o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA

Transcrição

o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
Colecção O Essencial
Coordenação
Maria Helena Mira Mateus
°f8sw
cial
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
ILTEC
Alina ViII alva
LINGuíSTICA
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Maria Helena Mira Mateus
Alina Villalva
Colecção O Cssendal
Coordenação·. Ma'
. Mateus e Alina Víllalva
na HeIena Mlfa
CAMIN-IO
o Essencial é uma colecção dedicada à divulgação do
conhecimento que tem vindo a ser produzido no domínio
da linguística, particularmente no que diz respeito ao Português.
Esta colecção é constituída por vinte volumes que tratam independentemente matérias diversas, mas estão
organizados de acordo com uma estrutura comum. Em
cada volume poderá o leitor encontrar, na secção Antes
de mais... , uma informação sumária sobre as questões posteriormente desenvolvidas. Perguntas interessantes
& respostas conhecidas abre espaço para a apresentação
dos assuntos próprios de cada volume, segundo as escolhas do seu ou seus respectivos autores. A informação
aqui apresentada é complementada pelo conteúdo do
Glossário, que dispõe alfabeticamente os termos fundamentais de cada disciplina. Os leitores que desejarem
aprofundar os seus conhecimentos encontrarão algumas
o
ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
Autoras: Maria Helena Mira Mateus
Alina ViII alva
Design gráfico' da capa: José Serrão
Ilustração da capa: Reprodução de uma iluminura
. da árvore de gramática inclufda nas Grammatices
Rudimenta, de João de Barros (c. 1540)
© Editorial Caminho, SA, Lisboa - 2006
Tiragem: 5000 exemplares
Impressão e acabamento: Tipografia Lousanense, L. d.
Data de impressão: Fevereiro de 2006
Depósito legal: 238 708/06
ISBN 972-21-1777-7
www.editorial-caminho.pt
sugestões em Outras leituras.
Esta série destina-se a um público alargado com formação muito diversa, que procure consolidar um nível médio de cultura geral. Destina-se, em particular, a todos os
profissionais que usam a língua como ferramenta de trabalho, dos professores de Português aos tradutores e dos
jornalistas aos criadores literários. Dada a profusão de
relações de interdisciplinaridade em que a linguística participa, esta série também deverá interessar a profissionais
de diversas formações e actividades, como psicólogos, sociólogos, terapeutas da fala, agentes culturais e políticos.
íNDICE
11
Antes de mais ...
19 Perguntas interessantes & respostas conhecidas
21
29
39
49
55
79
Como se sabe que uma língua é uma língua?
De onde vem a reflexão sobre a linguagem e as línguas?
Onde começa a linguística?
Será a linguística uma ciência?
Do que trata a linguística?
Para que serve a linguística?
93 Glossário
101
Outras leituras
107 Referências
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-~--
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ANTES DE MAIS ...
A reflexão sobre as línguas vem de há muito tempo, mas a
linguística é uma ciência recente, pouco divulgada e mal conhe- .
cida. Ainda menos conhecida é a actividade dos que trabalham
em linguística - os linguistas. Serão pessoas que sabem muitas
línguas? Ou serão aqueles cuja especialidade consiste apenas na
decisão sobre o correcto uso da língua (escrita e oral), no conhecimento da origem das palavras ou na informação sobre se existe
uma região onde se fale 'bem' uma determinada língua? É certo
que o linguista tem conhecimentos em qualquer um destes domínios, mas a sua actividade ultrapassa muitíssimo este tipo de problemas.
Vejamos algumas perguntas a que a linguística procura dar
resposta: Como aprendemos a falar? Quais as características
comuns e as que diferenciam as línguas? Como se relaciona o
uso da língua com a actividade do nosso cérebro? Por que variam
as línguas, por que desaparecem umas e surgem outras? E mais,
muitas mais são as questões com que se preocupam os que estudam a linguagem e as línguas. Dar a conhecer o que constitui a
ciência da linguagem e a actividade dos linguistas é o objectivo da
colecção que se inaugura com este livro e que, para tal, é constituído
por uma apresentação geral do que se entende hoje como linguística. Comecemos, então, por indagar como se define este termo.
Quando procuramos uma definição de linguística em dicionários gerais ou especializados, em enciclopédias ou em obras dedicadas especificamente a esta área, encontramos, em síntese,
uma frase do tipo: Iingurstica é o estudo cientrficoda linguagem
---
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ..- - - -
_J
14 •
MARIA HELENA MIRA MATEUS! ALlNA VILLAL VA
humana e das línguas naturais. Para quem nunca teve contacto
com esta disciplina, a definição pode causar alguma perplexidade:
... línguas naturais... Mas haverá línguas 'não-naturais'? E porquê estudar só as naturais?
Comecemos por esta questão das línguas naturais. Este é o
no~e dado a línguas como o Português, o Francês, o Irlandês ou
o Arabe, já que podem ser aprendidas como língua materna, mas
que também é dado ao Latim 1, que ainda hoje pode ser aprendido
e falado, mas que já não está disponível como língua materna' ou
ao Sânscrito, que perdura na índia apenas como língua sagr~da.
As línguas artificiais
. Integrado n~ colecção Construir a Europa, Umberto Eco [081 pubh~ou um. ~~salo, onde estabelece uma tipologia das ( línguas constrUlda~ a.rtlflclalmentell com base na identificação dos seus objectivos.
Eco distingue assim:
• as línguas que buscam a perfeição estrutural ou funcional como
as línguas filosóficas criadas em Inglaterra nos séculos XVI" e XVIII
(que procuravam substituir o Latim por outra língua veicular), como
o Lo!ba.n (uma língua oral criada com o propósito de eliminar a
~mblguld~de) ou como o Láadan (que é apresentada como uma
hngua mais adequada à expressão das mulheres);
• as chamadas línguas internacionais, como o Esperanto ou o Ido
(que pretende ser um aperfeiçoamento do Esperanto);
• e aslrnguas secr~t~s ou cifradas, .como a Língua dos Pês, que
tem algum prestigio entre as crianças, ou o Minderico dos
cardadores e negociadores de lã de Minde, no início do século XVIII,
q~e f~z lembrar os sistemas de criptologia que os meios de comunlcaçao actualmente disponíveis tornam cada vez mais necessários.
Fora dest~ tipologia fic?m ai~da várias línguas artificiais, como, por
exemplo, o Khngon, uma Ilngua Inventada para os alienrgenas do Star
Trek.
1 Latim é um termo que recobre sistemas linguísticos muito distintos: do Lati.m ~Iássico dos textos literários de autores consagrados, ao
Latim EcleSIástiCO usado regularmente na liturgia católica até ao início do
século XX, por exemplo.
o ESSENCIAL SOBRE LlNGU{STlCA
Ainda que a questão da origem das línguas continue a fazer
parte da lista dos temas em debate, o que se sabe é que as línguas naturais (e mais especificamente, as protolínguas de que
não existem registos materiais) são manifestações espontâneas
da capacidade de linguagem, ou seja, não foram construídas 'pelo'
homem, foram construídas 'com' o homem. Pelo contrário, as
línguas artificiais foram arquitectadas deliberadamente por uma
pessoa ou por um pequeno grupo de pessoas, num tempo relativamente curto e, portanto, não se desenvolveram espontaneamente numa comunidade de falantes, nem nunca foram aprendidas
como língua materna. Por outras palavras, as línguas artificiais
são definidas à partida, enquanto as línguas naturais correspondem à activação de um potencial inscrito no código genético humano.
O interesse da linguística pelas línguas naturais e o complementar desinteresse pelas línguas artificiais (embora haja alguns
trabalhos de descrição da forma como estas línguas se organizam) decorrem do entendimento da linguística como uma ciência
cognitiva, o que nos conduz à segunda questão:
... linguagem humana... Mas haverá linguagem 'não-humana'?
E porquê restringir?
Esta restrição põe fora do alcance da linguística outros sistemas de comunicação, como o das linguagens dos animais, que
são igualmente naturais, mas se distinguem da linguagem humana (são clássicos os exemplos de comunicação entre abelhas ou
entre golfinhos); ou o de formas de comunicação codificadas,
como a linguagem das flores, a linguagem dos tambores ou ainda
linguagens de programação.
Quando a 'linguagem' se acrescenta o adjectivo 'humana',
o que se pretende é referir exclusivamente a actividade que decorre da existência geneticamente determinada da faculdade da
linguagem. Ora, se este é um mecanismo universal, então a relação com a gramática das línguas também é universal, o que
implica que todas as línguas possuem propriedades comuns.
A estas propriedades dá-se o nome de universais linguísticos: por
exemplo, o conjunto de sons que podem ser utilizados pelas
línguas naturais é universal; tal como a presença de elementos
•
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MARIA HELENA MIRA MA TEUS I ALlNA VILLAL VA
---------------,
A faculdade da linguagem
O conhecimento dos processos cognitivos ligados às formas de comportamento
humano alcançou enormes progressos na
segunda metade do século xx. o que tornou
posslvel afirmar que esses processos decorrem de uma base genética universal. Sendo
a linguagem uma forma de comportamento
humano. já que todos os seres humanos
falam. deve então também admitir-se a existência de uma capacidade do sistema cognitivo. inata e universal, que lhe está associada.
É essa capacidade. a que se dá o nome de
faculdade da linguagem. que permite a realização de actividade linguística, ou seja, que
permite compreender e construir, com base
numas poucas dezenas de sons e num
conhecimento gramatical implfcito. uma infinidade de expressões linguísticas.
A existência da faculdade da linguagem
não é. porém. uma hipótese assente apenas
na constatação da universalidade dos processos cognitivos e de que todos os homens
falam. Esta hipótese é também sustentada
pela forma como se processa a aquisição da
língua. Trata-se de um processo comum a
todas as crianças. qualquer que seja o estímulo linguístico a que são expostas. isto é.
qualquer que seja a Ifngua que ouvem falar à
sua volta. Em tempo incrivelmente breve. e
perante dados incompletos. a competência
linguística é rapidamente adquirida. Essa
aprendizagem não pode provir senão de um
mecanismo cognitivo universal e genético especialmente preparado para esse fim.
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
fundamentais na frase.
como o sujeito e o predicado. A par dos universais linguísticos.
comuns a todas as línguas, há características
particulares que as diferenciam: por exemplo,
nem todas as línguas
têm uma flexão verbal
tão rica como a do Português; nem todas as
línguas têm acento fixo
na última sílaba de cada
palavra, como o Francês.
Compete, pois, à
linguística contemporânea estudar a capacidade humana de falar e de
compreender enunciados linguísticos e estabelecer a relação entre
a faculdade da linguagem e as línguas que a
actualizam.
(a linguagem humana e as línguas naturais) é uma abordagem
objectiva, sistemática, rigorosa e teoricamente enquadrada.
No entanto, a demonstração de que a linguística é uma ciência,
como sucede com qualquer outro domínio do conhecimento, e em
particular com as chamadas ciências humanas, é uma tarefa exigente. A afirmação serve, então, para já, como uma declaração
de princípios e a demonstração virá um pouco mais adiante neste
livro.
A natureza concisa das definições deixa entrever que muito
fica de fora. Fecha-se então, aqui, a definição da enciclopédia e
abre-se a porta a uma visita guiada pelas diversas dimensões deste
domínio do conhecimento, que é a linguística.
A última das questões suscitadas pela definição apresentada no
início diz respeito ao carácter científico dos estudos linguísticos:
... estudo científico ... Mas porquê 'científico'? E 'científico'
por oposição a quê?
Esta restrição serve, antes de mais, para garantir que a abordagem que a linguística faz ao seu objecto de conhecimento
-----
-
_.
-------"""'----------------
•
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PERGUNTAS INTERESSANTES
& RESPOSTAS CONHECIDAS
COMO SE SABE QUE UMA LíNGUA
É UMA LíNGUA?
Se, entre outras competências, à linguística cabe o estudo
das línguas, então justifica-se reflectir sobre o que é uma língua e
conceitos relacionados, como dialecto, sociolecto, idiolecto e variedade.
O entendimento comum destes termos faz com que se aceite
que dialecto identifica o sistema linguístico próprio de uma dada
região (como o dialecto de Lisboa, por exemplo); que língua remete para o sistema linguístico que conjuga todos os dialectos
falados num país (o Português é uma língua); e que variedade seja
interpretada como a manifestação nacional que uma língua falada em países diversos assume em cada um deles (o Português
Europeu é uma variedade do Português). Sociolecto fica fora desta
hierarquia de conceitos, embora se possa definir como um conjunto de idiolectos que corresponde a um recorte social da língua
(pode falar-se no sociolecto dos adolescentes, dos surfistas ou
dos economistas). O termo sociolecto tende a ser substituído por
dialecto (que ganha em generalidade), encontrando mesmo uma
designação específica para algumas destas realidades, como nos
casos de 'economês' ou de 'futebolês'. Idiolecto, que identifica o
sistema linguístico de cada falante, individualmente considerado,
é um conceito praticamente desconhecido.
O que o entendimento comum destes termos mostra é que a
definição destes conceitos não assenta em critérios de natureza
linguística. Deste ponto de vista, uma língua é um sistema de
comunicação que faz uso da faculdade da linguagem activada pela
exposição dos falantes a estímulos linguísticos, durante o cha-
22 •
MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALINA VILLALVA
mado período de aquisição da língua. Ora, do ponto de vista da
linguística, o conceito de dialecto pode ser definido da mesma
exacta maneira.
Tem, aliás, sido defendido por muitos linguistas que devem
ser tratados no âmbito de uma política linguística. Os critérios objectivos (como a inteligibilidade mútua, o número de
A língua portuguesa
falantes, a coesão geográ«A realidade da noção de língua
fica e política da comunidaportuguesa, aquilo que lhe dá uma
de de falantes) nem sempre
dimensão qualitativa para além de
permitem
identificar com
um mero estatuto de repositório de
clareza
o
que
é uma língua
variantes, pertence, mais do que ao
e o que é um dialecto.
domínio lingUístico, ao domínio da
história, da cultura e, em última insNa verdade, são muitos
tência, da política. Na medida em que
os casos em que sistemas
a percepção destas realidades for
linguísticos diferentes são
variando com o decorrer dos tempos
classificados ora como líne das gerações, será certamente de
guas diferentes, ora como
esperar, concomitantemente. quea
uma
língua e um dialecto
extensão da· noção de língua portudessa língua. Por exemplo,
guesa varie também.))
o facto de o Português e o
Eduardo Paiva Raposo (*) [151
Galego serem, por alguns,
consideradas duas línguas,
. ainda que derivadas de um mesmo Galaico-Português saído da
matriz latina, não pode deixar de ser relacionado com a soberania
dos países onde essas línguas são originalmente faladas: o Galego,
em Espanha; o Português, em Portugal. Em contrapartida, que o
Português Europeu e o Português Brasileiro sejam considerados a
mesma língua é o resultado, por vezes contestado, de um dado
percurso histórico, quer por via da herança que Portugal partilha
com o Brasil, quer pela vontade que o Brasil sentirá de manter a
conexão com Portugal. A escolha do Português, língua falada nas
sedes do poder político desde o início da colonização europeia,
poderá servir esse fim.
(*) Os números delimitados por parênteses rectos remetem para as
referências bibliográficas que encontra no final.
o ESSENCIAL SOBRE LlNGUfSTlCA
•
Por outro lado, em deterPortuguês Brasileiro
minadas circunstâncias, o terMuitos intelectuais brasileiros,
mo língua não chega para
particularmente no início do sécuidentificar o conceito, razão
lo xx, procuraram atribuir ao Portupela qual a linguística faz uso
guês Brasileiro o estatuto de língua
de distinções como língua
e de língua distinta do Português Eumaterna, língua segunda, línropeu. O carácter voluntarista desta
gua estrangeira, língua oficial,
tentativa condenou-a ao fracasso.
língua de trabalho, língua de
Em contrapartida, tem-se vindo a
vulgarizar, em Portugal, a opinião
comunicação, língua franca ou
(algo pejorativa) de que a língua
língua ágrafa, para referir apefalada
pela crescente comunidade
nas alguns exemplos.
imigrante brasileira é o 'brasileiro'.
Face a esta variedade terTalvez os portugueses ainda não
minológica, não é, pois, fácil
tenham compreendido as implicadeterminar o número de línções desta posição: de um ponto de
guas existentes no mundo:
vista estratégico, a unidade linguística entre Portugal e o Brasil interestudo depende do que se consa ao Brasil e interessa também a
sidera ser uma língUa ou se
Portugal.
classifica como dialecto. Encontram-se algumas referências a um número próximo dos 3000, mas o The Ethn%gue [9l,
uma base de dados sobre as línguas do mundo, apresenta um total
de 6809, sendo que a Europa contribui com apenas 3% (ou seja
230 línguas, muitas das quais estão quase extintas). É também interessante notar que 96% das línguas existentes no mundo são faladas por apenas 4% da população mundial; que cerca de 80% das
línguas são faladas apenas em um país e que cerca de 20 línguas
são faladas por vários milhões de pessoas em diversos países.
O interesse destes dados não é meramente estatístico. O volume de Abril de 2000 do The Courier [181 é dedicado aos conflitos e à coexistência das diferentes línguas do mundo. Aí se chama
a atenção para o facto de metade da população mundial usar apenas oito línguas, enquanto um sexto das línguas do mundo são
faladas apenas na Nova Guiné. O mesmo documento refere o alastramento do Inglês como meio de comunicação mundial (visto
como resultado de um fenómeno de imperialismo cultural). E menciona ainda o facto de grande número das chamadas línguas
minoritárias estarem a desaparecer a um ritmo cada vez mais
o
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MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA
acelerado (sendo que comunidades linguísticas formadas por um
número de indivíduos inferior a 100 000 não asseguram a sobrevivência da sua língua).
África 30%
Repartição das línguas por continentes
O nome das línguas é outra das questões que pode suscitar
controvérsia. Parece ser um facto pacífico, esperável até, que em
Portugal se fale Português, mas que esse seja o nome da língua
falada no Brasil é um dado que só é compreensível à luz do contexto histórico de formação desse país. Por outro lado, que uma
das línguas oficiais de Espanha seja o Espanhol, quando esse nome
corresponde a uma renomeação do Castelhano, é um facto que
muitos dos falantes nativos das restantes línguas oficiais de Espanha (como o Catalão ou o Basco) têm dificuldade em aceitar.
A caracterização linguística de Portugal mostra-nos que a
comunidade de falantes é maioritariamente falante nativa do Português, o que significa que se trata de uma comunidade que não
é afectada por muitas tensões linguísticas. Por um lado, as descrições da diversidade do Português no território de Portugal (cf.
[06al e [07]) mostram uma divisão mais ou menos estável entre
os dialectos setentrionais (que incluem os dialectos transmontanos, minhotos e beirões), os dialectos centro-meridionais (que incluem os dialectos do Centro e do Sul) e os dialectos insulares
(dos Acores e da Madeira)2. Sabe-se, no entanto, que a generali-
2 Há registos sonoros dos dialectos portugueses em www.institutocamoes.pt/cvc/hlp/geografia/mapa06.html
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
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zação do uso de tecnologias multimédia, como a televisão, tende
a esbater as diferenças dialectais.
Por outro lado, ainda que o Português não seja a única língua
oficial de Portugal, é esta a língua falada por maior número de
falantes e a que tem maiores possibilidades de crescimento. As
outras línguas oficiais são a Língua Gestual Portuguesa e o
Mirandês. A Língua Gestual
Portuguesa é utilizada por
boa parte da comunidade
Varíedades dó Português
surda portuguesa como
Português Falado. Documentos Aulíngua materna. Esta língua
tênticos [1 O] é um registo (com cerca de
só foi oficialmente reconhe9 horas de gravação e transcrição ortocida em 2003, facto que
gráfica alinhada com o som). quer de
conversas informais quer de intervenveio a permitir, por exemções mais formais, exemplificativo do
plo, a escolarização dos
Português falado em todos os paises de
seus falantes nesta língua.
expressão oficial portuguesa.
3
O Mirandês , que é uma
língua de origem asturo-Ieonesa e não galaico-portuDOCUMENTOS
Falado
AUT~NTICOS
guesa (como o Português),
Grtv.ç~j'~ .udlo com tr.n'çrl~lo .Ilnh,ada
lInaola
tem estatuto de língua ofibraslf
ciai desde 1999, mas só
cabo vH1l."
é falado por um pequeno
lul"é-!)l....,
número de falantes, numa
m.cau
moçambique
região do Nordeste transpóf1I.llillr
montano, o que a caracte.10 lomn"prlnclpe
dmor-lfll~8::'~ ,'o !'
riza como língua minoritária
e, a prazo, pode pôr em
causa a sua sobrevivência.
Para além das línguas oficiais há, em Portugal, comunidades falantes de línguas estrangeiras, como o Crioulo Caboverdiano, o
Romeno ou o Ucraniano.
