Ed.131 Jun-Jul 2014 - Revista Principios
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Ed.131 Jun-Jul 2014 - Revista Principios
1 131/2014 2 Editorial Depois da Copa, Brasil se destaca ao sediar Cúpula do BRICS A queles que rogaram pragas, que apostaram contra a capacidade do Brasil e de seu povo para realizar a Copa do mundo de futebol, tiveram que engolir o êxito em chão nacional desse que é maior evento esportivo do mundo. Soou o apito final da Copa, e o país continuou em evidência internacional, ao sediar, em Fortaleza e Brasília, a 6ª Cúpula de Chefes de Estado e de Governo do BRICS, integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Além das reuniões da Cúpula, presidentes destes países terão reuniões bilaterais com a presidenta Dilma Rousseff, anfitriã do encontro. Para se ter uma ideia da importância do BRICS, basta destacar alguns dados dos países que constituem este bloco. Eles têm crescido a taxas médias superiores às dos países desenvolvidos e enfrentado a turbulência econômica mundial com mais eficiência. Os países BRICS, ademais, são atrativos para o investimento e o comércio, pois abrigam em seus territórios aproximadamente 40% da população do Globo e mais de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, podendo chegar, de acordo com a revista The Economist, a um terço ainda nesta década. Outra característica do grupo é a sua força política. China, Índia, Rússia, três gigantes da Ásia, se destacam entre as nações desta importante região do planeta e o peso geopolítico delas, sobretudo da China e da Rússia, se eleva crescentemente no sistema de poder internacional. A África do Sul, desde o fim do apartheid, é uma referência política para o continente africano. Nas Américas, com os governos Lula e Dilma, o Brasil afirmou sua soberania nacional e passou a ter uma inserção internacional altiva, destacadamente na construção da integração latino-americana e no fortalecimento das relações Sul- Sul. Depois desta Cúpula no Brasil, o BRICS – que há cerca de 11 anos atrás era apenas uma sigla (originalmente BRIC) – ganha uma materialidade econômica efetiva, personalidade política real, com a adoção do acordo sobre a criação do seu próprio Banco de Desenvolvimento, com capital inicial de US$ 50 bilhões, uma importante inovação no sistema internacional de financiamento. O banco terá como objetivo prover recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos cinco países do grupo e poderá, eventualmente, ajudar outros países emergentes com dificuldades na obtenção de financiamento internacional. Além desse mecanismo, que certamente terá impacto no sistema de governança global, a 6ª Cúpula poderá assinar o Tratado para a constituição do chamado “Arranjo de Contingente de Reservas”, um fundo “anticrise” de US$ 100 bilhões para atuar em eventuais dificuldades de algum membro do grupo. Esta concretude alcançada pelo BRICS é um fato que deriva e reforça a atual transição que se processa no sistema internacional, no qual há um relativo e crescente declínio da hegemonia dos Estados Unidos da América e a ascensão crescente do polo dos países em desenvolvimento no qual se destacam a China e os demais integrantes do BRICS. Por óbvio, o imperialismo estadunidense e outras grandes potências capitalistas não estão dispostos a perder a hegemonia que hoje detêm. Em razão disto empreendem uma nítida política de contenção do BRICS, que vai desde a guerra ideológica até o fomento de divisões e instabilidade no interior de cada um dos países do grupo e no seu entorno estratégico. A tentativa de conter e debilitar o processo de integração latino-americana é um exemplo típico desta investida. O empenho do Brasil, do governo da presidenta Dilma Rousseff, para que sejam dados novos passos rumo à consolidação do BRICS e o prestígio internacional adquirido pelo país para que ele seja reconhecido como ator relevante neste processo são uma conquista destacada destes últimos onze anos. Adalberto Monteiro Editor 1 131/2014 10 Capa A Cúpula do BRICS em Fortaleza e a Nova Ordem Mundial Multipolar Severino Cabral................................................. 4 10 Avançar mais, o desafio do BRICS Inácio Arruda................................................. 20 O BRICS na Terra do Sol e do crescimento socioeconômico Cid Ferreira Gomes...................................... 15 BRICS e um novo sistema de governança global Embaixada da República Popular da China.......................................... 20 Geopolítica e o poderio político-militar, econômico, informativo e de valores Leonid Kalashnikov.................................... 37 24 29 A África do Sul e o BRICS Rob Davies...................................................... O BRICS na visão do Partido Comunista da Índia (Marxista) Sitaram Yechury............................................ 32 37 A Geopolítica do BRICS Ronaldo Carmona......................................... 55 Uma estratégia econômica para o Brasil e a América do Sul J. Carlos de Assis*........................................... 43 Conferência BRICS no século XXI aprova Documento Consenso do Rio........................................ 48 Forças e vulnerabilidades dos países BRICS no mundo multipolar pós-Crimeia Alfredo Jalife Rahme.................................. 50 2 Sumário O Banco de Desenvolvimento do BRICS: um novo banco para um novo desenvolvimento Carlos Márcio Bicalho Cozendey.............. 55 Brasil PCdoB-PT: 25 anos de uma aliança estratégica Cláudio Gonzalez.......................................... 59 59 76 DOCUMENTO Ideias e propostas do PCdoB ao Programa de Governo da reeleição da presidenta Dilma Rousseff........................................... 64 Imperialismo e geopolítica: a luta de classes nas eleições brasileiras Marcos Aurélio da Silva............................ 76 10% do PIB para a Educação De sonhos em sonhos, vamos fazendo história Vic Barros...................................................... 82 82 9º Congresso Nacional da UBM “Mais democracia, mais poder para as mulheres e o Brasil avançar!” Ana Paula Bueno....................................... 88 A Coluna de Maria Prestes pelo Rio Grande do Sul Cezar Xavier................................................. 92 A Zona Franca de Manaus é do Brasil Vanessa Grazziotin*..................................... 99 Trinta anos da União da Juventude Socialista Osvaldo Bertolino*................................ 92 102 3 131/2014 A Cúpula do BRICS em Fortaleza O BRICS é um mecanismo destinado a impulsionar a economia dos grandes países emergentes – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, a liderar o crescimento da economia mundial nos próximos anos e décadas Severino Cabral* “Hoje, os poderes emergentes no mundo – China, India, Brasil e Rússia – estão jogando papel mais integral nesse processo de gestão.” Zbigniew Brzezinsk, in Strategic Vision: America and the Crisis of Global Power, 2012. (1) “Esses desafios vêm em um tempo no qual a ordem internacional já foi remodelada para o novo século. Países como China, Índia e Brasil estão crescendo aos trancos e barrancos.” Barack Obama, Speech to UK Parliament: Discurso ao Parlamento inglês. (2) “Mas o mundo do século XXI se caracteriza por mudanças fundamentais de atores, por causa de sua diversificação, e sobretudo do surgimento de novos gigantes – China, Índia, Brasil… O avanço técnico e a história deste último meio século certamente modificaram o rumo das coisas, mas o que parece mais importante, no plano estratégico, é certamente o rompimento dos dados geopolíticos”. Éric de la Maisonneuve, em Estratégia, crise e caos, 2005. (3) 4 Capa e a Nova Ordem Mundial Multipolar D esde que um relatório da firma Goldman & Sachs, de Londres, em 2001, despertou a atenção de analistas de todo o mundo, ao prever para o ano de 2050 a emergência do BRIC, assistiu-se a grandes mudanças na estrutura do sistema internacional. Na antecipação do autor do relatório, por volta de metade do século XXI, a estrutura do sistema mundial de poder estará apoiada na economia dos países cujas iniciais formam o acróstico: Brasil, Rússia, Índia e China. Esses países, por essa altura, se situariam no topo do sistema mundial. A ordem das coisas de tal forma se alterou desde então com a consolidação e ampliação do BRICS, com a incorporação da África do Sul ao conjunto –, que o formulador da “profecia realizada” acabou tomando distância da criatura e realizando outros in- tentos de “antecipação” que não se mostraram nada credíveis e não foram capazes de diagnosticar outros eventos portadores de futuro da mesma dimensão. O relatório, no entanto, serviu para atrair a atenção geral para a existência de macrotendências do sistema mundial, no século e milênio que ora se inicia. A primeira tendência que se anuncia é a de que só os grandes países do mundo de hoje, que sejam dotados de considerável espaço territorial, população e força econômica autônoma, podem aspirar a constituir um polo de poder mundial na forma de um Megaestado. Neste sentido, a unidade e a integração europeia servem de balizamento para a possibilidade de o bloco europeu tornar-se uma unidade política ativa do mundo contemporâneo: o seu êxito ou fracasso determinará a existência futura da Europa como grande centro mundial de poder. Como 5 131/2014 também é observável que os principais obstáculos no pós-Segunda Guerra, ao processo de industrialino caminho do BRICS para o topo da ordem munzação e assimilação da técnica e da ciência despertou dial relacionam-se à capacidade de cada um deles importantes forças irradiantes e insurgentes, com a manter, ampliar e até mesmo recuperar espaço, podescolonização da África, da Ásia e do mundo árabepulação e base econômica. Em suma, a característica muçulmano. Este último fenômeno, sinalizado peprincipal do processo em curso, a contrario sensu da la ressurgência do Islamismo como protagonista da fragmentação da “primeira onda globalizante”, é a cena internacional, tem impressionado observadores da constituição dos Megaestados, que serão amanhã de todo o mundo, a ponto de ser interpretado como o os sustentáculos da mundialização. desafio maior do pós-Guerra Fria. A segunda e decorrente tendência é de que o amUma quinta tendência influenciará de forma debiente internacional deverá ser profundamente alcisiva a configuração do mundo de amanhã. Trata-se terado em relação ao que era ao da emergência do mundo latifinal da Guerra Fria, sobretudo o no, cujo protagonismo possível sistema que sucedeu a bipolariencontra no futuro Megaestado A característica dade, e que se denominou a “Nobrasileiro seu principal ator. Emva Ordem Mundial”. Contudo, bora a Europa meridional seja principal do processo acontecimentos como as duas parte fundadora do mundo latiem curso, a contrario guerras do Golfo e o incidente no, o emergente bloco reunirá, do dia 11 de setembro de 2001 sobretudo, o conjunto dos países sensu da fragmentação são sintomas da profunda e drada América Latina. O novo munda “primeira onda mática instabilidade da ordem do latino-americano integrará internacional gerada pela unipouma grande área econômica caglobalizante”, é a laridade, vale dizer, a política de paz de impulsionar a criação de da constituição dos força de uma única potência. A uma nova ordem mundial multisuperação desse estado de coisas polar, sobretudo se vier a enconMegaestados, que só ocorrerá com a emergência de trar-se a América do Sul com o serão amanhã os uma nova ordem mundial mais Cone Austral Africano estabeledemocrática e mais legítima bacendo as bases de um polo merisustentáculos da seada num novo equilíbrio de dional de poder mundial. mundialização forças entre as nações. O advenEssas cinco macrotendências to de uma ordem multipolar sedesenham uma linha central que rá positivo para a criação de uma aproxima e fazem convergir, em situação internacional menos graus e intensidades variadas, as tensa e mais direcionada para a elevação do nível de estratégias dos grandes países do mundo emergente. vida das populações do mundo em desenvolvimento. Observa-se nesse processo que a China tenta consoA terceira tendência cada vez mais visível no lidar o seu processo de industrialização, e ampliar horizonte internacional é o papel da Ásia do Lessua participação no sistema internacional, apoiada te como um dos pilares do mundo multipolar em na defesa de uma ordem mundial estável. No caso gestação. O megadesenvolvimento da China (que já do Brasil – que é o maior país em desenvolvimento adquire a forma de um Megaestado), em seguida do hemisfério ocidental, detentor de recursos natuao do Japão e o da Coreia, transformou o mundo rais imensos e de uma grande população, desejosa Ásio-oriental na vanguarda do sistema internaciode contribuir para a elevação do bem-estar material nal. Trata-se de uma região de importância cada vez e espiritual de todos os povos –, essas macrotendênmaior no jogo de equilíbrio do poder mundial, concias presentes na cena internacional fazem-no cada sequentemente para a paz e o desenvolvimento do vez mais interessado num esforço conjunto com a mundo. Esta é a razão por que, neste começo de séChina, Rússia, Índia e África do Sul, numa pauta coculo e de milênio, a China e a Ásia Oriental enconmum em defesa do desenvolvimento pacífico e sustram-se no centro do processo da construção de um tentável. Compreendido este último como uma resdos pilares de sustentação do sistema internacional posta ao desafio gerado pelo aparecimento de uma multipolar de amanhã. economia globalizada e as ameaças dela resultante: Como quarta tendência é possível constatar a ampliação da diferença de renda entre ricos e pobres, ressurgência das civilizações afetadas em seu desdegradação ambiental, aumento do hiato financeiro, tino histórico pelo mundo euro-ocidental e pela científico e técnico existente entre os países indusciência e técnica modernas. O mundo que assistiu, trializados e o mundo em desenvolvimento. 6 Capa Ao visualizar essas macrotendências globais, em meio ao tumulto gerado pela crise dos mercados financeiros mundiais, não se deve perder de vista as contratendências presentes na conjuntura internacional A principal delas pode definir-se como o advento de uma “segunda onda globalizante”, que se anuncia fortemente vinculada a questões políticas suscitadas pelas chamadas ameaças climáticas e ambientais. Nela, a medição de força no campo econômico e financeiro, bem como científico tecnológico, tornar-se-á fator decisivo para a continuidade do desenvolvimento mundial. Assim que – para “navegar nessa nova onda global”, que desafia todos os países e ameaça a humanidade com o duplo flagelo do aquecimento do planeta acoplado ao desaquecimento econômico mundial – a estratégia a ser seguida pelos atores da cena mundial deverá estabelecer a “sobrevida dentro do ciclo” como a sua principal meta. O que resultará, é claro, num reforço da proteção dos recursos naturais e humanos de cada unidade política ativa do sistema internacional. Esta reação de autodefesa pode vir a desatar uma corrente protecionista entre as economias industriais e acarretar uma deterioração do comércio mundial, aprofundando o processo de crise da economia mundial e trazendo sérios entraves para o desenvolvimento dos países emergentes. Outra contratendência evidencia o risco que correm as unidades políticas nacionais com o aumento de tensões separatistas geradas por movimentos sociais radicais de fundo político-ideológico, étnico e religioso. Na outra ponta dos movimentos de “capitais desregulados” que provocam a desestabilização econômica mundial, esses movimentos sociais radicais também atuam para aprofundar a crise sistêmica e ameaçar a unidade e a integridade dos Estados. Neste sentido, visualiza-se uma crescente instabilidade nas diversas regiões do mundo, notadamente naquela que se situa no epicentro da crise mundial, estendendo-se do Norte da África e do Médio Oriente ao Centro e Sul da Ásia. Em que pese essa contratendência e a vasta crise financeira global a gerar incertezas, permanece a tendência principal de emergência de novos centros de poder mundial e do surgimento da multipolaridade como uma nova configuração da estrutura do sistema internacional. Sistema que se apresenta em seus principais contornos nesse início de século XXI marcado essencialmente pela presença dos países que constituem o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), megaestruturas de poder por sua indústria, população, extensão territorial e recursos naturais. Megapotências do século XXI, esses países estão desafiados a manter o crescimento das suas eco- nomias para atingirem novos degraus na busca do desenvolvimento sustentável e harmonioso. O que implica que se tornem uma força conjunta a trabalhar para a reativação da economia mundial e consequente retomada dos mais altos níveis de crescimento e desenvolvimento. O ano de 2008 assistiu à consolidação não só do bloco sul-americano como também à irrupção na cena internacional da concertação política dos países emergentes reunidos na sigla BRIC. Depois da reunião dos chanceleres do Brasil, da Rússia, Índia e China, na cidade russa de Ecaterimburgo, os presidentes desses países vieram a se encontrar na reunião anual do G-8, em Tóquio, acompanhados do México e África do Sul, onde praticamente lançaram as bases de um entendimento maior sobre os rumos da política internacional. A continuidade da crise financeira, contudo, levou-os a se encontrarem mais uma vez na estrutura ampliada do G-20, a discutirem a nova arquitetônica financeira internacional com o conjunto dos países industrializados. No entanto, a questão-chave para o equilíbrio de força mundial pós-Guerra Fria continua a ser a constituição de uma aliança estratégica entre os maiores países do mundo que emergem para a cena internacional nesse começo de século e de milênio. A estrutura do poder mundial, herdeira de uma evolução multissecular, só poderá vir a ser alterada de maneira positiva – sem quebra maior da unida- 7 131/2014 de alcançada com o final do processo de colonização geraram as Guerras do Golfo e o incidente de 11 de centralizada na Europa e que resultou no aparecisetembro de 2001. Esses países juntos somam 42% mento de duas centenas de nações soberanas – com da população mundial, 14,6% do PIB e 12,8% do coa emergência de novos suportes da estabilidade da mércio mundial em números de 2008. ordem internacional. A Cúpula dos Chefes de Estado e de Governo do A extrema complexidade da situação internacioBRICS já foi realizada em cinco cidades: Ecaterimnal do começo do século e do milênio aponta para o burgo, Brasília, Sannya, Nova Déli e Durban. Nesses desenvolvimento de tendências ora centralizadoras encontros, ampliou-se o consenso em torno de seus ora descentralizadoras no processo de globalização interesses comuns, e coordenaram-se seus esforços que se disseminou logo após o fim da Guerra Fria e na contenção dos efeitos da crise econômica global da bipolaridade. De tal modo que, em todas as soao mesmo tempo em que foi proposta a reforma do ciedades, tanto ocidentais como orientais, os fenôsistema financeiro internacional, no sentido de famenos de transgressão da lei e de ameaça anárquica vorecer uma melhor administração da crise em beinsurrecional tornaram-se comuns, ampliados que nefício de todos os membros da comunidade interforam pela expansão dos meios de comunicação e nacional. A negociação política que encabeçam não informação de massa. O casamento do satélite de ameaça a nenhum país ou bloco de países, mas tem comunicação com o computador, o caráter de resguardar os interesmuito além do que os pensadores ses dos países e povos do mundo A nova ordem da primeira metade do século XX em desenvolvimento. imaginavam, subverteu todos os Portanto, a partir desses enconmundial multipolar consensos e desencadeou o que se tros o mundo começou a familiarique a emergência pode denominar de uma mudanzar-se com a sigla criada em 2001 ça de “pele” da humanidade. Tal por Jim O’Neill. Passou a sentir o do BRICS anuncia tendência está a exigir das autorique ela significa de fato para a Orserá democrática dades e dos governos de todos os dem Mundial Multipolar que se está quadrantes uma arte de governar gestando num ambiente internacioe representará um cada vez mais flexível, dúctil, mas nal marcado pela maior crise finannovo momento que seja capaz de resistir a toda ceira e econômica desde a Grande força desconstrutora que ameace Depressão. Tal como se mostra hoje, do sistema a soberania dos Estados. O estudo o BRICS é um mecanismo destinainternacional de autores contemporâneos (como do a impulsionar a economia dos Kissinger e Brzezinski) que analigrandes países emergentes – Brasam essa problemática familiariza sil, Rússia, Índia, China e África do aquele que estuda o macroclima internacional com Sul – a liderar o crescimento da economia mundial algumas questões candentes da hora atual. nos próximos anos e décadas. Desse modo, é possível Tal como à época da Guerra Fria e do equilíbrio antecipar que a Sexta Cúpula do BRICS, em Fortaledo terror nuclear se exercitava a “chantagem nuza, encontrará a Comunidade Internacional cada vez clear”, em nossa época se pratica o que se poderia mais atenta às deliberações dos Chefes de Estado dos chamar de “chantagem climática e ambiental”. Em grandes países emergentes. Pode-se pensar tratar-se nome do combate ao desenvolvimento predatório e da mais importante realização do mundo pós-Guerra dissipador de recursos se tenta pura e simplesmente Fria, por ser um mecanismo que deverá exercer um impedir o desenvolvimento. De um lado, o conserpapel reitor na Nova Ordem Mundial Multipolar que vadorismo ambientalista irmanado com o ativismo se constrói nesta primeira década do século XXI, tenmilitante ergue barreiras ao crescimento e a geração do em vista o seu peso econômico crescente e sua lide riqueza, de outro, os organismos internacionais derança no apelo à mudança da ordem econômica e praticam o protecionismo a favor dos países desenpolítica internacional. volvidos criando óbices a políticas que favoreçam o Agora, em 2014, a cidade de Fortaleza, no Normundo em desenvolvimento. deste do Brasil, prepara-se para sediar a Sexta CúA primeira Cúpula do BRICS – e a partir da quarpula do BRICS, num momento de especial tensão ta Cúpula com a presença da África do Sul – viu o que envolve a Rússia e os EUA, mais a União Eumundo começar a se familiarizar com a sigla e tamropeia, numa queda de braço em torno do futuro bém com o que ela significa para a ordem mundial da Ucrânia. Os países membros do BRICS devem multipolar que se está a criar num ambiente interampliar o consenso em torno de seus interesses conacional ainda marcado pelos acontecimentos que muns e coordenar seus esforços na contenção dos 8 Capa efeitos da escalada da crise política que poderá vir a infletir sobre o ritmo de recuperação da economia. Ao mesmo tempo devem propor a reforma do sistema financeiro internacional no sentido de favorecer a melhor administração da crise em benefício de todos os membros da comunidade internacional e não apenas dos países desenvolvidos. A negociação que eles devem liderar não ameaça a nenhum país ou bloco de países, mas busca resguardar os interesses dos países e dos povos do mundo em desenvolvimento. A nova ordem mundial multipolar que a emergência do BRICS anuncia será democrática e representará um novo momento do sistema internacional. Deverá basear-se no entendimento e na cooperação dos povos de todos os continentes. Embora existam ainda fatores responsáveis pelos conflitos e pelas crises de violência em escala global, o momento aponta para uma nova ordem que se define pela transigência e a busca da harmonia dentro da diversidade. Neste sentido, creio visualizar no mecanismo BRICS, in fieri, um dispositivo capaz não só de unir os gigantes do mundo em desenvolvimento, mas também importante elemento de paz e desenvolvimento a sustentar a nova ordem mundial multipolar do século XXI. * Severino Cabral é historiador, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), diplomado em Altos Estudos de Política e Estratégia pela Escola Superior de Guerra (ESG) e diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de China e Ásia-Pacífico (IBECAP) Notas (1) O texto citado foi traduzido do original em inglês: Today the world’s emerging powers – China, India, Brazil and Russia – are playing a more integral role in this management process. Zbigniew Brzezinsk, in Strategic Vision: America and the Crisis of Global Power, 2012. (2) O texto citado foi traduzido do original em inglês: These challenges come at a time when the international order has already been reshaped for new century. Countries like China, India, Brazil are growing by leaps and bounds. Barak Obama, Speech to UK Parliament, Westminster Hall, Londres, 25 de maio de 2011. (3) O texto citado foi traduzido do original em francês: Or le monde du XXIe siècle se caractérise par des changements fondamentaux d´acteurs, en raison de leur diversification et surtout de l’émergence de nouveaux géants – Chine, Inde, Brésil… Le progrès technique et l’histoire de ce dernier demi-siècle ont certes modifié le cours des choses, mais ce qui apparaît le plus important, sur le plan stratégique, c’est bien le bouleversement des donnes géopolitiques. Éric de la Maisonneuve, in Stratégie crise et chaos, 2005. Referências bibliográficas BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. 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O primeiro passo foi impedir a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), proposta pelo então presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Bill Clinton, em 1994, que visava a atrelar as economias do continente aos interesses estadunidenses, seguindo a orientação neoliberal. Abraçado com entusiasmo pelo governo Fernando Henrique 10 Cardoso e pelo PSDB, o projeto foi recusado por Lula, que optou por fortalecer os laços com os países latino-americanos, através do Mercado Comum do Sul (Merosul) e da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). A agregação regional é fundamental, não apenas na América, mas em todo o Hemisfério Sul. O Hemisfério Norte já tem uma logística industrial, comercial, cultural, científica e tecnológica bastante desenvolvida, o que ainda é um desafio para o nosso hemisfério. Outro passo importante foi livrar-se da tutela do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os países sul-americanos podem ter no Brasil um motor para seu desenvolvimento. Podemos Capa adotar projetos arrojados de mobilidade urbana, nário internacional, construindo alianças pontuais com uma logística de metrô; e de transporte de carpara ação conjunta e unitária. Em 18 de outubro de ga, com trens e portos. Isso alavancaria também a 2005, durante uma visita de Estado do presidente indústria de máquinas e equipamentos nesses seLula à Rússia, os dois países assinaram um acortores. Através do BRICS e de outras articulações e do de aliança estratégica e também um acordo que instâncias, nosso país pode atuar para o desenvoltornou possível enviar o primeiro astronauta bravimento mais acelerado da América do Sul, o que sileiro, Marcos Pontes, ao espaço a bordo da Soyuz é muito importante para nosso próprio projeto de TMA-8. Em novembro de 2008, durante uma visita desenvolvimento nacional. Isso amplia o potencial de Estado do presidente Dmitry Medvedev ao Brade desenvolvimento da nossa indústria, aperfeiçoa sil, os dois países assinaram acordos de cooperação e qualifica nossos profissionais. Ao mesmo tempo, nos setores aeroespacial, nuclear e de defesa. internamente, temos que resolver os problemas da Pouco antes, em 9 de julho de 2008, os Chefes burocracia e dos gargalos econômicos, que emperde Estado e de Governo do BRIC se reuniram pela ram, ou direcionam para os títulos primeira vez, durante uma Cúpula públicos, os investimentos naciodo G-8; em 7 de novembro ocornais e internacionais. reu, em São Paulo, o primeiro EnOs países BRICS Em 1993, George Kennan, no licontro de Ministros de Finanças. atuam nas vro Around the Cragged Hill: A Personal Não existe um documento consand Political Philosophy, referiu-se a titutivo do agrupamento, nem instituições monster countries, países que combium secretariado fixo, nem fundos internacionais nam ao mesmo tempo uma extenpara financiar suas atividades. Posão continental e uma grande porém, visando a manter o diálogo, para resistir às pulação – os cinco países monstros identificar convergências, acertar intenções dos eram os Estados Unidos da Améação conjunta em diversos temas rica (EUA), a então União Soviétie, ainda, ampliar os contatos e EUA de promover ca, a China, a Índia e o Brasil. Em cooperação em setores específicos, novas normas, em 2001, o economista Jim O’Neil, do os cinco países passaram a realizar Banco de investimentos Goldman reuniões anuais e ainda incorpoespecial sobre o uso Sachs, no estudo Building Better raram a África do Sul, a partir de da força militar Global Economic BRICs, analisou os 2011, aos encontros (aumentando países com economias emergentes o acrônimo para BRICS, com o S (os “monstros” citados por Kennan, com exceção de South Africa). dos EUA, e a Rússia substituindo a União SoviétiMesmo com essa informalidade – e demonsca). Chamou a atenção para o fato de eles estarem trando que as reuniões têm tido papel positivo na ocupando posição cada vez mais relevante na econopolítica externa dos países envolvidos –, a Argenmia mundial. O’Neil apontava que os países BRICS, tina expressou o desejo de juntar-seà aliança, e em decorrência, estavam ainda mais atraentes paconta com o apoio de Brasil, Índia e África do Sul ra investimentos internacionais.Eles são os únicos, nesse intento. Também México, Irã, Cazaquistão e além dos EUA, que possuem, ao mesmo tempo, área Indonésia demonstram interesse em juntar-se ao territorial acima de 2 milhões de km², mais de 100 BRICS. Para a Argentina, sua aceitação no bloco pomilhões de habitantes e Produto Interno Bruto (PIB) de significar a obtenção de financiamento em connominal acima de US$ 1 trilhão. dições mais favoráveis do que as oferecidas por ouO agrupamento, propriamente dito, surgiu de tras organizações internacionais. Os países BRICS maneira informal, em 2006. Os chanceleres dos atuam nas instituições internacionais para resistir quatro países realizaram um almoço de trabalho, às intenções dos EUA de promover novas normas, coordenado pela Rússia, quando participavam da em especial sobre o uso da força militar. Usam as Assembleia Geral da Organização das Nações Uniinstituições multilaterais para tornar públicos seus das (ONU). No ano seguinte, novo almoço de trainteresses e angariar apoios. Três dos países da sibalho, desta vez coordenado pelo Brasil, quando foi gla, Rússia, China e Índia, têm poderio militar. A decidido realizar reunião específica dos chanceleres ascensão do BRICS é um sinal de multipolaridade doBRIC, o que aconteceu em 18 de maio de 2008, na ordem internacional. tornando a sigla uma entidade político-diplomáA primeira Cúpula aconteceu em 16 de junho tica. Os presidentes Vladimir Putin, da Rússia, e de 2009, sob o impacto da crise econômica iniciada Lula, buscavam, assim, destacar seus países no ceno ano anterior. Desde então, graças à ação conjun- 11 131/2014 ta, melhorou a participação do BRICS nas quotas denados, inclusive preparando declarações conjundo FMI e Banco Mundial. Em 2006, Brasil, China tas para reuniões da Diretoria. e Índia tinham 20% menos poder dentro do FMI Os ministros de Finanças e presidentes de bando que Holanda, Bélgica e Itália, embora suas ecocos centrais do BRICS se reúnem com certa periodinomias fossem quatro vezes maiores do que as eucidade – duas ou três vezes por ano, em média. Os ropeias. China, Índia e Brasil – 2ª, 4ª e 8ª maiores países BRICS fazem parte dos dez maiores países economias do mundo em 2010 – ocupavam a 7ª, 8ª do mundo em termos de PIB, área e população. Nee 13ª principais posições entre os cotistas do Banco nhum deles depende de capitais externos europeus Mundial e 9ª, 13ª e 17ª no FMI. Com as reformas, ou norte-americanos ou da assistência financeira do passarão a ocupar a 3ª, 7ª e 12ª posições no Banco FMI ou de outros organismos ainda controlados peMundial, e a 3ª, 8ª e 10ª no FMI. A Rússia passará à las potências tradicionais. 8ª no Banco Mundial e à 9ª no FMI (era a 10ª, nas Em 2013, os líderes do grupo decidiram criar duas instituições). um fundo de reserva no valor de Os pontos de consenso entre os US$ 100 bilhões para proteção em Os pontos de cinco países têm sido fortalecer a caso de instabilidade do mercaconsenso entre os segurança e a estabilidade interdo. Ficou também confirmada a nacionais; alcançar oportunidades criação de instituições financeiras cinco países têm iguais para seus desenvolvimenpróprias, inclusive um Banco de sido fortalecer tos; fomentar o multilateralismo, desenvolvimento. ”O banco dirigicom a ONU desempenhando pado pelo BRICS mobilizará a econoa segurança e pel central; reformar a ONU e seu mia interna e fornecerá financiaa estabilidade Conselho de Segurança,com apoio mento conjunto a infraestruturas de China e Rússia ao Brasil e Ínem regiões em desenvolvimento”, internacionais; dia para desempenharem maior saudou o presidente sul-africano, alcançar papel na ONU; buscar soluções poJacob Zuma. Trata-se de um projelíticas e diplomáticas para as disto-chave para o objetivo do BRICS oportunidades putas; favorecer o desarmamento de construir alternativas para as iguais para seus e a não-proliferação; condenar o instituições dominadas pelas poterrorismo; cooperar para o enfrentências ocidentais. Essas discusdesenvolvimentos; tamento dos efeitos da mudança sões devem avançar na reunião fomentar o climática; cumprir as Metas de Deque será realizada em Fortaleza. senvolvimento do Milênio; apoiar Essas estruturas pretendem ser multilateralismo, o combate à fome e à pobreza; e uma resposta às chamadas “guercom a ONU realizar reuniões, ao menos anuais, ras cambiais”, que evidenciam a dos ministros das finanças dos paínecessidade de se realizar trandesempenhando ses BRICS para discutir temas ecosações no comércio internacional papel central nômicos e financeiros. com suas próprias moedas. As Atuam em conjunto para eviinstituições financeiras do BRICS tar retrocesso nos temas financeiros e monetários, buscam reforçar suas moedas. para que não volte a prevalecer a ortodoxia liberal Em conjunto, esses países contam com 45% da que imperava antes da crise, que foi resultado da força de trabalho e 43% da população do planeta, falta de controles de capital. Graças ao BRICS, FMI 40% do total da reserva mundial e 2 bilhões de e Banco Mundial estão tendo de admitir que meditoneladas de produção agrícola. São responsáveis das de controle de capital podem ser benéficas para por, aproximadamente, 1/4 do PIB e 20% do invescombater as crises e também para preveni-las. Pautimento global. Contribuíram, em 2012, com 56% lo Nogueira Batista Jr., diretor executivo do FMI do crescimento do PIB mundial. Cada país man(representando o Brasil, a Colômbia, a República tém, igualmente, sua importância individual. ToDominicana, o Equador, a Guiana, o Haiti, o Panados eles vêm desenvolvendo programas de inclumá, o Suriname e Trindade e Tobago), afirma que são social, como oAgroamigo (o maior programa os cinco diretores executivos doBRICS no FMI se de microfinanças rural da América do Sul), o Bolreúnem com muita frequência para coordenar posa Família e o Programa Universidade para Todos sições sobre temas na pauta da diretoria ou inicia(ProUni), no Brasil; o programa Esquema Ladli, tivas do próprio grupo. Em matéria de cotas e da que enfrenta o infanticídio feminino na Índia; os governança do FMI, atuam frequentemente coorprogramas de transferência de renda para crian- 12 Capa O Brasil aumenta sua participação na economia global e se destaca no desenvolvimento sustentável ças, pessoas com deficiências e idosos, na África do Sul; os programas implementados pelo Gabinete para Eliminação da Pobreza do Conselho de Estado da China; e as políticas de emprego para jovens da Federação Russa. O Brasil aumenta sua participação na economia global e se destaca no desenvolvimento sustentável. A Rússia é importante produtora de energia, além de potência militar. A Índia tem grande mercado e influência regional. A China é a economia que mais cresce no mundo. A África do Sul cresce em importância como produtora de commodities. O valor do comércio BRICS-Mundo passou de US$ 1 trilhão, em 2002, para US$ 4,6 trilhões, em 2010; o comércio intraBRICS, no mesmo período, passou de US$ 27 bilhões para US$ 220 bilhões. O comércio Brasil-BRICS passou de US$ 10 bilhões, em 2003, para US$ 96 bilhões, em 2011. Foi superavitário para o Brasil e pode se ampliar com a crescente demanda chinesa e indiana por commodities agrícolas e minerais. Em geral, o Brasil exporta para os países BRICS bens primários e semimanufaturados e importa manufaturados mais sofisticados. A África do Sulé exceção, pois exportações e importações concentramse em produtos manufaturados. Em praticamente todas as questões da agenda internacional, o BRICS tem algum tipo de influência: tema ambiental, Doha, armamento, finanças. Em algumas questões, suas posições são convergentes; noutras, não. A China tem posição especial, no BRICS e no mundo. Brasil e Índia são o quarto e o quinto países que mais ativamente reclamam no mecanismo de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC).A sigla oferece algumas vantagens, como ação coordenada no plano das finanças internacionais, atitudes que se reforçam no Conselho de Segurança, por exemplo, e poucas desvantagens. A China, desde 2010 a segunda economia do mundo e maior exportadora global, é o principal parceiro comercial do Brasil (US$ 77 bilhões em 2011, com superávit de US$ 11 bilhões para o Brasil).O programa do Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres é uma parceria inédita entre Brasil e China no setor técnico-científico espacial. Com isso, o Brasil ingressou no seleto grupo de países detentores da tecnologia de geração de dados primários de sensoriamento remoto. Graças a essa cooperação, temos uma poderosa ferramenta para monitorar nosso território com satélites próprios de 13 131/2014 sensoriamento remoto, buscando consolidar uma armas, da moeda e das finanças, da informação e importante autonomia neste segmento. Nosso país da inovação tecnológica. é a sétima economia do mundo (“com viés para No mês de maio, especialistas e intelectuais dos ser a quinta”, segundo o ex-presidente Lula), e espaíses que formam o BRICS realizaram o Consenso tá entre o 3º e o 4º país preferido do Rio (contraponto ao Consenso pelo investimento direto estrande Washington, de 1989, que degeiro. Índia, a nona maior econofendeu o neoliberalismo) e indiTodos os mia; Rússia, a décima primeira, e a caram como prioridade absoluta integrantes do África do Sul vem fortalecendo sua de seus governos “promover o dedemocracia e economia. senvolvimento econômico como BRICS também O BRICS vem se consolidanesteio do desenvolvimento social consideram a do como foro político-diplomáticom sustentabilidade ambiental, co integrado por representantes tendo em vista o imperativo de gamanutenção da de quatro continentes. Foi fortarantir o pleno emprego e reduzir a paz uma condição lecida a cooperação setorial em pobreza e a desigualdade econôáreas como agricultura, estatísmica, o que jamais ocorrerá numa essencial para tica e bancos de desenvolvimensociedade estagnada”. a promoção do to; avançou a atuação na área de A agenda que propuseram é a ciência e tecnologia e no campo da que defendemos também para o desenvolvimento e saúde, entre outros. Há também Brasil, como a forte presença reguprogresso social e posicionamentos para além de teladora e indutora do governo cenmas econômicos. Todos os países tral na economia, especialmente econômico do grupo debateram, em 2011, no em setores estratégicos, e comproConselho de Segurança da ONU, misso em garantir bens básicos patemas candentes, como a questão da Líbia. Na rera a população; fortalecimento dos bancos públicos união de seus vice-ministros, em novembro, na de desenvolvimento e das empresas estatais estraRússia, aprovaram uma declaração abrangente sotégicas; controle de capitais; integração econômica; bre temas como a situação na Síria, Líbia e Iêmen, desenvolvimento tecnológico e sustentável, dentre o conflito árabe-israelense e o programa nuclear outros pontos. Todos os integrantes do BRICS tamiraniano. bém consideram a manutenção da paz uma condiO Brasil tem no BRICS uma plataforma adicioção essencial para a promoção do desenvolvimento e nal, e não exclusiva, de atuação na política externa. progresso social e econômico. Em 2003, foi constituído o Fórum Índia, Brasil, ÁfriÉ com esta visão que daremos as boas-vindas em ca do Sul (IBAS), as Cúpulas América do Sul-ÁfriFortaleza, nos dias 15 e 16 de julho, aos líderes goverca (ASA) e América do Sul-Países Árabes (ASPA). namentais de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Existe também o grupo Brasil, África do Sul, Índia e Sul, aos empresários e ativistas de organizações soChina (BASIC), para negociações sobre mudança do ciais e movimentos em defesa da paz, solidariedade clima. O Brasil mantém relações diplomáticas com e cooperação desses países, que integrarão as deletodos os países-membros da ONU e é membro de 73 gações – está prevista a participação de 750 pessoas, instituições internacionais. além das representações das cinco maiores empresas O desafio para o BRICS é manter-se como um de cada um dos cinco países, bancos de desenvolvibloco nas negociações com os EUA, a União Eumento e cerca de 1.500 jornalistas de todo o mundo. ropeia e o Japão e estimular o intercâmbio múltiComo afirmou a presidenta Dilma Rousseff, os plo em suas sociedades, facilitando a circulação de países BRICS resistiram “à crise global, que afeta os pessoas entre os seus membros. Cogita-se a criamercados dos países desenvolvidos, com políticas ção de vistos BRICS em passaportes de homens de que reforçam nossa capacidade e nossa estabilidade negócios, professores e pesquisadores. Esses países econômica. Nós nos distinguimos também porque podem se tornar, em cooperação, centros de excetemos aplicado um modelo de desenvolvimento com lência na área de defesa, microeletrônica, biotecnoinclusão social. Em todos os BRICS ocorreu uma logia, robótica, nanotecnologia, telemedicina, ensensível redução das pessoas que vivem abaixo da volvendo um plano de ação em ciência, tecnologia linha da pobreza”. É neste caminho que desejamos e inovação. As “grandes potências”, por seu lado, avançar, e avançar mais. buscam impedir o surgimento de novos Estados e * Inácio Arruda é senador da República pelo PCdoB-CE economias líderes, através da monopolização das 14 Capa O BRICS na Terra do Sol e do crescimento socioeconômico Cid Ferreira Gomes* O sexto encontro de Cúpula do BRICS acontece em um estado brasileiro sintonizado com o ritmo de desenvolvimento socioeconômico que a entidade internacional persegue Setur D iferentemente dos pactos militares, que podem envolver parceiros dispersos por diferentes continentes, os blocos comerciais tendem a aglutinar países vizinhos, ou que revelem afinidades históricas e culturais. Assim, formaram-se Vista aérea de Fortaleza (CE), cidade que sediará a VI Cúpula do BRICS. À esquerda, a marca do evento a União Europeia, o Mercado Comum do Sul (Mercosul), o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta, sigla em inglês) e tantos outros. Já o BRICS foi criado ignorando a contiguidade geográfica. Integrado inicialmente por Brasil, Rússia, Índia e China, não se constitui, exatamente, 15 131/2014 em uma associação comercial formal, mas em uma guem-se: Brasil, 84ª; China, 101ª; África do Sul, 123ª; aliança que tem revelado excelente sincronia, quane Índia, 134ª. De fato, há um caminho a ser percorrido se trata de fazer valer seu crescente poder econôdo. E neste caminho há muitas pedras. mico. Em 2011, o grupo acolheu a África do Sul (e, com ela, o “S” de South Africa, no final da sigla). Os prognósticos de Jim O’Neil O motor da nova associação foi o fato de todos os parceiros se encontrarem em um estágio similar de A ideia de se agruparem as economias mais prósdesenvolvimento, caracterizando-se como mercados peras do mundo em desenvolvimento havia sido foremergentes, com interesses semelhantes e os mesmos mulada, em 2001, por Jim O’Neil, economista-chefe desafios a serem enfrentados no tabuleiro internacional. da Goldman Sachs, grupo financeiro sediado em NoDe que tamanho é essa nova força? A posição do va Iorque. No estudo intitulado Building Better Global BRICS em diferentes rankings revela Economic BRICs, O’Neil mapeava, que estamos diante de importantes até 2050, as economias dos quatro Um dos resultados protagonistas da cena mundial. A países que inicialmente comporiam China, com a maior população do o BRICS, a partir de projeções demais significativos globo, ocupa o primeiro lugar em mográficas e modelos de acumudo surgimento volume de exportações, balança colação de capital e crescimento de mercial e consumo de eletricidade, produtividade. Em seguida, avado BRICS foi enquanto exibe o segundo maior liava a possibilidade de as econoa mudança Produto Interno Bruto (PIB) nomimias desses países superarem as do nal, ocupando também o segundo G6 (Estados Unidos, Japão, Reino operada no poder lugar em importações. Unido, Alemanha, França e Itália, econômico global, A Rússia, outro gigante, tem a primeiros integrantes do grupo que maior área e a maior produção de viria a constituir o G8). que não mais se petróleo. Detém o quarto lugar nos Em 2006, o conceito de O’Neil concentra em meia itens “balança comercial” e “consudeu origem à nova coligação coopemo de eletricidade”. rativa. Até então, as ideias nascidas dúzia de economias Já o Brasil exibe a quinta maior na Goldman Sachs eram apenas desenvolvidas isso: ideias. Os países apontados área, quinta maior população, sexto por Jim O’Neil, em seu estudo, não PIB nominal, sexto lugar em consuhabituadas a ditar exercitavam, entre si, qualquer memo de energia e nono em produção normas canismo que permitisse uma articude petróleo. lação interna. Exibiam característiA Índia tem a segunda maior cas e interesses comuns, mas inexistia um mecanismo população do planeta e a quinta maior balança coque os motivasse a trabalhar coletivamente. A grande mercial. mudança ocorreu naquele ano, a partir de uma reuPor sua vez, a África do Sul, com desempenho nião dos chanceleres dos quatro países, à margem da mais modesto, apresenta, digno de nota, um 14º lugar 61ª Assembleia Geral das Nações Unidas. O entendiem consumo de eletricidade. mento a que chegaram os ministros foi o passo inicial Ressaltemos, também, as fragilidades desse grupara que Brasil, Rússia, Índia e China se aproximaspo, posto que há uma longa agenda de problemas a sem de fato e começassem a atuar em conjunto. serem solucionados e estes se constituem, sem dúviO que se seguiu foi uma série de reuniões de da, em itens da pauta a ser discutida em Fortaleza. cúpula, que resultou em definições necessárias, enLembremos que no quesito “liberdade econômica”, o quanto, na comunidade internacional, se gerava o desempenho menos sofrível é o da África do Sul, que convencimento de que existia uma nova parceria ocupa o 50º lugar na escala mundial. Seus parceiros intercontinental, partilhando responsabilidades no do BRICS distanciam-se muito na retaguarda: Brasil, novo cenário que se desenha para o planeta. Os suem 81º lugar; China, 111º; Índia, 121º; e Rússia, 122º. cessivos encontros terminaram moldando – e consoPouco animador, nessa nova família de países lidando – a nova força. é também o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), indicador a que são submetidos, a cada ano, os Com a união, o fortalecimento países membros da ONU, e que leva em conta dados como a expectativa de vida ao nascer, educação, PIB e É sabido que, mais do que em qualquer outra PIB per capita. Aqui, o BRICS mais bem posicionado é área, na seara da economia mundial a união resulta a Rússia, que ocupa uma modesta 66ª colocação. Se- 16 Capa em fortalecimento mútuo. De fato, quanto mais o tórios, onde se confirmavam os prognósticos de Jim BRICS se consolida, mais se acentua a importância O’Neil – afirmou que os países BRICS foram os que dos países membros como atores internacionais, e já se recuperaram da crise mais galhardamente. E não não somente no plano econômico e financeiro, mas descartava a hipótese de que o bom desempenho também no campo político. Orientando as relações, econômico, no período de vacas magras, se deveu ao dentro do grupo, por uma pauta que define mais de comércio no interior do bloco. 