Coordenadoria de Comunicação Social e Assessoria de I

Transcrição

Coordenadoria de Comunicação Social e Assessoria de I
São Paulo, 12 de setembro de 2013.
OFÍCIO NCDH Nº 304/2012
Exma. Senhora Senadora,
O Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do
Estado de São Paulo, órgão estabelecido pela Lei Complementar Estadual nº 988, de 9
de janeiro de 2006, em conjunto com as organizações da sociedade civil Associação pela
Reforma Prisional (ARP), Conectas Direitos Humanos, Instituto de Defesa do Direito de
Defesa (IDDD), Instituto dos Defensores de Direitos Humanos (DDH), Instituto Sou da
Paz, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), Justiça Global, e Pastoral Carcerária
Nacional, em atenção à tramitação do Projeto de Lei do Senado nº 554/2011, que versa
sobre a alteração do art. 306 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código
de Processo Penal), para determinar o prazo de vinte e quatro horas para a
apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada sua prisão em flagrante,
vêm à presença de V. Exa. se manifestar a respeito do substitutivo sugerido pelo
Ministério da Justiça, sobre o tema.
Primeiramente, cumpre assinalar que o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria
Pública já produziu dois pareceres sobre o tema (anexados), sendo um a partir da
interpretação dada pelos órgãos e tribunais de direitos humanos dos sistemas das
Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos e, outro, sobre a legislação
comparada de países como a Grã-Bretanha, França, Alemanha, Portugal, Espanha,
Suécia, África do Sul e Argentina.
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Também as organizações que subscrevem o presente já elaboraram parecer
oportunamente apresentado aos parlamentares a ao Executivo, cuja cópia também
carreamos anexada.
Em face disso, desde logo vimos nos pronunciar pelo não acolhimento do substitutivo
proposto e, sim, pela adoção do substitutivo do Senador Randolfe Rodrigues,
apresentado na Comissão de Constituição, Justiça e Redação deste Senado Federal. E
o fazemos pelos motivos seguintes:
1. A apresentação da pessoa presa em juízo deve ser pessoal e não telepresencial
A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos da Organização dos Estados
Americanos (“Pacto de San José”), tratado internacional de direitos humanos ratificado
pelo Brasil em 9 de julho de 1992, é clara ao estabelecer que é direito da pessoa presa
ser “conduzida” à autoridade judicial. Confira-se (artigo 7º, inciso V):
“Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença
de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais
e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em
liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser
condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.”
O verbo empregado não deixa dúvidas quanto à obrigação do órgão público que está
custudiando a pessoa de levá-la à presença do juiz, visto que “conduzir” denota “ir junto
com ou dentro de (algo), de um lugar para outro, dando-lhe direção e/ou comando;
guiar, dirigir” (Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, versão eletrônica).
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Desta forma, não basta que a imagem da pessoa se desloque, pois a norma
internacional diz, com clareza, que a pessoa deve ser conduzida, ou seja, levada do local
onde se encontre presa até a presença do juiz.
A presença física da pessoa presa é a exata garantia da preservação de sua integridade
física e moral e a salvaguarda contra a tortura, prática ainda persistente nas
delegacias brasileiras, como lembrado pela própria Presidenta da República, em
recente manifestação na Universidade de Harvard (EUA). Assim, inviável mitigar o
direito de a pessoa ser entrevistada por uma autoridade judicial e substituir tal
audiência por uma aparição virtual, que se daria a partir do local de custódia do preso,
justamente onde ele poderá estar sendo ameaçado ou torturado.
