Uma rota patrimonial para o rio Santa Maria da Vitória

Transcrição

Uma rota patrimonial para o rio Santa Maria da Vitória
2º Seminario de Paisajes Culturales Udelar/UPC [Conpadre n.11/2012]
Montevideo [Uruguay], 31/01 a 01/02/2012. Universidad de la Republica / Universidad Politècnica de Cataluña
Uma rota patrimonial para o rio Santa Maria da Vitória [ES]:
instrumento de conservação territorial
Bruno Amaral de Andade
Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, e Pesquisador do Laboratório
Patrimônio & Desenvolvimento Territorial – Patri_Lab. Vitória [Espírito Santo], Brasil. <[email protected]>.
Renata Hermanny de Almeida
Arquiteta Urbanista; Doutora em Arquitetura e Urbanismo, pela Universidade Federal da Bahia (2005), Coordenadora do
Laboratório Patrimônio & Desenvolvimento Territorial – Patri_Lab. Vitória [Espírito Santo], Brasil.
<[email protected]>.
Nota: Este escrito deriva de investigações elaboradas no contexto de um trabalho de conclusão de curso, realizado junto ao
curso de Arquitetura e Urbanismo da UFES por Bruno Amaral de Andrade, e orientado por Renata H. de Almeida.
Resumo
O trabalho “Uma Rota Patrimonial para o Rio Santa Maria da Vitória, como estratégia de conservação territorial”
está inserido na temática contemporânea patrimônio e projeto territorial. Um dos âmbitos dessa discussão trata
dos parques patrimoniais (SABATÉ; SCHUSTER, 2001) como instrumentos fundamentados na valorização e
conservação do patrimônio territorial (MAGNAGHI, 2000), e da paisagem cultural (SABATÉ, 2004), conceituando
patrimônio em seu entendimento mais amplo – recursos naturais e culturais. Serão investigadas a linhas
metodológicas de Sabaté (2001 e 2004) e Magnaghi (2007 e 2009) do processo indissociável, arquitetônico e
urbanístico, de – análise da paisagem cultural e projeto de parque patrimonial –, a fim de obter repertório que
possa balizar o projeto de uma rota patrimonial para o rio Santa Maria da Vitória, tendo como referência o
território que compreende a bacia do rio: os municípios desde a nascente em Santa Maria de Jetibá ao deságue
na baía de Vitória, perpassando Santa Leopoldina, Cariacica e Serra. Seu objetivo é reconectar os recursos
patrimoniais presentes ao longo da bacia do rio Santa Maria da Vitória através da narração da história desse
território, em vista a sua conservação pelo tecido de uma rota patrimonial em nível de estudo preliminar. Parte do
mesmo, esse escrito pretende apresentar uma análise das referências metodológicas estudadas, uma reflexão a
partir desta análise para o caso do território referenciado pela bacia do rio Santa Maria da Vitória, e uma
aproximação ao inventário dos seus recursos patrimoniais.
Palavras Chave
Rio Santa Maria da Vitória, rota patrimonial, parque patrimonial, território patrimonial, paisagem cultural.
A heritage route for Santa Maria da Vitória river [ES]: instrument for territorial
conservation
Abstract
The paper "A Heritage Route for the Rio Santa Maria da Vitoria, as a territorial conservation strategy" is inserted
in contemporary theme – heritage and territorial project. One of the ambits of this discussion deals with the
heritage parks (SABATÉ; SCHUSTER, 2001) as instruments based on territorial heritage valuation and
conservation (MAGNAGHI, 2000), and cultural landscape (SABATÉ, 2004), conceptualizing heritage in a broader
understanding - natural and cultural resources.It will be investigated the methodological lines of Sabaté (2001 and
2004) and Magnaghi (2007 and 2009) of the inseparable process, architectural and urban, of - analysis of the
cultural landscape and heritage park project - in order to obtain repertoire that can mark out a route sheet design
for the Santa Maria da Vitória river, with reference to the territory that comprises the river basin: the municipalities
from the source in Santa Maria Jetibá until the baía de Vitória, passing through Santa Leopoldina, Cariacica and
Serra. The objective of this work is to reconnect the heritage resources presented along the basin of the Santa
Maria da Vitória river through the narration of the history of this territory in order to preserve the resources by a
route sheet at the level of preliminary study. However, the first semester of work offers an analysis of the cited
authors, a reflection through this analysis for the territory’s case referenced for de Santa Maria da Vitória river
watershed, and an approaching to the inventory of the heritage resources.
Keywords
Santa Maria da Vitória river, heritage route, heritage park, territorial heritage, cultural landscape.
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ALMEIDA, Renata Hermanny de; ANDRADE, Bruno Amaral de. Uma rota patrimonial para o rio Santa Maria da Vitória:
instrumento de conservação territorial. In: SEMINARIO DE PAISAJES CULTURALES UDELAR/UPC [Conpadre n.11/2012], 2,
2012, Montevideo [Uruguay]. Actas... Montevideo: Red Conpadre, 2012. p. 01-15. Disponible en: <www.conpadre.org>.