30 áreas de cooperação, o BRICS tem conseguido Num ensaio dos mais criteriosos (Contratos intercoordenar suas posições nas Nações Unidas e em nacionais entre os países do BRIC), seus autores – Adler outros fóruns como o G-20, o Banco Mundial e o Antonio J. A. de Gomes Martins, Pedro Gustavo G. Fundo Monetário Internacional. Andrade e Renato Schweizer – exemplificam essa Cabe destacar que, até o momento, o BRICS preperformance lembrando que o Brasil se beneficiou do serva um caráter informal. Não existe um documenfato de “a China ter-se tornado seu maior importato constitutivo, não se estabeleceu dor durante vários meses de 2009, ainda, por exemplo, a figura de um conforme estatísticas do Ministério Cabe agregar secretário-geral fixo, baseado em do Desenvolvimento, Indústria e informação uma sede própria, contando com Comércio Exterior”. Logo em sefundos específicos destinados a faguida, as exportações brasileiras divulgada pelo zer funcionar a nova estrutura. O para aquele país atingiam volume FMI, segundo a BRICS, na verdade, se assenta na 40% maior do que o das exportavontade política de seus membros, ções para os Estados Unidos. qual, na década de podendo-se supor que, no futuro, O estudo assinala que, para2000-2010, o BRICS lelamente a esse desempenho no em dado momento, um certo grau de institucionalização venha a se comércio internacional, os países foi responsável definir. De toda forma, o modus opedo BRICS “desenvolveram suas (sozinho) por mais randi hoje colocado em prática tem relações diplomáticas e formaram levado a uma evolução constante, fora do âmbito econômide 50% da produção coalizões que assinala como irreversíveis os co”. Citam-se, como exemplos, “o adicional de riqueza papel do Brasil e da Índia nas reiavanços obtidos. Entendo que um dos resultados vindicações em prol das economias no mundo mais significativos do surgimento emergentes nas negociações de do BRICS foi a mudança operada Doha; o fórum IBAS, entre Índia, no poder econômico global, que não mais se concenBrasil e África do Sul, que reúne três democracias tra em meia dúzia de economias desenvolvidas hade três continentes; a coalização do BASIC, formada bituadas a ditar normas, geralmente contrárias aos por Brasil, África do Sul, Índia e China, que buscou a interesses dos países periféricos. Promoveu-se um defesa de interesses comuns sobre questões ambiensalutar reequilíbrio de forças, que tende a ensejar tais e climáticas entre os países na recente Conferênmudanças cada vez mais importantes no plano da cia de Copenhague; além da participação dos países influência geopolítica e no mapa do desenvolvimenno G-20, que engloba, além do G7, uma série de paíto socioeconômico. ses periféricos que, cada vez mais, buscam aumentar Breve repasse de alguns indicadores revela um seu poder de reivindicação acerca de questões finanmundo em transformação. Em 2003, os países que ceiras globais. Brasil e Índia também buscam, juntavieram a constituir o BRICS respondiam por 9% mente com Alemanha e Japão, no chamado G4, um do PIB mundial. Em 2009, esse valor já se elevava assento permanente no Conselho de Segurança das a 14%. Em 2010, o Produto Interno Bruto conjunto Nações Unidas, que já possui outros dois países do dos cinco parceiros totalizava US$ 11 trilhões, reBRICS: China e Rússia”. presentando 18% da economia do planeta. Hoje, já O objetivo do ensaio acima citado é, na verdade, supera o dos Estados Unidos e da União Europeia. analisar a legislação interna e as convenções internaAinda nessa linha de referências, cabe agregar inforcionais ratificadas pelos parceiros do BRICS, a fim de mação divulgada pelo FMI, segundo a qual, na décaorientar empresários e advogados que lidam, nesses da de 2000-2010, o BRICS foi responsável (sozinho) países, com os contratos internacionais de compra e por mais de 50% da produção adicional de riqueza venda. Trata-se de uma contribuição importante, pois, no mundo. com a aproximação econômica, lembram os autores, Após a crise econômica de 2008-2009, o Gold“afigura-se necessário estudar o arcabouço jurídico man Sachs – que continuou publicando novos relados membros do grupo, em especial no que concerne 17 131/2014 aos contratos internacionais, a fim de eliminar os entraves à integração econômica no âmbito do BRICS”. Um histórico dos encontros 18 Estado - Ceará Os países do BRICS reuniram-se pela primeira vez a 16 de junho de 2009, em Ecaterimburgo, na Rússia. Ali, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontrou seus colegas Dmitry Medvedev, o anfitrião; Manmohan Singh, da Índia; e Hu Jintao, da China. Na ocasião, foram discutidos temas relacionados ao comércio internacioCid Gomes, ao centro, com nal, à possibilidade de embaixadores dos países que compõem o grupo do BRICS, substituição do dólar em Fortaleza como moeda de reserva e à participação dos parceiros nos organismos internacionais. Uma semana antes, o Brasil oferecera US$ 10 bilhões ao Fundo Monetário Internacional. Com esse ato, o País como que oficializava sua mudança de posição na esfera econômica mundial. China e Rússia também fizeram anúncios semelhantes. O Brasil viria a receber a segunda Cúpula do BRICS, que aconteceu nos dias 15 e 16 de abril, em Brasília. Na ocasião, a Rússia anunciou demandas para investimentos em rodovias e aeroportos; o Brasil, em ferrovias, aeroportos, hidrovias e estrutura urbana; a China sugeriu a troca de informações para segurança alimentar, de modo a evitar grandes altas nos preços dos alimentos. O calendário de encontros se seguiu com a Cúpula de Sanya, na China, a 14 de abril de 2011; a de Nova Déli, na Índia, a 29 de março de 2012; e a de Durban, na África do Sul, a 26 de março de 2013. Agora é chegada a vez de Fortaleza. O sexto encontro de Cúpula do BRICS acontece em um estado brasileiro sintonizado com o ritmo de desenvolvimento socioeconômico que a entidade internacional persegue. Repetidamente, o Ceará tem superado limites, apresentando um ritmo de crescimento superior ao da média nacional. Esse bom desempenho se deve, principalmente, aos investimentos públicos realizados nos últimos anos, cabendo, igualmente, destacar a atuação do setor de serviços, que muito tem contribuído para elevar a taxa de crescimento do PIB estadual. Naquilo que corresponde ao governo do estado, é oportuno lembrar que as gestões fiscal e orçamentária têm propiciado mais arrecadação, viabilizando-se, consequentemente, a ampliação dos investimentos em infraestrutura. Hoje, há um reconhecimento de que o estado tem sabido arcar com suas responsabilidades. E, muito provavelmente, é isto que coloca o Ceará na vanguarda das inovações em termos de novos instrumentos de gestão pública, com reflexos diretos em uma taxa de crescimento acelerado e sustentável. Tudo acontece, é claro, na perspectiva de se reduzirem as disparidades, tanto aquelas que se formam entre as classes sociais, quanto as que se aprofundaram, ao longo de nossa história, levando a um patamar inaceitável as diferenças no índice de desenvolvimento apresentado pelas regiões do País. É assim que, com muito otimismo e um justificado sentimento de orgulho, o Ceará abre as portas do seu monumental Centro de Eventos para acolher o BRICS. O encontro acontecerá nos dias 15 e 16 de junho, logo após a realização da Copa FIFA 2014, a grande competição do futebol mundial, da qual também seremos anfitriões. O Ceará está preparado para receber a presidenta Dilma Rousseff, os mandatários estrangeiros e as respectivas comitivas. Paralelamente à reunião de Cúpula, deverá acontecer um encontro de representantes das principais empresas dos cinco países, o que potencializará os resultados do evento programado para a capital cearense. Durante dois dias, o BRICS desfrutará de nossa hospitalidade enquanto, ao mesmo tempo, nos brindará com seu prestígio, dando visibilidade ainda maior a Fortaleza e ao Ceará. Os líderes de países emergentes, em sua visita, aqui encontrarão uma vontade de crescer e reordenar aquelas estruturas que até pouco tempo atrás pareciam imutáveis e que impunham a divisão do País em regiões eternamente pobres, subservientes, e regiões ricas e desenvolvidas. Se o BRICS demonstra uma nova configuração da ordem mundial, atribuindo maior peso aos países emergentes, o Ceará se presta como modelo para um novo desenho de Brasil, graças à irrefreável vocação dos cearenses para o trabalho, a criatividade, a inovação, a coragem de fazer. * Cid Ferreira Gomes é governador do Ceará 19 131/2014 BRICS e um novo sistema de governança global Embaixada da República Popular da China How Hwee Young/AFP A presidenta Dilma Rousseff, o presidente da China, Hu Jintao, e o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, antes de coletiva de imprensa da Cúpula do BRICS de 2011, na cidade de Sanya, província de Hainan, China A expectativa para a 6ª Cúpula do BRICS é de que os países membros venham a se tornar verdadeiramente uma sólida fortaleza na manutenção da estabilidade e paz mundial e na promoção do desenvolvimento, modelando, ainda, a governança mundial D esde o século 21, as economias emergentes ascenderam juntamente – o que reverteu o quadro no qual a economia mundial foi impulsionada principalmente por economias avançadas durante mais de 200 anos. Em 2001, BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ainda era apenas uma concepção econômica e de investimentos. Com mais de uma década, es- 20 pecialmente desde a primeira cúpula dos líderes do BRICS, realizada em 2009 em Ecaterimburgo, até as cúpulas de Brasília, Sanya, Nova Déli e a de Durban do ano passado, o mecanismo do encontro entre líderes do BRICS foi se aperfeiçoando continuamente. Com o BRICS já se formou um quadro de cooperação de multiníveis e áreas amplas. Com os resultados conquistados nas cooperações pragmáticas, a cooperação interBRICS agora tem um conteúdo sólido. Capa Atualmente, a população dos países BRICS ocucontinuaram a crescer, e tornaram-se motor do crespa 42% do total mundial, o território quase 30% do cimento econômico mundial. Atualmente, mesmo mundo, a economia, somada, 21%, e o volume do com uma desaceleração relativa, os fundamentos comércio exterior ocupa 21%. Durante os últimos econômicos dos países BRICS ainda estão favorádez anos, a contribuição desses países para o cresciveis, e a velocidade de crescimento em média é mais mento econômico mundial superou 50%, tornando o de duas vezes superior à dos países avançados. BRICS um motor importante (uma mola mestra) da Segundo, além das vantagens destacadas de forrecuperação e do crescimento sustentável da econoça de trabalho, recursos e mercado, os países BRICS mia global. Conforme previsões de alguns analistas, souberam explorar ativamente o curso de deseno Produto Interno Bruto (PIB) acuvolvimento que corresponde às mulado do BRICS superará os EUA próprias realidades, acelerando as BRICS já se tornou até 2018, e o G7 até 2030. reformas e inovações. Daí alcanEnquanto o poder econômico çaram resultados notáveis no seu uma plataforma cresce, o grupo BRICS já se tornou desenvolvimento socioeconômico estratégica para as uma plataforma estratégica para as e um poderio muito maior do que principais economias emergentes antes, com melhor capacidade paprincipais economias realizarem diálogos e cooperações, ra enfrentarem desafios e resolver emergentes e participarem ativamente da goproblemas. Atualmente, os países vernança global, tornando-se uma BRICS, incluindo a China, estão realizarem diálogos força importante na preservação promovendo ativamente as refore cooperações, da paz mundial e promoção do demas, a modificação de modelo de senvolvimento comum. Os cinco desenvolvimento, a estabilidade fie participarem membros desse grupo são os prinnanceira e de receita, e um desenativamente da cipais países grandes nos respectivolvimento impulsionado por inovos continentes, e membros imporvação. Estamos convictos de que governança global, tantes das Nações Unidas, do G20 e com o avanço contínuo dos nossos tornando-se uma demais organismos internacionais trabalhos, além da recuperação e mecanismos multilaterais, deprogressiva da economia mundial, força importante na sempenhando também papéis críos países BRICS voltarão a crescer preservação da paz ticos em vários organismos regiorápido. nais. Os cinco países têm mantido O mundo de hoje está vivendo mundial e promoção estreitas ordenações e cooperações profundas mudanças. A conjundo desenvolvimento sobre uma série de questões intertura internacional enfrenta novos nacionais críticas – como crise fireajustes. As incertezas e fatores comum nanceira, mudança climática e ouinstáveis que influenciam a situatras questões relevantes regionais, ção tanto global como regional contribuindo grandemente para a defesa dos inteaumentam. É uma questão polêmica após outra. A resses globais dos países em desenvolvimento, e pamultipolarização avança ziguezagueando. A econora que os países emergentes e em desenvolvimento mia mundial sofre reajustes profundos, com uma tenham maior representatividade e voz nos assuntos recuperação lenta e difícil e a falta de vigor. Para internacionais. um desenvolvimento econômico forte, sustentável e Claro, nada se desenvolve sempre de vento a faequilibrado ainda tem um caminho muito longo a vor, e a trajetória do BRICS não é exceção. No ano percorrer. O grupo BRICS, formado por economias passado, devido a grandes dificuldades tanto interemergentes e países em desenvolvimento, que denas como externas e à desaceleração relativa de suas sempenha um papel importante na recuperação ecoeconomias, novamente surgiram vozes a depreciar o nômica mundial e na promoção da ordem mundial BRICS perante a opinião pública internacional, prenuma direção mais justa e razoável, precisa se unir e vendo com pessimismo o mecanismo do BRICS e as cooperar para ganhar mais vigor de desenvolvimencooperações interBRICS. No entanto, muitas críticas to e coesão entre si, com o objetivo de abrir novas e dúvidas são exageradas e parciais. perspectivas do nosso próprio crescimento econôPrimeiro, o desenvolvimento econômico sempre mico, enquanto impulsiona o crescimento econôtem altos e baixos. Desde o início do século 21, os mico mundial, fazendo contribuições para a paz e países BRICS mantêm um crescimento rápido. Mesestabilidade do mundo. Os países BRICS são muito mo passando pela crise financeira mundial de 2008, diferentes e complementares nos recursos naturais, 21 131/2014 estrutura setorial e rumo de desenvolvimento, e já do BRICS, têm sido publicadas várias declarações e apresentam uma base sólida de cooperação econôvários comunicados conjuntos e assinados diversos mica. Atualmente, o seu volume de comércio extedocumentos de cooperação nas áreas de economia e rior ocupa 16% do total mundial, enquanto o vocomércio, finanças, investimento e tecnologia, entre lume de comércio interBRICS só chega à ordem de outras. Vale especialmente recordar que, na V Cúpula 336 bilhões de dólares, ou seja 1,5% do total munrealizada no ano passado, os líderes dos cinco países dial. Isso demonstra que o potencial da cooperação concordaram em estabelecer o Banco de Desenvoleconômica interBRICS ainda não chegou a 100%. vimento do BRICS e a reserva de divisas de continDevemos demonstrar confiança no nosso rumo de gência com um valor inicial de 100 bilhões de dóladesenvolvimento e na perspectiva do BRICS. Assim res. Essas duas decisões são medidas fundamentais que definirmos o rumo certo, apliquemos medidas para a construção do mecanismo e fortalecimento eficazes, agarremos a oportunidade e avancemos de da cooperação pragmática, e contribuem ativamente mãos dadas, e então teremos um futuro brilhante de para a melhoria da governança financeira global. Ao cooperação interBRICS. longo de mais de um ano, avançaram os trabalhos a O primeiro ciclo da cúpula do BRICS terminou esse respeito a passos seguros. Esperamos obter proexitosamente em 2013, em Durban, na África do gressos substanciais nesta cúpula. Ao mesmo temSul, e este ano ocorrerá no Brasil. po, todas as partes devem acelerar Sendo membro do BRICS, o Braa cooperação pragmática nas áreas Os países BRICS sil tem-se esforçado, junto com de economia e comércio, finanças, os outros membros, no sentido infraestruturas, indústria, saúde, devem reforçar de ampliar a cooperação, manter agricultura, estatísticas, tecnologia ainda a coordenação a comunicação e coordenação, e intercâmbio do pessoal. apresentar várias sugestões consEm segundo lugar, reforçar a das políticas trutivas para o estabelecimento e cooperação econômica e buscar macroeconômicas a melhoria do mecanismo do grunovos pontos de crescimento. Sob po, assumir trabalhos importano contexto da lenta recuperação para enfrentarem tes – particularmente nos temas econômica mundial, dos riscos do conjuntamente os de redução da pobreza, proteção mercado financeiro internacional, ambiental, governança cibernéda aceleração do processo das neriscos do mercado tica, reforma dos organismos ingociações dos tratados de livre coglobal ternacionais de finanças e de comércio regional – que não incluem mércio –, contribuindo assim para os países do BRICS –, e do abranaumentar a influência do BRICS damento do crescimento econôe defender os interesses do conjunto. Vale ressalmico do BRICS, a China acha que os membros do tar que as relações sino-brasileiras se desenvolvem BRICS precisam desenvolver uma parceria econôrapidamente e se tornam uma miniatura vívida da mica mais estreita, por meio da elaboração de um cooperação de benefícios mútuos e ganhos comparquadro da cooperação pragmática econômica de tilhados entre os membros, refletindo a forte vitadiversas áreas, de abertura mútua e de integração lidade e perspectivas promissoras da cooperação do entre os mercados dos membros, da complementaBRICS. Esperamos que o Brasil, durante o seu manridade mútua dos fatores de produção de capitais, dato de presidência rotativa, possa elevar a coopeforça de trabalho, tecnologia e recursos naturais, ração e o mecanismo do BRICS a um novo patamar. aumentar a liberalização do comércio e a facilitação A VI Cúpula do BRICS iniciará o segundo ciclo de de investimento, proporcionando, assim, uma nova reuniões de seus países integrantes, ou seja, o mecaforça-motriz ao crescimento econômico dos memnismo passa da fase inicial para a fase madura. Cobros do grupo. Os países BRICS devem reforçar mo dizem os chineses, um bom começo é a metade ainda a coordenação das políticas macroeconômido sucesso. Se esta cúpula começar bem, o desenvolcas para enfrentarem conjuntamente os riscos do vimento do BRICS na nova etapa será mais favorável mercado global, e promoverem juntos a reforma do e o caminho será cada vez mais amplo. mecanismo da governança econômica global para Como andam os primeiros passos do segundo cidefender os interesses do BRICS e dos países em clo? Do nosso ponto de vista, são os seguintes: desenvolvimento, criando novos pontos fortes para Em primeiro lugar, implementar ativamente os a cooperação do BRICS. consensos alcançados e acelerar a cooperação pragEm terceiro lugar, continuar a desempenhar mática de diversas áreas. Desde a primeira cúpula um papel construtivo na reforma do sistema da 22 Capa FMI/Stephen Jaffe governança mundial e promover reforma para obter avanços substanciais. O sistema atual da economia internacional fundouse há mais de meio século e já não pode refletir completamente as mudanças na situação internacional atual e o papel importante das economias emergentes e dos países em desenvolvimento, representadas pelos países BRICS no processo de encarar a crise financeira internacional e estimular o Ajudar a promover a reforma das instituições financeiras e econômicas internacionais é um dos crescimento econômidesafios do BRICS. Na foto, reunião anual do Fundo Monetário Internacional em Washington, 2013 co mundial. Nos anos recentes, os membros mento da reforma do FMI e aumentar a capacidade do BRICS participam ativamente na reforma das de enfrentar riscos financeiros mundiais. instituições da governança econômica mundial, coO BRICS constitui um modelo clássico de coomo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco peração entre países de diferentes regiões, regimes, Mundial e reivindicam tenazmente em instituições modelos e civilizações. Acabando de completar o pricomo Organização das Nações Unidas (ONU), G20, meiro ciclo das cúpulas, o BRICS tem ainda à sua Organização Mundial do Comércio (OMC), para gafrente muitas questões a serem discutidas. Mas, no rantir maior representatividade e voz das economias final das contas, a solução se baseia no desenvolviemergentes e países em desenvolvimento em temas mento e na cooperação. Para manter a tendência de importantes globais – o que não só corresponde à desenvolvimento do BRICS, os países membros prerealidade da transformação profunda da situação cisam não só desenvolver a sua força própria, mas internacional, mas também conduz ao impulso da também estimular a criatividade e se comunicarem ordem internacional a um caminho mais justo e rasinceramente, criando um BRICS forte e sólido. Eszoável, de forma a fornecer garantias institucionais tamos plenamente confiantes no futuro do BRICS. à estabilidade e paz mundial. O mecanismo do BRICS – através da cooperação, No futuro, os países BRICS deverão continuar a e numa atitude transparente, aberta e inclusiva – prodesempenhar um papel construtivo na reforma do move, participa e modela ativamente a governança sistema da governança mundial, promover a reformundial, constituindo uma energia positiva de desenma das instituições financeiras e econômicas intervolvimento comum, humano e de estabilidade e paz nacionais como OMC, FMI, Banco Mundial, Consemundial. A palavra “fortaleza” em português significa lho de Estabilidade Financeira, ampliar ainda mais solidez e base. Esperamos que, através da realização da a voz e o direito de formular regras das economias cúpula em Fortaleza, os países BRICS venham a se toremergentes na governança da economia mundial, nar verdadeiramente uma sólida fortaleza na manutrabalhando juntos para estabelecer uma nova ortenção da estabilidade e paz mundial e na promoção dem econômica justa e equitativa, benéfica, mútua, do desenvolvimento e prosperidade. Em 2014, o Brasil inclusiva e ordenada. Atualmente, é necessário esrealizará sucessivamente eventos de maior regozijo e pecialmente às partes interessadas que implemende grande importância. Estamos com esperanças e fatem a cota e o projeto da reforma da governança zemos votos de um grande sucesso na realização da ratificados pelo FMI em 2010 e iniciem com a maior Copa do Mundo e da VI Cúpula do BRICS no Brasil, brevidade e concluam o novo ciclo da revisão geral que trarão ao mundo alegria e felicidade. da cota, para se manter a tendência do desenvolvi- 23 131/2014 Geopolítica e o poderio político-militar, econômico, informativo e de valores Leonid Kalashnikov* MEF Leonid Kalashnikov: “O exemplo do BRICS coloca em evidência que os três elementos (poderio político-militar, econômico e informativo) exercem influência sobre a configuração do equilíbrio de forças internacional atual” http://www.rtvslo.si/ O Partido Comunista da Federação da Rússia ressalta com satisfação que os países do BRICS se expressam com uma posição consensual diante dos problemas mundiais de maior importância, inclusive no rechaço às sanções ilegais contra a Rússia, vinculadas à crise na Ucrânia Desfile militar em Moscou lembra a vitória soviética sobre os nazistas na Segunda Guerra 24 H Capa á vários anos, o mundo está convulsiosalientam que Moscou e Pequim estão insatisfeitos nado pela crise financeira prolongada. de que se tente obrigá-los a se integrar ao sistema As dificuldades econômicas obrigam atual de relações internacionais, ao se subordinar muitos Estados a se subordinar aos à ordem econômica neoliberal, também posta em bancos e ao grande capital, reduzindo prática por instituições internacionais como o Banos gastos sociais e aplicando medidas co Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Os de austeridade. Em decorrência disso, enquanto os autores reconhecem evidentemente descontentes banqueiros riam da sociedade reconhecendo que os que isso “reforça seu desejo de refazer as normas enormes fundos que lhes foram atribuídos no coninternacionais, adaptando-as a sua força e propótexto da ajuda pública nunca seriam devolvidos, o sitos. Esses ânimos são compartilhados por muitas mundo se levantou numa onda de protestos. Em potências regionais em ascensão”. Para conservar relação a isso, gostaria de citar as intacta a hegemonia do Ocidenpalavras de Guennadi Ziuganov, te, esses especialistas recomenpresidente do Comitê Central do dam “respeitar” os interesses dos Os meios de Partido Comunista da Federação Estados emergentes recorrendo comunicação da Rússia: “… a nova crise sistêà influência dos Estados Unidos, mica que se alastrou no mundo União Europeia, Japão, Coreia do tornaram-se arma pode acabar numa grande briga Sul e demais aliados “para tirar o de alta precisão e os e guerra... nos últimos 150 anos desejo e aspiração dos lideres da houve doze crises do capitalisChina e Rússia de deixar de lado países emergentes mo e as últimas desencadearam seus próprios conflitos para criar em sua maioria as guerras mundiais”. Lamentacondições desfavoráveis para os velmente, já estamos observando Estados Unidos e Ocidente”. estão acostumados nestes momentos, previsões desse É ingênuo considerar que esse a perder a guerra gênero sobre o futuro. tipo de publicação não tem nada Não acredito que estou descoa ver com a política real dos Estada informação pela brindo as Américas se digo que as dos Unidos em relação ao BRICS. consciência das diferentes concepções de geopolíTampouco se pode perder de vistica se fundamentam no poderio ta o fato de que a política de dismassas político-militar, econômico e insuasão tem por alvo não apenas a formativo e de valores. Do ponRússia e a China, mas também a to de vista do Partido Comunista da Federação da todos os Estados “em ascensão” como que se diz Rússia, o exemplo do BRICS coloca em evidência atualmente. Assim, nas publicações neoliberais, que os três elementos exercem influência sobre a implementa-se, consequentemente, a divisão do configuração do equilíbrio de forças internacional continente americano, a partir de critérios de bloatual. cos ideológicos. É amplamente sabido que, hoje, os meios de co“Regionalismo aberto” municação tornaram-se arma aguda e de alta precisão e que os países emergentes em sua maioria Oposto à Aliança do Pacífico que tem, suposabsoluta estão acostumados a perder a guerra da tamente, orientação pró-norte-americana, está o informação pela consciência das massas. Mercosul, por diversas razões. Primeiro, os países Então, há um ano, Dmitri Simes, conhecido ocidentais se irritam com a cooperação estreita encientista político norte-americano, publicou um artre o Brasil e diversos países do BRICS, sobretudo tigo importante na revista The National Interest, no com a China; segundo, os neoliberais não querem qual ele conclama a “temer a aliança da Rússia e que os governos de orientação socialista concretida China”, proclamando abertamente a fidelidade zem com sucesso seus próprios projetos de regioa princípios políticos apoiados em posições de força nalismo econômico debaixo de seus narizes. Concomo um contrapeso para a concepção europeia de sequentemente, os lutadores pelo “regionalismo paz “conseguida através de métodos de engenharia aberto” preferem evitar o tema de que o PIB global social e democracia.” Ao criticar a Rússia pela consdos países do Mercosul supera em quase 60% o PIB ciência da Guerra Fria – como Simes reconhece – o dos quatro países da Aliança do Pacífico. Os cientisOcidente ocupa, em qualquer disputa com a Rússia tas políticos mexicanos destacam que justamente e a China, como se fosse deliberado, a posição de a corrida pela privatização acabou criando um ataseus rivais. Ao mesmo tempo, cientistas políticos 25 131/2014 lho eficaz para o desenvolvimento da infraestrutura sobre as operadoras de telefonia móvel vêm crianimpresindível para consolidar as relações regionais. do, segundo opinam os círculos financeiros, dificulÉ evidente que a aproximação do Brasil e Venezuela dades para o desenvolvimento empresarial. Desse preocupa seriamente o bloco capitalista ocidental. modo, em alguns casos, a queda dos índices na BolContudo, a estratégia de liderança global dos sa evidencia a melhoria real do bem estar nacional, Estados Unidos não termina com isso. Durante o que é totalmente inadmissível para aqueles que uma famosa viagem à África do presidente dos Escreem que o mercado conserta tudo. tados Unidos, Barack Obama criticou duramente a Por outro lado, é ainda prematuro falar de uma influência estrangeira no continente, incluindo a diminuição do interesse dos investidores estrangeiChina. Alguns especialistas se apressaram em baros nos países BRICS. O crescimento do bem-estar tizar esse fenômeno como “começo de uma nova dos cidadãos dos países BRICS conduz inevitavelGuerra Fria”. Enquanto isso, ainda não se entende mente ao aumento do poder aquisitivo, por isso não como serão realizados os planos de duplicar o coé surpreendente que o afluxo dos investimentos esmércio intrarregional no leste do continente. trangeiros ao BRICS seja de 20% do fluxo global dos É assim como os Estados Unidos e seus aliados investimentos estrangeiros diretos. promovem ativamente os seus próprios projetos Segundo várias estimativas, por volta do ano de regionalismo econômico como 2050, os países BRICS, assim cocontrapeso às regiões econômicas mo o México, Indonésia e TurO crescimento que se formam de uma maneira quia – em termos de volume do natural, procurando nivelar por PIB global –, superarão 1,7 vezes do bem-estar dos quaisquer meios os resultados dos o do G7 . O analista que invencidadãos dos países últimos. tou há algum tempo o acrôniComo resultado da crise ecomo “BRICS” propôs já um novo BRICS conduz nômica, os ritmos de crescimento grupo de Estados que despertam inevitavelmente ao dos países BRICS se desacelerainteresse, os MICT (México, Inram. Segundo os prognósticos do donésia, Coreia do Sul, Turquia). aumento do poder FMI, o crescimento da economia Parece, por um lado, que o potenaquisitivo, por isso mundial em 2016 será de 3,6%. cial econômico desses Estados é Considera-se que o crescimento grande e, a propósito, não é surpreendente realmente conjunto da Rússia e Brasil em diferente do BRICS, não se pode que o afluxo dos 2014 será de 3,2%, China, 7,5%, esperar a retórica antiocidental Índia, 5,4%, República Sul-africapor parte deles. De qualquer mainvestimentos na, 2,3%. Além disso, as medidas neira, os analistas turcos desestrangeiros ao e disposições do Sistema de Retacaram a vantagem que seria a serva Federal dos Estados Unidos Turquia aderir ao BRICS, e o ano BRICS seja de 20% (FED) no ano de 2013 conduzipassado, o embaixador da Indodo fluxo global ram a que os mercados de valonésia expressou abertamente a res dos países do BRICS não se proposta de adesão ao bloco. O dos investimentos recuperassem: Segundo os dados interesse de ambos é compreenestrangeiros diretos de FORBES, em 2013, as ações sível: os cinco países possuem hindus caíram 3,5%, as russas mais de 21% do PIB global, e o 4.3%, as chinas 7.1%, as brasileivolume das reservas monetárias ras 15,9%. Será que isso significa na realidade o do BRICS alcançou a soma de 4,4 bilhões de dófim do decênio BRICS de que falam muito conlares, o que é quatro vezes superior ao indicador tentes os meios de comunicação e os economistas conjunto de Estados Unidos e Zona do Euro. Não ocidentais? faz muito tempo, a China se tornou a segunda ecoNão é segredo para ninguém que os altos indinomia mundial, e a Rússia compete com a Alemacadores da atividade financeira nem sempre são nha no quinteto dos líderes mundiais. De acordo testemunho do crescimento socioeconômico real com as mudanças do ano de 2010, a proporção das do país. Assim, as decisões do governo da Índia de vozes do BRICS no FMI se aproximará do poder de reduzir o déficit orçamentário por meio do corte de veto (15%). programas sociais consolidaram a confiança emAlém disso, a colaboração dentro do BRICS no presarial. Por outro lado, a política presidencial do setor financeiro pode ser qualificada firmemenBrasil que fortaleceu o controle sobre os bancos e te como produtiva. Estão sendo conduzidas com 26 Capa Militância do Partido Comunista da Federação Russa foi às ruas rechaçar as sanções ilegais contra a Rússia, vinculadas à crise na Ucrânia sucesso as conversas sobre a criação do Banco de Fomento, embora a imprensa internacional tente minimizar seu significado. Espera-se que na próxima Cúpula do BRICS no Brasil se concretizem os resultados das negociações sobre a criação do Banco do Desenvolvimento e do pool de divisas de reservas. As iniciativas bilaterais − por exemplo, o acordo entre Brasil e China sobra a linha de swap de divisas entre os bancos − contribui para o aprofundamento das relações econômicas entre os países, diminuindo simultaneamente a dependência do dólar. Nessas condições, a dura crítica ao BRICS, quase difamação, demonstra evidentemente que os países ocidentais não desprezam seu potencial. Levando em consideração que, segundo as previsões, este ano a economia dos Estados Unidos e da União Europeia só crescerá em 2,8% e 1,5%, respectivamente, o crescimento econômico do BRICS não parece tão modesto. Enfermidades do crescimento Os opositores ao BRICS alegam frequentemente que os investimentos dentro do grupo constituem apenas 2,5% do volume total dos investimentos estrangeiros diretos dos países do BRICS, enquanto que os dos países emergentes representam 40% dos investimentos e o fluxo comercial dentro do grupo é incomparável com o fluxo de cada um desses países com os Estados Unidos ou com o grupo da Zona do Euro: apesar do aumento em dez vezes do fluxo comercial dentro do grupo em dez anos, o da China com a União Europeia e Estados Unidos su- pera 3,5 vezes o comércio com os sócios do BRICS. Por isso, eles declaram, a associação estratégica no âmbito do grupo é simplesmente impossível. Mas, a história universal tem uma infinidade de exemplos do contrário: assim, por exemplo, antes do ano 1914, a Alemanha e a Grã Bretanha foram os principais sócios comerciais e, antes da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e Japão, assim como Alemanha e URSS, mantinham relações econômicas estreitas. Em outras palavras, em condições de escalada da tensão global, as relações econômicas entre os sócios do BRICS, estáveis embora não cruciais por suas dimensões, podem se tornar o fundamento de associação político-militar estratégica, se não, digamos, de uma pretensão segura a uma nova ordem econômica internacional. Além disso, os sócios do BRICS que são heterogêneos à primeira vista, padecem na realidade das mesmas enfermidades do crescimento: assim, neste ano em curso, a inflação nos cinco países registrará um crescimento estável. A resposta a esse e outros problemas poderiam ser os passos consequentes no desenho de política macroeconômica coordenada, assim como se costuma fazer na OCDE. No entanto, o BRICS não tem apenas a dimensão interna do crescimento, como também a dimensão externa. É digno de nota que o ex-presidente da República Popular da China, Hu Jintao, chamou o BRICS de defensores dos interesses do Terceiro Mundo e uma força que deve “harmonizar” as relações internacionais. De fato, poderiam ser encontrados certos paralelismos entre o BRICS e o Grupo dos 77. Por um lado, o G 77 foi criado com o objetivo de estabelecer uma nova ordem econômica in- 27 131/2014 ternacional, considerando que seus membros precia, Inclusive no rechaço às sanções ilegais contra a cisavam unir os esforços para enfrentar a pressão Rússia, vinculadas à crise na Ucrânia. dos países desenvolvidos e das multinacionais. Por outro, o BRICS é visto por muitos países, em priNovo centro de força econômica meiro lugar pelos países ocidentais, como um bloco alternativo à ordem internacional É evidente que, além de levar atual. Os cientistas políticos italiaadiante uma campanha em escanos souberam expressar com prelada, dirigida a enfraquecer as poOs países mais cisão a própria essência do BRICS: sições do BRICS, com as sanções a os cinco países, embora estejam um dos membros do grupo, a vaninteressados na dentro do sistema fechado da orguarda da atual ordem econômica permanência dem econômica vigente, tentam mundial outra vez está detendo o mudá-la de fora para dentro. Patrabalho de redistribuição de quoeconômica rece que o BRICS tem suficientes tas dentro do FMI. No Partido Coneoliberal da atual alavancas econômicas e políticas munista da Federação da Rússia para alcançar esses objetivos da (PCFR) há convicção de que por ordem (EUA e mesma forma que o G 77 consetrás dessas ações está o desejo de outros) utilizam guiu no seu momento (ainda que não reconhecer o papel crescente só no papel) a adoção das normas dos países em desenvolvimento e um amplo leque da Nova Ordem Econômica Interdos países do BRICS; está a tendênde ferramentas nacional. É por isso que as expecia a conservar a qualquer preço o riências do G 77, onde a tomada domínio num mundo unipolar, orna diminuição de decisões foi dificultada pelas ganizado sobre princípios neolibedo potencial do diferentes posturas ideológicas, rais – incluindo o uso do fantasma deverão ser levadas em considerada ameaça à ordem mundial dos BRICS, começando ção pelos países BRICS. membros do BRICS. com a criação de Assim, se pode constatar que No entanto, o processo de foratualmente o BRICS se tornou mação de um novo centro de forblocos econômicos ça econômica, e possivelmente, uma realidade geopolítica. Isso é alternativos de esperança de uma nova ordem demonstrado inclusive nem tanto mundial justa, não pode entrar em pela institucionalização das agrupró-ocidentais e colapso tão facilmente. Segundo pações e crescente fluxo comercial terminando com a as previsões, muito provavelmene dos investimentos, como também pelo reconhecimento do BRICS pesofisticada guerra de te, com o tempo, também outros países aderirão ao BRICS. Nessa la comunidade internacional, eninformações perspectiva, os países da América quanto uma ameaça à ordem ecoLatina – Venezuela, Argentina e nômica neoliberal atual. Os países outros –, podem representar um mais interessados na permanência determinado interesse. Em todo caso, hoje é nedessa ordem – Estados Unidos e outros - utilizam cessário estabelecer o diálogo entre nossos países um amplo leque de ferramentas na diminuição do que aportará, sem dúvida alguma, os frutos mais potencial do BRICS, começando com a criação de valiosos. blocos econômicos alternativos pró-ocidentais e terminando com a sofisticada guerra de informações. *Leonid Kalashnikov foi o redator-chefe do periódico Parece que é o caráter geopolítico dos métodos dos Gazeta Operária – Diário Pan Russo dos Trabalhadores. opositores do BRICS, o que prova a razão de exisDesde 2010, é deputado do Parlamento (Duma) Estatal tir desse bloco tão jovem. Agora, o que se exige dos da Assembleia Federal da Federação da Rússia (grupo sócios do BRICS é algo a mais: amadureceu a neparlamentar do Partido Comunista da Federação da cessidade de desenvolvimento de projetos grandes e Rússia), primeiro vice-presidente da Comissão da Duma substantivos, tais como o Banco de Fomento ou a Estatal para Assuntos Internacionais e é membro do implementação dos princípios gerais da política maPresidium, Secretário do Comitê Central do Partido croeconômica. O Partido Comunista da Federação Comunista da Federação da Rússia da Rússia ressalta com satisfação que os países do BRICS se expressam com uma posição consensual Tradução: Inês Rosa Bueno diante dos problemas mundiais de maior importân- 28 AFP Photo/Alexander Joe Capa A 5ª Cúpula do BRICS, em 2013, foi realizada em Durban, na África do Sul A África do Sul e o BRICS Os países do BRICS podem contribuir para o desenvolvimento da África, aumentando o apoio para a construção da infraestrutura e capacidade industrial, e a importação de um maior número de produtos de valor agregado, fabricados no continente africano A Rob Davies* economia mundial está passando por uma mudança estrutural profunda no locus do poder econômico, com a emergência dos países BRICS como novas fontes de crescimento da economia mundial, comércio e fluxos de investimentos. Em termos gerais, as últimas décadas têm testemunhado uma mudança relativa ao locus do poder econômico do Norte e o Ocidente para o Sul e o Oriente Economias emergentes do Sul tornaram-se os principais atores e os principais motores da recuperação da “Grande Recessão” de 2008-2010. A expansão do comércio da África do Sul e do investimento direto com os países do Sul, nomeadamente os países BRICS, continua em ritmo acelerado, com a China e a Índia na vanguarda. A participação do BRICS no comércio da África do Sul cresceu de 10% em 2005, para 19% em 2012. Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial bilateral da África do Sul, enquanto a Índia ficou em quinto lugar em 2012 e o Brasil alcançou os 20 primeiros países. Em comparação, a participação da União Europeia (UE) no comércio total da África do Sul caiu de 35,7% em 2005, para 25% em 2012. A África do Sul continua a atrair investimentos diversificados e substanciais do BRICS. No período de abril de 2011 a dezembro de 2012, mercados de FDI (investimento estrangeiro direto) conseguiram rastrear 31 projetos de 25 empresas do BRICS, com um investimento potencial de 12.6 bilhões de Rands (2)na economia sul-africana. O BRICS tornou-se também a maior organização das chamadas “economias emergentes” e uma plataforma de representação dos interesses e demandas dos países em desenvolvimento no mundo. De um ponto de vista sul-africano, há cinco considerações econômicas estratégicas na área de comércio e indústria que ancoraram a nossa participação no BRICS. Em primeiro lugar, a África do Sul pretende usar o fórum para estabelecer vínculos econômicos fortes com as economias mais dinâmicas e com crescimento mais rápido do mundo. Viemos para ver as nossas perspectivas de crescimento e desenvolvimento cada vez mais dependentes da diversificação e do fortalecimento de nossas relações econômicas com as economias BRICS e com o continente africano. Em segundo lugar, o BRICS fornece uma plataforma para abordar alguns dos desafios decorrentes do rápido crescimento do comércio intra-BRICS. A preocupação central para a África do Sul é a estrutura desse comércio, em particular o fato de que nossas exporta- 29 131/2014 ções para China, Índia e Brasil continuam a ser domiUS$ 340 bilhões em 2012, representando um aumento nadas por produtos de baixo valor agregado. Uma das de mais de dez vezes ao longo de uma década. prioridades durante a gestão da África do Sul na PresiOs países BRICS podem contribuir para o desendência do BRICS foi a coordenação de um estudo convolvimento da África, aumentando o apoio para a junto para explorar formas de promover um comércio construção da infraestrutura e capacidade industrial, complementar de valor agregado que apoiará o desene a importação de um maior número de produtos de volvimento industrial sul-africano. E esse estudo será valor agregado, fabricados no continente africano. A apresentado na Cúpula Brasil ainda este ano. proposta liderada pelo Banco do Desenvolvimento do Em terceiro lugar, o BRICS oferece uma oportuBRICS seria um instrumento concreto que pode ser nidade histórica para defender um novo paradigma utilizado para apoiar, entre outras coisas, o programa de colaboração para o desenvolvimento mais sustende desenvolvimento de infraestrutura da África. tável, equitativo e mutuamente Na Presidência do BRICS, a benéfico. Isto deve envolver uma África do Sul procurou desempeOs países BRICS já cooperação mais estreita entre os nhar um papel fundamental na países BRICS, visando a apoiar os formação da agenda para a cooestão profundamente objetivos de crescimento e desenperação econômica. A Cúpula de envolvidos no processo volvimento comuns e o combate Sanya, em 2011, criou o Grupo de à pobreza; fortalecer as nossas Contato sobre Questões Econôde transformação respectivas forças econômicas; e micas e Comerciais (CGETI), que econômica da África, priorizar a complementaridade é uma plataforma fundamental de construção sobre a concorrênpara os membros do BRICS troe sua presença cia. Vimos que isto é viável, idencarem opiniões sobre uma série está crescendo tificando complementaridades de questões relacionadas com a em setores-chave de crescimento economia, o comércio e o invessignificativamente. e por meio de uma abordagem da timento. A troca de perspectivas Isso se reflete no cadeia de valor. e prioridades políticas estabelece Em quarto lugar, os países uma base essencial para o reforço rápido crescimento BRICS têm um interesse coda coordenação e cooperação endos fluxos de comércio mum em continuar a reforma e tre os membros do BRICS sobre transformação das instituições estas questões. A terceira reunião e investimento, entre multilaterais para dar mais voz dos ministros do Comércio dos outros aos países em desenvolvimento países membros do BRICS, reanessas instituições. Em partilizada em 26 de março de 2013, cular, através do BRICS fortalecemos a coordenação na África do Sul, adotou um Quadro de Cooperação na Organização Mundial do Comércio (OMC), onde Comercial e de Investimento, que estabelece as ativia nossa plataforma comum é defendida, assim como dades do CGETI em longo prazo para o fortalecimento uma abordagem de desenvolvimento, tanto no âmda coordenação e possível ação conjunta. bito da OMC, quanto em outros fóruns onde surgem Ainda como presidente do BRICS, a África do questões de comércio e de investimento. Sul liderou a coordenação do Estudo de Comércio Finalmente, temos observado o BRICS oferecendo Conjunto que identificará meios para promoção dos uma oportunidade única, para os países que o compaíses membros na próxima reunião de cúpula no põem, de ampliar e avançar a sua cooperação, de forma Brasil, neste ano. Outros projetos concretos também a promover substancialmente a agenda de desenvolviforam propostos, incluindo uma cooperação mais esmento econômico de outros países e regiões em desentreita para o desenvolvimento das micro, pequenas e volvimento. Os países BRICS já estão profundamente médias empresas e cooperativas. Assim como cabos envolvidos no processo de transformação econômica marítimos e a partilha de riscos para o comércio e o da África, e sua presença está crescendo significativadesenvolvimento. A 5ª Cúpula do BRICS na África mente. Isso se reflete no rápido crescimento dos fluxos do Sul lançou também o Conselho Empresarial do de comércio e investimento, bem como em ações de BRICS, um órgão consultivo de alto nível que fará recooperação econômica em toda uma gama de setores. comendações aos Chefes de Estado. Os compromissos estão sendo impulsionados princiAlém do trabalho de comércio direto e assuntos palmente em contextos bilaterais, mas também no âmindustriais, a África do Sul tem visto a plataforma do bito regional e continental. De acordo com o Standard BRICS como provedora de oportunidades para que os Bank 3, o comércio total do BRICS com a África atingiu países membros coordenem posições e colaborem em 30 Capa uma extensão de outros aspectos, especificados nas resoluções da 5ª Cúpula do BRICS na África do Sul. Entre outras coisas, os dirigentes dos países membros do BRICS assinaram um acordo em Durban para o estabelecimento de um Novo Banco de Desenvolvimento e indicaram que acontribuição para o capital inicial desse banco deve ser substancial e suficiente para que a instituição tenha uma eficaz infraestrutura de financiamento. Além disso, os líderes também concordaram com o estabelecimento do acordo de reserva de contingência (CRA), com um valor inicial de US$ 100 bilhões. O CRA ajudaria os países BRICS a evitarem pressões de liquidez de curto prazo e reforçarem ainda mais a estabilidade financeira. Contribuiria também para o fortalecimento da rede global de segurança financeira e complementaria os acordos internacionais existentes como uma linha defensiva adicional. Outro resultado da Cúpula foi o estabelecimento do Conselho de Reflexão e Conselho Empresarial do BRICS, que formarão uma rede para o desenvolvimento de opções políticas, tais como a avaliação e estratégia de um futuro de longo prazo para o BRICS. O Conselho Empresarial do BRICS reunirá associações empresariais de cada um dos países membros e gerenciará o engajamento contínuo entre as comunidades empresariais. Dois acordos foram concluídos sob os auspícios do Mecanismo de Cooperação Interbancária do BRICS. O Acordo de Cofinanciamento de Infraestrutura Multilateral para a África abre o caminho para o estabelecimento de negociações de cofinanciamento para os projetos de infraestrutura em todo o continente Africano. O Acordo Multilateral de Cooperação e Cofinanciamento para o Desenvolvimento Sustentável tem como objetivo a exploração do estabelecimento de acordos bilaterais destinados à cooperação e ao cofinanciamento, especificamente voltados ao desenvolvimento sustentável e elementos da economia verde. Os documentos resultantes da Cúpula – a Declaração de eThekwini e o Plano de Ação – foram aprovados na conclusão da reunião. Assuntos prioritários, em termos de agenda da União Africana, também foram estrategicamente reposicionados na Declaração de eThekwini em sintonia com o tema da Cúpula. Os dirigentes do BRICS reafirmaram o seu apoio ao desenvolvimento sustentável de infraestrutura, bem como ao fortalecimento industrial, à criação de empregos, ao incentivo de competências, à segurança alimentar e nutricional e erradicação da pobreza e ao desenvolvimento sustentável na África. O presidente Jacob Zuma recebeu o Fórum de Diálogo sobre o BRICS dos líderes africanos no âmbito da V Reunião de Cúpula do BRICS, realizada em Durban. Houve intensas discussões sobre o tema “O potencial desbloqueio da África: o BRICS e a Cooperação Africana em Infraestrutura”, contando com a participação de convidados, como os Chefes de Estado e de Governo dos países membros do BRICS; o presidente da União Africana (UA); o presidente da Comissão da UA; dirigentes dos países africanos representando as oito Comunidades Econômicas Regionais (CERs), bem como a Iniciativa em Defesa da Infraestrutura da presidência da NEPAD(4). O objetivo geral da reunião foi oferecer uma oportunidade para o BRICS e os dirigentes africanos tomarem parte em medidas para reforçar a cooperação entre os países BRICS e do continente Africano, para desbloquear o seu potencial e promover a integração regional por meio do desenvolvimento de infraestrutura e industrialização. Os líderes do BRICS comprometeram-se a levar adiante a cooperação e o apoio aos esforços da África para acelerar a diversificação e modernização das suas economias, por meio do desenvolvimento de infraestrutura, a troca de conhecimento e o apoio para implementar o acesso à tecnologia, o reforço da capacitação e o investimento em capital humano, no quadro da UA e da NEPAD. Foi estabelecida uma trajetória para reforçar a colaboração entre os países BRICS e da Comissão da UA; a Agência de Coordenação e Planejamento da NEPAD (NPCA) e as Comunidades Econômicas Regionais (CERs) em apoio à implementação de projetos no âmbito do Programa de Desenvolvimento de Infraestrutura na África (PIDA); e da Iniciativa em Defesa da Infraestrutura da UA/NEPAD; além dos Planos Regionais de Desenvolvimento de Infraestrutura. Espera-se que as relações entre os países BRICS e os países e as instituições africanas sejam fortalecidos, com o reforço da cooperação em vários domínios prioritáriose a construção de uma parceria estratégica concreta. *Rob Davies é ministro da Indústria e Comércio da África do Sul. Atualmente, é membro do Comitê Central do SACP e do Comitê Executivo Nacional do ANC. É licenciado em Economia pela Universidade de Rhodes, Mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton, no Reino Unido e doutor em Estudos Políticos da Universidade de Sussex Tradução: Maria Helena De Eugênio Notas (1) Publicação do Departamento de Comércio e Indústria da República da África do Sul (N.T.). (2) Moeda da África do Sul (N.T.). (3) Grupo bancário pan-africano que atua em 17 países da África (N.T.). (4) NEPAD, New Partnership for Africa’s Development (Nova Parceria para o Desenvolvimento da África) (N.T.). 31 131/2014 O BRICS na visão do Partido Comunista da Índia (Marxista) Sitaram Yechury* Para que permaneça na rota da multipolaridade e como um representante dos povos do mundo em desenvolvimento, o BRICS precisa manter-se em vigília rígida e mobilizando as pessoas em lutas. Afinal, trata-se do encontro de países com sistemas sociais e de governo distintos O mundo, no período pós Guerra Fria, tendo deixado para trás as relações internacionais dominadas pela bipolaridade, deveria ter se movimentado no sentido da multipolaridade. Essa deveria ter sido a tendência natural e a direção do desenvolvimento das relações internacionais. No entanto, isso tem sido subvertido pelo imperialismo, que pretende impor a 32 unipolaridade sob sua tutela. Seguindo a mudança na correlação internacional de forças de classe, a favor do Imperialismo, pós colapso soviético, os Estados Unidos enveredaram pela consolidação de sua hegemonia global através da realização de três de objetivos declarados. Isso foi articulado pela primeira vez num documento estratégico divulgado pelo Pentágono conhecido como “Defence Planning Guidance” ou DPG (Diretrizes de Planejamento de De- Capa fesa). Esse documento estabeleceu a estratégia para sentando quase metade da população mundial (em dominação permanente dos Estados Unidos sobre o 2013, os cinco países do BRICS representavam quase mundo. Ele diz: “Nosso primeiro objetivo é prever a três bilhões de pessoas) e com um PIB nominal comre-emergência de um novo rival… que oferece uma binado de US$16.039 trilhões, além de estimados ameaça semelhante àquela oferecida antigamente US$4 trilhões em reservas estrangeiras combinadas, eles têm suficientes recursos humanos e materiais pela União Soviética. Nós devemos nos esforçar papara enfrentar as táticas de intimidação dos Estados ra impedir qualquer poder hostil de dominar uma Unidos – o líder mundial do Imperialismo. região cujos recursos poderiam, sob poder consoliA emergência de governos populares pegando a dado, ser suficientes para originar um poder global”. onda de revoltas populares de massas contra o ImO primeiro desses objetivos, portanto, visa a disperialismo e sua ofensiva neoliberal na América Lasolução dos demais países socialistas; o segundo, tina é um desenvolvimento positivo, na medida em tornar impotente, através da derrota ou cooptação, o que constituem um elemento importante no fortanacionalismo do Terceiro Mundo, que materializou lecimento da luta mundial contra a globalização imo Movimento Não Alinhado depois do processo de perialista. Eles são também um elemento importandescolonização; e, finalmente, o estabelecimento de te na unificação dos movimentos uma superioridade militar e econôantiguerra, anti-imperialista, anti mica inequívoca e inquestionável destruição ambiental, com os movisobre o restante do mundo em geO BRICS, um mentos contrários à globalização. É ral e em particular sobre aqueles agrupamento de essa unidade que precisa ser erguida que são entendidos como rivais. num poderoso movimento anti-imcinco países em perialista globalizado. Nos últimos Movimento desenvolvimento e anos, esses movimentos progresanti-imperialista sistas, bastante influenciados pela rápido crescimento, Cuba socialista, reduziram drasticaEssa nova ordem mundial foi deveria se tornar mente sua dependência econômica concebida para operar em todas dos Estados Unidos e aumentaram as esferas. Isso, por outro lado, leum dos pontos de o comércio entre países do Sul. vou à deflagração de guerras unimobilização de Vários fóruns foram organizados laterais e ocupação militar (Iraque, para estimular o comércio regional Afeganistão e Líbia). Levou tamtodos os países entre países do continente, tais cobém ao fortalecimento da máquique se opõem mo o MERCOSUL, ALBA, Fórum na militar americana. Ao mesmo de São Paulo etc. O mais recente é o tempo, a Otan, cuja necessidade de à hegemonia novo agrupamento regional econôexistência deveria ter simplesmenamericana mico – a comunidade de Estados da te desaparecido com o fim da GuerAmérica Latina e Caribe (CELAC). ra Fria, foi ainda mais fortalecida Todos esses fóruns são utilizados como máquina de guerra global do não apenas para blindar relações próximas entre esses Imperialismo. Para poder estabelecer e continuar países, mas também para apresentar uma face unida com sua superioridade inquestionável, o imperialisna resistência às pressões do neoliberalismo. Os BRImo americano também exigiu um controle crescente CS, que estão presentes em todos os principais contisobre os recursos econômicos, especialmente os renentes do mundo, tinham recebido um papel muito cursos energéticos, particularmente o petróleo. Esta mais fundamental a desempenhar que esses agrupaé a razão de sua continua interferência/ingerência mentos regionais, devido a seu alcance e dimensão. nos assuntos da Ásia Ocidental/Norte da África. EsA crise econômica global ressaltou a importânsas ameaças lançadas ao Irã, o envolvimento ativo cia dos países em desenvolvimento na economia na guerra civil da Síria, ingerência nos assuntos do mundial. Isso se refletiu na formação do G-20, com Egito, seu papel na divisão do Sudão em dois Estaobjetivo de coordenar as políticas econômicas em dos, tudo é parte desses desígnios nefastos. Para que nível global, função que o G-8 não atendia mais. possamos criar uma ordem mundial mais democráA formação do grupo do BRIC em 2009, composto tica e igualitária, devemos resistir a tais tendências. pelo Brasil, Rússia, Índia e China, depois expandiO BRICS, um agrupamento de cinco países em da a BRICS, para incluir a África do Sul em 2011, desenvolvimento e rápido crescimento, deveria se ocorre em paralelo ao crescimento da influência dos tornar um dos pontos de mobilização de todos os países em desenvolvimento. Isso foi precedido pela países que se opõem à hegemonia americana. Repre- 33 131/2014 formação do IBSA (composto por Índia, Brasil e África do Sul), concebido por primeira vez em junho de 2003 e para o qual um plano de ação foi elaborado em Nova Déli, em março de 2004. Uma reunião de chefes de Estado dos governos do IBSA em Brasília formalizou a parceria entre essas três grandes economias em desenvolvimento de três continentes do mundo. O IBSA é uma expressão da cooperação entre países do Sul, que mais tarde foi traduzida numa plataforma mais ampla – o BRICS. O BRICS está articulando sua posição sobre questões como a reforma da ONU, comércio internacional, mudança climática etc. e procurando dar voz aos países em desenvolvimento nos diversos fóruns internacionais. Esse agrupamento vai ganhar maior significado quando a cooperação em torno de questões econômicas for estendida às posições políticas conjuntas nos dilemas internacionais. Neste período de crise econômica, o capital financeiro internacional quer se esquivar da crise pela imposição de cargas ainda maiores sobre os povos dos países em desenvolvimento Lutas populares A resolução política do 20o congresso do Partido Comunista da Índia (Marxista) afirmava: “A força relativa do poder econômico das ‘economias, particularmente a dos países BRICS, indica mudanças no equilíbrio de poder econômico. O crescente poder dos ‘países emergentes’ terá um impacto complexo na contradição entre os países capitalistas avançados e os países em desenvolvimento. O esforço do Imperialismo em manter sua hegemonia e de se apoiar nas classes dominantes dos países em desenvolvimento está fadada a intensificar a contradição entre o Imperialismo e os povos dos países em desenvolvimento”. Neste período de crise econômica, o capital financeiro internacional quer se esquivar da crise pela imposição de cargas ainda maiores sobre os povos dos países em desenvolvimento. O Imperialismo quer acesso sem entraves, tanto aos recursos naturais quanto aos mercados dos países em desenvolvimento. Eles estão prontos para usar quaisquer meios a seu dispor – persuasivos 34 ou coercitivos – para abrir os mercados desses países. As rodadas de negociação de Doha, diversos acordos de Livre Comércio (FTAs), manipulações da moeda, tudo isso são esforços nessa direção. A contradição entre Imperialismo e povos dos países do Terceiro Mundo se acentua ainda mais ao longo desse processo. Com os meios de vida dos povos dos países em desenvolvimento sendo afetados de maneira adversa, eles ficam obrigados a sair às ruas para protestar. Essas lutas deveriam ser lideradas pelos comunistas ou outras forças progressistas de esquerda e deveriam receber direcionamento antiimperialista adequado, o que inevitavelmente terá um impacto nos assuntos de interesse mundial. Sobre esse pano de fundo, se espera que os governos do agrupamento do BRICS se ergam em nome dos interesses dos povos dos países em desenvolvimento e que resistam aos ataques do Imperialismo. Mudança climática Outra expressão da contradição entre o Imperialismo e os povos dos países do Terceiro Mundo é a questão da mudança climática. O BRICS terá que liderar o caminho e firmar-se na defesa dos interesses dos países em desenvolvimento na questão vital da mudança climática. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (CQNUAC) que começou em 1990 já estabeleceu que a concentração de efeito estufa na atmosfera está rapidamente atingindo níveis acima dos quais alterações irreversíveis e potencialmente catastróficas no clima poderão ocorrer. Embora estas mudanças vão afetar toda a humanidade, os mais afetados serão os pobres, especialmente no mundo em desenvolvimento. Sem dúvida, há uma necessidade urgente de agir na limitação dessas emissões para garantir que as temperaturas globais não subam mais do que 2°C. As últimas duas décadas de negociações tinham como alvo atingir isso. Essa meta estava apoiada no princípio inviolável de uma ‘responsabilidade co- Capa mum, embora diferenciada’. Ela enfatizava o fato de que os países desenvolvidos, tendo contribuído com a maioria das emissões de gases estufa, devem assumir maior responsabilidade na sua atual redução. O Protocolo de Kyoto de 1997 estabeleceu compromissos vinculativos de objetivos para os países desenvolvidos, enquanto isentava os países em desenvolvimento, mas convocando estes a assumir medidas adequadas de acordo com suas capacidades nacionais. Os países desenvolvidos, ao invés de reduzir suas emissões em 5 por cento em comparação a 1990, aumentaram suas emissões acumuladas em 10 por cento. Os Estados Unidos, que tinham refutado ratificar o protocolo, aumentaram suas emissões em 17 por cento. Estão agora sendo chamados a se comprometer com um corte compulsório de 40 por cento até 2020 e 90 por cento até 2050. É exatamente a isso que os países desenvolvidos estão reagindo quando conclamam todos os países a anunciar cortes voluntários internacionalmente monitorados. Eles estão abandonando o conceito até agora aceito de uma ‘responsabilidade diferenciada’ e impondo uma ordem ‘comum’ injusta. Os Estados Unidos ofereceram cortar 17 por cento em relação aos níveis de 2005, o que reduz a apenas 3 por cento em relação aos níveis de 1990 — menos do que o que foi proposto em Kyoto. Estão praticamente brincando com o mundo. O BRICS, como um agrupamento de alguns dos principais países do mundo em desenvolvimento, deveria convocar todos os demais países em desenvolvimento a forçar os países desenvolvidos a aceitar cortes compulsórios monitorados internacionalmente. Os países em desenvolvimento deveriam anunciar voluntariamente reduções cuja concretização dependeria de que os países desenvolvidos cumprissem seus compromissos de transferências financeira e de tecnologia (sem direitos por propriedade intelectual ou pagamento de royalties) conforme inserido no Artigo 4, Parágrafo 7 da UNFCCC (CQNUAC): “os compromissos sob a convenção vão depender da implementação efetiva pelos países desenvolvidos parceiros de seus compromissos sob a Convenção relacionados aos recursos financeiros e transferência de tecnologia e levarão inteiramente em consideração que o desenvolvimento econômico e social e a erradicação da pobreza são as prioridades primeiras e primordiais dos parceiros países em desenvolvimento.” O BRICS deveria garantir que dois pontos cruciais nas negociações tenham adesão: a) que os cortes de emissões vinculativos não sejam aceitáveis e b) não poderá haver um prazo estipulado para definição de picos de emissões para os países em desenvolvimento. Isso deverá permanecer inegociável. Os países desenvolvidos não podem negar sua ‘responsabilidade histórica’ e continuar sua pilhagem do clima global à custa dos interesses da ampla maioria da humanidade. Eles precisam ser forçados a continuar a aceitar emissões per capita como a base da igualdade energética já que todo ser humano na Terra deveria ter O Imperialismo quer acesso sem entraves, tanto aos recursos naturais quanto aos mercados dos países em desenvolvimento. Eles estão prontos para usar quaisquer meios a seu dispor – persuasivos ou coercitivos – para abrir os mercados desses países 35 131/2014 acesso igualitário ao espaço carbono. Essa desigualdade não pode persistir – as emissões per capita nos Estados Unidos são vinte vezes mais altas do que as da Índia. ploradas, uma resolução combinada conjunta deve também tratar a característica comum poderosa entre esses países – a pobreza. O BRICS tem o potencial para emergir como a parceria para a estabilidade e segurança global. Esse potencial precisa ser cultivaCooperação Sul-Sul do e desenvolvido, para criar uma força compensatória razoável para evitar que o mundo possa se tornar O BRICS também teve um papel positivo ao convítima do unilateralismo e do hegemonismo. solidar o caminho para relações de comércio mais No entanto, uma observação de cautela não esavançadas entre os países em desenvolvimento. Ao taria fora de lugar aqui. Não se deve esquecer que estimular a cooperação Sul-Sul, o BRICS deveria deo BRICS, afinal de contas, é um conglomerado de senvolver um modelo de comércio alternativo. Nesse países, não apenas com seus diversos sistemas socontexto, a decisão tomada em março de 2013, duciais (a China socialista situada ao lado dos demais rante a quinta cimeira em Durban, países capitalistas), mas também África do Sul, pela qual foi acordade diferentes governos. Veja o cado criar uma instituição financeira so do Brasil e da Índia. O governo O BRICS tem o no Brasil é resultado de lutas conglobal como alternativa ao FMI e duzidas por diversos movimentos Banco Mundial, dominados pelo potencial para sociais, incluindo os comunistas e Ocidente, assume significado espeemergir como outras forças progressistas de Escial. Segundo alguns representanquerda e tem uma política pronuntes oficiais, “O banco vai estudar a parceria para ciada contra o Imperialismo. Por as finanças dos tomadores de ema estabilidade e outro lado, na Índia, são as forças préstimos, mas nunca intervir em de direita que passaram a conduseus assuntos econômicos... a ideia segurança global. zir as rédeas do governo depois das é ofertar empréstimos a custos Esse potencial eleições recentemente concluídas, mais baixos do que os que eles obteriam individualmente nos merprecisa ser cultivado representando interesses das grandes corporações e não se inibe em cados”. A concretização desse ese desenvolvido, forço avançará muito no sentido de fazer acordo com o Imperialismo. fortalecer as relações econômicas e para criar uma força Essa divergência naturalmente se comerciais entre países em desenreflete nas políticas adotadas pelos compensatória volvimento. Além disso, isso seria respectivos governos, tanto interna também um grande avanço na requanto externamente. No entanto, razoável para evitar dução da dependência dos países a única maneira de garantir que que o mundo possa em desenvolvimento em relação ao os interesses do povo não sejam FMI e Banco Mundial e, portanto, sacrificados no altar do Imperiase tornar vítima do reduziria sua influência nos assunlismo é mantendo vigília rígida e unilateralismo e do tos internos desses países. mobilizando as pessoas em lutas, O BRICS também tem um papel para que nenhuma política que hegemonismo positivo a desempenhar mesmo em afete seu modo de vida de maneimuitos dos desenvolvimentos interra adversa seja aprovada. Só pela nacionais, tais como a democratização na ONU e conmobilização popular podemos garantir que o BRItra as intervenções militares. O papel desempenhado CS também permaneça na rota da multipolaridade pelo BRICS na oposição a uma intervenção militar na e como um representante dos povos do mundo em Síria é um ponto a ser recordado aqui. A posição assudesenvolvimento. mida por esse grupo, nessas questões certamente tem *Sitaram Yechury é jornalista, escritor e analista político, muito mais peso do que aquelas assumidas por países membro do Comitê Central do Partido Comunista da Índia individuais desse agrupamento. No entanto, deve ser (Marxista) desde 1984 e integra a Secretaria Política do lembrado que não pode haver nenhuma abertura paPCI(M) desde 1992. É também parlamentar do Rajya ra negociação sobre questões que se referem à oposiSabha (Câmara Alta, ou Senado do Parlamento Indiano) ção ao unilateralismo e hegemonismo. desde 2005 O BRICS é uma expressão da cooperação entre países do Sul. Embora as possibilidades para maior Tradução: Inês Rosa Bueno cooperação econômica devam ser amplamente ex- 36 Capa A Geopolítica do BRICS Ronaldo Carmona* Os fatores território e posição, somados aos fatores demográfico e peso relativo na economia mundial, são chave na definição das estratégias nacionais e na projeção de poder dos países BRICS. Combinando estes fatores, a aliança projeta com maior força o interesse nacional de cada um de seus integrantes A 6ª Cúpula dos países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, Rússia e África do Sul) – a reunião de Fortaleza – será uma marca no cenário internacional, e isso não será apenas por iniciar o segundo ciclo de reuniões anuais dos Chefes de Estado de cinco grandes nações em desenvolvimento do mundo – após as edições de Ecaterimburgo, 2009; Brasília, 2010; Sanya, 2011; Nova Déli, 2012; e Durban, 2013. Ela representará um novo lance na grande partida de xadrez que se joga no tabuleiro geopolítico mundial a respeito de quais serão o desenlace e o desfecho da atual transição em curso no sistema internacional. Afinal, a fase atual é de renhida luta entre as potências tradicionais, que buscam – numa contratendência – reverter a perda de posição relativa vis-à-vis a ascensão dos grandes países em desenvolvimento, sobretudo a China e os demais BRICS. Registre-se que a atual transição eclode a partir deste dado estrutural: a diminuição relativa do peso econômico, e consequentemente político, e posteriormente militar dos países centrais, isto é, os Estados Unidos e o bloco europeu, ao lado do aumento do peso relativo de grandes países em desenvolvimento, como se vê na acelerada ascensão econômica do BRICS neste século XXI. 37 131/2014 Mas para além da asProduto Interno Bruto do BRICS censão dos países BRICS, (PPP a preços de 2005, em bilhões de dólares) a principal potência estabelecida, os Estados 2000 2005 2007 2010 2011 2012 2013* Unidos, continuam senMundo 48583 57937 64043 68475 71063 73251 75449 do a principal nação do mundo em termos de Total 8163 11567 14114 17348 18592 19602 20700 poder, seja ele político, BRICS econômico, cultural-iBrasil 1380 1583 1746 1968 2021 2039 2086 deológico e sobretudo China 3368 5364 6904 9122 9971 10748 11576 militar. E dão nítidos sinais de manobrar paÍndia 1819 2518 3021 3763 4002 4131 4313 ra prolongar no tempo, Federação ou mesmo relançar, esta 1260 1697 1992 2019 2106 2178 2211 Russa condição. África do Sob a presidência de 336 406 452 476 492 505 514 Sul Barack Obama, os Estados Unidos buscam Proporção assim essa contratendos 16,8 20,0 22,0 25,3 26,2 26,8 27,4 dência em relação ao seu BRICS no diagnosticado declínio, mundo (%) inclusive por seus próprios think-thanks e do*Cifras preliminares Fontes: World Bank database, World Development Indicators, 2013. Washington, 2013; World cumentos estratégicos Economic Outlook Update, janeiro 2014. oficiais. Buscam uma das reações no plano econômico, pondo a todo vapor uma estratégia de diminuição da dependênURSS, equilibrando-se entre a necessária autonomia cia energética (a partir da exploração do shale gas) e que deve ter um grande país e a aliança com o Ociatravés de uma ativa política de reindustrialização dente, na qual a cooptação ao G7, alargado para G8, apoiada na ampla capacidade em C,T&I acumulada é símbolo. por este país. No plano geoestratégico, o atual goO primeiro grande lance representativo da nova verno tenta encerrar a era Bush (de foco na guerra postura russa foi a ação que garantiu as bases paassimétrica contraterrorista), reorientando-se para o ra uma virada de jogo na guerra da Síria, em outubro pivot asiático – preponderância estratégica na vasta último, impedindo, por ousada manobra diplomátiregião da Ásia-Pacífico –, atualizando a doutrina da ca, a consumação da intervenção da Organização do contenção, tendo como alvo a China. Tratado do Atlântico Norte (Otan) a partir da maniMas a manobra se revela mais difícil do que pulação grosseira a respeito do uso de armas químiplanejada: dúvidas quanto à sustentabilidade da cas supostamente pelo governo de Bashar al-Assad. “revolução energética” se avolumam – estudos séMais recentemente, novo lance russo, este ainda rios apontam ser esta de fôlego curto – e a retirada mais ousado, foi o estabelecimento de uma linha vergradual do “grande Oriente Médio” é turvada pelo melha a respeito de sua integridade territorial, diante próprio “legado” deixado pelas guerras, que geraram da ação europeia/ocidental de cooptação da Ucrânia caos e instabilidade em países como Iraque, Afega–, pois Kiev é um berço da nacionalidade russa. A nistão e Líbia. anexação da Crimeia, portanto, foi uma mensagem Uma grande novidade estratégica – extraordináclara de que o limite de Moscou é a ameaça à sua inrio fato geopolítico – é a nova postura russa, que vinha tegridade territorial e às minorias russas espalhadas ensaiando há alguns anos e agora, sob a segunda em seus limites fronteiriços. presidência de Putin, toma forma nítida. CrescenA Cúpula de Fortaleza, pois, ocorre neste contemente ameaçada em seu core interest – que inclui texto de nova postura geopolítica russa ao mesmo sua própria integridade territorial e manutenção da tempo em que há um recrudescimento das pressões zona de influência geoestratégica –, Moscou dá sigeoestratégicas direcionadas à China, no sentido de nais de claro abandono da tradicional ambiguidade pôr este país na defensiva em seu próprio mar tergeopolítica que a tem caracterizado desde o fim da ritorial. Nesta moldura geopolítica é que devem ser 38 Capa lidas a recente visita, em maio último, de Vladimir Putin a Pequim e a assinatura um pacto energético de 30 anos para o fornecimento de gás russo à China – driblando a tentativa de isolamento russo pelo Ocidente. Uma aliança entre dois grandes países, membros do Conselho de Segurança e grandes potências nucleares –, aliança que, fortalecida, tem efeitos diretos sobre a solidificação da aliança do BRICS. A reunião dos cinco grandes países no Brasil, pelo até aqui exposto, já seria um grande lance do cenário global. Mas some-se ao anterior lance adicional de enorVladimir Putin e Xi Jinping após assinatura, em Pequim, de pacto energético de 30 me importância estratégica: o anos para o fornecimento de gás russo à China surgimento dos meios, dos instrupresumia uma vitória da ordem internacional libementos para enfrentar a guerra financeira em curso ral. Nada mais falso tal “acordo”: a ilusão kantia(1), com a instalação do Banco de Desenvolvimento na da paz perpétua numa ordem internacional estádo BRICS e do Fundo de Reservas – “denominado vel baseada no capitalismo liberal arranjo contingente de reservas” naufraga dramaticamente, com o (CRA, na sigla em inglês). retorno do interesse nacional ao O Banco do BRICS, segundo A função centro da “ordem” internacional artigo recente no Financial Times, geopolítica dos contemporânea. “marcará uma mudança signifiAssim, como dissemos acima, cativa na arquitetura do financiapaíses BRICS é a de a situação internacional contemmento internacional do desenvolas novas potências porânea se caracteriza por renhida vimento” (2). É certo, pois, com luta quanto ao resultado da trancapital inicial de US$ 50 bilhões, atuarem no sentido sição na balança de poder entre as que o Banco, que deverá entrar em de confirmar, e nações; por um lado, as potências operação em 2016, poderá jogar patradicionais (status quo) atuam no pel relevante no financiamento de sobretudo acelerar, sentido de contrabalancear a tenobras de infraestrutura, em espea tendência ao dência à multipolarização e ao encial na América do Sul e na África. fraquecimento de seu poder relaJá o Fundo de Reservas – um aumento do seu tivo; por outro, as novas potências “colchão” de proteção comum, no poder relativo atuam no sentido de confirmar, valor de US$ 100 bilhões – terá pae sobretudo acelerar, a tendência pel especial no contexto de presao aumento do seu poder relativo. sões financeiras dos países centrais Nessa última chave pode ser lida a função geopolíticontra as moedas nacionais e a própria estabilidade ca dos países BRICS. econômica dos países BRICS. Em seu conjunto, os acontecimentos que marA aliança do BRICS: suas cam o ambiente global contemporâneo são corretapotencialidades, seus limites mente situados como de retorno da geopolítica, como argumentou longamente artigo da última edição A aliança entre os cinco países BRICS, antes de da Foreign Affairs (3). O artigo defende o retorno da mais nada, é funcional ao desenvolvimento do procentralidade do fator território e do estabelecimento jeto nacional de cada um de seus integrantes. Em de áreas geográficas de influência no atual cenário maior ou menor escala, com maior ou menor nitidez, internacional, num questionamento agudo, sobretodos os cinco BRICS almejam “modificar sua potudo pela tríade Rússia/China/Irã, ao que ele chama sição relativa” no sistema internacional, na “distride “acordo político que pôs fim à guerra fria” e que 39 131/2014 buição internacional de poder e riqueza”, a partir de fatores como território, recursos e coesão social (4). Noutras palavras, a aliança entre os BRICS é um instrumento para aumentar a margem de manobra de cada um deles, e deles em seu conjunto no sistema internacional (5). A aliança entre os países BRICS tem uma base objetiva, não é produto de definição aleatória. Como se vê no quadro acima, se fizermos um recorte a partir dos fatores território, população e tamanho da economia, encontraremos os quatro BRIC originais e os Estados Unidos. A incorporação da África do Sul, decidida na 3ª Cúpula, realizada em Sanya (China), dá a clara dimensão geopolítica da aliança, a começar da condição geográfica do país africano como ponto de contato entre os oceanos Atlântico e Índico. Ademais, um país relativamente estável do continente africano, dirigido por uma coalizão progressista liderada pelo Congresso Nacional Africano (ANC) e líder da União Africana (UA) – a sul-africana Nkosazana Dlamini-Zuma, ex-esposa do presidente Zuma, reeleito em maio último, é a secretária-geral da UA desde 2012. Os cinco BRICS reúnem poder combinado extraordinário: dois membros “não-ocidentais” do Conselho de Segurança das Nações Unidas, três potências nuclearmente armadas, além de serem paí- 40 ses com forte base de recursos naturais, capacidades industriais, parques científicos, tecnológicos e de inovação em áreas, em geral, complementares e capacidade de produção de alimentos. Assim, a aliança entre os países BRICS deve ser observada mais por fatores estruturais do que conjunturais. Por exemplo, eles reúnem potencial de dinamismo econômico superior ao dos atuais países centrais, a começar pela própria dinâmica intrínseca ao capitalismo relativa ao desenvolvimento desigual. A própria capacidade de resistência à primeira fase da atual grave crise do capitalismo eclodida em 2008 revela este fator. Por certo, dada as proporções da crise, seria pouco realista desconsiderar que mesmos os BRICS seriam impactados em suas taxas de crescimento. Mas fatores como o extraordinário espaço de crescimento dos mercados internos de massas de cada um dos BRICS, num contexto em que todos desenvolvem políticas redistributivas, que permitiram importante mobilidade social, foram e serão importantes fatores de dinamismo econômico destes países. Da mesma forma, são países que, por sua própria dimensão, têm na presença do Estado – “capitalismo de Estado” –, por meio de empresas estatais e mecanismos de planejamento econômico, fator de grande importância. De modo geral, são nações que não aderiram ao modismo neoliberal. Capa países BRICS são objeto, neste momento, individual A despeito de ter sido sintetizado por um estudo econométrico de um banco de investimentos (6), o ou coletivamente, do que podemos denominar como BRICS se caracteriza por sua extraordinária potengeopolítica da contenção. cialidade; todos são países portadores de futuro – muito Primeiro, por uma guerra ideológica – movida por além de uma diminuição do crescimento econômico thinks-thanks dos países centrais, com amplo apoio do recente derivado dos efeitos da crise. Ademais, é reaparato midiático global – no sentido de desacreditar corrente na teoria geopolítica – aqui o BRICS, sobretudo em sua capacinão há qualquer originalidade do dade de se coesionar em torno de Sr. O’Neill – a centralidade do papel uma agenda comum. Trata-se de A geopolítica dos Megaestados ou “países-baleia”. análises que enfatizam as (reais e São países cujos fatores combinados naturais) diferenças entre os países da contenção revelam extraordinário potencial. em relação à sua capacidade de esatua fortemente Por certo, trata-se de uma aliantabelecer uma pauta comum. Mas ça tática: o BRICS combina sua estas análises não resistem ao fato no sentido de força, como dissemos, para acede que a aliança do BRICS, neste fomentar divisões lerar uma transição na situação momento, é funcional ao projeto internacional que favoreça o pronacional de cada um dos membros e instabilidade no da aliança. jeto nacional de cada um de seus entorno estratégico A geopolítica da contenção atua integrantes, reunindo condições fortemente no sentido de fomentar mais favoráveis ao curso de seu de cada um dos divisões e instabilidade no entorno desenvolvimento. Os três gigantes BRICS da massa territorial euro-asiática – estratégico de cada um dos BRICS. Rússia, Índia e China –, em espeHá casos mais evidentes, como a cial, historicamente equilibram-se atual tensão na fronteira russo-uentre cooperação e conflito; no contexto deste início craniana ou o conturbado Mar da China. do século XXI, certamente o fator cooperação se soMas também a contenção ocorre em casos mebrepõe ao fator conflito. nos percebidos, como no controle do Atlântico Sul pela Otan, a partir de um “cordão de ilhas” e com a permanente campanha que busca fraturar a união BRICS: ascensão “a ser contida” e sul-americana, seja por meio de fomento de instabilimesmo bloqueada dade em países como Venezuela e Argentina – os dois principais sócios do projeto brasileiro –, seja através Historicamente, a ultrapassagem de uma potênde intervenções abertas através de prepostos, como é cia estabelecida por outra ocorre em contexto de a criação da Alianza del Pacífico, com nítidos propósitos vitória militar (7). Na atual transição observada na geopolíticos voltados contra o Brasil. situação internacional, entretanto, a ultrapassagem Em cada um dos BRICS também se identificam da economia norte-americana pela China é iminente pressões sobre o fator-chave para a ascensão de um – segundo órgão de estatísticas do Banco Mundial, país no sistema internacional: a coesão nacional. em estudo divulgado no final de abril, deverá ocorA Rússia é permanentemente pressionada pelo rer ainda em 2014 com base no critério de paridafator étnico, quer por tendências centrífugas por de do poder de compra, ou seja, o peso relativo das parte de minoria em seu território (os chechenos, economias pelo custo de vida real. Os EUA lideram por exemplo), quer por ameaças a seus nacionais este índice desde 1872. Já a Índia, segundo o mesmo residentes em antigas Repúblicas Soviéticas. A estudo, ultrapassaria o Japão tornando-se a 3ª ecoChina vive sob constante ameaça territorial relanomia do mundo. A ultrapassagem econômica, encionada ao Tibet e à minoria urguir em Xinjiang. tretanto, não leva à imediata ultrapassagem nem em A Índia é pressionada por uma tensão constante termos de liderança política muito menos em termos entre a maioria hindu e a minoria muçulmana. A militares. África do Sul permanece, duas décadas após o fim Não estando em tela neste momento um condo apartheid, com problemas de natureza racial. fronto militar direto, como vimos, os países do status Mesmo o Brasil, caracterizado por uma formação quo atuarão fortemente no sentido de operar uma social miscigenada, não foge à regra: além do focontratendência, que nesse momento atende esmento ideológico do multiculturalismo – por parte sencialmente pela reabilitação das velhas doutrinas de endinheiradas agências estrangeiras –, absolugeopolíticas da contenção. Por meios diretos ou inditamente estranho à formação social brasileira, é retos, abertos ou encobertos, ostensivos ou sutis, os 41 131/2014 constantemente pressionado por te consenso. Neles, há temas nada A 6ª Cúpula dos manipulações quanto à questão triviais, relacionados a uma agenda indígena, dentre outras pressões reformista de alterações na ordem inpaíses BRICS será de natureza racialista. ternacional, inclusive aqueles relatisimbólica por abrir Ameaças ao BRICS, em seu vos à reforma do sistema financeiro caminho de ascensão, também internacional e à reforma da anauma nova fase na ocorrem pela própria deterioração crônica governança global, nomeaaliança, dotando-a da situação internacional, a partir damente do Conselho da Segurança da incorporação de determinadas Nações Unidas. A oposição às de musculatura dos conceitos à “ordem jurídica” guerras da Otan – travestidas de para operar no multilateral. É o caso do conceito humanitárias – também é de grande responsabilidade de proteger, que de importância, coesionando o BRInível econômicotem dado margem para guerras CS na rejeição da agressão à Líbia e financeiro, através “humanitárias” ou “civilizatórias” mais recentemente à Síria. Depois modernas, bem como ações indida coordenação política e econômido Banco e do retas de regime change, conceito ca, caberá aos países BRICS darem Fundo de Reserva pelo qual têm sido denominados um passo na coordenação estratégigolpes de Estado contemporâneos. ca, já ensaiada com as reuniões dos Os holofotes de tensão geoestratégica sobre Rúsfuncionários de “segurança nacional”. sia, China ou Oriente Médio não devem turvar, nuCabe, no próximo período, aumentar o nível de ma análise geopolítica, movimentos explícitos volcoordenação do BRICS sobre os grandes temas da tados contra o Brasil. Há um explícito movimento agenda internacional, numa agenda pró-cíclica, isto de forçar um recuo nas pretensões estratégicas do é, a favor da aceleração da transição para um munBrasil, como, aliás, argumentamos em artigo recente do multipolar, criando condições mais favoráveis ao nesta Princípios (8). curso dos projetos nacionais de desenvolvimento de As frustradas, mas reais, tentativas de manipucada um de seus integrantes e dos países em desenlação das manifestações de junho de 2013 com fins volvimento em geral. desestabilizadores; a campanha da oligarquia financeira internacional contrária à tentativa, por parte da * Ronaldo Carmona é pesquisador de teoria geopolítica presidente Dilma, de mudança (ou pelo menos de na Universidade de São Paulo (USP) e membro do Comitê flexibilização) do modelo rentista vigente desde 1994 Central do PCdoB com o pacto político que estabelece o Plano Real; mais recentemente, a operação voltada a desgastar a Notas imagem do Brasil por ocasião da Copa do Mundo de Futebol, neutralizando um momento, por excelên(1) Ver, neste dossiê de Princípios, artigo do analista geopolítico mexicano, Alfredo Jalife-Rahme. cia, de promoção do soft power do país, de sua civiliza(2) Segundo a economista da Universidade de Columbia, Steção miscigenada e acolhedora são fatos a corroborar phany Griffth-Jones. (Ver “China vence e será sede do Banco esse movimento de contenção geopolítica do Brasil. dos BRICS”. Folha de S.Paulo, 08 de junho de 2014, p. B9). O deslocamento da atual coalizão política e social à (3) “The Return of Geopolitics”, de Walter Russell Mead. In: Fofrente do governo nacional brasileiro nos últimos reign Affairs (maio/junho de 2014, vol. 93, n. 3). Traduzido ao português e publicado em O Estado de S. Paulo, 04 de maio doze anos e, assim, um recuo nas pretensões estratéde 2014, p. A18. gicas do país, representaria, pois, um golpe de vulto (4) Como argumenta, por exemplo, “Poder, geopolítica e desenno BRICS. A agenda pós-Fortaleza A 6ª Cúpula dos países BRICS, como argumentamos neste texto, será simbólica por abrir uma nova fase na aliança, dotando-a de musculatura para operar no nível econômico-financeiro, através do Banco e do Fundo de Reserva. As declarações das cinco Cúpulas anteriores, e certamente a de Fortaleza, revelarão um arcabouço de temas nos quais o BRICS tem construído crescen- 42 volvimento”, de José Luis Fiori, Valor Econômico, 26 de junho de 2013. (5) “El rol geopolítico de los BRICS: una visión brasileña”, de Ronaldo Carmona. Apresentação na I Conferência de Estudos Estratégicos. Havana, Cuba, outubro de 2013. (6) Refiro-me a Building Better Global Economic BRICS (2001), disponível em http://www.goldmansachs.com/our-thinking/archive/archive-pdfs/build-better-brics.pdf (7) Ver, dentre outros, Ascensão e queda das grandes potências, de Paul Kennedy (Record, 1989) e Os Impérios na História, organizado por Francisco Carlos Teixeira (Campus, 2009). (8) Ver “A ascensão brasileira em xeque”, edição nº 129 (fevereiro/ março de 2014). Capa Cúpula do BRICS Uma estratégia econômica para o Brasil e a América do Sul J. Carlos de Assis* É preciso que haja uma reação sobre o fato de os fluxos internacionais de comércio estarem movendo-se contra os nossos interesses. Uma estratégia para a retomada do desenvolvimento industrial a partir do uso soberano de nossos recursos naturais abre o horizonte de um destino promissor para o Brasil e a América do Sul, com benefícios também para os demais países do bloco BRICS A crise financeira de 2008, que ainda persiste em grande parte do planeta, sobretudo na Europa, introduziu mudanças que tendem a ser permanentes ou no mínimo duradouras no sistema econômico mundial – o que aponta para o Brasil a necessidade de um realinhamento em termos de alianças estratégicas. A mudança que mais nos afeta diretamente, enquanto país e enquanto região, é a busca por parte de todos os países desenvol- vidos de