Ed.131 Jun-Jul 2014 - Revista Principios

Transcrição

Ed.131 Jun-Jul 2014 - Revista Principios
1
131/2014
2
Editorial
Depois da Copa,
Brasil se destaca
ao sediar Cúpula
do BRICS
A
queles que rogaram pragas, que apostaram
contra a capacidade do Brasil e de seu povo
para realizar a Copa do mundo de futebol,
tiveram que engolir o êxito em chão nacional desse que é maior evento esportivo do mundo. Soou o
apito final da Copa, e o país continuou em evidência
internacional, ao sediar, em Fortaleza e Brasília, a 6ª
Cúpula de Chefes de Estado e de Governo do BRICS,
integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do
Sul. Além das reuniões da Cúpula, presidentes destes países terão reuniões bilaterais com a presidenta
Dilma Rousseff, anfitriã do encontro.
Para se ter uma ideia da importância do BRICS,
basta destacar alguns dados dos países que constituem este bloco. Eles têm crescido a taxas médias
superiores às dos países desenvolvidos e enfrentado
a turbulência econômica mundial com mais eficiência. Os países BRICS, ademais, são atrativos para o
investimento e o comércio, pois abrigam em seus
territórios aproximadamente 40% da população do
Globo e mais de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, podendo chegar, de acordo com a
revista The Economist, a um terço ainda nesta década.
Outra característica do grupo é a sua força política. China, Índia, Rússia, três gigantes da Ásia, se
destacam entre as nações desta importante região do
planeta e o peso geopolítico delas, sobretudo da China e da Rússia, se eleva crescentemente no sistema
de poder internacional. A África do Sul, desde o fim
do apartheid, é uma referência política para o continente africano. Nas Américas, com os governos Lula
e Dilma, o Brasil afirmou sua soberania nacional e
passou a ter uma inserção internacional altiva, destacadamente na construção da integração latino-americana e no fortalecimento das relações Sul- Sul.
Depois desta Cúpula no Brasil, o BRICS – que há
cerca de 11 anos atrás era apenas uma sigla (originalmente BRIC) – ganha uma materialidade econômica efetiva, personalidade política real, com a adoção do acordo sobre a criação do seu próprio Banco
de Desenvolvimento, com capital inicial de US$ 50
bilhões, uma importante inovação no sistema internacional de financiamento.
O banco terá como objetivo prover recursos para
projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos cinco países do grupo e poderá, eventualmente, ajudar outros países emergentes com
dificuldades na obtenção de financiamento internacional. Além desse mecanismo, que certamente terá
impacto no sistema de governança global, a 6ª Cúpula poderá assinar o Tratado para a constituição do
chamado “Arranjo de Contingente de Reservas”, um
fundo “anticrise” de US$ 100 bilhões para atuar em
eventuais dificuldades de algum membro do grupo.
Esta concretude alcançada pelo BRICS é um fato
que deriva e reforça a atual transição que se processa
no sistema internacional, no qual há um relativo e
crescente declínio da hegemonia dos Estados Unidos
da América e a ascensão crescente do polo dos países
em desenvolvimento no qual se destacam a China e
os demais integrantes do BRICS.
Por óbvio, o imperialismo estadunidense e outras
grandes potências capitalistas não estão dispostos a
perder a hegemonia que hoje detêm. Em razão disto empreendem uma nítida política de contenção do
BRICS, que vai desde a guerra ideológica até o fomento de divisões e instabilidade no interior de cada
um dos países do grupo e no seu entorno estratégico.
A tentativa de conter e debilitar o processo de integração latino-americana é um exemplo típico desta
investida.
O empenho do Brasil, do governo da presidenta
Dilma Rousseff, para que sejam dados novos passos
rumo à consolidação do BRICS e o prestígio internacional adquirido pelo país para que ele seja reconhecido como ator relevante neste processo são uma
conquista destacada destes últimos onze anos.
Adalberto Monteiro
Editor
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10
Capa
A Cúpula do BRICS em Fortaleza e a
Nova Ordem Mundial Multipolar
Severino Cabral.................................................
4
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Avançar mais, o desafio do BRICS
Inácio Arruda.................................................
20
O BRICS na Terra do Sol e do
crescimento socioeconômico
Cid Ferreira Gomes......................................
15
BRICS e um novo sistema de
governança global
Embaixada da República
Popular da China..........................................
20
Geopolítica e o poderio
político-militar, econômico,
informativo e de valores
Leonid Kalashnikov....................................
37
24
29
A África do Sul e o BRICS
Rob Davies......................................................
O BRICS na visão do Partido
Comunista da Índia (Marxista)
Sitaram Yechury............................................
32
37
A Geopolítica do BRICS
Ronaldo Carmona.........................................
55
Uma estratégia econômica para o
Brasil e a América do Sul
J. Carlos de Assis*...........................................
43
Conferência BRICS no século XXI
aprova Documento Consenso do Rio........................................
48
Forças e vulnerabilidades dos
países BRICS no mundo
multipolar pós-Crimeia
Alfredo Jalife Rahme..................................
50
2
Sumário
O Banco de Desenvolvimento do BRICS:
um novo banco para um
novo desenvolvimento
Carlos Márcio Bicalho Cozendey..............
55
Brasil
PCdoB-PT: 25 anos de uma
aliança estratégica
Cláudio Gonzalez..........................................
59
59
76
DOCUMENTO
Ideias e propostas do PCdoB ao
Programa de Governo
da reeleição da presidenta
Dilma Rousseff...........................................
64
Imperialismo e geopolítica: a luta
de classes nas eleições brasileiras
Marcos Aurélio da Silva............................
76
10% do PIB para a Educação
De sonhos em sonhos,
vamos fazendo história
Vic Barros......................................................
82
82
9º Congresso Nacional da UBM
“Mais democracia, mais poder para
as mulheres e o Brasil avançar!””
Ana Paula Bueno.......................................
88
A Coluna de Maria Prestes pelo
Rio Grande do Sul
Cezar Xavier.................................................
92
A Zona Franca de Manaus é do
Brasil
Vanessa Grazziotin*.....................................
99
Trinta anos da União da Juventude
Socialista
Osvaldo Bertolino*................................
92
102
3
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A Cúpula do BRICS em Fortaleza
O BRICS é um mecanismo
destinado a impulsionar a
economia dos grandes países
emergentes – Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul –, a
liderar o crescimento da economia
mundial nos próximos anos e
décadas
Severino Cabral*
“Hoje, os poderes emergentes no mundo – China, India, Brasil e Rússia – estão jogando papel mais integral nesse processo de gestão.” Zbigniew Brzezinsk, in Strategic
Vision: America and the Crisis of Global Power, 2012. (1)
“Esses desafios vêm em um tempo no qual a ordem internacional já foi remodelada para
o novo século. Países como China, Índia e Brasil estão crescendo aos trancos e barrancos.” Barack Obama, Speech to UK Parliament: Discurso ao Parlamento inglês. (2)
“Mas o mundo do século XXI se caracteriza por mudanças fundamentais de atores,
por causa de sua diversificação, e sobretudo do surgimento de novos gigantes – China,
Índia, Brasil… O avanço técnico e a história deste último meio século certamente
modificaram o rumo das coisas, mas o que parece mais importante, no plano estratégico, é certamente o rompimento dos dados geopolíticos”. Éric de la Maisonneuve, em
Estratégia, crise e caos, 2005. (3)
4
Capa
e a Nova Ordem Mundial Multipolar
D
esde que um relatório da firma Goldman & Sachs, de Londres, em 2001,
despertou a atenção de analistas de
todo o mundo, ao prever para o ano de
2050 a emergência do BRIC, assistiu-se
a grandes mudanças na estrutura do
sistema internacional. Na antecipação do autor do
relatório, por volta de metade do século XXI, a estrutura do sistema mundial de poder estará apoiada na
economia dos países cujas iniciais formam o acróstico: Brasil, Rússia, Índia e China. Esses países, por essa altura, se situariam no topo do sistema mundial.
A ordem das coisas de tal forma se alterou desde então com a consolidação e ampliação do BRICS,
com a incorporação da África do Sul ao conjunto –,
que o formulador da “profecia realizada” acabou tomando distância da criatura e realizando outros in-
tentos de “antecipação” que não se mostraram nada
credíveis e não foram capazes de diagnosticar outros
eventos portadores de futuro da mesma dimensão.
O relatório, no entanto, serviu para atrair a atenção geral para a existência de macrotendências do sistema mundial, no século e milênio que ora se inicia.
A primeira tendência que se anuncia é a de que
só os grandes países do mundo de hoje, que sejam
dotados de considerável espaço territorial, população e força econômica autônoma, podem aspirar a
constituir um polo de poder mundial na forma de
um Megaestado. Neste sentido, a unidade e a integração europeia servem de balizamento para a possibilidade de o bloco europeu tornar-se uma unidade
política ativa do mundo contemporâneo: o seu êxito
ou fracasso determinará a existência futura da Europa como grande centro mundial de poder. Como
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também é observável que os principais obstáculos
no pós-Segunda Guerra, ao processo de industrialino caminho do BRICS para o topo da ordem munzação e assimilação da técnica e da ciência despertou
dial relacionam-se à capacidade de cada um deles
importantes forças irradiantes e insurgentes, com a
manter, ampliar e até mesmo recuperar espaço, podescolonização da África, da Ásia e do mundo árabepulação e base econômica. Em suma, a característica
muçulmano. Este último fenômeno, sinalizado peprincipal do processo em curso, a contrario sensu da
la ressurgência do Islamismo como protagonista da
fragmentação da “primeira onda globalizante”, é a
cena internacional, tem impressionado observadores
da constituição dos Megaestados, que serão amanhã
de todo o mundo, a ponto de ser interpretado como o
os sustentáculos da mundialização.
desafio maior do pós-Guerra Fria.
A segunda e decorrente tendência é de que o amUma quinta tendência influenciará de forma debiente internacional deverá ser profundamente alcisiva a configuração do mundo de amanhã. Trata-se
terado em relação ao que era ao
da emergência do mundo latifinal da Guerra Fria, sobretudo o
no, cujo protagonismo possível
sistema que sucedeu a bipolariencontra no futuro Megaestado
A característica
dade, e que se denominou a “Nobrasileiro seu principal ator. Emva Ordem Mundial”. Contudo,
bora a Europa meridional seja
principal do processo
acontecimentos como as duas
parte fundadora do mundo latiem curso, a contrario
guerras do Golfo e o incidente
no, o emergente bloco reunirá,
do dia 11 de setembro de 2001
sobretudo, o conjunto dos países
sensu da fragmentação
são sintomas da profunda e drada América Latina. O novo munda “primeira onda
mática instabilidade da ordem
do latino-americano integrará
internacional gerada pela unipouma grande área econômica caglobalizante”, é a
laridade, vale dizer, a política de
paz de impulsionar a criação de
da constituição dos
força de uma única potência. A
uma nova ordem mundial multisuperação desse estado de coisas
polar, sobretudo se vier a enconMegaestados, que
só ocorrerá com a emergência de
trar-se a América do Sul com o
serão amanhã os
uma nova ordem mundial mais
Cone Austral Africano estabeledemocrática e mais legítima bacendo as bases de um polo merisustentáculos da
seada num novo equilíbrio de
dional de poder mundial.
mundialização
forças entre as nações. O advenEssas cinco macrotendências
to de uma ordem multipolar sedesenham uma linha central que
rá positivo para a criação de uma
aproxima e fazem convergir, em
situação internacional menos
graus e intensidades variadas, as
tensa e mais direcionada para a elevação do nível de
estratégias dos grandes países do mundo emergente.
vida das populações do mundo em desenvolvimento.
Observa-se nesse processo que a China tenta consoA terceira tendência cada vez mais visível no
lidar o seu processo de industrialização, e ampliar
horizonte internacional é o papel da Ásia do Lessua participação no sistema internacional, apoiada
te como um dos pilares do mundo multipolar em
na defesa de uma ordem mundial estável. No caso
gestação. O megadesenvolvimento da China (que já
do Brasil – que é o maior país em desenvolvimento
adquire a forma de um Megaestado), em seguida
do hemisfério ocidental, detentor de recursos natuao do Japão e o da Coreia, transformou o mundo
rais imensos e de uma grande população, desejosa
Ásio-oriental na vanguarda do sistema internaciode contribuir para a elevação do bem-estar material
nal. Trata-se de uma região de importância cada vez
e espiritual de todos os povos –, essas macrotendênmaior no jogo de equilíbrio do poder mundial, concias presentes na cena internacional fazem-no cada
sequentemente para a paz e o desenvolvimento do
vez mais interessado num esforço conjunto com a
mundo. Esta é a razão por que, neste começo de séChina, Rússia, Índia e África do Sul, numa pauta coculo e de milênio, a China e a Ásia Oriental enconmum em defesa do desenvolvimento pacífico e sustram-se no centro do processo da construção de um
tentável. Compreendido este último como uma resdos pilares de sustentação do sistema internacional
posta ao desafio gerado pelo aparecimento de uma
multipolar de amanhã.
economia globalizada e as ameaças dela resultante:
Como quarta tendência é possível constatar a
ampliação da diferença de renda entre ricos e pobres,
ressurgência das civilizações afetadas em seu desdegradação ambiental, aumento do hiato financeiro,
tino histórico pelo mundo euro-ocidental e pela
científico e técnico existente entre os países indusciência e técnica modernas. O mundo que assistiu,
trializados e o mundo em desenvolvimento.
6
Capa
Ao visualizar essas macrotendências globais, em
meio ao tumulto gerado pela crise dos mercados financeiros mundiais, não se deve perder de vista as
contratendências presentes na conjuntura internacional A principal delas pode definir-se como o advento de uma “segunda onda globalizante”, que se
anuncia fortemente vinculada a questões políticas
suscitadas pelas chamadas ameaças climáticas e
ambientais. Nela, a medição de força no campo econômico e financeiro, bem como científico tecnológico, tornar-se-á fator decisivo para a continuidade do
desenvolvimento mundial.
Assim que – para “navegar nessa nova onda global”, que desafia todos os países e ameaça a humanidade com o duplo flagelo do aquecimento do planeta
acoplado ao desaquecimento econômico mundial – a
estratégia a ser seguida pelos atores da cena mundial deverá estabelecer a “sobrevida dentro do ciclo”
como a sua principal meta. O que resultará, é claro, num reforço da proteção dos recursos naturais e
humanos de cada unidade política ativa do sistema
internacional. Esta reação de autodefesa pode vir a
desatar uma corrente protecionista entre as economias industriais e acarretar uma deterioração do comércio mundial, aprofundando o processo de crise
da economia mundial e trazendo sérios entraves para o desenvolvimento dos países emergentes.
Outra contratendência evidencia o risco que correm as unidades políticas nacionais com o aumento
de tensões separatistas geradas por movimentos sociais radicais de fundo político-ideológico, étnico e
religioso. Na outra ponta dos movimentos de “capitais desregulados” que provocam a desestabilização
econômica mundial, esses movimentos sociais radicais também atuam para aprofundar a crise sistêmica e ameaçar a unidade e a integridade dos Estados.
Neste sentido, visualiza-se uma crescente instabilidade nas diversas regiões do mundo, notadamente
naquela que se situa no epicentro da crise mundial,
estendendo-se do Norte da África e do Médio Oriente ao Centro e Sul da Ásia.
Em que pese essa contratendência e a vasta crise
financeira global a gerar incertezas, permanece a tendência principal de emergência de novos centros de
poder mundial e do surgimento da multipolaridade
como uma nova configuração da estrutura do sistema
internacional. Sistema que se apresenta em seus principais contornos nesse início de século XXI marcado
essencialmente pela presença dos países que constituem o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África
do Sul), megaestruturas de poder por sua indústria,
população, extensão territorial e recursos naturais.
Megapotências do século XXI, esses países estão
desafiados a manter o crescimento das suas eco-
nomias para atingirem novos degraus na busca do
desenvolvimento sustentável e harmonioso. O que
implica que se tornem uma força conjunta a trabalhar para a reativação da economia mundial e consequente retomada dos mais altos níveis de crescimento e desenvolvimento.
O ano de 2008 assistiu à consolidação não só do
bloco sul-americano como também à irrupção na
cena internacional da concertação política dos países emergentes reunidos na sigla BRIC. Depois da
reunião dos chanceleres do Brasil, da Rússia, Índia
e China, na cidade russa de Ecaterimburgo, os presidentes desses países vieram a se encontrar na reunião anual do G-8, em Tóquio, acompanhados do
México e África do Sul, onde praticamente lançaram
as bases de um entendimento maior sobre os rumos
da política internacional. A continuidade da crise financeira, contudo, levou-os a se encontrarem mais
uma vez na estrutura ampliada do G-20, a discutirem a nova arquitetônica financeira internacional
com o conjunto dos países industrializados.
No entanto, a questão-chave para o equilíbrio
de força mundial pós-Guerra Fria continua a ser
a constituição de uma aliança estratégica entre os
maiores países do mundo que emergem para a cena internacional nesse começo de século e de milênio. A estrutura do poder mundial, herdeira de uma
evolução multissecular, só poderá vir a ser alterada
de maneira positiva – sem quebra maior da unida-
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de alcançada com o final do processo de colonização
geraram as Guerras do Golfo e o incidente de 11 de
centralizada na Europa e que resultou no aparecisetembro de 2001. Esses países juntos somam 42%
mento de duas centenas de nações soberanas – com
da população mundial, 14,6% do PIB e 12,8% do coa emergência de novos suportes da estabilidade da
mércio mundial em números de 2008.
ordem internacional.
A Cúpula dos Chefes de Estado e de Governo do
A extrema complexidade da situação internacioBRICS já foi realizada em cinco cidades: Ecaterimnal do começo do século e do milênio aponta para o
burgo, Brasília, Sannya, Nova Déli e Durban. Nesses
desenvolvimento de tendências ora centralizadoras
encontros, ampliou-se o consenso em torno de seus
ora descentralizadoras no processo de globalização
interesses comuns, e coordenaram-se seus esforços
que se disseminou logo após o fim da Guerra Fria e
na contenção dos efeitos da crise econômica global
da bipolaridade. De tal modo que, em todas as soao mesmo tempo em que foi proposta a reforma do
ciedades, tanto ocidentais como orientais, os fenôsistema financeiro internacional, no sentido de famenos de transgressão da lei e de ameaça anárquica
vorecer uma melhor administração da crise em beinsurrecional tornaram-se comuns, ampliados que
nefício de todos os membros da comunidade interforam pela expansão dos meios de comunicação e
nacional. A negociação política que encabeçam não
informação de massa. O casamento do satélite de
ameaça a nenhum país ou bloco de países, mas tem
comunicação com o computador,
o caráter de resguardar os interesmuito além do que os pensadores
ses dos países e povos do mundo
A nova ordem
da primeira metade do século XX
em desenvolvimento.
imaginavam, subverteu todos os
Portanto, a partir desses enconmundial multipolar
consensos e desencadeou o que se
tros o mundo começou a familiarique a emergência
pode denominar de uma mudanzar-se com a sigla criada em 2001
ça de “pele” da humanidade. Tal
por Jim O’Neill. Passou a sentir o
do BRICS anuncia
tendência está a exigir das autorique ela significa de fato para a Orserá democrática
dades e dos governos de todos os
dem Mundial Multipolar que se está
quadrantes uma arte de governar
gestando num ambiente internacioe representará um
cada vez mais flexível, dúctil, mas
nal marcado pela maior crise finannovo momento
que seja capaz de resistir a toda
ceira e econômica desde a Grande
força desconstrutora que ameace
Depressão. Tal como se mostra hoje,
do sistema
a soberania dos Estados. O estudo
o BRICS é um mecanismo destinainternacional
de autores contemporâneos (como
do a impulsionar a economia dos
Kissinger e Brzezinski) que analigrandes países emergentes – Brasam essa problemática familiariza
sil, Rússia, Índia, China e África do
aquele que estuda o macroclima internacional com
Sul – a liderar o crescimento da economia mundial
algumas questões candentes da hora atual.
nos próximos anos e décadas. Desse modo, é possível
Tal como à época da Guerra Fria e do equilíbrio
antecipar que a Sexta Cúpula do BRICS, em Fortaledo terror nuclear se exercitava a “chantagem nuza, encontrará a Comunidade Internacional cada vez
clear”, em nossa época se pratica o que se poderia
mais atenta às deliberações dos Chefes de Estado dos
chamar de “chantagem climática e ambiental”. Em
grandes países emergentes. Pode-se pensar tratar-se
nome do combate ao desenvolvimento predatório e
da mais importante realização do mundo pós-Guerra
dissipador de recursos se tenta pura e simplesmente
Fria, por ser um mecanismo que deverá exercer um
impedir o desenvolvimento. De um lado, o conserpapel reitor na Nova Ordem Mundial Multipolar que
vadorismo ambientalista irmanado com o ativismo
se constrói nesta primeira década do século XXI, tenmilitante ergue barreiras ao crescimento e a geração
do em vista o seu peso econômico crescente e sua lide riqueza, de outro, os organismos internacionais
derança no apelo à mudança da ordem econômica e
praticam o protecionismo a favor dos países desenpolítica internacional.
volvidos criando óbices a políticas que favoreçam o
Agora, em 2014, a cidade de Fortaleza, no Normundo em desenvolvimento.
deste do Brasil, prepara-se para sediar a Sexta CúA primeira Cúpula do BRICS – e a partir da quarpula do BRICS, num momento de especial tensão
ta Cúpula com a presença da África do Sul – viu o
que envolve a Rússia e os EUA, mais a União Eumundo começar a se familiarizar com a sigla e tamropeia, numa queda de braço em torno do futuro
bém com o que ela significa para a ordem mundial
da Ucrânia. Os países membros do BRICS devem
multipolar que se está a criar num ambiente interampliar o consenso em torno de seus interesses conacional ainda marcado pelos acontecimentos que
muns e coordenar seus esforços na contenção dos
8
Capa
efeitos da escalada da crise política que poderá vir a
infletir sobre o ritmo de recuperação da economia.
Ao mesmo tempo devem propor a reforma do sistema financeiro internacional no sentido de favorecer a melhor administração da crise em benefício
de todos os membros da comunidade internacional
e não apenas dos países desenvolvidos. A negociação que eles devem liderar não ameaça a nenhum
país ou bloco de países, mas busca resguardar os
interesses dos países e dos povos do mundo em desenvolvimento.
A nova ordem mundial multipolar que a emergência do BRICS anuncia será democrática e representará um novo momento do sistema internacional.
Deverá basear-se no entendimento e na cooperação
dos povos de todos os continentes. Embora existam
ainda fatores responsáveis pelos conflitos e pelas crises de violência em escala global, o momento aponta
para uma nova ordem que se define pela transigência
e a busca da harmonia dentro da diversidade. Neste
sentido, creio visualizar no mecanismo BRICS, in fieri,
um dispositivo capaz não só de unir os gigantes do
mundo em desenvolvimento, mas também importante elemento de paz e desenvolvimento a sustentar a
nova ordem mundial multipolar do século XXI.
* Severino Cabral é historiador, doutor em Sociologia
pela Universidade de São Paulo (USP), diplomado em Altos
Estudos de Política e Estratégia pela Escola Superior de
Guerra (ESG) e diretor-presidente do Instituto Brasileiro de
Estudos de China e Ásia-Pacífico (IBECAP)
Notas
(1) O texto citado foi traduzido do original em inglês: Today the
world’s emerging powers – China, India, Brazil and Russia –
are playing a more integral role in this management process.
Zbigniew Brzezinsk, in Strategic Vision: America and the Crisis
of Global Power, 2012.
(2) O texto citado foi traduzido do original em inglês: These challenges come at a time when the international order has already been reshaped for new century. Countries like China,
India, Brazil are growing by leaps and bounds. Barak Obama,
Speech to UK Parliament, Westminster Hall, Londres, 25 de
maio de 2011.
(3) O texto citado foi traduzido do original em francês: Or le monde
du XXIe siècle se caractérise par des changements fondamentaux d´acteurs, en raison de leur diversification et surtout de
l’émergence de nouveaux géants – Chine, Inde, Brésil… Le
progrès technique et l’histoire de ce dernier demi-siècle ont
certes modifié le cours des choses, mais ce qui apparaît le
plus important, sur le plan stratégique, c’est bien le bouleversement des donnes géopolitiques. Éric de la Maisonneuve, in
Stratégie crise et chaos, 2005.
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9
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Avançar mais, o desafio do BRICS
Inácio Arruda*
Mesmo o BRICS sendo um agrupamento informal,
seu surgimento e trajetória registram êxitos no cenário
internacional e colocam desafios para aumentar ainda
mais o seu protagonismo e trazer desenvolvimento
econômico e social para suas populações. Para o
Brasil, em especial, é um instrumento importante de
fortalecimento de nossa presença na geopolítica mundial
A
trajetória do Brasil na arena internacional, desde a posse do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, tem sido a de reafirmar a nossa soberania e traçar uma
política que respalde um projeto de
desenvolvimento nacional com distribuição de renda. O primeiro passo foi impedir a criação da Área
de Livre Comércio das Américas (Alca), proposta pelo então presidente dos Estados Unidos da América
(EUA), Bill Clinton, em 1994, que visava a atrelar
as economias do continente aos interesses estadunidenses, seguindo a orientação neoliberal. Abraçado
com entusiasmo pelo governo Fernando Henrique
10
Cardoso e pelo PSDB, o projeto foi recusado por Lula, que optou por fortalecer os laços com os países
latino-americanos, através do Mercado Comum do
Sul (Merosul) e da União de Nações Sul-Americanas
(Unasul). A agregação regional é fundamental, não
apenas na América, mas em todo o Hemisfério Sul.
O Hemisfério Norte já tem uma logística industrial,
comercial, cultural, científica e tecnológica bastante
desenvolvida, o que ainda é um desafio para o nosso
hemisfério. Outro passo importante foi livrar-se da
tutela do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Os países sul-americanos podem ter no Brasil um motor para seu desenvolvimento. Podemos
Capa
adotar projetos arrojados de mobilidade urbana,
nário internacional, construindo alianças pontuais
com uma logística de metrô; e de transporte de carpara ação conjunta e unitária. Em 18 de outubro de
ga, com trens e portos. Isso alavancaria também a
2005, durante uma visita de Estado do presidente
indústria de máquinas e equipamentos nesses seLula à Rússia, os dois países assinaram um acortores. Através do BRICS e de outras articulações e
do de aliança estratégica e também um acordo que
instâncias, nosso país pode atuar para o desenvoltornou possível enviar o primeiro astronauta bravimento mais acelerado da América do Sul, o que
sileiro, Marcos Pontes, ao espaço a bordo da Soyuz
é muito importante para nosso próprio projeto de
TMA-8. Em novembro de 2008, durante uma visita
desenvolvimento nacional. Isso amplia o potencial
de Estado do presidente Dmitry Medvedev ao Brade desenvolvimento da nossa indústria, aperfeiçoa
sil, os dois países assinaram acordos de cooperação
e qualifica nossos profissionais. Ao mesmo tempo,
nos setores aeroespacial, nuclear e de defesa.
internamente, temos que resolver os problemas da
Pouco antes, em 9 de julho de 2008, os Chefes
burocracia e dos gargalos econômicos, que emperde Estado e de Governo do BRIC se reuniram pela
ram, ou direcionam para os títulos
primeira vez, durante uma Cúpula
públicos, os investimentos naciodo G-8; em 7 de novembro ocornais e internacionais.
reu, em São Paulo, o primeiro EnOs países BRICS
Em 1993, George Kennan, no licontro de Ministros de Finanças.
atuam nas
vro Around the Cragged Hill: A Personal
Não existe um documento consand Political Philosophy, referiu-se a
titutivo do agrupamento, nem
instituições
monster countries, países que combium secretariado fixo, nem fundos
internacionais
nam ao mesmo tempo uma extenpara financiar suas atividades. Posão continental e uma grande porém, visando a manter o diálogo,
para resistir às
pulação – os cinco países monstros
identificar convergências, acertar
intenções dos
eram os Estados Unidos da Améação conjunta em diversos temas
rica (EUA), a então União Soviétie, ainda, ampliar os contatos e
EUA de promover
ca, a China, a Índia e o Brasil. Em
cooperação em setores específicos,
novas normas, em
2001, o economista Jim O’Neil, do
os cinco países passaram a realizar
Banco de investimentos Goldman
reuniões anuais e ainda incorpoespecial sobre o uso
Sachs, no estudo Building Better
raram a África do Sul, a partir de
da força militar
Global Economic BRICs, analisou os
2011, aos encontros (aumentando
países com economias emergentes
o acrônimo para BRICS, com o S
(os “monstros” citados por Kennan, com exceção
de South Africa).
dos EUA, e a Rússia substituindo a União SoviétiMesmo com essa informalidade – e demonsca). Chamou a atenção para o fato de eles estarem
trando que as reuniões têm tido papel positivo na
ocupando posição cada vez mais relevante na econopolítica externa dos países envolvidos –, a Argenmia mundial. O’Neil apontava que os países BRICS,
tina expressou o desejo de juntar-seà aliança, e
em decorrência, estavam ainda mais atraentes paconta com o apoio de Brasil, Índia e África do Sul
ra investimentos internacionais.Eles são os únicos,
nesse intento. Também México, Irã, Cazaquistão e
além dos EUA, que possuem, ao mesmo tempo, área
Indonésia demonstram interesse em juntar-se ao
territorial acima de 2 milhões de km², mais de 100
BRICS. Para a Argentina, sua aceitação no bloco pomilhões de habitantes e Produto Interno Bruto (PIB)
de significar a obtenção de financiamento em connominal acima de US$ 1 trilhão.
dições mais favoráveis do que as oferecidas por ouO agrupamento, propriamente dito, surgiu de
tras organizações internacionais. Os países BRICS
maneira informal, em 2006. Os chanceleres dos
atuam nas instituições internacionais para resistir
quatro países realizaram um almoço de trabalho,
às intenções dos EUA de promover novas normas,
coordenado pela Rússia, quando participavam da
em especial sobre o uso da força militar. Usam as
Assembleia Geral da Organização das Nações Uniinstituições multilaterais para tornar públicos seus
das (ONU). No ano seguinte, novo almoço de trainteresses e angariar apoios. Três dos países da sibalho, desta vez coordenado pelo Brasil, quando foi
gla, Rússia, China e Índia, têm poderio militar. A
decidido realizar reunião específica dos chanceleres
ascensão do BRICS é um sinal de multipolaridade
doBRIC, o que aconteceu em 18 de maio de 2008,
na ordem internacional.
tornando a sigla uma entidade político-diplomáA primeira Cúpula aconteceu em 16 de junho
tica. Os presidentes Vladimir Putin, da Rússia, e
de 2009, sob o impacto da crise econômica iniciada
Lula, buscavam, assim, destacar seus países no ceno ano anterior. Desde então, graças à ação conjun-
11
131/2014
ta, melhorou a participação do BRICS nas quotas
denados, inclusive preparando declarações conjundo FMI e Banco Mundial. Em 2006, Brasil, China
tas para reuniões da Diretoria.
e Índia tinham 20% menos poder dentro do FMI
Os ministros de Finanças e presidentes de bando que Holanda, Bélgica e Itália, embora suas ecocos centrais do BRICS se reúnem com certa periodinomias fossem quatro vezes maiores do que as eucidade – duas ou três vezes por ano, em média. Os
ropeias. China, Índia e Brasil – 2ª, 4ª e 8ª maiores
países BRICS fazem parte dos dez maiores países
economias do mundo em 2010 – ocupavam a 7ª, 8ª
do mundo em termos de PIB, área e população. Nee 13ª principais posições entre os cotistas do Banco
nhum deles depende de capitais externos europeus
Mundial e 9ª, 13ª e 17ª no FMI. Com as reformas,
ou norte-americanos ou da assistência financeira do
passarão a ocupar a 3ª, 7ª e 12ª posições no Banco
FMI ou de outros organismos ainda controlados peMundial, e a 3ª, 8ª e 10ª no FMI. A Rússia passará à
las potências tradicionais.
8ª no Banco Mundial e à 9ª no FMI (era a 10ª, nas
Em 2013, os líderes do grupo decidiram criar
duas instituições).
um fundo de reserva no valor de
Os pontos de consenso entre os
US$ 100 bilhões para proteção em
Os pontos de
cinco países têm sido fortalecer a
caso de instabilidade do mercaconsenso entre os
segurança e a estabilidade interdo. Ficou também confirmada a
nacionais; alcançar oportunidades
criação de instituições financeiras
cinco países têm
iguais para seus desenvolvimenpróprias, inclusive um Banco de
sido fortalecer
tos; fomentar o multilateralismo,
desenvolvimento. ”O banco dirigicom a ONU desempenhando pado pelo BRICS mobilizará a econoa segurança e
pel central; reformar a ONU e seu
mia interna e fornecerá financiaa estabilidade
Conselho de Segurança,com apoio
mento conjunto a infraestruturas
de China e Rússia ao Brasil e Ínem regiões em desenvolvimento”,
internacionais;
dia para desempenharem maior
saudou o presidente sul-africano,
alcançar
papel na ONU; buscar soluções poJacob Zuma. Trata-se de um projelíticas e diplomáticas para as disto-chave para o objetivo do BRICS
oportunidades
putas; favorecer o desarmamento
de construir alternativas para as
iguais para seus
e a não-proliferação; condenar o
instituições dominadas pelas poterrorismo; cooperar para o enfrentências ocidentais. Essas discusdesenvolvimentos;
tamento dos efeitos da mudança
sões devem avançar na reunião
fomentar o
climática; cumprir as Metas de Deque será realizada em Fortaleza.
senvolvimento do Milênio; apoiar
Essas estruturas pretendem ser
multilateralismo,
o combate à fome e à pobreza; e
uma resposta às chamadas “guercom a ONU
realizar reuniões, ao menos anuais,
ras cambiais”, que evidenciam a
dos ministros das finanças dos paínecessidade de se realizar trandesempenhando
ses BRICS para discutir temas ecosações no comércio internacional
papel central
nômicos e financeiros.
com suas próprias moedas. As
Atuam em conjunto para eviinstituições financeiras do BRICS
tar retrocesso nos temas financeiros e monetários,
buscam reforçar suas moedas.
para que não volte a prevalecer a ortodoxia liberal
Em conjunto, esses países contam com 45% da
que imperava antes da crise, que foi resultado da
força de trabalho e 43% da população do planeta,
falta de controles de capital. Graças ao BRICS, FMI
40% do total da reserva mundial e 2 bilhões de
e Banco Mundial estão tendo de admitir que meditoneladas de produção agrícola. São responsáveis
das de controle de capital podem ser benéficas para
por, aproximadamente, 1/4 do PIB e 20% do invescombater as crises e também para preveni-las. Pautimento global. Contribuíram, em 2012, com 56%
lo Nogueira Batista Jr., diretor executivo do FMI
do crescimento do PIB mundial. Cada país man(representando o Brasil, a Colômbia, a República
tém, igualmente, sua importância individual. ToDominicana, o Equador, a Guiana, o Haiti, o Panados eles vêm desenvolvendo programas de inclumá, o Suriname e Trindade e Tobago), afirma que
são social, como oAgroamigo (o maior programa
os cinco diretores executivos doBRICS no FMI se
de microfinanças rural da América do Sul), o Bolreúnem com muita frequência para coordenar posa Família e o Programa Universidade para Todos
sições sobre temas na pauta da diretoria ou inicia(ProUni), no Brasil; o programa Esquema Ladli,
tivas do próprio grupo. Em matéria de cotas e da
que enfrenta o infanticídio feminino na Índia; os
governança do FMI, atuam frequentemente coorprogramas de transferência de renda para crian-
12
Capa
O Brasil aumenta sua participação na economia global e se destaca no desenvolvimento sustentável
ças, pessoas com deficiências e idosos, na África
do Sul; os programas implementados pelo Gabinete para Eliminação da Pobreza do Conselho de
Estado da China; e as políticas de emprego para
jovens da Federação Russa.
O Brasil aumenta sua participação na economia
global e se destaca no desenvolvimento sustentável.
A Rússia é importante produtora de energia, além
de potência militar. A Índia tem grande mercado e
influência regional. A China é a economia que mais
cresce no mundo. A África do Sul cresce em importância como produtora de commodities. O valor do
comércio BRICS-Mundo passou de US$ 1 trilhão,
em 2002, para US$ 4,6 trilhões, em 2010; o comércio intraBRICS, no mesmo período, passou de US$
27 bilhões para US$ 220 bilhões. O comércio Brasil-BRICS passou de US$ 10 bilhões, em 2003, para
US$ 96 bilhões, em 2011. Foi superavitário para o
Brasil e pode se ampliar com a crescente demanda
chinesa e indiana por commodities agrícolas e minerais. Em geral, o Brasil exporta para os países BRICS
bens primários e semimanufaturados e importa manufaturados mais sofisticados. A África do Sulé exceção, pois exportações e importações concentramse em produtos manufaturados.
Em praticamente todas as questões da agenda
internacional, o BRICS tem algum tipo de influência: tema ambiental, Doha, armamento, finanças.
Em algumas questões, suas posições são convergentes; noutras, não. A China tem posição especial,
no BRICS e no mundo. Brasil e Índia são o quarto e
o quinto países que mais ativamente reclamam no
mecanismo de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC).A sigla oferece
algumas vantagens, como ação coordenada no plano das finanças internacionais, atitudes que se reforçam no Conselho de Segurança, por exemplo, e
poucas desvantagens.
A China, desde 2010 a segunda economia do
mundo e maior exportadora global, é o principal parceiro comercial do Brasil (US$ 77 bilhões
em 2011, com superávit de US$ 11 bilhões para o
Brasil).O programa do Satélite Sino-Brasileiro de
Recursos Terrestres é uma parceria inédita entre
Brasil e China no setor técnico-científico espacial.
Com isso, o Brasil ingressou no seleto grupo de países detentores da tecnologia de geração de dados
primários de sensoriamento remoto. Graças a essa
cooperação, temos uma poderosa ferramenta para
monitorar nosso território com satélites próprios de
13
131/2014
sensoriamento remoto, buscando consolidar uma
armas, da moeda e das finanças, da informação e
importante autonomia neste segmento. Nosso país
da inovação tecnológica.
é a sétima economia do mundo (“com viés para
No mês de maio, especialistas e intelectuais dos
ser a quinta”, segundo o ex-presidente Lula), e espaíses que formam o BRICS realizaram o Consenso
tá entre o 3º e o 4º país preferido
do Rio (contraponto ao Consenso
pelo investimento direto estrande Washington, de 1989, que degeiro. Índia, a nona maior econofendeu o neoliberalismo) e indiTodos os
mia; Rússia, a décima primeira, e a
caram como prioridade absoluta
integrantes do
África do Sul vem fortalecendo sua
de seus governos “promover o dedemocracia e economia.
senvolvimento econômico como
BRICS também
O BRICS vem se consolidanesteio do desenvolvimento social
consideram a
do como foro político-diplomáticom sustentabilidade ambiental,
co integrado por representantes
tendo em vista o imperativo de gamanutenção da
de quatro continentes. Foi fortarantir o pleno emprego e reduzir a
paz uma condição
lecida a cooperação setorial em
pobreza e a desigualdade econôáreas como agricultura, estatísmica, o que jamais ocorrerá numa
essencial para
tica e bancos de desenvolvimensociedade estagnada”.
a promoção do
to; avançou a atuação na área de
A agenda que propuseram é a
ciência e tecnologia e no campo da
que
defendemos também para o
desenvolvimento e
saúde, entre outros. Há também
Brasil, como a forte presença reguprogresso social e
posicionamentos para além de teladora e indutora do governo cenmas econômicos. Todos os países
tral na economia, especialmente
econômico
do grupo debateram, em 2011, no
em setores estratégicos, e comproConselho de Segurança da ONU,
misso em garantir bens básicos patemas candentes, como a questão da Líbia. Na rera a população; fortalecimento dos bancos públicos
união de seus vice-ministros, em novembro, na
de desenvolvimento e das empresas estatais estraRússia, aprovaram uma declaração abrangente sotégicas; controle de capitais; integração econômica;
bre temas como a situação na Síria, Líbia e Iêmen,
desenvolvimento tecnológico e sustentável, dentre
o conflito árabe-israelense e o programa nuclear
outros pontos. Todos os integrantes do BRICS tamiraniano.
bém consideram a manutenção da paz uma condiO Brasil tem no BRICS uma plataforma adicioção essencial para a promoção do desenvolvimento e
nal, e não exclusiva, de atuação na política externa.
progresso social e econômico.
Em 2003, foi constituído o Fórum Índia, Brasil, ÁfriÉ com esta visão que daremos as boas-vindas em
ca do Sul (IBAS), as Cúpulas América do Sul-ÁfriFortaleza, nos dias 15 e 16 de julho, aos líderes goverca (ASA) e América do Sul-Países Árabes (ASPA).
namentais de Brasil, Rússia, Índia, China e África do
Existe também o grupo Brasil, África do Sul, Índia e
Sul, aos empresários e ativistas de organizações soChina (BASIC), para negociações sobre mudança do
ciais e movimentos em defesa da paz, solidariedade
clima. O Brasil mantém relações diplomáticas com
e cooperação desses países, que integrarão as deletodos os países-membros da ONU e é membro de 73
gações – está prevista a participação de 750 pessoas,
instituições internacionais.
além das representações das cinco maiores empresas
O desafio para o BRICS é manter-se como um
de cada um dos cinco países, bancos de desenvolvibloco nas negociações com os EUA, a União Eumento e cerca de 1.500 jornalistas de todo o mundo.
ropeia e o Japão e estimular o intercâmbio múltiComo afirmou a presidenta Dilma Rousseff, os
plo em suas sociedades, facilitando a circulação de
países BRICS resistiram “à crise global, que afeta os
pessoas entre os seus membros. Cogita-se a criamercados dos países desenvolvidos, com políticas
ção de vistos BRICS em passaportes de homens de
que reforçam nossa capacidade e nossa estabilidade
negócios, professores e pesquisadores. Esses países
econômica. Nós nos distinguimos também porque
podem se tornar, em cooperação, centros de excetemos aplicado um modelo de desenvolvimento com
lência na área de defesa, microeletrônica, biotecnoinclusão social. Em todos os BRICS ocorreu uma
logia, robótica, nanotecnologia, telemedicina, ensensível redução das pessoas que vivem abaixo da
volvendo um plano de ação em ciência, tecnologia
linha da pobreza”. É neste caminho que desejamos
e inovação. As “grandes potências”, por seu lado,
avançar, e avançar mais.
buscam impedir o surgimento de novos Estados e
* Inácio Arruda é senador da República pelo PCdoB-CE
economias líderes, através da monopolização das
14
Capa
O BRICS na Terra do Sol e do
crescimento socioeconômico
Cid Ferreira Gomes*
O sexto encontro de Cúpula do BRICS acontece em um
estado brasileiro sintonizado com o ritmo de desenvolvimento
socioeconômico que a entidade internacional persegue
Setur
D
iferentemente dos pactos militares, que
podem envolver parceiros dispersos
por diferentes continentes, os blocos
comerciais tendem a aglutinar países
vizinhos, ou que revelem afinidades históricas e culturais. Assim, formaram-se
Vista aérea de Fortaleza (CE), cidade que sediará a
VI Cúpula do BRICS. À esquerda, a marca do evento
a União Europeia, o Mercado Comum do Sul (Mercosul), o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio
(Nafta, sigla em inglês) e tantos outros.
Já o BRICS foi criado ignorando a contiguidade
geográfica. Integrado inicialmente por Brasil, Rússia, Índia e China, não se constitui, exatamente,
15
131/2014
em uma associação comercial formal, mas em uma
guem-se: Brasil, 84ª; China, 101ª; África do Sul, 123ª;
aliança que tem revelado excelente sincronia, quane Índia, 134ª. De fato, há um caminho a ser percorrido se trata de fazer valer seu crescente poder econôdo. E neste caminho há muitas pedras.
mico. Em 2011, o grupo acolheu a África do Sul (e,
com ela, o “S” de South Africa, no final da sigla).
Os prognósticos de Jim O’Neil
O motor da nova associação foi o fato de todos os
parceiros se encontrarem em um estágio similar de
A ideia de se agruparem as economias mais prósdesenvolvimento, caracterizando-se como mercados
peras do mundo em desenvolvimento havia sido foremergentes, com interesses semelhantes e os mesmos
mulada, em 2001, por Jim O’Neil, economista-chefe
desafios a serem enfrentados no tabuleiro internacional.
da Goldman Sachs, grupo financeiro sediado em NoDe que tamanho é essa nova força? A posição do
va Iorque. No estudo intitulado Building Better Global
BRICS em diferentes rankings revela
Economic BRICs, O’Neil mapeava,
que estamos diante de importantes
até 2050, as economias dos quatro
Um dos resultados
protagonistas da cena mundial. A
países que inicialmente comporiam
China, com a maior população do
o BRICS, a partir de projeções demais significativos
globo, ocupa o primeiro lugar em
mográficas e modelos de acumudo surgimento
volume de exportações, balança colação de capital e crescimento de
mercial e consumo de eletricidade,
produtividade. Em seguida, avado BRICS foi
enquanto exibe o segundo maior
liava a possibilidade de as econoa mudança
Produto Interno Bruto (PIB) nomimias desses países superarem as do
nal, ocupando também o segundo
G6 (Estados Unidos, Japão, Reino
operada no poder
lugar em importações.
