Apostila de literatura conteúdo 2° ano.

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Apostila de literatura conteúdo 2° ano.
LITERATURA – WAGNER LEMOS
“O cavalo prepara-se para o dia da batalha, mas do Senhor
vem a vitória”. (Provérbios de Salomão 21: 31)
“NÃO SOMOS NÓS QUE TEMOS TUDO A
ESPERAR DO FUTURO, MAS O FUTURO QUE TEM
TUDO A ESPERAR DE NÓS.”
(TOBIAS BARRETO)
ROMANTISMO
ROMANTISMO NO BRASIL
CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL
O Romantismo brasileiro nasce das possibilidades que surgem com
a Independência política e suas conseqüências sócio-culturais: o
novo público leitor, as instituições universitárias e, acima de tudo, o
nacionalismo ufanista que varre o país, após 1822, e do qual os
escritores são os principais intérpretes.
Contribuir para a grandeza da nação através de uma literatura que
fosse o espelho do novo mundo e de sua paisagem física e humana,
eis o projeto ideológico da primeira geração romântica. Há um
sentimento de missão: revelar todo o Brasil, criando uma literatura
autônoma que nos expressasse.
A adaptação de um movimento artístico europeu
Os valores do Romantismo europeu adequavam-se às exigências
ideológicas dos escritores brasileiros, O Romantismo se opunha à
arte clássica, e Classicismo aqui significava dominação portuguesa.
O Romantismo voltava-se para a natureza, para o exótico; e aqui
havia uma natureza exuberante, etc. Tudo se ajustando para o
desenvolvimento de uma literatura ufanista.
O nacionalismo romântico encontrará a sua representação nos
seguintes elementos:
Indianismo
No "bon sauvage" francês sedimenta-se o modelo de um herói que
se deveria se tornar o passado e a tradição de um país desprovido
de sagas exemplares. O nativo - ignorada toda a cultura indígena converte-se no herói inteiriço, feito à imagem e semelhança de um
cavaleiro medieval.
Assume-se a imagem exótica que as metrópoles européias tinham
dos trópicos, adaptando-a ao ufanismo. Acima de tudo, o índio
representa, na sua condição de primitivo habitante, o próprio símbolo
da nacionalidade. Além disso, a imagem positiva do indígena fornece
às elites o orgulho de uma ascendência nobre, que ajuda na
legitimação de seu próprio poder no Brasil posterior à Independência.
Sertanismo ou regionalismo
Resultado da "consciência eufórica de um país novo", o sertanismo
romântico (também discutivelmente chamado de regionalismo)
procura afirmar as particularidades e a identidade das regiões e da
vida rural, na ânsia de tornar literário todo o Brasil. Este registro do
mundo não-urbano permanece na superfície com uma moldura, já
que a intriga romanesca é citadina, ou seja, gira em torno dos
esquemas românticos do folhetim. Além disso, os autores usam
sempre a linguagem culta e literária das cidades e não a fala
particular da região retratada.
Natureza
Além disso, a imagem positiva do indígena fornece às elites o
orgulho de uma ascendência nobre, que ajuda na legitimação de seu
próprio poder no Brasil posterior à Independência.
O SURGIMENTO DO ROMANTISMO
O passo decisivo para a deflagração do movimento é a publicação
da revista Niterói, em Paris, 1836, que trazia como epígrafe: "Tudo
pelo Brasil e para o Brasil". A revista, elaborada por intelectuais que
estudavam na Europa, propunha a investigação "das letras, artes e
ciências brasilienses". No grupo, destaca-se Gonçalves de
Magalhães, que ainda em 1836 lançaria um livro de poemas:
Suspiros poéticos e saudades. Esta obra introduziu o espírito
romântico no Brasil.
O projeto de autonomia dos autores românticos não se realizou
integralmente. Todos os princípios "nacionalistas" que defenderam
estavam, em maior ou menor grau, comprometidos com uma visão
européia de mundo. Além disso, o nacionalismo era feito de
exterioridades, mais paisagem do que substância humana. Aquele
"sentimento íntimo de brasilidade", de que falou Machado de Assis,
não existe nas obras do período.
1
Por fim, o fato de todos os escritores da primeira geração viverem à
sombra do poder (foram ministros, secretários, embaixadores,
burocratas do alto escalão) comprometeu-os irremediavelmente com
a classe dominante. Fugiram da escravidão e da pobreza,
escamotearam a ferocidade das elites e a miséria das ruas,
ignoraram a violência que se espalhava pelo cotidiano. Em troca,
celebraram o idílio e a natureza, mitificaram as regiões, teatralizaram
o índio, criando assim uma arte conservadora.
A DIVISÃO EM GERAÇÕES
Na lírica romântica brasileira, podem ser delimitados, com algum
rigor, três momentos que se caracterizam por apresentar temas e
visões de mundo diferenciadas. Estes momentos coincidem com a
formação de três gerações (1). Cada geração assume uma
perspectiva própria, embora todas sejam marcadas pelo caráter
romântico. Contudo, os elementos que definem cada uma delas não
são exclusivos. Interpenetrando-se de forma bastante acentuada.
1º Geração
Denominação: nacionalista( ou indianista).
Componentes: Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias.
Temas: o índio; a saudade da pátria; a natureza; a religiosidade; o
amor impossível.
2º Geração
Denominação: Mal do Século ou Byronista.
componentes: Álvares de Azevedo; Casimiro de Abreu; Fagundes
Varela; Junqueira Freire.
Modelos poéticos: Byron e Musset.
Temas: o tédio; a orgia; a dúvida; a morte; a infância; o medo do
amor; o sofrimento;
3º Geração
Denominação: condoreira
Componentes: Castro Alves e Tobias Barreto.
Modelo poético: Victor Hugo
Temas: defesa de causas humanitárias; denúncia da escravidão;
amor erótico.
(1)
normalmente atribuía-se a duração média de 15 anos para
cada geração. A partir de meados do século XX, em função da
rapidez da mudança de costumes e valores, reduziu-se este
tempo para 10 anos.
A PRIMEIRA GERAÇÃO (GERAÇÃO NACIONALISTA)
A contribuição dos teóricos europeus, o nacionalismo ufanista pós1822 e as viagens para o exterior de uma jovem intelectualidade nascendo daí o famoso sentimento do exílio - fornecem o quadro
histórico onde aponta a primeira geração romântica. O apogeu da
mesma ocorre entre 1836 e 1851, quando Gonçalves Dias publica
Últimos cantos, encerrando o período mais fértil e criativo de sua
carreira.
1. GONÇALVES DE MAGALHÃES (1811-1887)
OBRAS: Suspiros Poéticos e Saudades (1836); A Confederação
dos Tamoios (1857).
A Gonçalves de Magalhães coube a precedência cronológica na
elaboração de versos românticos. Suspiros poéticos e saudades é a
materialização lírica de algumas idéias do autor sobre o
Romantismo, encarado como possibilidade de afirmação de uma
literatura nacional, na medida em que destruía os artifícios
neoclássicos e propunha a valorização da natureza, do índio e de
uma religiosidade panteísta.
Durante anos, Gonçalves de Magalhães foi considerado o maior
poeta pátrio. Transformou-se em símbolo oficial da literatura
brasileira, merecendo inclusive grande apreço de D.Pedro II. A
confederação dos tamoios, tentativa de indianismo épico em que a
prolixidade* dissolve o lirismo, significou a crise dessa carreira
triunfante. Submetida à primeira e dura revisão
crítica, com José de Alencar denunciando o
artificialismo de sua composição, a obra de
Magalhães começou a ser relegada a um plano
secundário. Sob pseudônimo, o próprio
Imperador sai em defesa de seu protegido, mas
os argumentos de Alencar eram irrefutáveis.
Restava-lhe a importância histórica, e esta era
incontestável. O Romantismo fora introduzido
por ele.
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LITERATURA – WAGNER LEMOS
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Meu canto de morte
2. GONÇALVES DIAS (1823-1864)
VIDA: Filho de um comerciante português e de uma mulata que
viviam em concubinato, Antônio de Gonçalves Dias nasceu em
Caxias, no Maranhão. Viajou muito pelas províncias do Norte e pela
Europa, sempre a serviço. Afetado pela tuberculose, tentou a cura na
França. Desenganado pelos médicos, retornou num cargueiro que
naufragaria, já nas costas do Maranhão. A única vítima do naufrágio
foi o poeta, que contava então quarenta e um anos de idade.
OBRAS: Primeiros cantos (1846); Segundos cantos (1848);
Sextilhas de frei Antão (1848); Últimos cantos (1851); Os Timbiras
(1857).
Gonçalves Dias consolidou o Romantismo no Brasil com uma
produção poética de boa qualidade. Entre os autores do período é o
que melhor consegue equilibrar os temas sentimentais, patrióticos e
saudosistas com uma linguagem harmoniosa e de relativa
simplicidade, fugindo tanto da ênfase declamatória como da
vulgaridade. Pode-se dizer que o seu estilo romântico é temperado
por uma certa formação clássica, o que evita os excessos verbais tão
comuns aos poetas que lhe foram contemporâneos.
Sua obra se articula em torno de três assuntos principais:
* O ÍNDIO * A NATUREZA * O AMOR IMPOSSÍVEL
O INDIANISMO
O elogio literário ao índio, como já foi observado, é mais do que uma
convenção poética. Trata-se da reafirmação dos intuitos
nacionalistas da primeira geração romântica, conseqüência direta do
sentimento localista, posterior à Independência.
Em geral, essa literatura mescla elementos pitorescos (os habitantes
do Novo Mundo) com a mitologia romântica européia (a teoria do
bom selvagem), acrescidos de uma a visão idealizada (os índios são
falsos e, às vezes, inverossímeis) e referências etnográficas que
deveriam conferir um tom "verdadeiro" às obras (roupagens, armas,
costumes, etc.). O objetivo era a elaboração de um herói mítico
brasileiro, de um antepassado glorioso do qual a nação pudesse se
orgulhar.
A superioridade do autor maranhense sobre outros escritores
indianistas resulta de três fatores:
* maior conhecimento da vida aborígine;
* uso épico e lírico de um índio ainda não deculturado pelo
homem branco;
* esplêndido domínio estilístico, sobretudo na questão do ritmo
e da estrutura melódica.
Vários de seus poemas, que tratam dos primitivos habitantes,
tornam-se antológicos, entre os quais Marabá, O canto do piaga,
Leito de folhas verdes e, principalmente, I-Juca Pirama.
I-JUCA PIRAMA - Este texto é uma espécie de síntese do
indianismo de Gonçalves Dias seja pela concepção épico-dramática
da bravura e da generosidade de tupis e timbiras, seja pela ruptura,
ainda que momentânea, da convencional coragem guerreira, seja
ainda pelo belíssimo jogo de ritmos que ocorre no texto. I-Juca
Pirama significa "aquele que vai morrer" ou "aquele que é digno de
ser morto". Em sua abertura, o poeta apresenta o cenário onde
transcorrerá a história:
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos - cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos de altiva nação. (...)
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!
Em seguida, inicia-se um ritual antropofágico: "Em fundos vasos
d'alvacenta argila / ferve o cauim. / Enchem-se as copas, o prazer
começa, / reina o festim." O jovem prisioneiro tupi, que vai ser
devorado, resolve falar antes do desenlace, e com "triste voz" narra a
sua vida desventurada.
Ao metro anterior, de dez sílabas poéticas, plástico e alegre,
sucedem-se os versos de cinco sílabas, curtos, rápidos, sincopados.
Estas variações contínuas indicam que o ritmo varia de uma parte do
poema a outra, traduzindo a multiplicidade de situações do
argumento.
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
O índio tupi no seu canto de morte lembra o velho pai, cego e débil,
vagando sozinho, sem amparo pela floresta, e pede para viver:
Deixai-me viver! (...)
Não vil, não ignavo,*
Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não choro;
Do pranto que choro;
Se a vida deploro,
Também sei morrer.
* Ignavo: preguiçoso.
O chefe timbira manda soltá-lo. Não quer "com carne vil enfraquecer
os fortes". Solto, o jovem tupi perambula pela floresta até encontrar o
pai. Este, pelo cheiro das tintas utilizadas no ritual, pelo apalpar do
crânio raspado do filho, e por algumas perguntas sem resposta,
desconfia de uma terrível fraqueza diante dos inimigos. Pede então
que o rapaz o leve até a aldeia timbira. Lá chegando, exige, em
nome da honra tupi, que a cerimônia antropofágica ritual seja
completada e que o filho seja morto. Mas o chefe timbira recusa-se,
acusando o guerreiro tupi de ter chorado covardemente diante de
toda a aldeia. Neste momento, o velho cego amaldiçoa o seu
descendente:
Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés. (...)
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és.
Mal termina a maldição, o velho escuta o grito de guerra do filho.
Ouvindo o rumor da batalha, os sons de golpes, o pai percebe que o
filho está lutando para manter a honra tupi, até que o chefe timbira
manda seus guerreiros pararem, pois o jovem inimigo se batia com
tamanha coragem que se mostrava digno do ritual antropofágico.
Com lágrimas de alegria o velho tupi exclama: "Este, sim, que é meu
filho muito amado!"
Como chave de ouro do poema, ocorre uma transposição temporal
no seu último canto. O leitor fica sabendo que os acontecimentos
dramáticos vividos pelos dois tupis já tinham ocorrido muito tempo e
que tudo aquilo era matéria evocada pela memória de um velho
timbira:
Um velho timbira, coberto de glória,
guardou a memória
do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
do que ele contava,
Dizia prudente: - Meninos, eu vi!
OS TIMBIRAS - Além desses poemas indianistas, Gonçalves Dias
tenta elaborar uma epopéia intitulada Os Timbiras. Era um projeto
ambicioso: os índios substituindo os heróis gregos, numa Ilíada
brasileira, tropical, com abundantes e coloridas descrições da flora e
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LITERATURA – WAGNER LEMOS
da fauna. A narrativa teria
como eixo a formação e dispersão do povo timbira. A obra, contudo,
fica inconclusa e os fragmentos elaborados são inexpressivos.
A NATUREZA
Enquanto poeta da natureza, Gonçalves Dias canta o mar, o céu, os
campos, as florestas, etc. No entanto, a natureza não tem um valor
universal, só merecendo ser celebrada quando simbolizava seu país.
A luz do sol, por exemplo, é sempre a imensa luz do sol brasileiro.
Só aqui, no espaço da pátria, os elementos naturais se manifestam
em sua plena majestade. Significativamente, ele deu a esta parte de
sua obra o título de poesias americanas.
Não é de surpreender também que no espetáculo e nos contornos da
natureza brasileira, o poeta se elevasse até Deus. Assim,
nacionalismo e panteísmo se mesclam em sua lírica.
A celebração da natureza entrelaça-se também com o sentimento
saudosista. Gonçalves Dias é um homem nostálgico que lembra a
infância, os amores idos e vividos e, antes de mais nada, um homem
que, na Europa, sentira-se exilado. Por isso, a memória a todo
momento o arrasta até a terra natal. E a pátria aparece sempre como
natureza: palmeiras, céu, estrelas, várzeas, bosques e o indefectível
sabiá.
Canção do Exílio sintetiza genialmente esta identificação entre o país
e sua expressão física. Desde o seu surgimento, tornou-se o poema
mais conhecido do Brasil e, por derivação, o mais imitado e o mais
parodiado. Talvez seja o nosso verdadeiro hino nacional.