superávits no comércio de manufaturados, num movimento simultâneo único pela primeira vez na história. Essa questão deveria estar no centro das preocupações das elites dirigentes brasileiras, de empresários, dos diplomatas, da universidade e dos profissionais da segurança nacional. É que não se trata de um momento no ciclo econômico mundial. É o efeito de uma determinação de caráter político, explícita na área do euro, onde políticas fiscais e monetárias 43 131/2014 extremamente restritivas empurram os países para tornaram uma espécie de reguladoras privadas das buscarem saldos comerciais como único mecanismo políticas econômicas mundiais pela influência direta de recuperação da atividade econômica, não obstanque têm no custo dos empréstimos internacionais. te o recorrente fracasso dessa estratégia. No contexto É praticamente impossível romper essa conspiração, mundial atual, esses superávits só podem ser obtidos que tenta, na realidade, deixar tudo como está no a partir de déficits dos países em desenvolvimento. sentido da restauração das relações financeiras espeTambém não é um fenômeno temporário. A jusculativas mundiais nas mesmas bases em que funtificação para as políticas monetárias e fiscais rescionavam antes do colapso de 2008. tritivas é o endividamento público considerado alto Note-se que tudo poderia ter sido diferente não na área do euro, medido pela relação dívida pública/ fosse a determinação europeia de perseguir a ortoPIB. Entretanto, as políticas restritivas produzem doxia monetária e financeira. Sim, porque imediao efeito paradoxal de aumentar, e tamente após a crise, para salvar não reduzir, a relação dívida/PIB. o sistema capitalista do colapso As políticas Como consequência da continuatotal, o G20 estabeleceu um conda retração ou estagnação do PIB, senso em torno de políticas keynemonetárias e fiscais o denominador cai, enquanto a sianas anticíclicas nas reuniões de restritivas são o dívida sobe para países que não Washington, Londres e Pittsburgo. emitem a própria moeda em razão A ruptura desse consenso, quando endividamento da incidência de juros de mercado. as economias afetadas pela crise público considerado já se recuperavam em decorrência Isso significa contração econômica num tempo indefinido, e um apelo justamente dele, veio na reunião alto na área do ainda maior nos países com dívide Toronto, em 2010, quando Aleeuro, medido pela das públicas consideradas elevadas manha, Inglaterra e França patrono sentido de geração de saldos cocinaram as chamadas “estratégias relação dívida merciais por aumento de exportade saída”, ou seja, o retorno à orpública/PIB. ções e redução de importações. todoxia fiscal e a obsessão com a Essa situação não é resultado redução da dívida pública. Na EuEntretanto, as apenas de uma idiossincrasia poropa, as economias que seguiram políticas restritivas lítica alemã por seus traumas pasesse conselho voltaram a desmorosados com hiperinflações. É certo nar, e estão desmoronadas até hoje. produzem o efeito que as elites empresariais e políÉ importante assinalar, para os paradoxal de ticas alemãs são profundamente que não estão familiarizados com a ortodoxas e neoliberais, mas elas terminologia econômica, que políaumentar, e não não poderiam impor sua ordem tica monetária ortodoxa não tem reduzir, a relação econômica ao resto da Europa se nada a ver com responsabilidade não contassem com a concordância monetária. Em determinadas cirdívida/PIB militante dos dirigentes franceses, cunstâncias, inclusive agora, é seu italianos e espanhóis, que há muioposto. A teoria keynesiana aconto abriram mão de suas convicções socialdemocraselha que, em situações de recessão ou de depressão, tas para aceitar taxas pornográficas de desemprego. o Estado não só pode como deve ampliar seus gastos Na realidade, é surpreendente que nenhum político deficitários. É a forma de restaurar a demanda, o ineleito importante da Europa tenha reagido indigvestimento e o emprego. Já quando a economia está nado quando, pouco depois de sua posse no Banco crescendo e marchando para o pleno emprego, deve Central Europeu, Mario Draghi disse abertamente fazer o oposto, ou seja, reduzir ou eliminar o déficit e que para enfrentar a crise era necessário destruir o diminuir a dívida pública. A ortodoxia prega uma siEstado de bem-estar social. tuação permanente de equilíbrio ou mesmo superáA absoluta prevalência dos interesses especulavit fiscal, não obstante o ciclo econômico. É fácil ver tivos contra os interesses sociais nos países indusque isso é uma estupidez ideológica. Presume que trializados avançados, embora não totalmente nos os Estados que se endividaram no passado, e foram Estados Unidos – estes fizeram uma pseudorreforma todos, agiram sempre de forma irresponsável. pífia e disfuncional do sistema financeiro –, conta O que os ortodoxos mais temem nas políticas ancom o respaldo total das agências multilaterais coticíclicas é a consequência delas em termos de um mo FMI e Banco Mundial, o BCE e a própria Comisaumento temporário do poder econômico e coorsão Europeia. Ao lado disso, as agências de risco se denador do Estado, seja pelo lado do investimento 44 Capa público, seja pelo lado de uma política monetária expansiva. Por isso, na Europa do euro, o BCE, sendo independente dos governos, é um guardião rigoroso dos interesses bancários privados e bloqueia qualquer tentativa de política fiscal expansiva. É importante assinalar que isso não acontece nos Estados Unidos: a despeito da pressão contrária do Partido Republicano, o governo Obama enfrenta o risco de estagnação com déficit fiscal e políticas monetárias expansivas – algo que o conjunto dos países desenvolvidos costuma negar aos países em desenvolvimento, exceto quando estes já não dependem diretamente do FMI para equilibrar contas externas. Já a realidade político-eleitoral europeia não traz qualquer sinalização de pressão efetiva por parte da cidadania em favor de mudanças na política econômica no sentido da retomada da expansão. Ao contrário, o que as últimas eleições para o Parlamento Europeu indicaram foi um crescimento da direita a partir de temas sociais que lhe são caros, como racismo e imigração, sem grande ênfase nos temas econômicos. Isso prenuncia um movimento do eleitorado na mesma direção quando se iniciarem as eleições nacionais, de resultado mais efetivo. Mesmo na Espanha e na Grécia, com mais de 25% de taxa de desemprego (mais de 50% entre os jovens), movimentos como o dos “Indignados” murcharam ou desapareceram. Os riscos que a prolongada crise europeia, a estagnação japonesa e a marcha lenta americana colocam para o Brasil não se refletem na imprensa ou na política brasileira. Os pré-candidatos presidenciais se voltam exclusivamente para temas paroquiais, como se eventos externos, sobretudo os que afetam estruturas produtivas globais, não nos dissessem respeito. Isso significa, simplesmente, uma crise generalizada de visão estratégica, mesmo porque, como se insiste aqui, a ameaça, efetivamente, não vem apenas da Europa Ocidental, mas também dos demais países industrializados. É que os EUA, embora não seguindo política fiscal ortodoxa e apelando para uma política monetária expansiva, estão, além disso, sustentando a meta de dobrar exportações a cada cinco anos, anunciada por Obama desde 2010. Já o Japão fez agressiva desvalorização do câmbio de 20% para recuperar exportações. Dos grandes países líderes do comércio, a China, afetada pela contração do mercado europeu, é a única que deliberadamente, com um esforço de reconversão da demanda para o mercado interno, reduziu seus superávits com o resto do mundo. Isso, inversamente, se refletiu também na balança comercial com o Brasil, com o superávit com a China afetado por queda de preços e volumes de commodities exportadas. 45 131/2014 Essa situação sem precedentes coloca para os países emergentes um desafio histórico. Para países como o Brasil, se não houver uma mudança drástica em sua estratégia de desenvolvimento, seremos condenados à marginalização no mercado mundial de manufaturados, com evidente risco para o emprego e a trajetória de reservas cambiais. É um contexto que mostra a temeridade de propostas como a do acordo de livre comércio entre Mercosul (ou Brasil) e União Europeia, que acentuaria o desequilíbrio dessas relações. 46 Entretanto, considerando não só o Brasil para toda a América do Sul, somos um país e uma das regiões mais ricas do mundo em recursos naturais, desde abundantes fontes de água doce aos diversos minerais. Podemos ancorar uma arrancada de desenvolvimento comum mediante industrialização desses recursos minerais desde que se equacione, por um lado, o financiamento do investimento e, por outro, a demanda num contexto de baixo crescimento no mundo industrializado avançado. A premissa fundamental numa estratégia com esse objetivo é estimular firmemente a industrialização de recursos minerais e agropecuários considerando-se três momentos articulados: a mineração, a industrialização e a logística de transportes, tudo conectado a uma estratégia de crescimento interno e de expansão das oportunidades de exportação de produtos com valor agregado. Se houver infraestrutura, pode-se induzir o setor privado a assumir a mineração e a industrialização com adequado financiamento que teremos com o Banco do Sul e o Banco do BRICS. O gargalo é a infraestrutura de transportes. Em casos de rodovias, ferrovias ou hidrovias pioneiras, é fundamental a ação direta do Estado. Para que um programa público de infraestrutura tenha credibilidade, é importante definir fonte de financiamento estável, como foi em sua intenção original o Imposto Único sobre Combustíveis Líquidos e Gasosos (IUCLG) ou a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), ou seja, um tributo sobre combustíveis vinculado formalmente a investimentos de infraestrutura. No Brasil, a CIDE ainda existe legalmente, embora zerada. Isso aconteceu no bojo das desonerações fiscais improvisadas de 2013. De qualquer Capa modo, seu desenho institucional é frágil pois sua com problemas energéticos e ambientais na forma receita era recolhida à caixa única do Tesouro, com de restrições à expansão territorial de sua indústria vinculação apenas nominal a investimentos de inmetalúrgica básica. Nesse sentido, o financiamenfraestrutura. O ideal, portanto, é que ela seja resto do investimento nos projetos escolhidos poderia taurada e sugerida aos outros países da América basear-se numa demanda garantida de metais pedo Sul como um tributo formalmente vinculado, la China, que desenvolveria fora de seu território, como acontece nos Estados Unidos, que sirva de mediante acordos específicos, o suprimento desses base de alavancagem para emmetais para continuar sustentanpréstimos bancários ao setor de do seu alto crescimento. Foi desinfraestrutura. sa forma que se desenvolveu em Temos um desafio Haverá resistência, sobretudo parte Carajás, mediante demanda estrutural que das elites empresariais, à efeticerta de produção futura convervação de um tributo vinculado a tida em financiamentos, com a se sobrepõe ao investimentos de infraestrutura diferença de que se tratava de um problema cambial logística não só no Brasil mas nos bem primário e o demandante era demais países da América do Sul, o Japão. de curto prazo, os quais, com exceção da ArgentiA estratégia aqui delineada na medida em na, têm em média metade da carabriria caminho para a articulação ga tributária do Brasil. A forma de do Brasil e da América do Sul com que são os fluxos lidar com isso seria condicionar a a região economicamente mais diinternacionais de participação no projeto de desennâmica do mundo: o grande arco volvimento comum à instituição do Pacífico centrado na China. A comércio que estão do tributo vinculado. Note-se que, ponte de acesso a esse arco seria se movendo contra por um lado, um tributo sobre o bloco BRICS, que teria, de um combustíveis, tendo uma base exlado, como grandes demandantes nossos interesses tremamente ampla, requer alíquode metais, a China e a Índia e, de tas individuais muito baixas. Por outro, como supridores de produoutro lado, o fundo criado com estos da indústria básica, o Brasil e se tributo não seria um investidor direto nos projea África do Sul, ficando a Rússia numa posição intos, mas uma base de alavancagem de empréstimos termediária. A consolidação desse arco responderia para investimentos; seria um garantidor. Assim, a ameaças do neoliberalismo em sua forma comeruma receita anual de 1 milhão geraria uma capacial: os acordos de livre comércio assimétricos, que cidade de investimento em 20/30 anos de 20 ou 30 retardam em vez de estimular o desenvolvimento. milhões. Essa sugestão não substitui políticas de curEquacionado o problema da infraestrutura, poto prazo, sobretudo a cambial, que estão afetando der-se-ia articular o programa estratégico no âmbidrasticamente a indústria manufatureira brasileira, to do BRICS inicialmente em parceria com a China, notadamente a indústria de bens de capital. Contuque deixaria de ser o inimigo comercial para ser um do, como se pode ver nos gráficos, temos um desasócio do investimento. Em primeiro lugar, seriam fio estrutural que se sobrepõe ao problema cambial selecionados, no Brasil e no restante da América de curto prazo, na medida em que são os fluxos do Sul, projetos específicos de desenvolvimento ininternacionais de comércio que estão se movendo dustrial de recursos naturais. A China arcaria com contra nossos interesses. Deixar que isso aconteça, a parte principal do investimento, garantida pela espontaneamente, sem reação, é um crime de leprópria demanda, e a governança seria exercida sa-pátria. Uma estratégia para a retomada do decom o Brasil e com outros países sul-americanos senvolvimento industrial a partir do uso soberano participantes. Seria aberto, dessa forma, um amplo de nossos recursos naturais abre o horizonte de um e crescente mercado de bens de capital para as emdestino promissor para o Brasil e a América do Sul, presas brasileiras do setor, eventualmente em parcom benefícios também para os demais países do ceria com a indústria homônima chinesa, indiana bloco BRICS. e russa. Com isso, seria salva a indústria de bens de ca* José C. de Assis é economista, doutor em Engenharia pital brasileira de uma concorrência predatória dos de Produção pela Coppe/UFRJ, professor da Economia países industrializados avançados. O esquema inteInternacional da UEPB, autor de mais de 20 livros sobre ressaria à China no sentido de que ela se defronta Economia Política brasileira 47 131/2014 Conferência BRICS no século XXI aprova Documento Consenso do Rio Especialistas dos cinco países do bloco pedem Estado com forte poder regulatório, pelo fim das desigualdades sociais e como motor do desenvolvimento sustentável A Conferência BRICS no século XXI, realizada de 20 a 23 de maio no Hotel Novo Mundo, Rio de Janeiro, terminou com a apresentação de uma pauta propositiva chamada de Consenso do Rio, defendendo que governos e sociedades dos países integrantes dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) promovam o desenvolvimento econômico tendo como base uma forte presença regulatória do Estado. Segundo o documento, o Estado deve promover o desenvolvimento econômico e social com sustentabilidade ambiental, visando ao pleno emprego, a redução da pobreza e da desigualdade. O Consenso foi resultado dos debates realizados no auditório da Coppe/UFRJ com intelectuais e especialistas renomados que representaram os cinco países do bloco e trouxeram propostas alternativas ao pensamento neoliberal nos campos da Economia, da Política e das Ciências. Ressalta o elevado desempenho econômico e social dos Brics frente aos países industrializados avançados lembrando que, apesar da crise que ainda vivem, suas elites teimam, para pagar menos impostos, em manter a política 48 de mínima participação do Estado na economia e a chamada autorregulação do mercado. O documento apresenta 12 itens propositivos como um conjunto de estratégias que vêm sendo usadas ou que os especialistas acreditam que devam ser usadas pelos Governos dos BRICS. Sobre a conferência A Conferência BRICS no século XXI foi organizada pelo Intersul (Instituto de Estudos Estratégicos para a Integração da América do Sul) em parceira com a Coppe/UFRJ, e contou com o patrocínio do BNDES e apoio da Caixa, do Ministério do Planejamento, do Governo Federal, da construtora Odebrecht e do Sinergia. O objetivo principal foi avaliar a emergência de novos paradigmas no campo da economia, da geopolítica, nas ciências e em outros campos do conhecimento humano, superando os paradigmas do neoliberalismo que entraram em colapso, sobretudo a partir da crise financeira iniciada em 2008 e que ainda persiste nos países industrializados avançados. Capa Íntegra do Documento BRICS NO SÉCULO XXI - CONSENSO DO RIO C omo participantes da Conferência BRICS no Século XXI, que reuniu no Rio, de 20 a 23 de maio, especialistas de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, expressamos a convicção de que é tarefa fundamental dos governos e das sociedades de nossos países manterem como prioridade absoluta promover o desenvolvimento econômico como esteio do desenvolvimento social com sustentabilidade ambiental, tendo em vista o imperativo de garantir o pleno emprego e reduzir a pobreza e a desigualdade econômica, o que jamais ocorrerá numa sociedade estagnada. Consideramos lamentável o fato de que, não obstante a aguda crise social e de desemprego por que passam os países industrializados avançados, a maioria deles se recusa abertamente ou se omite em tomar iniciativas no campo fiscal e monetário para a retomada do crescimento econômico. Com isso prejudicam, sobretudo na Europa, grande parte de sua população assim como às populações dos demais países, inclusive emergentes, que se defrontam com o estreitamento do mercado mundial e com as pressões comerciais superavitárias que visam a compensar a ausência de políticas fiscais e monetárias ativas. Entendemos que a superação da presente crise nos países industrializados avançados não pode ser uma escusa para uma escalada bélica no mundo. Não é demais lembrar que estamos na era nuclear e isso cria um virtual nivelamento de poder destrutivo entre nações nuclearizadas. Não há como sair ganhando numa guerra mesmo convencional na era nuclear. Os temas geopolíticos têm necessariamente que ser levados à mesa de negociações, respaldados pela força democrática dos povos, livres de qualquer tipo de pressão e sanções unilaterais. No campo econômico e social, é indiscutível que os países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) estão tendo um desempenho superior ao dos países industrializados avançados, cujas elites ainda teimam, para pagar menos impostos, em manter o receituário do Estado mínimo e da autorregulação dos mercados – não obstante o colapso dessas teses no bojo da crise em curso. Por isso, afirmamos nossa concordância com as linhas gerais das estratégias que vêm sendo usadas ou que devem ser usadas por nossos governos, e que reputamos sejam, em grande parte, as causas essenciais desse desempenho. São elas: 1. Forte presença reguladora do governo central na economia, especialmente em setores estratégicos, e compromisso em garantir bens básicos para a população. 2. Presença de um forte sistema de bancos públicos de desenvolvimento, que faz a correia de transmissão entre planejamento e o financiamento de médio longo prazo. 3. Presença de fortes empresas estatais estratégicas, com capacidade de aplicar as decisões de planejamento e exercer um poder de arraste sobre o setor privado. 4. Compromisso com políticas fiscais anticíclicas, isto é, expansivas na recessão e contracionistas no boom. 5. Controle de capitais para evitar ondas financeiras especulativas. 6. Política de integração econômica estrategicamente planejada. 7. Forte compromisso com a adoção de estratégias de desenvolvimento sustentável e estabelecimento de acordos de padronização para os respectivos resultados. 8. Busca comum de desenvolvimento tecnológico que permita que os países BRICS se tornem mais competitivos em termos globais. 9. Troca de recursos educacionais e culturais com o suporte dos governos e para o desenvolvimento de pesquisas comuns. 10. Os governos BRICS precisam trabalhar por um comércio mais equilibrado movendo-se no sentido de um maior balanço no processamento nacional de matérias-primas. 11. Compromisso efetivo dos governos para colocar em prática as políticas de combate à pobreza e à desigualdade econômica. 12. O Conselho dos BRICS deve estar pronto para agir como mecanismo de implementação de todos os princípios citados a qualquer momento que for requisitado para isso. Por certo que nem todos os países BRICS usaram da totalidade desses instrumentos para o enfrentamento das consequências internas da crise internacional. Contudo, mesmo uma observação superficial leva à conclusão de que os que melhor se saíram foram justamente aqueles que usaram mais decididamente uma combinação mais ampla desses recursos de política econômica. Rio de Janeiro, 23 de maio de 2014. Especialistas presentes Rússia Vladmir Davydov Elena Bryzgalina Boris Martynov Índia Santosh Mehrotra Brahma Chellaney China Qian Hao Qian He Qixing Zhou Zhang Yan Brasil José Carlos de Assis Luiz Pinguelli Rosa Dercio Garcia Munhoz Darc Antonio da Costa Samuel Pinheiro Guimarães Severino Cabral Tito Ryff José Eduardo Cassiolato Theotônio dos Santos Daniel Negreiros Conceição Ronaldo Carmona África do Sul Mario Scerri Rasigan Maharajh 49 131/2014 Forças e vulnerabilidades dos países BRICS no mundo multipolar pós-Crimeia Alfredo Jalife Rahme* A reunião do BRICS, que ocorrerá em Fortaleza/CE, representa uma oportunidade para fortalecer as tendências (de crescimento econômico) e concretizar os múltiplos projetos. É uma oportunidade de ouro de passar à fase de transição mais vigorosa da criativa ordem multipolar do mundo pós-Crimeia A cartografia geoestratégica tem mudado dramaticamente nos últimos meses no mundo pós-Crimeia, o que tem acentuado as tendências que foram esboçadas em 2008 durante a guerra da Rússia contra a Geórgia, e que teve como epílogo a secessão de Ossétia do Sul e da Abecásia (Abkházia) (1). A partir da guerra entre a Geórgia e a Rússia traçou-se a primeira linha vermelha do Kremlin na etapa de restauração relativa do czar geoenergético global Vladimir Putin, que tem jogado primorosamente a carta dos hidrocarbonetos, além dos oleodutos e gasodutos, como arma dissuasiva para impedir o desmembramento do que restou da Rússia depois da dissolução da União Soviética e também com o propósito de frear o irredentismo do trio Estados Unidos/ Otan/ União Europeia na “periferia próxima” de Moscou. O mundo pós-Geórgia, do ponto de vista do posicionamento militar, expressou as tendências que tiveram início na primavera de 2004, quando os EUA e seus aliados não puderam controlar o petróleo do Iraque; e isso deu lugar ao novo termômetro da geoeconomia planetária, com o irreversível início da elevação do preço do petróleo – quintuplicado desde então para mais de 100 dólares, chegando a alcançar o notável pico de 150 dólares. Não se pode entender o mundo pós-Geórgia de 2008 sem se considerar o início da ascensão irrever- 50 sível da cotação do “ouro negro” a partir de 2004, levando em conta que a Rússia é a maior potência produtora de gás do planeta – seguida pelo Irã e pelo Catar, vindo Turcomenistão em quarto lugar. Deduz-se, assim, que a arma petroleira não anda só, e necessita da cobertura de 4.300 bombas nucleares hoje nas mãos da Rússia (2). A Rússia, muito mais do que a China, voltou a mostrar suas garras militares, o que levou à incipiente ordem multipolar e, paralelamente, ao nascimento do bloco dos países BRICS. A sequência é assombrosa: a irresistível alta do petróleo a partir da primavera de 2004; o nascimento do BRICS (oficioso em 2006 e oficial em 2009), que de um bloco quadripartido passou a um pentapartido; o mundo pós-Geórgia de 2008: tal é a plataforma multipolar que logo se concatenou com o recente mundo pós-Crimeia. Poder-se-ia argumentar que o Grupo de Xangai, como contraponto à expansão oriental da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na década de 90 do século passado, encurralou a um mínimo vital o poder e a geografia da Rússia, que estancava suas feridas depois da “catástrofe geopolítica” (Putin dixit “disse”), e somente esperava a oportunidade propícia para deter a ofensiva, em suas fronteiras, do trio EUA/Otan/UE. A oportunidade para deter a queda vertical da Rússia foi dada pela dupla derrota militar dos Estados Unidos no Afeganistão e, sobretudo, no Iraque, na primavera de 2004, quando a administração Bush Capa (filho) não pôde controlar a superabundância de petróleo daquele país. O mundo pós-Crimeia acentuou a recuperação relativa do espaço geopolítico vital da Rússia em sua periferia mais próxima, o que levou à reincorporação da superestratégica península da Crimeia e à preponderância russa no Mar Negro (3), desencadeando o acordo histórico sobre gás com a China, bem como a criação, junto com a Bielorrússia e o Cazaquistão, da União Econômica Euroasiática. A batalha mercantil se propaga ferozmente nos dois oceanos que banham as costas dos Estados Unidos, que buscam controlar 2/3 do comércio mundial mediante dois polêmicos tratados: 1) o Acordo Associação Transpacífico (TPPA – sigla em inglês), destinado a isolar e a “conter” a China e, de passagem, o Brasil, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e, por extensão, a toda a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba); 2) o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos (TTIP, na sigla em inglês), por meio da qual os Estados Unidos buscam atrair para sua armadilha a União Europeia – hoje fraturada econômica e politicamente, mediante o reflexo da bolha do fracking (fratura hidráulica) e seu gás de xisto (4) –, para que ela rompa seus laços energéticos com a Rússia. Nem todos os projetos mercantilistas dos Estados Unidos foram exitosos, conforme demonstram seus fracassos: no âmbito local, o extinto Plano Puebla Pa- namá e, na esfera regional, a sepultada Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O mais provável é de que assistamos à formação de blocos regionais em torno de seus respectivos países líderes: os Estados Unidos (com a absorção do Canadá e do México); o Brasil (com o Mercosul e a luta para controlar a União de Nações Sul-Americanas, Unasul); a Alemanha (controlando o que resta da Europa e talvez criando a sonhada “rota da seda” com a China e a Rússia) (5); a China (com a Associação de Nações do Sudeste Asiático, Asean-10; se os Estados Unidos não a abortar antes, atiçando fogo nos litígios dos mares do Sul e do Leste da China). As forças e vulnerabilidades de cada um dos cinco membros do BRICS afetam o bloco como um todo. Mesmo dentro do BRICS existem níveis e gradientes de poder não equiparáveis entre todos os seus membros – como é o caso da esfera nuclear, havendo em seu seio uma superpotência atômica da magnitude da Rússia e potências médias como a China (com 250 bombas) (6) e a Índia (com 80 a 100 bombas) (7). Curiosamente, a África do Sul possuía seis bombas nucleares antes de os governos pós-Apartheid as desmantelarem de forma unilateral e voluntária (8), enquanto no Brasil a Constituição nacional proíbe a adoção de bombas atômicas, apesar de esse país possuir know-how para fabricá-las. O impressionante consiste em que o novo binômio geoestratégico constituído por Rússia e China, sem 51 131/2014 formar uma aliança formal, mostra uma espantosa o são” e arremete contra o Brasil que, a seu juízo, complementariedade. sofreria de “profundos (sic) problemas institucioAnatole Kaletsky, analista britânico de linha connais e de desordem social”, enquanto a Rússia “não servadora, não oculta “a força da Rússia em sua avandominaria tanto os mercados energéticos no futuçada (sic) tecnologia militar, aeronáutica e de softwaro, apesar do decréscimo de sua própria população”. re, bem como sua debilidade na produção massiva de Julga ainda esse autor que a Alemanha, “para manbens de consumo e de hardware eletrônico. A China ter uma política exterior poderosa, se encontraria tem as forças e as debilidades inversas”. Esse autor enredada no setor energético e com a economia da alega que talvez a viagem de Putin a Xangai “poderia Rússia”, enquanto a China estaria “sentada sobre ainda marcar o início de um realinhamento estratégiuma extensa burguesia creditícia, que é um de seus co entre as superpotências nucleares, comparável às desafios estruturais e econômicos”. ‘placas tectônicas’ da visita que Nixon fez à China em Para Kaplan, restariam os “Estados Unidos, que 1972” (9). têm os seus problemas” (paralisia bipartidária, queExistem outros tipos de complementaridades enbra do setor de saúde, disparidade crescente entre tre os membros do BRICS que vão ricos e pobres etc.), mas não exidesde os alimentos, como é o caso biriam “o lastro dos outros hegeda China – importadora de matériasmones”. Esse autor profetiza ainda Desde 2006 (de -primas e alimentos – com o Brasil, que “alguns dos hegemones podeforma oficiosa) já a primeira potência alimentar do rão se arruinar severamente nos mundo. próximos anos, já que a Rússia e a e/ou 2009 (de Abordarei, com uma metodoChina podem padecer de uma sigforma oficial), os logia multidimensional, as forças e nificativa desordem social”. vulnerabilidades de cada um dos inPor fim, Kaplan prevê um países do BRICS tegrantes do BRICS, assim como do “mundo anárquico e amórfise estabeleceram bloco como um todo. co, combinado com a tecnologia Do ponto de vista geoestratégipós-moderna”, algo assim como, e, desde então, co, no mundo pós-Crimeia, se esa meu juízo, uma anarquia (sua convergem cada tabelece a tripolaridade formada obsessão) com “fractais” (ordens por Estados Unidos, Rússia e China dentro da desordem, segundo vez mais em seus – que poderia se estender, do ponto a Teoria do Caos) tecnológicos. objetivos, de tal de vista dos blocos geoeconômicos Nesse mundo anárquico, uma vigentes, a uma bipolaridade trans/ minoria plutocrática/oligárquica/ modo que há vários metarregional entre o G-7 e os países oligopólica pretenderá controcandidatos desejosos lar orwellianamente a esmagadora ascendentes BRICS (10). Não faltam analistas que discumaioria dos habitantes do planeta por se integrar ao tam a emergência de novos “hegemomediante metadados, drones, robloco, como o Irã e a bôs, dívidas impagáveis e/ou crénes” (líderes supremos) regionais, como é o caso do israelense-estaduditos de consumismo desregulado Argentina nidense Robert D. Kaplan e de supercomputadores (11), que expõe a sugesde velocidade espantotão de alguns analistas sa: os neoescravos da em favor de “um sistema virtual cadeia eletrônica de ‘hegemones’ regionais: global. Estados Unidos na AméÉ evidente que os rica do Norte (sic), Brasil analistas dos Estados na América do Sul, AleUnidos e da Rússia não manha na Europa, Rússia respeitam mutuamente na Eurásia, China na Ásia seus destinos ontolóe assim por diante”. gicos imediatos, já que Kaplan considera que nada menos que Igor “o problema desse cenáPanarin, decano da Acario é que ele implica igualdade entre os hegemones demia da Diplomacia na Rússia, advertiu sobre o quando esta não existe. Supõe também que esses desmembramento dos Estados Unidos em seis parhegemones são estáveis, o que constantemente não tes (12). 52 Capa Desde 2006 (de forma oficiosa) e/ou 2009 (de O tsunami eleitoral do partido ultranacionalista forma oficial), os países do BRICS se estabeleceram hindu Bharatiya Janata, do primeiro-ministro Nae, desde então, convergem cada vez mais em seus rendra Modi, representa uma incógnita dentro do objetivos – apesar das múltiplas variáveis internas BRICS, num momento em que tanto os Estados Unidivergentes –, de tal modo que há vários candidatos dos quanto o Japão tentam atrair a Índia para criar desejosos por se integrar ao bloco, como o Irã e a um eixo com a Austrália e a anglosfera com o objetivo Argentina. de deter a China. Fortalecerá a Índia sua participaSe, em seu início, o BRICS parecia mais um bloco ção no BRICS ou sucumbirá aos cantos de sereia do geoeconômico, oito anos depois (de forma oficiosa) TPP e de seu corolário militar anglo-saxão? e/ou cinco anos depois (de forma oficial) adotou de O mundo pós-Snowden, que expôs a vigilância orforma mais vibrante uma agenda geopolítica na qual welliana de todos os países do mundo e de seus mansuas duas superpotências, Rússia e datários, espiados pela Agência de China, acabam determinando o que Segurança Nacional (NSA, na sigla se deve fazer e a conduta a ser seem inglês) dos Estados Unidos, desguida. nudou por completo a imensa vulneSão notórias as forças dos países rabilidade do BRICS, que deverá liBRICS no âmbito nuclear – com a bertar-se da escravidão da internet e supremacia russa e a posse de bomseus servidores em mãos dos Estados bas atômicas pela China e Índia –, Unidos e de Israel (Google, Twitter, assim como na esfera das reservas Facebook, Yahoo, Linkedin etc.). de divisas. De acordo com o ranking Talvez com a internet e a multida CIA dos primeiros 20 lugares, o mídia – que operam nos mercados BRICS – com a exclusão da África de ações de forma instantânea por do Sul – leva vantagem sobre o G-7, intermédio do High-Frecuency Trade com exceção do Japão que detém a –, as geofinanças representem uma segunda reserva mundial de divisas. das principais vulnerabilidades dos A China aparece em primeiro lugar países BRICS, que ainda são depenno ranking das reservas de divisas, a dentes da caduca ordem mundial de No campo Rússia em sexto, o Brasil em oitaBretton Woods e de seus anômalos geoeconômico, vo e a Índia em undécimo (13). O organismos internacionais (FMI, paradoxo é que os países BRICS não BM, OMC, OCDE etc.). o BRICS foi têm conseguido traduzir seu enorNo Índice de Desenvolvimento paulatinamente me poderio pela posse de reservas Financeiro, publicado pelo Fórum de divisas na incipiente ordem multomando o lugar dos Econômico Mundial de Davos, o tipolar. BRICS – com a exceção muito dispaíses integrantes No campo geoeconômico, o cutível de Hong Kong (que pertence BRICS foi paulatinamente tomanà China sob a modalidade de “um do G-7 – enredado do o lugar dos países integrantes do país, dois sistemas”) –, ocupa lugaem sua enorme G-7. Segundo recentes projeções do res patéticos que não correspondem Banco Mundial, em termos de Proao seu poderio nos outros campos dívida duto Interno Bruto (PIB) – medido (militar, geoeconômico, mercantil e pelo Poder de Paridade de Compra de reservas de divisas). (poder aquisitivo) –, a China desbancará os Estados Hong Kong ostenta o primeiro lugar, seguido pelo Unidos do primeiro lugar ao final deste ano, enquanto binômio anglo-saxão dos Estados Unidos (segundo a Índia já substituiu o Japão no terceiro lugar, o Brasil lugar) e Grã-Bretanha (terceiro lugar), enquanto os deslocou a Grã-Bretanha do oitavo lugar no ano paspaíses BRICS ocupam posições remotas: Brasil, 32º; sado e a Rússia já ocupa o sétimo lugar (14). Do ponto Rússia, 39º; Índia, 40º; China, 23º; e África do Sul, de vista geoeconômico, o BRICS – sem a África do Sul 28º (15). – está substituindo gradualmente o G-7, enredado em Destaca-se a severa vulnerabilidade do BRICS sua enorme dívida. nas geofinanças, ainda dominadas pela dupla EstaHá três campos em que os países BRICS mostram dos Unidos/Grã Bretanha, em particular, e pelo G-7, vulnerabilidades: 1) o enigma da Índia; 2) a multimíem geral. dia, simultaneamente à internet e aos servidores; 3) O predomínio do dólar estadunidense é avassalaas geofinanças. dor (ao redor de 65% das trocas cotidianas de divisas 53 131/2014 no comércio mundial), seguido petratégico mais favorável: o mundo Os países BRICS, lo euro (em torno de 25%), apesar pós-Crimeia, cuja estrela polar consde suas vicissitudes, seguidos pelo titui o histórico acordo de gás entre a ou repartem iene japonês e pela libra esterlina. Rússia e a China, a coluna vertebral melhor a equidade As divisas dos países BRICS são geoestratégica do bloco pentapartido. muito vulneráveis, com exceção do Daí que, em Fortaleza, hoje coda nova ordem yuan chinês, que começa a se formo nunca, o BRICS tem a oportumultipolar no seio talecer por meio de contratos de nidade de ouro – que aparece pouswap (permuta) nas praças de Hong cas vezes na história – de passar à dos organismos Kong, Xangai e, recentemente, com fase de transição mais vigorosa da internacionais o fim de se internacionalizar, nas criativa ordem multipolar do munde Frankfurt e Londres. Ainda faldo pós-Crimeia. controlados ta muito tempo, talvez 10 anos – a pelos EUA ou fortiori, devido ao gradualismo con* Alfredo Jalife Rahme é professor de pós-graduação na Facultad de Contaduría substancial à mentalidade chinesa estão obrigados a y Administración (UNAM) e de graduação –, para que o yuan seja competitivo desprender-se do na Facultad de Ciencias Políticas y Sociales, em relação ao dólar estadunidense ambas na Universidad Nacional Autónoma – o que dirá em relação ao euro. jugo estadunidense de México (UNAM). Autor de vários livros A híbrida e incipiente multipoe comentarista de televisão, em canais como laridade geoeconômica/geopolítica, CNN, Russia Today, Telesur e Proyecto em que pese o poderio geoestraté40. Analista de geopolítica, geoeconomia e globalização gico da Rússia e da China, ainda não se reflete nos indos jornais La Jornada, El Horizonte, Por Esto! e Réseau tercâmbios das divisas: o verdadeiro domínio do dólar Voltaire estadunidense, ao lado do euro – operando este último como apêndice transatlântico daquele e que não pôde Tradução de Eugênio Rezende de Carvalho e revisão se libertar da tutela de Washington. Aqui a fraqueza técnica de Maria Lucilia Ruy. do Brasil é patente e sumamente dependente dos capitais de Wall Street e da City londrina. Os Estados Unidos e a União Europeia continuam controlando os organismos internacionais surgidos Notas de Bretton Woods, onde a presença desta última ain(1) In: http://www.jornada.unam.mx/2008/08/20/index. da não é suficiente para superar o veto estadunidense, php?section=opinion&article=020o1pol notoriamente no FMI, nem o controle da cúpula do (2) In: http://bos.sagepub.com/content/70/2/75.full Banco Mundial, sem falar das amarras do G-7 no seio (3) In: http://www.jornada.unam.mx/2014/04/20/opinion/012o1pol da Organização Mundial do Comércio (OMC). (4) In: http://www.jornada.unam.mx/2014/06/01/opinion/018o1pol (5) In: http://www.jornada.unam.mx/archivo_opinion/autor/ Os países BRICS, ou repartem melhor a equidade front/4/41031 da nova ordem multipolar no seio dos organismos in(6) In: http://bos.sagepub.com/content/69/6/79.full ternacionais controlados pelos Estados Unidos – que (7) In: http://bos.sagepub.com/content/68/4/96.full se comportam como se não tivessem interesse em ser (8) In: http://www.foreignaffairs.com/articles/49411/j-w-de-villiersuma superpotência unipolar – ou estão obrigados a roger-jardine-mitchell-reiss/why-south-africa-gave-up-thebomb desprender-se do jugo estadunidense mediante a (9) In: http://www.alfredojalife.com/se-asienta-el-mundocriação de organismos que evidenciem a multipolamultipolar-acuerdo-historico-de-rusia-y-china-en-shanghai/ ridade: desde a edificação de uma divisa comum do (10) In: http://www.jornada.unam.mx/2012/04/08/politica/010o1pol BRICS até o lançamento de um Banco de Desenvole http://www.jornada.unam.mx/2014/04/16/opinion/016o1pol vimento – que não saiu do papel e que o prudente (11) In: http://www.stratfor.com/weekly/old-order-collapses-finally (12) In: http://rt.com/politics/panarin-usa-collapse-economy-905/ gradualismo da China postergou para não se indispor (13) In: https://www.cia.gov/library/publications/the-worlddemasiadamente com os Estados Unidos. factbook/rankorder/2188rank. A reunião de cúpula do BRICS, na cidade de Forml?countryname=Mexico&countrycode=mx®ionCode=notaleza (Brasil), representa uma oportunidade para a&rank=18#mx fortalecer as tendências e concretizar os múltiplos (14) In: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2001rank.html?countryname=Mexico&counprojetos, de acordo com a conjuntura e as circunstrycode=mx®ionCode=noa&rank=11#mx tâncias. Desde a sua criação oficiosa há oito anos e/ (15) In: http://www.weforum.org/reports/financial-development-reou seu lançamento oficial há cinco, é a primeira vez port-2012 que os países BRICS se reúnem num entorno geoes- 54 Capa O Banco de Desenvolvimento do BRICS: um novo banco para um novo desenvolvimento Carlos Márcio Bicalho Cozendey* Os países do BRICS deverão assinar na Cúpula de Fortaleza o acordo constitutivo de um novo Banco de Desenvolvimento. Criado na esteira da crise financeira internacional e diante de uma demanda crescente por recursos para financiamento do desenvolvimento em âmbito global, o novo Banco se guiará pela implementação efetiva do conceito de desenvolvimento sustentável 55 D 131/2014 enominado provisoriamente como “Nolacunas, salientou novas necessidades e exacerbou vo Banco de Desenvolvimento” (NDB), antigas demandas, em particular no que se refere à a nova instituição vem sendo negociainfraestrutura econômica. As estimativas das necesda pelos cinco países BRICS (Brasil, sidades globais de investimentos na área da infraesRússia, Índia, China e África do Sul) trutura que temos visto na discussão sobre o tema no em paralelo à negociação de um Arranâmbito do G20 são sempre astronômicas. jo Contingente de Reservas (CRA). Em Apesar de as necessidade serem enormes, e do fato conjunto, esses projetos dão claro testeinconteste de que boa parte dos países em desenvolvimunho dos esforços, da ambição, da visão estratégica mento não dispõe dos meios necessários, não se pode, e da vontade política que norteiam a diplomacia fiou se deve, esperar maiores volumes de contribuição nanceira do BRICS. dos países desenvolvidos para o financiamento interNão se trata de um feito menor nacional do desenvolvimento, prinque os cinco países tenham logrado cipalmente no que tange aos bancos estruturar, em pouco menos de dois multilaterais, como o Banco MunO NDB surge assim anos, mecanismos de concertação dial, o Banco Interamericano de Denesse hiato entre financeira da complexidade de um senvolvimento, o Banco Africano de Banco de Desenvolvimento ou de Desenvolvimento etc. Os países deum aumento da um Arranjo Contingente de Resersenvolvidos, com suas finanças afedemanda e uma vas. O fato de que ambas as iniciatitadas pela crise, têm deixado claro vas se encontram agora em estágio em todos os foros que não estão disinsuficiência de final de negociação, a fim de serem postos a uma nova rodada de capirecursos para o assinadas na presença dos líderes talização destes bancos num futuro do BRICS em Fortaleza, confirma o suficientemente próximo. Por outro financiamento do engajamento de todos eles na conlado, há grande liquidez nos mercadesenvolvimento solidação e no aprofundamento do dos financeiros globais, em função agrupamento. das políticas monetárias expansioEntre as duas iniciativas, o CRA nistas dos principais emissores de do BRICS e o NDB, este último – por seu escopo mais moeda de reserva internacional, mas o investimenamplo e capacidade de atuar concretamente nos proto estrangeiro direto em projetos de maturação mais cessos de desenvolvimento do BRICS e de outros paílonga encontra dificuldades para materializar-se na ses emergentes e em desenvolvimento – talvez seja maioria dos países em desenvolvimento. aquele com maior potencial de impacto global. O NDB surge assim nesse hiato entre um aumento da demanda e uma insuficiência de recursos Contexto internacional para o financiamento do desenvolvimento. Desde o princípio, a ideia do BRICS é de que o NDB atuará O NDB está sendo criado em um contexto interde maneira complementar às instituições existentes, nacional muito particular. Vivenciamos recentemente inclusive mediante projetos conjuntos e cofinanciauma crise econômica internacional de grandes promentos, sem desprezar o fato de que alguma compeporções, que foi gerada e teve seus impactos mais tição é sempre saudável para motivar as instituições fortes nos países desenvolvidos. A reação à crise teve existentes. um enorme custo fiscal e elevou generalizadamente O NDB, ao desenvolver suas políticas de atuação, os níveis de endividamento e desemprego nos países poderá oferecer alternativas que gerem uma saudáavançados. Alguns modelos tradicionais de financiavel reflexão no que diz respeito aos tipos de projeto mento bancário de longo prazo a projetos de grande oferecidos pelos bancos multilaterais, seus objetivos e vulto, notadamente no modelo “project finance”, foram condicionalidades. Durante os anos 1980 e 1990, por bastante afetados pela crise, em particular por suas exemplo, o Banco Mundial limitou consideravelmenconsequências sobre o setor bancário europeu. te seu apoio a projetos de agricultura nos países em Em contraponto, as economias dos países em dedesenvolvimento, um equívoco pelo qual o próprio senvolvimento – e as dos chamados emergentes em Banco fez um mea culpa anos mais tarde. É de se esparticular, que vinham crescendo aceleradamente anperar que, na presença de um Novo Banco de Desentes da crise – reagiram mais rapidamente e mantivevolvimento que reflita melhor a visão de países em ram expressivos níveis de crescimento, em que pese a desenvolvimento, esses tipos de erros – que resultam desaceleração mais recente. Em grande parte desses frequentemente das prioridades estabelecidas pelos países, a própria dinâmica de crescimento revelou países desenvolvidos, que continuam a controlar as 56 Capa instituições financeiras multilaterais mais importantes – possam ser evitados ou, no mínimo, mitigados. Outro aspecto do contexto internacional no qual os países BRICS estão criando o NDB é o da frustração das demandas legítimas por parte dos países em desenvolvimento de reformas nas Organizações de Bretton Woods. De maneira geral, há um clamor para que o peso e a relevância econômicos, a legitimidade política e as necessidades reais dos países em desenvolvimento como um todo estejam melhor refletidos e representados nos processos decisórios tanto do Banco Mundial, quanto do Fundo Monetário Internacional. O fato de que a reforma limitada da governança do FMI, aprovada em 2010, ainda não entrou em vigor e o de que a continuidade do processo, então acordada, não tenha acontecido, convidam o BRICS à ação. Nesse sentido, a criação do NDB pelos BRICS dá uma clara demonstração de que os países em desenvolvimento querem, podem e devem contribuir mais para o processo de desenvolvimento global. Como não faz sentido que os países BRICS aportem recursos adicionais às instituições de