2º Seminario de Paisajes Culturales Udelar/UPC [Conpadre n.11/2012]
Montevideo [Uruguay], 31/01 a 01/02/2012. Universidad de la Republica / Universidad Politècnica de Cataluña
Patrimônio e projeto territorial
Conceitualmente, este trabalho se insere na temática Patrimônio e projeto territorial, nos
âmbitos da delimitação e análise da paisagem cultural (SABATÉ, 2004) e do território
patrimonial (MAGNAGHI, 2000), objetivando a proposição de uma rota patrimonial
orientada, no recorte conceitual-projetivo do trabalho, para a conservação do território. Essa
relação, Patrimônio e projeto territorial, aparenta uma dicotomia transgredida a partir da
renovação do conceito de território, iniciada na década de 1970, principalmente com os
grupos de estudos italianos, o Grupo de Revalorização de Áreas Marginais – GRAM, o
Sistema Local Territorial – SloT, e a Escola Territorialista Italiana, fundada por Alberto
Magnaghi. Saquet (2010) faz uma reflexão e crítica acerca das abordagens e concepções
do território, apresentando-os segundo suas especificidades. Para o desenvolvimento do
estudo, adota-se o conceito de território de Magnaghi (2000): o resultado da sobreposição
de três camadas, patrimônio ambiental, patrimônio territorial, e patrimônio socioeconômico.
O desafio é buscar soluções contemporâneas de inserção dos recursos patrimoniais em um
projeto territorial. Assim, identificam-se instrumentos, por meio da análise de estudos de
caso em localidades na América e Europa, no que tange às paisagens culturais e parques
patrimoniais (SABATÉ, 2004). Essas experiências contribuem para referenciar a análise e o
projeto de uma rota patrimonial para o rio Santa Maria da Vitória, a partir da montagem de
um Mosaico Metodológico, que constitui a primeira contribuição do trabalho de monografia.
Sabaté (2005, p.31) explica a importância da dissociação de soluções urbanísticas da
contemporaneidade com as vigentes no século XX, caracterizando as primeiras pela ênfase
na dinâmica populacional e o desenvolvimento industrial, além da utilização do zoneamento
e do projeto de grandes infraestruturas como instrumentos fundamentais. Na
contemporaneidade, em contrapartida, propostas de ordenação territorial começaram a
atender ao binômio natureza-cultura, como signo de um conceito único – patrimônio. Nesse
contexto, ressalta o sucesso de experiências, cujos objetivos em comum são:
“(...) incorporar a identidade histórico-cultural nos processos de planejamento;
utilizar os recursos culturais para melhorar a qualidade dos ambientes urbanos e
rurais; vincular patrimônio cultural e redes de espaços naturais, a fim de criar
espaços de identidade em alguns territórios crescentemente afetados por
tendências globalizadas; propor medidas para encorajar a atenção e
conscientização do valor desses recursos. (...) pretende em definitiva fundir a
histórica cultural, com origem no passado, com o planejamento, com vontade de
projetar o futuro” (SABATÉ (2005, p.32).
Para este artigo, por contribuírem com lições a cerca da temática, por serem referenciados
por cursos d’água, e por terem semelhança de escala com o rio Santa Maria da Vitória,
foram eleitos como estudos de caso os projetos: “Eixo Patrimonial do Llobgregat” na
Catalunha, Espanha (SABATÉ; SCHUSTER, 2001); “Corredor Patrimonial Nacional do
Canal Ohio e Erie”, nos EUA (SABATÉ; SCHUSTER, 2001); e “Endereço Projetual para o
Parque Fluvial do Valdarno de Empoli”, na Itália, Master Plan de Magnaghi (2009).
O rio Santa Maria da Vitória
O Santa Maria da Vitória possui 122 km de extensão da sua nascente, na serra do Garrafão,
em Santa Maria de Jetibá, há 1.300 m de altura, até a baía de Vitória, perpassando os
municípios de Santa Leopoldina, Cariacica e Serra, com uma área de drenagem de 1.844
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instrumento de conservação territorial. In: SEMINARIO DE PAISAJES CULTURALES UDELAR/UPC [Conpadre n.11/2012], 2,
2012, Montevideo [Uruguay]. Actas... Montevideo: Red Conpadre, 2012. p. 01-15. Disponible en: <www.conpadre.org>.
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km² (ver figuras 1 e 2). O seu eixo navegável situa-se entre baía de Vitória e o distrito-sede
de Santa Leopoldina (ver figura 3), 47 km, historicamente explorado com objetivos
socioeconômicos ao viabilizar: o translato de imigrantes, iniciando a ocupação da região e
fundando a antiga colônia de Santa Leopoldina; e o transporte de cerca de 120 sacas de
café por canoa, com força de mão-de-obra escrava (SCHWARZ, 1992).
Figura 1. Mapa das bacias hidrográficas do Estado do Espírito. Disponível em: <http://ecobacia.org/regioes_es.html>
Figura 2. Mapa da bacia hidrográfica do rio Santa Maria da Vitória. Disponível em <http://www.cesan.com.br/page.php?25>
Figura 3. Foto do rio Santa Maria da Vitória, visto do distrito-sede de Santa Leopoldina, ES. 2011.
Essa ocupação, a partir de um projeto do II Império, na metade do século XIX, possibilitou
um encontro de diversas culturas europeias ao longo do eixo principal do rio e dos córregos,
sendo as principais de origem camponesa germânica, como os prussianos, pomeranos e
austríacos. Assim, foi erigida uma relevante produção arquitetônica na região, tanto em
pequenos núcleos urbanos quanto em edifícios isolados no meio rural (SCHWARZ, 1992).
