Cap.IV - Produção e viabilização de fitoterápicos
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Cap.IV - Produção e viabilização de fitoterápicos
Capítulo IV Produção e viabilização de fitoterápicos Ana Maria Soares Pereira & Bianca Waléria Bertoni A vida na terra começou há aproximadamente 3,5 bilhões de anos através de organismos biológicos que foram evoluindo a partir de um ancestral comum, originando outras formas distintas de vida. As plantas surgiram há bilhões de anos e foram se adaptando e diversificando-se até alcançar o gigantesco número de espécies existentes nos dias atuais que ultrapassam duzentas e cinqüenta mil espécies. Os ancestrais do homem surgiram cerca de 3 a 4 milhões de anos atrás. Descoberta arqueológica realizada na África Oriental, na região do Afar, na Etiópia, tornou o esqueleto conhecido por Lucy, um Australopitecíneo, a prova mais segura dessa data. Os mais antigos fósseis conhecidos, com as características do homem moderno, datam entre 90.000 a 110.000 anos átrás. Na Europa Ocidental, calcula-se que os primeiros seres humanos com as características do homem moderno apareceram apenas há 35 il anos. Mais ou menos na mesma época, seres humanos moderos surgiram também na Ásia. Essas informações mostram o quanto as plantas, em relação ao homem, estão há mais tempo no planeta, num processo antiquíssimo de adaptação ao meio, elaborando rotas biossintéticas e estratégias químicas, permitindo que produzissem diversas subs:.âncias de reservas indispensáveis à sobrevivência delas. O homem primitivo através das plantas uniu-se ao solo e ao ima da região onde habitava. Aprendeu a se beneficiar das estra:égias de sobrevivência desenvolvidas pelas plantas, utilizando-as o alimento e medicamento. Iniciou de forma empírica o pro::::sso da "arte da cura": por tentativas, erros e acertos. Os po-,s primitivos identificaram espécies vegetais com potencial 99 terapêutico, as partes delas que se adequavam ao uso medicinal, o habitat onde ocorriam, a época da colheita, aprenderam técnicas de extrair sucos, secar folhas e raízes, triturar sementes, etc. Esse foi um processo lento de aprendizagem e o grande manancial de recursos terapêuticos oferecido pela natureza foi sendo utilizado com base na intuição e em múltiplas experiências. A maioria das plantas medicinais utilizadas na atualidade, não passam de legumes selvagens e temperos usados pelos nossos antepassados. A fitoterapia desse modo foi se estabelecendo como um patrimônio cultural da humanidade. Segundo a Organização Mundial da Saúde, atualmente dez por cento das espécies de plantas conhecidas botanicamente são utilizadas na elaboração de medicamentos pela medicina tradicional em todo o mundo. A natureza é dadivosa e fornece recursos que estabelecem, mantêm e recuperam a saúde. A planta medicinal é um desses recursos. Os elementos que compõem as plantas medicinais são as substâncias químicas e os componentes energéticos. As primeiras são bem estudas por diversos ramos da ciência como a química de produtos naturais, farmacologia, farmacognosia, etc. Quanto aos componentes energéticos ainda necessitam de avanços concretos de outros ramos da ciência. Certamente conceitos importantes desenvolvidos pela física quântica irão, no futuro, corroborar na consolidação de teorias importantes sobre a atuação bioenergética das plantas medicinais. No momento, os instrumentos disponíveis para as análises quantitativa e qualitativa dos compostos químicos presentes nas plantas medicinais podem ser considerados pré-históricos em relação à sofisticação dos futuros aparelhos, que terão a destinação de dosar e qualificar os componentes energéticos dessas plantas. Os componentes energéticos existentes nas plantas auxiliam na revitalização do organismo enfermo e, em geral evitam o colapso do organismo, quando este recebe descargas emocionais intensas e por vezes devastadoras. Esses componentes auxiliam na drenagem de substâncias tóxicas produzidas pelo psicossoma. O valor intrínseco de uma planta medicinal está no seu efeito terapêutico, que age no organismo de uma forma integrada, tanto nos tecidos, células e órgãos, como no sistema energético. Parte do efeito terapêutico é atribuído a substâncias denominadas princípios ativos, ou metabólitos especiais ou ainda metabólitos secundários. Essa última denominação é mais usual porque a grande maioria das substâncias biologicamente ativas contidas nas plantas são 100 elaboradas pelo metabolismo secundário. Essas substâncias têm reduzido peso molecular, aproximadamente 3000 Daltons, apresentam grande variedade estrutural, sendo portanto subdivididas em várias classes de compostos denominados: alcalóide, triterpeno, flavonóide, saponina, etc. Os metabólitos secundários exercem importantes funções nas plantas, como a proteção contra microorganismos, herbívoros, intempéries ambientais, além de interferirem em processos simbióticos e de atração a polinizadores (Briskin, 2000). São também fontes armazenadoras de carbono e nitrogênio, que retornam ao metabolismo primário da planta quando isso é necessário. Quando os recursos naturais são limitados, as plantas "escolhem" onde investir energia e nutrientes: no crescimento ou em \ defesas químicas. Como a deficiência de nutrientes limita o crescimento, grande parte dos carboidratos produzidos com essa finalidade não é utilizada. O excesso de carboidratos favorece a síntese e estocagem de compostos secundários, como por exemplo os polifenóis. Essas substâncias em geral são produzidas em grande quantidade, têm alto custo energético e são classificadas como defesas quantitativas das plantas. Do mesmo modo o excesso de nitrogênio, quando não é aproveitado no crescimento, é direcionado à produção de compostos secundários como alcalóides, piretróides, etc. Tais substâncias em geral são produzidas em baixos teores, têm baixo custo energético e são classificadas como defesa qualitativa dos vegetais (Carneiro & Fernandes, 1996). Os metabólitos secundários em geral não são essenciais para o crescimento e desenvolvimento da planta, mas são indispensáveis para a sobrevivência e continuidade da espécie dentro do ecossistema. Os metabólitos secundários estão diretamente relacionados à ecofisiologia das plantas e são responsáveis pelas relações entre