1 Breve introdução A pesquisa foca nas práticas artísticas urbanas

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1 Breve introdução A pesquisa foca nas práticas artísticas urbanas
1
Breve introdução
A pesquisa foca nas práticas artísticas urbanas efêmeras. Seria possível a
produção de subjetividade no cotidiano urbano, através da relação entre a arte e a
cidade e das novas atividades artísticas no espaço público? Para responder a essa
pergunta, investigaremos a produção artística em cidades que, apesar de serem
distintas, dividem semelhante contexto socio-cultural. As atividades artísticas
urbanas (AAU) no espaço público1 seriam um fenômeno mundial e demonstrariam a
vontade do artista se comunicar utilizando elementos lúdicos na cidade e poderia
designar um comprometimento político e social do artista.
O desafio seria encontrar brechas que permitiriam quebrar os fluxos contínuos
do cotidiano, de forma criativa, processual e experimental, transformando a cidade
em um laboratório de práticas artísticas. Analisaremos algumas obras para entender
se seria possível, através de uma AAU, que os espaços públicos funcionem sob uma
outra lógica2 que diferiria da cotidiana, com a qual o cidadão estaria habituado.
A força destas práticas artísticas urbanas poderia ser observada em Berlim,
onde o passado bipartido, comunista e capitalista, marcaria o espaço público como
um lugar de confrontos ideológicos. Esta força seria tanta que seria utilizada como
um diferencial para o desenvolvimento econômico da cidade que cooptaria a estética
urbana como mais uma atração turística a ser explorada, através da possibilidade de
produzir imagens a partir da cidade. Assim, a reabilitação do espaço público seria de
responsabilidade de artistas e não-artistas preocupados em exercer sua cidadania.
Para estabelecer parâmetros que indicariam a relevância das AAU, é
necessário ampararmo-nos sobre os aspectos históricos do espaço público, para
compreendermos a relação entre os indivíduos e o entorno urbano. Investigaremos
se as AAU conseguiriam transformar os espaços de uso coletivo e proporcionar
novos tipos de interação social neles e em que medida as proposições idealizadas
pelos artistas poderiam corresponder as suas respectivas realizações. Teriam os
artistas ferramentas para verificar a maneira pela qual o público percebe a obra?
1
Usaremos o termo espaço público para nos referir ao espaço físico e material onde acontece o
encontro de pessoas, de diferentes origens sociais, de forma livre, aleatórioa, casual e de graça.
2
Se diferenciaria da lógica funcional da cidade, onde a base do espaço público seria do ir e vir
frenético de pessoas e transportes, sem espaço para o cidadão praticar a sua subjetividade. Esta
nova lógica seria criativa, espontânea e, sobretudo, experimental.
2
Sumário
Introdução…………………….………………………...…………………………… Pág. 03
1. Um estudo de caso em Berlim (2009.2/ 1010.2)…………………………… Pág. 17
1.1 Reflexos históricos………….……………………………………………… Pág. 24
1.2 Grafite- a estética urbana….……………………………………………… Pág. 39
1.3 Arte como protesto………………………………………………………… Pág. 44
2. Arte, cidade, memória e monumento……………………………………….. Pág. 51
2.1 Embelezamento estratégico…..…………………….…………….……... Pág. 57
2.2 A institucionalização do espaço público…….………………...………… Pág. 65
3. Panorama sociocultural……………………………………………………….. Pág. 74
3.1 A perda da experiência no espaço público….……………………….…. Pág. 74
3.2 A construção da “opinião pública”……………………………………….. Pág. 80
3.3 A autonomia da imagem…….….………………………………………… Pág. 87
Conclusão……………………………………………………………………………. Pág. 94
Bibliografia………………..……….………………………………………………... Pág.104
3
Introdução
O trabalho se propõe a analisar os novos processos criativos da arte
contemporânea, nos quais a cidade é utilizada como elemento central. A pesquisa
vai denominar de atividade artística urbana (AAU) toda ação, obra, performance,
ataque, proposição e intervenção que aconteça na cidade e que se utilize de
espaços de convivência, públicos e semi-públicos3, para serem realizadas.
As AAU interfeririam nos conflitos travados no espaço público e poderiam ser
capazes de transformar e dar novas utilidades aos espaços de uso coletivo4, em sua
maioria espaços públicos. Na produção atual, nos interessa tanger valores e
entender as questões que cercam a arte praticada nos espaços de uso coletivo e o
que ela pretende. Queremos compreender a arte quando fora do espaço
institucionalizado de museus e galerias. Como indicar a relevância dessas novas
práticas artísticas no espaço público?
As AAU poderiam dispor da cidade como um de jogo, um grande tabuleiro,
para assim inventar suas próprias regras e convidar os transeuntes, jogadores, para
participação. Caberia ao cidadão aceitar este convite e participar de maneira ativa ou
não. A quais demandas essas práticas atenderiam e por quê e para quê?
Uma das hipóteses deste trabalho5 é de que o interesse privado expandiria a
sua área de atuação, através de ações criativas e estratégias de propaganda e
marketing, para se apoderar dos espaços de uso coletivo. Na cidade, a AAU de
caráter público e efêmero poderia se misturar ao caos urbano e dividir atenção com
elementos publicitários que ocupam as vias e bombardeiam o cidadão no cotidiano.
Este cenário urbano, aparentemente caótico, nos parece ideal para os artistas
tentarem criar processos, dinâmicas que estimulem as relações humanas na esfera
pública e instiguem uma atitude mais crítica do cidadão em relação a ela. As AAU
executadas em espaços públicos de livre acesso e circulação6 poderiam criar um
ambiente de sociabilidade, tolerância e experiências coletivas. Apesar de ruas e
3
Estamos classificando de espaços semi-públicos os locais privados que, de certa forma, são de livre
acesso, mas esse acesso passa pelas regras privadas quanto à aparência, classe social e outras
limitações que selecionam que tipo de pessoas são desejadas para que circulem naquele espaço.
4
Faz-se necessário especificar que nem todo espaço de uso coletivo é necessariamente um espaço
público, podendo ser privado, como por exemplo um shopping center.
5
Esta hipótese será investigada, principalmente, no capítulo três.
6
Faz-se necessário lembrar que nem todo espaço público é de livre acesso e circulação, repartições
públicas e alguns parques e praças por exemplo, apesar de públicos tem restrições quanto a
circulação de pessoas, tem horarários específicos e regras a serem cumpridas.
4
praças serem, essencialmente, espaços de convivência, percebemos que esse
aspecto encontra-se em crise; a presença do outro é evitada. Seja por medo, por
falta de tempo ou costume, a interação com pessoas estranhas não é praticada.
Várias destas novas práticas artísticas urbanas tentariam transformar os
espaços públicos em espaços de convivência através da ruptura do ritmo dos
transeuntes. A pausa na rotina criaria possibilidade de abertura para interações
sociais e interação do público espectador com a arte, através dos artistas e suas
obras. Mesmo que rapidamente, poderia acontecer uma quebra da indiferença e do
automatismo presentes na sociedade e, em consequência, no espaço público hoje.
A hipótese trazida pelo capítulo dois é de que a atuação dos artistas seria
singular para explorar os confrontos sociais e ideológicos travados no espaço
público das grandes metrópoles. O modelo de Cidade Global7, que vem sendo
frequentemente adotado por vários centros urbanos, indicaria que a reabilitação do
espaço público seria de interesse de artistas e não-artistas. Assim, as novas práticas
artísticas urbanas, incluindo as artes visuais, poderiam contribuir positivamente com
a democracia, estimulando a cidadania e fortalecendo o senso de comunidade.
Por outro lado, essas práticas artísticas urbanas seriam tão expressivas, ao
ponto de serem instrumentalizadas pelo poder do Estado e da iniciativa privada.
Como poderíamos observar através do programa antipichação e do projeto de
revitalização do bairro da Lapa implementado pela prefeitura do Rio de Janeiro que,
em julho de 2010, inaugurou um mural de grafite de 300 metros quadrados. (Fig. 0)
Na divulgação do projeto, o mural apresentava uma latinha, apenas com as
cores da Antarctica, em referência à Ambev que promoveu o projeto. Depois de
inaugurado, o típico pinguim apareceu no mural. Por se tratar de uma obra do poder
público, o que seria “arte pública”8 se tornou uma propaganda que burla a lei, por
não inscrever “beba com moderação”, como é exigido por Lei.
O grafite é uma prática de origem ilegal que, depois de frequentar o circuito
tradicional de arte, retornaria às ruas institucionalizado, patrocinado por diversos
interesses, tanto públicos como privados. Com frequência, o grafite emprestaria sua
estética à publicidade de produtos, como neste caso carioca. O mural da Lapa
7
SASSEN, 1991 em OBRIST, 2001, p. 104. (Tradução livre) Voltaremos a falar sobre este modelo de
cidade na página 6.
8
A pesquisa se utilizará do termo arte pública para designar trabalhos artísticos comissionados pelo
poder público governamental.
5
funcionaria como uma propaganda não apenas para a Ambev, mas para o próprio
governo que se faria presente no espaço público em sintonia com a estética urbana.
Este tipo de solução pública parece ser uma tendência adotada pelas cidades
para lidar com o problema do picho e do grafite nas vias públicas. Em Berlim, por
exemplo, a prefeitura lança editais para escolher os painéis de grafite que irão
adornar e revitalizar a cidade. Este procedimento fortaleceria a produção artísticacultural local e exploraria o seu potencial criativo. Assim, o investimento na estética
urbana seria um diferencial para o desenvolvimento social e econômico da cidade;
criando novas áreas para exploração do turismo e ajudando a propagar a imagem
avant-garde de Berlim, para atrair a presença de indústrias criativas9 na cidade.
Devido aos megaeventos que irão acontecer no Rio de Janeiro, a Copa do
Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, notamos que a preocupação em
modificar áreas estratégicas da cidade, de acordo com os interesses econômicos,
seria a principal pauta na agenda da prefeitura e do governo do Estado do Rio de
Janeiro. Assim, o desafio do poder público seria pensar em um planejamento urbano
pautado pela ordem social global, mas que, ao mesmo tempo, esteja em sincronia
com as necessidades da população local.
A competição entre forças globais e locais aproximaria Rio de Janeiro e
Berlim. Por essa razão, apresentaremos, no capítulo inicial, o estudo de caso
realizado em Berlim, onde tentaremos compreender em que cenário sócio-políticocultural estão sendo realizadas as AAU. Os artistas locais parecem dispor da cidade
como um playground, um terreno livre para a criação e comunicação humana. As
práticas artísticas urbanas utilizariam a cidade como uma forma de resistir às forças
do capital externo que estariam transformando Berlim desde a queda do Muro.
A idéia do jogo e da brincadeira parece ser uma tendência crescente na arte,
principalmente no cenário europeu pós-guerra. Em 1968, no museu Moderna de
Estocolmo, o artista Palle Nielsen montou uma exposição que consistia em um
playground aberto para às crianças. A exposição foi chamada de O modelo (o
modelo para uma sociedade qualitativa)10, onde através de
áreas destinadas à
brincadeira, questões como democracia e liberdade poderiam ser exploradas.
9
Este termo vem sendo frequentemente utilizado por
economistas para classificar as empresas
ligadas à propaganda, ao marketing, ao entretenimento, ao design e à arte.
10
The Model – A Model for a Qualitative Society fez parte da 29ª Bienal de São Paulo, em 2010.
6
No segundo capítulo, apontaremos como arte, cidade, monumento e memória
se relacionam, pelos princípios da arquitetura, e como, historicamente, as AAU
seriam uma forma legítima de expressão pública. Se a arquitetura seria a mais
antiga arte11 e a impor seus modos de percepção, as práticas artísticas urbanas
poderiam ser vistas como a primeira tentativa de questioná-los. A institucionalização
das AAU também será analisada, assim como as questões subversivas da arte.
No capítulo três, analisaremos as mudanças ocorridas no espaço público, a
partir da urbanização e a influência dos meios de comunicação na
espetacularização12 da sociedade c, o que refletiria no comportamento dos cidadãos
no espaço público. As reflexões feitas neste capítulo final apontarão para os
aspectos que potencializam o espaço público para as práticas artísticas urbanas e o
tornam tão atraente para a interferência de artistas de diferentes contextos.
Notamos que as AAU são um fenômeno mundial que atinge os centros
urbanos de diferentes cidades. A forma mais comum deste tipo de atividade se
apresentaria através das artes visuais, em especial do grafite, mas não se limitaria a
ele, esta seria a mais inicial, radical e menos efêmera dentre tantas outras práticas
artísticas urbanas. As várias atividades que se dão na cidade, nos indicariam que as
problemáticas sociais dos centros urbanos estão bastante aproximadas e nos leva a
crer que a responsabilidade social do artista é comum em todos os centros urbanos.
Nas últimas décadas, mudanças econômicas, geopolíticas e socio-culturais
resultaram em desdobramentos referentes à circulação do capital e de pessoas;
aumentando a exclusão social e o distanciamento entre a realidade de ricos e
pobres, em escala global. Devido a essas mudanças, cidades muito singulares se
tornariam muito semelhantes umas às outras, por compartilharem uma mesma
agenda de prioridades, de forma que as relações entre poder público, capital e
interesse privado estariam muito próximas e refletiriam nos espaços de uso coletivo.
A socióloga Saskia Sassen elaborou o conceito de Cidade Global, onde o uso
de novas tecnologias, a rapidez com que pessoas, informações e dados eletrônicos
seriam trocados e a abertura de novos mercados, como o de telecomunicação,
fariam de certas cidades um conglomerado de diferentes dinâmicas: “cidades globais
são, neste sentido, lugares de produção para as principais indústrias de informação
11
12
De acordo com Walter Benjamin, como demonstraremos adiante no capítulo 2.
DEBORD, 2009.
7
do nosso tempo”13. Empresas transnacionais fariam das cidades globais a
plataforma ideal para conciliar atores globais e especificidades nacionais,
acrescentando talento ao conhecimento14.
As cidades globais produziriam crescimento econômico e promoveriam os
interesses particulares das classes mais ricas da sociedade no espaço público
urbano. Sassen criticaria a administração pública que passaria a ser permeada pelo
interesse corporativo de forma legítima e também através da prática da corrupção.
Sassen defende que a abertura do mercado nacional às firmas estrangeiras
destruiria as economias locais mais tradicionais e este seria um dos efeitos da ação
do Fundo Monetário Internacional, FMI, nos países que recebem ajuda dele15.
Para Sassen, as novas tecnologias e conjuntura global teriam “neutralizado”16
a geografia, aproximado as distâncias, e ainda teriam globalizado temáticas políticosociais: como o problema da imigração, da violância, da concentração de renda e do
transporte de massas (periferia-centro). Teriam crescido as redes internacionais de
comunicação no âmbito econômico, político, social, criminal e cultural, assim como
as redes de grupos políticos informais, ativistas ligados às causas ambientais, aos
direitos humanos, à liberdade de expressão e assim por diante.
Nas AAU, criar imagens a partir de ações efêmeras seria uma constante. A
produção artística urbana de um centro teria, ao mesmo tempo, poder de influenciar
e de ser influenciada pelas produções dos demais centros urbanos. Assim, as
expressões artísticas nas ruas das grandes metrópoles seriam aproximadas. Os
artistas destas práticas parecem se preocupar em disseminar o seu trabalho no
maior número de centros possíveis, para conseguir se destacar no mercado da arte.
Um exemplo se observa em ações realizadas por artistas internacionais, no
Rio de Janeiro. As possibilidades de produzir imagens, a partir das favelas cariocas,
teriam feito do Rio uma vitrine, atraindo nomes do circuito internacional, como o
francês JR (Fig. 1) e os holandeses Haas & Hahn. (Fig. 1a) A dupla atualmente
apresenta, em Nova Iorque17, a mostra Painting Urbanism: Learning from Rio , onde
exibem fotografias e vídeos das ações que foram realizadas, na cidade, desde 2007.
13
SASSEN, 1991 em OBRIST, 2001, p. 109. (Tradução livre)
De acordo com blog da autora: http://www.huffingtonpost.com/saskia-sassen
15
De acordo com o blog da autora:
http://www.huffingtonpost.com/saskia-sassen/haiti-and-the-catastrophi_b_429647.html
16
SASSEN, 1991 em OBRIST, 2001, p. 109. (Tradução livre)
17
Em uma espaço de arte chamada Store front for art and architecture. Outras informações no site da
galeria: http://www.storefrontnews.org/archive/2010?y&m&p&c&e=436
14
8
A estratégia de produzir imagens a partir da cidade não seria só utilizada pela
arte. O grupo canadense Greenpeace, desde 1971, protesta em larga escala, de
forma planejada, através de ações não-autorizadas pelo poder público e de
dispositivos estéticos que chamam atenção para causas ambientais, como nesta
ação em Berlim, em 2009. (Fig. 2) O grupo hoje está presente em 42 países.18
A utilização estética com fins políticos também é presente na ONG Rio de paz
que utiliza a cidade para protestar contra a violência urbana. (Fig. 2a) A pesquisa
demonstrará que utilizar a cidade com o objetivo de gerar imagens é uma estratégia
que poderia ser instrumentalizada por interesses diferentes, como exposto acima.
As AAU poderiam ser compreendidas como um fenômeno global que indicaria
a vontade comum dos artistas interferirem ativamente nas cidades. Embora cada
lugar tenha as suas singularidades, os centros urbanos desenvolvem-se de forma
semelhante, compartilham as mesmas funções e possuem problemas parecidos, só
que em diferentes escalas. Por outro lado, parece haver uma certa urgência do
artista, uma necessidade dele intervir no seu ambiente, de encontrar brechas19 que
dêem a oportunidade de quebrar o fluxo do cotidiano massificado da urbe, de forma
criativa, processual e experimental, fazendo da cidade um laboratório de práticas
artísticas, como, por exemplo, nesta ação realizada, em forma de ataque, pelo
holandês Iepe Rubingh em Berlim, em abril de 2010. (Fig. 3)
Ataque é uma expressão utilizada por artistas na arte contemporânea para
designar as ações rápidas, não anunciadas, performances e intervenções que
acontecem na cidade e são executadas ilegalmente. Siegfried Zielinski se utilizou
dela para nos responder a uma pergunta sobre a arte no espaço público:
Zielinski- A arte na esfera pública não é possível. Ou é um 'ataque' do tipo
street art, grafite ou é propaganda. Essas são as duas formas de 'arte'
possíveis e por isso que é tão difícil brincar subversivamente na cidade, em
um ambiente com tantos anúncios. Há muitos artistas que fazem esse tipo
de experimento, em Nova Iorque e outras grandes cidades, mas é muito
difícil trabalhar subversivamente com isso, pois mesmo que você faça algo
totalmente diferente, as pessoas continuam achando que é propaganda,
20
porque a propaganda já fez de tudo. É um campo muito difícil.
18
Dados coletados no site do grupo no Brasil: www.greenpeace.com.br/duvidas/institucional.php
Frequentemente nesta pesquisa, iremos utilizar esse termo “brechas”.
Este não é um conceito já
formado ou difundido pelas novas práticas contemporâneas, mas sim por essa pesquisa para
classificar as situações nas quais há possibilidade de transgredir padrões e práticas sociais formais,
de forma criativa. Essas brechas permitem que situações inusitadas sejam criadas a partir da
interferência de forças criativas.
20
Em entrevista concedida a autora desta pesquisa, realizada no dia 21 de Maio de 2010,
na
Universität der Künste Berlin (UdK).
19
9
Para Zielinski, a visão do cidadão, de forma geral, seria polarizada entre: legal
e ilegal. As novas práticas artísticas urbanas introduziriam um novo tipo de atitude
em relação ao espaço público, onde a subversão não seria necessariamente
agressiva, radical e criminal, seria uma nova forma de utilizar a cidade de maneira
social e criativa. Como Joshua Allen Harris que cria esculturas de plástico, através
da saída de ventilação do metrô. (Fig. 4)
Ataque sugere algo repentino e, eventualmente, brutal. Percebemos que o
teor subversivo do termo permeia a concepção do grafite, mas não se limita às artes
visuais. Os ataques, também, seriam um tipo de AAU e teriam a capacidade de fazer
o cidadão quebrar o automatismo cotidiano. Por não ter ferramentas suficientes para
compreender a realidade, o citadino teria que confirmar com os demais o seu ângulo
de visão, perguntando sobre aquele fato que disturba a sua rotina.
Independentemente do que impulsionaria o artista a levar a arte para fora do
espaço institucionalizado dos museus e galerias, os desdobramentos de uma AAU
são imprevisíveis e de difícil controle. Isto seria bem distintos das ações idealizadas
no espaço fechado tradicional. Parece haver várias motivações para o artista buscar
esses novos espaços expositivos; ele poderia querer desenvolver o seu papel social,
ampliar seu público, buscar a atenção da mídia, procurar uma nova audiência ou
apenas querer se colocar em teste e ver a reação que provoca em um público
diferente do encontrado nos espaços tradicionais de arte.
Contudo, encontrar brechas para que se aplique práticas artísticas de teor
subversivo, na cidade, não seria fácil. A pesquisa compreende como subversiva as
práticas que invertem a ordem preestabelecida e funcional da cidade, alterando o
valor material e/ou simbólico dos objetos que compõem o espaço público. Através de
dispositivos estéticos ou processuais, os artistas conseguiriam estimular a
subjetividade na cidade e provocar um outro tipo de olhar no cidadão.
Para ser efetiva em sua recepção, uma AAU teria que ser notada pelas
pessoas que se encontram no entorno dela o que, nem sempre, aconteceria. Parte
do público que a percebe é capaz de interromper o seu trajeto para observá-la, outra
parte não, prossegue, na urbe, sem desviar atenção. As reações provocadas por
uma AAU são diversas e saber o que motivaria a participação popular de maneira
ativa é uma investigação que passaria pela contextualização da atividade
apresentada: onde, quando, para quem e o que pretenderia aquela atividade.
10
Claire Bishop classifica como arte participativa as práticas artísticas que se
originaram no movimento dadaísta de 1920 e desde a década de 1960, através do
movimento Situacionista na França, dos Happenings nos EUA e do Neo-concretismo
no Brasil21, criam dinâmicas politico-sociais.
Para Bishop, a motivação artística
surgiria de três preocupações; “desejo de criar um assunto ativo que será fortalecido
pela experiência física ou simbólica”22; vontade de doar ao público parte ou
completamente a autoria, o que produziria uma arte de carater “igualitário e
democrático”23 e, além de tudo, implicaria em benefícios estéticos de “maior risco e
imprevisibilidade”24; e a terceira preocupação seria a respeito do senso de
comunidade, argumento que se fortaleceria após a queda do comunismo e teria na
arte participativa uma crítica aos “efeitos alienantes e isoladores do capitalismo”25.
Ao explorar os espaços públicos, brincar na cidade com as circunstâncias
acidentais e variáveis, quebrar com o rítmo do cotidiano e adicionar elementos à
rotina urbana, ao artistas estariam tratando o citadino de modo distinto do usual; não
como consumidores que circulam em vias públicas, mas como cidadãos.
Possibilitando, assim, que o espaço público seja mais propício à convivência com
estranhos. Mesmo que alguns não percebam esta diferença de tratamento, uma
nova opção lhes estaria sendo dada; de participar como co-autor, ativamente, ou
permanecer como espectador passivo. Porém, observamos que existiria uma certa
dificuldade para os artistas avaliarem a congruência entre a obra idealizada
previamente e ação que conseguiu ser realizada.
Este seria o cerne da questão, pois nos parece que é no público receptor, nos
atores sociais da urbe, que residiria a complexidade das AAU. Como explicar
aplausos, vaias, participação ou a não-reação nos espaços públicos e semipúblicos26 de
uso coletivo? Para responder, é importante considerar o fator
“surpresa”, se as pessoas já sabiam previamente o que aconteceria ou se cruzaram
com a ação por acaso. Aparentemente, estas seriam as duas origens distintas dos
espectadores ativos ou passivos: acidental (aqueles que foram surpreendidos no
seu cotidiano) ou proposital (aqueles que iriam ao encontro da atividade cientes e
até já dispostos a participarem de forma ativa da ação que vai ser proposta).
21
BISHOP, 2006, p. 15
Ibid, p. 12
23
Ibid
24
Ibid
25
Ibid
26
Locais privados, porém de livre acesso de acordo com as normas privadas do local.
22
11
Devido à variedade de eventos que acontecem simultaneamente na urbe,
para que uma AAU seja percebida e tenha uma recepção efetiva do público, ela
tende a fugir do corriqueiro e trabalha com elementos que chamam a atenção dos
transeuntes. A interferência no cotididano iria no limite entre arte e vida, experiência
e obra. A aparente falta de intenção de uma AAU levaria o citadino à confusão, pois
teria dificuldade para identificar aquele evento. A arte teria a capacidade de “brincar”
com a subjetividade do público e tornar o seu cotidiano mais lúdico, descontraído e
menos previsível, mesmo que ele nunca saiba que se tratava de uma AAU.
O objetivo do artista parece residir na sedução, no fato do público participar
de algo mesmo sem saber o que seria. Para ilustrar nossa argumentação, podemos
remeter a uma ação do coletivo carioca Opavivará. Em PULACERCA, Viradão
Cultural RJ 2009, oito pares de escadas foram colocados na Praça Tiradentes, no
centro do Rio de Janeiro, estimulando que as pessoas ocupassem a praça e
possibilitando um acesso inusitado para aqueles que apenas quisessem um atalho
no seu trajeto, pulando a cerca para evitar ter que dar a volta na praça. (Fig. 5)
Imersa no caos urbano, a arte poderia surpreender o cidadão, fazê-lo se
distrair com algo incerto, que por algum motivo o capta por alguns instantes e
poderia, até mesmo, desviá-lo do seu trajeto. Um dos objetivos dos artistas seria
convidar o público a se aproximar da atividade e conseguir criar um ambiente urbano
que passe por um outro tipo de imaginário coletivo. Em uma sociedade controlada
pelo tempo, quem conseguria roubar o citadino da sua própria vida e fazê-lo perder,
mesmo que por instantes, a noção do tempo e, até mesmo, propiciá-lo um momento
de fascinação, estaria, desta forma, resgatando a solidariedade e o sentimento de
comunidade e coletividade que haveria se perdido no ambiente urbano.
Apesar de serem pensadas previamente e de terem um determinado tipo de
reação pública desejada, nada garantiria que uma AAU seria interpretada do mesmo
modo pelo qual o artista a idealizou. Considerando este fato, a aplicação prática do
conceito da obra poderia ser em vão, pois há aspectos na compreensão do público
que fogem ao alcance do artista e, ainda, há elementos ignorados pelo artista ao
pensar suas proposições. Desta forma, não sabemos, ao certo, se os artistas teriam
como avaliar a sua produção e percebê-la com base na realidade que ela criou.
12
As novas atividades seriam, para Pierre Henri Jeudy, uma arte cidadã27,
consciente e de origem político-social que responderia, de forma prática, à
sociedade, ao fazer do processo, da experimentação, da contextualização da ação,
sua própria obra. Para Jeudy, a experiência acidental no roteiro do citadino o
convocaria para uma maior coesão social naquele espaço e seria uma forma do
artista expor ao público a sua cidadania e estimulá-lo a praticar a sua própria:
Não se trata mais da arte dentro dos museus, mas da arte nas ruas ou em
lugares indeterminados. E essa arte coletiva, arte cotidiana, pode se tornar
um procedimento de salvação pública contra a degradação das relações
sociais. A arte é cada vez mais proclamada como “arte cidadã! JEUDY,
2005, P. 129
No capítulo três, tentaremos compreender como se deu esse processo de
“degradação das relações sociais” apontado por Jeudy, através de uma breve
análise das principais transformações que aconteceram na nossa sociedade. A
construção de novos territórios dentro do espaço público e a multiplicidade de
identidades que estes territórios podem abrigar resultou em uma nova dinâmica
pública que seria extremamente fértil para as novas práticas artísticas urbanas.
As vias públicas das cidades abrigam variáveis eventos, com diferentes tipos
de interesses e uma enorme variedade de estímulos visuais e sonoros. Tudo isso
somado à rotina estressante dos centros urbanos (trânsito, filas, superlotação dos
transportes público, ineficiência dos serviços prestados pelo Estado, etc) levaria o
citadino ao cansaço e a um olhar indirefente, o “olhar bobo”28, despreocupado e
distraído, que ele carrega ao longo do seu trajeto. Para Jeudy, a supervisibilidade
dos elementos no espaço urbano produz uma cegueira: “o citadino, solicitado
permanentemente pela proliferação de signos culturais e artísticos, é estimulado a
não ver mais nada, o que lhe dá a oportunidade de ver de outra maneira.” 29
Para transitar objetivamente na urbe, o cidadão ignoraria certos tipos de
elementos e situações configuradas no espaço público por serem desagradáveis,
inoportunas e inconveniêntes30. O sentido da visão está ligado diretamente à
atenção; ao nos distrair, deixamos de ver algumas coisas, porém, nos colocamos em
27
JEUDY, 2005, p. 129
JEUDY, 2005, p. 121
29
Ibid, p. 118
30
Para ilustrar essas situações que são evitadas pelo cidadão enumeramos algumas, como as de
miséria; que invisibilizam os sem-tetos, as crianças pedintes, os indigentes; as situações em que
ações publicitárias perturbam a rotina do cidadão, fazendo-o ignorar os entregadores de panflêtos, os
representantes de vendas, etc. Além dessas, outras situações também são evitadas pelos cidadãos,
como o encontro no espaço público com loucos, prostitutas, ladrões, etc.
28
13
um estado paradoxal, uma espécie de atenção distraída. Seria esse “ver de outra
maneira” que coloca o citadino em alerta para as situações das quais ele quer ser
afastado ou por elas seduzido, criando um campo de vista conscientemente seletivo.
Para o cidadão, esta seleção seria uma auto-defesa para proteger sua
integridade emocional, física, psíquica e financeira, no ambiente urbano, além uma
maneira de não desperdiçar energia e tempo. Para Richard Sennett, a facilidade do
ir e vir de carros e pessoas seria vital para os centros, no entanto, a movimentação
teria se tornado a atividade diária de maior ansiedade31. Por isso, seria importante
observar os efeitos imediatos que uma AAU conseguiria desencadear, a reação ou
não-reação dos transeuntes, em relação àquela prática, àquele novo estímulo.
Richard Sennett afirma que os espaços de uso comum se destinam à
passagem32, o que implicaria em uma outra lógica para o uso dos espaços: as
cidades seriam pensadas a partir da locomoção das massas (periferia/centro), do
movimento dos carros e a partir da tentativa de organizar o caos em nome da ordem.
A noção de pertencimento, defendida pela lógica do sistema, seria de que a cidade
pertence ao carro, à funcionalização em macro-escala e, embora os direitos e
deveres dos cidadãos sejam amplamente divulgados, a relação do homem com o
espaço público seria mais marcada pelos seus limites que pelas suas possibilidades.
O mobiliário urbano33 organiza espacialmente a cidade e impõe limites
na
circulação dos cidadãos, restringindo a liberdade e a relação do citadino com o
espaço público. A publicidade exposta no mobiliário agiria contra os interesses da
maioria da população, essa seria a visão apresentada pelo livro Trespass- a history
of uncomissioned urban art34: “é vital compreender
como as intervenções não
comissionadas são uma reflexão contra a hegemonia de um espaço público
dominado pelos interesse de poucos sobre o bem-estar psicológico de muitos”35.
Contra o tipo de urbanismo que daria mais limites que liberdades aos
cidadãos, no final da década de 1950, na França, surgiu um movimento preocupado
com a urbanização e o seu reflexo na vida social e cultural dos habitantes; era a
31
SENNETT, 1988, p. 28
Ibid
33
Entende-se po “mobiliário urbano” o conjunto de elementos que é permitido ocupar o espaço
público, implantados, direta ou indiretamente, pela administração pública com as seguintes funções
urbanísticas: circulação e transportes; ornamentação da paisagem e ambientação urbana; descanso
e lazer; serviços de utilidade pública; comunicação e publicidade; atividade comercial; acessórios à
infra-estrutura;
34
Escrito por Carlo McCormick, Marc Schiller, Sara Schiller
35
MCCORMICK, 2010, p. 22
32
14
Internacional Situacionista (IS)36. Este grupo de arquitetos, urbanistas, filósofos e
artistas, pensava no futuro das cidades, em como interferir na relação das pessoas
com o seu próprio ambiente e em formas de resgatar o sentido da coletividade, no
espaço público: “Nosso campo de ação é portanto, a rede urbana, expressão natural
da criatividade coletiva, capaz de compreender as forças criadoras que se libertam
com o declínio de uma cultura baseada do individualismo”37.