Por último, a distribuição geográfica das comunidades falantes do Português assegura a presença desta língua na Europa (Portugal), em África (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique
Português
;"""''1,
f·'"
3
Sobre este assunto pode consultar-se mirandes.no.sapo.pt
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o ESSENCIAL SOBRE LlNGU{STlCA
MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
e São Tomé e Príncipe), na América do Sul (Brasil) e na Ásia (Timor
Lorosae e, residualmente, Macau). O reconhecimento do Português como língua de trabalho em organizações internacionais,
como a União Europeia, o Mercosul ou a Organização de Unidade
Africana, vem desta disseminação pelos diversos continentes. A
comunidade internacional falante de Português já encontrou,
mesmo, uma instituição sua representante, a Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa. A esta diversidade geográfica corresponde uma esperável diversidade linguística.
Os crioulos de base portuguesa
A propósito da diversidade do Português não pode deixar de
referir-se o papel desta língua na formação de um grande número
de crioulos:
«Os crioulos são línguas natUrais, de formação rápida, criadas pela
necessidade de expressão e comunicaçãoplena entre indivíduosinseridos em comunidades multilingues relativamente estáveis. Chamam-se de base portuguesa os crioulos cujo léxico é, na sua maioria,
de origem portuguesa. No entanto; do ponto de vista gramatical, os
crioulos são línguas diferenciadas e autónomas. I...)
Em África formaram-se os Crioulos da Alta Guiné (em Cabo Verde, Guiné-Bissau e Casamansa) e os do Golfo da Guiné (em São
Tomé, Príncipe ~ Ano Bom). Classificam-se como Indo-port\.lgueses
os crioulos da India (de Diu, Damão, Bombaim, Korlai, Quilom,
Cananor, Tellicherry, Cochim é Vaipim e da Costa de Coromandel e
de ~engala) e os crioulos do Sri-Lanka, anti~()Ceilão (Trincomalee e
Battlcaloa, Mannar e zona de Puttallam). NaAsia surgiram ainda crioulos de base portuguesa na Malásia (Malaca, Kuala Lumpur e
Singapura)' e em algumas ilhas da Indonésia (Java, Flores,remate,
Ambom, Macassar e Timor) conhÇlcidos soba designação de Malaioportugueses. Os criOlJlos Sino~portugueses S~qOS de Macau eHong-Kong. Na América encontramos ainda um crioulo que se poderá considerar de base ibérica, já que o português partilha com o castelhano
a origem de uma grande parte do léxico (o Papiamento de Curaçau,
Aruba e Bonaire, nas Antilhas) e um outro brioulohO SlJriname, o
Saramacano, que, sendo de base inglesa, manifesta no seu léxico
uma forte influência portuguesa.)
Dulce Pereira [06 b]
A situação do Português é, pois, complexa e merecedora de
atenção linguística e política. No conjunto das línguas do mundo,
o Português é uma das mais faladas: embora a ordenação das
línguas varie de autor para autor, em função dos dados considerados e das fontes utilizadas, a graduação mostra com clareza que
o Português ocupa uma das posições de topo. Vejamos o seguinte
exempl04:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
Chinês, Mandarim
Espanhol
Inglês
Bengali
Hindi/Urdu
Português
Russo
Japonês
Alemão
Chinês, Wu
885,000,000
332,000,000
322,000,000
189,000,000
182,000,000
170,000,000
170,000,000
125,000,000
98,000,000
77,175,000
Esta descrição do 'valor' do Português numa hierarquização
das línguas do mundo pode induzir no erro de que há línguas
melhores ou mais importantes do que outras. Não é esse o sentido que deve ser dado ao que acaba de ser dito: não é por ser
falada por mais pessoas, em mais países ou em mais instituições
internacionais que uma língua ganha maior valor intrínseco. O que
essas medidas asseguram é a vitalidade da língua e alguma garantia da sua preservação, com o que isso pode significar de vantagem para as comunidades que a falam. Do ponto de vista
linguístico, o número de falantes de uma língua ou o prestígio
internacional que ela possa ter são critérios de comparação absolutamente vazios de significado.
A presunção de que há línguas melhores ou mais importantes
do que outras radica integralmente em raciocínios preconceituosos,
semelhantes, aliás, aos que tomam a norma de uma língua como
um dialecto mais 'correcto', 'respeitável' ou 'sofisticado' do que
4 Dados do Ethnologue Survey (1999), disponfveis em web.archive.orgl
web/19990422030645/www.sil.org/ethnologueltop100.html
•
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MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLALVA
outros ou aos que consideram que os crioulos não são línguas ou
são línguas 'deficientes', ou ainda àqueles que afirmam que a
gramática de uma dada língua é mais complexa ou difícil do que
a de outra. Não existe qualquer fundamento linguístico para nenhum destes raciocínios - trata-se de manifestações de uma ideologia que reconhece aos detentores do poder direitos que não
reconhece aos restantes indivíduos e que defende que o acesso
ao poder passa pela imitação dos poderosos.
DE ONDE VEM A REFLEXÃO
SOBRE A LINGUAGEM E AS LíNGUAS?
As notícias conhecidas sobre a origem das línguas humanas
situam-nos entre 100 000 e 20 000 a. C. Sabe-se que o tracto
vocal evoluiu de uma forma não-humana, de modo a permitir o
estabelecimento de um sistema de comunicação rápido e eficaz,
ainda que à custa de uma perda de proficiência no sistema
respiratório e na deglutição. Também se sabe que o tracto vocal
de um Neandertal é semelhante ao de uma criança recém-nascida nossa contemporânea, o que permite pôr a hipótese de que a
sua acuidade linguística seria idêntica. A origem das reflexões
sobre as línguas tem, naturalmente, de ser posterior. O que se
segue procura dar conta dos pontos de viragem na história deste
domínio do conhecimento.
A
INVENÇÃO DA ESCRITA
Povos como os egípcios ou os sumérios, que inventaram formas de escrita numa época longínqua situada entre o IV e o II milénios a. C" tiveram necessariamente que tomar consciência da
estrutura da sua língua para a escrever. A invenção da escrita teria
que levar a uma reflexão sobre a natureza da língua, visto tratarse de uma técnica que deveria dar conta dos elementos da língua
falada separando, pelo menos, as frases umas das outras. Tanto
os egípcios quanto os sumérios escreviam já frases constituídas
por uma sucessão de símbolos que correspondiam às palavras.
•
3D
•
MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
Além disso, os hieróglifos egípcios associavam frequentemente
imagens de objectos reais a sons. Por sua vez, entre 1500 e 1000
a. C., os chineses utilizavam ideogramas, ou seja, pequenos desenhos que representam objectos ou conceitos e correspondem
a palavras monossilábicas,
para representar outras palavras.
Um dicionário chinês
Alfabetos
do século I a. C. regista 9000
Os alfabetos de base fonética são
símbolos correspondentes a
listas de símbolos gráficos convencio9000 palavras. Há portanto,
nalmente ordenados, que representanto num caso como no
tam sons. A estes símbolos dá-se o
outro, uma análise, ainda
nome de grafemas.
que muito elementar, de cerUm sistema de escrita de base
fonética corresponde a um avanço na
tas unidades básicas das línhistória do conhecimento, já que a reguas como as frases e as
lação entre um som e um símbolo grápalavras.
fico pode ser mais universal do que a
Foram, porém, os fenírelação que envolve um conjunto de
cíos,
que inventaram um alsons associado a um significado, rela"
fabeto
de base fonética na
ção que s6 é compreensível numa
segunda metade do II milénio
dada língua particular.
a. C., os primeiros a tomar
consciência dos sons que
constituíam a sua língua. Embora não possua caracteres que representem as vogais, este sistema de escrita pode classificar-se
como um sistema de base fonética. E é este alfabeto fenício,
reinterpretado primeiro pelos gregos e pelos romanos depois, que
está na base do alfabeto usado pela generalidade dos sistemas
de escrita contemporâneos:
Alfabeto fenício
{
A
1
~
4
B CG D
Y8
~
E F
H
~ ~
IJ K
L
L
~ ~
M N
O 7
~
o
Q
P
~
R
Wt V
S
T
U
v
w
Alfabeto latino
Z
~
X Z
As
PRIMEIRAS GRAMÁTICAS
As primeiras descrições linguísticas conhecidas foram produzidas em obras de gramáticos hindus, no I milénio a. C. Na índia
antiga, o Sânscrito (palavra que significa 'perfeito') era considerado como uma língua mágica e sagrada e, por essa razão, não
podia sofrer a menor alteração de pronúncia ao ser usada nos rituais religiosos. É, pois, em consequência de uma preocupação
religiosa que as descrições desta língua vão surgir.
O mais conhecido dos gramáticos hindus é Panini, que viveu
no século V ou IV a. C. A descrição dos sons, a representação
das sílabas por diferentes caracteres conforme as consoantes e
as vogais que as constituem, as regras ou definições com que o
autor explica a construção das frases ou dos nomes compostos
mostram um conhecimento aprofundado do funcionamento do
Sânscrito. Esta preocupação com a preservação da pureza da
língua, ou seja, com as consequências da mudança linguística
- atitude que caracteriza a gramática de Panini e dos restantes
gramáticos hindus -, irá sendo retomada ao longo dos séculos e
persiste ainda nas chamadas gramáticas normativas, como, por
exemplo, as gramáticas escolares destinadas ao ensino da língua.
OS GREGOS E OS ROMANOS
O estudo das línguas desenvolvido pelos gregos orienta-se em
dois sentidos. Por um lado, a curiosidade e o interesse acerca da
origem da linguagem, da mudança e da diversidade linguística
levam a reflexões filosóficas como as que encontramos em Platão
(428-348 a. C.l e em Aristóteles (384-322 a. C.). O ponto crucial destas reflexões situa-se na discussão entre a defesa, feita
por Platão no Crátílo [13], de que as palavras reflectem, por natureza, a realidade que nomeiam, e a convicção aristotélica de
que o seu significado resulta de um acordo entre os homens e,
portanto, é convencional [01].
Outros autores procuraram alcançar um conhecimento mais
aprofundado acerca do funcionamento da sua língua. A análise
do Grego em todos os seus níveis começa por permitir um aper-
•
31
32 •
MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
feiçoamento do alfabeto, mas também conduz à elaboração de
gramáticas. A autoria da primeira gramática grega, que distingue
oito partes do discurso 5 - artigo, nome, pronome, verbo, particípio, advérbio, preposição e conjunção - é atribuída a Dionísio de
Trácia (170-90 a. C.l. A análise sintáctica do Grego é desenvolvida na obra de Apolónio Díscolo (século II d. C.) que, na esteira
de Aristóteles, considera que a estrutura da frase assenta em dois
elementos fundamentais: o sujeito e o predicado.
O conhecimento da língua e o desenvolvimento da gramática
entre os gregos estiveram intimamente ligados à preocupação com
a interpretação dos textos dos poetas antigos, sobretudo dos
célebres poemas épicos Ilíada e Odisseia, atribuídos a Homero
(século IX ou VIII a. C.), dando, deste modo, origem à criação da
filologia, disciplina que estuda as línguas a partir de textos, literários ou não.
As obras dos gramáticos gregos e a sua doutrina gramatical
tiveram repercussão sobretudo no oriente grego, chegando tardiamente ao ocidente da Europa, através dos gramáticos latinos.
Nas palavras de Mounin, «se Roma merece um capítulo numa
história da linguística, é bem menos por ter produzido que por
haver transmitido» [12]. Na realidade, e apesar de as obras dos
gramáticos latinos serem mais demoradamente descritas na história da linguística do que as dos gregos, o seu mérito é sobretudo o de nos terem dado a conhecer as reflexões gramaticais e
filosóficas dos seus antecessores, na linha, aliás, de outros ensinamentos que Roma foi buscar à Grécia subjugada.
No entanto, também se deve ter em conta a importância dos
gramáticos latinos, sobretudo porque muitas das suas obras apontam, originalmente, para uma finalidade diferente do estudo filosófico ou da doutrina gramatical. Note-se, por exemplo, que Varrão
(116-27 a. C.), um gramático latino, distingue o uso da língua
comum do uso literário (considerado como o bom uso), presta uma
atenção especial às questões etimológicas e procede a uma codi-
5 Chama-se 'partes do discurso' ou 'partes da oração' às categorias
sintácticas, como 'verbo', 'adjectivo' ou 'advérbio', que também podem
ser designadas categorias gramaticais.
o ESSENCIAL SOBRE LINGUíSTICA
ficação das regras fundamentais da língua latina. Por outro lado,
a obra de Quintiliano (c. 40-100 d. C.), professor de retórica, destinava-se basicamente a formar o orador que utilizava a língua para
convencer o seu auditório. E não se pode esquecer, por fim, Elius
Donatus (século IV d. C.), autor da obra De Partibus Orationis,
que se ocupa, como Dionísio de Trácia, da categorização das palavras.
A
IDADE MÉDIA
Os gramáticos latinos mantiveram-se como modelo durante
toda a Idade Média. Nos países nórdicos e anglo-saxónicos, as
gramáticas latinas foram as primeiras a ser sistematicamente ela~
boradas para o ensino de uma língua estrangeira - neste caso o
Latim que, durante séculos, cumpriu a função de língua franca.
Nos países de matriz românica, o estudo das línguas vernáculas - como as várias línguas faladas na Europa Ocidental _
era feito, até meados do século XVI, a partir de gramáticas escritas em Latim e que seguiam o modelo das primitivas gramáticas
latinas. A partir dessa altura, a alfabetização recebeu um notável
impulso, que prosseguiu com a possibilidade de difusão dos textos escritos, nos quais se incluíam as gramáticas. A partir da
Bíblia de Mainz, com apenas 42 linhas e cujos cerca de 180 exemplares foram impressos entre 1452 e 1455 nas oficinas de
Gutenberg (ou talvez a partir da Ars Minor, uma gramática escolar de Elius Donatus cuja edição pode ter antecedido a da Bíblia
de Gutenberg), a tipografia assegurou uma difusão muito maior a
muitos mais textos. As gramáticas das línguas vernáculas e escritas nessas mesmas línguas passaram, assim, a chegar mais
facilmente às mãos dos estudantes da época.
Em Portugal, onde já se falava Português há alguns séculos,
a Gramática da Linguagem Portuguesa que Fernão de Oliveira publicou em 1536, e a Gramática da Língua Portuguesa (1540), de
João de Barros, são as primeiras gramáticas do Português, escritas em Português. Além de se tratar de obras escritas em vernáculo, estas gramáticas fornecem informações sobre a construção
das palavras e das frases. Mas a área do estudo das línguas que
•
33
.f{.
34 •
MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
conheceu maior desenvolvimento durante e a partir do século XVI
foi a fonética, em consequência da importância que se deu, pela
primeira vez, à língua falada. A descrição que Fernão de Oliveira
faz das vogais e das consoantes do Português é um interessantíssimo exemplo do lugar de relevo em que o autor colocava as
questões de articulação dos sons.
A primeira gramática portuguesa
A primeira edição da Gramática da Linguagem Portuguesa, de Fernão
de Oliveira, foi publicada em Lisboa, em 1536. O único exemplar conhecido desta edição pertence à Biblioteca Nacional, que, em 1981, editou
um fac-simile. Mais recentemente foi
disponibilizada uma versão integral na
Série Memória da Ungua da Biblioteca
Nacional Digital (purl.pt/120j, de que
aqui se reproduz a folha de rosto.
A terceira edição é de 1933 e foipreparada por Rodrigo de Sá Nogueira (Lisboa: José Fernandes Júnior). Em 1975,
a edição e notas preparadas por Maria
Leonor Carvalhão Buescu são publicadas pela Imprensa Nacional - Casa da
Moeda. A edição mais recente, fixada
por Amadeu Torres e Carlos Assunção,
foi publicada em 2000 pela Academia das
Ciências de Lisboa.
o RENASCIMENTO E O INTERESSE PELO VERNÁCULO
Com o Renascimento desenvolveu-se, de forma sistemática,
o estudo das línguas particulares. Afastando-se da tradicional
atenção dada a aspectos gerais que ultrapassavam as línguas individuais (por exemplo, as definições genéricas de 'sujeito' e 'predicado' como partes indispensáveis da oração), os gramáticos
começaram a examinar as características que distinguiam as línguas entre si. O começo do interesse pela variação dialectal per-
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
•
tence aos primórdios do Renascimento e pode localizar-se no início do século XIV, a partir de um tratado de Dante sobre catorze
dialectos italianos 6 , que mostra a sensibilidade do poeta às diferenças dialectais, embora as considere pouco dignas da «verdadeira língua italiana»,
É também no final da Idade
Média e no início do RenascimenA Ortografia
to que se dá um incremento do
de
Nunes de Leão
ensino da leitura e da escrita em
Alguns exemplares estão disvernáculo, correspondendo às neponíveis nos reservados da Bicessidades provocadas pelas cirblioteca Nacional. A folha de
cunstâncias históricas da época
rosto aqui reproduzida provém da
(como por exemplo as viagens
edição digitalizada, que pode ser
marítimas e as consequentes
consultada em purl.pt/15.
trocas económicas). Durante a
A edição mais recente, que é
primeira metade do século XVI,
a 4. a, tem introdução, notas e leitura de Maria Leonor Carvalhão
surgem numerosas Cartinhas, ou
Buescu e foi publicada pela ImCartilhas, para aprender a ler, utiprensa
Nacional ... Casa da Moelizadas em Portugal mas também
da, em 1983.
enviadas para terras longínquas,
como a Cartinha publicada em
conjunto com a Gramática de
João de Barros, ou a indicação,
datada de 1512, de um envio
de livros para a fndia com a seguinte informação «Remete-se
um caixote de Cartilhas para
Cochim» [111.
A partir do século XVI publicam-se várias Ortografias, das
quais vale a pena destacar a Ortografia da Língua Portuguesa, de
Duarte Nunes de Leão (1576), as
6 Apesar de escrito em Latim, no De Vulgari Eloquentia /1304-1305),
Dante faz um elogio da língua vulgar, que no seu caso é o Toscano, língua que está na base do moderno Italiano.
35
36 •
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
MARIA HELENA MIRA MA TEUS / ALlNA VILLAL VA
Regras Gerais, Breves e Compreensivas da Melhor Ortografia, de
Bento Pereira (1666), e a Ortografia ou Arte de Escrever e Pronunciar com Acerto a Língua Portuguesa, de Madureira Feijó (17341.
Entre os séculos XVI e XVIII, o ensino das línguas vernáculas
ocupou um espaço progressivamente mais amplo. Em Portugal, a
par das gramáticas, das cartinhas e das ortografias, surgiram
dicionários e vocabulários - são descrições do léxico da língua portuguesa em que o Latim ocupava já uma parte diminuta.
Notável neste domínio é o VoVerdadeiro Método de Vieira
cabulário de Rafael de Bluteau,
A.Série Memória da Língua da
uma obra enciclopédica em dez
Biblioteca Nacional Digitaldisponibivolumes, publicada entre 1712
liza uma reprodução digitalizada da
e 1721.
1.• edição do Verdadeiro Método de
Foi também no século XVIII,
Estudar, em purl.pt/118.
e com o firme apoio do Mar. Exis~e uma edição em cinco voquês de Pombal, que floresceu
lumes, de. António Salgado Júnior,
publicada -pela Sá da CQsta .. Elntre
e se impôs a importância da
1949 e 1952.
aprendizagem do Português
nas escolas básicas. Luís António Verney inicia o seu Verdadeiro Método de Estudar
para ser Útil à República e à
Igreja, Proporcionado ao Estilo
e Necessidade de Portugal
(1746) pela afirmação de que
é necessário aprender a gramática da língua materna como
base e 'porta' para outros estudos. Foi, aliás, a preocupação
com o ensino da 'norma culta'
e da correcta ortografia e sintaxe que levou à criação, no tempo de Pombal, da Real Mesa
Censória, cuja função consistia
em eliminar os textos que apresentassem aspectos censurá____________~
veis de conteúdo ou de forma,
o
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _~!:...._
•
37
incluindo a 'ortografia bárbara' ou a 'sintaxe solecista', termos
usados para referir erros de ortografia e de sintaxe.
A par desta perspectiva prática do ensino e do estudo da língua, os séculos XVII e XVIII foram pródigos em reflexões filosóficas sobre a linguagem humana e as características universais das
línguas. Tendo como exemplo a Grammaire Générale et Raisonée
dos franceses Arnault e Lancelot (1660), surgiram nos séculos
seguintes, em várias línguas, gramáticas filosóficas que procuravam os fundamentos da capacidade humana de falar e interpretavam as estruturas das línguas de acordo com aspectos lógicos
do pensamento. Em Portugal, a obra mais notável e conhecida
neste domínio foi a Gramática Filosófica da Língua Portuguesa,
de Jerónimo Soares Barbosa.
A Gramática Filosófica
A Série Memória da Língua da Biblioteca Nacional Digital disponibiliza
uma reprodução digitalizada da 1.a edição da Gramática Filosófica, publicada
em 1822, pela Academia das Ciências
de Lisboa (purl.pt/128).
