmente, neste momento, não contamos com uma tecnologia que preencha tais requisitos45.
Calcificações coronárias
As calcificações coronárias constituem um marcador
específico de aterosclerose, estão bem correlacionadas
com placas ateroscleróticas e são preditivas de eventos coronários futuros44. Conseqüentemente, pacientes
assintomáticos, porém com calcificações detectáveis,
seriam portadores de DAC não-detectável pelos métodos clínicos usuais (ou DAC subclínica)39. Existem dois
métodos essencialmente equivalentes para a detecção
e a quantificação das calcificações nas artérias coronárias: a tomografia computadorizada por feixe de
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elétrons ( Electron Beam Computed Tomography ou
EBCT) e a tomografia computadorizada de múltiplos
detectores (MultiDetector Computed Tomography ou
MDCT)39,44. Ambas técnicas são utilizadas para quantificar o escore de Agatston46, que categoriza os indivíduos em grupos de mínima (<10), moderada (11 a 99),
aumentada (100 a 400) ou intensa (> 400) quantidade
de cálcio nas artérias coronárias.
No entanto, existe um debate considerável se o
valor preditivo deste escore seria superior àquele obtido
a partir dos fatores de risco tradicionais39. As diretrizes
da American Heart Association e do American College
of Cardiology (AHA/ACC pelas siglas em inglês) sugerem que a triagem para calcificações nas artérias
coronárias poderia ser de valor para indivíduos considerados como de risco intermediário em 10 anos
(isto é, a probabilidade entre 10% e 20% de ter um
evento cardíaco dentro de 10 anos)39. O estudo MESA
(Multi-ethnic Study of Atherosclerosis), recentemente
publicado por Bild et al.44, destaca que existem diferenças
raciais na presença e na quantidade de calcificações
coronárias que não foram explicadas pelos fatores de
risco coronário tradicionais, portanto, o valor preditivo
deve ser estudado e ajustado para os diferentes grupos étnicos.
Figura 2 - Angiografia da artéria circunflexa, em paciente do sexo
masculino, 48 anos, com síndrome coronária aguda, mostrando uma
placa no segmento médio com as seguintes características de placa
vulnerável: placa complexa de grande volume, excêntrica, com
irregularidades múltiplas, áreas de nebulosidade (hazziness) e sinais
de ulceração com fluxo distal lento.
Angiografia coronária
A angiografia coronária talvez seja o método menos sensível para detectar as placas vulneráveis, no
entanto, na maioria das vezes, é o primeiro contato
com a circulação coronária do paciente e, aos olhos de
angiografistas experientes, é possível detectar tais placas. Existem alguns critérios para suspeitar a presença
de uma placa vulnerável: imagem sugestiva de trombo
intravascular, calcificações importantes, superfície com
irregularidades múltiplas, áreas de nebulosidade, placas
complexas, ulcerações, fluxo lento, evidência de dissecções, entre outras. Goldstein et al.47 encontraram que
40% dos pacientes com IAM tinham uma segunda
placa vulnerável, evidenciada pelo menos por dois dos
seguintes critérios: fluxo lento, ulceração, superfície
irregular e defeito de enchimento móvel (Figuras 2 e 3).
O ultra-som intracoronário
O ultra-som intracoronário é um método de avaliação anatômica da luz, da placa e da parede do vaso
(Figura 4). Constitui o dispositivo diagnóstico complementar mais freqüentemente utilizado nos laboratórios
de hemodinâmica e cardiologia intervencionista e permite
avaliar, classificar, quantificar e fazer análise volumétrica
das placas, avaliar a gravidade das estenoses e o remodelamento vascular45, assim como identificar aspectos
anatômicos que caracterizam a placa vulnerável, como
capa fibrosa fina, lago lipídico grande, fissura da capa
fibrosa, presença de trombos, remodelamento positivo
e nódulos de cálcio. Apesar de proporcionar imagens
detalhadas da placa ateromatosa, apresenta importan-
Figura 3 - Angiografia da artéria coronária direita, em paciente do
sexo masculino, de 53 anos, com angina grave de recente começo,
mostrando uma placa no segmento médio com as seguintes características de placa vulnerável: placa complexa com irregularidades
múltiplas, áreas de nebulosidade (hazziness), ulcerações e possível
dissecção no segmento distal da placa com defeito de enchimento
sugestivo de trombose intravascular.