O legado produzido pela IS salienta a importância da urbanização para as
relações humanas, o que iria de encontro à idéia do espetáculo e encontraria fortes
aliadas nas novas práticas artística urbanas. Estas potencializariam os cidadãos a
participarem ativamente do cotidiano urbano, corroborando com Debord:
A construção de situações começa após o desmoronamento moderno da
noção de espetáculo. É fácil ver a que ponto está ligado à alienação do
velho mundo o princípio característico do espetáculo: a não-participação.
Ao contrário, percebe-se como as melhores pesquisas revolucionárias na
cultura tentaram romper a identificação psicológica do espectador com o
herói, a fim de estimular esse espectador a agir, instigando suas
capacidades para mudar a própria vida. A situação é feita de modo a ser
vivida por seus construtores. O papel do “público”, se não passivo pelo
menos de mero figurante, deve ir diminuindo, enquanto aumenta o número
dos que já não serão chamados atores mas, num sentido novo do termo,
38
vivenciadores. DEBORD, 1957
Estas “capacidades para mudar a própria vida” seria a utopia das AAU. Com
base nesta potencialidade máxima seriam objetivadas as ações no espaço público.
O artista não poderia dimencionar os efeitos de sua atividade e o que ela poderia
proporcionar, mas a possibilidade de êxito se basearia no fato do cidadão aceitar ao
“convite” para participar sendo um ‘vivenciador’, como sugere Debord.
Apesar de uma aparente preocupação das AAU em produzir um discurso
legitimador da obra no espaço público, em sincronia com o contexto socio-políticoartístico, o artista não tem garantias para atinjir seus objetivos. O artista não teria
condições de, previamente, dimensionar os poderes de alcance de uma AAU, nem
tão pouco controlar a produção de imagens a partir dela. A falência de uma AAU
seria quando as pessoas não a percebem ou, se a percebem, não participam e se
36
Para aprofundar o estudo deste movimento, favor consultar
Paola Berenstein Jacques.
37
CONSTANT, 1959 em JACQUES, 2003, pág. 114
38
DEBORD, 1957 em JACQUES, 2003, pág. 57.
Apologia da deriva , organizado por
15
submetem às regras internas daquele jogo39. Fazer com que o público se torne um
“vivenciador” da experiência proposta seria um grande desafio para o artista.
Em 2010, o Museu de Arte Contemporânea de Budapeste - Ludwig,
apresentou uma exposição chamada Jogos de poder; testando o terreno da
democracia contemporânea40. Os trabalhos dialogavam
com o espaço público e
focavam na dimensão política e social da arte. Um trabalho, em particular, nos
chama atenção o Free Zone Budapest. Nele, várias placas foram espalhadas por
áreas recém renovadas da cidade, criando zonas autônomas para a prática de
ações específicas, que são tidas como do espaço privado, para exemplificar: zona
de beijo, de dormir, de rezar, de escambo e de dança. No espaço expositivo do
museu, apenas reprodução das placas e um mapa com a localização delas. (Fig. 6)
Ao visitar algumas dessas placas, nada extraordinário. A rua segue normal,
as pessoas não pareciam prestar atenção nelas ou seguir as ações sugeridas por
elas. Como a exposição propunha testar a democracia, mesmo as placas não tendo
sido utilizadas pelo povo, a AAU teria tido relevância por questionar os limites do
cidadão no espaço público e por tentar ampliá-los? Será que os artistas pensavam
em criar novas ambiências, ao redor das placas? A execução desta ação, por si, já
seria efetiva ao críticar o comportamento engessado da sociedade e a incapacidade
de mudança? Essas perguntas ficaram em aberto, na exposição Power Games.
Notamos que a “democracia” seria um argumento bastante frequente para
justificar as ações no espaço público. Quando observamos os desdobramentos de
uma AAU, somos levados a pensar em quais seriam as ferramentas que os artistas
disporiam para avaliar seu próprio trabalho e para verificar se a democracia estaria
mesmo sendo exercitada através de sua proposta. A arte participativa, objeto de
Bishop, não se debruçaria neste sentido, não levaria este aspecto a análise.
Para nos auxiliar, vamos apresentar o conceito de arte intervencionista41 do
americano Nato Thompson. Não que este tipo de arte tentaria avaliar a efetividade
das AAU, mas a inexistência de processos e dinâmicas de interação entre autor,
público e obra, talvez fariam dela uma arte mais direta e objetiva do que a
participativa. Vemos que estas duas seriam as principais linhas de ação da arte
39
A expressão “jogo” foi adotada pela Internacional Situacionista para denominar as situações lúdicas
possíveis nas cidades. Este tópico será retomado no capítulo dois.
40
Tradução livre: PowerGames; Testing the grounds for democracy.
41
MCCORMICK, SCHILLER E SCHILLER, 2010, p. 306
16
contemporânea, pois cada uma, a seu modo, conseguiria comunicar, produzir
sentidos e subjetividades nas cidades.
A arte intervencionista não seria oposta ao argumento de democracia, trazido
pela arte participativa, muito pelo contrário, mas por se tratar de ações individuais de
apropriação e uso dos espaços públicos (e muitas vezes privados) essas ações
seriam, frequentemente, vistas como anti-democráticas e autoritárias. O livro
Trespass- a history of uncomissioned urban art afirma que a arte intervencionista:
Descreve o trabalho de artistas que transgridem o mundo cotidiano para
criticar, satirizar, disturbar e agitar, criando uma consciência social e até
mesmo advogando pelas mudanças sociais. Neste processo, eles ativam
nosso espaço urbano como lugares para a democracia, mantém nossas
cidades vivas com criatividade e idéias poderosas e engajam novas
audiências. MCCORMICK, SCHILLER e SCHILLER, 2010, p. 306 (tradução livre)
A arte intervencionista não seria sempre ilegal, apesar de ter no grafite e no
picho suas representações mais originais. As práticas interventivas se encontrariam
bastante diversificada e iriam desde a reorganização de objetos dispostos no espaço
público, até o uso criativo de cameras de vigilância. (Fig. 7) Alguns exemplos que
apresentamos poderiam ser considerados ilegais, porém seriam ações mais
brandas, efêmeras e, muitas vezes, fáceis de serem revertidas. Aspectos que se
distanciariam da agressividade e impetuosidade do picho e do grafite.
Através de uma investigação nessas duas correntes artísticas, a pesquisa vai
tentar identificar parâmetros para julgar a relevância dessas atividades para o
espaço público e para a sociedade. Interessa analisar, de forma crítica, como forças
institucionais poderiam se utilizar das AAU, para reproduzir nas ruas a mesma
autoridade e hierarquia dos museus e as mesmas forças de dominação social que
estariam presentes na mídia e na propaganda que circula nas vias públicas.
17
1. Estudo de caso em Berlim (2009.2/ 1010.2)
A motivação da pesquisa se deu a partir de duas visitas à capital alemã, a
primeira, em outubro de 2004, e, a segunda, em agosto de 2006, após os jogos da
Copa do Mundo. As diferentes estações do ano contribuiriam para que eu
experimentasse a cidade de forma distinta em cada viagem, porém, iria além disso.
Ao retornar em 2009, pude comprovar que havia, de fato, um consenso entre
aqueles que vivem na cidade já há alguns anos, precisamente antes da realização
da Copa do Mundo. Através do megaevento, a imagem “underground” de Berlim
teria se difundido e a indústria do turismo haveria transformado determinados
lugares em um “zoológico urbano” e inflacionado o aluguel de alguns bairros. Não
investiguei se a Copa seria responsável pelas mudanças que me fariam perceber a
cidade de modo diferente, apenas exponho algumas percepções que me fizeram
retornar a Berlim, três anos depois, para investigar o espaço público e as atividades
artísticas, durante onze meses de pesquisa.
É difícil explicar como duas rápidas visitas, em um curto intervalo de dois
anos, poderiam ter me causado percepções tão singulares da mesma cidade. Por
isso, utilizarei dois pensadores: Zymount Bauman e Andreas Huyssen. Bauman vai
ajudar quando propõe que “hoje em dia estamos todos em movimento”42. É desta
forma que o pensador em seu livro, Globalização: As conseqüências humanas inicia
o ítem 4; Turistas e vagabundos. Para Bauman, a sociedade seria dividida entre dois
tipos distintos; uns andarilhos que “ficam ou se vão a seu bel-prazer”43 e outros são
andarilhos sem rumo que “estão se movendo porque foram empurrados”44.
Compreendemos esses dois tipos de Bauman como sendo um a antítese do
outro; o primeiro aplicaria, na prática, todas as vantagens de um mundo conectado e
sem-fronteiras, viajando sempre a lazer ou a trabalho, desfrutando de toda
tecnologia que o dinheiro pode comprar. Já o outro se move por ter sido
“desenraizado”45; o vagabundo é sempre deslocado, mover é condição para viver, o
nomadismo é a única forma de vida conhecida dos andarilhos, desabrigados, que
42
BAUMMAN, 1999, p. 85
Ibid p. 101
44
Ibid
45
Ibid
43
18
não possuiriam bens materiais e se encontrariam à margem do sistema capitalista;
“os vagabundos são o refugo de um mundo que se dedica ao serviço dos turistas”46.
De um lado teríamos um mundo conectado, sincronizado nos avanços
tecnológicos e com infinitas possibilidades, do outro, um mundo negligenciado, sem
escolhas e com a quantidade de experiências limitadas. Se o vagabundo pudesse
escolher, desejaria a “alegria do turista ‘tal como vista na TV’ ”47. Na sociedade
espetacularizada, a televisão seria a experiência diária mais frequente das massas.
Isso ajudaria a perpetuar, no imaginário coletivo, valores e conceitos a respeito da
vida que seriam manipulados por interesses privados, pela mídia e por um mercado
a serviço dos turistas. Embora sejam universos distintos, turistas e vagabundos
estariam em constante tensão no espaço público permeado pela propaganda48.
A pesquisa vai estender à arte o conceito dualístico de Baumma e aplicá-lo
aos artistas que atuam em Berlim. Baumman permitiria isso, ao propor que “o que se
aclama hoje como ‘globalização’ gira em função dos sonhos e desejos dos turistas.
Seu efeito secundário - colateral mas inevitável - é a transformação de muitos outros
em vagabundos”49. Apesar de Bauman nomear vagabundos os que se encontram à
margem do sistema capitalista, poderíamos empregá-lo à grande parte dos artistas.
E não que eles sejam vagabundos no sentido pejorativo, nem miseráveis
sem-teto, mas algo que transitaria entre o artista de rua, mambembe, e o artista bem
sucedido na carreira. A questão estaria ligada ao tempo: para os artistas
vagabundos o tempo do trabalho seria indissociável do tempo de lazer, uma vez que
sua forma de vida seria primordial para o desenvolvimento de sua produção artística.
A atual proximidade entre local de trabalho e de lazer, casa e escritório, seria
objeto de crítica de alguns pensadores, como por exemplo Siegfried Zielinski:
Para mim, que sou professor, o tempo de trabalho e de lazer sempre
andaram muito juntos. A diferença é muito difícil de ser traçada, mas, para
as pessoas do mundo cotidiano, se tornou muito precária, porque elas
estão permanentemente trabalhando. Quando você passa dez horas no
escritório, na frente do computador e, quando chega em casa, ainda vai
checar e-mail, banco on-line, você também está trabalhando. Praticamente,
46
Ibid
Ibid, p. 102
48
Este será um pensamento de
Jürgen Habermas bastante presente na pesquisa, de que
os
interesses de dominação se materializariam na cidade através dos elementos publicitários, pois “a
propaganda é a outra função que uma esfera pública dominada por mídias assumiu”. (HABERMAS,
2003, p. 252) E se materializariam, também, através da mídia: “a indústria da publicidade não só
toma, entrementes, conta dos órgãos publicitários existentes, mas ela cria os seus próprios jornais,
revistas e cadernos” (HABERMAS, 2003, p. 224)
49
Ibid
47
19
não existe mais diferença. É uma questão muito difícil, especialmente,
quando você pergunta que parte do seu trabalho está sendo paga e que
50
parte não está.
Em Berlim, arte e vida parecem ter uma relação muito íntima. Na minha
investigação, isso seria o fruto de uma dinâmica histórica singular, como brevemente
abordaremos neste capítulo. Sua conjuntura levaria a uma lógica capitalista mais
coletivista, com influência do movimento punk e anarquista, dos anos 70, da cena de
música eletrônica que explodiu em Berlim nos anos 9051 e, também, das empresas
coletivas que foram formadas a partir de novos modos de habitação coletiva.
Para Baumam, os sonhos e desejos dos turistas estariam ligados ao lazer e à
noção de que o tempo livre deveria ser usado para o consumo de bens materiais,
culturais e para entretenimento. Após a queda do muro, a parte oriental estava
arrasada e as pessoas que foram atraídas àquela àrea foram em busca de tempo e
espaço52, algo que ficaria cada vez mais difícil de encontrar no mundo ocidental.
Zielinski apresentaria algumas questões pertinentes a esse respeito em um
ensaio intitulado Quem é o dono do tempo53?
Nessa conjuntura histórica, em que o tempo tem sido declarado o recurso
mais importante para a economia, para a tecnologia e para a arte, não
devemos prestar muita atenção se temos muito ou pouco tempo. Em vez
disso, devemos prestar atenção a quem, ou o que possui poder de dispor
sobre o nosso tempo e sobre o tempo dos outros, e de que maneira. O
único remédio eficaz para a melancolia e a resignação em relação ao
mundo é apropriar-se, ou reapropriar-se do poder de dispor sobre o tempo
necessário para a vida e para a arte. Apenas desse modo o futuro é
concebível: como coisa permanente da impossibilidade. ZIELINSKI, 2006,
p. 47
A máxima capitalista “tempo é dinheiro” faria do lazer um produto distante das
massas. Rico seria quem tem tempo livre para gastar dinheiro. Zilelinski citaria Karl
Marx: “riqueza… é tempo disponível e nada mais”54. A liberdade de gastar o próprio
tempo, ter autonomia sobre ele, é observada no outro extremo da sociedade, nos
moradores de rua, nômades urbanos e, também, artistas. Estes por aproximarem a
arte da vida; o tempo de trabalho e o de lazer, dispondo de tempo para criação.
50
Em entrevista concedida a autora desta pesquisa, realizada no dia 21 de Maio de 2010, na
Universität der Künste Berlin (UdK).
51
BOEHLKE e GERICK, 2007
52
Como desmonstrarei mais adiante, no ítem 1.1, referente aos fatores históricos que contribuíram
para Berlim ser como é hoje.
53
ZIELINSKI, 2006, p. 46
54
Ibid, p. 47
20
Os vagabundos teriam bastante tempo livre, justamente pelo seu tempo não
ter valor. Não que eles fossem improdutivos durante o seu tempo, mas por não ter
valor de mercado, seja lá o que for que eles produzam e façam durante esse tempo.
Quando o artista não vende, não ganha dinheiro com a arte, é como se o que
fizesse não tivesse valor. Por isso, ele seria obrigado a buscar outras formas de
vender o seu tempo. Algo que cubra as necessidades, mas que ainda o permita
produzir arte. Assim, ele poderia se desenvolver artisticamente, sem passar por
privações financeiras, até que sua arte possa adquirir algum valor ou não.
Vários teóricos já buscaram explicar quais fatores influenciariam o artista e de
onde viria a “inspiração” que os faria produzir atividades que fossem consideradas
arte. Considerando as transformações sociais e culturais que abordaremos no
capítulo três, poderíamos afirmar que tempo e espaço seriam os requisitos
necessários à liberdade na criação artística de hoje e esta parece ser uma das
razões pelas quais as atividades artística urbanas (AAU) seriam notáveis em Berlim.
A cidade e os lugares incertos seriam atraentes para o artista experimentar e
fazer seu atelier, através de uma forma autêntica de vida urbana. Brincar com tempo
e espaço implicaria na não necessidade de um atelier ou do deslocamento dele para
as ruas. O cenário urbano tratia possibilidades infinitas para o artista trabalhar suas
questões, através das brechas que as cidades oferecem. Zielinski resumiria a nova
atitude circunstancial do artista contemporâneo: “Quando uma oportunidade se
apresenta, devemos reconhecê-la como auspiciosa, e aproveitá-la”55.
Esta seria uma aparente característica de Berlim, a organicidade dos espaços
e das ações que acontecem neles. Em 2003, em uma entrevista coletiva, o então
Prefeito Klaus Wowereit disse: "Berlim, pobre, mas sexy"56. Desde então, a frase
funcionaria como um slogan que traduziria, de forma simples, a cidade; Berlim teria
poder aquisitivo inferior a outras cidades alemãs, mas seria atraente, interessante,
divertida, criativa e autêntica. Essa imagem seria a “glamourização” da realidade, a
forma que pela qual o imaginário underground faria parte do marketing da cidade.
Nos parece que a questão giraria em torno do que afirmou Nato Thompson,
em uma conferência de 2006: "a representação da resistência, a representação de
55
56
Ibid, p. 48
Checado em 10/03/2011: http://www.spiegel.de/international/germany/0,1518,611086,00.html
21
pessoas tentando falar civicamente agora é um produto"57. Neste sentido, Berlim
estaria constantemente servindo como palco para essas representações cívicas,
onde algumas seriam mais expontâneas e orgânicas que outras58.
A autenticidade berlinense, como vimos, residiria na abundância de tempo e
espaço. O baixo custo de vida e a posição geográfica central atrairia pessoas, de
toda Europa, preocupadas com a qualidade de vida, em desenvolver atividades
prazerosas e, ao mesmo tempo, se realizar profissionalmente. Parece que as
pessoas arranjariam um emprego qualquer para pagar as contas e o resto do tempo
seria livre para desenvolver seu próprio trabalho e realizar-se pessoalmente neste
âmbito, mesmo que não tenham um reconhecimento financeiro imediato.
É o caso de 4rtist.com que reordena objetos encontrados no espaço público e
os marca com o número 6, desenhos e links na internet, para divulgar o seu
trabalho59. O artista tem acoplados à sua bicicleta galões de tintas e passa grande
parte do seu tempo movendo objetos, rearranjando-os e criando instalações nas
calçadas e espaços penetráveis de Berlim. 4rtist se vê mais como artista que
assistente de laboraório químico, função regular na qual não vê perspectivas. (Fig. 8)
Ele não se importaria com o seu salário, pois seu objetivo seria a
possibilidade de afetar as pessoas no seu dia-dia e encorajá-las a pensar mais
profundamente sobre as suas ações. Ele calcula ter produzido 650 mil arranjos e
preferiria trabalhar durante o dia, por chamar menos atenção. Uma de suas táticas
seria pintar em cima de cartazes, por estes serem, para a polícia, ilegais e
considerados lixo, o que para ele seria um espaço para sua promoção artística.
Em 2004, os vários números 6 e os intrigantes arranjos de objeto que
cruzaram o meu caminho me faziam perguntar se alguém os teriam manipulado.
Numa esquina, uma cômoda desenhada, no quarteirão seguinte, as gavetas, mais
adiante, outras combinações de desenhos e objetos sequenciados, roupas espalhas.
A estranha impressão era de estar seguindo esses objeos, mesmo sem querer.
Apenas descobri a autoria destes arranjos de volta ao Brasil, ao revelar uma
fotografia que havia feito da instalação invalid beach e descobrir que esta seria uma
57
Conferência Tactics and Critics Series Janeiro 26/01/2006. Vídeo disponível:
http://www.youtube.com/watch?v=M7Zup69LsME (tradução livre)
58
Um exemplo desta capacidade de organização social e civil teria sido a pressão popular, através de
campanhas contra energia nuclear, que após os acidentes nucleares no Japão, em março de 2011,
conseguiram pressionar a chanceler Angela Merkel a assinar o fim das usinas nucleares até 2022.
59
Informações colhidas no site do artista:
www.4rtist.com e no documentário feito sobre ele:
www.vimeo.com/23405350 ambos link checados no dia 28/05/2011
22
instalação permante que fica sendo modificada, ao longo do ano. (Fig. 8a) No site do
artistas há fotos do seu trabalho separadas por temáticas, como as de arranjos feitos
com colchões (Fig. 8b). 4rtist expõe em galerias, mas acha inapropriado, já que nas
ruas ele atingiria um número maior de pessoas e a possibilidade de venda na galeria
seria limitada, devido à facilidade de seu trabalho ser adquirido nas vias, de graça.
Em 2004, Berlim me pareceu mais espontânea. No espaço público, os
vagabundos compunham a paisagem e pareciam conviver bem com uma Berlim
ocidentalizada, projetada para o mercado global. A cidade parecia ser menos
invadida por turistas, existiam mais espaços abandonados, havia menos serviços
oferecidos em inglês, de forma que percebi Berlim como uma cidade protegida do
capital externo, da especulação imobiliária e salva de perder suas características
particulares, locais. Em 2006, a singular harmonia entre o mundo dos turistas e dos
vagabundos parecia ter entrado em risco, com a Copa do Mundo.
Além de Baumam, para respaldar o meu interesse em Berlim, recorro a
Huyssen e seu livro Seduzidos pela memória. Nele, o autor defende que a Alemanha
reunificada, pós-queda do muro de Berlim, transitaria entre dois extremos: lembrar e
esquecer. Berlim seria um grande canteiro de obras, não para de se transformar e,
principalmente, de produzir monumentos que seriam uma tentativa de retratação
pública, desculpas pelo passado recente. Para o autor, a monumentalização alemã
produziria mais esquecimento que a preservação do seu próprio passado.
Huyssen me fez refletir se a postura oficial alemã, de optar pelo
esquecimento, poderia, em parte, explicar o porquê das artes visuais em Berlim
serem tão pulsantes e representativas. Aos artistas locais, insatisfeitos com as
representações públicas, restaria protestar no próprio uso dos espaços públicos,
como espaços de expressão e concentração de idéias de interesse coletivo, através
de práticas artísticas. As mudanças causadas pelas pretensões governamentais, de
transformar Berlim em mais uma cidade global, encontrariam resistência nas através
das forças criativas que seriam a base da consciência e articulação política local e
esta é a hipótese lançada no estudo deste caso.
Fui atraída à cidade pela sua estética urbana. Berlim é bem organizada, com
uma vasta rede de transporte coletivo, poucos engarrafamentos e largas avenidas,
mas esse espaço público, totalmente funcionalizado em prol de uma ordem de
escala global, conviveria com uma outra ordem urbana de carater local que,
também, caracterizaria a cidade. Esta é batizada por Huyssen de “romantismo
23
Kiez”60 que seria uma herança arquitetônica do período antes da Primeira Guerra
Mundial e haveria sido resgatada pela “noção novamente popular de uma vizinhança
tradicional”61. De acordo com Huyssen:
No final dos anos 1970, o Kiez estava associado à contra cultura nos
62
bairros decadentes perto do Muro, como kreuzberg, onde os squatters
ocuparam e restauraram os prédios arruinados. Nos anos 1980, passou a
ser incorporado aos principais esforços de preservação da cidade.
HUYSSEN, 2000 p. 101
O Kiez, apelido da Mietskaserne (barracos de aluguel63), seriam prédio com
pequenos apartamentos, construídos no começo no século XIX, para a classe
operária. Esse complexo arquitetônico se caracterizaria por vários prédios
interligados por um jardim de fundos, que tinha ligação direta com a rua e possuiriam
grandes paredões nas laterais. (Fig. 9) Essa moradia haveria influenciado a
convivência coletiva e contribuído para a fluida relação entre espaços públicos e
privados, que parece existir em Berlim, através desses jardins comunitários64.
Kreuzberg, citado por Huyssen, fica no lado Ocidental; compreendo que essa
“preservação” nos anos 80 tenha sido a forma que a Berlim ocidental teria
encontrado para manter a sua periferia, sua parcela muito pobre da população, sob
controle, visto que o plano Marshall65 havia recuperado a economia europeia pósguerra e, nesta perspectiva, Berlim Ocidental prosperava. Em kreuzberg se
concentraria a marcante contracultura ocidental característica dos anos 60.
Os moradores desses kiezes ocidentais viviam de forma coletiva, faziam as
melhorias dos prédios, os tornavam habitáveis e passavam a ser proprietários de
fato, por terem conquistado o espaço de forma legítima, pela ocupação de espaços
ociosos da cidade. Não pagar aluguel os fariam ter menos preocupações com
dinheiro e se contentarem com uma vida sem luxo. Mas não apenas isso, tudo indica
que as possibilidades de moradia alternativa, contribuiriam para uma vida mais livre,
60
HUYSSEN, 2000, p. 102
Ibid, p. 101
62
Faço esta nota ao texto de Huyssen para esclarecer o termo
Squatters, embora nem mesmo o
autor esclareça, esses seriam os moradores dos S q u a t s antigos prédios bombardeados,
abandonados que foram ocupados. De acordo com Jeudy, eles‘constituem uma empresa comunitária’
(JEUDY, 2005, p. 142)
63
De acordo com deutsche welle: http://www.dw-world.de/dw/article/0,,15069431,00.html
64
Ibid
65
O plano Marshall, oficialmente chamado de
The European recovery program, foi idealizado pelo
comandante em chefe do exército norte Americano, George Catlett Marshall, e implementado em
1947 na tentativa de conter o avanço do comunismo na Europa, injetando dinheiro americano na
recostrução e desenvolvimento das cidades arrasadas pela guerra.
61
24
com mais tempo para desenvolver diferentes atividades e não necessariamente
atividades rentáveis, como por exemplo, as atividades artísticas e sociabilizadoras.
Podemos demonstrar a herança deste desprendimento financeiro, através de
alguns bares e restaurantes que cobram apenas por uma “doação”, o cliente come,
bebe e, no final, paga o quanto pode pagar, o quanto achar justo. Com frequência,
eles chegam a sugerir um preço, mas, nesses tipos de empreendimenos, a conta
fica de acordo com a conscência dos próprios clientes.
A aproximação entre artistas e vagabundos seria pautada na possibilidade de
recriar formas de habitação, modelos de vida experimentais, onde novas conjunturas
de mundo seriam possíveis e colocadas em teste. Mais que chamar os artistas e
comunidade local de Berlim de vagabundos, a pesquisa colocaria como resultado
destas formas de vida uma esfera pública mais crítica e democrática. A sociedade
berlinense estaria na vanguarda de uma nova atitude social no espaço público, onde
arte e política seriam indissociáveis. Embora não se saiba até quando, Berlim ainda
estaria mais a serviço do mundo dos vababundo que dos turistas.
1.1 Reflexos históricos
Em 2009, foi o vigésimo aniversário da queda do muro que separava as duas
Alemanhas, Oriental e Ocidental. Na capital, aconteceram vários eventos oficiais que
celebravam a reunificação, mas havia poucos debades públicos sobre as reais
mudanças desde então. Para mim, a pergunta que me intrigava era como Berlim
conseguia digerir dois passados tão diferentes e seguir com a sua própria história.
Hoje, compreendo que a resposta seria muito mais complexa e que, apenas após
uma pesquisa a respeito da ocupação pós-queda do muro, poderia ter condições de
entender a dinâmica artística e sociocultural contemporânea em Berlim.
A área fronteiriça entre Leste e Oeste, onde se controlava a entrada e saída
de pessoas e se caracterizava por ser um grande descampado, hoje é ocupada por
grandes centros de compras, negócios, cinemas, restaurantes, museus e
representa, ao máximo, a cultura ocidentalizada, com todas as suas grandes
corporações. No Sony Center, por exemplo, foram construídos seis prédios unidos
por um teto de de vidro e metal. O complexo, desde 2000, está em funcionamento
25
na cidade e foi um dos responsáveis pela reurbanização66 e reconstrução do bairro
de Potsdamer Platz, que nos anos de 1920 era a veia pulsante de Berlim. (Fig. 10)
Nas décadas de 1970 e 1980 projetos alternativos de vida foram iniciados em
várias cidades ocidentais. Os espaços protestavam contra a falta de moradia
acessível e reinvidicavam o direito à habitação, com o tempo, o protesto político se
tornou uma demonstração de mobilização social, civil e exemplo de que essas
alternativas poderiam dar certo como organizações culturais e agentes de
conscientização política. O binômio trabalho e moradia habitava um só lugar, um
mesmo projeto que iria de encontro às regras de mercado, tentaria ser uma
alternativa ao sistema em vigor e se tornaria foco de resistência. Esses lugares é o
que chamam de squats, aos quais já nos referimos.
No Leste, no final da década de 1980, o movimento Punk já havia se
solidificado e prédios bombardeados, em ruínas, serviam para grupos musicais,
companhias de teatros, espetáculos de Ópera Rock e outras atividades culturais que
se mantinham a baixo custo e se autofinanciavam. Após a queda do muro, um mix
de artistas, Punks, ativistas e sem-tetos ocuparam construções, espaços industriais
ociosos e fizeram, desta forma, resistência aos inúmeros projetos de demolição.
Gostaria de apresenar dois squats até hoje ativos em Berlim. Ambos se
encontram do lado Oriental: Tachales67 (Fig. 11) e Koepi68 (Fig. 12). O Tachales era
uma antiga loja de departamentos no bairro judeu de Mitte, que durante o nazismo
foi transformado em uma prisão e depois, na Berlim comunista, nunca foi reformado
e permaneceu sem serventia para o governo. Diferente do Tachales, o Koepi ocupa
uma área de procedência privada que já teve vários donos e hoje é de propriedade
do Commerz Bank. Ambos foram ocupados em 1990 e contaram com a resistência
de grupos organizados de artistas, ativistas internacionais que, através da ocupação
e enfrentamento com a polícia, impediram que os prédios fossem demolidos.
O Tachales se tornou um espaço cultural com subsídios do governo para
manter suas atividades e, agora, faz parte do roteiro turístico de Berlim. O Koepi,
não tem ajuda institucional do governo, conta apenas com doações e solidariedade
de outros grupos locais, sem interesse lucrativos. Além disso, o Koepi conta com um
grande apoio da pressão popular nos atos de demonstração. Apesar de terem
66
Estima-se que cerca de 70% de Berlim tenha sida destruída
na segunda guerra. Fonte: Folha de
São Paulo, caderno Turismo, p. F4, publicada em de 14/04/2011.
67
Informações sobre http://super.tacheles.de
68
Informações sobre http://koepi137.net
26
conseguido negociar e entrar em acordo para o Koepi permanecer ativo até 2038,
não há garantias suficientes de que esse acordo seja obedecido, deixando os seus
moradores na constante iminência de serem despejados.
Esses exemplos, embora tenham surgidos no mesmo contexto, sofreram
forças contrárias. Enquanto o Koepi teria conseguido sobreviver através de
estratégias locais, o Tacheles, talvez devido a sua localização geográfica, no
coração da Berlim Oriental, sofreu a influência do capital externo, do turismo e do
processo que Huyssen chama de: “comercialização crescente e bem-sucedida da
memória, pela indústria cultural do ocidente”69.
Hoje, no Tacheles, vários ateliers são alugados e na parte exerna, que em
2004 era caracterizada pelo imenso vazio (Fig. 13), encontram-se bares e alguns
espaços expositivos cheios de turistas, onde paga-se três euros pelo acesso ao
jardim. O Tacheles teria se tornado uma espécie de zoológico urbano para turistas,
ávidos por uma cultura local, underground. Já o Koepi, mesmo tendo atividades
públicas, receberia seus visitantes com uma placa: “sem fotos, sem problemas”!
A presença de espaços livres de interesse comercial e que tentariam
subverter a lógica do sistema, como seria a cultura dos squats, teria contribuído para
caracterizar Berlim, até hoje, como uma cidade que tem limites bastantes diluídos
entre o público e o privado. Como já havia observado Jeudy:
Mesmo que a ocupação por artistas insista em afirmar uma autonomia, até
mesmo uma autarquia econômica, não é partindo de uma introversão no
espaço abusivamente privatizado que irá fazê-lo, mas, ao contrário, é
tornando público o que não deveria sê-lo. Os squats ficam
permanentemente abertos ao público, recebem uma quantidade
impressionante de visitantes, e constituem-se eles mesmos como espaço
público, embora tenham uma aparência de gueto.