___Il
ONDE COMEÇA A LINGuíSTICA?
Pode dizer-se que a especulação acerca da origem das línguas
é quase infrutífera: não há registos e não há como contornar a
efemeridade da produção linguística. Os enunciados vivem enquanto são produzidos e recebidos, pelo que deles mais não pode restar do que a memória nos falantes envolvidos na situação de
enunciação. Saber se a capacidade de linguagem nasceu com a
espécie humana, ou se o desenvolvimento do homo loquens (expressão latina usada para referir a espécie humana dotada de
capacidade de linguagem) é posterior, e se todas as línguas têm
origem num único sistema linguístico ou se a diversidade é um
dado de partida, são desígnios tão (in)alcançáveis, para já, quanto
o do conhecimento da origem e evolução da própria humanidade.
A dificuldade de encontrar uma teoria satisfatoriamente explicativa acerca da origem de todas as línguas levou a Société de
Linguistique de Paris a aprovar, em 1866, uma moção proibindo
qualquer referência à origem da linguagem nas suas reuniões. Esta
proibição não fez, contudo, desaparecer o interesse pela relação
histórica e genealógica entre as línguas. Foi, aliás, esse interesse
que motivou a enorme aceitação com que foi recebida uma conferência sobre o Sânscrito, apresentada por William Jones, um
estudioso de línguas orientais, na Sociedade Asiática de Bengala,
em 1786. Nessa conferência, Jones afirmou que o Sânscrito possuía uma estrutura maravilhosa, mais perfeita do que o Grego e
mais abundante do que o Latim, mas que, simultaneamente, evidenciava um estreito parentesco não só com essas duas línguas
mas também com o Céltico, o Gótico e o antigo Persa. A existên-
40
•
MARIA HELENA MIRA MA TEUS I ALlNA VILLALVA
cia de um tal parentesco poderia vir a mostrar que todas derivavam de uma fonte comum que talvez já não existisse, sendo portanto necessário proceder a uma comparação do Sânscrito com
línguas europeias, para que se pudesse ir mais longe no conhecimento da sua origem e das suas características gramaticais. Se
esse parentesco viesse a ser provado, então a língua falada na
índia antiga e as línguas que estavam na base das línguas europeias actuais teriam tido uma 'mãe' comum. A hipótese da existência dessa protolíngua desconhecida veio a ser aceite, tratando-se
de uma recriação a partir dos aspectos comuns que era possível
detectar entre as suas 'filhas' (as línguas antigas da índia e da
Europa), ou seja, entre as línguas a que se podia ter acesso, fosse directo, através de documentos escritos, ou indirecto, analisando as línguas contemporâneas. Essa protolíngua passou a ser
denominada Indo-europeu.
Iniciou-se, então, a grande empresa dos linguistas da época
que, seguindo o interesse contemporâneo pela descoberta das
origens do pensamento e da religião, o estenderam ao estudo das
línguas, tomando em mãos o trabalho de estabelecer sistematicamente a comparação entre elas. Dos estudiosos comparatistas
cujas obras ainda hoje são merecedoras de atenção, destacam-se Rasmus Rask (1787-1832), filólogo dinamarquês, e Franz Bopp
(1791-1867), filólogo alemão, que estabeleceram princípios e
métodos para o estudo comparado das línguas a partir da análise
filológica de textos. A estes nomes deve acrescentar-se o de
Wilhelm von Humboldt (1767-1835), linguista e político alemão
que se interessou pela relação entre o homem e a linguagem (<<a
língua é o órgão que forma o pensamento») e associou a estas
reflexões o conceito de que a superioridade de uma língua estaria
relacionada com a superioridade do povo que a falava.
Assim, o final do século XVIII encontrou uma forma de contornar o problema do desconhecimento da origem das línguas, propondo que o caminho fosse percorrido em retrocesso, com base
na observação directa dos dados linguísticos e numa rigorosa
metodologia de trabalho. A pouco e pouco, a análise comparada
das línguas foi abrindo caminho para o estabelecimento da sua
genealogia, em sintonia, aliás, com os métodos científicos seus
contemporâneos: o entendimento da língua como um organismo
I~
o ESSENCIAL SOBRE LINGUíSTICA
•
vivo que nasce, cresce e morre aproximou o seu estudo das hipóteses formuladas por Darwin sobre a origem das espécies e a sua
evolução por meio de uma selecção natural. No entanto, não foi
por causa deste enfoque histórico que
essa época foi entenA palavra 'linguística'
dida como a do nasCabe aqui abrir um parêntese sobre a utilicimento da linguística
zação do termo linguística, já que alguma recomo ciência. Foi sim
lação existe entre o seu uso e. a consideração
em consequência da
da linguística como um domínio científico.
descrição sistemáti'Sprachwissenschaft', 'Iinguistics', 'Iinguistique'
e 'linguística' são termos de línguas diferentes
ca, rigorosa e compa(Alemão, Inglês, Francês e Português, respecrada das unidades
tivamente)
que não começaram a ser usados sifonéticas e morfolómultaneamente. Com os linguistas alemães, o
gicas das línguas em
termo Sprachwissenschaft surgiu a partir da seanálise. Não se tragunda metade do século XIX. O uso dos termos
tava já de estudar asequivalentes nas outras línguas é bem posterior.
pectos históricos
Vale como curiosidade referir que, até há bem
~ouco tempo, a palavra inglesa 'Iinguist' signiou filosóficos atraficava, sobretudo, 'aquele que sabe línguas'.
vés das línguas, mas,
A România (designação que engloba o conjuncomo dizia Franz
to dos parses românicos) também foi muito
Bopp [05], as línguas
renitente na substituição da denominação traeram estudadas por si
diCional de filologia (que estuda textos escritos)
mesmas, como objecpela de 'linguística' quando se tratava do estuto e não como meio
do das línguas. Note-se, por exemplo, que nos
anos 50 do século XX as disciplinas que tratade conhecimento.
vam de língua na Faculdade de Letras de lisEste é o momenboa - mesmo quando já se falava do trabalho
to em que se conside Saussure - se chamavam 'Filologia Portuguedera que a linguística
sa' e 'Gramática Comparativa'.
se constitui como um
domínio do conheci-
me~to. A. marca visível aparece nos trabalhos de toda uma plêiade
de investigadores alemães e nórdicos, maioritariamente redigidos
e~ Ale~ão, que fixaram a relação entre as línguas indo-europeias,
eVidenCiando as correspondências fonéticas e morfológicas
detectadas na análise das línguas escandinavas e germânicas,
do Grego e do Latim, do Lituano, do Arménio, do Sânscrito e do
Iraniano.
41
J~
,I
42 •
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALlNA VILLALVA
Importa agora sublinhar
duas importantes orientaA Série Memória da Língua da Bições que se manifestaram no
blioteca Nacional Digital disponibiliza
estudo das línguas durante a
uma reprodução digitalizada da 1."
segunda metade do século
edição de A Língua Portuguesa, em
XIX. A primeira resulta de um
purl.pt/141 e uma outra da 2." edição,
crescente interesse pela desde 1887, emendada e aumentada
crição das línguas vivas, fapelo autor, em purl.pt/30.
ladas pelas populações
contemporâneas. É neste
quadro que Adolfo Coelho publica A Lfngua Portuguesa: Fonologia,
Etimologia, Morfologia e Sintaxe, sendo a data da sua publicação
- 1868 - considerada por Leite de Vasconcelos (médico de formação de base, mas notável como etnólogo, arqueólogo e filólogo)
o «limite a quo da filologia científica portuguesa»7.
A segunda orientação dominante está relacionada com o desenvolvimento da fonética. Assente em métodos experimentais,
beneficiou do progresso da física e da anatomia que permitiu a
construção de instrumentos adequados à análise do chamado
contínuo sonoro e dos movimentos articulatórios ligados à produção dos sons da fala. Em simultâneo, com o progresso dos
estudos fonéticos, o estudo histórico ou diacrónico, que relacionava estados de língua separados no tempo, era substituído por
uma abordagem sincrónica, que prestava atenção aos diversos
fenómenos linguísticos que caracterizam um único momento na
existência de uma língua. É este o contexto que justifica que, na
primeira metade do século XX, os estudos de dialectologia e de
geografia linguística passassem a primeiro plano na atenção dada
pelos linguistas à língua falada. Este interesse foi suscitado pelo
trabalho de Jules Gilliéron, dialectólogo de origem suíça que, na
última década do século XIX, preparou o Atlas Linguistique de la
France, publicado entre 1902 e 1923. Em Portugal, a Esquisse
d'une Dialectologie Portugaise, de Leite de Vasconcelos, deu
a conhecer as particularidades dos dialectos portugueses que ainda
A Língua portuguesa
7 A expressão latina a quo significa 'data a partir da qual se começa
a contar um prazo'.
não tinham sido estudados
A Esquisse de Leite de Vaconcelos
sistematicamente.
A Esquisse foi publicada em
A orientação que toma1901.
Em 1987, o Centro de linguísram os estudos das línguas
tica da Universidade de Lisboa patroelaborados pelos sucessores
cinou uma reimpressão da 2." edição,
dos linguistas da primeira
que inclui aditamentos e correcções
metade do século XIX foi
do autor. A Série Memória da Língua
contestada pela geração
da Biblioteca Nacional Digital disponibiliza uma reprodução digitalizada
seguinte, a geração dos neoda 2." edição em purl.pt/160.
gramáticos (uma tradução
desajeitada do termo original
alemão - Junggrammatiker que significava 'jovens gramáticos'), cujas perspectivas se desenvolveram durante o final do século XIX e a primeira metade do
século XX. Aceitando um ponto de vista eminentemente histórico, os neogramáticos introduziram a hipótese da existência de
leis fonéticas de carácter absoluto, como as leis de Grimm, que
estabeleceram correspondências fonéticas a partir da evolução de
palavras cognatas em línguas irmãs. Por exemplo: as palavras
começadas por [f], no Português, correspondem com muita frequência a palavras começadas por uma consoante aspirada, no
Castelhano: farinha / harina, filho / hijo). Estas leis eram apresentadas como universais, ou seja, aplicar-se-iam cegamente sobre
os sons e explicariam as mudanças linguísticas de uma forma idêntica para todas as línguas. A atestação de pares de palavras como
fogo / fuego veio a mostrar que a realidade é um pouco mais complexa, dado que, neste caso, a evolução fonética não gerou o resultado previsto. Apesar de objecções deste tipo, esta foi uma
época em que floresceram as gramáticas históricas das línguas
europeias. As seguintes obras merecem especial relevo, pela indubitável importância que têm para o conhecimento da história
do Português: a Sintaxe Histórica Portuguesa de Epifânio
._--------_.
A Série Memória da Língua da
da Silva Dias foi publicada em
Biblioteca Nacional Digital disponi191 8 e o Compêndio de Grabiliza uma reprodução digitalizada da
mática Histórica Portuguesa
1." edição da Sintaxe Histórica em
de José Joaquim Nunes foi
purl.pt/190.
publicado em 1919.
,~
I
•
43
44 •
o ESSENCIAL SOBRE LlNGufSTlCA
MARIA HELENA MIRA MA TEUS / ALlNA VILLAL VA
~
A linguística portuguesa fora de portugal
\
\
O interesse pelo estudo do Português não tem fronteiras, ~omo ber;' I
o demonstra o trabalho de Jules Comu, autor da primeira gramatica hlsto- i
rica do Português, publicada em 1888, em Alemão, com o título Grammatik I
der portugiesischen Sprache; ou o livro Altportugiesisches: Elementarb~ch, \
de Joseph Hüber, publicado em 1933 e traduzido em 1986 com o titulo :
Gramática do Português Antigo; e ainda From Latm to Portugues e, que
Edwin Williams apresentou em 1938 e que só em 1975 fOI traduzida com
o título Do Latim ao Português.
. I
Papel particularmente relevante neste domínio é o que cabe ao ~rasli,
I com linguistas como Said Ali. autor de diversos textos de ref~rencla.
A sua Gramática Histórica [da Língua Portuguêsa]. de 1931 (que reune dOIs
volumes anteriormente publicados - a Lexeolog ia do Português H~stórico,
de 1921, e a Formação de Palavras e Sintaxe do Português HIstor~co, de
1923). foi, à data da sua publicação, um trabalho inovador e mantem-se,
até hoje, como uma referência incontornável.
o SÉCULO XX
Descobertas as relações genéticas entre as línguas e algumas
das bases fonéticas da mudança linguística, chega-se ao século xx
e ao início da pesquisa que olha para as línguas na sua especificidade, como expressão de uma faculdade humana. Por reacção
ao positivismo dos neogramáticos, e admitindo uma dimensão psicológica para além da dimensão mecânica anteriormente reconhecida, surgiu na Europa, durante a primeira metade deste século,
a corrente que iria ocupar durante largos anos o lugar mais importante no estudo da ciência da linguagem e das demais ciências humanas. Trata-se do estruturalismo, corrente de pensamento
que se baseava na importância que a 'forma' vinha assumindo na
recém-criada psicologia, e na perspectiva de que a linguagem era
uma actividade com uma estrutura especial, ou seja, uma actividade que funcionava em sistema. Enquanto, na Europa, essa vertente das teorias psicológicas influenciou largamente a linguística,
nos Estados Unidos da América foi a teoria do comportamento,
que relacionava estímulo e resposta, o instrumento que os linguis-
tas norte-americanos usaram para explicar o funcionamento da
linguagem.
A estas duas vertentes do estruturalismo estão ligados os
nomes de dois grandes linguistas: Ferdinand de Saussure (1857-191~), na Europa [17], e Leonard Bloomfield (1887-1949), na
América do Norte [04]. Para a história da linguística um dos mais
relevantes movimentos da época foi a criação, em 1926, do Círculo Linguístico de Praga, que estabeleceu uma coordenacão nos
estudos da fonética e da fonologia das línguas e represent~u uma
inovação nos métodos de análise estruturais. Os linguistas mais
notáveis deste grupo foram o polaco Baudouin de Courtenay
(1845-1929) e os russos Nicolai Trubetzkoi (1890-19381 e Roman
Jakobson (1896-1982).
Para todos estes linguistas, 'estrutura' significa um conjunto
de elementos que constituem um sistema pelas relações que estabelecem entre si. Assim, por exemplo, afirmar que as línguas têm
uma estrutura fonológica significa que se servem de um conjunto
de sons que funcionam nas palavras por contraste e na relacão
de uns com os outros. O conceito de estrutura é uma prese~ça
constante nos trabalhos dos linguistas da época, motivando a
criação de métodos e técnicas de descrição e análise próprios.
Os dados em que assentam as descrições das línguas constituem
o corpus que, na perspectiva estrutural, deve ser recolhido junto
dos falantes para atestar as particularidades e os elementos que
pertencem, na realidade, à língua em estudo. Os bons resultados
da investigação realizada no que diz respeito à descrição das línguas, com metodologias de trabalho claras e sistemáticas, e que
se tornaram visíveis no efectivo progresso do conhecimento lingUí~tico, co.nvid~ram outras ciências humanas, como a antropologia, a sociologia e a arqueologia, a adoptar os instrumentos de
análise que a linguística desenvolveu.
. E~ Portugal, a perspectiva estruturalista está presente, pela
pr.lmelra vez, na obra de Jorge de Morais Barbosa (cf. [03]), pubhcad~ em 1965. No Brasil, também nos anos 60, distinguiu-se
Joaquim Mattoso da Câmara Jr., que, por oposicão ao mecanicismo reinante na época na linguística norte-ame~icana tomou
então como referência a visão mentalista desenvolvida p~r Sapir
(cf.[16]).
•
45
46 •
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLALVA
A LINGuíSTICA
FORMAL
A linguística foi precursora na adopção da abordagem estruturalista, mas também recorreu a outros domínios do conhecimento, como a lógica, a estatística e a computação, para encontrar
instrumentos de análise.
Foi durante o século XIX e o início do século XX que a lógica
abandonou certos fundamentos que remontavam a Aristóteles (por
exemplo, a noção filosófica abstracta de 'forma' por oposição à
de 'matéria') e, tomando a matemática como modelo, construiu
uma linguagem constituída por símbolos e regras para a expressão do conteúdo do pensamento lógico.
Na interacção da matemática com a lógica foram adoptados
instrumentos teóricos como os sistemas formais ou a lógica de predicados, que influenciaram profundamente os estudos linguísticos
a partir de meados do século XX. OS linguistas passaram, desde
então, a recorrer a representações formais das unidades e dos
processos linguísticos. De uma forma muito simplificada, pode dizer-se que os elementos concretos são substituídos por símbolos
que permitem representar, de um modo abstracto, as relações entre
os elementos dos sistemas linguísticos. A utilização destes instrumentos por linguistas norte-americanos desenvolveu, por exemplo,
a análise das frases em constituintes imediatos, ou seja, em unidades menores do que a frase, como o sintagma nominal e o sintagma verbal (representados respectivamente por SN e SVI. e a análise
dos sintagmas em constituintes menores, até chegar às palavras.
Quando se representa a unidade 'frase' por F, a unidade que inclui
o nome e os seus especificadores e modificadores por SN e o verbo
e seus complementos por SV, podem apresentar-se as relações entre
estas três unidades através de uma representação, que faz uso
de parênteses rectos para mostrar os limites de cada constituinte
e as suas relações hierárquicas. Por exemplo, em: [F [SNI [SVIl F:
• [SNI e [SVI são unidades do mesmo nível, linearmente dispostas pela ordem apresentada: [SNI precede [SVI e [SVI é
precedido por [SNI;
• [FI domina [SNI e [SVI ou, inversamente, [SNI e [SVI são
dominados por [FI.
Esta é uma representação formal extremamente elementar,
mas que cobre todas as frases que integrem apenas um sintagma nominal e um sintagma verbal, como é o caso de:
O irmão do meu cunhado tem um carro descapotável.
[F [o irmão do meu cunhado]sN [tem um carro descapotável]sv IF
Ainda que seja equivalente à anterior, a representação formal
das frases que mais se vulgarizou foi a dos chamados indicadores sintagmáticos, mais conhecidos como árvores. Os parênteses são substituídos por ramos que nascem no nó que domina e
terminam no(s) nó(s) dominado(s). Os ramos que se unem na base,
formando um triângulo, indicam que o constituinte que dominam
não está plenamente analisado:
F
SN
~
o irmão do meu cunhado
SV
~
tem um carro descapotável
A vantagem de um modelo de análise linguística que utilize
este tipo de representação face aos modelos não-formalizados
reside no acréscimo de capacidade explicativa e na melhoria da
classificação das estruturas complexas. A linguística é um domínio em que o objecto do conhecimento é descrito por si próprio:
é a língua que permite descrever a língua. Sendo a ambiguidade8
8 A ambiguidade é uma propriedade das línguas naturais. Neste sentido, ambiguidade não é sinónimo de imprecisão. O que esta propriedade
quer dizer é que determinadas unidades linguísticas permitem mais do que
uma interpretação. É o que sucede numa frase como o João trouxe um
livro do colégio, em que do colégio tanto pode ser '0 local de onde o João
trouxe o livro', como '0 possuidor do livro'. Por vezes, o contexto permite
seleccionar a interpretação adequada, mas há circunstâncias em que tal
não é possível.
•
47
48 •
MARIA HELENA MIRA MA TEUS / ALlNA VILLAL VA
uma das propriedades das línguas naturais, só a utilização de um
sistema formal permite descrever os fenómenos linguísticos de
SERÁ A LINGuíSTICA UMA CIÊNCIA?
forma inequfvoca.
As árvores do conhecimento
O uso da metáfora da árvore na representação das estrutura~ linguísticas não é original. No domínio dos estudos linguísticos, reglsta-~e a
árvore da gramática, uma elegante iluminura incluída nas Grammatlces
Rudimenta, um manual (incompleto) de
ensino de verbos, datado de 1538, que
---~
ií
João de Barros dedicou à Infanta D. Ma- !
ria. A primeira utilização da árvore como f
instrumento para a representação do f
conhecim~nto é, contud?,.bastante mais I.
antiga: a arvore de PortlrlO encontra-se
na tradução para Latim que este fidlósdOfO
~.t'f~
fenício (século III a. C.) fez do trata o as
~, , .,,1
categorias de Aristóteles [141. Na tradição
: . . ~......
generativa, as árvores (invertidas) mos- I ~
tram a hierarquia dos constitUintes: os ra- I
mos indicam relações de domínio entre
nós (os pontos onde pode haver ramificação), que são identificados por etiquetas categoriais.
r.........- ..
I.