o indivíduo e o ambiente onde ele se encontra. A produção desses compostos é gerenciada basicamente pelo código genético e pela interação entre a planta e o ambiente. A presença e quantidade de metabólitos secundários nas plantas medicinais determina, em geral, a qualidade dos fitoterápicos. O organismo humano está melhor adaptado aos fitoterápicos cujas substâncias são, em parte, semelhantes àquelas encontradas nos alimentos ingeridos pelo homem, do que aos medicamentos alopáticos. A síntese de medicamentos alopáticos teve início no Século XIX, em 1828, quando Friedrich Wohler sintetizou a uréia a partir de uma substância inorgânica. E a ascensão da produção 101 desses medicamentos deu-se em 1883, após Ludwig Knorr ter produzido a antipirina, o primeiro medicamento antitérmico eficaz (Mors, 1982). Em geral, o sucesso terapêutico de um medicamento alopático é maior quando as sínteses são cópias perfeitas de produtos naturais, ou quando são produtos semi-sintéticos, isto é, substâncias naturais modificadas por substituição de determinados grupamentos funcionais. De acordo com Ferreira et aI. (1998), o rápido desenvolvimento da bioteCllologia e da biologia molecular a partir da década de 70 parecia tornar obsoleta a pesquisa de novos medicamentos através do estudo de plantas medicinais. A compreensão dos mecanismos causadores das enfermidades em nível molecular e a capacidade de desenhar proteínas com auxilio de novas ferramentas computacionais abriu a perspectiva de sintetizar novas1drogas com maior eficácia, partindo apenas do saber científico acumulado nas academias. Essa percepção do estudo de plantas medicinais como um método ultrapassado, ou obsoleto, vem se revelando precipitada nos dias de hoje. Observa-se uma retomada, por parte das empresas que desenvolvem medicamentos, para o estudo de plantas medicinais. Esse movimento de "volta às raízes" decorre da compreensão de que a biotecnologia e as ciências correlacionadas ainda não estão em condições de competir com a natureza na formulação de moléculas com atividade terapêutica (Ferreira et aI., 1998). Além disso, segundo Mors (1982), mais de três bilhões de dólares são gastos anualmente nos Estados Unidos no tratamento dos chamados males iatrogênicos, ou seja, doenças causadas por medicamentos alopáticos. Há um consenso geral de que os efeitos adversos dos fiitoterápicos são muito menos freqüentes quando comparados às drogas sintéticas (Calixto, 2000). Segundo Gottieb & Borin (1999) a velocidade crescente do aparecimento de novas doenças, cada vez mais adaptadas aos ambientes mundiais existentes, ameaça a humanidade e suas colheitas. A sobrevivência das espécies talvez venha a significar o desenvolvimento de novos antídotos, em ritmo comparável ao aparecimento das doenças que surgem. A opinião da grande maioria dos pesquisadores da área médica e farmacêutica é que a química combinatória seja uma alternativa que incorpore uma promessa mais imediata para a cura de muitas enfermidades. Porém não se deve esquecer que a introdução maciça de produtos químicos sintéticos dos mais variados no ambiente em que vivemos, deve agravar a poluição ou, o que é pior, talvez proporcione a adaptação de microorga102 nismos e insetos, potenciais vetores de doenças, que ficarão mais devastadores e difíceis de controlar do que antes. Questões de ordem econômica também têm contribuído para a busca alternativa na produção de substâncias com atividade terapêutica. A síntese de uma nova droga custa de 100 a 500 milhões de dólares para ser desenvolvida. De cada 100 mil produtos sintetizados, cerca de 100 são testados no homem, 10 tornam-se medicamentos e dois ou três revelam competitividade e acabam chegando no mercado. Ao atingirem o mercado a maioria desses medicamentos não é acessível a 60% da população mundial. Mesmo assim, atualmente, medicamento é um dos ramos mais rentáveis da economia do mundo. Segundo Laird & Kate (2002) o mercado de fármacos fatura US$300 bilhões por ano. O Brasil é o quinto consumidor mundial de medicamentos sintéticos e desenvolveu, até a presente data, apenas um medicamento antiinflamatório de uso externo. Isso significa que todos os produtos farmacêuticos comercializados nas farmácias, hospitais e laboratórios, com exceção do Achefan® , são importados. As cifras que atingem bilhões de dólares e o imperialismo econômico existente na área de saúde explica por que a fitoterapia foi rapidamente substituída pelos fármacos sintéticos no século XX. A primeira edição da "Farmacopéia Brasileira", em 1926, inclui 208 monografias de plantas medicinais; a segunda edição, 60 monografias, e a terceira, 24, caracterizando o descaso dos órgãos competentes com o potencial da flora nacional. O marketing das grandes indústrias farmacêuticas atraíram os profissionais da área médica e pacientes com promessas de uma cura rápida e definitiva. Os produtos sintéticos tornaram-se líderes quase absolutos nas prateleiras das farmácias do mundo ocidental. de conhecimento da grande maioria dos brasileiros que o a medicamentos sintéticos é restrito, devido os altos custos. laboratórios nacionais, atualmente, têm investido na produfitoterápicos, uma vez que o custo de produção desses é em relação ao proveniente de síntese. Até meados do século XIX os recursos terapêuticos eram constituídos predominantemente por plantas e extratos vegetais. Uma breve consulta em farmacopéias antigas, como por exemplo a Farmacopéia Geral para o Reino e Domínios de Portugal (1794), mostra que ali estão registrados 30 produtos de origem mineral, 11 produtos de origem animal e cerca de 400 espécies vegetais como recursos terapêuticos utilizados por centenas de anos na Europa (Schenkel et al.,1999). Informações como essas explicam porque É acesso Muitos ção de menor 103 os preparados fitoterápicos são populares e tão freqüentemente utilizados nos países desenvolvidos como França, Alemanha, Itália e Inglaterra. Embora grande parte da população disponha de recursos financeiros para adquirir medicamentos alopáticos, muitas pessoas ainda seguem longas tradições de uso de plantas medicinais, que foi passada através das gerações. Os séculos avançaram e a fitoterapia continua a ser utilizada como recurso terapêutico importante. Segundo Bojor (1991) não há dúvidas que, em