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Ainda no final do século XIX, a Colônia de Santa Leopoldina foi desmembrada, e desse
processo emanciparam-se Santa Tereza, em 1890, e Afonso Claudio e Ibiraçu, ambos em
1981. Além de, tardiamente, Santa Maria de Jetibá, em 1988. Do que restou desse processo
é o que se considera o atual município de Santa Leopoldina, composto pelo distrito-sede de
Santa Leopoldina, e pelos distritos de Mangarai e Djalma Coutinho (SCHWARZ, 1992).
É importante ressaltar que o momento áureo de desenvolvimento da Colônia se deu devido
ao intercâmbio socioeconômico com o litoral, a capital Vitória, no final do século XIX, regido
a partir do eixo navegável do rio. Todavia, a partir dos desmembramentos políticoadministrativos, instituindo-se outros municípios, e da abertura de rodovias, que conectaram
diretamente as regiões produtoras de café e hortifrutigranjeiros à capital, o rio perdeu o valor
de rota socioeconômica, rompendo-se, portanto, o seu vínculo de memória.
O rio Santa Maria é um dos principais mananciais do Espírito Santo, responsável pelo
abastecimento de água da Grande Vitória. No entanto, segundo a Organização Não
Governamental ECOBACIAS – Instituto de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e
Desenvolvimento Sustentável (fonte: <http://ecobacia.org/regioes_es.html>), o rio enfrenta
diversos problemas, dentre eles, a grande quantidade de agrotóxico despejado em suas
águas devido ao manejo incorreto nas lavouras, o assoreamento e a poluição pelo esgoto e
lixo (ver figuras 4 e 5).
Figura 4. Principais benefícios e aproveitamentos do rio
Figura 5. Principais problemas no rio.
Disponíveis em: <http://ecobacia.org/regioes_es.html>
Considera-se que o rio – recurso patrimonial: curso d’água – seja elemento chave para a
reativação da condição próspera da região, afim de se reconectar os estratos sócio-espaço-
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temporais (ANDRADE, 2006), constituídos em diversificadas paisagens culturais ao longo
desse território determinado pela bacia hidrográfica do rio Santa Maria da Vitória (ver figura
2 e 3).
Uma rota patrimonial para o rio Santa Maria da Vitória
A hipótese de que o rio Santa Maria da Vitória e os recursos patrimoniais a ele vinculados
estão desconectados direciona a elaboração de um projeto de rota referenciada pela bacia
hidrográfica do rio, a fim de conectar o rio e os seus recursos patrimoniais. Assim, a idéia não
é adotar o eixo principal do rio – patrimônio ambiental, mas sim, ir à busca dos vestígios
históricos – patrimônio territorial, penetrando por caminhos delineados pela articulação dos
recursos encontrados na extensão da bacia.
Ademais, os edifícios históricos, alguns legalmente protegidos por meio do tombamento pelo
Conselho Estadual de Cultura, que tiveram auge e relevância entre o final do século XIX e
início do XX, podem estar em abandono, com uso indevido, e ainda em condições de
conservação precárias. O objetivo é a conservação do território ao qual pertencem, e, por
conseguinte, dos artefatos históricos. Da mesma maneira, considera-se a inexistência de
uma imagem forte para a região do rio Santa Maria da Vitória, a qual possa destacá-la em
escala local, regional e global. No passado, esta esteve relacionada ao vínculo
socioeconômico, através do comércio do café e do translato de imigrantes europeus, entre a
metade do século XIX e início do século XX. Ao objetivar a elaboração de uma imagem para
o projeto da rota patrimonial, incorporando um tema que represente a narração principal do
rio como patrimônio natural de escalas local e global, acredita-se estar contribuindo para
reforçar o reconhecimento e revalorização da região acerca da memória do rio pelas
comunidades.
Pesquisa metodológica
A metodologia aplicada ao trabalho articula procedimento qualitativo e empírico, por meio da
pesquisa em fontes primárias, secundárias e manipulação de softwares específicos. Para
Serra (2006, p. 183) “(...) o levantamento de dados secundários e a formação do
embasamento teórico precedem qualquer levantamento de dados primários”. Assim este
trabalho fundamenta-se no estudo dos trabalhos mais atualizados de Joaquin Sabaté e
Alberto Magnaghi para referenciar a investigação do tema Patrimônio e projeto territorial.
Outros dados secundários são os modelos físicos, por meio da produção do tipo analógico,
com a manipulação da base Ortofotomosaico, através do uso do software ArcGis, e
CorelDraw, e do AutoCAD, para o projeto de uma rota patrimonial para o rio Santa Maria da
Vitória.
Por sua vez, visando a “descrição do objeto, com o objetivo de conhecê-lo profundamente”
decidiu-se pela elaboração de estudos de caso, tendo em vista que “esse método pretende
esgotar o conhecimento sobre certo exemplar, escolhido por critérios que são claramente
explicitados”. (SERRA, 2006, p. 81-82) Como indicado acima, foram elencados três
experiências, no que tange à paisagem cultural, território patrimonial, e parques patrimoniais.
Complementarmente, será utilizado o método empírico, ou seja, “(...) a coleta de informações
diretamente do real, isto é, dos objetos-concretos (...)” (SERRA, 2006, p.184). No caso do
trabalho o objeto-concreto é o território referenciado pela bacia do rio Santa Maria da Vitória,
e abrange visita de inspeção, e observação e descrição através de fotografias e vídeos.
