ENTREVISTA SAAM MOMEN – UEFA

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ENTREVISTA SAAM MOMEN – UEFA
ENTREVISTA SAAM MOMEN – UEFA
Saam Momen é brasileiro, Mestre em Administração Esportiva (2004) pela International
Academy of Sports Science and Technology (AiSTS) localizada em Lausanne, na Suíça.
Em março de 2005, logo após terminar o mestrado, iniciou sua carreira esportiva no
departamento de Administração de Competições da UEFA, onde permaneceu por 4 anos
como responsável pela parte administrativa das competições de clube. Recentemente,
Saam foi convidado a assumir a posição de Gerente de Futebol e Regulamento no
departamento de Competições de Clubes da UEFA onde, entre outras atribuições, é
responsável pelo regulamento e pelos parâmetros esportivos (calendário, sorteio, lista de
acesso, coeficientes, etc) das competições de clubes da UEFA, como as prestigiosas UEFA
Champions League e UEFA Europa League.
Nesta entrevista Saam nos mostra as razões que levam a UEFA e ser um modelo a ser seguido em termos de
organização esportiva e algumas peculiaridades sobre as competições de clubes da entidade:
1. Qual é a sua função na UEFA?
Atualmente atuo como Gerente de Futebol e Regulamentos da UEFA. Basicamente eu devo analisar as sugestões
de alterações nos regulamentos feitas pelos clubes e apresentar ao Comitê de Competições de Clubes. O Comitê é
responsável por sancionar e autorizar a implementação destas alterações ou rejeitá-las. Nossa última reunião
aconteceu em Mônaco, por ocasião da partida entre Barcelona e Shaktar Donetsk pela Supercopa da Europa.
Além disso, a UEFA possui um sistema de trabalho em que cada clube participante da Champions League possui
um “Venue Director”. Hoje eu também estou atuando como “Venue Director” do atual campeão holandês AZ
Alkmaar e tenho que estar presente em todas as suas partidas atuando como representante da UEFA. No próximo
dia 29 de setembro o AZ Alkmaar jogará pela Champions League. Eu tenho que chegar 2 dias antes da partida
para verificar se todos os procedimentos estão sendo seguidos de acordo com o planejado.
2. E o que faz um Venue Director?
O Venue Director é quem responde por todo o operacional da partida. Todas as ações são metodicamente
cronometradas. Todos os jogos da Champions League começam pontualmente às 20:45, sem exceção. E para que
isso aconteça temos que cumprir um rigoroso checklist de todas as atividades que serão desenvolvidas até o início
da partida. Esse checklist detalha em minutos e segundos tudo o que deve acontecer até o apito inicial. Dentre as
atividades do check-list estão, por exemplo, a hora de chegada dos times no estádio, o tempo de aquecimento em
campo, a chamada para que os árbitros entrem no túnel com as equipes, a formação inicial antes da partida, o
cumprimento entre os atletas, as fotos para a imprensa, o “sorteio” de escolha de campo, enfim, uma minuciosa
contagem regressiva para o pontapé inicial.
A autorização final para dar início à partida é dada pelo próprio Venue Director que se posiciona à beira do campo
sinalizando os segundos que faltam para que o árbitro possa começar o jogo às 20:45 em ponto. Desta forma
estamos maximizando o valor pago pelas televisões, porque com o cumprimento rigoroso do horário, as televisões
conseguem calcular com exatidão o tempo e o valor gasto com aluguel de satélites e outros investimentos que
serão necessários para a transmissão da partida.
3. No seu entendimento o que faz a diferença entre a
UEFA e outras organizações no mundo do futebol?
Acho que a palavra principal que define a UEFA é planejamento.
Simplesmente nada acontece sem que tenha sido previsto e
avaliado. Por exemplo, financeiramente a UEFA trabalha em ciclos de
3 anos. Terminamos o ciclo 2006-2009 e estamos entrando no ciclo
2009-2012. Neste período de 3 anos realizamos nosso planejamento
de competições, datas a serem discutidas para o nosso calendário,
negociamos nossos contratos de televisão, enfim, prevemos como
será nosso próximo ciclo com pelo menos 3 anos de antecedência.
Uma novidade deste novo ciclo é a criação da UEFA Europa League que vem substituir a tradicional UEFA Cup.
4.
Como é feita a distribuição de prêmios aos clubes participantes das competições da
UEFA?
Para a temporada de 2009-2010 temos uma previsão de distribuição de cerca de €750 milhões aos clubes
participantes da Champions League e da Supercopa UEFA. A partir desta estimativa criamos os critérios de
distribuição baseados no desempenho dos clubes nas competições disputadas.
Cada clube participante da Champions League recebe um valor pré-determinado por sua participação na
competição. Este valor varia de €2 milhões para cada participante da fase de play-off até €9 milhões para o
campeão.