Unido, Alemanha, França e Itália,
econômico global,
A Rússia, outro gigante, tem a
primeiros integrantes do grupo que
maior área e a maior produção de
viria a constituir o G8).
que não mais se
petróleo. Detém o quarto lugar nos
Em 2006, o conceito de O’Neil
concentra em meia
itens “balança comercial” e “consudeu origem à nova coligação coopemo de eletricidade”.
rativa. Até então, as ideias nascidas
dúzia de economias
Já o Brasil exibe a quinta maior
na Goldman Sachs eram apenas
desenvolvidas
isso: ideias. Os países apontados
área, quinta maior população, sexto
por Jim O’Neil, em seu estudo, não
PIB nominal, sexto lugar em consuhabituadas a ditar
exercitavam, entre si, qualquer memo de energia e nono em produção
normas
canismo que permitisse uma articude petróleo.
lação interna. Exibiam característiA Índia tem a segunda maior
cas e interesses comuns, mas inexistia um mecanismo
população do planeta e a quinta maior balança coque os motivasse a trabalhar coletivamente. A grande
mercial.
mudança ocorreu naquele ano, a partir de uma reuPor sua vez, a África do Sul, com desempenho
nião dos chanceleres dos quatro países, à margem da
mais modesto, apresenta, digno de nota, um 14º lugar
61ª Assembleia Geral das Nações Unidas. O entendiem consumo de eletricidade.
mento a que chegaram os ministros foi o passo inicial
Ressaltemos, também, as fragilidades desse grupara que Brasil, Rússia, Índia e China se aproximaspo, posto que há uma longa agenda de problemas a
sem de fato e começassem a atuar em conjunto.
serem solucionados e estes se constituem, sem dúviO que se seguiu foi uma série de reuniões de
da, em itens da pauta a ser discutida em Fortaleza.
cúpula, que resultou em definições necessárias, enLembremos que no quesito “liberdade econômica”, o
quanto, na comunidade internacional, se gerava o
desempenho menos sofrível é o da África do Sul, que
convencimento de que existia uma nova parceria
ocupa o 50º lugar na escala mundial. Seus parceiros
intercontinental, partilhando responsabilidades no
do BRICS distanciam-se muito na retaguarda: Brasil,
novo cenário que se desenha para o planeta. Os suem 81º lugar; China, 111º; Índia, 121º; e Rússia, 122º.
cessivos encontros terminaram moldando – e consoPouco animador, nessa nova família de países
lidando – a nova força.
é também o Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH), indicador a que são submetidos, a cada ano, os
Com a união, o fortalecimento
países membros da ONU, e que leva em conta dados
como a expectativa de vida ao nascer, educação, PIB e
É sabido que, mais do que em qualquer outra
PIB per capita. Aqui, o BRICS mais bem posicionado é
área, na seara da economia mundial a união resulta
a Rússia, que ocupa uma modesta 66ª colocação. Se-
16
Capa
em fortalecimento mútuo. De fato, quanto mais o
tórios, onde se confirmavam os prognósticos de Jim
BRICS se consolida, mais se acentua a importância
O’Neil – afirmou que os países BRICS foram os que
dos países membros como atores internacionais, e já
se recuperaram da crise mais galhardamente. E não
não somente no plano econômico e financeiro, mas
descartava a hipótese de que o bom desempenho
também no campo político. Orientando as relações,
econômico, no período de vacas magras, se deveu ao
dentro do grupo, por uma pauta que define mais de
comércio no interior do bloco.
30 áreas de cooperação, o BRICS tem conseguido
Num ensaio dos mais criteriosos (Contratos intercoordenar suas posições nas Nações Unidas e em
nacionais entre os países do BRIC), seus autores – Adler
outros fóruns como o G-20, o Banco Mundial e o
Antonio J. A. de Gomes Martins, Pedro Gustavo G.
Fundo Monetário Internacional.
Andrade e Renato Schweizer – exemplificam essa
Cabe destacar que, até o momento, o BRICS preperformance lembrando que o Brasil se beneficiou do
serva um caráter informal. Não existe um documenfato de “a China ter-se tornado seu maior importato constitutivo, não se estabeleceu
dor durante vários meses de 2009,
ainda, por exemplo, a figura de um
conforme estatísticas do Ministério
Cabe agregar
secretário-geral fixo, baseado em
do Desenvolvimento, Indústria e
informação
uma sede própria, contando com
Comércio Exterior”. Logo em sefundos específicos destinados a faguida, as exportações brasileiras
divulgada pelo
zer funcionar a nova estrutura. O
para aquele país atingiam volume
FMI, segundo a
BRICS, na verdade, se assenta na
40% maior do que o das exportavontade política de seus membros,
ções para os Estados Unidos.
qual, na década de
podendo-se supor que, no futuro,
O estudo assinala que, para2000-2010, o BRICS lelamente a esse desempenho no
em dado momento, um certo grau
de institucionalização venha a se
comércio internacional, os países
foi responsável
definir. De toda forma, o modus opedo BRICS “desenvolveram suas
(sozinho) por mais
randi hoje colocado em prática tem
relações diplomáticas e formaram
levado a uma evolução constante,
fora do âmbito econômide 50% da produção coalizões
que assinala como irreversíveis os
co”. Citam-se, como exemplos, “o
adicional de riqueza papel do Brasil e da Índia nas reiavanços obtidos.
Entendo que um dos resultados
vindicações em prol das economias
no mundo
mais significativos do surgimento
emergentes nas negociações de
do BRICS foi a mudança operada
Doha; o fórum IBAS, entre Índia,
no poder econômico global, que não mais se concenBrasil e África do Sul, que reúne três democracias
tra em meia dúzia de economias desenvolvidas hade três continentes; a coalização do BASIC, formada
bituadas a ditar normas, geralmente contrárias aos
por Brasil, África do Sul, Índia e China, que buscou a
interesses dos países periféricos. Promoveu-se um
defesa de interesses comuns sobre questões ambiensalutar reequilíbrio de forças, que tende a ensejar
tais e climáticas entre os países na recente Conferênmudanças cada vez mais importantes no plano da
cia de Copenhague; além da participação dos países
influência geopolítica e no mapa do desenvolvimenno G-20, que engloba, além do G7, uma série de paíto socioeconômico.
ses periféricos que, cada vez mais, buscam aumentar
Breve repasse de alguns indicadores revela um
seu poder de reivindicação acerca de questões finanmundo em transformação. Em 2003, os países que
ceiras globais. Brasil e Índia também buscam, juntavieram a constituir o BRICS respondiam por 9%
mente com Alemanha e Japão, no chamado G4, um
do PIB mundial. Em 2009, esse valor já se elevava
assento permanente no Conselho de Segurança das
a 14%. Em 2010, o Produto Interno Bruto conjunto
Nações Unidas, que já possui outros dois países do
dos cinco parceiros totalizava US$ 11 trilhões, reBRICS: China e Rússia”.
presentando 18% da economia do planeta. Hoje, já
O objetivo do ensaio acima citado é, na verdade,
supera o dos Estados Unidos e da União Europeia.
analisar a legislação interna e as convenções internaAinda nessa linha de referências, cabe agregar inforcionais ratificadas pelos parceiros do BRICS, a fim de
mação divulgada pelo FMI, segundo a qual, na décaorientar empresários e advogados que lidam, nesses
da de 2000-2010, o BRICS foi responsável (sozinho)
países, com os contratos internacionais de compra e
por mais de 50% da produção adicional de riqueza
venda. Trata-se de uma contribuição importante, pois,
no mundo.
com a aproximação econômica, lembram os autores,
Após a crise econômica de 2008-2009, o Gold“afigura-se necessário estudar o arcabouço jurídico
man Sachs – que continuou publicando novos relados membros do grupo, em especial no que concerne
17
131/2014
aos contratos internacionais, a fim de eliminar os entraves à integração econômica no âmbito do BRICS”.
Um histórico dos encontros
18
Estado - Ceará
Os países do BRICS reuniram-se pela primeira
vez a 16 de junho de 2009, em Ecaterimburgo, na
Rússia. Ali, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontrou seus colegas Dmitry Medvedev, o anfitrião;
Manmohan Singh, da Índia; e Hu Jintao, da China.
Na ocasião, foram discutidos temas relacionados ao
comércio
internacioCid Gomes, ao centro, com
nal, à possibilidade de
embaixadores dos países que
compõem o grupo do BRICS,
substituição do dólar
em Fortaleza
como moeda de reserva e à participação dos
parceiros nos organismos
internacionais.
Uma semana antes, o
Brasil oferecera US$ 10
bilhões ao Fundo Monetário Internacional.
Com esse ato, o País como que oficializava sua
mudança de posição na
esfera econômica mundial. China e Rússia também fizeram anúncios semelhantes.
O Brasil viria a receber a segunda Cúpula do
BRICS, que aconteceu nos dias 15 e 16 de abril, em
Brasília. Na ocasião, a Rússia anunciou demandas
para investimentos em rodovias e aeroportos; o
Brasil, em ferrovias, aeroportos, hidrovias e estrutura
urbana; a China sugeriu a troca de informações para
segurança alimentar, de modo a evitar grandes altas
nos preços dos alimentos.
O calendário de encontros se seguiu com a Cúpula de Sanya, na China, a 14 de abril de 2011; a de
Nova Déli, na Índia, a 29 de março de 2012; e a de
Durban, na África do Sul, a 26 de março de 2013.
Agora é chegada a vez de Fortaleza. O sexto encontro de Cúpula do BRICS acontece em um estado
brasileiro sintonizado com o ritmo de desenvolvimento socioeconômico que a entidade internacional
persegue. Repetidamente, o Ceará tem superado limites, apresentando um ritmo de crescimento superior ao da média nacional. Esse bom desempenho
se deve, principalmente, aos investimentos públicos
realizados nos últimos anos, cabendo, igualmente,
destacar a atuação do setor de serviços, que muito
tem contribuído para elevar a taxa de crescimento
do PIB estadual. Naquilo que corresponde ao governo do estado, é oportuno lembrar que as gestões fiscal e orçamentária têm propiciado mais arrecadação,
viabilizando-se, consequentemente, a ampliação dos
investimentos em infraestrutura.
Hoje, há um reconhecimento de que o estado tem
sabido arcar com suas responsabilidades. E, muito
provavelmente, é isto que coloca o Ceará na vanguarda das inovações em termos de novos instrumentos de gestão pública, com reflexos diretos em uma
taxa de crescimento acelerado e sustentável. Tudo
acontece, é claro, na perspectiva de se reduzirem as
disparidades, tanto aquelas que se formam entre as
classes sociais, quanto as que se aprofundaram, ao
longo de nossa história,
levando a um patamar
inaceitável as diferenças
no índice de desenvolvimento apresentado pelas
regiões do País.
É assim que, com
muito otimismo e um
justificado sentimento
de orgulho, o Ceará
abre as portas do seu
monumental Centro de
Eventos para acolher
o BRICS. O encontro
acontecerá nos dias 15 e
16 de junho, logo após a realização da Copa FIFA
2014, a grande competição do futebol mundial, da
qual também seremos anfitriões.
O Ceará está preparado para receber a presidenta Dilma Rousseff, os mandatários estrangeiros
e as respectivas comitivas. Paralelamente à reunião de Cúpula, deverá acontecer um encontro de
representantes das principais empresas dos cinco
países, o que potencializará os resultados do evento
programado para a capital cearense.
Durante dois dias, o BRICS desfrutará de nossa hospitalidade enquanto, ao mesmo tempo, nos
brindará com seu prestígio, dando visibilidade ainda maior a Fortaleza e ao Ceará. Os líderes de países
emergentes, em sua visita, aqui encontrarão uma
vontade de crescer e reordenar aquelas estruturas
que até pouco tempo atrás pareciam imutáveis e
que impunham a divisão do País em regiões eternamente pobres, subservientes, e regiões ricas e desenvolvidas.
Se o BRICS demonstra uma nova configuração
da ordem mundial, atribuindo maior peso aos países
emergentes, o Ceará se presta como modelo para um
novo desenho de Brasil, graças à irrefreável vocação
dos cearenses para o trabalho, a criatividade, a inovação, a coragem de fazer.
* Cid Ferreira Gomes é governador do Ceará
19
131/2014
BRICS e um novo sistema de
governança global
Embaixada da República Popular da China
How Hwee Young/AFP
A presidenta Dilma Rousseff, o presidente da China, Hu Jintao, e o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh,
antes de coletiva de imprensa da Cúpula do BRICS de 2011, na cidade de Sanya, província de Hainan, China
A expectativa para a 6ª Cúpula do BRICS é de que os países
membros venham a se tornar verdadeiramente uma sólida
fortaleza na manutenção da estabilidade e paz mundial
e na promoção do desenvolvimento, modelando, ainda, a
governança mundial
D
esde o século 21, as economias emergentes ascenderam juntamente – o que
reverteu o quadro no qual a economia
mundial foi impulsionada principalmente por economias avançadas durante mais de 200 anos. Em 2001, BRICS
(Brasil, Rússia, Índia, China e África
do Sul) ainda era apenas uma concepção econômica
e de investimentos. Com mais de uma década, es-
20
pecialmente desde a primeira cúpula dos líderes do
BRICS, realizada em 2009 em Ecaterimburgo, até as
cúpulas de Brasília, Sanya, Nova Déli e a de Durban
do ano passado, o mecanismo do encontro entre líderes do BRICS foi se aperfeiçoando continuamente.
Com o BRICS já se formou um quadro de cooperação
de multiníveis e áreas amplas. Com os resultados
conquistados nas cooperações pragmáticas, a cooperação interBRICS agora tem um conteúdo sólido.
Capa
Atualmente, a população dos países BRICS ocucontinuaram a crescer, e tornaram-se motor do crespa 42% do total mundial, o território quase 30% do
cimento econômico mundial. Atualmente, mesmo
mundo, a economia, somada, 21%, e o volume do
com uma desaceleração relativa, os fundamentos
comércio exterior ocupa 21%. Durante os últimos
econômicos dos países BRICS ainda estão favorádez anos, a contribuição desses países para o cresciveis, e a velocidade de crescimento em média é mais
mento econômico mundial superou 50%, tornando o
de duas vezes superior à dos países avançados.
BRICS um motor importante (uma mola mestra) da
Segundo, além das vantagens destacadas de forrecuperação e do crescimento sustentável da econoça de trabalho, recursos e mercado, os países BRICS
mia global. Conforme previsões de alguns analistas,
souberam explorar ativamente o curso de deseno Produto Interno Bruto (PIB) acuvolvimento que corresponde às
mulado do BRICS superará os EUA
próprias realidades, acelerando as
BRICS já se tornou
até 2018, e o G7 até 2030.
reformas e inovações. Daí alcanEnquanto o poder econômico
çaram resultados notáveis no seu
uma plataforma
cresce, o grupo BRICS já se tornou
desenvolvimento socioeconômico
estratégica para as
uma plataforma estratégica para as
e um poderio muito maior do que
principais economias emergentes
antes, com melhor capacidade paprincipais economias
realizarem diálogos e cooperações,
ra enfrentarem desafios e resolver
emergentes
e participarem ativamente da goproblemas. Atualmente, os países
vernança global, tornando-se uma
BRICS, incluindo a China, estão
realizarem diálogos
força importante na preservação
promovendo ativamente as refore cooperações,
da paz mundial e promoção do demas, a modificação de modelo de
senvolvimento comum. Os cinco
desenvolvimento, a estabilidade fie participarem
membros desse grupo são os prinnanceira e de receita, e um desenativamente da
cipais países grandes nos respectivolvimento impulsionado por inovos continentes, e membros imporvação. Estamos convictos de que
governança global,
tantes das Nações Unidas, do G20 e
com o avanço contínuo dos nossos
tornando-se uma
demais organismos internacionais
trabalhos, além da recuperação
e mecanismos multilaterais, deprogressiva da economia mundial,
força importante na
sempenhando também papéis críos países BRICS voltarão a crescer
preservação da paz
ticos em vários organismos regiorápido.
nais. Os cinco países têm mantido
O mundo de hoje está vivendo
mundial e promoção
estreitas ordenações e cooperações
profundas mudanças. A conjundo desenvolvimento
sobre uma série de questões intertura internacional enfrenta novos
nacionais críticas – como crise fireajustes. As incertezas e fatores
comum
nanceira, mudança climática e ouinstáveis que influenciam a situatras questões relevantes regionais,
ção tanto global como regional
contribuindo grandemente para a defesa dos inteaumentam. É uma questão polêmica após outra. A
resses globais dos países em desenvolvimento, e pamultipolarização avança ziguezagueando. A econora que os países emergentes e em desenvolvimento
mia mundial sofre reajustes profundos, com uma
tenham maior representatividade e voz nos assuntos
recuperação lenta e difícil e a falta de vigor. Para
internacionais.
um desenvolvimento econômico forte, sustentável e
Claro, nada se desenvolve sempre de vento a faequilibrado ainda tem um caminho muito longo a
vor, e a trajetória do BRICS não é exceção. No ano
percorrer. O grupo BRICS, formado por economias
passado, devido a grandes dificuldades tanto interemergentes e países em desenvolvimento, que denas como externas e à desaceleração relativa de suas
sempenha um papel importante na recuperação ecoeconomias, novamente surgiram vozes a depreciar o
nômica mundial e na promoção da ordem mundial
BRICS perante a opinião pública internacional, prenuma direção mais justa e razoável, precisa se unir e
vendo com pessimismo o mecanismo do BRICS e as
cooperar para ganhar mais vigor de desenvolvimencooperações interBRICS. No entanto, muitas críticas
to e coesão entre si, com o objetivo de abrir novas
e dúvidas são exageradas e parciais.
perspectivas do nosso próprio crescimento econôPrimeiro, o desenvolvimento econômico sempre
mico, enquanto impulsiona o crescimento econôtem altos e baixos. Desde o início do século 21, os
mico mundial, fazendo contribuições para a paz e
países BRICS mantêm um crescimento rápido. Mesestabilidade do mundo. Os países BRICS são muito
mo passando pela crise financeira mundial de 2008,
diferentes e complementares nos recursos naturais,
21
131/2014
estrutura setorial e rumo de desenvolvimento, e já
do BRICS, têm sido publicadas várias declarações e
apresentam uma base sólida de cooperação econôvários comunicados conjuntos e assinados diversos
mica. Atualmente, o seu volume de comércio extedocumentos de cooperação nas áreas de economia e
rior ocupa 16% do total mundial, enquanto o vocomércio, finanças, investimento e tecnologia, entre
lume de comércio interBRICS só chega à ordem de
outras. Vale especialmente recordar que, na V Cúpula
336 bilhões de dólares, ou seja 1,5% do total munrealizada no ano passado, os líderes dos cinco países
dial. Isso demonstra que o potencial da cooperação
concordaram em estabelecer o Banco de Desenvoleconômica interBRICS ainda não chegou a 100%.
vimento do BRICS e a reserva de divisas de continDevemos demonstrar confiança no nosso rumo de
gência com um valor inicial de 100 bilhões de dóladesenvolvimento e na perspectiva do BRICS. Assim
res. Essas duas decisões são medidas fundamentais
que definirmos o rumo certo, apliquemos medidas
para a construção do mecanismo e fortalecimento
eficazes, agarremos a oportunidade e avancemos de
da cooperação pragmática, e contribuem ativamente
mãos dadas, e então teremos um futuro brilhante de
para a melhoria da governança financeira global. Ao
cooperação interBRICS.
longo de mais de um ano, avançaram os trabalhos a
O primeiro ciclo da cúpula do BRICS terminou
esse respeito a passos seguros. Esperamos obter proexitosamente em 2013, em Durban, na África do
gressos substanciais nesta cúpula. Ao mesmo temSul, e este ano ocorrerá no Brasil.
po, todas as partes devem acelerar
Sendo membro do BRICS, o Braa cooperação pragmática nas áreas
Os países BRICS
sil tem-se esforçado, junto com
de economia e comércio, finanças,
os outros membros, no sentido
infraestruturas, indústria, saúde,
devem reforçar
de ampliar a cooperação, manter
agricultura, estatísticas, tecnologia
ainda a coordenação
a comunicação e coordenação,
e intercâmbio do pessoal.
apresentar várias sugestões consEm segundo lugar, reforçar a
das políticas
trutivas para o estabelecimento e
cooperação econômica e buscar
macroeconômicas
a melhoria do mecanismo do grunovos pontos de crescimento. Sob
po, assumir trabalhos importano contexto da lenta recuperação
para enfrentarem
tes – particularmente nos temas
econômica mundial, dos riscos do
conjuntamente os
de redução da pobreza, proteção
mercado financeiro internacional,
ambiental, governança cibernéda aceleração do processo das neriscos do mercado
tica, reforma dos organismos ingociações dos tratados de livre coglobal
ternacionais de finanças e de comércio regional – que não incluem
mércio –, contribuindo assim para
os países do BRICS –, e do abranaumentar a influência do BRICS
damento do crescimento econôe defender os interesses do conjunto. Vale ressalmico do BRICS, a China acha que os membros do
tar que as relações sino-brasileiras se desenvolvem
BRICS precisam desenvolver uma parceria econôrapidamente e se tornam uma miniatura vívida da
mica mais estreita, por meio da elaboração de um
cooperação de benefícios mútuos e ganhos comparquadro da cooperação pragmática econômica de
tilhados entre os membros, refletindo a forte vitadiversas áreas, de abertura mútua e de integração
lidade e perspectivas promissoras da cooperação do
entre os mercados dos membros, da complementaBRICS. Esperamos que o Brasil, durante o seu manridade mútua dos fatores de produção de capitais,
dato de presidência rotativa, possa elevar a coopeforça de trabalho, tecnologia e recursos naturais,
ração e o mecanismo do BRICS a um novo patamar.
aumentar a liberalização do comércio e a facilitação
A VI Cúpula do BRICS iniciará o segundo ciclo de
de investimento, proporcionando, assim, uma nova
reuniões de seus países integrantes, ou seja, o mecaforça-motriz ao crescimento econômico dos memnismo passa da fase inicial para a fase madura. Cobros do grupo. Os países BRICS devem reforçar
mo dizem os chineses, um bom começo é a metade
ainda a coordenação das políticas macroeconômido sucesso. Se esta cúpula começar bem, o desenvolcas para enfrentarem conjuntamente os riscos do
vimento do BRICS na nova etapa será mais favorável
mercado global, e promoverem juntos a reforma do
e o caminho será cada vez mais amplo.
mecanismo da governança econômica global para
Como andam os primeiros passos do segundo cidefender os interesses do BRICS e dos países em
clo? Do nosso ponto de vista, são os seguintes:
desenvolvimento, criando novos pontos fortes para
Em primeiro lugar, implementar ativamente os
a cooperação do BRICS.
consensos alcançados e acelerar a cooperação pragEm terceiro lugar, continuar a desempenhar
mática de diversas áreas. Desde a primeira cúpula
um papel construtivo na reforma do sistema da
22
Capa
FMI/Stephen Jaffe
governança mundial
e promover reforma
para obter avanços
substanciais. O sistema atual da economia
internacional fundouse há mais de meio
século e já não pode
refletir completamente as mudanças na situação internacional
atual e o papel importante das economias
emergentes e dos países em desenvolvimento, representadas
pelos países BRICS no
processo de encarar a
crise financeira internacional e estimular o
Ajudar a promover a reforma das instituições financeiras e econômicas internacionais é um dos
crescimento econômidesafios do BRICS. Na foto, reunião anual do Fundo Monetário Internacional em Washington, 2013
co mundial. Nos anos
recentes, os membros
mento da reforma do FMI e aumentar a capacidade
do BRICS participam ativamente na reforma das
de enfrentar riscos financeiros mundiais.
instituições da governança econômica mundial, coO BRICS constitui um modelo clássico de coomo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco
peração entre países de diferentes regiões, regimes,
Mundial e reivindicam tenazmente em instituições
modelos e civilizações. Acabando de completar o pricomo Organização das Nações Unidas (ONU), G20,
meiro ciclo das cúpulas, o BRICS tem ainda à sua
Organização Mundial do Comércio (OMC), para gafrente muitas questões a serem discutidas. Mas, no
rantir maior representatividade e voz das economias
final das contas, a solução se baseia no desenvolviemergentes e países em desenvolvimento em temas
mento e na cooperação. Para manter a tendência de
importantes globais – o que não só corresponde à
desenvolvimento do BRICS, os países membros prerealidade da transformação profunda da situação
cisam não só desenvolver a sua força própria, mas
internacional, mas também conduz ao impulso da
também estimular a criatividade e se comunicarem
ordem internacional a um caminho mais justo e rasinceramente, criando um BRICS forte e sólido. Eszoável, de forma a fornecer garantias institucionais
tamos plenamente confiantes no futuro do BRICS.
à estabilidade e paz mundial.
O mecanismo do BRICS – através da cooperação,
No futuro, os países BRICS deverão continuar a
e numa atitude transparente, aberta e inclusiva – prodesempenhar um papel construtivo na reforma do
move, participa e modela ativamente a governança
sistema da governança mundial, promover a reformundial, constituindo uma energia positiva de desenma das instituições financeiras e econômicas intervolvimento comum, humano e de estabilidade e paz
nacionais como OMC, FMI, Banco Mundial, Consemundial. A palavra “fortaleza” em português significa
lho de Estabilidade Financeira, ampliar ainda mais
solidez e base. Esperamos que, através da realização da
a voz e o direito de formular regras das economias
cúpula em Fortaleza, os países BRICS venham a se toremergentes na governança da economia mundial,
nar verdadeiramente uma sólida fortaleza na manutrabalhando juntos para estabelecer uma nova ortenção da estabilidade e paz mundial e na promoção
dem econômica justa e equitativa, benéfica, mútua,
do desenvolvimento e prosperidade. Em 2014, o Brasil
inclusiva e ordenada. Atualmente, é necessário esrealizará sucessivamente eventos de maior regozijo e
pecialmente às partes interessadas que implemende grande importância. Estamos com esperanças e fatem a cota e o projeto da reforma da governança
zemos votos de um grande sucesso na realização da
ratificados pelo FMI em 2010 e iniciem com a maior
Copa do Mundo e da VI Cúpula do BRICS no Brasil,
brevidade e concluam o novo ciclo da revisão geral
que trarão ao mundo alegria e felicidade.
da cota, para se manter a tendência do desenvolvi-
23
131/2014
Geopolítica e o poderio
político-militar, econômico,
informativo e de valores
Leonid Kalashnikov*
MEF
Leonid Kalashnikov:
“O exemplo do BRICS
coloca em evidência que
os três elementos
(poderio político-militar,
econômico e informativo)
exercem influência
sobre a configuração
do equilíbrio de forças
internacional atual”
http://www.rtvslo.si/
O Partido Comunista da Federação da Rússia ressalta com
satisfação que os países do BRICS se expressam com uma
posição consensual diante dos problemas mundiais de maior
importância, inclusive no rechaço às sanções ilegais contra a
Rússia, vinculadas à crise na Ucrânia
Desfile militar em Moscou lembra a vitória soviética sobre os nazistas na Segunda Guerra
24
H
Capa
á vários anos, o mundo está convulsiosalientam que Moscou e Pequim estão insatisfeitos
nado pela crise financeira prolongada.
de que se tente obrigá-los a se integrar ao sistema
As dificuldades econômicas obrigam
atual de relações internacionais, ao se subordinar
muitos Estados a se subordinar aos
à ordem econômica neoliberal, também posta em
bancos e ao grande capital, reduzindo
prática por instituições internacionais como o Banos gastos sociais e aplicando medidas
co Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Os
de austeridade. Em decorrência disso, enquanto os
autores reconhecem evidentemente descontentes
banqueiros riam da sociedade reconhecendo que os
que isso “reforça seu desejo de refazer as normas
enormes fundos que lhes foram atribuídos no coninternacionais, adaptando-as a sua força e propótexto da ajuda pública nunca seriam devolvidos, o
sitos. Esses ânimos são compartilhados por muitas
mundo se levantou numa onda de protestos. Em
potências regionais em ascensão”. Para conservar
relação a isso, gostaria de citar as
intacta a hegemonia do Ocidenpalavras de Guennadi Ziuganov,
te, esses especialistas recomenpresidente do Comitê Central do
dam “respeitar” os interesses dos
Os meios de
Partido Comunista da Federação
Estados emergentes recorrendo
comunicação
da Rússia: “… a nova crise sistêà influência dos Estados Unidos,
mica que se alastrou no mundo
União Europeia, Japão, Coreia do
tornaram-se arma
pode acabar numa grande briga
Sul e demais aliados “para tirar o
de alta precisão e os
e guerra... nos últimos 150 anos
desejo e aspiração dos lideres da
houve doze crises do capitalisChina e Rússia de deixar de lado
países emergentes
mo e as últimas desencadearam
seus próprios conflitos para criar
em sua maioria
as guerras mundiais”. Lamentacondições desfavoráveis para os
velmente, já estamos observando
Estados Unidos e Ocidente”.
estão acostumados
nestes momentos, previsões desse
É ingênuo considerar que esse
a perder a guerra
gênero sobre o futuro.
tipo de publicação não tem nada
Não acredito que estou descoa ver com a política real dos Estada informação pela
brindo as Américas se digo que as
dos Unidos em relação ao BRICS.
consciência das
diferentes concepções de geopolíTampouco se pode perder de vistica se fundamentam no poderio
ta o fato de que a política de dismassas
político-militar, econômico e insuasão tem por alvo não apenas a
formativo e de valores. Do ponRússia e a China, mas também a
to de vista do Partido Comunista da Federação da
todos os Estados “em ascensão” como que se diz
Rússia, o exemplo do BRICS coloca em evidência
atualmente. Assim, nas publicações neoliberais,
que os três elementos exercem influência sobre a
implementa-se, consequentemente, a divisão do
configuração do equilíbrio de forças internacional
continente americano, a partir de critérios de bloatual.
cos ideológicos.
É amplamente sabido que, hoje, os meios de co“Regionalismo aberto”
municação tornaram-se arma aguda e de alta precisão e que os países emergentes em sua maioria
Oposto à Aliança do Pacífico que tem, suposabsoluta estão acostumados a perder a guerra da
tamente, orientação pró-norte-americana, está o
informação pela consciência das massas.
Mercosul, por diversas razões. Primeiro, os países
Então, há um ano, Dmitri Simes, conhecido
ocidentais se irritam com a cooperação estreita encientista político norte-americano, publicou um artre o Brasil e diversos países do BRICS, sobretudo
tigo importante na revista The National Interest, no
com a China; segundo, os neoliberais não querem
qual ele conclama a “temer a aliança da Rússia e
que os governos de orientação socialista concretida China”, proclamando abertamente a fidelidade
zem com sucesso seus próprios projetos de regioa princípios políticos apoiados em posições de força
nalismo econômico debaixo de seus narizes. Concomo um contrapeso para a concepção europeia de
sequentemente, os lutadores pelo “regionalismo
paz “conseguida através de métodos de engenharia
aberto” preferem evitar o tema de que o PIB global
social e democracia.” Ao criticar a Rússia pela consdos países do Mercosul supera em quase 60% o PIB
ciência da Guerra Fria – como Simes reconhece – o
dos quatro países da Aliança do Pacífico. Os cientisOcidente ocupa, em qualquer disputa com a Rússia
tas políticos mexicanos destacam que justamente
e a China, como se fosse deliberado, a posição de
a corrida pela privatização acabou criando um ataseus rivais. Ao mesmo tempo, cientistas políticos
25
131/2014
lho eficaz para o desenvolvimento da infraestrutura
sobre as operadoras de telefonia móvel vêm crianimpresindível para consolidar as relações regionais.
do, segundo opinam os círculos financeiros, dificulÉ evidente que a aproximação do Brasil e Venezuela
dades para o desenvolvimento empresarial. Desse
preocupa seriamente o bloco capitalista ocidental.
modo, em alguns casos, a queda dos índices na BolContudo, a estratégia de liderança global dos
sa evidencia a melhoria real do bem estar nacional,
Estados Unidos não termina com isso. Durante
o que é totalmente inadmissível para aqueles que
uma famosa viagem à África do presidente dos Escreem que o mercado conserta tudo.
tados Unidos, Barack Obama criticou duramente a
Por outro lado, é ainda prematuro falar de uma
influência estrangeira no continente, incluindo a
diminuição do interesse dos investidores estrangeiChina. Alguns especialistas se apressaram em baros nos países BRICS. O crescimento do bem-estar
tizar esse fenômeno como “começo de uma nova
dos cidadãos dos países BRICS conduz inevitavelGuerra Fria”. Enquanto isso, ainda não se entende
mente ao aumento do poder aquisitivo, por isso não
como serão realizados os planos de duplicar o coé surpreendente que o afluxo dos investimentos esmércio intrarregional no leste do continente.
trangeiros ao BRICS seja de 20% do fluxo global dos
É assim como os Estados Unidos e seus aliados
investimentos estrangeiros diretos.
promovem ativamente os seus próprios projetos
Segundo várias estimativas, por volta do ano
de regionalismo econômico como
2050, os países BRICS, assim cocontrapeso às regiões econômicas
mo o México, Indonésia e TurO crescimento
que se formam de uma maneira
quia – em termos de volume do
natural, procurando nivelar por
PIB global –, superarão 1,7 vezes
do bem-estar dos
quaisquer meios os resultados dos
o do G7 . O analista que invencidadãos dos países
últimos.
tou há algum tempo o acrôniComo resultado da crise ecomo “BRICS” propôs já um novo
BRICS conduz
nômica, os ritmos de crescimento
grupo de Estados que despertam
inevitavelmente ao
dos países BRICS se desacelerainteresse, os MICT (México, Inram. Segundo os prognósticos do
donésia, Coreia do Sul, Turquia).
aumento do poder
FMI, o crescimento da economia
Parece, por um lado, que o potenaquisitivo, por isso
mundial em 2016 será de 3,6%.
cial econômico desses Estados é
Considera-se que o crescimento
grande e, a propósito,
não é surpreendente realmente
conjunto da Rússia e Brasil em
diferente do BRICS, não se pode
que o afluxo dos
2014 será de 3,2%, China, 7,5%,
esperar a retórica antiocidental
Índia, 5,4%, República Sul-africapor parte deles. De qualquer mainvestimentos
na, 2,3%. Além disso, as medidas
neira, os analistas turcos desestrangeiros ao
e disposições do Sistema de Retacaram a vantagem que seria a
serva Federal dos Estados Unidos
Turquia aderir ao BRICS, e o ano
BRICS seja de 20%
(FED) no ano de 2013 conduzipassado, o embaixador da Indodo fluxo global
ram a que os mercados de valonésia expressou abertamente a
res dos países do BRICS não se
proposta de adesão ao bloco. O
dos investimentos
recuperassem: Segundo os dados
interesse de ambos é compreenestrangeiros diretos
de FORBES, em 2013, as ações
sível: os cinco países possuem
hindus caíram 3,5%, as russas
mais de 21% do PIB global, e o
4.3%, as chinas 7.1%, as brasileivolume das reservas monetárias
ras 15,9%. Será que isso significa na realidade o
do BRICS alcançou a soma de 4,4 bilhões de dófim do decênio BRICS de que falam muito conlares, o que é quatro vezes superior ao indicador
tentes os meios de comunicação e os economistas
conjunto de Estados Unidos e Zona do Euro. Não
ocidentais?
faz muito tempo, a China se tornou a segunda ecoNão é segredo para ninguém que os altos indinomia mundial, e a Rússia compete com a Alemacadores da atividade financeira nem sempre são
nha no quinteto dos líderes mundiais. De acordo
testemunho do crescimento socioeconômico real
com as mudanças do ano de 2010, a proporção das
do país. Assim, as decisões do governo da Índia de
vozes do BRICS no FMI se aproximará do poder de
reduzir o déficit orçamentário por meio do corte de
veto (15%).
programas sociais consolidaram a confiança emAlém disso, a colaboração dentro do BRICS no
presarial. Por outro lado, a política presidencial do
setor financeiro pode ser qualificada firmemenBrasil que fortaleceu o controle sobre os bancos e
te como produtiva. Estão sendo conduzidas com
26
Capa
Militância do Partido Comunista da Federação Russa foi às ruas rechaçar as sanções ilegais contra a Rússia, vinculadas à crise na Ucrânia
sucesso as conversas sobre a criação do Banco de
Fomento, embora a imprensa internacional tente
minimizar seu significado. Espera-se que na próxima Cúpula do BRICS no Brasil se concretizem
os resultados das negociações sobre a criação do
Banco do Desenvolvimento e do pool de divisas
de reservas. As iniciativas bilaterais − por exemplo, o acordo entre Brasil e China sobra a linha de
swap de divisas entre os bancos − contribui para
o aprofundamento das relações econômicas entre
os países, diminuindo simultaneamente a dependência do dólar.
Nessas condições, a dura crítica ao BRICS, quase
difamação, demonstra evidentemente que os países
ocidentais não desprezam seu potencial. Levando
em consideração que, segundo as previsões, este
ano a economia dos Estados Unidos e da União Europeia só crescerá em 2,8% e 1,5%, respectivamente, o crescimento econômico do BRICS não parece
tão modesto.
Enfermidades do crescimento
Os opositores ao BRICS alegam frequentemente
que os investimentos dentro do grupo constituem
apenas 2,5% do volume total dos investimentos estrangeiros diretos dos países do BRICS, enquanto
que os dos países emergentes representam 40% dos
investimentos e o fluxo comercial dentro do grupo é incomparável com o fluxo de cada um desses
países com os Estados Unidos ou com o grupo da
Zona do Euro: apesar do aumento em dez vezes do
fluxo comercial dentro do grupo em dez anos, o da
China com a União Europeia e Estados Unidos su-
pera 3,5 vezes o comércio com os sócios do BRICS.
Por isso, eles declaram, a associação estratégica no
âmbito do grupo é simplesmente impossível. Mas,
a história universal tem uma infinidade de exemplos do contrário: assim, por exemplo, antes do ano
1914, a Alemanha e a Grã Bretanha foram os principais sócios comerciais e, antes da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e Japão, assim como
Alemanha e URSS, mantinham relações econômicas estreitas. Em outras palavras, em condições de
escalada da tensão global, as relações econômicas
entre os sócios do BRICS, estáveis embora não cruciais por suas dimensões, podem se tornar o fundamento de associação político-militar estratégica, se
não, digamos, de uma pretensão segura a uma nova
ordem econômica internacional.
Além disso, os sócios do BRICS que são heterogêneos à primeira vista, padecem na realidade das
mesmas enfermidades do crescimento: assim, neste
ano em curso, a inflação nos cinco países registrará
um crescimento estável. A resposta a esse e outros
problemas poderiam ser os passos consequentes no
desenho de política macroeconômica coordenada,
assim como se costuma fazer na OCDE.
No entanto, o BRICS não tem apenas a dimensão interna do crescimento, como também a dimensão externa. É digno de nota que o ex-presidente da
República Popular da China, Hu Jintao, chamou
o BRICS de defensores dos interesses do Terceiro
Mundo e uma força que deve “harmonizar” as relações internacionais. De fato, poderiam ser encontrados certos paralelismos entre o BRICS e o Grupo
dos 77. Por um lado, o G 77 foi criado com o objetivo de estabelecer uma nova ordem econômica in-
27
131/2014
ternacional, considerando que seus membros precia, Inclusive no rechaço às sanções ilegais contra a
cisavam unir os esforços para enfrentar a pressão
Rússia, vinculadas à crise na Ucrânia.
dos países desenvolvidos e das multinacionais. Por
outro, o BRICS é visto por muitos países, em priNovo centro de força econômica
meiro lugar pelos países ocidentais, como um bloco
alternativo à ordem internacional
É evidente que, além de levar
atual. Os cientistas políticos italiaadiante uma campanha em escanos souberam expressar com prelada, dirigida a enfraquecer as poOs países mais
cisão a própria essência do BRICS:
sições do BRICS, com as sanções a
os cinco países, embora estejam
um dos membros do grupo, a vaninteressados na
dentro do sistema fechado da orguarda da atual ordem econômica
permanência
dem econômica vigente, tentam
mundial outra vez está detendo o
mudá-la de fora para dentro. Patrabalho de redistribuição de quoeconômica
rece que o BRICS tem suficientes
tas dentro do FMI. No Partido Coneoliberal da atual
alavancas econômicas e políticas
munista da Federação da Rússia
para alcançar esses objetivos da
(PCFR) há convicção de que por
ordem (EUA e
mesma forma que o G 77 consetrás dessas ações está o desejo de
outros) utilizam
guiu no seu momento (ainda que
não reconhecer o papel crescente
só no papel) a adoção das normas
dos países em desenvolvimento e
um amplo leque
da Nova Ordem Econômica Interdos países do BRICS; está a tendênde ferramentas
nacional. É por isso que as expecia a conservar a qualquer preço o
riências do G 77, onde a tomada
domínio num mundo unipolar, orna diminuição
de decisões foi dificultada pelas
ganizado sobre princípios neolibedo potencial do
diferentes posturas ideológicas,
rais – incluindo o uso do fantasma
deverão ser levadas em considerada ameaça à ordem mundial dos
BRICS, começando
ção pelos países BRICS.
membros do BRICS.
com a criação de
Assim, se pode constatar que
No entanto, o processo de foratualmente o BRICS se tornou
mação
de um novo centro de forblocos econômicos
ça econômica, e possivelmente,
uma realidade geopolítica. Isso é
alternativos
de esperança de uma nova ordem
demonstrado inclusive nem tanto
mundial justa, não pode entrar em
pela institucionalização das agrupró-ocidentais e
colapso tão facilmente. Segundo
pações e crescente fluxo comercial
terminando com a
as previsões, muito provavelmene dos investimentos, como também
pelo reconhecimento do BRICS pesofisticada guerra de te, com o tempo, também outros
países aderirão ao BRICS. Nessa
la comunidade internacional, eninformações
perspectiva, os países da América
quanto uma ameaça à ordem ecoLatina – Venezuela, Argentina e
nômica neoliberal atual. Os países
outros –, podem representar um
mais interessados na permanência
determinado interesse. Em todo caso, hoje é nedessa ordem – Estados Unidos e outros - utilizam
cessário estabelecer o diálogo entre nossos países
um amplo leque de ferramentas na diminuição do
que aportará, sem dúvida alguma, os frutos mais
potencial do BRICS, começando com a criação de
valiosos.
blocos econômicos alternativos pró-ocidentais e terminando com a sofisticada guerra de informações.
*Leonid Kalashnikov foi o redator-chefe do periódico
Parece que é o caráter geopolítico dos métodos dos
Gazeta Operária – Diário Pan Russo dos Trabalhadores.
opositores do BRICS, o que prova a razão de exisDesde 2010, é deputado do Parlamento (Duma) Estatal
tir desse bloco tão jovem. Agora, o que se exige dos
da Assembleia Federal da Federação da Rússia (grupo
sócios do BRICS é algo a mais: amadureceu a neparlamentar do Partido Comunista da Federação da
cessidade de desenvolvimento de projetos grandes e
Rússia), primeiro vice-presidente da Comissão da Duma
substantivos, tais como o Banco de Fomento ou a
Estatal para Assuntos Internacionais e é membro do
implementação dos princípios gerais da política maPresidium, Secretário do Comitê Central do Partido
croeconômica. O Partido Comunista da Federação
Comunista da Federação da Rússia
da Rússia ressalta com satisfação que os países do
BRICS se expressam com uma posição consensual
Tradução: Inês Rosa Bueno
diante dos problemas mundiais de maior importân-
28
AFP Photo/Alexander Joe
Capa
A 5ª Cúpula do BRICS, em 2013, foi
realizada em Durban, na África do Sul
A África do Sul e o BRICS
Os países do BRICS podem contribuir para o desenvolvimento da
África, aumentando o apoio para a construção da infraestrutura
e capacidade industrial, e a importação de um maior número de
produtos de valor agregado, fabricados no continente africano
A
Rob Davies*
economia mundial está passando por uma
mudança estrutural profunda no locus do
poder econômico, com a emergência dos
países BRICS como novas fontes de crescimento da economia mundial, comércio e fluxos de investimentos. Em termos gerais, as
últimas décadas têm testemunhado uma mudança
relativa ao locus do poder econômico do Norte e o
Ocidente para o Sul e o Oriente Economias emergentes do Sul tornaram-se os principais atores e os principais motores da recuperação da “Grande Recessão”
de 2008-2010.
A expansão do comércio da África do Sul e do
investimento direto com os países do Sul, nomeadamente os países BRICS, continua em ritmo acelerado,
com a China e a Índia na vanguarda. A participação
do BRICS no comércio da África do Sul cresceu de
10% em 2005, para 19% em 2012. Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial bilateral da África
do Sul, enquanto a Índia ficou em quinto lugar em
2012 e o Brasil alcançou os 20 primeiros países. Em
comparação, a participação da União Europeia (UE)
no comércio total da África do Sul caiu de 35,7% em
2005, para 25% em 2012. A África do Sul continua a
atrair investimentos diversificados e substanciais do
BRICS. No período de abril de 2011 a dezembro de
2012, mercados de FDI (investimento estrangeiro direto) conseguiram rastrear 31 projetos de 25 empresas do BRICS, com um investimento potencial de 12.6
bilhões de Rands (2)na economia sul-africana.
O BRICS tornou-se também a maior organização
das chamadas “economias emergentes” e uma plataforma de representação dos interesses e demandas
dos países em desenvolvimento no mundo. De um
ponto de vista sul-africano, há cinco considerações
econômicas estratégicas na área de comércio e indústria que ancoraram a nossa participação no BRICS.
Em primeiro lugar, a África do Sul pretende usar o
fórum para estabelecer vínculos econômicos fortes
com as economias mais dinâmicas e com crescimento mais rápido do mundo. Viemos para ver as nossas
perspectivas de crescimento e desenvolvimento cada
vez mais dependentes da diversificação e do fortalecimento de nossas relações econômicas com as economias BRICS e com o continente africano.