Contudo, se observamos este texto clássico, poderíamos argumentar
que mesmo em Portugal, (onde o poema é escrito, no ano de 1843)
há árvores e aves, bosques e várzeas. Aliás, em todos os países há
uma natureza interessante a ser cantada. Mas, para Gonçalves Dias,
é só na moldura do solo pátrio, que a natureza (brasileira) adquire
um maior valor, um valor que em nenhum outro lugar ela pode ter.
Estamos diante da essência do ufanismo romântico: minha pátria é a
melhor. Por outro lado, trata-se de uma verdade humana definitiva:
qualquer indivíduo no exílio - independente da terra natal ser boa ou
ruim - sempre guardará por ela uma amorosa e obstinada saudade.
Assim, não é de estranhar que Canção do exílio se transformasse no
nosso poema:
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
O AMOR IMPOSSÍVEL
A lírica amorosa de Gonçalves Dias é marcada pelo sofrimento. Em
seus poemas, o amor raramente se realiza, é sempre ilusão perdida,
impossibilidade vital de relacionamento. Entre a esperança e a
vivência, entre a intenção e o gesto estão os abismos da experiência
concreta. E a experiência concreta remete para o fracasso. "Cismar
venturas e só topar friezas", eis a delimitação desse posicionamento.
Em outro de seus versos, um dos mais desencantados, ele
desabafa: "Amor! delírio - engano".
Apaixonar-se é, pois, predispor-se à angústia e à solidão. O poeta
confessa sua afetividade, suplica a paixão da mulher, mas não
obtém resposta. Resta-lhe, pois, o desespero.
A SEGUNDA GERAÇÃO
INDIVIDUALISTA, ULTRA-ROMÂNTICA ou GERAÇÃO DO MAL DO
SÉCULO
Esta geração surgiu na década de 1850, quando o nacionalismo e o
indianismo deixavam de fascinar a juventude e iniciava-se o longo
processo de estabilidade do II Império. Por outro lado, o
desenvolvimento urbano, o nascimento de uma vida acadêmica em
São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife e, até mesmo, uma
relativa sofisticação dos estratos médios e superiores da estrutura
social brasileira possibilitaram a criação de uma lírica voltada quase
que exclusivamente para a confissão e o extravasamento íntimo.
A nova geração foi influenciada pelos poetas inglês Lord Byron e
francês Alfred Musset, autores ultra-românticos que haviam se
tornado os modelos universais de rebeldia moral, de recusa à
insipidez da vida cotidiana e de busca de novas formas de
sensualidade e de afeto. De sua imitação, resultou, quase sempre, o
pastiche. Até sociedades satânicas, a exemplo das existentes na
Europa, foram fundadas. Os adolescentes que as compunham
viviam pretensas orgias e dissipações
fantasiosas, que resultavam da leitura e das
imaginações pervertidas. Na verdade, a
pobreza do meio e a rigidez patriarcal
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impediam que este satanismo tivesse qualquer importância no
contexto estético e ideológico brasileiro.
Outro fato sempre lembrado desta geração é a dramática
coincidência de quase todos os seus integrantes morrerem na faixa
dos vinte e poucos anos. Versos soltos e alguns poemas parecem
alimentar a suspeita de que esses jovens cultivavam idéias suicidas.
No entanto, todos eles - à parte o caso mais complexo de Álvares de
Azevedo - foram vitimados por doenças então incuráveis e
manifestaram grande horror perante a morte. Não se sustenta,
portanto, a idéia de um suicídio coletivo geracional.
1. ÁLVARES DE AZEVEDO
(1831-1852)
VIDA: Nasceu na cidade de São Paulo e era descendente de duas
ilustres famílias. Toda a formação básica e secundária de Manuel
Antônio Álvares de Azevedo foi feita na capital do Império. A leitura
desenfreada dos ultra-românticos, a solidão e o desejo insatisfeito
pareciam deprimi-lo, aproximando-o de inclinações mórbidas. No
início de 1852, a tísica se manifestou. Como disse um de seus
biógrafos: "O infeliz byroniano que durante anos declamara versos
macabros por mero esnobismo via com horror chegar a sua morte."
Neste momento dramático, escreveu alguns de seus poemas mais
desesperados. A tísica destruiu as imunidades de seu organismo.
Poucos dias depois morreu. Era abril de 1852 e faltavam cinco
meses para que completasse vinte e um anos de idade. Nenhum de
seus livros tinha sido publicado. E a "glória que pressinto em meu
futuro" , como ele diz em um de seus poemas, viria após o
falecimento.
OBRAS: Lira dos vinte anos (poemas - 1853), Noite na taverna
(contos - 1855), O conde Lopo (poema - 1886), Macário.
O AMOR
É a parte menos convincente de sua lírica. A máscara satânica que
tenta usar peca pela falsidade. As orgias em que submerge, os vícios
que o escravizam e as dissipações que o arrastam para o lodo hoje
provocam o riso do leitor. E não apenas porque o jovem escritor
tenha ficado, de fato, virgem dessas vivências tresloucadas, mas
porque - em seus poemas de "crimes morais e maldições" - poucos
versos têm poder de persuasão e quase nada inquieta ou
sobressalta. Veja-se o tom falso deste excerto:
E por te amar, por teu desdém, perdi-me...
Tresnoitei-me em orgias, macilento,
Brindei, blasfemo, ao vício, e da minh'alma
Tentei me suicidar, no esquecimento!
AMOR E MEDO
No entanto, como bem observou Mário de Andrade, o autor de Lira
dos vinte anos (esse Dom Juan das aparências) acaba sendo traído
pela própria interioridade. O grande devasso, o amante cínico, revela
inconscientemente um medo obscuro das relações amorosas.
Este medo se traduz, por exemplo, através da imagem da mulher
adormecida. Numa série de poemas, a preparação erótica e a
vontade sexual do adolescente se frustram, pois ele não quer
acordar ("profanar") o objeto de seu desejo:
Ó minha amante, minha doce virgem,
Eu não te profanei, e dormes pura
No sono do mistério, qual na vida,
Podes sonhar ainda na ventura.
Em Soneto, um de seus textos melhor elaborados, Álvares de
Azevedo descreve o sono da amada e cria sutil atmosfera que passa
da idealização à sensualidade:
Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre nuvens de amor ela dormia!
Era a virgem do mar! na escuma fria
Pela maré das águas embalada...
-- Era um anjo entre nuvens d' alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! o seio palpitando...
Negros olhos, as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...
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LITERATURA – WAGNER LEMOS
Diante disso, desse "seio
palpitando", dessas "formas nuas no leito resvalando" o que faz o
poeta? Atira-se sobre a encantadora como um lobo cheio de volúpia?
Não; a timidez entrava o erotismo e ele simplesmente opta por ficar
sorrindo e chorando pelo seu "anjo":
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
Aliás, em vários momentos, quando o amor parece a ponto de se
concretizar, o escritor prefere dormir, desmaiar ou morrer: "Na tua
cheirosa trança / Quero sonhar e dormir!"; "Ah! volta inda uma vez!
foi só contigo / Que à noite, de ventura eu desmaiava"; "E no teu seio
ser feliz morrendo!"; "E morra no teu seio o meu viver!" No poema
Tereza, chega a confessar explicitamente o seu medo:
Não acordes tão cedo! enquanto dormes
Eu posso dar-te beijos em segredo...
Mas, quando nos teus olhos raia a vida,
Não ouso te fitar...eu tenho medo!
De acordo com Mário de Andrade, algumas das dificuldades de
Álvares de Azevedo com o amor nascem da velha dicotomia entre o
sexo e o sentimento. A impossibilidade de unir alma e carne segundo a tradição cultural então vigente - exaspera-o. Não existe
mulher que possa corresponder às duas exigências. Há aquelas para
o amor e há outras para os instintos. As primeiras, donzelas virginais,
são - no dizer do crítico - "inatingíveis". As segundas, anjos caídos
que cedem a pureza de seus corpos, são "desprezíveis". E assim o
poeta permanece dilacerado: à sua timidez soma-se a ausência de
uma mulher capaz de satisfazê-lo física e espiritualmente.
A MORTE
Quando trata da morte - o aspecto mais conhecido de sua obra pode-se perceber com clareza as qualidades expressivas do artista.
Ela é um tema constante. O poeta a antevê, a profetiza para si
próprio, não pode esquecê-la. De certa maneira, fez uma opção por
ela - diferentemente de outros companheiros de geração que se
desesperam ao perceber o fim - quis morrer aos vinte anos, entregarse à "leviana prostituta", como se vê neste fragmento de Hinos do
Profeta:
A morte, leviana prostituta,
Não distingue os amantes!....
Eu, pobre sonhador! eu, terra inculta
Onde não fecundou-se uma semente,
Convosco dormirei...
No poema Lembrança de Morrer, Álvares de Azevedo dá instruções
sobre o seu túmulo e sua lápide:
"Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.
E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento. (...)
Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela
- Foi poeta, sonhou e amou na vida."
O TÉDIO
Na segunda parte de Lira dos vinte anos, as fantasias eróticas, a
avidez pelo amor, os artifícios byronianos e mesmo a obsessão pela
morte, cedem lugar a uma espécie de cansaço existencial, o tédio.
O tédio, ou "mal du siècle", para os românticos europeus, era uma
espécie de cinismo e enfado de quem tudo viveu, tudo experimentou:
sexo, bebidas, ópio, transgressões. Mais tarde, Baudelaire diria que
lera todos os livros, amara todas as mulheres mas que sua carne
permanecia triste. Esta é a definição mais perfeita do mal do século.
Já no caso de Álvares de Azevedo, o tédio resultava da falta de
vivências a que a cidade de São Paulo o condenava. Era uma
cidadezinha provinciana, medíocre, de insípida vida noturna, sem
horizontes para um rapaz sonhador.
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Quase a pique de "suicidar-se de spleen*", o poeta atenua os
excessos ultra-românticos descendo do sublime, da atmosfera
rarefeita e terrível das grandes paixões, e entrando na verdade de
suas coisas íntimas, expõe a subjetividade sem véus imaginários. .
Poucas vezes, na literatura brasileira, as confissões de um
adolescente adquiriram tanto frescor, beleza e emoção. Esta alma
solitária e impotente debateu-se entre o tédio, que o arrastava para a
realidade e os ideais, que precisava para
sobreviver.
2. CASIMIRO DE ABREU (1839-1860)
VIDA: Filho de um rico comerciante português
e de mãe brasileira, Casimiro de Abreu
nasceu em Barra de São João, no estado do
Rio de Janeiro, tendo passado a infância
numa fazenda, de onde sairia apenas para
realizar seus estudos primários em Nova
Friburgo. Enviado à capital do Império pelo
pai, a fim de praticar o comércio, mostrou-se pouco apto à profissão.
O pai não desistiu e com o mesmo objetivo o enviou para Lisboa.
Casimiro tinha então quatorze anos. Após quatro anos em Portugal,
retornou ao Brasil, entregando-se a uma vida boêmia, sem contudo
largar do comércio. A publicação de Primaveras o consagrou
nacionalmente, um ano antes de sua morte. Já idolatrado pelo
público da época, descobriu que estava tuberculoso, vindo a falecer
quase que imediatamente, antes de completar o seu vigésimosegundo aniversário.
OBRA: Primaveras (1850).
Subjetivista como Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu substitui
as conotações dolorosas que aquele confere à adolescência por uma
visão graciosa e deslumbrada dos tempos juvenis. Se, para o autor
de Lira dos vinte anos, a mocidade é um processo noturno de vigílias
e tensões, se, para ele, "tristes são os destinos deste século", para
Casimiro de Abreu a mesma mocidade é "a primavera da vida",
processo diurno, sempre associado a namoricos, jardins com
bananeiras, borboletas e salões de baile onde se flerta ao som de
valsas langorosas. De certa forma, sua lírica corresponde ao
romance de Joaquim Manuel de Macedo, seja na temática, seja na
simplicidade da linguagem. É uma poesia espontânea. E não raro
esta espontaneidade - reforçada pelo estilo singelo e pela atmosfera
musical - cria o encantamento no leitor, independentemente da
visível superficialidade dos versos. A rigor, o livro Primaveras
articula-se em torno de três temas básicos:
* o lirismo amoroso ; a saudade da pátria e da infância; * A
tristeza da vida
A SAUDADE DA PÁTRIA E DA INFÂNCIA
Vivendo três anos em Portugal, onde elaborou boa parte de
Primaveras, Casimiro de Abreu desenvolveu o sentimento de exílio,
que tanto perseguia os românticos. Inspirado em Gonçalves Dias,
escreveu uma série de poemas impregnados de nostalgia da terra
natal, denominados Canções do exílio. Neles, contudo, não chega a
alcançar o nível de seu modelo.
No entanto, não é apenas a saudade do Brasil e a correspondente
sensação de estar exilado que anima a sua lírica. O que o consagrou
foi a nostalgia (tipicamente romântica) daquelas realidades pessoais
que ficam para trás: a mãe, a irmã, o lar, a infância. Tornou-se, por
excelência, o poeta da "aurora da vida", do tempo perdido, das
emoções da meninice. Mesmo sabendo que a infância não significa o
paraíso, sucumbiu à doçura dessas lembranças. À parte isso, o
poeta atrai o leitor com o ritmo fácil, a singeleza do pensamento, a
ausência de abstrações, o caráter recitativo e o tratamento
sentimental que empresta ao tema, garantindo a eternidade de pelo
menos um poema, Meus oito anos:
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
A TRISTEZA DA VIDA
No final de uma vida breve, pressentindo a morte, o poeta aprofunda
o sentimento de tristeza - já presente em seus textos saudosistas,
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até
transformá-lo
num
sentimento quase desesperado de impotência perante o destino,
conforme se pode verificar em Livro negro, composto por doze
poemas doloridos. Deles, o mais significativo é Minha alma é triste:
Minha alma é triste como a rola aflita
Que o bosque acorda desde o albor da aurora
E em doce arrulo que o soluço imita
O morto esposo gemedora chora.
E, como rola que perdeu o esposo,
Minh'alma chora as ilusões perdidas
E no seu livro de fanado gozo
Relê as folhas que já foram lidas."
Casimiro escreveu também um texto para teatro, Camões e Jau.
Montada em Lisboa, em 1856, às custas do pai, resultou em grande
malogro, nada acrescentando à sua obra.
3. FAGUNDES VARELA (1841-1875)
VIDA: Luís Nicolau Fagundes Varela nasceu em Rio Claro, Rio de
Janeiro. Era filho de fazendeiros e viveu um período no ambiente
rural que mais tarde descreveria em seus versos. O pai era
magistrado e político da província e a família teve de mudar-se
muitas vezes. A infância de Fagundes Varela foi marcada por essas
alterações contínuas de domicílio. Bastante jovem, matriculou-se na
Faculdade de Direito, em São Paulo. Lá entrou na vida boêmia,
"como um Byron exasperado", sempre envolvido em bebedeiras,
pequenos escândalos e muitas dificuldades financeiras. Acabou se
casando com uma artista de circo e com ele teve um filho, que logo
morreria e que constituiria a inspiração de Cântico do Calvário.
Fracassando o seu casamento, transferiu-se para o Recife a fim de
continuar seus estudos jurídicos. A morte de sua mulher - que ficara
no Sul - o trouxe de volta para a Faculdade de Direito de São Paulo.