detrimento das drogas biosintetizadas in vitra, sintetizadas quimicamente ou advindas de fontes minerais, a flora é e ainda será a principal fonte de medicamentos, para a maioria dos países da Terra, no terceiro milênio. De fato há um retorno à fitoterapia e o mercado mundial aponta uma movimentação de US$ 40 bilhões, que representa aproximadamente 10% das lucros obtidos no mercado de medicamento. Essa cifra tem assustado os investidores da área e muitas empresas e laboratórios especializados em drogas sintéticas têm adquirido e incorporado companhias que trabalham com fitoterápicos. O mecanismo de ação dos medicamentos vegetais denominados fitocomplexos, como chás, tinturas e extratos não são bem conhecidos no organismo humano, isto é, a ação íntima que um conjunto de substâncias exerce nas células, tecidos ou órgãos, combatendo ou anulando as manifestações mórbidas. Os modelos farmacológicos preconizados atualmente, para avaliação do efeito terapêutico de uma droga, não são adequados para estudos que envolvam múltiplas substâncias, como é o caso de extrato de plantas. Daí a dificuldade de se conhecer a farmacodinâmica e o mecanismo de ação. As substâncias químicas sintéticas em geral atuam nas células e substâncias internas produzindo oxidações, reduções, hidratações ou desidratações, neutralizações, absorções, adsorsões, etc. O mais provável é que as drogas vegetais ajam alterando as condições físicoquímicas do meio interno, como por exemplo, modificando a viscosidade do sangue, facilitando assim as trocas através das membranas celulares; modificando o pH, enfim, promovendo ou facilitando a eliminação de toxinas e resíduos do metabolismo animal, possivelmente responsáveis pelos diversos estados mórbidos não específicos. Apesar da fitoterapia ser uma das práticas terapêuticas mais antigas e mais utilizadas pelo homem, podemos afirmar que ela ainda está na fase infantil de seu desenvolvimento. Muitos séculos ainda serão necessários para uma compreensão das plantas como recursos terapêuticas. 104 e utilização De acordo mais ampla com Alonso (1998) das 274 mil espécies botanicamente conhecidas apenas 1% delas foi investigada cientificamente e, considerando essa realidade, podemos ter uma pálida idéia de quanto tempo e pesquisa ainda serão necessários para se ter avanços nessa área. Atualmente estima-se que 40 % dos medicamentos disponíveis na terapêutica moderna foram desenvolvidos direta ou indiretamente de fontes naturais, sendo 25% de plantas, 13% de microorganismos e 3 % de animais. Mais de 25% das prescrições médicas nos países considerados de primeiro mundo são feitas com produtos naturais (Calixto, 2001; Potterat & Hostettman, K. 1995; Hamburger et aI. 1991). Milhares de fármacos sintéticos ocupam as prateleiras das farmácias do mundo todo, mas segundo Mors (1982) apenas um total de 200 substâncias ativas seriam suficientes para cobrir as necessidades de profilaxia e tratamento das doenças susceptíveis a ação dos quimioterápicos; e destas 20, ou seja, 10% são de origem vegetal. Se a previsão do Prof. Mors está correta, cabe uma pergunta: Quantas plantas seriam necessárias para resolver a maioria dos problemas de saúde que são susceptíveis à ação dos fitoterápicosi considerando que segundo Hamburger & Hostettmann (1991) o extrato de uma planta é uma mistura complexa e pode conter de centenas a milhares de substâncias? Esta questão ainda não pode ser respondida, mas acreditamos que o homem certamente não precisa mais de remédio do que de alimento e talvez cerca de vinte ou trinta plantas fossem suficientes para auxiliar a maioria dos problemas de saúde da espécie humana. Das 270 mil espécies de plantas superiores existentes na Terra, o homem moderno selecionou cerca de 15 a 20 espécies que são hoje a base da alimentação humana. Se esse número de espécies é suficiente para manter uma nutrição balanceada e tem permitido a sobrevivência da espécie humana através dos séculos, é possível que um reduzido número de espécies também seja suficiente para auxiliar na manutenção da saúde humana. O grande número de espécies medicinais conhecidas na atualidade não está relacionada ao número de enfermidades que atingem a humanidade, mas é o resultado de extensos levantamentos etnofarmacológicos realizados em centenas de países e milhares de comunidades que, por milênios, selecionou e utilizou plantas para o atendimento primário à saúde. 105 o fato de uma planta conter centenas de princípios ativos, e portanto ser indicada para diferentes enfermidades, tem levado muitos profissionais da área médica a postularem que determinadas plantas servem para tudo e, portanto, são verdadeiras panacéias, inócuas na maioria das vezes, quando não são tóxicas. Uma importante consideração deve ser feita a respeito. A idéia de que plantas são sempre seguras e livres de efeitos adversos é falsa, porque elas podem conter substâncias tóxicas, como os compostos citotóxicos ou por exemplo alcalóides pirrolizidinos, etc. Nem tudo que advém de plantas é seguro. Paracelsus (1493-1541) postulou que "todas as substâncias são tóxicas e que é a dose que diferencia o veneno do remédio". As plantas medicinais contêm substâncias ativas que curam, quando administradas na dosagem correta e podem prejudicar a saúde ou levar a óbit,o quando ingeridas em excesso. O uso prolongado e intermitente de fitoterápicos também não é recomendável, uma vez que pode promover sérias alterações no trato gastrointestinal, sistema endócrino, nervoso, etc. Entretanto, quando prescritos adequadamente, são seguros e em geral não apresentam os efeitos adversos que têm sido registrados com os milhares de produtos farmacêuticos sintéticos, a cada ano (Elvin-Lewis, 2001). De acordo com o mesmo autor, a segurança dos fitoterápicos está relacionada à moderada bio-reatividade desses medicamentos e ao conhecimento secular a respeito de dosagem e parâmentos de uso, que estão documentados em centenas de levantamentos etnofarmacológicos. Os registros que descrevem os efeitos adversos ou ausência de eficácia dos fitoterápicos estão diretamente relacionados às seguintes questões: a falta de classificação correta da planta, ausência de padronização e de controle de qualidade do produto; ausência de boas práticas de produção; adulteração e contaminação