JEUDY, 2005, p. 143
Embora os squats ainda conservem a maleabilidade entre público e privado,
os que remanescem não ficam “permanentemente abertos”; qualquer um pode tentar
entrar neles, porém recomenda-se fazê-lo quando a convite de algum morador, ou ir
em um dia com atividade aberta ao público. Quanto a “aparência de gueto”, esta não
seria apenas pelas circunstâncias do local, mas sim um desejo dos seus moradores,
como uma forma de se protegerem das influências externas que poderiam super
expor o estilo de vida fora dos padrões capitalistas e acabar por enfraquecer aquela
cultura, como teria acontecido no mais famoso squat da cidade, no Tachales.
69
HUYSSEN, 2000, p. 15
27
O que estaria por trás da transformação do Tachales e de várias mudanças
em Berlim, desde a queda do muro, seria o fetichismo pela imagem, pela relíquia,
pela experiência imortalizada que, como argumenta Huyssen, seria uma
caracteristica dos nossos tempos. Para ele, “a memória se tornou uma obsessão
cultural em todos os pontos do planeta”70. A mania de arquivar e de se apegar tanto
às imagens e aos aparatos tecnológicos geraria um acúmulo de informação que não
teríamos tempo suficiênte para processar e decidir o que realmente é importante
para ser memorizado. Gerando o que Huyssem chama de “crise da memória”.
Observo que, no espaço público, esta crise seria evidente, através da
“desesperada necessidade de Berlim promover sua imagem internacional”71. A
quantidade de reprodução de produdos ligados à antiga República Democrata
Alemã seria o motor turístico da cidade. O apego a ícones do passado, imagens de
uma Alemanha que não existe mais, foi poplarmente batizado pelo nome de
Ostalgia, uma mistura de Ost, que em alemão é leste, com nostalgia.
Embora haja certa nostalgia, memórias da Alemanha Comunista,
desenvolvida em separado por quarenta anos, estão se apagando; ruas mudaram
de nome, monumentos soviéticos foram derrubados, prédios históricos, como o
Palácio da RDA, demolidos. É curioso observar que a seleção do que mereceria ser
preservado e o que teria que ser destruído não parece seguir nenhum critério
racional. Como então explicar que o estádio olímpico de 1936, marco da arquitetura
nazista, fosse reformado para os jogos da Copa de 2006? Como comenta Huyssen,
“o trauma é comercializado tanto quanto o divertimento e nem mesmo para
diferentes consumidores de memórias”72. Assim, os monumentos ao Holocausto se
misturam a prédios high-tech e a heranças nazistas.
Berlim seria a única capital européia com espaço para crescer73 e isso atrairia
investidores globais, ávidos por novos mercados. Desde 1989, corporações
multinacionais comprariam grandes áreas. Com o incentivo do governo, teria sido
reconstruido Potsdamer Platz. Entretenimento, turismo e lazer dividiriam espaço com
escritórios luxuosos, shoppings center e monumentos históricos. Novas ruas
homenagiariam personalidades nacionais, como a judia Hannah Arendt que hoje dá
nome à rua onde fica o Memorial do Holocausto. (Fig. 10)
70
HUYSSEN, 2000, p. 16.
Ibid, p. 48
72
Ibid, p. 22
73
Folha de São Paulo, caderno turismo do dia 14/04/2011.
71
28
Para Huyssen, Berlim estaria obsecada com questões de arquitetura e
planejamento, como uma estratégia para promover sua imagem futurística, porém, o
objetivo de se tornar a capital do século XXI “se vê persistentemente assombrada
pelo passado”74. E isto não seria só as memórias do Nazismo, mas ainda do
Comunismo e a herança do “romantismo Kiez” que foi influenciado pelo movimento
Punk75 e hoje representaria a resistência local contra o projeto de uma Berlim-global.
Esta resitência seria através de pressões políticas, em manifestções públicas
maciças que questionam os projetos de desenvolvimento da cidade e conseguiriam
criar uma opinião pública, independende da gerada pela mídia que serviria aos
interesses do capital privado, globalizado. Assim, o espaço público da cidade estaria
dividido entre dois interesses contrários, representados pelo mercado externo global
e pela cultura local que viveria a cidade de forma mais livre, como observou Jeudy;
Nos squats (prédios invadidos por artistas), a vontade manifestada é de
escapar ao sistema de subvenções, e se praticar uma arte na cidade em
condições ilegítimas, demonstrando que a liberdade de fazer pode ser
realizada no meio da vida citadina. E que não há necessidade de proteção
institucional para se empreender um trabalho artístico. E a própria cidade
oferece, pelo que rejeita, por seus resíduos, uma inacreditável fonte de
materiais, de locais, para viver essa liberdade de criação artística. JEUDY,
2005, p. 142
É nisto que parecem residir as práticas artíticas urbanas em Berlim, nas
sobras, em tudo que é rejeitado e consegue ser reaproveitado. Neste contexto, as
forças da criação concorreriam com as forças consumistas, ajudando a solucionar,
de forma criativa, problemas graves como moradia e trabalho que estariam ligados
diretamente a espaço e a tempo. Como já coloquei na introdução desta pesquisa,
através de Claire Bishop, parece que a queda do regime socialista foi responsável
pela fortalecimento das questões socio-políticas referentes à crise no senso
coletividade. Caberia a arte participativa e a intervencionista, através das AAU,
buscar o senso de comunidade perdido e resgatar a cidade como um playground,
um terreno aberto para a livre criação.
Observei que há um consenso na população de Berlim, de se preocupar em
praticar um capitalismo mais consciente e comprometido com o comércio local e
essa atitude conseguiria ainda manter o senso de comunidade e coletividade dos
74
HUYSSEN, 2000, p. 93
É importante atentar para o fato de que a cultura
Punk, se desenvolveu tanto no lado Oriental,
quanto no Ocidental. Fitas K-7 de bandas transitavam entre os dois lados e eram reproduzidas
maciçamenes; DVD ELEKTROKOHLE (VON WEGEN / off ways)
75
29
bairros. Huyssen comenta que, atualmente, o Kiez “dita os mais importantes
parâmetros do novo conservadorismo arquitetônico”76. A base desta resistência
urbana local seria este “romantismo Kiez”’ que tentaria conservar as características
peculiares de cada bairro, face aos interesses globais de transformação da cidade.
As mudanças que aconteceriam em Berlim seriam tardias, se comparadas às
várias outras cidades no mundo, como aponta Huyssen:
Desde a década de 70, pode-se observar, na Europa e nos Estados Unidos,
a restauração historicizante de velhos centros urbanos, cidades-museus,
(…) a onda da nova arquitetura de museus (que não mostra sinais de
esgotamento), o boom das modas retrô e dos utensílios reprô, a
comercialização em massa da nostalgia, a obsessiva automusealização
através da câmera de vídeo, (…) a difusão das práticas memorialísticas nas
artes visuais, geralmente usando a fotografia como suporte, e o aumento da
número de documentários na televisão, incluindo, nos Estados Unidos, um
canal totalmente voltado para a história o History Channel. HUYSSEN,
2000, p 14.
Esta “restauração historicizante” seria o plano que engessaria criativamente
as grandes metrópoles, faria do espaço público dos centros urbanos ambientes
monitorados por câmeras e transformaria cada metro quadrado da cidade em
galerias, cafés, restaurantes, escritórios, lojas ou outro estabelecimento lucrativo. A
padronização das cidades teria, como modo operante, a higienização de áreas de
interesse imobiliário que possam ser transformadas em um novo centro. Assim, essa
Berlim megalópole já teria sido projetada pelo capital externo, em 1947, pelo plano
Marshall e teria sido formada a partir da recontrução de suas próprias imagens e
memórias. Ao longo dos anos, uma cidade construiria o seu próprio sentido.
Em Berlim, as forças criativas tentariam promover a troca de interesses
comunitários, estimulando a solidariedade entre os cidadãos, em prol das
necessidades práticas da vida cotidiana. A cidade funcionaria como um grande
“quadro de avisos” e as práticas artísticas urbanas se utilizariam dela como mídia.
Para a pesquisa, este seria um modo legitimamente democrática para promover as
mobilizações sociais de interesse coletivo que tentariam reabilitar a esfera pública
local, para resgatar o sentimento de vizinhança e coletividade. O conceito de mídia
aplicado é de Zielinski; “as mídias são espaço de ação para iniciativas construídas
de conectar o que está separado”77
76
77
HUYSSEN, 2000 p. 101
ZIELINSKI, 2006 p. 23
30
O problema, como aponta Huyssen, é que “o discurso atual da cidade como
imagem é o dos ‘pais da cidade’, empreendedores, e políticos que tentam aumentar
a receita com o turismo de massa, convenções e aluguel de espaços comerciais”78.
Este processo se aproxima do que a socióloga Ruth Glass79 chamou de
gentrification. Termo aplicável às áreas inicialmente decadentes que foram
renovadas e mudaram por completo, tanto no aspecto físico material, na
reconstrução dos seus elementos arquitetônicos, quanto no aspecto imaterial,
remodificando o tecido humano que, por aquela área, antes transitaria. Esta seria a
solução para as metrópoles reaproveitarem comercialmente áreas enormes que
durante o século XIX se dedicavam às atividades portuárias e ferroviárias.
Por mais orgânica que a formação de uma cidade pareça ser, não há como
desconsiderar as medidas oficiais, os planos de desenvolvimento urbanos que
seriam previamente traçados pelo governo em conjunto com iniciativa privada e que,
em uma perspectiva curta de tempo, transformariam áreas inteiras,
descaracterizando bairros e criando um urbanismo perpassado pelo consumo e
comprometido com os interesses de uma economia global. Se faz útil recorrer à
Huyssen e sua crítica a Berlim:
O que é central para esse novo tipo de política urbana são os espaços
estéticos para o consumo cutural, megastores, mega eventos museicos,
festivais e espetáculos de todo tipo, todos tentando atrair novos tipos de
turistas – desde o visitante de feriado até o incansável caminhador
metropolitano, que vieram substituir o velho modelo do ocioso flâneur.
HUYSSEN, 2000, p. 91
Vários motivos explicariam o porquê de Berlim ter se tornado uma cidade
referência para as expressões artísticas das ruas, não só artes visuais, como o
grafite, tag ou estêncil, mas para toda ação que usa a cidade como um terreno fértil,
um playground e ainda pode fazer do cidadão um ser ativo, participante, um jogador.
Mas, a estética urbana marcante das ruas não estaria ligada só ao passado, mas às
questões apontadas para o futuro. Que futuro os artistas querem para Berlim?
Em 1995, Christo e Jean Claude embrulharam o prédio do parlamento
alemão, o Reichstag. (Fig. 14) Para Huyssen, a ação pactuaria com a estratégia que
“converteria a capital alemã em capital internacional da arte antes mesmo que o
governo de Bonn se transferisse para Berlim”80. Huyssen definiria
78
HUYSSEN, 2000, p. 91
GLASS, 1964
80
HUYSSEN, 2004, p. 45
79
a obra como
31
paradoxal: monumental e anti-monumental. A ação, através do símbolo nacional,
traria à tona as forças que poderiam se utilizar da cidade para produzir imagens.
Berlim viveria entre dois projetos de futuro. Um seguiria a trajetória das
grandes metrópoles europeias, onde a cidade é um museu ao ar livre, monitorada
por câmeras de vililância, um centro de entretenimento guiado pelas regras da
indústria do turismo e, em especial, do mercado imobiliário. Ele expulsaria os
moradores locais, ao contribuir para encarecer bens e serviços, aumentando o custo
de vida dos bairros e transformando áreas desvalorizadas em novos centros
comerciais. Assim, a periferia seria empurrada para lugares cada vez mais distantes.
O outro projeto de futuro seria ligado às histórias descontínuas da cidade, aos
passados antagônicos. Eles seriam tão necessários um para o outro que se
complementariam. O atual romantismo Kiez resultaria desta dupla influência; os
squats da Berlim Oriental dedicados, primordialmente, às atividades artísticas,
enquanto que os da Berlim Ocidental às necessidades de moradia barata.
O primeiro squat alemão81 teria surgido no Oeste, em Frankfurt. Nos anos 70,
moradores protestaram contra um projeto do governo de renovar antigos prédios
residenciais e transformar em escritórios comerciais. No lado Oriental, as pessoas
tinham moradia, emprego e educação garantida, mas os espaços para as atividades
culturais eram regulados pela Stasi, polícia secreta da República Democrática Alemã
(RDA), daí a necessidade de espaços para criação livre e para o desenvolvimento
da subcultura que iria contra o governo da República Federal Alemã (RFA).
Na guerra-fria, Berlim Ocidental atraia jovens de cidades Ocidentais, por não
exigir serviço militar obrigatório82.
Este detalhe ajudaria a compreender
características particulares que iram compor o perfil dos moradores de Berlim. Para
uma Alemanha reunificada, tolerância e criatividade seriam necessárias para ambos
lados conseguirem prosperar conjuntamente, deixando para trás antigas
competições, focando numa realidade que estaria sendo construída.
Logo após a queda do muro, quando anarquistas, punks, artistas e demais
correram para ocupar os lugares abandonados da Berlim Oriental, nos bairros de
Prenzlauer Berg, Mitte e Friedrichshain, teria havido uma fusão entre as pessoas
que carregavam o seu passado Oriental, o Ocidental e as que tinham um passado
81
De acordo com artigo publicado no
New York Times no dia 01 de Agosto de 2007, escrito por
Andreas Tzortzis: http://www.nytimes.com/2007/07/31/arts/31iht-hood.1.6912877.html Checado em
25/03/10
82
BOEHLKE e GERICKE, ISBN 3-932754-62-X, 2007
32
estrangeiro, longe da dualidade capitalismo / comunismo. Esse grupo heterogêneo,
que haveria povoado esses três bairros orientais, teria sido o que mais rápido se
adaptou às diferenças culturais e que mais cedo também conseguiu superá-las.
O squat e sua proposta de vida alternativa, em resistência ao lucro e ao
acúmulo de capital, seria coerente com as ideologias jovens das duas Alemanhas e
iria constituir a base da atual força que tentaria defender os interesses locais e se
opor à idéia de Berlim como uma Cidade Global. Os squats seriam associações que
subverteriam a lógica do sistema, ao criar uma estrutura auto-gerida e independente.
Os squats seriam “empresas comunitárias”83 que uniriam vida e arte, com
base na confiança entre os seus participantes, ao realizar trocas imateriais, tentando
eliminar, ao máximo, as relações de troca material, para assim evitar contribuir com
o lucro dos “parasitas” e atravessadores fora do squat. Embora recusem a influência
do capital e se afastem do mundo externo, as atividades culturais desenvolvidas por
eles seriam abertas ao público, a todos da comunidade.
A herança comunista haveria particularmente marcado a cidade, no que diz
respeito ao agir coletivo no espaço público, na organização da esfera social e,
principalmente, na troca de interesses e na ajuda mútua entre os cidadãos. As trocas
imateriais seriam a base da cultura dos squats e dos Kiez. Os fundamentos desta
cultura poderiam ser até hoje observados no que Zielinski, particularmente, chama
de “Economia da Amizade”. Ele afirma que, no mundo comunista, as redes de
conhecidos é que conseguiriam burlar estritas leis da RDA e da Stasi:
A idéia básica desta Economia da Amizade, é a qualidade da relação que
estou tentando salientar. Nas relações usuais, as pessoas trocam dinheiro,
uma coisa pela outra. Na Economia da Amizade, você não troca aquilo que
tem, mas o que não tem. É o oposto da idéia de produtividade e acúmulo
que estão regrando a economia capitalista e era, também, a forma
estabilizada de economia no comunismo. Quando digo estabilizada, me
refiro a forma pela qual a economia funcionava na prática, socialmente no
mundo Soviético. É uma estrutura muito poética, claro, mas tem a ver com
84
fartura e desperdício, estes são termos que aprendi com Georges Bataille,
com os pensadores franceses que encabeçaram essas idéias. Só funciona
se existir uma atração, das duas parte, como uma relação pessoal e é
absolutamente confiável porque não é um valor abstrato. É uma relação de
troca na mesma altura dos olhos, igual. Uma troca no mesmo nível e isso
85
que a amizade é.
83
JEUDY, 2005, P. 142
Lavishness e squandering esses foram os termos que o professor usou em inglês.
85
Em entrevista concedida a autora desta pesquisa, realizada no dia 21 de Maio de 2010, na
Universität der Künste Berlin (UdK).
84
33
O que chamamos de squat seriam moradias, com algum acordo, contrato
mútuo que daria algumas garantias aos seus moradores. Embora ainda existam
alguns squats, a maioria deles teve seus moradores despejados. Os que
conseguiram resistir contaram com uma mobilização popular que teria feito pressão
suficiente para que processos judiciais se arrastassem na justiça, adiando ao
máximo a batalha final da expulsão. Muitos squats foram legalizados, através de
campanhas de arrecadação de fundos, que teriam permitido que eles juntassem
dinheiro suficiente para comprar as construções que habitavam. Neste mix de
empresas comunitárias e punks na iminência de despejo, em 20 anos, Prenzlauer
Berg, Mitte e Friedrichshain se transformaram nos bairros mais caros da cidade.
Depois de guerras, muro e decadência, parece que Berlim teria se
encontrado, se reinventado ao criar um estilo próprio, inovador, que teria como base
o potencial transformador dos próprios moradores. Não só de transformar os
espaços fisicamentes, mas de transformá-los através de atividades exercidas pelo
tecido humano que utilizaria os espaços penetráveis da cidade. Quando os squatters
compram a sua moradia, cada um vai explorá-la como lhe for conveniente.
Em 2005, a UNESCO elegeu Berlim como a Cidade do design, considerando
memoráveis os avanços sociais, econômicos e culturais promovidos, direta ou
indiretamente, pela indústria do design. Esse título não diz respeito unicamente ao
desing, mas se refere ao emaranhado de bens e serviços que fazem parte do que se
tem chamado hoje de Economia Criativa86 e que movimenta profissionais liberais
das mais diversas áreas, em várias partes do mundo. A cultura do squat, o
“romantismo
Kiez”, teria sido fundamental para Berlim ter obtido esse
reconhecimento da UNESCO, em 2005.
Mesmo comunitárias, os squats haviam se transformado em empresas das
mais diversas; ateliês, bares, cafés, lojas, livrarias, restaurantes, galerias e muitos
clubs de música eletrônica. Os moradores exercem diversas atividades e convivem,
harmonicamente, com base na lógica do sistema comunal, de trocas e de
colaboração, na tentativa de prosperar juntos, para reinventar uma nova cidade. A
herança desta cultura comunal parece que foi primordial para a cidade,
86
De acordo com matéria publicada pela Folha de São Paulo 13/02/2011: “O conceito vem dos anos
90: indústrias criativas são aquelas com potencial de geração de riqueza e emprego por meio da
utilização de propriedade intelectual. Do conceito surgiram experiências de cidades ou núcleos
criativos, como forma de transformação de áreas degradadas e de desenvolvimento sustentável”.
Acesso em 03/05/2011:
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/874934-cultura-quer-foco-em-economia-criativa.shtml
34
principalmente no que diz respeito ao compromisso que essas empresas coletivas
parecem ter com seu entorno e com a própria cultura local.
Estas empresas e organizações culturais, políticas e sociais haveriam dado
tão certo que teriam ajudado Berlim a prosperar e hoje esses espaços mais livres da
lógica do sistema capitalista teriam, de certa forma, se institucionalizado. Isso
haveria se dado através de meios legais, como a transformação destes
empreendimentos coletivos em OnGs, empresas com benecífios fiscais87. Esta teria
sido a forma encontrada para essas empresas continuarem a existir, mesmo que
tivessem que se institucionalizar para afastar a ameaça de despejo.
A transformação, bem-sucedida, dos Kiezes em empresas mudaria os bairros
e desagradaria os herdeiros da contracultura. Um exemplo de descontentamento
pode ser notado através do site www.brennende-autos.de , onde foram mapeados o
incêndio de 633 carros, entre 2007 e 2010. Em 2009, o índice chegou a ser de um
carro queimado por dia alternado, somando 216 no total, índice alto para uma cidade
europeia. (Fig. 15) Ataques a carros luxuosos são comuns e demonstrariam a
rebeldia popular, como este porche coberto de tinta, em 2009. (Fig. 15a)
Os carros foram mais atacados nos três bairros “da moda” da Berlim Oriental,
mas também em kreuzberg, área que era pouco prestigiada na antiga Berlim
Ocidental, espremida entre o Muro e por um canal a margem do rio Spree. Na
margem do canal, existem vários bares, boates, etc advindos de squats. O bairro vê
seus empreendimentos coletivos e áreas baldias (Fig. 15b) ameaçadas, devido a um
projeto de urbanização, batizado de Media Spree. Este vem construindo um
conglomerado de empresas de telecomunicações (Fig. 15c), nas margens do rio
Spree, e prevê acabar com os últimos redutos de empresas criativas do bairro.
Kreuzberg, com o passar dos anos, se tornou reduto dos Punk ocidentais, artistas,
squatters e também de imigrantes turcos que, maciçamente, habitaram os
Mietskaserne periféricos da próspera Berlim Ocidental.
Os squats mais antigos de Berlim encontram-se no lado Ocidental, como por
exemplo, o Bethanien, um hospital do século XIX desativado em 1970. Em 1974, um
grupo ativista impediu a demolição do prédio e, no ano seguinte, foi fundada a
87
Na Alemanha, as OnGs recebem uma licença especial chamada de “GmbH”.
35
Kunstlerhaus Bethanien, uma instituição de arte comtemporânea que sobrevive com
o apoio de instituições internacionais88 e seus programas de artista-residente.
Durante os primeiros anos, não foi fácil para a Kunstlerhaus permanecer no
prédio. Em 1989, em acordo com a sub-prefeitura de Friedrichshain e Kreuzberg,
uma escola de música para crianças foi instalada no térreo do prédio. A iniciativa
fazia parte do plano de integração governamental que tentava incluir socialmente a
comunidade turca majoritária do bairro. Parece que iniciativa deu certo, visto a
harmonia que diferentes grupos sociais circulam no prédio.
Os desafios para a sobrevivência de um squat sempre foram numerosos.
Depois de 16 anos de atividade, em 2005, o espaço Yorckstrasse 59 foi invadido,
em uma ação surpresa de 500 policiais89 que despejou 60 moradores. No mesmo
dia, os ativista interferiram nas frequências de uma rádio local para anunciar a ação
policial e pedir apoio popular; várias ruas foram bloqueadas e vitrines de lojas
quebradas em várias partes da cidade. Ao final do dia, uma manifestação de três mil
pessoas tinha se deslocado para um novo endereço que o grupo havia invadido.
Depois de negociações, a sub-prefeitura de Friedrichshain e Kreuzberg,
resolveu abrigar o grupo, temporariamente, no setor sul da Bethanien90. (Fig. 16) O
grupo teria alguns encargos nos custos de manutenção do prédio e teria que se
adaptar a seus vizinhos, a instituição artística, auto-gerida, Kunstlerhaus Bethanien e
a escola de música, Musikschule Friedrichshain-Kreuzberg. No novo espaço, o
Yorckstrasse 59, que era composto de três organizações,91 passou a se chamar
New Yorck e multiplicou para vinte o número de espaços coletivos sócio-culturais.
Embora a cultura alemã seja marcada pela rígida disciplina das obrigações e
deveres, a consciência ao direito à comunicação, à liberdade de expressão artística
parece ser forte nos cidadãos. Ao ver seus interesses ameaçados, a população local
se articularia politicamente, através de mobilizações populares que teriam
capacidade de pressionar o governo e criar uma opinião pública92 em sincronia com
as reais procupações coletivas. Assim a recente decisão da chanceler Angela Merkel
de extinguir as indústrias nucleares até 2022 haveria sido fruto da pressão popular.
88
O itaú cultural é uma das parcerias que eles estabelecem. Para consultar lista completa:
http://www.bethanien.de/kb/index/trans/en/page/partner
89
Fonte do grupo: http://yorck.plentyfact.net/taxonomy/term/4
90
Fonte: http://de.indymedia.org/2005/06/121527.shtml
91
Eram elas: Anti-racist Initiative (ARI), the radio Onda, the Latin American information service Poonal
92
Como abordarei no ítem 3.2 desta pesquisa.
36
No capítulo três, abordaremos a questão da opinião pública e investigaremos
a possibilidade dela ser construída e manipulada pela mídia. Como pensa Huyssen,
“sabemos que a mídia não transporta a memória pública inocentemente; ela a
condiciona na sua própria estrutura e forma”93. Parece que o trauma histórico
alemão haveria treinado seus habitantes a ter mais controle sobre suas memórias,
pela constante ameaça de vê-las destruídas. Assim, eles tentariam pautar a mídia
tradicional com questões de interesse coletivo e criar redes de mídia independente.
Essa preocupação com a memória estaria, diretamente, ligada à
comunicação, à possibilidade de armazenar, gerar mídias e de, assim, reproduzir
verdades, fragmentos de olhares. O mecanismo de percepção e apreensão das
memórias seria alterado pela sobrecarga de informações que passariam a chegar ao
cidadão, o que, para Huyssen, seria devido à existência de uma “nova estrutura de
temporalidade, gerada pelo ritmo cada vez mais veloz da vida material”94.
Desta forma, uma Alemanha que foi isolada por quarenta anos teria que
reaprender a subordinar seus processos de memória e recriar uma nova atitude, em
relação ao tempo e ao espaço. O plano de desenvolvimento que estaria sendo
implementado em Berlim, desde a queda do muro, nunca teria atentado para os
reais anseios das comunidades locais. As instituições modernas e os novos projetos
de urbanização teriam comprometido o presente, ao terem se deixado seduzir pela
cultura museística da memória, do monumento e da nostalgia.
Huyssen argumenta que a crise da memória seria gerada pela dependência
do passado e pelo seu caráter redentor, destruindo qualquer possibilidade de fazer
uma leitura produtiva dele, uma rememoração bem-sucedida, capaz de refletir sobre
problemas do presente, através dos erros do passado. O avanço do consumo de
memórias seria igual ao nível de esquecimento:
Se nós estamos, de fato, sofrendo de um excesso de memória, devemos
fazer um esforço para distinguir os passados usáveis dos passados
dispensáveis. Precisamos de discriminação e rememoração produtiva; e,
ademais, a cultura de massa e a mídia virtual não são necessariamente
incompatíveis com este objetivo. HUYSSEN, 2000, p.37
Compreendo que as atividades político-sócio-artísticas desses grupos
alternativos, dos squatters, seriam uma forma prática de “rememoração produtiva”,
pois suas reivindicações seriam coerentes com suas trajetórias e utilizariam o
93
94
HUYSSEN, 2000, p. 22
HUYSSEN, 2000, p. 74
37
espaço público em prol de idéias coletivas. As paredes das cidades teriam sido as
primeiras mídias subversivas e se a memória poderia ter um uso político, a cidade
também, através das diferentes memórias que ela pudesse conseguir armazenar.
A história do povo alemão foi marcada por sequentes privações causadas por
duas Guerras seguidas. Ao final da Segunda Guerra Mundial, Oriente e Ocidente
queriam esquecer as memórias traumática de fome, de frio e viver em paz, como
relata David F. Crew, em Consumismo na Alemanha na Guerra-fria :
Sentados nas ruinas do “Terceiro Reich”, a maioria dos alemães apenas
queriam saber qual Alemanha pós-guerra iria conseguir banir a realidade a
memória das dificuldades dos tempos de guerra mais rápido e mais
completamente. Consumo e qualidade do dia-dia rapidamente surgiram
como um importante campo de batalha, onde o conflito Leste e Oeste seria
travado. CREW, 2003, p. 2
Observei que a luta dos squatters representaria a união entre o Leste e o
Oeste, na busca pela qualidade de vida que motivaria o povo alemão, desde o pósguerra. Antes da Alemanha ser dividida, durante o período nazista, a propaganda
teria sido a estratégia para manipular a opinião pública. Isto teria contribuído para a
formação de uma consciência mais crítica e política e o que refletiria em um senso
de responsabilidade individual na formação da chamada “opinião pública”.
A história da propaganda estaria intimamente ligada à das guerras, à
manipulação das massas, ao controle dos seus pensamentos e à propagação de
idéias que sustentassem ações políticas. Estas possibilidades de manipulações
seriam de interesse de vencidos e de vencedores. Campanhas publicitárias com
posters, para ridicularizar o inimigo, eram bastante populares na Europa e, já na
Primeira Guerra Mundial, cartazes deste tipo eram comuns nas ruas. (Fig. 17)
A cultura dos posters teria instigado as ruas como um território de conflito,
entre a realidade oficial transmitida pela propaganda e a realidade vividas pelos
cidadãos. Interferir no espaço público seria a uma forma de tentar espalhar idéias
contrárias ao sistema, fosse ele comunista ou capitalista, afirma Marta Sylvestrová:
Sob os regimes totalitarios do Centro e do Leste Europeu, toda
comunicação de massa ficava sob o restrito controle do governo; o jeito de
comunicar idéias não oficiais era através de posters, folhetos, e banners,
literatura “samizdat” e outras formas de cultura underground. As
autoridades de censura não poderiam impedir que a produção de desenhos
à mão e impressões caseiras de posters aparecessem e reaparecessem
nas ruas, nos muros e janelas das cidades durante as revoltas antitotalitárias. SYLVESTROVÁ, 1992, p. 13
38
Nos feriados nacionais soviéticos, os cartazes eram um convite que clamava
a participação da população. (Fig. 18) Na Berlim Oriental, os festejos do primeiro de
maio eram na rua, com a presença dos grandes lideres do partido comunista, em
uma grande festa; com apresentações de música e dança e, num misto de medo e
apoio ao partido, os moradores penduravam a bandeira da RDA nas janelas. Até
hoje, seria o feriado mais celebrado em Berlim, porém, a comemoração se
caracterizou pelo seu caráter não oficial e se tornou um dia de festas espontâneas
na cidade e de demonstrações populares, muitas vezes violentas.
No espaço público socialista, além dos cartazes, outra forma de propaganda
parece ter influenciado a estética urbana contemporânea, os murais. Por toda União
Soviética, as fachadas dos prédios eram exploradas com painéis, mosaicos, pinturas
e esculturas que colocavam os cidadãos em contato diário com idéias que queriam
ser fixadas na cabeça do povo, como, por exemplo, a supremacia na corrida
espacial e a vida feliz do campesino (Fig. 19). A dimensão monumental dos murais
pintados ou mesmo esculpidos nos prédios, se basearia nas mesmas diretrizes da
arte arquitetônica que é absorvida e assimilada, através da distração, enquanto as
pessoas transitam ao redor dos prédios, como explicaremos no capítulo seguinte.
Em uma sociedade marcada por quarenta anos de influência socialista, a
relação das pessoas com o espaço público ainda estaria bastante ligada à
coletividade e a sua função pública como um espaço de lazer. O teor político e
crítico das mensagens escritas nos muros da cidade pode ser observados tanto
através de desenhos coloridos dos inúmeros grafites, como através de textos
pichados e tantas outras formas criativas que permeiam a cidade. (Fig. 20) Para
obter êxito, ao espalhar suas idéias, os artistas atuantes na cena berlinense
parecem estar dispostos a utilizar todos os meios e brechas possíveis que a cidade
proporcione, mesmo que eles sejam subversivos e ilegais.
Parte de nossa investigação seria compreender como se daria o
deslocamento da arte, para os espaços públicos, e como poderíamos criar
dispositivos sócio-estéticos para avaliar esta mudança. Parece-nos necessário
comparar as motivações dos artistas que intervêm nos centros urbanos de cidades
tão diferentes e entender o que faria com que a prática do grafite, por exemplo, se
tornasse tão difundida. E o que moveria a escolha por essa forma de expressão?
Zielinski poderia dar pistas sobre uma resposta, quando comenta que:
39
Quando os espaços para a ação tornam-se cada vez mais limitados para
todos os que são de difícil controle, ou que não se ajustam inteiramente,
que são fora do comum ou estranhos, então devemos tentar confrontar o
possível com suas próprias impossibilidades, dando-lhes em troca
experimentos mais inspiradores e mais valiosos. ZIELINSKI, 2006, p. 27
A atuação do artista no espaço público seria uma espécie de confronto entre
a realidade previsível, cotidiana, e a realidade lúdica, imprevisível, construída pelo
artista e pelas subjetividades do público. As AAU e os seus jogos seriam criados a
partir das possibilidades e impossibilidades dos elementos presentes no espaço
público e, também, dos elementos que poderiam ser adicionados a ele. Assim,
existiria uma chance de travar relações mais próximas, tanto do público com ele
mesmo e com o processo do artista (arte participativa), quanto do público com a
própria cidade e objetos (arte intervencionista). A intimidade se daria através da
observação, do público ser tocado por algo que poderia, apenas, ser um detalhe,
mas consegue ter destaque no seu cotidiano.