I"
.l'
••
Esta dúvida sobre o carácter científico da linguística é comum
a todas as chamadas ciências sociais ou humanas. Tal como em
relação à psicologia, à sociologia ou à antropologia, também no
âmbito dos estudos da linguagem convivem diversas formas de
conhecimento, que vão desde as abordagens filosóficas e históricas às construções teóricas e formalizadas, passando pelas descrições pré-científicas e pelas aplicações em domfnios de grande
diversidade, da sociologia à informática, às neurociências ou ao
ensino. Esta multiplicidade de tratamentos decorre da própria
natureza da linguagem, que é simultaneamente veículo de integração social (a Ifngua é uma das formas de comunicação com
os outros) e factor constituinte da construção do indivfduo: em
boa medida, é através da Ifngua que as pessoas vão integrando a
experiência da sua vivência. Na verdade, a relação da actividade
lingufstica com os factos históricos e sociais, com o universo
psicológico e com a criação artfstica, coloca o estudo da linguagem e das Ifnguas no centro de uma constelação formada por
múltiplas interacções com outras formas de comportamento humano. Além disso, como já foi dito, a especificidade da linguagem humana leva a uma coincidência entre o objecto de análise e
o meio com que se explicita e produz essa análise: é com palavras que se estudam as palavras. Estes aspectos particulares do
estudo da linguagem permitem, estimulam e valorizam interpretações e análises subjectivas e não-cientfficas.
Por todas estas razões tem sido diffcil o caminho de quem
defende que a lingufstica é uma ciência. Para justificar esta afir-
50 •
MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
mação é, pois, necessário reflectir sobre as características essenciais do que se considera ser uma ciência e verificar se essas
características também existem neste domínio do saber.
o CONCEITO DE CIÊNCIA
Pode definir-se ciência como um conhecimento sistematizado
do que vulgarmente se denomina 'o real'. Para que seja considerada
científica, a forma de produzir esse conhecimento deve obedecer
a um conjunto de requisitos que permitam, em idênticas circunstâncias, a sua verificação. Esses requisitos incluem, entre outros:
• uma clara delimitação do objecto de estudo: não é possível
estudar tudo ao mesmo tempo, é preciso garantir que o estudo seja exequível;
o ESSENCIAL SOBRE LlNGU{STlCA
•
51
outros domínios que procedem de modo idêntico - a linguística
teórica é um deles.
A LINGuíSTICA TEÓRICA
Ainda que os anteriores paradigmas da análise linguística,
como, por exemplo, o do estruturalismo, constituam quadros teóricos coerentes, é no início da segunda metade do século xx
que a linguística teórica conhece um desenvolvimento de maior
relevo. Trata-se da Teoria Generativa, indissociavelmente
ligada à publicação, em 1957, do livro Aspects of the Theory of
Syntax, de Noam Chomsky.
A relevância da Teoria
~'\I
Chomsky em Português
I
Generativa é tributária de
um conjunto de factores.
1965 Aspects of the Theory of Syntax
1975 Aspectos da Teoria da Sintaxe
Antes de mais, esta proposCoimbra: Arménio Amado
ta teórica retoma e desenvolve a hipótese da
1975 Reflections on Language
existência de uma capacida1971 Reflexões sobre a Linguagem
Lisboa: Edições 70
de específica do homem,
denominada faculdade da
1986 Knowledge of Language. Its
linguagem, que tem sido
Nature, Origin and Use
1994 O Conhecimento da Língua, sua
entendida como um dos facNatureza, Origem e Uso
tores principais, senão o
Lisboa:
Caminho
mais importante, na distinI,!
• a escolha de uma metodologia de trabalho: é necessário definir como se constitui um objecto de estudo e como se vai
estudar o que se pretende conhecer;
• uma descrição rigorosa dos dados, que permita uma representação formalizada das estruturas, das relações e das funções das unidades que constituem o objecto de estudo, de
modo a garantir que os mesmos dados possam voltar a ser
analisados;
• a formulação de hipóteses que dêem a conhecer a porção de
'real' analisada, sabendo-se que as hipóteses validadas por
um dado estudo científico poderão vir a ser rejeitadas pelas
hipóteses colocadas por um estudo posterior e que essa rejeição não deve ser entendida como um retrocesso, mas sim
como um progresso no desenvolvimento do conhecimento
científico.
Resta dizer que todos estes requisitos têm de ser cumpridos
no quadro de uma dada escolha teórica, que explicite um conjunto de hipóteses coerentemente formuladas que permitam descrever e analisar um dado domínio do conhecimento.
Estas são características das áreas habitualmente consideradas
'científicas', como a física, a biologia ou a matemática, mas há
ção entre o homem e os
1995 The Minimalist Program
1999 O Programa Minimalista
animais.
Lisboa: Caminho
Na sequência desta hipótese, a Teoria Generativa
defende que todas as línguas do mundo compreendem um mesmo conjunto de princípios, a que dá o nome de Gramática Universal (GU). Por outras palavras, as línguas 'escolhem' o modo
de aplicação dos princípios da Gramática Universal. E defende
também que a diversidade linguística resulta da selecção de um
dos possíveis modos de aplicação desses princípios, ou seja, da
parametrização dos princípios da GU. Este desenvolvimento da
Teoria Generativa é chamado Teoria dos Princípios e Parâmetros.
52 •
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLAL VA
No Português. a presença de um sujeito foneticamente realizado
pode ser dispensada. Vejam-se frases como:
Eu fui à praia.
vs. Fui à praia.
Tu queres ir ao cinema? vs. Queres ir ao cinema?
Em Inglês ou em Francês, a explicitação do sujeito é obrigatória:
vs.
* went to the beach.
vs.
* veux aller au cinema?
53
de sujeito; em quero a rosa, rosa ocorre em posição de complemento directo) ou antepondo uma preposição (com a rosa,
da rosa)9.
Uma outra preocupação da Teoria Generativa consiste na procura de uma adequada descrição do modo como o conhecimento
linguístico está organizado no cérebro dos falantes. Esta preocupação deu origem à idealização de um modelo de gramática que
explicita os domínios que a integram, ou seja, os seus módulos,
e o modo como estes módulos se relacionam. Em geral, e apesar
das divergências que as diferentes propostas teóricas em confronto
encerram, um modelo de gramática inclui um módulo lexical - o
léxico; um módulo que se encarrega da geração das estruturas
linguísticas - a sintaxe; um módulo que trata da interpretação
semântica dos enunciados - a semântica; e um módulo que se
encarrega da materialização dos enunciados - a fonologia. Um
outro aspecto fundamental na concepção do modelo de gramática é a hipótese de existência de diferentes níveis de representação, que vão do mais abstracto - chamado representacão
subjacente - a um nível mais concreto, próximo da materialização do enunciado, com a representação de superfície.
Em suma,ao descrever uma língua, a investigação linguística
desenvolvida no quadro da Teoria Generativa, procura conhecer
os princípios da Gramática Universal e os parâmetros da variacão
responsáveis pela diversidade linguística.
.
A Teoria Generativa não é a única abordagem teórica disponível para quem trabalha em linguística, mas é, sem dúvida, a mais
relevante na segunda metade do século XX, quer pela coerência
e dinamismo das hipóteses que coloca quer pelo volume de trabalho produzido sobre um grande número de línguas, num grande número de países.
o Parâmetro do Sujeito Nulo
I went to the beach.
Tu veux aller au cinema?
•
No quadro da Teoria dos Princípios e Parâmetros" o Português
é classificado como uma língua de sujeito nulo. ou seja, como uma
língua que marca positivamente o Parâmetro do Sujei~o Nulo. Pelo
contrário, o Francês e o Inglês marcam este mesmo parametro negativamente.
Resta saber o que está na base dessas 'escolhas' que se
manifestam nas diferenças entre línguas. A diversidade resulta,
por um lado, da evolução que as línguas tiveram dura~t~ séculos,
pelo facto de serem faladas por comunidades que vIviam se~a­
radas política e geograficamente (assim aconteceu com as \Inguas românicas e a sua diferenciação do Latim, ou com as
línguas germânicas, derivadas do antigo Germânico). Por outro
lado a diversidade surge do contacto entre línguas diferentes, em
con~equência de movimentações dos povos, ao longo da sua história.
À Gramática Universal pertencem categorias universais, como
'vogal' e 'consoante', 'sujeito' e 'predicado' ou 'nome' e 'ver~o'.
Mas estas categorias universais são concretizadas de forma diferente nas diversas línguas. Por exemplo, em algumas línguas, como
o Alemão ou o Latim, o 'caso', que é uma categoria universal,
manifesta-se morfologicamente nos sufixos dos nomes e adjectivos indicando-se através desses sufixos se o nome ocorre como
'suj~ito' ou como 'complemento' da frase (em Latim, rosa é a
forma sujeito, rosam é a forma complemento directo); outras línguas, como o Português, manifestam o caso por meio da col?c~­
ção do nome na frase (em a rosa é bela, rosa ocorre na poslçao
9 No Português, a pronominalização mostra vestígios da variacão
casual lexicalmente realizada. Assim, quando rosa é sujeito, o pron;me
que a substitui é diferente daquele que ocorre quando rosa é objecto directo:
a rosa é bela
~
ela é bela
quero a rosa
~
quero-a
j
I
_ _ _ _J
ii
~;,í
-,:;'~
I
DE QUE TRATA A LINGuíSTICA?
Já vimos que a linguística se ocupa do conhecimento da
linguagem e das línguas humanas, mas, para ir mais longe na explicitação do que é o seu objecto de trabalho, é essencial compreender que essa não é uma tarefa globalmente realizável:
nenhum linguista estuda a capacidade de linguagem ou uma língua na sua totalidade, nem exaustivamente. O que os linguistas
fazem é delimitar um objecto de estudo, seleccionando um determinado aspecto de um determinado fenómeno, num determinado
dialecto de uma determinada língua, por exemplo.
A primeira escolha recai geralmente sobre uma língua ou um
pequeno conjunto de línguas. Imaginemos que a selecção recai
sobre o Português. Globalmente considerada como sistema linguístico, a 'língua portuguesa' é uma abstracção necessária à sua
descrição enquanto língua particular, que, nessa perspectiva, se
distingue e contrasta com as restantes línguas naturais. Os seus
diferentes usos no espaço e no tempo revelam a existência de
variação nos diversos módulos da gramática permitindo, assim,
em função quer de factores internos quer de factores externos à
língua, a caracterização de dialectos, de sociolectos e até de
idiolectos.
Simplificando, pode dizer-se que a linguística reconhece, de
forma mais ou menos estável, um conjunto de diferentes disciplinas. Em alguns casos, as disciplinas são fundadas a partir da identificação de unidades de análise (para os sons, a fonologia e
a prosódia; para as palavras, o léxico e a morfologia; para as
frases, a sintaxe; e para o texto, a linguística textual). Noutros
56 •
MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
casos, a identificação das disciplinas assenta na atenção dada à
construção do significado dos enunciados (como a semântica e a
pragmática). Noutros ainda, a linguística pode centrar a sua aten:
cão no conhecimento da variedade linguística dominante (que e
~ dialecto socialmente mais prestigiado, falado na contemporaneidade por um maior número de pessoas, e geralmente designado como norma-padrão), ou no estudo da variação, quer no tempo
(que cabe à linguística histórica) quer no espaço (com a dialectologia e a linguística comparada),
Os DOMíNIOS DAS UNIDADES DE ANÁLISE
Os enunciados linguísticos são contínuos sonoros, limitados
por pausas que podem ser motivadas por exigências fisiológ.i~as,
como a inspiração de ar, por razões de processamento COgnitiVO,
como as hesitacões na escolha de uma palavra, ou ainda por necessidades co~unicativas, como as interrupções solicitadas pelos interlocutores. O que as pausas não permitem é a inequívoca
identificacão das unidades que a análise linguística reconhece essa é u~a operação realizada num determinado quadr~ teórico,
o que explica por que razão nem todos os autores consideram as
mesmas unidades ou as consideram do mesmo modo. Um dos
exemplos clássicos de discordância entre li~guis~as, no q~e. ~iz
respeito à identificação das unidades de análise, e o da deflnlçao
do conceito de morfema: para os linguistas da escola norte-americana 'morfema' identifica a menor unidade portadora de significacão (a palavra livros, por exemplo, é formada por três
morfemas: livr-, -o e -sI; para os linguistas da escola europeia (particularmente francesa) 'morfema' identifica apenas as unidades
mínimas que representam relações gramaticais (como o -o e o -s
finais de livros).
Vejamos, então, como se caracteriza cada um dos domínios
da linguística que se fundam na segmentação do contínu~ sonoro, começando pelas unidades menores, os sons, e terminando
nas maiores, que são os textos.
•
OS SONS DA FONOLOGIA E DA PROSÓDIA
As mais pequenas unidades que se analisam em linguística
são os sons. Para os estudar é necessário que o contínuo sonoro
seja registado, o que, em geral, é feito por transcrição fonética.
A transcrição fonética
A transcrição fonética é uma representação dos sons da fala que utiliza
um alfabeto fonético criado com base nas propriedades acústicas e articulatórias dos sons. Se especificar com pormenor as variações de pronúncia,
é uma 'transcrição fonética estreita'; se for pouco especificada, é uma 'transcrição fonética larga',
O Alfabeto Fonético Internacional (AFI) tem como objectivo tornar possível a representação dos sons de todas as línguas do mundo, fazendo corresponder ao mesmo símbolo um mesmo som, qualquer que seja a Ifngua
em que ocorra. Os símbolos do Alfabeto Fonético Internacional necessários
para transcrever a norma-padrão do Português Europeu são os seguintes:
Vogais orais
[i]
[e]
[e]
vi
[i]
vê
[uI
[aI
de
para
pá
[uI
[o]
[::lI
!iiI
banco
[õ]
atum
bom
[w]
pau
[kl
[gl
carro
gato
chave
já
venho
mal
pé
tu
avô
pó
Vogais nasais
fí]
sim
[el
pente
[U]
Semivogais ou glides
UI
pai
Consoantes
[pI
[bl
[f]
[v]
[mI
[I]
[r]
pá
bem
fé
vê
mão
lá
caro
[tI
[d]
[sI
[zl
[nl
[A:)
[RI
tu
dou
caça
casa
não
valha
carro
lSl
[31
(PI
[tI
Para mais facilmente poder ser reconhecida, a transcrição fonética é delimitada por parêntesis rectos (Le, [ J) e as representações mais abstractas, ou seja,
as representações fonológicas, são delimitadas por barras oblíquas (i.e. / IJ.
... --------------------~-___J
57
l~
!
!
58 •
MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALlNA VILLALVA
Este é um tipo de registo que procura usar um símbolo diferente
para representar cada som (por exemplo, a palavra casa em Português representa-se como [kázu)).
Do ponto de vista do seu funcionamento na língua, os sons
constituem um sistema, quer dizer, só cumprem a sua funcão em
contraste com os restantes elementos. O estudo do funcionamento
dos sons integrados num sistema é objecto da fonologia e da prosódia. Mas o que significa 'funcionar na língua'?
Tomemos como exemplo o sistema das vogais em Português.
Esse sistema inclui todas as vogais que, ao serem substituídas
por outras numa sequência de sons, criam uma nova palavra da
língua. Neste caso, as vogais que assim 'funcionam' têm um papel
linguístico e chamam-se fonemas ou segmentos. Por exemplo, as
palavras fala, com vogal tal, e fila, com vogal Iii, que têm significados diferentes, mostram que estas duas vogais fazem parte do
sistema do Português. Neste sistema não entram, por exemplo,
vogais como o /ü/ francês da palavra reçu, que significa 'recebido'. Duas palavras cujo significado se distingue pela existência
de um único
fonema difePares mínimos
rente constifigo -? fogo -? fungo
mágoa -? água -? égua
tuem um par
fila -? filha -? fita
lado -? dado -? fado
mínimo.
As unidades da fonologia são abstractas, mas os falantes têm uma representação mental dessas unidades. A sua realização faz-se através
dos sons da fala. Por razões várias (diferenças dialectais, individuais, dificuldades articulatórias, etc.), esses sons podem apresentar alguma variação fonética, mas são interpretados pelos falantes
da língua como um único fonema (por exemplo, a palavra partir,
. em Português Europeu, pronuncia-se com a vogal /a/ reduzida,
representada foneticamente por [u], enquanto em Português Brasileiro se pronuncia com o /a/ aberto, [a]; trata-se, pois, do mesmo fonema). Todos os sons com valor distintivo são classificados
de acordo com as suas propriedades articulatórias e acústicas.
Quando se estuda o sistema de sons de uma língua devem
ser consideradas também as alterações que se verificam nesse
nível, quer em consequência de mudanças históricas, quer em re-
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
59
•
·'1
sultado da utilizaClassificação básica dos sons
ção quotidiana da
O sistema de sons de qualquer língua possui,
língua em várias
obrigatoriamente. vogais e consoantes, e facultatisituações. Essas
vamente semivogais que, em conjunto com as voalterações integais, constituem os ditongos (em Português. as
gram-se nos chapalavras pau e pai têm ditongos em que as semimados processos
vogais estão representadas pelas letras <u> e <i».
As vogais são sons harmónicos e as consoanfonológicos, que
são ruído. A variação das vogais (por exemplo,
tes
podem actuar de
a
diferença
entre abertas. como [a) de pá, e fechaum modo geral,
das, como [uI de tu) é produzida pela deslocação
suprimindo, acresdo corpo da língua nos eixos vertical e horizontal.
centando ou modiNa produção das vogais nasais, o ar passa não só
ficando sons: a
pela cavidade oral mas também pela cavidade nasupressão da vogal
sal. Na produção das vogais orais o ar passa apenas pela cavidade oral.
final não-acentuaAs consoantes têm duas formas de classificação:
da em palavras
como bate [bát] ou
• o modo de articulação (por exemplo, as
fome [fj"m], no Poroclusivas como /p/ ou /t/, as fricativas como /s/ ou
/vi. ou as nasais como /m/ ou /n/);
tuguês Europeu
• o ponto de articulação (podem ser dentais
coloquial, denomicomo /t/ ou labiais como /f/ ou, ainda. velares como
na-se uma 'apóco/g/).
pe'; a inserção de
um [i] no Português
Brasileiro, em formas como captar [kapitát], designa-se 'epêntese';
a modificação de uma vogal que se torna semelhante a outra que
está próxima é uma 'assimilação', como na forma antiga mirabilia
que se tornou a actual maravilha. Outros processos actuam sobre grupos de sons como sucede, no Português Europeu, com as
vogais não-acentuadas que se pronunciam de forma reduzida,
sendo este um dos factores que distingue, de imediato, as variedades europeia e brasileira da língua portuguesa (comparem-se
as realizações de parar [purár] / [parár] ou poder [pudérl / [podér]
respectivamente do Português Europeu e do Português Brasileiro.
Os sons das línguas não possuem apenas as propriedades
articulatórias que diferenciam um lal de um iii ou de um 10/. Eles
têm também propriedades prosódicas, como a intensidade (a vogai pronunciada com maior intensidade é a que contém o acento
da palavra), a duração (em certas línguas as vogais podem con-
II
60
•
MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA
trastar pelo tempo de pronunciação, sendo umas breves e outras
longas), e a altura ou tom (a sequência de tons das vogais de
uma palavra ou frase constitui a entoação).
Porém, no Português, o tom e a duração não permitem distinguir significados, ao contrário de que acontece em outras línguas, como o Mandarim, em que a mesma sequência de sons,
por exemplo ma, pode ter significados diferentes se a vogal lal
tiver um tom baixo ou um tom alto; ou como no Latim, em que a
duração da vogal numa mesma sequência pode indicar a função
sintáctica da palavra - rosa, com vogal final breve, é nominativo
(tem função de sujeito) e com vogal final longa, rosã, é ablativo
(tem uma função complementar).
Uma outra propriedade prosódica, a intensidade, está relacionada com o acento tónico da palavra e marca uma sílaba que é
pronunciada com mais força, tornando-se proeminente na sequência de sílabas que constituem a palavra. Em Português, todas as
palavras possuem acento, sendo possível distinguir duas palavras
com as mesmas vogais mas com acento em sílabas diferentes
(por exemplo, dúvida e duvida, em que o diacrítico (f) marca o
lugar do acento na palavra esdrúxula dúvida, que assim se distingue de duvida).
As unidades prosódicas contribuem largamente para o ritmo
que caracteriza cada língua. Em Português, a menor unidade prosódica, que é a sílaba, tem características particulares (por exemplo, só certas sequências de duas consoantes podem pertencer à
mesma sílaba: Ibrl integra a segunda sílaba de pobre mas a sequência Istl pertence a duas sílabas na palavra pasta). Pela função
que têm as unidades prosódicas na caracterização e funcionamento
das línguas, elas são o objecto de estudo da prosódia.