Tal pretensão viola o texto expresso do tratado internacional ratificado pelo Brasil, o
qual, segundo decidiu o Supremo Tribunal Federal, se coloca hierarquicamente acima da
legislação ordinária brasileira, com status de “supralegalidade”. A matéria restou
consolidada quando de sua apreciação pelo Tribunal Pleno do STF, no julgamento
conjunto dos Recursos Extraordinários nº 466.343 e 349.703 e dos Habeas Corpus nº
87.585 e nº 92.566, em 3 de dezembro de 2008, a partir do que o Pretório Excelso
entendeu que os tratados de direitos humanos, ratificados pelo Brasil na forma do
artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, encontram-se hierarquicamente posicionados
acima das normas legais internas, o que abrange o atual Código de Processo Penal
(Decreto-lei nº 3689/41, com força de lei ordinária federal).
Portanto, qualquer alteração do Código de Processo Penal deve observar,
necessariamente, o que dispõe a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos e
com ela se compatibilizar.
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A esse respeito, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já se pronunciou diversas
vezes, estabelecendo parâmetros claros quanto à questão da apresentação da pessoa
presa em juízo.
No Caso Tibi X Equador, por exemplo, ficou decidido que não basta a mera notificação
da prisão, senão que a pessoa presa deve “comparecer pessoalmente perante o juiz”:
“118.
Este Tribunal estima necesario realizar algunas precisiones sobre
este punto. En primer lugar, los términos de la garantía establecida en el
artículo 7.5 de la Convención son claros en cuanto a que la persona detenida
debe ser llevada sin demora ante un juez o autoridad judicial competente,
conforme a los principios de control judicial e inmediación procesal. Esto es
esencial para la protección del derecho a la libertad personal y para otorgar
protección a otros derechos, como la vida y la integridad personal. El hecho
de que un juez tenga conocimiento de la causa o le sea remitido el informe
policial correspondiente, como lo alegó el Estado, no satisface esa garantía,
ya que el detenido debe comparecer personalmente ante el juez o autoridad
competente.”(g.n.) 1
Disse ainda a Corte no caso Acosta Calderón a respeito da apresentação pessoal do
preso ao juiz:
“Isto é essencial para a proteção do direito à liberdade pessoal e para
outorgar proteção a outros direitos, como a vida e a integridade pessoal. O
simples conhecimento por parte de um juiz de que uma pessoa está detida
1
Sentença de 7 de setembro de 2004, disponível em http://www.corteidh.or.cr/casos.cfm, acesso em 30 de março de
2011.
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não satisfaz essa garantia, já que o detido deve comparecer pessoalmente e
prestar sua declaração perante o juiz ou autoridade competente. (g.n.)”2
A respeito, a reconhecida ONG Anistia Internacional já assentou que:
“A exigência de apresentar os detentos a uma autoridade judicial ou a outra
autoridade competente após a prisão é uma salvaguarda essencial para que
se preservem os direitos humanos dos prisioneiros. É um meio de garantir
que as detenções sejam legais e necessárias. É também uma salvaguarda
contra a tortura: um juiz pode verificar se há algum sinal perceptível de
maus–tratos e pode ouvir algo que o prisioneiro queira dizer. É ainda uma
maneira de supervisionar a detenção por meio de controle judicial,
eliminando o poder absoluto sobre um prisioneiro que, do contrário, os
funcionários poderiam exercer.”3
De maneira análoga, o Relator Especial das Nações Unidas para a Tortura, em seu
relatório sobre o Brasil, afirmou:
“92. A Constituição Federativa da República do Brasil de 5 de outubro de
1988 estabelece que "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por
ordem por escrito e fundamentada de autoridade judiciária competente (...)"
e que "a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão
comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à
pessoa por ele indicada." No caso de prisão em flagrante, a jurisprudência, de
acordo com o informado, estabeleceu que um período de detenção de até 24
horas antes que seja expedido um mandado de prisão provisória por um juiz
é um período razoável. É preciso observar que o Artigo 310 do Código de
2
Caso Acosta Calderon X Equador. Sentença de 25 de junho de 2005, parágrafo 78.
http://www.corteidh.or.cr/casos.cfm, acesso em 30 de março de 2011.
3
Combatendo a tortura. Manual de ação. Londres (RU), Amnesty International, 2003. p. 111.