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As contribuições de Joaquin Sabaté e Alberto Magnaghi
A principal referência metodológica utilizada no desenvolvimento analítico e projetual é a de
Joaquin Sabaté (2001 e 2004). Esta abrange diversos estudos a cerca de paisagens culturais
e parques patrimoniais na Europa e nos Estados Unidos, a fim de expor lições que orientem
a proposição de uma rota patrimonial para o rio Llobregat, na Catalunha, Espanha. Ademais,
de Alberto Magnaghi (2007 e 2009) será utilizada a metodologia de análise territorial e o
projeto de um parque fluvial.
Joaquin Sabaté
O foco da abordagem de Joaquin Sabaté é um projeto de urbanismo baseado nos recursos
patrimoniais de determinada região. Trata-se de uma aproximação relativamente recente na
Europa e nos Estados Unidos, divulgada pelo Laboratorio Internacional de Paisajes
Culturales, criado por Sabaté em 2001 em conjunto com professores da Universidade
Politécnica da Catalunha e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, com o intuito de
investigar e difundir as paisagens culturais (SABATÉ, 2005, p.7).
A busca pelo domínio dos conceitos basilares da abordagem de Sabaté se inicia pelo
conceito de paisagem cultural, ou seja, “(...) o vestígio do trabalho sobre o território, algo
como um memorial ao trabalhador desconhecido”. Em termos metodológicos o trabalho com
a paisagem cultural e parque patrimonial, de forma geral, segue a seguinte estrutura: o
inventário dos recursos, sua hierarquização e interpretação em função de uma determinada
história, e a construção de uma estrutura suporte, que mediante itinerários os vincule entre
si e com centros de interpretação, museus e serviço.
A quantidade e relevância dos parques patrimoniais projetados nos EUA tornaram-se
referência de instrumento de desenvolvimento territorial, principalmente no que tange à
revalorização do seu patrimônio industrial e a atuação de diversas instituições de gestão e
amparo ao patrimônio, como o National Service Park. A partir do reconhecimento desses
projetos consolidou-se o modus operandi do desenho de parques patrimoniais, e os meios
com os quais se devem buscar reconhecimento legal e aprovar programas de apoio
(SABATÉ, 2005, p.20).
Não obstante, na Europa encontram-se cada vez mais projetos de parques industriais,
mineiros, agrícolas, fluviais, rotas históricas, paisagens bélicas, parques arqueológicos ou
ecomuseus (SABATÉ, 2005, p.20), o que demonstra que se trata de um modelo projetual
atualizado e de sucesso, que visa a reconexão dos recursos patrimoniais na lógica de
articulação da rede local-global.
A maioria desses projetos requer adaptação de antigas áreas industriais e agrícolas aos
novos requerimentos e atividades próprias do século XXI (novas tecnologias, educação,
comunicações, ócio e turismo, informação...). Metodologicamente, quatro são as fases
propostas: inventário, interpretação, definição de unidades temáticas e unidades de projeto
(SABATÉ; SCHUSTER, 2001). Esse processo compreende um inventário dos recursos, sua
hierarquização e interpretação em função de uma determinada história, e a construção de
uma estrutura suporte, que mediante percursos vincule os recursos entre si e com centros
de interpretação, museus e serviços; segundo o seguinte diagrama metodológico:
A) Inventário ↔ B) Interpretação ↔ C) Unidades temáticas ↔ D) Unidades de projeto
Complementarmente, Sabaté (2001, p.80 e 81) desenvolve diagramas (ver figura 4)
situando os vários estudos de caso, Europeus e Americanos, são eles: Parque Agrário do
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2012, Montevideo [Uruguay]. Actas... Montevideo: Red Conpadre, 2012. p. 01-15. Disponible en: <www.conpadre.org>.
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Baixo Llobregat, Parque das Colônias do Llobregat, Parque Agrícola do Sul de Milão, Ripoll,
Parque Agrícola de Palermo, Argovian Reuss Valley and Estuary, Groenblauwe Slinger,
Emschen Park e Alba Ter – como forma de apresentar a metodologia de trabalho de análise
da paisagem e projeto de parque patrimonial.
Figura 4. Diagrama do contexto urbano. Fonte: SABATÉ; SCHUSTER, 2001.
Alberto Magnaghi
Magnaghi articula desenvolvimento sustentável e território a partir da necessidade do
território de se auto-sustentar e se eco-desenvolver. Com efeito, a sustentabilidade é
alcançada a partir do equilíbrio de três premissas:
“(...) direcionar o desenvolvimento aos requisitos humanos básicos (que não
podem ser reduzidos a necessidades materiais); contar com o próprio potencial,
ou seja, desenvolver a autogestão a partir da sociedade local; e alcançar o
desenvolvimento da qualidade ambiental” (MAGNAGHI, 2000, p.10 e 11).
Anteriores a essa conceituação, a partir da década de 1970, a produção teóricometodológica da geografia italiana originou dois grupos nas décadas seguintes: o Grupo de
Revalorização de Estudos Marginais [GRAM], na década de 1980, e do Sistema local
Territorial [SloT], na década de 1990 (SAQUET, 2010, p.115). No que tange ao aparato
conceitual, Magnaghi afirma que território
“(...) é uma obra de arte; obra da transformação da natureza por meio da
sobreposição no tempo histórico de numerosos ciclos de civilização; produto do
homem plasmado em matéria inerte – produto do diálogo, uma relação entre
entidades vivas, o homem e a natureza, ao longo da história; um neo-ecossistema,
um outro sistema gerado pela interação homem-natureza” (MAGNAGHI, 2000,
p.9).