Estas características prosódicas, ou traços prosódicos, relacionam a fonologia com outros módulos da gramática. Por exemplo, ao estabelecerem a diferença de significado entre uma frase
declarativa e uma frase interrogativa por meio de entoação diferente com que é produzida a mesma sequência de palavras:
o ESSENCIAL SOBRE LINGUíSTICA
As
O léxico das línguas é uma entidade abstracta: ilimitada no
tempo, dado que integra todas as palavras, de todas as sincronias,
da formação da língua à contemporaneidade; ilimitada no espaço, dado que compreende todas as palavras de todos os dialectos; e irrestrita na adequação ao real, dado que inclui as palavras
de todos os registos de língua. Mas será que o léxico só contém
palavras? Não, o léxico integra também unidades menores do que
as palavras e que servem para formar novas palavras, como o
radical eucalipt- e o sufixo -iz(ar), que se combinam no verbo
eucalíptizar, um neologismo que os falantes conseguem interpretar porque conhecem as partes que o constituem. Por outro lado
é no léxi~o que cabe o registo de expressões sintácticas cuja in~
terpretaçao requer uma aprendizagem específica: é esse conhecimento que faz com que brinco de princesa possa ser o 'nome
d.e ~~a flor' e não um 'tipo de brinco', ou esticar o pernil seja
SinOnimo de morrer e não de 'alongar a perna'.
!
[
~
~
I
~" ~",.~ _" "._.__..
PALAVRAS DA LEXICOLOGIA E DA MORFOLOGIA
A LEXICOLOGIA
Frase interrogativa
Amanhã vens jantar cá a casa?
61
Um outro tipo de unidades linguísticas, talvez aquele que os
falantes mais facilmente identificam, é o das palavras. Delas se
ocupam duas disciplinas: a lexicologia, que estuda o léxico de uma
lín.gua, ou seja, o repositório das palavras e de todas as suas propriedades; e a morfologia, que trata do conhecimento da estrutura
interna e dos mecanismos de formação de palavras.
Frase declarativa
Amanhã vens jantar cá a casa.
•
i
~
t
A esta diversidade de tipos de unidades lexicais (radicais
afixos, palavras e expressões sintácticas), que se junta à inexis~
tência de fronteiras ou de filtros que limitem o conjunto do possível,
acresce todo o universo de neologismos trazidos por empréstimo
~como os frequentes galicismos do século XIX, de que maquilhar
~ um ex~mplo, ou os anglicismos do final do século XX, cuja vitalidade nao cessou ainda de crescer, o que é atestado por formas
como secanear ou fidebeque - se forem estas as melhores grafias
para ~s palavras). Falt~ acrescentar a formação morfológica, responsavel pelo aparecimento de palavras como eucalíptizar ou
ministricida, e a pura invenção de palavras, que é um processo
raro na formação de neologismos. A condição necessária para o
:J
._---------.--------------------....,...---.."
62 •
MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALlNA VILLALVA
aparecimento de novas palavras reside na capacidade de cada uma
delas vir a ser utilizada e compreendida pela comunidade linguística e não em factores de ordem gramatical.
O léxico é, pois, o módulo que contém o que pode ser visto
como a matéria-prima para a construção e a compreensão de
enunciados linguísticos e que, por esta razão, se relaciona com
todos os outros módulos da gramática. Mas não é um mero repositório de formas: a cada unidade lexical está associado um conjunto de propriedades que vai permitir a sua integração, quer em
estruturas de palavras complexas quer em frases. Vejamos algumas destas propriedades:
• A categoria sintáctica (i. e. adjectivo, preposição, etc.) é uma
das propriedades basilares da palavra. É ela que condiciona a
sua distribuição na frase. Por exemplo, querendo modificar o
nome casa de modo a dar conta de duas das suas características, a idade e o material de construção, pode recorrer-se a
um adjectivo, como novo, ou a um nome, como pedra. No
primeiro caso, basta pospor o adjectivo ao nome - casa nova;
no segundo caso, o nome tem de ser integrado numa expressão com preposição, como em casa de pedra.
• As categorias morfossintácticas esclarecem, por exemplo,
acerca da natureza de palavra variável (como os verbos) ou
invariável (como os advérbios) e das categorias de variação
formal (género e número, para as palavras de natureza nominal; tempo, modo, aspecto, pessoa e número para os verbos,
por exemplo).
• A representação fonológica, como I#kaz + a#l, de casa, ou
I#man + u#l, de mão, permite, depois de processada pela
fonologia, chegar a uma dada realização fonética (['kazuJ e
['mãw], nos exemplos anteriormente considerados).
• A representação semântica garante que a cada conjunto de
sons corresponda um dado significado ('casa', por exemplo,
receberá uma informação semântica do tipo 'inanimado' e
'contável' e uma paráfrase, mais ou menos complexa, como
'construção tipicamente destinada a habitação humana').
• Às palavras está ainda associada informação sobre o seu per-
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
curso histórico. Como, por exemplo, a informação sobre a origem das palavras, que é geralmente chamada etimologia: uma
palavra como livro está associada ao étimo latino LlBER,
aldeia tem como étimo o árabe AD-DA YHA.
Cada unidade lexical pode ainda ser portadora de outras informações. É o caso de restrições quanto ao uso, como as indicações relacionadas com o registo de língua em que as palavras
podem ocorrer (veja-se o contraste entre cara, face e focinho).
É também com base neste tipo de informação que se pode estabelecer uma distinção entre o léxico geral e léxicos de especialidade: o primeiro integra as palavras que podem ser utilizadas em
qualquer contexto discursivo. Os léxicos de especialidade só encontram adequação em contextos discursivos pré-estabelecidos.
Note-se que uma palavra que se integre num vocabulário geral
conhecerá menos restrições de ocorrência do que uma palavra
especificamente destinada a um uso mais formal, ou outra cuja
ocorrência possa até ferir a susceptibilidade de quem a ouve fora
de um contexto informal e não-familiar.
Sendo o léxico formado por uma tão grande quantidade de
informação, não pode deixar de obedecer a princípios de organização interna. Na verdade, o léxico é uma entidade multi-estruturada, ou seja, estruturada de acordo com diversos princípios, sem
que nenhum deles exclua os restantes. Ainda que os falantes
possam não ter consciência dessa classificação, um dos princípios
de organização do léxico é o da categorização gramatical. A informação crucial diz respeito à categoria sintáctica, que permite,
por exemplo, distinguir os adjectivos dos advérbios, dos nomes,
das preposições e dos verbos, para referir apenas as categorias
principais. Mas o léxico também se estrutura a partir de algumas
categorias morfossintácticas: no caso do Português, o valor de
género dos nomes, que subdivide este grupo em dois novos conjuntos (o dos nomes femininos e o dos nomes masculinos) com
consequências visíveis nas marcas de concordância sintáctica
(veja-se, por exemplo, que sendo carta, notícia ou mensagem
nomes femininos, é no feminino que ocorre um modificador
adjectival - carta I notícia I mensagem secreta; em contrapartida, sendo recado, bilhete ou apontamento nomes masculinos, é
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MARIA HELENA MIRA MA TEUS / ALINA VILLAL VA
o ESSENCIAL SOBRE LlNGUfSTlCA
no masculino que ocorre um modificador adjectival - recado /
/ bilhete / apontamento secreto).
Um outro princípio, de natureza semântica, reparte as palavras por categorias de significação, com base em relações de
semelhança, como a sinonímia (aluno e estudante são nomes
semanticamente muito próximos), de oposição, como a antonímia
(alto e baixo são qualificadores que se situam nos pólos opostos
de um mesmo eixo) ou de inclusão, como a hiponímia e a
hiperonímia: por exemplo, vaca é um hipónimo de bovídeo, ou
seja o significado de vaca está incluído no significado do
hiperónimo bovídeo, no sentido em que bovídeo é a classe a que
pertencem as vacas.
Um terceiro princípio de organização do léxico é de natureza
fonética, dando origem, por exemplo, ao subconjunto das palavras que começam por uma consoante vibrante (veja-se a popularidade de um 'trava-línguas' como .,. o rato roeu a rolha da
garrafa de rum do rei da Rússia... ). É provável que a facilidade no
desenho de rimas varie em função do maior ou menor grau de
preponderância deste princípio no léxico de cada falante.
livr(o)) e palavras complexas (como livrarí(a)): o radical das palavras simples não pode ser decomposto em unidades menores mas
o radical das palavras complexas é formado por diversas ~nida­
des. Nestas se inclui, obrigatoriamente, um radical simples e um
prefixo (cf. des-Ieal), um sufixo (cf. livr-ari(a)), ou mesmo outro
radical (cf. insect-i-cid(a)).
Simples ou complexas, as palavras do Português dividem-se
ainda por dois grupos: o das palavras flexionáveis, subconjunto das palavras variáveis, que apenas inclui aquelas que variam
de forma sistemática. No Português, este é o caso dos nomes
que variam em número (cf. livro-livros) e dos verbos que variam
em tempo (cf. canto-cantei). O segundo é o grupo das palavras
que nunca podem ser flexionadas, como os advérbios, por exemplo.
Identificados os constituintes morfológicos, compete à morfologia explicitar a forma como eles se estruturam, quer na disposição linear, quer no relacionamento hierárquico. No Português,
por exemplo, a estrutura interna das palavras exige o reconhecimento de que ao radical se associa um especificador morfológico
que, nos verbos, é a vogal temática - (por exemplo, o -a final de
canta) - e, nas outras palavras, é o índice temático (por exem~Io, o -e final em dent~). Em conjunto com o radical, este especificador forma o tema. E a esta estrutura que se juntam os sufixos
de flexão, responsáveis por boa parte da variação morfossintáctica
das palavras.
A MORFOLOGIA
Para além das propriedades que as caracterizam e que condicionam a sua integração em frases, as palavras são estruturas
analisáveis em unidades menores, como o radical e os afixos. Estes
últimos incluem, por sua vez, unidades de muito diversa natureza, dos sufixos de flexão (como o -s final de livros ou o -va e o
-mos de estudávamos) aos sufixos derivacionais (como os que
formam nomes agentivos, que -dor - programador - e -ista - esteticista - exemplificam) ou aos prefixos modificadores (como in-,
um prefixo de negação, que ocorre em inaceitável), e das vogais
de ligação (como o -i- de insecticida ou o -0- de biodiversidade) à
vogal temática (como o -a da primeira conjugação, em cantar, o
-e da segunda, em beber e o -i da terceira, em fugir) dos verbos.
A todas estas unidades se dá o nome de constituintes morfológicos.
No radical estão as propriedades nucleares da palavra, como
a categoria sintáctica e o seu significado básico. É também no
radical que se encontra a diferença entre palavras simples (como
_ _ _
mU
._
.__
u m m m
m
_ _ __
As
I
FRASES DA SINTAXE
Para construir um enunciado, as palavras combinam-se em
frases, mas a relação entre as palavras e a frase não é uma relaçã? directa: as palavras pertencentes a categorias principais, ou
seja, os nomes, os adjectivos, os verbos, as preposicões e os
advérbios, constituem-se como núcleo de uma unidade'maior os
sintagmas, formando, respectivamente, sintagmas nomin~is
~djectivais, verbais, preposicionais e adverbiais. Os sintagma~
Integram obrigatoriamente um núcleo, distinguindo-se, em seguida, aqueles que exigem a presença de complementos, como os
verbos transitivos ou as preposições, daqueles que não exigem
J'-------------~.
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o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALlNA VILLALVA
complementos, como os verbos intransitivos e a generalidade dos
nomes e dos adjectivos. Assim, é porque incluem constituintes
que exigem a presença de complementos que frases como * esta
menina ofereceu 9 ou *esta menina ofereceu chocolates a não
podem ser consideradas como frases bem construídas no Português. É, no entanto, muito frequente que o núcleo dos sintagmas
seja acompanhado por especificadores e por modificadores li. e.,
determinantes, como em a menina; pronomes possessivos, como
em minha amiga; demonstrativos, como em esta menina, ou outros sintagmas, como em menina bonita ou menina de ouro).
Qualquer que seja o seu grau de complexidade interna, os sintagmas que constituem a frase estabelecem entre si determinadas relações gramaticais relativamente ao predicado verbal, como
sujeito, objecto directo, objecto indirecto ou oblíquo, com base
nas quais é estabelecida a ordem básica das palavras na frase.
No Português, em que a ordem das frases é normalmente sujeito-verba-objecto (pelo que se denomina uma língua SVO), muitas frases são constituídas por um sujeito e um predicado verbal,
que são as relações gramaticais básicas (por exemplo, o gato mia).
Se o predicado verbal for transitivo, a frase integra ainda um complemento directo, ou objecto directo, que é também uma relação
gramatical central (por exemplo, a menina comeu um chocolate).
Outra relação gramatical central é o complemento ou objecto indirecto (por exemplo, a menina ofereceu um chocolate à amiga).
Além destas relações gramaticais, existem outras denominadas
oblíquas que cumprem diversas funções sintácticas (por exemplo, de localização em o livro estava na biblioteca, ela foi a Barcelona).
A descrição das estruturas sintácticas estabelece ainda uma
distinção entre frases simples, correspondendo a orações que
contêm uma única relação de predicação (como a menina está
doente) e frases complexas que podem incluir duas ou mais orações ligadas por coordenação (como em ele foi ao aeroporto mas
não embarcou), por aposição (como em o Presidente da República,
9 Usa-se um asterisco no início de uma expressão linguística para
assinalar que se trata de uma expressão agramatical.
disseram na televisão, decidiu dissolver o Parlamento) e por subordinação (como em o crítico disse que o filme era espectacular).
Tanto as frases simples quanto as complexas são ainda
caracterizáveis como frases declarativas, interrogativas, imperativas ou exclamativas. Em alguns casos, a distinção é sintacticamente determinada, como na frase interrogativa o que é que vais
fazer hoje?, ou na imperativa não digas nada. Noutros casos, a
identificação do tipo de frase depende da entoação com que é
pronunciada. A frase simples vamos almoçar é declarativa se
constituir uma mera afirmação, é interrogativa se for uma pergunta, é imperativa se se tratar de uma ordem e é exclamativa se
exprimir uma avaliação.
o TEXTO
Tal como as palavras se combinam em frases, também as frases se integram numa rede que as relaciona umas com as outras
e com o contexto em que são produzidas. Essa rede é o texto.
Numa interpretação mais estrita, texto identifica apenas um segmento escrito e o discurso remete para uma sequência oral. Numa
interpretação mais lata, texto é uma unidade de análise linguística
que tanto diz respeito ao oral quanto ao escrito, incluindo ainda
discurso espontâneo e discurso preparado.
Para que um texto seja reconhecido como tal, deve possuir
certas propriedades, como estar de acordo com a situação em
que é produzido, transmitir informação relevante e respeitar condições que garantam a sua boa-formaçaão. Entre os elementos
dos textos existem relações de vários tipos. A coesão frásica diz
respeito à relação entre os elementos que constituem uma frase:
por exemplo, a concordância entre sujeito e verbo. A coesão
interfrásica tem a ver com a ligação entre frases, próximas ou
distantes entre si (por exemplo, a relação entre duas orações
coordenadas: eu comprei um vestido e ela comprou uma mala).
Por sua vez, quando a relação entre os elementos cognitivos apresentados no texto e o conhecimento que temos do mundo nos
permite inferir um sentido global e aceder à compreensão, falamos em coerência textual (por exemplo, a sequência visitar outros continentes ajuda-nos a compreender melhor a relatividade
•
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68 •
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
MARIA HELENA MIRA MA TEUS / ALlNA VILLAL VA
dos nossos conceitos de vida só é compreendida se recorrermos
a um conhecimento que não está nas palavras ditas: nomeadamente, se soubermos que noutros continentes existem outros
povos com outras formas de vida).
Um tipo particular de texto é o que se estabelece numa situacão de interaccão verbal entre, pelo menos, um locutor e um
Interlocutor, o~ seja, quando duas pessoas conversam. Uma
conversa é uma situação linguística extremamente condicionada,
embora as restrições não sejam explicitadas com muita frequência. Numa conversa há um início - um meter conversa - (por
exemplo, preciso de falar contigo... ; podemos conversar cinco minutos?; olá ... ) e um fim (por exemplo, bom, tenho de me ir embora ... ; então, para já, ficamos assim, não é?; já viste as horas?),
facilmente reconhecíveis pelos interlocutores. Pelo
Desconversar
meio, há uma consIsto parece uma conversa de surdos!
trução
interpessoal
Pára lá com a conversa de chacha ...
que pressupõe um
Já chega de conversa fiada!
mínimo de coopePosso falar?
Oeixa-me falar...
ração entre os parNão me interrompa...
ticipantes: mesmo
Agora quem fala sou eu!
que queiram discuEstá caladol
tir, os interlocutores
Frases como estas são frequentemente utilizatêm de concordas em situações em que o respeito pelas máxidar em discutir.
mas conversacionais pode estar em risco. Mas o
Isto pressupõe que
sucesso da comunicação também pode ser
cada participante
ameaçado por enunciados irónicos ou sarcásticos
aceita fazer contride um dos interlocutores se o outro não os reconhecer como tal. Por exemplo, Quando, num dia de
buições para a
chuva, alguém diz está um lindo dia! e o outro resconversa Que seponde acha que sim?
iam pertinentes,
\
Um outro 'actor de perturbação diz respeito a
dada a direcção toenos de avaliação Que um locutor 'az do seu intermada ÇlO{ esta.
\ Iocutor, por exemplo, Quanto àin'ormação Que este
Este é o princ\pio
possui acerca do tema da con\Jersa·.
ôe cooperação:
A. A Maria já voltou.
caôa \ocutOf assu'C. Sim? Mas onde é que ela foi?
me Que o interlo~
"----~---_._----_.----------~_ ..- - - - \
cutor segue quando entra num intercâmbio comunicativo. Este
princípio desdobra-se nas chamadas máximas conversacionais: a
da qualidade, que assume que os falantes tentam dizer aquilo que
é verdadeiro, a da quantidade, relacionada com a informação dada,
que não deve ser excessiva nem insuficiente; a da relevância, que
implica que o que for dito venha a propósito; e a do modo, segundo a qual o locutor deve evitar ser obscuro, ambíguo, prolixo
ou desordenado.
Os DOMíNIOS DA SIGNIFICAÇÃO
Para além das disciplinas que nascem da segmentação dos
enunciados linguísticos em unidades de análise, a linguística integra ainda outras disciplinas. Duas delas, a semântica ea pragmática, tratam das questões da significação.
A SEMÂNTICA
o significado dos textos, das frases e das palavras é o objecto
do estudo da semântica. As propriedades semânticas das línguas
naturais podem, pois, estudar-se em todos os níveis linguísticos.
Tanto a semântica frásica quanto a semântica de texto estudam
aspectos do significado das orações integradas num enunciado,
podendo ser entendidas como proposições lógicas constituídas
pelo predicado e seus argumentos. Por exemplo, em a Inês ofereceu um jantar aos amigos, o verbo - ofereceu - é o predicado, e
as expressões nominais - a Inês, um jantar, aos amigos - são os
argumentos da proposição. É neste domínio que se integra a semântica das categorias gramaticais, como tempo, aspecto ou
nome. Tomemos o caso do 'tempo', Os tempos gramaticais parecem estar ordenados de forma linear, organizando-se em três
domínios: o 'passado', o 'presente' e o 'futuro'. Mas, na realidade,
a nossa utilização dos tempos dos verbos não corresponde a esta
organização linear, até porque associamos ao tempo a dimensão
de 'duração'. Exemplificando: ao descrever um acontecimento
histórico passado no século XV, podemos usar o tempo verbal
,.resente', o chamado 'presente histórico' (como na frase no
•
69
r,I
I
r
70
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MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
reinado de D. Manuel I, Portugal descobre o caminho marítimo
para a índia); quando informamos alguém da nossa intenção de
praticar uma acção posterior ao momento da fala, utilizamos frequentemente o 'presente' (por exemplo, vou ao cinema amanhã,
frase em que a semântica do advérbio permite localizar a acção
num ponto do futuro apesar de o verbo estar flexionado no presente).
Na semântica de texto são também analisadas as funções
temáticas, ou seja, as funções de 'agente', de 'alvo', ou outras
cumpridas por elementos da frase. Na frase anterior, a Inês tem a
função de 'agente', e aos amigos tem a função de 'alvo'.
A semântica lexical, que, como o próprio nome indica, está
intimamente relacionada com o léxico, trata sobretudo da significação das palavras e das relações semânticas entre as unidades
lexicais (por exemplo, a relação entre sinónimos como belo e formoso, ou entre antónimos como triste e alegre).
A PRAGMÁTICA
Independentemente da estrutura gramatical usada para construir um enunciado linguístico, é necessário reconhecer que nem
todos os enunciados são do mesmo tipo. A distinção fundamentai opõe aqueles que veiculam informação (por exemplo, li este
livro em meia hora) aos enunciados que servem para alterar um
dado estado de coisas e que são chamados actos de fala. Quando alguém diz prometo que acabo este trabalho hoje ou juro que
não fui eu ou apenas desculpa!, esse alguém está a fazer alguma
coisa: está a comunicar ao interlocutor uma determinada intenção e espera que este a interprete adequadamente.