Para termos uma idéia do valor que um clube pode arrecadar com sua participação na Champions League,
utilizemos como exemplo um clube que tenha entrado na competição através de play-offs, ganhe todas as suas
partidas, conquiste o título da competição e posteriormente vença a Supercopa da UEFA, este clube terá
arrecadado em premiações aproximadamente €35 milhões. Fora estes valores fixos, os clubes também arrecadam
com o market pool dos direitos televisivos (audiência). Para se ter uma idéia destes valores, o clube que mais
arrecadou dinheiro através do market pool na temporada passada foi o FC Bayern de Munique que recebeu mais
de €21 milhões.
Outro ponto que aumenta o interesse na participação dos clubes é que a receita de dias de jogo das partidas da
Champions League é 100% dos clubes, ou seja, além do valor pago em premiações, quanto mais longe o clube for
na disputa, mais jogos disputará em casa e conseqüentemente maior será sua arrecadação com bilheteria,
merchandising etc.
5. Se realizarmos uma comparação entre as competições
organizadas pela UEFA e CONMEBOL, a Champions League
seria a Libertadores e a Europa League seria a
Sulamericana. No Brasil não há uma cultura que prioriza a
participação na Sulamericana, apenas nos interessa a
Libertadores, o mesmo acontece com a Europa League?
Aqui, participar da Europa League também é bastante lucrativo para o
clube. Esta competição utiliza a mesma metodologia de premiação da
Champions League, ou seja, quanto mais longe um clube avançar na
competição, maior será sua premiação.
Para a Europa League, estamos falando de mais de €135 milhões em
premiação a ser distribuída aos clubes, sendo que o campeão ganhará €3
milhões apenas no último jogo.
Além destes valores, existem outras formas de distribuição de receita
como no caso das cotas de televisão que serão divididas de acordo com a
quantidade de partidas disputadas por um determinado clube.
Em outras palavras participar da UEFA Europa League também é bastante
rentável para os clubes.
6. Voltando ao caso a Champions League, como funciona o sistema dos calendários dos
jogos e como são analisados os cabeças de chave da competição?
O calendário funciona da seguinte maneira: Nós começamos com um calendário em branco, inserimos as datas
FIFA, e posteriormente montamos a nossa agenda. Assim evitamos conflitos entre datas FIFA e UEFA.
Outro ponto interessante nesta análise de calendário e cabeças de chave é a lista de acesso. Atualmente a UEFA
possui 53 federações associadas e a cada ano realizamos um ranking com o desempenho dos clubes oriundos
destes países nas últimas 5 temporadas.
O número 1 da lista é a Inglaterra e o último, atualmente é San Marino. Com base nesta lista de acesso definimos
a quantidade de vagas que serão alocadas a cada país na Champions League. A Inglaterra, por ser o primeiro
lugar neste ranking, recebe 4 vagas na UEFA Champions League, sendo três vagas de acesso direto a fase de
grupos e uma na fase de play-offs, e três vagas na UEFA Europa League. Este mesmo tratamento é aplicado à
Espanha e Itália, que seguem a Inglaterra no ranking de federações, e assim sucessivamente.
Do outro lado temos a definição das equipes que serão cabeças de chave no sorteio. Neste caso nós calculamos
outro ranking considerando o desempenho dos clubes nas últimas 5 edições da Champions League e Europa
League. Baseado nesta análise é que realizamos nosso sorteio de grupos. Neste ano, por exemplo, o Real Madrid
deixou de ser cabeça de chave em virtude da performance da equipe nas últimas 5 temporadas da Champions
League. Além desta análise levamos em consideração outros pontos na montagem dos grupos. Um destes pontos
chama-se TV Pairing, que garante que nenhum clube do mesmo país disputará partidas no mesmo dia, por
exemplo, o Barcelona e o Real Madrid estão em grupos diferentes. Uma equipe jogará na terça-feira e outra
jogará na quarta-feira, desta forma maximizamos a audiência televisiva na Espanha. Outro exemplo desta análise
é a condição dos países nórdicos, pois como o último jogo da fase de grupos da Champions League é disputado
em dezembro, nós procuramos fazer com que os clubes dos países nórdicos possam jogar esta partida como
visitante, pois em dezembro o risco de neve nestes países é muito alto, o que poderia inviabilizar a realização das
partidas.
7. Como a UEFA se organiza para que tudo saia dentro do planejado
na realização das partidas?
Dentro de todo o plano de jogos, um dia antes da partida montamos o Match Center. É
uma espécie de painel de controle de tudo que está relacionado ao jogo. Então temos
ali um panorama geral do que já foi feito e do que ainda precisa ser concluído até o
momento da partida.