Assim, uma frase pichada em um muro poderia criar essa proximidade com o
transeunte, dependendo do que lhe comunica. Uma frase bem humorada só fará
sentido se quem a ler compartilhar do mesmo senso de humor. Desta forma, vemos
importância em investigar alguns aspectos do grafite para a análisar as demais AAU.
1.2 Grafite: a estética urbana
Em Berlim, a consciência coletiva, em relação ao espaço público, poderia ser
observada, não só através do uso de parques e praças e pelo fato de um terço da
cidade ser ocupada por lagos e bosques95, mas pela forma espontânea que a cidade
seria utilizada e ornamentada com elementos estéticos pelos seu habitantes. Esta
atitude poderia ser observada na forma especial como eles parecem se preocupar
com a pintura das fachadas de suas casas, prédios e estabelecimentos comerciais,
nas plantas que colocam nas calçadas, nos jardins coletivos96 que algumas
comunidades mantém e na forma como as artes visuais, especialmente o grafite,
conseguiria permear a cidade, seus espaços públicos, privados e principalmente os
seus espaços vazios.
95
Fonte: Folha de São Paulo, caderno turismo do dia 14/04/2011 p. F5.
Esses jardins são heranças das guerra, quando o governo estimulava que o cidadão fosse
autosuficiênte e produzisse seu próprio alimento.
96
40
Pude perceber, no espaço público de Berlim, que duas forças antagônicas
competiriam e atuariam na cidade: as forças criativas, de carater coletivo e as forças
consumistas, de carater individualistas. Cada uma delas seria representada,
respectivamente, pela arte e pela propaganda97. Para me reaproximar dos conceitos
que apresentei há pouco, cada força dessa seria motivada pela personificação do
seu maior extremo: pelo vagabundo e pelo turista. Me afastando desses extremos, a
diferença se faria entre as pessoas que não teriam pretensões de acumular riquezas
e aquelas que teriam nos sonhos consumistas as suas realizações pessoais.
Na minha perspectiva, em Berlim, a criatividade seria a primeira alternativa
encontrada, pelo poder local, pelos artistas e moradores que se encontravam fixados
na cidade, para tentar reagir contra o consumo imposto por uma cultura globalizada.
Os avanços imobiliários teriam efeitos mais destrutivos para o tecido humano da
cidade, como afirma Huyssen, a respeito da urbanização que foi implantada no
bairro de Potsdamer Platz, que teriam matado “a aberta, móvel e multiplanamente
codificada cultura urbana que um dia caracterizou esse eixo central do tráfego entre
as partes Leste e Oeste da cidade”98, nas décadas de 1920 e 1930. (Fig. 10)
Por parte dos moradores, existiria um pensamento bastante difundido em
“ajudar o bairro a melhorar”, uma consciência em consumir nos estabelecimentos
locais, em enfeitar jardins, paredes e frequentar praças e parques das vizinhanças
às quais pertencem. Adornar o espaço público é uma característica marcante em
ambos os lados da cidade. Em Novembro de 2009, a revista Piauí publicou um artigo
no qual Tim Apmann dá um depoimento sobre sua vida na Alemanha Oriental dos
anos 70 e traz um fato que ajuda a explicar a cultura dos painéis nas laterais e
fachadas dos prédios:
Por lei, todo prédio novo era obrigado a alocar 3% de seu orçamento para a
decoração de suas paredes externas. Como minha mãe tinha estudado
pintura mural na escola de Belas-Artes, coube a ela dedicar-se a essa
tarefa. Segundo a orientação do regime, a arte mural deveria exprimir a
felicidade das pessoas que tinham a sorte de viver na parte socialista da
Alemanha. Poderia também retratar a miséria dos que viviam na parte
capitalista da Alemanha - cujo governo era manipulado pelos nazistas e
97
Embora estejamos aqui opondo arte e propaganda, se faz necessário afirmar que essa
argumentação é localizada na cena orgânica de arte urbana em Berlim. Nem sempre a arte, através
das forças criativas, seria de caráter coletivo. Arte e propaganda estariam intimamente ligadas, mas
dentro da perspectiva de que a arte propaga idéias, significados e representações que podem, sim,
ser focadas no lucro, estarem servindo ao mercado de arte e ligadas às forças consumistas, de
carater individualista.
98
HUYSSEN, 2000, p. 107
41
pelos imperialistas americanos - onde não existia o direito ao emprego, à
99
educação ou à habitação.
A cultura dos murais sobreviveu e, até hoje, colore a cidade com os variados
temas, mesmo sem uma lei específica para isso. Por vezes, o estabelecimento
comercial do térreo pagaria os custos e decidiria o que iria pintar. As subprefeituras
distritais também comissionam algumas produções, porém, o mais comum seria os
moradores se reunirem, dividirem os custos e decidirem por algo que geralmente
“passe uma mensagem”. O tema da guerra seria um dos mais abordados, como
esse antigo squat chamado de Tommy Weissbecker Haus que traz uma figura militar
se masturbando, em meio ao caos da guerra (Fig. 21), mas as decorações com
paisagens e natureza também seriam uma opção bastante presente. (Fig. 22)
Independente de quem os custeiam, os paredões coloridos criariam um
diálogo com seu entorno, interfeririam na paisagem e até poderiam interagir com ela,
a exemplo dos que se utilizam das sombras formadas nas paredes, como um
elemento integrante do mural. Victor Ash, em dois trabalhos diferentes, explora a
sombra. (Fig. 23) Em Falling Graffiti Writers and trees,100 ele brinca com a paisagem
e parece criar uma espécie de sombra que, à noite, se mistura às sombras
verdadeiras. Em Astronaut / Cosmonaut, a sombra real de um mastro com uma
bandeira faz parecer que ela acabou de ser fincada ali e o seu flamejar dá um certo
movimento ao cosmonauta que parece levitar na gravidade101. A obra em preto e
branco chama atenção e se olhada fixamente, devido ao seu alto contraste, gera um
efeito ilusório de permanência na retina.
Esta forma de expressão artística, os murais grafitados, já foi
institucionalizada na cidade. Seja através da prefeitura, que comissiona concurso
para adornar lugares específicos, ou das corporações que, com frequência,
encomendam obras de tamanho monumental. Com a falta do domínio da língua e do
repertório simbólico da cultura alemã, muitas vezes, não conseguiria decifrar se um
mural seria ou não uma propaganda. A experiência estética não necessariamente
precisaria do conhecimento específico daquela cultura, embora esse tipo de
99
Consulta realizada em 22/11/10:
http://www.revistapiaui.com.br/edicao_38/artigo_1174/9_de_novembro_de_1989_e_eu.aspx
100
De 2008, tem 700 m2 e foi o projeto ganhador de um concurso promovido pela subprefeitura de
Friedrichshain.
101
O munral é de 2007 e foi comissionado pela subprefeitura de Kreuzberg e pelo Kunstraum
Bethanien Museum.
42
embasamento possibilitaria uma compreensão crítica a respeito. A sensação é de
caminhar em uma cidade que “fala” a todo momento, seja com mensagens
gigantescas ou objetos largados nas vias públicas. O que seria diferente da
experiências estética urbana que experimentamos no Brasil.
Mesmo esses painéis-propagandas poderiam, de alguma forma, adornar a
cidade e se comunicar com o cidadão, antes mesmo que ele identificasse quem
seria o “anunciante”, como por exemplo o mural encomendado pelo Mercury Hotel
ao coletivo de artistas latinos Interbrigadas. (Fig. 24) Os artistas foram direcionados
a comporem algo caótico que representasse Berlim em diferentes épocas e pudesse
fazer com que os passageiros do metrô se surpreendessem, a cada dia, com algo
que não haviam percebido antes, devido aos inúmeros detalhes do mural. A obra se
destaca no caminho da linha dos metros U1 e U2, em 600 metros quadrados.
Mesmo longe do centro, nos subúrbios mais tradicionais, como por exemplo
em Köpenick, é possível ver propagandas com essa mesma estética urbana. (Fig.
25) A Nike seria uma grande patrocinadora dos murais na cidade. A campanha “joga
bonito”, lançada na copa de 2006, fez vários destes murais, na área central de
Belim, para recepcionar a seleção brasileira. (Fig. 25a)
Apesar do grafite marcar a cidade com tinta, essa prática seria efêmera, o
espaço público não garantiria a sua permanência e a transformação e
desaparecimeno dela seria inevitável. Quanto mais tempo uma intervenção consiga
permanecer, mais ela iria fazer parte da identidade visual daquele local e se
solidificaria na memória dos cidadãos. A cidade e espaços urbanos penetráveis
seriam propícios para abrigar memórias coletivas da realidade local. Não
exclusivamente local, há alguns assuntos que são incluídos no espaço público pela
sua relevância global, como pude observar em relação à guerra do Iraque, após os
ataques de 11 de setembro, nesta foto de 2004. (Fig. 26)
O grafite seria uma expressão artística que não apenas se integraria
especificamente ao local em que é produzida, mas teria capacidade de impor, de
forma monumental, a sua existência, tornando-se assim, uma atração a mais para a
área na qual se encontra. Esta seria a estratégia da prefeitura, para impulsionar o
turismo urbano e aproveitar a fama underground que Berlim teria.
Pela estética de um bairro, poderiam ser identificados elementos que
demonstram os interesses da comunidade. A arte produzida na rua indicaria o forte
potencial criativo das pessoas que habitam aquela área e expressaria o forte desejo
43
da comunidade participar, de forma ativa e consciente, na criação dos espaços
públicos, uma vez que ela usufruiria deles. Existem alguns concusos comissionados
pelas sub-prefeituras que fazem a ponte entre os artistas e a comunidade local,
como Back jumps, Urban Grassroots: Panet Prozess e Urban Affairs.
Durante muito tempo, o grafite foi marginalizado pelas instituições tradicionais
de arte. Depois que adquiriu legitimidade pelo mercado de arte e passou a
frequentar museus, a atividade na rua passou a ser alvo de críticas da mídia e da
sociedade civil. Seria como se o fato de ter sido aceita dentro de um espaço
expositivo, fizesse com que ela não precisasse mais se mostrar rebelde e se arriscar
em lugares incertos. Essa articulação direta da prefeitura com a estética urbana
indicaria que as transformações na cidade afetariam o campo das artes e as
legítimas manifestações públicas da arte de rua.
O plano de eliminar as habitações comunais e tornar Kreuzberg uma
“disneylândia da arte contemporânea” parece bastante condizente, pois, como
afirma Huyssen, “o discurso atual da cidade como imagem é o dos ‘pais da cidade’,
empreendedores, e políticos tentam aumentar a receita com o turismo de massa,
convenções e aluguel de espaços comerciais”102. Porém, os
turcos103 presentes em
200 mil imigrantes
Keuzberg fariam da transformação do bairro um desafio
maior que o enfrentado por Mitte, Prenzlauer Berg e Friedrichshain.
Quando Berlim se estabilizou como a capital alemã, seus “novos bairros”
ressurgiram mais estruturados. Foi quando os squats foram legalizados, acordos
com proprietários foram assinados. Quando as propriedades foram adquiridas e
legalizadas, parte dos squatters largou a rebeldia e prosperou como profissional
liberal de empresas coletivas ligadas às atividades criativas. Agora, além de pagar
contas, esses moradores poderiam consumir e acumular riquezas. Um exemplo
desta mudança pode ser dado pelo fato de Prenzlauer Berg, hoje, ter uma das
maiores taxa de natalidade da Europa104.
As mudanças nos bairros demonstrariam que identidade e territoriedade
estariam em cheque, nesta tentativa do governo fortalecer a imagem avant-gard de
Berlim. Embora estejamos contextualizando as práticas artística urbanas, em
especial a sua expressão mais evidente em Berlim, o grafite, não estamos fazendo
102
HUYSSEN, 2000, p. 91
Fonte: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/muro3.htm
104
De acordo com http://www.dw-world.de/dw/article/0,,2079836_page_3,00.html
103
44
um julgamento estético dela, mas investigando a sua legitimidade e capacidade de
produzir significados e subjetividades no ambiente urbano.
Berlim foi reconstruída pelos que insistiram em permanecer na cidade, depois
da queda do muro. Ou por aqueles que decidiram se fixar nela, após 1989. As
pessoas lutariam pelo direito de conservarem as características particulares que
fizeram com que Berlim fosse o que é hoje. Mesmo que o governo se utilize das
práticas artísticas urbanas, como um diferencial para o desenvolvimento econômico
e turístico da cidade, não acreditamos que isto enfraquecerá a resistência local.
Para garantir a existência de zonas autônomas de criatividade e lugares livres
dos interesses capitalistas, os moradores de Berlim parecem estar dispostos a
mobilizar a opinião pública e se utilizar de todas as estratégias que a cidade
proporcione. Nesta batalha, a arma mais comum dos cidadãos seria o picho, o
grafite e o lambe-lambe (pôsteres). Imprimir nas vias públicas uma expressão
individual, autêntica, caracterizaria as práticas artísticas urbanas. Não que esta fosse
a maneira de protesto mais eficiênte, porém, esta seria uma das formas de chamar
atenção popular para as causas coletivas, durante seus afazeres cotidianos.
1.3 Arte como protesto
Na era das novas mídias e possibilidades de suportes tecnológicos, a arte
ganharia as ruas e, de forma lúdica, se utiliza da cidade como um playground, não
apenas se usando a tecnologia na própria criação, como podemos ver em projetos
como blinkenlights (Fig. 27) e uma prática comumente chamada de laser tag (Fig.
28), mas. principalmente, se dispondo das novas tecnologias, para modificar a
interação entre público e obra, autor e processo.
No projeto alemão, de 2001, blinkenlights se utilizou de um prédio105 na região
central de Berlim, para construir uma tela interativa, durante quase 24 semanas.106
As janelas do prédio foram dispostas como uma tela, onde cada uma delas
funcionavam como um pixel (estrutura que forma as imagens eletrônicas). Para
participar, as pessoas ligavam para um número e poderiam jogar PONG, antigo jogo
de computador, enviando os comandos através do teclado do seu celular. A
possibilidade de criar na janela tela teria sido tão inspiradora para as pessoas, que
105
106
O haus des lehrers, histórico prédio dos professores da RDA.
http://blinkenlights.net/blinkenlights último acesso em 04/04/2011
45
os organizadores abriram para que o público mandasse suas animações feitas a
partir das limitações daquela tela. Com Blinkenlights Love Letters, as pessoas
podiam impressionar seus amados de forma pública, pessoal e monumental.
O Laser Tag seria uma prática que permitiria desenhar e escrever em tempo
real, de forma remota. Em 2008, na Rússia, um coletivo de artistas se utilizou desta
técnica para iniciar uma ação invasiva no prédio do parlamento russo. (Fig. 29) Sete
membros do grupo Voina, que em russo quer dizer “guerra”, teriam escalado os sete
metros do portão principal, destruído o sistema interno de câmeras e saído ilesos.
Logo depois, tropas federais chegavam atrasadas e atordoadas com a ação.
Ações como as do Voina desafiariam o poder público e colocariam a arte no
limite do crime. A arte contemporânea frequentemente testaria as fronteiras entre o
legal, permitido, e o ilegal, passível de prisão. Como esta ação, de 1999, em Berlim,
realizada por Iepe Rubingh, o mesmo que espalhou tinta de bicicleta, citado na
introdução deste trabalho. (Fig. 30) Para explicar suas motivações, ele faria uma
aproximação de suas ações artísticas com atos terroristas:
Como os terroristas, trabalho com elementos de choque e desorientação. A
grande diferença é a escala. Existem muitos aspectos positivos nestes
elementos, as pessoas têm que repensar. Elas nao sabem exatamente o
que acontece pois a situacao é fora da ordinária. Mas, diferente dos
terroristas, não estou querendo causar medo, mas também quero a maior
107
cobertura da mídia possível.
Embora os estudos sobre as novas AAU pareçam se tornar mais frequentes,
o seu ensino não acompanharia ritmo igual. Mesmo na Alemanha, com práticas
urbanas tão notáveis, as escolas de arte ainda teriam dificuldade de se abrir às
atividades pouco solidificadas dentro das instituições de Arte. Por isso, existiria uma
forte rigidez em focar numa formação tradicional do aluno. Nesta questão, estaria a
legitimação do artista e de sua obra.
Fomentar a formação de grupos contrários aos interesses institucionais, tanto
do Estado, da Arte, como o da própria Escola, não estaria na agenda de prioridades
acadêmicas. Por essa razão, vejo relevância em apresentar um grupo de Berlim, o
Interfugs. Desde 1989, eles se destacam por fazer a ponte entre a Universidade e a
arte externa à academia e por provocar debates polêmicos dentro de sala de aula.
A história deste grupo surgiu de uma greve geral de alunos e vários membros
da Universität der Künste Berlin (Universidade de Artes de Berlim- UdK). O principal
107
http://www.joker.iepe.net/newyork1.html Site do artista, checado em 10/06/2011
46
motivo teria sido a incapacidade dos cursos daquela época aplicarem o uso de
mídias e novas tecnologias para a produção artística. O ensino da UdK era voltado,
apenas, para pintura e escultura. Hoje, o interflugs conta com cinco salas no prédio
principal e até um orçamento da UdK para promover atividades gratuitas para
estudantes e não estudantes, tendo em foco a arte como forma de protesto.
As ações do interflugs seriam uma tentativa de democratizar o acesso ao
conhecimento, visariam dinamizar a formação acadêmica, integrando estudantes de
diferentes áreas e combateriam o interesse coorporativo dentro da instituição. Em
2004, a Volkswagen contribuiu com 10% dos custos de uma nova biblioteca e
incorporou sua identidade corporativa (logomarca) na linguagem diária de mais de
trinta mil estudantes. Em 2006, a empresa abriu sua própria universidade e estendeu
aos seus estudantes os mesmos privilégios que os estudantes da UdK e da
Technische Universität (Universidade técnica- TU) teriam na sua própria biblioteca.
A crise na educação do artista não é isolada. A interpenetração do capital
público e privado seria uma constante do liberalismo econômico. No espaço público,
como abordaremos no capítulo três, esta crise se faria mais evidente e isto motivaria
o interflugs a levar às ruas várias atividades, como vemos através dos workshops de
verão que foram realizados em comemoração aos 20 anos do grupo, em 2009.
O Interflugs Sommer Akademie obteve permissão para ocupar uma escola
pública108 e hospedar participantes do mundo inteiro,
durante 22 dias do verão de
2009 (23 de julho até 13 de agosto). Nos primeiros dias, havia pouca gente
acampando no edifício, mas, gradualmente, as pessoas foram chegando. A
impressão era de que cada um que chegava espalhava a notícia para os amigos e
convidava mais gente, já que todas as atividades promovidas eram de graça,
inclusive a própria hospedagem.
O dia começava com um café da manhã coletivo; os organizadores iam juntos
para um mercado buscar alimentos menos vistosos que sempre sobram e são
disponibilizados gratuitamente, em certos dias da semana. Todas as refeições eram
108
Rütli, em Neukölln, ficou conhecida em 2006 quando a escola passou a ser policializada para que
as aulas acontecessem, depois de um professor ter sido espancado. A violência entre os alunos era
tamanha que a diretora pediu o fechamento da unidade. Este fato colocou em questão a eficiência do
sistema escolar alemão. As Hauptschulen concentravam os alunos com piores desempenhos
escolares e se tornaram um problema por concentrar até 83% de alunos estrangeiros, como era o
caso da Rütli. Em 2010 as Hauptschulen foram abolidas. Dados de acordo com Deutsch Welle,
c o n s u l t a d o e m 2 0 d e f e v e r e i r o d e 2 0 1 0 . D i s p o n í v e l e m : h t t p://www.dwworld.de/dw/article/0,,1950567,00.html
47
preparadas coletivamente e servidas durante as pausas nas atividades, algumas
pessoas contribuíam na caixa de doações, outras traziam alimentos consigo.
As oficinas funcionavam na base da auto-aprendizagem; tinham os instrutores
que estavam propondo a idéia e pensavam previamente sobre o assunto, mas não
existia a pretensão de serem “professores", de dizer aos outros o que e como fazer,
já que o interflugs criticaria justamente as escolas de arte e seu sistema educacional
verticalizado. mestre – aluno. Tudo era aberto e mutável, de acordo com as pessoas
que faziam parte do grupo e o seu verdadeiro desejo de construir ou não algo juntos.
Antiacadêmico, autoditada e experimental assim se caracterizaria o interflugs.
Além das oficinas pré-agendadas, havia também a possibilidade de skillshare, compartilhar habilidade. Qualquer um poderia propor algo para ensinar, uma
aptidão, um conhecimento especial para dividir como grupo. Seria uma possibilidade
muito particular a de estar em um lugar onde pudesse aprender, ensinar, morar,
discutir e, de fato, produzir obras com os equipamentos e as facilidades
proporcionados pela Akademie, para executar as idéias do artista.
A Sommer Akademie atraiu um tipo peculiar de artista que gostaria de chamar
de “kamikaze”. A arte seria uma atitude de vida, encarariam risco e adrenalina como
combustível para produzir e executar projetos, mesmo sem verba. Conseguir
materializar idéias, mesmo que elas pareçam impossíveis, teria sido a principal
conquista desses jovens artistas, como observei na oficina “Exploração da
arquitetura subterrânea e criação de abrigos temporários no espaço urbano” de
Matthias Wermke e Mischa Leinkauf. Os artistas propuseram construir objetos
flutuáveis, espécies de pequenas jangadas, canoas, para adentrar na rede de canal
pluvial. (Fig. 31) Durante duas horas e meia, dezessete participantes percorreram
quatro quilômetros dentro da rede.
As oficinas utilizavam a urbe como um terreno livre e fértil, onde novas regras
e jogos eram criados. Momentaneamente, os participantes recriariam o entorno
urbano, poderiam designar novos significados aos elementos dispostos nele e
ampliariam as fronteiras dentro do espaço público, como a oficina do artista Dirk van
Lieshout que construiu espaços privados, a partir da estrutura de um guarda-chuva.
(Fig. 32) Na experiência em Berlim, foram oferecidos drinks e fones de ouvido para
os participantes ouvirem música e até dançar. Em “public disco with headphones”, os
transeuntes se dispuseram a participar com uma facilidade que só o verão explicaria.
48
O interflugs traria à tona o papel da Universidade na relação entre
conhecimento e produção de valores. Além disso, ressaltaria a importância de
lugares autônomos e independentes do mercado de arte, e da própria academia,
para uma produção artística contemporânea relevante. Intervir artisticamente na
cidade seria uma tendência observada, já há algumas décadas, e seria reflexo do
crescente espaço que a propaganda ocupa nos espaços de uso coletivo.
Nas vias públicas das cidades, diariamente, publicidade e paisagem urbana
competiriam por atenção. A degradação e abandono dos espaços coletivos afastaria
o citadino da convivência pública e direcionaria o seu olhar às propagandas. Neste
cenário, Zielinski, questiona: “será que não precisamos (…) de mais artistas
preparados para assumir riscos em vez de preparados para meramente moderar o
progresso social por meio do uso de dispositivos estéticos?”109?
A crítica de Zielinski seria à ineficiência dos artistas em se utilizarem das
novas tecnologias, de forma efetiva e crítica. Para ele, a mudança pela qual
estaríamos subordinando nossos processos de memória, através da influência das
novas mídias e tecnologias, não seria uma questão bem explorada pelos artistas.
Compreendemos que a arte, continuamente, negociaria a possibilidade de
fazer sentido e sua indagação seria uma ação sobre o mundo e, portanto, sobre a
vida, o tempo, o espaço, a cidade e seus aparatos. A desmaterialização do objeto de
arte e o deslocamento do público não deveriam confundir ou distrair os artistas. As
práticas artísticas urbanas teriam relevância ao questionar e propor novos
paradigmas de relação com o mundo, com as pessoas e do artista consigo mesmo.
Neste capítulo, tentamos demonstrar, através de Berlim, como os centros
urbanos poderiam ser utilizados por diferentes interesses para produzir imagens a
partir da própria cidade. O estudo de caso lançou a hipótese de que as práticas
artísticas urbanas seriam uma forma de resistência contra as forças do capital
externo que enfraqueceriam a cultura local. O modelo de cidade global encontraria
oposição através da consciência e articulação política local que se materializariam
nas práticas urbanas criativas.
Um exemplo desta articulação política e artística pode ser observado através
do emprego de cartazes para congregar pessoas em prol de uma mesma causa.
Esta seria uma técnica comum para estimular as pessoas a participarem de
109
ZIELINSKI, 2006 p. 28
49
manifestações no espaço público. (Fig. 33) Nesta foto, podemos observar como
alguns muros da cidade funcionariam como um quadro de avisos. Com os dizeres
“habitação para todos! Ao invés de kiez de luxo”, esse mural reuniria diversos
interesses coletivos, como ações pró-moradia e em desefa do direito à cidade,
protestos contra a utilização de energia nuclear, e convenções locais e
internacionais sobre os mais variados temas.
A tensão criada pela competição de forças locais/criativas e
globais/consumistas encontrariam no espaço público o cenário ideal para serem
exploradas pelos artistas. Por esse motivo, se faz relevante investigar Berlim. Os
artistas atuantes na cidade conseguiriam usá-la de duas formas110 particulares:
como mídia, para gerar efeitos políticos/sociais, onde a arte seria um forma de
protesto, e como um playground, onde a urbe seria um ambiente propício às
atividades lúdicas e produtoras de subjetividade, à brincadeiras e jogos que
promovem interação entre público, obra, artista e cidade.
110
Estas formas estariam ligadas, respectivamente, à arte intervencionista e à participativa já
apresentadas na introdução desta pesquisa.
50
2. Arte, cidade, memória e monumento
O uso da expressão jogo pelas práticas artísticas contemporâneas foi uma
influência da Internacional Situacionista (IS). O jogo seria a forma lúdica de vivenciar
a cidade, a possibilidade do público mudar a sua postura passiva para ativa, em
meio ao zig-zag de transeuntes e carros. Esta era a crítica da IS em relação às
mudanças urbanas pós-guerra, como podemos observar em Constant Nieuwenhuys:
Nos bairros antigos, as ruas transformaram-se em auto-estradas, os lazeres
são comercializados pelo turismo. O relacionamento social torna-se
impossível. Os bairros recém-construídos apresentam dois temas
dominantes: o trânsito de carros e o conforto residencial. São a minguada
expressão da felicidade burguesa, esvaziada de qualquer preocupação
111
lúdica. CONSTANT, 1959
Esta crítica de Constant precederia o que Ruth Glass, na década de 1960,
chamaria de gentrificação: um conjunto de transformações no espaço público que
iriam enobrecer alguns bairros, através do aumento no preço dos imóveis e aluguéis,
do afastamento de classes sociais menos favorecidas e do encarecimento de bens e
serviços. Este processo ocorreria com ou sem a interferência do governo.
A preocupação dos situacionistas também diria respeito ao tempo livre, às
novas formas de lazer e entretenimento que estavam se disseminando na época. O
movimento da IS teria sido uma tentativa prática de protesto contra o modelo de
“felicidade burguesa” que até hoje permearia a nossa cultura e seria neste sentido
que Constant, Guy Debord e seus colegas agiriam112.
Para Debord, “vivemos uma crise essencial da história, em que cada ano
aparece mais nítido o problema (…) da formação de uma civilização, em escala
mundial”113. Observamos, através dos textos situacionista, que este pensamento
estaria ligado à padronização social, à queda do valor das experiências humanas e
de todas as formas de expressões espontâneas postas em cheque pelo capitalismo,
sua cultura individualista e seus meios de comunicação de massa. Como afirmaria
111
Esse artigo de Constant foi publicado originalmemnte pela revista da IS. Texto extraído do livro
Apologia da deriva, JACQUES, 2003, pág. 114
112
Como podemos demonstrar através de uma artigo publicado antes da criaçnao da IS: “O novo
urbanismo é inseparável das transformações econômicas e sociais felizmente inevitáveis. É possível
se pensar que as reinvidicações revolucionárias de uma época correspondem à idéia que essa época
tem da felicidade. A valorização dos lazeres não é uma brincadeira. Nós insistimos que é preciso se
inventar novos jogos.” DEBORD E FILON, 1954. Texto do livro Apologia da deriva, JACQUES, 2003,
pág. 17.
113
DEBORD, 1957 em JACQUES, 2003, pág. 43.
51
Debord, “tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação”114. A
grande dualidade da vida moderna, de acordo com os situacionistas, seria a
experiência versus a representação dela. Nisto, residiria o conceito do espetáculo.
O espetáculo origaría-se na “perda da unidade do mundo”115. Hanna Arendt
pensaria semelhante: “o mundo comum acaba quando é visto somente sob um
aspecto e só se lhe permite uma perspectiva”116. A mídia globalizada singularizaria
os pontos de vista, não permitindo construção da realidade a partir da multiplicidade
de aspectos que garantiriam a identidade do que é observado por todos.
Os situacionistas pensariam a cidade através das possibilidades do acaso, da
perambulação pela urbe guiada pelos impulsos emocionais que movem o
transeunte. A Teoria da deriva, formulada por Debord, seria um método de estudo
psicogeográfico, para compreender a interação do homem com o entorno urbano, as
relações de afeto que ele seria capaz de criar no ambiente ao seu redor e seria,
também, uma nova atitude, proposta pela IS, em que o citadino poderia encarar a
cidade como um espaço potencializador das relações humanas, para Debord:
Uma ou várias pessoas que se dediquem à deriva estão rejeitando, por um
período mais ou menos longo, os motivos de se deslocar e agir que
costumam ter com amigos no trabalho e no lazer, para entregar-se às
solicitações do terreno e das pessoas que venham a encontrar. DEBORD,
117
1958
A IS encarava o espaço urbano como um campo participatório, um jogo. Mais
que promover um novo urbanismo, a IS estava preocupada em criticar o urbanismo
em curso e propor “a construção de situações, isto é, a construção concreta de
ambiências momentâneas da vida, e sua transformação em uma qualidade
passional superior”118. O objetivo da IS era mudar o mundo através da possibilidade
de utilizar a cidade como um playground, encorajando o citadino a explorar seus
limites geográficos e a ampliar suas fronteiras afetuosas na cidade. Para Debord:
A única conduta experimental válida fundamenta-se na crítica exata das
condições existentes, e em sua superação deliberada. Cabe deixar claro
que não se pode considerar criação aquilo que é mera expressão pessoal
no âmbito de meios criados por outrem. Criar não é arrumar objetos e
114
DEBORD, 2009, p. 13
Ibid, p. 23
116
ARENDT,2004, p. 68.
117
Esse artigo de Debord foi publicado originalmemnte pela revista da IS. Texto extraído do livro
Apologia da deriva, JACQUES, 2003, pág. 87
118
DEBORD, 1957, em JACQUES, 2003, pág. 54
115
52
formas, mas é inventar novas leis a respeito desse arranjo. DEBORD,
1957119
A concepção de “criação”, na visão de Debord, se referiria à elaboração de
novos métodos para impactar o espaço público e intervir no “cenário material da
vida; e os comportamentos que ele provoca e que o alteram”120. Outro fator que
impulsionaria a IS seria a espetacularização da sociedade121: a influência dos meios
de comunicação de massa no modo pelo qual as pessoas se relacionam e o reflexo
disto no espaço público. É importante lembrar que os EUA tinham vencido a guerra e
o capitalismo se consolidava como o modelo econômico ocidental. A preocupação
da IS estava ligada às novas demandas da esfera pública122, como afirma Constant:
A necessidade de construir rapidamente, e em grande número, cidades
inteiras, necessidade provocada pela industrialização dos países
subdesenvolvidos e pela aguda crise habitacional do pós-guerra, levou o
urbanismo a uma posição de destaques entre os atuais problemas da
123
cultura. CONSTANT, 1959
Parece-nos que as Atividades Artísticas Urbanas (AAU) investigariam o
espaço urbano de forma semelhante a IS. Percebemos que muitas das obras e
ações propostas para o espaço público estariam ligadas às atuais demandas da
esfera pública e em sincronia com o contexto na qual a atividade estaria inserida.
As AAU, apesar de efêmeras, teriam potencial para um alcance massivo,
dependendo do local, duração e desdobramentos mídiáticos que elas reproduziriam.
Observamos que, cada vez mais, as AAU seriam promovidas por instituições
privadas e públicas interessadas em ganhar visibilidade e promover sua imagem
democrática ao se associar a práticas de caráter coletivo.