da matéria-prima com metais pesados, fungos, venenos ou insetos e, for fim, dosagem incorreta. A eficácia e segurança de muitas plantas medicinais já foram comprovadas pelo uso tradicional ao longo de muitos séculos e também cientificamente, o que as legitimizaram como recurso terapêutico benéfico e eficaz para a humanidade. Entretanto, há problemas de vários níveis que limitam o seu uso. Entre eles podemos citar: . Dificuldade de identificação botânica. Muitas plantas possuem semelhanças morfológicas que só podem ser distinguidas por especialista . . Algumas espécies sintetizam os metabólitos secundários em - centrações muito baixas o que exige processos de extração :ispendiosos e elaboração de formulações farmacêuticas complexas. s exemplos mais importantes são os das substâncias com atividade a ti-câncer. Algumas espécies apresentam enorme variabilidade genétia! com alterações quanti e qualitativas nos metabólitos secundários! o que dificulta a obtenção de droga padronizada. Muitas espécies estão sob forte pressão antrópica! expostas à erosão genética e com redução drástica de populações endêmicas! o que dificulta a utilização em larga escala. Todos esses itens mencionados interferem direta ou indiretamente no controle de qualidade de fitoterápicos e conseqüentemente na eficácia e segurança deles. Os fitoterápicos são preparações padronizadas! consistindo de mistura complexa de uma ou mais plantas. Portanto! a qualidade de todos os processos que envolvem a produção desse tipo de medicamento é indispensável. De acordo com a definição da Organização Mundial da Saúde! um fitoterápico contem como ingredientes ativos! partes da planta ou material da planta na forma processada ou não! acrescida de certos excipientes como solvente! diluente ou conservante (Akerele!1993). Em geral o princípio ativo específico responsável pela atividade farmacológica não é conhecido! uma vez que se trata de um complexo de substâncias que interagem entre si! embora possa ser conhecida uma ou mais substâncias que podem ser denominadas de marcadores químicos. Esses em geral são utilizados no controle de qualidade químico. A diferença entre fitoterático e fitofármaco é que o segundo é produzido a partir de princípios ativos isolados. Os conceitos de medicamento e remédio também são distintos e merecem algumas considerações: o primeiro! de acordo com a Farmacopéia Brasileira é definido como produto farmacêutico! tecnicamente obtido ou elaborado! que contém um ou mais fármacos juntamente com outras substâncias com finalidade profilática! curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico. O segundo, pode ser apresentado como formulações elaboradas de maneira não industrializada! em geral preparadas por pessoas com amplo conhecimento prático e intuitivo! cujo controle de qualidade está restrito a aspectos visuais. Os fitoterápicos em geral são utilizados na forma de chá! pó e formulações galênicas! ou seja, extrato, tintura! alcoolatura! etc. Nessas formulações as plantas são utilizadas secasou frescas. Quando secas é necessário tomar cuidado com a temperatura de secagem; quando esta ultrapassa a 50oC, em geral, os princípios ativos são 107 alterados. Se forem utilizadas plantas frescas estas devem ser manipuladas num período máximo de 12 horas após a colheita, uma vez que o sistema enzimático da própria planta é ativado logo após a colheita. A finalidade desse sistema é quebrar várias moléculas, liberando energia para a manutenção da vida da planta, e os princípios ativos contidos nela são degradados com essa finalidade. Além do calor, a luminosidade também pode ser prejudicial no processo de secagem. O procedimento de secagem das plantas medicinais deve ser realizado com exposição a menor intensidade de luz possível. Estes quesitos são importantes e vão determinar a qualidade final do fitoterápico. O assunto qualidade de fitoterápicos é complexo, envolve dezenas de itens, que vão desde o plantio até o produto acabado, ou seja, o medicamento propriamente dito que será utilizado pelo paciente. A avaliação da qualidade de matéria-prima vegetal para produção de fitoterápico deve obedecer aos seguintes itens: a) análise sensorial ou organoléptica (coloração, consistência, sabor e odor) b) Verificação da autenticidade. Esseitem inclui a identificação botânica e a caracterização dos constituintes químicos por métodos cromatográficos. c) Análise da pureza da amostra. São necessárias investigações quanto aos elementos químicos indesejáveis (aflatoxinas, agrotóxicos ou pesticidas, metais pesados, etc.), teor de cinzas, teor de umidade, impurezas e contaminantes microbiológicos. A qualidade de um fitoterápico também está diretamente relacionada à padronização de extratos, e para isso é importante que os indivíduos que compõem uma população de plantas cultivadas sejam aparentadas. A similaridade genética facilita o manejo, contribui na homogeneidade química da matéria prima e conseqüentemente promove a qualidade. De modo geral, as plantas medicinais estão distribuídas no mundo de forma nativa, em estado selvagem e com grande variabilidade genética, situação oposta ao que se deseja para a produção de fitoterápicos, cujo anseio maior é a obtenção da matéria prima padronizada e, portanto, plantas o mais aparentadas possíveis. A sobrevivência de uma espécie na natureza se dá através de gerações. As chances de uma espécie deixar descendentes aumentam consideravelmente se os indivíduos que compõem uma população forem diferentes entre si. Esta é a estratégia das espécies na natureza: diversificar para sobreviver. 