O delegado do jogo chega ao local da partida com um dia de antecedência e elabora
um documento com as condições meteorológicas do dia do jogo e informações
relevantes que possam contribuir para uma análise completa da partida. Após a
recepção deste documento, nós colocamos uma luz piscando no quadro. Esta luz pode
ser verde, amarela ou vermelha, e nos indicará as providências a serem tomadas para
a realização da partida. Dependendo do relatório do delegado, elaboramos um plano
de ação que possibilitará que a partida aconteça dentro do previsto e que todos os
horários serão fielmente cumpridos.
8. Mas mesmo com todo esse planejamento já aconteceu de algo que estava nos planos da
UEFA ter que ser mudado por algum motivo? E como vocês lidam com essa situação?
Nós sempre alertamos para que os clubes nos sinalizem quaisquer problemas relacionados ao local de realização
da partida antes da elaboração dos sorteios, pois na nossa concepção, as datas dos jogos do nosso calendário não
são alteradas. No nosso planejamento se o sorteio definiu que o jogo acontecerá nesta data, ele será cumprido à
risca. Um exemplo do cumprimento deste requisito aconteceu no jogo realizado entre Celtic e Arsenal pela fase de
play-off da Champions League atual. Após a realização do sorteio fomos informados pelos representantes do Celtic
que no mesmo dia desta partida haveria um show do U2 no estádio do Glasgow Rangers (clube rival) e que a
polícia havia solicitado a transferência da partida para outra data. Nós nos posicionamos e informamos que este
evento deveria nos ter sido informado antes do sorteio e que não poderíamos alterar a data do jogo. Após
negociarmos com as autoridades envolvidas ficou acertado que o jogo e o show permaneceriam na mesma data e
que um maior efetivo de policiais deveria ser empregado. Assim foi feito e o jogo transcorreu sem maiores
dificuldades.
Porém temos um caso em que apesar do nosso planejamento, tivemos que adiar a partida. Em 2007, o Sevilla ia
jogar uma partida pela Champions League contra o AEK da Grécia quando algo inesperado aconteceu. Um jogador
do Sevilla faleceu de maneira inesperada e após conversarmos com todos os envolvidos preferimos adiar a partida
por considerar que o clube não teria condições psicológicas de realizar o jogo. Nestes 5 anos em que estou na
UEFA esta foi a única vez, em que alteramos a data de realização de uma partida.
9. Saam, a partir da sua experiência na UEFA, o que você acha que o futebol brasileiro
pode aprender com a organização do futebol europeu?
Esta pergunta é bem difícil pois infelizmente eu não conheço o dia-a-dia do futebol brasileiro em termos
organizacionais. O que eu acho que é valido em termos de organização do futebol europeu e, em particular na
UEFA, é que se tem uma visão de como o futuro será e quais os caminhos a serem percorridos. Em Março deste
ano, o Presidente da UEFA, o Sr. Michel Platini, se dirigiu as 53 federações de futebol da UEFA e explicou os
princípios e valores que o futebol deverá ter no futuro próximo. São eles:
Futebol em primeiro lugar (o futebol sempre deve ser lembrado como o elemento mais importante);
Estrutura piramidal e subsidiariedade (atuação através da estrutura FIFA, UEFA e associações nacionais,
respeitando o princípio da subsidiariedade);
Unidade e liderança (envolvimento de todos os players da indústria do futebol e espírito de consenso nas decisões
tomadas pela UEFA);
Governança e autonomia (a UEFA e seus membros estão dedicados às regras de governança, mas sempre
respeitando a autonomia das estruturas esportivas para que os organismos de futebol sejam a última instância na
cadeia de tomada de decisões);
Futebol na comunidade e solidariedade (o futebol é jogado por todos em todos os lugares; a UEFA atua para
proteger não só o futebol profissional mas que o esporte traga benefícios para toda a sociedade);
Proteção a jovens e educação (transferência de menores gera riscos e a UEFA possui a responsabilidade moral e
esportiva de protegê-los);
Integridade esportiva e apostas (Apostas são formas de financiar o futebol, mas também um risco à integridade
das competições. A UEFA deve proteger a integridade esportiva de forma a preservar o espírito do jogo);
Fair play financeiro e regularidade das competições (a UEFA apóia o jogo limpo dentro e fora dos campos);
Seleções e clubes (seleções e clubes são vitais e elementos complementares para o futebol);
Respeito (é um elemento chave para o futebol; respeito ao jogo, integridade, regras, diversidade, dignidade,
árbitros, saúde dos atletas, adversários e torcedores);
Modelo esportivo europeu e especificidade do esporte (a UEFA é um organismo europeu e permanece
comprometido com os modelos esportivos da Europa; o esporte não é um negócio como outro qualquer e a UEFA
continuará a defender a especificidade do mesmo e está convencida que seus argumentos irão prevalecer para o
bem do futebol).
Foto: Final da UEFA Champios League Roma 2009 – Torcida do Barcelona, equipe campeã.

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