Armazenamento Subterrâneo de Gás Natural em

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Armazenamento Subterrâneo de Gás Natural em
V JORNADAS APG: Geologia para a Sociedade: Desafios do Futuro
V Jornadas APG -“Geologia para a Sociedade:
Desafios do Futuro”, LNEG, Lisboa.
Painel: Matérias-Primas e Energia
11 de dezembro de 2015
Armazenamento Subterrâneo de Gás Natural
em Sal-Gema
Vitor Guerreiro1
Director da REN, Investimento e Exploração
1
Resumo:
O armazenamento subterrâneo de gás natural em cavidades salinas no Carriço, concelho de Pombal,
é o primeiro projeto deste género a ser realizado na Península Ibérica. Localiza-se numa zona pouco
povoada, em pleno pinhal de Leiria, a cerca de seis quilómetros da costa atlântica portuguesa e na
extremidade de um gasoduto de alta pressão.
O Carriço foi selecionado como o local com maior potencial de desenvolvimento dum projeto desta
natureza, após terem sido efetuados estudos comparativos que tiveram em conta aspetos geológicos,
técnicos, sócio-económicos e ambientais. Para confirmar a viabilidade da construção de cavidades neste
local realizou-se uma campanha de prospeção sísmica e uma sondagem de exploração com cerca de
1.500 metros de profundidade. A avaliação geológica foi complementada com elementos já existentes
de sondagens, prospeção gravimétrica e antigas campanhas de prospeção sísmica regional para pesquisa
de petróleo e gás. Os resultados positivos permitiram identificar o Carriço como o local mais adequado
para o armazenamento subterrâneo de gás natural, tendo-se dado início à construção no ano 2000.
As cavernas de armazenamento de gás natural do Carriço estão localizadas no diápiro de Monte Real,
uma estrutura geológica com cerca de 27 km de comprimento, uma largura de 6 km e cerca de 2 km na
sua espessura máxima. Esta estrutura salina, que deve o seu nome à vila de Monte Real, está localizada
perto de outras estruturas diapíricas que se desenvolvem entre Figueira da Foz, Pombal, Leiria e Peniche,
com continuidade na plataforma continental, afastando-se mais de 40 km do continente (ver fig. 1).
Todas estas estruturas se localizam na Bacia Lusitana, na qual se depositou, desde o Triásico, uma
espessa sequência sedimentar que ultrapassa os 5.000 metros de espessura, assente numa crosta
continental constituida por rochas paleozóicas e pré-câmbricas (soco hercínico).
No decurso da sua evolução, a bacia Lusitana sofreu uma compartimentação em sub-bacias, sendo
a Bacia de Monte Real uma delas, e cuja individualização se acentua durante o Cenomaniano até ao
Turoniano, devido ao abatimento do bloco a norte da falha da Nazaré (Teixeira, C. e Gonçalves, F.,
1980).
A génese da Bacia Lusitana começa a esboçar-se no Triásico através de uma fase de “rifting” precoce
caracterizada pelo jogo da fraturação tardi-hercínica do soco associada à abertura do Atlântico. As
forças tectónicas, principalmente distensivas, influenciaram bastante esta região que, na altura da
separação continental, se encontrava próximo do eixo de abertura do Atlântico Norte. Os grabens que
se formaram devido a esses movimentos distensivos foram inicialmente preenchidos com sedimentos
arenosos vermelhos (Grés de Silves) resultantes da erosão dos maciços emersos da Meseta Ibérica.
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Figura 1 – Estruturas diapíricas na Bacia Lusitana entre Figueira da Foz e Peniche.
A subsidência em larga escala desta zona associada ao clima quente e à circulação limitada em
ambientes lagunares, com pequenas profundidades da água, foram fatores que contribuiram para uma
depositação alternada de salgema, dolomite, gesso e argila. Durante milhões de anos estes sedimentos
foram-se afundando, deixando espaço à deposição de novos sedimentos. Na zona do Carriço o diápiro
é constituido por espessas camadas de salgema, intercaladas com outras camadas de materiais insolúveis
como argilite, anidrite e dolomite. Estas litologias fazem parte da formação Margas de Dagorda,
correspondendo a material evaporitico e sedimentar depositado há cerca de 195 a 200 milhões de anos,
isto é, na transição do Triásico Superior para o Jurássico Inferior (Reciano-Hetangiano).
Após outras fases mais ativas de “rifting” durante o Jurássico e Cretácico, associadas a sedimentação
marinha carbonatada, a bacia Lusitana deixa de funcionar no Cretácico superior e integra-se
definitivamente na margem continental. Toda a bacia sofre os efeitos da compressão pirenáica e,
sobretudo, da compressão bética durante todo o Terciário (Paleogénico e Neogénico). É no Miocénico
que tem lugar a principal fase compressiva e de diapirismo com dobramento e espessamento vertical
do sal-gema. A migração do sal-gema para níveis superiores, fruto da sua elevada plasticidade e baixa
densidade (diapirismo), que se inicia no Jurássico, associada às regressões marinhas do final do Dogger
e do Malm e à tectónica compressiva cenozóica, originaram a exposição dos topos das estruturas
anticlinais, ocorrendo, por vezes, erosão generalizada até aos núcleos hetangianos das formações
salíferas. Na zona do Carriço, as camadas jurássicas foram dobradas, fraturadas e erodidas pela ascensão
do diápiro, colocando-o em contacto com águas subterrâneas, provocando a dissolução e a lavagem do
salgema. No seu lugar ficaram apenas os materiais insolúveis, constituídos por anidrite, gesso, argilite
e dolomite, constituindo uma rocha de cobertura das formações salinas designada na indústria dos
petróleos por cap rock e que se desenvolve entre os 200 e os 450 metros de profundidade. Esta “rocha
de cobertura”, encontra-se, por sua vez, coberta por sedimentos com cerca de 200 metros de espessura,
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constituidos por areias de caráter detrítico, não litificadas, do Plio-Plistocénico (formação Moreia),
que vieram preencher um vale tifónico anteriormente formado.
É neste ambiente geológico que se realizaram seis furos de sondagem até cerca dos 1400-1500
metros de profundidade, os quais foram adaptados para a construção e exploração das seis cavidades de
armazenamento de Gás Natural atualmente em operação no Carriço. No interior do maciço salino, a
geologia é dominada pelo salgema, correspondente a cerca de 90% da espessura total de camadas. Os
restantes 10 % correspondem a rochas insolúveis (anidrite, argilite e dolomite).
Assim, todo o maciço é passivel de ser dissolvido através da injeção de água doce, sendo que os materiais
insolúveis, por estarem rodeados por salgema, acabam por se destacar e cair no fundo das cavidades, não
constituindo, assim, um grande obstáculo à sua construção, criando-se um espaço subterrâneo fechado
e estanque que pode ser utilizado para o armazenamento de diversos produtos e que, no Carriço, está a
ser utilizado para o armazenamento de reservas comerciais e estratégicas de gás natural.
Figura 2 – Imagem artistica com corte e vista de 4 cavidades.
As instalações de armazenamento do Carriço são constituidas atualmente por seis cavernas localizadas
a profundidades entre os 900 e os 1.500 m (ver fig. 2). O volume geométrico total das cavernas é de
3,2 milhões de m³, correspondendo a um volume médio por caverna de cerca de 535.000 m3. Estas
seis cavidades permitem o armazenamento subterrâneo de 333 milhões de Nm3 de gás útil, o que
corresponde a uma média de aproximadamente 56 milhões de Nm3 de gás natural por caverna. O
diápiro do Carriço possui reservas suficientes para o desenvolvimento de cavidades adicionais.

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