108 Embora espécies selvagens possam ser cultivadas, o seu culéivo pode ser uma tarefa difícil, a depender das características da espécie em questão. Na natureza, as chances de uma espécie deixar descendentes aumentam consideravelmente se os indivíduos que compõem uma população forem diferentes entre si. Assim, se houver um período de seca, por exemplo, é provável que alguns indivíduos mais resistentes à falta de água consigam sobreviver e deixar descendentes. O mesmo raciocínio vale para o caso de uma doença, fogo, ataque de pragas, etc. Assim, em geral, indivíduos de uma mesma população selvagem, com a mesma idade, que cresceram num mesmo ambiente, são quase sempre diferentes entre si. À estas diferenças, atribuídas a fatores herdáveis, entre indivíduos de uma mesma espécie, é dado o nome de variabilidade genética. Ela é a base da dinâmica do processo evolutivo, pois é por seu intermédio que a seleção natural atua e, em conseqüência, a própria evolução acontece. Por trás da expressão variabilidade genética, encontra-se uma grande variação na dormência das sementes, na morfologia dos indivíduos, no seu desenvolvimento, na resistência às pragas e doenças, na sua resposta a condições de fertilidade e água do solo, etc. O teor de princípios ativos também pode variar com a diversidade genética. Ao introduzirmos técnicas de cultivo numa determinada área, cujo ecossistema se encontre em estado original, ou seja, nunca tenha sido alterado, iremos promover uma instabilidade ambiental, requerendo muito cuidado para mantê-Ia equilibrado. O desequilíbrio causado no meio ambiente só ocorre quando não se faz uso de boas práticas agrícolas, como a cobertura do solo, enriquecimento de matéria orgânica, manutenção de espécies nativas, rotação de cultura, a adubação verde, etc. Mas, mesmo adotando essas práticas, o mais provável é que não se atinja o mesmo nível de equilíbrio que havia antes de se iniciar o cultivo e a domesticação de espécies. Uma idéia comum é que, se a planta nasce e cresce espontaneamente em um determinado lugar, ela nascerá e crescerá muito melhor em ambiente sob cultivo, onde terá maior disponibilidade de água, adubo e cuidados especiais. Esta idéia não é correta, uma vez que a planta que cresce, muitas vezes, em um ambiente hostil está adaptada àquela condição e poderá apresentar dificuldades em se adaptar num local considerado adequado sob o nosso ponto de vista. Ao optar por cultivar uma planta selvagem, o produtor desencadeará mudanças na estrutura genética da população a ser manejada. As mudanças desencadeadas pelo ato de cultivar, são 109 uma conseqüência, um reflexo da mudança da base genética da população cultivada e do aumento do grau de parentesco entre as plantas da população, o que conseqüentemente as tornarão mais homogêneas. A este processo dá-se o nome de domesticação. A domesticação de uma espécie tem conseqüências ecológicas importantes. Cultivar populações com uma base genética estreita torna o ambiente de cultivo instável. A rusticidade de uma espécie, com as vantagens que ela traz, também vão sendo perdidas, à medida que a espécie progride no processo de domesticação, o que a torna dependente do homem. O grau dessa dependência será proporcional ao grau de domesticação atingida. O cultivo de plantas medicinais nativas é freqüentemente desacreditado porque é bastante difundida a idéia de que a planta medicinal cultivada fora do seu ambiente natural não têm o mesmo efeito terapêutico daquela colhida em ambientes silvestres. O principal argumento a favor desta teoria baseia-se no fato de que os princípios ativos acumulados nas plantas medicinais são produzidos a partir de uma resposta da interação da planta com o ambiente. De fato, a produção de princípios ativos em geral está altamente relacionada ao ambiente em que a planta vive. Mas também sabemos que condições ambientais podem ser mimetizadas de várias maneiras e com isso estimular a produção de determinados metabólitos de interesse. Centenas de estudos realizados com plantas exóticas e nativas cultivadas e domesticadas em vários países, em todos os continentes, mostraram a viabilidade do cultivo de plantas medicinais. Obviamente cada espécie possui sua própria caraterística e portanto exige manejo e trato cultural diferenciado. O sistema de produção agrícola de uma planta medicinal pode interferir no metabolismo secundário, potencializando, reduzindo ou suprimindo determinados princípios ativos, responsáveis pela atividade terapêutica da planta. A confirmação de presença ou ausência de princípios ativos responsáveis pela ação terapêutica pode ser realizada por técnicas de análises quanti e qualitativas, em aparelhos sofisticados como o cromatógrafo liquido de alta eficiência e o cromatógrafo gasoso. Isso posto, fica esclarecido que espécies medicinais exóticas podem ser produzidas em vários ecossistemas do planeta, sem a perda da atividade farmacológica, quando monitorada adequadamente. Entretanto, cabe ressaltar a importância de se valorizar as espécies medicinais endêmicas de cada região e utilizá-Ias sempre que possível em preferência daquelas que são importadas. 110 Cada estado ou região possui plantas medicinais que Ihes são próprias e que são tradicionalmente usadas. Portanto cada comunidade, cada programa de saúde que deseje implantar a fitoterapia, deve criar um receituário próprio, utilizando o máximo possível os recursos disponíveis na região em que se encontram. Cada comunidade deve produzir e colher as plantas que vão servir para a produção de seus medicamentos no próprio local em que se encontram, . multiplicando as espécies úteis para que elas não se extingam. O sucesso na implantação de programas de fitoterapia com a utilização de plantas endêmicas está diretamente relacionado ao cultivo dessas espécies, uma vez que elas não são recursos inesgotáveis. Esse cultivo deve ser realizado em pequena escala, à semelhança de uma horta. As áreas de cultivo precisam atender a alguns requisitos básicos: estar protegida contra a entrada de animais; estar localizada distante de estradas de rodagem e de regiões com poluição ambiental, depósitos de lixo, rede elétrica de alta tensão; contar com a presença de um agrônomo ou técnico agrícola; as plantas precisam ser identificadas do ponto de vista taxonômico; o cultivo deve ser orgânico; é fundamental que a água utilizada para a irrigação seja de boa qualidade e por fim, que haja a elaboração de um manual de procedimento operacional padrão (POP), que descreva todas os procedimentos das atividades desenvolvidas no campo de cultivo. O Brasil tem uma situação privilegiada em relação à viabilidade de um programa nacional de fitoterapia. O país possui a flora mais rica do planeta em termos de biodiversidade, a população é conhecedora das propriedades medicinais da flora e a imensa maioria dos brasileiros está culturalmente adaptada ao uso de plantas medicinais. O chá de muitas espécies de plantas medicinais está consagrado pela população como