Para que os actos de fala sejam bem sucedidos devem res. peitar algumas condições, a que se dá o nome de condições
de felicidade. Uma destas condições está relacionada com o
reco'r:lhecimento da autoridade do locutor: para que um acto de
fala do tipo venham jantar a minha casa amanhã seja entendido
como um convite efectivo e fiável é necessário que os interlocutores saibam que o locutor é o dono da casa, por exemplo. Por
outro lado, as expectativas do interlocutor não podem ser frustradas, o que poderá suceder, por exemplo, se a opinião de que
o ESSENCIAL SOBRE LlNGU{STlCA
alguém está muito bonita hoje for acompanhada por uma expressão facial que a contrarie. A última é uma condição de sinceridade, que faz com que um pedido de desculpa possa, de facto, ser
aceite.
O uso que os falantes fazem da sua língua é muito condicionado pelo contexto de interacção social em que esse uso ocorre.
Ainda que o constrangimento não seja explicitado, a verdade é
que, de um modo geral, os falantes sabem como 'comportar-se'
Iinguisticamente em situações diversas. Assim, o relato de uma
tentativa de assalto feito por um dado cidadão ao seu grupo de
amigos não será idêntico àquele que o mesmo cidadão fará na
esquadra da polícia. Também um adolescente que gostaria de sair
com o carro do pai e que desejaria que o irmão lhe devolvesse o
seu perfume preferido se dirigirá aos seus dois interlocutores de
forma muito distinta.
Estes constrangimentos manifestam-se de forma diversa em
diferentes línguas: a análise das chamadas formas de tratamento
(por exemplo, tu já leste o jornal? vs. você já leu o jornal? vs. o
Senhor Doutor já leu o jornal? vs. Vossa Excelência já leu o jornal?) mostra óbvios contrastes entre o Português Europeu e o
Português do Brasil. A variação também é frequente no que diz
respeito à escolha de uma estratégia de expressão da delicadeza:
enquanto o Português recorre ao pretérito imperfeito do indicativo para suavizar uma ordem (telefonavas-me logo à noite?), o
Inglês não dispensa a palavra please (please call me tonight).
Os DOMíNIOS DA MUDANÇA E DA VARIAÇÃO
Todas as disciplinas da linguística vistas até agora podem
estabelecer como objecto de estudo o sistema linguístico do dialecto habitualmente conhecido como norma, tal como esse dialecto
se manifesta contemporaneamente. Quando o objecto de estudo
incide sobre um outro dialecto é hábito identificar esse estudo
em função da variação considerada. Assim, a variação temporal
constitui-se como o domínio da linguística histórica; da variação
no espaço ocupam-se a dialectologia e a linguística comparada.
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o ESSENCIAL SOBRE LINGUíSTICA
MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLAL VA
A LINGuíSTICA
são entidades dinâmicas e que variam ao longo do tempo, embora o confronto dos falantes com os casoS de mudança em curso
não cause exactamente a mesma reacção. Como se chega a essa
afirmacão? Confrontando uma língua contemporânea com fases
anteri~res dessa mesma língua ou dois estádios passados da
mesma língua. Por outras palavras, o conhecimento da mudança
linguística não pode olhar para o processo de evolução, ma~ pode
comparar diferentes estádios da existência de uma língua. E esse
o objecto de conhecimento da linguística histórica, também cha-
de Lisboa (1933), O Pai Tirano (1941), O Pátio das Canti~as
(1942) ou O Leão da Estrela (1947) um bom acervo ,de informação. Quanto ao acesso a fontes de sincronias mais distantes, há
restrições relacionadas com a disponibilidade das necessárias tecnologias: o estudo da oralidade, por exemplo, só é possível a partir
da invenção do registo do som, em 1898 (com o 'Telegraphone'
de Poulsen). Para a maior parte do período de vida do Português,
o acesso aos dados fica, pois, restringido a fontes escritas, que
tambe' m nao
- sao
- t o d as d o mesmo tipo: os textos mais antigos
mada linguística diacrónica.
Mudança em curso
A flexão verbal da segunda pessoa do singular do pretérito perfeito pode
são necessariamente manuscritos (cuja leitura exige com frequência o recurso a conhecimentos especializados, como os da
paleografia); os que se seguem à descoberta da imprensa são ma.
nuscntos
ou impressos, dos incunábulos (que são os primeiros
I ser considerada como um caso de mudança linguística em curso. O sufl! xo que real'lza esta flexão é -ste (por exemplo, compraste, leste, ,~or~nlste),
I mas a realização mais frequente no Português
' Europeu
[1 talvez
f I Ja
( nao seja
'[ esta, talvez seja aquela que acrescenta
"d ao su
' f IXO) um s no ma por exempio, tu "comprastes, tu "lestes, tu
ormlste~.,.
' '
livros impressos) aos mais variados tipos de documentos da ac-
Ii
A crescente popularidade destas formas nao ficara a dever-se a Igno\ rância dos falantes (embora um ensino do Português menos permlss~vo
I, do que o actual pudesse ter contido por mais algum tempo esta tenden'\ cia de mudança). Na verdade, há uma conjunção de factores que a_ propicia:
tualidade. A outra distinção tem a ver com a origem das fontes
escritas, particularmente no que diz respeito à sua natureza literária ou outra, como por exemplo os textos de natureza administrativa ou as gramáticas.
I • por um lado, -stes é um sufixo de flexão eXistente no Portugues - trata-
A mudança linguística pode afectar qualquer aspecto de um
sistema linguístico. As primeiras descrições destes fenómenos
ocuparam-se exclusivamente de aspectos fonéticos (como, por
-se do sufixo de segunda pessoa do plural do mesmo paradigma da flexão verbal (exs. vós comprastes, vós lestes, vós dormistes);
• por outro lado, esta segunda pessoa do plural tende a ser eliminada de
qualquer paradigma da flexão verbal (pelo menos no dlalect~ de Lisboa),
sendo substituída por uma forma de segunda pessoa e flexao de tercelra (d. vocês compraram, vocês ler~m, vocês.~ormiram);
• por último, dado que, com excepçao do pretento perfeito, todas as se-,
gundas pessoas do singular terminam em Is], o aparecimento desta
consoante também no pretérito perfeito configura um caso de regulan-
I
I
I
I
,
Ir.,
I
zação do paradigma,
Parecem, pois, estar reunidas todas as condições que um processo
de mudança linguística requer para ser bem sucedido.
73
A comparação de diferentes estádios de uma língua pressupõe a capacidade de acesso aos dados. Os dados das sincronias
mais recentes ou estão directamente acessíveis (o linguista descrev~ o seu próprio conhecimento da língua) ou existem registos
relativamente abundantes e fiáveis. Quem quiser descrever algum
aspecto do dialecto de Lisboa no segundo quartel do século xx
encontra, por exemplo, nos diálogos de filmes como A Cancão,
HISTÓRICA
Hoje em dia é quase um lugar comum dizer que as línguas
(
I
I
•
f
!
__J.J. .
exemplo, o desaparecimento de consoantes intervocálicas na
passagem do Latim para o Português: FILU > fiol, mas também
outros domínios das línguas são afectados por fenómenos de
mudança linguística. Continuando a contrastar o Latim com
o Português, pode referir-se o caso da mudança de género em
alguns nomes (por exemplo, DOLOR era um nome masculino em
Latim, dor é um nome feminino em Português), a mudança de conjugação em alguns verbos (por exemplo, TORRERE era um verbo
da segunda conjugação em Latim, torrar é um verbo da primeira
conjugação em Português), a mudança que provoca o desapare-
J
74 •
MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
cimento de algumas palavras (os chamados arcaísmos, como
luscar, substituído por brincar, ou fiúza, abandonado em proveito
de confiança), ou o aparecimento de palavras novas (chamadas
neologismos, como telemóvel ou vitrocerâmica).
Quanto ao modo de .actuação de um processo de mudanca
linguística, sabe-se que ele é desencadeado por um pequeno nÚmero de falantes, relativamente a um pequeno número de situações linguísticas, que progressivamente alastra de forma a atingir
a globalidade dos contextos linguísticos apropriados e, finalmente,
se generaliza a toda a comunidade linguística.
Quanto à motivação, é provável que ela se encontre na própria natureza humana: em causas de natureza social, como a
diversidade geográfica, no
confronto do velho com o
A história das línguas
novo, em deficiências na
À linguística histórica está intimaaprendizagem da língua ou na
mente associada uma outra disciplina,
procura de um acréscimo de
chamada história da língua. Em relaprestígio social. A mudança
ção ao Português, a História da Língua
linguística também pode ser
preocupa-se com o relacionamento de
desencadeada
por razões de
fenómenos de mudança linguística
natureza
linguística,
como o
com os dados da ocupação do territócontacto entre línguas, ou
rio português e do contacto de portugueses com populações falantes de
pela busca de um ponto de
outras línguas.
equilíbrio entre a simplificação
do sistema e a garantia da sua
eficácia, como sucede com as
mudanças fonéticas que desencadeiam mudanças morfológicas
ou sintácticas.
A DIALECTOLOGIA
A variação geográfica é outra das vertentes da diversidade
linguística. De um modo geral, a dialectologia, a que também se
dá o nome de geografia linguística, ocupa-se da variação dentro
do espaço que a convenção dominante aceita tratar-se de uma
língua. É hoje em dia comummente aceite, no domínio dos estudos
linguísticos, que dialecto e norma não são conceitos opostos _
pelo contrário, a norma é um dos dialectos de uma língua. Assim,
o ESSENCIAL SOBRE LINGUíSTICA
o objecto de estudo da dialectologia são os dialectos pertencentes a uma determinada língua.
A generalidade das descrições do Português realizadas em
Portugal incide sobre o dialecto de Lisboa, considerado como norma-padrão do Português Europeu. Note-se que não se trata de
um dialecto superior do ponto de vista linguístico. No que respeita
à realização de uma língua em diversas regiões (à sua distribuição
geográfica), as variedades regionais, ou dialectos, têm idêntico
estatuto linguístico. Assim, o termo 'dialecto' não refere uma forma
diferente (ou desprestigiada) de falar uma língua, mas sim a forma de falar uma língua conforme a região a que pertence o falante.
Existe, com frequência, uma estreita relação entre a dialectologia e a linguística histórica. Na verdade, é fácil encontrar exemplos de dialectos que mostram semelhanças com sincronias
passadas de um outro dialecto. É por esta razão que se pode falar de dialectos mais ou menos conservadores (alguns dialectos
das Beiras, por exemplo, conservam a consoante fricativa [~L
habitualmente designada como 's beirão', que tem a mesma pronúncia do s do Latim.
No território de Portugal continental, que não é muito extenso e que está quase integralmente coberto pelas redes de transmissão de som e imagem, a variação dialectal tende a diminuir.
É nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, nomeadamente neste
último, que ainda se encontram alguns dialectos que apresentam
claras diferenças em relação à maioria dos dialectos continentais.
Os métodos de trabalho da dialectologia são exigentes, quer
no que diz respeito à selecção dos informantes, quer quanto ao
registo dos dados obtidos. Os atlas e os mapas dialectais representam graficamente a distribuição dos dialectos de uma região,
seja um país ou um conjunto de países em que as línguas estão
relacionadas.
A dialectologia é uma área da linguística com grande tradição
em Portugal. Além de trabalhos parciais (como, por exemplo, o
Atlas Linguístico e Etnográfico dos Açores), os dialectólogos portugueses colaboram no Atlas Linguístico-Etnográfico de Portugal
e da Galiza (ALEPG) e no Atlas Linguarum Europae (ALE). Todos
estes Atlas contêm uma parte referente aos dialectos do Português Europeu.
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MARIA HELENA MIRA MA TEUS I ALlNA VILLAL VA
o
A LINGuíSTICA COMPARADA
o terceiro tipo de estudos da variação linguística analisa línguas diferentes. Este tipo de análise assenta em bases científicas, como já ocorria na comparação entre línguas desenvolvida a
partir dos finais do século XVIII. Havia, então, a preocupação de
identificar relações históricas entre as línguas, preocupação a que
se juntou, posteriormente, uma análise comparativa com o objectivo de estabelecer uma tipologia linguística assente nas propriedades dos sistemas gramaticais.
Os estudos comparativos que se desenvolveram sobretudo no
século XIX produziram uma classificação genética das línguas e
foram responsáveis pelo aparecimento das chamadas famílias de
línguas, frequentemente representadas por uma espécie de árvore genealógica. Na família românica, por exemplo, o Latim é a língua-mãe, o Português é uma língua-filha e o Castelhano, o Catalão,
o Francês, o Italiano ou o Romeno são as suas línguas-irmãs.
A família românica é descendente do Indo-Europeu, que, como já
foi dito, é uma língua reconstruída de que não existe qualquer
vestígio material. Esta classificação genética das línguas não é,
pois, isenta de críticas e discussões. A família das línguas de matriz indo-europeia (entre as quais se inclui o Latim) pode ser representada do modo expresso na página seguinte.
Apesar de ser dominante em toda a Europa, a matriz indo-europeia coexiste com algumas pequenas bolsas linguísticas de
distinta natureza: o Basco resistiu à invasão indo-europeia; o Húngaro, o Estónio e o Finlandês são línguas pertencentes à família
urálica; e o Turco é uma das línguas da família altaica. Na Ásia,
línguas como o Malaio ou o Tamil, faladas na índia, pertencem à
família dravídica, enquanto na China e no Tibete se encontram as
línguas sino-tibetanas. África contém mais línguas do que todos
os outros continentes (cerca de 2000, faladas por 480 milhões
de pessoas): de entre os muitos grupos linguísticos deve realçar-se o ramo Bantu, a que pertence a maioria das línguas nacionais
de Angola e de Moçambique.
A tipologia linguística tradicional, estabelecida no início do
século XIX, reconhece três tipos de línguas com base na estrutura
das palavras: línguas isolantes, em que as palavras são invariáveis
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78 •
MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLAL VA
e as relações gramaticais são determinadas pela ordem de palavras (é o caso do Chinês ou do Vietnamita); línguas flexionais,
em que as palavras exibem afixos de flexão que expressam relações gramaticais (por exemplo, o Latim ou o Português); e línguas
aglutinantes, em que as palavras são construídas pela aglutinação de unidades (como o Japonês ou o Turco). Mas muitas
línguas são de tipo misto, contendo palavras invariáveis e
flexionadas, e expressando, por vezes, as categorias gramaticais
através da ordem de palavras.
A dificuldade de classificação das línguas a partir de um tão
pequeno conjunto de propriedades gramaticais acabou por conduzir ao quase abandono desta categorização. Em seu lugar, têm
vindo a surgir estudos que descrevem um determinado fenómeno linguístico (ou conjunto de fenómenos linguísticos co-relacionados) em diversas línguas, o que permite encontrar critérios de
proximidade entre línguas e conduz à identificacão dos universais
linguísticos.
.
Note-se, para concluir, que a comparação entre línguas pode
contribuir para a (in)validação de hipóteses da história e de ciências sociais como a sociologia ou a antropologia.
PARA QUE SERVE A UNGU{ST\CA?
No início deste capítulo vale a pena relatar um episódio que
teve lugar, há alguns anos, numa Faculdade de Letras portuguesa. Na conclusão do primeiro curso de Linguística, os estudantes
quiseram conversar com os seus professores, para lhes perguntar qual a designação que tinham como profissionais e o que
poderiam fazer com o curso que acabavam de concluir. Aparentemente, a primeira pergunta tem resposta fácil: os profissionais
que trabalham em linguística são linguistas. A resposta à segunda questão é mais extensa: vai da contribuição para o avanço do
conhecimento nos diversos domínios da linguística e dos domínios interdisciplinares que envolvem a linguística como um dos
parceiros às diversas profissões relacionadas com o uso e os utilizadores das línguas. Vejamos, então, quem são e o que fazem
os linguistas.
QUEM SÃO OS LINGUISTAS?
Linguista é uma profissão da segunda metade do século XX:
só comecou a haver linguistas depois de a linguística se ter instituído co~o um domínio do conhecimento. Antes de haver linguistas houve gramáticos, como Fernão de Oliveira, foneticistas, como
Gonçalves Viana, filólogos, como Adolfo Coelho e dialectólogos
como Leite de Vasconcelos.
Nos últimos anos, a formação dos linguistas conheceu,
em Portugal, uma notória evolução: a primeira licenciatura em
80 •
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
MARIA HELENA MIRA MA TEUS / ALlNA VILLAL VA
linguística 10 surgiu na Faculdade de Letras da UniA profissão de linguista é tão
versidade de Lisboa em
recente que, em Portugal, ainda não
1987; a segunda foi criada
aparece registada na Classificação
na
Faculdade de Ciências
Nacional de Profissões (documento
Sociais
e Humanas da Unipatrocinado pelo Ministério das Activiversidade Nova de Lisboa,
dades Económicas e do Trabalho, cuja
última versão conhecida data de 1994).
seis anos mais tarde. Um
No grupo dos 'especialistas das profispouco antes, tivera início a
sões intelectuais e científicas' há lugar
formação
pós-graduada em
I
apenas para 'filólogos', 'tradutores' e
linguística, com diversos
'intérpretes'.
cursos de mestrado em di'-...~--------------'
versas universidades, e,
mais recentemente, foi a vez da institucionalização de cursos de
doutoramento.
Anteriormente, a formação em linguística era assegurada pelas licenciaturas em filologia clássica, românica ou germânica, que
desenvolviam planos de estudos muito dirigidos ao conhecimento dos textos literários. No início dos anos 80 do século XX, estes cursos foram substituídos pelas licenciaturas em línguas e
literaturas clássicas e modernas. Para além da mudança de nome,
a reforma destes cursos introduziu grandes alterações nos pIanos de estudos, abrindo espaço para uma formação mais sistemática em áreas estruturantes da linguística, como a fonologia e
a sintaxe, e em domínios de aplicação, como a psicolinguística e
a sociolinguística, sem esquecer o lugar para a filologia e o estudo da história da língua. Quanto à formação pós-graduada, regista-se, ao longo do século XX, a apresentação de um crescente
número de dissertações de doutoramento, laboriosa e individualmente preparadas por docentes universitários contratados para o
ensino de matérias de linguística, sob a supervisão de um ou dois
professores orientadores.
A preparação académica dos linguistas está, pois, hoje em
dia, basicamente assegurada, quer pela oferta de cursos quer pela
A profissão de linguista
l
procura que, ano
após ano, tem garantido o preenchimento de todas as
vagas disponíveis.
Tratando-se de uma
formação académica
recente, não são ainda muito numerosos
os profissionais credenciados. Ainda
menos numerosos
----------------"
A Associação Portuguesa de linguística
Fundada em 1984, a Associação Portuguesa de Linguística [02] é uma instituição que congrega a generalidade dos linguistas portugueses
e também muitos linguistas de outros países
que se interessam pelo Português. A APL organiza anualmente uma reunião científica que i
acolhe a apresentação de um grande número
de trabalhos de investigação em linguística (posteriormente publicados nos volumes de Actas)
e patrocina, pontualmente, a realização de outras reuniões de idêntico teor.
A APL atribui anualmente um prémio dirigido a sócios não doutorados que submetam um
trabalho de investigação sobre o Português. )
são aqueles que,
até agora, já encontraram colocação
~
fora das universidades ou dos centros de investigação. A profissão de linguista estará
próxima de um ponto de viragem, em que o reconhecimento do
mercado de trabalho se torna indispensável, mas, para que isso
aconteça, é necessário mostrar, quer aos futuros profissionais quer
aos potenciais empregadores, para que servem estes profissionais.
o QUE FAZEM OS LINGUISTAS?
o entendimento
comum acerca do que fazem os linguistas
assenta na expectativa de que se trata de pessoas cujo uso da
língua é modelar e cuja proficiência linguística passa pelo domínio de várias línguas. Ainda que estas sejam qualidades desejáveis para qualquer falante, logo também para um linguista, o seu
perfil profissional é bem mais variado e exigente. Vejamos, então, no que consiste esta actividade, repartida pelas diferentes
áreas de especialidade.
INVESTIGAÇÃO FUNDAMENTAL
10 Os planos de estudos destas licenciaturas em universidades portuguesas podem ser consultados em www.fl.ul.pt/dlgr/licJing.htm npl
e em www.fcsh.unl.pt/linguistica/maior.html.
•
Como sucede com qualquer outra ciência, a investigação
fundamental em linguística é indispensável para o progresso do
81
~
.'
i---f
82 •
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLAL VA
conhecimento nesta área e também em áreas relacionadas. Por
investigação fundamental entende-se a procura da explicação para
o funcionamento do seu objecto de estudo (neste caso, a linguagem e as línguas), observando os dados do real e propondo uma
teoria para a explicitação desse saber.
A investigação fundamental em linguística tem-se orientado
principalmente para a discussão das seguintes questões:
• Elaboração de teorias linguísticas que permitam explicar o
funcionamento das línguas; neste sentido, é possível falar de
teoria da gramática, teoria fonológica, teoria morfológica, teoria sintáctica ou teoria semântica.
• Conhecimento da faculdade da linguagem.
• Conhecimento da gramática das línguas particulares nos seus
diversos domínios de análise, como a fonologia, a morfologia, a sintaxe e a semântica.