É necessário analisar se estas atividades estariam conseguindo, como
pensava Debord, “inventar novas leis”124 e criar novas ambiências no ambiente
urbano. Do contrário, poderiam apenas se utilizar do espaço público, como uma
forma de expandir o território institucional e ampliar a área de atuação de seus
119
Extraído de JACQUES, 2003, pág. 54
Ibid
121
A espetacularização da sociedade será melhor abordada na página 19.
122
O conceito de esfera pública que adotamos para a pesquisa é o de Jürgen Habermas: ’O
uso de
“público” e “esfera pública” denuncia uma multiplicidade de significados concorrentes. Eles se
originam de diferentes fases históricas e, em sua implicação sincrônica sobre as relações da
sociedade burguesa industrial tardia e organizada sócio-estatalmente, entram em um turvo conúbio”
HABERMAS, 2003, p. 13
123
Esse artigo de Constant Nieuwenhuys , foi publicado originalmemnte pela revista da IS. Texto
extraído do livro Apologia da deriva, JACQUES, 2003, pág. 98.
124
DEBORD, 1957. Extraído de JACQUES, 2003, pág. 54
120
53
interesses. Uma vez que nas vias a audiência seria maior que no ambiente fechado
dos museu, este seria um fator de interesse para a instituição, já que teria o poder
de influênciar o público em larga escala.
Percebemos que a democratização da arte no espaço público surgiria neste
momento, como uma resposta à crise pela qual o espaço público passaria, conforme
veremos no capítulo três. Parece-nos que os artistas veriam o mundo comum tão
ameaçado que teriam uma certa urgência em expor publicamente, através das
novas práticas artísticas urbanas, como tentativas de interferir nesse processo.
Consoante afirmaria Jeudy, “essa insistência em acreditar na liberdade da criação
artística parece encontrar seu caminho no idealismo democrático da cidadania”125.
Para Jeudy, as práticas artísticas explorariam a sensibilidade e esta seria
“essencialmente uma formação coletiva”126. Assim, a arte assumiria um caráter de
movimento social em defesa da restauração das formas de solidariedade e
identidade postas em risco pelos interesses do mercado, atrelados ao poder público,
o que Jürgen Habermas iria chamar de “racionalização do mundo da vida127”.
As AAU abordariam a crise no caráter público do espaço e tentariam
sensibilizar o cidadão imerso no caos urbano, colocando em foco a sua própria crise.
Sennett explicaria este conflito, através de uma interioridade da psique humana:
E precisamente porque estamos tão absortos em nós mesmos, é-nos
extremamente difícil chegar a um princípio privado, dar qualquer explicação
clara para nós mesmos ou para os outros daquilo que são as nossas
personalidades. A razão está em que, quanto mais privatizada é a psique,
menos estimuladas ela será e tanto mais nos será difícil sentir ou exprimir
sentimentos. SENNETT, 1988, p. 16
A esfera pública teria perdido seu caráter coletivo, político e se massificado.
Para Habermas, ela seria o conjunto de vários indivíduos e suas individualidades
oriundas “da intimidade pequeno-familiar que se comunica consigo mesma para
entender a si própria”128. Para Sennett, o cidadão transitaria
sem encontrar um
“mundo público onde as pessoas fazem um investimento alternativo e balanceado
de si mesmas”129. O ambiente impessoal dos centros urbanos desestimularia uma
vida pública forte no cidadão; a formalidade e a conformidade cotidiana erodiriam as
relações pessoais que prenderiam o interesse sincero das pessoas. Sennett se
125
JEUDY, 2005, p. 129
Ibid, p. 149
127
HABERMAS, 2000, 317
128
Ibid, p. 68
129
SENNETT, 1988, p. 19
126
54
aproximaria do pensamento de Habermas, pois, para o filósofo alemão, seria através
das ações comunicativas que a manutenção do mundo da vida seria possível.
A arte, na esfera pública, teria o desafio de conseguir ser comunicada, em
meio a um ambiente caótico, de interferências e ruídos comunicacionais. A formação
de coletivos, para a execução de AAU no espaço público, indicaria uma aparente
vontade de deselitizar a produção artística, abrindo-a à participação popular. Isto
poderia ser visto como uma resposta aos processos de exclusão social, em curso na
sociedade, e aumentaria a ligação da arte com a vida coletiva. Cresceria o tom de
defesa da interdisciplinaridade entre as esferas estéticas e sociopolíticas. A arte
ampliaria seus objetivos e assumiria a esfera pública, de forma política. Para ser
abrangente e efetiva, a arte se aproximaria do cotidiano e se materializaria como
modo de vida e não como objeto de arte, com valor de mercadoria.
As cidades seriam um emaranhado de informações simultâneas, onde a
quantidade de estímulos visuais e auditivos teria matado a relação harmônica entre
a urbe e os habitantes. O cidadão deixaria de aproveitar a potencialidade da cidade,
pois, como afirmaria Jeudy, “não somente nela [na cidade] tudo é possível, mas,
mais ainda, o possível estaria fundamentalmente ligado à emergência constante do
casual”130. Esta sobredose informacional poderia destruir o fluxo espontâneo da
cidade; fatigado, o cidadão pouco responde aos estímulos da urbe, “a
supervisibilidade produz cegueira”131.
Jeudy afirmaria que a supervisibilidade permitira o citadino ver a cidade de
outras formas. Ao transitar na urbe e fazer trajetos cotidianos o cidadão absorveria
os sígnos urbanos, mesmo não os compreendendo nem concentrando atenção
direta neles, ficaria tudo guardado no seu repertório urbano e poderia ter efeitos
associativos, sofrer reinterpretações socio-culturais. A percepção pela distração
seria herança da modernidade e aconteceria durante o fluxo habitual dos cidadãos,
como observaria Walter Benjamin em seus ensaios sobre arquitetura132.
A sobrecarga de estímulos visuais nas metrópoles induziria o citadino ao
cansaço e a um olhar indiferente, despreocupado, distraído, que o acompanharia
130
JEUDY, 2005, p. 108
Ibid, p. 118
132
Como veremos logo adiante.
131
55
permanentemente, como chamou Jeudy, o “olhar bobo”. Apenas algo que quebrasse
a rotina seria capaz de direcionar objetivamente o olhar do cidadão133.
Jeudy afirma que obras e monumentos históricos nos obrigam a captá-los,
mas notamos que não só esses elementos poderiam ser absorvido coletivamente,
durante o ir e vir das metrólopes, as propagandas também. Vemos que, no espaço
público, as AAU iriam se impor na esfera pública, invadindo o trajeto dos transeuntes
e se solidificando no inconsciente e no imaginário coletivo de direfentes formas.
Observamos que nas vias públicas, ponto de interseção entre interesse
público e privado, a arte poderia se destacar ao se comunicar com os demais para
criticar o sistema, subverter os anúncios publicitários, interferir na paisagem urbana,
quebrar o cotidiano, confundir o citadino ou se destacar, apenas, por ser uma
expressão individual em um espaço coletivo. Na rua, além da capacidade de
articulação política, a arte conseguiria se inserir como um signo no mosaico da
cidade e, em uma perspectiva mais tradicional, poderia até representar um limite
físico, como no caso do grafite e do picho, como argumenta o escritor Ruy Castro,
uma vez que “indica um território fora do controle do poder público, impróprio para
habitação e sujeito a marginais”134.
Na veia pulsante da vida, nas ruas, a arte lidaria diretamente com as
capacidades humanas de atenção e distração. Por essa razão, se faria importante
examinar algumas reflexões de Benjamin a esse respeito: “desde o início, a
arquitetura foi o protótipo de uma obra de arte cuja recepção se dá coletivamente,
segundo o critério da dispersão. As leis de sua recepção são extremamente
instrutivas”135. Para Benjamin, a arquitetura seria absorvida
durante o fluxo das
pessoas e teria uma dupla forma de recepção136.
133
Sobre o “olha bobo” Jeudy afirma: “O olhar indiferenciado lançado sobre as coisas da cidade nos
coloca em um estranho estado de recepção, um estado de disponibilidade que permanece fora do
tempo. Contrariamente, os símbolos representados pelas obras, pelos monumentos, estão ali para
obrigar nosso olhar a captá-los. Eles ordenam o campo de visão, impõem objetivos a qualquer
deambuação, oferecem-se como rumos de visita. O que, então, induz a expectativa indirefente (ou
olhar bobo) é o nascimento abrupto de um olhar suscetível de ser captado de maneira inesperada,
dentro do tempo e do espaço ordenado da cidade”. JEUDY, 2005, p. 120
134
Folha de São Paulo, caderno Opinião, publicado em de 27/04/2011
135
BENJAMIN, 1996, p. 193
136
Benjamin explica que: “Os edifícios comportam uma dupla forma de recepção: pelo
uso e pela
percepção. Em outras palavras: por meios táteis e óticos. Não podemos compreender a
especificidade dessa recepção se a imaginarmos segundo o modelo do recolhimento, atitude habitual
do viajante diante de edifícios célebres. Pois não existe nada na recepção tátil que corresponda ao
que a contemplação representa na recepção ótica. A recepção tátil se efetua menos pela atenção que
pelo hábito. No que diz respeito à arquitetura, o hábito determina em grande medida a própria
56
Nossa investigação passa pela arquitetura, por esta ser a arte do espaço
público por excelência. Benjamin afirmaria que o estudo dela seria essencial para
“qualquer tentativa de compreender a relação histórica entre as massas e a obra de
arte”137 e que o poder do Estado se afirmaria, através dos monumentos e
construções arquitetônicas. A história da arquitetura seria mais antiga que qualquer
outra arte, já que a necessidade de morar precediria à produção de signos culturais.
Benjamin associou o declínio da arquitetura e da aura ao êxito do cinema e a
sua forma de recepção coletiva pela distração: “para as massas, a obra de arte seria
objeto de diversão, e para o conhecedor, objeto de devoção”138. A distração seria o
oposto da atitude de recolhimento característica da obra de arte. Isto acarretaria no
no empobrecimento das experiências em prol da simulação delas, um conflito entre
o mundo da criação e o mundo da imaginação, entre a recepção tátil e a ótica.
A imagem teria se tornado uma articulação do pensamento139 por conseguir
comunicar mais através do que esconde que daquilo que mostra. A interpretação de
uma fotografia se daria na imaginação, este seria o pensamento de Vilém Flusser.
Poderíamos dizer que a arquitetura funcionaria semelhantemente, através dos
monumentos, ao transitarem, paradoxalmente, entre lembrança e esquecimento. O
monumento seria uma imagem; as memórias históricas preservadas pela arquitetura
seriam a prova física dos interesses de dominação que as gerações passadas
tiveram vontade de perpetuar ao longo do tempo, como observaria Benjamin;
Cada época não apenas sonha a seguinte, mas, sonhando, se encaminha
para o seu despertar. Carrega em si o seu próprio fim e - como Hegel já o
reconheceu - desenvolve-o com astúcia. Nas comoções da economia de
mercado, começamos a reconhecer como ruínas os monumentos da
burguesia antes mesmo que desmoronem. BENJAMIN, 1929 em KOTHE,
1991, p. 43
A relação entre monumento e esquecimento, também, é abordada por
Andreas Huyssen. Esta seria a tática alemã para continuar o curso de sua história
sem a sombra assustadora do recente passado, como já comentamos no primeiro
capítulo. A monumentalização alemã produziria mais esquecimento do que
preservação do seu próprio passado, seria esta a opinião de Huyssen:
recepção ótica. Também ela, de início, se realiza mais sob a forma de uma observação casual que de
uma atenção concentrada”. BENJAMIN, 1994, p.193
137
BENJAMIN, 1996, p. 193
138
Ibid, p. 192
139
DVD We shall survive in the memory of others” Vilém Flusser. Miklós Peternák, 2010. No capítulo
três voltaremos a este tema.
57
Quanto mais monumentos, mais o passado se torna invisível, mais fácil
se torna esquecer: a redenção, portanto, pelo esquecimento. De fato muitos
críticos descrevem a atual obsessão da Alemanha por monumentos e
memoriais como uma tentativa nada sutil de Entsorgung, a exposição em
público de lixo histórico radioativo. Huyssen, 2000, p.44
Ao passar dos anos, em prol do projeto de geração de memórias e imagens
das cidades para seus povos, os governantes escolheriam e construiriam
monumentos, obras arquitetônica, artísticas e também dariam nomes às ruas, aos
parques e às praças. Como afirmaria Jeudy, a cidade já seria, por si só, uma obra,
um “cenário em eterna gestação”140, de autoria do Estado. Assim, “a escolha das
obras de arte se traduz pela maneira de pensar de outra maneira a cidade, não por
causa da preocupação com seu embelezamento, mas muito mais como
demonstração pública de sua representação”141.
Entendemos que a representação, através de monumentos e escolhas
estéticas do Estado, embora oficial, não seria necessariamente a expressão pública,
crítica e política da população que residiria nas cidades. A representação oficial
poucas vezes coincidiria com o desejo de representação popular e com a forma
como o povo desejaria se ver representado em sua própria cidade.
2.1 Embelezamento Estratégico
Através de Benjamin, percebemos que uma análise dos monumentos e obras
públicas de uma cidade permitiria apontar quais teriam sido as decisões políticas
relevantes para entrarem na história e memória da cidade. Poderíamos, também,
compreender quais os planos de desenvolvimento urbano teriam sido traçado para
ela e, ainda, quais objetivos esses planos buscariam atingir:
A verdadeira finalidade das obras de Haussmann era tornar a cidade
segura em caso de guerra civil. Ele queria tornar impossível que no futuro
se levantassem barricadas em Paris […] Haussmann quer impedi-Ias de
duas maneiras: a largura das avenidas deveria tornar impossível erguer
barricadas e novas avenidas deveriam estabelecer um caminho mais curto
entre as casernas e os bairros operários. Os contemporâneos batizam esse
empreendimento de "embelissement stratégique" BENJAMIN, 1991, p. 42
Percebemos que as formas de expressão pública presentes em uma cidade
poderiam apontar o grau de insatisfação da população em relação às suas próprias
140
141
JEUDY, 2005, p. 118
Ibid
58
condições sociais e em relação ao governo. Não só isso, mas, como haveria dito o
pichador paulista Djan Ivson Silva, em entrevista por e-mail, demonstrariam o grau
de “domesticação” das massas e de “eficiência” da polícia, diante da afronta urbana.
Se o “embelezamento estratégico” teria sido usado por Haussmann, urbanista
de Paris, para evitar rebeliões contra a corte, poderíamos fazer uma analogia atual e
dizer que, de forma inversa, esta tática também seria adotada pelos artistas de
guerrilha142 que se utilizariam da cidade, como forma de expressão e rebeldia contra
os aparelhos de dominação do Estado e da sociedade. Talvez, “embelezamento”
não seja a palavra mais adequada para utilizarmos, já que o conceito do Belo não
estaria em questão, mas a usaríamos pelo teor estético do termo.
Em 2007, o pichador Djan Ivson Silva e seus amigos atacaram um dos
pavilhões da Bienal de São Paulo; mesmo assim, eles foram convidados a participar
da edição de 2010, mostrando vídeos das ações do seu grupo e expondo
reproduções dos tags (nomes pelos quais os pichadores assinam). Aceitar participar
institucionalmente foi alvo de críticas, já que a ação de 2007 gerou a prisão, por 54
dias, de uma das pichadoras do grupo. As críticas também foram contra a instituição,
como a revista Veja anunciou: “Bienal abre as portas para o vandalismo que
pretende ser arte.” 143 (Fig. 34) Na abertura da Bienal de 2010, o protesto contra uma
obra que utilizava animais vivos, do artista Nuno Ramos, levou o grupo a apoiar a
manifestação em direito dos animais. Na obra, Djan Ivson pichou: “Libertem os
urubu”144. Quanto à ação, o pichador afirmou:
A questão é saber diferenciar reconhecimento existencial de domesticação,
e tanto pichadores como grafiteiros têm que tomar cuidado para não serem
cooptados e perderem sua essência transgressora e libertária. O
reconhecimento estamos recebendo pelo movimento é apenas existencial.
Não queremos espaços autorizados na rua, acordos, nem apaziguamento
com prefeituras e moradores, não estamos dispostos a abrir mão de nada
em troca de reconhecimento. Ao contrário, queremos reconhecimento pelo
que somos na essência, sem tirar nada dela, mesmo que não agrade a
todos. E a criminalidade dessa atividade perante a lei é que mantêm nossa
142
Apesar de já termos abordamos, no capítulo anterior, a objetividade das ações artísticas ilegais em
Berlim, ainda não havíamos utilizado essa nomeclatura. O artista de guerrilha seria, também, seria
um praticante da arte intervencionista, conceito apresentado na página 15. Vamos adotar essa
expressão “artista de guerrilha” para designar os indivíduos que se expressam publicamente de forma
controversa e ilegal. Não vamos aqui colocar em questão o verdadeiro engajamento político destas
pessoas e de suas práticas ou tentar classificá-las dentro do sistema da arte.
143
Veja de 06/05/2010 http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/pixo-arte-pode-escrever-ou-melhorpichar checado em 04/02/2011.
144
Djan Ivson explicou que não que não deu tempo de acabar de escrever a frase completa, que
seria: “libertem os urubus e os pichadores de BH”, em referência a um grupo preso em Minas Gerais
na mesma época.
59
legitimidade transgressora subversiva e libertária. A arte tem que estar
sempre em descompasso com a lei, se não perde a graça, vira sistema,
145
propaganda pro Estado, e coisas do tipo. Silva, 2011
A pesquisa não faz apologia às práticas ilegais, como o picho, mas observa a
legitimidade destas atividades, uma vez que são praticadas por jovens de periferias
em várias cidades do mundo. O maior monumento construído pela modernidade
teria sido a miséria. Os bolsões de pobreza, que cercam os centros urbanos, teriam
proporções monumentais. Por essa razão, entendemos que o grafite e o picho
representariam a estética urbana das cidades, seja de forma profissional e absorvida
pelo mercado ou mesmo amadoramente, mas de forma autêntica e orgânica.
A arte na rua vai de encontro às tentativas de racionalizar o mundo da vida.
Como explicaremos no capítulo três, através de Habermas, as práticas do mundo
sistêmico, regrado pelo capital, buscariam colonizar o mundo da vida, mercantilizá-lo
e burocratizá-lo. Habermas nos auxilia a perceber que as escolhas ligadas à
tecnologia e ao desenvolvimento diriam mais respeito à qualidade das associações
humanas, que seriam estabelecidas na sociedade, que à competição homem versus
máquina e a fantasmagoria de ver sua força de trabalho ser substituída por ela.
A tensão entre esses dois mundos seria constante. Haveria uma disputa de
territórios para atuação e de influência das forças características de cada mundo:
forças consumistas e instrutivas versus forças criativas e livres, como já
demonstramos na investigação em Berlim. O atual planejamento urbano de Berlim
tenderia a controlar áreas estratégicas da cidade, inviabilizando a habitação dos
moradores mais antigos, através do aumento do custo de vida, bens e serviços. O
mundo sistêmico moldaria o espaço público para a elite dominante, em função dos
seus interesses, funcionalizando o espaço urbano para a minoria da população.
Além desta exclusão física, onde as classes menos privilegiadas seriam, cada
vez mais, afastadas para as periferias e teriam limitado seus espaços de
circulação146, a exclusão seria também de forma política e ideológica, fazendo com
que as massas não participem das decisões na cidade. Para Habermas, no espaço
público, os interesses privados encontrariam-se atrelados ao poder do Estado. E isto
aconteceria com permissão do próprio poder público, como notamos no projeto de lei
145
Entrevista concedida por e-mail no dia 22/04/2011. Voltaremos a falar deste grafiteiro que esteve
envolvido em dois ataques à Bienal de São Paulo, em 2008 e 2010.
146
Este limite se daria com a
criação de espaços semi-públicos (locais privados, porém de livre
acesso) e espaços semi-privados (locais públicos, porém de acesso limitado),
60
cidade limpa, que foi aplicado em São Paulo e vem servindo de modelo para outras
capitais brasileiras, conforme notamos através da transcrição de uma parte do
projeto de sustentação da Lei:
A estratégia é fazer com que a mídia exterior migre para o mobiliário
urbano.- composto de uma série elementos de utilidade pública como
abrigos de transporte coletivo, relógios (…) e lixeiras. A intenção é garantir
à administração municipal o uso do espaço público em relação à
publicidade, para que esta seja efetivamente ordenada também de acordo
147
com o interesse público.
As tranformações na comunicação e o crescimento de novas econômias
globais148 impulsionariam a criação de novas centralidades, mudariam as relações
entre centro e periferia e afetariam a idéia de pertencimento, identidade e território
no espaço público. Com o inchaço das urbes149, as periferias seriam deslocadas
para áreas ainda mais distantes do centro. Saskia Sassen, ao desenvolver o
conceito de cidade global, falaria em novas e multi-centralidades, face às
possibilidades de trabalho remoto e o crescimento das corporações internacionais.
Os limites sociais, quanto à circulação de pessoas na cidade, seriam impostos
por empresas privadas, que estenderiam seu domínio aos espaços públicos, e pelo
Estado, com a aplicação de regras arbitrárias no uso de parques, praças e áreas de
lazer, por exemplo. Isto reduziria o contato entre diferentes classes sociais,
aumentando o isolamento dos indivíduos em seus mundos e, como notaria Sennett,
contribuiria “na ‘mistificação’ da vida material em público, especialmente em matéria
de roupas, causadas pela produção e distribuíção de massa”150.
Quando a cidade é usada pelas AAU, a arte incorporaria uma relação direta
com o público e quebraria com a barreira social que isola os indivíduos. As AAU se
utilizariam da cidade, de seus personagens e dos elementos ali encontrados, como
discurso. A obra se faria de um encontro acidental. Imediatamente, ao descobrir a
obra, o público, também, completaria o seu sentido. A condição de passividade da
arte seria colocada de lado, ela teria se deslocado até o público para interceptá-lo.
Parece haver uma postura social nisto, espectador e obra interagiriam,
objetiva e intersubjetivamente, no mesmo espaço. Para o artista, a obra residiria no
147
www.prefeitura.sp.gov.br/portal/a_cidade/noticias/index.php?p=10200 ( Acesso 01/09/10 )
SASSEN, 1991 em OBRIST, 2001
149
No ano de 2007, pela primeira vez na história, a população mundial urbana haveria ultrapassado a
rural, de acordo com o site oficial da Rádio das Nações Unidas:
http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/detail/155399.html
150
SENNETT, 1988, p. 34
148
61
espectador e naquele lugar específico. Devido às circunstâncias variáveis, cada
ação seria única, mesmo se repetido o seu procedimento. Outra vez, podemos citar
Free zones151 (Fig. 6), realizada em Copenhagen, Gothenburg, Budapeste e
Istanbul. A artista Frida Ulrik-Petersen afirma que obteve reações diferentes, porém,
as placas sinalizadoras nos quatro países “fizeram as pessoas parar e prestar
atenção e pensar sobre a sua cidade e os costumes e culturas nos quais estão
inseridos”152. Que ferramenta ela teria a disposição para poder fazer tal avaliação?
Parece, em geral, haver uma preocupação de origem político-social que
motivaria o artista a se contaminar com o mundo externo e a formular propostas
neste sentido. Porém, a realização de uma AAU iria além do que haveria sido
previamente pensado pelos artistas, resultando em uma obra experimental, cujo
produto final seria o próprio processo de executá-la, se afastando da idéia da arte
produzir um objeto físico. O foco seria na dinâmica colaborativa e participatória da
experiência social coletiva que quebraria as fronteiras entre artista e público,
profissionais e amadores, produção e recepção153.
Um exemplo disto, seria knotland, um projeto concebido por um escritório de
arquitetura com sede em Berlim (Fig. 35). Um plataforma móvel para apresentação e
produção artística, composta de um trailer e pilares infláveis que já teria sido
montada no espaço público de Berlim, Bucareste e Varsóvia. A
estrutura
possibilitaria desenvolver workshops, projeções de vídeo, exposições, festas. Pelo
caráter nômade, teria um dormitório, cozinha e um transmissor de rádio. O projeto se
propõe como um novo modelo de interação social, criando formas de tornar o
espaço público útil e produtivo.154 Os artistas seriam convidados e, também,
anfitriões; durante o projeto, viveriam na estrutura móvel. As atividades propostas
seriam variadas, atendendo a adultos e crianças. Durante as atividades noturnas,
bebidas seriam vendidas por um preço justo.
A tentativa de reabilitar a cidade, pela arte, poderia geraria mudanças na
questão da autoria. Muitas vezes, uma obra tem autoria desconhecida, por vontade
do seu autor, por se tratar de uma ação ilegal, executada sem a devida autorização
governamental que oficialmente controla e gerencia as atividades públicas, como as
151
IS Atividade já mencionada na introdução da pesquisa na página 15.
Entrevista realizada por e-mail, no dia 26/04/2011
153
BISHOP, 2006, p. 10
154
Informação colhida pelo site: www.knoeland.net
152
62
ações do grafiteiro Banksy que, mesmo tendo a identidade desconhecida, obteve
reconhecimento mundial, com um documentário que concorreu ao Oscar de 2011.
Às vezes, o anonimato seria o resultado da própria AAU
, como defende
Jeudy, já que “a arte de viver, ao se tornar simplesmente arte, aniquilaria a distinção
entre o ator e o espectador. O inventor, o criador e aquele que experimenta suas
criações constituiriam o mesmo indivíduo.”155 Nas novas práticas artísticas urbanas,
não existiria hierarquia, haveria uma certa igualdade, entre os participantes. O poder
de criação não seria exclusivo do artista. Os participantes exerceriam suas
capacidades criativas durante a dinâmica, tanto quanto o artista exerceria ao pensar
a AAU, a exemplo desta ação, em forma de jogo, realizada em Berlim pelo, já
mencionado, projeto Knotland. (Fig. 36)
Que importância teria, para o cidadão, conhecer a autoria de uma obra na via
pública? Que significado teria saber se aquilo seria arte? Observamos que as AAU,
principalmente as não-institucionalizadas156, não viriam com uma explicação nem
teriam pessoas dispostas a fazerem a intermediação entre os transeuntes e as
partes da atividade. Os objetos dispostos, ações, no espaço público, não
disponibilizariam seu release in loco, não teriam uma etiqueta informando o material
usado, o nome do artista e ano em que a aquela obra haveria sido produzida.
A autoria não declarada dificultaria a interpretação do citadino e o estimularia
a buscar pistas que o levassem a descobrir a realidade que presenciaria. A principal
ferramenta para satisfazer sua curiosidade, em busca da “verdade”, seria a interação
social. Do contrário, admitiria aquilo como uma imagem lúdica, algo incompreensível,
mas que o captou por alguns instantes e teria gerado subjetividades a respeito da
realidade. Como nesta atividade de Matthias Wermke e ADAM, ao se deixarem
flutuar a deriva, nas águas do rio Spree. (Fig. 37)
Os elementos das vias se caracterizariam pela funcionalidade. Um objeto
largado na cidade perderia a sua historicidade e o encontro com ele levantaria uma
dúvida; seria aquilo acidental ou proposital? Haveria alguém o manipulado? Algo
que fugiria do normal, como duas pessoas dormindo em colchões flutuantes,
também levantaria a mesma questão para o transeunte; seria aquela atitude
espôntanea, intuitiva ou racional, programada e manipulada por algum tipo de
interesse, mesmo que artístico?
155
156
JEUDY, 2005, p. 139
Que seriam executadas através de alguma instituição pública ou privada de arte.
63
Estaria Jeudy correto ao pensar que as novas práticas artísticas urbanas
seriam “um processo de criação que vale por si mesmo”157? Mas, afinal, qual seria o
papel do artista? Teria ele um papel público e social a cumprir na arte
contemporânea? Essas seriam apenas algumas questões que emergiriam ao
tratarmos de arte e linguagem na cidade. Roland Barthes, em A morte do Autor, a
respeito da autoria diz: “uma vez o autor afastado, a pretensão de «decifrar» um
texto torna-se totalmente inútil. Associar um autor a um texto é impor um mecanismo
de segurança, é dotá-lo de um significado último, é fechar a escrita”158.
Mesmo Barthes tendo se referido ao autor-escritor, poderíamos transpor seu
pensamento para o contexto do autor-artista. Seria a presença do artista limitadora
das reações espontâneas dos cidadãos? A presença do artista, ao lado de uma AAU
de sua autoria, poderia inibir a participação dos espectadores ou fazê-los ficarem
subordinados a uma autoridade. O público teria que perguntar o que poderia ou não
no espaço público. Esta seria uma forma de “fechar” a obra, impedindo
desdobramentos imprevisíveis que fariam das novas AAU tão dinâmicas e
espontâneas, como esta ação de Oliver Bishop onde as pessoas, para participarem,
teriam que se sentir a vontade. (Fig. 38)
Embora nem todos prezem por ele, o anonimato, nas práticas urbanas ilegais
(de guerrilhas) parece-nos, uma maneira de auto-proteção do artista. Assim é para
Wermke que também desenvolveria trabalhos em grafite, porém se negaria a revelar
o nome pelo qual assinaria: “sim, tenho um tag, mas para mim o grafite só é
interessante quando feito sem permissão, no espaço público. Nunca direi o que
assino, pois a cadeia é um lugar muito chato para mim”159! O artista se preocuparia
em separar o trabalho que expõe em instituições, feito com o registro de ações no
espaço público, do trabalho feito a partir de sua prática em campo, ilegal, onde
demarca os espaços penetráveis na cidade.
Wermke, que este ano se formou em artes plásticas, exploraria os limites no
espaço público e a possibilidade de criar abrigos dentro dele. Nascido na Berlim
Oriental, sempre morou perto do muro e suas memórias de criança remeteriam
bastante às situações de fuga que presenciou. As pessoas tentavam chegar na
Berlim Ocidental de qualquer jeito e eram capturadas; “todas essas pessoas
157
JEUDY, 2005, p. 139
BARTHES, 1987
159
Entrevista realizada por e-mail, no dia 10/05/2011.
158
64
cruzaram a fronteira. Mesmo que a tentativa de vôo tenha falhado, no momento do
vôo eles teriam sido realmente livres. Este momento é importante para mim, para o
meu trabalho”160, afirma o artista. Fronteira e limite seriam as temáticas de Wermke.
Wermke tinha 11 anos quando o muro caiu e a primeira diferença que
percebeu, ao cruzar para o lado Oeste, foram as cores vibrantes que o muro era
grafitado. (Fig. 39) Como já dito anteriormente, as constantes guerras haveriam
marcado o espaço público como um território para batalhas ideológicas e, por essa
razão, as práticas artísticas urbanas seriam tão marcantes em Berlim, como nestes
dois exemplos na Berlim Oriental. (Fig. 39a) As formas de expressão, através do
picho e de pôsteres seriam presentes em ambos os lados. Porém, no lado Oriental,
a repressão contra estas práticas seria bem maior que no lado Ocidental, tanto que
os próprios guardas RDA tentariam limpar a face Ocidental do muro. (Fig. 39b)
Por essa razão, o muro era acinzentado no lado Oriental e a descoberta de
um muro colorido teria sido uma surpresa de Wermke. Foi vendendo partes dele
para turista que ele conseguiu ganhar seu primeiro dinheiro ocidentalizado. O artista
afirma que os fragmentos de concreto coloridos vendiam, particurlamente, melhor161.
No ano seguinte, aos 12 anos de idade, ele iria comprar sua primeira lata de spray.
Curiosamente, Wermke não ser levaria às exposições o seu trabalho em
grafite. O artista se preocuparia em não chamar atenção para esta sua atividade,
para continuar atuando em liberdade. Diferente de Wermke, o grafiteiro paulista Djan
Ivson Silva não esconde a sua identidade. Mesmo depois de participar, oficialmente,
da Bienal de São Paulo 2010, ele seria contra a legalização da atividade e afirmaria
que este reconhecimento só teria acontecido por eles terem sido convidados, em
2009, pela Fundação Cartier Paris. Para Djan Ivson:
A Pixação Brasileira é o que tem de mais puro e verdadeiro na arte
contemporânea mundial. Recusar a existência de um fenômeno como esse
seria hipocrisia do circuito de Artes. Afinal, o Pixador é um dos poucos
artistas que não tem pretensão financeira para deixar sua obra pela cidade,
pelo contrario, ele investe arriscando sua integridade física e jurídica.