Bretton Woods sem modificação significativa de seus processos decisórios, a criação do Arranjo Contingente de Reservas e do Banco indica também que, na ausência de reformas nestas instituições, os países em desenvolvimento voltar-se-ão cada vez mais para instituições de sua própria criação. A missão do Banco O acordo constitutivo do NDB não definirá em detalhes como se dará a futura operação do Banco ou como serão suas políticas – nem seria prudente fazê-lo no instrumento fundador, sob pena de retirar ao Banco a flexibilidade necessária para adaptar-se à evolução futura da economia internacional e das necessidades dos países onde atuará. Como ficou definido na Cúpula dos BRICS realizada em Durban no ano passado, o Banco tem como missão o financiamento de projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. A meta a ser alcançada é a integração desses dois vetores em uma atuação coesa, eficiente e responsável por parte do NDB. Em outras palavras, não se trata do financiamento de projetos de infraestrutura ou de desenvolvimento sustentável, como se fossem alternativas estanques, mas sim de projetos de desenvolvimento que incorporem, harmonicamente, essas duas dimensões. Isto é particularmente importante na medida em que projetos de infraestrutura necessariamente têm um impacto no terreno e nas sociedades onde se realizam. O Banco terá como missão o financiamento de projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável Trata-se de um objetivo ambicioso e complexo, que será construído paulatinamente, com o aprimoramento dos processos internos, da política de empréstimos e da capacidade de atuação do Banco ao longo de sua história e do financiamento de diferentes projetos. Naturalmente, os países BRICS têm uma vasta experiência com a questão do desenvolvimento, e essa experiência servirá como ponto de partida para a atuação do NDB, mas lhe será importante que, desde o início de suas operações, adote um conceito de desenvolvimento alinhado com a integração das dimensões econômica, social e ambiental. Trata-se de necessidade imperativa para que as justas aspirações de desenvolvimento de nossas sociedades possam ser atendidas de maneira compatível com a capacidade do planeta e os direitos de populações eventualmente afetadas pelos projetos financiados. Será importante ter cuidado, ao mesmo tempo, para que o Banco não se torne um instrumento para a imposição de políticas econômicas, sociais ou ambientais a outros países. Nesse ponto, o NDB realmente pretende inovar e efetivamente ouvir seus clientes, ao invés de buscar impor políticas ou “importar” soluções pré-fabricadas que, em um grande número de casos, não atendem às demandas e peculiaridades sociais, políticas, econômicas e até mesmo geográficas de seus clientes. Caberá aos próprios países, a partir de consensos gerados internamente, definirem estratégias adequadas de desenvolvimento sustentável e apresentarem seus projetos e necessidades de financiamento ao Banco. Aspectos gerais do Novo Banco de Desenvolvimento Ao desenhar o NDB, os países BRICS buscaram uma estrutura operacional enxuta, que não sobre- 57 131/2014 carregasse os custos do banco e permitisse que o máGovernadores em nível ministerial, com um repreximo de recursos possível fosse destinado ao objetivo sentante por membro, responsável por estabelecer as de financiamento de projetos de infraestrutura e depolíticas gerais do Banco e tomar as principais decisenvolvimento sustentável. sões, como aumentos de capital ou aceitação de noO capital subscrito inicialmente pelos países BRIvos membros. Um Conselho de Administração, coCS será de 50 bilhões de dólares (10 bilhões efetivamo nas empresas modernas, será o responsável por mente pagos e 40 bilhões em garantias dos países). representar os sócios na supervisão da atuação dos Além disso, já há um espaço autorizado que vai até executivos do Banco. O corpo técnico será comanda100 bilhões de dólares, que poderá ser ocupado com do por um presidente, com mandato de 5 anos nãoa entrada de novos membros ou futuras ampliações -renovável, e quatro vice-presidentes. de capital. É importante entender que se Conclusão É importante trata de um Banco e não de um Fundo. Ou seja, o organismo se Não é por acaso que estamos entender que se destinará a intermediar recursos falando agora em um Novo Banco trata de um Banco captados no mercado financeiro de Desenvolvimento. Mesmo que a internacional, e não a direcionar decisão final sobre o nome do Bane não de um Fundo. recursos orçamentários do BRICS co não seja essa, esta é a ideia que Ou seja, o organismo norteia o árduo trabalho dos países periodicamente renovados. A ideia é captar recursos a custos competiBRICS. No seu sentido mais óbvio, se destinará a tivos e emprestá-los a custos mais trata-se de um novo banco, com intermediar recursos capacidade para contribuir signifibaixos do que os países membros lograriam levantar por si sós, como cativamente para reduzir o déficit captados no já acontece com certas instituições de recursos para financiamento de mercado financeiro financeiras regionais, como a Corprojetos de infraestrutura e desenporação Andina de Fomento (CAF) volvimento sustentável em países internacional, e não na América do Sul. Para isso, será em desenvolvimento. Um novo a direcionar recursos instrumento, portanto. importante, além de contar com uma boa estrutura de capital, diMas a ideia é maior. O que o orçamentários Banco se desafia a fazer é contririgir o banco segundo as melhores do BRICS buir para a consubstanciação e impráticas bancárias e prudenciais e plementação prática de uma nova assegurar uma carteira de emprésperiodicamente visão acerca do desenvolvimento, timos de boa qualidade, de forma renovados que englobe, efetivamente, todas que os investidores internacionais as dimensões do desenvolvimense disponham a aplicar seus recurto sustentável, tal como proposto sos no Banco, confiantes de que na Conferência Rio + 20 em 2012. estarão bem investidos e seguros. Ao fazer isso, o NDB buscará, ainda, atuar de forma O NDB também terá um amplo escopo de atuadiferenciada. Com base nas experiências, positivas ção e possibilidade de utilização de instrumentos e negativas, e na trajetória de desenvolvimento de diversificados, podendo financiar projetos públicos seus membros fundadores, o NDB se propõe a abrir e privados, mediante empréstimos, garantias ou um diálogo mais efetivo com seus futuros clientes mesmo participação acionária. Inicialmente, serão e países em desenvolvimento, de modo a atender, sócios apenas os BRICS, mas, uma vez implantado, o de maneira efetiva e eficaz, às suas necessidades e a Banco estará aberto à participação de outros países, seus objetivos. Não haverá soluções pré-fabricadas, que poderão entrar na qualidade de tomadores de impostas de fora, mas uma grande disposição de empréstimos ou não. Dessa forma, países desenvoltrabalhar com os países envolvidos para atingirmos vidos, como acontece em outros bancos multilateresultados coerentes e satisfatórios para todos os enrais, poderão contribuir com a atuação do organismo volvidos no processo. em prol do desenvolvimento sustentável, ao passo Estamos, em resumo, construindo um novo banque os países em desenvolvimento terão acesso a co, para um novo desenvolvimento. condições de financiamento mais favoráveis do que encontram no mercado. *Carlos Márcio Bicalho Cozendey é secretário de A estrutura de governança está definida em suas Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda linhas mais gerais. O Banco terá um Conselho de 58 Brasil PCdoB-PT: 25 anos de uma aliança estratégica Cláudio Gonzalez PCdoB/Lid.Câmara Apoio do PCdoB à reeleição de Dilma Rousseff consolida parceria estratégica para o avanço do desenvolvimento nacional Parceria tem sido marcada pela luta por um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, pelo apoio ao governo, impulsionando-o na realização das mudanças, e pela preservação da independência de cada legenda N o último dia 27 de junho, o auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados, em Brasília, foi palco da Convenção Nacional Eleitoral do PCdoB que aprovou, por unanimidade, o apoio dos comunistas à campanha de reeleição da presidenta Dilma Rousseff (PT) e do vice Michel Temer (PMDB). A convenção de Brasília não foi apenas mais um ato formal e político de oficialização de uma coligação, o evento consolidou uma trajetória de 25 anos de parceria no campo da esquerda brasileira. Esta parceria teve como marco inicial a formação da Frente Brasil Popular que protagonizou, em 1989, uma das mais emocionantes campanhas eleitorais do período pós-ditadura. Viragem na política de alianças Naquela conjuntura, diante da aproximação das eleições presidenciais, o Partido Comunista do Brasil reafirmou o diagnóstico feito no seu 7º Congresso, em 1988, de que o Brasil vivia em meio a uma encruzilhada histórica e intensificou as críticas ao governo de José Sarney, um governo que se mantinha submisso à oligarquia financeira imperialista. Para os comunistas, era imprescindível influir no surgimento de um concorrente democrático e progressista, capaz de reunir apoio da esquerda e também do centro. E que facilitasse a formação de um amplo e combativo movimento democrático, nacional e popular. 59 131/2014 Cláudia Ferreira João Amazonas (e.) e Renato Rabelo (d.) na formalização do apoio dos comunistas à candidatura presidencial de Lula em 1989 Em decorrência desta diretriz, o Partido alterou sua política de alianças e levantou a bandeira da unidade da esquerda. Na prática, essa nova política resultaria em várias alianças com o PT nas eleições municipais de 1988. No início de 1989, o PCdoB conclamou as correntes democráticas e populares a se unirem em torno de uma candidatura única para disputar a eleição presidencial. O resultado desse esforço foi a constituição da Frente Brasil Popular (PT-PSB-PCdoB), com a candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva. A campanha empolgou o povo, as bandeiras da esquerda tingiram de vermelho as praças e avenidas, Lula foi para o segundo turno e quase se elegeu presidente da República. A vitória eleitoral de Fernando Collor de Mello abriu, como se previa, uma nova etapa na luta do povo brasileiro. O neoliberalismo, já hegemônico em várias partes do mundo, encontrou, com o governo Collor, as condições ideais, para entrar no país. O PCdoB defendeu, logo no início, que o combate ao neoliberalismo deveria adquirir centralidade na estratégia das forças democráticas, patrióticas e populares. Juntamente com o PT e outras forças de esquerda, o Partido levantou a bandeira do “Fora Collor!” e sua juventude foi protagonista de uma campanha que empolgou amplos setores do povo brasileiro. Milhões saíram às ruas para pedir o impeachment do presidente da República, objetivo alcançado em 1992. Nas eleições presidenciais de 1994 e 1998, os comunistas mantiveram a aliança com o Partido dos Trabalhadores em torno da candidatura de Lula, entendendo que ela continuava sendo a melhor alternativa para colocar fim à escalada neoliberal que ganhara força nos governos de Fernando Henrique Cardoso. Mesmo derrotadas, as campanhas de 1994 e 60 1998 serviram para denunciar o desmonte do Estado brasileiro, a retirada dos direitos sociais dos trabalhadores e as ameaças à democracia. Neste período, PT e PCdoB também reforçaram o Fórum Nacional de Lutas (FNL), que uniu as entidades do povo e dos trabalhadores com os partidos de esquerda. Em 2002, a aliança PT-PCdoB se renova mais uma vez em torno da candidatura de Lula e com apoio do PL, PMN e PCB. A vitória consagradora do campo popular enfim impunha a primeira derrota ao neoliberalismo. A eleição de Lula marcou, em novas circunstâncias, a retomada da luta pelo desenvolvimento soberano e democrático do país. Pelo papel destacado que cumpriu para esta grande vitória do povo, o Partido foi convidado a participar de ministérios do governo da República. Diante da questão, inédita na história do país, o Partido viu-se obrigado a refletir e estabelecer diretrizes sobre sua presença num governo central de coalizão no qual os comunistas são força minoritária. Surgiam assim novos desafios teóricos e políticos, impostos pela realidade em constante transformação. Lealdade e independência Desde então, o PCdoB tem se destacado no esforço de elaboração e implementação de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Foi em torno da construção deste projeto que os comunistas mantiveram a aliança estratégica com o PT na vitoriosa campanha de reeleição de Lula em 2006 e na eleição da presidenta Dilma em 2010. Em seu 13º Congresso, ocorrido em 2013, ao avaliar os dez anos dos governos Lula e Dilma, o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, ressaltou as contribuições do PCdoB a este ciclo político progressista, no qual os comunistas enfrentaram o desafio inédito Brasil de exercer responsabilidades no governo da República. Para Renato, “a construção do Partido, sobretudo no último quadriênio, se realizou no curso da intervenção política que, em linhas gerais, foi marcada por nossa luta pela realização de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, pelo apoio ao governo, impulsionando-o na realização das mudanças. E, simultaneamente, preservamos a independência da nossa legenda. A um só tempo fomos leais ao governo, defendendo-o dos ataques da oposição, e exercemos livremente a crítica quando consideramos que erros ou desvios ao Programa assumido pela coalizão foram cometidos”. no-americanos, democrático, com progresso social, e o caminho para um rumo socialista. Buscar a quarta vitória do povo Qualificando a provável reeleição de Dilma Rousseff em outubro próximo como “a quarta vitória consecutiva do povo brasileiro”, o dirigente comunista Renato Rabelo recebeu a presidenta na convenção partidária do dia 27 com um discurso que teve como tema central a necessidade de se avançar nas mudanças e ampliar as conquistas alcançadas até agora. “A campanha presidencial já em curso vem se Compromisso com os trabalhadores manifestando no embate entre dois caminhos, dois projetos: abrir uma nova etapa no novo ciclo histórico Na resolução de seu 13º Congresso, o PCdoB avalia com mais mudanças e mais conquistas, ou voltar ao que “o país enfrentou com eficácia a grave crise somodelo da década de 1990, liderado pelos tucanos. cial e econômica decorrente do Não se pode camuflar esta disjuntiva pesado e perverso espólio herdado como pretende a oposição. O princiA um só tempo da década de barbárie neoliberal pal candidato da oposição, Aécio Ne(1990-2002). Com o elenco de reves, tem sua fonte e seus condutores fomos leais aí, nas entranhas desse modelo conalizações desse período – mesmo ao governo, duzido na década de 1990 pelos dois que limitadas e condicionadas por governos de Fernando Henrique Carum permanente ataque de um sisdefendendo-o dos doso”, afirma Renato. tema de oposição formado pelas ataques da oposição, Rabelo resgatou declarações do forças conservadoras, pró-impehistoriador Raymundo Faoro para rialistas e vinculadas à oligarquia e exercemos retratar a era tucana dirigida por Ferfinanceira e à grande mídia –, o livremente a nando Henrique Cardoso. Faoro conBrasil, hoje, é outro país. Levanheceu bem FHC e foi analista atento tou-se do chão, é respeitado no crítica quando dos seus governos. Em sua conclusão concerto das nações democráticas consideramos que sobre a obra de FHC, o modelo tucano, e o povo brasileiro vive melhor”. ele afirmou: “O Brasil ficou mais poO documento diz também que erros ou desvios ao “as forças políticas progressistas bre, o brasileiro tem menos emprego Programa assumido alicerçadas neste legado, e apere a renda se concentrou”. Em outro feiçoando o caminho pelo qual o trecho conclui: “FHC governou para o pela coalizão foram país trilha, podem renovar o comBrasil de cima”. Assim o Brasil se torcometidos promisso com os trabalhadores e nou: “Um país de, aproximadamente, com a Nação de que desde já, e no 20 milhões de pessoas”. Na opinião futuro imediato, o país usufruirá de Faoro o Brasil acentuou “brutalde conquistas mais arrojadas”. mente” a dependência em relação aos EUA. E, por É com esse entendimento que o Partido renova seu fim, Raymundo Faoro denuncia que FHC promoveu compromisso com o campo progressista liderado pelo um “vale-tudo” para chegar à reeleição. PT em 2014 em torno da reeleição de Dilma Rousseff. Simultaneamente, diz o documento congressual, A Copa e a posição antipopular “todo o Partido deve se empenhar, desde já, para elevar sua representação parlamentar e conquistar governos “Essa é a experiência do PSDB, sua prática, vista estaduais. Uma expressiva vitória eleitoral dos comupor outros ângulos de opinião. Não há como esconder a verdade. Daí a imensa rejeição popular a esse penistas em 2014 fortalecerá o papel da esquerda para ríodo de governo, que os tucanos procuraram sempre impulsionar os avanços que o povo brasileiro exige”. esconder. Por conseguinte, hoje, Aécio é expressão Para o PCdoB, as opções em disputa têm sentido de uma manifesta contradição: reapresenta ou não estratégico na concretização do magno objetivo das FHC? E é forçado a reconhecer os programas sociais forças avançadas: a conquista de um país desenvolvidos governos Lula e Dilma, mas, simultaneamente, do e soberano, integrado com seus vizinhos sul e lati- 61 131/2014 Mundo e goleando os pessimistas que acreditavam que o evento seria um fracasso. Ela também reclamou que a imprensa internacional e a nacional erraram no prognóstico de que a Copa seria um fiasco deixando brasileiros arrependidos por não terem se preparado para curtir a festa. “Estamos dando uma goleada descomunal nos pessimistas, nos que tinham complexo de vira-latas e naqueles que se envergonharam deste país maravilhoso. É neles que demos uma goleada e agradecemos ao povo brasileiro”, disse Dilma, estendendo um agradecimento especial ao ministro do Esporte, Aldo Rebelo, que tem dado grande contribuição para o êxito desse megaevento esportivo. Presente ao evento, o ministro afirmou que “o Brasil tenta encontrar o seu espaço e caminho e essa coalização de forças políticas, sociais e econômicas sustentam um projeto de ampliação dos horizontes do Brasil e do nosso povo.” E, sobre a Copa do Mundo, reafirmou o que vem dizendo desde o início da preparação do evento: “O que se viu não foi uma batalha em torno da Copa, mas da ideia que se faz do Brasil. Somos vitoriosos ou o fracasso civilizatório pregado pelos pessimistas”, declarou Aldo, enfatizando que “o Brasil já fez coisas mais difíceis e importantes que a Copa do Mundo.” Agência Brasil em função dos seus verdadeiros compromissos, promete ‘austeridade fiscal’ e ‘medidas impopulares’. Resultando, assim, um palavreado de subterfúgios, não deixando explícita sua verdadeira alternativa”, adverte Renato. Segundo o dirigente comunista, “a índole da oposição atual, por ter de escamotear sua verdadeira alternativa programática antipopular, não consegue apresentar um projeto convincente ao povo, resvala pelo viés anti-Dilma e pelo desgaste do governo atual. Na realidade, a oposição foi acabar se juntando aos semeadores do caos, aos pessimistas organizados. A antecipação da campanha eleitoral para a presidência da República, por parte da oposição, desde o ano passado, veio assumindo cada vez mais a marca do vaticínio de que o país estaria caminhando para sofrer grandes tempestades na área econômica, descontrole da inflação, apagão elétrico e grande desastre na realização da Copa mundial de futebol. A vida vem desmentindo um a um a esses sucessivos prenúncios apocalípticos”, salientou o presidente do PCdoB. Em longo discurso de agradecimento ao apoio dos comunistas na convenção eleitoral em Brasília, a presidenta Dilma também usou o exemplo da Copa do mundo para denunciar o espírito derrotista da oposição. Segundo ela, o país está dando “show” na Copa do A vitória consagradora do campo popular em 2002 impôs a primeira derrota ao neoliberalismo dos governos tucanos 62 Brasil Aliança estratégica alicerce erguido nesta mais de uma década permite almejarmos um futuro promissor”, afirmou Renato, ressaltando que “Dilma se apresenta, portanto, O discurso da presidenta Dilma na convenção parcomo uma líder capaz de renovar a esperança e contidária abordou três eixos diretamente relacionados duzir o Brasil a uma nova etapa de desenvolvimento com a contribuição institucional dos comunistas. Além com mais mudanças e mais conquistas”. da Copa, a presidenta citou a participação destacada da Na opinião do PCdoB, as alianças políticas semPetrobras na exploração do pré-sal e a sanção do Plano pre obedecem ao princípio do seu projeto estratégico, Nacional da Educação (PNE), com a obrigatoriedade levam em conta os aspectos mais relevantes da conde investimentos de 10% do PIB no setor. juntura e as correlações das forças em disputa, e se A presidenta ainda ressaltou a importância do baseiam, por consequência, em ideias e programas. apoio dos comunistas como algo estratégico para seu Neste sentido, o dirigente comunista apresentou, ao governo. “O PCdoB é um partido de gente forte, definal de seu discurso, um conjunto de ideias e proposterminada, corajosa. É um partido de alma popular, tas elaboradas pela direção do PCdoB para contribuir moderno e arrojado. E é um partido pé quente. A macom a formulação do programa de nutenção dessa aliança significa o governo da campanha de reeleição. fortalecimento da defesa dos quem Renato Rabelo ressaltou que a apremais precisam, significa estar comO PCdoB tem sentação de propostas programáticas prometido com o que há de mais afirmado que as tem sido uma prática do Partido desavançado no nosso país. Esse apoio de a disputa presidencial de 1989. só reforça a nossa certeza de que vatransformações Entre as formulações que conmos ganhar as próximas eleições”, de quase 12 anos sidera essenciais, Renato citou aqueafirmou Dilma. las que propõem: Democratizar e Dilma também defendeu a nepermitem o início modernizar o Estado; elevar a taxa cessidade de avançar nas mudande uma nova etapa de investimentos e a produtividade, ças. “O país quer mudança, um país o crescimento; superar a jovem como o nosso tem que mudar de desenvolvimento, acelerar crise nos grandes centros urbanos, constantemente. Nós temos que ver completar a integração territorial do pela realização a ampliação dessas conquistas. [...] Brasil, desenvolver a Amazônia com Somente quem fez modificações das reformas sustentabilidade; fortalecer o sistepode garantir um futuro duradouro ma de produção de energia; promo democráticas de mudanças. Nós somos mais caver a saúde e a qualidade de vida do pazes de continuar mudando”. estruturais povo; fortalecer a educação pública de qualidade; o esporte como comAvançar nas mudanças ponente para elevar a qualidade de vida e impulsionador da agenda de desenvolvimento O tema também foi enfatizado no discurso de nacional; política externa e de defesa nacional. Renato Rabelo. Para ele, os governos Lula e Dilma Das reformas estruturais, enfatizou a premência da implantaram um amplo processo de mudanças reforma política democrática e a regulação democráticomo jamais se viu na história do país. Tais como: ca dos meios de comunicação. E salientou que a conEstado como indutor do crescimento e da redução cretização destes objetivos passa pela unidade das das desigualdades; inédita ampliação do processo forças democráticas e populares a fim de conformar democrático; distribuição de renda e redução das uma maioria social e política. “Pela importância da desigualdades sociais e regionais; aumento histórico reforma política democrática, o PCdoB propõe às fordo emprego, elevação da renda e amplo crescimento ças populares e progressistas a formação de um pacto, do mercado interno; significativos avanços na eduna busca da unidade democrática e popular, respalcação; vasto programa de formação de mão de obra; dado por uma ampla mobilização popular, que dê reexpressivo alcance do programa de moradia popuspostas programáticas aos problemas estruturantes lar; direcionamento nos investimentos em infraesque travam a ampliação e o aperfeiçoamento da detrutura de transportes; viragem na política externa, mocracia”, concluiu Renato. afirmando a soberania nacional e a integração do continente. “Temos a convicção de que alcançamos uma oportunidade histórica rara de aprofundar as Confira nas páginas seguintes a íntegra do conjunto mudanças no sentido de mais conquistas para o nosde ideias e propostas do PCdoB ao Programa de so povo e nossa grande nação. Temos afirmado que o Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff. 63 131/2014 DOCUMENTO Ideias e propostas do PCdoB ao Programa de Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff Avançar com mais mudanças e conquistas A passos rápidos, mais mudanças, mais conquistas! Esta é a síntese das aspirações da ampla maioria do povo brasileiro, decorridos mais de onze anos dos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidenta Dilma Rousseff. No contexto da persistente crise econômico-financeira que assola o mundo, é auspicioso que o povo brasileiro possa olhar para o futuro e enxergar um horizonte promissor. O PCdoB – que foi um dos artífices da histórica vitória das forças progressistas em 2002, que participou e se empenhou pelo êxito dos dois governos do ex-presidente Lula e, de igual modo, integra o governo da presidenta Dilma Rousseff – está convicto de que a exigência por avanços e reformas estruturais democráticas deve ser a fonte orientadora do Programa de reeleição da presidenta. 6464 A oposição conservadora liderada pelo tucano Aécio Neves tenta manipular este anseio que pulsa na sociedade, se autoproclamando como “mudança confiável”. Mas confiável a quem? Vejamos: por um lado, o tucano se vê obrigado a reconhecer os méritos dos programas sociais dos governos Lula e Dilma e, demagogicamente, a fazer juras de que irá mantê-los; por outro, promete aos banqueiros “austeridade fiscal” e “medidas antipopulares” – leia-se, cortes de direitos sociais e arrocho contra o povo. Seus principais assessores são grandes executivos dos rentistas e figurões dos trágicos governos de Fernando Henrique Cardoso. A “mudança confiável” de Aécio se configura, portanto, na confiança da oligarquia financeira, da direita, das alas mais conservadoras das classes dominantes e se choca frontalmente com o sentimento de mudança do povo. A mudança pela qual os trabalhadores anseiam não é a de marcha à ré para o trágico passado neoliberal. Além de não admitir perder o que já conquistou com Lula e Dilma, o povo deseja mais mudanças, avanços e conquistas. Retrocesso, nunca. A luta que se avizinha será dura e, portanto, uma clara demarcação de campos se torna necessária. Ideias e propostas do PCdoB ao Programa de Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff I O alicerce erguido permite almejarmos um futuro promissor Com eficácia, superamos parte considerável da perversa herança da década neoliberal. Erguido do chão, o Brasil retomou a trilha do desenvolvimento e, hoje, é outro país. Reforçou sua soberania nacional e firmou-se como a 7ª economia do mundo e tem potencial para uma posição ainda mais relevante. Neste período, destacam-se grandes realizações que criaram a base para o Brasil, a partir de agora, adentrar a uma nova etapa de seu desenvolvimento, com um robusto crescimento econômico em harmonia com a proteção do meio ambiente e maior produção de riquezas, que proporcionem uma política ainda mais arrojada de distribuição de renda, valorização do trabalho, redução das desigualdades sociais e regionais e elevação da qualidade de vida do povo. Essa nova arrancada somente será desencadeada se, desde já, na campanha eleitoral, construirmos uma maioria social e política liderada pela esquerda, e com protagonismo dos movimentos sociais, capazes de impulsionar as reformas estruturais democráticas. As principais conquistas a serem preservadas Nunca se deve perder de vista que as conquistas ocorrem no âmbito de uma transição, ainda em curso, marcada pela luta entre o novo desenvolvimento nacional, que emerge, e o sistema da oligarquia financeira, com suas imposições, que persiste no mundo e no Brasil. Esta oligarquia, ao lado da oposição conservadora e dos grandes grupos de comunicação, atua como um consórcio oposicionista para bloquear as mudanças, limitar o alcance da democratização do Estado nacional e obstruir a realização das reformas. Estado como indutor do crescimento e da redução das desigualdades O governo progressista instaurou-se no âmbito de um Estado conservador, hostil ao povo, fragilizado e garroteado pelo neoliberalismo, moldado aos interesses da oligarquia financeira. A partir da vitória do campo progressista, com a eleição de Lula em 2002, foi preciso um grande esforço para se iniciar a recomposição do Estado como condutor do desenvolvimento e da afirmação da soberania nacional. Como resultado, o país reduziu sua vulnerabilidade financeira externa, elevando as reservas internacionais para quase US$ 380 bilhões e estimulando os investimentos e o consumo doméstico. Ingressou em um ciclo de crescimento puxado por expansão do emprego e distribuição de renda. De 2003 a 2013, o investimento cresceu 77% e o consumo das famílias 51%; o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 42%. O volume de crédito elevou-se de 24,7% do PIB em 2003 para 55,2% em 2013. A dívida líquida caiu de 60% do PIB, em 2003, para algo próximo a 35%, em 2014. O país deu passos largos na direção de se consolidar como potência alimentar. De igual modo, avançou como potência energética. Tem uma matriz bem diversificada, com 47% de recursos renováveis, das mais limpas do mundo. Hoje, produz mais de 2 milhões de barris de petróleo/dia e, dentro em pouco, com o pré-sal, terá uma das dez maiores reservas provadas de petróleo do mundo. Viragem na Política externa: afirmação da soberania nacional e integração A política externa aplicada nestes últimos 11 anos é vitoriosa. Ela substituiu a conduta de subordinação do país às grandes potências por uma política afirmativa da soberania nacional e de protagonismo internacional consoante sua importância geopolítica e econômica. Simultaneamente, esta nova diretriz da Política Externa contribui para alavancar o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, para dinamizar a integração latino-americana e caribenha e fomentar a constituição de um polo contra-hegemônico às investidas do imperialismo, sobretudo dos Estados Unidos da América e de seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). E sempre defendendo a paz, a soberania e o desenvolvimento para todos os povos. O recente repúdio aos atos de espionagem praticados pelos EUA foi um gesto de coragem, patriotismo e justiça. Ampliação da democracia A democracia voltou a florescer, a partir da diretriz do novo governo de respeitar e valorizar as manifestações do povo e dos trabalhadores fortalecendo suas entidades, estabelecendo o diálogo e a negociação como base para as relações entre o governo e os movimentos sociais. Direitos foram ampliados e as centrais sindicais legalizadas. Conferências nacionais e fóruns de discussão sobre os mais variados temas mobilizaram milhões de 6565 131/2014 pessoas. Secretarias especiais ou programas foram implantados para promover os direitos humanos e estimular uma sociedade solidária, sem preconceitos. As manifestações de junho de 2013 mostraram que é preciso avançar ainda mais no processo de democratização do país. O governo Dilma, diferentemente do comportamento autoritário da direita, abriu-se para o diálogo com os movimentos sociais e tem se esforçado para atender às demandas populares por mais participação, serviços públicos de qualidade e melhores condições de vida nas cidades. Recentemente, a presidenta normatizou a Política Nacional de Participação Social, medida avançada contra a qual o conservadorismo lançou uma verdadeira cruzada. Os trabalhos da Comissão de Anistia e da Comissão Nacional da Verdade deram passos relevantes para fazer cumprir o dever do Estado de reconhecer os crimes cometidos no período ditatorial. A exigência democrática de punição dos agentes do Estado que praticaram torturas e outras violações dos direitos humanos é um passo à frente que o Brasil ainda está devendo às gerações que lutaram pelo restabelecimento da democracia. Distribuição de renda e redução das desigualdades sociais e regionais Entre as muitas conquistas da última década, ressalta-se uma viragem na histórica concentração de renda do país, com as políticas e os programas para reduzir as desigualdades sociais e regionais, erradicar a fome e a extrema pobreza. Os programas sociais de transferência de renda, a geração de mais de 20 milhões de empregos e os investimentos diferenciados para regiões menos desenvolvidas, no seu conjunto, resultaram em significativa mobilidade social, no início da diminuição das diferenças regionais e em êxitos na valorização do trabalho. A taxa de desemprego caiu para 5,9% em 2013 e, segundo a Organização Internacional do Traba- lho (OIT), irá se reduzir ainda mais em 2015. A política do aumento real do salário mínimo, que para setores da oposição é uma irresponsabilidade, se constitui numa importante alavanca para a valorização do trabalho e redução das desigualdades sociais. E o destaque é a grande vitória advinda do Programa Brasil Sem Miséria: mais de 36 milhões de pessoas foram retiradas, e se mantêm fora, da condição de extrema pobreza. O programa agrupa um conjunto de ações sociais que permitirão ao governo Dilma cumprir sua principal promessa da campanha de 2010: erradicar a extrema pobreza do país. Avanços na Educação Há que se destacar os êxitos na esfera da Educação: a conquista histórica da aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) que estabelece 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para o setor; destinação de 75% dos royalties do Petróleo e 50% do Fundo Social do Pré-sal. Além disto, foram criadas 14 novas universidades federais, 126 novos campi avançados e 214 novos Institutos Federais de Tecnologia; o Programa Universidade para Todos (ProUni) beneficiou 1,4 milhão de estudantes; o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) atingiu 8 milhões de matrículas; o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) teve neste ano 8,7 milhões de inscritos; os orçamentos federais para Saúde e Educação são, hoje, os maiores já feitos em toda a história da República. Moradia popular Na questão urbana, chama a atenção o alcance do programa Minha Casa Minha Vida que deve entregar, até o final de 2014, mais de 2,8 milhões de moradias para famílias de baixa renda. Investimentos em infraestrutura de transporte, viabilizados no contexto da realização da Copa do Mundo, também merecem destaque. II Ideias e propostas para uma nova etapa de desenvolvimento 6666 Sob a presidência de Dilma Rousseff, o Brasil soube enfrentar os impactos negativos da crise do capitalismo. Crise que fez encolher a economia mundial e espalhou desemprego e cortes de direitos sociais pelo mundo afora. A presidenta, por um lado, combate a crise sem penalizar os trabalhadores e nem recuar das políticas que retiram milhões da miséria. Por outro lado, adota uma política de investimentos públicos e de parcerias com o capital privado para expandir a produção de energia e melhorar a infraestrutura, visando a elevar o crescimento econômico. Ideias e propostas do PCdoB ao Programa de Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff A presidenta Dilma se lança à reeleição com sua autoridade reforçada entre o povo e os trabalhadores; tem o apoio anunciado de representativas legendas de um largo leque político que vai da esquerda ao centro; e, além disto, é uma liderança respeitada pelos movimentos sociais. Mostrou, sob difíceis circunstâncias, a fibra e a competência da mulher brasileira. Dilma se apresenta, portanto, como uma líder capaz de renovar a esperança e conduzir o Brasil a uma nova etapa de desenvolvimento com mais mudanças e conquistas. As condicionalidades do cenário internacional para o próximo quadriênio O próximo mandato presidencial se dará ainda com um cenário internacional marcado pela crise do capitalismo. Embora se deva esperar que a crise se prolongue ainda por vários anos, conjunturalmente os prognósticos indicam que na economia mundial pode haver uma pequena oscilação para cima. A crise agora não é tão aguda nem na Europa e menos ainda nos Estados Unidos. Os países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), puxados pela China e pela Índia, também terão uma expansão, ainda que pequena. Este cenário internacional, embora siga a pressionar negativamente países em desenvolvimento como o Brasil, pode abrir uma fresta de alívio em relação ao impacto negativo que trouxe aos quatro anos de mandato da presidenta Dilma. Mesmo assim, o cenário faz ver a importância das iniciativas internas para superar os obstáculos e enfrentar a adversidade externa que prossegue. Grandes desafios para a nova etapa Além destas condicionalidades externas, são muitos os desafios para o Brasil adentrar a uma nova etapa de seu desenvolvimento, a começar pela primordial tarefa de seguir a luta para democratizar e fortalecer o Estado nacional. O país deve se consolidar como potência em produção de energia e de alimentos, completar a integração entre suas regiões e superar as desigualdades que há entre elas, continuar a ampliação estrutural do seu mercado interno, modernizar seu parque industrial, ter uma poderosa infraestrutura logística e avançar na busca de mais valor agregado e mais inovação tecnológica. Deve persistir na correta concepção de associar crescimento econômico com distribuição de renda e riqueza, buscando a contínua redução da pobreza e a completa erradicação da pobreza extrema e mantendo a valorização do trabalho. Para tais objetivos é preciso investir, crescer e alcançar níveis mais altos de produtividade. A trajetória de mais de onze anos demonstra que o rentismo é o principal obstáculo ao desenvolvimento, e que a luta para superá-lo é renhida e prolongada posto o poder de uma oligarquia financeira global e sua forte presença interna. Neste sentido, sugerimos propostas visando à superação de problemas cruciais a serem enfrentados nos próximos anos: Democratizar e modernizar o Estado Entre os nós a serem desatados para o Brasil deslanchar, destaca-se a questão do Estado nacional. Avolumam-se, por um lado, as contradições entre suas instituições conservadoras e as aspirações do povo por mais democracia, transparência e efetiva participação política. Por outro, mesmo que tenha fortalecido seu protagonismo no progresso econômico e social, muito resta para que efetivamente cumpra com seu papel de indutor do desenvolvimento, bem como para assegurar serviços públicos de qualidade ao povo. Como resultante dessas contradições, o país enfrenta uma crise de representação de suas instituições, o povo não se enxerga nelas e nem as vê como instrumentos de participação e garantia de seus direitos. Impõe-se, portanto, democratizar e modernizar o Estado nacional, por meio de reformas estruturais democráticas, entre as quais se destacam: A reforma política democrática deve combater a corrupção advinda da influência do poder econômico nas eleições, e contra isto é preciso instituir o financiamento público das campanhas; elevar a participação do povo na política, instituir formas de democracia participativa e direta, além de aperfeiçoar a democracia representativa; aumentar a representação das mulheres no Congresso Nacional e demais Casas legislativas; assegurar o pluralismo partidário e o sistema proporcional, fortalecer os partidos, com a adoção do voto em lista. Pela importância da reforma política democrática, o PCdoB propõe às forças populares e progressistas a formação de um pacto, respaldado por uma ampla mobilização popular, que dê respostas programáticas aos problemas estruturantes que travam a ampliação e o aperfeiçoamento da democracia. Regulação democrática dos meios de comunicação. O país precisa debater e formar uma maioria social e política que promova com urgência a regulação democrática dos meios de comunicação. No mundo inteiro, há iniciativas legislativas para conter o poder dos impérios midiáticos, que no Brasil de hoje sufoca e restringe a liberdade de expressão. É urgente destravar este debate indispensável 6767 131/2014 para o avanço da democracia brasileira, garantindo o que já está inscrito na Constituição, mas nunca foi regulamentado. Entre outros avanços é preciso proibir o monopólio no setor, vetando a chamada propriedade cruzada; garantir a complementariedade dos sistemas público, estatal e privado; estimular a produção regional; democratizar a distribuição das verbas publicitárias dos governos e empresas estatais; e assegurar o direito de resposta. A aprovação, em 2014, do Marco Civil da Internet, que garante a neutralidade, a privacidade e a liberdade de expressão na rede e com o qual Brasil virou referência mundial neste tema, é uma vitória importante que impulsiona a luta pela democratização da mídia em nosso país. tas explícitas, ambas de cumprimento obrigatório: a primeira, com objetivo financeiro de estabilizar a dívida pública; e a segunda, formada pelo investimento público com o objetivo de complementar a taxa de investimento, podendo ser considerada como uma meta fiscal para o desenvolvimento. Essas duas formas de superávit já existem, mas a segunda é opcional e, hoje, na prática, está secundarizada e seu significado obscurecido. Elevar a taxa de investimentos e a produtividade, acelerar o crescimento A inflação é um velho fator de instabilidade, mas o combate a ela não pode penalizar os trabalhadores, que são suas maiores vítimas. Não se deve enfrentá-la com o receituário da oposição neoliberal, isto é, utilizando a combinação entre aumento da taxa de juros, valorização cambial, arrocho salarial e redução de benefícios sociais. A atual política de contenção da inflação deve prosseguir, combinando restrição monetária e medidas macroprudenciais, balanceando o custo/benefício. Reforma do Poder Judiciário que assegure ao povo acesso a uma justiça ágil e controle externo para garantir gestão eficaz. Implantação de ouvidorias para se criar canais de participação popular. Fixar mandato para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), acabando com a vitaliciedade e possibilitando a alternância. A elevação da taxa de investimentos poderá ser alcançada pela aplicação de algumas diretrizes básicas interligadas: a) Redesenhar a política macroeconômica com o objetivo principal de acelerar o crescimento. As políticas monetária, fiscal e cambial devem se adequar a esse objetivo, bem como as instituições por elas responsáveis como o Banco Central (BC); b) reforçar a conjunção de forças entre o governo, suas empresas que foram e precisam ser crescentemente fortalecidas e o capital privado para alavancar o investimento de infraestrutura e de inovação tecnológica por meio de parcerias público-privadas; fazer concessões adequadamente reguladas, com o resguardo dos interesses nacionais e populares; e a associação do capital privado com o capital estatal na internalização e no adensamento de cadeias produtivas, inclusive no âmbito da América Latina; c) direcionar o incentivo ao investimento com o objetivo primordial de alterar a estrutura produtiva, redirecionando-a para setores de maior agregação de valor e com ganhos de produtividade que elevem a competitividade externa, revigorem e modernizem o parque industrial brasileiro, elevando a qualidade das exportações e defendendo a demanda interna de importações, de modo a preservar a continuidade da expansão do mercado interno com distribuição de renda e valorização do trabalho. Superávit primário: estabilizar a dívida e assegurar o investimento público 6868 O superávit primário deve ser dividido em duas subme- Combate à inflação: Ampliar para 36 meses o prazo para cumprimento da meta Embora possa se preservar o desenho atual de meta de inflação, o horizonte da meta deve ser dilatado, estendendo seu cumprimento para 36 meses. Isso permite absorver instabilidade de fatores sazonais, como é caso do preço dos alimentos, e, também, uma atuação mais flexível por parte do Banco Central, evitando mudanças bruscas no nível de atividade econômica e a geração de custos sociais inaceitáveis. Abolir, em etapas, as cláusulas de indexação dos contratos Entre as causas estruturais da inflação deve ser atacada a indexação de contratos, um dos fundamentos da inflação inercial, que perpetua sua reprodução e protege as grandes fortunas, mas corrói a renda do trabalho. A desindexação geral da economia deve ser gradual, considerando, em cada etapa, a trajetória paralela de recuo da indexação e de queda da inflação. Os contratos vigentes serão respeitados e as mudanças, gradualmente, incidirão sobre os contratos novos ou renovados. Desse modo, processualmente, devem ser penalizadas as cláusulas de indexação em novos contratos financeiros e não-financeiros privados, mediante aplicação de crescente imposto regulatório, de modo a neutralizar progressivamente seus ganhos diretamente decorrentes do atrelamento aos índices de inflação. Na dívida pública, deve ser eliminada, em curto prazo, a emissão de títulos públicos indexados à taxa Selic, e fortemente reduzida a oferta de títulos atrelados a índices de preço. Na gestão desse processo, ao longo do tempo, os prazos e as taxas pré-fixadas de rendimento dos títulos públicos devem ser compa- Ideias e propostas do PCdoB ao Programa de Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff tíveis com viabilidade dos custos da dívida e com as condições e expectativas de mercado. Taxa de câmbio competitiva A mudança do patamar da taxa cambial é essencial, se quisermos manter o mercado interno como motor do desenvolvimento. Porém, isso deve ser feito de forma progressiva, o que também é necessário para defendermos o nível de renda real no mercado interno contra efeitos inflacionários. Buscar uma taxa de câmbio competitiva, no fundo, é praticar uma política industrial horizontal, capaz de diminuir os custos de produção, de incentivar os investimentos produtivos e de criar uma dinâmica de altos volumes de comércio exterior. Soluções podem passar igualmente por mais integração produtiva no âmbito da América Latina. Continuar com a política atual do salário mínimo, valorizar o trabalho Manter a atual política de valorização permanente do salário mínimo, reduzir a jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário, combater a grande rotatividade no mercado de trabalho; valorizar as aposentadorias e extinguir o fator previdenciário; estimular políticas de geração de mais e melhores