No entanto, nunca acabou o curso. Atormentado pelo álcool e por
problemas emocionais, retornou para a fazenda dos pais. Era visto
nas fazendas próximas, caminhando sem destino, quase sempre
bêbado. Em 1869, casou-se outra vez e passou a morar em Niterói,
sem que tivesse se curado do alcoolismo. Em 1875, foi vitimado por
um derrame. O surpreendente é que nessas condições de vida (no
dizer de um crítico, Varela teve a biografia mais "romântica" de todo
o nosso Romantismo) ele ainda tenha deixado uma obra literária
relativamente significativa.
OBRAS PRINCIPAIS: Noturnas (1861); Vozes da América (1864);
Cantos e fantasias (1865); Cantos meridionais (1869); Anchieta ou o
Evangelho nas selvas (1875).
A POESIA SERTANEJA
Apesar disso, mesmo os críticos mais implacáveis de Varela
reconhecem os momentos felizes de sua obra. É o caso de alguns
poemas constituídos por pequenos flagrantes da natureza e da vida
campestre, elaborados numa linguagem coloquial e sugestiva. Como
nenhum outro romântico, conheceu a fundo o universo rural
brasileiro. Suas descrições parecem captar as cores, os cheiros e os
sons do cotidiano do interior, como neste fragmento de A Roça:
O balanço da rede, o bom fogo
Sob um teto de humilde sapé;
As palestras, os lundus, a viola,
O cigarro, a modinha, o café;
E depois um sorrir de roceira,
Meigos gestos, requebros de amor;
Seios nus, braços nus, tranças soltas,
Moles falas, idade de flor; (...)
4. JUNQUEIRA FREIRE (1832-1855)
VIDA: Nasceu em Salvador. Seus estudos primários foram
irregulares, por motivos de saúde, e aos dezenove anos
(provavelmente desgostoso com a conduta desregrada do pai)
ingressou no mosteiro de São Bento, na capital baiana. Um ano
depois - e sem verdadeira vocação religiosa - tornou-se noviço, com
o nome de Frei Luís de Santa Escolástica Junqueira Freire.
Permaneceu no mosteiro até 1854, não escondendo o amargor e o
ressentimento que a vida religiosa lhe despertava. Conseguindo
deixar o seminário, voltou para casa materna. Problemas cardíacos
que vinham desde a infância provocam a sua morte no ano seguinte.
Não completara ainda vinte e três anos de idade.
5
OBRA: Inspirações do claustro (1855)
A poesia de Junqueira Freire é totalmente autobiográfica e talvez
seja isso o que mantenha o interesse pela mesma. Procurando num
mosteiro a saída para os seus problemas pessoais (sobretudo uma
espécie de atração pela morte que o angustiava), o poeta viu
malograrem as suas ilusões. A vida clerical lhe pareceu terrível. A
partir dessa experiência, ele escreveu Inspirações do claustro, cujo
valor reside mais no aspecto documental de uma situação humana
do que, propriamente, no seu significado literário.
A TERCEIRA GERAÇÃO
O fim da década de 60 assinalou o início de uma crise que atingiu a
classe dominante, composta por senhores rurais e grupos de
exportadores. As primeiras indústrias, o encarecimento do escravo
como mão-de-obra e a utilização de imigrantes nas fazendas de café
de São Paulo indicavam mudanças na ordem econômica.
Por esta época, começaram a se manifestar as primeiras fraturas na
até então sólida visão das elites dirigentes. O nacionalismo ufanista
começou a ser questionado. Estudantes de Direito, intelectuais da
classe média urbana, escritores, jornalistas e militares se davam
conta da existência de uma considerável distância entre os
interesses escravocratas e monarquistas dos proprietários de terras
e os interesses do resto da população. Foi então que a literatura
assumiu uma função crítica.
Antônio de Castro Alves superou o extremado individualismo dos
poetas anteriores, dando ao Romantismo um sentido social e
revolucionário que o aproxima do Realismo. O padrão poético já não
é Chateaubriand ou Byron, mas sim o francês Vitor Hugo, burguês
progressista, cantor da liberdade e do futuro.
1. TOBIAS BARRETO DE MENEZES
(WAGNERLEMOS).
Tobias Barreto de Menezes, poeta, jurista e filósofo, nasceu a 07 de
junho de 1839 em Campos do Rio Real, atual Tobias Barreto, em
Sergipe e faleceu a 26 de junho de 1889, no Recife, Pernambuco,
onde se tornara o chefe da Escola do Recife, na Faculdade de
Direito daquela cidade.De 1871 a 1881, o fundador do condoreirismo
brasileiro e chefe da Escola do Recife, mais importante movimento
intelectual da segunda metade do século XIX, passou em Escada,
Pernambuco, onde possuía uma tipografia com a qual editava
periódicos, como o que redigia em alemão, DEUSTCHER KAMPFER
(O Lutador Alemão).
Foi nesse período da vida do sergipano em que ele se aproximou da
filosofia, cultura e língua alemãs, tendo sido autodidata nesse idioma,
como na maioria dos outros oito que falava. De Escada, Tobias só
saiu para o Recife após ter tido sua casa cercada pelos capangas
dos herdeiros de seu sogro ameaçando-o de morte por ter o poeta
alforriado todos os escravos que pertenciam ao morto e que
correspondiam à sua parcela da herança, como representante de
sua esposa.
Em 1882, o "mestiço de Sergipe", como ele mesmo se declarava
prestou o concurso para professor da Faculdade de Direito do
Recife. Classificou-se em primeiro lugar e adentrou à Academia por
pressão dos alunos, que apaixonados pela retórica do "mulato
desgracioso"- assim descreveria Graça Aranha, que foi aluno de
Tobias e estava dentre esses alunos - em seu livro MEU PRÓPRIO
ROMANCE , forçaram a congregação a admiti-lo, haja vista que esta
punha obstáculos à contratação de Tobias, pelo fato de ele ser
negro.
Na Faculdade, Tobias foi o mais popular e polêmico dos mestres.
Seu modus magistrandi* tornaram-no o mais amado mestre dentre
os alunos, bem como seu espírito dado a polêmicas e discussões e
sua cor o mais questionado e discriminado dentre aqueles que já
tinham ensinado naquela instituição. Dos sete anos que lhe restavam
após a sua admissão na faculdade, ministrou aulas mais
efetivamente nos primeiros cinco anos, nos dois últimos a doença já
o impedia de comparecer com freqüência às aulas.
Em 26 de junho de 1889, morreu Tobias deixando seu nome
marcado na filosofia e romantismo brasileiros. Como diria Graça
Aranha no mesmo livro já citado: VOLTAR A TOBIAS É
PROGREDIR.
*MODUS MAGISTRANDI:MODO DE ENSINO
OBRA POÉTICA: Dias e Noites. DEMAIS OBRAS: Estudos
Alemães; Monografias em Alemão; Crítica Literária; Crítica da
Religião; entre outras.
Que Mimo!
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Tu és morena e sublime,
Como a hora do sol posto.
E, no crepúsculo eterno
Que te envolve o lindo rosto,
O céu desfolha canduras
De alvoradas e jasmins,
E passam roçando n´alma
As asas dos querubins...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe - que faz a palma,
É chuva - que faz o mar.
Castro Alves cantou
todas
as
causas
libertárias - a poesia
como arma de combate
a serviço da justiça e da
igualdade - mas o que
ficou
na
memória
popular são os seus
poemas abolicionistas.
Teu corpo que tem o cheiro
De cem capelas de rosas,
Que t´enche a roupa de quebros,
De ondulações graciosas,
Teu corpo derrama essências
Como uma campina em flor:
Beijá-lo!... fôra loucura;
Gozá-lo!... morrer de amor... (Tobias Barreto)
2. CASTRO ALVES (1847-1871)
VIDA: Descendente de uma família
tradicional e poderosa do interior baiano
- seu pai era médico, formado na
Europa - Antônio de Castro Alves
nasceu na Fazenda das Cabeceiras,
perto da cidade de Curralinho. Quando tinha sete anos, a família
mudou-se para Salvador. Lá estudou no Colégio Abílio, que
revolucionara o ensino brasileiro pela eliminação dos castigos físicos
aplicados aos alunos. Em 1858, morreu-lhe a mãe. Seu irmão mais
velho, José Antônio, ficou muito abalado, suicidando-se alguns anos
depois. Mas já no início de 1862, Castro Alves estava no Recife,
fazendo os preparatórios para a Faculdade de Direito, ainda em
companhia do irmão. Conheceu então a famosa atriz portuguesa
Eugênia Câmara, de quem se tornou amante aos dezenove anos. Na
Faculdade, parecia mais interessado em agitar idéias abolicionistas e
republicanas e produzir versos (que obtinham grande repercussão
entre os colegas) do que propriamente estudar leis.
Após concluir um drama em prosa, Gonzaga, especialmente
composto para Eugênia Câmara, seguiu com a atriz rumo a
Salvador. Ali os dois receberam espetacular consagração com a
estréia da peça no Teatro São João. Estando ele disposto a retornar
ao curso de Direito, viajaram para São Paulo, antes parando dois
meses no Rio de Janeiro, onde foram celebrados por José de
Alencar e Machado de Assis. A temporada paulista durou apenas um
ano. O nome de Castro Alves tornara-se uma legenda: ótimo
declamador de seus próprios poemas, recitou O navio negreiro e
Vozes d'África sob a ovação dos estudantes. Um colega escreveu
que Castro Alves "era grande e belo como um deus de Homero". Sua
vida afetiva, no entanto, entrou em crise pelas constantes traições à
orgulhosa Eugênia Câmara. Ela terminou por abandoná-lo
definitivamente. Para esquecer a ruptura, o poeta começou a se
dedicar à caça, ferindo-se casualmente no pé, que infeccionou.
Levado para o Rio, foi submetido a uma amputação sem anestesia.
Depois disso, debilitado, retornou à Bahia, onde viveu por pouco
mais de um ano, até que sobreveio a tuberculose fatal. Morreu em
fevereiro de 1871, antes de completar vinte e quatro anos.
OBRAS: Espumas Flutuantes (1870); A Cachoeira de Paulo Afonso
(1876); Os Escravos (1883); Gonzaga ou A Revolução de Minas
(drama - 1875).
Sua obra se abre em duas direções:
* Poesia social - causas liberais e humanitárias.
* Poesia lírica - natureza e amor sensual.
POESIA SOCIAL
Castro Alves é um caso típico do intelectual convertido em homem
de ação. Não apenas realizou uma poesia humanitária, como
participou ativamente de toda a propaganda abolicionista e
republicana. Esse engajamento político muitas vezes prejudica a sua
literatura - que se torna mais denúncia do que arte - embora tal
problema seja secundário diante da generosidade social do poeta.
O jovem baiano tinha consciência de sua posição e de sua situação
de letrado, e do papel que poderia exercer dentro da sociedade.
Compreendia o significado da educação num país constituído por
analfabetos, e foi o primeiro dos grandes românticos a valorizar a
imprensa, o livro e a instrução, conforme diz no poema O livro e a
América:
6
A base econômica da sociedade agrária brasileira, na década de
1860, ainda era o escravo, porém as pressões internacionais,
somadas às críticas das classes urbanas nacionais e à perspicácia
de certos proprietários - que viam a escravidão como anti-econômica
- possibilitaram o surgimento das primeiras vozes contestadoras.
Castro Alves será a encarnação mais retumbante desse protesto.
O CONDOREIRISMO
Os seus poemas sociais são conhecidos também como condoreiros.
"A praça, a praça é do povo, assim como o céu é do condor" escreve num de seus primeiros trabalhos. É uma metáfora
exuberante: o condor voa altaneiro e livre por sobre os Andes. Como
exuberantes, indignados e patéticos são parte considerável de seus
versos. Ele quer inebriar os jovens liberais com a força bombástica
de um discurso metrificado. Quer comover e convencer. Por isso,
nem sempre se contenta em dizer o essencial. Acaba caindo na
retórica, provocada pelo excesso verbal, por antíteses e hipérboles*
em demasia e por várias imagens de mau gosto.
É possível, no entanto, compreender que o tom oratório dessas
composições tinham uma finalidade pedagógica: feitas para serem
declamadas em público, elas deviam se parecer a um discurso que
conscientizasse as massas. Daí sua redundância e sua ênfase
emocional. Mesmo assim, em vários textos condoreiros, o poeta
atingiu uma eloqüência pura, vibrátil, "de poderosa sugestão visual e
impressão auditiva".
O Navio Negreiro e Vozes d'África se constituem nos mais soberbos
monumentos de poesia social do século XIX. E ainda que a
escravidão tenha acabado, e este tema não pertença mais a
experiência atual, é impossível ao leitor ficar indiferente diante de
tamanha densidade dramática.
* Hipérbole: figura do exagero
POESIA LÍRICA: O AMOR SENSUAL
O lirismo amoroso de Castro Alves distingue-se das concepções
dominantes na poesia romântica brasileira. Ao contrário de
Gonçalves Dias, não considera o amor como impossível de ser
realizado. Tampouco encobre a sensualidade, como Casimiro de
Abreu. Muito menos apresenta a relação física como perversão
fantasiosa, a exemplo de Álvares de Azevedo. Em Castro Alves, as
ligações sentimentais são apresentadas de uma maneira viril,
sensual e calorosa.
Mário de Andrade observou que tanto o homem quanto o artista
alcançam a plena realização sexual. Disso resulta uma lírica original
por explorar o erotismo sem subterfúgios e sem culpa.
Ninguém como Castro Alves sabe cantar as excelências das uniões
corpóreas, ninguém como ele sabe falar de homens e mulheres
reais. Até mesmo sua linguagem - freqüentemente retórica ao tratar
de temas condoreiros - torna-se simples e coloquial na poesia
amorosa. A partir de um esplêndido domínio da metáfora, o poeta
cria imagens de rara beleza e intenso sentido de plasticidade,
conforme se pode observar em versos como: "Sob a chuva noturna
dos cabelos..." Ou: "Minha Maria é morena / Como as tardes de
verão." Ou ainda, referindo-se a uma de suas amadas: "Lírio do vale
oriental, brilhante! / Estrela vésper do pastor errante!" Encantador e
de singelo erotismo é o poema Adormecida, onde galhos e ramos
assediam amorosamente a jovem que dorme numa rede:
Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão...solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.(...)
De um jasmineiro os galhos encurvados,
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Indiscretos
sala,
E de leve oscilando ao tom das auras*,
Iam na face trêmulos - beijá-la
entravam
pela
Era um quadro celeste!... A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a ...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia... (...)
* Aura: vento brando.
Castro Alves é, pois, um cantor de mulheres. Em seus ardentes
versos, descreve-as, confessa-lhes a paixão e, não raro, as possui
em clima de delírio. Mas falta alguma coisa, alguma inquietação por
aquilo que transcende ao sexo. Ele não ultrapassa a superfície dos
corpos e nada revela a respeito das verdades mais profundas da
relação amorosa. Simplesmente registra os encontros e os
desencontros físicos dos amantes, com seu inegável estilo sedutor.
No poema Boa-noite, por exemplo, a beleza de algumas metáforas
não impede que se perceba a superficial ligação que o poeta
estabelece entre a amada e várias heroínas da literatura ocidental,
numa espécie de ronde de femmes (rodízio de mulheres). O
resultado é atraente, mas desprovido de profundidade:
Boa-noite, Maria - Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa-noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa noite!... E tu dizes - Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não me digas descobrindo o peito,
Mar de amor onde vagam meus desejos.(...)