Em Portugal este tipo de trabalho é geralmente desenvolvido
no âmbito de universidades e centros de investigação, financiados
maioritariamente pelo Estado, mas também por algumas entidades de capitais privados, nomeadamente no quadro de programas
de mecenato científico, o que depende, quase integralmente, da
existência de uma política científica esclarecida. Regra geral, este
é um tipo de trabalho que não gera receitas, pelo que não pode
auto-sustentar-se. Note-se que uma comunidade científica que não
desenvolve investigação fundamental fica dependente dos resultados da investigação externa e sem capacidade crítica para os
avaliar. Além disso, a inexistência de investigação fundamental
não permite construir aplicações credíveis.
O perfil dos investigadores também merece comentário. Trata-se de uma actividade que requer uma especialização estrita,
com o que isto implica de exigência no conhecimento do 'estado
das artes'; de criatividade que garanta a originalidade das hipóteses formuladas; e de persistência na procura dos melhores resultados. Compreende-se, pois, que o número de candidatos ao seu
exercício não seja muito grande e compreende-se também que a
reacção da generalidade das pessoas ao tipo de trabalho que caracteriza a investigação fundamental seja quase sempre de sur-
presa. No caso específico da investigação em linguística, a surpresa está quase sempre relacionada com o aparato formal utilizado, com o grau de abstracção exigido e com a aparente falta
de utilidade prática do trabalho realizado.
As
DESCRiÇÕES E ANÁLISES
Sem descrições rigorosas dos dados da realidade não é possível fazer investigação fundamental. Trata-se de trabalhos de
referência, fundamentais no sentido em que potenciam quer os
avanços teóricos quer os desenvolvimentos práticos. As descrições necessárias para a investigação em linguística incidem
sobre os vários domínios da gramática das línguas, estudadas em
si mesmas ou numa perspectiva comparada, com os seguintes
objectivos:
• Descrição de fenómenos linguísticos (fonológicos, lexicais,
morfológicos, sintácticos, semânticos).
• Descrição de fenómenos de interface (entre a fonologia e a
morfologia, ou entre a morfologia e a sintaxe, por exemplo).
• Descrição de fenómenos de mudança linguística.
• Descrição de fenómenos de variação linguística,
Quanto maior for o número de línguas descritas, mais aprofundado será o conhecimento das características da linguagem
humana. Quando se trata de línguas já estudadas, as descrições
partem de conhecimentos anteriores e enquadram-se numa teoria considerada mais explicativa. A descrição das línguas pouco
conhecidas ou nunca estudadas, como algumas línguas africanas
e ameríndias, os crioulos ou as línguas gestuais, é um instrumento de grande importância para o esclarecimento de questões antropológicas, etnológicas e sociológicas, gerais ou específicas, dos
povos que falam essas línguas. A descrição de línguas ágrafas,
por exemplo, é condição indispensável para a criação de uma ortografia para essas línguas.
Tal como a investigação fundamental, a elaboração de descrições e análises linguísticas é patrocinada fundamentalmente
pelas universidades, correspondendo a trabalhos académicos
•
83
84
•
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA
(como as dissertações de mestrado e de doutoramento) ou a relatórios de projectos de investigação, Mas há materiais produzidos
a partir de trabalhos deste tipo que têm um uso mais alargado.
É o caso das gramáticas, dos dicionários ou dos atlas e mapas
dialectais.
GRAMÁTICAS
Há diversas interpretações para o termo gramática e mesmo
diferentes objectos a que se dá este nome. A interpretação mais
comum é aquela que identifica manuais que têm como objectivo
ensinar 'o que se deve
dizer', qual é o uso
Outras 'gramáticas'
'correcto' de uma línGramática pode não referir um manual
gua. Estas são as grae sim o próprio objecto do conhecimento.
máticas normativas
É neste sentido que se fala de gramática
(porque descrevem o
universal, como o conjunto de princípios
dialecto considerado
que dão forma à faculdade da linguagem; de
como a norma de uma
gramática particular, como equivalente de
também chalíngua),
sistema linguístico; ou mesmo de gramámadas gramáticas
tica interiorizada, quando se faz apelo ao
conhecimento da língua que cada falante
prescritivas (porque
possui e que é responsável pela sua produapresentam conjuntos
ção e compreensão de enunciados.
de regras e excepções)
Resta, por último, dizer que é a partir do
ou gramáticas tradivalor de gramática, enquanto equivalente de
cionais (porque o seu
sistema linguístico, que se estabelece um
formato é muito próxivalor mais geral que permite a referência a
mo do formato das priqualquer sistema. Nesta acepção, é possível encontrar expressões como' gramática
meiras gramáticas
da criação', 'gramática da pintura' ou 'gramágregas 11 e latinas).
tica do teatro de vanguarda'.
Trata-se, neste último
caso, de gramáticas
escolares apropriadas ao ensino da língua, manuais de gramática
destinados ao uso corrente, cuja consulta deverá esclarecer
11 Em Grego Antigo, a forma grammatikê significava 'a ciência ou a
arte de ler e escrever',
85
•
os falantes quanto ao uso da língua consagrado pela norma.
A Nova Gramática do Português Contemporâneo de Celso Cunha
e Lindley Cintra (Lisboa: João Sá da Costa) é uma gramática deste tipo.
Uma outra acepção deste termo é aquela que identifica as
chamadas gramáticas de referência. São também manuais, mas,
neste caso, o objectivo é explicitar o conhecimento produzido
acerca de uma língua, de forma exaustiva e sistemática. Trata-se
de trabalhos baseados na investigação linguística e destinados
a quem procura estudar uma língua e não apenas um uso dessa
língua. A esta categoria pertence, por exemplo, a Gramática da
Língua Portuguesa, de Mateus et aI. (Lisboa: Caminho),
DICIONÁRIOS
Os objectos comummente utilizados para o conhecimento do
léxico de uma língua são os dicionários. Convém esclarecer que
entre o léxico de uma língua e os dicionários disponíveis para essa
língua existem grandes diferenças. Os dicionários corresponOutros repertórios de palavras
dem inevitavelmente a uma
parte do léxico da língua. QuanOutros instrumentos para o conhecimento do léxico de uma língua
to mais não seja por razões de
são os glossários, que contêm as
exequibilidade, devem os lexipalavras raras ou pouco conhecidas
cógrafos dicionaristas proceder
de um documento, obra ou época,
à delimitação do âmbito do diacompanhadas da respectiva deficionário, que pode, assim, ser
nição, e os vocabulários, que são
um dicionário das palavras em
listas exaustivas de um corpus. Designam-se também como vocabuláuso à data da sua elaboração,
rios
os inventários das palavras maiSj
um dicionário de neologismos
frequentes
de uma língua.
ou um dicionário de termos técnicos.
A ausência de uma palavra num determinado dicionário não
deve, pois, ser interpretada ligeiramente como indiciadora da sua
inexistência: pode tratar-se de uma palavra que cai fora do escopo
do dicionário; que, por erro, não foi incluída; ou, ainda, que não
precisa de estar dicionarizada por ser um produto previsível dos
recursos morfológicos disponíveis (como sucede com a maioria
___
•• _,,
~_,_._
,.
•
••
._."
o••
"\~-
Il
86 •
MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
dos advérbios em -mente, como necessariamente, ou com diminutivos em -inho, como livrinho).
Note-se que a organização típica dos dicionários em suporte
impresso, que é a ordenação alfabética, não corresponde a nenhuma das típicas estruturas do léxico. Veja-se, por exemplo, a
dificuldade do 'jogo das letras', quando é necessário encontrar
nomes de países, de cidades, de animais ou de plantas começados por S, I ou Z. Com efeito,
a ordenação alfabética 12 não
Forma de citação
encontra motivação nos sisComo é sabido, algumas palavras
temas linguísticos das línpodem apresentar mais do que uma
guas em que é utilizada, o
forma - estas são as palavras variáque
talvez lhe garanta o suveis. Os dicionários não incluem todas
cesso
internacional de que
as formas das palavras variáveis. Em
desfruta na elaboração desgeral, os dicionários incluem apenas
uma das formas, dando-lhe o nome de
te tipo de documentos de
forma de citação. No Português, a forconsulta pontual. Já a conma de citação dos verbos é a forma do
cepção dos dicionários elecinfinitivo impessoal; aforma de citação
trónicos se aproxima mais do
das palavras de natureza nominal é a
que a linguística hoje sabe
forma do singular e a forma do masacerca
do léxico das línguas
culino, nos casos em que a variação
naturais, permitindo pesquiem género é possível.
sas combinadas, não só por
uma forma de citação, mas
por sequências menores localizadas em qualquer ponto da palavra e por qualquer uma das suas propriedades.
Não existe apenas um tipo de dicionários. A variação depende, sobretudo, do número de línguas envolvidas (o que permite
distinguir. dicionários monolingues de dicionários bilingues e
plurilinguesl e do âmbito do dicionário. Neste caso, é necessário
separar os dicionários de carácter geral dos dicionários especializados, também chamados dicionários técnicos ou terminologias.
12 Tal como o próprio alfabeto latino, a ordenação alfabética sofreu
alguns reajustes com o correr do tempo e a variação de língua para língua, mas pode alicerçar-se na ordenação do alfabeto fenício de há cerca
de 3000 anos.
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
A esta última categoria pertencem os dicionários relativos ao
léxico de determinadas ciências, tecnologias ou artes, mas também objectos como os dicionários etimológicos ou os dicionários
de neologismos.
Tradicionalmente os dicionários são apresentados como livros,
estando os verbetes (ou entradas) dispostos por ordem alfabética.
Os avanços tecnológicos dos últimos 50 anos estão a mudar esta
forma de apresentação tradicional: os dicionários electrónicos
permitem utilizações muito mais ágeis e proveitosas e apresentam muito menos restrições quanto ao volume de dados.
INVESTIGAÇÃO INTERDISCIPLINAR
Muitos linguistas desenvolvem trabalhos de investigação interdisciplinar, que envolvem mais do que um domínio de especialização. É o que sucede, por exemplo, com a sociolinguística, a
psicolinguística ou a neurolinguística, que cruzam a linguística com
as ciências sociais e as neurociências.
A
SOCIOLlNGuíSTICA
As relações entre a língua e a estrutura e funcionamento da
sociedade são estudadas pela sociolinguística, um ramo da linguística que se ocupa dos usos da língua, tomando em consideração os factores sociais e culturais que caracterizam uma dada
comunidade de falantes. Os conceitos de língua materna ou primeira (a língua em que a criança faz a aquisição de linguagem),
língua segunda (diferente da língua materna e usada com um fim
específico como a educação ou a administração pública) e língua
estrangeira (adquirida com finalidades sociais ou de investigação)
são definidos no âmbito da sociolinguística. É também a sociolinguística que estuda as consequências do contacto entre línguas
decorrente de processos históricos de migração e colonização,
analisando as mudanças linguísticas responsáveis pela criação
de línguas mistas que se caracterizam por ter mais do que uma
língua na sua origem como os pidgins e os crioulos. Em circunstâncias especiais, a sociolinguística identifica formas de comunicação que ocorrem em mais do que uma língua em consequência
da localização geográfica dos falantes, como ocorre com os
•
87
88 •
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA
habitantes de localidades fronteiriças que utilizam uma mistura
de Português e Espanhol denominada familiarmente 'portunhol'.
Duas das tarefas que competem à sociolinguística são a definição da norma-padrão e a inventariação de objectivos e estratégias que devem caracterizar uma política de língua.
• O uso das línguas é, naturalmente, um domínio de relevo que
exige a observação e análise das línguas e a consideração de
factores sociais e culturais de uma comunidade linguística.
Um dos problemas mais discutidos em relação a qualquer língua - tendo presente que ela varia no tempo e no espaço - é
a determinação da norma-padrão. A norma deverá ser tida em
conta no ensino, com a responsabilidade que lhe cabe na formação de todos os 'utentes profissionais' da língua, ou seja,
dos próprios professores, dos jornalistas, dos escritores ou
dos políticos, para dar apenas alguns exemplos. O uso da
norma (ou, inversamente, o uso de um outro registo linguístico) caracteriza o nível de escolarização do indivíduo, a sua
proveniência e o seu enquadramento social.
A escolha da variedade social e dialectal que deve ser considerada como norma-padrão é uma questão delicada: se, do
ponto de vista linguístico, todas as variedades são igualmente válidas desde que sirvam para a comunicação dos falantes, já numa perspectiva social a escolha de um determinado
dialecto como dialecto da norma é um factor de discriminação positiva, pelo que, geralmente, coincide com o dialecto
do estrato da população que possui maior prestígio e poder.
De um modo geral, o dialecto elegido como norma-padrão é o
dialecto falado na sede do poder político de um país.
• A determinação dos objectivos e das estratégias de uma política de língua é outro dos domínios que compete à sociolinguística. A utilização de uma língua oficial ou de mais do que
uma; os problemas respeitantes ao multilinguismo, por exemplo, com a consideração das consequências do bilinguismo a
nível individual; o interesse pela preservação das línguas
minoritárias, ou de menor expansão internacional, numa sociedade multilingue. Todas estas são questões que devem ser
equacionadas por uma política linguística.
A
•
89
PSICOLINGuíSTlCA, A NEUROLlNGuíSTlCA
E A LINGuíSTICA CLíNICA
A psicolinguística trata do estudo das relações entre a linguagem, ou o funcionamento de uma língua particular, e os processos
cognitivos que estão na base da produção linguística. Tratando-se de um campo interdisciplinar, é indispensável o concurso de
especialistas de diversas formações para o estudo das bases neurológicas do processo de
aquisição de linguagem e do (
Aquisição da língua
seu desenvolvimento. Entram
A aquisição da língua é um procesnesta consideração, por um
so
desencadeado
de forma involuntálado, as análises dos dados
ria em todas as crianças e que actua de
da língua realizadas por linforma muito semelhante, apesar das
guistas, por outro, o estudo
diferenças entre línguas aprendidas.
da memória e da atenção e o
O processo de aquisição de linguaconhecimento das áreas do
gem pode ser visto como a activação
da faculdade de linguagem, face aos
cérebro ligadas ao procesdados
linguísticos a que a criança tem
samento e compreensão da
acesso.
Este processo decorre num
fala e da escrita, que são do
breve espaço de tempo e envolve uma I
domínio da neurolinguística.
grande complexidade de operações. ;
O estudo das patologias
- ---- -- --~~--~ ~~---- - -~/
da linguagem, quer se trate de
língua falada, escrita ou gestual, por ter de se desenvolver em interacção com os conhecimentos das neurociências, denomina-se
frequentemente como linguística clínica. A maioria das perturbações de linguagem é constituída pelos diversos tipos de afasias que
resultam de doenças ou traumatismos cerebrais e estão relacionadas
com diferentes áreas do cérebro. As afasias provocam incapacidade de produção (afasia expressiva e afasia motora) ou de compreensão da fala (afasia de Wernicke e afasia fluente), quer no que respeita
ao vocabulário (afasia nominal), quer às estruturas gramaticais (afasia sintáctica) ou a outros aspectos da língua oral ou escrita.
APLICAÇÕES
Há diversos domínios de aplicação da linguística. Os mais
comummente considerados dizem respeito ao ensino das línguas,
à tradução, à computação e à consultaria.
---------------------------:--------------90
•
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLAL VA
o ENSINO E A FORMAÇAo DE PROFESSORES DE LINGUA
O ensino de línguas é um dos domínios de aplicação da linguística, que permite hierarquizar aprendizagens em função da
complexidade dos fenómenos linguísticos envolvidos e também
permite encontrar estratégias adequadas à resolução de problemas suscitados pela consolidação das competências linguísticas
aprendidas.
Neste domínio, há que distinguir o ensino da língua materna
do ensino das outras línguas (língua segunda ou línguas estrangeiras). O ensino da língua materna não apresenta uma língua
nova, não ensina a falar - todos os estudantes de língua materna
são falantes nativos dessa língua. Neste caso, o ensino da língua
é o ensino de um uso específico dessa língua, geralmente o uso
consagrado pela norma, e é a consideração da língua como um
objecto de conhecimento, o que passa pela explicitação do saber
gramatical de cada aluno.
O ensino das línguas estrangeiras tem outras características:
em muitos casos, inicia-se com o primeiro contacto dos estudantes com essas línguas: trata-se, pois, de adquirir competências
linguísticas diferentes. Numa fase inicial, a aprendizagem de uma
língua estrangeira encontra semelhanças com a aquisição de linguagem levada a cabo nos primeiros anos de vida e não as aulas
de língua materna.
Uma outra distinção que deve ser feita, no domínio do ensino
e aprendizagem das línguas, é a distinção entre a aprendizagem
do oral e a aprendizagem do escrito, dado que as competências
envolvidas nestes duas actividades linguísticas não são idênticas.
A formação de professores é outra das áreas em que se torna
indispensável a aplicação dos conhecimentos em linguística. Nesta
formação há que considerar a pré-graduação e a pós-graduação.
Normalmente, os professores de língua recebem uma formação
geral e teórica na licenciatura obtida nas universidades e nas escolas de ensino superior, com uma componente prática dirigida
para o domínio das línguas em que se preparam. Os professores
que se destinam ao ensino não universitário têm um complemento de preparação pedagógica e didáctica, podendo, posteriormente,
seguir um curso de pós-graduação.
•
TRADUçAo
Globalmente considerada, a tradução é a conversão de uma
língua para outra. O tradutor deve traduzir para a sua língua materna (ou que usa habitualmentel - a língua alvo - mas tem que
conhecer bem a língua de que parte - a língua de origem ou língua fonte. Existem traduções de vários tipos: considerando a traducão de textos escritos, devemos estabelecer uma diferença entre
a t~aducão literária e a traducão técnica. No primeiro caso, é necessári~ que o tradutor tenha um conhecimento satisfatório do
conteúdo do texto originário e de aspectos culturais e sociais
. (como questões de moda ou tabus linguísticos) que estão relacionados com a utilização da língua de origem e devem reflectir-se na língua alvo. No caso da tradução técnica, é aconselhável
algum contacto com a área em que se situa a tradução (informática, gastronomia, electricidade ou outra) e uma procura de apoio
nas terminologias e nas obras especializadas do domínio em causa.
Quando a oralidade é o meio utilizado na tradução quer como
ponto de partida, quer como ponto de chegada - ou seja, na traducão simultânea -, o tradutor é normalmente denominado
'intérprete'; a mesma designação cabe ao tradutor que parte da
língua oral para uma língua gestual.
LINGulSTICA COMPUTA CIONAL
A linguística computacional engloba o tratamento automático de todas as áreas da língua, ou seja, a descrição de qualquer
módulo da gramática de uma língua natural, de modo a que essa
descrição pode ser compreendida e trabalhada por uma máquina.
Esta actividade também pode ser designada processamento das
línguas naturais (PLN).
O trabalho neste campo necessita da colaboração entre linguistas, que conhecem o funcionamento das estruturas da língua,
e especialistas na construção de sistemas informáticos, produzindo aplicações em diversos domínios:
• A traducão automática é um sistema informático que permite obter'traducões entre duas ou mais línguas. Uma das modalidades mai~ comuns de tradução automática é a tradução
assistida por computador, que permite a um tradutor humano
91
92 •
MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
servir-se de vários módulos informáticos que ajudam no estabelecimento de correspondências entre as línguas (fonte e
alvo). Nestes módulos incluem-se gramáticas e dicionários
electrónicos de sinónimos e outros. Trata-se de módulos que
memorizam expressões frequentes numa língua, léxicos informatizados, analisadores morfológicos e sintácticos e
correctores ortográficos, sintácticos e até estilísticos.
• As bases de dados linguísticos e os corpora informatizados
são recursos de armazenamento de dados linguísticos com
possibilidade de consulta interrelacionada, responsáveis, por
exemplo, pelo aparecimento de dicionários electrónicos.
• Os sistemas de síntese e reconhecimento de fala são construídos com base em padrões fonéticos de uma língua, que
permitem reconhecê-Ia e produzi-Ia automaticamente. Aplicações deste tipo são usadas, por exemplo, em investigações
policiais, para determinação das características fonéticas da
fala de um indivíduo com o objectivo de o identificar a partir
de gravações de voz.
GLOSSÁRIO
CONSUL TORIA LINGuíSTICA
Por último, os linguistas podem participar na vida das empresas e das instituições, sempre que o uso da língua esteja em questão, assegurando uma maior eficácia comunicativa quer através
da revisão linguística dos textos quer do esclarecimento de dúvidas dos falantes. Estas são as funções dos consultores linguísticos.
-~--------------~._-------
Perturbação da linguagem devida a danos cerebrais
que afectam a capacidade do
falante para produzir ou compreender as estruturas linguísticas. A afasia pode afectar os
níveis fonológico, morfológico
ou sintáctico, lexical ou semântico da língua.
AQUISlçAo DA LiNGUA - Processo durante o qual a criança
aprende a sua língua materna
por simples exposição à língua
utilizada no meio em que está
inserida.