empregos, associadas à qualificação profissional dos trabalhadores, a exemplo do Pronatec. Este conjunto de medidas é indispensável para fortalecer o mercado interno e promover uma crescente vinculação entre desenvolvimento e valorização do trabalho. Alterar a estrutura do sistema produtivo e do balanço de pagamentos A expansão do mercado interno, com distribuição de renda e valorização do trabalho, tem sido o objetivo principal do ciclo atual de desenvolvimento. Para sustentar e ampliar tal objetivo, uma questão estratégica a conquistar, em perspectiva, é transformar a posição brasileira no sistema internacional, alterando a estrutura do sistema produtivo e do balanço de pagamentos e mantendo afastada a restrição externa — uma condição típica de países dependentes, em que há abrupta suspensão de crédito externo e fuga de capitais em caso de crise no balanço externo, implicando um imediato racionamento de câmbio, desvalorização da moeda e recessão econômica. Neste momento, mesmo com suspensão da restrição externa garantida pelas reservas e na nova posição de credor líquido, reequilibrar o balanço de pagamentos é essencial, pois evitará que se interrompa o crescimento do mercado interno, prevenindo futuras crises de pagamento e não permitindo que a expansão do mercado interno resulte em benefício desproporcional à indústria estrangeira. E esse reequilíbrio das contas externas será alcançado pela reestruturação do sistema produtivo incentivando de forma seletiva a produção de maior valor agregado e de inovação tecnológica, bem como a indústria estratégica e de defesa. Infraestrutura logística, integração nacional, redução das desigualdades regionais Tornou-se inadiável a tarefa de se completar a integração do território nacional, bem como de promover avanços na redução das desigualdades regionais. A construção da infraestrutura logística e a interligação de seus sistemas regionais se dão em ritmo lento. Nossa infraestrutura – excetuando-se a do transporte rodoviário – não está integrada a um sistema. É preciso persistir no esforço dessa integração com os grandes projetos nacionais de interligação regional, sobretudo ferroviária, dutoviária e de integração intermodal de grandes hidrovias como a das bacias do Tocantins/Paraná, articulando-as com as saídas para os portos do Pacífico. Esforços também devem ser feitos para edificar um grande sistema de armazenamento, hoje gravemente insuficiente, ao longo desses sistemas de transporte. Tal integração logística nacional é essencial para se acelerar a redução das diferenças de produtividade e de renda inter-regionais. As parcerias público-privadas que começaram a se materializar são o caminho para o financiamento e a viabilização destes desafios. Aumentar a eficiência do Estado, superar os entraves da burocracia Obras de infraestrutura tanto de logística quanto de energia têm sofrido enormes atrasos ou mesmo se inviabilizado por decisões diretas ou indiretas dos diversos órgãos responsáveis por controle e fiscalização. Avançou-se muito nos últimos anos nos quesitos da transparência e acesso da sociedade aos gastos e investimentos do governo, no combate à corrupção, bem como se fortaleceram as instituições encarregadas de fiscalizar e controlar as obras capitaneadas pelo poder público. Todavia, este setor da burocracia se hipertrofiou e muitas de suas ações são contraproducentes, elevando o custo dos investimentos e gerando prejuízos para a população. Faz-se necessário, portanto, aperfeiçoá-lo no sentido da eficiência. Superar a crise das cidades Há no país uma crise urbana. Os problemas são graves, como estrangulamento da mobilidade, violência com estatísticas alarmantes, degradação do meio ambiente, fal- 6969 131/2014 ta de moradia para o povo. O entretenimento, a cultura e o esporte ainda são privilégio de poucos. Por sua urgência e gravidade, a realização de uma Reforma Urbana que dê resposta à crise nas cidades adquiriu dimensão nacional, exigindo ações e fortes investimentos conjugados nas três esferas de governo que superem sobretudo os problemas de mobilidade urbana, saneamento e segurança, e o déficit habitacional. É imperativo acelerar a instituição do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano, aplicar os dispositivos da Constituição e do Estatuto da Cidade para se fazer cumprir a função social do território urbano e da propriedade. Avançar na construção de uma sociedade solidária, sem preconceitos No próximo quadriênio, com base em importantes conquistas auferidas no último período, é preciso avançar na construção de uma sociedade solidária e sem preconceitos, com mais conquistas para as mulheres rumo à sua emancipação, e combate à violência praticada contra elas; promoção da igualdade social para os negros e luta contra o racismo; defesa dos direitos da população indígena; defesa da ampla liberdade religiosa; combate às opressões e discriminações que desrespeitem a livre orientação sexual. Mais desenvolvimento exige fortalecer o sistema de produção de energia O Brasil é considerado uma potência energética, pela capacidade de suas fontes e pelas realizações já efetuadas. Tem uma matriz energética bem diversificada, fundamentalmente baseada em fontes disponíveis, com 47% de recursos renováveis, das mais limpas do mundo. Seu vasto território está quase todo coberto por um moderno Sistema Integrado Nacional, hidrotérmico, hidráulico em 85%. Sistema integrado e com fontes diversificadas Mesmo com esse potencial e com toda a infraestrutura energética já implantada, nosso consumo de energia é inferior à média mundial. O crescimento deste setor deve ser promovido com base nos princípios da sustentabilidade energética – uso diversificado de fontes, utilizando as já disponíveis no país e o emprego crescente de fontes limpas, perfil atualmente positivo de nossa matriz, que não deve sofrer retrocesso. Consolidar o atual marco regulatório do petróleo 7070 O sistema regulatório do setor do petróleo construído no Brasil responde à soberania brasileira, à gestão controla- da de grandes recursos e à eficiência exploratória e produtora. A “partilha da produção” para a região do pré-sal, e assemelhadas que venham a ser descobertas, é a usual no mundo, quando é baixo o risco exploratório. Este marco deve ser consolidado e expandido, no que couber, para a exploração mineral – como propõe o governo Dilma em projeto do novo Código de Mineração em exame no Congresso Nacional. A Petrobras é, no momento, a única empresa brasileira em condições de liderar a exploração do pré-sal. Portanto, deve ser defendida como operadora única do pré-sal, como foi definido pelo Congresso Nacional. Manter calendário das licitações, fortalecer o setor de pequenos e médios produtores A estabilidade regulatória e jurídica na exploração e produção de óleo e gás é saudável para o setor e a economia do país e, sempre que possível, devem ser mantidas licitações anuais de blocos exploratórios. O setor de pequenos e médios produtores nacionais de petróleo e gás, criado no governo Lula, mas ainda débil, deve ser incentivado através de medidas de acesso a campos subaproveitados, licitações específicas, taxas e contribuições diferenciadas. O mandato constitucional de “tratamento favorecido” para as empresas brasileiras de pequeno porte necessita ser regulamentado para o setor de Óleo e Gás. Aumentar a produção de gás natural, interiorizar a malha dutoviária A estabilidade do sistema elétrico brasileiro necessita, hoje, do gás como fonte do abastecimento das termelétricas nas estiagens. Contudo, deve-se estabelecer a meta de expandir a oferta de gás para a indústria química, petroquímica e de fertilizantes, além da distribuição urbana (GNV, industrial e residencial) e em transporte. Paralelamente, deve se concretizar o objetivo de interiorização da malha dutoviária, e deve ser concluído o Plano Decenal de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário (PEMAT). O etanol: superar a crise do setor, retomar a cobrança da CIDE com nova finalidade Reafirmar o caráter estratégico do etanol no mercado de combustíveis no Brasil, considerando-se a crise por que passa o setor sucroalcooleiro; incentivar o aumento da produtividade da indústria, com investimentos em transgenia, em agronomia e em etanol de segunda geração. Retomar a cobrança da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), porém direcionando-a para Ideias e propostas do PCdoB ao Programa de Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff a redução do custo dos transportes coletivos, com três consequências: reposição da competitividade do etanol; diminuição da tarifa dos transportes coletivos e ajuda no combate à inflação; e a realização de estudos sobre os impactos do aumento da mistura de etanol/gasolina, de 25% para 27,5%. Biodiesel, aumentar a produtividade Reafirmar a disposição de manter e desenvolver o biodiesel na matriz energética brasileira; incentivar a pesquisa na produção de biodiesel, visando ao aumento da produtividade e a uma participação maior de oleaginosas regionais no ciclo do biocombustível. Tem grande importância uma medida do governo que autoriza a introdução do B6 e do B7 (os números ao lado da letra B indicam a porcentagem de mistura de biodiesel ao diesel). Tal iniciativa sinalizou a confiança do governo na capacidade operativa do setor; contudo, é preciso ir adiante, apontando para a meta do B10 em 2015, e do B20 para 2020, como propõem os produtores. O sistema elétrico Depois do apagão de 2001, novo modelo retomou a expansão do setor O atual modelo do setor elétrico brasileiro, instituído em 2004, permitiu ao Estado retomar sua expansão, após quase vinte anos da paralisia que levou ao “apagão” de 2001. A geração de energia, o transporte da eletricidade e a integração nacional do sistema voltaram a crescer. Teve grande êxito a universalização do acesso à energia elétrica, com o Programa Luz para Todos e a redução substancial e universal das tarifas em 2013. A complementariedade das térmicas garantiu a segurança do abastecimento, mas a modicidade tarifária foi comprometida pelo uso do gás, caro e em boa parte importado. Tal situação demandará solução adequada. Uma brutal recomposição das tarifas, o tarifaço, cogitado pela oposição, deve ser rechaçado. Em seu lugar, deve ser adotada uma alteração progressiva nas tarifas cobradas das camadas mais pobres e do pequeno capital nacional, reduzindo-se assim impactos negativos. Diferenciações devem ocorrer com a ampliação de tarifas sociais e progressividade no pagamento dos custos de geração, de acordo com a renda do usuário. Sistema hidrotérmico deve diversificar suas fontes complementares O Sistema Integrado Nacional deve continuar hidrotérmico, mas nosso maior potencial hidráulico, hoje, está na Amazônia, onde a construção de grandes hidrelétricas enfrenta restrições crescentes. A complementariedade com térmicas movidas a gás é importante, mas deve se deslocar para o uso da energia eólica e outras fontes. A produção consorciada de energia eólica e fotovoltaica (solar) é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada num país tropical. Expandir com rapidez a fonte eólica Entre os maiores êxitos do novo modelo elétrico brasileiro está a rápida inserção da fonte eólica na matriz energética, pois ela traz a melhor oportunidade para se baixar os custos da expansão do sistema elétrico brasileiro. O Brasil tem dos melhores ventos do mundo do ponto de vista do seu aproveitamento para geração elétrica. A capacidade de geração eólica passou a crescer de forma acelerada a partir de 2008. Em 2014 é esperada a produção de 7,3 GW. Se isto se confirmar, nos últimos quatro anos, a capacidade terá sido multiplicada por sete, numa clara demonstração do acerto da política energética. Ampliar o uso da fonte nuclear A fonte nuclear é responsável pela produção termoelétrica mais barata do Brasil. As duas usinas existentes, Angra I e Angra II, dão contribuição fundamental para o abastecimento da segunda maior metrópole brasileira, o Rio de Janeiro. A reserva brasileira de urânio soma quase 300 milhões de toneladas. É a sexta maior do mundo. Se necessário, abasteceria uma dezena de usinas por décadas. O descarte desse tipo de energia não é uma tendência mundial. Nada menos do que 438 usinas nucleares estavam em operação durante o ano passado. Em janeiro passado, em todo o mundo, existiam 71 usinas nucleares em construção. A usina de Angra III precisa ser concluída e devem ser retomados os estudos para a construção de novas quatro usinas nucleares, sugeridas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Integrar e desenvolver a Amazônia com sustentabilidade O desafio amazônico permanece como uma grande questão nacional a se equacionar neste século, para efetivamente alavancarmos o desenvolvimento nacional. A Amazônia guarda imenso potencial – todavia subaproveitado – para ser um dos vetores centrais do Projeto Nacional de Desenvolvimento. Nos últimos 12 anos, muito se fez nesta direção. Entretanto, muitos desafios permanecem. Desenvolver a economia da biodiversidade Devemos pôr em marcha um plano que fará parte da 7171 131/2014 diretriz estratégica para a integração nacional, coordenada a partir da própria Presidência da República, para a exploração plena e sustentável das vastas riquezas da Amazônia, em especial seus recursos minerais, aquíferos, energéticos e sua biodiversidade. A economia da biodiversidade – intensiva em C&T – deve ganhar relevo, explorando o revolucionário potencial da biotecnologia. Devemos efetivar uma política industrial com foco na Amazônia, visando à produção de bens com intensa agregação local de valor e conhecimento. Grande desafio será o desenvolvimento da infraestrutura logística na Amazônia, integrando-a plenamente ao território nacional. Obras como a BR-163 (Cuiabá-Santarém) e a BR-319 (Porto Velho-Manaus), bem como a Ferrovia Transcontinental ligando Cruzeiro do Sul (AC) ao litoral do Rio de Janeiro, são essenciais nesse novo esforço para se completar a integração nacional. Atualizar Plano Amazônia Sustentável Devemos, no próximo quadriênio, atualizar o Plano Amazônia Sustentável, a partir de uma grande conferência nacional, que considere, ademais de aspectos ambientais, os geopolíticos e estratégicos, políticos, sociais e econômicos. Por fim, o Brasil deverá propor o relançamento da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), tornando-a politicamente forte e dotada de meios para integrar a região a partir do vetor geográfico Amazônia, visando inclusive a restringir a ingerência de potências extrarregionais. Promover a saúde e qualidade de vida para o povo brasileiro As melhorias na saúde nos últimos 11 anos – como a recente destinação de 25% dos royalties do petróleo para o setor, a criação do Programa Mais Médicos, novas unidades de saúde e hospitais e a disponibilidade de serviços de maior complexidade, inclusive transplante de órgãos – foram passos significativos, mas insuficientes para reverter a perda de qualidade e o enfraquecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Os atuais problemas do Sistema ainda refletem o duro ataque desferido contra ele pelos governos neoliberais dos anos 1990, prejudicando sua gestão e limitando seu financiamento. É grande o sofrimento do povo com as deficiências tanto do SUS quanto do setor privado da saúde. 7272 Para o PCdoB, atacar o mal pela raiz, nesta esfera, é aprofundar a Reforma Sanitária: fazer avançar o SUS e responder adequadamente às necessidades de saúde da população. As seguintes propostas, se implementadas, favorecerão um salto na qualidade da saúde pública no Brasil: • Reafirmar a saúde como direito universal e integral, o que exige mais investimentos: 10% das receitas correntes brutas da União devem ser destinados para a saúde. Isto como parte de uma política que deve assegurar um financiamento estável do setor, a partir da definição de novas fontes, como a taxação das grandes fortunas. Deve-se priorizar o investimento na atenção primária, como forma de garantir o acesso a toda a população a um serviço humanizado e eficiente. • Propor políticas de gestão do trabalho e de educação direcionadas para a fixação dos profissionais ao SUS e para a criação de uma carreira para o sistema público de saúde, que valorize a formação de trabalhadores(as) voltadas para as necessidades de saúde da população. • Fortalecer o papel do Estado na regulação e fiscalização do setor privado de saúde, por meio de mecanismos ágeis e transparentes, no sentido de defender o direito dos usuários e de fortalecer o sistema público, que em perspectiva deve substituir o privado. • Melhorar a eficácia das políticas do SUS, fortalecendo a capacidade político-gerencial das instituições gestoras do sistema público de saúde. • Ampliar a participação social e a democratização da gestão, como mecanismos essenciais em defesa do SUS. Nesse sentido, é preciso valorizar e instrumentalizar os conselhos de saúde. • Fortalecer o complexo industrial produtivo da saúde, visando a promover a incorporação de novas tecnologias ao SUS, ampliando o acesso da população a produtos e insumos e desenvolvendo a plataforma tecnológica do país, com aportes em pesquisa e inovação – o que resultará na soberania do país neste setor estratégico da indústria. Fortalecer a educação pública de qualidade para todos Os avanços alcançados na área da Educação nos últimos anos nos colocam diante de novos desafios. Os próximos passos devem ser enfrentar as defasagens na educação básica e seguir aumentando e democratizando o acesso à educação superior. Em particular, é necessário persistir no esforço de ampliação da educação em período integral; suprir a demanda por creches; reduzir ainda mais a taxa de analfabetismo; promover a valorização dos profissionais da educação; dar continuidade às iniciativas de reestruturação dos ensinos médio e superior. Ideias e propostas do PCdoB ao Programa de Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff Em suma, é necessário prosseguir com o fortalecimento da educação pública e gratuita em todos os níveis, priorizando os investimentos públicos no setor e, simultaneamente, aprimorar os mecanismos de regulamentação e fiscalização do ensino privado que se expande, inclusive com o fenômeno negativo da entrada do capital financeiro internacional. Ciência, tecnologia e inovação Impõe-se a tarefa crucial de construção do Sistema Nacional de Inovação, articulando-se universidades e empresas, no quadro de políticas do Estado em ciência, tecnologia e inovação, com metas para pesquisa e desenvolvimento (P&D), com laboratórios, polos tecnológicos e centros de pesquisa e resultados em patentes e novos produtos e processos. A inovação será alavancada, também, por diretrizes da política externa através de parcerias internacionais que resultem em transferência e cooperação tecnológica. O Esporte como impulsionador da agenda do desenvolvimento nacional Nos últimos 11 anos, o Brasil promoveu avanços históricos no esporte. Criou um Ministério próprio e implementou políticas públicas que serviram de alavanca para alçá-lo a um novo nível, com mais acesso à prática esportiva para a população, tanto no esporte educacional e de lazer, quanto no de alto rendimento. Some-se a isso a experiência por ter realizado, com sucesso, grandes eventos esportivos – como os Jogos Pan-americanos e os Jogos Parapan-americanos de 2007, os Jogos Mundiais Militares de 2011 e a Copa das Confederações FIFA 2013 –, que ajudaram a pavimentar a exitosa realização da Copa do Mundo FIFA 2014. Os próximos desafios são os Jogos Olímpicos e os Jogos Paraolímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, e a Universíade de 2019, em Brasília. Para o PCdoB, sediar tais competições é uma oportunidade para impulsionar o desenvolvimento humano, esportivo e econômico do país e acelerar investimentos em transporte público, portos, aeroportos e serviços essenciais, além de fortalecer políticas públicas nas áreas da educação, saúde e segurança e gerar inovação da tecnologia de telecomunicações, energia, sustentabilidade e de negócios, com criação de empregos, geração de renda e atração de novos investimentos, em especial no turismo. A realização da Copa do Mundo FIFA 2014 já mostrou que são grandes os benefícios deste tipo de evento para o país. As expectativas em relação aos Jogos Olímpicos e dos Jo- gos Paraolímpicos de 2016 podem ser ainda melhores. O legado olímpico está se espalhando pelo país, em diferentes formas: a) Ampliação da prática esportiva, por meio de programas como o Atleta na Escola, hoje com 40 mil escolas, e o Mais Educação/Segundo Tempo, atualmente com 4 milhões de estudantes, conjugados com a construção e cobertura de 10 mil quadras em escolas públicas e a construção de 285 Centros de Iniciação ao Esporte em 263 municípios de todos os estados e Distrito Federal; b) estruturação da Rede Nacional de Treinamento, maior programa de infraestrutura esportiva em andamento no país, para interligar instalações e estruturar centros de treinamento de várias modalidades; c) formação de atletas e equipes de base para o esporte de alto rendimento. A preparação dos atletas e das seleções para os Jogos Olímpicos e os Jogos Paraolímpicos de 2016 está sendo impulsionada pelo Plano Brasil Medalhas e a Bolsa Atleta Pódio que já apresentam resultados inéditos para nossas equipes. E a preparação das instalações olímpicas no Rio de Janeiro, bem como as demais demandas dos eventos, corresponde ao cronograma estabelecido. Importante reafirmar que a maior parte dessas ações e programas é fruto de três Conferências Nacionais do Esporte, com ampla participação do segmento esportivo e outros setores da sociedade. Para preservar conquistas, avançar em novos desafios e elevar a cultura esportiva dos brasileiros, o PCdoB propõe: Ampliar e fortalecer o acesso da população ao esporte O salto qualitativo será tornar os programas esportivos políticas permanentes, para universalizar o acesso de brasileiros à prática esportiva, e romper a dicotomia entre o esporte educacional e o de alto rendimento, visando a garantir a formação integral do atleta escolar desde a aprendizagem até a formação de base. Para isso, é necessário criar o Mais Esporte, unificando os programas Mais Educação e Segundo Tempo; retomar a obrigatoriedade da disciplina de educação física nas escolas; fortalecer programas como Atleta na Escola, Jogos Escolares, Jogos Universitários e Esporte e Lazer da Cidade; manter a realização dos Jogos dos Povos Indígenas; fomentar a Rede CEDES (Centros de Desenvolvimento de Esporte Recreativo e de Lazer) de pesquisadores e as publicações sobre esporte e lazer. Consolidar a preparação para o Rio 2016 Além de assegurar o sucesso da organização dos Jogos Olímpicos e dos Jogos Paraolímpicos do Rio de Janeiro em 2016, o Brasil tem a meta de ficar entre os dez primeiros países em número de medalhas olímpicas e entre 7373 131/2014 os cinco primeiros nos pódios paraolímpicos. Os atletas e equipes vêm obtendo o apoio necessário para fazer sua preparação em condições de igualdade com seus principais concorrentes. O objetivo é manter o investimento para que o desempenho das equipes continue melhorando e alcance as metas. Incrementar o desenvolvimento do esporte olímpico e paraolímpico Após os Jogos Olímpicos de 2016, será preciso manter o apoio à base das modalidades para que o país permaneça entre as potências esportivas. Bem como avançar na busca de melhoria da gestão das entidades esportivas. Um passo adiante será constituir o Instituto Brasileiro do Esporte, que atuará na gestão da Rede Nacional de Treinamento, na preparação de atletas olímpicos e paraolímpicos, na formação profissional e na pesquisa aplicada ao esporte de alto rendimento. Ampliar investimentos em infraestrutura esportiva Os Jogos Olímpicos de 2016 propiciam levar benefícios para todas as unidades da Federação e, com isso, reduzir as desigualdades regionais na prática do esporte, tanto na iniciação às modalidades, quanto no desenvolvimento de atletas e equipes de ponta. Para isso, é importante concluir a Rede Nacional de Treinamento de Atletismo e estruturar a rede de treinamento de judô, natação, vôlei e basquete; apoiar os estados no financiamento de Centros Regionais Multiesportivos integrantes da Rede Nacional; atender a todas as cidades G1 e G2 do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) com pelo menos um Centro de Iniciação ao Esporte a cada 500 mil habitantes nos próximos quatro anos; criar modelos 4 e 5 do Centro de Iniciação ao Esporte (CIE), contemplando ginásio e campo de futebol; ginásio e pista de skate; equipar todos os CIEs com academia e outros equipamentos; recuperar toda a infraestrutura existente nas universidades federais; modernizar ginásios dos municípios que sediam equipes dos campeonatos brasileiros de vôlei, basquete, futsal e handebol; assegurar que nas capitais dos estados e em Brasília existam ao menos os seguintes equipamentos oficiais: pista de atletismo, parque aquático e ginásio poliesportivo. Fomentar o futebol como patrimônio nacional 7474 O Brasil, ao sediar a Copa do Mundo, reforçou ainda mais o futebol como componente destacado da identidade nacional e abriu perspectivas para reforçar o futebol brasileiro em várias dimensões. Também projetou o tema dos direitos dos torcedores e a busca por uma cultura de paz nos estádios. O futebol feminino precisa também ser fortalecido com fomento a competições nacionais e internacionais, como a Copa Libertadores e o Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino. Avançar na definição de uma Lei de Diretrizes e Bases para o esporte brasileiro Assegurar o direito constitucional de cada cidadão ao esporte requer criação de uma lei que assegure a universalização do acesso ao esporte e a estrutura de um sistema nacional que defina responsabilidades de estados, municípios e União; garanta a gestão democrática com participação e controle social; permita avaliação continuada do grau de desenvolvimento do esporte; e resguarde a ampliação e diversificação do financiamento (fundo setorial, garantias orçamentárias, regulação público‑privada). Aumentar a participação do esporte na economia do país O Brasil tem potencial para incrementar o seu desempenho nos negócios do setor e fomentar a cadeia produtiva do esporte no âmbito das empresas privadas e do consumo das famílias. Medidas serão tomadas, em especial, para aumentar a modesta participação do Brasil no PIB mundial do futebol. É importante irradiar os investimentos agregados pelos grandes eventos para todas as regiões do país e dotar a nação de condições sociais e logísticas que a auxiliem no desenvolvimento sustentável de uma economia que já figura entre as dez maiores do mundo. Política Externa e de Defesa O PCdoB considera que o objetivo central da política externa é o fortalecimento da soberania nacional. E para realizar este objetivo se deve levar em conta, entre outros fatores, a relação estreita entre política externa e política de desenvolvimento. Afinal, movimentos de regulação do sistema internacional, caso não sejam objeto de moldagem tendo em vista o interesse nacional e dos países em desenvolvimento, poderão criar maior ou menor constrangimento à execução de políticas nacionais autônomas e soberanas. Salientamos as Propostas: Prioridade estratégica: integração da América Latina e o Caribe Reafirmar o preceito constitucional de que a prioridade estratégica em política externa refere-se à integração da América Latina e o Caribe. É preciso dar importância especial à integração da América do Sul, renovando e atualizando seus objetivos e meios de realizá-la. Assim, ganhará realce especial a materialização da integração física e energética da América do Sul. No caso da integra- Ideias e propostas do PCdoB ao Programa de Governo de reeleição da presidenta Dilma Rousseff ção física, ela será parte ampliada do grande desafio de completar a integração nacional – que, pelas dimensões contemporâneas e escala atingidas, ganha dimensão regional. De imediato, urge aportar recursos à Agenda de Projetos Prioritários de Integração (API) que prevê o investimento de US$ 13,7 bilhões em obras de integração regional. A API compreende 31 projetos estruturantes (abrangendo 88 projetos individuais), que receberão investimentos conjuntos dos 12 países que compõem a União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Na integração energética, o Brasil poderá promover a utilização comum das diversas matrizes em que a região tem abundância: petróleo e gás, fontes hidrelétricas, urânio e biocombustíveis. A integração energética deve ser concebida como motor para o desenvolvimento industrial dos países parceiros a partir da exploração dos recursos naturais comuns. Ampliar e fortalecer o Mercosul O desafio de ampliar o Mercosul para todo o espaço geográfico sul-americano deve continuar sendo perseguido, através da prioridade ao espraiamento de cadeias produtivas (ou de valor) sul-americanas. Deve ser meta a busca de uma interdependência industrial relativa – em setores que ajudem a diminuir as marcadas assimetrias regionais de desenvolvimento. A Unasul e o Mercosul devem crescentemente convergir como instrumentos de união sul-americana. É preciso, ao mesmo tempo, valorizar a interação com o continente africano, sobretudo seu lado ocidental. Novos passos para efetivar o BRICS: Banco de Desenvolvimento e Fundo de reserva No contexto de diversificar e ampliar relações, ganhará destaque ainda maior a aliança estratégica com grandes países em desenvolvimento, nomeadamente o BRICS – polo de mudança da ordem internacional. O Banco de Desenvolvimento do BRICS e o Arranjo Contingente de Reservas possuem ampla capacidade de ampliar a margem de ação geopolítica do Brasil. Devemos, em especial, encetar esforços para que a ação do Banco de Desenvolvimento se estenda a terceiros países. Luta para alterar a composição do Conselho de Segurança da ONU Tem grande importância para o Brasil ter como meta permanente de Estado – tendo em vista a importância geopolítica para o país – alterar a composição do anacrônico Conselho de Segurança das Nações Unidas. A mudança deve adequar o Conselho à nova correlação de forças que vai se consolidando no sistema de poder internacional. Preservar a autonomia da política econômica e industrial Renovar e atualizar os termos da inserção internacional do Brasil. A exigência de modernização tecnológica da indústria brasileira requer uma interação maior com setores dinâmicos da economia mundial. Ao mesmo tempo, a manutenção de capacidade autóctone de desenvolvimento industrial, sobretudo no núcleo tecnológico da produção, perseguido ao longo do século XX, não deve ser abandonada. Reforçar a negociação de tratados comerciais que preservem nossa autonomia em política econômica e industrial. Tratados de Livre Comércio (TLCs) que limitam nossa margem e autonomia não atendem ao interesse nacional. Apoiar a internacionalização das empresas brasileiras O Brasil deve manter e mesmo aprofundar o apoio à internacionalização da empresa brasileira e, especialmente, a exportação de serviços, como na área de engenharia, como fazem as grandes construtoras brasileiras. Estes processos envolvem numerosas empresas nacionais na exportação de bens e serviços, como se viu nas obras, por exemplo, do Porto de Mariel. Defesa, fator determinante da soberania e vetor do desenvolvimento A política de Defesa tem notória relação com a política de Desenvolvimento. Como diz a Estratégia Nacional de Defesa, uma está em função da outra. Para ser soberano no mundo, o Brasil precisa ser capaz de salvaguardar seus interesses nacionais em quaisquer circunstâncias. Avulta a necessidade de equiparar a capacidade de Defesa nacional à sua crescente estatura no mundo. Fomentar uma forte indústria nacional de Defesa Conforme a Estratégia de Defesa, combinada com o Livro Branco de Defesa Nacional, o Brasil precisa, a um só tempo, seguir com a atualização doutrinária de suas Forças Armadas, lhes reforçando a concepção patriótica e democrática e refletindo sua posição crescentemente soberana no mundo no que diz respeito a seu braço armado –, bem como avançar mais rapidamente na sua modernização e em seu reequipamento material. Aprofundar o caminho da criação de uma pujante base industrial nacional de Defesa, protegendo a empresa nacional – que neste setor, em geral, caminha no “estado da arte” da tecnologia. Incrementar os gastos com Defesa, buscando atingir a meta de 2,5% do PIB – média dos demais países BRICS. Brasília, 27 de junho de 2014 Convenção Nacional Eleitoral do Partido Comunista do Brasil – PCdoB 7575 131/2014 Imperialismo e geopolítica: a luta de classes nas eleições brasileiras ** Marcos Aurélio da Silva* Siphiwe Sibeko/Reuters Há um reformismo em curso (liderado pelo PT e seus aliados à esquerda) com seus triunfos e limitações que, afinal, não é outra coisa senão uma expressão, obviamente contraditória, das tendências históricas da formação social brasileira, tanto em seu quadro próprio, quanto diante das relações internacionais desiguais a que está submetida N a eleição presidencial brasileira de 2010, muito do debate público que se realizou no interior da esquerda deixou-se dominar pela ideia de que se tratava de uma eleição pouco politizada, uma vez que marcada pela completa ausência de temas relativos ao que Gramsci (2002a) chamou de “grande política”. E este mal teria acometido es- 76 pecialmente o partido que encabeçava a coalizão governista. Vitorioso desde 2002, o Partido dos Trabalhadores (PT), de gloriosas lutas no campo da esquerda desde que fora fundado, apresentava-se – na verdade, já desde os seus primeiros movimentos enquanto governo, sustenta um importante interprete (COUTINHO, 2010) – com um discurso eminentemente técnico, voltado apenas para a gestão do capitalismo. Brasil Não é pouco provável que a mesma tese seja de rias têm a dizer acerca desta esquerda a quem se novo sustentada para caracterizar a eleição presiacusa de “enfrentar as demandas sociais” através dencial que ocorrerá neste ano, quando novamente de um mero “pacto de classes em nome do crescia coalizão liderada pelo PT – a despeito das vantamento capitalista” (IASI, 2013, p. 45). gens de que dispõe – prepara-se para enfrentar uma Malgrado o exagero da formulação, não é cerdura disputa. Basta que se atente para as denúntamente uma questão menor que, por exemplo, cias já na praça embaladas pela análise dos grandes os principais teóricos das políticas derrotadas pelo protestos do ano passado. Elas acusam o “acordo PT em 2002 – hoje circulando nos ambientes que com a burguesia na cúpula” que, promovendo uma apoiam a candidatura oposicionista de Eduardo “reversão na consciência de classe” e “uma inflexão Campos e Marina Silva (PSB) – acusem a política conservadora no senso comum”, econômica governista de entregaracaba por submeter o “desejo” das se a “uma excessiva regulamentaReduzir a luta de ruas “ao real e ao possível” (IASI, ção de todas as esferas da vida”, 2013: 46). Ora, caberia pergune isto para perseguir um “projeto classes em curso tar se esta avaliação, certamente nacional-desenvolvimentista” cuja na formação social justa a seu tempo, não é, todavia, característica é a combinação do portadora de uma leitura exage“consumismo das economias capibrasileira a uma radamente unilateral da realidade talistas avançadas com o produti“rebelião do desejo” vismo soviético” (RESENDE, 2013, social brasileira. Uma leitura que, revelando certa impostação subjep. 7). É sem dúvida fácil imaginar não é outra coisa tivista, despreza a dúplice dialética o programa que embala esta crítisenão a abstração inerente ao pensamento de Hegel ca. No lugar de promover “todo tie Marx, a saber aquela que exispo de distorções” por meio das “ardo processo te não só entre sujeito e objeto, tificiais” políticas estatais, sempre histórico do qual a práxis revolucionária e a época com o objetivo de “crescer acima histórica (ou a ordem política e da média mundial”, deveríamos faz parte essa institucional existente), mas tamreconhecer que neste campo o que mesma formação bém e necessariamente aquela que se pode fazer é “contar com a sorse apresenta no interior do próprio te” (RESENDE, 2014: 7), maneira social objeto (AZZARÀ, 2004: 150). sofisticada, por certo, de dizer que Eis do que se trata. Reduzir a é a mão invisível do livre mercado luta de classes em curso na formação social braque pode alocar eficientemente os recursos. sileira a uma “rebelião do desejo” não é outra coiOra, sabemos o que significa consentir ser consa senão a abstração do processo histórico do qual duzido pelas mãos do livre mercado na atual etapa faz parte essa mesma formação social, a toda prova do capitalismo. Trata-se de deixar a política ecomarcado pelas contradições do desenvolvimento nômica sob a responsabilidade das grandes corpocapitalista em condições atrasadas, bem como pelas rações oligopolistas, muitas das quais, vale notar, relações conflituosas com os centros imperialistas com origem no grande movimento de fusão que há que esta condição implica. Uma distorção interpremais de um século abriu a etapa imperialista do catativa que já Herzog (1973) havia acusado no marpitalismo (LÊNIN, 1987). E todas elas corporações xismo de Sereni (1973) ao tempo do debate sobre que, a despeito da internacionalização mais proo conceito de formação social, e que recentemente funda das últimas décadas, continuam fortementambém Losurdo (2013) demonstrou aparecer com te amparadas por seus Estados de origem, razão, muita frequência numa certa leitura que se faz do entre outras, da facilidade com que criam diferenmaterialismo histórico fundado por Marx e Engels, tes “distorções” em proveito próprio (CHESNAIS, segundo a qual onde inicia a política externa, e 1996). E eis o quanto é correta a metáfora da mão as suas conexas intrigas diplomáticas e militares, visível utilizada por Chandler (1977) para estudar emudece o marxismo. estes oligopólios. Com efeito, à candidatura Aécio Neves (PSDB) O Projeto importa pouco estas frações. Não resta dúvida de nacional-desenvolvimentista que seu mote será igualmente a crítica do “intervencionismo absurdo”. Mas como todo liberalismo Posta a breve discussão acima, uma tarefa que é “uma ‘regulamentação’ de caráter estatal introse impõe é indagar o que as forças mais reacionáduzida e mantida por via legislativa e coercitiva” 77 131/2014 (GRAMSCI, 2002a), este lema é apenas um biombo gama de executivos que operam em suas filiais, não sob o qual se esconde a dura política do “porrete bastará abocanhar nacos dos capitais das estatais sem cenoura”. ou as enormes encomendas públicas com forneciAssim é que os intelectuais chamados a colamentos espalhados por diversas filiais localizadas borar com as discussões para a formulação do promundo afora. grama de governo do PSDB apontam sem qualquer Leiamos o que Edmar Bacha, destacado econotimidez para intervenções liberalizantes nos setores mista do PSDB, tem escrito em suas reiteradas indo petróleo e da infraestrutura, dínamos da recupetervenções públicas desde o ano passado. Para ele, é ração dos empregos e do reerguimento econômico uma política ainda tímida seguir os ditames acima dos últimos anos. No que diz respeito ao primeiro descritos para a área do petróleo, com destaque pasetor, tratar-se-ia de pôr fim à política que faz da Pera o abandono do Regime de Partilha (onde todo o trobras um “instrumento” da programação “econôpetróleo extraído pertence ao Estado) e a política mica e industrial do governo” (referência explícita à de conteúdo nacional que o acompanha, “que não exigência de conteúdo nacional dos equipamentos estimula a concorrência e a presença de multinacomprados pela estatal), de realizar “leilões anuais cionais” (4). Tratar-se-ia de promover “uma redude petróleo e gás nas áreas do pré-sal, do pós-sal ção substantiva da carga tributária sobre as empree também dos blocos em terra” sas”, de fixar um limite para “o (1). Mas também redimensionar crescimento gasto público” (e eis a empresa através da “abertura do que se volta a falar em “reforma Os intelectuais capital de suas subsidiárias” (eis da previdência”), de promover chamados a por onde começa a privatização uma “redução substancial das tade nossa estatal) e ainda retirar a rifas de importação”, de eliminar colaborar para “exigência” de que “seja operadora “as amarras aduaneiras e portuáa formulação única” do pré-sal (a nova fronteirias” e as “especificações técnicas ra de exploração petrolífera capaz de produtos distintas daquelas do programa de fazer do Brasil um dos maiores adotadas internacionalmente”, de governo do produtores mundiais), onde atua e ainda praticar um “regime de “com pelo menos 30% dos consórcâmbio flutuante” (sem intervenPSDB apontam cios”, segundo definiu o Regime ção estatal, entenda-se) (BACHA, sem timidez para de Partilha introduzido pelo go2014, p. A15). Por último, e não verno do PT, em substituição ao menos importante, para o teórico intervenções regime das concessões ao capital do PSDB teria chegado a hora de liberalizantes nos privado antes vigente (2). No que retomar a Área de Livre Comércio concerne às infraestruturas, o alvo nas Américas (Alca), negociar no setores do petróleo e é o setor elétrico, acusado de praTranspacífico, o novo eixo econôda infraestrutura ticar uma danosa política de submico e geopolítico liderado pelos sídios tarifários, censura que proEUA na América Latina (e do qual positalmente abstrai o fato de que participam Chile, Peru, Colômbia, há investimentos já amortizados no setor. Mas aqui México e Panamá), e ainda “transformar o Mercotambém se propõe rediscutir a solução tecnológica sul numa área de livre comércio” (5). encontrada para a construção de grandes usinas hidroelétricas na região amazônica, que se caracteriza Retomando o debate por uma sustentabilidade ambiental maior (as áreas alagadas correspondem basicamente ao curso natuConhecidos os pormenores do programa do parral dos rios, o que certamente implica uma menor tido dos oligopólios, podemos agora retomar nosso capacidade de geração) (3). E assim é que, aceitandebate com aqueles que falam de despolitização — do validar as desiguais relações internacionais de e, mesmo, partindo dessa premissa, chegam a lanprodução atualmente vigentes, nos pomos a transçar todas as suas esperanças em uma “rebelião do formar as forças produtivas, como o disse Santos desejo” para o ano eleitoral em curso. (2008) recuperando uma noção de A Ideologia Alemã, Vejamos. Todo o debate que se fez na eleição passada em em forças abertamente destrutivas. torno da Petrobras e sua capacidade de dar autonoE não se pense que tudo termina nas medidas mia nacional em termos energéticos e tecnológicos acima. Aos grandes oligopólios internacionais, bem não é um modo de tratar questões políticas de prirepresentados nas fronteiras nacionais pela enorme 78 Brasil A política de conteúdo nacional e o papel estratégico da Petrobras certamente serão temas de debate na campanha eleitoral meira ordem em um país que continua a ser parte do Terceiro Mundo? E não será este um tema central a que terá que se dedicar toda a esquerda que integra o governo nos debates da eleição deste ano, como já está demonstrando o falso escândalo da refinaria de Pasadena, produzido pela mídia hegemônica? (6) E já que falamos da política de conteúdo nacional da grande estatal, vale não esquecer que o governo do PT, como forma de recuperar o atraso tecnológico imposto pelos anos do neoliberalismo, tem estendido este instrumento para outros setores da economia nacional, tanto públicos (as compras no setor de saúde) como privados (utilizando neste último caso as tarifas de importação), políticas estas contestadas como protecionistas pelos oligopólios norte-americanos e da União Europeia na Organização Mundial do Comércio (OMC) (7). Aliás, a esse respeito vem a tempo lembrar os relatos que nos tem deixado o ministro das relações exteriores do governo Lula. Tratando das negociações na OMC, ele se referiu à “revolta de grande número de países pobres contra a intenção (dos EUA e UE) de forçar o início das negociações sobre investimentos e compras governamentais” (AMORIM, 2013, p. 90). E é também o mesmo ministro que nos adverte sobre o escopo da Alca. Lançada por Bill Clinton em 1994, esta aliança tinha claramente um objetivo de “natureza política além de econômica”, na medida em que visava a “criar um espaço integrado em que os interesses econômicos norte-americanos continuassem a predominar, ao mesmo tempo que de- marcava nitidamente uma área de hegemonia dos Estados Unidos” (AMORIM, 2013, p. 74). Voltemos à tese do filósofo citado na conclusão do primeiro ponto deste artigo: estas disputas diplomáticas, já presentes na última eleição presidencial, e agora aquecendo os debates do pleito deste ano, nada têm a ver com a política que interessa aos marxistas e toda a esquerda, centrada na luta de classes? Não estão elas diretamente ligadas àquelas formas de desigualdade existentes em nível internacional, com nítida expressão nos planos econômico e tecnológico, a que tiveram que dar atenção Lênin e os bolcheviques após o malogro da revolução proletária mundial, e isso lançando mão até mesmo de concessões aos capitalistas, como o demonstrou o recurso à Nova Política Econômica (NEP) (LOSURDO, 2013)? E o que nos diz o sardo citado no primeiro parágrafo de nosso artigo? Nada disso tem relação com a “grande política”, que ele definiu como a “luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais”, ou ainda a luta pela “reorganização radical do Estado”, e mesmo aquela que determina a “estatura de cada Estado nos confrontos recíprocos” (GRAMSCI, 2002a, p. 21-2)? Não há dúvida, estamos diante da dimensão internacional da luta de classes. Ao fim e ao cabo, ainda aquela dimensão que, atravessando os diferentes movimentos nacionais, compõe a complexa dialética do imperialismo e seus efeitos geopolíticos (ABDEL-MALEK, 1977). 