O POETA E A MORTE
Antes de sua doença, Castro Alves já experimentara o velho tema
romântico da morte na juventude e o triste lamento que esta intuição
do fim nele despertava.
O abismo entre os seus sonhos e a sombria realidade que impede a
realização dos mesmos aparece em Mocidade e Morte, um de seus
poemas fundamentais e, além de tudo, profético, conforme se pode
ver nas primeiras estrofes:
Oh! Eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minha alma adejar* pelo infinito,
Qual branca vela n'amplidão dos mares.
No seio da mulher há tanto aroma...
Nos seus beijos de fogo há tanta vida...
- Árabe errante, vou dormir à tarde
À sombra fresca da palmeira erguida.
Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea* fria.
7
América, condenando as formas de opressão dos colonialistas e
defendendo uma república utópica.
Cosmopolita, o escritor deixou quadros curiosos como a descrição do
Inferno de Wall Street, onde vê o capitalismo como doença.
Observe-se, por outro lado, que os seus achados poéticos mais
felizes coexistem com trechos ininteligíveis, retóricos e pretensiosos.
O ROMANCE ROMÂNTICO
I - ORIGENS
Os romances dos autores românticos europeus como Victor Hugo,
Alexandre Dumas, Walter Scott e outros tornaram-se populares no
Brasil através de sua publicação em jornais, depois de 1830, criando
no público o gosto por um gênero ainda desconhecido entre nós.
Tanto na Europa quanto nas traduções brasileiras, essas narrativas
eram primeiramente publicadas na imprensa, na forma de capítulos
diários ou semanais, aumentando de maneira extraordinária a
tiragem dos periódicos. Os leitores não escondiam seu entusiasmo
pelo desenvolvimento das histórias, seduzidos pela sucessão de
acontecimentos trepidantes, pelas emoções desenfreadas, pela
linguagem acessível e pela ausência de qualquer abstração
intelectual.
Tais romances receberam o nome de folhetins. Ao escrever um
folhetim, o artista submetia-se às exigências do público leitor e dos
diretores de jornais. O francês Eugène Sue chegou a ressuscitar um
personagem porque os leitores não haviam se conformado com sua
morte. Ou seja, o que determinava o desenvolvimento e o desfecho
de uma narrativa era o gosto popular. Desta forma, ao criar um
folhetim o escritor se sujeitava aos valores culturais e ideológicos do
público, que desejava histórias melodramáticas e alienadas da
realidade.
Por razões econômicas, quase todos os ficcionistas do período
passaram a produzir primeiro para a imprensa. Mesmo alguns dos
maiores novelistas do século XIX, como Dostoievski e Machado de
Assis, se viram compelidos a lançar suas obras em fascículos.
Todavia, eles não aceitavam a concepção folhetinesca da narrativa,
mantendo sua independência estética. Outros, mais interessados na
venda e na popularidade subordinavam seus textos à estrutura típica
do folhetim, que é a seguinte:
Harmonia
· felicidade
· ordem social burguesa
Desarmonia
· conflito
· desordem
· crise da sociedade burguesa
Harmonia final
· reestabelecimento da felicidade
· reordenação definitiva da sociedade burguesa, com o triunfo de
seus valores
Com o tempo, os ficcionistas passaram a utilizar uma série de
truques narrativos, repetidos até a exaustão. Exemplo disso são os
conflitos mais óbvios e recorrentes, vividos pelos protagonistas, e
suas soluções quase sempre idênticas:
Adejar: esvoaçar Lájea: pedra do túmulo
2. SOUSÂNDRADE (1833-1902)
VIDA: Joaquim de Sousa Andrade nasceu em Alcântara, Maranhão.
De família abonada, viajou muito desde jovem, percorrendo inúmeros
países europeus. Formou-se em Letras pela Sorbonne. Depois faz o
curso de Engenharia. Em 1870, conheceu várias repúblicas latinoamericanas. A partir de 1871, fixou residência em Nova Iorque, onde
mandou imprimir suas Obras poéticas. .... Em 1884, lançou a versão
definitiva de seu O Guesa, obra radical e renovadora. Morreu
abandonado e com fama de louco.
OBRAS: Obras poéticas e O Guesa
O GUESA
Sua obra mais perturbadora é O Guesa, poema em treze cantos, dos
quais quatro ficaram inacabados. A base do poema é a lenda
indígena do Guesa Errante. O personagem Guesa é uma criança
roubada aos pais pelo deus do Sol e educado no templo da
divindade até os 10 anos, sendo sacrificado aos 15 anos, após longa
peregrinação pela "estrada do Suna".
Na condição de poeta maldito, Sousândrade identifica seu destino
pessoal com o do jovem índio. Porém, no plano histórico-social, o
poeta vê no drama de Guesa o mesmo dos povos aborígenes da
· a falta de dinheiro - o pobre casa com a rica e vice-versa, movido
apenas pelo amor; ou um deles recebe grande herança de parente
desconhecido, etc.
· a ausência de identidade - aparecem amuletos, retratos, objetos ou
sinais corporais que provam o que se deseja provar, geralmente a
origem nobre ou burguesa de um plebeu.
· a inexistência de testemunhos - surgem personagens, muitas vezes
vindos das sombras, que ouvem conversações secretas ou recebem
confissões proibidas, e que então confirmam uma identidade perdida
ou inculpam alguém por um crime cometido.
Como regra geral, no último capítulo, após intensos tormentos,
maldade e desolação, os obstáculos são removidos e o amor vence.
Em vários romances, contudo, a ordem social é mais forte que a
paixão e os amantes acabam destruídos pelas conveniências e pelos
preconceitos. De qualquer maneira, o final de um folhetim tem
sempre um caráter apoteótico e desmedido, seja na felicidade, seja
na dor.
II - O SURGIMENTO NO BRASIL
O sucesso do folhetim europeu, em jornais brasileiros, foi resultado
da emergência de um novo público leitor, composto basicamente por
estudantes e mulheres. Era um público urbano, mas não raro
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procedente do campo: em
geral, filhos e esposas de senhores rurais que haviam se
estabelecido na Corte, depois da Independência.
As mensagens sentimentais libertadoras dos folhetins serviram como
uma luva às necessidades daquela gente asfixiada pelas regras
intolerantes de uma sociedade economicamente agrária e
culturalmente arcaica. E isso estimulou o aparecimento de vulgares
adaptações dos relatos românticos, feitas por escritores de segunda
categoria. Teixeira e Sousa, em 1843, publicou O FILHO DO
PESCADOR, tornando-se o pioneiro desse subgênero. No entanto, em
1844, veio à luz A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo. Pelo
enredo melhor articulado, pelo registro do ambiente carioca e pela
sutil harmonização entre amor juvenil e preceitos conservadores,
esta narrativa ultrapassava a dimensão de simples cópia de folhetins
europeus. Sob certos aspectos, estava nascendo o romance
brasileiro.
III - OS ROMANCISTAS ROMÂNTICOS
1. JOAQUIM MANUEL DE MACEDO
(1820-1882)
VIDA: Nasceu em Itaboraí (RJ), filho de
uma família de posses. Jovem ainda,
formou-se em Medicina, a qual não
praticaria, seduzido pela carreira literária, pelo magistério (foi
preceptor dos filhos da princesa Isabel e professor de História no
colégio Pedro II) e pela política (tornou-se deputado pelo Partido
Liberal em várias legislaturas), além de fazer constantes incursões
pelo jornalismo. Foi o primeiro escritor brasileiro a conhecer grande
popularidade, deixando uma obra bastante vasta de mais de
quarenta títulos. Morreu no Rio de Janeiro.
OBRAS PRINCIPAIS: A Moreninha (1844); O moço loiro (1845);
Memórias do Sobrinho de Meu Tio(1867); A Luneta Mágica (1869).
A importância de Joaquim Manuel de Macedo resulta de uma
percepção do próprio escritor: o público leitor nacional, centralizado
na capital federal e devorador de folhetins europeus, estava disposto
a aceitar um romance adaptado a cenários brasileiros, desde que a
conservado o modelo de enredo das narrativas inglesas e francesas.
Além disso, o escritor deu-se conta de que precisava vencer a
barreira moral - imposta pela estrutura patriarcalista - que não via
com bons olhos a explosão de sentimentos naquelas histórias que
afirmavam o direito da paixão sobre a obediência e sobre a
hierarquia social. A adaptação que Macedo fez, portanto, era uma
necessidade, podendo ser assim resumida:
ROMANCE BRASILEIRO =
(ROMANCE ROMÂNTICO EUROPEU + CENÁRIOS BRASILEIROS
+ VALORES PATRIARCAIS)
O produto desse esforço foram relatos desprovidos de grande valor
artístico, mas que possibilitavam ao leitor várias identificações.
Tropeçava-se a todo instante em ruas, praças, praias e outras
paisagens conhecidas. Aqui e ali, sob algum disfarce, topava-se com
uma figura típica da sociedade carioca (fluminense, se dizia então).
Um nome era lembrado, um costume coletivo evidenciado, de tal
forma que a alegria do reconhecimento tornava-se contínua - como
se, atualmente, alguém descobrisse o seu mundo e a si próprio num
filme ou numa telenovela.
Macedo parece ceder "a um irresistível impulso de tagarelice".
Tagarelice comprovada na quantidade de sua produção: em pouco
mais de trinta anos de carreira, escreveu dezoito romances, quinze
peças de teatro, dois livros de poemas e sete volumes de
variedades. Mesmo assim, forneceu as bases para a criação do
romance brasileiro. Ao focalizar os costumes patriarcais, inventariou
as dificuldades e os fuxicos próprios dos afetos juvenis,
invariavelmente centrados no namoro e na promessa de casamento,
e acabou mostrando (sem teor crítico), a pequenez de nossa vida
urbana. Acima de tudo, a sua importância na história literária advém
do fato de conquistar os leitores para uma ficção voltada para temas
e cenários locais, abrindo caminho a escritores de maior significado.
A Moreninha até hoje é a sua obra mais conhecida. Apesar da
superficialidade da trama, há no texto um tom alegre e
descompromissado que ainda diverte.
2. JOSÉ DE ALENCAR (1829-1877)
VIDA: Filho de tradicional família da elite
cearense, José Martiniano de Alencar nasceu em
Mecejana, no interior do Ceará. Seu pai, homem
8
culto, liberal extremado, participou de várias revoluções, como a
chefiada por Frei Caneca, em 1817, e a Confederação do Equador,
em 1824, exercendo também cargos políticos importantes, como o
de senador do Império. O menino viveu, portanto, em um ambiente
familiar intelectualizado e favorável à formação cultural. Tinha nove
anos quando se mudou com os pais para a Corte (Rio de Janeiro),
onde fez seus estudos primários, seguindo depois para São Paulo
com o objetivo de concluir o secundário e matricular-se em Direito,
curso no qual se formou em 1851, com vinte e dois anos de idade.
De volta à Corte, trabalhou como advogado e jornalista. Em 1856,
sob pseudônimo de Ig, teceu duras críticas ao poema “Confederação
dos Tamoios”, de Gonçalves de Magalhães, que, por seu turno, foi
defendido pelo próprio Imperador, também sob pseudônimo. No
mesmo ano, Alencar publicou seu romance de estréia, “Cinco
minutos.” Em 1857, lançou no jornal O Diário do Rio de Janeiro, sob
a forma de capítulos, o folhetim “O guarani”, que teve uma
repercussão jamais conhecida por qualquer outro escritor até então
no país. Com trinta e cinco anos, casou-se com a sobrinha do
Almirante Cochrane, herói da Independência. O casal teve quatro
filhos.
OBRAS PRINCIPAIS:
Romances urbanos: Cinco minutos (1856); A viuvinha (1857);
Lucíola (1862); Diva (1864); A pata da gazela (1870); Sonhos d'ouro
(1872); Senhora (1875); Encarnação (1877).
Romances regionalistas ou sertanistas: O gaúcho (1870); O
tronco do ipê (1871); Til (1872); O sertanejo (1875).
Romances históricos: As minas de prata (1862); Alfarrábios (1873);
A guerra dos mascates (1873)
Romances indianistas: O guarani (1857); Iracema (1865); Ubirajara
(1874)
Estas categorias comprovam a amplitude geográfica, histórica e
social do projeto literário de José de Alencar. Sua ambição era
desmedida: cogitou fazer aqui o que Balzac fizera na França, ou
seja, um painel gigantesco dos múltiplos aspectos da realidade
nacional. Quis construir o romance brasileiro, a partir de um projeto
que abrangesse a totalidade da nação, tanto na sua diversidade
física-geográfica quanto em seus aspectos sócio-culturais; tanto em
suas origens históricas gloriosas quanto nos mitos dos heróis
fundadores da nacionalidade.
Regiões, história, costumes e mitos: eis a sua fórmula.
A LITERATURA COMO ALMA DA PÁTRIA
Em conseqüência, a idéia chave para a compreensão da obra de
Alencar talvez esteja na sua célebre frase: "A literatura nacional que
outra coisa é senão a alma da pátria?" Ou seja, cabe ao texto
literário expressar a nação. Ele é o espelho no qual os brasileiros
devem reconhecer-se como povo e como unidade cultural e
territorial. Nele, os leitores desse país jovem, (que ainda não tivera
nem sua geografia, nem sua alma, nem seus costumes registrados)
poderiam encontrar uma identidade, uma auto-imagem favorável.
UM PAINEL INCOMPLETO DO PAÍS
Na celebração exaltada do nacional está a grandeza, mas também o
principal problema do espelho alencariano. O Brasil que ele mostra
tende à idealização da realidade humana e social. É um espelho
opaco, que não reflete nem as mazelas da escravidão nem a
brutalidade das camadas senhoriais. Reflete quase tão somente as
luzes fulgurantes do trópico, e o destemor, a generosidade e o
altruísmo de sua gente.
Assim, as imagens que aparecem nos romances de Alencar, em
regra, são positivas e idealizadas. Elas transmitem uma certa
sensação de irrealidade e, às vezes, nos parecem retorcidas e
falsas. Correspondem menos aos fundamentos românticos da época
e mais à necessidade das elites letradas apresentarem o país sob
uma ótica benigna e auto-elogiosa. Mesmo assim, em várias obras, o
autor cearense consegue ultrapassar os limites ideológicos que o
aprisionavam à sua época, revelando qualidades de grande
ficcionista.
A IMPORTÂNCIA DE JOSÉ DE ALENCAR
As estruturas do folhetim, o predomínio da ação sobre os caracteres,
o nacionalismo ufanista e a visão idealizada da existência - que
compõem a obra de Alencar - não fascinam mais os leitores. Sob
este ângulo, seus romances pertencem a outra época, desgastaramse com o passar do tempo e oferecem dificuldades de leitura,
sobretudo aos jovens. Não obstante, por várias razões, o autor
cearense continua tendo uma importância histórica extraordinária:
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LITERATURA – WAGNER LEMOS
* Consolidou o romance
brasileiro ao escrever movido por um sentimento de missão patriótica
(durante toda a sua carreira, parece que nada mais quis senão
descobrir a essência da nacionalidade.)
* Discutiu incessantemente a questão da autonomia de nossa
literatura, procurando eliminar as influências portuguesas sobre a
mesma (ainda que às vezes caísse em padrões franceses e
ingleses).
* Preocupou-se em construir um painel, o mais abrangente possível,
da realidade brasileira. Seu esforço de totalização fracassou, é
verdade. Contudo, a idéia de um romance, ou de um conjunto de
romances, capazes de representar a nação (ou o povo) ainda
encontraria eco nos escritores do século XX, como Mário de
Andrade, Antônio Callado e João Ubaldo Ribeiro, entre outros.