Disponível em
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Processo Penal estabelece que o juiz ouvirá o promotor público sobre a
prisão. De acordo com a informação recebida, na prática, os juízes e os
promotores públicos são informados pela polícia sobre qualquer prisão
mediante uma comunicação por escrito. Não existe qualquer disposição legal
que assegure que uma pessoa presa seja vista ou por um juiz ou por um
promotor público dentro das primeiras horas de sua prisão. O Relator
Especial, no entanto, observa que muitos, inclusive promotores públicos,
acreditavam que uma pessoa presa em flagrante deve ser levada para
comparecer perante um juiz dentro de 24 horas de sua prisão.” (g.n.)4
Vale sublinhar que, no recente Relatório sobre a visita ao Brasil do Subcomitê de
Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes (SPT), recomendou-se, expressamente, “que os juízes sejam obrigados por
lei a consultar todas as pessoas detidas acerca do tratamento recebido ao longo das
investigações, a registrar por escrito quaisquer alegações de tortura ou maus-tratos,
bem como a determinar a realização imediata de exames médicos forenses sempre
que houver motivos para se acreditar que algum detido tenha sido submetido a
tortura ou a maus-tratos” (item 29)5.
Por fim, de toda a legislação comparada analisada no estudo já encaminhado a V. Exa.
(pelo ofício NCDH nº 262/2012), viu-se que não há caso de a pessoa presa participar de
audiência por videoconferência. E, na linha de tudo o que aqui se disse, em todos os
países pesquisados, há a obrigação de se levar efetivamente a pessoa à presença do juiz.
2. Presença do Promotor de Justiça e do advogado ou Defensor Público na audiência
4
http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoespermanentes/cdhm/relatorios/RelatTortnoBrasil.html.
5
http://www.onu.org.br/img/2012/07/relatorio_SPT_2012.pdf
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Inadmissível a omissão do substitutivo no que se refere à presença de membro do
Ministério Público e da defesa, privada ou pública, da pessoa presa durante a audiência
de custódia.
Isso porque, em primeiro lugar, a Constituição Federal estabelece, como parte
inafastável do “devido processo legal”, que “aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (artigo 5º, inciso LV).
Ora, tratando-se a audiência de custódia um ato judicial, em que direitos e deveres da
pessoa presa serão deduzidos, é evidente que a presença da defesa deve ser
expressamente assegurada, como, diga-se, bem faz o substitutivo do Sen. Randolfe
Rodrigues, em estrita obediência ao que estabelece a Constituição Federal (artigo 5º,
inciso LXIII), ao dispor que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência de advogado.”
Ademais, a Constituição ainda estabelece o direito de petição, no mesmo artigo 5º,
inciso XXXIV, alínea “a” (“são a todos assegurados, independentemente do pagamento
de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra
ilegalidade ou abuso de poder”), o que, em se tratando de ato processual, requer a
presença do advogado do peticionário, ou do Defensor Público, especialmente para
deduzir, de maneira clara e conforme a legislação, os pedidos a que seu cliente, ou
assistido, tiver direito.
A presença do advogado, ou do Defensor Público, muitas vezes é necessária não só para
a realização da Justiça, como estabelecem os artigos 133 e 134 da Carta, mas para
assegurar a dignidade da pessoa presa em juízo, na medida em que, não raro, o preso se
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sinta (ou seja) intimidado perante a estrutura judicial, tendo medo de fazer solicitações
ao juiz ou a apresentar a este os fatos relativos à prisão. Assim, somente com seu
defensor é que ele se sente tranqüilo para conversar previa e reservadamente e narrar
o ocorrido, no que se refere às condições da prisão efetuada. E, de posse de tais
informações, o defensor pode se dirigir ao juiz e formular os devidos pedidos, seja para
a garantia do devido processo, seja para o resguardo da dignidade da pessoa.