medicamento seguro e eficaz em decorrência do uso centenário dele e da ausência de registros ou relatos sobre sintomas de toxicidade. O chá é uma alternativa viável, de baixo custo, que atende prontamente à necessidade primária de grande parte da população brasileira. Exemplos importantes comprovados cientificamente são a Mentha x víllosa (hortelã) no combate a vermes, Bauhinia forficata (pata de vaca) para diabetes, Cecropia glaziovii (embaúba) para pressão alta, etc. Em programas realizados por órgãos públicos, farmácias vivas, pastorais e casas assistenciais as preparações galênicas devem ser preferidas ao invés de formulações farmacêuticas sofisticadas, elaboradas a partir de extratos secos ou princípios ativos puros. As tinturas e alcoolaturas preparadas de muitas espécies medicinais são formulações farmacêuticas eficazes contra grande número de enfer111 midades. As preparações galênicas são recomendadas desde que haja controle de qualidade desde o plantio até à preparação final do medicamento. As populações do mundo com baixo poder aquisitivo, mas dotada de grande sabedoria, possuem vasto conhecimento básico a respeito da medicina tradicional e produzem seus próprios remédios, como chás, ungüentos, cataplasmas, tinturas, etc, para resolver os problemas básicos de saúde. Muitos desses preparados foram e estão sendo extensivamente utilizados como principal e mais importante fonte de informações que permitiram a descoberta da maioria dos medicamentos de origem natural disponível na medicina moderna. Entretanto, é justamente essa grande parcela da população que não se beneficia e nem tem acesso às vantagens e descobertas decorrentes da pesquisa de novos medicamentos à base de produtos naturais. O modelo econômico global não retorna a essas populações os benefícios dos recursos terapêuticos industrializados. Em gera! são as comunidades rurais que mais utilizam as plantas in natura para preparar, de forma tradicional, seus remédios e o fazem sem nenhuma orientação das instituições governamentais e acadêmicas. Entretanto, essa distância entre agricultores, governo e academias precisa ser reduzida com ações concretas beneficiando os que se encontram no campo, à margem do progresso que já existe nessa área. O conhecimento adquirido nos estudos realizados em grandes centros de pesquisa precisa chegar até à população que utiliza as plantas medicinais, para que ela possa ser beneficiada com a informa~ão correta sobre o uso e a eventual toxicidade dessas plantas. E necessário que se estabeleça uma aliança entre os praticantes da medicina popular, os agentes de saúde e pesquisadores da área da botânica, farmácia, química, agronomia, antropologia e medicina, para a criação de novo modelo comunitário de atendimento à saúde. Assim, poderá promover, caso haja mobilização em torno da proposta, o fortalecimento definitivo da fitoterapia no Brasil, tal como aconteceu em países como a China e a Índia, que possuem atualmente uma fitoterapia avançada, graças a um processo secular de mobilização popular. O raizeiro, apesar de pouca ou nenhuma escolarictade, passa uma vida inteira dedicada à experimentação com plantas no tratamento de doenças e conhece o efeito das ervas no organismo humano. Por isso a união do praticante da medicina popular com o pesquisador científico é de vital importância para o avanço da fitoterapia brasileira. 112 o Brasil, com uma área territorial extensa de 8.5 milhões de quilômetros quadrados com vários biomas (Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal, Amazônia e Caatinga), apresenta uma grande diversidade de solos e climas, que congrega vasta diversidade de fauna e flora. Somente a Amazônia abriga mais de 25 mil espécies de plantas superiores (IUCN,1986), a Mata Atlântica mais de 16 mil e o Cerrado mais de 7 mil (Mendonça et aI., 1998). De acordo com Vieira &,Martins (2000) 270 espécies de plantas medicinais são encontradas no cerrado e levantamento de dados mais recentes apontam que esse número ultrapassa 500 espécies. Um número ainda maior que esse, de plantas medicinais, é encontrado em outros biomas que compõem o território brasileiro. A tabela 1 contêm algumas das mais conhecidas plantas medicinais nativas de várias regiões do Brasil, indicadas para diversos tipos de enfermidades e utilizadas secularmente pela população brasileira. Paralelamente à grande riqueza fiorística nativa do Brasil, existem ainda as centenas de plantas medicinais introduzidas no processo de colonização, trazidas da Europa, Ásia e África. As dimensões territoriais do Brasil são amplas e a diversidade da flora representa uma riqueza inestimável. Nas últimas décadas, entretanto, a devastação dos ecossistemas tem sido alarmantes e centenas de espécies estão sendo extintas sem que tenha havido tempo para estudá-Ias do ponto de vista químico e farmacológico. Verde sem par! Por quanto tempo? Com urgência devemos voltar os olhos para nossos recursos renováveis e tratar realmente de renová-Ios. Desde a época de Pero Vaz de Caminha, o brasileiro está acomodado em uma sensação de segurança de que esta generosa terra "tudo dá". Isto foi verdade durante cinco séculos, enquanto a extração das riquezas se fazia em moldes ainda relativamente comedidos, por uma população que, na imensidão do território era de densidade escassa (Rizzini & Mors, 1995). A realidade hoje é outra! Em 1992, foi publicada pela Sociedade Botânica do Brasil (SBB) a Centuria Plantarum Brasiliensium Extintionis Minitata, uma lista de espécies ameaçadas da flora brasileira. No mesmo ano foi publicada a Portaria n. 06-N (15/10/92) reconhecendo 100 espécies da Lista Oficial da flora ameaçada de extinção. Ainda em 1992 esta Portaria foi substituída pela Portaria n. 37-N, de 3 de abril de 19921 onde foram acrescentadas mais sete espécies, totalizando 107 (SBB, 1992). Em pesquisa financiada pelo Ministério de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha (Bundesministerium für Wirtschaftliche Zusammenarbeit - BMZ) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), realizada por Suei ma 113 Ribeiro Silva e colaboradores, foi mostrada uma tabela com as espécies utilizadas como medicinais e que se encontram em listas oficiais da flora ameaçada de extinção no Brasil (tabela 2). O mais ameaçado ecossistema, depois