* Foi o primeiro ficcionista a perceber a vastidão e a diversidade do
país, intuindo algumas especificidades regionais e abrindo um filão (a
narrativa de temática rural) que continua presente na ficção
contemporânea.
* Nos momentos mais felizes (Iracema, Senhora e Lucíola), alcançou
a análise psicológica, quase à maneira realista, além de mostrar o
peso da sociedade nas relações pessoais.
* Problematizou a questão da língua brasileira e ele próprio criou
uma linguagem literária original, muitas vezes de grande densidade
poética.
* Em muitos de seus romances demonstrou um esforço estético, uma
"vontade de forma", uma capacidade de elaboração artística que não
encontramos em nenhum outro prosador do período.
Por todos estes motivos, José de Alencar pode ser considerado o
fundador do romance brasileiro.
3. BERNARDO GUIMARÃES (1825-1884)
VIDA: Nasceu em Ouro Preto, onde passou a
infância e os primórdios da adolescência, indo
depois para São Paulo estudar Direito. Foi colega de
Álvares de Azevedo e na faculdade tinha fama de
boêmio e satírico, tendo inclusive produzido uma
lírica (Cantos da solidão) identificada com o
satanismo byroniano e com humorismo. Também escreveu poemas
pornográficos que obtiveram muito sucesso na época Foi nomeado
juiz no interior de Goiás, onde mostrou seu lado boêmio até ser
exonerado da função. Passou rapidamente pelo Rio de Janeiro,
voltou a Ouro Preto, casou-se e se tornou professor secundário. A
publicação de A escrava Isaura, em 1875, garantiu-lhe prestígio
nacional, a ponto do próprio Imperador visitá-lo na antiga capital
mineira. Morreu aos cinqüenta e nove anos.
OBRAS PRINCIPAIS: O Ermitão do Muquém (1864); O Garimpeiro
(1872); O Seminarista (1872); A Escrava Isaura (1875).
Nenhum autor expressou tão amplamente a tendência sertanista
como Bernardo Guimarães. Vivendo, alguns anos, no interior (oeste
de Minas e sul de Goiás), conheceu-o bem, descrevendo-o com
certa minúcia e com um estilo mais ou menos trivial, pontilhado por
algumas falas pitorescas da região.
A exemplo dos demais ficcionistas de temática rural, suas narrativas
variam entre um modesto realismo e o melodrama romântico mais
inverossímil. Quando a primeira tendência domina, ele escreve um
romance aceitável, O seminarista; quando o folhetim impera, seus
relatos tornam-se risíveis, caso de O garimpeiro e A escrava Isaura.
4 . VISCONDE DE TAUNAY (1843-1899)
VIDA: Alfredo d'Escragnolle-Taunay nasceu no Rio de Janeiro, no
seio de uma família aristocrática e dada às artes. Seu avô paterno,
Nicolau Antônio, viera da França para fundar a Academia de Belas
Artes do Rio de janeiro. Seu pai, o também pintor Félix Taunay,
tornara-se preceptor de d. Pedro II. Induzido pelos familiares a
abraçar a carreira das armas, Alfredo cursou engenharia na Escola
Militar e como segundo tenente participou da expedição que tentou
repelir os paraguaios que dominavam o sul da província de Mato
Grosso. A derrota militar que se seguiu, ocasionada pela falta de
víveres e pelo cólera, seria retratado de forma pungente em A
retirada de Laguna, relato escrito em francês, já que o futuro
visconde era bilíngüe.
9
Finda a Guerra do Paraguai tornou-se professor de geologia da
Escola Militar. Em 1872, publicou Inocência, espécie de Romeu e
Julieta sertanejo, certamente a sua principal obra. Foi nomeado
presidente da província de Santa Catarina e depois presidente do
Paraná. Em 1886, alcançou o Senado, mas por fidelidade ao
Imperador, abandonou a política após a proclamação da República.
Diabético, morreu na capital federal com cinqüenta e seis anos
incompletos.
OBRAS PRINCIPAIS: A retirada da Laguna (1871); Inocência
(1872).
Visconde de Taunay é o mais interessante dos ficcionistas do
sertanismo romântico, embora tenha publicado apenas um romance
dentro da referida linhagem.
5. FRANKLIN TÁVORA (1842-1888)
VIDA: Nasceu em Baturité, no interior do Ceará. Formou-se em
Direito, na célebre Faculdade do Recife. Em 1874 mudou-se para o
Rio de Janeiro e ingressou na vida burocrática onde desempenhou
funções mais ou menos modestas. O gosto pela história acabou
levando-o ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Morreu na
pobreza aos quarenta e seis anos.
OBRAS PRINCIPAIS:
O Cabeleira (1876); O matuto (1878);
Lourenço (1881).
Em Franklin Távora, o regionalismo mais do que o assunto é
polêmica, conforme se vê no prefácio de O Cabeleira: As letras têm,
como a política, um certo caráter geográfico; mais no Norte, porém,
do que no Sul, abundam os elementos para a formação de uma
literatura propriamente brasileira, filha da terra. A razão é óbvia: o
Norte ainda não foi invadido como está sendo o Sul de dia em dia
pelo estrangeiro. (...)
Temos o dever de levantar ainda com luta e esforço os nobres foros
dessa região, exumar seus tipos legendários, fazer conhecidos seus
nomes, suas lendas, sua poesias máscula, nova, vívida e louçã...
Os desígnios do romancista não se realizaram, no entanto. No caso
de seu relato mais conhecido, O Cabeleira, a intenção de realismo
esgota-se na reconstituição do ambiente e na escolha de uma
história de cangaço, ocorrida objetivamente no século XVIII. Nem o
assunto nem a distância histórica garantiram verossimilhança à
narrativa, perturbada pela contradição permanente dos sertanistas
românticos: observações realistas dentro de um arcabouço
exagerado e melodramático de folhetim.
TEATRO
Luís Carlos MARTINS PENA
Dramaturgo carioca (1815-1848). Criador da
comédia de costumes no teatro brasileiro e um
dos pioneiros ao retratar o processo de
urbanização no século XIX. É considerado o
primeiro dramaturgo de destaque do país. De
origem humilde, consegue entrar para a carreira
diplomática e trabalha como secretário em Londres e Lisboa.
Utiliza com precisão a linguagem coloquial para satirizar os
desmandos dos políticos dos três poderes: Executivo, Legislativo e
Judiciário. Critica o governo e o funcionamento precário dos
serviços públicos em O Cigano e na Comédia Sem Título. Ironiza o
uso da religião em proveito próprio em O Irmão das Almas e
mostra a ineficiência do Legislativo em O Usuário. Na comédia de
costumes, retrata o contato das pessoas do interior com os
cidadãos urbanos da Corte em O Juiz de Paz da Roça e Um
Sertanejo na Corte. Martins Pena escreve 20 comédias e seis
dramas, entre os 22 anos e os 33 anos, quando morre de
tuberculose. Entre suas obras, temos ainda: Quem Casa Quer
Casa; Judas em Sábado de Aleluia; O Noviço;
REALISMO/NATURALISMO NO BRASIL
ORIGENS
O fim da Guerra do Paraguai (1865-1870) determina o fim da
legitimidade da monarquia brasileira junto a parcelas consideráveis
da população. Nem a vitória militar revigora o regime. Ao contrário,
os oficiais do Exército, em seu retorno, recusam-se a perseguir os
escravos fujões e começam a ser atraídos por idéias positivistas e
republicanas. Na sociedade civil, especialmente a urbana, um forte
sentimento oposicionista toma conta dos setores médios e do público
jovem. No Nordeste, arruinado economicamente, surge a geração
contestadora dos anos de 1870.
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LITERATURA – WAGNER LEMOS
Sílvio Romero, Tobias
Barreto e outros agitam um punhado de novas ideologias. De Comte
a Taine, tudo que é e anti-monárquico, anti-clerical, anti-escravocrata
e anti-romântico encontra eco na rebelde cidade do Recife. Já no
início da década, Sílvio Romero, influenciado por teorias realistas,
passa o atestado de óbito da poesia romântica, acusando-a de
"lirismo retumbante e indianismo decrépito" As mortes de Castro
Alves, em 1871, e a de José de Alencar, em 1877, representam o fim
de um ciclo literário, ainda que tanto o poeta baiano como o
romancista cearense já se aproximassem, no fim de suas vidas, de
uma expressão mais objetiva e menos idealista da realidade. De
qualquer forma, o Romantismo e o II Império tinham estado muito
próximos e agora ambos iriam passar por uma longa agonia, à
espera do último suspiro.
A sociedade, no entanto, continua se movendo, exigindo mudanças.
Em São Paulo, uma nova elite cafeicultora se distingue dos velhos
barões do café, do Vale do Paraíba, por seu ideário modernizador:
preferem imigrantes a escravos em suas lavouras e não são
totalmente hostis à nascente atividade industrial. Levas de imigrantes
chegam, ora para o trabalho assalariado nas fazendas, ora para a
ocupação de pequenas propriedades, no sul do país. Graças a seus
hábitos de poupança e a seus conhecimentos técnicos, muitos deles
migrarão para as cidades, constituindo pequenas indústrias semiartesanais.
O SURGIMENTO NO BRASIL
O Romantismo termina antes do Império. Na década de 1880 ele já
está superado nos meios artísticos, exceto na música.* Neste
momento histórico, a intelectualidade rebela-se contra a pieguice, o
exagero, o nacionalismo ufanista, e exige uma postura crítica diante
da vida. 1881 é o ano decisivo: Machado de Assis lança Memórias
póstumas de Brás Cubas, e Aluísio Azevedo publica O mulato,
inaugurando respectivamente o Realismo e o Naturalismo entre nós.
Advirta-se, contudo, que o realismo machadiano tem pouco a ver
com os princípios europeus do movimento, constituindo-se - como
veremos adiante - num realismo à parte. Também o romance
inaugural da estética naturalista é perturbado por desvios românticos
e melodramáticos, fazendo de O mulato uma obra de estilo
mesclado. Apesar disso, as duas narrativas representam o triunfo do
novo e abrem um período de excepcional brilho em nossa literatura.
* Curiosamente, o Romantismo permanece até hoje no gosto popular
como modelo insuperável de um certo tipo de arte emotiva, singela, e
mais ou menos superficial.
MACHADO DE ASSIS (1839-1908).
VIDA: Joaquim Maria Machado de Assis
nasceu no Rio de Janeiro, RJ em 21 de junho
de 1839 e passou a infância e a adolescência
no morro do Livramento. Cedo perdeu a mãe
e ficou sob os cuidados da madrasta, Maria
Inês. Fez os estudos primários numa escola
pública do bairro de São Cristóvão e foi aluno
do padre Silveira Sarmento, que o contratou
como sacristão. Interessou-se então pelo
estudo de línguas e aprendeu francês, inglês
e alemão.
Entrou como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional, de onde
passou, como revisor de provas, para a tipografia de Paula Brito. Lá
conheceu escritores e jornalistas. A partir desse ano, colaborou no
Correio Mercantil, Diário do Rio de Janeiro, Semana Ilustrada e
Jornal das Famílias, periódicos onde publicou boa parte de sua obra
inicial. Em 1867 foi nomeado ajudante do diretor do Diário Oficial e
dois anos mais tarde casou-se com Carolina Augusta Xavier de
Novais, irmã do poeta português Faustino Xavier de Novais. O
casamento teve importância decisiva na vida de Machado de Assis,
pois os 35 anos de vida conjugal harmoniosa dariam ao escritor a
serenidade necessária à criação de sua obra. Foi intensa a atividade
do escritor na década de 1870. No Jornal das Famílias, entre 1874 e
1876, iniciou a publicação das Histórias românticas, e, depois,
Relíquias de casa velha. Ainda em 1874, começou no jornal O Globo
a publicação, em folhetins, de A mão e a luva.
Em 1880 foi nomeado oficial de gabinete do ministro da Agricultura;
oito anos mais tarde foi elevado à categoria de oficial da Ordem da
Rosa; e em 1892 ascendeu a diretor-geral da Viação. Paralelamente,
consolidou-se seu prestígio como escritor, já amplamente
reconhecido. Em 1896 fundou, com outros intelectuais, a Academia
Brasileira de Letras, da qual foi eleito presidente no ano seguinte.
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Machado de Assis criou uma obra equilibrada que inclui romances,
contos, crônicas, ensaios, poesia e teatro. Mas foi no romance e no
conto que se realizou plenamente como escritor. Como dramaturgo,
limitou-se às comédias ligeiras, na maior parte delas com um único
ato, sem importância em sua produção. Das 13 peças que escreveu,
destacas-se Tu só, tu, puro amor e Lição de botânica. Como poeta,
contemporâneo ainda da segunda geração romântica, Machado
sofreu a influência dessa escola: seus versos -- reveladores de uma
severa perfeição formal -- não possuem, entretanto o mesmo calor
nem a força expressiva dos grandes poetas românticos.
No ensaio, revelou-se prosador correto, elegante e agudo crítico
literário e teatral. Como cronista, é um dos maiores do Brasil: ágil,
espirituoso, sempre atento aos acontecimentos, conseguiu captar e
tratar com humor a alma carioca de sua época.
No conto, Machado de Assis produziu algumas obras-primas. São
contos de observação da vida exterior e de análise psicológica, em
que o autor foi mestre consumado. O conto machadiano é uma arte
de pormenores, de sutilezas, em que há o engaste perfeito da
simplicidade do estilo, do humor e da reflexão.
Já nos primeiros romances, Machado deixa entrever as qualidades
de grande prosador. Brás Cubas é o romance que serve de divisor
de águas da obra machadiana e inaugura a fase de maturidade do
escritor; Dom Casmurro faz voltar o estilo das memórias quasepóstumas, ao apresentar o relato de Bentinho, que se crê traído pela
mulher e pelo melhor amigo, e relata sua vida quando ambos já
estão mortos. As primeiras obras, embora românticas, já esboçam,
nas entrelinhas das situações insípidas, não apenas o perfil do sóbrio
estilista, mas algumas das linhas mestras que se afirmam em sua
obra a partir de Brás Cubas. Sutil e reticente, Machado examina a
precariedade da condição humana e destila, vagaroso e implacável,
seu fel contra a vida e os homens. A dúvida, a indecisão, o logro e a
loucura são temas característicos de seus romances, a que, se
faltam pujança e paixão, sobram estilo e viva observação
psicológica. O agravamento de sua doença, a epilepsia, mal que,
latente na infância, acentuou-se por volta dos quarenta anos, talvez
determinasse de certa forma seu radical e incurável ceticismo.
Machado de Assis levou vida retirada depois da morte da esposa,
em 1904, e morreu em 29 de setembro de 1908, na casa do Cosme
Velho, no Rio de Janeiro.
1º e 2ª Fases
1ª Fase
A Prosa – Considerados pelo autor como frutos de uma época de fé
ingênua, ingenuidade esta perdida ao seguir novos caminhos: "me
fui a outras e diferentes páginas", ou seja, páginas realistas.
Mas, apesar de romanescos, os romances e contos dessa época já
mostram algumas características que iriam, mais tarde, se consolidar
na obra de Machado: o amor contrariado, o casamento por interesse,
uma ligeira preocupação psicológica e uma leve ironia.