Em segundo lugar, o BRICS fornece uma plataforma para abordar alguns dos desafios decorrentes do
rápido crescimento do comércio intra-BRICS. A preocupação central para a África do Sul é a estrutura desse
comércio, em particular o fato de que nossas exporta-
29
131/2014
ções para China, Índia e Brasil continuam a ser domiUS$ 340 bilhões em 2012, representando um aumento
nadas por produtos de baixo valor agregado. Uma das
de mais de dez vezes ao longo de uma década.
prioridades durante a gestão da África do Sul na PresiOs países BRICS podem contribuir para o desendência do BRICS foi a coordenação de um estudo convolvimento da África, aumentando o apoio para a
junto para explorar formas de promover um comércio
construção da infraestrutura e capacidade industrial,
complementar de valor agregado que apoiará o desene a importação de um maior número de produtos de
volvimento industrial sul-africano. E esse estudo será
valor agregado, fabricados no continente africano. A
apresentado na Cúpula Brasil ainda este ano.
proposta liderada pelo Banco do Desenvolvimento do
Em terceiro lugar, o BRICS oferece uma oportuBRICS seria um instrumento concreto que pode ser
nidade histórica para defender um novo paradigma
utilizado para apoiar, entre outras coisas, o programa
de colaboração para o desenvolvimento mais sustende desenvolvimento de infraestrutura da África.
tável, equitativo e mutuamente
Na Presidência do BRICS, a
benéfico. Isto deve envolver uma
África do Sul procurou desempeOs países BRICS já
cooperação mais estreita entre os
nhar um papel fundamental na
países BRICS, visando a apoiar os
formação da agenda para a cooestão profundamente
objetivos de crescimento e desenperação econômica. A Cúpula de
envolvidos no processo
volvimento comuns e o combate
Sanya, em 2011, criou o Grupo de
à pobreza; fortalecer as nossas
Contato sobre Questões Econôde transformação
respectivas forças econômicas; e
micas e Comerciais (CGETI), que
econômica da África,
priorizar a complementaridade
é uma plataforma fundamental
de construção sobre a concorrênpara os membros do BRICS troe sua presença
cia. Vimos que isto é viável, idencarem opiniões sobre uma série
está crescendo
tificando complementaridades
de questões relacionadas com a
em setores-chave de crescimento
economia, o comércio e o invessignificativamente.
e por meio de uma abordagem da
timento. A troca de perspectivas
Isso se reflete no
cadeia de valor.
e prioridades políticas estabelece
Em quarto lugar, os países
uma base essencial para o reforço
rápido crescimento
BRICS têm um interesse coda coordenação e cooperação endos fluxos de comércio
mum em continuar a reforma e
tre os membros do BRICS sobre
transformação das instituições
estas questões. A terceira reunião
e investimento, entre
multilaterais para dar mais voz
dos ministros do Comércio dos
outros
aos países em desenvolvimento
países membros do BRICS, reanessas instituições. Em partilizada em 26 de março de 2013,
cular, através do BRICS fortalecemos a coordenação
na África do Sul, adotou um Quadro de Cooperação
na Organização Mundial do Comércio (OMC), onde
Comercial e de Investimento, que estabelece as ativia nossa plataforma comum é defendida, assim como
dades do CGETI em longo prazo para o fortalecimento
uma abordagem de desenvolvimento, tanto no âmda coordenação e possível ação conjunta.
bito da OMC, quanto em outros fóruns onde surgem
Ainda como presidente do BRICS, a África do
questões de comércio e de investimento.
Sul liderou a coordenação do Estudo de Comércio
Finalmente, temos observado o BRICS oferecendo
Conjunto que identificará meios para promoção dos
uma oportunidade única, para os países que o compaíses membros na próxima reunião de cúpula no
põem, de ampliar e avançar a sua cooperação, de forma
Brasil, neste ano. Outros projetos concretos também
a promover substancialmente a agenda de desenvolviforam propostos, incluindo uma cooperação mais esmento econômico de outros países e regiões em desentreita para o desenvolvimento das micro, pequenas e
volvimento. Os países BRICS já estão profundamente
médias empresas e cooperativas. Assim como cabos
envolvidos no processo de transformação econômica
marítimos e a partilha de riscos para o comércio e o
da África, e sua presença está crescendo significativadesenvolvimento. A 5ª Cúpula do BRICS na África
mente. Isso se reflete no rápido crescimento dos fluxos
do Sul lançou também o Conselho Empresarial do
de comércio e investimento, bem como em ações de
BRICS, um órgão consultivo de alto nível que fará recooperação econômica em toda uma gama de setores.
comendações aos Chefes de Estado.
Os compromissos estão sendo impulsionados princiAlém do trabalho de comércio direto e assuntos
palmente em contextos bilaterais, mas também no âmindustriais, a África do Sul tem visto a plataforma do
bito regional e continental. De acordo com o Standard
BRICS como provedora de oportunidades para que os
Bank 3, o comércio total do BRICS com a África atingiu
países membros coordenem posições e colaborem em
30
Capa
uma extensão de outros aspectos, especificados nas
resoluções da 5ª Cúpula do BRICS na África do Sul.
Entre outras coisas, os dirigentes dos países membros do BRICS assinaram um acordo em Durban para
o estabelecimento de um Novo Banco de Desenvolvimento e indicaram que acontribuição para o capital
inicial desse banco deve ser substancial e suficiente
para que a instituição tenha uma eficaz infraestrutura
de financiamento. Além disso, os líderes também concordaram com o estabelecimento do acordo de reserva
de contingência (CRA), com um valor inicial de US$
100 bilhões. O CRA ajudaria os países BRICS a evitarem pressões de liquidez de curto prazo e reforçarem
ainda mais a estabilidade financeira. Contribuiria também para o fortalecimento da rede global de segurança
financeira e complementaria os acordos internacionais
existentes como uma linha defensiva adicional.
Outro resultado da Cúpula foi o estabelecimento do Conselho de Reflexão e Conselho Empresarial
do BRICS, que formarão uma rede para o desenvolvimento de opções políticas, tais como a avaliação e
estratégia de um futuro de longo prazo para o BRICS.
O Conselho Empresarial do BRICS reunirá associações empresariais de cada um dos países membros e
gerenciará o engajamento contínuo entre as comunidades empresariais.
Dois acordos foram concluídos sob os auspícios do
Mecanismo de Cooperação Interbancária do BRICS.
O Acordo de Cofinanciamento de Infraestrutura Multilateral para a África abre o caminho para o estabelecimento de negociações de cofinanciamento para os
projetos de infraestrutura em todo o continente Africano. O Acordo Multilateral de Cooperação e Cofinanciamento para o Desenvolvimento Sustentável tem
como objetivo a exploração do estabelecimento de
acordos bilaterais destinados à cooperação e ao cofinanciamento, especificamente voltados ao desenvolvimento sustentável e elementos da economia verde.
Os documentos resultantes da Cúpula – a Declaração
de eThekwini e o Plano de Ação – foram aprovados na
conclusão da reunião.
Assuntos prioritários, em termos de agenda da
União Africana, também foram estrategicamente
reposicionados na Declaração de eThekwini em sintonia com o tema da Cúpula. Os dirigentes do BRICS
reafirmaram o seu apoio ao desenvolvimento sustentável de infraestrutura, bem como ao fortalecimento
industrial, à criação de empregos, ao incentivo de
competências, à segurança alimentar e nutricional e
erradicação da pobreza e ao desenvolvimento sustentável na África. O presidente Jacob Zuma recebeu o
Fórum de Diálogo sobre o BRICS dos líderes africanos
no âmbito da V Reunião de Cúpula do BRICS, realizada em Durban. Houve intensas discussões sobre o
tema “O potencial desbloqueio da África: o BRICS e
a Cooperação Africana em Infraestrutura”, contando
com a participação de convidados, como os Chefes de
Estado e de Governo dos países membros do BRICS;
o presidente da União Africana (UA); o presidente
da Comissão da UA; dirigentes dos países africanos
representando as oito Comunidades Econômicas Regionais (CERs), bem como a Iniciativa em Defesa da
Infraestrutura da presidência da NEPAD(4).
O objetivo geral da reunião foi oferecer uma oportunidade para o BRICS e os dirigentes africanos tomarem parte em medidas para reforçar a cooperação
entre os países BRICS e do continente Africano, para
desbloquear o seu potencial e promover a integração
regional por meio do desenvolvimento de infraestrutura e industrialização. Os líderes do BRICS comprometeram-se a levar adiante a cooperação e o apoio aos
esforços da África para acelerar a diversificação e modernização das suas economias, por meio do desenvolvimento de infraestrutura, a troca de conhecimento e o apoio para implementar o acesso à tecnologia,
o reforço da capacitação e o investimento em capital
humano, no quadro da UA e da NEPAD.
Foi estabelecida uma trajetória para reforçar a colaboração entre os países BRICS e da Comissão da UA;
a Agência de Coordenação e Planejamento da NEPAD
(NPCA) e as Comunidades Econômicas Regionais
(CERs) em apoio à implementação de projetos no
âmbito do Programa de Desenvolvimento de Infraestrutura na África (PIDA); e da Iniciativa em Defesa da
Infraestrutura da UA/NEPAD; além dos Planos Regionais de Desenvolvimento de Infraestrutura. Espera-se
que as relações entre os países BRICS e os países e as
instituições africanas sejam fortalecidos, com o reforço da cooperação em vários domínios prioritáriose a
construção de uma parceria estratégica concreta.
*Rob Davies é ministro da Indústria e Comércio da África
do Sul. Atualmente, é membro do Comitê Central do SACP
e do Comitê Executivo Nacional do ANC. É licenciado
em Economia pela Universidade de Rhodes, Mestrado em
Relações Internacionais pela Universidade de Southampton,
no Reino Unido e doutor em Estudos Políticos da
Universidade de Sussex
Tradução: Maria Helena De Eugênio
Notas
(1) Publicação do Departamento de Comércio e Indústria da República da África do Sul (N.T.).
(2) Moeda da África do Sul (N.T.).
(3) Grupo bancário pan-africano que atua em 17 países da África (N.T.).
(4) NEPAD, New Partnership for Africa’s Development (Nova Parceria
para o Desenvolvimento da África) (N.T.).
31
131/2014
O BRICS na visão do Partido
Comunista da Índia (Marxista)
Sitaram Yechury*
Para que permaneça na rota da multipolaridade e como um
representante dos povos do mundo em desenvolvimento, o
BRICS precisa manter-se em vigília rígida e mobilizando as
pessoas em lutas. Afinal, trata-se do encontro de países com
sistemas sociais e de governo distintos
O
mundo, no período pós Guerra Fria,
tendo deixado para trás as relações
internacionais dominadas pela bipolaridade, deveria ter se movimentado
no sentido da multipolaridade. Essa
deveria ter sido a tendência natural e
a direção do desenvolvimento das relações internacionais. No entanto, isso tem sido subvertido pelo imperialismo, que pretende impor a
32
unipolaridade sob sua tutela. Seguindo a mudança
na correlação internacional de forças de classe, a favor do Imperialismo, pós colapso soviético, os Estados Unidos enveredaram pela consolidação de sua
hegemonia global através da realização de três de
objetivos declarados. Isso foi articulado pela primeira vez num documento estratégico divulgado pelo
Pentágono conhecido como “Defence Planning Guidance” ou DPG (Diretrizes de Planejamento de De-
Capa
fesa). Esse documento estabeleceu a estratégia para
sentando quase metade da população mundial (em
dominação permanente dos Estados Unidos sobre o
2013, os cinco países do BRICS representavam quase
mundo. Ele diz: “Nosso primeiro objetivo é prever a
três bilhões de pessoas) e com um PIB nominal comre-emergência de um novo rival… que oferece uma
binado de US$16.039 trilhões, além de estimados
ameaça semelhante àquela oferecida antigamente
US$4 trilhões em reservas estrangeiras combinadas,
eles têm suficientes recursos humanos e materiais
pela União Soviética. Nós devemos nos esforçar papara enfrentar as táticas de intimidação dos Estados
ra impedir qualquer poder hostil de dominar uma
Unidos – o líder mundial do Imperialismo.
região cujos recursos poderiam, sob poder consoliA emergência de governos populares pegando a
dado, ser suficientes para originar um poder global”.
onda de revoltas populares de massas contra o ImO primeiro desses objetivos, portanto, visa a disperialismo e sua ofensiva neoliberal na América Lasolução dos demais países socialistas; o segundo,
tina é um desenvolvimento positivo, na medida em
tornar impotente, através da derrota ou cooptação, o
que constituem um elemento importante no fortanacionalismo do Terceiro Mundo, que materializou
lecimento da luta mundial contra a globalização imo Movimento Não Alinhado depois do processo de
perialista. Eles são também um elemento importandescolonização; e, finalmente, o estabelecimento de
te na unificação dos movimentos
uma superioridade militar e econôantiguerra, anti-imperialista, anti
mica inequívoca e inquestionável
destruição ambiental, com os movisobre o restante do mundo em geO BRICS, um
mentos contrários à globalização. É
ral e em particular sobre aqueles
agrupamento de
essa unidade que precisa ser erguida
que são entendidos como rivais.
num poderoso movimento anti-imcinco países em
perialista globalizado. Nos últimos
Movimento
desenvolvimento e
anos, esses movimentos progresanti-imperialista
sistas, bastante influenciados pela
rápido crescimento,
Cuba socialista, reduziram drasticaEssa nova ordem mundial foi
deveria se tornar
mente sua dependência econômica
concebida para operar em todas
dos Estados Unidos e aumentaram
as esferas. Isso, por outro lado, leum dos pontos de
o comércio entre países do Sul.
vou à deflagração de guerras unimobilização de
Vários fóruns foram organizados
laterais e ocupação militar (Iraque,
para
estimular o comércio regional
Afeganistão e Líbia). Levou tamtodos os países
entre países do continente, tais cobém ao fortalecimento da máquique se opõem
mo o MERCOSUL, ALBA, Fórum
na militar americana. Ao mesmo
de São Paulo etc. O mais recente é o
tempo, a Otan, cuja necessidade de
à hegemonia
novo agrupamento regional econôexistência deveria ter simplesmenamericana
mico – a comunidade de Estados da
te desaparecido com o fim da GuerAmérica Latina e Caribe (CELAC).
ra Fria, foi ainda mais fortalecida
Todos esses fóruns são utilizados
como máquina de guerra global do
não apenas para blindar relações próximas entre esses
Imperialismo. Para poder estabelecer e continuar
países, mas também para apresentar uma face unida
com sua superioridade inquestionável, o imperialisna resistência às pressões do neoliberalismo. Os BRImo americano também exigiu um controle crescente
CS, que estão presentes em todos os principais contisobre os recursos econômicos, especialmente os renentes do mundo, tinham recebido um papel muito
cursos energéticos, particularmente o petróleo. Esta
mais fundamental a desempenhar que esses agrupaé a razão de sua continua interferência/ingerência
mentos regionais, devido a seu alcance e dimensão.
nos assuntos da Ásia Ocidental/Norte da África. EsA crise econômica global ressaltou a importânsas ameaças lançadas ao Irã, o envolvimento ativo
cia dos países em desenvolvimento na economia
na guerra civil da Síria, ingerência nos assuntos do
mundial. Isso se refletiu na formação do G-20, com
Egito, seu papel na divisão do Sudão em dois Estaobjetivo de coordenar as políticas econômicas em
dos, tudo é parte desses desígnios nefastos. Para que
nível global, função que o G-8 não atendia mais.
possamos criar uma ordem mundial mais democráA formação do grupo do BRIC em 2009, composto
tica e igualitária, devemos resistir a tais tendências.
pelo Brasil, Rússia, Índia e China, depois expandiO BRICS, um agrupamento de cinco países em
da a BRICS, para incluir a África do Sul em 2011,
desenvolvimento e rápido crescimento, deveria se
ocorre em paralelo ao crescimento da influência dos
tornar um dos pontos de mobilização de todos os
países em desenvolvimento. Isso foi precedido pela
países que se opõem à hegemonia americana. Repre-
33
131/2014
formação do IBSA (composto por Índia, Brasil e
África do Sul), concebido
por primeira vez em junho
de 2003 e para o qual um
plano de ação foi elaborado
em Nova Déli, em março de
2004. Uma reunião de chefes de Estado dos governos
do IBSA em Brasília formalizou a parceria entre essas
três grandes economias em
desenvolvimento de três
continentes do mundo.
O IBSA é uma expressão
da cooperação entre países do Sul,
que mais tarde foi traduzida numa
plataforma mais ampla – o BRICS.
O BRICS está articulando sua posição sobre questões como a reforma
da ONU, comércio internacional,
mudança climática etc. e procurando dar voz aos países em desenvolvimento nos diversos fóruns internacionais. Esse agrupamento vai
ganhar maior significado quando
a cooperação em torno de questões
econômicas for estendida às posições políticas conjuntas nos dilemas internacionais.
Neste período de
crise econômica, o
capital financeiro
internacional quer
se esquivar da crise
pela imposição
de cargas ainda
maiores sobre os
povos dos países em
desenvolvimento
Lutas populares
A resolução política do 20o congresso do Partido
Comunista da Índia (Marxista) afirmava: “A força
relativa do poder econômico das ‘economias, particularmente a dos países BRICS, indica mudanças
no equilíbrio de poder econômico. O crescente poder
dos ‘países emergentes’ terá um impacto complexo
na contradição entre os países capitalistas avançados e os países em desenvolvimento. O esforço do
Imperialismo em manter sua hegemonia e de se
apoiar nas classes dominantes dos países em desenvolvimento está fadada a intensificar a contradição
entre o Imperialismo e os povos dos países em desenvolvimento”.
Neste período de crise econômica, o capital financeiro internacional quer se esquivar da crise pela imposição de cargas ainda maiores sobre os povos dos
países em desenvolvimento.
O Imperialismo quer acesso sem entraves, tanto aos recursos naturais quanto aos mercados dos
países em desenvolvimento. Eles estão prontos para usar quaisquer meios a seu dispor – persuasivos
34
ou coercitivos – para abrir
os mercados desses países.
As rodadas de negociação
de Doha, diversos acordos
de Livre Comércio (FTAs),
manipulações da moeda,
tudo isso são esforços nessa direção. A contradição
entre Imperialismo e povos dos países do Terceiro
Mundo se acentua ainda
mais ao longo desse processo. Com os meios de
vida dos povos dos países
em desenvolvimento sendo
afetados de maneira adversa, eles
ficam obrigados a sair às ruas para protestar. Essas lutas deveriam
ser lideradas pelos comunistas ou
outras forças progressistas de esquerda e deveriam receber direcionamento antiimperialista adequado, o que inevitavelmente terá um
impacto nos assuntos de interesse
mundial. Sobre esse pano de fundo, se espera que os governos do
agrupamento do BRICS se ergam
em nome dos interesses dos povos
dos países em desenvolvimento e
que resistam aos ataques do Imperialismo.
Mudança climática
Outra expressão da contradição entre o Imperialismo e os povos dos países do Terceiro Mundo é a
questão da mudança climática. O BRICS terá que
liderar o caminho e firmar-se na defesa dos interesses dos países em desenvolvimento na questão
vital da mudança climática. A Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas
(CQNUAC) que começou em 1990 já estabeleceu que
a concentração de efeito estufa na atmosfera está rapidamente atingindo níveis acima dos quais alterações irreversíveis e potencialmente catastróficas no
clima poderão ocorrer. Embora estas mudanças vão
afetar toda a humanidade, os mais afetados serão
os pobres, especialmente no mundo em desenvolvimento. Sem dúvida, há uma necessidade urgente
de agir na limitação dessas emissões para garantir
que as temperaturas globais não subam mais do que
2°C. As últimas duas décadas de negociações tinham
como alvo atingir isso. Essa meta estava apoiada no
princípio inviolável de uma ‘responsabilidade co-
Capa
mum, embora diferenciada’. Ela enfatizava o fato
de que os países desenvolvidos, tendo contribuído
com a maioria das emissões de gases estufa, devem assumir maior responsabilidade na sua atual
redução. O Protocolo de Kyoto de 1997 estabeleceu
compromissos vinculativos de objetivos para os países desenvolvidos, enquanto isentava os países em
desenvolvimento, mas convocando estes a assumir
medidas adequadas de acordo com suas capacidades
nacionais. Os países desenvolvidos, ao invés de reduzir suas emissões em 5 por cento em comparação
a 1990, aumentaram suas emissões acumuladas em
10 por cento. Os Estados Unidos, que tinham refutado ratificar o protocolo, aumentaram suas emissões
em 17 por cento. Estão agora sendo chamados a se
comprometer com um corte compulsório de 40 por
cento até 2020 e 90 por cento até 2050.
É exatamente a isso que os países desenvolvidos
estão reagindo quando conclamam todos os países
a anunciar cortes voluntários internacionalmente
monitorados. Eles estão abandonando o conceito até
agora aceito de uma ‘responsabilidade diferenciada’
e impondo uma ordem ‘comum’ injusta. Os Estados
Unidos ofereceram cortar 17 por cento em relação
aos níveis de 2005, o que reduz a apenas 3 por cento
em relação aos níveis de 1990 — menos do que o
que foi proposto em Kyoto. Estão praticamente brincando com o mundo.
O BRICS, como um agrupamento de alguns dos
principais países do mundo em desenvolvimento,
deveria convocar todos os demais países em desenvolvimento a forçar os países desenvolvidos a aceitar
cortes compulsórios monitorados internacionalmente. Os países em desenvolvimento deveriam anunciar voluntariamente reduções cuja concretização
dependeria de que os países desenvolvidos cumprissem seus compromissos de transferências financeira
e de tecnologia (sem direitos por propriedade intelectual ou pagamento de royalties) conforme inserido
no Artigo 4, Parágrafo 7 da UNFCCC (CQNUAC): “os
compromissos sob a convenção vão depender da implementação efetiva pelos países desenvolvidos parceiros de seus compromissos sob a Convenção relacionados aos recursos financeiros e transferência de
tecnologia e levarão inteiramente em consideração
que o desenvolvimento econômico e social e a erradicação da pobreza são as prioridades primeiras e primordiais dos parceiros países em desenvolvimento.”
O BRICS deveria garantir que dois pontos cruciais
nas negociações tenham adesão: a) que os cortes de
emissões vinculativos não sejam aceitáveis e b) não
poderá haver um prazo estipulado para definição de
picos de emissões para os países em desenvolvimento. Isso deverá permanecer inegociável. Os países desenvolvidos não podem negar sua ‘responsabilidade
histórica’ e continuar sua pilhagem do clima global à
custa dos interesses da ampla maioria da humanidade. Eles precisam ser forçados a continuar a aceitar
emissões per capita como a base da igualdade energética já que todo ser humano na Terra deveria ter
O Imperialismo quer acesso sem entraves, tanto aos recursos naturais quanto aos mercados dos países em desenvolvimento. Eles
estão prontos para usar quaisquer meios a seu dispor – persuasivos ou coercitivos – para abrir os mercados desses países
35
131/2014
acesso igualitário ao espaço carbono. Essa desigualdade não pode persistir – as emissões per capita nos
Estados Unidos são vinte vezes mais altas do que as
da Índia.
ploradas, uma resolução combinada conjunta deve
também tratar a característica comum poderosa entre esses países – a pobreza. O BRICS tem o potencial
para emergir como a parceria para a estabilidade e
segurança global. Esse potencial precisa ser cultivaCooperação Sul-Sul
do e desenvolvido, para criar uma força compensatória razoável para evitar que o mundo possa se tornar
O BRICS também teve um papel positivo ao convítima do unilateralismo e do hegemonismo.
solidar o caminho para relações de comércio mais
No entanto, uma observação de cautela não esavançadas entre os países em desenvolvimento. Ao
taria fora de lugar aqui. Não se deve esquecer que
estimular a cooperação Sul-Sul, o BRICS deveria deo BRICS, afinal de contas, é um conglomerado de
senvolver um modelo de comércio alternativo. Nesse
países, não apenas com seus diversos sistemas socontexto, a decisão tomada em março de 2013, duciais (a China socialista situada ao lado dos demais
rante a quinta cimeira em Durban,
países capitalistas), mas também
África do Sul, pela qual foi acordade diferentes governos. Veja o cado criar uma instituição financeira
so do Brasil e da Índia. O governo
O BRICS tem o
no Brasil é resultado de lutas conglobal como alternativa ao FMI e
duzidas por diversos movimentos
Banco Mundial, dominados pelo
potencial para
sociais, incluindo os comunistas e
Ocidente, assume significado espeemergir como
outras forças progressistas de Escial. Segundo alguns representanquerda e tem uma política pronuntes oficiais, “O banco vai estudar
a parceria para
ciada contra o Imperialismo. Por
as finanças dos tomadores de ema estabilidade e
outro lado, na Índia, são as forças
préstimos, mas nunca intervir em
de direita que passaram a conduseus assuntos econômicos... a ideia
segurança global.
zir as rédeas do governo depois das
é ofertar empréstimos a custos
Esse potencial
eleições recentemente concluídas,
mais baixos do que os que eles obteriam individualmente nos merprecisa ser cultivado representando interesses das grandes corporações e não se inibe em
cados”. A concretização desse ese desenvolvido,
forço avançará muito no sentido de
fazer acordo com o Imperialismo.
fortalecer as relações econômicas e
para criar uma força Essa divergência naturalmente se
comerciais entre países em desenreflete nas políticas adotadas pelos
compensatória
volvimento. Além disso, isso seria
respectivos governos, tanto interna
também um grande avanço na requanto externamente. No entanto,
razoável para evitar
dução da dependência dos países
a única maneira de garantir que
que o mundo possa
em desenvolvimento em relação ao
os interesses do povo não sejam
FMI e Banco Mundial e, portanto,
sacrificados no altar do Imperiase tornar vítima do
reduziria sua influência nos assunlismo é mantendo vigília rígida e
unilateralismo e do
tos internos desses países.
mobilizando as pessoas em lutas,
O BRICS também tem um papel
para que nenhuma política que
hegemonismo
positivo a desempenhar mesmo em
afete seu modo de vida de maneimuitos dos desenvolvimentos interra adversa seja aprovada. Só pela
nacionais, tais como a democratização na ONU e conmobilização popular podemos garantir que o BRItra as intervenções militares. O papel desempenhado
CS também permaneça na rota da multipolaridade
pelo BRICS na oposição a uma intervenção militar na
e como um representante dos povos do mundo em
Síria é um ponto a ser recordado aqui. A posição assudesenvolvimento.
mida por esse grupo, nessas questões certamente tem
*Sitaram Yechury é jornalista, escritor e analista político,
muito mais peso do que aquelas assumidas por países
membro do Comitê Central do Partido Comunista da Índia
individuais desse agrupamento. No entanto, deve ser
(Marxista) desde 1984 e integra a Secretaria Política do
lembrado que não pode haver nenhuma abertura paPCI(M) desde 1992. É também parlamentar do Rajya
ra negociação sobre questões que se referem à oposiSabha (Câmara Alta, ou Senado do Parlamento Indiano)
ção ao unilateralismo e hegemonismo.
desde 2005
O BRICS é uma expressão da cooperação entre
países do Sul. Embora as possibilidades para maior
Tradução: Inês Rosa Bueno
cooperação econômica devam ser amplamente ex-
36
Capa
A Geopolítica do BRICS
Ronaldo Carmona*
Os fatores território e posição, somados aos fatores
demográfico e peso relativo na economia mundial,
são chave na definição das estratégias nacionais e
na projeção de poder dos países BRICS. Combinando
estes fatores, a aliança projeta com maior força o
interesse nacional de cada um de seus integrantes
A
6ª Cúpula dos países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, Rússia e África do Sul) – a
reunião de Fortaleza – será uma marca
no cenário internacional, e isso não será apenas por iniciar o segundo ciclo
de reuniões anuais dos Chefes de Estado de cinco
grandes nações em desenvolvimento do mundo –
após as edições de Ecaterimburgo, 2009; Brasília,
2010; Sanya, 2011; Nova Déli, 2012; e Durban, 2013.
Ela representará um novo lance na grande partida
de xadrez que se joga no tabuleiro geopolítico mundial
a respeito de quais serão o desenlace e o desfecho da
atual transição em curso no sistema internacional.
Afinal, a fase atual é de renhida luta entre as potências tradicionais, que buscam – numa contratendência – reverter a perda de posição relativa vis-à-vis
a ascensão dos grandes países em desenvolvimento,
sobretudo a China e os demais BRICS.
Registre-se que a atual transição eclode a partir
deste dado estrutural: a diminuição relativa do peso
econômico, e consequentemente político, e posteriormente militar dos países centrais, isto é, os Estados Unidos e o bloco europeu, ao lado do aumento
do peso relativo de grandes países em desenvolvimento, como se vê na acelerada ascensão econômica
do BRICS neste século XXI.
37
131/2014
Mas para além da asProduto Interno Bruto do BRICS
censão dos países BRICS,
(PPP a preços de 2005, em bilhões de dólares)
a principal potência estabelecida, os Estados
2000
2005
2007
2010
2011
2012
2013*
Unidos, continuam senMundo
48583 57937 64043 68475 71063 73251 75449
do a principal nação do
mundo em termos de
Total
8163
11567 14114 17348 18592 19602 20700
poder, seja ele político,
BRICS
econômico, cultural-iBrasil
1380
1583
1746
1968
2021
2039
2086
deológico e sobretudo
China
3368
5364
6904
9122
9971
10748 11576
militar. E dão nítidos
sinais de manobrar paÍndia
1819
2518
3021
3763
4002
4131
4313
ra prolongar no tempo,
Federação
ou mesmo relançar, esta
1260
1697
1992
2019
2106
2178
2211
Russa
condição.
África do
Sob a presidência de
336
406
452
476
492
505
514
Sul
Barack Obama, os Estados Unidos buscam
Proporção
assim essa contratendos
16,8
20,0
22,0
25,3
26,2
26,8
27,4
dência em relação ao seu
BRICS no
diagnosticado declínio,
mundo (%)
inclusive por seus próprios think-thanks e do*Cifras preliminares
Fontes: World Bank database, World Development Indicators, 2013. Washington, 2013; World
cumentos estratégicos
Economic Outlook Update, janeiro 2014.
oficiais. Buscam uma
das reações no plano
econômico, pondo a todo
vapor uma estratégia de diminuição da dependênURSS, equilibrando-se entre a necessária autonomia
cia energética (a partir da exploração do shale gas) e
que deve ter um grande país e a aliança com o Ociatravés de uma ativa política de reindustrialização
dente, na qual a cooptação ao G7, alargado para G8,
apoiada na ampla capacidade em C,T&I acumulada
é símbolo.
por este país. No plano geoestratégico, o atual goO primeiro grande lance representativo da nova
verno tenta encerrar a era Bush (de foco na guerra
postura russa foi a ação que garantiu as bases paassimétrica contraterrorista), reorientando-se para o
ra uma virada de jogo na guerra da Síria, em outubro
pivot asiático – preponderância estratégica na vasta
último, impedindo, por ousada manobra diplomátiregião da Ásia-Pacífico –, atualizando a doutrina da
ca, a consumação da intervenção da Organização do
contenção, tendo como alvo a China.
Tratado do Atlântico Norte (Otan) a partir da maniMas a manobra se revela mais difícil do que
pulação grosseira a respeito do uso de armas químiplanejada: dúvidas quanto à sustentabilidade da
cas supostamente pelo governo de Bashar al-Assad.
“revolução energética” se avolumam – estudos séMais recentemente, novo lance russo, este ainda
rios apontam ser esta de fôlego curto – e a retirada
mais ousado, foi o estabelecimento de uma linha vergradual do “grande Oriente Médio” é turvada pelo
melha a respeito de sua integridade territorial, diante
próprio “legado” deixado pelas guerras, que geraram
da ação europeia/ocidental de cooptação da Ucrânia
caos e instabilidade em países como Iraque, Afega–, pois Kiev é um berço da nacionalidade russa. A
nistão e Líbia.
anexação da Crimeia, portanto, foi uma mensagem
Uma grande novidade estratégica – extraordináclara de que o limite de Moscou é a ameaça à sua inrio fato geopolítico – é a nova postura russa, que vinha
tegridade territorial e às minorias russas espalhadas
ensaiando há alguns anos e agora, sob a segunda
em seus limites fronteiriços.
presidência de Putin, toma forma nítida. CrescenA Cúpula de Fortaleza, pois, ocorre neste contemente ameaçada em seu core interest – que inclui
texto de nova postura geopolítica russa ao mesmo
sua própria integridade territorial e manutenção da
tempo em que há um recrudescimento das pressões
zona de influência geoestratégica –, Moscou dá sigeoestratégicas direcionadas à China, no sentido de
nais de claro abandono da tradicional ambiguidade
pôr este país na defensiva em seu próprio mar tergeopolítica que a tem caracterizado desde o fim da
ritorial. Nesta moldura geopolítica é que devem ser
38
Capa
lidas a recente visita, em maio último, de Vladimir Putin a Pequim
e a assinatura um pacto energético de 30 anos para o fornecimento
de gás russo à China – driblando
a tentativa de isolamento russo
pelo Ocidente. Uma aliança entre
dois grandes países, membros do
Conselho de Segurança e grandes potências nucleares –, aliança
que, fortalecida, tem efeitos diretos sobre a solidificação da aliança
do BRICS.
A reunião dos cinco grandes
países no Brasil, pelo até aqui exposto, já seria um grande lance do
cenário global. Mas some-se ao
anterior lance adicional de enorVladimir Putin e Xi Jinping após assinatura, em Pequim, de pacto energético de 30
me importância estratégica: o
anos para o fornecimento de gás russo à China
surgimento dos meios, dos instrupresumia uma vitória da ordem internacional libementos para enfrentar a guerra financeira em curso
ral. Nada mais falso tal “acordo”: a ilusão kantia(1), com a instalação do Banco de Desenvolvimento
na da paz perpétua numa ordem internacional estádo BRICS e do Fundo de Reservas – “denominado
vel baseada no capitalismo liberal
arranjo contingente de reservas”
naufraga dramaticamente, com o
(CRA, na sigla em inglês).
retorno do interesse nacional ao
O Banco do BRICS, segundo
A função
centro da “ordem” internacional
artigo recente no Financial Times,
geopolítica dos
contemporânea.
“marcará uma mudança signifiAssim, como dissemos acima,
cativa na arquitetura do financiapaíses BRICS é a de
a situação internacional contemmento internacional do desenvolas novas potências
porânea se caracteriza por renhida
vimento” (2). É certo, pois, com
luta quanto ao resultado da trancapital inicial de US$ 50 bilhões,
atuarem no sentido
sição na balança de poder entre as
que o Banco, que deverá entrar em
de confirmar, e
nações; por um lado, as potências
operação em 2016, poderá jogar patradicionais (status quo) atuam no
pel relevante no financiamento de
sobretudo acelerar,
sentido de contrabalancear a tenobras de infraestrutura, em espea tendência ao
dência à multipolarização e ao encial na América do Sul e na África.
fraquecimento de seu poder relaJá o Fundo de Reservas – um
aumento do seu
tivo; por outro, as novas potências
“colchão” de proteção comum, no
poder relativo
atuam no sentido de confirmar,
valor de US$ 100 bilhões – terá pae sobretudo acelerar, a tendência
pel especial no contexto de presao aumento do seu poder relativo.
sões financeiras dos países centrais
Nessa última chave pode ser lida a função geopolíticontra as moedas nacionais e a própria estabilidade
ca dos países BRICS.
econômica dos países BRICS.
Em seu conjunto, os acontecimentos que marA aliança do BRICS: suas
cam o ambiente global contemporâneo são corretapotencialidades, seus limites
mente situados como de retorno da geopolítica, como argumentou longamente artigo da última edição
A aliança entre os cinco países BRICS, antes de
da Foreign Affairs (3). O artigo defende o retorno da
mais nada, é funcional ao desenvolvimento do procentralidade do fator território e do estabelecimento
jeto nacional de cada um de seus integrantes. Em
de áreas geográficas de influência no atual cenário
maior ou menor escala, com maior ou menor nitidez,
internacional, num questionamento agudo, sobretodos os cinco BRICS almejam “modificar sua potudo pela tríade Rússia/China/Irã, ao que ele chama
sição relativa” no sistema internacional, na “distride “acordo político que pôs fim à guerra fria” e que
39
131/2014
buição internacional de poder e riqueza”, a partir de
fatores como território, recursos e coesão social (4).
Noutras palavras, a aliança entre os BRICS é um instrumento para aumentar a margem de manobra de
cada um deles, e deles em seu conjunto no sistema
internacional (5).
A aliança entre os países BRICS tem uma base
objetiva, não é produto de definição aleatória. Como se vê no quadro acima, se fizermos um recorte a
partir dos fatores território, população e tamanho da
economia, encontraremos os quatro BRIC originais e
os Estados Unidos.
A incorporação da África do Sul, decidida na
3ª Cúpula, realizada em Sanya (China), dá a clara dimensão geopolítica da aliança, a começar da
condição geográfica do país africano como ponto de
contato entre os oceanos Atlântico e Índico. Ademais, um país relativamente estável do continente
africano, dirigido por uma coalizão progressista liderada pelo Congresso Nacional Africano (ANC) e
líder da União Africana (UA) – a sul-africana Nkosazana Dlamini-Zuma, ex-esposa do presidente Zuma, reeleito em maio último, é a secretária-geral da
UA desde 2012.
Os cinco BRICS reúnem poder combinado extraordinário: dois membros “não-ocidentais” do
Conselho de Segurança das Nações Unidas, três potências nuclearmente armadas, além de serem paí-
40
ses com forte base de recursos naturais, capacidades
industriais, parques científicos, tecnológicos e de
inovação em áreas, em geral, complementares e capacidade de produção de alimentos.
Assim, a aliança entre os países BRICS deve ser
observada mais por fatores estruturais do que conjunturais. Por exemplo, eles reúnem potencial de
dinamismo econômico superior ao dos atuais países
centrais, a começar pela própria dinâmica intrínseca ao capitalismo relativa ao desenvolvimento desigual. A própria capacidade de resistência à primeira
fase da atual grave crise do capitalismo eclodida em
2008 revela este fator. Por certo, dada as proporções
da crise, seria pouco realista desconsiderar que mesmos os BRICS seriam impactados em suas taxas de
crescimento.
Mas fatores como o extraordinário espaço de
crescimento dos mercados internos de massas de
cada um dos BRICS, num contexto em que todos desenvolvem políticas redistributivas, que permitiram
importante mobilidade social, foram e serão importantes fatores de dinamismo econômico destes países. Da mesma forma, são países que, por sua própria
dimensão, têm na presença do Estado – “capitalismo
de Estado” –, por meio de empresas estatais e mecanismos de planejamento econômico, fator de grande importância. De modo geral, são nações que não
aderiram ao modismo neoliberal.
Capa
países BRICS são objeto, neste momento, individual
A despeito de ter sido sintetizado por um estudo
econométrico de um banco de investimentos (6), o
ou coletivamente, do que podemos denominar como
BRICS se caracteriza por sua extraordinária potengeopolítica da contenção.
cialidade; todos são países portadores de futuro – muito
Primeiro, por uma guerra ideológica – movida por
além de uma diminuição do crescimento econômico
thinks-thanks dos países centrais, com amplo apoio do
recente derivado dos efeitos da crise. Ademais, é reaparato midiático global – no sentido de desacreditar
corrente na teoria geopolítica – aqui
o BRICS, sobretudo em sua capacinão há qualquer originalidade do
dade de se coesionar em torno de
Sr. O’Neill – a centralidade do papel
uma agenda comum. Trata-se de
A geopolítica
dos Megaestados ou “países-baleia”.
análises que enfatizam as (reais e
São países cujos fatores combinados
naturais) diferenças entre os países
da contenção
revelam extraordinário potencial.
em relação à sua capacidade de esatua fortemente
Por certo, trata-se de uma aliantabelecer uma pauta comum. Mas
ça tática: o BRICS combina sua
estas análises não resistem ao fato
no sentido de
força, como dissemos, para acede que a aliança do BRICS, neste
fomentar divisões
lerar uma transição na situação
momento, é funcional ao projeto
internacional que favoreça o pronacional de cada um dos membros
e instabilidade no
da aliança.
jeto nacional de cada um de seus
entorno estratégico
A geopolítica da contenção atua
integrantes, reunindo condições
fortemente no sentido de fomentar
mais favoráveis ao curso de seu
de cada um dos
divisões e instabilidade no entorno
desenvolvimento. Os três gigantes
BRICS
da massa territorial euro-asiática –
estratégico de cada um dos BRICS.
Rússia, Índia e China –, em espeHá casos mais evidentes, como a
cial, historicamente equilibram-se
atual tensão na fronteira russo-uentre cooperação e conflito; no contexto deste início
craniana ou o conturbado Mar da China.
do século XXI, certamente o fator cooperação se soMas também a contenção ocorre em casos mebrepõe ao fator conflito.
nos percebidos, como no controle do Atlântico Sul
pela Otan, a partir de um “cordão de ilhas” e com
a permanente campanha que busca fraturar a união
BRICS: ascensão “a ser contida” e
sul-americana, seja por meio de fomento de instabilimesmo bloqueada
dade em países como Venezuela e Argentina – os dois
principais sócios do projeto brasileiro –, seja através
Historicamente, a ultrapassagem de uma potênde intervenções abertas através de prepostos, como é
cia estabelecida por outra ocorre em contexto de
a criação da Alianza del Pacífico, com nítidos propósitos
vitória militar (7). Na atual transição observada na
geopolíticos voltados contra o Brasil.
situação internacional, entretanto, a ultrapassagem
Em cada um dos BRICS também se identificam
da economia norte-americana pela China é iminente
pressões sobre o fator-chave para a ascensão de um
– segundo órgão de estatísticas do Banco Mundial,
país no sistema internacional: a coesão nacional.
em estudo divulgado no final de abril, deverá ocorA Rússia é permanentemente pressionada pelo
rer ainda em 2014 com base no critério de paridafator étnico, quer por tendências centrífugas por
de do poder de compra, ou seja, o peso relativo das
parte de minoria em seu território (os chechenos,
economias pelo custo de vida real. Os EUA lideram
por exemplo), quer por ameaças a seus nacionais
este índice desde 1872. Já a Índia, segundo o mesmo
residentes em antigas Repúblicas Soviéticas. A
estudo, ultrapassaria o Japão tornando-se a 3ª ecoChina vive sob constante ameaça territorial relanomia do mundo. A ultrapassagem econômica, encionada ao Tibet e à minoria urguir em Xinjiang.
tretanto, não leva à imediata ultrapassagem nem em
A Índia é pressionada por uma tensão constante
termos de liderança política muito menos em termos
entre a maioria hindu e a minoria muçulmana. A
militares.
África do Sul permanece, duas décadas após o fim
Não estando em tela neste momento um condo apartheid, com problemas de natureza racial.
fronto militar direto, como vimos, os países do status
Mesmo o Brasil, caracterizado por uma formação
quo atuarão fortemente no sentido de operar uma
social miscigenada, não foge à regra: além do focontratendência, que nesse momento atende esmento ideológico do multiculturalismo – por parte
sencialmente pela reabilitação das velhas doutrinas
de endinheiradas agências estrangeiras –, absolugeopolíticas da contenção. Por meios diretos ou inditamente estranho à formação social brasileira, é
retos, abertos ou encobertos, ostensivos ou sutis, os
41
131/2014
constantemente pressionado por
te consenso. Neles, há temas nada
A 6ª Cúpula dos
manipulações quanto à questão
triviais, relacionados a uma agenda
indígena, dentre outras pressões
reformista de alterações na ordem inpaíses BRICS será
de natureza racialista.
ternacional, inclusive aqueles relatisimbólica por abrir
Ameaças ao BRICS, em seu
vos à reforma do sistema financeiro
caminho de ascensão, também
internacional e à reforma da anauma nova fase na
ocorrem pela própria deterioração
crônica governança global, nomeaaliança, dotando-a
da situação internacional, a partir
damente do Conselho da Segurança
da incorporação de determinadas Nações Unidas. A oposição às
de musculatura
dos conceitos à “ordem jurídica”
guerras da Otan – travestidas de
para operar no
multilateral. É o caso do conceito
humanitárias – também é de grande responsabilidade de proteger, que
de importância, coesionando o BRInível econômicotem dado margem para guerras
CS na rejeição da agressão à Líbia e
financeiro, através
“humanitárias” ou “civilizatórias”
mais recentemente à Síria. Depois
modernas, bem como ações indida coordenação política e econômido Banco e do
retas de regime change, conceito
ca, caberá aos países BRICS darem
Fundo de Reserva
pelo qual têm sido denominados
um passo na coordenação estratégigolpes de Estado contemporâneos.
ca, já ensaiada com as reuniões dos
Os holofotes de tensão geoestratégica sobre Rúsfuncionários de “segurança nacional”.
sia, China ou Oriente Médio não devem turvar, nuCabe, no próximo período, aumentar o nível de
ma análise geopolítica, movimentos explícitos volcoordenação do BRICS sobre os grandes temas da
tados contra o Brasil. Há um explícito movimento
agenda internacional, numa agenda pró-cíclica, isto
de forçar um recuo nas pretensões estratégicas do
é, a favor da aceleração da transição para um munBrasil, como, aliás, argumentamos em artigo recente
do multipolar, criando condições mais favoráveis ao
nesta Princípios (8).
curso dos projetos nacionais de desenvolvimento de
As frustradas, mas reais, tentativas de manipucada um de seus integrantes e dos países em desenlação das manifestações de junho de 2013 com fins
volvimento em geral.
desestabilizadores; a campanha da oligarquia financeira internacional contrária à tentativa, por parte da
* Ronaldo Carmona é pesquisador de teoria geopolítica
presidente Dilma, de mudança (ou pelo menos de
na Universidade de São Paulo (USP) e membro do Comitê
flexibilização) do modelo rentista vigente desde 1994
Central do PCdoB
com o pacto político que estabelece o Plano Real;
mais recentemente, a operação voltada a desgastar a
Notas
imagem do Brasil por ocasião da Copa do Mundo de
Futebol, neutralizando um momento, por excelên(1) Ver, neste dossiê de Princípios, artigo do analista geopolítico
mexicano, Alfredo Jalife-Rahme.
cia, de promoção do soft power do país, de sua civiliza(2) Segundo a economista da Universidade de Columbia, Steção miscigenada e acolhedora são fatos a corroborar
phany Griffth-Jones. (Ver “China vence e será sede do Banco
esse movimento de contenção geopolítica do Brasil.
dos BRICS”. Folha de S.Paulo, 08 de junho de 2014, p. B9).
O deslocamento da atual coalizão política e social à
(3) “The Return of Geopolitics”, de Walter Russell Mead. In: Fofrente do governo nacional brasileiro nos últimos
reign Affairs (maio/junho de 2014, vol. 93, n. 3). Traduzido ao
português e publicado em O Estado de S. Paulo, 04 de maio
doze anos e, assim, um recuo nas pretensões estratéde 2014, p. A18.
gicas do país, representaria, pois, um golpe de vulto
(4) Como argumenta, por exemplo, “Poder, geopolítica e desenno BRICS.
A agenda pós-Fortaleza
A 6ª Cúpula dos países BRICS, como argumentamos neste texto, será simbólica por abrir uma nova
fase na aliança, dotando-a de musculatura para operar no nível econômico-financeiro, através do Banco
e do Fundo de Reserva.
As declarações das cinco Cúpulas anteriores, e
certamente a de Fortaleza, revelarão um arcabouço
de temas nos quais o BRICS tem construído crescen-
42
volvimento”, de José Luis Fiori, Valor Econômico, 26 de junho
de 2013.
(5) “El rol geopolítico de los BRICS: una visión brasileña”, de Ronaldo Carmona. Apresentação na I Conferência de Estudos
Estratégicos. Havana, Cuba, outubro de 2013.
(6) Refiro-me a Building Better Global Economic BRICS (2001),
disponível em http://www.goldmansachs.com/our-thinking/archive/archive-pdfs/build-better-brics.pdf
(7) Ver, dentre outros, Ascensão e queda das grandes potências,
de Paul Kennedy (Record, 1989) e Os Impérios na História,
organizado por Francisco Carlos Teixeira (Campus, 2009).