Colocando sua vida no limite, com a simples intenção de deixar sua marca,
isso é ser Artista. Esse tipo de Artista que merece o reconhecimento das
bienais, museus e galerias. Não precisamos deixar a ilegalidade das ruas
para receber esse tipo de reconhecimento, pois nosso único compromisso
de ser ilegal é com a rua, nesses espaços institucionalizados o
reconhecimento que a pichação vai ter é apenas representativo, de uma
162
ação que se legitima na rua. Silva, 2011
160
MAI e WICZAK, 2007, p. 95
Ibid
162
Entrevista concedida por e-mail no dia 22/04/2011.
161
65
As AAU, mesmo quando institucionalizadas, seriam uma provocação
imprevisível de resultados pouco controláveis. Para Jeudy, a democratização da arte
no espaço público seria uma alternativa, tanto para a comunidade artística como
para as instituições: “o fato de a arte poder ser compreendida como uma arte de
modo de vida é fruto de uma crença cuja idealização parece satisfazer tanto ao
conjunto dos artistas quanto aos gestores do urbano”163. Não ficaria claro se Jeudy
estaria criticando ou apontando para uma característica positiva das AAU.
Seria importante atentar para a institucionalização das AAU e avaliar se a
ação dos artistas seria submetida a algum tipo de limite, imposição ou censura, por
parte da instituição que a promoveria. De acordo com Jeudy, quando “o museu é
transformado em obra arquitetônica, até mesmo artística, impõe sua própria
soberania estética, da mesma maneira que um monumento”164. Ao se utilizar de um
espaço de origem pública, a arte teria algum compromisso com o carater público do
lugar? ou ela estaria apenas usando o espaço “emprestado” para estender seu
território físico e ideológico, através da Arte?
A intitucionalização das AAU seria, cada vez mais, frequente. Por essa razão,
se faz necessário criar parâmetros para entender como os poderes das instituições
poderiam se instaurar no espaço público, através das obras. Apontar a relevância
nas práticas artística urbanas contemporâneas teria como objetivo tanger as
principais questões que se confrontam no espaço público urbano: interesse público
versus privado; valor da experiência versus a simulação dela; a arte versus a
racionalização da vida. Assim, tanto artistas como críticos poderiam criar
mecanismos coerentes de avaliação.
2.2 A institucionalização do espaço público
As questões sobre o grafite ajudariam a compreender as formas de interações
possíveis entre a cidade e seus habitantes. Os grafiteiros, à deriva, se arriscariam
para questionar o público, o privado e desafiar os limites da cidade, como Wermke,
na ponte Manhattan, em 2007. (Fig. 40) Para o artista, certos elementos urbanos
aguçariam sua curiosidade por uma nova perspectiva;
163
164
JEUDY, 2005 p. 138
Ibid, p. 121
66
Olho da rua para o ponto mais alto de uma ponte e tento pensar como seria
a vista de lá, olhando para baixo. Não posso parar de pensar sobre esses
lugares. O que me impede de ir investigá-los? Quem determina os lugares
que posso ou não entrar? Uma placa dizendo “não ultrapasse”? uma
câmera de vigilância ou um guarda segurança? Para mim, é importante
decidir essas coisas sozinho. Meu trabalho é sobre cruzar fronteiras
intencionalmente, e considerar as possíveis consequências. Tento superar
165
meus medos para poder descobrir algo novo. WERMKE, 2007
Parece-nos que o picho seria a primeira estética pública a se rebelar contra
os aparelhos de dominação notados por Benjamin e Habermas. No espaço público,
hoje, as possibilidades de expressão crítica e política teriam se multiplicado e as
questões de interesse coletivo poderiam ser observadas através de elementos
estéticos e processuais. À arte, competiria a criação de vivências na cidade, jogos e
prazeres lúdicos, como defendiria Debord e a IS.
Gostaríamos de apresentar algumas formas de intervenções que observamos
em nossa pesquisa que teriam relevância para argumentarmos que o grafite haveria
contribuído para o desenvolvimento de práticas urbanas mais efêmeras e menos
“agressivas” e “perigosas”. O arranjo de objetos variados no espaço público e a
alteração de elementos já presentes nele seriam o reflexo de uma nova forma de
viver a cidade, aproveitando as brechas criativas para que ela fosse uma espécie de
playground urbano. Um exemplo disto é o movimento, aparentemente iniciado em
Londres, Guerrila Knitting que através de crochê, cobre elementos da paisagem
urbana; (Fig. 41) Juliana Santacruz Herrera, em Paris, cobriria os buracos da cidade
de forma poética e estética. (Fig. 41a)
Ao transpor a arte para o espaço público e misturá-la a tantos outros signos
culturais, a arte, inevitavelmente, esbarraria na questão da legitimidade. Como se
daria a legitimação da arte no espaço público? O fato de surpreender os transeuntes
em seu cotidiano e interferir na sua rotina, através de dispositivos estetéticos e
processuais, conseguiria gerar outras subjetividades na esfera pública?
Percebemos que atribuir às práticas artísticas urbanas um valor cultural e
social é um processo local, ligado aos atores socias que por ali transitam, aos seus
contextos e às suas significações. Em 2006, o berlinense Wermke nadou de uma
margem a outra de um rio. Ação seria bastante natural se acontecesse em uma
cidade que as pessoas tivessem hábito de nadar em água doce. O rio escolhido por
Wermke foi o Spree, na altura do Reichstag, o parlamento alemão. (Fig. 42)
165
MAI e WICZAK, 2007, p. 102
67
A contextualização é vital para a AAU e quanto mais informações se tem a
respeito do lugar onde ela se realiza, mais crítico e coerente será o julgamento
daquela ação. Através de três momento distintos, o atual, o pré-nazista e o pósguera, percebemos a importância do Reichstag como um símbolo nacional (Fig. 43).
Tanto o embrulhamento dele, em 1995166, como a ação de Wermke em 2006
dialogaria com o passado e a memória coletiva do povo alemão.
Outro exemplo que poderíamos dar para ilustrar a relação existente entre a
compreensão de uma AAU e a sua contextualização seria a sequência de
intervenções do grafiteiro Banksy no território da Palestina. (Fig. 44) Quando os
detalhes sobre essas imagens são conhecidoss, elas passariam a fazer mais
sentido. Informações, como o seu lugar específico, as referências apresentadas e o
contexto histórico que fez com que Israel levantesse um muro de, aproximadamente,
25 metros de altura, isolando o território Palestino, seriam essencial para
compreender e avaliar o trabalho do grafiteiro.
Um aspécto importante que não podemos desconsiderar é este duplo efeito
da imagem que seria uma espécie de “armadilha” da cultura visual. Quando as
cidades são usada pelas expressões artísticas para produzir imagens, elas
levantariam uma bandeira socio-política, mas, ao mesmo tempo, a reverberação
daquilo em imagem, poderia ser tranformado em capital. Assim, as cidades seriam
grandes vitrines para os artistas. Ao mesmo tempo que Banksy demonstra apoio à
causa palestina, ele se utiliza dela para associar seu nome a algo imaterial. Para o
mercado de arte, não bastaria o artista ser bom naquilo que faz, ele teria que se
tornar um label, ter capacidade de atingir milhões de pessoas e isso Banksy soube
fazer muito bem, se tornando muito popular.
Uma AAU realizada em várias cidades vai ser diferente em cada uma delas,
como foi a ação de Lourival Batista. (Fig. 45) Varal foi apresentada pela primeira vez
em 2003, na cidade de Recife, como parte do SPA das artes, promovido pela
prefeitura local. A cidade é onde Batista morou a maior parte de sua vida e onde se
deu a concepção de sua obra que depois iria viajar por sete outras cidades:
O Varal é uma intervenção urbana natural para as pessoas que moram no
bairro de Santo Amaro, no Recife. Este bairro fica na marginal de uma
grande avenida, Agamenon Magalhães, e lá as pessoas se apropriam do
espaço urbano para secar as roupas. Vários varais modificam a paisagem
urbana com intuito basicamente funcional. A reutilização desta atitude
166
Obra de Christo e Jeanne-Claude comentada por Huyssen na página 36 desta pesquisa.
68
estética despretensiosa dos moradores, dimensionando-a de forma
167
gigantesca num lugar inusitado, é o mote inicial desta obra.
Depois de 2003, o artista levou a ação para São Paulo, Salvador, Vitória, Rio
de Janeiro e, ainda, Weimar, na Alemanhã, Porquerolles, na França e Porto, em
Portugal. O artista afirma que "quando nossas ações não agridem a vida coletiva,
elas se tornam ocupações funcionais."168 O objetivo era que
a ação discutisse as
relações entre vida privada e espaço público; contudo, as interpretações teriam ido
além do que foi a proposição do artísta. Batista acredita que cerca de 70% das
pessoas interpretaram o varal como um protesto e prossegue sobre sua experiência:
Em todos esses lugares, causou estranhamento no público passante,
levando-o a questionamentos muitas vezes restritos ao circuitos de galerias
e espaços culturais. A obra e a cidade interagem mais ainda com a coleta
de roupas usadas que é feita a partir de uma panfletagem no próprio lugar
pedindo doações aos seus habitantes. Esta ação inclui um significado de
memória, pois as pessoas geralmente doam roupas que têm um valor
especial em sua historia de vida.
As ações do varal de Batista foram todas comissionadas, por instituições de
arte, feitas com apoio de verba pública ou privada169, embora o artista não limite
suas ações a esta condição. Muito pelo contrário, sua produção se caracteriza por
ações extremamente arriscadas que exploram os limites entre a arte e o crime.
Depois de devidamente executadas e registradas em fotografias e vídeos é que são
aceitas para serem expostas em espaços de arte institucionalizado. Em Artrafic : Le
collier du Mozambique, de 2006, o artista vendeu, em uma galeria, colares
adornados de um pequeno pedaço de haxixe como um pingente e apresentou em
vídeo todo o processo de como trouxe a droga da Europa para o Brasil, além de ter
distribuído planfletos explicativos de como fumar o entorpecente.
“Parangolé”, também de Batista, nos ajudaria a compreender melhor a
relação subversiva da arte. A ação-roubo realizada no Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro, em 2002, foi apresentada como uma vídeo-instalação no Festival
Performance Arte Brasil, em 2011, também promovido pelo MAM. Nela, Batista
167
Lourival Batista, 29/06/2008. Texto publicado no Blog do CorpoCidade- debates em estética
urbana, no Varal foi apresentada na cidade de Salvador, em 2008
http://corpocidade.blogspot.com/2008_11_01_archive.html último acesso em 12/04/2011
168
Em uma matétia publicada pelo jornal soteropolitano A tarde, no dia 30/10/2008. Link para matéria:
http://www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=997063 último acesso em 12/04/2011
169
Cabe esclarecer que a questão da institucionalização da arte, em Berlim, não foi aprofundada. A
pesquisa, apenas, constatou que os enormes murais de grafite que ocupam àreas de interesse social
e econômico da cidade seriam comissionadas pela prefeitura e executadas por artistas atuantes da
cena local.
69
aparece saindo do MAM vestindo o parangolé e vai passear pelas ruas do centro do
Rio de Janeiro, “desmumificando” a obra de Hélio Oiticica. Depois, um recado é
deixado na secretária eletrônica do artista, no qual uma representante do museu
ameaça chamar a polícia se ele não devolver a peça ao MAM. O vídeo encerra com
a devolução do Parangolé e com imagens do artistas e pessoas cheirando um pó
branco, sobre fotos de Oiticica.
As ações de Batista demonstram o carater contraventor que, por vezes,
caracteriza a arte contemporânea. A arte de rua passaria a frequentar o circuito
fechado de museus e galerias e estes, por sua vez, passam a provomer, através de
seus projetos curatoriais, práticas artísticas na rua, no espaço público. Assim, seria
cada vez mais comum que práticas subversivas, ilegais, sejam institucionalizadas
por museus e galerias. O professor Zielinski nos ajudaria nesta investigação:
Os movimentos Avant-Garde não são absorvidos pelo sistema logo no
início. Isso só acontece quando eles se movem na direção do sistema, não
têm cuidado de manter a resistência em crescimento e se oferecem para
170
serem sugados. É um caminho difícil e que tem que ser escolhido.
Perguntamos ao Professor de que adiantaria legitimar a arte de rua, nos
espaços expositivos institucionalizados, se um artista ainda seria passível de prisão
se tentasse expressar a sua arte em um espaço público como a rua:
Isso não tem nada a ver com arte, isso é relativo à economia. É um
problema de mercado, porque quando você coloca o grafite no museu, você
quer fazer duas coisas: quer fazer daquilo um produto, criar algo que seja
vendável e comprável. E lógico, muito próximo a isso, você quer aproveitar,
ao máximo. essas “dimensões revolucionárias” para fazê-las mais
suavemente consumíveis. Isso não é apenas com street art, isso é um
171
fenômeno que pode ser observado principalmente no século XX.
Parece-nos que o ponto de vista de Zielinski seria de que tão logo o
subversivo é assimilado pelo tradicional, o discurso político seria enfraquecido e esta
não seria, simplesmente, uma opção estética e sim uma atitude que visaria o
mercado de arte. A íntima ligação entre arte e economia é citada pelo professor, ao
exemplificar a existência de um departamento na UdK, o de comunicação no
contexto social e econômico, que se preocuparia, apenas, em se aplicar a
comunicação criativa para fins econômicos:
Eles tem um área de estudos chamada estratégia, onde trabalham com
esse tipo de coisa, pensam em como podem usar as teorias do situacionista
170
Em entrevista concedida a autora desta pesquisa, realizada no dia 21 de Maio de 2010, na
Universität der Künste Berlin (UdK).
171
Ibid
70
Guy Debord e transformar isso num processo estratégico que dá suporte à
economia consumista. Isso é exatamente o que permanece acontecendo
172
com a arte de rua, desde Basquiat.
A pesquisa em Berlim nos indicaria que a arte passaria a ser apenas mais um
tipo de produto de consumo e a sua produção estaria atrelada aos modos de
produções capitalistas e à cultura de massa. Zielinski corrobora Huyssen, de acordo
com o seu livro Memórias do modernismo, segundo o qual os movimentos das
vanguardas de 1960, tinham no combate aos museus uma constante; mas o final
dessa batalha teria sido quando a arquitetura pós-moderna passa a dar forma aos
novos prédios dos museus. Os edifícios, por si só, já justificariam o seu conteúdo173.
É passando por esse entendimento, de que as instituições de arte se
transformaram diante das mudanças econômicas, que a pesquisa considera os
museus em atual crise. Seria pertinente observar as críticas que Huyssen faz à
cultura da produção de imagens, para o autor a preocupação em registrar eventos
seria uma tentativa de aprisionar o passado e as próprias experiências. Isto teria
contribuído para o museu ter se tornado o paradigma-chave das atividades culturais
contemporâneas. Para Huyssen, o museu seria “um espaço híbrido em algum lugar
entre a diversão pública e uma loja de departamentos”174.
A crise dos museus seria uma das causas pelas quais nos debruçaríamos
sobre as atividades artísticas urbanas. Observamos que as AAU passariam a fazer
parte do escopo das instituições de arte que insistiriam em se apropriar do discurso
público do artista e o apresentar como o próprio discurso da instituição. Segundo
afirma Batista, os papéis haviam se invertido, as instituições não mais patrocinariam
os artista: “são os artistas quem patrocinam as instituições culturais175”
Para Jeudy, “essa legitimidade se constitui em torno do precedente do
ilegítimo para que persista a representação contemporânea do papel subversivo da
arte”176. A necessidade do artista se expressar e demonstrar intenções políticas e
sociais, de forma pública e processual, faria com que suas ações ganhassem
visibilidade e acabassem sendo reconhecidas institucional e artísticamente:
172
ibid
‘O papel do museu como um local conservador elitista ou como um bastião da tradição da alta
cultura dá lugar ao museu como cultura de massa, como um lugar de uma mise-en-scène espetacular
e de exuberância operística.’ HUYSSEN, 1997, p. 223
174
Huyssen, 1997, p. 224.
175
Em entrevista por e-mail no dia 27/04/2011
176
JEUDY, 2005, p. 117
173
71
Nenhum novo processo de criação consegue prosseguir sem operações
procedurais que demonstrem o peso das dificuldades encontradas para a
sua realização. O que é um obstáculo para a sua realização pública termina
consagrando sua imagem de avant-garde. JEUDY, 2005, p. 131
Observamos, através dos constantes projetos curatoriais executados pelas
instituições artística, que a idéia da arte no espaço público se apresentaria como
uma espécie de salvação, tanto para as instituições, que se encontrariam em crise,
quanto para os artistas, que passariam a ser incluídos e a fazer parte de um novo
circuito institucionalizado. Na rua, os artistas poderiam explorar os mais variados
temas e convidar a população a participar dos seus processos.
De acordo com Hanna Arendt177, as relações de poder seriam de origem
privada, incompatível com o ambiente urbano e a convivência coletiva desenvolvida
nas cidades. Nas vias públicas, o poder e a violência seriam de domínio do Estado,
representado pela polícia. A esfera pública abrigaria a democracia, a liberdade e a
igualdade de direitos. Qual seria a autoridade da instituição em limitar o espaço
público e privatizá-lo, mesmo que temporariamente, como isso se justificaria e se
tornaria legítimo no espaço público?
Quando uma AAU se realiza com um patrocínio institucional, seria pertinente
que o artista analisasse quais seriam as vantagens de realizar a atividade deste
modo. No que a presença da instituição ajudaria e em que sentido ela poderia
contribuir para enriquecer a relação entre o artista, o público e a obra? Pois, seria
muito fácil que a esfera pública fosse utilizada de forma abusiva pelas instituições,
apenas, para reproduzir a hierarquia dos museus e espaços expositivos, tornando o
espaço público uma extensão territorial institucional, em forma de “arte pública”.
Apesar de termos usado a expressão “arte pública”, consideramos ela
incoerente. Isso se dá por compreendermos que ela se aplicaria ao conjunto de
objetos de arte que se encontram em permanente mostra em prédios e espaços
públicos. Como defende o livro Trespass- a history of uncomissioned urban art178 :
Vamos ser honestos: o termo arte pública conjura idéias banais, até mesmo
terríveis, de vitrines permanentes em prédios municipais, de aeroportos a
tribunais. A maioria das oportunidades oficiais de criar arte pública são
incubidas de serem resistentes ao grafite, segura para as crianças, estarem
de acordo com preceitos da familia e respeitar as regras de nãoprovocação, garantindo que qualquer trabalho de arte comissionado seja,
no máximo, brando. MCCORMICK, SCHILLER e SCHILLER, 2010, p. 306
177
178
ARENDT, 2005
Escrito por Carlo McCormick, Marc Schiller, Sara Schiller
72
Sobre “arte pública”, Hilde Hein afirma que “não devemos esperar consenso
[…] a arte pública não pode prometer um entendimento público, não mais que a arte
privada consegue assegurar a salvação privada, o quer que isso seja”179. Esta
“salvação privada” seria o reconhecimento da arte através dos seus conceitos, a
habilidade, daquele que consome a arte privada, em identificar os elementos da alta
cultura que fazem a arte ocupar um lugar de destaque no museu.
Independentemente deste reconhecimento ser efetivo, ele é responsável por gerar
um sentimento de diferenciamento, de pertencimento, a partir do repertório coletivo.
Pierre Bourdier180 defenderia que o gosto não é individual e tem a sua origem
social. O gosto poderia nos aproximar ou afastar das classes sociais as quais
gostaríamos de pertencer. Bourdier aponta a existência de atores sociais que
determinariam as matrizes estéticas, o belo, o bom, o especial e autêntico nas
experiências estéticas. Assim, poderíamos propor que a salvação privada seria esse
sentimento de pertencer a uma classe diferenciada (culta, inteligente) e treinada
para interpretar os elementos da alta cultura.
Na visão de Hein, a salvação pública aconteceria quando o cidadão observa
na “arte pública” o seu aspecto de utilidade coletiva e consegue, assim, entendê-la.
Fora do museu, quem determinaria as matrizes estéticas? A AAU, na forma de obra,
ação ou performance apresentada no espaço público, pode ter a sua utilidade
coletiva reconhecida pela sua capacidade de ser interpretada de forma artística ou,
por também, expressar uma posição em relação à sociedade, ao governo. Desta
forma, a salvação pública poderia acontecer de forma estética e/ou política.
A utilização política do espaço público se refere à consciência dos limites
quanto à utilização da cidade, à possibilidade de penetrar em certos lugares e
subverter sua ordem. Sem uma violência urbana gritante, como em Berlim, o citadino
conseguiria explorar os seus limites, estender suas fronteiras na cidade e propagar
idéias em diferentes âmbitos da esfera pública. A arte intervencionista, quando
ilegal, de guerrilha e praticada nas ruas, seria a expressão genuína de pessoas que
assumem riscos em nome de uma “missão artístico-cidadã”.
A origem do grafite, em Nova Iorque nos anos 70, demonstraria a vontade dos
adolescentes das periferias em desafiar a sociedade, as leis e autoridades locais de
179
Texto original, “Public art cannot promise public understanding, any more than private art assures
private salvation, whatever these might be.” HEIN, 2001, p.5
180
BOURDIEU em. ORTIZ, 1983
73
forma pública. (Fig. 46)181 Embora o grafite e o picho tenham se incorporado ao
mercado de Arte, suas raízes estariam na periferia e seriam caracterizadas pela
ousadia com a qual os pichadores espalhariam suas assinaturas. Esta manifestação
urbana global apontaria que há um grande números de pessoas socialmente
excluídas, financeiramente desprivilegiadas que querem notoriedade. Além disto,
que precisam de estímulos socioculturais para diversão e lazer.
A arte de rua, quando fora dela, seria uma limitada estética contemporânea.
Em A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, Benjamin argumentaria
que a distração seria contrária à contemplação, ao recolhimento que acontece no
interior dos museus e levaria ao instante de fascinação. Se o destaque da arte de
rua seria a capacidade de estar inserida no cotidiano dos centros urbanos e ser
captada através das dispersão, essa forma de percepção seria incompatível com um
ambiente fechado. O que o grafite seria nas ruas, não caberia dentro de um museu.
Assim, não seria possível enclausurar a street art no museu.
Neste segundo capítulo, investigamos a cidade e as formas de expressões
públicas que ela é capaz de abrigar. Passando pela influência da arquitetura na
produção de memórias coletivas e pela solidificação dos interesses das classes
dominates no espaço público, tentamos demonstrar como as práticas artísticas
urbanas teriam importância para abordar os conflitos mais urgentes do espaço
público urbano das metrópolis. Esta teria sido a hipótese central deste capítulo.
Diantes das crises pelas quais a sociedade passaria, o espaço público seria
palco de confrontos sociais e ideológicos: o interesse público, coletivo versus o
privado, particular. Tentamos apresentar as principais táticas de resistência
utilizadas por esses interesses. As forças criativas e as consumistas seriam forças
opostas que competiriam no ambiente urbano diariamente. Esta disputa contribuiria
para estimular cidadania e fortalecer o senso de comunidade. Se a arte teria sido
deslocada do museu, seu local por tradição, para se aproximar do dia-dia, promover
experiências sociais e ter um carater político182, nos convém examinar quais seriam
as condições socioculturais que fariam com que essas novas práticas artísticas
adquirissem, de fato, alguma importância e representatividade para a sociedade
com a qual ela pretenderia dialogar.
181
Com base no documentário sobre a cultura de rua de Nova Iorque, filmado em 1984: Slyle Wars,
dirijido por Henry Chalfant e Tony Silver. http://www.stylewars.com/
182
Como defende Claire Bishop, através da arte
participativa e Nato Thompson através da arte
intervencionista.
74
3. Panorama Sociocultural
Um dos aspectos que envolvem a produção artística no espaço público diz
repeito à possibilidade de produzir imagens a partir da cidade. Esta imagem só faria
sentido se estivesse em sincronia com os contextos do local para qual o artista
haveria pensado a sua atividade. Evidente que o artista não controlaria as imagens
que a sua atividade poderia gerar, porém, essa falta de controle até agregaria valor
à qualidade artística da atividade, de acordo com Claire Bishop183.
Reconhecemos que risco e imprevisibilidade teriam valor nas práticas
artísticas urbanas, contudo, uma obra que pretente realizar-se na rua não poderia
querer se aproveitar de qualquer circunstância acidental, para adicionar mérito ao
seu idealizador ou a sua própria realização. A concepção da obra poderia ser feita
com base em elementos imprevisíveis, todavia, consideramos este procedimento
pouco criativo e, apenas, funcionaria como uma forma do artista instrumentalizar o
espaço público, para obter resultados pessoais para sua carreira. Por isso, neste
capítulo final, faremos uma investigação a respeito da esfera pública, para tentarmos
criar critérios de avaliação dessas novas práticas artísticas urbanas e conseguir
apontar valor no que seria trabalhado em uma atividade artística urbana (AAU).
Pensadores, como Walter Benjamin, Hannah Arendt, Henri-Pierre Jeudy,
Richard Sennett, Zygmunt Bauman, Andreas Huyssen, Vilém Flusser e Jürgen
Habermas apontariam para a crise na esfera pública e nos ajudariam a compreender
o papel desempenhado pelas novas AAU e a sua relevância para a sociedade.
3.1 Esfera Social Burguesa: O Declínio da Experiência
As novas relações das pessoas no e com o espaço público é o objeto deste
capítulo final. A modernidade teria transformado as formas de percepção humana,
através de novas configurações de tempo e espaço. A pesquisa se utilizará do
conceito de modernidade trazido por Leo Charney e Vanessa R. Schwartz, em O
cinema e a invenção da vida moderna:
A modernidade, como expressão de mudanças na chamada experiência
subjetiva ou como uma fórmula abreviada para amplas transformações
sociais, econômicas e culturais, tem sido em geral compreendida por meio
da história de algumas inovações talismãnicas: o telégrafo e o telefone, a
183
BISHOP, 2006, p. 15
75
estrada de ferro e o automóvel, a fotografia e o cinema. CHARNEY e
SCHWARTZ, 1995, p. 17
Submetido às novas experiências subjetivas e coletivas na cidade, o cidadão
criaria outras percepções a respeito de tempo e espaço. Estradas de ferro e
transportes coletivos teriam diminuído as distâncias físicas dos lugares, mas entre os
indivíduos ela haveria aumentado, com o isolamento de questões privadas. Para
Habermas, a “perturbação” entre público e privado seria uma “polarização da vida
social” 184 e as relações sociais se mudariam face à nova dinâmica do movimento.
Entendemos que a obrigação formal e a impessoalidade das relações sociais
de caráter público seriam características da cidade cosmopolita185. Critérios
materiais passariam a influenciar as relações sociais. Os cidadãos teriam que se
acostumar com a nova proximidade física que seria travada com estranhos no
espaço público. O século XIX é, comumente, referido como o século das “multidões”,
o que seria uma das novidades que a modernidade promoveria.
O argumento de Arendt é de que a esfera social teria invadido o lar,
substituído a família e transformado “todas as comunidades modernas em
sociedades de operários e de assalariados”186, concentrados em torno de uma única
atividade essencial para manter a vida: o labor. Ela aponta que a necessidade
primordial da vida – a sobrevivência – era de origem do lar privado, e uma vez que a
continuidade da espécie dependia do trabalho, por mais “indispensável à
manutenção da vida, a última coisa a esperar dele seria a excelência”187.
A transformação do labor em status de coisa pública residiria na dependência
mútua, entre os indivíduos de uma mesma sociedade, que faria com que atividades
ligadas a mera sobrevivência, de carareter privado, fossem admitidas em praça
pública188, mesmo que não tivessem excelência. Ao mesmo tempo que o labor seria
admitido publicamente, o lar privado seria redimensionado189. Walter Benjamin foi
um dos primeiro pensadores a associar os avanços técnicos à perda do valor da
184
HABERMAS, 2003, p. 188
Richard Sennett afirma que: “De acordo com o emprego francês registrado em 1738, cosmopolita
é um homem que se movimenta despreocupadamente em meio à diversidade, que está à vontade em
situações sem nenhum vínculo nem paralelo com aquilo que lhe é familiar. SENNETTenett, 1988, p.
31
186
ARENDT, 2005 p. 56
187
Ibid, p. 58
188
ARENDT, 2005, p. 56
189
Benjamim, no texto Paris, capital do século XIX , argumenta neste sentido: “Para o homem privado,
o interior da residência representa o universo. Nele se reúne o longínquo e o pretérito. O seu salon é
um camarote no teatro do mundo”. BENJAMIN, 1929 em KOTHE, 1991, p. 37
185
76
experiência com o mundo. A modernidade e a industrialização mudariam a forma
das pessoas habitarem e o resultado seria o inchaço dos centros urbanos, queda no
senso de coletividade e uma sociedade mais individualista.
O mundo externo contaminaria o lar e as preocupações íntimas seriam
deslocadas para a esfera pública, pensaria Sennett. Hoje, privacidade estaria ligada
a uma relfexão sobre a própria psique, tentaríamos distinguir o que seria autêntico
em nossos sentimentos, particular e íntimo, do que seria influências externas, do
meio e das condições sociais em que vivemos. Nossa psique seria considerada tão
frágil que tentaríamos protegê-la de qualquer influência externa; ao fazer isso, nos
isolaríamos. Estar em privacidade, a sós com familiares e amigos, teria se tornado
um fim em si mesmo, defende Sennett: “o eu de cada pessoa tornou-se o seu
próprio fardo; conhecer-se a si mesmo tornou-se antes uma finalidade do que um
meio através do qual se conhece o mundo”190. Parece -nos que essa busca em “si
mesmo” seria acentuada pela perda das relações pessoais e a constante troca de
valores que aconteceria entre as experiência no mundo real e as simulações delas.
A figura do Flâneur representaria as preocupações de um homem fracionado
por novas estruturas de tempo e de espaço, dividido entre a casa e o mundo
exterior: “o flâneur ainda está no limiar tanto da cidade grande quanto da classe
burguesa. Nenhuma delas ainda o subjugou. Em nenhuma delas ele se sente em
casa. Ele busca o seu asilo na multidão”191. A percepção moderna seria fracionada e
impossibilitaria que a realidade fosse percebida como um todo. Charney e Schwartz,
desenvolveriam alguns pensamentos neste sentido:
Como exemplificado pela flânerie a atenção moderna foi concebida não
somente como visual e móvel, mas também fugaz e efêmera. A atenção
moderna era imagem em movimento. As formas modernas de experiência
dependiam não apenas do movimento, mas dessa junção de movimento e
visão: imagem em movimento. CHARNEY E SCHWARTZ, 1995, p. 22.
Para Sennett, a crise do espaço público acompanharia uma igual crise no
interior do indivíduo. Seria sob o aspecto da nova psique moderna que o filósofo
analisaria as mudanças no espaço público das cidades e apontaria as frequentes
confusões entre vida pública e vida íntima; “as pessoas tratam em termos de
190
191
Ibid
ibid, p. 39
77
sentimentos pessoais os assuntos públicos, que somente poderiam ser
adequadamente tratados por meio de códigos de significação impessoal”192.
A ascensão da esfera social, o crescimento da burguesia e as transformações
nas relações de trabalho refletiriam como os cidadãos se relacionariam e agiriam no
espaço público. Em Paris capital do século XIX, Benjamin apresenta o fragmento de
um Guia ilustrado de Paris onde é possível percerber como a nova arquitetura, as
galerias193, iria diminuir a capacidade de ação e discurso, tão característica do
politikos
194
bios
e da esfera da polis. Isto aconteceria através da perda do espaço para a
sociabilidade natural entre os indivíduos no espaço público, causada pelo novo
espaço dado à mercadoria. Segue o trecho do Guia transcrito por Benjamin:
Estas galerias são uma nova invenção do luxo industrial, são vias cobertas
de vidro e com o piso de mármore, passando por blocos de prédios, cujos
proprietários se reuniram para tais especulações. Dos dois lados dessas
ruas, cuja iluminação vem do alto, exibem-se as lojas mais elegantes, de
modo tal que uma dessas passagens é uma cidade em miniatura, é até
mesmo um mundo em miniatura. BENJAMIN, 1929 em KOTHE, 1991, p.31
As cidades foram se metropolizando, cosmopolitando e o espaço urbano
passaria a reunir grupos muito diversos que, inevitavelmente, teriam que interagir. A
urbe, além de ser o centro econômico vital da sociedade burguesa, seria o terreno
onde a burguesia iria se opor à aristoracia da corte, criar novos parâmetros
socioculturais, econômicos e pautar uma agenda pública de seu interesse, à medida
que a cultura assumiria a forma de mercadoria. Habermas aponta que as novas
instituições da burguesia seriam os coffee-houses e salons que, de 1680 até 1730,
tiveram seu período áureo tanto na Inglaterra quanto na França195. Os cafés e
salões não eram apenas um ponto de encontro social. Neles, teria sido criada a
“primeira esfera pública literária”196 que reunia:
Os herdeiros daquela sociedade de aristocratas humanistas, em contato
com os intelectuais burgueses que logo passam a transformar as suas
conversações sociais em aberta crítica, rebentam a ponte existente entre a
forma que restava de uma sociedade decadente, a corte, e a forma primeira
de uma nova: a esfera social burguesa. HABERMAS, 2003, p. 45
192
SENNETT, 1988, p. 18
No texto, Benjamin utilza galerias, passagens e Fourier como sinônimos.