A lei complementar 80 estabelece que umas das funções da defensoria é atuar na
preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura (art. 4, inciso XVIII).
Sendo assim, essa audiência seria uma forma de dar maior eficácia a esta função
institucional da defensoria.
No já mencionado relatório de visita do SPT, há também recomendação no sentido de
garantir a presença do defensor da pessoa presa em todas as entrevistas judiciais “como
salvaguarda fundamental contra a tortura e os maus-tratos”:
Um detento deve ter direito à assistência jurídica de sua escolha, desde o momento
inicial de sua prisão. Um representante jurídico independente deve estar presente e
assistir o detento em todas as entrevistas policiais, bem como perante o juiz, como
uma salvaguarda fundamental contra a tortura e os maus-tratos. Se um detento
houver sido submetido a tortura ou maus-tratos, o acesso à defesa facilitará seu
direito de reclamação, além de exercer uma função preventiva.
Por fim, em relação ao membro do Ministério Público, inafástavel sua presença como
custos legis, especialmente porque são muitos os casos em que a pessoa presa é
agredida, humilhada e, até, torturada, situação essa que deve ser imediatamente
trazida ao conhecimento do Promotor de Justiça, para que este tome as medidas que a
lei lhe comete. E sua presença na audiência é fundamental para que possa perguntar ao
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preso sobre os fatos ocorridos e obter, desde logo, eventuais indícios de ilícitos
praticados por agentes públicos.
3. A impossibilidade de Delegado de Polícia substituir o Juiz de Direito
A norma da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, acima referida, indica
que a pessoa presa deva ser levada “à presença de um juiz ou outra autoridade
autorizada pela lei a exercer funções judiciais”, de modo que o Delegado de Polícia não
é reconhecido como equivalente ao Juiz de Direito para os fins aqui previstos.
Por isso, a videoconferência, providenciada por Delegado de Polícia, acaba por envolver
este profissional em ato privativo de Juiz de Direito, trazendo inaceitável confusão entre
as funções de polícia judiciária e jurisdicional.
4. Resguardo das informações obtidas na audiência de custódia.
Outra omissão inadmissível no substitutivo nascido no Ministério da Justiça refere-se à
ausência de norma processual que faça a separação entre a audiência de custódia e o
processo criminal de conhecimento.
Isso porque a audiência de custódia diz respeito, especialmente, à verificação da
legalidade da prisão e ao respeito aos direitos fundamentais da pessoa presa. Ocorre
que, para fazer a apuração desses dois elementos, o juiz de direito poderá inquirir o
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acusado a respeito das circunstâncias que envolveram a prisão e a custódia do acusado
pela polícia, sendo que, em sua resposta, pode ser que a pessoa se manifeste sobre
questões que poderiam levar à sua auto-incriminação, o que é vedado pela Constituição
Federal, na forma do artigo 5º, inciso LXIII, que consagra, no direito brasileiro, o
principio conhecido como "nemo tenetur se detegere" (o direito de não produzir prova
contra si mesmo).
Da mesma forma, a já citada Convenção Americana sobre os Direitos Humanos estipula
que “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência
enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem
direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...) direito de não ser
obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada.” (artigo 8º, inciso 2º,
alínea “g”).
A pessoa não pode, para se defender e fazer valer seus direitos humanos, ser obrigada
a se auto-incriminar.
Imagine-se que uma pessoa foi torturada para confessar onde estava o produto de um
crime. Indagada pelo juiz, ela confessa que praticou o crime, apenas para explicar a
razão da tortura a que foi submetida. Ora, se é do interesse público que os crimes de
tortura sejam apurados e reprimidos, não se pode imaginar que a obtenção das
informações necessária a isso possam prejudicar, ainda mais, a pessoa torturada, que,
além de já ter sofrido covarde agressão pelos agentes públicos, ainda será obrigada a
produzir prova contra si mesma.