(8) Ver “A ascensão brasileira em xeque”, edição nº 129 (fevereiro/
março de 2014).
Capa
Cúpula do BRICS
Uma estratégia econômica para o
Brasil e a América do Sul
J. Carlos de Assis*
É preciso que haja uma reação sobre o fato de os fluxos
internacionais de comércio estarem movendo-se contra os nossos
interesses. Uma estratégia para a retomada do desenvolvimento
industrial a partir do uso soberano de nossos recursos naturais abre
o horizonte de um destino promissor para o Brasil e a América do
Sul, com benefícios também para os demais países do bloco BRICS
A
crise financeira de 2008, que ainda persiste em grande parte do planeta, sobretudo na Europa, introduziu mudanças que
tendem a ser permanentes ou no mínimo duradouras no sistema econômico
mundial – o que aponta para o Brasil a
necessidade de um realinhamento em
termos de alianças estratégicas. A mudança que mais
nos afeta diretamente, enquanto país e enquanto região, é a busca por parte de todos os países desenvol-
vidos de superávits no comércio de manufaturados,
num movimento simultâneo único pela primeira vez
na história.
Essa questão deveria estar no centro das preocupações das elites dirigentes brasileiras, de empresários, dos diplomatas, da universidade e dos profissionais da segurança nacional. É que não se trata de
um momento no ciclo econômico mundial. É o efeito
de uma determinação de caráter político, explícita
na área do euro, onde políticas fiscais e monetárias
43
131/2014
extremamente restritivas empurram os países para
tornaram uma espécie de reguladoras privadas das
buscarem saldos comerciais como único mecanismo
políticas econômicas mundiais pela influência direta
de recuperação da atividade econômica, não obstanque têm no custo dos empréstimos internacionais.
te o recorrente fracasso dessa estratégia. No contexto
É praticamente impossível romper essa conspiração,
mundial atual, esses superávits só podem ser obtidos
que tenta, na realidade, deixar tudo como está no
a partir de déficits dos países em desenvolvimento.
sentido da restauração das relações financeiras espeTambém não é um fenômeno temporário. A jusculativas mundiais nas mesmas bases em que funtificação para as políticas monetárias e fiscais rescionavam antes do colapso de 2008.
tritivas é o endividamento público considerado alto
Note-se que tudo poderia ter sido diferente não
na área do euro, medido pela relação dívida pública/
fosse a determinação europeia de perseguir a ortoPIB. Entretanto, as políticas restritivas produzem
doxia monetária e financeira. Sim, porque imediao efeito paradoxal de aumentar, e
tamente após a crise, para salvar
não reduzir, a relação dívida/PIB.
o sistema capitalista do colapso
As políticas
Como consequência da continuatotal, o G20 estabeleceu um conda retração ou estagnação do PIB,
senso em torno de políticas keynemonetárias e fiscais
o denominador cai, enquanto a
sianas anticíclicas nas reuniões de
restritivas são o
dívida sobe para países que não
Washington, Londres e Pittsburgo.
emitem a própria moeda em razão
A ruptura desse consenso, quando
endividamento
da incidência de juros de mercado.
as economias afetadas pela crise
público considerado já se recuperavam em decorrência
Isso significa contração econômica
num tempo indefinido, e um apelo
justamente dele, veio na reunião
alto na área do
ainda maior nos países com dívide Toronto, em 2010, quando Aleeuro, medido pela
das públicas consideradas elevadas
manha, Inglaterra e França patrono sentido de geração de saldos cocinaram as chamadas “estratégias
relação dívida
merciais por aumento de exportade saída”, ou seja, o retorno à orpública/PIB.
ções e redução de importações.
todoxia fiscal e a obsessão com a
Essa situação não é resultado
redução da dívida pública. Na EuEntretanto, as
apenas de uma idiossincrasia poropa, as economias que seguiram
políticas restritivas
lítica alemã por seus traumas pasesse conselho voltaram a desmorosados com hiperinflações. É certo
nar, e estão desmoronadas até hoje.
produzem o efeito
que as elites empresariais e políÉ importante assinalar, para os
paradoxal de
ticas alemãs são profundamente
que não estão familiarizados com a
ortodoxas e neoliberais, mas elas
terminologia econômica, que políaumentar, e não
não poderiam impor sua ordem
tica monetária ortodoxa não tem
reduzir, a relação
econômica ao resto da Europa se
nada a ver com responsabilidade
não contassem com a concordância
monetária. Em determinadas cirdívida/PIB
militante dos dirigentes franceses,
cunstâncias, inclusive agora, é seu
italianos e espanhóis, que há muioposto. A teoria keynesiana aconto abriram mão de suas convicções socialdemocraselha que, em situações de recessão ou de depressão,
tas para aceitar taxas pornográficas de desemprego.
o Estado não só pode como deve ampliar seus gastos
Na realidade, é surpreendente que nenhum político
deficitários. É a forma de restaurar a demanda, o ineleito importante da Europa tenha reagido indigvestimento e o emprego. Já quando a economia está
nado quando, pouco depois de sua posse no Banco
crescendo e marchando para o pleno emprego, deve
Central Europeu, Mario Draghi disse abertamente
fazer o oposto, ou seja, reduzir ou eliminar o déficit e
que para enfrentar a crise era necessário destruir o
diminuir a dívida pública. A ortodoxia prega uma siEstado de bem-estar social.
tuação permanente de equilíbrio ou mesmo superáA absoluta prevalência dos interesses especulavit fiscal, não obstante o ciclo econômico. É fácil ver
tivos contra os interesses sociais nos países indusque isso é uma estupidez ideológica. Presume que
trializados avançados, embora não totalmente nos
os Estados que se endividaram no passado, e foram
Estados Unidos – estes fizeram uma pseudorreforma
todos, agiram sempre de forma irresponsável.
pífia e disfuncional do sistema financeiro –, conta
O que os ortodoxos mais temem nas políticas ancom o respaldo total das agências multilaterais coticíclicas é a consequência delas em termos de um
mo FMI e Banco Mundial, o BCE e a própria Comisaumento temporário do poder econômico e coorsão Europeia. Ao lado disso, as agências de risco se
denador do Estado, seja pelo lado do investimento
44
Capa
público, seja pelo lado de uma política
monetária expansiva. Por isso, na Europa do euro, o BCE, sendo independente
dos governos, é um guardião rigoroso dos interesses bancários privados e
bloqueia qualquer tentativa de política
fiscal expansiva. É importante assinalar que isso não acontece nos Estados
Unidos: a despeito da pressão contrária do Partido Republicano, o governo
Obama enfrenta o risco de estagnação
com déficit fiscal e políticas monetárias
expansivas – algo que o conjunto dos
países desenvolvidos costuma negar
aos países em desenvolvimento, exceto
quando estes já não dependem diretamente do FMI para equilibrar contas externas.
Já a realidade político-eleitoral europeia não
traz qualquer sinalização de pressão efetiva por parte da cidadania em favor de mudanças na política
econômica no sentido da retomada da expansão.
Ao contrário, o que as últimas eleições para o Parlamento Europeu indicaram foi um crescimento da
direita a partir de temas sociais que lhe são caros,
como racismo e imigração, sem grande ênfase nos
temas econômicos. Isso prenuncia um movimento
do eleitorado na mesma direção quando se iniciarem as eleições nacionais, de resultado mais efetivo.
Mesmo na Espanha e na Grécia, com mais de 25% de
taxa de desemprego (mais de 50% entre os jovens),
movimentos como o dos “Indignados” murcharam
ou desapareceram.
Os riscos que a prolongada crise europeia, a estagnação japonesa e a marcha lenta americana colocam para o Brasil não se refletem na imprensa ou na
política brasileira. Os pré-candidatos presidenciais se
voltam exclusivamente para temas paroquiais, como
se eventos externos, sobretudo os que afetam estruturas produtivas globais, não nos dissessem respeito.
Isso significa, simplesmente, uma crise generalizada
de visão estratégica, mesmo porque, como se insiste aqui, a ameaça, efetivamente, não vem apenas da
Europa Ocidental, mas também dos demais países
industrializados.
É que os EUA, embora não seguindo política fiscal ortodoxa e apelando para uma política monetária
expansiva, estão, além disso, sustentando a meta de
dobrar exportações a cada cinco anos, anunciada por
Obama desde 2010. Já o Japão fez agressiva desvalorização do câmbio de 20% para recuperar exportações.
Dos grandes países líderes do comércio, a China, afetada pela contração do mercado europeu, é a única
que deliberadamente, com um esforço de reconversão
da demanda para o mercado interno, reduziu seus superávits com o resto do mundo. Isso, inversamente,
se refletiu também na balança comercial com o Brasil,
com o superávit com a China afetado por queda de
preços e volumes de commodities exportadas.
45
131/2014
Essa situação sem precedentes coloca para os
países emergentes um desafio histórico. Para países
como o Brasil, se não houver uma mudança drástica
em sua estratégia de desenvolvimento, seremos condenados à marginalização no mercado mundial de
manufaturados, com evidente risco para o emprego
e a trajetória de reservas cambiais. É um contexto
que mostra a temeridade de propostas como a do
acordo de livre comércio entre Mercosul (ou Brasil)
e União Europeia, que acentuaria o desequilíbrio
dessas relações.
46
Entretanto, considerando não só o Brasil
para toda a América do Sul, somos um país e
uma das regiões mais ricas do mundo em recursos naturais, desde abundantes fontes de água
doce aos diversos minerais. Podemos ancorar
uma arrancada de desenvolvimento comum
mediante industrialização desses recursos minerais desde que se equacione, por um lado, o
financiamento do investimento e, por outro, a
demanda num contexto de baixo crescimento
no mundo industrializado avançado.
A premissa fundamental numa estratégia
com esse objetivo é estimular firmemente a
industrialização de recursos minerais e agropecuários considerando-se três momentos articulados: a mineração, a industrialização e a
logística de transportes, tudo conectado a uma
estratégia de crescimento interno e de expansão das oportunidades de exportação de produtos com valor agregado.
Se houver infraestrutura, pode-se induzir
o setor privado a assumir a mineração e a industrialização com adequado financiamento
que teremos com o Banco do Sul e o Banco do
BRICS. O gargalo é a infraestrutura de transportes. Em casos de rodovias, ferrovias ou hidrovias pioneiras, é fundamental a ação direta
do Estado. Para que um programa público de
infraestrutura tenha credibilidade, é importante definir fonte de financiamento estável, como
foi em sua intenção original o Imposto Único sobre Combustíveis Líquidos e Gasosos (IUCLG) ou
a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), ou seja, um tributo sobre combustíveis vinculado formalmente a investimentos de
infraestrutura.
No Brasil, a CIDE ainda existe legalmente, embora zerada. Isso aconteceu no bojo das desonerações fiscais improvisadas de 2013. De qualquer
Capa
modo, seu desenho institucional é frágil pois sua
com problemas energéticos e ambientais na forma
receita era recolhida à caixa única do Tesouro, com
de restrições à expansão territorial de sua indústria
vinculação apenas nominal a investimentos de inmetalúrgica básica. Nesse sentido, o financiamenfraestrutura. O ideal, portanto, é que ela seja resto do investimento nos projetos escolhidos poderia
taurada e sugerida aos outros países da América
basear-se numa demanda garantida de metais pedo Sul como um tributo formalmente vinculado,
la China, que desenvolveria fora de seu território,
como acontece nos Estados Unidos, que sirva de
mediante acordos específicos, o suprimento desses
base de alavancagem para emmetais para continuar sustentanpréstimos bancários ao setor de
do seu alto crescimento. Foi desinfraestrutura.
sa forma que se desenvolveu em
Temos um desafio
Haverá resistência, sobretudo
parte Carajás, mediante demanda
estrutural que
das elites empresariais, à efeticerta de produção futura convervação de um tributo vinculado a
tida em financiamentos, com a
se sobrepõe ao
investimentos de infraestrutura
diferença de que se tratava de um
problema cambial
logística não só no Brasil mas nos
bem primário e o demandante era
demais países da América do Sul,
o Japão.
de curto prazo,
os quais, com exceção da ArgentiA estratégia aqui delineada
na medida em
na, têm em média metade da carabriria caminho para a articulação
ga tributária do Brasil. A forma de
do Brasil e da América do Sul com
que são os fluxos
lidar com isso seria condicionar a
a região economicamente mais diinternacionais de
participação no projeto de desennâmica do mundo: o grande arco
volvimento comum à instituição
do Pacífico centrado na China. A
comércio que estão
do tributo vinculado. Note-se que,
ponte de acesso a esse arco seria
se movendo contra
por um lado, um tributo sobre
o bloco BRICS, que teria, de um
combustíveis, tendo uma base exlado, como grandes demandantes
nossos interesses
tremamente ampla, requer alíquode metais, a China e a Índia e, de
tas individuais muito baixas. Por
outro, como supridores de produoutro lado, o fundo criado com estos da indústria básica, o Brasil e
se tributo não seria um investidor direto nos projea África do Sul, ficando a Rússia numa posição intos, mas uma base de alavancagem de empréstimos
termediária. A consolidação desse arco responderia
para investimentos; seria um garantidor. Assim,
a ameaças do neoliberalismo em sua forma comeruma receita anual de 1 milhão geraria uma capacial: os acordos de livre comércio assimétricos, que
cidade de investimento em 20/30 anos de 20 ou 30
retardam em vez de estimular o desenvolvimento.
milhões.
Essa sugestão não substitui políticas de curEquacionado o problema da infraestrutura, poto prazo, sobretudo a cambial, que estão afetando
der-se-ia articular o programa estratégico no âmbidrasticamente a indústria manufatureira brasileira,
to do BRICS inicialmente em parceria com a China,
notadamente a indústria de bens de capital. Contuque deixaria de ser o inimigo comercial para ser um
do, como se pode ver nos gráficos, temos um desasócio do investimento. Em primeiro lugar, seriam
fio estrutural que se sobrepõe ao problema cambial
selecionados, no Brasil e no restante da América
de curto prazo, na medida em que são os fluxos
do Sul, projetos específicos de desenvolvimento ininternacionais de comércio que estão se movendo
dustrial de recursos naturais. A China arcaria com
contra nossos interesses. Deixar que isso aconteça,
a parte principal do investimento, garantida pela
espontaneamente, sem reação, é um crime de leprópria demanda, e a governança seria exercida
sa-pátria. Uma estratégia para a retomada do decom o Brasil e com outros países sul-americanos
senvolvimento industrial a partir do uso soberano
participantes. Seria aberto, dessa forma, um amplo
de nossos recursos naturais abre o horizonte de um
e crescente mercado de bens de capital para as emdestino promissor para o Brasil e a América do Sul,
presas brasileiras do setor, eventualmente em parcom benefícios também para os demais países do
ceria com a indústria homônima chinesa, indiana
bloco BRICS.
e russa.
Com isso, seria salva a indústria de bens de ca* José C. de Assis é economista, doutor em Engenharia
pital brasileira de uma concorrência predatória dos
de Produção pela Coppe/UFRJ, professor da Economia
países industrializados avançados. O esquema inteInternacional da UEPB, autor de mais de 20 livros sobre
ressaria à China no sentido de que ela se defronta
Economia Política brasileira
47
131/2014
Conferência BRICS no século XXI
aprova Documento Consenso do Rio
Especialistas dos cinco países do bloco pedem Estado com
forte poder regulatório, pelo fim das desigualdades sociais e
como motor do desenvolvimento sustentável
A
Conferência BRICS no século XXI, realizada de 20 a 23 de maio no Hotel Novo
Mundo, Rio de Janeiro, terminou com a
apresentação de uma pauta propositiva
chamada de Consenso do Rio, defendendo que governos e sociedades dos países integrantes dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África
do Sul) promovam o desenvolvimento econômico
tendo como base uma forte presença regulatória do
Estado. Segundo o documento, o Estado deve promover o desenvolvimento econômico e social com
sustentabilidade ambiental, visando ao pleno emprego, a redução da pobreza e da desigualdade.
O Consenso foi resultado dos debates realizados
no auditório da Coppe/UFRJ com intelectuais e especialistas renomados que representaram os cinco
países do bloco e trouxeram propostas alternativas
ao pensamento neoliberal nos campos da Economia, da Política e das Ciências. Ressalta o elevado
desempenho econômico e social dos Brics frente aos
países industrializados avançados lembrando que,
apesar da crise que ainda vivem, suas elites teimam,
para pagar menos impostos, em manter a política
48
de mínima participação do Estado na economia e a
chamada autorregulação do mercado. O documento
apresenta 12 itens propositivos como um conjunto
de estratégias que vêm sendo usadas ou que os especialistas acreditam que devam ser usadas pelos Governos dos BRICS.
Sobre a conferência
A Conferência BRICS no século XXI foi organizada pelo Intersul (Instituto de Estudos Estratégicos
para a Integração da América do Sul) em parceira
com a Coppe/UFRJ, e contou com o patrocínio do
BNDES e apoio da Caixa, do Ministério do Planejamento, do Governo Federal, da construtora Odebrecht e do Sinergia. O objetivo principal foi avaliar
a emergência de novos paradigmas no campo da
economia, da geopolítica, nas ciências e em outros
campos do conhecimento humano, superando os
paradigmas do neoliberalismo que entraram em colapso, sobretudo a partir da crise financeira iniciada
em 2008 e que ainda persiste nos países industrializados avançados.
Capa
Íntegra do Documento BRICS NO SÉCULO XXI - CONSENSO DO RIO
C
omo participantes da Conferência BRICS no Século XXI, que reuniu no Rio, de 20 a 23 de maio, especialistas
de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, expressamos
a convicção de que é tarefa fundamental dos governos e das
sociedades de nossos países manterem como prioridade absoluta promover o desenvolvimento econômico como esteio do
desenvolvimento social com sustentabilidade ambiental, tendo
em vista o imperativo de garantir o pleno emprego e reduzir a
pobreza e a desigualdade econômica, o que jamais ocorrerá
numa sociedade estagnada.
Consideramos lamentável o fato de que, não obstante a
aguda crise social e de desemprego por que passam os países
industrializados avançados, a maioria deles se recusa abertamente ou se omite em tomar iniciativas no campo fiscal e
monetário para a retomada do crescimento econômico. Com
isso prejudicam, sobretudo na Europa, grande parte de sua
população assim como às populações dos demais países, inclusive emergentes, que se defrontam com o estreitamento do
mercado mundial e com as pressões comerciais superavitárias
que visam a compensar a ausência de políticas fiscais e monetárias ativas.
Entendemos que a superação da presente crise nos países industrializados avançados não pode ser uma escusa para uma escalada bélica no mundo. Não é demais lembrar que
estamos na era nuclear e isso cria um virtual nivelamento de
poder destrutivo entre nações nuclearizadas. Não há como sair
ganhando numa guerra mesmo convencional na era nuclear.
Os temas geopolíticos têm necessariamente que ser levados à
mesa de negociações, respaldados pela força democrática dos
povos, livres de qualquer tipo de pressão e sanções unilaterais.
No campo econômico e social, é indiscutível que os países
BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) estão tendo
um desempenho superior ao dos países industrializados avançados, cujas elites ainda teimam, para pagar menos impostos,
em manter o receituário do Estado mínimo e da autorregulação
dos mercados – não obstante o colapso dessas teses no bojo da crise em curso. Por isso, afirmamos nossa concordância
com as linhas gerais das estratégias que vêm sendo usadas ou
que devem ser usadas por nossos governos, e que reputamos
sejam, em grande parte, as causas essenciais desse desempenho. São elas:
1. Forte presença reguladora do governo central na economia, especialmente em setores estratégicos, e compromisso
em garantir bens básicos para a população.
2. Presença de um forte sistema de bancos públicos de
desenvolvimento, que faz a correia de transmissão entre planejamento e o financiamento de médio longo prazo.
3. Presença de fortes empresas estatais estratégicas,
com capacidade de aplicar as decisões de planejamento e
exercer um poder de arraste sobre o setor privado.
4. Compromisso com políticas fiscais anticíclicas, isto é,
expansivas na recessão e contracionistas no boom.
5. Controle de capitais para evitar ondas financeiras especulativas.
6. Política de integração econômica estrategicamente planejada.
7. Forte compromisso com a adoção de estratégias de
desenvolvimento sustentável e estabelecimento de acordos de
padronização para os respectivos resultados.
8. Busca comum de desenvolvimento tecnológico que
permita que os países BRICS se tornem mais competitivos em
termos globais.
9. Troca de recursos educacionais e culturais com o suporte dos governos e para o desenvolvimento de pesquisas
comuns.
10. Os governos BRICS precisam trabalhar por um comércio mais equilibrado movendo-se no sentido de um maior
balanço no processamento nacional de matérias-primas.
11. Compromisso efetivo dos governos para colocar em
prática as políticas de combate à pobreza e à desigualdade
econômica.
12. O Conselho dos BRICS deve estar pronto para agir
como mecanismo de implementação de todos os princípios citados a qualquer momento que for requisitado para isso.
Por certo que nem todos os países BRICS usaram da totalidade desses instrumentos para o enfrentamento das consequências internas da crise internacional. Contudo, mesmo
uma observação superficial leva à conclusão de que os que
melhor se saíram foram justamente aqueles que usaram mais
decididamente uma combinação mais ampla desses recursos
de política econômica.
Rio de Janeiro, 23 de maio de 2014.
Especialistas presentes
Rússia
Vladmir Davydov
Elena Bryzgalina Boris Martynov
Índia
Santosh Mehrotra
Brahma Chellaney
China
Qian Hao
Qian He
Qixing Zhou
Zhang Yan
Brasil
José Carlos de Assis
Luiz Pinguelli Rosa
Dercio Garcia Munhoz
Darc Antonio da Costa
Samuel Pinheiro Guimarães
Severino Cabral
Tito Ryff
José Eduardo Cassiolato
Theotônio dos Santos
Daniel Negreiros Conceição
Ronaldo Carmona
África do Sul
Mario Scerri
Rasigan Maharajh
49
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Forças e vulnerabilidades dos
países BRICS no mundo multipolar
pós-Crimeia
Alfredo Jalife Rahme*
A reunião do BRICS, que ocorrerá em Fortaleza/CE,
representa uma oportunidade para fortalecer as tendências (de
crescimento econômico) e concretizar os múltiplos projetos. É
uma oportunidade de ouro de passar à fase de transição mais
vigorosa da criativa ordem multipolar do mundo pós-Crimeia
A
cartografia geoestratégica tem mudado dramaticamente nos últimos meses no mundo
pós-Crimeia, o que tem acentuado as tendências que foram esboçadas em 2008 durante a guerra da Rússia contra a Geórgia,
e que teve como epílogo a secessão de
Ossétia do Sul e da Abecásia (Abkházia)
(1).
A partir da guerra entre a Geórgia e a Rússia traçou-se a primeira linha vermelha do Kremlin na etapa de restauração relativa do czar geoenergético global Vladimir Putin, que tem jogado primorosamente
a carta dos hidrocarbonetos, além dos oleodutos e
gasodutos, como arma dissuasiva para impedir o desmembramento do que restou da Rússia depois da dissolução da União Soviética e também com o propósito
de frear o irredentismo do trio Estados Unidos/ Otan/
União Europeia na “periferia próxima” de Moscou.
O mundo pós-Geórgia, do ponto de vista do posicionamento militar, expressou as tendências que tiveram início na primavera de 2004, quando os EUA
e seus aliados não puderam controlar o petróleo do
Iraque; e isso deu lugar ao novo termômetro da geoeconomia planetária, com o irreversível início da elevação do preço do petróleo – quintuplicado desde então
para mais de 100 dólares, chegando a alcançar o notável pico de 150 dólares.
Não se pode entender o mundo pós-Geórgia de
2008 sem se considerar o início da ascensão irrever-
50
sível da cotação do “ouro negro” a partir de 2004,
levando em conta que a Rússia é a maior potência
produtora de gás do planeta – seguida pelo Irã e pelo
Catar, vindo Turcomenistão em quarto lugar.
Deduz-se, assim, que a arma petroleira não anda
só, e necessita da cobertura de 4.300 bombas nucleares hoje nas mãos da Rússia (2). A Rússia, muito mais
do que a China, voltou a mostrar suas garras militares, o que levou à incipiente ordem multipolar e, paralelamente, ao nascimento do bloco dos países BRICS.
A sequência é assombrosa: a irresistível alta do petróleo a partir da primavera de 2004; o nascimento
do BRICS (oficioso em 2006 e oficial em 2009), que
de um bloco quadripartido passou a um pentapartido; o
mundo pós-Geórgia de 2008: tal é a plataforma multipolar que logo se concatenou com o recente mundo
pós-Crimeia.
Poder-se-ia argumentar que o Grupo de Xangai,
como contraponto à expansão oriental da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na década de 90
do século passado, encurralou a um mínimo vital o poder e a geografia da Rússia, que estancava suas feridas
depois da “catástrofe geopolítica” (Putin dixit “disse”),
e somente esperava a oportunidade propícia para deter
a ofensiva, em suas fronteiras, do trio EUA/Otan/UE.
A oportunidade para deter a queda vertical da
Rússia foi dada pela dupla derrota militar dos Estados Unidos no Afeganistão e, sobretudo, no Iraque,
na primavera de 2004, quando a administração Bush
Capa
(filho) não pôde controlar a superabundância de petróleo daquele país.
O mundo pós-Crimeia acentuou a recuperação
relativa do espaço geopolítico vital da Rússia em sua
periferia mais próxima, o que levou à reincorporação
da superestratégica península da Crimeia e à preponderância russa no Mar Negro (3), desencadeando o
acordo histórico sobre gás com a China, bem como a
criação, junto com a Bielorrússia e o Cazaquistão, da
União Econômica Euroasiática.
A batalha mercantil se propaga ferozmente nos
dois oceanos que banham as costas dos Estados Unidos, que buscam controlar 2/3 do comércio mundial
mediante dois polêmicos tratados: 1) o Acordo Associação Transpacífico (TPPA – sigla em inglês), destinado a isolar e a “conter” a China e, de passagem, o
Brasil, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e, por
extensão, a toda a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba); 2) o Acordo de Parceria Transatlântica
de Comércio e Investimentos (TTIP, na sigla em inglês), por meio da qual os Estados Unidos buscam
atrair para sua armadilha a União Europeia – hoje
fraturada econômica e politicamente, mediante o
reflexo da bolha do fracking (fratura hidráulica) e
seu gás de xisto (4) –, para que ela rompa seus laços
energéticos com a Rússia.
Nem todos os projetos mercantilistas dos Estados
Unidos foram exitosos, conforme demonstram seus
fracassos: no âmbito local, o extinto Plano Puebla Pa-
namá e, na esfera regional, a sepultada Área de Livre
Comércio das Américas (Alca).
O mais provável é de que assistamos à formação
de blocos regionais em torno de seus respectivos países líderes: os Estados Unidos (com a absorção do Canadá e do México); o Brasil (com o Mercosul e a luta
para controlar a União de Nações Sul-Americanas,
Unasul); a Alemanha (controlando o que resta da Europa e talvez criando a sonhada “rota da seda” com a
China e a Rússia) (5); a China (com a Associação de
Nações do Sudeste Asiático, Asean-10; se os Estados
Unidos não a abortar antes, atiçando fogo nos litígios
dos mares do Sul e do Leste da China).
As forças e vulnerabilidades de cada um dos cinco
membros do BRICS afetam o bloco como um todo.
Mesmo dentro do BRICS existem níveis e gradientes
de poder não equiparáveis entre todos os seus membros – como é o caso da esfera nuclear, havendo em
seu seio uma superpotência atômica da magnitude da
Rússia e potências médias como a China (com 250
bombas) (6) e a Índia (com 80 a 100 bombas) (7).
Curiosamente, a África do Sul possuía seis bombas nucleares antes de os governos pós-Apartheid as
desmantelarem de forma unilateral e voluntária (8),
enquanto no Brasil a Constituição nacional proíbe a
adoção de bombas atômicas, apesar de esse país possuir know-how para fabricá-las.
O impressionante consiste em que o novo binômio
geoestratégico constituído por Rússia e China, sem
51
131/2014
formar uma aliança formal, mostra uma espantosa
o são” e arremete contra o Brasil que, a seu juízo,
complementariedade.
sofreria de “profundos (sic) problemas institucioAnatole Kaletsky, analista britânico de linha connais e de desordem social”, enquanto a Rússia “não
servadora, não oculta “a força da Rússia em sua avandominaria tanto os mercados energéticos no futuçada (sic) tecnologia militar, aeronáutica e de softwaro, apesar do decréscimo de sua própria população”.
re, bem como sua debilidade na produção massiva de
Julga ainda esse autor que a Alemanha, “para manbens de consumo e de hardware eletrônico. A China
ter uma política exterior poderosa, se encontraria
tem as forças e as debilidades inversas”. Esse autor
enredada no setor energético e com a economia da
alega que talvez a viagem de Putin a Xangai “poderia
Rússia”, enquanto a China estaria “sentada sobre
ainda marcar o início de um realinhamento estratégiuma extensa burguesia creditícia, que é um de seus
co entre as superpotências nucleares, comparável às
desafios estruturais e econômicos”.
‘placas tectônicas’ da visita que Nixon fez à China em
Para Kaplan, restariam os “Estados Unidos, que
1972” (9).
têm os seus problemas” (paralisia bipartidária, queExistem outros tipos de complementaridades enbra do setor de saúde, disparidade crescente entre
tre os membros do BRICS que vão
ricos e pobres etc.), mas não exidesde os alimentos, como é o caso
biriam “o lastro dos outros hegeda China – importadora de matériasmones”. Esse autor profetiza ainda
Desde 2006 (de
-primas e alimentos – com o Brasil,
que “alguns dos hegemones podeforma oficiosa)
já a primeira potência alimentar do
rão se arruinar severamente nos
mundo.
próximos anos, já que a Rússia e a
e/ou 2009 (de
Abordarei, com uma metodoChina podem padecer de uma sigforma oficial), os
logia multidimensional, as forças e
nificativa desordem social”.
vulnerabilidades de cada um dos inPor fim, Kaplan prevê um
países do BRICS
tegrantes do BRICS, assim como do
“mundo anárquico e amórfise estabeleceram
bloco como um todo.
co, combinado com a tecnologia
Do ponto de vista geoestratégipós-moderna”, algo assim como,
e, desde então,
co, no mundo pós-Crimeia, se esa meu juízo, uma anarquia (sua
convergem cada
tabelece a tripolaridade formada
obsessão) com “fractais” (ordens
por Estados Unidos, Rússia e China
dentro da desordem, segundo
vez mais em seus
– que poderia se estender, do ponto
a Teoria do Caos) tecnológicos.
objetivos, de tal
de vista dos blocos geoeconômicos
Nesse mundo anárquico, uma
vigentes, a uma bipolaridade trans/
minoria plutocrática/oligárquica/
modo que há vários
metarregional entre o G-7 e os países
oligopólica pretenderá controcandidatos desejosos lar orwellianamente a esmagadora
ascendentes BRICS (10).
Não faltam analistas que discumaioria dos habitantes do planeta
por se integrar ao
tam a emergência de novos “hegemomediante metadados, drones, robloco, como o Irã e a bôs, dívidas impagáveis e/ou crénes” (líderes supremos) regionais,
como é o caso do israelense-estaduditos de consumismo desregulado
Argentina
nidense Robert D. Kaplan
e de supercomputadores
(11), que expõe a sugesde velocidade espantotão de alguns analistas
sa: os neoescravos da
em favor de “um sistema
virtual cadeia eletrônica
de ‘hegemones’ regionais:
global.
Estados Unidos na AméÉ evidente que os
rica do Norte (sic), Brasil
analistas dos Estados
na América do Sul, AleUnidos e da Rússia não
manha na Europa, Rússia
respeitam mutuamente
na Eurásia, China na Ásia
seus destinos ontolóe assim por diante”.
gicos imediatos, já que
Kaplan considera que
nada menos que Igor
“o problema desse cenáPanarin, decano da Acario é que ele implica igualdade entre os hegemones
demia da Diplomacia na Rússia, advertiu sobre o
quando esta não existe. Supõe também que esses
desmembramento dos Estados Unidos em seis parhegemones são estáveis, o que constantemente não
tes (12).
52
Capa
Desde 2006 (de forma oficiosa) e/ou 2009 (de
O tsunami eleitoral do partido ultranacionalista
forma oficial), os países do BRICS se estabeleceram
hindu Bharatiya Janata, do primeiro-ministro Nae, desde então, convergem cada vez mais em seus
rendra Modi, representa uma incógnita dentro do
objetivos – apesar das múltiplas variáveis internas
BRICS, num momento em que tanto os Estados Unidivergentes –, de tal modo que há vários candidatos
dos quanto o Japão tentam atrair a Índia para criar
desejosos por se integrar ao bloco, como o Irã e a
um eixo com a Austrália e a anglosfera com o objetivo
Argentina.
de deter a China. Fortalecerá a Índia sua participaSe, em seu início, o BRICS parecia mais um bloco
ção no BRICS ou sucumbirá aos cantos de sereia do
geoeconômico, oito anos depois (de forma oficiosa)
TPP e de seu corolário militar anglo-saxão?
e/ou cinco anos depois (de forma oficial) adotou de
O mundo pós-Snowden, que expôs a vigilância orforma mais vibrante uma agenda geopolítica na qual
welliana de todos os países do mundo e de seus mansuas duas superpotências, Rússia e
datários, espiados pela Agência de
China, acabam determinando o que
Segurança Nacional (NSA, na sigla
se deve fazer e a conduta a ser seem inglês) dos Estados Unidos, desguida.
nudou por completo a imensa vulneSão notórias as forças dos países
rabilidade do BRICS, que deverá liBRICS no âmbito nuclear – com a
bertar-se da escravidão da internet e
supremacia russa e a posse de bomseus servidores em mãos dos Estados
bas atômicas pela China e Índia –,
Unidos e de Israel (Google, Twitter,
assim como na esfera das reservas
Facebook, Yahoo, Linkedin etc.).
de divisas. De acordo com o ranking
Talvez com a internet e a multida CIA dos primeiros 20 lugares, o
mídia – que operam nos mercados
BRICS – com a exclusão da África
de ações de forma instantânea por
do Sul – leva vantagem sobre o G-7,
intermédio do High-Frecuency Trade
com exceção do Japão que detém a
–, as geofinanças representem uma
segunda reserva mundial de divisas.
das principais vulnerabilidades dos
A China aparece em primeiro lugar
países BRICS, que ainda são depenno ranking das reservas de divisas, a
dentes da caduca ordem mundial de
No campo
Rússia em sexto, o Brasil em oitaBretton Woods e de seus anômalos
geoeconômico,
vo e a Índia em undécimo (13). O
organismos internacionais (FMI,
paradoxo é que os países BRICS não
BM, OMC, OCDE etc.).
o BRICS foi
têm conseguido traduzir seu enorNo Índice de Desenvolvimento
paulatinamente
me poderio pela posse de reservas
Financeiro, publicado pelo Fórum
de divisas na incipiente ordem multomando o lugar dos Econômico Mundial de Davos, o
tipolar.
BRICS – com a exceção muito dispaíses integrantes
No campo geoeconômico, o
cutível de Hong Kong (que pertence
BRICS foi paulatinamente tomanà China sob a modalidade de “um
do G-7 – enredado
do o lugar dos países integrantes do
país, dois sistemas”) –, ocupa lugaem sua enorme
G-7. Segundo recentes projeções do
res patéticos que não correspondem
Banco Mundial, em termos de Proao seu poderio nos outros campos
dívida
duto Interno Bruto (PIB) – medido
(militar, geoeconômico, mercantil e
pelo Poder de Paridade de Compra
de reservas de divisas).
(poder aquisitivo) –, a China desbancará os Estados
Hong Kong ostenta o primeiro lugar, seguido pelo
Unidos do primeiro lugar ao final deste ano, enquanto
binômio anglo-saxão dos Estados Unidos (segundo
a Índia já substituiu o Japão no terceiro lugar, o Brasil
lugar) e Grã-Bretanha (terceiro lugar), enquanto os
deslocou a Grã-Bretanha do oitavo lugar no ano paspaíses BRICS ocupam posições remotas: Brasil, 32º;
sado e a Rússia já ocupa o sétimo lugar (14). Do ponto
Rússia, 39º; Índia, 40º; China, 23º; e África do Sul,
de vista geoeconômico, o BRICS – sem a África do Sul
28º (15).
– está substituindo gradualmente o G-7, enredado em
Destaca-se a severa vulnerabilidade do BRICS
sua enorme dívida.
nas geofinanças, ainda dominadas pela dupla EstaHá três campos em que os países BRICS mostram
dos Unidos/Grã Bretanha, em particular, e pelo G-7,
vulnerabilidades: 1) o enigma da Índia; 2) a multimíem geral.
dia, simultaneamente à internet e aos servidores; 3)
O predomínio do dólar estadunidense é avassalaas geofinanças.
dor (ao redor de 65% das trocas cotidianas de divisas
53
131/2014
no comércio mundial), seguido petratégico mais favorável: o mundo
Os países BRICS,
lo euro (em torno de 25%), apesar
pós-Crimeia, cuja estrela polar consde suas vicissitudes, seguidos pelo
titui o histórico acordo de gás entre a
ou repartem
iene japonês e pela libra esterlina.
Rússia e a China, a coluna vertebral
melhor a equidade
As divisas dos países BRICS são
geoestratégica do bloco pentapartido.
muito vulneráveis, com exceção do
Daí que, em Fortaleza, hoje coda nova ordem
yuan chinês, que começa a se formo nunca, o BRICS tem a oportumultipolar no seio
talecer por meio de contratos de
nidade de ouro – que aparece pouswap (permuta) nas praças de Hong
cas vezes na história – de passar à
dos organismos
Kong, Xangai e, recentemente, com
fase de transição mais vigorosa da
internacionais
o fim de se internacionalizar, nas
criativa ordem multipolar do munde Frankfurt e Londres. Ainda faldo pós-Crimeia.
controlados
ta muito tempo, talvez 10 anos – a
pelos EUA ou
fortiori, devido ao gradualismo con* Alfredo Jalife Rahme é professor de
pós-graduação na Facultad de Contaduría
substancial à mentalidade chinesa
estão obrigados a
y Administración (UNAM) e de graduação
–, para que o yuan seja competitivo
desprender-se do
na Facultad de Ciencias Políticas y Sociales,
em relação ao dólar estadunidense
ambas na Universidad Nacional Autónoma
– o que dirá em relação ao euro.
jugo estadunidense
de México (UNAM). Autor de vários livros
A híbrida e incipiente multipoe comentarista de televisão, em canais como
laridade geoeconômica/geopolítica,
CNN, Russia Today, Telesur e Proyecto
em que pese o poderio geoestraté40. Analista de geopolítica, geoeconomia e globalização
gico da Rússia e da China, ainda não se reflete nos indos jornais La Jornada, El Horizonte, Por Esto! e Réseau
tercâmbios das divisas: o verdadeiro domínio do dólar
Voltaire
estadunidense, ao lado do euro – operando este último
como apêndice transatlântico daquele e que não pôde
Tradução de Eugênio Rezende de Carvalho e revisão
se libertar da tutela de Washington. Aqui a fraqueza
técnica de Maria Lucilia Ruy.
do Brasil é patente e sumamente dependente dos capitais de Wall Street e da City londrina.
Os Estados Unidos e a União Europeia continuam
controlando os organismos internacionais surgidos
Notas
de Bretton Woods, onde a presença desta última ain(1) In: http://www.jornada.unam.mx/2008/08/20/index.
da não é suficiente para superar o veto estadunidense,
php?section=opinion&article=020o1pol
notoriamente no FMI, nem o controle da cúpula do
(2) In: http://bos.sagepub.com/content/70/2/75.full
Banco Mundial, sem falar das amarras do G-7 no seio
(3) In: http://www.jornada.unam.mx/2014/04/20/opinion/012o1pol
da Organização Mundial do Comércio (OMC).
(4) In: http://www.jornada.unam.mx/2014/06/01/opinion/018o1pol
(5) In: http://www.jornada.unam.mx/archivo_opinion/autor/
Os países BRICS, ou repartem melhor a equidade
front/4/41031
da nova ordem multipolar no seio dos organismos in(6) In: http://bos.sagepub.com/content/69/6/79.full
ternacionais controlados pelos Estados Unidos – que
(7) In: http://bos.sagepub.com/content/68/4/96.full
se comportam como se não tivessem interesse em ser
(8) In: http://www.foreignaffairs.com/articles/49411/j-w-de-villiersuma superpotência unipolar – ou estão obrigados a
roger-jardine-mitchell-reiss/why-south-africa-gave-up-thebomb
desprender-se do jugo estadunidense mediante a
(9) In: http://www.alfredojalife.com/se-asienta-el-mundocriação de organismos que evidenciem a multipolamultipolar-acuerdo-historico-de-rusia-y-china-en-shanghai/
ridade: desde a edificação de uma divisa comum do
(10) In: http://www.jornada.unam.mx/2012/04/08/politica/010o1pol
BRICS até o lançamento de um Banco de Desenvole http://www.jornada.unam.mx/2014/04/16/opinion/016o1pol
vimento – que não saiu do papel e que o prudente
(11) In: http://www.stratfor.com/weekly/old-order-collapses-finally
(12) In: http://rt.com/politics/panarin-usa-collapse-economy-905/
gradualismo da China postergou para não se indispor
(13) In: https://www.cia.gov/library/publications/the-worlddemasiadamente com os Estados Unidos.
factbook/rankorder/2188rank.
A reunião de cúpula do BRICS, na cidade de Forml?countryname=Mexico&countrycode=mx&regionCode=notaleza (Brasil), representa uma oportunidade para
a&rank=18#mx
fortalecer as tendências e concretizar os múltiplos
(14) In: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2001rank.html?countryname=Mexico&counprojetos, de acordo com a conjuntura e as circunstrycode=mx&regionCode=noa&rank=11#mx
tâncias. Desde a sua criação oficiosa há oito anos e/
(15) In: http://www.weforum.org/reports/financial-development-reou seu lançamento oficial há cinco, é a primeira vez
port-2012
que os países BRICS se reúnem num entorno geoes-
54
Capa
O Banco de Desenvolvimento do
BRICS: um novo banco para um
novo desenvolvimento
Carlos Márcio Bicalho Cozendey*
Os países do BRICS deverão assinar na Cúpula de
Fortaleza o acordo constitutivo de um novo Banco
de Desenvolvimento. Criado na esteira da crise
financeira internacional e diante de uma demanda
crescente por recursos para financiamento do
desenvolvimento em âmbito global, o novo Banco
se guiará pela implementação efetiva do conceito de
desenvolvimento sustentável
55
D
131/2014
enominado provisoriamente como “Nolacunas, salientou novas necessidades e exacerbou
vo Banco de Desenvolvimento” (NDB),
antigas demandas, em particular no que se refere à
a nova instituição vem sendo negociainfraestrutura econômica. As estimativas das necesda pelos cinco países BRICS (Brasil,
sidades globais de investimentos na área da infraesRússia, Índia, China e África do Sul)
trutura que temos visto na discussão sobre o tema no
em paralelo à negociação de um Arranâmbito do G20 são sempre astronômicas.
jo Contingente de Reservas (CRA). Em
Apesar de as necessidade serem enormes, e do fato
conjunto, esses projetos dão claro testeinconteste de que boa parte dos países em desenvolvimunho dos esforços, da ambição, da visão estratégica
mento não dispõe dos meios necessários, não se pode,
e da vontade política que norteiam a diplomacia fiou se deve, esperar maiores volumes de contribuição
nanceira do BRICS.
dos países desenvolvidos para o financiamento interNão se trata de um feito menor
nacional do desenvolvimento, prinque os cinco países tenham logrado
cipalmente no que tange aos bancos
estruturar, em pouco menos de dois
multilaterais, como o Banco MunO NDB surge assim
anos, mecanismos de concertação
dial, o Banco Interamericano de Denesse hiato entre
financeira da complexidade de um
senvolvimento, o Banco Africano de
Banco de Desenvolvimento ou de
Desenvolvimento etc. Os países deum aumento da
um Arranjo Contingente de Resersenvolvidos, com suas finanças afedemanda e uma
vas. O fato de que ambas as iniciatitadas pela crise, têm deixado claro
vas se encontram agora em estágio
em todos os foros que não estão disinsuficiência de
final de negociação, a fim de serem
postos a uma nova rodada de capirecursos para o
assinadas na presença dos líderes
talização destes bancos num futuro
do BRICS em Fortaleza, confirma o
suficientemente próximo. Por outro
financiamento do
engajamento de todos eles na conlado, há grande liquidez nos mercadesenvolvimento
solidação e no aprofundamento do
dos financeiros globais, em função
agrupamento.
das políticas monetárias expansioEntre as duas iniciativas, o CRA
nistas dos principais emissores de
do BRICS e o NDB, este último – por seu escopo mais
moeda de reserva internacional, mas o investimenamplo e capacidade de atuar concretamente nos proto estrangeiro direto em projetos de maturação mais
cessos de desenvolvimento do BRICS e de outros paílonga encontra dificuldades para materializar-se na
ses emergentes e em desenvolvimento – talvez seja
maioria dos países em desenvolvimento.
aquele com maior potencial de impacto global.
O NDB surge assim nesse hiato entre um aumento da demanda e uma insuficiência de recursos
Contexto internacional
para o financiamento do desenvolvimento. Desde o
princípio, a ideia do BRICS é de que o NDB atuará
O NDB está sendo criado em um contexto interde maneira complementar às instituições existentes,
nacional muito particular. Vivenciamos recentemente
inclusive mediante projetos conjuntos e cofinanciauma crise econômica internacional de grandes promentos, sem desprezar o fato de que alguma compeporções, que foi gerada e teve seus impactos mais
tição é sempre saudável para motivar as instituições
fortes nos países desenvolvidos. A reação à crise teve
existentes.
um enorme custo fiscal e elevou generalizadamente
O NDB, ao desenvolver suas políticas de atuação,
os níveis de endividamento e desemprego nos países
poderá oferecer alternativas que gerem uma saudáavançados. Alguns modelos tradicionais de financiavel reflexão no que diz respeito aos tipos de projeto
mento bancário de longo prazo a projetos de grande
oferecidos pelos bancos multilaterais, seus objetivos e
vulto, notadamente no modelo “project finance”, foram
condicionalidades. Durante os anos 1980 e 1990, por
bastante afetados pela crise, em particular por suas
exemplo, o Banco Mundial limitou consideravelmenconsequências sobre o setor bancário europeu.
te seu apoio a projetos de agricultura nos países em
Em contraponto, as economias dos países em dedesenvolvimento, um equívoco pelo qual o próprio
senvolvimento – e as dos chamados emergentes em
Banco fez um mea culpa anos mais tarde. É de se esparticular, que vinham crescendo aceleradamente anperar que, na presença de um Novo Banco de Desentes da crise – reagiram mais rapidamente e mantivevolvimento que reflita melhor a visão de países em
ram expressivos níveis de crescimento, em que pese a
desenvolvimento, esses tipos de erros – que resultam
desaceleração mais recente. Em grande parte desses
frequentemente das prioridades estabelecidas pelos
países, a própria dinâmica de crescimento revelou
países desenvolvidos, que continuam a controlar as
56
Capa
instituições financeiras multilaterais mais importantes – possam ser evitados ou, no mínimo, mitigados.