194
De acordo com Arendt, com o surgimento da cidade-estado, o cidadão, além da vida privada,
responde a uma existência pública, a bios politikos. ARENDT, 2004, p. 37
195
HABERMAS, 2003, p. 48
196
Ibid, p. 45
193
78
A esfera social burguesa se privatizaria nos cafés e salões. A típica
contradição que existiria entre a esfera pública e a privada, entre mundo exterior e
lar privativo, característica dos estágios iniciais da era moderna, desapareceria
submersa na esfera social e em um espaço público perpassado pelo consumo. Para
compreender como o esvaziamento do sentido “público” afetaria o caráter político e
coletivo da esfera pública, vamos nos utilizar de Habermas197.
As relações sociais no espaço público teriam sido transformadas pelo
crescimento da burguesia e do capitalismo industrial do século XVIII. Ao nos
debruçarmos sobre as produções artísticas desta época, poderiamos colher pistas
sobre as questões socioculturais que estariam emergindo naquele novo contexto e
indicar sintomas que apontariam para uma crise da esfera pública, através da nova
proximidade entre o social e o íntimo, assim haveria pensado Benjamin.
No ensaio O Narrador, de 1936, Benjamin identificaria o romance como um
sintoma da crise das relações humanas e reflexo dos novos paradigmas sociais: “a
origem do romance é o indivíduo isolado, que não pode mais falar exemplarmente
sobre suas preocupações mais importantes e que não recebe conselhos nem sabe
dá-los”198. A difusão do romance estaria intimamente ligada à invenção da imprensa,
ao então novo poder da informação, à rapidez com a qual ela circularia e à
aspiração de “uma verificação imediata”199 que a informação promoveria.
Para Benjamin, as experiências estariam deixando de ser comunicáveis. O
argumento do autor seria que, no romance, aconteceria a perda da realidade e da
percepção da coletividade, pois a tradição oral, narrativa, seria abalada pelos novos
paradigmas da informação. Benjamin defendeu que a “faculdade de intercambiar
experiências”200 estava em crise e explicou que “uma das causas desse fenômeno é
óbvia: as ações da experiência estão em baixa, e tudo indica que continuarão caindo
até que seu valor desapareça de todo”201
197
Segundo Habermas: “Com o surgimento de uma esfera do social, cuja regulamentação a opinião
pública disputa com o poder público, o tema da esfera pública moderna, em comparação com a
antiga, deslocou-se das tarefas propriamente políticas de uma comunidade de cidadãos agindo em
conjunto (jurisdição no plano interno, auto-afirmação perante o plano externo) para as tarefas mais
propriamente civis de uma sociedade que debate publicamente (para garantir a troca de
mercadorias)”. HABERMAS, 2003, p.69
198
BENJAMIN, 1996, P. 201
199
Ibid, p.203
200
Ibid, p.198
201
Ibid
79
Benjamin destacaria que a narrativa buscaria o “sentido da vida”, enquanto
que o romance “a moral da história”202. O sujeito só ultrapassaria o dualismo
interioridade / exterioridade quando percebesse a unidade de toda sua vida. Seria
difícil, visto que as novas práticas socioculturais modernas fracionariam as formas de
percepções humanas, dificultando a visão holística. Notamos que a nova condição
solitária do indivíduo no mundo seria reflexo do contexto social do século XIX.
A narrativa teria sido enfraquecida pelo romance, e este pela nova forma de
comunicação que sobressairia através da imprensa, com a consolidação da
burguesia: a informação. Este pensamento de Benjamim explicaria as crises de
origem psicossocial dos cidadãos, através do empobrecimento gradual das
experiências de carater coletivo e individual203. O que nos causaria interesse não
seria apenas essa incomunicabilidade das experiências, mas a inversão de valores
que teria acontecido ao submetermos a nossa subjetividade aos novos aparelhos da
modernidade, como esclarece Benjamin:
Na realidade, esse processo, que expulsa gradualmente a narrativa da
esfera do discurso vivo e ao mesmo tempo dá uma nova beleza ao que está
desaparecendo, tem se devolvido concomitantemente com toda evolução
secular das forças produtivas”. BENJAMIN, 1996, p 201
Assim como Benjamin, Andreas Huyssen, também, aborda as novas
estruturas de temporalidade da sociedade, com as novas possibilidades de
simultaneidade de experiências, através do imediatismo da imagem: “o presente
sucumbe ao seu poder mágico de simulação e projeções de imagens”204. Quando
Benjamin falaria sobre dar uma “nova beleza ao que está desaparecendo”, isso
estaria relacionado ao mesmo sentimento de nostalgia que estaria associado às
práticas de consumo capitalistas que Huyssen criticaria na cultura comtemporânea.
A partir da revolução industrial, o mercado de consumo exigiria que os
cidadãos comprassem mais produtos e de forma mais veloz. Com o advento das
novas tecnologias digitais, a forma pela qual as pessoas guardariam as suas
memórias seria alterada, o que Huyssen chama de crise da memória, quando o
tempo histórico não poderia mais ser diferenciado da distância geográfica:
202
BENJAMIM, 1996, p. 212
Benjamin afirmaria que: “Uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso
desenvolvimento da técnica, sobrepondo-se ao homem (…) é preferível confessar que essa pobreza
de experiência não é mais privada, mas de toda a humanidade. Surge assim uma nova barbárie”.
BENJAMIN, 1996, p 115
204
HUYSSEN, 2000, p. 75
203
80
Algo mais deve estar em causa, algo que produz o desejo de privilegiar o
passado e que nos faz responder tão favoravelmente aos mercados de
memória: este algo eu sugeriria, é uma lenta mas palpável transformação
da temporalidade nas nossas vidas, provocada pela complexa interseção
de mudança tecnológica, mídia de massa e novos padrões de consumo,
trabalho e mobilidade global. HUYSSEN, 2000, p. 25
O isolamento do indivíduo e a incapacidade de se comunicar direta e
objetivamente, no espaço público e no privado, resultaria do exarcerbo às atividades
do trabalho e da dominação da vida social pela economia. Debord observou que, no
primeiro momento da dominação, aconteceria a “degradação do ser para o ter”205.
Hoje, o ter seria substituído pelo parecer, não interessaria a realidade e sim o que
poderia representar a partir dela e de sua imagem.
O mundo mediado por imagens, este seria o foco de Benjamin, Huyssen e
Debord. A perda da experiência com a realidade, seria recompensada com a
abundância de imagens e a simulação de experiências que tentariam ocupar o vazio
deixado pela aura206. Para Debord, o conceito do espetáculo seria: “o momento em
que a mercadoria ocupou totalmente a vida social”207, "o capital em
tal grau de
acumulação que se torna imagem”208; “a principal produção da sociedade atual”209.
As AAU tentariam interferir no processo de espetacularização da sociedade,
pois, como afirmaria Debord, “tudo que era vivido diretamente tornou-se uma
representação”210. Quando o mercado abrange todas as esferas da sociedade,
restaria à arte brincar com as possibilidades de criar novos dispositivos estéticos e
processuais para fugir da obviedade e promover estranhamentos em ambientes, até
pouco tempo, inusitados para a arte, como a rua.
3.2 A construção da “opinião pública”
Para compreender como o poder dos interesses particulares conseguiria
ampliar sua área de atuação, dentro do espaço público, é importante observar a
relação entre a mídia de massa e o cidadão. A pesquisa vai buscar alguns
conceitos-chaves do pensador alemão Jürgen Habermas, para apontar a razão pela
205
DEBORD, 2009, p. 18
BENJAMIN, 1996, p. 167
207
DEBORD, 2009, p. 30, p. 25, p. 17
208
Ibid, p. 25
209
Ibid p. 17
210
Ibid p. 13
206
81
qual a arte estaria assumindo um carater público, social e mesmo político, através
das AAU que são desenvolvidas em várias metrópoles do mundo.
Habermas expõe como “as funções tradicionais da esfera pública são
integradas a concorrências de interesses privados”211 e como a propaganda
ampliaria seus territórios de atuação, fazendo com que uma das funções do espaço
público fosse a promoção da venda de produtos, o aquecimento da economia
através da publicidade. O papel da mídia e o efeito que o poder da informação
geraria na sociedade moderna estaria, até hoje, presente nas sociedades
contemporâneas e seria interessante para a pesquisa comentar esse aspecto.
Neste capítulo, defendemos que o desenvolvimento da esfera social burguesa
haveria instrumentalizado o espaço público para os seus próprios interesses e que
os novos paradigmas da modernidade teriam mudado as relações sociais no espaço
público, através do espetáculo. A espetacularização da notícia, sua transformação
em mercadoria e o falho mecanismo de apreensão de memórias, como defende
Huyssen, estariam ligados ao capitalismo.
Foi através da burguesia que a imprensa teria adquirido um teor de jornalismo
literário e evoluído, de uma imprensa de informação, para uma imprensa de
opinião212. A esfera social burguesa passaria a concorrer com o poder público, por
ganhar poder de influenciar a opinião pública, e o editor do jornal passaria “de
vendedor de novas notícias a comerciante com opinião pública”213. Os textos do
jornal refletiriam as conversas dos cafés e salões. A participação do público, através
de cartas, demonstraria o desejo de participar da esfera pública, mesmo que
literária, transposta ao texto do jornal. O desenvolvimento da empresa jornalística
era “a partir da politização do público”214.
Para Habermas, a mercantilização do jornal, a partir de 1930 com a venda de
anúncios, o transformaria numa investimento capitalista, passível de manipulação,
“caindo no campo de interesses estranhos à empresa jornalística e que procuravam
influenciá-la”215. Inicialmente, a imprensa apenas podia “intermediar e reforçar o
raciocínio das pessoas privadas”216 reunidas em um público, agora a situação
211
Ibid, p. 227
HABERMAS, 2003, p. 214
213
Ibid
214
Ibid, p. 215
215
Ibid, p. 217
216
Ibid, p. 221
212
82
haveria se invertido: através dos meios de comunicação de massa, as pessoas são
quem iriam ser moldadas de acordo com o que pensariam ser a opinião pública.
A consciência política teria sido alterada pela imprensa, o cidadão não
conseguiria formular pensamentos próprios nem, muito menos, levá-los a público. A
dinâmica desta consciência, para Vilém Flusser, seria o conceito de unhappy
consciouness, de Hegel; quando o homem sai de casa para conquistar o mundo ele
se perde e, ao retornar a sua casa para se encontrar, ele perde o mundo217. O
sentimento de inutilidade do cidadão seria duplo, atingindo tanto sua constituição
política como sua condição natural privada, íntima.
Há vários autores que apontam o isolamento humano como resultado de uma
incapacidade contemporânea de obter uma visão unitária do indivíduo a respeito do
mundo que o cerca, como por exemplo, Habermas:
A correlação entre esfera pública e esfera privada está perturbada. Ela não
está perturbada porque o metropolitano é per se homem de massa e, por
isso, não tem mais senso para o cultivo da esfera privada, mas porque não
lhe é mais possível ter uma visão global da vida cada vez mais complicada
de toda a cidade de um modo tal que ela lhe seja pública. HABERMAS,
2003, p. 188
A comunicação passaria a ser concebida unilateralmente, em apenas uma
direção, de forma hierárquica e institucionalizada, chocando com a concepção
Habermaniana, de comunicação, que seria a relação igualitária, para a mútua
compreensão, entre emisor e receptor; “a razão comunicacional faz-se valer na força
de coesão da compreensão intersubjetiva e do reconhecimento recíproco”218. A
transformação moderna de indivíduos em massa e a entrega da opinião pública aos
meios de comunicação seriam as condições necessárias para permitir, através das
mediações, a manipulação da realidade.
A falta de relações objetivas com os outros e de uma realidade assegurada
pelo intermédio dos demais, para Arendt, teriam se tornado o “fenômeno de massa
da solidão”
217
219.
Então, se uma AAU instigar o citadino a sair do isolamento, para
DVD We shall survive in the memory of others” Vilém Flusser.
Miklós Peternák, 2010. Palestra
dada como parte do symposium THE MEDIA ARE WITH US. The role of television in the Romanian
revolution, Budapest, 7 de abril de 1990.
218
HABERMAS, 2000, p. 298
219
Arend justifica: “O motivo pelo qual esse fenômeno é tão extremo é que a sociedade de massas
não apenas destrói a esfera pública e a esfera privada: priva ainda os homens não só do seu lugar no
mundo, mas também do seu lar privado, no qual antes eles sentiam resguardados contra o mundo e
onde, de qualquer forma, até mesmo os que eram excluídos do mundo podiam encontrar-lhe o
substituto no calor do lar e na limitada realidade da vida em família”. ARENDT, 1958, p. 68
83
perguntar algo a um estranho, para averiguar a realidade, através da percepção
coletiva, esse já seria um efeito positivo? Compreendemos que, mesmo não gerando
diretamente interação social, as AAU estariam permitindo a criação de novas
subjetividades no cotidiano urbano, para quebrar o fluxo contínuo da rotina.
Para Flusser, a lógica da informação tornaria o espaço público caótico e
pouco confiável: “o impacto da revolução da informação é que se você quiser ser
informado, tem que ficar em casa. Se você vai para o espaço público, acaba
perdendo a informação”220. Os meios de comunicação teriam invadido o
lar, a vida
privada e mudado a forma do homem encarar a esfera pública. A mídia falaria
diretamente com as massas. A informação seria a verdade absoluta e o cidadão não
poderia interferir neste processo. Arendt observa que o conformismo social teria
reduzido a capacidade política do homem diálogar com os seus pares e ser um
interlocutor ativo em prol dos seus direitos e deveres, no ambiente da cidade221.
A mídia não respeitaria a multiplicidade de olhares, pensaria Habermas. Por
esta razão, “ao invés de uma opinião pública, o que se configura na esfera pública
manipulada é uma atmosfera pronta para a aclamação, é um clima de opinião”222. A
imprensa traria consigo a justificativa de estar contribuindo democraticamente na
formação da opinião pública, de estar atuando em nome de um “bem-comum”.
Assim, o consenso, opinião geral que todos têm sobre alguma coisa, seria baseado
em uma consensualidade artificial223.
Habermas polarizaria o mundo em dois: o sistêmico, necessário para garantir
a reprodução material e abrangeria as esferas da economia e da política e, por
oposição, o mundo d a vida, necessário à reprodução cultural, sociabilização e
compreenderia a esfera da cultura e das relações pessoais espontâneas cotidianas.
No sistêmico, as ações seriam orientadas pela lógica do capital, do poder, e a
linguagem seria empregada com a intenção de assegurar a conquista de interesses
220
DVD We shall survive in the memory of others” Vilém Flusser.
Miklós Peternák, 2010. Palestra
dada como parte de um symposium THE MEDIA ARE WITH US. The role of television in the
Romanian revolution, Budapest, 7 de abril de 1990.
221
Arendt explicaria: O que torna tão difícil suportar a sociedade de massas não é o número de
pessoas que ela abrange, ou pelo menos este não é o fator fundamental; antes, é o fato de que o
mundo entre elas perdeu a força de mantê-las juntas, de relacioná-las umas às outras e de separálas. ARENDT, 2004, p. 62
222
HABERMAS, 2003, p. 254
223
Para o autor: “faltam critérios para ser tão somente razoáveis ao consenso gerado sob o signo de
um fingido interesse público através de refinados serviços de moldagem de opinião. A crítica
competente quando a questões publicamente discutidas cede lugar a um mudo conformismo, com
pessoas ou personificações publicamente presentificadas; consenso coincide com a boa-vontade
provocado pela publicidade”. HABERMAS, 2003, p. 229
84
particulares. Já no mundo da vida, as ações seriam orientadas pela comunicação
espontânea e a linguagem seria construída pela ação comunicativa224.
A solidariedade seria uma componente do mundo da vida e o intecâmbio de
experiências sociais aconteceria de forma livre espontânea e sem interesses:
O mundo da vida forma um horizonte e ao mesmo tempo oferece uma
quantidade de evidências culturais das quais os participantes no ato de
comunicar, nos seus esforços de interpretação retiram padrões de
interpretação consentidos. HABERMAS, 2000, p, 279
O mundo da vida se reproduziria a partir da ação comunivativa, no ato de
comunicar e, para Habermas, essa reprodução aconteceria “na medida que
cumprisse três funções225: a propagações de tradições orais, a integração de grupos
por normas e valores e a socialização de gerações vindouras”226. Através das
reproduções do mundo da vida, seriam aceitos os novos padrões socioculturais que,
ao longo da história, sofreriam modificações. A ação comunicativa integraria os
cidadãos em prol dos interesses coletivos, através da preservação das múltiplas
identidades que abrigassem a esfera pública e estimularia a solidariedade entre os
atores sociais, os cidadãos.
O pensamento de Habermas apontaria que a racionalidade227, sob as formas
de ciência e tecnologia, teria sido instrumentalizada pelo mundo sistêmico. A ciência
aplicada em novas tecnologias iria coordenar as atividades humanas em prol de um
cotidiano sincronizado com o interesse público e institucional das grandes cidades. A
escolha de um modelo de desenvolvimento implicaria na aplicação de determinadas
tecnologias para fins socio-políticos que, por longo tempo, determinariam a forma
como as pessoas utilizariam a cidade e se relacionariam no espaço público.
A escolha do modelo de desenvolvimento estaria atrelada aos interesses do
mundo sistêmico, a partir da possibilidade de gerar novos empreendimentos
lucrativos, aproximando o poder públicos da iniciativa privada228. Desta forma,
observamos que o poder das decisões públicas, na aplicação de novas tecnologias,
224
HABERMAS, 2000, p. 279
Entendemos que essas estariam ligadas, respectivamente, às funções da narrativa, da
sociabilidade e da memória.
226
HABERMAS, 2000, p. 279
227
Para Habermas, racionalidade seria a maneira
como adquirimos e usamos o conhecimento e a
informação.
228
Esta seria a base do pensamento de Habermas: “O aparelho do estado tornou-se dependente de
um sistema econômico controlado pelas mídia; isso conduziu, entre outras coisas, a que o poder
vinculado a postos e a pessoas seja equiparado à estrutura de um medium de controlo, e por isso
que o poder fosse assimilado ao dinheiro”. HABERMAS, 2000, p. 321
225
85
implicaria diretamente no tipo de indústria que se previlegiaria com a prática
daqueles avanços científicos.
Em seu livro Arqueologia da Mídia, Siegfried Zielinski se aproximaria destas
reflexões ao afirmar que “a passagem dos séculos apenas aprimora e aperfeiçoa as
grandes idéias arcaicas”229. Essas “idéias” seriam as de “dominador” e “dominado”,
em que o poder regeria os atos de comunicação e interferiria na racionalidade da
ações. A trama formada por interesses públicos e privados iria abalar a ação
comunicativa, as relações de base espontâneas entre os cidadãos, processo
chamado por Habermas de “racionalização do mundo da vida”230.
Habermas e Benjamin abordariam o empobrecimento das experiências
humanas causado pela modernidade, através do novo valor da mercadoria. Para
Benjamin, a arquitetura, no século XIX, teria sido a primeira arte cooptada pelas
“instituições da dominação laica”231, através da reurbanização de Paris.
Paris teria sido a referência mundial para os projetos urbanísticos colocados
em prática no começo do século século XIX, com o boom da industrialização. Eles
exemplificariam esse poder que, em nome da ciência e tecnologia, faria escolhas
que refletiriam diretamente na vida dos cidadãos: como se relacionariam uns com os
outros, morariam, trabalhariam, gastariam o seu tempo, se deslocariam, se
relacionariam com estranhos e com o que não lhes é familiar.
No espaço público, os interesses do mundo sistêmico aplicariam a técnica
com objetivos particulares, como os objetivos sociais excludentes, para evitar
populares em certas áreas da cidade. Diante das mudanças urbanas previstas para
o Rio de Janeiro, face aos megaeventos a partir de 2014, se faz necessário entender
o importante papel social e políico que as práticas artísticas urbanas podem ter.
Para Habermas, o conhecimento, o saber, teria como objetivo garantir as
“necessidade de compreensão mútua da praxis quotidiana”232 entre os indivíduos no
mundo da vida. Percebemos que o mundo d a vida harbermaniano teria como
bandeira a espontaneidade das relações humanas. Quando “o sujeito isolado se
orienta em função dos conteúdos das suas representações e dos seus
enunciados”233, o nível de solidariedade entre os indivíduos diminuiria, a formação
229
ZIELINSKI, 2006, p. 19
HABERMAS, 2000, 317
231
BENJAMIN, 1929 em KOTHE, 1991, p. 41
232
HABERMAS, 2000, p. 315
233
Ibid, p. 291
230
86
do consenso sobre as coisas do mundo seria alterada e os processos de
transmissão de memória vigentes seriam colocados em cheque234.
Como o mundo da vida “tanto constitui o contexto como fornece os recursos
para o processo de sua compreensão”235, não faria sentido falar em “opinião pública”
na sociedade de massa. A formação dela seria um processo circular onde o sujeito
se deixaria influenciar pelo que pensa ser a opinião da maioria das pessoas e, ao
mesmo tempo, sua posição individual, em relação a algum tema, quando somada a
outras opiniões, também teria poder de influenciar outras pessoas.
Assim, afirmar qual seria a “opinião pública” sobre algum tema, influenciaria a
posição individual do cidadão e poderia ser utilizada como uma forma de manipular a
realidade, através da própria “opinião pública”, assim pensaria Habermas. A opinião
pública, tal como o mundo da vida, teria um elemento retroalimentativo: “é certo que
a reprodução do mundo da vida se nutre de contribuições do agir comunicacional,
enquanto que este depende por sua vez dos recursos do mundo da vida”236.
A importância da opinião pública na sociedade de consumo se deveria ao fato
de que algo tratado como unânime desencorajaria o questionamento, o confronto e
se mostraria de mais fácil aceitação pelos indivíduos. Habermas observaria que o
controle da opinão pública seria um instrumento de dominação, para promover o
conformismo das massas. Igualmente afirmaria que a esfera pública estaria
esvaziada das suas funções políticas e que os indivíduos, nos espaços públicos, não
seriam mais capazes de entrar em consenso. Assim, a “opinião pública” passaria a
ser fruto de um “consenso fabricado”237 pelas mídias e de acordo com os interesses
do mundo sistêmico que produziriam uma pseudo-opinião pública.238
Quando a arte se apresenta na rua, ela iria de encontro à moderna
concepção de comunicação de massa e à construção desta pseudo-opinião pública,
pois uma expressão individual estaria tendo autonomia de ser colocada em público,
234
Sobre a formação do consenso, Habermas afirma: “a socialização dos membros, finalmente,
assegura que as situações novas que aparecem (na dimensão do tempo histórico) sejam assossiadas
a situações vigentes no mundo; ela garante às gerações seguintes a aquisição de capacidades de
ação generalizadas e zela pela concatenação entre histórias individuais da vida e as formas coletivas
de vida”. HABERMAS, 2000, p. 315
235
Ibid, p. 278
236
Ibid, p. 314
237
Ibid
238
Sobre a opinião pública, Habermas afirmaria: “a opinião pública continua a ser objeto da
dominação mesmo lá onde ela esteja obrigada a fazer concessões ou se reorientar; ela não está
presa a regras do debate público ou, de um modo geral, a formas de verbalização, nem precisa estar
envolvida com problemas políticos ou endereçada a instâncias políticas”. HABERMAS, 2003, p. 282
87
sem ter que passar pelos meios de comunicação tradicionais. Não podemos perder
de vista que a dimensão da arte é a comunicação por essa razão, se fez necessário
examinar as circunstâncias da mídia e o processo de produção da “opinião-pública”.
A partir de então, teríamos condições de analisar as AAU de forma mais crítica.
Os eventos que interferem na estética da cidade não são de exclusiva
produção dos artistas, mas sim daqueles interessados em gerar imagens a partir de
uma ação no espaço público. Isso aconteceria com o objetivo de instigar a produção
de “mídia espontânea”, termo utilizado por agências de propaganda e marketing.
Observamos que arte e publicidade tomariam estratégias emprestadas, uma
da outra. É difícil dizer qual delas haveria primeiro ocupado o espaço público, porém,
notamos que as novas tendências da arte contemporânea de utilizar os espaços
públicos de uso coletivo para ações participativas e intervencionistas, estaria sendo
com frequência explorada pelas forças consumistas do mercado, como observamos
neste exemplo, em que a técnica de grafite inverso, que consiste na limpeza de
algumas áreas de superfícies urbanas para conseguir criar traços e formas, foi
utilizada pela marca de sabão Ariel para uma campanha publicitária. (Fig. 47)
Outro exemplo, seriam as ações flashmob que são organizadas por grupos,
em rede, e vêm se multiplicando no espaço público. Elas seriam espontâneas, de
motivação por vezes pessoal, para mostrar publicamente uma posição em relação a
um tema. Estes seriam, não raramente, banais, como a “luta de tavesseiros” que
acontece em várias cidades do mundo, ao mesmo tempo, desde 2006. As flashmobs
seriam uma forma do cidadão demonstrar a sua opinião publicamente e, ao mesmo
tempo, tentar influenciar na formação da opinião dos demais.
Hoje, notamos que as ações deste tipo seriam, com frequência, organizadas
por agências de comunicação, contratadas por empresas privadas. As flashmobs
mobilizariam, com a mesma vontade, cidadãos conscientes e comprometidos com
causas de interesse público e também os alienados e interessados apenas no
evento midiático que a ação promoveria. Para finalizar a nossa pesquisa, nos
propomos a investigar a imagem e alguns aspectos importantes na sua produção.
3.3 A autonomia da Imagem
Ao examinar os desbobramentos causados por algumas ações no espaço
público, percebemos que a sociedade contemporânea estaria migrando de uma
88
sociedade de massas para uma sociedade de mídias. A teoria da imagem,
formulada por Vilém Flusser, nos faria pensar neste sentido. De acordo com o
pensador, no século XIX, a ciência teria conseguido projetar uma visão de mundo
totalmente concebível, porém, havia o tornado muito menos imaginável e esta teria
sido a verdadeira razão pela qual a fotografia teria sido inventada239. Para Flusser,
depois de Gutenberg, “as imagens foram eliminadas da nossa cultura, elas foram
enclausuradas em guetos gloriosos, chamados de museus e academias, e a
situação foi dominada pela escrita”240. A representação do mundo foi dominada pela
escrita e pelo pensamento linear, causal e crítico.
O empobrecimento das experiências humanas, no espaço público, teria sido
causado tanto pelos novos paradigmas da comunicação quanto pelas novas
relações criadas entre tempo e espaço. A influência da mídia, na esfera pública da
sociedade de massa, e a interpenetração dos interesses do Estado, com os de
empresas privadas, iriam tranformar o espaço público em um lugar de
representações simbólicas, acrediaria Habermas, onde os “sistemas pessoais e
sociais forjam mundos circundantes uns para os outros”241. Isso aconteceria porque
as estruturas intersubjetivas dos indivíduos seriam desmembradas e isto os
afastariam do mundo da vida.
Um mundo forjado a partir da imagem, de suas criações, e da possibilidade
de influenciar a realidade por ela, com a sua reprodução, este seria o pensamento
de Flusser. A fixação pelas imagens seria a necessidade humana de ver sob uma
outra perspectiva, “de sair do mundo e vê-lo de fora”242. Desde os rituais tribais de
magia, as imagens seriam produzidas para “orientar as pessoas, como mapas do
mundo”243, seriam uma mediação; significariam o mundo, mas, ao fazê-lo, também o
ocultaria. As imagens esconderiam a realidade e invertiriam o mundo da experiência
e o da imaginação, causando uma profunda alienação.
Essa alienação, para Flusser, seria o que os profetas chamavam de idolatria.
Por essa razão, Platão teria proibido a arte e as imagens na República; imagens
239
DVD We shall survive in the memory of others” Vilém Flusser.
Miklós Peternák, 2010. Palestra
dada como parte de um symposium THE MEDIA ARE WITH US. The role of television in the
Romanian revolution, Budapest, 7 de abril de 1990.
240
Ibid
241
HABERMAS, 2000, p. 323
242
DVD We shall survive in the memory of others” Vilém Flusser.
Miklós Peternák, 2010. Palestra
dada como parte de um symposium THE MEDIA ARE WITH US. The role of television in the
Romanian revolution, Budapest, 7 de abril de 1990.
243
Ibid
89
seriam anti-replublicanas e anti-políticas244. As imagens teriam o poder de influenciar
as pessoas, através do que comunica, como por exemplo o culto às celebridades e
ícones de vida bem sucedida, transmitidos pelos meios de comunicação.
Flusser afirmaria que existiria um lado negativo na cultura das imagens, algo
ligado às tradições gregas e judaicas, um preconceito, no fato da imagem sempre
ser uma cópia, a representação de algo, um simulacro do pensamento:
Mas acho que isso está mudando, pois as imagens não mais representam o
mundo. Essas novas imagens são agora articulações do pensamento. Elas
não são cópias, mas projeções modelos, então uma nova atitude em
relação a elas é necessária e eu acho que está sendo desenvolvida.
[Walter] Benjamin foi um dos primeiros pensadores que articulou isso e eu
245
acredito que estamos todos na mesma tradição. FLUSSER, 1990
Benjamin, ao tratar da destruição da Aura, já haveria comentado sobre a
preocupação moderna dos indivíduos em criar e reproduzir a realidade através de
imagens representativas: “orientar a realidade em função da massas e as massas
em função da realidade é um processo de imenso alcance, tanto para o
pensamento, quanto para a intuição”246. Entendemos que ele se referiria à
habilidade que teria o pensamento moderno de ser articulado em imagens para
promover a dominação, o poder, mas também o inverso, da criatividade se utilizar da
própria massa. A intuição quando articulada através de imagens, pela arte,
promoveria a vida genuína. Aproximar a vida da espontaneidade e da criatividade
combateria o declínio da aura e da experiência.
A filosofia da imagem, de Flusser, se apróximaria das idéias de Benjamin
sobre a re-significação dela, na sociedade de massa. Ele defenderia que a fotografia
e a imprensa escrita burguesa teriam acelerado os eventos históricos. A imagem não
documentaria atos políticos, a situação haveria se invertido. Os atos seriam
construídos para serem fotografados, filmados e eternizados; “então,
repentinamente, as pessoas descobriram a razão da política. A política visa ser
tomada, sugada, em uma imagem. E isso criou um fenômeno curioso. Os eventos
começaram a acelerar-se. Eles rolavam em direção à imagem”247. A realidae
passaria a ser manipulada em imagem, cenas.
244
Ibid
Ibid
246
BENJAMIN, 1996, p. 170
247
DVD We shall survive in the memory of others” Vilém Flusser.
Miklós Peternák, 2010. Palestra
dada como parte de um symposium THE MEDIA ARE WITH US. The role of television in the
Romanian revolution, Budapest, 7 de abril de 1990.
245
90
Para Flusser, as imagens poderiam criar a História, fazer uma “caricatura”248
dela, como a cobertura da guerra do Golfo pela CNN, em 1990. A fotografia seria o
propósito da história, porém, a imagem “é menos uma testemunha da história que
uma destruição dela”249. Desta forma, entrariam em conflito ficção e fatos,
imaginação e realidade, simulação e experiência, pensamento e intuição. O
Pensamento seria racional, programado, proposital e objetivo, enquanto que a
intuição seria irracional, espontânea, acidental e subjetiva.
O processo de circulação de informação também seria um aspecto relevante
abordado por Flusser. Antes da invenção dos jornais, o cidadão escrevia
privadamente e publicava no espaço público; se ele quisesse consumir uma
mensagem, iria ao espaço público, pegaria o texto e o levaria para ler em casa. A
dialética entre criação privada e publicação é a dialética da política, acreditaria
Flusser. Com o jornal impresso, a informação iria de um espaço privado diretamente
para outro espaço privado, “tanto o emissor como o receptor são privados”250.