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Assim, o território deve ser entendido como organismo vivo e altamente complexo,
constituído de localidades com história própria, características, identidade e estrutura de
longo prazo (MAGNAGHI, 2000, p.9). Já o desenvolvimento auto-sustentável local está
relacionado à produção do território em sua totalidade, envolvendo produção de qualidade
de vida e do ambiente, valorização da produção específica de cada paisagem e da
identidade urbana e cultural. A produção da qualidade territorial é um indicador de
sustentabilidade ambiental, premissa da valorização do território e das relações
compreendidas entre os atores sociais que o usam como suporte – territorialidades.
Magnaghi (2000, p.10) defende um renascimento do território (diante da problemática atual
da degradação do ambiente, crescimento populacional exponencial, pobreza nas periferias),
onde seja possível travar novas alianças entre natureza e cultura, e cultura e história. A
maneira de se promover esse renascimento é através da herança cultural (a identidade de
cada lugar), potencial produtora de riqueza, e da herança que será legada às futuras
gerações. De fato, a sua é valiosa, pois destaca o papel do território, em seu entendimento
mais amplo, e define objetivos e métodos capazes de projetar um território a partir da
sustentabilidade ambiental, econômica, social e cultural (ver figura 5). Em vista a perpetuar
o projeto, propõe um processo de gestão particularizado na manutenção dessa
reconstrução, onde a participação da comunidade local é a chave para a sustentabilidade.
Figura 5. Diagrama do endereço projetual do parque fluvial do Valdarno de Empoli. Fonte: MAGNAGHI, 2009.
Também se destaca a influência teórico-filosófica de Guilles Deleuze e Felix Guatarri na
Escola Territorialista Italiana, para compreensão do movimento do território através da
territorialização, desterritorialização e reterritorialização (TDR). Pressupõe-se assim que o
território caracteriza-se por uma desterritorialização prévia, num processo de
reterritorialização, constante e perene. Essa conceituação contribui para o entendimento do
território como um processo continuamente em movimento, determinado pela identidade de
cada lugar, pelos atores sociais, pela paisagem e pela interação entre eles.
O método utilizado em “Il Nuovo Piano Paesaggistico: La Valorizzazione di un Bene Comune
per la Qualità dello Sviluppo della Regione Puglia”, que pode ser traduzido como “Um novo
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plano paisagístico: a valorização de um bem comum para a qualidade do desenvolvimento
da região de Puglia” (MAGNAGHI, 2007), inicia-se com uma aproximação dos produtores da
paisagem a consciência do lugar a partir da democracia participativa e da gestão.
O plano evidencia o que deve ser feito em cada uma das três etapas do trabalho (Figura
10). A primeira etapa compreende “Identidade e estatuto”, onde é elaborado um Atlas do
patrimônio territorial ambiental paisagístico e socioeconomico, que visa a descrição
analítica, descrição de síntese, definição das áreas territoriais e paisagísticas, descrição dos
elementos patrimoniais e das figuras territoriais de cada área; compreende ainda “Estatuto
do território e da paisagem”, onde para cada figura territorial e paisagística são consideradas
as variáveis estruturais que as definem, o estado de conservação das variáveis, e as regras
de reprodutibilidade das variáveis.
A segunda etapa “Cenário paisagístico de médio-longo prazo” abrange o desenho do futuro
uso do território e da paisagem (delineado a partir dos valores patrimoniais identificados no
Atlas); e Indicação dos projetos, políticas e ações de massa aos valores patrimoniais de
forma sustentável; abrange também o “Projeto (de caráter integrado e multi-setorial)” relativo
à viabilidade (técnica, socioeconômica, institucional e financeira) que categorize os valores
patrimoniais em conservação, requalificação, valorização e/ou transformação
(reconstrução/construção de nova paisagem). Já a terceira etapa “Norma técnica de
atuação”, compreende a territorialização do sistema de normas: restrições, regras, projetos
e avaliações.
Dentre as formas de participação que o autor indica, está o conceito do Fórum da paisagem,
cuja função é acompanhar de diversas formas todo o processo do planejamento, interagindo
com a constituição do quadro cognitivo (definição dos valores patrimoniais e das
problemáticas da construção dos cenários e dos projetos do plano). Caracteriza-se por:
Iniciativas do Fórum, sítio na internet e Observatório, as Conferências da área, workshops e
assembleias, e reuniões na cidade.
Em suma, nota-se a abrangência e complexidade da metodologia utilizada por Magnaghi
para um planejamento territorial auto-sustentável, de forma a entender-se um instrumento
em particular – o parque fluvial, que pode ter como endereços projetuais: conservação,
valorização, requalificação e transformação. Desta metodologia, contribui-se inerentemente
para o recorte do trabalho de monografia a categorização da conservação.
Uma rota patrimonial para o rio Santa Maria da Vitória
Após o levantamento de dados secundários e a formação de embasamento teórico, parte-se
para o trabalho na abordagem empírica, cujo objetivo é o da aplicação da metodologia de
Sabaté (2004) para o caso do rio Santa Maria da Vitória.