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poderia deixar de contribuir para o conhecimento relativo à placa vulnerável, em que um estudo de Hong
et al.33, realizado nas três artérias coronárias em pacientes
com IAM, encontrou a existência de mais de uma
placa rompida ou vulnerável neste grupo de pacientes,
assim como maior freqüência de ruptura de placa na
lesão culpada e em placas secundárias remotas ou
múltiplas placas, em pacientes com IAM do que em
pacientes com angina estável33. Outro estudo mostrou
que as placas rompidas e ulceradas, nas lesões culpadas pela SCA apresentam menor lúmen; grande volume
de placa, de área de estenose e de índices de remodelamento e maior formação de trombos28.
Ressonância magnética
A ressonância magnética (RM) é uma técnica nãoinvasiva (o que constitui uma grande vantagem e conforto
para o paciente), que permite a visualização seriada
da morfologia da placa aterosclerótica, e é particularmente útil para o monitoramento da aterosclerose,
tanto em modelo humano como animal. Este método
é muito exato e reproduzível, o que é de vital importância para o monitoramento da DAC, tendo sido muito
utilizado para estudos de regressão de placa após o
uso de estatinas42. A RM transesofágica é uma técnica
nova, que pode ser combinada com RM padrão de
superfície, para melhor avaliação do comprometimento aterosclerótico do arco aórtico e da aorta descendente proximal.
A
Termografia
B
Figura 4 - Ultra-som convencional – IVUS – (A) e histologia virtual
(B) de uma lesão localizada no segmento médio da artéria coronária
direita, considerada como moderada na angiografia coronária. Os
dois métodos apresentam boa correlação na demarcação das áreas
do lúmen, da placa e do vaso; entretanto, a histologia virtual
mostra a presença de núcleo lipídico significativo adjacente ao
lúmen, caracterizando uma placa vulnerável, o que não se evidencia
no ultra-som convencional.
tes limitações para a caracterização destes aspectos,
especialmente com o uso de cateteres de freqüência
mais baixa, em que a imagem do conteúdo lipídico é
semelhante à da luz do vaso.
Esta ferramenta vem propiciando aprendizado em
diversos aspectos da cardiologia intervencionista e não
Foi descoberto recentemente que placas com inflamação superficial apresentam temperatura local mais
elevada (placas quentes) do que as placas não-inflamadas (placas frias); isto porque as placas inflamadas apresentam importante infiltração de macrófagos ativados
(Figura 5). Esse fato é relevante, considerando que as
artérias coronárias normais apresentam temperatura
uniforme. Esses achados levaram ao desenvolvimento
dos dispositivos para termografia17. Estes consistem na
utilização de um fio-guia de 0,014 polegadas, com um
detector térmico na sua extremidade distal (comercialmente conhecido como ThermoCoil®, IMETRX, Inc.), que
possibilita a medição da temperatura nas paredes das
artérias coronárias, detectando variações térmicas > de
0,03°C. Stefanadis et al.48 encontraram que a heterogeneidade térmica foi um poderoso preditor independente de eventos adversos (síndromes coronárias agudas).
No entanto, é interessante destacar que os níveis
de PCR não foram bem correlacionados com o número de placas quentes e que a maioria dos pacientes
portadores de angina estável com uma placa quente
apresenta níveis normais de PCR17. Contudo, o uso de
aterectomia direcionada permitiu a constatação de processos inflamatórios graves em alguns casos, onde foi
detectada a heterogeneidade térmica.