Bem por isso, o substitutivo do Senador Randolfe Rodrigues prevê que “a oitiva (...) será
registrada em autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o
depoente e versará exclusivamente sobre a legalidade e necessidade da prisão, a
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prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos e os direitos assegurados ao
preso e ao acusado.”
Apenas para reforçar esta noção, vale lembrar que recente alteração do Código de
Processo Penal remeteu o interrogatório do réu para o final do procedimento,
reconhecendo o que a Doutrina já assentou há muito tempo, ou seja, de que as
manifestações do réu somente devem se dar após a produção da prova e,
especialmente, depois de ouvidas as testemunhas, de modo que ele possa se defender
adequadamente. Por isso, não se justificaria que sua oitiva, como previsto no presente
Projeto de Lei, servisse para recolocar o processo penal brasileiro num estágio anterior,
já superado.
Conclusão
De se anotar, por derradeiro, as recomendações endereçadas ao Brasil no 2º ciclo da
Revisão Periódica Universal (RPU)6, realizado em 25 de maio desse ano, no sentido de
efetivar medidas que garantam o exercício de direitos fundamentais pela pessoa presa,
especialmente para salvaguardá-la. Entre elas, destacamos:
Holanda: Garantir que presos e detentos tenham a sua disposição todo o tempo
acesso a seus direitos e descrição do tratamento adequado, incluindo aqueles
previstos nas Regras Mínimas e no Corpo de Princípios para o Tratamento de
Presos e garantir que tenham acesso aos procedimentos necessários para a
realização de seus direitos;
6
http://www.conectas.org/arquivos/Recomenda%C3%A7%C3%B5es%20Feitas%20ao%20Brasil%20%2013%C2%AASess%C3%A3o_FINAL.pdf
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Itália: Recomenda priorizar a reforma do sistema prisional e garantir o respeito e a
proteção dos direitos humanos de todos os detentos;
Austrália: Recomenda que o Brasil implemente rapidamente o Sistema Nacional
para a Prevenção e Combate à Tortura, para abordar preocupações sobre abusos
nas prisões;
Uzbequistão: Recomenda que o Brasil tome as medidas necessárias para lutar
contra tortura e garantir a prevenção da tortura e fortalecer os mecanismos para
a implementação das recomendações do Comitê contra a Tortura e outros órgãos
de tratados;
O processo da RPU é conduzido pelos Estados sob a coordenação do Conselho de
Direitos Humanos da ONU (Res. 60/251 da Assembleia Geral da ONU) e funciona como
importante espaço de comprometimento mútuo dos Estados-partes com a
implementação e a proteção de direitos humanos e fundamentais.
Nesse contexto de comprometimento com a máxima efetivação de direitos humanos e
fundamentais da pessoa submetida à privação de liberdade, afirmamos os argumentos
articulados no decorrer da presente nota com o fim de contribuir com o debate para a
aprovação do PLS 554/2011, especialmente com a redação sugerida pelo I. Senador
Randolfe Rodrigues, afastando-se as propostas trazidas pelo Ministério da Justiça, o que
se faz com o devido acatamento, colocamo-nos à disposição de V. Exa. para
encaminhamentos posteriores, desde logo solicitando seja designada audiência pública
sobre o tema.
No ensejo, reiteramos protestos de elevada estima e de distinta consideração.
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CARLOS WEIS
Defensor Público – São Paulo
Coordenador do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos
Associação pela Reforma Prisional (ARP)
Conectas Direitos Humanos
Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)
Instituto dos Defensores de Direitos Humanos (DDH)
Instituto Sou da Paz
Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC)
Justiça Global
Pastoral Carcerária Nacional
Exma. Senhora
SENADORA ANA RITA
DD. Relatora do PLS 554/2011 na Comissão de Comissão de Direitos Humanos e Legislação
Participativa - CDH
SENADO FEDERAL - Ala Senador Filinto Müller - Gabinete 14.
Praça dos Três Poderes - Brasília, DF, 70160-900
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