Romance – 1ª fase: Ressurreição (1872); A mão e a luva (1874);
Helena (1876); Iaiá Garcia (1878).
Machado passou pelo Romantismo e pelo Realismo, assimilando
características de ambos, mas não se pode enquadrá-lo
radicalmente em nenhum desses estilos. Pode-se dizer, grosso
modo, que os romances da primeira fase tendem ao Romantismo e
os da segunda fase ao Realismo.
Porém, nos romances de primeira fase, já se podem notar algumas
novidades. Sendo a principal delas é a criação de personagens que
ambicionam, sobretudo mudar de classe social, ainda que isso lhes
custe sacrificar o amor (excetuando Ressurreição, os outros três
romances dessa fase levam esse tom), bem diferente dos romances
românticos em que os personagens em geral comportam-se de
acordo com aquilo que lhes dita o coração.
2ª Fase
A prosa – A essa fase pertencem verdadeiras obras primas de
Machado. A análise psicológica dos personagens, o egoísmo, o
pessimismo, o negativismo, a linguagem correta, clássica, as frases
curtas, a técnica dos capítulos curtos e da conversa com o leitor são
a principal característica dos textos realistas, ao lado da análise da
sociedade e da crítica aos valores românticos. "Memórias Póstumas
de Brás Cubas", além de ser o primeiro romance realista da literatura
brasileira, é uma obra inovadora, com uma série de características
que distinguiriam as obras-primas de Machado de Assis. Além de
"Memórias Póstumas de Brás Cubas", podem ser citados outros
importantes romances da segunda fase de Machado: "Quincas
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LITERATURA – WAGNER LEMOS
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Borba";
"Dom
Casmurro"
(estes dois sendo duas obras-primas); "Esaú e Jacó"; e "Memorial de
Assis" (seu último romance - segundo a crítica teria caráter
autobiográfico, servindo para equilibrar a falta da esposa morta).
literatura: O Ateneu, que traz um enganoso subtítulo: Crônica de
saudades.
Podem ser citados como características de seus romances dessa
fase:
VIDA: Nasceu em São Luís do Maranhão, filho
de uma mulher cheia de ousadia que abandonara
o marido, grosseiro comerciante português, para
ir viver em regime de concubinato com o vicecônsul de Portugal, com quem teve cinco filhos.
Estimulado pela atmosfera intelectual e artística
que imperava em sua casa, Aluísio revelou
precocemente pendor pelo desenho e pela
pintura. Em 1879, estreou na literatura com um
medíocre folhetim, Uma lágrima de mulher. Dedicou-se também ao
jornalismo, editando O pensador, um jornal de combate ao clero e ao
atraso mental de cidade. A culminância de sua rebeldia ocorreu em
1881, quando publicou o romance O mulato. A denúncia da
corrupção do clero e do preconceito racial existentes na burguesia
maranhense irritou os leitores da província, impelindo Aluísio
Azevedo, então com vinte e quatro anos, a retornar ao Rio. Passou a
viver exclusivamente da literatura, lançando folhetins românticos de
baixa categoria, entremeados por duas narrativas naturalistas. Em
1895, com quase quarenta anos, ingressou na carreira diplomática.
Como cônsul, percorreu uma série de países estrangeiros. A partir
de então, surpreendentemente, abandonou a produção literária. Os
motivos de sua renúncia ficaram ignorados. Morreu em Buenos
Aires, onde servia e vivia conjugalmente com uma senhora argentina
e dois filhos desta.
- Quanto à visão do mundo - pessimismo (mostra uma visão trágica
e amarga da existência humana); humor (seria uma válvula de
escape diante da miséria humana); denúncia da hipocrisia e do
egoísmo (no universo de Machado, os bons sentimentos sempre
surgem para esconder uma outra face, egoísta e hipócrita); ironia
(também é uma forma do escritor refletir sobre a vida).
- Quanto aos personagens - seus personagens são homens
comuns, que não podem ser classificados como bons ou maus. O
autor abandona o exterior, indo penetrar na consciência, no mundo
interior de cada personagem, onde encontra: paixão pelo dinheiro;
egoísmo; medo da opinião alheia; dissimulação (principalmente nas
personagens
femininas);
e
vaidade.
- Quanto à narração - sua preocupação é com o caráter, a vida
interior dos personagens, por isso, em suas narrativas há pouca
ação e muita reflexão.
Muitas vezes, o narrador interfere na trama, para conversar com o
leitor, debater, opinar, esclarecer. Graças a essa interferência, ao
final, fica a impressão de que o livro não foi "lido", mas sim "contado"
por alguém (isso se opõe às pretensões naturalistas, para as quais o
leitor teria que "ver" a cena descrita ou narrada).
Machado freqüentemente rompe a narrativa cronológica, linear, ora
começando pelo fim, ora pelo meio, além dos freqüentes cortes.
- Quanto à temática - certos temas aparecem com bastante
freqüência: a relatividade dos conceitos morais; a transitoriedade da
vida; o tédio; a preocupação psicológica está sempre presente, a
fronteira entre a lucidez e a loucura (tema do conto "O Alienista");
predominância do mal sobre o bem; a vaidade; o adultério (tema de
"Dom Casmurro"); a inconstância do ser humano; a contradição entre
aparência e essência.
Romances – 2ª fase: Memórias póstumas de Brás Cubas (1881);
Quincas Borba (1891); Dom Casmurro (1899); Esaú e Jacó (1904);
Memorial de Aires (1908).
Diante dessa esquematização, pode-se concluir que na trajetória de
Machado de Assis ocorreu uma mudança brusca, uma verdadeira
ruptura no modo de escrever; mas não é verdade. O que aconteceu
foi o amadurecimento gradual, lento, progressivo, apesar de o
primeiro romance da segunda fase ser revolucionário, não só em
relação aos anteriores, mas também em relação a toda a história da
literatura brasileira.
OBRAS:
Poesia: Crisálidas; Falenas; Americanas; Poesias Completas.
Romance: Ressurreição; A Mão e a Luva; Helena; Iaiá Garcia;
Memórias Póstumas de Brás Cubas; Quincas Borba; Do Casmurro;
Esaú e Jacó; Memorial de Aires.
Contos: Contos Fluminenses; Histórias da Meia-Noite; Papéis
Avulsos; Histórias Sem Data; Várias Histórias; Páginas Recolhidas;
Relíquias da Casa Velha.
RAUL POMPÉIA (1863-1895)
VIDA : Nasceu em Angra do Reis, filho de uma família de grandes
proprietários. Teve uma infância bastante reclusa, devido ao
isolamento social de seus pais. No começo da década de 1870, os
Pompéia se mudaram para a Corte e o menino vai estudar no mais
famoso e caro colégio da época, o Colégio Abílio, onde permaneceu
por cinco anos e do qual se vingaria dez anos depois. Concluiu seus
estudos no Colégio D. Pedro II e, mais tarde, bacharelou-se pela
Faculdade de Direito do Recife. Abolicionista e republicano exaltado,
é uma espécie de intelectual de esquerda da época. Ocupou vários
cargos públicos, inclusive a direção da Biblioteca Nacional. Seu
temperamento exaltado despertou ódios e inimizades. Chegou a
marcar um duelo com Olavo Bilac, que acabou não se realizando.
Esta sensibilidade doentia e não resolvida impeliu-o ao suicídio, num
dia de Natal. Contava então trinta e dois anos de idade.
OBRA PRINCIPAL: O Ateneu (1888)
Ainda que tenha escrito poemas (Canções sem metro), uma novela
(Uma tragédia no Amazonas), e deixado obras inéditas, Raul
Pompéia permanece como autor de um romance essencial de nossa
ALUÍSIO AZEVEDO (1857-1913)
OBRAS PRINCIPAIS:
Naturalistas - O mulato (1881); Casa de pensão (1884); O cortiço
(1890)
Folhetins - Girândola de amores (1882); O homem (1894); O livro de
uma sogra (1895).
Aluísio Azevedo é o primeiro caso de escritor no país a decidir-se
pela literatura como forma de sobrevivência. Para tanto, precisará
capitular às exigências do mercado que pede melodramas baratos e
de fácil digestão. Sem vergonha aparente, satisfaz o gosto do público
e lhe fornece o esperado. Simultaneamente, acaba encontrando na
estética naturalista, - seja através da obra de Zola, seja através dos
romances de Eça de Queirós - os princípios que lhe permitirão o
desenvolvimento de uma obra adulta. O trabalho como caricaturista e
a vocação para a pintura tinham intensificado o sentido plástico de
seu texto. "Primeiro desenho os meus romances. Depois, redijo-os." confessará ele mais tarde. O gosto naturalista pela descrição
minuciosa, pelos painéis abrangentes e pelos costumes coletivos
adequavam-se às tintas carregadas de sua linguagem. Assim como
a ênfase na denúncia social e na patologia correspondiam à sua
visão contestadora e também pessimista da realidade. Nas suas três
obras básicas, ele revolverá temas proibidos (ou escondidos), a
exemplo do racismo, da opressão dos trabalhadores livres, da
sexualidade tropical, das aberrações morais e biológicas de ricos e
pobres, etc.
PARNASIANISMO
CARACTERÍSTICAS
1) OBJETIVISMO E IMPESSOALIDADE
O poeta deve ser neutro diante da realidade, esconder seus
sentimentos, sua vida pessoal. A confissão íntima e o
extravasamento subjetivo, tão caros aos românticos, são vistos como
inimigos da poesia. O Eu precisa se apagar frente do mundo
objetivo, eclipsar-se. O espetáculo humano, cenas da natureza ou
simples objetos são registrados, sem que haja interferências da
interioridade do artista. A exemplo do que ocorrera no Realismo e no
Naturalismo, o escritor é aquele que observa e reproduz as coisas
concretas. Tal postura iria se tornar muito complicada num gênero
literário que, desde a sua fundação, centrara-se na revelação da
alma.
2) ARTE PELA ARTE
Os parnasianos ressuscitam o preceito latino de que a arte é gratuita,
que só vale por si própria. Ela não tem nenhum sentido utilitário,
nenhum tipo de compromisso. É auto-suficiente e justifica-se apenas
por sua beleza formal. Qualquer tipo de investigação do social,
referência ao prosaico, interesse pelas coisas comuns a todos os
homens seria "matéria impura" a comprometer o texto.
Restabelecem, portanto, um esteticismo de fundo conservador que já
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vigora na arte da decadência
romana. A literatura passa a ser apenas um jogo frívolo de espíritos
elegantes.
3) CULTO DA FORMA
O resultado da visão descompromissada é a celebração dos
processos formais do poema. A verdade de uma obra de arte passa
a residir apenas em sua beleza. E a beleza é evidenciada pela
elaboração formal. Logo:
VERDADE = BELEZA = FORMA = POESIA
A mitologia da perfeição formal constitui o alvo e a angústia básica
dos parnasianos. A beleza deve ser alcançada a qualquer custo e o
artista sente-se, muitas vezes, impotente para a realização desta
tarefa. Olavo Bilac versa sobre o dilaceramento entre o ideal poético
e a construção do poema em Perfeição, mostrando-a como uma
cidadela inconquistável:
Nunca entrarei jamais no teu recinto;
na sedução e no fulgor que exalas,
ficas vedada, num radiante cinto
de riquezas, de gozos e de galas*.
* Torre de marfim - * Galas - pompas, enfeites luxuosos.
O sentido da forma
Mas, afinal, o que é forma para os parnasianos? Eles consideram
como forma a maneira do poema ser apresentado, seus aspectos
exteriores. Forma seria assim a técnica de construção do poema.
Isso representava uma simplificação primária do fazer poético e do
próprio conceito de forma que passava a ser apenas uma fórmula.
Uma fórmula resumida em alguns itens básicos:
a) Metrificação rigorosa: os versos devem ter o mesmo número de
sílabas poéticas, preferencialmente doze sílabas (versos
alexandrinos), os preferidos na época.
b) Rimas ricas: os poetas devem evitar as rimas pobres, isto é,
aquelas estabelecidas por palavras da mesma classe gramatical,
como substantivo com substantivo, adjetivo com adjetivo, etc. No
período há uma ênfase no tipo de rima ABAB para as estrofes de
quatro versos, isto é o primeiro verso rima com o terceiro, o segundo
com o quarto. Não é incomum, contudo, o uso de rimas ABBA, isto é
o primeiro verso rima com o quarto e o segundo com o terceiro.
c) Preferência pelo soneto: os parnasianos reivindicam a tradição
clássica do soneto, composição poética de quatorze versos articulada obrigatoriamente em dois quartetos e dois tercetos - e que
se encerra com uma "chave de ouro", espécie de síntese do poema,
manifesta tão somente no último verso.
d) Descritivismo: eliminando o Eu, a participação pessoal e social, só
resta ao parnasiano uma poética baseada no mundo dos objetos,
objetos mortos: vasos, colares, muros, etc. São pequenos quadros,
fortemente plásticos (visuais), fechados em si mesmos, com grande
precisão vocabular e freqüente superficialidade. O trecho abaixo
pertence ao conhecido Vaso chinês, de Alberto de Oliveira:
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármore luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.
4) TEMÁTICA GRECO-ROMANA
Apesar de todo o esforço, os parnasianos não conseguem articular
poemas sem conteúdo e são obrigados a encontrar um assunto
desvinculado no mundo concreto para motivo de suas criações.
Escolhem a Antigüidade Clássica, aspectos de sua história e de sua
mitologia.
Esta matéria poderia render excepcionais reflexões filosóficas e
existenciais, pois integramos o Ocidente, e o nosso jeito de ser, agir
e pensar é profundamente marcado pela civilização grega, e mesmo
pela romana. Mas os poetas do período optam por quadros estáticos.
Nos deparamos então com centenas de textos que falam de deuses,
heróis, personagens históricos, cortesãs, fatos lendários e até
mesmo objetos.
O PARNASIANISMO NO BRASIL
ORIGENS
No Brasil, a adoção do Parnasianismo tem um múltiplo significado:
12
* Representa um desligamento da realidade local no que essa tinha
de pobre, feia e suja. Na adoção de valores europeus, os poetas
fecham suas obras para um mundo grosseiro, feito de horrores,
pestes e exploração, trocando o país concreto pela Antigüidade, pelo
sonho com a cidade-luz, Paris, e pelo nacionalismo ufanista. Nem
todos os parnasianos são conservadores do ponto de vista político,
mas sua arte o é.
* Assinala o triunfo de uma estética rígida que corresponde a uma
sociedade imobilizada. Os princípios da escola tornam-se cânones e
quem os desobedece , não ingressa no reino da poesia. Surgem
vários tratados, ensinando os leitores os preceitos e os truques da
nova poética que acaba caindo no gosto do público. Um público
pequeno: a elite leitora de fins do século XIX chega no máximo a
cinco por cento da população.
* Apresenta uma arte centrada em obviedades escritas com ênfase
retórica. Além das fórmulas fixas de agrado popular, como o soneto,
do refinamento verbal - que distinguia o letrado do semi-analfabeto e das regras autoritárias de poesia, os parnasianos produzem
mensagens convencionais, insípidas e, até mesmo, certas reflexões
filosóficas muito próximas da banalidade. Esta tendência ao
convencional e ao lugar-comum consolida-se socialmente porque
não ameaça, não questiona, não põe em xeque as concepções que
as classes dirigentes tinham de si mesmas e do Brasil.