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A
B
Figuras 5 - Registros obtidos por termografia (usando o dispositivo Thermo Coil ®, IMETR X Inc.), em paciente com lesão considerada como
intermediária pela análise da angiografia coronária, porém com angina instável. Observa-se gradiente térmico significativo translesão (placa
quente) em A, isto é indicativo de inflamação superficial. Em condições normais, as artérias coronárias apresentam temperatura uniforme.
As duas grandes limitações do método são, por
um lado, a termografia não permite a avaliação morfológica da placa, por outro lado, a experiência clínica
atual é bastante limitada45, justificada em parte pela
saída do mercado do fabricante do Thermocoil®. Felizmente, dois novos dispositivos estão sendo comercializados, o sistema Vulcano® e o sistema ThermoCore®.
Elastografia intravascular
A elastografia intravascular é uma nova técnica,
baseada no ultra-som intravascular, e tem o potencial
de diferenciar os diferentes fenótipos das placas por
meio da deformação/distensão relativa local de um
tecido mediante uma carga uniforme (pressão sangüínea
intracoronariana). Em condições normais, a pressão
intravascular fisiológica exerce pressão sobre a parede
vascular com cada batimento, ocasionando diferentes
graus de distensão, conforme as propriedades mecânicas do tecido. A distensão local da parede é detectada
por ultra-som e origina uma imagem em cores (elastograma), em que o tecido duro (fibroso) aparece em
azul e o mole (lipídico), em amarelo. O princípio da
técnica se baseia no fato de que a placa mole de
conteúdo lipídico, se deforma mais que a placa dura,
de conteúdo fibrótico.
Experiências iniciais permitem a discriminação entre
material lipídico, fibro-lipídico e fibroso com esta técnica.
Schaar et al.31, em estudo recente, encontraram que
este método apresenta alta sensibilidade e especificidade
para detectar placas vulneráveis in vitro. No entanto,
a experiência clínica é limitada, o processamento de
dados é complexo e o método é dependente do ultrasom intracoronário45.
Histologia virtual
A histologia virtual permite a avaliação da composição do tecido da placa ateromatosa, assim como a
realização automática de medidas do lúmen, do vaso
e da placa ateromatosa (Figura 4). O princípio da
histologia virtual baseia-se na identificação dos elementos
que compõem a placa ateromatosa por meio de ondas
de ultra-som. Enquanto o ultra-som convencional utiliza
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somente a amplitude da onda (intensidade do eco) na
formação da imagem, a histologia virtual também emprega a freqüência do sinal de eco, que varia conforme
o tecido. Deste modo, torna-se possível a caracterização dos elementos que compõem a placa vulnerável,
com maior acurácia do que o ultra-som convencional.
Esta afirmação torna-se mais evidente quando há
a presença de conteúdo lipídico envolto de capa fibrosa
fina, muito próximo à luz do vaso, situação em que o
ultra-som convencional pode ser de difícil interpretação,
induzindo o operador a interpretar a placa como área
de luz do vaso. A histologia virtual facilita a identificação do conteúdo lipídico neste caso, designando
cores aos tecidos, conforme citado a seguir: conteúdo
fibroso – verde; fibro-lipídico – amarelo; cálcio – branco;
e núcleo lipídico – vermelho. Desta forma, a visualização da placa ateromatosa e de seu conteúdo tornase destacada e permite ao operador caracterizações
antes passíveis de erro mesmo a operadores com muita
experiência no ultra-som convencional, com precisão
satisfatória, como mostra um estudo de correlação da
histologia virtual com a análise histopatológica. Outro
aspecto interessante da histologia virtual é a possibilidade de quantificar o conteúdo de determinado tipo
de tecido no interior da placa ateromatosa, o que
permite avaliações não só qualitativas, mas também
quantitativas, do conteúdo de cálcio e de lago lipídico.