Outro aspecto do contexto internacional no qual
os países BRICS estão criando o NDB é o da frustração das demandas legítimas por parte dos países
em desenvolvimento de reformas nas Organizações
de Bretton Woods. De maneira geral, há um clamor
para que o peso e a relevância econômicos, a legitimidade política e as necessidades reais dos países
em desenvolvimento como um todo estejam melhor
refletidos e representados nos processos decisórios
tanto do Banco Mundial, quanto do Fundo Monetário Internacional. O fato de que a reforma limitada da governança do FMI, aprovada em 2010, ainda não entrou em vigor e o de que a continuidade
do processo, então acordada, não tenha acontecido,
convidam o BRICS à ação.
Nesse sentido, a criação do NDB pelos BRICS dá
uma clara demonstração de que os países em desenvolvimento querem, podem e devem contribuir mais
para o processo de desenvolvimento global. Como
não faz sentido que os países BRICS aportem recursos adicionais às instituições de Bretton Woods sem
modificação significativa de seus processos decisórios, a criação do Arranjo Contingente de Reservas
e do Banco indica também que, na ausência de reformas nestas instituições, os países em desenvolvimento voltar-se-ão cada vez mais para instituições
de sua própria criação.
A missão do Banco
O acordo constitutivo do NDB não definirá em
detalhes como se dará a futura operação do Banco
ou como serão suas políticas – nem seria prudente
fazê-lo no instrumento fundador, sob pena de retirar
ao Banco a flexibilidade necessária para adaptar-se
à evolução futura da economia internacional e das
necessidades dos países onde atuará.
Como ficou definido na Cúpula dos BRICS realizada em Durban no ano passado, o Banco tem como
missão o financiamento de projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. A meta a ser alcançada é a integração desses dois vetores em uma
atuação coesa, eficiente e responsável por parte do
NDB. Em outras palavras, não se trata do financiamento de projetos de infraestrutura ou de desenvolvimento sustentável, como se fossem alternativas
estanques, mas sim de projetos de desenvolvimento
que incorporem, harmonicamente, essas duas dimensões. Isto é particularmente importante na medida em que projetos de infraestrutura necessariamente têm um impacto no terreno e nas sociedades
onde se realizam.
O Banco terá como missão o financiamento de projetos de
infraestrutura e desenvolvimento sustentável
Trata-se de um objetivo ambicioso e complexo,
que será construído paulatinamente, com o aprimoramento dos processos internos, da política de
empréstimos e da capacidade de atuação do Banco
ao longo de sua história e do financiamento de diferentes projetos. Naturalmente, os países BRICS têm
uma vasta experiência com a questão do desenvolvimento, e essa experiência servirá como ponto de partida para a atuação do NDB, mas lhe será importante
que, desde o início de suas operações, adote um conceito de desenvolvimento alinhado com a integração
das dimensões econômica, social e ambiental. Trata-se de necessidade imperativa para que as justas
aspirações de desenvolvimento de nossas sociedades
possam ser atendidas de maneira compatível com a
capacidade do planeta e os direitos de populações
eventualmente afetadas pelos projetos financiados.
Será importante ter cuidado, ao mesmo tempo,
para que o Banco não se torne um instrumento para
a imposição de políticas econômicas, sociais ou ambientais a outros países. Nesse ponto, o NDB realmente pretende inovar e efetivamente ouvir seus
clientes, ao invés de buscar impor políticas ou “importar” soluções pré-fabricadas que, em um grande
número de casos, não atendem às demandas e peculiaridades sociais, políticas, econômicas e até mesmo geográficas de seus clientes. Caberá aos próprios
países, a partir de consensos gerados internamente,
definirem estratégias adequadas de desenvolvimento sustentável e apresentarem seus projetos e necessidades de financiamento ao Banco.
Aspectos gerais do Novo Banco de
Desenvolvimento
Ao desenhar o NDB, os países BRICS buscaram
uma estrutura operacional enxuta, que não sobre-
57
131/2014
carregasse os custos do banco e permitisse que o máGovernadores em nível ministerial, com um repreximo de recursos possível fosse destinado ao objetivo
sentante por membro, responsável por estabelecer as
de financiamento de projetos de infraestrutura e depolíticas gerais do Banco e tomar as principais decisenvolvimento sustentável.
sões, como aumentos de capital ou aceitação de noO capital subscrito inicialmente pelos países BRIvos membros. Um Conselho de Administração, coCS será de 50 bilhões de dólares (10 bilhões efetivamo nas empresas modernas, será o responsável por
mente pagos e 40 bilhões em garantias dos países).
representar os sócios na supervisão da atuação dos
Além disso, já há um espaço autorizado que vai até
executivos do Banco. O corpo técnico será comanda100 bilhões de dólares, que poderá ser ocupado com
do por um presidente, com mandato de 5 anos nãoa entrada de novos membros ou futuras ampliações
-renovável, e quatro vice-presidentes.
de capital.
É importante entender que se
Conclusão
É importante
trata de um Banco e não de um
Fundo. Ou seja, o organismo se
Não é por acaso que estamos
entender que se
destinará a intermediar recursos
falando agora em um Novo Banco
trata de um Banco
captados no mercado financeiro
de Desenvolvimento. Mesmo que a
internacional, e não a direcionar
decisão final sobre o nome do Bane não de um Fundo.
recursos orçamentários do BRICS
co não seja essa, esta é a ideia que
Ou seja, o organismo norteia o árduo trabalho dos países
periodicamente renovados. A ideia
é captar recursos a custos competiBRICS. No seu sentido mais óbvio,
se destinará a
tivos e emprestá-los a custos mais
trata-se de um novo banco, com
intermediar recursos capacidade para contribuir signifibaixos do que os países membros
lograriam levantar por si sós, como
cativamente para reduzir o déficit
captados no
já acontece com certas instituições
de recursos para financiamento de
mercado financeiro
financeiras regionais, como a Corprojetos de infraestrutura e desenporação Andina de Fomento (CAF)
volvimento sustentável em países
internacional, e não
na América do Sul. Para isso, será
em desenvolvimento. Um novo
a direcionar recursos instrumento, portanto.
importante, além de contar com
uma boa estrutura de capital, diMas a ideia é maior. O que o
orçamentários
Banco se desafia a fazer é contririgir o banco segundo as melhores
do BRICS
buir para a consubstanciação e impráticas bancárias e prudenciais e
plementação prática de uma nova
assegurar uma carteira de emprésperiodicamente
visão acerca do desenvolvimento,
timos de boa qualidade, de forma
renovados
que englobe, efetivamente, todas
que os investidores internacionais
as dimensões do desenvolvimense disponham a aplicar seus recurto sustentável, tal como proposto
sos no Banco, confiantes de que
na Conferência Rio + 20 em 2012.
estarão bem investidos e seguros.
Ao fazer isso, o NDB buscará, ainda, atuar de forma
O NDB também terá um amplo escopo de atuadiferenciada. Com base nas experiências, positivas
ção e possibilidade de utilização de instrumentos
e negativas, e na trajetória de desenvolvimento de
diversificados, podendo financiar projetos públicos
seus membros fundadores, o NDB se propõe a abrir
e privados, mediante empréstimos, garantias ou
um diálogo mais efetivo com seus futuros clientes
mesmo participação acionária. Inicialmente, serão
e países em desenvolvimento, de modo a atender,
sócios apenas os BRICS, mas, uma vez implantado, o
de maneira efetiva e eficaz, às suas necessidades e a
Banco estará aberto à participação de outros países,
seus objetivos. Não haverá soluções pré-fabricadas,
que poderão entrar na qualidade de tomadores de
impostas de fora, mas uma grande disposição de
empréstimos ou não. Dessa forma, países desenvoltrabalhar com os países envolvidos para atingirmos
vidos, como acontece em outros bancos multilateresultados coerentes e satisfatórios para todos os enrais, poderão contribuir com a atuação do organismo
volvidos no processo.
em prol do desenvolvimento sustentável, ao passo
Estamos, em resumo, construindo um novo banque os países em desenvolvimento terão acesso a
co, para um novo desenvolvimento.
condições de financiamento mais favoráveis do que
encontram no mercado.
*Carlos Márcio Bicalho Cozendey é secretário de
A estrutura de governança está definida em suas
Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda
linhas mais gerais. O Banco terá um Conselho de
58
Brasil
PCdoB-PT: 25 anos de uma
aliança estratégica
Cláudio Gonzalez
PCdoB/Lid.Câmara
Apoio do PCdoB à reeleição de Dilma Rousseff consolida parceria estratégica para o avanço do desenvolvimento nacional
Parceria tem sido marcada pela luta por um Novo Projeto Nacional de
Desenvolvimento, pelo apoio ao governo, impulsionando-o na realização
das mudanças, e pela preservação da independência de cada legenda
N
o último dia 27 de junho, o auditório
Nereu Ramos da Câmara dos Deputados, em Brasília, foi palco da Convenção Nacional Eleitoral do PCdoB que
aprovou, por unanimidade, o apoio dos
comunistas à campanha de reeleição
da presidenta Dilma Rousseff (PT) e do
vice Michel Temer (PMDB). A convenção de Brasília não foi apenas mais um ato formal e
político de oficialização de uma coligação, o evento
consolidou uma trajetória de 25 anos de parceria no
campo da esquerda brasileira. Esta parceria teve como
marco inicial a formação da Frente Brasil Popular que
protagonizou, em 1989, uma das mais emocionantes
campanhas eleitorais do período pós-ditadura.
Viragem na política de alianças
Naquela conjuntura, diante da aproximação das
eleições presidenciais, o Partido Comunista do Brasil
reafirmou o diagnóstico feito no seu 7º Congresso, em
1988, de que o Brasil vivia em meio a uma encruzilhada histórica e intensificou as críticas ao governo de
José Sarney, um governo que se mantinha submisso à
oligarquia financeira imperialista.
Para os comunistas, era imprescindível influir no
surgimento de um concorrente democrático e progressista, capaz de reunir apoio da esquerda e também do centro. E que facilitasse a formação de um
amplo e combativo movimento democrático, nacional
e popular.
59
131/2014
Cláudia Ferreira
João Amazonas (e.) e Renato Rabelo (d.) na formalização do apoio dos comunistas à candidatura presidencial de Lula em 1989
Em decorrência desta diretriz, o Partido alterou
sua política de alianças e levantou a bandeira da unidade da esquerda. Na prática, essa nova política resultaria em várias alianças com o PT nas eleições municipais de 1988. No início de 1989, o PCdoB conclamou
as correntes democráticas e populares a se unirem
em torno de uma candidatura única para disputar
a eleição presidencial. O resultado desse esforço foi
a constituição da Frente Brasil Popular (PT-PSB-PCdoB), com a candidatura presidencial de Luiz Inácio
Lula da Silva.
A campanha empolgou o povo, as bandeiras da
esquerda tingiram de vermelho as praças e avenidas,
Lula foi para o segundo turno e quase se elegeu presidente da República.
A vitória eleitoral de Fernando Collor de Mello
abriu, como se previa, uma nova etapa na luta do
povo brasileiro. O neoliberalismo, já hegemônico em
várias partes do mundo, encontrou, com o governo
Collor, as condições ideais, para entrar no país.
O PCdoB defendeu, logo no início, que o combate
ao neoliberalismo deveria adquirir centralidade na estratégia das forças democráticas, patrióticas e populares. Juntamente com o PT e outras forças de esquerda, o Partido levantou a bandeira do “Fora Collor!” e
sua juventude foi protagonista de uma campanha que
empolgou amplos setores do povo brasileiro. Milhões
saíram às ruas para pedir o impeachment do presidente
da República, objetivo alcançado em 1992.
Nas eleições presidenciais de 1994 e 1998, os comunistas mantiveram a aliança com o Partido dos
Trabalhadores em torno da candidatura de Lula,
entendendo que ela continuava sendo a melhor alternativa para colocar fim à escalada neoliberal que
ganhara força nos governos de Fernando Henrique
Cardoso. Mesmo derrotadas, as campanhas de 1994 e
60
1998 serviram para denunciar o desmonte do Estado
brasileiro, a retirada dos direitos sociais dos trabalhadores e as ameaças à democracia. Neste período,
PT e PCdoB também reforçaram o Fórum Nacional de
Lutas (FNL), que uniu as entidades do povo e dos trabalhadores com os partidos de esquerda.
Em 2002, a aliança PT-PCdoB se renova mais uma
vez em torno da candidatura de Lula e com apoio do PL,
PMN e PCB. A vitória consagradora do campo popular
enfim impunha a primeira derrota ao neoliberalismo.
A eleição de Lula marcou, em novas circuns­tâncias,
a retomada da luta pelo desenvolvimento soberano e
democrático do país. Pelo papel destacado que cumpriu para esta grande vitória do povo, o Partido foi
convidado a participar de ministérios do governo da
República. Diante da questão, inédita na história do
país, o Partido viu-se obrigado a refletir e estabelecer
diretrizes sobre sua presença num governo central de
coalizão no qual os comunistas são força minoritária.
Surgiam assim novos desafios teóricos e políticos, impostos pela realidade em constante transformação.
Lealdade e independência
Desde então, o PCdoB tem se destacado no esforço
de elaboração e implementação de um Novo Projeto
Nacional de Desenvolvimento. Foi em torno da construção deste projeto que os comunistas mantiveram
a aliança estratégica com o PT na vitoriosa campanha
de reeleição de Lula em 2006 e na eleição da presidenta Dilma em 2010.
Em seu 13º Congresso, ocorrido em 2013, ao avaliar
os dez anos dos governos Lula e Dilma, o presidente
nacional do PCdoB, Renato Rabelo, ressaltou as contribuições do PCdoB a este ciclo político progressista,
no qual os comunistas enfrentaram o desafio inédito
Brasil
de exercer responsabilidades no governo da República.
Para Renato, “a construção do Partido, sobretudo no
último quadriênio, se realizou no curso da intervenção
política que, em linhas gerais, foi marcada por nossa
luta pela realização de um Novo Projeto Nacional de
Desenvolvimento, pelo apoio ao governo, impulsionando-o na realização das mudanças. E, simultaneamente,
preservamos a independência da nossa legenda. A um
só tempo fomos leais ao governo, defendendo-o dos
ataques da oposição, e exercemos livremente a crítica
quando consideramos que erros ou desvios ao Programa assumido pela coalizão foram cometidos”.
no-americanos, democrático, com progresso social, e
o caminho para um rumo socialista.
Buscar a quarta vitória do povo
Qualificando a provável reeleição de Dilma Rousseff em outubro próximo como “a quarta vitória consecutiva do povo brasileiro”, o dirigente comunista
Renato Rabelo recebeu a presidenta na convenção
partidária do dia 27 com um discurso que teve como
tema central a necessidade de se avançar nas mudanças e ampliar as conquistas alcançadas até agora.
“A campanha presidencial já em curso vem se
Compromisso com os trabalhadores
manifestando no embate entre dois caminhos, dois
projetos: abrir uma nova etapa no novo ciclo histórico
Na resolução de seu 13º Congresso, o PCdoB avalia
com mais mudanças e mais conquistas, ou voltar ao
que “o país enfrentou com eficácia a grave crise somodelo da década de 1990, liderado pelos tucanos.
cial e econômica decorrente do
Não se pode camuflar esta disjuntiva
pesado e perverso espólio herdado
como pretende a oposição. O princiA um só tempo
da década de barbárie neoliberal
pal candidato da oposição, Aécio Ne(1990-2002). Com o elenco de reves, tem sua fonte e seus condutores
fomos leais
aí, nas entranhas desse modelo conalizações desse período – mesmo
ao governo,
duzido na década de 1990 pelos dois
que limitadas e condicionadas por
governos de Fernando Henrique Carum permanente ataque de um sisdefendendo-o dos
doso”, afirma Renato.
tema de oposição formado pelas
ataques da oposição,
Rabelo resgatou declarações do
forças conservadoras, pró-impehistoriador Raymundo Faoro para
rialistas e vinculadas à oligarquia
e exercemos
retratar a era tucana dirigida por Ferfinanceira e à grande mídia –, o
livremente a
nando Henrique Cardoso. Faoro conBrasil, hoje, é outro país. Levanheceu bem FHC e foi analista atento
tou-se do chão, é respeitado no
crítica quando
dos seus governos. Em sua conclusão
concerto das nações democráticas
consideramos que
sobre a obra de FHC, o modelo tucano,
e o povo brasileiro vive melhor”.
ele afirmou: “O Brasil ficou mais poO documento diz também que
erros ou desvios ao
“as forças políticas progressistas
bre, o brasileiro tem menos emprego
Programa assumido
alicerçadas neste legado, e apere a renda se concentrou”. Em outro
feiçoando o caminho pelo qual o
trecho conclui: “FHC governou para o
pela coalizão foram
país trilha, podem renovar o comBrasil de cima”. Assim o Brasil se torcometidos
promisso com os trabalhadores e
nou: “Um país de, aproximadamente,
com a Nação de que desde já, e no
20 milhões de pessoas”. Na opinião
futuro imediato, o país usufruirá
de Faoro o Brasil acentuou “brutalde conquistas mais arrojadas”.
mente” a dependência em relação aos EUA. E, por
É com esse entendimento que o Partido renova seu
fim, Raymundo Faoro denuncia que FHC promoveu
compromisso com o campo progressista liderado pelo
um “vale-tudo” para chegar à reeleição.
PT em 2014 em torno da reeleição de Dilma Rousseff. Simultaneamente, diz o documento congressual,
A Copa e a posição antipopular
“todo o Partido deve se empenhar, desde já, para elevar
sua representação parlamentar e conquistar governos
“Essa é a experiência do PSDB, sua prática, vista
estaduais. Uma expressiva vitória eleitoral dos comupor outros ângulos de opinião. Não há como esconder
a verdade. Daí a imensa rejeição popular a esse penistas em 2014 fortalecerá o papel da esquerda para
ríodo de governo, que os tucanos procuraram sempre
impulsionar os avanços que o povo brasileiro exige”.
esconder. Por conseguinte, hoje, Aécio é expressão
Para o PCdoB, as opções em disputa têm sentido
de uma manifesta contradição: reapresenta ou não
estratégico na concretização do magno objetivo das
FHC? E é forçado a reconhecer os programas sociais
forças avançadas: a conquista de um país desenvolvidos governos Lula e Dilma, mas, simultaneamente,
do e soberano, integrado com seus vizinhos sul e lati-
61
131/2014
Mundo e goleando os pessimistas que acreditavam que
o evento seria um fracasso. Ela também reclamou que
a imprensa internacional e a nacional erraram no prognóstico de que a Copa seria um fiasco deixando brasileiros arrependidos por não terem se preparado para
curtir a festa. “Estamos dando uma goleada descomunal nos pessimistas, nos que tinham complexo de
vira-latas e naqueles que se envergonharam deste país
maravilhoso. É neles que demos uma goleada e agradecemos ao povo brasileiro”, disse Dilma, estendendo
um agradecimento especial ao ministro do Esporte,
Aldo Rebelo, que tem dado grande contribuição para o
êxito desse megaevento esportivo.
Presente ao evento, o ministro afirmou que “o
Brasil tenta encontrar o seu espaço e caminho e essa
coalização de forças políticas, sociais e econômicas
sustentam um projeto de ampliação dos horizontes
do Brasil e do nosso povo.”
E, sobre a Copa do Mundo, reafirmou o que vem
dizendo desde o início da preparação do evento: “O
que se viu não foi uma batalha em torno da Copa,
mas da ideia que se faz do Brasil. Somos vitoriosos
ou o fracasso civilizatório pregado pelos pessimistas”, declarou Aldo, enfatizando que “o Brasil já fez
coisas mais difíceis e importantes que a Copa do
Mundo.”
Agência Brasil
em função dos seus verdadeiros compromissos, promete ‘austeridade fiscal’ e ‘medidas impopulares’.
Resultando, assim, um palavreado de subterfúgios,
não deixando explícita sua verdadeira alternativa”,
adverte Renato.
Segundo o dirigente comunista, “a índole da
oposição atual, por ter de escamotear sua verdadeira
alternativa programática antipopular, não consegue
apresentar um projeto convincente ao povo, resvala
pelo viés anti-Dilma e pelo desgaste do governo atual.
Na realidade, a oposição foi acabar se juntando aos
semeadores do caos, aos pessimistas organizados. A
antecipação da campanha eleitoral para a presidência da República, por parte da oposição, desde o ano
passado, veio assumindo cada vez mais a marca do
vaticínio de que o país estaria caminhando para sofrer grandes tempestades na área econômica, descontrole da inflação, apagão elétrico e grande desastre na
realização da Copa mundial de futebol. A vida vem
desmentindo um a um a esses sucessivos prenúncios
apocalípticos”, salientou o presidente do PCdoB.
Em longo discurso de agradecimento ao apoio dos
comunistas na convenção eleitoral em Brasília, a presidenta Dilma também usou o exemplo da Copa do mundo para denunciar o espírito derrotista da oposição.
Segundo ela, o país está dando “show” na Copa do
A vitória consagradora do campo popular em 2002 impôs a primeira derrota ao neoliberalismo dos governos tucanos
62
Brasil
Aliança estratégica
alicerce erguido nesta mais de uma década permite
almejarmos um futuro promissor”, afirmou Renato, ressaltando que “Dilma se apresenta, portanto,
O discurso da presidenta Dilma na convenção parcomo uma líder capaz de renovar a esperança e contidária abordou três eixos diretamente relacionados
duzir o Brasil a uma nova etapa de desenvolvimento
com a contribuição institucional dos comunistas. Além
com mais mudanças e mais conquistas”.
da Copa, a presidenta citou a participação destacada da
Na opinião do PCdoB, as alianças políticas semPetrobras na exploração do pré-sal e a sanção do Plano
pre obedecem ao princípio do seu projeto estratégico,
Nacional da Educação (PNE), com a obrigatoriedade
levam em conta os aspectos mais relevantes da conde investimentos de 10% do PIB no setor.
juntura e as correlações das forças em disputa, e se
A presidenta ainda ressaltou a importância do
baseiam, por consequência, em ideias e programas.
apoio dos comunistas como algo estratégico para seu
Neste sentido, o dirigente comunista apresentou, ao
governo. “O PCdoB é um partido de gente forte, definal de seu discurso, um conjunto de ideias e proposterminada, corajosa. É um partido de alma popular,
tas elaboradas pela direção do PCdoB para contribuir
moderno e arrojado. E é um partido pé quente. A macom a formulação do programa de
nutenção dessa aliança significa o
governo da campanha de reeleição.
fortalecimento da defesa dos quem
Renato Rabelo ressaltou que a apremais precisam, significa estar comO PCdoB tem
sentação de propostas programáticas
prometido com o que há de mais
afirmado que as
tem sido uma prática do Partido desavançado no nosso país. Esse apoio
de a disputa presidencial de 1989.
só reforça a nossa certeza de que vatransformações
Entre as formulações que conmos ganhar as próximas eleições”,
de quase 12 anos
sidera essenciais, Renato citou aqueafirmou Dilma.
las que propõem: Democratizar e
Dilma também defendeu a nepermitem o início
moder­nizar o Estado; elevar a taxa
cessidade de avançar nas mudande uma nova etapa
de investimentos e a produtividade,
ças. “O país quer mudança, um país
o crescimento; superar a
jovem como o nosso tem que mudar
de desenvolvimento, acelerar
crise nos grandes centros urbanos,
constantemente. Nós temos que ver
completar a integração territorial do
pela realização
a ampliação dessas conquistas. [...]
Brasil, desenvolver a Amazônia com
Somente quem fez modificações
das reformas
sustentabilidade; fortalecer o sistepode garantir um futuro duradouro
ma de produção de energia; promo­
democráticas
de mudanças. Nós somos mais caver a saúde e a qualidade de vida do
pazes de continuar mudando”.
estruturais
povo; fortalecer a educação pública
de qualidade; o esporte como comAvançar nas mudanças
ponente para elevar a qualidade de
vida e impulsionador da agenda de desenvolvimento
O tema também foi enfatizado no discurso de
nacional; política externa e de defesa nacional.
Renato Rabelo. Para ele, os governos Lula e Dilma
Das reformas estruturais, enfatizou a premência da
implantaram um amplo processo de mudanças
reforma política democrática e a regulação democráticomo jamais se viu na história do país. Tais como:
ca dos meios de comunicação. E salientou que a conEstado como indutor do crescimento e da redução
cretização destes objetivos passa pela unidade das
das desigualdades; inédita ampliação do processo
forças democráticas e populares a fim de conformar
democrático; distribuição de renda e redução das
uma maioria social e política. “Pela importância da
desigualdades sociais e regionais; aumento histórico
reforma política democrática, o PCdoB propõe às fordo emprego, elevação da renda e amplo crescimento
ças populares e progressistas a formação de um pacto,
do mercado interno; significativos avanços na eduna busca da unidade democrática e popu­lar, respalcação; vasto programa de formação de mão de obra;
dado por uma ampla mobilização popular, que dê reexpressivo alcance do programa de moradia popuspostas programáticas aos problemas estruturantes
lar; direcionamento nos investimentos em infraesque travam a ampliação e o aperfeiçoamento da detrutura de transportes; viragem na política externa,
mocracia”, concluiu Renato.
afirmando a soberania nacional e a integração do
continente. “Temos a convicção de que alcançamos
uma oportunidade histórica rara de aprofundar as
Confira nas páginas seguintes a íntegra do conjunto
mudanças no sentido de mais conquistas para o nosde ideias e propostas do PCdoB ao Programa de
so povo e nossa grande nação. Temos afirmado que o
Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff.
63
131/2014
DOCUMENTO
Ideias e propostas do PCdoB ao Programa de
Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff
Avançar com mais mudanças
e conquistas
A passos rápidos, mais mudanças, mais conquistas! Esta é a síntese das aspirações
da ampla maioria do povo brasileiro, decorridos mais de onze anos dos governos
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidenta Dilma Rousseff.
No contexto da persistente crise econômico-financeira que assola o mundo, é
auspicioso que o povo brasileiro possa olhar para o futuro e enxergar um horizonte promissor. O PCdoB – que foi um dos artífices da histórica vitória das
forças progressistas em 2002, que participou e se empenhou pelo êxito dos dois
governos do ex-presidente Lula e, de igual modo, integra o governo da presidenta
Dilma Rousseff – está convicto de que a exigência por avanços e reformas estruturais democráticas deve ser a fonte orientadora do Programa de reeleição da
presidenta.
6464
A oposição conservadora liderada pelo tucano Aécio Neves tenta manipular este
anseio que pulsa na sociedade, se autoproclamando como “mudança confiável”.
Mas confiável a quem? Vejamos: por um lado, o tucano se vê obrigado a reconhecer os méritos dos programas sociais dos governos Lula e Dilma e, demagogicamente, a fazer juras de que irá mantê-los; por outro, promete aos banqueiros
“austeridade fiscal” e “medidas antipopulares” – leia-se, cortes de direitos sociais
e arrocho contra o povo. Seus principais assessores são grandes executivos dos
rentistas e figurões dos trágicos governos de Fernando Henrique Cardoso. A
“mudança confiável” de Aécio se configura, portanto, na confiança da oligarquia
financeira, da direita, das alas mais conservadoras das classes dominantes e se
choca frontalmente com o sentimento de mudança do povo. A mudança pela qual
os trabalhadores anseiam não é a de marcha à ré para o trágico passado neoliberal. Além de não admitir perder o que já conquistou com Lula e Dilma, o povo deseja mais mudanças, avanços e conquistas. Retrocesso, nunca. A luta que se avizinha será dura e, portanto, uma clara demarcação de campos se torna necessária.
Ideias e propostas do PCdoB ao Programa de Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff
I
O alicerce erguido permite almejarmos um futuro promissor
Com eficácia, superamos parte considerável da perversa
herança da década neoliberal. Erguido do chão, o Brasil retomou a trilha do desenvolvimento e, hoje, é outro
país. Reforçou sua soberania nacional e firmou-se como
a 7ª economia do mundo e tem potencial para uma posição ainda mais relevante. Neste período, destacam-se
grandes realizações que criaram a base para o Brasil, a
partir de agora, adentrar a uma nova etapa de seu desenvolvimento, com um robusto crescimento econômico em
harmonia com a proteção do meio ambiente e maior produção de riquezas, que proporcionem uma política ainda
mais arrojada de distribuição de renda, valorização do
trabalho, redução das desigualdades sociais e regionais
e elevação da qualidade de vida do povo. Essa nova arrancada somente será desencadeada se, desde já, na
campanha eleitoral, construirmos uma maioria social e
política liderada pela esquerda, e com protagonismo dos
movimentos sociais, capazes de impulsionar as reformas
estruturais democráticas.
As principais conquistas a serem preservadas
Nunca se deve perder de vista que as conquistas ocorrem no âmbito de uma transição, ainda em curso, marcada pela luta entre o novo desenvolvimento nacional, que
emerge, e o sistema da oligarquia financeira, com suas
imposições, que persiste no mundo e no Brasil. Esta oligarquia, ao lado da oposição conservadora e dos grandes
grupos de comunicação, atua como um consórcio oposicionista para bloquear as mudanças, limitar o alcance da
democratização do Estado nacional e obstruir a realização das reformas.
Estado como indutor do crescimento e da redução das
desigualdades
O governo progressista instaurou-se no âmbito de um
Estado conservador, hostil ao povo, fragilizado e garroteado pelo neoliberalismo, moldado aos interesses da
oligarquia financeira. A partir da vitória do campo progressista, com a eleição de Lula em 2002, foi preciso um
grande esforço para se iniciar a recomposição do Estado
como condutor do desenvolvimento e da afirmação da
soberania nacional.
Como resultado, o país reduziu sua vulnerabilidade financeira externa, elevando as reservas internacionais para
quase US$ 380 bilhões e estimulando os investimentos e
o consumo doméstico. Ingressou em um ciclo de crescimento puxado por expansão do emprego e distribuição
de renda. De 2003 a 2013, o investimento cresceu 77%
e o consumo das famílias 51%; o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 42%. O volume de crédito elevou-se de
24,7% do PIB em 2003 para 55,2% em 2013. A dívida líquida caiu de 60% do PIB, em 2003, para algo próximo
a 35%, em 2014. O país deu passos largos na direção de
se consolidar como potência alimentar. De igual modo,
avançou como potência energética. Tem uma matriz bem
diversificada, com 47% de recursos renováveis, das mais
limpas do mundo. Hoje, produz mais de 2 milhões de barris de petróleo/dia e, dentro em pouco, com o pré-sal, terá
uma das dez maiores reservas provadas de petróleo do
mundo.
Viragem na Política externa: afirmação da soberania
nacional e integração
A política externa aplicada nestes últimos 11 anos é vitoriosa. Ela substituiu a conduta de subordinação do
país às grandes potências por uma política afirmativa
da soberania nacional e de protagonismo internacional
consoante sua importância geopolítica e econômica. Simultaneamente, esta nova diretriz da Política Externa
contribui para alavancar o desenvolvimento e, ao mesmo
tempo, para dinamizar a integração latino-americana e
caribenha e fomentar a constituição de um polo contra-hegemônico às investidas do imperialismo, sobretudo
dos Estados Unidos da América e de seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). E sempre defendendo a paz, a soberania e o desenvolvimento
para todos os povos. O recente repúdio aos atos de espionagem praticados pelos EUA foi um gesto de coragem,
patriotismo e justiça.
Ampliação da democracia
A democracia voltou a florescer, a partir da diretriz do
novo governo de respeitar e valorizar as manifestações
do povo e dos trabalhadores fortalecendo suas entidades, estabelecendo o diálogo e a negociação como base
para as relações entre o governo e os movimentos sociais. Direitos foram ampliados e as centrais sindicais legalizadas. Conferências nacionais e fóruns de discussão
sobre os mais variados temas mobilizaram milhões de
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131/2014
pessoas. Secretarias especiais ou programas foram implantados para promover os direitos humanos e estimular uma sociedade solidária, sem preconceitos.
As manifestações de junho de 2013 mostraram que é preciso avançar ainda mais no processo de democratização
do país. O governo Dilma, diferentemente do comportamento autoritário da direita, abriu-se para o diálogo com
os movimentos sociais e tem se esforçado para atender
às demandas populares por mais participação, serviços
públicos de qualidade e melhores condições de vida nas
cidades. Recentemente, a presidenta normatizou a Política Nacional de Participação Social, medida avançada
contra a qual o conservadorismo lançou uma verdadeira
cruzada.
Os trabalhos da Comissão de Anistia e da Comissão Nacional da Verdade deram passos relevantes para fazer
cumprir o dever do Estado de reconhecer os crimes cometidos no período ditatorial. A exigência democrática
de punição dos agentes do Estado que praticaram torturas e outras violações dos direitos humanos é um passo
à frente que o Brasil ainda está devendo às gerações que
lutaram pelo restabelecimento da democracia.
Distribuição de renda e redução das desigualdades sociais
e regionais
Entre as muitas conquistas da última década, ressalta-se uma viragem na histórica concentração de renda do
país, com as políticas e os programas para reduzir as
desigualdades sociais e regionais, erradicar a fome e a
extrema pobreza. Os programas sociais de transferência de renda, a geração de mais de 20 milhões de empregos e os investimentos diferenciados para regiões
menos desenvolvidas, no seu conjunto, resultaram em
significativa mobilidade social, no início da diminuição das diferenças regionais e em êxitos na valorização
do trabalho. A taxa de desemprego caiu para 5,9% em
2013 e, segundo a Organização Internacional do Traba-
lho (OIT), irá se reduzir ainda mais em 2015. A política
do aumento real do salário mínimo, que para setores da
oposição é uma irresponsabilidade, se constitui numa
importante alavanca para a valorização do trabalho e
redução das desigualdades sociais.
E o destaque é a grande vitória advinda do Programa
Brasil Sem Miséria: mais de 36 milhões de pessoas foram
retiradas, e se mantêm fora, da condição de extrema pobreza. O programa agrupa um conjunto de ações sociais
que permitirão ao governo Dilma cumprir sua principal
promessa da campanha de 2010: erradicar a extrema pobreza do país.
Avanços na Educação
Há que se destacar os êxitos na esfera da Educação: a
conquista histórica da aprovação do Plano Nacional de
Educação (PNE) que estabelece 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para o setor; destinação de 75% dos
royalties do Petróleo e 50% do Fundo Social do Pré-sal.
Além disto, foram criadas 14 novas universidades federais, 126 novos campi avançados e 214 novos Institutos
Federais de Tecnologia; o Programa Universidade para
Todos (ProUni) beneficiou 1,4 milhão de estudantes; o
Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) atingiu 8 milhões de matrículas; o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) teve neste ano 8,7
milhões de inscritos; os orçamentos federais para Saúde
e Educação são, hoje, os maiores já feitos em toda a história da República.
Moradia popular
Na questão urbana, chama a atenção o alcance do programa Minha Casa Minha Vida que deve entregar, até o
final de 2014, mais de 2,8 milhões de moradias para famílias de baixa renda. Investimentos em infraestrutura
de transporte, viabilizados no contexto da realização da
Copa do Mundo, também merecem destaque.
II
Ideias e propostas para uma nova etapa de desenvolvimento
6666
Sob a presidência de Dilma Rousseff, o Brasil soube enfrentar os impactos negativos da crise do capitalismo.
Crise que fez encolher a economia mundial e espalhou
desemprego e cortes de direitos sociais pelo mundo afora.
A presidenta, por um lado, combate a crise sem penalizar
os trabalhadores e nem recuar das políticas que retiram
milhões da miséria. Por outro lado, adota uma política de
investimentos públicos e de parcerias com o capital privado para expandir a produção de energia e melhorar a
infraestrutura, visando a elevar o crescimento econômico.
Ideias e propostas do PCdoB ao Programa de Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff
A presidenta Dilma se lança à reeleição com sua autoridade reforçada entre o povo e os trabalhadores; tem
o apoio anunciado de representativas legendas de um
largo leque político que vai da esquerda ao centro; e,
além disto, é uma liderança respeitada pelos movimentos sociais. Mostrou, sob difíceis circunstâncias, a
fibra e a competência da mulher brasileira. Dilma se
apresenta, portanto, como uma líder capaz de renovar
a esperança e conduzir o Brasil a uma nova etapa de
desenvolvimento com mais mudanças e conquistas.
As condicionalidades do cenário internacional para o
próximo quadriênio
O próximo mandato presidencial se dará ainda com um
cenário internacional marcado pela crise do capitalismo.
Embora se deva esperar que a crise se prolongue ainda
por vários anos, conjunturalmente os prognósticos indicam que na economia mundial pode haver uma pequena
oscilação para cima. A crise agora não é tão aguda nem
na Europa e menos ainda nos Estados Unidos. Os países
BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), puxados pela China e pela Índia, também terão uma expansão,
ainda que pequena. Este cenário internacional, embora
siga a pressionar negativamente países em desenvolvimento como o Brasil, pode abrir uma fresta de alívio em
relação ao impacto negativo que trouxe aos quatro anos
de mandato da presidenta Dilma. Mesmo assim, o cenário faz ver a importância das iniciativas internas para
superar os obstáculos e enfrentar a adversidade externa
que prossegue.
Grandes desafios para a nova etapa
Além destas condicionalidades externas, são muitos
os desafios para o Brasil adentrar a uma nova etapa de
seu desenvolvimento, a começar pela primordial tarefa
de seguir a luta para democratizar e fortalecer o Estado
nacional. O país deve se consolidar como potência em
produção de energia e de alimentos, completar a integração entre suas regiões e superar as desigualdades que há
entre elas, continuar a ampliação estrutural do seu mercado interno, modernizar seu parque industrial, ter uma
poderosa infraestrutura logística e avançar na busca de
mais valor agregado e mais inovação tecnológica.
Deve persistir na correta concepção de associar crescimento econômico com distribuição de renda e riqueza,
buscando a contínua redução da pobreza e a completa
erradicação da pobreza extrema e mantendo a valorização do trabalho.
Para tais objetivos é preciso investir, crescer e alcançar
níveis mais altos de produtividade. A trajetória de mais
de onze anos demonstra que o rentismo é o principal
obstáculo ao desenvolvimento, e que a luta para superá-lo é renhida e prolongada posto o poder de uma oligarquia financeira global e sua forte presença interna.
Neste sentido, sugerimos propostas visando à superação
de problemas cruciais a serem enfrentados nos próximos
anos:
Democratizar e modernizar o Estado
Entre os nós a serem desatados para o Brasil deslanchar,
destaca-se a questão do Estado nacional. Avolumam-se,
por um lado, as contradições entre suas instituições conservadoras e as aspirações do povo por mais democracia,
transparência e efetiva participação política. Por outro,
mesmo que tenha fortalecido seu protagonismo no progresso econômico e social, muito resta para que efetivamente cumpra com seu papel de indutor do desenvolvimento, bem como para assegurar serviços públicos de
qualidade ao povo.
Como resultante dessas contradições, o país enfrenta
uma crise de representação de suas instituições, o povo
não se enxerga nelas e nem as vê como instrumentos de
participação e garantia de seus direitos.
Impõe-se, portanto, democratizar e modernizar o Estado
nacional, por meio de reformas estruturais democráticas, entre as quais se destacam:
A reforma política democrática deve combater a
corrupção advinda da influência do poder econômico nas
eleições, e contra isto é preciso instituir o financiamento público das campanhas; elevar a participação do povo
na política, instituir formas de democracia participativa e
direta, além de aperfeiçoar a democracia representativa;
aumentar a representação das mulheres no Congresso
Nacional e demais Casas legislativas; assegurar o pluralismo partidário e o sistema proporcional, fortalecer os partidos, com a adoção do voto em lista. Pela importância da
reforma política democrática, o PCdoB propõe às forças
populares e progressistas a formação de um pacto, respaldado por uma ampla mobilização popular, que dê respostas programáticas aos problemas estruturantes que
travam a ampliação e o aperfeiçoamento da democracia.
Regulação democrática dos meios de comunicação.
O país precisa debater e formar uma maioria social e política que promova com urgência a regulação democrática
dos meios de comunicação. No mundo inteiro, há iniciativas legislativas para conter o poder dos impérios midiáticos, que no Brasil de hoje sufoca e restringe a liberdade de
expressão. É urgente destravar este debate indispensável
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para o avanço da democracia brasileira, garantindo o que
já está inscrito na Constituição, mas nunca foi regulamentado. Entre outros avanços é preciso proibir o monopólio
no setor, vetando a chamada propriedade cruzada; garantir a complementariedade dos sistemas público, estatal e
privado; estimular a produção regional; democratizar a
distribuição das verbas publicitárias dos governos e empresas estatais; e assegurar o direito de resposta. A aprovação, em 2014, do Marco Civil da Internet, que garante a
neutralidade, a privacidade e a liberdade de expressão na
rede e com o qual Brasil virou referência mundial neste
tema, é uma vitória importante que impulsiona a luta pela
democratização da mídia em nosso país.
tas explícitas, ambas de cumprimento obrigatório: a
primeira, com objetivo financeiro de estabilizar a dívida
pública; e a segunda, formada pelo investimento público
com o objetivo de complementar a taxa de investimento,
podendo ser considerada como uma meta fiscal para o
desenvolvimento. Essas duas formas de superávit já existem, mas a segunda é opcional e, hoje, na prática, está secundarizada e seu significado obscurecido.
Elevar a taxa de investimentos e a produtividade,
acelerar o crescimento
A inflação é um velho fator de instabilidade, mas o combate a ela não pode penalizar os trabalhadores, que são
suas maiores vítimas. Não se deve enfrentá-la com o
receituário da oposição neoliberal, isto é, utilizando a
combinação entre aumento da taxa de juros, valorização
cambial, arrocho salarial e redução de benefícios sociais.
A atual política de contenção da inflação deve prosseguir,
combinando restrição monetária e medidas macroprudenciais, balanceando o custo/benefício.
Reforma do Poder Judiciário que assegure ao povo
acesso a uma justiça ágil e controle externo para garantir gestão eficaz. Implantação de ouvidorias para se criar
canais de participação popular. Fixar mandato para os
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), acabando
com a vitaliciedade e possibilitando a alternância.
A elevação da taxa de investimentos poderá ser alcançada pela aplicação de algumas diretrizes básicas interligadas: a) Redesenhar a política macroeconômica com o
objetivo principal de acelerar o crescimento. As políticas
monetária, fiscal e cambial devem se adequar a esse objetivo, bem como as instituições por elas responsáveis
como o Banco Central (BC); b) reforçar a conjunção de
forças entre o governo, suas empresas que foram e precisam ser crescentemente fortalecidas e o capital privado para alavancar o investimento de infraestrutura e
de inovação tecnológica por meio de parcerias público-privadas; fazer concessões adequadamente reguladas,
com o resguardo dos interesses nacionais e populares; e
a associação do capital privado com o capital estatal na
internalização e no adensamento de cadeias produtivas,
inclusive no âmbito da América Latina; c) direcionar o
incentivo ao investimento com o objetivo primordial
de alterar a estrutura produtiva, redirecionando-a para
setores de maior agregação de valor e com ganhos de
produtividade que elevem a competitividade externa,
revigorem e modernizem o parque industrial brasileiro,
elevando a qualidade das exportações e defendendo a
demanda interna de importações, de modo a preservar
a continuidade da expansão do mercado interno com
distribuição de renda e valorização do trabalho.
Superávit primário: estabilizar a dívida e assegurar o
investimento público
6868
O superávit primário deve ser dividido em duas subme-
Combate à inflação: Ampliar para 36 meses o prazo para
cumprimento da meta
Embora possa se preservar o desenho atual de meta de
inflação, o horizonte da meta deve ser dilatado, estendendo seu cumprimento para 36 meses. Isso permite
absorver instabilidade de fatores sazonais, como é caso
do preço dos alimentos, e, também, uma atuação mais
flexível por parte do Banco Central, evitando mudanças
bruscas no nível de atividade econômica e a geração de
custos sociais inaceitáveis.
Abolir, em etapas, as cláusulas de indexação dos contratos
Entre as causas estruturais da inflação deve ser atacada a indexação de contratos, um dos fundamentos
da inflação inercial, que perpetua sua reprodução e
protege as grandes fortunas, mas corrói a renda do
trabalho. A desindexação geral da economia deve ser
gradual, considerando, em cada etapa, a trajetória paralela de recuo da indexação e de queda da inflação.
Os contratos vigentes serão respeitados e as mudanças, gradualmente, incidirão sobre os contratos novos
ou renovados. Desse modo, processualmente, devem
ser penalizadas as cláusulas de indexação em novos
contratos financeiros e não-financeiros privados, mediante aplicação de crescente imposto regulatório, de
modo a neutralizar progressivamente seus ganhos
diretamente decorrentes do atrelamento aos índices
de inflação. Na dívida pública, deve ser eliminada, em
curto prazo, a emissão de títulos públicos indexados
à taxa Selic, e fortemente reduzida a oferta de títulos
atrelados a índices de preço. Na gestão desse processo, ao longo do tempo, os prazos e as taxas pré-fixadas
de rendimento dos títulos públicos devem ser compa-
Ideias e propostas do PCdoB ao Programa de Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff
tíveis com viabilidade dos custos da dívida e com as
condições e expectativas de mercado.
Taxa de câmbio competitiva
A mudança do patamar da taxa cambial é essencial, se
quisermos manter o mercado interno como motor do desenvolvimento. Porém, isso deve ser feito de forma progressiva, o que também é necessário para defendermos
o nível de renda real no mercado interno contra efeitos
inflacionários.