79 131/2014 Certamente, para que esta questão não perca em escala global, no exemplo do reconhecimento sua dimensão mais estratégica, é decisivo que não do Estado da Palestina e da recusa de integrar o nos limitemos apenas às questões brasileiras. Por bloqueio contra o Irã. outras palavras, urge que lancemos nosso olhar para as relações que estas questões têm com a geopoLuta política lítica que no atual período da história ocupa todo o continente latino-americano. Sem dúvida cabe conceder alguma razão aos críOra, é necessário não esquecer que o Brasil sob ticos com quem até agora debatemos. A despeito os governos do PT integra o giro à esquerda que didos programas sociais de transferência de renda, ferentes países do continente latino-americano codo aumento real do salário mínimo, da diversifinheceram no início do século XXI. Em todos estes cação geográfica dos investimentos, estimulados e/ casos, administrações com uma orientação nacioou realizados diretamente pelo Estado, todas elas nalista, desenvolvimentista ou abertamente sociapolíticas voltadas para aquele segundo tipo de delista tiveram no Brasil um apoio nevrálgico. E isto sigualdade a que se refere Losurdo (2013), a saber, não apenas de um ponto de vista econômico. Sem a desigualdade entre as classes no interior de um dúvida, nesta esfera, o grande país do continente país, muitas carências subsistem ou têm sido detem atuado para anular o histórico isolamento das bilmente enfrentadas, entre elas aquelas que foram diferentes economias, provocado tanto por fatores objeto dos protestos de junho de 2013 (como a denaturais (ao norte, a combinação ficiência nos transportes públicos de de montanhas e florestas, as últimassa). E eis o que justifica falar-se mas, muito pobres para a agriculde um reformismo ainda fraco O Brasil sob os tura, têm dificultado a integração (SINGER, 2013), resultado, ao fim governos do PT das áreas que vão da Guiana Frane ao cabo, do que se convencionou cesa à Bolívia) (FIORI, 2013) cochamar de um presidencialismo integra o giro mo por aqueles relacionados “aos de coalizão. à esquerda que restos de uma divisão internacioDe fato, é por este meio que nal do trabalho” (SANTOS, 2008, um partido que continua a falar diferentes p. 173). Para além disso, na esfera de “socialismo” e da “propriedapaíses do continente de social dos meios de produção” da geopolítica continental, esta(à diferença do trabalhismo inmos diante de um país que “tolatino-americano glês, vale notar) (SINGER, 2013, mou uma posição decidida a favor conheceram no p. 120), tem sido forçado a goverda reintegração de Cuba na comunar em aliança com setores que, nidade americana e defendeu em início do século XXI distantes de seu espectro político, todos os foros internacionais o freiam toda e qualquer mudança fim do bloqueio norte-americano mais de fundo. Desde pelo menos a Cuba”; que cumpriu uma “in2005 estes aliados estão representados no PMDB, fluência ideológica sobre os governos da América partido que lidera um bloco de direita, às vezes de Central e tomou uma posição rápida e dura conorientação abertamente reacionária, no interior tra o golpe de Estado em Honduras”; que liderou a da base legislativa de apoio ao governo. Basta ver rápida reação contra o “golpe civil” que derrubou que seu programa está centrado em medidas como o governo do presidente Fernando Lugo, do Paraa autonomia do Banco Central, nos limites para o guai; e, não menos importante, com a “expansão gasto público, na reforma da previdência (SINGER, do Mercosul, a criação da União de Nações Sul-A2013); um programa para o capital, com predomimericanas (Unasul) e do Conselho Sul-Americanância dos interesses rentistas. E assim é que nos no de Defesa”, de um país que contribuiu para o vem facilmente à lembrança a crítica de Marx ao “engavetamento” do projeto Alca, bem como para liberalismo burguês, que vê “todo o bem do lado reduzir “a importância do Tratado Interamericano dos corpos representativos e todo o mal do lado do de Assistência Recíproca”, igualmente sustentado governo” (LOSURDO, 1998, p.158). pelos EUA (FIORI, 2013, 36-7). Aliás, se se pode dizer que é a burguesia nacioEnfim, trata-se daquele manto de amizade e nal que ganha expressão entre esses aliados, seja proteção com que o Brasil cobriu os diversos goem sua fração agrária, bancária ou industrial, não vernos latino-americanos de orientação à esquerda, significa isso que o programa que tenham em mensegundo se referiu Perry Anderson (2011), movite encerre um movimento mais decisivo de automento diplomático que pode ser observado mesmo 80 Brasil nomia em relação às potências imreacionária ─ a crítica da “instruperialistas. Poderíamos dizer que mentalização produtivista” das Desde 2006 o isto é verdadeiro para alguns setoantigas “burocracias comunistas”, que há é uma res desta burguesia, como aquela que “ainda pulsa na nova burocradedicada ao setor de máquinas e cia dos comunistas chineses” (SArepolitização, que se equipamentos (AMORIM, 2013). FATLE, 2014) ─, pode desembocar expressa por uma Não parece ser o caso, todavia, danaquela valorização subjetivista queles grupos ligados ao agronegóda “rebelião do desejo” de que nova polarização cio e às agroindústrias. E é revelaantes falamos. E dizer isso signisocial e geográfica dor a esse respeito que Lula tenha fica diminuir o movimento poputido como ministros da Agricultular que ganhou as ruas do Brasil na formação social ra e do Desenvolvimento represenno ano passado? De maneira nebrasileira. Assim tantes desta fração da burguesia nhuma. Significa, para retomar a autóctone que, nas negociações leitura de Azzarà (2004) com que é que se pode do projeto Alca, se posicionavam iniciamos este texto, apenas encompreender a aberta e até intransigentemente tendê-lo como uma das dimensões ao lado da visão liberalizante dos das contradições dialéticas inepenetração do Estados Unidos (AMORIM, 2013). rentes à formação social brasileiPT e das forças De fato, recordando a crítica que ra. Outra, não menos importante, nos anos de 1905-1907 Lênin ené o próprio reformismo em curso, de esquerda no dereçou a Plekhanov, poderíamos com seus triunfos e limitações. Resubproletariado das dizer que se há algo do programa formismo que, afinal, não é outra burguês a completar na formação coisa senão uma expressão, obviaregiões mais pobres brasileira, isto já não pode ser feito mente contraditória, das tendências e periferias urbanas sob a liderança da própria burguehistóricas desta mesma formação sia (LÊNIN, 1982). social, tanto em seu quadro próEntretanto, de modo algum os prio, quanto diante das relações constrangimentos desse presidencialismo de coaliinternacionais desiguais a que está submetida. zão – a rigor expressão de uma hegemonia incompleta a que lograram alcançar o PT e seus aliados * Marcos Aurélio da Silva é professor na Universidade à esquerda (como o histórico PCdoB), e que limita Federal de Santa Catarina, Brasil muito da luta política às cenas palacianas – traduzem aquela despolitização do debate público brasi** Publicado originalmente em Gramsci Oggi – Rivista leiro de que falam os críticos. Como o disse Singer di politica e di cultura della sinistra di classe. Maio de 2014 (2012), numa interpretação que em tudo lembra o conceito de subalterno de Gramsci (2002 b), desde pelo menos 2006 o que há é uma repolitização, que se expressa por uma nova polarização social e Notas geográfica no interior da formação social brasileira. Assim é que se pode compreender a crescente (1) Valor Econômico de 09-04-2014. penetração do PT e das forças de esquerda nas ca(2) Idem, ibidem. madas do subproletariado das regiões mais pobres (3) Idem, ibidem. (o Nordeste brasileiro) e das periferias urbanas. (4) Valor Econômico de 16-09-2013. (5) Valor Econômico de 02-05-2013 (Caderno Especial Rumos da Camada que, ao lado do proletariado das velhas zoEconomia). nas industriais, e de diminuta parcela ainda eleito(6) Refinaria localizada no Texas (EUA) pertencente à empresa ralmente fiel do funcionalismo público, tem sido a belga Astra Oil e da qual a Petrobras adquiriu 50% das ações tábua de salvação do débil reformismo em curso. no ano de 1999 por US$ 486 milhões. Os valores acabaram Mas seria esse débil reformismo apenas a exmajorados em razão dos conflitos abertos em 2008 entre as empresas sócias em torno da política de investimentos. Derpressão, muito brasileira, de um “conflito sem rotada na disputa judicial, a estatal brasileira teve de adquirir dialética”, segundo se referiu recentemente Vlaa participação da sócia na refinaria (US$ 296 milhões), mais dimir Safatle (2014)? Eis um modo de interpretar estoques (US$ 170 milhões) e mais fianças bancárias e ado processo histórico brasileiro que, às vezes ziguevogados (US$ 170 milhões). Ver Carta Capital, 23-04-2014. zagueando entre argumentos que nada devem aos (7) Valor Econômico de 25-06-2013 e 24-06-2014. arautos do pós-modernismo e até à direita mais 81 131/2014 10% do PIB para a Educação De sonhos em sonhos, vamos fazendo história Vic Barros * Arquivo UNE A aprovação do PNE é um passo muito importante para a melhoria do sistema educacional do país. Todavia, a luta continua, pois há outros entraves políticos e de mercado que comprometem os destinos das novas e futuras gerações. O que está em jogo é o futuro do país, que necessita de um sistema de educação superior comprometido com o desenvolvimento democrático e soberano 82 V Brasil inte e oito de maio de 2014. Essa é a sino fundamental – o que corresponde a 11 milhões data em que a Câmara dos Deputados de crianças. Significa, também, melhorar as condiconcluiu a votação do PL 8.035/2010, que ções dos profissionais de educação, com remuneraversa sobre o Plano Nacional de Educação, ção, em cálculos atuais, na casa dos R$ 3.650. Tudo o PNE. Após três anos isso está dentro das estratégias do e meio de tramitação no PNE. Ele fixa um conjunto de 20 Congresso Nacional,o que metas para transformar, de fato, O PNE inaugura parecia sonho tornou-se uma vitóa educação em um bem público e ria das mais importantes para toda direito inalienável da cidadania no um novo ciclo a sociedade brasileira, e já entrou Brasil. Ao todo, são 253 estratégias para a educação nas efemérides da União Nacional para o país alcançar, nos próximos dos Estudantes (UNE) como uma dez anos (2014-2024), as 20 metas ao aproximar as conquista histórica da luta do moestabelecidas pelo Plano. futuras gerações do vimento estudantil, igualando-se a Dentre os objetivos do PNE, datas fatídicas como oimpeachment destacam-se a erradicação do analdesenvolvimento de Collor, em 1992; a Marcha dos fabetismo; o financiamento púdo Brasil que 100 mil, em 1968; ou a vitória do blico; a universalização do acesso “Petróleo é Nosso”, em 1953. ao ensino básico;a qualificação do queremos, O PNE inaugura um novo ciensino médio e profissionalizante; mais humano clo para a educação ao aproximar mais matrículas no ensino supeas futuras gerações do desenvolrior; mais vagas para crianças de e socialmente vimento do Brasil que queremos, 0 a 3 anos de idade;a valorização preparado mais humano e socialmente predos trabalhadores em educação;a parado, que tenha na educação, na equiparação salarial dos educadoinovação, na ciência e na tecnolores com profissionais de formação gia as bases de seu crescimento. Para a UNE e o conequivalente;a gestão democrática pública e a criação junto dos movimentos educacionais, sua aprovação do CustoAlunoQualidade (CAQi), parâmetro imporconsolida a concepção de que o motor do nosso futante para todas as políticas educacionais. turo é, e sempre será, o conhecimento. Foram mais de três anos de tramitação no ConEm linhas gerais, a partir de agora, o Brasil tem gresso Nacional, mais de 60 audiências públicas reauma política educacional de Estado para enfrentar lizadas em todas as regiões do Brasil e na Câmara problemas crônicos. Isso significa garantir educação dos Deputados envolvendo mais de 100 entidades integral para pelo menos um terço dos alunos do enligadas à educação e aos movimentos sociais. Desde Arquivo UNE Aprovado o Plano Nacional de Educação (PNE) em 28/05/2014 no Congresso Nacional 83 131/2014 o começo, quando o PNE foi concebido pelo governo federal a partir da Conferência Nacional de Educação (Conae), em 2010, a União Nacional dos Estudantes (UNE) levantou o lastro como uma luta indiscutível para todo o conjunto da sociedade. Não há pauta maior ou mais importante para a UNE do que a defesa da educação pública gratuita e de qualidade para todos. E esse compromisso de luta do movimento estudantil, forjado nas ruas desde o começo do último século, nunca esteve tão vivo. Não é à toa que a aprovação dos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) investidos na área educacional foi a principal bandeira da entidade ao longo dos últimos anos. Temos uma tradição educacional muito mais frágil do que Argentina, Cuba e Uruguai, por exemplo. Estamos atrasados e sabemos que o PNE vai fazer com que o Brasil recupere muito essa distância. O país saiu de 3,5% do PIB de investimentos em educação, em 2002, para 5,6% até o momento. Com a garantia de 10% do PIB para o setor, é possível ultrapassar o valor da média mundial, de 7%, até o quinto ano de vigência do Plano. Essa meta de financiamento, inclusive, foi fruto de muito cálculo. Ela existe para o cumprimento certeiro das outras 19. O caminho, todos sabem, é longo. Mais de 3,8 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos de idade estavam fora da escola no Brasil em 2010, segundo o Censo Demográfico. Em todas as faixas etárias, os fatores que interferem no acesso à escola se repetem. Os mais excluídos são as crianças e os adolescentes negros, que vivem na zona rural, pobres ou 84 Arquivo UNE Não há pauta maior ou mais importante para a UNE do que a defesa da educação pública gratuita e de qualidade para todos. E esse compromisso de luta do movimento estudantil, forjado nas ruas desde o começo do último século, nunca esteve tão vivo oriundos de famílias em que os pais ou responsáveis têm pouca ou nenhuma escolaridade. A nossa missão é desenvolver o Brasil com a cara da sua juventude, transformando para sempre a vida de cada estudante, de cada universitário, rico ou pobre, branco, negro ou índio, da cidade ou do campo, em cada pedaço do país. Nessa perspectiva, é possível ressaltar que a educação não é importante somente para a vida desses jovens, que é transformada a partir dos conhecimentos e experimentações de dentro da escola. Trata-se de uma área estratégica para definir os rumos de todo o país nas próximas décadas. O crescimento econômico e a ampliação do consumo e das ofertas de trabalho e emprego nos mais diversos segmentos produtivos colocam a necessidade de criação de mão de obra especializada, formada em todos os campos do conhecimento. Temos que mudar o Brasil a partir das salas de aula, valorizando seus professores, empoderando os seus jovens, dando aos estudantes desta terra o fio condutor de suas vidas, e também de toda a nação. A batalha por uma educação de qualidade, transitando entre um projeto voltado para o desenvolvimento do capital e outro voltado para o trabalho e para a democracia, não se esgotará com a aprovação do PNE. Temos que enraizar essas políticas por meio dos planos estaduais e municipais de educação e fortalecer o papel do Fórum Nacional de Educação (FNE) e da Conferência Nacional de Educação no acompanhamento e formulação das políticas educacionais. De sonhos em sonhos, vamos fazendo história. Brasil Balanço do PNE tística (IBGE) apontou que o número de matrículas era superior a 7 milhões. As instituições privadas concentram a maior parte desse total: 5,1 milhões. O Plano Nacional de Educação, desde a sua disVale ressaltar também que formamos 12 mil cussão iniciada em 2010 pelas diversasorganizações doutores por ano, na medida em que China, Esda sociedade brasileira vinculadas ao processo edutados Unidos e Índia formam 180 mil. A base cacional, está montado sobre dois eixos principais: científica de uma nação está na sua formação de incluir as crianças e os jovens que estão fora do sisdoutores para desenvolver ciência, inovação e tectema educacional brasileiro e fazer com que o Sisnologia. Será com o cumprimentema Nacional de Educação tenha to da meta 14 que ampliaremos qualidade, isto é, atinja suas mePassada essa análise esse número ainda irrisório, de tas para que todo jovem de todo o modo a atingir a titulação anual Brasil tenha a capacidade de ler, de por quase todos de 60 mil mestres e 25 mil douaprender, de raciocinar, de pensar a os meandros do tores. respeito da vida e da sociedade. Passada essa análise por quaO plano será importante para ensino, nenhuma se todos os meandros do ensino, erradicar o analfabetismo absoluvitória foi mais nenhuma vitória foi mais imto, hoje 14%, oferecer educação em portante que o investimento em tempo integral em 50% das escolas importante que o educação de 10% da “movimenpúblicas de educação básica, igualar investimento em tação econômica” do país. Para a escolaridade média entre negros atingir o valor, existem metas e não negros, elevar a escolaridaeducação de 10% estratégicas que incluem uma de média da população de 18 a 29 da “movimentação melhor remuneração dos profesanos, triplicar as matrículas da edusores, o custo qualidade/aluno e cação profissional técnica de nível econômica” do país investimento do fundo social no médio, entre outras medidas. setor. Ano passado, conquistaNós temos ainda milhares de mos a vitória de 75% dos royalties do petróleo para crianças e jovens fora da escola. Só na creche perto a educação, um montante de R$ 112,25 bilhões, de 11 milhões de crianças não estão atendidas do a ser injetado em dez anos, e 50% do fundo soponto de vista educacional. Outro grande desafio do cial do Pré-sal até que sejam atingidas as metas PNE diz respeito ao ensino médio. Aí, talvez, resida do PNE. Hoje, 1% do PIB do Brasil equivale a 48 um dos grandes e graves problemas da educação em bilhões de reais. Esse investimento vai representar nosso país. Temos nove milhões de estudantes, jouma transição de superação dos problemas educavens entre 14 e 17 anos de idade, que o sistema de cionais históricos, criando as bases de um projeto ensino médio só consegue preparar para ter uma foreducacional verdadeiramente emancipador e de mação de caráter geral. O PNE tenta enfrentar esse acesso a todos. grande desafio com a possibilidade de que pelo meTodas essas metas servem para terminar 2024 nos 30% desses estudantes do ensino médio estejam com a certeza de que na educação brasileira todas em uma escola profissionalizante pública. as crianças e todos os jovens estarão estudando em Em relação à educação superior – a menina dos uma escola com biblioteca, com merenda escolar, olhos da UNE – as metas 12, 13 e 14 tratam, respecticom os professores entusiasmados para dar uma boa vamente, da elevação da taxa de matrícula, da qualiaula e fazer com que as nossas crianças e a juventuficação do corpo docente e da elevação do número de de brasileira despertem para a construção do conhematrículas na pós-graduação strictosensu (mestrado cimento de si, da sociedade e do nosso país. e doutorado). A meta 12, em especial, determina a A partir de agora, UNE assume como um dos elevação da taxa bruta de matrícula na educação suseus principais desafios o controle social relativo à perior para 50% e a taxa líquida para 33% da populaimplementação do PNE para a consagração do direição de 18 a 24 anos, assegurando a oferta e expansão to à educação pública de qualidade. para pelo menos 40% das novas matrículas na rede pública, algo em torno de três milhões de novas vaA luta continua gas. Essa meta vai assegurar que se tenha um piso de vagas do ensino superior na rede pública. Até 2011, A trajetória do PNE é turbulenta e marcada peaproximadamente 18% dos jovens de 18 a 24 anos la disputa com os setores privatistas e mercantis da tinham acesso a cursos de nível superior. Em 2012, educação. A pressão do movimento social de educao censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta- 85 131/2014 Arquivo UNE Estudantes acampam em luta pelos 10% do PIB para a educação - Esplanada dos Ministérios, Brasília/DF ção fez com que, a partir da LDB/1996, a aprovação de um PNE ganhasse força e, em 1997, fosse apresentado o “PNE da sociedade”. Esse plano tramitou até a sua aprovação em 2001, quando foi emendado com as propostas do governo FHC. Algumas questões importantes foram vetadas pelo presidente, como o aumento do PIBdirecionado para a educação, em 3%, e a responsabilidade pela educação, mesmo a pública, foi colocada como uma tarefa de todos, descentralizando a responsabilidade do Estado quanto a isso. Durante os governos Lula, o movimento social de educação se reorganizou através dos processos de conferências nacionais. Primeiro a Conferência Nacional da Educação Básica (Coneb) e depois a Conae. Esse processo foi fundamental para a rearticulação do programa do movimento educacional brasileiro, de modo a incidir na disputa de rumos da educação durante esse período. O resultado programático mais importante da Conaefoi o de organizar o movimento educacional em torno da criação do Sistema Nacional de Educação. O novo PNE deveria criar as bases para a construção desse sistema. Do ponto de vista de articulação política, o saldo foi a criação do Fórum Nacional de Educação (FNE), do qual a UNE faz parte, responsável por encaminhar as deliberações da Conae e acompanhar a construção do novo plano. Em 2009, a UNE convocou seu 12º Conselho Nacional de Entidades de Base (CONEB) para discutir o novo PNE e as diretrizes a serem apoiadas. Reunindo milhares de Diretórios e Centros Acadêmicos em Salvador, na Bahia, os estudantes aprovaram o financiamento de 10%” do PIB para a educação como a principal luta da entidade para o plano. 86 Em 2010, passeatas em todo o Brasil começaram a crescer em número e volume. Os 10% se transformaram em uma marca, em um número quase sagrados dos movimentos de juventude que precisavam levar esse debate para frente. A UNE criou a campanha “Educação tem que ser 10″ e levou o tema para os seus congressos e fóruns de discussão. O PL foi finalmente enviado pelo governo Lula ao Congresso Nacional no final de 2010 e foi bem mais conciso do que o PNE anterior – o que facilitou o acompanhamento das suas metas pela sociedade civil. No nosso entendimento, o texto do PNE conseguiu o desafio de continuar a ampliação da educação com metas de universalização e qualidade, alterar estruturalmente o patamar de financiamento e dar condições para a criação do Sistema Nacional de Educação, formulado pela Conae, reforçando a sintonia do desenvolvimento da educação com um projeto democrático e popular para o país. A UNE organizou emendas relativas principalmente ao financiamento, à expansão do ensino superior público e presencial, à assistência estudantil, à gestão democrática e regulamentação do setor privado e às políticas afirmativas. Em 2011, os estudantes realizaram o “Agosto Verde e Amarelo”, reunindo 15 mil jovens na “Marcha dos Estudantes” em Brasília. Todas essas manifestações tiveram como mote principal a bandeira dos 10% do PIB para a educação pública. No fim de 2011, a UNE tomou um trecho no Planalto Central para acompanhar de perto a votação do PNE e garantir avanços. Foram mais de 250 estudantes de 24 estados do Brasil que acamparam na Esplanada dos Ministérios e fizeram história com o Brasil Arquivo UNE movimento “Ocupe Brasília”. Atrario brasileiro se centraram de forma vés da pressão estudantil, a destibastante acertada em bandeiras de nação de 50% do Fundo Social do luta relacionadas, em linhas gerais, Pré-sal foi aprovada na Comissão de a quatro desafios: financiamento da Educação do Senado, à luz da época. educação; democratização do acesA mpanha #somostoso; permanência do estudante na dos10% também ganhou intensas universidade através das políticas mobilizações em 2012, com passeade assistência estudantil; e regulatas, uma caravana nacional, corpo a mentação do ensino privado. Todos corpo com parlamentares e tuitaços. esses temas são fundamentais para Uma grande vitória foi a aprovação a transformação da instituição que dos 10% na Câmara dos Deputatemos hoje. Com a aprovação do dos no dia 26 de junho. A votação, PNE, e para além desses desafios, acompanhada de perto pela pressão nós, estudantes, não nos esquivaredo movimento estudantil que ocumos da luta pela superação de oupou dois plenários da Câmara, foi tros entraves políticos e acadêmiprecedida por uma grande passeata cos que reproduzem na academia na Esplanada dos Ministérios. conteúdos de interesse prioritário A UNE assumiu Em 22 agosto de 2012, em reude uma pequena elite. um papel muito nião com representantes da UNE, Conceber a educação a partir a presidenta Dilma Rousseff afirde uma estrita lógica de mercado, importante. A nossa mou que os 10% do PIB para a como acontece hoje, compromepressão institucional te os destinos das novas e futuras educação seriam possíveis a partir de recursos do Pré-sal e do petróleo gerações. O que está em jogo é o combinada com a brasileiro. Foi a primeira vez que a futuro do país, que necessita de ocupação das ruas presidenta se pronunciou sobre esum sistema de educação superior se assunto, apoiando uma bandeicomprometido com o desenvolvifoi decisiva para ra de mais de três anos levantada mento democrático e soberano. Os produzir avanços ao pelos estudantes, desde que a canúmeros não mentem: em 10 anos, mada do Pré-sal foi descoberta no o número de matrículas saltou de 3 projeto do governo Brasil. milhões para quase 7 milhões, senNo dia 30 do mesmo mês, a do cerca de 75% nas instituições UNE comemorou o compromisso privadas. público e oficial do Palácio do Planalto com a luta A UNE condena a visão mercadológica e luta por dos estudantes em defesa da destinação de 100% dos mais rigor do Estado na aprovação dasfusões e aquiroyalties do petróleo para a educação. A declaração sições de faculdades e nos critérios que garantam a veio novamente da presidenta Dilma durante reuqualidade de ensino nessas instituições. Estaremos nião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econa rua pela criação do Instituto Nacional de Supernômico e Social. A UNE lançou então a bem-humovisão e Avaliação do Ensino Superior (INSAES), que rada campanha #fazogoldilma. A luta ganhou corpo prevê a criação de um órgão com 500 especialistas e alcançou sua vitória no dia 26 de junho de 2013, responsáveis pela fiscalização das instituições supecom a aprovação de 75% dos royalties do petróleo e riores de ensino. Estaremos com cartazes e bandeiras 50% do fundo social do Pré-sal para a educação. por uma assistência estudantil que garanta creches, Todo esse processo de mobilização foi feito com moradias, restaurantes universitários e mais bibliobastante unidade entre as entidades e o movimento tecas. Continuaremos com nossos gritos de guerra educacional. A UNE assumiu um papel muito imem nome da educação e por uma reforma universiportante. A nossa pressão institucional combinada tária de excelência. com a ocupação das ruas, em diversas manifestações ao lado de outras entidades (UBES, ANPG, CNTE, Quem vem junto? A luta continua! CONTEE e outras) foi decisiva para produzir avanços ao projeto do governo. * Vic Barros é estudante de Letras da Universidade de São Conquistada a vitória, continuaremos na rua. É Paulo (USP) e atual presidenta da União Nacional dos possível enxergar que nos últimos anos as grandes Estudantes mobilizações do movimento estudantil universitá- 87 131/2014 9º Congresso Nacional da UBM “Mais democracia, mais poder para as mulheres e o Brasil avançarem!” Ana Paula Bueno* Muitas ainda são as bandeiras de luta pela efetiva emancipação feminina, todavia, segue-se avançando num caminho por desenvolvimento socialmente mais justo em nosso país. O 9º Congresso Nacional da UBM foi vitorioso na profundidade de seus debates em prol da efetiva participação política da mulher e de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento C om o tema “Mais democracia, mais poder para as mulheres e o Brasil avançarem” – a União Brasileira de Mulheres (UBM) realizou seu 9º Congresso Nacional e elegeu sua nova diretoria para o triênio 2014-2017, tendo à frente a professora goiana Lúcia Rincon, – o Congresso ocorreu entre os dias 04 e 06 de junho nas cidades de Brasília/ DF e Luziânia/ GO. Dentre os vários temas debatidos sobre a questão da mulher foi destacado o fato de 2014 ser um ano histórico, por marcar o cinquentenário do golpe militar e por ser ano de eleições gerais. Na oportunidade, a UBM afirmou a luta da mulher na política e maior participação nos espaços de poder, e declarou seu apoio à reeleição da presidenta Dilma Rousseff. O 9º Congresso recebeu mais de 300 delegadas de 22 estados que aprovaram mais de 128 propostas em suas resoluções. Nele, foi feita uma avaliação da trajetória e de conquistas de um quarto de século para as feministas no Brasil, apontando rumos para a continuidade das mudanças progressistas do país. Foram diversos os temas debatidos nessa epopeia da luta emancipadora feminina, como o enfrentamento à violência contra as mulheres, a luta pelos direitos sexuais e direitos reprodutivos, o combate ao racismo e o controle social de políticas públicas entre outros pontos. Também foram debatidas ques- 88 tões de ordem para o país, que são as reformas estruturais – como a Reforma Política e a democratização da mídia. Está claro que as reivindicações das mulheres, sejam elas do campo, da floresta ou da cidade, perpassam o confronto não só ao patriarcado, mas também fortemente ao capitalismo. Para seguir no rumo dos avanços conquistados pelos governos democráticos e da afirmação da mulher na política, o 9º Congresso destacou o importante papel da 1ª Presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, e se comprometeu com a luta, que se desdobra, por sua reeleição, e ainda com a necessidade de se recompor uma nova maioria de esquerda, e de se combater também o atraso dos projetos neoliberais nessas eleições. Foram aprovados no Congresso um plano de lutas e desafios da entidade para o próximo período e o documento político Carta às brasileiras (acessível em http://www.ubmulheres.org.br/ ou pelo link direto: http://zip.net/bynVQz), no qual se objetiva inicialmente “à construção de um país desenvolvido, soberano, socialmente equilibrado e ambientalmente sustentável”. E prossegue: “É preciso avançar na afirmação de políticas públicas com um projeto de desenvolvimento para a nação, socialmente includente, que valorize a diversidade cultural e social”. Fundamental para a luta feminista é debater e afirmar posições sobre os diversos aspectos da socie- Brasil Mesa de abertura do 9º Congresso Nacional da UBM, 04 a 06 de junho, Brasília/DF dade – formação social e econômica e na esfera da política nacional –, afinal essa luta é transversal e perpassa todas as batalhas e reivindicações levantadas pelo povo para libertar-se das opressões materiais, simbólicas e físicas constituídas historicamente – conforme o documento-base do 9º Congresso. Outra questão de consenso nos debates ocorridos pelas ubemistas é de que não há dúvidas de que para se alcançar um novo patamar de desenvolvimento da nação são necessárias fortes mudanças na política econômica, para que haja uma distribuição da renda de modo mais efetivo, bem como se erradique a pobreza ainda existente no país. Assim, o documento observa que “é necessária distribuição de renda, aumentos reais e contínuos do salário mínimo, fortalecimento do capital produtivo, e outras medidas que impactem positivamente na vida das mulheres”. As dificuldades enfrentadas nas grandes cidades, como problemas como a mobilidade urbana, estão sendo debatidas por toda a sociedade visando a uma Reforma Urbana que amenize os problemas incipientes e contemple políticas públicas inclusivas, especialmente para as mulheres. A recente vitória com a aprovação do Plano Nacional de Educação nos dá a dimensão dos desafios a serem enfrentados por toda a sociedade brasileira, como também das dificuldades enfrentadas pelas mulheres que têm de trabalhar e cuidar de seus filhos, mas não encontra um apoio mais efetivo do Estado – há uma grande escassez de creches e vagas nas escolas –, que não garante suporte suficiente para a educação e tutela dessas crianças desde a primeira infância. Para se fazer o tão necessário enfrentamento de todas as formas de violência contra as mulheres, seja na esfera da autonomia econômica, seja com relação a seu corpo e individualidade, é preciso reafirmar as políticas públicas de Estado capazes de promover a igualdade salarial e a defesa da mulher. Devido ao alto volume financeiro gerado e aos inúmeros turistas (brasileiros e estrangeiros) atraí- dos para um grande evento como a Copa do Mundo, que está em transcurso no país, entende-se como uma importante oportunidade esse momento para se analisar não só o lazer e a imagem feminina, mas também a questão da exploração sexual, de tráfico e escravização de mulheres que ocorre fortemente no decorrer de eventos como esse. No 9º Congresso constatou-se ainda a luta pela promoção de outra imagem da mulher, que a valorize e a respeite por suas capacidades e não a torne objeto, principalmente nos meios de comunicação de massa. Outros aspectos – destacado no Congresso – a serem combatidos por toda a sociedade, mas afirmados especialmente pelas feministas, são o racismo, a homofobia e a intolerância religiosa. Tais questões têm se acirrado nos dias atuais mediante o crescimento de forças direitistas – impulsionadas de certa maneira pela atual crise que assola o mundo desde o início deste século – e suas afirmações e defesas discriminatórias e excludentes. Um dos compromissos feitos pelas ubemistas em seu Congresso foi o de cobrar um efetivo cumprimento da Lei Maria da Penha na devida assistência às mulheres em situação de violência, como a criação de juizados especiais, mais casas de abrigo, casas de passagem e delegacias de defesa da mulher. Identificou-se também a necessidade de ampliação do número de profissionais capacitados no auxílio a essas mulheres e seus filhos, principalmente menores. A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, Lei Maria da Penha, foi criada visando a coibir a “violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher”. Não poderia deixar de se discutir também, no Congresso, um problema latente ainda nos dias atuais que é a descriminalização e legalização do aborto, levantando-se o direito de a mulher tanto decidir sobre seu corpo quanto pela questão de saúde pública. Incrivelmente para a maioria da população brasileira ainda é baixo o acesso à informação sobre os direitos ao aborto legal – em casos de risco de perda da vida da gestante, anencefalia do feto –, com assistência assegurada no Sistema Único de Saúde (SUS). Muitas ainda são as bandeiras de luta pela efetiva emancipação feminina, todavia, segue-se avançando num caminho por desenvolvimento socialmente mais justo em nosso país. O 9º Congresso Nacional da UBM foi vitorioso na profundidade de seus debates em prol de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, e em especial no que se refere à causa feminista. 89 131/2014 Reunião da FDIM em Moscou A luta pela total emancipação da mulher e a superação do patriarcado é uma luta global, mas em alguns países, infelizmente, ainda há muito o que se conquistar, como direitos básicos para as mulheres poderem decidir seu destino, por exemplo. Para fortalecer a luta feminista em escala global é que se criou, no século passado, a Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM), que mantém reuniões anuais e congressos de quatro em quatro anos. Liège Rocha, que é membro da Executiva Nacional da UBM Liège Rocha e integra o Comitê de Direção da FDIM, participou da reunião da FDIM ocorrida em abril deste ano em Moscou, e que contou com a participação de representantes dos cinco continentes. Em declarações à reportagem de Princípios Liège Rocha afirmou que as reuniões do Comitê da FDIM têm um significado importante para o movimento feminista internacional porque são um momento em que se trocam informações sobre a realidade das mulheres em diversos países, destacou ela. Nesse último encontro na capital russa foram aprovadas duas resoluções: uma sobre a Declaração Final – que trata da solidariedade internacional, marca dessa entidade que em 2015 completará 70 anos – e outra sobre as comemorações dessa data tão importante. Este encontro “tem o caráter de revigorar a luta das mulheres do ponto de vista internacional, a fim de nos colocarmos a par da situação de cada país, região, como para apontar caminhos de luta pela paz e no enfrentamento da violência que as mulheres sofrem em todo o mundo”, afirmou Liège. Sobre a crise que ainda está se vivendo no mundo, Liège explica que tal situação gera um acirramento e as mulheres, por serem a parte mais vulnerável, acabam sofrendo as consequências. Inclusive, aponta pesquisas segundo as quais uma mulher em situação de desemprego demora mais para voltar ao mercado de trabalho, devido às questões domésticas, pois precisam conciliar as responsabilidades domésticas e os cuidados com os filhos com a procura de um novo emprego. Também devido à crise outro 90 aspecto, de grande preocupação para as mulheres, é a questão do tráfico de pessoas, pois são “elas as maiores vítimas”, afirmou. Para Liège, essas reuniões são muito importantes para se discutir quais medidas de enfrentamento a situações como essas de violência e tráfico devem ser tomadas: com campanhas internacionais de luta pela paz, com manifestações etc. O fato é que “está clara a necessidade de se estimular que cada vez mais as mulheres denunciem, se organizem e reivindiquem”. Liège destacou também a necessidade de avançarmos na integração da América Latina, que estamos construindo com governos do campo democrático, como também com a luta de movimentos sociais e organizações de mulheres. Está claro, observa ela, que essa integração e os avanços não bastam por si só em nível de governos, “ela tem que se dar também na organização das mulheres, no fortalecimento da luta para avançar na democracia, no enfrentamento ao imperialismo”, afirmou. Há ainda a preocupação de como a mulher potencializar o seu protagonismo nesse processo e conquista mais espaços de poder. Outro ponto debatido foi a vulnerabilidade das mulheres em áreas de conflito, em guerra. Elas sofrem violências, são mortas por ataques armados, e sofrem violências de gênero como estupros e tráfico. Liège lembra o caso recente da Nigéria em que jovens foram feitas prisioneiras e barbaramente violentadas. E, assim, reitera que, por isso, é “a questão da paz é tão importante para as mulheres, assim como a solidariedade internacional”. O último Congresso da FDIM ocorreu em 2012 em Brasília e o próximo deverá acontecer em 2016, mas ainda sem previsão de local e data específica. E, assim, a Liège Rocha, conclui e relata um pouco da experiência em Moscou: “Um encontro como esse é como recarregar as baterias, delinear os caminhos da luta, fundamental para se avançar na questão da mulher. Fora a emoção de irmos a Moscou e participarmos do ato do 1º de maio deles, onde presenciamos a entrega de carteiras de jovens filiados ao Partido Comunista da Federação Russa em plena praça pública. Também nos emocionamos muito ao visitar o mausoléu de Lênin e depositarmos flores ao soldado desconhecido e, ainda, a Clara Zetkin (grande feminista, professora, jornalista marxista, que quando deputada criou em 1910 o dia internacional da mulher) e outros que estão na Necrópole da Muralha do Kremlin”. * Ana Paula Bueno é da redação de Princípios O QUE SIGNIFICA CUIDAR DE UMA CIDADE O maior patrimônio de nossa cidade é a nossa gente. E para manter esse patrimônio é preciso cuidar. Aqui é bom de se viver. Nossa cidade possui os maiores indicadores de desenvolvimento em comparação com os mais de cinco mil municípios do Brasil. Mas, neste momento, queremos esquecer um pouco os números e indicadores econômicos. Pois queremos voltar nosso olhar para o aspecto mais importante de uma cidade que são as pessoas que vivem aqui. Os melhores índices serão motivo de orgulho apenas quando todos os cidadãos de Jundiaí tiverem suas necessidades atendidas, tiverem qualidade de vida e oportunidades justas. Foi pensando assim que a prefeitura de Jundiaí, em pouco mais de um ano e meio, priorizou as pessoas e fez muito mais. A valorização da nossa gente também está representada numa atitude simbólica da prefeitura, porém com importante significado cultural, que foi a adoção do brasão oficial de Jundiaí como logomarca. O brasão representa as riquezas da cidade e a formação do nosso povo. Este é o nosso compromisso: colocar o nosso povo em primeiro lugar. Para nós, cuidar da saúde de Jundiaí é cuidar das pessoas. Cuidar da educação de Jundiaí é cuidar das pessoas. Cuidar do trânsito, do transporte, do emprego, da iluminação e da manutenção da cidade é cuidar das pessoas. Para nós, cuidar da cidade é cuidar de você. www.jundiai.sp.gov.br 91 131/2014 A Coluna de Maria Prestes pelo Rio Grande do Sul Cezar Xavier* Viúva e filhos de Luiz Carlos Prestes voltam aos primórdios da Coluna para celebrar os 90 anos da marcha revolucionária que deixou marcas entre os gaúchos da região noroeste do estado D esde a convivência com o pai comunista, na década 1940, lutando contra o nazismo na Segunda Guerra Mundial, a menina Altamira Rodrigues Sobral, acostumou-se a encarar uma tarefa revolucionária com muita disciplina. Atualmente, passados os 80 anos, quando poderia usufruir de maior flexibilidade nas agendas, a viú- 92 Cezar Xavier - Osvaldo Bertolino Maria, Mariana e Luiz Carlos visitam as raízes gaúchas da familia Prestes (em São Miguel das Missões) va comunista de Luiz Carlos Prestes, agora conhecida como Maria do Carmo Ribeiro Prestes, se dedica à tarefa de defender o legado do chefe militar da Coluna Invicta com o vigor disciplinar que poucos conseguem acompanhar. Tem sido assim, durante o périplo comemorativo dos 90 anos da Coluna Prestes, que atravessou sete cidades do noroeste gaúcho, de onde partiu, Brasil Cezar Xavier - Osvaldo Bertolino Maria Prestes recebe certificado honorífico do senador Inácio Arruda em outubro de 1924, a maior marcha revolucionária da humanidade. Quando outros membros da caravana sugerem o cancelamento de algum item da agenda, sob a justificativa de que “dona Maria” se cansaria muito, – matreiramente advogando em causa própria –, ela se apressa em dizer que não está nada cansada, decepcionando os “advogados” exaustos. Mesmo quando os filhos se propunham a revezar nas agendas, a mãe evitava perder aqueles momentos que considerava tão especiais. Desta forma, desde Brasília, passando por Porto Alegre, Passo Fundo, Santo Ângelo, São Luiz Gonzaga, São Miguel das Missões, Ijuí, Santa Maria e voltando a Porto Alegre, tudo em cerca de dez dias, Maria Prestes encontrou forças no ânimo dos filhos Luis Carlos e Mariana, que a acompanharam. Das primeiras horas do dia, par- Uma jornada com tamanha dimensão, celebrando um evento longínquo, espetacular e polêmico, como foi a Coluna, também foi marcada por contratempos. Incidentes contraditórios que estão relacionados com os tempos do atraso em que vivia o Brasil da República Velha tindo de um café da manhã apressado, até perto da meia noite, quando terminavam as enormes filas de jovens estudantes querendo autógrafo no livro Meu Companheiro, 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes, ela mantinha o sorriso plácido diante dos comentários de desconhecidos, embora já tivesse dificuldades para se concentrar nas dedicatórias que demoravam a se escrever. Em Santa Maria, o estoque de livros tinha se esgotado, o que exigiu um sorteio dos exemplares restantes, disputa que deu um toque divertido ao fim de noite. Todos torcendo para sair seu número da ushanka que Maria traz dos invernos rigorosos da extinta União Soviética para o frio outonal gaúcho. Aliás, ao encerrar um dia desses, só lhe restava cear uma sopinha, antes de dormir para a maratona do dia seguinte, que ge- 93 131/2014 ralmente incluía algumas horas dentro de um auUma dualidade anacrônica que ainda deixa tomóvel lotado de malas, até a próxima cidade que marcas nas cidades por onde Maria passa com o soconheceu a Coluna Prestes. brenome Prestes. No entanto, é a jornada comunisNesta rotina extenuante seguiram, se dedicando ta heroica de Prestes, posterior à Coluna, que deixa a plenárias, palestras, solenidades, homenagens, mais resquícios de resistência conservadora e reaentrevistas coletivas e exclusivas, visitas a mocionária em homenagens localizadas. numentos e museus, encontros com governador, Na passagem por Passo Fundo, por exemplo, prefeitos, parlamentares, militares, pesquisadores, um professor universitário fez um apanhado das artistas, militantes políticos e até mesmo curioacusações polemistas que marcam o discurso disos atraídos pelas reportagens que reitista contra a trajetória de passavam na televisão. Algumas Prestes. Diante de seus alunos, o A jornada dessas pessoas traziam fotografias professor ouviu a defesa contunantigas e deterioradas, guardadas dente feita pelo próprio filho de comunista heroica com orgulho, mostrando um famiPrestes, sobre a trajetória de decide Prestes, liar ao lado de Prestes. sões difíceis tomadas pelo pai em Em todas as agendas, a família momentos de violenta perseguiposterior à Coluna, esteve acompanhada dos jornalisção política, pontuando cada uma é a que deixa tas da Fundação Maurício Grabois, das acusações. “É fácil analisar Osvaldo Bertolino e Cezar Xavier, academicamente eventuais famais resquícios responsáveis pelo registro da jorlhas de meu pai, sem considerar de resistência nada em texto, áudio, foto e vídeo. o contexto histórico da época e O deputado estadual Raul Carrion as variáveis que estavam colocaconservadora e (PCdoB-RS), presidente da Gradas diante dele naquele momenreacionária em bois/RS, se esmerou na confecção to histórico”, criticou Luiz Carlos meticulosa da agenda, mantendo Prestes Filho. homenagens parte de sua assessoria disponível localizadas para o bom andamento da diverA Coluna atravessa Brasília sificada programação, apoiada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Desde a solenidade no ConCaxias do Sul. Por onde passava, Carrion entregava gresso Nacional, quando foram entregues certificaum mapa da Coluna a entidades e instituições que dos honoríficos a parentes de combatentes da Colupudessem fazer bom uso didático do material. O na, sagrando a marcha militar como um momento inquestionável do heroísmo popular brasileiro, as mapa distribuído pela Fundação Maurício Grabois homenagens e discursos que demarcaram o caráter foi feito por Bernardo Joffily e encontra-se em verfundamental daquele evento ocorrido há 90 anos são interativa na internet: is.gd/THcGj6 na formação da nação brasileira, foram atropelaUma jornada com tamanha dimensão, celebrandas pela conjuntura conservadora. Deputados de do um evento longínquo, espetacular e polêmico, oposição ao Governo Dilma interromperam a sescomo foi a Coluna, também foi marcada por consão de forma brusca para dar início a uma sessão tratempos. Incidentes contraditórios que estão reordinária para discutir a CPI (Comissão Parlamenlacionados com os tempos do atraso em que vivia o tar de Inquérito) da Petrobras, que visa a desgastar Brasil da República Velha, em que milhares de solo governo, da mesma forma que desrespeita uma dados marcharam atravessando cidades e propriesolenidade em homenagem a homens e mulheres dades rurais para conscientizar a população contra da mesma estirpe ideológica da presidenta da Reo governo de Artur Bernardes e a necessidade de pública. mudança no sistema político. Isso não impediu que a solenidade fosse marOs combates contra tropas do governo relegacada pela emoção e brilho desejados pelo senador ram a Coluna a um lugar secundário na historioInácio Arruda e a deputada Luciana Santos, ambos grafia oficial, assim como tantos outros movimenrequerentes do plenário mais importante de Brasítos rebeldes que passam por revisão histórica nas lia. Os Prestes estavam lá, assim como o diretor do últimas décadas. A chegada da Coluna em pequeDepartamento de Patrimônio Material e Fiscalizanas localidades já avisadas pela propaganda oficial ção do IPHAN, Andrey Rosenthal Schlee, a profesdas supostas barbaridades que eram cometidas pesora e historiadora, Marly Vianna e o vice-líder do los soldados, causava um misto de pânico e solidaPCdoB na Câmara, deputado João Ananias. riedade com os revolucionários. 