Finalmente, outros métodos como a espectrografia
infravermelha43 e tomografia por coerência óptica41 são
técnicas promissoras para a avaliação de placas vulneráveis, mas por enquanto a experiência clínica é bastante limitada45.
PERSPECTIVAS ATUAIS E FUTURAS DE TRATAMENTO DA PLACA/PACIENTE VULNERÁVEL
Conforme já mencionado, os processos inflamatórios, locais (vasculares) ou sistêmicos, são tidos como
a principal causa de instabilidade da placa aterosclerótica2,5,6,9,11,14,15,18,20,22-26. O nosso grande desafio atual
é a identificação dos pacientes “inflamados ou vulneráveis” ou de suas placas “vulneráveis”.
O fato de sabermos que a aterosclerose é uma
doença inflamatória nos oferece novas oportunidades
para a prevenção e o tratamento da DAC2,9,26. Drogas
potentes, como os imunossupressores (ciclosporina e
rapamicina) e os antiinflamatórios (inibidores seletivos
da cicloxigenase-2 e outros inibidores da síntese de
eicosanóides), poderiam representar tratamentos atrativos para o tratamento das SCA. Tanto a ciclosporina
quanto a rapamicina bloqueiam a ativação de células
T e, em altas doses, podem bloquear a proliferação de
células musculares lisas2. Estudos recentes com ultrasom intracoronário revelam que a rapamicina liberada
localmente, na forma de stents recobertos, tem-se mostrado muita efetiva na prevenção da reestenose pósangioplastia49. Contudo, a segurança e a efetividade
da administração sistêmica deste tipo de drogas, na
vigência de SCA, não são conhecidas.
No caso dos antiinflamatórios, a situação é mais
complexa, embora do ponto de vista teórico a sua
administração teria fundamentos lógicos e farmacológicos, efeitos inesperados podem acontecer. Recentemente, foi retirado do mercado o rofecoxib (Vioxx®),
um inibidor seletivo da cicloxigenase-2, porque se
uso a longo prazo (> 18 meses) foi associado a uma
maior incidência de eventos cardiovasculares (IAM e
eventos isquêmicos cerebrovasculares) 50. Isto seria
devido à produção, tanto pelas plaquetas quanto pelo
endotélio, de outro tipo de eicosanóides com propriedades pró-trombóticas2,50. Assim, devemos ser extremamente cautelosos com este tipo de medicamentos em
pacientes portadores de doenças cardiovasculares2.
Drogas como os inibidores da ECA e os betabloqueadores possuem efeitos potencialmente estabilizadores sobre as placas ateroscleróticas15,17,51. Os mecanismos teóricos seriam que a diminuição da pressão arterial e da freqüência cardíaca por estes fármacos
reduziria o estresse radial sobre a parede, minimizando
assim a propensão à ruptura da placa. Os inibidores
da ECA também melhoram a disfunção endotelial e
possuem propriedades antiinflamatórias (inibição indireta da produção de interleucina-6 pelos macrófagos,
induzida pela angiotensina II). Em adição a esses efeitos estabilizadores, estes fármacos apresentam outras
propriedades que poderiam explicar a redução nos
eventos adversos cardiovasculares. Os inibidores da
ECA influenciam favoravelmente o remodelamento ventricular e os beta-bloqueadores possuem efeitos antiisquêmicos e antiarritmicos51.
Um grupo particular de drogas, de uso corriqueiro
para a redução do colesterol, tem chamado muito a
atenção, tanto pelos efeitos na regressão da placa40,42,
quanto pelas suas propriedades antiinflamatórias e de
redução de eventos cardiovasculares: as inibidoras da
HMG-CoA redutase ou estatinas2,7,9,38,51,52. Estas propriedades antiinflamatórias fazem parte dos efeitos pleiotrópicos destas drogas (isto é, esses efeitos não dependem diretamente da redução dos níveis de colesterol)2,53.