Buscar uma taxa de câmbio competitiva, no fundo, é praticar uma política industrial horizontal, capaz de diminuir
os custos de produção, de incentivar os investimentos
produtivos e de criar uma dinâmica de altos volumes de
comércio exterior. Soluções podem passar igualmente por
mais integração produtiva no âmbito da América Latina.
Continuar com a política atual do salário mínimo, valorizar
o trabalho
Manter a atual política de valorização permanente do salário mínimo, reduzir a jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário, combater a grande
rotatividade no mercado de trabalho; valorizar as aposentadorias e extinguir o fator previdenciário; estimular
políticas de geração de mais e melhores empregos, associadas à qualificação profissional dos trabalhadores, a
exemplo do Pronatec. Este conjunto de medidas é indispensável para fortalecer o mercado interno e promover
uma crescente vinculação entre desenvolvimento e valorização do trabalho.
Alterar a estrutura do sistema produtivo e do balanço de
pagamentos
A expansão do mercado interno, com distribuição de
renda e valorização do trabalho, tem sido o objetivo
principal do ciclo atual de desenvolvimento. Para sustentar e ampliar tal objetivo, uma questão estratégica
a conquistar, em perspectiva, é transformar a posição
brasileira no sistema internacional, alterando a estrutura do sistema produtivo e do balanço de pagamentos
e mantendo afastada a restrição externa — uma condição típica de países dependentes, em que há abrupta
suspensão de crédito externo e fuga de capitais em caso
de crise no balanço externo, implicando um imediato
racionamento de câmbio, desvalorização da moeda e
recessão econômica. Neste momento, mesmo com suspensão da restrição externa garantida pelas reservas e
na nova posição de credor líquido, reequilibrar o balanço de pagamentos é essencial, pois evitará que se interrompa o crescimento do mercado interno, prevenindo
futuras crises de pagamento e não permitindo que a
expansão do mercado interno resulte em benefício desproporcional à indústria estrangeira. E esse reequilíbrio
das contas externas será alcançado pela reestruturação
do sistema produtivo incentivando de forma seletiva a
produção de maior valor agregado e de inovação tecnológica, bem como a indústria estratégica e de defesa.
Infraestrutura logística, integração nacional, redução
das desigualdades regionais
Tornou-se inadiável a tarefa de se completar a integração
do território nacional, bem como de promover avanços
na redução das desigualdades regionais. A construção da
infraestrutura logística e a interligação de seus sistemas
regionais se dão em ritmo lento. Nossa infraestrutura
– excetuando-se a do transporte rodoviário – não está
integrada a um sistema. É preciso persistir no esforço
dessa integração com os grandes projetos nacionais de
interligação regional, sobretudo ferroviária, dutoviária
e de integração intermodal de grandes hidrovias como
a das bacias do Tocantins/Paraná, articulando-as com as
saídas para os portos do Pacífico.
Esforços também devem ser feitos para edificar um
grande sistema de armazenamento, hoje gravemente
insuficiente, ao longo desses sistemas de transporte. Tal
integração logística nacional é essencial para se acelerar
a redução das diferenças de produtividade e de renda
inter-regionais. As parcerias público-privadas que começaram a se materializar são o caminho para o financiamento e a viabilização destes desafios.
Aumentar a eficiência do Estado, superar os entraves da
burocracia
Obras de infraestrutura tanto de logística quanto de energia têm sofrido enormes atrasos ou mesmo se inviabilizado por decisões diretas ou indiretas dos diversos órgãos responsáveis por controle e fiscalização. Avançou-se
muito nos últimos anos nos quesitos da transparência e
acesso da sociedade aos gastos e investimentos do governo, no combate à corrupção, bem como se fortaleceram
as instituições encarregadas de fiscalizar e controlar as
obras capitaneadas pelo poder público. Todavia, este setor da burocracia se hipertrofiou e muitas de suas ações
são contraproducentes, elevando o custo dos investimentos e gerando prejuízos para a população. Faz-se necessário, portanto, aperfeiçoá-lo no sentido da eficiência.
Superar a crise das cidades
Há no país uma crise urbana. Os problemas são graves,
como estrangulamento da mobilidade, violência com estatísticas alarmantes, degradação do meio ambiente, fal-
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ta de moradia para o povo. O entretenimento, a cultura e
o esporte ainda são privilégio de poucos.
Por sua urgência e gravidade, a realização de uma Reforma Urbana que dê resposta à crise nas cidades adquiriu
dimensão nacional, exigindo ações e fortes investimentos
conjugados nas três esferas de governo que superem sobretudo os problemas de mobilidade urbana, saneamento
e segurança, e o déficit habitacional. É imperativo acelerar
a instituição do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano, aplicar os dispositivos da Constituição e do Estatuto
da Cidade para se fazer cumprir a função social do território urbano e da propriedade.
Avançar na construção de uma sociedade solidária, sem
preconceitos
No próximo quadriênio, com base em importantes conquistas auferidas no último período, é preciso avançar
na construção de uma sociedade solidária e sem preconceitos, com mais conquistas para as mulheres rumo
à sua emancipação, e combate à violência praticada contra elas; promoção da igualdade social para os negros e
luta contra o racismo; defesa dos direitos da população
indígena; defesa da ampla liberdade religiosa; combate
às opressões e discriminações que desrespeitem a livre
orientação sexual.
Mais desenvolvimento exige fortalecer o sistema de
produção de energia
O Brasil é considerado uma potência energética, pela capacidade de suas fontes e pelas realizações já efetuadas.
Tem uma matriz energética bem diversificada, fundamentalmente baseada em fontes disponíveis, com 47% de recursos renováveis, das mais limpas do mundo. Seu vasto
território está quase todo coberto por um moderno Sistema Integrado Nacional, hidrotérmico, hidráulico em 85%.
Sistema integrado e com fontes diversificadas
Mesmo com esse potencial e com toda a infraestrutura
energética já implantada, nosso consumo de energia é
inferior à média mundial. O crescimento deste setor deve
ser promovido com base nos princípios da sustentabilidade energética – uso diversificado de fontes, utilizando
as já disponíveis no país e o emprego crescente de fontes
limpas, perfil atualmente positivo de nossa matriz, que
não deve sofrer retrocesso.
Consolidar o atual marco regulatório do petróleo
7070
O sistema regulatório do setor do petróleo construído no
Brasil responde à soberania brasileira, à gestão controla-
da de grandes recursos e à eficiência exploratória e produtora. A “partilha da produção” para a região do pré-sal,
e assemelhadas que venham a ser descobertas, é a usual
no mundo, quando é baixo o risco exploratório. Este marco deve ser consolidado e expandido, no que couber, para
a exploração mineral – como propõe o governo Dilma
em projeto do novo Código de Mineração em exame no
Congresso Nacional. A Petrobras é, no momento, a única
empresa brasileira em condições de liderar a exploração
do pré-sal. Portanto, deve ser defendida como operadora
única do pré-sal, como foi definido pelo Congresso Nacional.
Manter calendário das licitações, fortalecer o setor de
pequenos e médios produtores
A estabilidade regulatória e jurídica na exploração e produção de óleo e gás é saudável para o setor e a economia
do país e, sempre que possível, devem ser mantidas licitações anuais de blocos exploratórios.
O setor de pequenos e médios produtores nacionais de
petróleo e gás, criado no governo Lula, mas ainda débil,
deve ser incentivado através de medidas de acesso a
campos subaproveitados, licitações específicas, taxas e
contribuições diferenciadas. O mandato constitucional
de “tratamento favorecido” para as empresas brasileiras
de pequeno porte necessita ser regulamentado para o setor de Óleo e Gás.
Aumentar a produção de gás natural, interiorizar a malha
dutoviária
A estabilidade do sistema elétrico brasileiro necessita,
hoje, do gás como fonte do abastecimento das termelétricas nas estiagens. Contudo, deve-se estabelecer a
meta de expandir a oferta de gás para a indústria química, petroquímica e de fertilizantes, além da distribuição
urbana (GNV, industrial e residencial) e em transporte.
Paralelamente, deve se concretizar o objetivo de interiorização da malha dutoviária, e deve ser concluído o Plano
Decenal de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário
(PEMAT).
O etanol: superar a crise do setor, retomar a cobrança da
CIDE com nova finalidade
Reafirmar o caráter estratégico do etanol no mercado de
combustíveis no Brasil, considerando-se a crise por que
passa o setor sucroalcooleiro; incentivar o aumento da
produtividade da indústria, com investimentos em transgenia, em agronomia e em etanol de segunda geração.
Retomar a cobrança da Contribuição de Intervenção no
Domínio Econômico (CIDE), porém direcionando-a para
Ideias e propostas do PCdoB ao Programa de Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff
a redução do custo dos transportes coletivos, com três
consequências: reposição da competitividade do etanol;
diminuição da tarifa dos transportes coletivos e ajuda no
combate à inflação; e a realização de estudos sobre os
impactos do aumento da mistura de etanol/gasolina, de
25% para 27,5%.
Biodiesel, aumentar a produtividade
Reafirmar a disposição de manter e desenvolver o biodiesel na matriz energética brasileira; incentivar a pesquisa na produção de biodiesel, visando ao aumento da
produtividade e a uma participação maior de oleaginosas
regionais no ciclo do biocombustível. Tem grande importância uma medida do governo que autoriza a introdução
do B6 e do B7 (os números ao lado da letra B indicam a
porcentagem de mistura de biodiesel ao diesel). Tal iniciativa sinalizou a confiança do governo na capacidade
operativa do setor; contudo, é preciso ir adiante, apontando para a meta do B10 em 2015, e do B20 para 2020,
como propõem os produtores.
O sistema elétrico
Depois do apagão de 2001, novo modelo retomou a
expansão do setor
O atual modelo do setor elétrico brasileiro, instituído em
2004, permitiu ao Estado retomar sua expansão, após
quase vinte anos da paralisia que levou ao “apagão” de
2001. A geração de energia, o transporte da eletricidade e a integração nacional do sistema voltaram a crescer.
Teve grande êxito a universalização do acesso à energia
elétrica, com o Programa Luz para Todos e a redução
substancial e universal das tarifas em 2013.
A complementariedade das térmicas garantiu a segurança do abastecimento, mas a modicidade tarifária
foi comprometida pelo uso do gás, caro e em boa parte
importado. Tal situação demandará solução adequada.
Uma brutal recomposição das tarifas, o tarifaço, cogitado
pela oposição, deve ser rechaçado. Em seu lugar, deve ser
adotada uma alteração progressiva nas tarifas cobradas
das camadas mais pobres e do pequeno capital nacional,
reduzindo-se assim impactos negativos. Diferenciações
devem ocorrer com a ampliação de tarifas sociais e progressividade no pagamento dos custos de geração, de
acordo com a renda do usuário.
Sistema hidrotérmico deve diversificar suas fontes
complementares
O Sistema Integrado Nacional deve continuar hidrotérmico, mas nosso maior potencial hidráulico, hoje, está na
Amazônia, onde a construção de grandes hidrelétricas
enfrenta restrições crescentes. A complementariedade
com térmicas movidas a gás é importante, mas deve se
deslocar para o uso da energia eólica e outras fontes. A
produção consorciada de energia eólica e fotovoltaica
(solar) é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada num país tropical.
Expandir com rapidez a fonte eólica
Entre os maiores êxitos do novo modelo elétrico brasileiro está a rápida inserção da fonte eólica na matriz
energética, pois ela traz a melhor oportunidade para se
baixar os custos da expansão do sistema elétrico brasileiro. O Brasil tem dos melhores ventos do mundo do ponto
de vista do seu aproveitamento para geração elétrica. A
capacidade de geração eólica passou a crescer de forma
acelerada a partir de 2008. Em 2014 é esperada a produção de 7,3 GW. Se isto se confirmar, nos últimos quatro
anos, a capacidade terá sido multiplicada por sete, numa
clara demonstração do acerto da política energética.
Ampliar o uso da fonte nuclear
A fonte nuclear é responsável pela produção termoelétrica mais barata do Brasil. As duas usinas existentes,
Angra I e Angra II, dão contribuição fundamental para
o abastecimento da segunda maior metrópole brasileira, o Rio de Janeiro. A reserva brasileira de urânio soma
quase 300 milhões de toneladas. É a sexta maior do
mundo. Se necessário, abasteceria uma dezena de usinas por décadas. O descarte desse tipo de energia não é
uma tendência mundial. Nada menos do que 438 usinas
nucleares estavam em operação durante o ano passado.
Em janeiro passado, em todo o mundo, existiam 71 usinas nucleares em construção. A usina de Angra III precisa ser concluída e devem ser retomados os estudos para
a construção de novas quatro usinas nucleares, sugeridas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Integrar e desenvolver a Amazônia com
sustentabilidade
O desafio amazônico permanece como uma grande questão nacional a se equacionar neste século, para efetivamente alavancarmos o desenvolvimento nacional. A Amazônia guarda imenso potencial – todavia subaproveitado
– para ser um dos vetores centrais do Projeto Nacional de
Desenvolvimento. Nos últimos 12 anos, muito se fez nesta
direção. Entretanto, muitos desafios permanecem.
Desenvolver a economia da biodiversidade
Devemos pôr em marcha um plano que fará parte da
7171
131/2014
diretriz estratégica para a integração nacional, coordenada a partir da própria Presidência da República, para
a exploração plena e sustentável das vastas riquezas da
Amazônia, em especial seus recursos minerais, aquíferos,
energéticos e sua biodiversidade. A economia da biodiversidade – intensiva em C&T – deve ganhar relevo, explorando o revolucionário potencial da biotecnologia. Devemos efetivar uma política industrial com foco na Amazônia, visando à produção de bens com intensa agregação
local de valor e conhecimento. Grande desafio será o
desenvolvimento da infraestrutura logística na Amazônia,
integrando-a plenamente ao território nacional. Obras
como a BR-163 (Cuiabá-Santarém) e a BR-319 (Porto
Velho-Manaus), bem como a Ferrovia Transcontinental
ligando Cruzeiro do Sul (AC) ao litoral do Rio de Janeiro,
são essenciais nesse novo esforço para se completar a integração nacional.
Atualizar Plano Amazônia Sustentável
Devemos, no próximo quadriênio, atualizar o Plano Amazônia Sustentável, a partir de uma grande conferência nacional, que considere, ademais de aspectos ambientais,
os geopolíticos e estratégicos, políticos, sociais e econômicos. Por fim, o Brasil deverá propor o relançamento
da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA), tornando-a politicamente forte e dotada de
meios para integrar a região a partir do vetor geográfico
Amazônia, visando inclusive a restringir a ingerência de
potências extrarregionais.
Promover a saúde e qualidade de vida para o povo
brasileiro
As melhorias na saúde nos últimos 11 anos – como a recente destinação de 25% dos royalties do petróleo para o
setor, a criação do Programa Mais Médicos, novas unidades de saúde e hospitais e a disponibilidade de serviços
de maior complexidade, inclusive transplante de órgãos
– foram passos significativos, mas insuficientes para reverter a perda de qualidade e o enfraquecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Os atuais problemas do Sistema ainda refletem o duro ataque desferido contra ele
pelos governos neoliberais dos anos 1990, prejudicando
sua gestão e limitando seu financiamento. É grande o sofrimento do povo com as deficiências tanto do SUS quanto do setor privado da saúde.
7272
Para o PCdoB, atacar o mal pela raiz, nesta esfera, é aprofundar a Reforma Sanitária: fazer avançar o SUS e responder adequadamente às necessidades de saúde da população. As seguintes propostas, se implementadas, favorecerão um salto na qualidade da saúde pública no Brasil:
• Reafirmar a saúde como direito universal e integral, o que exige mais investimentos: 10% das receitas correntes brutas da União devem ser destinados
para a saúde. Isto como parte de uma política que
deve assegurar um financiamento estável do setor, a
partir da definição de novas fontes, como a taxação
das grandes fortunas. Deve-se priorizar o investimento na atenção primária, como forma de garantir
o acesso a toda a população a um serviço humanizado e eficiente.
• Propor políticas de gestão do trabalho e de educação direcionadas para a fixação dos profissionais
ao SUS e para a criação de uma carreira para o sistema público de saúde, que valorize a formação de
trabalhadores(as) voltadas para as necessidades de
saúde da população.
• Fortalecer o papel do Estado na regulação e fiscalização do setor privado de saúde, por meio de
mecanismos ágeis e transparentes, no sentido de
defender o direito dos usuários e de fortalecer o sistema público, que em perspectiva deve substituir o
privado.
• Melhorar a eficácia das políticas do SUS, fortalecendo a capacidade político-gerencial das instituições gestoras do sistema público de saúde.
• Ampliar a participação social e a democratização
da gestão, como mecanismos essenciais em defesa
do SUS. Nesse sentido, é preciso valorizar e instrumentalizar os conselhos de saúde.
• Fortalecer o complexo industrial produtivo da
saúde, visando a promover a incorporação de novas
tecnologias ao SUS, ampliando o acesso da população a produtos e insumos e desenvolvendo a plataforma tecnológica do país, com aportes em pesquisa e inovação – o que resultará na soberania do país
neste setor estratégico da indústria.
Fortalecer a educação pública de qualidade para todos
Os avanços alcançados na área da Educação nos últimos
anos nos colocam diante de novos desafios. Os próximos
passos devem ser enfrentar as defasagens na educação
básica e seguir aumentando e democratizando o acesso
à educação superior. Em particular, é necessário persistir
no esforço de ampliação da educação em período integral; suprir a demanda por creches; reduzir ainda mais a
taxa de analfabetismo; promover a valorização dos profissionais da educação; dar continuidade às iniciativas de
reestruturação dos ensinos médio e superior.
Ideias e propostas do PCdoB ao Programa de Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff
Em suma, é necessário prosseguir com o fortalecimento
da educação pública e gratuita em todos os níveis, priorizando os investimentos públicos no setor e, simultaneamente, aprimorar os mecanismos de regulamentação e
fiscalização do ensino privado que se expande, inclusive
com o fenômeno negativo da entrada do capital financeiro internacional.
Ciência, tecnologia e inovação
Impõe-se a tarefa crucial de construção do Sistema Nacional de Inovação, articulando-se universidades e empresas, no quadro de políticas do Estado em ciência,
tecnologia e inovação, com metas para pesquisa e desenvolvimento (P&D), com laboratórios, polos tecnológicos
e centros de pesquisa e resultados em patentes e novos
produtos e processos. A inovação será alavancada, também, por diretrizes da política externa através de parcerias internacionais que resultem em transferência e cooperação tecnológica.
O Esporte como impulsionador da agenda do desenvolvimento nacional
Nos últimos 11 anos, o Brasil promoveu avanços históricos no esporte. Criou um Ministério próprio e implementou políticas públicas que serviram de alavanca para
alçá-lo a um novo nível, com mais acesso à prática esportiva para a população, tanto no esporte educacional e de
lazer, quanto no de alto rendimento.
Some-se a isso a experiência por ter realizado, com sucesso, grandes eventos esportivos – como os Jogos Pan-americanos e os Jogos Parapan-americanos de 2007, os
Jogos Mundiais Militares de 2011 e a Copa das Confederações FIFA 2013 –, que ajudaram a pavimentar a exitosa
realização da Copa do Mundo FIFA 2014. Os próximos
desafios são os Jogos Olímpicos e os Jogos Paraolímpicos
de 2016, no Rio de Janeiro, e a Universíade de 2019, em
Brasília.
Para o PCdoB, sediar tais competições é uma oportunidade para impulsionar o desenvolvimento humano, esportivo e econômico do país e acelerar investimentos em
transporte público, portos, aeroportos e serviços essenciais, além de fortalecer políticas públicas nas áreas da
educação, saúde e segurança e gerar inovação da tecnologia de telecomunicações, energia, sustentabilidade e de
negócios, com criação de empregos, geração de renda e
atração de novos investimentos, em especial no turismo.
A realização da Copa do Mundo FIFA 2014 já mostrou que
são grandes os benefícios deste tipo de evento para o país.
As expectativas em relação aos Jogos Olímpicos e dos Jo-
gos Paraolímpicos de 2016 podem ser ainda melhores. O
legado olímpico está se espalhando pelo país, em diferentes formas: a) Ampliação da prática esportiva, por meio
de programas como o Atleta na Escola, hoje com 40 mil
escolas, e o Mais Educação/Segundo Tempo, atualmente
com 4 milhões de estudantes, conjugados com a construção e cobertura de 10 mil quadras em escolas públicas e
a construção de 285 Centros de Iniciação ao Esporte em
263 municípios de todos os estados e Distrito Federal; b)
estruturação da Rede Nacional de Treinamento, maior
programa de infraestrutura esportiva em andamento no
país, para interligar instalações e estruturar centros de
treinamento de várias modalidades; c) formação de atletas e equipes de base para o esporte de alto rendimento.
A preparação dos atletas e das seleções para os Jogos
Olímpicos e os Jogos Paraolímpicos de 2016 está sendo
impulsionada pelo Plano Brasil Medalhas e a Bolsa Atleta
Pódio que já apresentam resultados inéditos para nossas
equipes. E a preparação das instalações olímpicas no Rio
de Janeiro, bem como as demais demandas dos eventos,
corresponde ao cronograma estabelecido.
Importante reafirmar que a maior parte dessas ações e
programas é fruto de três Conferências Nacionais do Esporte, com ampla participação do segmento esportivo e
outros setores da sociedade. Para preservar conquistas,
avançar em novos desafios e elevar a cultura esportiva
dos brasileiros, o PCdoB propõe:
Ampliar e fortalecer o acesso da população ao esporte
O salto qualitativo será tornar os programas esportivos
políticas permanentes, para universalizar o acesso de
brasileiros à prática esportiva, e romper a dicotomia entre o esporte educacional e o de alto rendimento, visando
a garantir a formação integral do atleta escolar desde a
aprendizagem até a formação de base. Para isso, é necessário criar o Mais Esporte, unificando os programas Mais
Educação e Segundo Tempo; retomar a obrigatoriedade
da disciplina de educação física nas escolas; fortalecer
programas como Atleta na Escola, Jogos Escolares, Jogos
Universitários e Esporte e Lazer da Cidade; manter a realização dos Jogos dos Povos Indígenas; fomentar a Rede
CEDES (Centros de Desenvolvimento de Esporte Recreativo e de Lazer) de pesquisadores e as publicações sobre
esporte e lazer.
Consolidar a preparação para o Rio 2016
Além de assegurar o sucesso da organização dos Jogos
Olímpicos e dos Jogos Paraolímpicos do Rio de Janeiro em 2016, o Brasil tem a meta de ficar entre os dez primeiros países em número de medalhas olímpicas e entre
7373
131/2014
os cinco primeiros nos pódios paraolímpicos. Os atletas
e equipes vêm obtendo o apoio necessário para fazer sua
preparação em condições de igualdade com seus principais concorrentes. O objetivo é manter o investimento
para que o desempenho das equipes continue melhorando e alcance as metas.
Incrementar o desenvolvimento do esporte olímpico e
paraolímpico
Após os Jogos Olímpicos de 2016, será preciso manter
o apoio à base das modalidades para que o país permaneça entre as potências esportivas. Bem como avançar
na busca de melhoria da gestão das entidades esportivas.
Um passo adiante será constituir o Instituto Brasileiro do
Esporte, que atuará na gestão da Rede Nacional de Treinamento, na preparação de atletas olímpicos e paraolímpicos, na formação profissional e na pesquisa aplicada ao
esporte de alto rendimento.
Ampliar investimentos em infraestrutura esportiva
Os Jogos Olímpicos de 2016 propiciam levar benefícios
para todas as unidades da Federação e, com isso, reduzir
as desigualdades regionais na prática do esporte, tanto
na iniciação às modalidades, quanto no desenvolvimento de atletas e equipes de ponta. Para isso, é importante
concluir a Rede Nacional de Treinamento de Atletismo e
estruturar a rede de treinamento de judô, natação, vôlei
e basquete; apoiar os estados no financiamento de Centros Regionais Multiesportivos integrantes da Rede Nacional; atender a todas as cidades G1 e G2 do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC) com pelo menos
um Centro de Iniciação ao Esporte a cada 500 mil habitantes nos próximos quatro anos; criar modelos 4 e 5 do
Centro de Iniciação ao Esporte (CIE), contemplando ginásio e campo de futebol; ginásio e pista de skate; equipar todos os CIEs com academia e outros equipamentos;
recuperar toda a infraestrutura existente nas universidades federais; modernizar ginásios dos municípios que
sediam equipes dos campeonatos brasileiros de vôlei,
basquete, futsal e handebol; assegurar que nas capitais
dos estados e em Brasília existam ao menos os seguintes
equipamentos oficiais: pista de atletismo, parque aquático e ginásio poliesportivo.
Fomentar o futebol como patrimônio nacional
7474
O Brasil, ao sediar a Copa do Mundo, reforçou ainda mais
o futebol como componente destacado da identidade nacional e abriu perspectivas para reforçar o futebol brasileiro em várias dimensões. Também projetou o tema
dos direitos dos torcedores e a busca por uma cultura de
paz nos estádios. O futebol feminino precisa também ser
fortalecido com fomento a competições nacionais e internacionais, como a Copa Libertadores e o Campeonato
Brasileiro de Futebol Feminino.
Avançar na definição de uma Lei de Diretrizes e Bases para
o esporte brasileiro
Assegurar o direito constitucional de cada cidadão ao esporte requer criação de uma lei que assegure a universalização do acesso ao esporte e a estrutura de um sistema
nacional que defina responsabilidades de estados, municípios e União; garanta a gestão democrática com participação e controle social; permita avaliação continuada do
grau de desenvolvimento do esporte; e resguarde a ampliação e diversificação do financiamento (fundo setorial,
garantias orçamentárias, regulação público‑privada).
Aumentar a participação do esporte na economia do país
O Brasil tem potencial para incrementar o seu desempenho nos negócios do setor e fomentar a cadeia produtiva
do esporte no âmbito das empresas privadas e do consumo das famílias. Medidas serão tomadas, em especial,
para aumentar a modesta participação do Brasil no PIB
mundial do futebol. É importante irradiar os investimentos agregados pelos grandes eventos para todas as
regiões do país e dotar a nação de condições sociais e logísticas que a auxiliem no desenvolvimento sustentável
de uma economia que já figura entre as dez maiores do
mundo.
Política Externa e de Defesa
O PCdoB considera que o objetivo central da política externa é o fortalecimento da soberania nacional. E para
realizar este objetivo se deve levar em conta, entre outros
fatores, a relação estreita entre política externa e política
de desenvolvimento. Afinal, movimentos de regulação do
sistema internacional, caso não sejam objeto de moldagem tendo em vista o interesse nacional e dos países em
desenvolvimento, poderão criar maior ou menor constrangimento à execução de políticas nacionais autônomas e soberanas. Salientamos as Propostas:
Prioridade estratégica: integração da América Latina e o
Caribe
Reafirmar o preceito constitucional de que a prioridade
estratégica em política externa refere-se à integração
da América Latina e o Caribe. É preciso dar importância
especial à integração da América do Sul, renovando e
atualizando seus objetivos e meios de realizá-la. Assim,
ganhará realce especial a materialização da integração
física e energética da América do Sul. No caso da integra-
Ideias e propostas do PCdoB ao Programa de Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff
ção física, ela será parte ampliada do grande desafio de
completar a integração nacional – que, pelas dimensões
contemporâneas e escala atingidas, ganha dimensão regional. De imediato, urge aportar recursos à Agenda de
Projetos Prioritários de Integração (API) que prevê o investimento de US$ 13,7 bilhões em obras de integração
regional. A API compreende 31 projetos estruturantes
(abrangendo 88 projetos individuais), que receberão
investimentos conjuntos dos 12 países que compõem a
União de Nações Sul-Americanas (Unasul).
Na integração energética, o Brasil poderá promover a utilização comum das diversas matrizes em que a região tem
abundância: petróleo e gás, fontes hidrelétricas, urânio e
biocombustíveis. A integração energética deve ser concebida como motor para o desenvolvimento industrial dos
países parceiros a partir da exploração dos recursos naturais comuns.
Ampliar e fortalecer o Mercosul
O desafio de ampliar o Mercosul para todo o espaço geográfico sul-americano deve continuar sendo perseguido,
através da prioridade ao espraiamento de cadeias produtivas (ou de valor) sul-americanas. Deve ser meta a busca de
uma interdependência industrial relativa – em setores que
ajudem a diminuir as marcadas assimetrias regionais de
desenvolvimento. A Unasul e o Mercosul devem crescentemente convergir como instrumentos de união sul-americana. É preciso, ao mesmo tempo, valorizar a interação com o
continente africano, sobretudo seu lado ocidental.
Novos passos para efetivar o BRICS: Banco de
Desenvolvimento e Fundo de reserva
No contexto de diversificar e ampliar relações, ganhará
destaque ainda maior a aliança estratégica com grandes
países em desenvolvimento, nomeadamente o BRICS –
polo de mudança da ordem internacional. O Banco de Desenvolvimento do BRICS e o Arranjo Contingente de Reservas possuem ampla capacidade de ampliar a margem de
ação geopolítica do Brasil. Devemos, em especial, encetar
esforços para que a ação do Banco de Desenvolvimento se
estenda a terceiros países.
Luta para alterar a composição do Conselho de Segurança
da ONU
Tem grande importância para o Brasil ter como meta permanente de Estado – tendo em vista a importância geopolítica para o país – alterar a composição do anacrônico
Conselho de Segurança das Nações Unidas. A mudança
deve adequar o Conselho à nova correlação de forças que
vai se consolidando no sistema de poder internacional.
Preservar a autonomia da política econômica e industrial
Renovar e atualizar os termos da inserção internacional
do Brasil. A exigência de modernização tecnológica da indústria brasileira requer uma interação maior com setores dinâmicos da economia mundial. Ao mesmo tempo, a
manutenção de capacidade autóctone de desenvolvimento
industrial, sobretudo no núcleo tecnológico da produção,
perseguido ao longo do século XX, não deve ser abandonada. Reforçar a negociação de tratados comerciais que preservem nossa autonomia em política econômica e industrial. Tratados de Livre Comércio (TLCs) que limitam nossa
margem e autonomia não atendem ao interesse nacional.
Apoiar a internacionalização das empresas brasileiras
O Brasil deve manter e mesmo aprofundar o apoio à internacionalização da empresa brasileira e, especialmente, a exportação de serviços, como na área de engenharia,
como fazem as grandes construtoras brasileiras. Estes
processos envolvem numerosas empresas nacionais na
exportação de bens e serviços, como se viu nas obras, por
exemplo, do Porto de Mariel.
Defesa, fator determinante da soberania e vetor do
desenvolvimento
A política de Defesa tem notória relação com a política de
Desenvolvimento. Como diz a Estratégia Nacional de Defesa, uma está em função da outra. Para ser soberano no
mundo, o Brasil precisa ser capaz de salvaguardar seus
interesses nacionais em quaisquer circunstâncias. Avulta
a necessidade de equiparar a capacidade de Defesa nacional à sua crescente estatura no mundo.
Fomentar uma forte indústria nacional de Defesa
Conforme a Estratégia de Defesa, combinada com o Livro
Branco de Defesa Nacional, o Brasil precisa, a um só tempo, seguir com a atualização doutrinária de suas Forças
Armadas, lhes reforçando a concepção patriótica e democrática e refletindo sua posição crescentemente soberana
no mundo no que diz respeito a seu braço armado –, bem
como avançar mais rapidamente na sua modernização e
em seu reequipamento material. Aprofundar o caminho da
criação de uma pujante base industrial nacional de Defesa,
protegendo a empresa nacional – que neste setor, em geral,
caminha no “estado da arte” da tecnologia. Incrementar os
gastos com Defesa, buscando atingir a meta de 2,5% do PIB
– média dos demais países BRICS.
Brasília, 27 de junho de 2014
Convenção Nacional Eleitoral do
Partido Comunista do Brasil – PCdoB
7575
131/2014
Imperialismo e geopolítica: a luta
de classes nas eleições brasileiras
**
Marcos Aurélio da Silva*
Siphiwe Sibeko/Reuters
Há um reformismo em curso (liderado pelo PT e seus
aliados à esquerda) com seus triunfos e limitações
que, afinal, não é outra coisa senão uma expressão,
obviamente contraditória, das tendências históricas
da formação social brasileira, tanto em seu quadro
próprio, quanto diante das relações internacionais
desiguais a que está submetida
N
a eleição presidencial brasileira de
2010, muito do debate público que
se realizou no interior da esquerda
deixou-se dominar pela ideia de que
se tratava de uma eleição pouco politizada, uma vez que marcada pela
completa ausência de temas relativos
ao que Gramsci (2002a) chamou de
“grande política”. E este mal teria acometido es-
76
pecialmente o partido que encabeçava a coalizão
governista. Vitorioso desde 2002, o Partido dos
Trabalhadores (PT), de gloriosas lutas no campo
da esquerda desde que fora fundado, apresentava-se – na verdade, já desde os seus primeiros
movimentos enquanto governo, sustenta um importante interprete (COUTINHO, 2010) – com um
discurso eminentemente técnico, voltado apenas
para a gestão do capitalismo.
Brasil
Não é pouco provável que a mesma tese seja de
rias têm a dizer acerca desta esquerda a quem se
novo sustentada para caracterizar a eleição presiacusa de “enfrentar as demandas sociais” através
dencial que ocorrerá neste ano, quando novamente
de um mero “pacto de classes em nome do crescia coalizão liderada pelo PT – a despeito das vantamento capitalista” (IASI, 2013, p. 45).
gens de que dispõe – prepara-se para enfrentar uma
Malgrado o exagero da formulação, não é cerdura disputa. Basta que se atente para as denúntamente uma questão menor que, por exemplo,
cias já na praça embaladas pela análise dos grandes
os principais teóricos das políticas derrotadas pelo
protestos do ano passado. Elas acusam o “acordo
PT em 2002 – hoje circulando nos ambientes que
com a burguesia na cúpula” que, promovendo uma
apoiam a candidatura oposicionista de Eduardo
“reversão na consciência de classe” e “uma inflexão
Campos e Marina Silva (PSB) – acusem a política
conservadora no senso comum”,
econômica governista de entregaracaba por submeter o “desejo” das
se a “uma excessiva regulamentaReduzir a luta de
ruas “ao real e ao possível” (IASI,
ção de todas as esferas da vida”,
2013: 46). Ora, caberia pergune isto para perseguir um “projeto
classes em curso
tar se esta avaliação, certamente
nacional-desenvolvimentista” cuja
na formação social
justa a seu tempo, não é, todavia,
característica é a combinação do
portadora de uma leitura exage“consumismo das economias capibrasileira a uma
radamente unilateral da realidade
talistas avançadas com o produti“rebelião do desejo” vismo soviético” (RESENDE, 2013,
social brasileira. Uma leitura que,
revelando certa impostação subjep. 7). É sem dúvida fácil imaginar
não é outra coisa
tivista, despreza a dúplice dialética
o programa que embala esta crítisenão a abstração
inerente ao pensamento de Hegel
ca. No lugar de promover “todo tie Marx, a saber aquela que exispo de distorções” por meio das “ardo processo
te não só entre sujeito e objeto,
tificiais” políticas estatais, sempre
histórico do qual
a práxis revolucionária e a época
com o objetivo de “crescer acima
histórica (ou a ordem política e
da média mundial”, deveríamos
faz parte essa
institucional existente), mas tamreconhecer que neste campo o que
mesma formação
bém e necessariamente aquela que
se pode fazer é “contar com a sorse apresenta no interior do próprio
te” (RESENDE, 2014: 7), maneira
social
objeto (AZZARÀ, 2004: 150).
sofisticada, por certo, de dizer que
Eis do que se trata. Reduzir a
é a mão invisível do livre mercado
luta de classes em curso na formação social braque pode alocar eficientemente os recursos.
sileira a uma “rebelião do desejo” não é outra coiOra, sabemos o que significa consentir ser consa senão a abstração do processo histórico do qual
duzido pelas mãos do livre mercado na atual etapa
faz parte essa mesma formação social, a toda prova
do capitalismo. Trata-se de deixar a política ecomarcado pelas contradições do desenvolvimento
nômica sob a responsabilidade das grandes corpocapitalista em condições atrasadas, bem como pelas
rações oligopolistas, muitas das quais, vale notar,
relações conflituosas com os centros imperialistas
com origem no grande movimento de fusão que há
que esta condição implica. Uma distorção interpremais de um século abriu a etapa imperialista do catativa que já Herzog (1973) havia acusado no marpitalismo (LÊNIN, 1987). E todas elas corporações
xismo de Sereni (1973) ao tempo do debate sobre
que, a despeito da internacionalização mais proo conceito de formação social, e que recentemente
funda das últimas décadas, continuam fortementambém Losurdo (2013) demonstrou aparecer com
te amparadas por seus Estados de origem, razão,
muita frequência numa certa leitura que se faz do
entre outras, da facilidade com que criam diferenmaterialismo histórico fundado por Marx e Engels,
tes “distorções” em proveito próprio (CHESNAIS,
segundo a qual onde inicia a política externa, e
1996). E eis o quanto é correta a metáfora da mão
as suas conexas intrigas diplomáticas e militares,
visível utilizada por Chandler (1977) para estudar
emudece o marxismo.
estes oligopólios.
Com efeito, à candidatura Aécio Neves (PSDB)
O Projeto
importa pouco estas frações. Não resta dúvida de
nacional-desenvolvimentista
que seu mote será igualmente a crítica do “intervencionismo absurdo”. Mas como todo liberalismo
Posta a breve discussão acima, uma tarefa que
é “uma ‘regulamentação’ de caráter estatal introse impõe é indagar o que as forças mais reacionáduzida e mantida por via legislativa e coercitiva”
77
131/2014
(GRAMSCI, 2002a), este lema é apenas um biombo
gama de executivos que operam em suas filiais, não
sob o qual se esconde a dura política do “porrete
bastará abocanhar nacos dos capitais das estatais
sem cenoura”.
ou as enormes encomendas públicas com forneciAssim é que os intelectuais chamados a colamentos espalhados por diversas filiais localizadas
borar com as discussões para a formulação do promundo afora.
grama de governo do PSDB apontam sem qualquer
Leiamos o que Edmar Bacha, destacado econotimidez para intervenções liberalizantes nos setores
mista do PSDB, tem escrito em suas reiteradas indo petróleo e da infraestrutura, dínamos da recupetervenções públicas desde o ano passado. Para ele, é
ração dos empregos e do reerguimento econômico
uma política ainda tímida seguir os ditames acima
dos últimos anos. No que diz respeito ao primeiro
descritos para a área do petróleo, com destaque pasetor, tratar-se-ia de pôr fim à política que faz da Pera o abandono do Regime de Partilha (onde todo o
trobras um “instrumento” da programação “econôpetróleo extraído pertence ao Estado) e a política
mica e industrial do governo” (referência explícita à
de conteúdo nacional que o acompanha, “que não
exigência de conteúdo nacional dos equipamentos
estimula a concorrência e a presença de multinacomprados pela estatal), de realizar “leilões anuais
cionais” (4). Tratar-se-ia de promover “uma redude petróleo e gás nas áreas do pré-sal, do pós-sal
ção substantiva da carga tributária sobre as empree também dos blocos em terra”
sas”, de fixar um limite para “o
(1). Mas também redimensionar
crescimento gasto público” (e eis
a empresa através da “abertura do
que se volta a falar em “reforma
Os intelectuais
capital de suas subsidiárias” (eis
da previdência”), de promover
chamados a
por onde começa a privatização
uma “redução substancial das tade nossa estatal) e ainda retirar a
rifas de importação”, de eliminar
colaborar para
“exigência” de que “seja operadora
“as amarras aduaneiras e portuáa formulação
única” do pré-sal (a nova fronteirias” e as “especificações técnicas
ra de exploração petrolífera capaz
de produtos distintas daquelas
do programa
de fazer do Brasil um dos maiores
adotadas
internacionalmente”,
de governo do
produtores mundiais), onde atua
e ainda praticar um “regime de
“com pelo menos 30% dos consórcâmbio flutuante” (sem intervenPSDB apontam
cios”, segundo definiu o Regime
ção estatal, entenda-se) (BACHA,
sem timidez para
de Partilha introduzido pelo go2014, p. A15). Por último, e não
verno do PT, em substituição ao
menos importante, para o teórico
intervenções
regime das concessões ao capital
do PSDB teria chegado a hora de
liberalizantes nos
privado antes vigente (2). No que
retomar a Área de Livre Comércio
concerne às infraestruturas, o alvo
nas Américas (Alca), negociar no
setores do petróleo e
é o setor elétrico, acusado de praTranspacífico, o novo eixo econôda infraestrutura
ticar uma danosa política de submico e geopolítico liderado pelos
sídios tarifários, censura que proEUA na América Latina (e do qual
positalmente abstrai o fato de que
participam Chile, Peru, Colômbia,
há investimentos já amortizados no setor. Mas aqui
México e Panamá), e ainda “transformar o Mercotambém se propõe rediscutir a solução tecnológica
sul numa área de livre comércio” (5).
encontrada para a construção de grandes usinas hidroelétricas na região amazônica, que se caracteriza
Retomando o debate
por uma sustentabilidade ambiental maior (as áreas
alagadas correspondem basicamente ao curso natuConhecidos os pormenores do programa do parral dos rios, o que certamente implica uma menor
tido dos oligopólios, podemos agora retomar nosso
capacidade de geração) (3). E assim é que, aceitandebate com aqueles que falam de despolitização —
do validar as desiguais relações internacionais de
e, mesmo, partindo dessa premissa, chegam a lanprodução atualmente vigentes, nos pomos a transçar todas as suas esperanças em uma “rebelião do
formar as forças produtivas, como o disse Santos
desejo” para o ano eleitoral em curso.
(2008) recuperando uma noção de A Ideologia Alemã,
Vejamos.
Todo o debate que se fez na eleição passada em
em forças abertamente destrutivas.
torno da Petrobras e sua capacidade de dar autonoE não se pense que tudo termina nas medidas
mia nacional em termos energéticos e tecnológicos
acima. Aos grandes oligopólios internacionais, bem
não é um modo de tratar questões políticas de prirepresentados nas fronteiras nacionais pela enorme
78
Brasil
A política de conteúdo nacional e o papel estratégico da Petrobras certamente serão temas de debate na campanha eleitoral
meira ordem em um país que continua a ser parte
do Terceiro Mundo? E não será este um tema central a que terá que se dedicar toda a esquerda que
integra o governo nos debates da eleição deste ano,
como já está demonstrando o falso escândalo da refinaria de Pasadena, produzido pela mídia hegemônica? (6) E já que falamos da política de conteúdo
nacional da grande estatal, vale não esquecer que
o governo do PT, como forma de recuperar o atraso
tecnológico imposto pelos anos do neoliberalismo,
tem estendido este instrumento para outros setores
da economia nacional, tanto públicos (as compras
no setor de saúde) como privados (utilizando neste
último caso as tarifas de importação), políticas estas contestadas como protecionistas pelos oligopólios norte-americanos e da União Europeia na Organização Mundial do Comércio (OMC) (7). Aliás,
a esse respeito vem a tempo lembrar os relatos que
nos tem deixado o ministro das relações exteriores do governo Lula. Tratando das negociações na
OMC, ele se referiu à “revolta de grande número de
países pobres contra a intenção (dos EUA e UE) de
forçar o início das negociações sobre investimentos
e compras governamentais” (AMORIM, 2013, p.
90). E é também o mesmo ministro que nos adverte
sobre o escopo da Alca. Lançada por Bill Clinton em
1994, esta aliança tinha claramente um objetivo de
“natureza política além de econômica”, na medida
em que visava a “criar um espaço integrado em que
os interesses econômicos norte-americanos continuassem a predominar, ao mesmo tempo que de-
marcava nitidamente uma área de hegemonia dos
Estados Unidos” (AMORIM, 2013, p. 74).
Voltemos à tese do filósofo citado na conclusão do primeiro ponto deste artigo: estas disputas
diplomáticas, já presentes na última eleição presidencial, e agora aquecendo os debates do pleito
deste ano, nada têm a ver com a política que interessa aos marxistas e toda a esquerda, centrada na
luta de classes? Não estão elas diretamente ligadas
àquelas formas de desigualdade existentes em nível internacional, com nítida expressão nos planos
econômico e tecnológico, a que tiveram que dar
atenção Lênin e os bolcheviques após o malogro da
revolução proletária mundial, e isso lançando mão
até mesmo de concessões aos capitalistas, como o
demonstrou o recurso à Nova Política Econômica
(NEP) (LOSURDO, 2013)? E o que nos diz o sardo citado no primeiro parágrafo de nosso artigo?
Nada disso tem relação com a “grande política”,
que ele definiu como a “luta pela destruição, pela
defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais”, ou ainda a luta
pela “reorganização radical do Estado”, e mesmo
aquela que determina a “estatura de cada Estado
nos confrontos recíprocos” (GRAMSCI, 2002a, p.
21-2)? Não há dúvida, estamos diante da dimensão
internacional da luta de classes. Ao fim e ao cabo,
ainda aquela dimensão que, atravessando os diferentes movimentos nacionais, compõe a complexa
dialética do imperialismo e seus efeitos geopolíticos
(ABDEL-MALEK, 1977).
79
131/2014
Certamente, para que esta questão não perca
em escala global, no exemplo do reconhecimento
sua dimensão mais estratégica, é decisivo que não
do Estado da Palestina e da recusa de integrar o
nos limitemos apenas às questões brasileiras. Por
bloqueio contra o Irã.
outras palavras, urge que lancemos nosso olhar para as relações que estas questões têm com a geopoLuta política
lítica que no atual período da história ocupa todo o
continente latino-americano.