* Domina intelectualmente o país por quarenta anos. De maneira
inesperada, os poetas do período acabam ganhando adeptos não
somente nas elites, mas também nos círculos intelectuais das
nascentes classes médias urbanas. Assim, o Parnasianismo
espalha-se por todo o país, alcançando um número monumental de
seguidores. Seu domínio foi de tal ordem que os organizadores da
Semana de Arte Moderna tiveram como um dos objetivos básicos a
destruição desses modelos parnasianos de poesia e de cultura.
* Coloca a criação literária como resultante do esforço e não da
inspiração. Os românticos haviam expresso uma crença tão
apaixonada na espontaneidade, no "borbulhar do gênio", no instinto
criativo, que todo o trabalho de pesquisa e cuidado formal do artista
parecia supérfluo. Já os parnasianos consideram a poesia como um
processo artesanal de luta com as palavras, de busca do rigor, de
suor e dedicação. Rompem com o amadorismo e a facilidade.
Mostram que a arte, normalmente, não aceita os preguiçosos e
aproximam-se da visão contemporânea sobre a construção do texto
literário e o papel profissional do escritor.
O SURGIMENTO NO BRASIL
A primeira manifestação parnasiana no Brasil data de 1882, ano em
que se publica o medíocre Fanfarras, de Teófilo Dias. Mas o
movimento estrutura-se e ganha prestígio popular com a constituição
da famosa tríade parnasiana: Olavo Bilac, Raimundo Correia e
Alberto de Oliveira.
OS POETAS DO PARNASIANISMO
1) OLAVO BILAC (1865-1918)
VIDA: Nasceu no Rio de Janeiro, numa família
de classe média. Estudou Medicina e depois
Direito, sem se formar em nenhum dos cursos.
Jornalista, funcionário público, inspetor escolar,
secretário do prefeito do Distrito Federal, exerceu
constante atividade republicana e nacionalista,
realizando pregações cívicas em todo o país, inclusive pelo serviço
militar obrigatório. Era um exímio conferencista e representou o país
em vários encontros diplomáticos internacionais. Foi coroado como
"príncipe dos poetas brasileiros", encarnando a liderança do grupo
parnasiano. Por isso, ingressou na Academia de Letras, na condição
de fundador. Paralelamente, teve certas veleidades boêmias e estas
inclinações noturnas não deixaram de escandalizar e, ao mesmo
tempo, fascinar a época.
OBRAS: Poesias (Reunião dos livros Panóplias, Via-láctea e Sarças
de fogo -1888); Tarde (1918)
Podemos indicar os seguintes assuntos como dominantes em sua
poética:
* a Antigüidade greco-romana * o lirismo amoroso * a reflexão
existencial. * o nacionalismo ufanista
O LIRISMO AMOROSO
Bilac trata do amor a partir de dois ângulos distintos: um mais
filosófico e sentencioso; o outro, mais descritivo e sensual. O
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primeiro caso ocorre nos trinta
e cinco sonetos que compõem o livro Via láctea e que lhe
granjearam imensa popularidade.
Escritos em decassílabos*, apresentam reflexões, lembranças,
paixões concretas ou irrealizadas, cogitações sobre o caráter do
afeto, etc., num conjunto de qualidade desigual, oscilando entre o
gosto romântico e o gosto clássico. O soneto XIII tornou-se
antológico:
Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
Olavo Bilac também quebra a impassibilidade parnasiana com o
patriotismo retumbante de seus versos. Transforma-se numa espécie
de poeta oficial da República Velha, fugindo do Brasil problemático e
inventando um Brasil de heróis intrépidos, grandezas infinitas e
símbolos a serem amados.
Bandeirantes ferozes, como Fernão Dias Pais Leme, são
transformados em agentes da civilização ("Violador dos sertões,
plantador de cidades / Dentro do coração da pátria viverás!") A
natureza, a exemplo do Romantismo, vira expressão da
nacionalidade. Crianças são convocadas a amar a pátria com "fé e
orgulho". E a poesia parece diluir-se num manual de civismo.
Um dos seus poemas patrióticos mais conhecidos é Língua
Portuguesa:
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea , como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Última flor do Lácio*, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga* impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba* de alto clangor*, lira singela,
Que tens o trom* e o silvo da procela* ,
E o arrolo* da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas."
13
*Decassílabos: versos de dez sílabas poéticas
A estes comentários sobre o significado dos sentimentos, o autor vai
preferir, em Sarças de fogo, a celebração dos prazeres corpóreos.
Uma profusão de beijos infinitos, abraços escaldantes, sangue
fervente e atritos libidinosos ajudam a enriquecer aquele erotismo do
fim do século XIX e cuja expressão em nossa pintura é Visconti.
Olavo Bilac tem o olho fremente do voyeur (sujeito que se excita
apenas com a contemplação dos corpos ou do ato sexual) e se
compraz na descrição nem sempre sutil da anatomia feminina. Se
levarmos em conta que a nudez das mulheres era um tabu na
sociedade brasileira, podemos imaginar o frêmito que os seus
poemas causavam então. Em Satânia, a luz do meio-dia cobre de
carícias o seu esplêndido corpo.
Nua, de pé, solto o cabelo às costas,
Sorri. Na alcova perfumada e quente,
Pela janela, como um rio enorme,
Profusamente a luz do meio-dia
Entra e se espalha, palpitante e viva. (...)
Como uma vaga preguiçosa e lenta,
Vem lhe beijar a pequenina ponta
Do pequenino pé macio e branco.
Sobe...Cinge-lhe a perna longamente;
Sobe... - e que volta sensual descreve
Para abranger todo o quadril! - prossegue,
Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a cintura,
Morde-lhe os bicos túmidos dos seios,
Corre-lhe a espádua, espia-lhe o recôncavo
Da axila, acende-lhe o coral da boca.(...)
E aos mornos beijos, às carícias ternas
Da luz, cerrando levemente os cílios,
Satânia os lábios úmidos encurva
E da boca na púrpura sangrenta
Abre um curto sorriso de volúpia...
A REFLEXÃO EXISTENCIAL
Em alguns poemas, contudo, o autor de Tarde consegue mesclar
uma visão sensual da vida com meditações carregadas de
melancolia e desassossego sobre a proximidade da velhice e da
morte. Possivelmente são as suas melhores criações. Não há como
fugir da beleza da primeira estrofe de O Vale, por exemplo:
Sou como um vale, numa tarde fria
Quando as almas dos sinos, de uma em uma,
No soluçoso adeus da ave-maria
Expiram longamente pela bruma.
O NACIONALISMO UFANISTA
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
* Lácio: região que circunda Roma e onde se origina o latim. *
Ganga: resíduo inútil de minério. * Tuba: instrumento de sopro,
similar à trombeta * Clangor: som forte * Trom: som de trovão *
Procela: tempestade * Arrolo: arrulho, acalanto
2) ALBERTO DE OLIVEIRA (1857-1937)
VIDA: Nasceu no interior do Rio de Janeiro e formou-se em
Farmácia. Exerceu várias funções públicas, entre as quais o
magistério e tornou-se um dos fundadores da Academia Brasileira de
Letras. Sua lírica descritivista e convencional lhe garantiu um lugar
no gosto médio da época, substituindo Olavo Bilac na condição de
"príncipe dos poetas brasileiros", em 1924, quando o Parnasianismo
já fora destruído pelas novas elites artísticas do país. Morreu em
Niterói, aos oitenta anos.
OBRAS PRINCIPAIS: Meridionais (1884); Versos e rimas (1895); O
livro de Ema (1900)
Entre todos os parnasianos é o que mais permanece atado aos
rigorosos padrões do movimento. Manipula os procedimentos
técnicos de sua escola com precisão, mas essa técnica ressalta
ainda mais a pobreza temática, a frieza e a insipidez de uma poesia
hoje ilegível. Alfredo Bosi acentua que o criador de Vaso grego
sonha em desfazer-se de todos os compromissos com a realidade.
Na década de 1920, Mário de Andrade já havia escrito que o único
problema de Alberto de Oliveira era o não ter nada para dizer, e que
uma lágrima de qualquer poema de Goethe possuía mais lirismo que
a obra completa desse parnasiano menor.
Confirmando a justiça desses julgamentos, pouco encontramos em
Alberto de Oliveira além de poemas que reproduzem mecanicamente
a natureza e objetos decorativos. Enfim, uma poesia de rimas exatas
e métrica correta. Uma poesia sobre coisas inanimadas. Uma poesia
tão morta como os objetos descritos.
3) RAIMUNDO CORREIA (1859-1911)
VIDA: Nasceu no Maranhão e formou-se advogado, em São Paulo.
Trabalha no interior do Rio de Janeiro como magistrado e, em Ouro
Preto, como secretário de Finanças. Passa em seguida para a
diplomacia, trabalhando em Lisboa. Volta mais tarde à antiga capital
federal , onde mais uma vez exerce a magistratura. Morre, com
cinqüenta e dois anos, em Paris, onde fazia um tratamento de saúde.
OBRAS PRINCIPAIS: Sinfonias (1883); Aleluias (1891).
A exemplo dos demais componentes da tríade parnasiana,
Raimundo Correia foi um consumado artesão do verso, dominando
com perfeição as técnicas de montagem e construção do poema.
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O PESSIMISMO
FILOSOFANTE
Essa melancolia transforma-se, em outros poemas, numa visão
dolorida da existência. O acento pessimista, a busca de uma
dimensão quase filosófica para o fracasso dos sonhos e certas
emanações sensíveis garantiriam a Raimundo Correia um lugar
especial dentro do Parnasianismo, não fosse a falta de originalidade
de sua inspiração. Poemas que, na rigidez da fórmula de quatorze
versos, apresentam pequenas sínteses morais sobre a condição
humana, numa filosofia bastante próxima da banalidade. Tais
lugares-comuns do pensamento, como já vimos, agradavam ao
público, mas estão longe de constituir fonte profunda de indagação e
questionamento do sentido da vida.
CARACTERÍSTICAS
1) SUBJETIVISMO
Os simbolistas retomam a subjetividade da arte romântica com outro
sentido. Os românticos desvendavam apenas a primeira camada da
vida interior, onde se localizavam vivências quase sempre de ordem
sentimental. Os simbolistas vão mais longe, descendo até os limites
do subconsciente e mesmo do inconsciente. Este fato explica o
caráter ilógico ou o clima de delírio de grande parte de sues poemas,
como no fragmento de Cruz e Sousa:
Cristais diluídos de clarões álacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos,
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos.
2) O EFEITO DE SUGESTÃO
Para os simbolistas, a verdadeira poesia consiste em não-dizer, nãodeclarar, não designar as coisas pelos seus nomes triviais. A
verdadeira poesia está em insinuar, dizer figuradamente, sugerir.
Cruz e Souza foi especialista na utilização de imagens ousadas com
efeito de sugestão. Angústia sexual e erotismo misturam-se na
exaltação de uma mulher que parece devorar os homens:
3) MUSICALIDADE
Na tentativa de sugerir infinitas sensações aos leitores, os
simbolistas aproximam a poesia da música. Entendamos: não se
trata de poesia com fundo musical, mas poesia com musicalidade em
si mesma, através do manejo especial de ritmos da linguagem,
esquisitas combinações de rimas, repetição intencional de certos
fonemas, sujeição do sentido de um vocábulo a sua sonoridade, etc.
Realiza-se assim a exigência de Verlaine:
"A música antes de qualquer coisa."
A música é obrigatória, como nesta espécie de receita poética de
Cruz e Sousa:
Derrama luz e cânticos e poemas
No verso e torna-o musical e doce
Como se o coração, nessas supremas
Estrofes, puro e diluído fosse.
Mesmo a morte, na obra do simbolista brasileiro, possui uma terrível
musicalidade:
A música da Morte, a nebulosa,
Estranha, imensa música sombria,
Passa a tremer pela minh'alma e fria
Gela, fica a tremer, maravilhosa...
4) IRRACIONALISMO E MISTÉRIO
No princípio, os simbolistas têm como projeto "revestir as idéias de
uma forma sensível", isto é, traduzi-las para uma linguagem
simbólica e musical. Pouco a pouco, este intelectualismo se converte
numa aventura anti-intelectual, numa negativa à possibilidade de
comunicação lógica entre os homens.
Cruz e Sousa chega a implorar pelo mistério:
Infinitos, espíritos dispersos,
Inefável, edênicos*, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
*Inefável - indescritível, o que não pode ser expresso.
*Edênicos: que procedem do Éden, do paraíso.
O SIMBOLISMO NO BRASIL
14
CONTEXTO CULTURAL
O Simbolismo no Brasil é um movimento que ocorre à margem do
sistema cultural dominante. Seu próprio desdobramento aponta para
províncias de escassa ressonância: Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul. É como se o gosto dos poetas da escola por neve e
névoas, outonos e longos crepúsculos exigisse regiões frias e
nebulosas.
Há quase um fatalismo geográfico: Alphonsus de Guimaraens produz
seus textos nas cidades montanhosas e fantasmagóricas de Minas
Gerais. No Rio de Janeiro, de grandes sóis e clima tropical, o
agrupamento simbolista, mesmo com o reforço de Cruz e Sousa que emigrara da antiga cidade do Desterro (hoje Florianópolis) acaba sufocado pela luz, pelo calor e pela onda parnasiana.
Os adeptos da nova estética tornam-se alvo de zombarias, quando
não de desprezo. A maioria dos críticos não os compreende e o
público leitor mostra-se indiferente ou hostil frente aquela poética
aristocrática, complicada, pretensiosa. Somente depois do triunfo
modernista, alguns desses poetas seriam revalorizados.
Não se pense, contudo que a marginalidade simbolista implica numa
mudança das relações de dependência entre os letrados brasileiros e
os valores europeus. A exemplo dos parnasianos - e às vezes é
difícil identificar diferenças poéticas entre ambos - os simbolistas
transplantam uma cultura que pouco tem a ver com a realidade local.
Daí resulta uma poesia freqüentemente distanciada tanto do espaço
social quanto do jeito íntimo de ser brasileiro. Um pastiche dos
"padrões sublimes da civilização".
Outra vez estamos diante do velho sonho colonizado: reproduzir aqui
os modelos recentes da arte européia. A grande exceção neste
contexto parece ser a obra de Cruz e Sousa, embora outros poetas
do período tenham deixado criações isoladas de relativo interesse e
qualidade.
As primeiras experiências de acordo com os novos preceitos são
realizadas por Medeiros e Albuquerque, a partir de 1890. Porém, os
textos que verdadeiramente inauguram o Simbolismo pertencem a
Cruz e Souza que, em 1893, lança duas obras renovadoras:
Broquéis e Missal.
A primeira compõe-se de poemas em versos e a segunda de
poemas em prosa.