O método empírico é aplicado no que tange à aproximação com o objetivo em estudo, o
território referenciado pela bacia do rio Santa Maria da Vitória. Serra (2006, p.183) afirma
que “a coleta de informações diretamente do real, isto é, dos objetos-concretos, e a
conformação de uma base empírica para as suas conclusões são a parte central e mais
importante da investigação, pois é nesta etapa da pesquisa que todo conhecimento novo é
produzido”. Assim, apesar de entender que se trata de aplicação de metodologia préexistente, não se limita a isso. Considera-se não apenas as similaridades, mas,
principalmente, as diferenciações dentre o objeto-concreto (rio Santa Maria da Vitória) e o
objeto-modelo (rio Llobregat), no que tange à análise do território (MAGNAGHI, 2000).
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ALMEIDA, Renata Hermanny de; ANDRADE, Bruno Amaral de. Uma rota patrimonial para o rio Santa Maria da Vitória:
instrumento de conservação territorial. In: SEMINARIO DE PAISAJES CULTURALES UDELAR/UPC [Conpadre n.11/2012], 2,
2012, Montevideo [Uruguay]. Actas... Montevideo: Red Conpadre, 2012. p. 01-15. Disponible en: <www.conpadre.org>.
2º Seminario de Paisajes Culturales Udelar/UPC [Conpadre n.11/2012]
Montevideo [Uruguay], 31/01 a 01/02/2012. Universidad de la Republica / Universidad Politècnica de Cataluña
A metodologia do objeto-modelo seguirá verificação das condições de sua operacionalidade
e dos instrumentos identificados na metodologia de SABATÉ (2004) para o híbrido análiseprojeto de uma rota patrimonial para o rio Santa Maria da Vitória.
Neste artigo apresenta-se os estudos feitos até a primeira fase do procedimento, o
inventário, com suporte de Ortofotomosaico e dos softwares ArcGis e CorelDraw para
manipulação imagética. O inventário pretende identificar os recursos naturais e culturais
vinculados ao rio Santa Maria da Vitória e estudar a sua implantação no território; e como
produto mapeamentos da localização e implantação dos recursos.
Inventário dos recursos
O inventário é a base para se decidir quais recursos farão parte dos percursos principais do
parque, e quais serão complementares, segundo seu valor histórico e cultural, e,
principalmente, orientados pela narração principal da história que se pretende ilustrar no
território. Além de compreender os recursos patrimoniais, deve-se identificar o estado de
conservação dos mesmos. O objetivo é mostrar toda a potencialidade do território através
da elaboração de um fichamento e produção de um mapeamento
As fichas contêm dados relativos ao tipo de recurso, a quem pertence, a sua localização e
importância relativa, podendo ser dividido em cinco categorias (SABATÉ, 2005). Contudo
será costurada uma série de analogias considerando-se o contexto brasileiro, e espíritosantense em cada uma das categorias. Assim, tem-se:
•
Recursos vinculados a infraestruturas: a ponte do funil, represas da Suíça, em
Santa Leopoldina, e de Rio Bonito, em Santa Maria de Jetibá, e a estrada de
ferro Vitória-Minas.
•
Recursos vinculados ao desenvolvimento industrial: as usinas hidrelétricas da
Suíça e Rio Bonito, e algumas fábricas de cerveja.
•
Fazendas e estradas rurais: há algumas fazendas de cana-de-açúcar e café
em Santa Leopoldina, e algumas estradas rurais, entre Santa Leopoldina,
Santa Maria de Jetibá e Santa Teresa.
•
Outros marcos singulares isolados: há algumas igrejas católicas e luteranas,
em Santa Leopoldina e Santa Maria de Jetibá, e o monumento do imigrante
em Santa Leopoldina.
•
Elementos intangíveis: Neste quinto item, analogicamente, há o Caminho do
Imigrante, entre Santa Leopoldina e Santa Tersa, o livro Canaã de Graça
Aranha, e a língua pomerana.
O inventário está estruturado em fichamento contendo dados relacionados ao tipo de
recurso e as seguintes informações: proprietário, localização, relevância à narração principal
da história da rota, e apoio imagético. A partir da análise desse levantamento será possível
identificar quais recursos formam parte da estrutura principal da narração da história da rota,
e quais outros, possuem função complementar.
Exemplo de fichamento dos recursos da região
•
Nome: Sítio Histórico de Santa Leopoldina.
•
Localização: Distrito-Sede do Município de Santa Leopoldina, ES.
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instrumento de conservação territorial. In: SEMINARIO DE PAISAJES CULTURALES UDELAR/UPC [Conpadre n.11/2012], 2,
2012, Montevideo [Uruguay]. Actas... Montevideo: Red Conpadre, 2012. p. 01-15. Disponible en: <www.conpadre.org>.
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•
Propriedade: -
•
Uso dominante: -
•
Data da construção/criação: Final do século XIX e início do século XX
•
Estado de conservação: -
•
Descrição: Trata-se de edifícios originalmente de uso dominante comercial,
em estilo colonial, com alguns elementos ecléticos, em dois pavimentos e
sobre a testada do lote.
•
Interpretação: O papel do sítio histórico na narração da história da rota
patrimonial remete ao início da ocupação da colônia de Santa Leopoldina por
imigrantes germânicos a partir de 1857, e ao protagonismo do distrito-sede
como entreposto comercial entre os produtores da região e a capital.
Figura 6. Recorte do território referenciado pela bacia do Santa Maria da Vitória, escala 1/750.000. Fonte: ANDRADE, 2011.
Figura 7. Recorte do sítio histórico de Santa Leopoldina, ES, escala 1/75.000. Fonte: ANDRADE, 2011.
Figura 8. Sítio histórico de Santa Leopoldina, ES, escala 1/25.000. Figura 9. Foto do sítio histórico. Fonte: ANDRADE, 2011.