Os mecanismos benéficos seriam secundários à melhora
da função endotelial e, possivelmente, pela redução
da inflamação dentro da placa ou pela redução da
trombogenicidade do sangue, contribuindo assim para
a estabilização da placa9,15,51.
As estatinas, junto com os inibidores da ECA, são
bem conhecidos por reduzir os eventos cardíacos,
ressaltando assim o papel da função do endotélio na
gênese de tais eventos38,40,51,52. De fato, as diretrizes
atuais do ACC/AHA recomendam o uso de estatinas
por ocasião da alta dos pacientes com SCA53. O trabalho de Cannon et al.54 ressalta que tal conduta também
exercera uma função protetora contra a recorrência
precoce dos eventos cardiovasculares e que também
seria aconselhável, após uma SCA, manter os níveis
de LDL-C muito mais baixos dos 100 mg/dL recomendados pelas diretrizes européias e do National Cholesterol Education Program54.
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Recentemente, Zhou et al.52 analisaram o uso de
cinco tipos de estatinas (atorvastatina, pravastatina,
simvastatina, lovastatina e fluvastatina) em quase 19.000
pacientes, maiores de 65 anos, acometidos do primeiro
IAM. O objetivo do estudo era ver se todas elas, por
pertencerem à mesma classe farmacológica, seriam
terapeuticamente equivalentes. Eles concluíram que as
estatinas são igualmente efetivas para prevenção secundária (IAM recorrente e morte), em pacientes idosos,
após um IAM.
Em casos selecionados, o tratamento a curto prazo
mais efetivo para a placa recentemente instabilizada é
a intervenção coronária percutânea. O implante de
stents tem como função principal selar a placa, restituir o fluxo sangüíneo e evocar uma resposta fibrótica
local15. No entanto, quando essa fibrose ultrapassa os
limites da íntima, o fenômeno da reestenose aparece,
principalmente quando os stents são implantados em
pacientes diabéticos, em vasos de pequeno calibre ou
em lesões longas. Felizmente, agora contamos com os
stents recobertos de drogas (rapamicina ou paclitaxel),
que apresentam taxas de reestenose muito baixas15,45.
Salientamos que o implante de stents, principalmente
na vigência de uma SCA, deve ser acompanhado do
uso de drogas antiplaquetárias e antitrombóticas potentes
(AAS, ticlopidina ou clopidogrel, heparina não-fracionada
ou de baixo peso molecular e inibidores da glicoproteína
IIb/IIIa)9,45.
Finalmente, para a prevenção da aterosclerose a
longo prazo, uma abordagem mais específica seria
mais desejável, tal como a vacinação com antígenos
relacionados à doença, como recentemente sugerido
por Nilsson et al.55. Por exemplo, a semelhança molecular entre o Streptococcus pneumoniae e o LDL oxidado sugere que a vacinação anti-estreptocócica poderia
diminuir a formação da lesão aterosclerótica56. Outros
modelos animais, utilizando vacinas com LDL oxidado, bactérias contendo certos fosfolipídios modificados ou outros derivados protéicos, têm sido testados
com sucesso na redução da aterosclerose2.
CONCLUSÕES
As novas evidências científicas sobre a placa e o
paciente vulnerável desafiam nosso tradicional ponto
de vista de entender a aterosclerose coronária como
uma doença segmentar ou localizada, tratando-a apenas
com terapias de reperfusão locais (como a cirurgia ou
a revascularização percutânea). O conceito de “cardiologia intervencionista” deve ser expandido além da
“simples” revascularização mecânica percutânea; abrangendo intervenções preventivas e, fundamentalmente
sistêmicas, como o controle dos fatores de risco; o uso
de estatinas, inibidores da ECA e beta-bloqueadores;
drogas antiplaquetárias e antitrombóticas; novas drogas ou até vacinas, para estabilizar tanto a placa como
o paciente e, se antecipar assim a futuros eventos
cardiovasculares.
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