Sem dúvida cabe conceder alguma razão aos críOra, é necessário não esquecer que o Brasil sob
ticos com quem até agora debatemos. A despeito
os governos do PT integra o giro à esquerda que didos programas sociais de transferência de renda,
ferentes países do continente latino-americano codo aumento real do salário mínimo, da diversifinheceram no início do século XXI. Em todos estes
cação geográfica dos investimentos, estimulados e/
casos, administrações com uma orientação nacioou realizados diretamente pelo Estado, todas elas
nalista, desenvolvimentista ou abertamente sociapolíticas voltadas para aquele segundo tipo de delista tiveram no Brasil um apoio nevrálgico. E isto
sigualdade a que se refere Losurdo (2013), a saber,
não apenas de um ponto de vista econômico. Sem
a desigualdade entre as classes no interior de um
dúvida, nesta esfera, o grande país do continente
país, muitas carências subsistem ou têm sido detem atuado para anular o histórico isolamento das
bilmente enfrentadas, entre elas aquelas que foram
diferentes economias, provocado tanto por fatores
objeto dos protestos de junho de 2013 (como a denaturais (ao norte, a combinação
ficiência nos transportes públicos de
de montanhas e florestas, as últimassa). E eis o que justifica falar-se
mas, muito pobres para a agriculde um reformismo ainda fraco
O Brasil sob os
tura, têm dificultado a integração
(SINGER, 2013), resultado, ao fim
governos do PT
das áreas que vão da Guiana Frane ao cabo, do que se convencionou
cesa à Bolívia) (FIORI, 2013) cochamar de um presidencialismo
integra o giro
mo por aqueles relacionados “aos
de coalizão.
à esquerda que
restos de uma divisão internacioDe fato, é por este meio que
nal do trabalho” (SANTOS, 2008,
um partido que continua a falar
diferentes
p. 173). Para além disso, na esfera
de “socialismo” e da “propriedapaíses do continente de social dos meios de produção”
da geopolítica continental, esta(à diferença do trabalhismo inmos diante de um país que “tolatino-americano
glês, vale notar) (SINGER, 2013,
mou uma posição decidida a favor
conheceram no
p. 120), tem sido forçado a goverda reintegração de Cuba na comunar em aliança com setores que,
nidade americana e defendeu em
início do século XXI
distantes de seu espectro político,
todos os foros internacionais o
freiam toda e qualquer mudança
fim do bloqueio norte-americano
mais de fundo. Desde pelo menos
a Cuba”; que cumpriu uma “in2005 estes aliados estão representados no PMDB,
fluência ideológica sobre os governos da América
partido que lidera um bloco de direita, às vezes de
Central e tomou uma posição rápida e dura conorientação abertamente reacionária, no interior
tra o golpe de Estado em Honduras”; que liderou a
da base legislativa de apoio ao governo. Basta ver
rápida reação contra o “golpe civil” que derrubou
que seu programa está centrado em medidas como
o governo do presidente Fernando Lugo, do Paraa autonomia do Banco Central, nos limites para o
guai; e, não menos importante, com a “expansão
gasto público, na reforma da previdência (SINGER,
do Mercosul, a criação da União de Nações Sul-A2013); um programa para o capital, com predomimericanas (Unasul) e do Conselho Sul-Americanância dos interesses rentistas. E assim é que nos
no de Defesa”, de um país que contribuiu para o
vem facilmente à lembrança a crítica de Marx ao
“engavetamento” do projeto Alca, bem como para
liberalismo burguês, que vê “todo o bem do lado
reduzir “a importância do Tratado Interamericano
dos corpos representativos e todo o mal do lado do
de Assistência Recíproca”, igualmente sustentado
governo” (LOSURDO, 1998, p.158).
pelos EUA (FIORI, 2013, 36-7).
Aliás, se se pode dizer que é a burguesia nacioEnfim, trata-se daquele manto de amizade e
nal que ganha expressão entre esses aliados, seja
proteção com que o Brasil cobriu os diversos goem sua fração agrária, bancária ou industrial, não
vernos latino-americanos de orientação à esquerda,
significa isso que o programa que tenham em mensegundo se referiu Perry Anderson (2011), movite encerre um movimento mais decisivo de automento diplomático que pode ser observado mesmo
80
Brasil
nomia em relação às potências imreacionária ─ a crítica da “instruperialistas. Poderíamos dizer que
mentalização produtivista” das
Desde 2006 o
isto é verdadeiro para alguns setoantigas “burocracias comunistas”,
que há é uma
res desta burguesia, como aquela
que “ainda pulsa na nova burocradedicada ao setor de máquinas e
cia dos comunistas chineses” (SArepolitização, que se
equipamentos (AMORIM, 2013).
FATLE, 2014) ─, pode desembocar
expressa por uma
Não parece ser o caso, todavia, danaquela valorização subjetivista
queles grupos ligados ao agronegóda “rebelião do desejo” de que
nova polarização
cio e às agroindústrias. E é revelaantes falamos. E dizer isso signisocial e geográfica
dor a esse respeito que Lula tenha
fica diminuir o movimento poputido como ministros da Agricultular que ganhou as ruas do Brasil
na formação social
ra e do Desenvolvimento represenno ano passado? De maneira nebrasileira. Assim
tantes desta fração da burguesia
nhuma. Significa, para retomar a
autóctone que, nas negociações
leitura de Azzarà (2004) com que
é que se pode
do projeto Alca, se posicionavam
iniciamos este texto, apenas encompreender a
aberta e até intransigentemente
tendê-lo como uma das dimensões
ao lado da visão liberalizante dos
das contradições dialéticas inepenetração do
Estados Unidos (AMORIM, 2013).
rentes à formação social brasileiPT e das forças
De fato, recordando a crítica que
ra. Outra, não menos importante,
nos anos de 1905-1907 Lênin ené o próprio reformismo em curso,
de esquerda no
dereçou a Plekhanov, poderíamos
com seus triunfos e limitações. Resubproletariado das
dizer que se há algo do programa
formismo que, afinal, não é outra
burguês a completar na formação
coisa senão uma expressão, obviaregiões mais pobres
brasileira, isto já não pode ser feito
mente contraditória, das tendências
e periferias urbanas
sob a liderança da própria burguehistóricas desta mesma formação
sia (LÊNIN, 1982).
social, tanto em seu quadro próEntretanto, de modo algum os
prio, quanto diante das relações
constrangimentos desse presidencialismo de coaliinternacionais desiguais a que está submetida.
zão – a rigor expressão de uma hegemonia incompleta a que lograram alcançar o PT e seus aliados
* Marcos Aurélio da Silva é professor na Universidade
à esquerda (como o histórico PCdoB), e que limita
Federal de Santa Catarina, Brasil
muito da luta política às cenas palacianas – traduzem aquela despolitização do debate público brasi** Publicado originalmente em Gramsci Oggi – Rivista
leiro de que falam os críticos. Como o disse Singer
di politica e di cultura della sinistra di classe. Maio de 2014
(2012), numa interpretação que em tudo lembra o
conceito de subalterno de Gramsci (2002 b), desde pelo menos 2006 o que há é uma repolitização,
que se expressa por uma nova polarização social e
Notas
geográfica no interior da formação social brasileira. Assim é que se pode compreender a crescente
(1) Valor Econômico de 09-04-2014.
penetração do PT e das forças de esquerda nas ca(2) Idem, ibidem.
madas do subproletariado das regiões mais pobres
(3) Idem, ibidem.
(o Nordeste brasileiro) e das periferias urbanas.
(4) Valor Econômico de 16-09-2013.
(5) Valor Econômico de 02-05-2013 (Caderno Especial Rumos da
Camada que, ao lado do proletariado das velhas zoEconomia).
nas industriais, e de diminuta parcela ainda eleito(6) Refinaria localizada no Texas (EUA) pertencente à empresa
ralmente fiel do funcionalismo público, tem sido a
belga Astra Oil e da qual a Petrobras adquiriu 50% das ações
tábua de salvação do débil reformismo em curso.
no ano de 1999 por US$ 486 milhões. Os valores acabaram
Mas seria esse débil reformismo apenas a exmajorados em razão dos conflitos abertos em 2008 entre as
empresas sócias em torno da política de investimentos. Derpressão, muito brasileira, de um “conflito sem
rotada na disputa judicial, a estatal brasileira teve de adquirir
dialética”, segundo se referiu recentemente Vlaa participação da sócia na refinaria (US$ 296 milhões), mais
dimir Safatle (2014)? Eis um modo de interpretar
estoques (US$ 170 milhões) e mais fianças bancárias e ado processo histórico brasileiro que, às vezes ziguevogados (US$ 170 milhões). Ver Carta Capital, 23-04-2014.
zagueando entre argumentos que nada devem aos
(7) Valor Econômico de 25-06-2013 e 24-06-2014.
arautos do pós-modernismo e até à direita mais
81
131/2014
10% do PIB para a Educação
De sonhos em sonhos,
vamos fazendo história
Vic Barros *
Arquivo UNE
A aprovação do PNE é um passo muito
importante para a melhoria do sistema
educacional do país. Todavia, a luta continua,
pois há outros entraves políticos e de mercado
que comprometem os destinos das novas
e futuras gerações. O que está em jogo é o
futuro do país, que necessita de um sistema
de educação superior comprometido com o
desenvolvimento democrático e soberano
82
V
Brasil
inte e oito de maio de 2014. Essa é a
sino fundamental – o que corresponde a 11 milhões
data em que a Câmara dos Deputados
de crianças. Significa, também, melhorar as condiconcluiu a votação do PL 8.035/2010, que
ções dos profissionais de educação, com remuneraversa sobre o Plano Nacional de Educação,
ção, em cálculos atuais, na casa dos R$ 3.650. Tudo
o PNE. Após três anos
isso está dentro das estratégias do
e meio de tramitação no
PNE. Ele fixa um conjunto de 20
Congresso Nacional,o que
metas para transformar, de fato,
O PNE inaugura
parecia sonho tornou-se uma vitóa educação em um bem público e
ria das mais importantes para toda
direito inalienável da cidadania no
um novo ciclo
a sociedade brasileira, e já entrou
Brasil. Ao todo, são 253 estratégias
para a educação
nas efemérides da União Nacional
para o país alcançar, nos próximos
dos Estudantes (UNE) como uma
dez anos (2014-2024), as 20 metas
ao aproximar as
conquista histórica da luta do moestabelecidas pelo Plano.
futuras gerações do
vimento estudantil, igualando-se a
Dentre os objetivos do PNE,
datas fatídicas como oimpeachment
destacam-se a erradicação do analdesenvolvimento
de Collor, em 1992; a Marcha dos
fabetismo; o financiamento púdo Brasil que
100 mil, em 1968; ou a vitória do
blico; a universalização do acesso
“Petróleo é Nosso”, em 1953.
ao ensino básico;a qualificação do
queremos,
O PNE inaugura um novo ciensino médio e profissionalizante;
mais humano
clo para a educação ao aproximar
mais matrículas no ensino supeas futuras gerações do desenvolrior; mais vagas para crianças de
e socialmente
vimento do Brasil que queremos,
0 a 3 anos de idade;a valorização
preparado
mais humano e socialmente predos trabalhadores em educação;a
parado, que tenha na educação, na
equiparação salarial dos educadoinovação, na ciência e na tecnolores com profissionais de formação
gia as bases de seu crescimento. Para a UNE e o conequivalente;a gestão democrática pública e a criação
junto dos movimentos educacionais, sua aprovação
do CustoAlunoQualidade (CAQi), parâmetro imporconsolida a concepção de que o motor do nosso futante para todas as políticas educacionais.
turo é, e sempre será, o conhecimento.
Foram mais de três anos de tramitação no ConEm linhas gerais, a partir de agora, o Brasil tem
gresso Nacional, mais de 60 audiências públicas reauma política educacional de Estado para enfrentar
lizadas em todas as regiões do Brasil e na Câmara
problemas crônicos. Isso significa garantir educação
dos Deputados envolvendo mais de 100 entidades
integral para pelo menos um terço dos alunos do enligadas à educação e aos movimentos sociais. Desde
Arquivo UNE
Aprovado o Plano
Nacional de Educação
(PNE) em 28/05/2014
no Congresso Nacional
83
131/2014
o começo, quando o PNE foi concebido pelo governo
federal a partir da Conferência Nacional de Educação
(Conae), em 2010, a União Nacional dos Estudantes
(UNE) levantou o lastro como uma luta indiscutível
para todo o conjunto da sociedade.
Não há pauta maior ou mais importante para a
UNE do que a defesa da educação pública gratuita e
de qualidade para todos. E esse compromisso de luta
do movimento estudantil, forjado nas ruas desde o
começo do último século, nunca esteve tão vivo. Não
é à toa que a aprovação dos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) investidos na área educacional foi a
principal bandeira da entidade ao longo dos últimos
anos.
Temos uma tradição educacional muito mais frágil do que Argentina, Cuba e Uruguai, por exemplo.
Estamos atrasados e sabemos que o PNE vai fazer
com que o Brasil recupere muito essa distância. O
país saiu de 3,5% do PIB de investimentos em educação, em 2002, para 5,6% até o momento. Com a
garantia de 10% do PIB para o setor, é possível ultrapassar o valor da média mundial, de 7%, até o
quinto ano de vigência do Plano. Essa meta de financiamento, inclusive, foi fruto de muito cálculo. Ela
existe para o cumprimento certeiro das ou­tras 19.
O caminho, todos sabem, é longo. Mais de 3,8
milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos de
idade estavam fora da escola no Brasil em 2010, segundo o Censo Demográfico. Em todas as faixas etárias, os fatores que interferem no acesso à escola se
repetem. Os mais excluídos são as crianças e os adolescentes negros, que vivem na zona rural, pobres ou
84
Arquivo UNE
Não há pauta maior ou
mais importante para a
UNE do que a defesa
da educação pública
gratuita e de qualidade
para todos. E esse
compromisso de luta do
movimento estudantil,
forjado nas ruas desde o
começo do último século,
nunca esteve tão vivo
oriundos de famílias em que os pais ou responsáveis
têm pouca ou nenhuma escolaridade.
A nossa missão é desenvolver o Brasil com a cara da sua juventude, transformando para sempre a
vida de cada estudante, de cada universitário, rico
ou pobre, branco, negro ou índio, da cidade ou do
campo, em cada pedaço do país. Nessa perspectiva,
é possível ressaltar que a educação não é importante somente para a vida desses jovens, que é transformada a partir dos conhecimentos e experimentações de dentro da escola. Trata-se de uma área
estratégica para definir os rumos de todo o país nas
próximas décadas. O crescimento econômico e a
ampliação do consumo e das ofertas de trabalho e
emprego nos mais diversos segmentos produtivos
colocam a necessidade de criação de mão de obra
especializada, formada em todos os campos do conhecimento. Temos que mudar o Brasil a partir das
salas de aula, valorizando seus professores, empoderando os seus jovens, dando aos estudantes desta terra o fio condutor de suas vidas, e também de
toda a nação.
A batalha por uma educação de qualidade, transitando entre um projeto voltado para o desenvolvimento do capital e outro voltado para o trabalho e para a democracia, não se esgotará com a aprovação do
PNE. Temos que enraizar essas políticas por meio dos
planos estaduais e municipais de educação e fortalecer o papel do Fórum Nacional de Educação (FNE)
e da Conferência Nacional de Educação no acompanhamento e formulação das políticas educacionais.
De sonhos em sonhos, vamos fazendo história.
Brasil
Balanço do PNE
tística (IBGE) apontou que o número de matrículas
era superior a 7 milhões. As instituições privadas
concentram a maior parte desse total: 5,1 milhões.
O Plano Nacional de Educação, desde a sua disVale ressaltar também que formamos 12 mil
cussão iniciada em 2010 pelas diversasorganizações
doutores por ano, na medida em que China, Esda sociedade brasileira vinculadas ao processo edutados Unidos e Índia formam 180 mil. A base
cacional, está montado sobre dois eixos principais:
científica de uma nação está na sua formação de
incluir as crianças e os jovens que estão fora do sisdoutores para desenvolver ciência, inovação e tectema educacional brasileiro e fazer com que o Sisnologia. Será com o cumprimentema Nacional de Educação tenha
to da meta 14 que ampliaremos
qualidade, isto é, atinja suas mePassada essa análise esse número ainda irrisório, de
tas para que todo jovem de todo o
modo a atingir a titulação anual
Brasil tenha a capacidade de ler, de
por quase todos
de 60 mil mestres e 25 mil douaprender, de raciocinar, de pensar a
os meandros do
tores.
respeito da vida e da sociedade.
Passada essa análise por quaO plano será importante para
ensino, nenhuma
se todos os meandros do ensino,
erradicar o analfabetismo absoluvitória foi mais
nenhuma vitória foi mais imto, hoje 14%, oferecer educação em
portante que o investimento em
tempo integral em 50% das escolas
importante que o
educação de 10% da “movimenpúblicas de educação básica, igualar
investimento em
tação econômica” do país. Para
a escolaridade média entre negros
atingir o valor, existem metas
e não negros, elevar a escolaridaeducação de 10%
estratégicas que incluem uma
de média da população de 18 a 29
da “movimentação
melhor remuneração dos profesanos, triplicar as matrículas da edusores, o custo qualidade/aluno e
cação profissional técnica de nível
econômica” do país
investimento do fundo social no
médio, entre outras medidas.
setor. Ano passado, conquistaNós temos ainda milhares de
mos a vitória de 75% dos royalties do petróleo para
crianças e jovens fora da escola. Só na creche perto
a educação, um montante de R$ 112,25 bilhões,
de 11 milhões de crianças não estão atendidas do
a ser injetado em dez anos, e 50% do fundo soponto de vista educacional. Outro grande desafio do
cial do Pré-sal até que sejam atingidas as metas
PNE diz respeito ao ensino médio. Aí, talvez, resida
do PNE. Hoje, 1% do PIB do Brasil equivale a 48
um dos grandes e graves problemas da educação em
bilhões de reais. Esse investimento vai representar
nosso país. Temos nove milhões de estudantes, jouma transição de superação dos problemas educavens entre 14 e 17 anos de idade, que o sistema de
cionais históricos, criando as bases de um projeto
ensino médio só consegue preparar para ter uma foreducacional verdadeiramente emancipador e de
mação de caráter geral. O PNE tenta enfrentar esse
acesso a todos.
grande desafio com a possibilidade de que pelo meTodas essas metas servem para terminar 2024
nos 30% desses estudantes do ensino médio estejam
com a certeza de que na educação brasileira todas
em uma escola profissionalizante pública.
as crianças e todos os jovens estarão estudando em
Em relação à educação superior – a menina dos
uma escola com biblioteca, com merenda escolar,
olhos da UNE – as metas 12, 13 e 14 tratam, respecticom os professores entusiasmados para dar uma boa
vamente, da elevação da taxa de matrícula, da qualiaula e fazer com que as nossas crianças e a juventuficação do corpo docente e da elevação do número de
de brasileira despertem para a construção do conhematrículas na pós-graduação strictosensu (mestrado
cimento de si, da sociedade e do nosso país.
e doutorado). A meta 12, em especial, determina a
A partir de agora, UNE assume como um dos
elevação da taxa bruta de matrícula na educação suseus principais desafios o controle social relativo à
perior para 50% e a taxa líquida para 33% da populaimplementação do PNE para a consagração do direição de 18 a 24 anos, assegurando a oferta e expansão
to à educação pública de qualidade.
para pelo menos 40% das novas matrículas na rede
pública, algo em torno de três milhões de novas vaA luta continua
gas. Essa meta vai assegurar que se tenha um piso de
vagas do ensino superior na rede pública. Até 2011,
A trajetória do PNE é turbulenta e marcada peaproximadamente 18% dos jovens de 18 a 24 anos
la disputa com os setores privatistas e mercantis da
tinham acesso a cursos de nível superior. Em 2012,
educação. A pressão do movimento social de educao censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
85
131/2014
Arquivo UNE
Estudantes acampam em
luta pelos 10% do PIB para
a educação - Esplanada dos
Ministérios, Brasília/DF
ção fez com que, a partir da LDB/1996, a aprovação
de um PNE ganhasse força e, em 1997, fosse apresentado o “PNE da sociedade”. Esse plano tramitou
até a sua aprovação em 2001, quando foi emendado
com as propostas do governo FHC. Algumas questões
importantes foram vetadas pelo presidente, como o
aumento do PIBdirecionado para a educação, em 3%,
e a responsabilidade pela educação, mesmo a pública, foi colocada como uma tarefa de todos, descentralizando a responsabilidade do Estado quanto a isso.
Durante os governos Lula, o movimento social
de educação se reorganizou através dos processos de
conferências nacionais. Primeiro a Conferência Nacional da Educação Básica (Coneb) e depois a Conae.
Esse processo foi fundamental para a rearticulação
do programa do movimento educacional brasileiro,
de modo a incidir na disputa de rumos da educação
durante esse período.
O resultado programático mais importante da
Conaefoi o de organizar o movimento educacional
em torno da criação do Sistema Nacional de Educação. O novo PNE deveria criar as bases para a construção desse sistema. Do ponto de vista de articulação política, o saldo foi a criação do Fórum Nacional
de Educação (FNE), do qual a UNE faz parte, responsável por encaminhar as deliberações da Conae e
acompanhar a construção do novo plano.
Em 2009, a UNE convocou seu 12º Conselho Nacional de Entidades de Base (CONEB) para discutir
o novo PNE e as diretrizes a serem apoiadas. Reunindo milhares de Diretórios e Centros Acadêmicos
em Salvador, na Bahia, os estudantes aprovaram o
financiamento de 10%” do PIB para a educação como
a principal luta da entidade para o plano.
86
Em 2010, passeatas em todo o Brasil começaram
a crescer em número e volume. Os 10% se transformaram em uma marca, em um número quase sagrados dos movimentos de juventude que precisavam
levar esse debate para frente. A UNE criou a campanha “Educação tem que ser 10″ e levou o tema para
os seus congressos e fóruns de discussão.
O PL foi finalmente enviado pelo governo Lula
ao Congresso Nacional no final de 2010 e foi bem
mais conciso do que o PNE anterior – o que facilitou
o acompanhamento das suas metas pela sociedade
civil. No nosso entendimento, o texto do PNE conseguiu o desafio de continuar a ampliação da educação com metas de universalização e qualidade,
alterar estruturalmente o patamar de financiamento
e dar condições para a criação do Sistema Nacional
de Educação, formulado pela Conae, reforçando a
sintonia do desenvolvimento da educação com um
projeto democrático e popular para o país.
A UNE organizou emendas relativas principalmente ao financiamento, à expansão do ensino superior público e presencial, à assistência estudantil,
à gestão democrática e regulamentação do setor privado e às políticas afirmativas.
Em 2011, os estudantes realizaram o “Agosto Verde e Amarelo”, reunindo 15 mil jovens na “Marcha
dos Estudantes” em Brasília. Todas essas manifestações tiveram como mote principal a bandeira dos
10% do PIB para a educação pública.
No fim de 2011, a UNE tomou um trecho no Planalto Central para acompanhar de perto a votação
do PNE e garantir avanços. Foram mais de 250 estudantes de 24 estados do Brasil que acamparam na
Esplanada dos Ministérios e fizeram história com o
Brasil
Arquivo UNE
movimento “Ocupe Brasília”. Atrario brasileiro se centraram de forma
vés da pressão estudantil, a destibastante acertada em bandeiras de
nação de 50% do Fundo Social do
luta relacionadas, em linhas gerais,
Pré-sal foi aprovada na Comissão de
a quatro desafios: financiamento da
Educação do Senado, à luz da época.
educação; democratização do acesA
mpanha #somostoso; permanência do estudante na
dos10% também ganhou intensas
universidade através das políticas
mobilizações em 2012, com passeade assistência estudantil; e regulatas, uma caravana nacional, corpo a
mentação do ensino privado. Todos
corpo com parlamentares e tuitaços.
esses temas são fundamentais para
Uma grande vitória foi a aprovação
a transformação da instituição que
dos 10% na Câmara dos Deputatemos hoje. Com a aprovação do
dos no dia 26 de junho. A votação,
PNE, e para além desses desafios,
acompanhada de perto pela pressão
nós, estudantes, não nos esquivaredo movimento estudantil que ocumos da luta pela superação de oupou dois plenários da Câmara, foi
tros entraves políticos e acadêmiprecedida por uma grande passeata
cos que reproduzem na academia
na Esplanada dos Ministérios.
conteúdos de interesse prioritário
A UNE assumiu
Em 22 agosto de 2012, em reude uma pequena elite.
um papel muito
nião com representantes da UNE,
Conceber a educação a partir
a presidenta Dilma Rousseff afirde
uma
estrita lógica de mercado,
importante. A nossa
mou que os 10% do PIB para a
como acontece hoje, compromepressão institucional te os destinos das novas e futuras
educação seriam possíveis a partir
de recursos do Pré-sal e do petróleo
gerações. O que está em jogo é o
combinada com a
brasileiro. Foi a primeira vez que a
futuro do país, que necessita de
ocupação das ruas
presidenta se pronunciou sobre esum sistema de educação superior
se assunto, apoiando uma bandeicomprometido com o desenvolvifoi decisiva para
ra de mais de três anos levantada
mento democrático e soberano. Os
produzir avanços ao
pelos estudantes, desde que a canúmeros não mentem: em 10 anos,
mada do Pré-sal foi descoberta no
o número de matrículas saltou de 3
projeto do governo
Brasil.
milhões para quase 7 milhões, senNo dia 30 do mesmo mês, a
do cerca de 75% nas instituições
UNE comemorou o compromisso
privadas.
público e oficial do Palácio do Planalto com a luta
A UNE condena a visão mercadológica e luta por
dos estudantes em defesa da destinação de 100% dos
mais rigor do Estado na aprovação dasfusões e aquiroyalties do petróleo para a educação. A declaração
sições de faculdades e nos critérios que garantam a
veio novamente da presidenta Dilma durante reuqualidade de ensino nessas instituições. Estaremos
nião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econa rua pela criação do Instituto Nacional de Supernômico e Social. A UNE lançou então a bem-humovisão e Avaliação do Ensino Superior (INSAES), que
rada campanha #fazogoldilma. A luta ganhou corpo
prevê a criação de um órgão com 500 especialistas
e alcançou sua vitória no dia 26 de junho de 2013,
responsáveis pela fiscalização das instituições supecom a aprovação de 75% dos royalties do petróleo e
riores de ensino. Estaremos com cartazes e bandeiras
50% do fundo social do Pré-sal para a educação.
por uma assistência estudantil que garanta creches,
Todo esse processo de mobilização foi feito com
moradias, restaurantes universitários e mais bibliobastante unidade entre as entidades e o movimento
tecas. Continuaremos com nossos gritos de guerra
educacional. A UNE assumiu um papel muito imem nome da educação e por uma reforma universiportante. A nossa pressão institucional combinada
tária de excelência.
com a ocupação das ruas, em diversas manifestações
ao lado de outras entidades (UBES, ANPG, CNTE,
Quem vem junto? A luta continua!
CONTEE e outras) foi decisiva para produzir avanços
ao projeto do governo.
* Vic Barros é estudante de Letras da Universidade de São
Conquistada a vitória, continuaremos na rua. É
Paulo (USP) e atual presidenta da União Nacional dos
possível enxergar que nos últimos anos as grandes
Estudantes
mobilizações do movimento estudantil universitá-
87
131/2014
9º Congresso Nacional da UBM
“Mais democracia, mais poder para
as mulheres e o Brasil avançarem!”
Ana Paula Bueno*
Muitas ainda são as bandeiras de luta pela efetiva
emancipação feminina, todavia, segue-se avançando
num caminho por desenvolvimento socialmente mais
justo em nosso país. O 9º Congresso Nacional da
UBM foi vitorioso na profundidade de seus debates em
prol da efetiva participação política da mulher e de
um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento
C
om o tema “Mais democracia, mais poder para as mulheres e o Brasil avançarem” – a União Brasileira de Mulheres
(UBM) realizou seu 9º Congresso Nacional e elegeu sua nova diretoria para o
triênio 2014-2017, tendo à frente a professora goiana
Lúcia Rincon, – o Congresso ocorreu entre os dias 04
e 06 de junho nas cidades de Brasília/ DF e Luziânia/
GO. Dentre os vários temas debatidos sobre a questão da mulher foi destacado o fato de 2014 ser um
ano histórico, por marcar o cinquentenário do golpe
militar e por ser ano de eleições gerais. Na oportunidade, a UBM afirmou a luta da mulher na política e
maior participação nos espaços de poder, e declarou
seu apoio à reeleição da presidenta Dilma Rousseff.
O 9º Congresso recebeu mais de 300 delegadas
de 22 estados que aprovaram mais de 128 propostas em suas resoluções. Nele, foi feita uma avaliação
da trajetória e de conquistas de um quarto de século
para as feministas no Brasil, apontando rumos para
a continuidade das mudanças progressistas do país.
Foram diversos os temas debatidos nessa epopeia
da luta emancipadora feminina, como o enfrentamento à violência contra as mulheres, a luta pelos
direitos sexuais e direitos reprodutivos, o combate
ao racismo e o controle social de políticas públicas
entre outros pontos. Também foram debatidas ques-
88
tões de ordem para o país, que são as reformas estruturais – como a Reforma Política e a democratização da mídia. Está claro que as reivindicações das
mulheres, sejam elas do campo, da floresta ou da cidade, perpassam o confronto não só ao patriarcado,
mas também fortemente ao capitalismo.
Para seguir no rumo dos avanços conquistados pelos governos democráticos e da afirmação da mulher
na política, o 9º Congresso destacou o importante papel da 1ª Presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, e se
comprometeu com a luta, que se desdobra, por sua
reeleição, e ainda com a necessidade de se recompor
uma nova maioria de esquerda, e de se combater também o atraso dos projetos neoliberais nessas eleições.
Foram aprovados no Congresso um plano de lutas e desafios da entidade para o próximo período
e o documento político Carta às brasileiras (acessível
em http://www.ubmulheres.org.br/ ou pelo link direto: http://zip.net/bynVQz), no qual se objetiva inicialmente “à construção de um país desenvolvido,
soberano, socialmente equilibrado e ambientalmente sustentável”. E prossegue: “É preciso avançar na
afirmação de políticas públicas com um projeto de
desenvolvimento para a nação, socialmente includente, que valorize a diversidade cultural e social”.
Fundamental para a luta feminista é debater e
afirmar posições sobre os diversos aspectos da socie-
Brasil
Mesa de abertura do 9º Congresso Nacional da UBM, 04 a 06
de junho, Brasília/DF
dade – formação social e econômica e na esfera da
política nacional –, afinal essa luta é transversal e
perpassa todas as batalhas e reivindicações levantadas pelo povo para libertar-se das opressões materiais, simbólicas e físicas constituídas historicamente – conforme o documento-base do 9º Congresso.
Outra questão de consenso nos debates ocorridos
pelas ubemistas é de que não há dúvidas de que para
se alcançar um novo patamar de desenvolvimento
da nação são necessárias fortes mudanças na política
econômica, para que haja uma distribuição da renda
de modo mais efetivo, bem como se erradique a pobreza ainda existente no país. Assim, o documento
observa que “é necessária distribuição de renda, aumentos reais e contínuos do salário mínimo, fortalecimento do capital produtivo, e outras medidas que
impactem positivamente na vida das mulheres”.
As dificuldades enfrentadas nas grandes cidades, como problemas como a mobilidade urbana,
estão sendo debatidas por toda a sociedade visando
a uma Reforma Urbana que amenize os problemas
incipientes e contemple políticas públicas inclusivas,
especialmente para as mulheres.
A recente vitória com a aprovação do Plano Nacional de Educação nos dá a dimensão dos desafios
a serem enfrentados por toda a sociedade brasileira, como também das dificuldades enfrentadas pelas mulheres que têm de trabalhar e cuidar de seus
filhos, mas não encontra um apoio mais efetivo do
Estado – há uma grande escassez de creches e vagas nas escolas –, que não garante suporte suficiente
para a educação e tutela dessas crianças desde a primeira infância.
Para se fazer o tão necessário enfrentamento de
todas as formas de violência contra as mulheres, seja
na esfera da autonomia econômica, seja com relação
a seu corpo e individualidade, é preciso reafirmar as
políticas públicas de Estado capazes de promover a
igualdade salarial e a defesa da mulher.
Devido ao alto volume financeiro gerado e aos
inúmeros turistas (brasileiros e estrangeiros) atraí-
dos para um grande evento como a Copa do Mundo,
que está em transcurso no país, entende-se como
uma importante oportunidade esse momento para
se analisar não só o lazer e a imagem feminina, mas
também a questão da exploração sexual, de tráfico
e escravização de mulheres que ocorre fortemente
no decorrer de eventos como esse. No 9º Congresso constatou-se ainda a luta pela promoção de outra
imagem da mulher, que a valorize e a respeite por
suas capacidades e não a torne objeto, principalmente nos meios de comunicação de massa.
Outros aspectos – destacado no Congresso – a serem combatidos por toda a sociedade, mas afirmados especialmente pelas feministas, são o racismo,
a homofobia e a intolerância religiosa. Tais questões
têm se acirrado nos dias atuais mediante o crescimento de forças direitistas – impulsionadas de certa
maneira pela atual crise que assola o mundo desde
o início deste século – e suas afirmações e defesas
discriminatórias e excludentes.
Um dos compromissos feitos pelas ubemistas em
seu Congresso foi o de cobrar um efetivo cumprimento da Lei Maria da Penha na devida assistência
às mulheres em situação de violência, como a criação de juizados especiais, mais casas de abrigo, casas de passagem e delegacias de defesa da mulher.
Identificou-se também a necessidade de ampliação
do número de profissionais capacitados no auxílio
a essas mulheres e seus filhos, principalmente menores. A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, Lei
Maria da Penha, foi criada visando a coibir a “violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar
a Violência contra a Mulher”.
Não poderia deixar de se discutir também, no
Congresso, um problema latente ainda nos dias atuais
que é a descriminalização e legalização do aborto, levantando-se o direito de a mulher tanto decidir sobre seu corpo quanto pela questão de saúde pública.
Incrivelmente para a maioria da população brasileira
ainda é baixo o acesso à informação sobre os direitos
ao aborto legal – em casos de risco de perda da vida da
gestante, anencefalia do feto –, com assistência assegurada no Sistema Único de Saúde (SUS).
Muitas ainda são as bandeiras de luta pela efetiva
emancipação feminina, todavia, segue-se avançando
num caminho por desenvolvimento socialmente mais
justo em nosso país. O 9º Congresso Nacional da UBM
foi vitorioso na profundidade de seus debates em prol
de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, e
em especial no que se refere à causa feminista.
89
131/2014
Reunião da FDIM em Moscou
A luta pela total emancipação da mulher e a superação do patriarcado é uma luta global, mas em
alguns países, infelizmente, ainda há muito o que
se conquistar, como direitos básicos para as mulheres poderem decidir seu
destino, por exemplo.
Para fortalecer a luta feminista em escala
global é que se criou,
no século passado, a
Federação
Democrática Internacional de
Mulheres
(FDIM),
que mantém reuniões
anuais e congressos de
quatro em quatro anos.
Liège Rocha, que é
membro da Executiva Nacional da UBM
Liège Rocha
e integra o Comitê de
Direção da FDIM, participou da reunião da FDIM ocorrida em abril deste
ano em Moscou, e que contou com a participação de
representantes dos cinco continentes.
Em declarações à reportagem de Princípios Liège
Rocha afirmou que as reuniões do Comitê da FDIM
têm um significado importante para o movimento
feminista internacional porque são um momento
em que se trocam informações sobre a realidade das
mulheres em diversos países, destacou ela.
Nesse último encontro na capital russa foram
aprovadas duas resoluções: uma sobre a Declaração Final – que trata da solidariedade internacional,
marca dessa entidade que em 2015 completará 70
anos – e outra sobre as comemorações dessa data tão
importante.
Este encontro “tem o caráter de revigorar a luta
das mulheres do ponto de vista internacional, a fim
de nos colocarmos a par da situação de cada país,
região, como para apontar caminhos de luta pela paz
e no enfrentamento da violência que as mulheres sofrem em todo o mundo”, afirmou Liège.
Sobre a crise que ainda está se vivendo no mundo, Liège explica que tal situação gera um acirramento e as mulheres, por serem a parte mais vulnerável, acabam sofrendo as consequências. Inclusive,
aponta pesquisas segundo as quais uma mulher em
situação de desemprego demora mais para voltar ao
mercado de trabalho, devido às questões domésticas, pois precisam conciliar as responsabilidades domésticas e os cuidados com os filhos com a procura
de um novo emprego. Também devido à crise outro
90
aspecto, de grande preocupação para as mulheres,
é a questão do tráfico de pessoas, pois são “elas as
maiores vítimas”, afirmou.
Para Liège, essas reuniões são muito importantes para se discutir quais medidas de enfrentamento
a situações como essas de violência e tráfico devem
ser tomadas: com campanhas internacionais de luta
pela paz, com manifestações etc. O fato é que “está clara a necessidade de se estimular que cada vez
mais as mulheres denunciem, se organizem e reivindiquem”.
Liège destacou também a necessidade de avançarmos na integração da América Latina, que estamos construindo com governos do campo democrático, como também com a luta de movimentos
sociais e organizações de mulheres. Está claro, observa ela, que essa integração e os avanços não bastam por si só em nível de governos, “ela tem que se
dar também na organização das mulheres, no fortalecimento da luta para avançar na democracia, no
enfrentamento ao imperialismo”, afirmou. Há ainda
a preocupação de como a mulher potencializar o seu
protagonismo nesse processo e conquista mais espaços de poder.
Outro ponto debatido foi a vulnerabilidade das
mulheres em áreas de conflito, em guerra. Elas sofrem violências, são mortas por ataques armados, e
sofrem violências de gênero como estupros e tráfico.
Liège lembra o caso recente da Nigéria em que jovens foram feitas prisioneiras e barbaramente violentadas. E, assim, reitera que, por isso, é “a questão
da paz é tão importante para as mulheres, assim como a solidariedade internacional”.
O último Congresso da FDIM ocorreu em 2012
em Brasília e o próximo deverá acontecer em 2016,
mas ainda sem previsão de local e data específica.
E, assim, a Liège Rocha, conclui e relata um pouco da experiência em Moscou:
“Um encontro como esse é como recarregar as
baterias, delinear os caminhos da luta, fundamental para se avançar na questão da mulher. Fora a
emoção de irmos a Moscou e participarmos do ato
do 1º de maio deles, onde presenciamos a entrega
de carteiras de jovens filiados ao Partido Comunista
da Federação Russa em plena praça pública. Também nos emocionamos muito ao visitar o mausoléu
de Lênin e depositarmos flores ao soldado desconhecido e, ainda, a Clara Zetkin (grande feminista,
professora, jornalista marxista, que quando deputada criou em 1910 o dia internacional da mulher)
e outros que estão na Necrópole da Muralha do
Kremlin”.
* Ana Paula Bueno é da redação de Princípios
O QUE SIGNIFICA
CUIDAR DE UMA CIDADE
O maior patrimônio de nossa cidade é a nossa gente. E para manter esse patrimônio é preciso cuidar. Aqui é
bom de se viver. Nossa cidade possui os maiores indicadores de desenvolvimento em comparação com os mais
de cinco mil municípios do Brasil. Mas, neste momento, queremos esquecer um pouco os números e indicadores
econômicos. Pois queremos voltar nosso olhar para o aspecto mais importante de uma cidade que são as
pessoas que vivem aqui. Os melhores índices serão motivo de orgulho apenas quando todos os cidadãos de
Jundiaí tiverem suas necessidades atendidas, tiverem qualidade de vida e oportunidades justas. Foi pensando
assim que a prefeitura de Jundiaí, em pouco mais de um ano e meio, priorizou as pessoas e fez muito mais.
A valorização da nossa gente também está representada numa atitude simbólica da prefeitura, porém com
importante significado cultural, que foi a adoção do brasão oficial de Jundiaí como logomarca. O brasão
representa as riquezas da cidade e a formação do nosso povo. Este é o nosso compromisso: colocar o nosso
povo em primeiro lugar. Para nós, cuidar da saúde de Jundiaí é cuidar das pessoas. Cuidar da educação
de Jundiaí é cuidar das pessoas. Cuidar do trânsito, do transporte, do emprego, da iluminação e da manutenção
da cidade é cuidar das pessoas. Para nós, cuidar da cidade é cuidar de você.
www.jundiai.sp.gov.br
91
131/2014
A Coluna de Maria Prestes pelo
Rio Grande do Sul
Cezar Xavier*
Viúva e filhos de Luiz Carlos Prestes voltam aos primórdios da
Coluna para celebrar os 90 anos da marcha revolucionária que
deixou marcas entre os gaúchos da região noroeste do estado
D
esde a convivência com o pai comunista, na década 1940, lutando contra o
nazismo na Segunda Guerra Mundial,
a menina Altamira Rodrigues Sobral,
acostumou-se a encarar uma tarefa
revolucionária com muita disciplina.
Atualmente, passados os 80 anos, quando poderia
usufruir de maior flexibilidade nas agendas, a viú-
92
Cezar Xavier - Osvaldo Bertolino
Maria, Mariana e Luiz
Carlos visitam as raízes
gaúchas da familia
Prestes (em São Miguel
das Missões)
va comunista de Luiz Carlos Prestes, agora conhecida como Maria do Carmo Ribeiro Prestes, se dedica
à tarefa de defender o legado do chefe militar da
Coluna Invicta com o vigor disciplinar que poucos
conseguem acompanhar.
Tem sido assim, durante o périplo comemorativo dos 90 anos da Coluna Prestes, que atravessou
sete cidades do noroeste gaúcho, de onde partiu,
Brasil
Cezar Xavier - Osvaldo Bertolino
Maria Prestes recebe
certificado honorífico do
senador Inácio Arruda
em outubro de 1924, a maior marcha revolucionária da humanidade. Quando outros membros da
caravana sugerem o cancelamento
de algum item da agenda, sob a
justificativa de que “dona Maria”
se cansaria muito, – matreiramente advogando em causa própria –,
ela se apressa em dizer que não
está nada cansada, decepcionando
os “advogados” exaustos. Mesmo
quando os filhos se propunham a
revezar nas agendas, a mãe evitava perder aqueles momentos que
considerava tão especiais.
Desta forma, desde Brasília,
passando por Porto Alegre, Passo Fundo, Santo Ângelo, São Luiz
Gonzaga, São Miguel das Missões,
Ijuí, Santa Maria e voltando a Porto Alegre, tudo em cerca de dez
dias, Maria Prestes encontrou forças no ânimo dos filhos Luis Carlos
e Mariana, que a acompanharam.
Das primeiras horas do dia, par-
Uma jornada com
tamanha dimensão,
celebrando um
evento longínquo,
espetacular e
polêmico, como foi
a Coluna, também
foi marcada por
contratempos.
Incidentes
contraditórios que
estão relacionados
com os tempos
do atraso em que
vivia o Brasil da
República Velha
tindo de um café da manhã apressado, até perto da meia noite,
quando terminavam as enormes
filas de jovens estudantes querendo autógrafo no livro Meu Companheiro, 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes, ela mantinha o sorriso
plácido diante dos comentários de
desconhecidos, embora já tivesse
dificuldades para se concentrar
nas dedicatórias que demoravam
a se escrever.
Em Santa Maria, o estoque
de livros tinha se esgotado, o que
exigiu um sorteio dos exemplares restantes, disputa que deu um
toque divertido ao fim de noite.
Todos torcendo para sair seu número da ushanka que Maria traz
dos invernos rigorosos da extinta
União Soviética para o frio outonal gaúcho. Aliás, ao encerrar um
dia desses, só lhe restava cear uma
sopinha, antes de dormir para a
maratona do dia seguinte, que ge-
93
131/2014
ralmente incluía algumas horas dentro de um auUma dualidade anacrônica que ainda deixa
tomóvel lotado de malas, até a próxima cidade que
marcas nas cidades por onde Maria passa com o soconheceu a Coluna Prestes.
brenome Prestes. No entanto, é a jornada comunisNesta rotina extenuante seguiram, se dedicando
ta heroica de Prestes, posterior à Coluna, que deixa
a plenárias, palestras, solenidades, homenagens,
mais resquícios de resistência conservadora e reaentrevistas coletivas e exclusivas, visitas a mocionária em homenagens localizadas.
numentos e museus, encontros com governador,
Na passagem por Passo Fundo, por exemplo,
prefeitos, parlamentares, militares, pesquisadores,
um professor universitário fez um apanhado das
artistas, militantes políticos e até mesmo curioacusações polemistas que marcam o discurso disos atraídos pelas reportagens que
reitista contra a trajetória de
passavam na televisão. Algumas
Prestes. Diante de seus alunos, o
A jornada
dessas pessoas traziam fotografias
professor ouviu a defesa contunantigas e deterioradas, guardadas
dente feita pelo próprio filho de
comunista heroica
com orgulho, mostrando um famiPrestes, sobre a trajetória de decide Prestes,
liar ao lado de Prestes. sões difíceis tomadas pelo pai em
Em todas as agendas, a família
momentos de violenta perseguiposterior à Coluna,
esteve acompanhada dos jornalisção política, pontuando cada uma
é a que deixa
tas da Fundação Maurício Grabois,
das acusações. “É fácil analisar
Osvaldo Bertolino e Cezar Xavier,
academicamente eventuais famais resquícios
responsáveis pelo registro da jorlhas de meu pai, sem considerar
de resistência
nada em texto, áudio, foto e vídeo.
o contexto histórico da época e
O deputado estadual Raul Carrion
as variáveis que estavam colocaconservadora e
(PCdoB-RS), presidente da Gradas diante dele naquele momenreacionária em
bois/RS, se esmerou na confecção
to histórico”, criticou Luiz Carlos
meticulosa da agenda, mantendo
Prestes Filho.
homenagens
parte de sua assessoria disponível
localizadas
para o bom andamento da diverA Coluna atravessa Brasília
sificada programação, apoiada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de
Desde a solenidade no ConCaxias do Sul. Por onde passava, Carrion entregava
gresso Nacional, quando foram entregues certificaum mapa da Coluna a entidades e instituições que
dos honoríficos a parentes de combatentes da Colupudessem fazer bom uso didático do material. O
na, sagrando a marcha militar como um momento
inquestionável do heroísmo popular brasileiro, as
mapa distribuído pela Fundação Maurício Grabois
homenagens e discursos que demarcaram o caráter
foi feito por Bernardo Joffily e encontra-se em verfundamental daquele evento ocorrido há 90 anos
são interativa na internet: is.gd/THcGj6 na formação da nação brasileira, foram atropelaUma jornada com tamanha dimensão, celebrandas pela conjuntura conservadora. Deputados de
do um evento longínquo, espetacular e polêmico,
oposição ao Governo Dilma interromperam a sescomo foi a Coluna, também foi marcada por consão de forma brusca para dar início a uma sessão
tratempos. Incidentes contraditórios que estão reordinária para discutir a CPI (Comissão Parlamenlacionados com os tempos do atraso em que vivia o
tar de Inquérito) da Petrobras, que visa a desgastar
Brasil da República Velha, em que milhares de solo governo, da mesma forma que desrespeita uma
dados marcharam atravessando cidades e propriesolenidade em homenagem a homens e mulheres
dades rurais para conscientizar a população contra
da mesma estirpe ideológica da presidenta da Reo governo de Artur Bernardes e a necessidade de
pública.
mudança no sistema político.