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instrumento de conservação territorial. In: SEMINARIO DE PAISAJES CULTURALES UDELAR/UPC [Conpadre n.11/2012], 2,
2012, Montevideo [Uruguay]. Actas... Montevideo: Red Conpadre, 2012. p. 01-15. Disponible en: <www.conpadre.org>.
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Considerações finais – Um Mosaico Metodológico
O mosaico metodológico é a contribuição ímpar do trabalho até então, pois, trata-se de uma
reflexão a cerca das análises do método híbrido análise-projeto de Sabaté (2001 e 2004) e
Magnaghi (2007 e 2009), acionando-se uma visão crítica a respeito da adaptabilidade e
elasticidade destas ao caso do território em estudo.
O estudo de caso referencial é o do Llobregat, em Sabaté (2001), cujo contexto de gênese
territorial se deu com o desenvolvimento industrial, a espelho do que aconteceu na Europa.
Por outro lado, o Santa Maria da Vitória teve sua gênese com um projeto de povoamento do
interior do Estado do Espírito Santo, por meio do incentivo à imigração e à cultura do café. A
região foi desmembrada política-administrativamente; o rio perdeu o papel protagonista de
comunicador do interior com o litoral; perdeu também população, que migrou para outras
localidades; e a região, que teve um momento áureo de prosperidade entre o final do século
XIX e início do XX, a partir de então definhou.
Todavia, o legado arquitetônico proporcionado por essa fusão de etnias europeias,
principalmente de origem alemã, permaneceu como recurso de memória. O objetivo do
projeto da rota é, justamente, conectá-los, e contar a sua história, para que seja reativada a
autoestima das comunidades; e cultuar a importância da conservação da arquitetura, como
contadora de história, silenciosa, onde seja preciso ativar sentidos como ver, tocar e sentir,
e não somente ouvir, ou ler nos livros. Conservar a identidade do passado é permitir uma
reflexão de memória no presente, em vista a um projeto futuro balizado nas singularidades
do local como chave para o desenvolvimento.
Nesse sentido, Sabaté (2005, p.21), a partir da análise dos estudos de caso, elenca dez
lições orientadoras para um projeto de parque patrimonial. No entanto, o recorte desse
trabalho abrange o híbrido patrimônio-conservação do território; segundo enfoque dos
quatro primeiros itens, principalmente à conservação dos recursos do rio Santa Maria da
Vitória.
Na segunda lição, é abordada a questão da narração da história do território. Segundo
Sabaté (2005, p.23) a importância de se narrar uma história do lugar está relacionada com a
fabulação de um roteiro geral do parque que conecte os recursos patrimoniais (naturais e
artificiais), mesmo distantes, para que interajam e se reforcem. Assim, a narração do rio
Santa Maria da Vitória remete ao seu protagonismo como veículo socioeconômico na região
a partir da metade do século XIX e início do XX, através dos canoeiros – escravos, de
mercadorias produzidas na região, principalmente o café; e dos imigrantes e a esperança de
uma vida próspera, pela fuga da instabilidade político-administrativa, religiosa e econômica
da Europa nesse período, além da ameaça de doenças como a febre amarela, em busca de
um pedaço de terra e liberdade de culto religioso.
Na terceira lição, há orientação a respeito do recorte da área de trabalho, com possibilidade
de ter-se um âmbito mais extenso. Portanto, está justificada a escolha do elemento curso
d’água como delimitador do âmbito do parque patrimonial, e os sub-âmbitos, as paisagens
culturais, identificadas no percurso principal e dos afluentes; sendo que todas essas
paisagens devem conectar-se a narração principal.
A quarta lição discorre sobre o fortalecimento ou sugestão de uma imagem, é fundamental
ao trabalho, pois sugere o reconhecimento e o destaque da identidade do lugar. Para a
construção dessa imagem é preciso elaborar uma marca ou um ícone, que referencie cada
recurso a uma escala superior. Sabaté (2005, p. 24) informa, ainda, que os próprios
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residentes muitas vezes se surpreendem com a história narrada a partir da implementação
do projeto, pois, geralmente, desconhecem ou pouco valorizam os seus recursos.
Não obstante, o termo utilizado por Sabaté (2004) “unidades temáticas”, no trabalho de
monografia é substituído por “unidades de paisagem”, pois, entende-se, exprime com maior
clareza o entendimento da paisagem cultural identificada em um determinado local.
Retomando-se a metodologia orientadora deste trabalho, o objeto-modelo é o território
referenciado pela bacia do rio Santa Maria da Vitória. Esta escolha se deve, principalmente,
à utilização da metodologia de análise e projeto territorial de Sabaté (2004), no que se refere
à aplicação para a rota patrimonial do rio Llobgregat. Entre outros fatores, este será o
objeto-modelo devido a similaridades de escala entre os rios, tendo o Santa Maria da Vitória,
122 km, e o Llobregat, 170 km; além de ambos os elementos terem sido decisivos para a
ocupação territorial ao longo do seu eixo e afluentes, determinando características
relevantes nos seus recursos construídos.