Nem a informação nem as imagens precisavam passar pela esfera pública,
por isso, ela agora seria “redundante e desnecessária”251. Desta maneira, quando os
muros da cidade são utilizados para comunicar algo de interesse coletivo, a cidade
estaria sendo utilizada como mídia e foi desta forma que observei o espaço público
ser utilizado em Berlim. Os interesses das mensagens nos muros são diversos, mas
poderíamos agrupá-las em três: as que comunicam protestos, propagandas e arte.
Para Debord, o espetáculo seria a nova atitude diante da possibilidade de
mediação de determinados acontecimentos sociais, políticos e históricos252. Hoje,
quando alguém está diante de uma lente, sabe que deve considerar que o mundo
pode estar do outro lado, o que fizer pode acabar sendo exposto, sem que tenha,
necessariamente, autorizado a sua exposição. A consciência de estar sendo
observado pela massa faria com que a massa direcionasse o indivíduo diante das
248
DVD We shall survive in the memory of others” Vilém Flusser. Miklós Peternák, 2010. On technical
images, chance, consciousness and the individual – Entrevista em Munique, 17 de Outubro, 1991
para Televisão húngara.
249
Ibid
250
DVD We shall survive in the memory of others” Vilém Flusser.
Miklós Peternák, 2010. Palestra
dada como parte de um symposium THE MEDIA ARE WITH US. The role of television in the
Romanian revolution, Budapest, 7 de abril de 1990.
251
Ibid.
252
Debord esclareceria que: “O espetáculo não é o conjunto de imagens, mas uma relação social
entre pessoas, mediada por imagens. […] Sob todas as suas formas particulares- informação ou
propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos- o espetáculo constitui o modelo atual
da vida dominante na sociedade.” DEBORD, 2009, p. 14
91
câmeras, como se o que fizesse fosse ficar monumentalizado na história,
imortalizado, mesmo que digitalmente. Esta seria a nova atitude que Debord atacaria
e as origens do seu pensamento poderiam ser encontradas em Benjamin253.
O espetáculo parece ser a inversão de valor da experiência pelas imagens: a
realidade versus a sua representação; um mundo forjado pela produção de indícios.
Para Debord, a possibilidade de reproduzir e mediar imagens teria espetacularizado
a sociedade e refletido, na esfera pública, de forma autoritária; assim, “uma parte do
mundo se representa diante do mundo e lhe é superior. O espetáculo nada mais é
que a linguagem comum dessa separação”254. Para Debord, o espetáculo seria
equiparado à contemplação, como se o cidadão deixasse de ser o protagonista de
sua vida, para reverenciar uma vida longe da sua própria e do que lhe seria familiar.
Debord criticaria a alienação do espectador, em relação ao objeto
contemplado, e associaria essa contemplação ao sacrifício da própria vida do
espectador: “quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita
reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua
própria existência e seu próprio desejo”255. As novas práticas artísticas, quando
inventam dinâmicas e ações participativas estimulariam as experiências no ambiente
urbano, as ações comunicativas entre os cidadãos e a produção de subjtetividade.
O deslocamento da arte dos espaços institucionais e a abertura na autoria
aproximariam artista e público, aproximando ator e espectador, Jeudy avaliaria que:
Tal idealismo conduz concepção de mundo que não vive mais de seu
espetáculo, mas que transforma o efeito espetacular em um modo de vida,
cada detalhe reforçando o prazer coletivo e individual dessa maneira de ser.
JEUDY, 2005, p. 139
As práticas artísticas urbanas contribuiriam, de forma positiva, para quebrar
com o espetáculo. Quando o artista se lança em um espaço onde não há garantia de
controle, ele se mistura no imaginário coletivo e, constantemente, vai alternar papéis,
ora servindo para ser contemplado, ora permitindo que o público assim o seja. Jeudy
defenderia que essas práticas teriam como objetivo a sua própria realização e a
valorização do seu componente acidental, espontâneo e experimental:
253
Sobre o controle que a massa exerceria sobre o objeto em frente às lentes, Benjamin afirma: “Ele
sabe, quando está diante da câmera, que sua relação é, em última instância, com a massa. É ela que
vai controlá-lo. E ela precisamente, não está visível, não existe ainda, enquanto o autor executa a
atividade que será por ela controlada. Mas a autoridade desse controle é reforçada por tal
invisibilidade.” BENJAMIN, 1996, p.180
254
DEBORD, 2009, p. 23
255
Ibid, p. 24
92
O que está em jogo é a exibição de valores estéticos desconsiderados pela
consagração instituional da arte. Não se trata mais de tornar uma
referência, pois o princípio de valorização desaparece em um processo de
criação que vale por si mesmo. JEUDY, 2005, p. 139
Neste ponto, discordamos de Jeudy. As AAU poderiam ter objetivos que
fossem já considerados pelas instituições, embora inovação e contestação sejam
elementos motores da cultura contemporânea inventiva. Ir de encontro aos valores
estéticos das instituições tradicionais de arte, não garantiria uma criação artística
comprometida com a promoção de subjetividades que estariam sincronizadas com
aquele contexto urbano. Embora nos pareça que, esteticamente, embrulhar uma
construção qualquer poderia ser visualmente interessante, a dimensão da obra de
Christo e Jeanne-Claude não se reduziria a isso. (Fig. 14) O lugar específico de uma
AAU traria o elemento de singularidade da obra apresentada.
O deslocamento do atelier e a maleabilidade com que o artista poderia
aproveitar as situações cotidianas, para resgatar experiências subjetivas dos
citadinos com mundo, teriam sido frutos das relações da Internacional Situacionista
(IS) com a cidade. A IS iniciou uma tendência crescente na arte contemporânea, a
expansão do atelier; os lugares expositivos e os lugares para a produção criativa
seriam perpassados. Embora a IS focasse em elementos acidentais, como os
impulsos psico-geográficos da Teoria da deriva, as situações propostas por eles
seriam pré-pensadas, calculadas e com objetivo256. Eles queriam atingir os
indivíduos de forma política, através do seu aparelho produtor de subjetividade.
Apenas construir imagens estéticas, a partir da cidade, não seria o objetivo
da IS. Suas ações estariam ligadas à criação de ambiências urbanas, cotidianas,
para combater “a influência emocional dos métodos avançados de propaganda no
capitalismo”257. Constant afirmaria “queremos derrubar leis que impedem o
desenvolvimento de atividades eficazes para a vida humana”258. Esta também seria
a posição Habermas, ao defender a importância da manutenção do mundo da vida,
que passaria a ser ditado pelo âmbito da necessidade e não mais pelo da liberdade.
256
Constant, que passou vinte anos projetando uma cidade utópica chamada de
New Babylon,
defenderia que: “Os situacionistas, que se especializam na exploração do jogo e do lazer,
compreendem que o aspecto visual das cidades só tem valor se relacionado com os efeitos
psicológicos que possa produzir, efeitos esses que devem ser calculados no total das funções a
prever”. CONSTANT,1959
257
Frase contida no ensaio, Revolution and Counter-revolution in Modern Culture.
DEBORD, 1957
(Tradução Livre) http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/report.html
258
CONSTANT,1959, em JACQUES, 2003, p. 114
93
Ao apresentar o pensamento de Habermas, Arend e Jeudy e compreender
como seriam travados os confrontos da esfera pública, notamos que as AAU
estimulariam um cotidiano mais vívido e expressivo, quando conseguem produzir
subjetividades na urbe. Entendemos que a arte contemporânea atuaria, no espaço
público, para impedir a racionalização do mundo da vida, através da concorrência
entre as forças capitalistas e as criativas. As idéias de Debord, sobre a
espetacularização da sociedade, através da mediação das imagens,
complementariam a reflexão deste capítulo.
Notamos que Benjamin, Flusser e Habermas pensaram em questões comuns.
A crise do cidadão, no espaço público e no lar privado, seria o alto preço a pagar
pelos avanços modernos ligados aos interesses mercadológicos. A urbanização das
cidades teria, progressivamente, bipolarizado a vida social sob o aspecto de público
ou privativo. “Na mesma proporção em que a vida privada se torna pública, a esfera
pública passa a assumir ela mesma formas de intimidade”259 pensaria Habermas.
Nisto, residiria a crise do cidadão moderno, na destituíção de si e seu lar.
Benjamin haveria demonstrado que umas das consequências disto seria a
diminuição do valor da experiência, em função da simulação dela. A inversão entre o
mundo da imaginação e o da realidade experienciada, através do consumo e da
reproduções de imagens, também seriam consequência de um espaço público
perpassado pelo consumo. As AAU operariam criando incertezas nos cidadãos,
motivando-os a averiguar a própria realidade, face a elementos lúdicos inseridos na
cidade, assim combatendo a crise da coletividade.
Todos esses autores corroborariam com a hipótese de que o interesse
privado expanderia sua área de atuação para os domínios do espaço público, com o
próprio consentimento do poder público. O estudo de caso feito em Berlim teria
demonstrado que a influência socialista haveria contribuído no desenvolvimento de
um espaço público mais autônomo das forças capitalistas de produção. Além disso,
em Berlim, a construção da opinião pública, ainda, passaria pela esfera pública, uma
vez que a cidade seria utilizada como uma mídia, pelos cidadãos, para espalhar
idéias coletivas e/ou expressões individuais. As práticas artisticas urbanas viveriam a
cidade, de certa forma, como um playground, um terreno livre para a comunicação e
criação artística.
259
HABERMAS, 2003, p. 188
94
Conclusão
Ao longo da pesquisa, tentamos demonstrar como os centros urbanos
estariam subordinados aos mecanismos de exclusão social exercido pelas classes
dominantes. Através da interpenetração do poder público com o privado e do uso da
ciência e tecnologia para fins particulares, o espaço público urbano seria moldado
para uma minoria privilegiada, a elite da população.
A nova conjuntura urbana indicaria que usar a cidade como mídia seria uma
poderosa ferramenta, tanto para as forças consumistas, atreladas aos interesses do
mundo sistêmio, quanto para as forças criativas locais, ligadas ao mundo da vida.
Explorar a capacidade midiática da cidade seria interessante para ambas as forças.
Segundo Habermas, “a invasão da esfera pública pela publicidade –invasão
tornada economicamente necessária – não precisaria ter enquanto tal por
consequência provocar por si a modificação dela”260. Se a publicidade utilizaria a
recepção tátil261 para inserir elementos consumistas no cotidiano urbano,
a arte
usaria da mesma estratégia. Elementos estéticos e processuais seriam inseridos no
ambiente urbano, para combater o empobrecimento das experiências coletivas e
tentar promover a criação subjetividades e diferentes olhares para o espaço público.
As atividades artísticas urbanas (AAU), nosso objeto de estudo, são um
problema em aberto, em curso. Esta teria sido a dificuldade da pesquisa. As
motivações dos artistas para utilizar a cidade são múltiplas e parecem se ampliarem
ainda mais, com o novo poder de mobilização das redes virtuais. A possibilidade de
gerar mídia, a partir de uma experiência no espaço público, parece ser o objetivo de
artistas e, também, de novas ações publicitárias. Estas vêm crescendo e seriam,
assim como as práticas artísticas urbanas, novas formas de expressões públicas
que as cidades podem abrigar.
A forma pela qual uma AAU será viabilizada, seu atrelamento ou não às
instituições formais de arte, seria um aspecto importante para ser observado. Isto se
daria com o intuito de evitar a promoção da instrumentalização do espaço público e
da própria audiência, por poderes exteriores aos propósitos da arte.
Quando a arte se materializa através dos processos que propõem e do seu
contexto, existiria uma dificuldade em encontrar relevância para justificá-la, pois seus
260
HABERMAS, 2003, p. 225
De acordo com Benjamin, esse tipo de percepção se faz mais assimilada pela distração, que pela
atenção. BENJAMIN, 1996, p. 194
261
95
significados se fariam de forma bastante específica. Não é simples identificar quando
uma AAU opera positivamente para a sociedade e adiciona novas experiências para
o público ao qual se apresenta. Muitas vezes, uma AAU é realizada de forma
espetaculosa para promover, ao distrair sua audiência, uma reverberação midiática
com interesses apenas institucionais e corporativos (para gerar mídia espontânea).
O aspecto fundamental desta questão seria a constante tensão entre os
interesses particulares e os coletivos. Foi por esse aspecto que decidimos estudar a
esfera pública de Berlim. Compreender as dificuldades para manter os espaços
criativos autônomos na cidade, poderia servir de inspiração ao Rio de Janeiro, face à
proximidade dos megaeventos: Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas de 2016.
Os interesses globais atacariam não apenas os espaços físicos criativos
autônomos, a exemplo das ocupações (squats e Kiez), mas um tipo de filosofia de
vida; uma forma de encarar o espaço público e os bens de uso comum. A alusão
que a pesquisa fez aos turistas e vagabundos262 foi uma tentativa de aproximar da
arte um duelo central dos centros urbanos, os valores locais, versus os globais.
Como já abordado ao longo da pesquisa, o conceito de cidade global263 nos
ajudou a compreender as dificuldades que as forças locais teriam em oferecer
resistência à nova conjuntura mundial. As mudanças pelas quais o Rio de Janeiro
estaria passando fariam parte do modelo de desenvolvimento onde a padronização
das cidades teria como modo operante a higienização do centro e de áreas de
interesse imobiliário que possam virar um novo centro264. Essa limpeza exclui os
pobres destas novas áreas estratégicas da cidade e os afasta dos centros.
A pesquisa tratou da reurbanização das cidades por entender que,
invariavelmente, as relações humanas dadas no espaço público são reflexo das
construções arquitetônicas e da organização do mobiliário urbano. Deste jeito, a arte
que pretenda ter caráter público, social ou politico teria que interferir nas relações já
estabilizadas entre os cidadãos, na esfera pública. Isto se daria através de brechas
que permitam ultrapassar os limites sociais e ordens vigentes do mundo sistêmico.
Assim, o mundo da vida e as experiências seriam resgatados através das práticas
artísticas de descontinuidade no cotidiano e pela produção de subjetividade na urbe.
262
Conceito de Bauman, apresentado na página 16.
Conceito de Sassen, apresentado na página 4 e 6.
264
Conceito de Glass, apresentado nas páginas 28 e 47.
263
96
A arte urbana teria o papel de “sacudir” o cidadão, para provocá-lo a mudar
sua atitude conformista na sociedade, no espaço urbano. Saskia Sassen defende
que a própria conjuntura global estimularia novas formas de articulações e
estratégias para resistência local. A pesquisa conclui que as práticas artísticas
urbanas, que caracterizariam as cidades, seriam uma das táticas para manter ativa a
resistência local. Se uma cidade é capaz de produzir seu próprio sentido,
certamente, ele passaria pela produção artística urbana que a urbe pode abrigar.
Com a influência da esfera pública virtual e
com a evolução das formas
democráticas de poder e política265, Sassen aponta para uma mudança atual:
A ênfase na hipermobilidade e no caráter transnacional do capital tem
contribuído para um sentimento de impotência entre os atores locais, a
sensação de que é inútil resistir. Mas uma análise enfatizada no lugar
sugere que a nova grade de lugares estratégicos globais é um terreno para
266
a política e engajamento. SASSEN, 1991
A autora apresenta uma visão positiva dos poderes transformadores da
mobilização social, pois as cidades globais seriam habitadas por pessoas com um
senso urbano diferenciado. Este senso seria marcado pela consciência dos impactos
coletivos que podem ser causados por atitudes individuais. Vários fatores
influenciariam uma nova percepção sobre a sociedade urbana: a efemeridade dos
contatos, a possibilidade de construção de redes, o crescimento do engajamento
político e social, os novos tipos de trabalhos/profissões, o exacerbo ao consumo e as
diferentes formas de prestações de serviços, ligados às ONGs e ao trabalho
voluntário, argumentaria Sassen.
A cidade global, embora abrigue múltiplas identidades, universaliza as formas
de vida, impedindo a tentativa prática de projetos alternativos, como os squats, Kiez
e as favelas. A grande resistência destes lugares seria através da produção cultural
que, mesmo encontrando dificuldade, conseguiria reverberar para fora dos seus
nichos originais, ultrapassando as fronteiras existentes entre o centro e a periferia.
Os reflexos da nova conjuntura global igualmente seriam abordados por
Richard Sennett, ao afirmar que as novas tecnologias de comunicação teriam
alterado o senso do lugar. Assim, a esfera pública haveria se expandido para o
espaço cibernético. Para Sennett, o agrupamento de pessoas estranhas permitiria a
265
266
Sassen se refere, por exemplos, à queda das ditaduras sul-americanas.
SASSEN, 1991 em OBRIST, 2001, p. 113. (Tradução livre)
97
troca de informações e a construção de novos horizontes, o que seria vital para o
mercado global e para a manutenção dos governos democráticos.
Para o autor, a diferença entre público e privado se dá na quantidade de
conhecimento que as pessoas teriam umas sobre as outras. Por isso,
impessoalidade e anonimato seriam condições necessárias para garantiar uma
esfera pública potencializadora do desenvolvimento individual dos cidadãos. Esta
característica, para Sennett, seria um atrativo para a migração nas metrópoles267.
Siegfried Zielinski afirmaria que “a condição prévia mais importante para
garantir a existência contínua de espaços relativamente livres do poder nos mundos
midiáticos é abster-se de todas as pretensões de ocupar o centro”268. Observamos
que o fortalecimento periférico seria focado na autonomia da produção cultural e no
engajamento comunitário, para criar seus próprios canais de comunicação e produzir
conteúdo. A mídia alternativa e a possibilidade de comunicação em rede
potencializariam territórios livres dos poderes dominantes.
Como já visto no item 3.3, a autonomia da imagem, as sociedades estariam
mudando: de sociedades de massas para sociedades de mídias. Nas novas
condições, a massa também produziria conteúdo. O contato com o fazer midiático
possibilitaria uma nova relação dos indivíduos com as mídias e com as suas próprias
vivências. Para Vilém Flusser, a falta de habilidade da sociedade, em relação às
imagens, se explicaria pela dificuldade em conseguir interpretá-las e apontar suas
motivações implícitas. A imagem operaria no campo da imaginação, através dos
elementos que oculta, tendo se tornado uma articulação do pensamento. A
alternância entre mostrar e esconder seria capaz de manipular a sua interpretação.
De forma pública, as AAU dinamizariam a utilização da imagem tanto
imediatamente, in loco, através da tentativa de produzir subjetividades no ambiente
urbano, como posteriormente, transportada para as mídias eletrônicas. Utilizamos a
palavra “tentativa” por entender que, quando uma obra/ação se propõe a produzir
subjetividades no espaço público, estas poderiam ou não serem efetivas. Algumas
pessoas não vão conseguir ser sensibilizadas ou ter o repertório necessário para
produzir subjetividades, a partir daquela experiência. Embora exista previamente
267
As considerações feitas nestes parágrafos foram de acordo com o ensaio Quant, publicado no site
d o
a u t o r ,
n o
d i a
0 1 / 0 9 / 2 0 0 8 :
http://www.richardsennett.com/site/SENN/Templates/General2.aspx?pageid=16
268
ZIELINSKI, 2006, p. 296
98
uma preocupação com esse caráter lúdico de uma AAU, a conceitualização da
proposta não garante que a sua realização se dê como idealizada pelo artista.
Nem sempre uma AAU consegue alcançar os efeitos e as reações desejadas
no público de imediato. Embora a produção do artista passe pela preocupação
lúdica de criar subjetividades, ele não controlaria esse aspecto de sua obra. Com os
vários artifícios para o registro audiovisual, muitas vezes, uma atividade se realiza
apenas através destes registros. Esta seria uma outra dinâmica de utilização da
imagem, por meio da reverberação midiática que uma AAU seria capaz de causar. A
imagem gerada para o registro do artista será diferente da produzida pelo público
espectador/participante que, igualmente, será disinta da imagem apresentada nos
meios de comunicação, pela cobertura jornalística dada aquela atividade artística.
Para o artista, seria fundamental identificar as brechas, as possibilidades de
ação, para brincar subversivamente com os valores impostos pela mídia e pelos
padrões sociais normativos. Desta forma, o artista contemporâneo estaria atento
para aproveitar as oportunidades criativas oferecidas pelas circunstâncias
cotidianas. Um dos objetivos seria desenvolver atividades, na esfera pública,
explorando padrões preestabelecidos pela sociedade do espetáculo. Notamos que
isto aconteceria mesmo que estas brechas não permitam que o artista pense,
previamente, em formas de registrar a sua ação.
Quando o artista tem consciência de que o seu atelier migrou para espaços
improváveis e imagináveis, as possibilidades de intervenção no cotidiano se
muliplicariam e a atitude artística se materializaria como um modo de vida, como foi
observado em Berlim. O artista teria a preocupação de aproveitar as situações que
resgatassem o valor das experiências coletivas e individuais no espaço público.
Por meio desta nova atitude artística urbana, o registro da ação não seria
assegurado, porém, outros tipos documentação poderiam ser gerados. Dependendo
do grau de estranheza, ineditismo ou de atenção que o trabalho artístico conseguiria
alcançar no ambiente urbano, a AAU poderia ser expandida para arquivos digitais e
ser compartilhada em redes. Independente de ser imagens feitas com qualidade ou
em pequenas câmeras de celular, o fato é que o artista não detém o poder de
controlar a produção de imagens sobre a sua atividade.
A repercussão na internet é comumente chamada de “viral”, pela sua
disposição de se espalhar rapidamente. Esta seria uma potencialidade da esfera
pública virtual, a rapidez de troca de dados e a quantidade de pessoas que poderia
99
atingir. É interessante observar quando esses dados conectam-se à esfera pública
urbana, gerando efeitos imediatos. Em Berlim, um exemplo disto seriam as festas
organizadas dentro do metrô. Como em uma ação do tipo flashmob, alguns grupos
marcariam estas festas, divulgariam on-line e por mensagens de texto, no celular,
com poucas horas de antecedência.
Com a inclusão digital269 e o cidadão produzindo suas próprias mídias e
imagens técnicas, uma nova esfera virtual vem se construindo. Se, por um lado, a
internet é uma ferramenta que possibilita subverter a mídia e criar novos canais de
comunicação, pelo outro, apenas poderia representar a escolha de alguns cidadãos
em fazerem parte da mídia, ao utilizarem dos mesmos recursos apelativos, numa
forma de aliar-se a ela. Aqui, podemos exemplificar com os blogs confessionistas e
vídeos auto-expositivos onde o internauta faz de si um personagem.
Esta seria a espetacularização da sociedade criticada por Guy Debord ao
longo da pesquisa. O cidadão comum buscaria, na lógica da mídia, caminhos para
sair do anonimato, ganhar visibilidade, mesmo que momentâneamente, seja na
internet, na televisão ou em jornais e revistas. Quando a imagem é tornada capital,
perde-se o critério quanto à própria exposição e os limites entre público e privado.
Foi por essa razão que recorremos a Richard Sennett que trata destes aspectos e
das mudanças nas relações humanas que são travadas no espaço público.
Segundo o pensamento de Flusser, o relacionamento do homem com o
mundo seria invariavelmente através das imagens. As novas dinâmicas da arte
passariam pela invenção das imagens técnicas e pela mudança no jeito de pensar o
mundo causadas por elas. Flusser afirma que “a comunicação linguística, tanto
falada como escrita, não é mais capaz de transmitir os pensamentos e conceitos que
temos a respeito do mundo”270. Ou seja, para entender o mundo, não seria
necessário descrevê-lo em palavras, mas sim calculá-lo e transformá-lo em imagem.
A ciência já faria isso, ao longo dos séculos e em seu próprio benefício, defenderia
Flusser e também Habermas.
269
Chamo atenção para recente pesquisa do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação
e da Comunicação; o crescente número de lanhouses, tanto na cidade, quanto no interior; a
disponibilidade da internet no ambiente escolar; a proliferação de pontos de cultura e de projetos
sociais que trabalham direto com as comunidades e contribuem na formação da cidadania. Pesquisa
disponível no site: www.cetic.br/tic/lanhouse/2010/index.htm.webloc
270
DVD We shall survive in the memory of others” Vilém Flusser.
Miklós Peternák, 2010. Entrevista
feita por Miklós Peternák em Osnabruck, no Festival Europeu de mídia-arte, Setembro de 1988.
100
Ainda de acordo com Flusser, a linearidade do pensamento foi interrompida e
o pensamento histórico progressivo, o discurso e a política foram substituídos pelo
cálculo, pelo modo de pensamento estrutural, sistêmico e pós-histórico. A imagem
técnica é um dos novos códigos que, somados ao código da fala e escrita,
mediariam a comunicação humana. Flusser acreditava que “se você quer ter uma
comunicação clara e distinta dos seus conceitos, você tem que usar imagens
sintéticas, não mais palavras”271. Este novo poder das imagens representaria uma
revolução no pensamento. Porém, o autor afirma que as pessoas ainda não estariam
preparadas para lidar com os novos aparatos tecnológicos de forma esclarecida.
Acreditamos que, por essa falta de destreza, a sociedade estaria passando
por uma crise nos seus processos de memória272, crise na vida pública e na privada.
Todas essas crises refletiriam no uso dos espaços públicos, na relação social entre
as pessoas e na forma pelas quais os artistas poderiam contribuir ao abordar essas
questões. Não que os artistas estivessem mais preparados para proceder com os
aparatos e imagens técnicas, mas a ação criativa, no ambiente urbano, ajudaria a
acelerar esse aprendizado para todos.
Os artistas estariam treinando e sendo treinados para uma nova atitude em
relação à esfera pública e ao usos dos espaços públicos urbanos, onde as pessoas
seriam estimuladas a agir de modo mais participativo, crítico e autônomo das mídias
de massa. Pelo fortalecimento das redes, das trocas imateriais e da produção de
mídia independente, uma sociedade com membros mais solidários estaria se
formando. Neste cenário, o atelier seria o mundo, as circunstâncias que o artista
teria para intervir nele e as redes que fizessem a sua ação reverberar depois.
A cultura visual traria uma espécie de “armadilha”. O estímulo à produção de
imagens, a partir de uma situação criada por uma AAU, seria o poder de sedução
imaterial de uma AAU que em nada teria a ver com a capacidade de compreendê-la.
A reverberação midiática não indicaria que a AAU teria sido efetiva na produção de
subjetividades no cotidiano urbano. Assim, observamos que os artistas não teriam
elementos para avaliar de que forma o seu trabalho estaria atingindo o público.
Além do poder se sedução, existiria o interesse implícito de quem divulga
imagens de registro de ações artísticas. Não nos cabe aqui enumerá-los, mas os
interesses seriam variados e, muitas vezes, passariam longe de qualquer proposta
271
272
Ibid
Como já abordamos aqui anteriormente, ao explanar o pensamento de Andreas Huyssen.
101
artística que fora previamente idealizada pelo autor. Monitorar estes tipos de
interesses que estariam sendo promovidos, em rede, fugiria do controle do artista.
A pesquisa lançou três hipóteses centrais que foram confirmadas ao longo do
trabalho. Na primeira, ligada ao estudo de caso em Berlim, demonstramos que as
forças criativas representariam as forças de resistência local. Desta forma, arte,
política e protesto desenvolveriam relações bastante aproximadas. Este estudo de
caso nos auxiliou a ter novos parâmetros em relação ao uso do espaço público e
das possibilidades que a cidade poderia oferecer para resgatar as experiências de
caráter público e coletivo. A retomada da experiência com o mundo e com
“estranhos” foi defendida por Walter Benjamin, Debord, Flusser e Habermas.
Outro aspecto importante, trazido por Berlim, é em relação aos novos
processos de memórias que estamos subordinados e como, publicamente, uma
cidade poderia lembrar ou esquecer de seu próprio passado. Os conflitos entre um
presente vazio, forjado pela realidade consumista, e um passado comunista, vivido
durante 40 anos, seriam travados nos espaços públicos, de uso coletivo, e nos
projetos de desenvolvimento traçados para a cidade. Estes encontrariam oposição
através da articulação política e artística local. Foi por esse motivo que Andreas
Huyssen nos foi essencial para o nosso estudo de caso. Zymount Bauman e sua
teoria dos turistas e vagabundos complementariam a compreensão em relação ao
“tempo” e “espaço”, elementos, ainda aparentemente, abundantes em Berlim.
Na segunda hipótese, apresentada pelo capítulo dois, explicamos como o
interesse privado expandiria sua área de atuação ao espaço público,
desencadeando um engajamento social do artista. Para desenvolver nossa
argumentação, fomos buscar na história da arquitetura elementos que nos
ajudassem a compreender como o espaço público teria se tornado um lugar para
demonstrações de descontentamento social e político. Além disso, retomamos o
tema da memória, através da sua relação com a arquitetura, onde Benjamin aponta
que os monumentos arquitetônicos funcionariam como a memória dos interesses de
dominação que atuariam em uma cidade.
Desta maneira, fomos levados a investigar as possibilidades de produção de
imagens, a partir da cidade e a importância do registro nas AAU. O problema da
instrumentalização do espaço público surgiria como um dos possíveis efeitos das
AAU, principalmente quando promovidas por instituições formais de arte. As práticas
102
artísticas urbanas, ao serem institucionalizadas, levantariam várias questões nas
quais Pierre Jeudy nos ajudou a pensá-las: como autoria, legitimidade e subversão.
A terceira e última hipótese é de que a ação dos artistas é importante para
explorar os conflitos socioculturais no espaço público. Neste capítulo final,
procuramos mostrar, através de Habermas, como a interpenetração do poder público
com o privado entregaria o espaço público à interesses particulares e tentaria fazer
do marketing e da propaganda a única comunicação legítima no espaço público.
O capítulo três trouxe as implicações que uma mídia manipuladora poderia
causar na sociedade, através da propagação do sentimento de conformismo,
padronização social e retomou a questão da espetacularização da sociedade, com
as idéias de Debord. Este autor contribuiria para fortalecer o pensamento de
Habermas, quando fala da importância de resgatar o mundo da vida que se encontra
ameaçado pelos interesses do capital. As re-significações das imagens e o uso
consciente dos aparatos tecnológicos seriam apontados por Benjamin e Flusser
como uma possível solução para melhor nos relacionarmos com as imagens
sintéticas e para desmistificá-las.
Da mesma forma que o artista não poderia avaliar a efetividade da AAU e sua
inteligibilidade para o público, este igualmente não dimensionaria uma AAU apenas
pela reprodução de suas imagens. Assim, quando as favelas cariocas recebem
artistas, como os apresentados na introdução do trabalho, acontece uma dupla
troca: ganham os artistas com a venda dos registros da ação e com a aquisição do
elemento imaterial e ganha a comunidade com a ornamentação do espaço público.
O que chamamos de elemento imaterial seria a capacidade dos artistas
serem associados, através daquelas imagens, à cultura da periferia, quando na
verdade ninguém pode saber exatamene como se deu o processo de realização
daquela AAU. Apenas por uma imagem, não poderíamos afirmar se os artistas
haveriam mesmo feito parte daquela comunidade, mesmo que momentaneamente, e
se teriam conseguido estabelecer trocas sinceras e travado relações espontâneas
com os demais moradores.
Quando “a representação da resistência”273 é comercializada, se faz
necessário observar se as pessoas estariam se aproveitando da cultura visual para
273
(Tradução livre) Conferência
Tactics and Critics Series,
26/01/2006. Vídeo disponível:
http://www.youtube.com/watch?v=M7Zup69LsME Como já havíamos citado na página 20 deste
trabalho.
103
fins particulares ou se as reverberações das imagens teriam coerência com a
representação da realidade. Esta é a “armadilha”: quem detém a imagem pode
utilizá-la como lhe convir.
Por essa razão, ter realizado o estudo de caso em Berlim foi de enorme
relevância, para identificar os aspectos contemporâneos da cultura urbana que
poderiam ser trabalhados pelas práticas artísticas no espaço público. Ao pensar no
atual contexto do Rio de Janeiro, notamos que realizar ações, nas vias públicas,
poderia ser uma forma efetiva de mobilizar a sociedade em prol das causas coletivas
que surgiriam na cidade, com as transformações urbanas causadas pela
proximidade dos megaeventos.
As novas práticas artísticas buscariam provocar reflexões em torno da
utilização do espaço público urbano, para manifestações político-artísticas e para a
livre expressão de idéias e produção de subjetividades. Poderia acontecer no Rio de
Janeiro o que acontece em Berlim, onde arte e protesto estariam bastantes próximas
e tanto a estética poderia criar impulsos políticos, quanto a política poderia gerar
impulsos estéticos.
104
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