Isso não impediu que a solenidade fosse marOs combates contra tropas do governo relegacada pela emoção e brilho desejados pelo senador
ram a Coluna a um lugar secundário na historioInácio Arruda e a deputada Luciana Santos, ambos
grafia oficial, assim como tantos outros movimenrequerentes do plenário mais importante de Brasítos rebeldes que passam por revisão histórica nas
lia. Os Prestes estavam lá, assim como o diretor do
últimas décadas. A chegada da Coluna em pequeDepartamento de Patrimônio Material e Fiscalizanas localidades já avisadas pela propaganda oficial
ção do IPHAN, Andrey Rosenthal Schlee, a profesdas supostas barbaridades que eram cometidas pesora e historiadora, Marly Vianna e o vice-líder do
los soldados, causava um misto de pânico e solidaPCdoB na Câmara, deputado João Ananias.
riedade com os revolucionários.
94
Brasil
Fotos: Cezar Xavier - Osvaldo Bertolino
Cavalarianos de Santo Angelo
emocionam família Prestes
Memorial deve ser inaugurado no início de
2015 com exposição sobre 90 anos da Coluna
Prefeito de Porto Alegre recebe Prestes com
comitiva responsável pelas obras
Além de Prestes, foram agraciados com os certificados Miguel Costa, comandante geral da Coluna, representado por seu neto Yuri Abyaza Costa, entregue pela deputada Luciana Santos e pelo
deputado Chico Lopes (PCdoB-CE). O líder João
Cabañas foi representado por sua neta Letícia Cabañas, cujo certificado foi entregue pela presidenta
da União Nacional dos Estudantes – UNE, Virgínia
Barros e pelo deputado Fernando Ferro (PT-PE) e
o comandante de destacamento João Alberto Lins
de Barros, representado pela neta Tatiana Lins de
Barros. O único combatente vivo localizado, Ezidro
Pires Nardes, não pode comparecer devido à idade
avançada (104 anos), tendo sido representado por
Cleiton Weizenmann, pesquisador que preserva a
história da passagem da Coluna por Dionísio Cerqueira (SC).
O discurso do Presidente Renan Calheiros, lido
pela deputada Jô Moraes, começou dizendo que
tratava-se de uma justa homenagem a um episódio
marcante da história política de nosso país, que teve como principal causa a insatisfação de parte dos
militares com a forma que o Brasil era governado
na época: sem direitos democráticos, com graves
fraudes eleitorais, grande concentração do poder
político nas mãos da elite agrária, e exploração das
camadas mais pobres da população.
Calheiros registrou a honra de poder participar
de um momento ímpar da democracia ao corrigir
um erro do passado político do país. Ele lembrou
que o chefe militar da Coluna foi eleito senador
com a maior votação de sua época, tendo o mandato cassado em janeiro de 1948 pelo Congresso Nacional, depois que o PCB perdeu o registro em 1947.
“Há precisamente um ano, tive a honra de presidir
a sessão que reparou essa mácula de nossa história devolvendo o mandato de senador a Prestes. Na
oportunidade, como presidente do Senado Federal
e do Congresso Nacional, em nome do Parlamento de nosso país pedi desculpas à família de Luiz
Carlos Prestes pela atrocidade patrocinada pelo
estado contra um ilustre brasileiro, legitimamente
escolhido pelo povo para representá-lo”, sublinhou
Calheiros.
A proponente da Sessão Solene, Luciana Santos, citou que a memória do povo é a alma da Nação, ao fazer referência à importância do Congresso
Nacional ajudar no resgate de um dos momentos
95
131/2014
que representou um divisor de águas na história
dorismo ainda existe na política atual. “A Coluna é
brasileira. Para a deputada, uma boa forma de houm patrimônio histórico, cultural e social do povo
menagear o “Cavaleiro da Esperança”, era lembrar
brasileiro, que lutou contra a corrupção e a oligarda definição do poeta Pablo Neruda que disse que
quia que atrasava o nosso país”, afirmou.
“nenhum dirigente comunista da América Latina
Maria Prestes agradeceu a homenagem feita peteve uma vida tão trágica e portentosa quanto Luiz
lo Congresso e disse que, para além da biografia de
Carlos Prestes”.
sua vida, o livro é um resgate da
O senador Inácio Arruda cihistória do povo brasileiro. Para
Os encontros
tou Caio Prado Júnior, que define
ela, poucos conhecem a trajetória
a Coluna como “um dos episódios
do “maior comunista da história
com autoridades
máximos da história brasileira”.
brasileira”. “O livro conta minha
máximas dos
Arruda enfatizou que o movimenvida ao lado do Luiz Carlos Presto “envolveu homens e mulheres
tes, homem que até hoje tem o
Legislativos e dos
idealistas, abnegados, que abanseu nome temido”, pontuou ela,
Executivos locais
donaram o conforto de seus lares e
revelando a importância que este
suas famílias para se embrenharem
sobrenome guarda para os setores
não se restringiram
no Brasil, ansiando por uma vida
que temem o exemplo e a semena formalidades
melhor para nossa gente”, já que a
te deixada entre os movimentos
Coluna aconteceu num momento
sociais brasileiros que marcham
cordiais, mas
de crise econômica mundial, onde
em busca de seus direitos.
avançaram para
o Brasil estava inserido como um
país dependente.
Da rejeição à
propostas de
Com a interrupção no Plenário
monumentalidade
marcos concretos
Ulysses Guimarães, os participantes foram todos, então, para o SaSe, por onde passa, encontra
de homenagem à
lão Nobre, onde a informalidade
setores minoritários resistentes
Coluna e a Prestes
do espaço favoreceu a comemoraao papel progressista da Coluna
ção, que tornou-se mais comovene da luta comunista de Prestes,
nas cidades onde
te com as manifestações dos pana maior parte do tempo e do
isso ainda não havia espaço geográfico ocupado pela
rentes de combatentes da Coluna.
O lançamento de Meu companheimarcha de 1924, a caravana enro – 40 anos ao lado de Luiz Carlos
contra mais gestos de grandeza
que mesquinharias. Os encontros com autoridades
Prestes, foi uma proposta da Comissão de Cultura,
máximas dos Legislativos e dos Executivos locais
como mais uma edição dos Manifestos Culturais,
não se restringiram a formalidades cordiais, mas
trazendo também uma exposição sobre os 90 anos
avançaram para propostas de marcos concretos de
da Coluna Prestes, em parceria com a Fundação
homenagem à Coluna e a Prestes nas cidades onde
Maurício Grabois. A exposição relata em painéis
isso ainda não havia. As celebrações dos 90 anos
a biografia dos participantes da Coluna Prestes e
prometem atravessar o ano, chegando às escolas
exibe textos, fotografias, vídeos e poesias sobre o
públicas e aos espaços políticos e culturais de muimovimento, tendo sido levada, também, para lotas cidades.
calidades do Rio Grande do Sul, por onde a caraOs inúmeros Centros de Tradições Gaúchas
vana passou.
(CTG) que cobrem o Estado estão se articulando
Para a presidenta da Comissão de Cultura, depara celebrar a Coluna como um marco cultural.
putada Alice Portugal (PCdoB-BA), “é motivo de
Estes espaços culturais reúnem tradicionalistas paorgulho e honra” receber os familiares de Luiz Carra perpetuar danças, ritmos e toadas típicas, veslos Prestes, Miguel Costa, João Alberto Lins de Bartuário, gastronomia e hábitos gauchescos. A emoros e João Cabanas. “O legado da Coluna é o legado
ção tomou conta da caravana à chegada em Santo
luminoso que estamos hoje vivenciando nas conÂngelo, quando um grupo de cavalarianos esperaquistas democráticas do povo brasileiro. A pauta da
vam Maria e os filhos diante do monumento à CoColuna é uma pauta atual, pela educação pública de
luna, instalado logo na entrada da cidade, doado
qualidade, pelos direitos sociais e aprofundamento
pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Contendo uma cada democracia e do sistema político”, destacou ela.
valariana, em homenagem às vivandeiras que sePrestes Filho lembrou a luta do pai contra o conguiram a Coluna, a cavalgada prosseguiu pelas ruas
servadorismo da época e disse que esse conserva-
96
Brasil
da cidade até o Memorial à Coluna Prestes, um belo
exemplar da arquitetura ferroviária, construído por
Luiz Carlos Prestes, quando era capitão do Exército
naquela região. O museu reúne doações da família,
como roupas de Prestes, assim como documentos,
além de conter uma sala em homenagem à comunista Olga Benário, primeira companheira dele.
Outro momento em que foi difícil para os Prestes
segurar a emoção foi na zona rural de São Miguel
das Missões, região onde ruínas das missões jesuítas atestam o contexto de lutas e fortes lideranças
políticas que sempre marcaram a região. Ali, existe
um roteiro turístico conhecido como Caminhos Revolucionários, que acompanha as trajetórias de Sepé Tiaraju, Andresito Guacurari, Luiz Carlos Prestes
e Che Guevara pela região, avançando por quatro
dias até a Argentina.
Antes de conhecer as ruínas da célebre catedral
jesuíta, considerada Patrimônio Histórico e Cultural Mundial, a caravana participou de um almoço
num assentamento do Movimento Sem-Terra. Em
seu discurso, Maria embargou a voz ao lembrar a
história camponesa sofrida, de lutas e perseguições
que seu pai teve, enquanto falava a lideranças cam-
Cezar Xavier - Osvaldo Bertolino
Familiares de combatentes da
Coluna no Salão Nobre da Câmara
ponesas da região. A galinhada caipira servida foi
um dos momentos memoráveis da viagem, seguida
de uma visita à aldeia indígena que também se encontra próxima ao assentamento.
São Luiz Gonzaga é um capítulo à parte, permeado de contradições. Enquanto autoridades disputam com Santo Ângelo a paternidade sobre a
partida da Coluna, enciumados com a exploração
turística que ocorre na cidade vizinha, vereadores conservadores envergonharam os setores mais
avançados da cidade, ao negarem uma homenagem
a Prestes na Câmara. Comenta-se de votantes que
sequer conheciam a trajetória local de Prestes, confundindo-o com um “ladrão de cavalos”.
São Luiz chama a atenção pela preocupação com
a preservação de sua história. A cidade conta, não
apenas com CTGs, mas também com um Instituto
Histórico e Geográfico, como também um Museu
Arqueológico, a Confraria Missioneira e a Casa do
Poeta. Todos se uniram para homenagear Prestes
com esculturas, poemas, récita de pajada e música
regional. O mestre payador Orci Machado improvisou um emocionado lamento e pedido de desculpas
pela indelicadeza dos vereadores, ao som das gaitas.
97
131/2014
Ainda na Galeria Histórica do Museu Arqueológico,
foi recuperado e se desenvolve plenamente. Luiz
os Prestes conheceram a escultura do Cavaleiro da
Carlos Prestes Filho comoveu-se ao ver o esplendor
Esperança, feita por Vinícius Ribeiro, que sonha
da árvore plantada por ele.
fazer uma versão monumental de Prestes sobre o
A caravana encerrou-se em Porto Alegre, que
cavalo para um dos trevos da cidade.
em seus primeiros dias, já havia recebido os Prestes
A comitiva foi recepcionada pelo prefeito Junaro
como hóspedes oficiais, tanto pelo governador TarRambo Figueiredo, que anunciou
so Genro (PT), quanto pelo preque durante os eventos programafeito José Fortunati (PDT). Tanto
dos para outubro, alusivos aos 90
a Câmara Municipal, quanto a
São Luiz Gonzaga
anos da Coluna, a Prefeitura, junAssembleia Legislativa fizeram
tamente com o Instituto Histórico,
suas homenagens, entregando a
é um capítulo à
estarão divulgando oficialmente a
Medalha do Mérito Farroupilha a
parte, permeado
concepção de um marco em homeLuiz Carlos Prestes, honra máxima
nagem ao histórico levante em São
concedida pelos gaúchos. Agora,
de contradições.
Luiz Gonzaga.
ao final da caravana, era preciso
Enquanto
Ponto alto da visita à São Luiz,
voltar à capital para a despedida.
os Prestes foram gentilmente reRecém-chegados de Santa Maria,
autoridades
cebidos pelo comandante do 4º
onde concluíram intensa agenda,
disputam com
Regimento de Cavalaria Blindado,
os Prestes seguem direto para as
o tenente-coronel Carlos Alberto
obras do Memorial a Luiz Carlos
Santo Ângelo a
Klinguelfus Mendes. A visita ao
Prestes.
paternidade sobre a
quartel esteve particularmente reMais uma vez são recebidos
vestida de simbolismo, pois, em
pelo prefeito Fortunati e por repartida da Coluna,
1984, Prestes visitou a cidade, já
presentantes do Instituto Olga
enciumados com a
bastante idoso, e, comicamente, o
Benário, responsável pelo museu.
quartel foi colocado em prontidão
Único prédio de Oscar Niemeyer
exploração turística
para o caso do comunista atacá-lo.
Porto Alegre, o monumento
que ocorre na cidade em
Foi naquele quartel que Prestes
já é um marco da cidade com as
montou as bases da famosa Coluna.
formas esculturais sinuosas, e o
vizinha, vereadores
Prestes foi promovido a Geneconcreto pintado de branco, além
conservadores
ral, no governo Collor, então Maria
das soluções construtivas inventiPrestes foi recebida como viúva de
vas do arquiteto comunista, que
envergonharam
um general do exército. O tenentetanto admirava Prestes.
os setores mais
coronel Mendes explicou que fez
Não havia forma mais apoteóquestão de recolocar na entrada
tica de encerrar a caravana, senão
avançados da
do quartel, a placa de inauguração
vislumbrando uma marca monucidade, ao negar
que Prestes adulterou, em 1924,
mental do surgimento e da pasao tirar o nome do presidente Arsagem de Luiz Carlos Prestes enuma homenagem a
tur Bernardes. Agora, ela deixa o
tre os gaúchos. No olhar tímido e
Prestes na Câmara
acervo museológico do quartel para
humilde de Maria Prestes, diante
ficar em sua entrada, com a devida
daquele prédio flutuante à beira
explicação histórica.
do rio Guaíba, era possível notar
A tarde prosseguiu, mais uma
a satisfação da jovem camponesa
vez, ambígua em São Luiz, com a visita à Gruta de
Altamira Sobral, com a trajetória que o sobrenome
Nossa Senhora de Lourdes, construída pelas muPrestes vai ocupando na história nacional, resgatalheres da cidade, por ocasião do acampamento da
do da perseguição, da tortura, da prisão solitária, da
Coluna. Se a Santa garantisse uma passagem sem
clandestinidade, do exílio, para se tornar símbolo
derramamento de sangue, elas dedicariam-lhe
de uma luta que começa a conquistar batalhas no
aquele santuário. A gruta é toda confeccionada
Brasil.
com grandes cristais semipreciosos e árvores fossi* Cezar Xavier é editor-executivo do Portal Grabois e
lizadas buscadas em regiões longínquas do Estado.
seguiu a família Prestes durante toda a jornada relatada,
Houve ainda uma visita à Praça da Matriz, onde em
entre 20 de maio e 5 de junho de 2014, acompanhado pelo
1995 foi plantado um Ipê, em homenagem à Colupesquisador da Grabois, Osvaldo Bertolino
na Prestes e, que, após sofrer uma grave agressão,
98
Brasil
A Zona Franca de Manaus é
do Brasil
Vanessa Grazziotin*
A Zona Franca de Manaus altamente
sustentável com base no uso de
tecnologias avançadas na exploração
de seus recursos naturais é um modelo
econômico voltado para todos os
brasileiros e um poderoso instrumento
de combate às desigualdades regionais
para promovermos em grande escala
99
A
131/2014
o prorrogar por mais 50 anos os incentivos
Para se ter uma ideia, o governo federal arrecafiscais da Zona Franca de Manaus (ZFM),
dou no Amazonas no ano passado o montante de R$
o Congresso Nacional acena positivamen12,38 bilhões. Isso demonstra o quanto essa política
te para duas questões fundamentais: a
de desenvolvimento regional tem sido benéfica não
continuidade de um modelo de desensó para a região, mas também para todo o país. Amavolvimento regional de sucesso e a prezonas está entre os oito estados da Federação que
servação da floresta amazônica, que
mais recolhe tributos do que recebe da União.
abriga a maior biodiversidade do planeta.
Em recente artigo, argumentei que os benefícios
Sem a aprovação da emenda à Constituição, os
tributários tiveram e têm como objetivo equilibrar
incentivos da ZFM iriam até 2023,
os custos relativos à mão de obra,
ou seja, apenas mais nove anos de
a infraestrutura e logística. Sem
Segundo apontam
vigência. Com o prazo até 2073, os
eles, não há viabilidade para se
atuais e novos projetos terão tempo
produzir em plena floresta numa
estudos da
suficiente para se consolidar.
distância superior a 2,5 mil quilôCoordenaçãoDesde que foi enviada pela presimetros dos grandes centros consudente Dilma ao Congresso, a emenmidores.
Geral de Assuntos
da tramitou por três anos na Câmara
Além disso, os recursos arreEconômicos e
– o que havia gerado um clima de incadados na ZFM, a maior parte
certeza. No ano passado, por exemcontingenciada para pagamento
Empresariais da
plo, os projetos de investimentos
da dívida da União, são fundaSuperintendência
aprovados ficaram na soma de US$
mentais para se desenvolver pro3,5 bilhões, 44,4% a menos do que
jetos de desenvolvimentos na área
da Zona Franca de
no ano anterior (US$ 6,3 bilhões).
de abrangência da Zona Franca (a
Manaus (Suframa),
Como já havíamos superado a
Amazônia Ocidental e a Área de
barreira do preconceito contra o
Livre Comércio de Macapá/Santade cada R$ 1,00
modelo – pois poucos eram os parlana, no Amapá) e dar apoio à Uniconcedido em
mentares que ainda consideravam a
versidade do Estado do Amazonas
Zona Franca um paraíso da renún(UEA), que está instalada em toincentivos fiscais
cia fiscal –, o debate ficou concendos os municípios amazonenses.
no Amazonas, R$
trado nos interesses de outros estaNa área ambiental, segundo
dos em prorrogar também as Áreas
a revista Suframahoje (outubro de
1,37 são gerados em
de Livre Comércio do Norte e a Lei
2013), dados do Serviço de Infortributos – o governo
de Informática.
mação de Pesquisa e DesenvolviDepois de intensas negociações,
de Bruxelas (Cordis, na sifederal arrecadou do mento
envolvendo principalmente a área
gla em inglês), revelam que entre
Amazonas no ano
econômica do governo, conseguimos
2003 e 2009 houve uma redução
aprovar a matéria – uma promessa
de desmatamento no Amazonas
passado R$ 12,38
de campanha da presidente Dilma
de 73,94%, diante de um avanço
bilhões
Rousseff nas eleições de 2010. Ela
de quase 100% do Produto Interno
sempre enfatizou que os incentivos
Bruto (PIB) estadual.
fiscais são essenciais para garantir o
Para o Cordis, os dados “indidesenvolvimento e preservar a nossa floresta.
cam que a verdadeira função do Polo Industrial de
E a presidente tem razão. Afinal, as 600 empresas
Manaus (PIM) é a de um catalisador econômico que,
instaladas na Zona Franca fecharam o ano passado
de um lado, alivia a pressão sobre a floresta amacom um faturamento de R$ 83,28 bilhões, gerando
zônica e, de outro, é capaz de canalizar recursos fimais de 125 mil empregos diretos e 485 mil indiretos.
nanceiros para a educação e o desenvolvimento de
Não à toa o Amazonas sozinho participa com
Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) que, por sua
mais da metade de toda a arrecadação federal de imvez, impulsionam o desenvolvimento de tecnologias
postos da região Norte. Segundo apontam estudos
e inovações de processos econômicos sustentáveis ao
da Coordenação-Geral de Assuntos Econômicos e
longo prazo”.
Empresariais da Superintendência da Zona Franca
O que foi constatado em Bruxelas acabou sende Manaus (Suframa), de cada R$ 1,00 concedido
do ratificado pela própria presidente Dilma naquele
em incentivos fiscais no Amazonas, R$ 1,37 são gepaís, em fevereiro deste ano, ao responder a uma inrados em tributos.
vestida da União Europeia (UE) perante à Organiza-
100
Brasil
ção Mundial do Comércio (OMC) contra os incentivos fiscais do modelo.
Na ocasião, a presidente afirmou que a Zona
Franca de Manaus contribui para evitar o desmatamento da floresta amazônica ao gerar emprego
e renda para a população local. Dilma demonstrou
“estranhamento pelo fato de a Europa, tão comprometida com questões ambientais, questionar um
projeto de desenvolvimento limpo”.
O saudoso professor e pesquisador da Amazônia
Samuel Benchimol já dizia que qualquer projeto de
desenvolvimento na região teria que “respeitar a
mata, a água e a cultura dessa região imensamente
abençoada”. A Amazônia, na visão dele, pode contribuir para o desenvolvimento humano, mas com
respeito aos ensinamentos de um povo que explora
a sustentabilidade dessa nação cabocla há séculos.
Como bem destaca a pesquisadora Anna Walléria
Guerra Alves, os mais de 100 trabalhos publicados
por Benchimol são caminhos que levam à elaboração de estratégias e metas para a construção de uma
sociedade mais digna e condizente com a proposta
de superação do grande desafio do século XXI: a sustentabilidade humana.
A visão da sustentabilidade amazônica, para
Benchimol, condiz com a perspectivade inserção
democrática dos amazônidas em políticas públicas
articuladas em prol de um desenvolvimento economicamente viável, ecologicamente adequado, politicamente equilibrado e socialmente justo. Porque,
desta forma, a Amazônia deixará de ser utopia ecológica e passará a ser uma realidade soberana. O projeto da Zona Franca de Manaus, na opinião dele, só
cumpriria seus objetivos se levasse em conta essas
premissas.
Portanto, a questão do tempo é fundamental
para consolidarmos esse poderoso instrumento de
combate às desigualdades regionais e promovermos
em grande escala uma Zona Franca altamente sustentável com base no uso de tecnologias avançadas
na exploração de seus recursos naturais.
Precisamos diversificar nossa economia, desenvolvendo áreas nas quais temos vocação, a exemplo
do setor farmacêutico. Nada menos que 25% dos
medicamentos comercializados no mundo têm no
seu princípio ativo matéria-prima oriunda do bioma
amazônico, assim como na área dos cosméticos.
Possuímos também a maior bacia hidrográfica
do planeta, no entanto, nossos ribeirinhos necessitam processar em grande escala o pescado e comercializá-lo, agregando valor. São apenas alguns
exemplos da nossa imensa potencialidade que precisa ser trabalhada para que a nossa economia seja cada vez mais forte e nosso povo experimente
melhor qualidade de vida. Enfim, a Zona Franca
de Manaus é um modelo econômico voltado para
todos os brasileiros.
*Vanessa Grazziotin é senadora da República pelo PCdoB
do Amazonas
Suframa
As 600 empresas
instaladas na Zona
Franca fecharam o
ano passado com
um faturamento de
R$ 83,28 bilhões,
gerando mais de 125
mil empregos diretos
e 485 mil indiretos
101
131/2014
Trinta anos da União da
Juventude Socialista
Osvaldo Bertolino*
Arquivo UJS
Lançamento da UJS: luta anti-imperialista
Ao completar 30 anos de atividades ininterruptas, a União
da Juventude Socialista (UJS) reafirma os princípios e a
estratégia definidos no seu Manifesto de lançamento. O 17º
Congresso da entidade, realizado recentemente em Brasília,
foi mais um passo no caminho da consolidação de um
processo de organização e conscientização progressista da
juventude inédito no Brasil
N
o dia 22 de setembro de 1984, mais
de 600 jovens participaram do ato de
lançamento da União da Juventude
Socialista, no Salão Nobre da Assembleia Legislativa de São Paulo. Segundo Renato Rabelo, presidente do Partido Comunista
do Brasil (PCdoB), a UJS era “uma espécie de exigência” que os comunistas tinham desde a Anistia,
102
de 1979. “A ideia de organizar as mulheres e a juventude era muito presente nas formulações de João
Amazonas, o principal dirigente do PCdoB”, diz ele.
Depois de uma série de consultas, chegou-se a
uma definição sobre como seria a organização — a
melhor forma era dar a qualificação de “socialista”
em vez de “comunista”, como era tradição. Segundo Renato Rabelo, a palavra “comunismo” estava
Brasil
festação pela soberania nacional no centro de Vitória,
denunciando a ação do Fundo Monetário Internacional (FMI) no Brasil e se solidarizando com a juventude mundial que lutava contra o imperialismo e por
liberdade. No segundo dia, houve uma plenária sobre
a juventude e a Constituinte, um debate que contribuiu para a elaboração da plataforma da UJS com
reivindicações próprias, que seria encaminhada ao
governo federal e apresentada para o debate sobre a
futura Constituição.
A Coordenação eleita
no Congresso, encabeçada pelo ex-presidente da
União Brasileira dos Estudantes
Secundaristas
(UBES), Apolinário Rebelo
— irmão de Aldo —, deveria prosseguir o trabalho
de organização da juventude em escolas, bairros e
cidades do interior, mobilizando as massas juvenis na
luta por seus direitos e na
campanha da Assembleia
Nacional Constituinte.
A “Campanha Nacional
pelo Direito de Voto aos
Dezesseis Anos de Idade”
foi aprovada na Terceira
Assembleia Geral Ordinária da UJS, realizada no
auditório da Universidade Federal de Sergipe, na cidade de Aracaju, em 13
de fevereiro de 1987. Todos os estados e territórios
estavam representados. Seis dias depois, em 19 de
fevereiro de 1987, instalou-se o 3º Congresso da UJS
na capital sergipana, que reelegeu Apolinário Rebelo
para a Coordenação Geral.
A força da UJS naqueles primeiros anos de sua
existência foi demonstrada na Assembleia Nacional
Constituinte quando um grupo de jovens socialistas se instalou no Congresso Nacional e obteve uma
vitória extraordinária: a aprovação do voto aos 16
anos de idade. Aprovada com 355 votos a favor e 98
contra, a decisão incorporou 5,7 milhões de jovens
ao eleitorado, de acordo com cálculos do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o que
representava mais do que os eleitores do presidente Jânio Quadros — eleito em 1960 com 5.636.623
votos. Os presidentes Eurico Gaspar Dutra (1945),
Getúlio Vargas (1950) e Juscelino Kubitscheck
(1955) conseguiram apenas 3.251.507, 3.849.040 e
3.077.411 votos, respectivamente.
Arquivo UJS
poluída pela luta ideológica da classe dominante.
Socialismo era mais adaptável, mais compreensível.
“O socialismo era mais compreensível e não tinha
essa carga toda, esse preconceito dos setores conservadores. Era uma forma de abarcar mais e ter maior
influência na juventude”, afirma.
A tarefa prioritária da Coordenação eleita, liderada por Aldo Rebelo, seria preparar o 1º Congresso da
UJS. No dia 6 de fevereiro
de 1985, mais de 900 jovens estiveram no Ginásio
do Tarumã, em Curitiba
(PR), para a abertura do
evento, que iria até o dia
10. O Congresso lançou as
bases para a consolidação
da entidade em âmbito nacional e sua transformação
em uma grande organização de massas a serviço da
luta pela democracia e o socialismo. O passo seguinte
seria a estruturação da UJS
nos estados e municípios.
Quando a UJS lançou
a campanha com a reivindicação para que os jovens
pudessem votar a partir dos
16 anos de idade, ela já era
uma organização com raízes fundas em todas as regiões do país. Aldo Rebelo
disse que mesmo antes do
lançamento a reivindicação já ganhava repercussão e
despertava o interesse dos movimentos progressistas
da juventude. O deputado federal Renan Calheiros
(PMDB-AL), membro do Conselho Nacional da UJS,
elaborou, a pedido da entidade, uma emenda que modificava o artigo 174 da Constituição, que limitava o
direito de voto aos maiores de 18 anos.
Quando o ano de 1986 começou, toda a estrutura
da UJS foi mobilizada para o seu 2º Congresso Nacional, marcado para os dias 31 de janeiro, 1º e 2 de
fevereiro no Campus da Universidade Federal do Espírito Santo, em Vitória. A entidade fez um balanço
do período transcorrido desde o 1º Congresso e concluiu que sua ação política e organizativa cumprira o planejado. A UJS estava instalada em todos os
estados, possuindo catorze coordenações estaduais e
núcleos formados, ou em formação, até no território
do Amapá.
O 2º Congresso, a entidade reuniu mais de mil e
trezentos delegados e observadores de todo o país. No
dia da abertura, os jovens socialistas fizeram mani-
103
131/2014
No 4º Congresso da UJS, realizado em janeiro
ção das estruturas retrógradas, podendo no máximo
de 1988 na cidade de Petrópolis, Rovilson Brito foi
fazer algumas mudanças superficiais e secundárias,
eleito o novo Coordenador Geral. O evento contou
o que não alteraria o rumo de aprofundamento da
com representações de entidades juvenis do Canadá,
crise no país.
de Portugal, Inglaterra, Nicarágua, da Organização
Com pouco mais de um ano, o governo Colpela Libertação da Palestina (OLP); de representanlor levou o país para uma situação de calamidade.
tes dos partidos PMDB, PCdoB, PT, PCB e PSB; de
A União Nacional dos Estudantes (UNE) lançou a
representantes dos governos dos estados da Bahia
palavra de ordem Fora,Collor!, que logo cresceu e se
e do Rio de Janeiro; do prefeito de Petrópolis, Paulo
espalhou pelo país. A Comissão Parlamentar de InRattes; de representantes da UBES,
quérito (CPI) que apurava as deda Central Geral dos Trabalhadores
núncias de corrupção apresentava
O movimento
(CGT) e da Central Única dos Trabauma prova atrás da outra, as gilhadores (CUT); e de várias associagantescas manifestações se multiFora, Collor! foi
ções de moradores.
plicavam e no dia 29 de setembro
importante para a
O Programa da UJS para as eleide 1992 a Câmara dos Deputados
ções presidenciais de 1989 – uma
aprovou a abertura do processo de
confirmação das
“contribuição para o Programa de
impeachment de Collor. Já fora do
posições da UJS
juventude da Frente Brasil Popucargo, ele renunciou ao mandato
lar” do candidato Luiz Inácio Lula
em 29 de dezembro, logo após a
no movimento
da Silva – era extenso. Falava de
abertura da sessão de julgamento
estudantil. Foi uma
economia, soberania, ecologia, edudo processo de impeachment no Secação, trabalho, saúde, esporte, lanado. O Fora, Collor! estava consuação de elevado
zer, drogas e outros bichos. “Já faz
mado.
teor político, que
muito tempo que nós, jovens, estaO movimento Fora, Collor! foi
mos lutando para mudar a situação
importante para a confirmação
propunha nada
do nosso país. Sucederam-se à frendas posições da UJS no movimenmais, nada menos
te do governo muitos presidentes,
to estudantil. Foi uma ação de eleinclusive os militares, repetindo
vado teor político, que propunha
do que a destituição
sempre essa política contra o povo.
nada mais, nada menos do que a
do presidente da
Nosso país se desenvolveu, cresceu
destituição do presidente da Repúsua industrialização, urbanizou-se,
blica. Tanto que mobilizou milhões
República
ampliou os meios de comunicação,
de jovens.
mecanizou em parte considerável
Apesar da agenda agitada, a
sua agricultura, mas todo esse ‘desenvolvimento’ foi
UJS entrou em período de paralisia, conforme repromovido de forma dependente, o que fez com que
gistra uma Nota da Executiva Nacional eleita no 6º
os únicos beneficiários dele fossem as multinacioCongresso, realizado entre os dias 16 e 19 de julho
nais, os grandes fazendeiros e os magnatas naciode 1992, na cidade de Vitória, estado do Espírito
nais”, dizia o documento.
Santo. Manoel Rangel foi eleito o novo Coordenador
Em janeiro de 1990, a UJS realizou o seu 5º ConGeral. Segundo o texto, o Congresso retomou o degresso, na cidade de Curitiba, Paraná. Segundo as
bate interno e a mobilização da militância. “A verdaTeses que serviriam de base para os debates, a entide é que necessitávamos de participação em debates
dade estava fazendo um grande esforço para apromaiores”, afirma o documento.Manoel Rangel não
fundar a discussão de temas de interesse da juvenconcluiu o mandato e em seu lugar assumiu Leila
tude, com vistas a alcançar uma melhor elaboração
Márcia – segundo ela, para cumprir um “mandato
das suas propostas. O país encerrara a “década da
tampão”.
falência”, na qual a crise estrutural do país se agraA UJS chegava ao 7º Congresso, realizado em
vara acentuadamente, e parcelas consideráveis da
abril de 1994 na cidade de Salvador, ainda amarganpopulação deixaram a área de influência do governo
do os problemas apontados no Congresso anterior.
do presidente José Sarney para engrossar as fileiras
A eleição do novo Coordenador Geral de certa forma
dos que lutavam por mudanças mais profundas na
refletiu as contradições que se formaram naquele
sociedade.
período de crítica e autocrítica da UJS. Segundo LeiO governo do presidente Fernando Collor de Mella Márcia, dois nomes foram a debate na Comissão
lo, que assumiria em março de 1990, afirmou o texto,
Nacional de Juventude do PCdoB: José Carlos Matinha um claro comprometimento com a manutendureira, do Rio de Janeiro, e Jorge Panzera, do Pará.
104
Brasil
Arquivo UJS
O Congresso elegeu uma nova Direção Nacional, composta
por Lindbergh Farias, presidente;
Ricardo Alemão Abreu, primeiro
vice-presidente; Waldemar Manoel de Souza, segundo vice-presidente; Jorge Panzera, secretário-geral; Marcelo Ramos Rodrigues,
tesoureiro; Rovilson Brito, diretor
de Comunicação; Manoel Rangel,
diretor de Formação.
Pouco mais de um ano, Lindbergh Farias, que havia sido eleito deputado federal pelo Rio de
Janeiro, trocou o PCdoB pelo Partido Socialista dos Trabalhadores
Unificados (PSTU), de linhagem
trotskista. Em Nota de 29 de setembro de 1997, intitulada Triste
fim de Lindbergh Farias, a direção
Executiva Nacional da UJS comunicava a sua expulsão. Alemão assumiu o cargo de presidente.
No processo de relançamento da UJS, apesar
do debate intenso, às vezes áspero, não houve um
estado de conflagração. Mas o clima de apaziguamento só começou a assentar mesmo na gestão
presidencial de Orlando Silva Júnior, eleito no 9º
Congresso, realizado no período de 18 a 21 de abril
de 1998, na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), na capital paulista, sob o lema Socialismo com a nossa cara.
A conjuntura de grandes dificuldades para o povo, castigado sobretudo pelo desemprego, atingia
duramente a juventude, um dos temas dominantes
nos debates do 9º Congresso da UJS realizado em
abril de 1998. A UJS fez também um movimento
de aproximação dos trabalhadores ao organizar, em
conjunto com a Corrente Sindical Classista (CSC),
o “I Encontro de Jovens Trabalhadores Socialistas”,
nos dias 30 e 31 de janeiro de 1999, na cidade de
Belo Horizonte (MG).
No seu 10º Congresso, realizado entre os dias 18 e
21 de maio de 2000, a UJS comemorou quinze anos
de vida. O debute foi realizado em Ouro Preto, cidade histórica do estado de Minas Gerais, considerada patrimônio da humanidade pela Unesco, no ano
em que o Brasil celebrou seus quinhentos anos de
“descobrimento” pelos europeus. Como o país passava por um dos momentos mais difíceis de sua história, a Direção Nacional da UJS aprovou como sede
a cidade mineira por seu passado de tradição de luta
pela independência nacional, principalmente com a
luta da Inconfidência Mineira, quando um grupo de
Fora Collor!, no Rio de Janeiro
Panzera, que seria eleito, diz que um dos méritos
do Congresso foi ter detectado problemas no trabalho da juventude do PCdoB, que precisava de uma
nova caminhada. “E aos poucos fomos construindo
essa ideia política, uma identidade, uma força maior.
Acho que isso foi gerado nesse processo, uma convicção maior, uma ideia que também teve conflitos.
Era preciso ter uma identidade para o trabalho de
juventude, ter uma ação mais forte”, comenta.
Em 1996, a UJS – com pouco mais de onze anos
de existência – passava por uma crise de identidade.
O diagnóstico da Comissão Nacional de Juventude
do PCdoB indicava que para cumprir aquele objetivo
seria necessário promover o 8º Congresso de maneira diferente dos anteriores. Segundo a Comissão, o
relançamento da UJS seria um processo que deveria
ser encarado com muita ousadia e paciência. Seriam
necessários vários meses, mesmo após o 8° Congresso, para que todo o Partido assimilasse e aplicasse o
projeto daquela nova fase.
O Congresso foi aberto em 12 de julho de 1996
com um ato político na Casa de Portugal, na cidade de São Paulo, e contou com a presença de João
Amazonas, presidente nacional do PCdoB; Paes de
Andrade, presidente Nacional do PMDB; Vicente
Paulo da Silva, presidente da CUT; Luiza Erundina,
ex-prefeita de São Paulo; Eduardo Suplicy, senador
do PT-SP; Musa Odeh, embaixador da Palestina no
Brasil; Orlando Silva Júnior, presidente da UNE; Kerison Lopes, presidente da UBES; Aldo Rebelo, deputado federal do PCdoB-SP; além de outras personalidades políticas.
105
131/2014
brasileiros liderados por Tiradentes se insurgiu conA participação das mulheres subiu de 22,5% para
tra o domínio português.
a conquista histórica de 30%. Houve ainda ampliaOrlando Silva foi reeleito presidente, mas seria
ção da participação de artistas — em especial ligados
substituído por Wadson Ribeiro em uma plenária
ao hip hop —, de militantes das frentes de gênero,
nacional em agosto de 2001. Para a UJS, as eleições
de solidariedade internacional, da ciência, dos trade 2002 seriam um acontecimento que poderia trabalhadores das políticas públicas para a juventude.
zer esperanças de tempos melhores para a grande
O Congresso também soube conjugar as atividades
maioria do povo, em especial à juventude. Ano em
políticas com ações juvenis. Se o 11º Congresso teve a
que Lula foi lançado candidato de uma frente de
marca da cultura nordestina, aquele foi marcado pela
centro-esquerda.
história de trinta anos da Guerrilha
Segundo uma Nota da UJS, a
do Araguaia e pelos vinte da UJS.
candidatura oposicionista ganha“Um novo Araguaia a cada instanO 12º Congresso da
ra força e o modelo neoliberal do
te da luta da UJS nos dias atuais”
UJS foi marcado
governo do presidente Fernando
foi a frase difundida. Para além
Henrique Cardoso (FHC) acumulado Araguaia, as homenagens reapela história de
ra desgastes e rejeição. A previsão
lizadas pela UJS, com a “Medalha
trinta anos da
era de que um milhão e duzentos
Castro Alves” aos ex-coordenadoGuerrilha do
mil novos jovens eleitores votariam.
res gerais e ex-presidentes e outras
“A primeira fase da nossa campapersonalidades, engrandeceram a
Araguaia e pelos
nha ‘Conquiste esse título para o
comemoração daquela data histórivinte da UJS. “Um
Brasil’ conseguiu cadastrar mais
ca da entidade.
de seis mil jovens e através da nosTambém foram homenageados
novo Araguaia a
sa propaganda outros milhares foos ministros Aldo Rebelo (Coorcada instante da
ram atingidos”, registrou a Nota.
denação Política) e Celso Amorim
luta da UJS nos dias (Relações Exteriores); o secretárioO esforço da campanha deveria se
estender às comunidades hip-hop,
-executivo do Itamaraty, embaixaatuais” foi a frase
grupos de rap, torcidas organizadas,
dor Samuel Pinheiro Guimarães;
difundida
galeras de funk, grupos de capoeira,
os presidentes nacionais do PCdoB
flippers, skatistas, associações cule do PT, Renato Rabelo e José Geturais, dentre outros.
noíno; o reitor da UnB, professor
A UJS acabara de sair do seu 11º Congresso, reaLauro Morhy; o deputado federal Jamil Murad; o
lizado na cidade de Aracaju (SE) entre os dias 30 de
presidente da Federação Mundial da Juventude Demaio e 2 de junho de 2002, cujo tema central foi o
mocrática (FMJD), o português Miguel Madeira; o
desenvolvimento e a atualização da sua orientação
cineasta Ronaldo Duque; e o ex-guerrilheiro Zezinho
política para a construção de uma entidade ampla,
do Araguaia.
com perfil ideológico bem definido e enraizada nas
No começo de 2005, a direita, capitaneada pela
massas. No combate ao individualismo neoliberal
mídia, desencadeou uma virulenta campanha contra
e às correntes esquerdistas e utopistas florescentes,
o governo, cujo pretexto fora uma frágil denúncia
cumpria reafirmar o socialismo científico como ideode compra de votos no Congresso Nacional, que galogia-guia da entidade. Uma das recomendações fonhou o epíteto de “mensalão”. A defesa do governo
ra o resgate da elaboração marxista sobre juventude,
Lula era a prioridade da agenda da UJS naquele iní“com centro no texto crucial de Lênin As tarefas das
cio de gestão.
uniões de juventude, que há pouco completou oitenta
Quando a UJS convocou o seu 13º Congresso para
anos”.
o período de 15 a 18 de junho de 2006, na UniversidaO 12º Congresso da UJS, que seria realizado de 10
de de Brasília, a campanha pela reeleição do presidena 13 de junho de 2004 na Universidade de Brasília
te Lula já estava nas ruas. “A UJS tem parcela impor(UnB), deveria aclarar a conjuntura que começava
tante de responsabilidade na pauta do povo brasileiro
a se formar com a eleição de Lula para a Presidência
por um Brasil soberano, desenvolvido e socialmente
da República. O Congresso elegeu 51membros para a
justo. O nosso Congresso é mais um palco dessa luta
Direção Nacional, uma ampliação de 20%, como resgloriosa. Momento de novas ideias, sugestões, debaposta ao crescimento das frentes de atuação da UJS
tes, inquietudes, características de uma força viva coaos novos desafios impostos por aquele novo tempo.
mo a nossa”, dizia a convocatória do Congresso.
A renovação chegou a 37%, superando os 31% do
Marcelo Brito da Silva, conhecido como Gavião,
Congresso anterior.
foi eleito presidente. “A nova direção eleita hoje tem
106
a obrigação de dar continuidade à trajetória
que a UJS vem cumprindo”, disse. “Wadson
Ribeiro foi um excelente presidente e esteve à
frente de nossa organização por cinco anos”,
enfatizou, lembrando que na sua gestão a
UJS saiu de quinze mil para setenta mil filiados. “Não é pouca coisa, levando em conta as dimensões continentais do Brasil e as
características políticas de nossa sociedade”,
registrou.
Gavião explicou que o principal desafio da
UJS seria trabalhar pela reeleição de Lula. Para a UJS, a batalha eleitoral de 2006 seguia
um roteiro de importantes disputas no continente, que poderia dar feições políticas mais
nítidas à resistência implementada contra o
imperialismo norte-americano.
Quando chegou ao seu 14º Congresso, que
seria realizado no Parque da Juventude e no
Clube Tietê, na cidade de São Paulo, entre 29
de maio e 1º de junho de 2008, com o lema Se
o presente é de luta, o futuro nos pertence, a UJS
já era uma das mais respeitadas entidades
políticas do país. As Teses do Congresso defendiam que a fase do relançamento da UJS
terminara e que a organização vivia um novo momento — formulação que traduzia a necessidade de
um novo impulso para encarar novos desafios.
Quando o 15º Congresso foi convocado — o evento, com o lema Para ser muito mais Brasil, seria realizado entre 17 e 20 de junho de 2010, na cidade de
Salvador —, as Teses apresentaram um pormenorizado diagnóstico daquele ciclo iniciado com Lula presidente. O brasileiro havia deixado para trás a época
do “complexo de vira-latas”, quando acreditava ter
uma vocação quase mística para a derrota, segundo
o documento. “Também já guardamos nas gavetas
da história a fase do ‘gigante adormecido’ e já não
nos contentamos em ser o eterno ‘país do futuro’. O
desafio da nossa geração é aproveitar a oportunidade
para construir o Brasil como grande nação hoje, no
presente”, analisou.
Na fase de preparação do 15º Congresso da UJS,
Dilma Rousseff já era pré-candidata à Presidência
da República. André Tokarski foi eleito o novo presidente da entidade. Para ele, a UJS saiu do Congresso mais conectada com a juventude, pois reuniu ao
mesmo tempo diversidade e unidade.
André Tokarski foi reeleito presidente da UJS
no 16º Congresso, realizado entre os dias 7 e 10 de
junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. A juventude brasileira vivia um momento de grande otimismo, segundo ele. “Em 2011 alcançamos a marca
de um milhão de prounistas, a descoberta do pré-sal
Capa do livro, recém-lançado, que retrata os 30 anos da UJS
e a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas
poderiam se transformar em uma grande oportunidade para o Brasil crescer e superar desigualdades
sociais históricas”, comenta.
Para ele, os trintas anos da UJS revelam que a
juventude brasileira conseguiu, nesse período, ser
protagonista do seu tempo de maneira marcante.
“Carregar essa marca é carregar um desafio enorme:
ter, ao mesmo tempo, que manter o caráter estratégico, revolucionário, socialista, e influenciar, cada
vez mais, um contingente maior de jovens”, diz ele.
Segundo André, a UJS tem conseguido se reposicionar no processo político brasileiro porque, ao
mesmo tempo em que tem um caráter permanente,
é capaz de se renovar, de se reinventar. O 17º Congresso enfrentou o desafio de mobilizar, no processo
de debate das opiniões da UJS, quinhentos mil jovens. “Era o desafio de continuar a ser uma organização importante na luta política da juventude. Então, esse processo dos trinta anos traz também muita
responsabilidade e uma expectativa de uma organização que é, talvez, a principal escola de formação
política da juventude brasileira”. Renan Alencar foi
eleito o novo presidente da entidade.
*Osvaldo Bertolino é editor do Portal Grabois e
autor do livro Amar e mudar as coisas: 30 anos da União
da Juventude Socialista
107
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Princípios é uma publicação bimestral da Editora
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