da Mata Atlântica, é sem dúvida, o cerrado. Até cerca de 30 anos atrás, os 200 milhões de hectares ocupados por essa savana eram praticamente inexplorados por atividades econômicas. O principal fator limitante era a elevada acidez, que tornava o solo impróprio para a agricultura. No entanto, novos métodos de manejo, irrigação, calagem e aplicação de fertilizante passaram a possibilitar o uso daquelas terras. Dessa forma, milhões de hectares de cerrado são responsáveis por 30% da nossa produção de grãos. Se por um lado, são enormes os dividendos econômicos daí resultantes, por outro lado, é evidente a descaracterização da paisagem, com conseqüências imprevisíveis para o clima, regime de chuvas, mananciais hídricos e diversidade biológica (Rizzini & Mors, 1995). Nesse bioma, as plantas medicinais estão desaparecendo na mesma velocidade em que as máquinas avançam para arar o solo. As únicas alternativas para minimizar essa devastação são a implantação de unidades de preservação e o desenvolvimento de uma consciência ecológica, com a educação da nova geração, compromissada em dar novos rumos ao país. A nação com a maior biodiversidade vegetal do planeta, com altos índices de extrativismo de plantas medicinais a ponto de extinguir certas espécies, com um elevado número de pesquisadores e instituições de pesquisas estudando plantas medicinais, ainda não foi capaz de desenvolver um programa nacional de viabilização de medicamentos fitoterápicos. Os vários fitoterápicos encontrados no mercado não contam com registro do Ministério da Saúde, portanto não são considerados legais. E aqueles que contam com registro foram produzidos em outros países, como a Alemanha, onde a pesquisa no campo da fitoterapia é bastante avançada. Essa realidade é resultado de mais de trinta anos de descaso político com a produção de medicamentos no Brasil e de uma legislação que não visou atender os interesses da nação. Atualmente o ministério da Saúde através da portaria nO 971, de 3 de maio de 2006, aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS) que regulamenta o uso da fitoterapia na rede pública de saúde e o decreto presidencial nO 5.813, de 22 de junho de 2006 aprovou a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos cujo objetivo geral é "garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso raci114 onal de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional", o que representa um avanço sem precedente na área da saúde pública no Brasil. No Brasil, de acordo com Matos (1994), são produzidos cinco diferentes tipos de fitoterápicos: 1. Fitote rá pi cos I eg a I mente reg istra dos, prod uzi dos industrialmente, com informações sobre sua eficácia, segurança, controle de qualidade, e com monografia completa. Ex.: Atroveran, medicamento feito à base de Atropa beladona L., e outros produtos da mesma classe. 2. Fitoterápicos registrados, produzidos industrialmente, cuja "monografia" inexiste ou não apresenta dados suficientes. Ex.: Preparados de jurubeba (Solanum paniculatum L). 3. Fitoterápicos não registrados, produzidos artesanalmente, com orientação farmacêutica, cujos dados para preparação da respectiva "monografia" existem. Ex.: Myracrodruom urundeuva Vell. (aroeira), Lippia sidoides Chamo (alecrimpimenta), Mikania glomerata Baker (Guaco), Coleus barbatus Benth. (boldo nacional), etc. Xaropes, soluções anti-sépticas, e preparações utilizadas por instituições assistenciais, como FarmáciasVivas e Secretarias Municipais de Saúde. 4. Fitoterápicos não registrados oficialmente mas produzidos com orientação farmacêutica, cujos dados para preparação da respectiva "monografia" inexistem. Ex.: xaropes, tinturas e pomadas preparados por diversas entidades assistenciais que utilizam plantas medicinais de forma empírica, e às vezes as comercializam como suplementos alimentares, etc. 5. Fitoterápico não registrado, produzido sem orientação farmacêutica, de modo desorganizado, cujos dados para preparação das respectivas monografias inexistem; Ex: Garrafadas e "ervas" comercializadas por raizeiros nos mercados e feiras livres. Todos esses tipos de fitoterápicos, com exceção do primeiro item, são considerados ilegais de acordo com a legislação vigente. Em 1998, foi criada a CONAFIT - Subcomissão Nacional de Assesoramento em Fitoterápicos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Foram nomeados especialistas para assessorar em aspectos técnicos, normativos e científicos para garantir a eficácia e segurança do uso de fitoterápicos, estabelecendo uma nova norma 115 publicada por consenso em 2000 (R:D:C: N.17). A grande novidade desse documento foi a criação do Produto Fitoterápico Tradicional e apresentação de uma Relação de Medicamentos Tradicionais, elaborada com base na literatura científica mundial, com caráter acadêmico. A relação oficial de 13 espécies, cujos efeitos terapêuticos foram comprovados cientificamente, estão apresentados na Tabela 3. Atualmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vem trabalhando na análise dos processos para o registro de medicamentos fitoterápicos, realizando as exigências cabíveis conforme a legislação vigente. Observa-se um maior empenho das indústrias para obterem a concessão do registro visando o comércio de seus produtos. Entretanto, os custos finais para a concessão de registros são elevados e apenas indústrias de grande porte terão acesso a eles. Plantas medicinais estão distribuídas em todas as partes do planeta, mas estão em maior abundância em regiões tropicais. Isso porque as condições ambientais dessas áreas são mais propícias ao surgimento e manutenção da diversidade das espécies. Coincidentemente são nessas regiões que estão· localizados a maioria dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento onde 65 a 80% da população humana depende essencialmente de remédios preparados a partir de plantas medicinais para o atendimento primário à saúde. Certamente isso não é obra do acaso, mas uma realidade que permite a todos os povos o acesso a medicamentos, de alguma forma. O futuro da fitoterapia no Brasil depende de incentivos políticos e fiscais para o crescimento da indústria brasileira de fitoterápicos; da proteção e utilização da biodiversidade para fins terapêuticos; dos incentivos a pequenos agricultores, à produção de hortas orgânicas de plantas medicinais; da implantação de hortas comunitárias e farmáci. as vivas, para que a natureza com os seus recursos possa atender às necessidades primárias de saúde da população brasileira desprovida de recursos financeiros para comprar medicamentos sintéticos. O desenvolvimento da fitoterapia no Brasil será promissor e robusto se o foco principal não for o acúmulo de capital, como faz a indústria de medicamento sintético e com a exploração irracional da biodiversidade à exemplo do ciclo do café, cacau, borracha etc. Esperamos que todos aqueles que estiverem compromissados com o desenvolvimento da fitoterapia no Brasil tenham a coragem de investir mais no progresso perene do ser humano e da sociedade do que no acúmulo de riquezas efêmeras. 