BILINGUISMO - Capacidade de
comunicar e de se expressar
em duas línguas diferentes, resultante de um contacto frequente com essas duas línguas
(por exemplo, um filho de mãe
portuguesa e pai francês pode
tornar-se bilingue nestas duas
línguas). No caso de o indivíduo
possuir essa capacidade de expressão em mais do que duas
línguas, com as quais contacta
AFASIA -
regular e frequentemente,
pode considerar-se multilingue.
Existem vários graus de multilinguismo, verificando-se,
quase sempre, uma especialização do uso das línguas
conforme a situação comunicacional, o contexto ou o tipo de
interlocutor. O ambiente multilingue, quer de indivíduos quer
de comunidades, é mais frequente do que se pode supor
e é muitas vezes decorrente ou
promovido por políticas linguísticas específicas.
CONTíNUO SONORO - Designação
do nível oral da fala que se baseia no facto de, nesse nível,
ela ser constituída por uma sucessão de sons em que não
existe separação entre as unidades da língua.
CRIOULO- Língua materna de uma
comunidade que surge em
circunstâncias especiais (normalmente, em consequência
de um processo de colonização)
96 •
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
MARIA HELENA MIRA MA TEUS / ALlNA VILLAL VA
do de construção dos pares míe tem como base um pidgin (por
nimos para identificar os foneexemplo, o Crioulo Caboverdiamas de uma língual.
no ou o Crioulo Guineense).
FACULDADE
DA LINGUAGEM - CaDIALECTO - Variedade de uma línpacidade humana, inata e unigua conforme as regiões em
versal, que permite a aquisição
que é falada (por exemplo, o
rápida das regras de funcionadialecto de Lisboa, de Faro, de
mento da língua que a criança
Évora). O termo variedade é
ouve durante os primeiros anos
habitualmente usado em portude
vida e que lhe possibilita a
guês para designar o conjunto
progressiva da resconstrução
de dialectos de uma língua que
pectiva gramática.
se falam num determinado país
(por exemplo, o Português Eu- GRAMÁTICA - Estudo do funcionamento das línguas, geralmente
ropeu e o Português Brasileiro
de uma língua, com referência
são duas variedades da língua
aos seus aspectos fonológicos,
portuguesa) .
morfológicos, sintácticos e seDISLEXIA - Tipo de afasia que se
mânticos. O termo gramática
caracteriza pela incapacidade
aplica-se
ao livro que explicita
de compreender palavras escrimas pode tamesse
estudo
tas.
bém aplicar-se ao conhecimenESTRUTURALISMO - Trata-se da
to implícito que os falantes têm
mais importante corrente filodo funcionamento da sua línsófica e metodológica das ciêngua.
cias humanas na primeira
metade do século xx. Segundo GRAMÁTICA DESCRITIVA - Estudo
que descreve o funcionamenesta perspectiva, a realidade e
to dos sistemas de elementos
as formas de comportamento
que pertencem aos vários ní- nomeadamente a linguaveis
da língua (ou seja, dos
gem - são sistemas organizasons, das palavras e das frases)
dos em unidades e relações
e da interrelação existente enentre essas unidades, sistetre esses sistemas, tomando
mas que são encarados, pois,
como base tanto a sua utilizacomo estruturas. Esta visão do
ção oral como a escrita. Tomemundo e das actividades hu-se como exemplo a Nova
manas motivou a criação de
Gramática do Português Conmétodos e técnicas próprios
temporâneo, de Celso Cunha e
para o estabelecimento dos sisLuís
Lindley Cintra (a primeira
temas das línguas numa base
edição é de 1984 e foi publicaempírica (por exemplo, o méto-
da em Lisboa, pelas Edições
João Sá da Costa).
GRAMÁTICA INTERIORIZADA -
Conhecimento que o falante
tem do modo de funcionamento da sua língua, das estruturas
gramaticais e lexicais. Este
conhecimento é adquirido inconscientemente durante o
período da aquisição da língua.
GRAMÁTICA NORMATIVA - Manual
que estabelece qual o dialecto
aceite como norma-padrão de
uma língua e que contém um
conjunto de regras impostas
por um grupo socioculturalmente dominante a um ou
vários grupos de falantes. As
gramáticas escolares são gramáticas normativas.
GRAMÁTICA UNIVERSAL - Conjunto dos princípios universais que
regulam a construção de uma
gramática e das possibilidades
de aplicação desses princípios
a uma língua particular.
LiNGUA - Existem diversas acepções para este termo. A mais
comum é aquela que identifica
os limites geográficos de um
sistema linguístico de comunicação entre indivíduos, geralmente definidos em termos
políticos (regra geral, esses
limites são definidos pelas fronteiras de um país), o que permite referências como 'língua
portuguesa', 'língua francesa'
ou 'língua chinesa'. Num outro
sentido, língua refere o conhecimento e o uso que cada falante tem e faz da faculdade da
linguagem que lhe é própria,
enquanto participante da espécie humana.
líNGUA ARTIFICIAL - Opõe-se a língua natural por se tratar de
uma língua construída por uma
pessoa ou por um grupo de
pessoas com uma intenção
determinada e num tempo relativamente curto, não sendo,
portanto, aprendida como língua materna. O Esperanto é
uma língua artificial.
líNGUA ÁGRAFA - Língua que não
possui uma representação escrita.
líNGUA DE COMUNICAÇÃO - lín-
gua franca através da qual os
falantes de línguas diferentes
comunicam.
LiNGUA DE TRABALHO - Língua escolhida em organismos internacionais plurilingues como uma
das línguas utilizadas em reuniões de trabalho.
líNGUA ESTRANGEIRA - Língua
não materna aprendida no contexto escolar que tem como
finalidade ampliar conhecimentos, desenvolver investigação e
permitir contactos sociais de
carácter internacional.
líNGUA FRANCA - Língua que utilizam falantes de diferentes línguas para comunicar nas suas
relações sociais, diplomáticas e
•
97
1---I
98 •
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA
comerciais. O Português foi língua franca nos portos da índia
e do Sudeste da Ásia até meados do século XIX, permitindo o
contacto entre europeus e asiáticos.
líNGUA GESTUAL - A língua
gestual, criada para utilização
de surdos, é constituída por sistemas de sinais e tem características particulares de cada
comunidade que a usa, existindo, portanto, a Língua Gestual
Portuguesa, a francesa ou outra. Habitualmente, os sinais
das línguas gestuais correspondem a palavras e a unidades
gramaticais.
LlNGUA MATERNA (OU PRIMEIRA)-
Língua que se fala em torno de
uma criança durante os primeiros anos de vida e através da
qual ela adquire o uso da língua.
LlNGUA NACIONAL, VERNÁCULA OU
NATIVA - Língua utilizada no
quotidiano pelos elementos de
uma sociedade para quem é
língua materna, podendo coincidir, ou não, com a língua oficiai dessa sociedade.
líNGUA NATURAL - Língua que se
desenvolve espontaneamente
no seio de uma sociedade (por
exemplo o Português ou o
Francês) e que é aprendida
como língua materna.
LlNGUA OFICIAL - Língua utilizada
na escolarização e nos contactos administrativos, oficiais e
internacionais dos elementos
de uma sociedade para quem
pode ser, ou não, língua materna. Quando essa sociedade é
constituída por comunidades
ou grupos de pessoas com línguas maternas diferentes, o
Estado determina qual a língua
(ou línguas) que deve(m) ser
considerada(s) língua oficial.
São exemplos desta política linguística certos países africanos
como Angola e Moçambique
que têm o Português como
língua oficial ou, na Europa, o
Luxemburgo que tem como línguas oficiais o Alemão, o Francês e o Luxemburguês.
líNGUA SEGUNDA - Língua não
materna (da maioria) dos falantes de uma determinada
sociedade, ou de grupos de
imigrantes, usada como meio
de escolarização e como língua
veicular nas instituições administrativas e oficiais. A aprendizagem da língua segunda
faz-se normalmente no contexto escolar e permite a inserção
do indivíduo no sistema sociopolítico dominante, constituindo
mesmo um factor de ascensão
social.
LINGUAGEM - Meio de comunicação humana e de expressão
pessoal que utiliza, de forma
sistemática e convencional,
sons, sinais ou símbolos escritos. O termo 'linguagem' é
usado, também, para referir
sistemas de programação informática e certas formas de
comunicação entre animais.
,NORMA (OU NORMA-PADRÃO) -
Variedade dialectal e sociolinguística utilizada no uso da língua em contexto escolar e nos
meios de comunicação. A norma-padrão coincide, geralmente, com a variedade dialectal e
sociolectal dominante (em Portugal considera-se como norma-padrão a variedade utilizada
na região de Lisboa-Coimbra
pela classe social escolarizada).
PATOLOGIAS DE LINGUAGEM - Deficiências da linguagem que se
manifestam na fala (compreensão e produção) e que têm
origem nos sistemas neuropsicológicos que estão na base da
produção linguística. A maioria
das perturbações da linguagem
é constituída pelos diversos
tipos de afasias que estão relacionadas com diferentes
áreas do cérebro e provocam
incapacidade de produção ou
compreensão da fala no que
respeita ao vocabulário, às estruturas gramaticais ou a outros aspectos da língua oral ou
escrita.
PIDGIN - Tipo de língua reduzida
e mista que tem como origem
o contacto prolongado entre falantes de línguas diversas que
necessitam de comunicar en-
tre si. Esta necessidade de
comunicação resulta de os falantes se encontrarem numa
situação de escravidão ou precisarem de estabelecer relações comerciais ou outras,
sem a possibilidade de aprendizagem de uma língua segunda.
POLITICA LINGuíSTICA - Conjunto
de intenções e decisões do
governo de um país relativas ao
uso oficial de uma ou mais
línguas e à determinação da
norma-padrão, tanto no que
respeita à língua oral como à
escrita (as reformas ortográficas são exemplo de acções de
política linguística). Faz parte,
igualmente, da política linguística a forma de divulgação de
uma língua como língua estrangeira ou segunda de acordo
com o contexto em que é ensinada.
PROTOlÍNGUA - Língua de que não
existem registos materiais mas
que se considera ser a origem
de uma família de línguas (ou de
um ramo de uma família). A reconstituição de uma protolíngua
faz-se a partir de aspectos
comuns das línguas derivadas.
SOCIOLECTO - Variedade de uma
língua que caracteriza um meio
sociocultural.
UNIVERSAIS DE LINGUAGEM - Propriedades que as línguas naturais possuem em comum. Os
universais linguísticos podem
•
99
100
•
MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA
ser universais formais (as condições abstractas a que obedece uma gramática) e universais
substantivos (as categorias linguísticas como 'nome' ou 'verbo' que são necessárias para
analisar uma língua), Podem
ainda ser considerados os
universais de acordo com determinada área da gramática
(universais fonológicos, semânticos ou outros),
OUTRAS LEITURAS
----------- -------------------
~----------------------------------~-
-------
Segue-se a indicação dos textos considerados mais relevantes
para aprofundar conhecimentos no domínio da linguística. Sempre
que possível e justificado, é dada informação sobre traduções em
Português e sobre a disponibilidade de edições em linha. A listagem
é alfabética (considerando o patronímico do primeiro autor).
David Crystal
1987 The Cambridge Encyclopedia of Language
Cambridge University Press
1993 Enciclopedia deI Lenguaje de la Universidad
de Cambridge
Madrid: Taurus
Esta enciclopédia, elaborada com a colaboração de muitos especialistas, aborda, nas suas 480 páginas, doze temas que dizem
respeito à linguagem e às línguas: ideias populares sobre a linguagem, linguagem e identidade, a estrutura da linguagem e os meios
de que se servem as línguas: a fala e a audição, a escrita e a leitura,
as línguas gestuais; a aquisição da língua, a linguagem e o cérebro, as línguas do mundo e no mundo e, por fim, a linguagem e a
comunicação. Profusamente ilustrada, é uma 'obra útil, informativa
e formativa. Lamentavelmente não existe tradução portuguesa.
Isabel Hub Faria, Carlos Gouveia, Emília Pedro e Inês Duarte
(organizadores)
1996 Introdução à Linguística Geral e Portuguesa
Lisboa: Editorial Caminho
104
•
MARIA HELENA MIRA MA TEUS I ALlNA VILLALVA
Este livro possui uma introdução panorâmica com apresentação dos doze capítulos que o constituem. Nesses capítulos são
tratados os aspectos biológicos, cognitivos e de representação
da linguagem verbal, os domínios da fonética, fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática e, ainda, questões de interaccão verbal e de variação linguística. Cada capítulo é realizado
por um ou mais especialistas e pode ser entendido como um texto
introdutório ou como uma síntese do estado da arte na respectiva
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA
•
dade é não só substancial pela quantidade de informação transmitida, como original e notável no modo como essa informação é
organizada e interpretada. O livro termina com uma breve introdução à linguística do século XX.
bliográficas.
Steven Pinker
1994 The Language Instinct: the New Science
of Language and Mind
Londres: Penguin
2002 O Instinto da Linguagem: Como a Mente Cria
a Linguagem
São Paulo: Editora Martins Fontes
Steven Pinker é um dos maiores especialistas mundiais no
estudo das relações entre linguagem e cognição. Nesta obra, defende a teoria de que a linguagem é inata e que os homens possuem uma gramática universal comum. Além de apresentar como
argumento da sua opinião a formação das línguas crioulas, o autor considera o modo como se processam a aquisição da língua e
as relações entre linguagem e mente como apoios à sua teoria.
Pinker utiliza um estilo agradável e serve-se muitas vezes de exemplos do quotidiano para desenvolver o conceito de que a linguagem é um instinto humano cuja presença no nosso cérebro decorre
da evolução da humanidade.
Georges Mounin
1967 Histoire de la Linguistique des Origines au XX' Siec/e
Paris: PUF
sld
História da Linguística. Das Origens ao Século XX
Porto: Despertar
Embora a data da edição francesa mostre que este trabalho
tem quase 40 anos, a verdade é que não perdeu utilidade e continua a ser um dos livros mais completos e interessantes sobre a
história da linguística. A par de um conhecimento profundo do
acervo bibliográfico original e dos estudos sobre essa bibliografia, o autor tem uma opinião crítica sobre os gramáticos e linguistas que desenvolveram o estudo da linguagem e das línguas,
destacando, de forma criteriosa, os trabalhos de maior relevo em
cada época ou movimento. A parte do estudo dedicada à antigui-
Maria Francisca Xavier e Maria Helena Mateus (organizadoras)
1990 Dicionário de Termos Linguísticos, Volume I
1992 Dicionário de Termos Linguísticos, Volume II
Lisboa: Edições Cosmos
s/d
www.ait.pt/recursos/dic_term_ling/index2.htm
Esta obra pode ser consultada com proveito quando se necessita obter, de forma rápida e eficiente, uma informação respeitante a aspectos gerais ou particulares do estudo da linguística
e das línguas. O Volume I contém 1468 termos das áreas de filologia, fonética, fonologia, linguística histórica, pragmática, prosódia e sociolinguística. O Volume II contém 1756 termos das
áreas de morfologia, lexicologia e terminologia, semântica, sintaxe,
psicolinguística e, ainda, um número apreciável de termos gerais.
Todos os termos têm uma definição concisa e precisa (cuja fonte
área.
Victoria Fromkin e Robert Rodman
1983 An Introduction to Language
1993 Introdução à Linguagem
Coimbra: Almedina
Trata-se de uma boa introdução aos problemas da linguística
e da natureza das línguas. A obra está dividida em quatro partes:
a natureza da linguagem humana, aspectos gramaticais, aspectos sociais das línguas e aspectos biológicos da linguagem. Nos
aspectos gramaticais, todas as áreas da linguística são consideradas: fonética, fonologia, morfologia, sintaxe, semântica, existindo, até, um excurso sobre a escrita. Cada capítulo, que termina
com um resumo, é acompanhado de exercícios e referências bi-
105
106 •
MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLALVA
vem explicitada no caso de tal se justificar), bem como a indicação da área em que se integra e o respectivo equivalente em Inglês. Frequentemente, foram introduzidos equivalentes em
Francês. Grande parte das entradas contém a indicação de termos relacionados e de sinónimos. Ambos os volumes têm índices remissivos e uma bibliografia final.
REFERÊNCIAS
,1.
[O 1]
Aristóteles
c. 350 a. C. Organon
1985
Tradução portuguesa. Volume I.
Lisboa: Guimarães Editores
[02]
Associação Portuguesa de Linguística
www.apl.org.pt/Undex.htm
[03]
Jorge Morais Barbosa
1 965
Études de Phon%gie Portugaise
1983
2." edição
Universidade de Évora
[04]
Leonard Bloomfield
1 933
Language
Nova Iorque: Holt
[05]
Franz Bopp
1833-1852 Verg/eichende Grammatik des Sanskrit, Zend,
Griechischen, Lateinischen, Litauischen,
Alts/awischer, Gotischen und Deutschen
1866-1868 Grammaire Comparée des Langues /ndo-européennes, Comprenant /e Sanscrit, /e Zend,
I'Arménien, /e Grec, /e Latin, /e Lithunien,
I'Ancien S/ave, le Gothique et I'AI/emand
Tradução francesa da 2." edição
Paris: Imprimerie Impériale
I~
1
I
."
110
•
MARIA HELENA MIRA MATEUS/ ALlNA VILLALVA
[06]
[071
Centro Virtual Camões
a. www.instituto-camoes.pt/cvc/hlp/geografial
dialectosportugueses.pdf
b. www.instituto-camoes.pt/cvc/tempolinguaI03.html
Luís Filipe Lindley Cintra
1971
Nova proposta de classificação dos dialectos
Galego-Portugueses
www.instituto-camoes.pt/cvc/hlp/biblioteca/
novaproposta.pdf
[13]
Platão
c. 360 a. C. Crátílo
1963
Tradução portuguesa
Lisboa: Livraria Sá da Costa
[141
Porfírio
1994
t
Isagoge: Introdução às Categorias
de Aristóteles
Lisboa: Guimarães
Eduardo Paiva Raposo
1984
Algumas observações sobre a noção
de "língua portuguesa"
Boletim de Filologia 29: 592
[161
Instituto Camões e Centro de Linguística da Universidade
de Lisboa
2001
Português Falado. Documentos Autênticos
CD-Rom
Edward Sapir
1921
Language
1954
A Linguagem: Introdução ao Estudo da Fala
Tradução portuguesa de Joaquim Mattoso
Câmara Jr.
Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro
[171
Maria Helena Mira Mateus
2001
Caminhos do Português - Exposição
Comemorativa do Ano Europeu das Línguas.
Catálogo
Lisboa: Biblioteca Nacional
Ferdinand de Saussure
Cours de Linguistique Générale
191 6
Redigido por Charles Bally e Albert Sechehaye
1978
Curso de Linguística Geral
Lisboa: Dom Quixote
[ 18]
Unesco
2000
Umberto Eco
1993
La Ricerca de/la Lingua Perfetta
1996
A Procura da Língua Perfeita
Lisboa: Editorial Presença
[091
The Ethnologue
www.ethnologue.com
[10]
[1 2]
I
•
[ 15]
[081
[111
o ESSENCIAL SOBRE LlNGufSTlCA
f
Georges Mounin
1967
Histoíre de la Linguistique des Origines
au XXe Siecle
Paris: PUF
sld
História da Linguística. Das Origens
ao Século XX
Porto: Despertar
The Courier 4
www.unesco.org/courier/2000_04/uk/
doss03.htm#top
111
COLECÇÃO
O ESSENCIAL
o Essencial sobre Linguística
Maria Helena Mira Mateus e Alina Villalva
o Essencial sobre a História do Português
Esperança Cardeira
o Essencial sobre a Sintaxe do Português
André Eliseu
o Essencial sobre o Ensino da Língua Materna
Maria José Ferraz
o Essencial sobre Crioulos de Base Portuguesa
Dulce Pereira
o Essencial sobre Semântica
Ana Cristina Macário Lopes e Graça Rio-Torto
o Essencial sobre a Ortografia do Português
Maria Helena Mira Mateus
O Essencial sobre Processamento de Fala para o Português
Fernando Martins
O Essencial sobre Pragmática Linguística
José Pinto de Lima
O Essencial sobre o Léxico do Português
Alina Villalva
O Essencial sobre Dicionários do Português
Margarita Correia
O Essencial sobre Fonética, Fonologia e Prosódia
Maria Helena Mira Mateus e Ana Isabel Mata
O Essencial sobre Texto e Discurso
Carlos Gouveia
O Essencial sobre Gramáticas do Português
Maria Helena Mira Mateus
O Essencial sobre Jornalismo Linguístico
Alina Villalva e André Eliseu
O Essencial sobre Norma e Variação
Maria Helena Mira Mateus
O Essencial sobre Voz
Isabel Hub Faria
O Essencial sobre Formação de Palavras
Alina Villalva
O Essencial sobre o Ensino do Português
Ana Isabel Mata
O Essencial sobre Política Linguística para o Português
Alina Villalva

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