AUTORES SIMBOLISTAS
CRUZ E SOUSA (1861 - 1898)
VIDA: João da Cruz e Souza nasceu em
Desterro (hoje Florianópolis), filho de escravos
libertos pelo marechal Guilherme de Souza,
que adotou o menino negro e ofereceu-lhe a
chance de estudar com os melhores
professores de Santa Catarina. Foi seu mestre, inclusive, o sábio
alemão Fritz Müller, correspondente de Darwin. Apesar da morte de
seu protetor, conseguiu terminar o nível intermediário e, com pouco
mais de dezesseis anos, tornou-se professor particular e militante da
imprensa local. Aos vinte anos, seguiu com uma companhia teatral
por todo o Brasil, na condição de "ponto". Durante estas viagens
entregou-se a conferências abolicionistas. Em 1883, foi nomeado
promotor público em Laguna, no sul da província, mas uma rebelião
racista na pequena cidade, impediu-o de assumir o cargo, embora
esta história seja contestada por algumas fontes. Voltou a viajar e a
cada regresso sentia a ampliação do preconceito de cor. Mudou-se
então, definitivamente para o Rio de Janeiro. Lá se casaria com uma
moça negra (Gavita) e conseguiria modesto emprego de arquivista
na Central do Brasil, já no ano de 1893. Às inúmeras dificuldades
financeiras somavam-se o desprezo dos intelectuais da época, que
viam nele apenas um "negro pernóstico", o período de loucura
mansa vivido pela esposa, durante seis meses, e a tuberculose que
atacou toda a sua família: ele, a mulher e os quatro filhos. Numa
carta ao amigo e protetor, Nestor Vítor, deixou registrado seu
infortúnio:
"Há quinze dias tenho uma febre doida... Mas o pior, meu velho, é
que estou numa indigência horrível, sem vintém para remédios, para
leite, para nada! Minha mulher diz que sou um fantasma que anda
pela casa!"
Este mesmo amigo providenciou uma viagem do poeta à região
serrana de Minas Gerais, em busca de paliativo para a doença. Mal
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LITERATURA – WAGNER LEMOS
15
chegando lá, Cruz e Sousa
piorou e faleceu na mais absoluta solidão. Três anos após - já tendo
enterrado dois filhos - Gavina também desapareceria por causa da
tuberculose. O terceiro filho morreria em seguida. O último, vitimado
pela mesma moléstia, desapareceria em 1915. A família estava
extinta numa terrível tragédia humana.
cristal, do marfim, da espuma, da pérola, das luzes e dos brilhos. O
crítico contou em Broquéis cento e sessenta e nove referências a
este universo de brancuras. O primeiro poema do livro, Antífona*, já
é indicativo do que virá depois:
OBRAS PRINCIPAIS: Broquéis (1893) - Missal (1893) - Evocações
(1899) - Faróis (1900) Últimos sonetos (1905)
De luares, de neves, de neblinas!
Ó formas alvas, fluidas, cristalinas,
Incensos dos turíbulos* das aras*
A obra de Cruz e Sousa é a mais brasileira de um movimento que foi,
entre nós, essencialmente europeu. Nela opera-se uma tentativa de
síntese entre formas de expressão prestigiadas na Europa e o drama
espiritual de um homem atormentado social e filosoficamente. O
resultado passa, às vezes, por poemas obscuros e verborrágicos
mas, na maioria dos casos, a densidade lírica e dramática do "Cisne
Negro" atinge um nível só comparável ao dos grandes simbolistas
franceses. O primeiro aspecto que percebemos em sua poética é a
linguagem renovadora.
A linguagem metafórica e musical
Ainda que sua formação tenha sido dentro do Parnasianismo - e
desta escola ele guarde o cultivo da perfeição e o gosto pela métrica
e pelo soneto - Cruz e Sousa foge da objetividade lingüística e dos
lugares-comuns verbais de seus antecessores. No seus poemas,
abundam substantivos comuns com iniciais maiúsculas e palavras
raras. A linguagem denotativa quase desaparece na quantidade de
símbolos, aliterações*, sinestesias*, esquisitas harmonias sonoras.
Ao contrário do texto parnasiano, o simbolista exige do leitor um
esforço de decifração, de "tradução" da realidade sugerida para a
realidade concreta. A todo momento, o poeta apela para a linguagem
metafórica:
"O demônio sangrento da luxúria..."
"Punhais de frígidos sarcasmos..."
"Ó negra Monja triste, ó grande soberana." (A lua)
"As luas virgens dos teus seios brancos..."
"O chicote elétrico do vento..."
A musicalidade se dá através de aliterações. Sejam em v:
Vozes veladas, veludosas vozes,
volúpias dos violões, vozes veladas
vagam nos velhos vórtices* velozes
dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas*...
*Sinestesias: correspondência entre as diversas sensações, sons,
olhares e cheiros. *Aliterações: repetição de fonemas no início, meio
ou fim das palavras. *Vórtices: redemoinho, turbilhão. *Vulcanizadas:
ardentes, exaltadas.
Sejam em m:
Mudas epilepsias, mudas, mudas,mudas epilepsias
Os exemplos são infinitos. Em s: "Surdos, soturnos, subterrâneos
desesperos..." Em f: "Finos frascos facetados" E assim por diante,
sempre a "música antes de qualquer coisa." Vale a pena lembrar
também que o escritor não ignorava a sinestesia, utilizando-a com
freqüência: "vozes luminosas" - "aromas mornos e amargos" "claridade viscosa" - "vermelhos clarinantes", etc. Da mesma forma,
quando necessitado de novas palavras com sonoridade originais, ele
não tinha vergonha de inventá-las: "purpurejamento - suinice tentaculizar - maternizado, etc.
Temas básicos
No entanto, a poética de Cruz e Sousa vai além destes
procedimentos estilísticos inovadores. A junção da linguagem
estranha com três ou quatro temas recorrentes e profundos é que lhe
garantiu o lugar privilegiado em nossa literatura. A rigor, os seus
assuntos são limitados:
* A obsessão pela cor branca
* O erotismo e sua sublimação
* O sofrimento da condição negra
* A espiritualização
A obsessão pela cor branca
Roger Bastide desvela nos primeiros livros de Cruz e Sousa uma
imensa nostalgia de se tornar ariano. O poeta parece ocultar as suas
origens numa louvação contínua da cor branca. O branco em seus
diversos tons, o branco da neve, do luar, da neblina, da bruma, do
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
Também as mulheres que estimulam sexualmente o poeta, em sua
maioria, são brancas:
Braços nervosos, brancas opulências
Brumais brancuras, fúlgidas brancuras
Alvuras castas, virginais alvuras,
Lactescências das raras lactescências.
Se existe uma vingança de Cruz e Souza contra o preconceito de
cor, ela não se dá exatamente através de uma aproximação com seu
mundo étnico. Ele buscou na aristocratização intelectual, no
hermetismo*, na imitação do dernier cri parisiense e no desprezo
pela vulgaridade, sua diferença em relação aos escritores brancos
vinculados ao Parnasianismo. Como diz Roger Bastide, "criando uma
arte de reticências e sutilezas", ele quis mostrar que o negro não era
um materialista, preso à terra e ao prazer dos sentidos.
Daí também o platonismo* contínuo de sua poesia, na qual o
universo concreto não passa de um reflexo sombrio de Essências e
Idéias supraterrestres. Assim a poesia fica imaculada, limpa das
impurezas da vida. E a obsessão pelo branco ganha uma dimensão
filosófica, que poderia ser representada da seguinte maneira:
MUNDO PLATÔNICO > MUNDO DAS IDÉIAS E FORMAS PURAS > MUNDO
ALVO E NEVOENTO
Este é o mundo ao que o poeta aspira: uma libertação, uma
comunhão. Para tentar atingi-lo, destruirá a concepção parnasiana
onde se formara: as coisas materiais se enevoarão, se diluirão. Os
corpos femininos, no entanto, procurarão puxá-lo para a luxúria da
vida terrena, atrapalhando a sua trajetória rumo às Essências.
*Hermetismo: fechamento, sentido obscuro. *Platonismo: vem da
filosofia de Platão, que afirma ser o nosso mundo uma cópia inferior
de um mundo ideal.
Erotismo e sublimação
As mulheres surgem na obra de Cruz e Sousa como um símbolo de
sensualidade. Mas ao contrário das figuras femininas de Olavo Bilac
- descritas minuciosamente em sua graça corpórea, como esculturas
belas e frias - as mulheres do catarinense aparecem, com
freqüência, sob a forma de "cruéis e demoníacas serpentes"
arrastando o poeta para convulsões, espasmos, anseios e desejos
obscuros. Estamos longe daqueles retratos parnasianos,
emoldurados por um erotismo convencional. Cruz e Sousa prefere
mergulhar nas sensações despertadas pelas "carnes tépidas":
Carnais, sejam carnais tantos anseios,
Palpitações e frêmitos* e enleios*,
Das harpas da emoção tantos arpejos*...
Estes "sentimentos carnais" exasperam o poeta em "febres intensas,
ânsias mortais, angústias palpitantes" impelindo-o a necessidade de
sublimar as "flamejantes atrações do gozo". É necessário transportar
estes espasmos e desejos para o reino sideral e assim
desmaterializá-los:
Para as Estrelas de cristais gelados
as ânsias e os desejos vão subindo,
galgando azuis e siderais noivados
de nuvens brancas a amplidão vestindo.
*Sublimação: Processo inconsciente de desviar a energia da libido
para outras esferas ou atividades.*Frêmitos: vibrações, arrepios.
*Enleios: laços, atrações. *Arpejos: execução rápida e sucessiva de
notas musicais.
O sofrimento da condição negra
Em Faróis e Evocações (poemas confessionais em prosa), Cruz e
Sousa produzirá textos dolorosos e noturnos. A escuridão da noite sempre associada à idéia de morte - substituirá o culto do branco e
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do erotismo. Estes dois livros
correspondem à época da loucura de sua mulher, das maiores
dificuldades financeiras, do preconceito de cor e do descaso dos
intelectuais por sua obra. Como que lhe traduzindo a agonia interior,
o estilo torna-se mais obscuro e tortuoso do que normalmente. O seu
sentimento dominante é o de opressão. O sofrimento da condição
negra não se transforma em protesto racial, e sim em isolamento,
solidão, aristocratização amarga. O Simbolismo é para ele uma
forma de revolta contra a sociedade e contra suas próprias origens
africanas, pelas quais sente, ao mesmo tempo, orgulho e pesar. O
"emparedado" vinga-se das "paredes" que o asfixiam com a sua
criatividade poética. É uma revolta estética, raramente quebrada pela
denúncia social, a não ser em textos como Litania dos Pobres:
Os miseráveis, os rotos
São as flores dos esgotos
São espectros implacáveis
Os rotos, os miseráveis
São prantos negros de furnas
Caladas, mudas, soturnas (...)
Faróis à noite apagados
Por ventos desesperados(...)
Bandeiras rotas, sem nome,
Das barricadas da fome.
Bandeiras estraçalhadas
Das sangrentas barricadas.
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maneira diferente, fugindo do patético e alcançando um tom
elegíaco*, onde predominam a melancolia e a musicalidade.
Nem o casamento, nem o passar do tempo ajudarão o poeta a
atenuar esta tristeza. Em vários momentos, a dor parece mais uma
convenção poética do que propriamente um sentimento real. No
entanto, um soneto como Hão de chorar por ela os cinamomos
guarda forte carga de emoção:
Hão de chorar por ela os cinamomos
Murchando as flores ao tombar do dia
Dos laranjais hão de cair os pomos
Lembrando-se daquela que os colhia.
As estrelas dirão: - "Ai, nada somos,
Pois ela se morreu silente* e fria..."
E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.
A lua que lhe foi mãe carinhosa
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.
Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: - "Por que não vieram juntos?"
* Silente: silencioso, secreto.
A espiritualização
A tuberculose veio culminar o processo trágico de Cruz e Sousa e
sua família. Os tormentos atingem agora a plenitude, e a morte paira
sobre tudo com sua túnica negra. Em Últimos sonetos, a linguagem
parece se despir dos excessos anteriores e chega à perfeição. O
poeta está diante do grande abismo e procura decifrar seu formidável
mistério. Já não se trata apenas da angústia de um homem proscrito
por causa de sua raça. O sofrimento, de fato, é inerente à condição
humana. E, diante do fim, o artista experimentará sensações
diversas, desde o desejo de dissolução na "Noite redentora" até a
expectativa de ressurreição em outra vida .
Seu processo de espiritualização é difusamente católico: dá a
impressão de que acredita na sobrevivência dos mortos, que estes
serão restituídos a sua "verdadeira pátria", isto é, a pátria das almas
e das essências platônicas.
ALPHONSUS DE GUIMARAENS
(1870-1921)
VIDA: Nasceu em Ouro Preto, filho de um
comerciante português e de uma sobrinha do
escritor romântico, Bernardo Guimarães. Fez
seus estudos preliminares na cidade natal e
depois cursou Direito em São Paulo. Nutre
intensa paixão platônica pela filha do autor de A
escrava Isaura, Constança, que morreria de
tuberculose antes dos dezoito anos e, para quem escreveria muitos
de seus versos. Retornou para Minas Gerais, exercendo a função de
juiz em Conceição do Serro e, mais tarde, em Mariana. Casou-se
com uma jovem de dezessete anos, Zenaide, com quem teve
quatorze filhos e com quem
encaramujou-se na vida privada,
ao ponto de morrer praticamente na obscuridade, às vésperas da
Semana de Arte Moderna.
OBRAS PRINCIPAIS: Setenário das dores de Nossa Senhora
(1899), Dona mística (1889), Câmara ardente (1899), Kyriale (1902)
Mineiro, passado quase toda a sua vida nas cidades barrocas e
decadentes da região aurífera, Alphonsus de Guimarães sofreu as
influências ambientais dessas cidades, povoadas apenas, no dizer
de Roger Bastide, "de sons e sinos, de velhas deslizando pelos
becos silenciosos, de vultos que se escondem à sombra das
muralhas. Cidades de brumas, conhecendo as mesmas existências
cinzentas e os mesmos fantasmas noturnos: donzelas solitárias,
vestidas de luar." Sua poesia gira em torno de poucos assuntos:
A lembrança do sofrimento nunca o abandona, como se percebe em
Ismália, espécie de balada, onde a loucura, a solidão e a morte se
interpenetram:
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar
A religiosidade litúrgica
O desaparecimento precoce da noiva associado ao clima místico das
cidades barrocas induzem Alphonsus de Guimaraens à religiosidade.
Ao inverso de Cruz e Sousa cuja espiritualização é angustiada e
filosófica, a do poeta mineiro não tem "arroubos ou iluminações
fulgurantes", como diz Andrade Muricy.
Trata-se de uma religiosidade emotiva, feita de preces e crenças
simples. Nada de abstrações metafísicas. Nada de indagações
exasperadas. Seu catolicismo está mais próximo das fontes
tradicionais da liturgia. Houve quem lhe apontasse um misticismo
exterior e superficial, mas é forçoso reconhecer beleza na série de
orações que dirige à Virgem Maria:
1) a morte da amada;
2) a religiosidade litúrgica
Doce consolação dos infelizes
Primeiro e último amparo de quem chora,
Oh! Dá-me alívio, dá-me cicatrizes
Para estas chagas que te mostro agora.
A morte da amada
É um tema dominante em sua poesia: a morte da noiva amada, a
doce Constança, desaparecida na flor da mocidade.
De certa forma, não conseguirá mais esquecê-la e, assim, os seus
poemas de amor sempre se vincularão à idéias fúnebres. Amor e
morte é uma velha fórmula romântica, mas Alphonsus a tratará de
Aliás, a deificação de Nossa Senhora parece corresponder à
sublimação do amor pela noiva morta. O arrebatamento religioso
pela Mãe de Deus indicaria a troca de uma paixão concreta por uma
devoção católica. O teórico da Literatura, Massaud Moisés, fala em
"platonismo místico" porque, ao encarnar esta paixão na figura da
Virgem, "o poeta transcendentaliza e essencializa a mulher amada,
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conferindo-lhe o atributo de
plenitude espiritual válido no contexto católico e de acordo com a sua
sensibilidade cristã."
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