116 Tabela 1. Plantas medicinais nativas mais conhecidas e usadas no Brasil. Asteraceae cumaru (Veil) Mimosoideae Macela mentrasto Meliaceae Clusiaceae andiroba Landim Mamacadela Mull. Flacourtiaceae E Faveiro mbaúba Pé-de-anta Pacari Cana-deBarú macaco Leg. Papilionoideae AlismataceaeCavalinha Arnica Alecrim-de-tabul Sucuuba do cerradoeiro Catuaba arvense Apocynaceae Família Moraceae Batata deMart. tiú Nyctaginaceae Pega-pinto cPata-de-vaca umaru Moraceaea Verbenaceae Nome Jatobá-do-cerrado científico Nome S ucupira-preta popular carQueja Chapéu G uaçatonga Caesalpinideae Sangra d'-de-couro Agua Papilionodeae Lecythidaceae Jequitibá-vermelho angico (Pohi) elliptica CochIospermaceae Mimosoiçleae copaiba campo antisiphilitica (Mart.) Leg. Papilionoideae Eupliorbiaceae Lythraceae Carapiá stignocarpa Papilionoideae Alecrim pimenta Bignoniaceae CecropiaeeaeAlgodãozinho-doCaesalpinoideae Euphorbiaceae Zingiberaeeae Equisetaeeae)Mulungu Baccharis trimera (Less.) De. Dimorphandra mollis Benth La/oensia pacari St. Hil. Anadenanthera colubrina (Benth.) Anemopaegma Caesakoubiudeae 117 Fabaceae Infalível Rubiaceae Rhamnaceae Juá Asteraceae Guaco ex Lor. Jaborandi Meliaceae Anacardiaceae Aroeira do Sertão lG. Família Oleaceae Simaroubaceae Monimiaceae Convolvulaceae Convo!vulaceae Celastraceae Batata-depurga roxo avellanedae Barbatimão Passif10raceae Lauraceae P au-andrade Amaranthaceae Rutaceae Unha Bolsa-de-pastor depopular gato Piperaeeae Negramina Muirapuama Caapeba odorifera (Vei!.) (Mart) Bignoniaceae Mulungu (Mart.) adstringes Apocynaceae R. Bignoniaceae E. Catuaba Ipeca Maracujá M aracujá glomerata (Spreng.) Ginseng brasileiro Euphorbiaceae Quebra-pedra Ipê-roxo impetiginosa heptaphyila (\lei!.) IiIIpê-roxo Espinheira Nome santa Ginseng brasileiro Nome científico Quassia I IpêCanela ! Leg. Mimosoideae Tabebuiapaniculata Trichilia catizna A.Kuntze Juss.; Maytenus aquifolia Mart. I L. Benth. Tabebuja Ptychopetalum Operculina macrcarpa olacoides Pfaffia 118 Tabela 2. Espécies medicinais flora ameaçada do Brasil. ae Estado Araticum Bibliográfica do V E Referência Governo A. Castanha & Pau-rosa Fabaceae R SBB.l992 excelsa Anacardiaceae catuaba ou Marme1inho rosaeodora Lauraceae do Schott Lauraceae Annonaceae Fabaeeae Moraeeae Aroeira Pau-brasi1 Araticum maranhão Muriei Cravo-doFaveiro Família do Mendonça brasiliense Brasil Nome científico 2000; Mendonça SBB,1992 Lecythidaceae pygmaea Categoria Bignoniaceae Gonçalo-alves deFabaeeae glaziovii Malpighiaceae pauciflora campo affinis (Schrank) Caryocaracae Coeh1ospermace Malpighiaeeae A1godão-doPiqui Nome popular cabeça-de-negro carrasco ,1992 1995 Dimorphandra Annona glaucophylla mencionadas Lins, 2000 em listas oficiais da Estado Estado2000 Paraná, 1995 Lins, 119 Pau-d'alho elata Governo Caroba E.Hil) & R. V EX R Krameriaceae Gentirana Jatobá courbaril do Referência vil/osa sucrei Convolvulaceae Annonacaeae Fabaceae E Veludo Jatobá Moraceae & horrida Bureau Moraceae Gentirana-deAnnonaceae V Vl/R2 Araticum Convolvulaceae Estado tomentosa candicans VllE2 Tiliaceae vermelho Celastraceae Arnica Benth Celastraceae Celastraceae RiblinOT~fica Família Convolvulaceae espinho Lins,2000 Asteraceae Mendonça 2000, açoita-cavalo Caiapiá-grande campestris Categoria de Lins, 2000 Caiapía Mutamba-preta, cayapia Bignoniaceae Lins,EX 2000 Lins, gorazema Phytolaccaceae Lins,2000 ilieifolia Nome popular Espinheira-santa Nome científico 1992 Krameria Ga/lesia 2000,SBB, 95 992 995 Maytenus 120 Estado Paraná, 1995; & lins, Lins, 2000 2000 Lins,2000 Lins, 2000 Lins,2000 ,- torta arrudaE do-mato montana Douradinha, alba V Fabaceae Barbatimão Assa-peixe & aurea R HGoverno olmes Jaborandi-doJaborandiAstrollium PindaibaAnnonaceae aroma/iea &Stokes Rubiaceae Anacardiaceae EX Jaborandi Aroeira S!.Ipê-da-serra, catlzarinensis Oleo-de-nhamuí A. aurea Rutaceae Lauraceae Cheirosa Canela-sassafrás do Asteraceae Bo1sa-de-pastor benioeiro Guapeva cerrado, Mendonça SBB,1992legitimo SBB,1992 2000; Família Referência Sapotaceae Ipecacuanha cymbarum Canela-preta Bignoniacae B ipêignoniaceae S tyracaceae amarelo-da-serra pretiosa Bignoniaceae Ipê-roxo Nome científico Categoria de Nome popular Ocotea 1992, 1995 995 995; Pi/ocarpus Spirallthera Stryphnodelldron Pamplzilia Celastraceae Lins, 2000;SBB, Lins, 2000 Lins, 2000 SBB,1992 Lins, 2000 Estado Lins, 2000 2000 Paraná, 1995; Lins, Ocotea Fonte: Governo do Estado do Paraná, 1995, Mendonça & Lins, 2000; SBB, 1992 E- Em perigo, EX- Provavelmente extinta, R- rara, V- vulnerável *espécies comercializadas 121 L L. .l!. coe Tabela 3. Lista oficial das espécies, apresentada pela Anvisa, cujos efeitos terapêuticos foram comprovados cientificamente. Alcachofra Camomilla Erva-doce Alho --Nome Sene Calêndula Boldo Babosa Hortelã-pimenta Gengibre Confrei Melissa Nome cientifico polular Maracujá Referências ALKERELE, O. 5ummary of WHO guidelines for the assessment ofherbal medicines. HerbalGram, v.28, p.13-19, 1993. ALON50, G.R. Etnofarmacología Y Biodiversidad. 1n: Tratado de Fitomedicina Bases clínicas e Farmacológicas.(Ed. Jorge. R. Alonso) 1515 Ediciones 5RL, Argentina. 1998. pp 55. BOJOR,O. Methodology of economic mapping of medicinal plants in the spontaneous flora. 1n:The medinal plant industry. Ed. Wijesekera, R.O.B. CRC Press, 1991. pp.19-23. BR15K1N, D. Medicinal Plant and Phytomedicines. Linking Plant Biochemistry and Physiology to Human Health. Plant Physiology, v.12~, p. 507-514, 2000. CALIXTO, J.B. 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