Além disso, numa primeira diferenciação entre a metodologia de Sabaté (2004) para o
Llobregat e esta para o Santa Maria da Vitória, torna-se imprescindível uma diferenciação
entre rota e parque patrimonial para que se tenha um entendimento da totalidade desses
instrumentos no território. A rota patrimonial no rio Llobregat é identificada por um âmbito
(parque patrimonial) dotado de sub-âmbitos, que são as diferentes paisagens culturais
referentes à ocupação ao longo do eixo do rio. Por outro lado, no rio Santa Maria da Vitória,
não há uma ocupação territorial em todo eixo do rio, tornando-se impossível utilizar-se a
mesma lógica do Llobregat. Assim, será necessário projetar uma rota patrimonial conectora
dos diversos parques patrimoniais identificados pelas paisagens culturais no perímetro da
bacia do rio. Logo, a rota para o rio Santa Maria da Vitória será de escala local e regional, no
sentido de englobar e conectar cada parque, em cada paisagem cultural identificada, e
regional, por conectar diversos parques, alcançada pela unidade incorporada pelo rio.
Ademais, retomando os conceitos centrais de Alberto Magnaghi e Joaquin Sabaté, entendese que o patrimônio territorial de Magnaghi (2009) equipara-se ao conceito de paisagem
cultural de Sabaté (2004), já que o território em Magnaghi (2009) é composto por três
camadas (patrimonial, ambiental e socioeconômico), a do patrimônio territorial, avalia-se que
corresponda à da paisagem cultural de Sabaté (2004). Existem outras semelhanças entre as
metodologias de Sabaté (2001) e Magnaghi (2009), no que tange ao processo metodológico
de análise e projeto do território, utilizando-se como instrumento em comum em vista ao
projeto territorial – o parque patrimonial.
A partir dessas análises, entende-se o mosaico metodológico como uma articulação entre os
métodos de trabalho de Sabaté e Magnaghi, juntamente com uma avaliação a cerca da
adaptabilidade dessas para o recorte sócio-espacial referenciado pela bacia do rio Santa
Maria da Vitória, tendo o rio como eixo do projeto de uma rota patrimonial.
A metodologia utilizada por Magnaghi (2009) divide-se em quatro fases: Criticità e valori
patrimoniali; gli scenari progettuali; gli indirizzi progettuali; e gli strumenti di piano. Nota-se
algumas semelhanças à metodologia de Sabaté (2001) para a rota patrimonial do Llobregat,
todavia, existem diferenças fundamentais entre elas. A principal está no nível de
aprofundamento da análise e do projeto, evidenciada pelas diferenciações entre os objetivos
principais e secundários de cada investigação. Para Magnaghi (2009), cujo berço
metodológico solidificou-se na escola territorialista, a ênfase está na complexidade do
entendimento do conceito de território, das desigualdades que há nele, e como promover um
planejamento que possa atender a essa complexidade. Analisa não somente o patrimônio
territorial, mas também o paisagístico e o socioeconômico; enquanto Sabaté (2001) atua
com objetividade na camada do patrimônio territorial ou paisagem cultural, isto é, na camada
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de atuação projetual direta do arquiteto, a edificação e o entorno, a partir de um legado
histórico.
Quanto à metodologia de Magnaghi (2009), na primeira fase, Criticità e valori patrimoniali, o
foco é a identificação dos elementos patrimoniais presentes na área em estudo (ambientais,
territoriais, urbanos, paisagísticos e culturais) a fim de apoiar o projeto de requalificação,
valorização e reconexão do sistema fluvial. Essa primeira fase é semelhante às primeira e
segunda da metodologia de Sabaté (2004) – o inventário e a interpretação.
Na segunda fase de Magnaghi (2009), Gli scenari progettuali, delineiam-se as linhas
estratégicas do parque fluvial. Define-se a área de projeto do parque, e propõem-se
cenários que redefinam, por exemplo, o papel dos espaços abertos no sistema fluvial como
geradores de outros parques (como os agrícolas, se houver recurso para tal), e o papel da
infraestrutura como meio de promover nova fruição entre rio, afluentes e território. Esta se
assemelha à terceira fase de Sabaté (2004), pois reflete, analisa e propõe a definição de
unidades de paisagem que serão os locais abrangidos pelo projeto do parque.
Na terceira fase, Gli indirizzi progettuali, são projetos locais integrados que abrangem: uma
nova relação econômica entre o parque e o território local; a valorização e requalificação da
paisagem do rio; e a agricultura multifuncional nos parques agrícolas perifluviais e as hortas
urbanas. Esta se assemelha à quarta fase de Sabaté (2004), pois é onde se define o projeto
do parque patrimonial. Para Magnaghi, um tipo específico, o parque fluvial.
Na quarta fase, Gli strumenti di piano, são instrumentos de planejamento que articulam uma
proposta de gestão do território, como negociação coordenada pelos atores interessados na
realização do projeto em um sistema de decisão de múltiplos atores, escalas e setores. Esta
não corresponde a uma fase específica da metodologia de Sabaté (2003), apesar de este
indicar que sem um programa estruturado de gestão não é possível tornar o projeto de um
parque patrimonial perene.
Em suma, a investigação dos trabalhos de Joaquin Sabaté e Alberto Magnaghi ocntribuíram
para a construção de um Mosaico Metodológico, e, portanto, do processo criativo
fundamental para “Uma rota patrimonial para o rio Santa Maria da Vitória: instrumento de
conservação territorial”, e a reflexão, adaptação e aplicação dessas ideias ao caso em
estudo.
Referencias
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SERRA, Geraldo G. Pesquisa em arquitetura e urbanismo. guia prático para o trabalho de
pesquisadores em pós-graduação. 1 ed. São Paulo: EDUSP, Mandarim, 2006. 256 p.
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