94 Brasil Fotos: Cezar Xavier - Osvaldo Bertolino Cavalarianos de Santo Angelo emocionam família Prestes Memorial deve ser inaugurado no início de 2015 com exposição sobre 90 anos da Coluna Prefeito de Porto Alegre recebe Prestes com comitiva responsável pelas obras Além de Prestes, foram agraciados com os certificados Miguel Costa, comandante geral da Coluna, representado por seu neto Yuri Abyaza Costa, entregue pela deputada Luciana Santos e pelo deputado Chico Lopes (PCdoB-CE). O líder João Cabañas foi representado por sua neta Letícia Cabañas, cujo certificado foi entregue pela presidenta da União Nacional dos Estudantes – UNE, Virgínia Barros e pelo deputado Fernando Ferro (PT-PE) e o comandante de destacamento João Alberto Lins de Barros, representado pela neta Tatiana Lins de Barros. O único combatente vivo localizado, Ezidro Pires Nardes, não pode comparecer devido à idade avançada (104 anos), tendo sido representado por Cleiton Weizenmann, pesquisador que preserva a história da passagem da Coluna por Dionísio Cerqueira (SC). O discurso do Presidente Renan Calheiros, lido pela deputada Jô Moraes, começou dizendo que tratava-se de uma justa homenagem a um episódio marcante da história política de nosso país, que teve como principal causa a insatisfação de parte dos militares com a forma que o Brasil era governado na época: sem direitos democráticos, com graves fraudes eleitorais, grande concentração do poder político nas mãos da elite agrária, e exploração das camadas mais pobres da população. Calheiros registrou a honra de poder participar de um momento ímpar da democracia ao corrigir um erro do passado político do país. Ele lembrou que o chefe militar da Coluna foi eleito senador com a maior votação de sua época, tendo o mandato cassado em janeiro de 1948 pelo Congresso Nacional, depois que o PCB perdeu o registro em 1947. “Há precisamente um ano, tive a honra de presidir a sessão que reparou essa mácula de nossa história devolvendo o mandato de senador a Prestes. Na oportunidade, como presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, em nome do Parlamento de nosso país pedi desculpas à família de Luiz Carlos Prestes pela atrocidade patrocinada pelo estado contra um ilustre brasileiro, legitimamente escolhido pelo povo para representá-lo”, sublinhou Calheiros. A proponente da Sessão Solene, Luciana Santos, citou que a memória do povo é a alma da Nação, ao fazer referência à importância do Congresso Nacional ajudar no resgate de um dos momentos 95 131/2014 que representou um divisor de águas na história dorismo ainda existe na política atual. “A Coluna é brasileira. Para a deputada, uma boa forma de houm patrimônio histórico, cultural e social do povo menagear o “Cavaleiro da Esperança”, era lembrar brasileiro, que lutou contra a corrupção e a oligarda definição do poeta Pablo Neruda que disse que quia que atrasava o nosso país”, afirmou. “nenhum dirigente comunista da América Latina Maria Prestes agradeceu a homenagem feita peteve uma vida tão trágica e portentosa quanto Luiz lo Congresso e disse que, para além da biografia de Carlos Prestes”. sua vida, o livro é um resgate da O senador Inácio Arruda cihistória do povo brasileiro. Para Os encontros tou Caio Prado Júnior, que define ela, poucos conhecem a trajetória a Coluna como “um dos episódios do “maior comunista da história com autoridades máximos da história brasileira”. brasileira”. “O livro conta minha máximas dos Arruda enfatizou que o movimenvida ao lado do Luiz Carlos Presto “envolveu homens e mulheres tes, homem que até hoje tem o Legislativos e dos idealistas, abnegados, que abanseu nome temido”, pontuou ela, Executivos locais donaram o conforto de seus lares e revelando a importância que este suas famílias para se embrenharem sobrenome guarda para os setores não se restringiram no Brasil, ansiando por uma vida que temem o exemplo e a semena formalidades melhor para nossa gente”, já que a te deixada entre os movimentos Coluna aconteceu num momento sociais brasileiros que marcham cordiais, mas de crise econômica mundial, onde em busca de seus direitos. avançaram para o Brasil estava inserido como um país dependente. Da rejeição à propostas de Com a interrupção no Plenário monumentalidade marcos concretos Ulysses Guimarães, os participantes foram todos, então, para o SaSe, por onde passa, encontra de homenagem à lão Nobre, onde a informalidade setores minoritários resistentes Coluna e a Prestes do espaço favoreceu a comemoraao papel progressista da Coluna ção, que tornou-se mais comovene da luta comunista de Prestes, nas cidades onde te com as manifestações dos pana maior parte do tempo e do isso ainda não havia espaço geográfico ocupado pela rentes de combatentes da Coluna. O lançamento de Meu companheimarcha de 1924, a caravana enro – 40 anos ao lado de Luiz Carlos contra mais gestos de grandeza que mesquinharias. Os encontros com autoridades Prestes, foi uma proposta da Comissão de Cultura, máximas dos Legislativos e dos Executivos locais como mais uma edição dos Manifestos Culturais, não se restringiram a formalidades cordiais, mas trazendo também uma exposição sobre os 90 anos avançaram para propostas de marcos concretos de da Coluna Prestes, em parceria com a Fundação homenagem à Coluna e a Prestes nas cidades onde Maurício Grabois. A exposição relata em painéis isso ainda não havia. As celebrações dos 90 anos a biografia dos participantes da Coluna Prestes e prometem atravessar o ano, chegando às escolas exibe textos, fotografias, vídeos e poesias sobre o públicas e aos espaços políticos e culturais de muimovimento, tendo sido levada, também, para lotas cidades. calidades do Rio Grande do Sul, por onde a caraOs inúmeros Centros de Tradições Gaúchas vana passou. (CTG) que cobrem o Estado estão se articulando Para a presidenta da Comissão de Cultura, depara celebrar a Coluna como um marco cultural. putada Alice Portugal (PCdoB-BA), “é motivo de Estes espaços culturais reúnem tradicionalistas paorgulho e honra” receber os familiares de Luiz Carra perpetuar danças, ritmos e toadas típicas, veslos Prestes, Miguel Costa, João Alberto Lins de Bartuário, gastronomia e hábitos gauchescos. A emoros e João Cabanas. “O legado da Coluna é o legado ção tomou conta da caravana à chegada em Santo luminoso que estamos hoje vivenciando nas conÂngelo, quando um grupo de cavalarianos esperaquistas democráticas do povo brasileiro. A pauta da vam Maria e os filhos diante do monumento à CoColuna é uma pauta atual, pela educação pública de luna, instalado logo na entrada da cidade, doado qualidade, pelos direitos sociais e aprofundamento pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Contendo uma cada democracia e do sistema político”, destacou ela. valariana, em homenagem às vivandeiras que sePrestes Filho lembrou a luta do pai contra o conguiram a Coluna, a cavalgada prosseguiu pelas ruas servadorismo da época e disse que esse conserva- 96 Brasil da cidade até o Memorial à Coluna Prestes, um belo exemplar da arquitetura ferroviária, construído por Luiz Carlos Prestes, quando era capitão do Exército naquela região. O museu reúne doações da família, como roupas de Prestes, assim como documentos, além de conter uma sala em homenagem à comunista Olga Benário, primeira companheira dele. Outro momento em que foi difícil para os Prestes segurar a emoção foi na zona rural de São Miguel das Missões, região onde ruínas das missões jesuítas atestam o contexto de lutas e fortes lideranças políticas que sempre marcaram a região. Ali, existe um roteiro turístico conhecido como Caminhos Revolucionários, que acompanha as trajetórias de Sepé Tiaraju, Andresito Guacurari, Luiz Carlos Prestes e Che Guevara pela região, avançando por quatro dias até a Argentina. Antes de conhecer as ruínas da célebre catedral jesuíta, considerada Patrimônio Histórico e Cultural Mundial, a caravana participou de um almoço num assentamento do Movimento Sem-Terra. Em seu discurso, Maria embargou a voz ao lembrar a história camponesa sofrida, de lutas e perseguições que seu pai teve, enquanto falava a lideranças cam- Cezar Xavier - Osvaldo Bertolino Familiares de combatentes da Coluna no Salão Nobre da Câmara ponesas da região. A galinhada caipira servida foi um dos momentos memoráveis da viagem, seguida de uma visita à aldeia indígena que também se encontra próxima ao assentamento. São Luiz Gonzaga é um capítulo à parte, permeado de contradições. Enquanto autoridades disputam com Santo Ângelo a paternidade sobre a partida da Coluna, enciumados com a exploração turística que ocorre na cidade vizinha, vereadores conservadores envergonharam os setores mais avançados da cidade, ao negarem uma homenagem a Prestes na Câmara. Comenta-se de votantes que sequer conheciam a trajetória local de Prestes, confundindo-o com um “ladrão de cavalos”. São Luiz chama a atenção pela preocupação com a preservação de sua história. A cidade conta, não apenas com CTGs, mas também com um Instituto Histórico e Geográfico, como também um Museu Arqueológico, a Confraria Missioneira e a Casa do Poeta. Todos se uniram para homenagear Prestes com esculturas, poemas, récita de pajada e música regional. O mestre payador Orci Machado improvisou um emocionado lamento e pedido de desculpas pela indelicadeza dos vereadores, ao som das gaitas. 97 131/2014 Ainda na Galeria Histórica do Museu Arqueológico, foi recuperado e se desenvolve plenamente. Luiz os Prestes conheceram a escultura do Cavaleiro da Carlos Prestes Filho comoveu-se ao ver o esplendor Esperança, feita por Vinícius Ribeiro, que sonha da árvore plantada por ele. fazer uma versão monumental de Prestes sobre o A caravana encerrou-se em Porto Alegre, que cavalo para um dos trevos da cidade. em seus primeiros dias, já havia recebido os Prestes A comitiva foi recepcionada pelo prefeito Junaro como hóspedes oficiais, tanto pelo governador TarRambo Figueiredo, que anunciou so Genro (PT), quanto pelo preque durante os eventos programafeito José Fortunati (PDT). Tanto dos para outubro, alusivos aos 90 a Câmara Municipal, quanto a São Luiz Gonzaga anos da Coluna, a Prefeitura, junAssembleia Legislativa fizeram tamente com o Instituto Histórico, suas homenagens, entregando a é um capítulo à estarão divulgando oficialmente a Medalha do Mérito Farroupilha a parte, permeado concepção de um marco em homeLuiz Carlos Prestes, honra máxima nagem ao histórico levante em São concedida pelos gaúchos. Agora, de contradições. Luiz Gonzaga. ao final da caravana, era preciso Enquanto Ponto alto da visita à São Luiz, voltar à capital para a despedida. os Prestes foram gentilmente reRecém-chegados de Santa Maria, autoridades cebidos pelo comandante do 4º onde concluíram intensa agenda, disputam com Regimento de Cavalaria Blindado, os Prestes seguem direto para as o tenente-coronel Carlos Alberto obras do Memorial a Luiz Carlos Santo Ângelo a Klinguelfus Mendes. A visita ao Prestes. paternidade sobre a quartel esteve particularmente reMais uma vez são recebidos vestida de simbolismo, pois, em pelo prefeito Fortunati e por repartida da Coluna, 1984, Prestes visitou a cidade, já presentantes do Instituto Olga enciumados com a bastante idoso, e, comicamente, o Benário, responsável pelo museu. quartel foi colocado em prontidão Único prédio de Oscar Niemeyer exploração turística para o caso do comunista atacá-lo. Porto Alegre, o monumento que ocorre na cidade em Foi naquele quartel que Prestes já é um marco da cidade com as montou as bases da famosa Coluna. formas esculturais sinuosas, e o vizinha, vereadores Prestes foi promovido a Geneconcreto pintado de branco, além conservadores ral, no governo Collor, então Maria das soluções construtivas inventiPrestes foi recebida como viúva de vas do arquiteto comunista, que envergonharam um general do exército. O tenentetanto admirava Prestes. os setores mais coronel Mendes explicou que fez Não havia forma mais apoteóquestão de recolocar na entrada tica de encerrar a caravana, senão avançados da do quartel, a placa de inauguração vislumbrando uma marca monucidade, ao negar que Prestes adulterou, em 1924, mental do surgimento e da pasao tirar o nome do presidente Arsagem de Luiz Carlos Prestes enuma homenagem a tur Bernardes. Agora, ela deixa o tre os gaúchos. No olhar tímido e Prestes na Câmara acervo museológico do quartel para humilde de Maria Prestes, diante ficar em sua entrada, com a devida daquele prédio flutuante à beira explicação histórica. do rio Guaíba, era possível notar A tarde prosseguiu, mais uma a satisfação da jovem camponesa vez, ambígua em São Luiz, com a visita à Gruta de Altamira Sobral, com a trajetória que o sobrenome Nossa Senhora de Lourdes, construída pelas muPrestes vai ocupando na história nacional, resgatalheres da cidade, por ocasião do acampamento da do da perseguição, da tortura, da prisão solitária, da Coluna. Se a Santa garantisse uma passagem sem clandestinidade, do exílio, para se tornar símbolo derramamento de sangue, elas dedicariam-lhe de uma luta que começa a conquistar batalhas no aquele santuário. A gruta é toda confeccionada Brasil. com grandes cristais semipreciosos e árvores fossi* Cezar Xavier é editor-executivo do Portal Grabois e lizadas buscadas em regiões longínquas do Estado. seguiu a família Prestes durante toda a jornada relatada, Houve ainda uma visita à Praça da Matriz, onde em entre 20 de maio e 5 de junho de 2014, acompanhado pelo 1995 foi plantado um Ipê, em homenagem à Colupesquisador da Grabois, Osvaldo Bertolino na Prestes e, que, após sofrer uma grave agressão, 98 Brasil A Zona Franca de Manaus é do Brasil Vanessa Grazziotin* A Zona Franca de Manaus altamente sustentável com base no uso de tecnologias avançadas na exploração de seus recursos naturais é um modelo econômico voltado para todos os brasileiros e um poderoso instrumento de combate às desigualdades regionais para promovermos em grande escala 99 A 131/2014 o prorrogar por mais 50 anos os incentivos Para se ter uma ideia, o governo federal arrecafiscais da Zona Franca de Manaus (ZFM), dou no Amazonas no ano passado o montante de R$ o Congresso Nacional acena positivamen12,38 bilhões. Isso demonstra o quanto essa política te para duas questões fundamentais: a de desenvolvimento regional tem sido benéfica não continuidade de um modelo de desensó para a região, mas também para todo o país. Amavolvimento regional de sucesso e a prezonas está entre os oito estados da Federação que servação da floresta amazônica, que mais recolhe tributos do que recebe da União. abriga a maior biodiversidade do planeta. Em recente artigo, argumentei que os benefícios Sem a aprovação da emenda à Constituição, os tributários tiveram e têm como objetivo equilibrar incentivos da ZFM iriam até 2023, os custos relativos à mão de obra, ou seja, apenas mais nove anos de a infraestrutura e logística. Sem Segundo apontam vigência. Com o prazo até 2073, os eles, não há viabilidade para se atuais e novos projetos terão tempo produzir em plena floresta numa estudos da suficiente para se consolidar. distância superior a 2,5 mil quilôCoordenaçãoDesde que foi enviada pela presimetros dos grandes centros consudente Dilma ao Congresso, a emenmidores. Geral de Assuntos da tramitou por três anos na Câmara Além disso, os recursos arreEconômicos e – o que havia gerado um clima de incadados na ZFM, a maior parte certeza. No ano passado, por exemcontingenciada para pagamento Empresariais da plo, os projetos de investimentos da dívida da União, são fundaSuperintendência aprovados ficaram na soma de US$ mentais para se desenvolver pro3,5 bilhões, 44,4% a menos do que jetos de desenvolvimentos na área da Zona Franca de no ano anterior (US$ 6,3 bilhões). de abrangência da Zona Franca (a Manaus (Suframa), Como já havíamos superado a Amazônia Ocidental e a Área de barreira do preconceito contra o Livre Comércio de Macapá/Santade cada R$ 1,00 modelo – pois poucos eram os parlana, no Amapá) e dar apoio à Uniconcedido em mentares que ainda consideravam a versidade do Estado do Amazonas Zona Franca um paraíso da renún(UEA), que está instalada em toincentivos fiscais cia fiscal –, o debate ficou concendos os municípios amazonenses. no Amazonas, R$ trado nos interesses de outros estaNa área ambiental, segundo dos em prorrogar também as Áreas a revista Suframahoje (outubro de 1,37 são gerados em de Livre Comércio do Norte e a Lei 2013), dados do Serviço de Infortributos – o governo de Informática. mação de Pesquisa e DesenvolviDepois de intensas negociações, de Bruxelas (Cordis, na sifederal arrecadou do mento envolvendo principalmente a área gla em inglês), revelam que entre Amazonas no ano econômica do governo, conseguimos 2003 e 2009 houve uma redução aprovar a matéria – uma promessa de desmatamento no Amazonas passado R$ 12,38 de campanha da presidente Dilma de 73,94%, diante de um avanço bilhões Rousseff nas eleições de 2010. Ela de quase 100% do Produto Interno sempre enfatizou que os incentivos Bruto (PIB) estadual. fiscais são essenciais para garantir o Para o Cordis, os dados “indidesenvolvimento e preservar a nossa floresta. cam que a verdadeira função do Polo Industrial de E a presidente tem razão. Afinal, as 600 empresas Manaus (PIM) é a de um catalisador econômico que, instaladas na Zona Franca fecharam o ano passado de um lado, alivia a pressão sobre a floresta amacom um faturamento de R$ 83,28 bilhões, gerando zônica e, de outro, é capaz de canalizar recursos fimais de 125 mil empregos diretos e 485 mil indiretos. nanceiros para a educação e o desenvolvimento de Não à toa o Amazonas sozinho participa com Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) que, por sua mais da metade de toda a arrecadação federal de imvez, impulsionam o desenvolvimento de tecnologias postos da região Norte. Segundo apontam estudos e inovações de processos econômicos sustentáveis ao da Coordenação-Geral de Assuntos Econômicos e longo prazo”. Empresariais da Superintendência da Zona Franca O que foi constatado em Bruxelas acabou sende Manaus (Suframa), de cada R$ 1,00 concedido do ratificado pela própria presidente Dilma naquele em incentivos fiscais no Amazonas, R$ 1,37 são gepaís, em fevereiro deste ano, ao responder a uma inrados em tributos. vestida da União Europeia (UE) perante à Organiza- 100 Brasil ção Mundial do Comércio (OMC) contra os incentivos fiscais do modelo. Na ocasião, a presidente afirmou que a Zona Franca de Manaus contribui para evitar o desmatamento da floresta amazônica ao gerar emprego e renda para a população local. Dilma demonstrou “estranhamento pelo fato de a Europa, tão comprometida com questões ambientais, questionar um projeto de desenvolvimento limpo”. O saudoso professor e pesquisador da Amazônia Samuel Benchimol já dizia que qualquer projeto de desenvolvimento na região teria que “respeitar a mata, a água e a cultura dessa região imensamente abençoada”. A Amazônia, na visão dele, pode contribuir para o desenvolvimento humano, mas com respeito aos ensinamentos de um povo que explora a sustentabilidade dessa nação cabocla há séculos. Como bem destaca a pesquisadora Anna Walléria Guerra Alves, os mais de 100 trabalhos publicados por Benchimol são caminhos que levam à elaboração de estratégias e metas para a construção de uma sociedade mais digna e condizente com a proposta de superação do grande desafio do século XXI: a sustentabilidade humana. A visão da sustentabilidade amazônica, para Benchimol, condiz com a perspectivade inserção democrática dos amazônidas em políticas públicas articuladas em prol de um desenvolvimento economicamente viável, ecologicamente adequado, politicamente equilibrado e socialmente justo. Porque, desta forma, a Amazônia deixará de ser utopia ecológica e passará a ser uma realidade soberana. O projeto da Zona Franca de Manaus, na opinião dele, só cumpriria seus objetivos se levasse em conta essas premissas. Portanto, a questão do tempo é fundamental para consolidarmos esse poderoso instrumento de combate às desigualdades regionais e promovermos em grande escala uma Zona Franca altamente sustentável com base no uso de tecnologias avançadas na exploração de seus recursos naturais. Precisamos diversificar nossa economia, desenvolvendo áreas nas quais temos vocação, a exemplo do setor farmacêutico. Nada menos que 25% dos medicamentos comercializados no mundo têm no seu princípio ativo matéria-prima oriunda do bioma amazônico, assim como na área dos cosméticos. Possuímos também a maior bacia hidrográfica do planeta, no entanto, nossos ribeirinhos necessitam processar em grande escala o pescado e comercializá-lo, agregando valor. São apenas alguns exemplos da nossa imensa potencialidade que precisa ser trabalhada para que a nossa economia seja cada vez mais forte e nosso povo experimente melhor qualidade de vida. Enfim, a Zona Franca de Manaus é um modelo econômico voltado para todos os brasileiros. *Vanessa Grazziotin é senadora da República pelo PCdoB do Amazonas Suframa As 600 empresas instaladas na Zona Franca fecharam o ano passado com um faturamento de R$ 83,28 bilhões, gerando mais de 125 mil empregos diretos e 485 mil indiretos 101 131/2014 Trinta anos da União da Juventude Socialista Osvaldo Bertolino* Arquivo UJS Lançamento da UJS: luta anti-imperialista Ao completar 30 anos de atividades ininterruptas, a União da Juventude Socialista (UJS) reafirma os princípios e a estratégia definidos no seu Manifesto de lançamento. O 17º Congresso da entidade, realizado recentemente em Brasília, foi mais um passo no caminho da consolidação de um processo de organização e conscientização progressista da juventude inédito no Brasil N o dia 22 de setembro de 1984, mais de 600 jovens participaram do ato de lançamento da União da Juventude Socialista, no Salão Nobre da Assembleia Legislativa de São Paulo. Segundo Renato Rabelo, presidente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a UJS era “uma espécie de exigência” que os comunistas tinham desde a Anistia, 102 de 1979. “A ideia de organizar as mulheres e a juventude era muito presente nas formulações de João Amazonas, o principal dirigente do PCdoB”, diz ele. Depois de uma série de consultas, chegou-se a uma definição sobre como seria a organização — a melhor forma era dar a qualificação de “socialista” em vez de “comunista”, como era tradição. Segundo Renato Rabelo, a palavra “comunismo” estava Brasil festação pela soberania nacional no centro de Vitória, denunciando a ação do Fundo Monetário Internacional (FMI) no Brasil e se solidarizando com a juventude mundial que lutava contra o imperialismo e por liberdade. No segundo dia, houve uma plenária sobre a juventude e a Constituinte, um debate que contribuiu para a elaboração da plataforma da UJS com reivindicações próprias, que seria encaminhada ao governo federal e apresentada para o debate sobre a futura Constituição. A Coordenação eleita no Congresso, encabeçada pelo ex-presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Apolinário Rebelo — irmão de Aldo —, deveria prosseguir o trabalho de organização da juventude em escolas, bairros e cidades do interior, mobilizando as massas juvenis na luta por seus direitos e na campanha da Assembleia Nacional Constituinte. A “Campanha Nacional pelo Direito de Voto aos Dezesseis Anos de Idade” foi aprovada na Terceira Assembleia Geral Ordinária da UJS, realizada no auditório da Universidade Federal de Sergipe, na cidade de Aracaju, em 13 de fevereiro de 1987. Todos os estados e territórios estavam representados. Seis dias depois, em 19 de fevereiro de 1987, instalou-se o 3º Congresso da UJS na capital sergipana, que reelegeu Apolinário Rebelo para a Coordenação Geral. A força da UJS naqueles primeiros anos de sua existência foi demonstrada na Assembleia Nacional Constituinte quando um grupo de jovens socialistas se instalou no Congresso Nacional e obteve uma vitória extraordinária: a aprovação do voto aos 16 anos de idade. Aprovada com 355 votos a favor e 98 contra, a decisão incorporou 5,7 milhões de jovens ao eleitorado, de acordo com cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o que representava mais do que os eleitores do presidente Jânio Quadros — eleito em 1960 com 5.636.623 votos. Os presidentes Eurico Gaspar Dutra (1945), Getúlio Vargas (1950) e Juscelino Kubitscheck (1955) conseguiram apenas 3.251.507, 3.849.040 e 3.077.411 votos, respectivamente. Arquivo UJS poluída pela luta ideológica da classe dominante. Socialismo era mais adaptável, mais compreensível. “O socialismo era mais compreensível e não tinha essa carga toda, esse preconceito dos setores conservadores. Era uma forma de abarcar mais e ter maior influência na juventude”, afirma. A tarefa prioritária da Coordenação eleita, liderada por Aldo Rebelo, seria preparar o 1º Congresso da UJS. No dia 6 de fevereiro de 1985, mais de 900 jovens estiveram no Ginásio do Tarumã, em Curitiba (PR), para a abertura do evento, que iria até o dia 10. O Congresso lançou as bases para a consolidação da entidade em âmbito nacional e sua transformação em uma grande organização de massas a serviço da luta pela democracia e o socialismo. O passo seguinte seria a estruturação da UJS nos estados e municípios. Quando a UJS lançou a campanha com a reivindicação para que os jovens pudessem votar a partir dos 16 anos de idade, ela já era uma organização com raízes fundas em todas as regiões do país. Aldo Rebelo disse que mesmo antes do lançamento a reivindicação já ganhava repercussão e despertava o interesse dos movimentos progressistas da juventude. O deputado federal Renan Calheiros (PMDB-AL), membro do Conselho Nacional da UJS, elaborou, a pedido da entidade, uma emenda que modificava o artigo 174 da Constituição, que limitava o direito de voto aos maiores de 18 anos. Quando o ano de 1986 começou, toda a estrutura da UJS foi mobilizada para o seu 2º Congresso Nacional, marcado para os dias 31 de janeiro, 1º e 2 de fevereiro no Campus da Universidade Federal do Espírito Santo, em Vitória. A entidade fez um balanço do período transcorrido desde o 1º Congresso e concluiu que sua ação política e organizativa cumprira o planejado. A UJS estava instalada em todos os estados, possuindo catorze coordenações estaduais e núcleos formados, ou em formação, até no território do Amapá. O 2º Congresso, a entidade reuniu mais de mil e trezentos delegados e observadores de todo o país. No dia da abertura, os jovens socialistas fizeram mani- 103 131/2014 No 4º Congresso da UJS, realizado em janeiro ção das estruturas retrógradas, podendo no máximo de 1988 na cidade de Petrópolis, Rovilson Brito foi fazer algumas mudanças superficiais e secundárias, eleito o novo Coordenador Geral. O evento contou o que não alteraria o rumo de aprofundamento da com representações de entidades juvenis do Canadá, crise no país. de Portugal, Inglaterra, Nicarágua, da Organização Com pouco mais de um ano, o governo Colpela Libertação da Palestina (OLP); de representanlor levou o país para uma situação de calamidade. tes dos partidos PMDB, PCdoB, PT, PCB e PSB; de A União Nacional dos Estudantes (UNE) lançou a representantes dos governos dos estados da Bahia palavra de ordem Fora,Collor!, que logo cresceu e se e do Rio de Janeiro; do prefeito de Petrópolis, Paulo espalhou pelo país. A Comissão Parlamentar de InRattes; de representantes da UBES, quérito (CPI) que apurava as deda Central Geral dos Trabalhadores núncias de corrupção apresentava O movimento (CGT) e da Central Única dos Trabauma prova atrás da outra, as gilhadores (CUT); e de várias associagantescas manifestações se multiFora, Collor! foi ções de moradores. plicavam e no dia 29 de setembro importante para a O Programa da UJS para as eleide 1992 a Câmara dos Deputados ções presidenciais de 1989 – uma aprovou a abertura do processo de confirmação das “contribuição para o Programa de impeachment de Collor. Já fora do posições da UJS juventude da Frente Brasil Popucargo, ele renunciou ao mandato lar” do candidato Luiz Inácio Lula em 29 de dezembro, logo após a no movimento da Silva – era extenso. Falava de abertura da sessão de julgamento estudantil. Foi uma economia, soberania, ecologia, edudo processo de impeachment no Secação, trabalho, saúde, esporte, lanado. O Fora, Collor! estava consuação de elevado zer, drogas e outros bichos. “Já faz mado. teor político, que muito tempo que nós, jovens, estaO movimento Fora, Collor! foi mos lutando para mudar a situação importante para a confirmação propunha nada do nosso país. Sucederam-se à frendas posições da UJS no movimenmais, nada menos te do governo muitos presidentes, to estudantil. Foi uma ação de eleinclusive os militares, repetindo vado teor político, que propunha do que a destituição sempre essa política contra o povo. nada mais, nada menos do que a do presidente da Nosso país se desenvolveu, cresceu destituição do presidente da Repúsua industrialização, urbanizou-se, blica. Tanto que mobilizou milhões República ampliou os meios de comunicação, de jovens. mecanizou em parte considerável Apesar da agenda agitada, a sua agricultura, mas todo esse ‘desenvolvimento’ foi UJS entrou em período de paralisia, conforme repromovido de forma dependente, o que fez com que gistra uma Nota da Executiva Nacional eleita no 6º os únicos beneficiários dele fossem as multinacioCongresso, realizado entre os dias 16 e 19 de julho nais, os grandes fazendeiros e os magnatas naciode 1992, na cidade de Vitória, estado do Espírito nais”, dizia o documento. Santo. Manoel Rangel foi eleito o novo Coordenador Em janeiro de 1990, a UJS realizou o seu 5º ConGeral. Segundo o texto, o Congresso retomou o degresso, na cidade de Curitiba, Paraná. Segundo as bate interno e a mobilização da militância. “A verdaTeses que serviriam de base para os debates, a entide é que necessitávamos de participação em debates dade estava fazendo um grande esforço para apromaiores”, afirma o documento.Manoel Rangel não fundar a discussão de temas de interesse da juvenconcluiu o mandato e em seu lugar assumiu Leila tude, com vistas a alcançar uma melhor elaboração Márcia – segundo ela, para cumprir um “mandato das suas propostas. O país encerrara a “década da tampão”. falência”, na qual a crise estrutural do país se agraA UJS chegava ao 7º Congresso, realizado em vara acentuadamente, e parcelas consideráveis da abril de 1994 na cidade de Salvador, ainda amarganpopulação deixaram a área de influência do governo do os problemas apontados no Congresso anterior. do presidente José Sarney para engrossar as fileiras A eleição do novo Coordenador Geral de certa forma dos que lutavam por mudanças mais profundas na refletiu as contradições que se formaram naquele sociedade. período de crítica e autocrítica da UJS. Segundo LeiO governo do presidente Fernando Collor de Mella Márcia, dois nomes foram a debate na Comissão lo, que assumiria em março de 1990, afirmou o texto, Nacional de Juventude do PCdoB: José Carlos Matinha um claro comprometimento com a manutendureira, do Rio de Janeiro, e Jorge Panzera, do Pará. 104 Brasil Arquivo UJS O Congresso elegeu uma nova Direção Nacional, composta por Lindbergh Farias, presidente; Ricardo Alemão Abreu, primeiro vice-presidente; Waldemar Manoel de Souza, segundo vice-presidente; Jorge Panzera, secretário-geral; Marcelo Ramos Rodrigues, tesoureiro; Rovilson Brito, diretor de Comunicação; Manoel Rangel, diretor de Formação. Pouco mais de um ano, Lindbergh Farias, que havia sido eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro, trocou o PCdoB pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), de linhagem trotskista. Em Nota de 29 de setembro de 1997, intitulada Triste fim de Lindbergh Farias, a direção Executiva Nacional da UJS comunicava a sua expulsão. Alemão assumiu o cargo de presidente. No processo de relançamento da UJS, apesar do debate intenso, às vezes áspero, não houve um estado de conflagração. Mas o clima de apaziguamento só começou a assentar mesmo na gestão presidencial de Orlando Silva Júnior, eleito no 9º Congresso, realizado no período de 18 a 21 de abril de 1998, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), na capital paulista, sob o lema Socialismo com a nossa cara. A conjuntura de grandes dificuldades para o povo, castigado sobretudo pelo desemprego, atingia duramente a juventude, um dos temas dominantes nos debates do 9º Congresso da UJS realizado em abril de 1998. A UJS fez também um movimento de aproximação dos trabalhadores ao organizar, em conjunto com a Corrente Sindical Classista (CSC), o “I Encontro de Jovens Trabalhadores Socialistas”, nos dias 30 e 31 de janeiro de 1999, na cidade de Belo Horizonte (MG). No seu 10º Congresso, realizado entre os dias 18 e 21 de maio de 2000, a UJS comemorou quinze anos de vida. O debute foi realizado em Ouro Preto, cidade histórica do estado de Minas Gerais, considerada patrimônio da humanidade pela Unesco, no ano em que o Brasil celebrou seus quinhentos anos de “descobrimento” pelos europeus. Como o país passava por um dos momentos mais difíceis de sua história, a Direção Nacional da UJS aprovou como sede a cidade mineira por seu passado de tradição de luta pela independência nacional, principalmente com a luta da Inconfidência Mineira, quando um grupo de Fora Collor!, no Rio de Janeiro Panzera, que seria eleito, diz que um dos méritos do Congresso foi ter detectado problemas no trabalho da juventude do PCdoB, que precisava de uma nova caminhada. “E aos poucos fomos construindo essa ideia política, uma identidade, uma força maior. Acho que isso foi gerado nesse processo, uma convicção maior, uma ideia que também teve conflitos. Era preciso ter uma identidade para o trabalho de juventude, ter uma ação mais forte”, comenta. Em 1996, a UJS – com pouco mais de onze anos de existência – passava por uma crise de identidade. O diagnóstico da Comissão Nacional de Juventude do PCdoB indicava que para cumprir aquele objetivo seria necessário promover o 8º Congresso de maneira diferente dos anteriores. Segundo a Comissão, o relançamento da UJS seria um processo que deveria ser encarado com muita ousadia e paciência. Seriam necessários vários meses, mesmo após o 8° Congresso, para que todo o Partido assimilasse e aplicasse o projeto daquela nova fase. O Congresso foi aberto em 12 de julho de 1996 com um ato político na Casa de Portugal, na cidade de São Paulo, e contou com a presença de João Amazonas, presidente nacional do PCdoB; Paes de Andrade, presidente Nacional do PMDB; Vicente Paulo da Silva, presidente da CUT; Luiza Erundina, ex-prefeita de São Paulo; Eduardo Suplicy, senador do PT-SP; Musa Odeh, embaixador da Palestina no Brasil; Orlando Silva Júnior, presidente da UNE; Kerison Lopes, presidente da UBES; Aldo Rebelo, deputado federal do PCdoB-SP; além de outras personalidades políticas. 105 131/2014 brasileiros liderados por Tiradentes se insurgiu conA participação das mulheres subiu de 22,5% para tra o domínio português. a conquista histórica de 30%. Houve ainda ampliaOrlando Silva foi reeleito presidente, mas seria ção da participação de artistas — em especial ligados substituído por Wadson Ribeiro em uma plenária ao hip hop —, de militantes das frentes de gênero, nacional em agosto de 2001. Para a UJS, as eleições de solidariedade internacional, da ciência, dos trade 2002 seriam um acontecimento que poderia trabalhadores das políticas públicas para a juventude. zer esperanças de tempos melhores para a grande O Congresso também soube conjugar as atividades maioria do povo, em especial à juventude. Ano em políticas com ações juvenis. Se o 11º Congresso teve a que Lula foi lançado candidato de uma frente de marca da cultura nordestina, aquele foi marcado pela centro-esquerda. história de trinta anos da Guerrilha Segundo uma Nota da UJS, a do Araguaia e pelos vinte da UJS. candidatura oposicionista ganha“Um novo Araguaia a cada instanO 12º Congresso da ra força e o modelo neoliberal do te da luta da UJS nos dias atuais” UJS foi marcado governo do presidente Fernando foi a frase difundida. Para além Henrique Cardoso (FHC) acumulado Araguaia, as homenagens reapela história de ra desgastes e rejeição. A previsão lizadas pela UJS, com a “Medalha trinta anos da era de que um milhão e duzentos Castro Alves” aos ex-coordenadoGuerrilha do mil novos jovens eleitores votariam. res gerais e ex-presidentes e outras “A primeira fase da nossa campapersonalidades, engrandeceram a Araguaia e pelos nha ‘Conquiste esse título para o comemoração daquela data histórivinte da UJS. “Um Brasil’ conseguiu cadastrar mais ca da entidade. de seis mil jovens e através da nosTambém foram homenageados novo Araguaia a sa propaganda outros milhares foos ministros Aldo Rebelo (Coorcada instante da ram atingidos”, registrou a Nota. denação Política) e Celso Amorim luta da UJS nos dias (Relações Exteriores); o secretárioO esforço da campanha deveria se estender às comunidades hip-hop, -executivo do Itamaraty, embaixaatuais” foi a frase grupos de rap, torcidas organizadas, dor Samuel Pinheiro Guimarães; difundida galeras de funk, grupos de capoeira, os presidentes nacionais do PCdoB flippers, skatistas, associações cule do PT, Renato Rabelo e José Geturais, dentre outros. noíno; o reitor da UnB, professor A UJS acabara de sair do seu 11º Congresso, reaLauro Morhy; o deputado federal Jamil Murad; o lizado na cidade de Aracaju (SE) entre os dias 30 de presidente da Federação Mundial da Juventude Demaio e 2 de junho de 2002, cujo tema central foi o mocrática (FMJD), o português Miguel Madeira; o desenvolvimento e a atualização da sua orientação cineasta Ronaldo Duque; e o ex-guerrilheiro Zezinho política para a construção de uma entidade ampla, do Araguaia. com perfil ideológico bem definido e enraizada nas No começo de 2005, a direita, capitaneada pela massas. No combate ao individualismo neoliberal mídia, desencadeou uma virulenta campanha contra e às correntes esquerdistas e utopistas florescentes, o governo, cujo pretexto fora uma frágil denúncia cumpria reafirmar o socialismo científico como ideode compra de votos no Congresso Nacional, que galogia-guia da entidade. Uma das recomendações fonhou o epíteto de “mensalão”. A defesa do governo ra o resgate da elaboração marxista sobre juventude, Lula era a prioridade da agenda da UJS naquele iní“com centro no texto crucial de Lênin As tarefas das cio de gestão. uniões de juventude, que há pouco completou oitenta Quando a UJS convocou o seu 13º Congresso para anos”. o período de 15 a 18 de junho de 2006, na UniversidaO 12º Congresso da UJS, que seria realizado de 10 de de Brasília, a campanha pela reeleição do presidena 13 de junho de 2004 na Universidade de Brasília te Lula já estava nas ruas. “A UJS tem parcela impor(UnB), deveria aclarar a conjuntura que começava tante de responsabilidade na pauta do povo brasileiro a se formar com a eleição de Lula para a Presidência por um Brasil soberano, desenvolvido e socialmente da República. O Congresso elegeu 51membros para a justo. O nosso Congresso é mais um palco dessa luta Direção Nacional, uma ampliação de 20%, como resgloriosa. Momento de novas ideias, sugestões, debaposta ao crescimento das frentes de atuação da UJS tes, inquietudes, características de uma força viva coaos novos desafios impostos por aquele novo tempo. mo a nossa”, dizia a convocatória do Congresso. A renovação chegou a 37%, superando os 31% do Marcelo Brito da Silva, conhecido como Gavião, Congresso anterior. foi eleito presidente. “A nova direção eleita hoje tem 106 a obrigação de dar continuidade à trajetória que a UJS vem cumprindo”, disse. “Wadson Ribeiro foi um excelente presidente e esteve à frente de nossa organização por cinco anos”, enfatizou, lembrando que na sua gestão a UJS saiu de quinze mil para setenta mil filiados. “Não é pouca coisa, levando em conta as dimensões continentais do Brasil e as características políticas de nossa sociedade”, registrou. Gavião explicou que o principal desafio da UJS seria trabalhar pela reeleição de Lula. Para a UJS, a batalha eleitoral de 2006 seguia um roteiro de importantes disputas no continente, que poderia dar feições políticas mais nítidas à resistência implementada contra o imperialismo norte-americano. Quando chegou ao seu 14º Congresso, que seria realizado no Parque da Juventude e no Clube Tietê, na cidade de São Paulo, entre 29 de maio e 1º de junho de 2008, com o lema Se o presente é de luta, o futuro nos pertence, a UJS já era uma das mais respeitadas entidades políticas do país. As Teses do Congresso defendiam que a fase do relançamento da UJS terminara e que a organização vivia um novo momento — formulação que traduzia a necessidade de um novo impulso para encarar novos desafios. Quando o 15º Congresso foi convocado — o evento, com o lema Para ser muito mais Brasil, seria realizado entre 17 e 20 de junho de 2010, na cidade de Salvador —, as Teses apresentaram um pormenorizado diagnóstico daquele ciclo iniciado com Lula presidente. O brasileiro havia deixado para trás a época do “complexo de vira-latas”, quando acreditava ter uma vocação quase mística para a derrota, segundo o documento. “Também já guardamos nas gavetas da história a fase do ‘gigante adormecido’ e já não nos contentamos em ser o eterno ‘país do futuro’. O desafio da nossa geração é aproveitar a oportunidade para construir o Brasil como grande nação hoje, no presente”, analisou. Na fase de preparação do 15º Congresso da UJS, Dilma Rousseff já era pré-candidata à Presidência da República. André Tokarski foi eleito o novo presidente da entidade. Para ele, a UJS saiu do Congresso mais conectada com a juventude, pois reuniu ao mesmo tempo diversidade e unidade. André Tokarski foi reeleito presidente da UJS no 16º Congresso, realizado entre os dias 7 e 10 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. A juventude brasileira vivia um momento de grande otimismo, segundo ele. “Em 2011 alcançamos a marca de um milhão de prounistas, a descoberta do pré-sal Capa do livro, recém-lançado, que retrata os 30 anos da UJS e a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas poderiam se transformar em uma grande oportunidade para o Brasil crescer e superar desigualdades sociais históricas”, comenta. Para ele, os trintas anos da UJS revelam que a juventude brasileira conseguiu, nesse período, ser protagonista do seu tempo de maneira marcante. “Carregar essa marca é carregar um desafio enorme: ter, ao mesmo tempo, que manter o caráter estratégico, revolucionário, socialista, e influenciar, cada vez mais, um contingente maior de jovens”, diz ele. Segundo André, a UJS tem conseguido se reposicionar no processo político brasileiro porque, ao mesmo tempo em que tem um caráter permanente, é capaz de se renovar, de se reinventar. O 17º Congresso enfrentou o desafio de mobilizar, no processo de debate das opiniões da UJS, quinhentos mil jovens. “Era o desafio de continuar a ser uma organização importante na luta política da juventude. Então, esse processo dos trinta anos traz também muita responsabilidade e uma expectativa de uma organização que é, talvez, a principal escola de formação política da juventude brasileira”. Renan Alencar foi eleito o novo presidente da entidade. *Osvaldo Bertolino é editor do Portal Grabois e autor do livro Amar e mudar as coisas: 30 anos da União da Juventude Socialista 107 www.revistaprincipios.com.br Princípios é uma publicação bimestral da Editora e Livraria Anita Ltda. CNPJ: 96.337.019/0001-05 Registrada no ISSN sob o nº 1415788-8 Fundador: João Amazonas (1912–2002) Editor: Adalberto Monteiro Editor executivo: Cláudio Gonzalez (MTb 28961/SP) Comissão Editorial: Adalberto Monteiro, Aloísio Sérgio Barroso, Augusto César Buonicore, Cláudio Gonzalez, Fábio Palácio de Azevedo, José Carlos Ruy, Osvaldo Bertolino e Pedro de Oliveira. Assine Princípios, uma revista que pensa a realidade brasileira CUPOM DE ASSINATURA - REVISTA PRINCÍPIOS Conselho Editorial: Adalberto Monteiro, Aldo Arantes, Aldo Rebelo, Altamiro Borges, Ana Maria Rocha, Bernardo Joffily, Carlos Pompe, Carolina Maria Ruy, Carolus Wimmer, Elias Jabbour, Haroldo Lima, Jô Morais, José Carlos Ruy, José Reinaldo Carvalho, Domenico Losurdo, Luis Fernandes, Luiz Manfredini, Madalena Guasco, Nereide Saviani, Nguyen Viet Thao, Olival Freire Jr., Olívia Rangel, Pedro de Oliveira, Raul Carrion, Sílvio Costa, Umberto Martins e Walter Sorrentino Secretária de redação: Ana Paula Bueno correio eletrônico: [email protected] Nome completo: ___________________________________________________ Jornalista responsável: Pedro de Oliveira (MTb 9813/30/69/SP) _____________________________ Data nascto.: ______ / ______ / ______ Capas: Cláudio Gonzalez CPF: ___________________________ RG:___________________________ Diagramação: Laércio D’ Angelo Ribeiro Endereço: _______________________________________________________ Bairro: _____________________________ Cidade: _____________________ UF: _____CEP: ___________-_____ Telefone: ( ____) ___________________ Profissão: ______________ E-mail: __________________________________ ( ) Assinatura anual (6 edições) – R$ 70,00* ) Assinatura bianual (12 edições) – R$ 120,00** ) Assinatura trianual (18 edições) – R$ 170,00** ( ( *pagamento à vista ** duas vezes no cartão de crédito Revisão: Maria Lucília Ruy Colaboraram nesta edição: Osvaldo Bertolino, Cezar Xavier e Ronaldo Carmona Diretora comercial: Zandra de Fátima Baptista Diretor: Divo Guisoni CONTATOS PARA ASSINATURA: Editora Anita Garibaldi Rua Amaral Gurgel, 447 - 3º andar - Cj. 31 - Vila Buarque CEP 01221-001 São Paulo - SP Tel./Fax: (11) 3129 5026 - 3129 3438 www.anitagaribaldi.com.br Formas de pagamento: ( ) Depósito em C/C - Banco Itaú, Agência 0251, Conta nº 48.678-3 (enviar cópia ( ) Cartão de crédito: [ do comprovante) ] MASTERCARD, [ ] DINERS ou [ ] VISA. 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