O período auréo da filosofia grega

Transcrição

O período auréo da filosofia grega
O PERÍODO ÁUREO DA FILOSOFIA GREGA:
SÓCRATES, PLATÃO E ARISTÓTELES.
SÓCRATES,
o primeiro
dos grandes
filósofos
gregos.
SÓCRATES – Atenas - 470-399 a.C.
Ao despedir-se de seus discípulos, antes de beber a cicuta.
Pintor francês David, 1787.
Como devo
viver na
cidade?
Diálogos
críticos
Conhece-te a ti
mesmo:
este é o início
de toda
sabedoria.
Ironia:
confissão da
própria
ignorância
Maiêutica:
a arte de dar à
luz as Idéias
Com o desenvolvimento das cidades (polis) gregas, a vida em
sociedade passa a ser uma questão importante. Sócrates vive em
Atenas, que é uma cidade de grande importância, nesse período de
expansão urbana da Grécia, por isso, a sua preocupação central é com a
seguinte questão: como devo viver?
Toda a sua filosofia é exposta em diálogos críticos com seus
interlocutores.
O conteúdo dos diálogos chegou até nós por meio de seus discípulos,
especialmente de Platão, pois Sócrates não deixou nada escrito.
Para viver bem (de acordo com a virtude) é preciso ser sábio.
Como atingir a sabedoria?
Para Sócrates a sabedoria é fruto de muita investigação que começa
pelo conhecimento de si mesmo. Segundo ele, deve-se seguir a
inscrição do templo de Apolo: conhece-te a ti mesmo.
À medida que o homem se conhece bem, ele chega à conclusão de que
não sabe nada. Para ser sábio, é preciso confessar, com humildade, a
própria ignorância. Só sei que nada sei, repetia sempre Sócrates.
Por meio da ironia, levando o interlocutor a cair em contradição,
Sócrates o conduzia a confessar a própria ignorância.
Uma vez confessada a ignorância, o interlocutor estaria disposto a
percorrer o caminho da verdade.
Entra em cena a segunda etapa do método: a maiêutica (arte de dar à
luz as idéias).
Para Sócrates, uma mente submetida a um interrogatório adequado
seria capaz de explicitar conhecimentos que já estavam latentes na
alma. Afinal, tanto para Sócrates quanto para Platão, a alma, antes de se
1
Conhecer é
recordar.
Aquele que
questiona,
provoca e
atrai inimigos.
Acusações
contra Sócrates:
corromper a
juventude e
desprezar os
deuses de
Atenas –
unir ao corpo, contemplara as idéias na sua essência, no mundo das
Idéias. Bastava, portanto, fazer um esforço para recordar. Conhecer é
recordar.
A objetivo mais importante do diálogo é encontrar o conceito. Ele
pergunta, por exemplo, o que é justiça? E, aos poucos, eliminando
definições imperfeitas, ele vai chegando a um conceito mais puro, mais
correto.
A maior arte de Sócrates era a investigação, feita com o auxílio de seus
interlocutores. Aquele que investiga, questiona. Aquele que questiona,
perturba a ordem estabelecida. Isso faz surgir muitos inimigos de
Sócrates.
Sócrates é acusado de corromper a juventude e de desprezar os
deuses da cidade. Com base nessas acusações ele é condenado a beber
cicuta (veneno extraído de uma planta do mesmo nome). Segundo
testemunho de Platão em Apologia de Sócrates, ele ficou imperturbável
durante o julgamento e, no final, ao se despedir de seus discípulos, ele
diz:
Já é hora de irmos; eu para a morte, vós para viverdes. Quanto a quem
vai para um lugar melhor, só deus sabe.
Condenado à
morte.1
1
Aconselho a todo estudante de direito que leia a Apologia de Sócrates, escrita por Platão, obra que já
mereceu várias edições em língua portuguesa, sendo a mais acessível, a publicação da EDIOURO. Seria
interessante também ler O julgamento de Sócrates, de I.F. STONE, publicado pela Companhia das Letras,
com tradução de Paulo Henriques Britto. Stone é um reconhecido jornalista americano que, após dez anos de
pesquisas e estudos (ele aprendeu o grego antigo para pesquisar em fontes originais) publicou, em 1988, essa
obra interessantíssima.
2
PLATÃO, o
discípulo de
Sócrates e
mestre de
Aristóteles.
Platão,
discípulo de
Sócrates,
funda a
ACADEMIA.
Opiniões:
conhecimento
imperfeito.
Idéias:
conhecimento
verdadeiro
Alegoria da
Caverna.
PLATÃO – Atenas – 427-347 a.C.
É filho de uma nobre família ateniense e seu nome verdadeiro é
Arístocles. Seu apelido de Platão é devido à sua constituição física e
significa “ombros largos”. Ele foi discípulo de Sócrates e após a sua
morte, fez muitas viagens, ampliando sua cultura e suas reflexões.
Por volta de 387 a.C., Platão fundou sua própria escola de filosofia, nos
jardins construídos pelo seu amigo Academus, o que deu à escola o
nome de Academia. É uma das primeiras instituições de ensino superior
do mundo ocidental
Do mundo sensível das opiniões ao mundo inteligível das idéias.
Segundo Platão, os sentidos só podem nos fornecer o conhecimento das
sombras da verdadeira realidade, e através deles só conseguimos ter
opiniões. O conhecimento verdadeiro se consegue através da dialética,
que é a arte de colocar à prova todo conhecimento adquirido,
purificando-o de toda imperfeição para atingir a verdade. Cada opinião
emitida é questionada até que se chegue à verdade.
Aprisionado no seu corpo, o homem só consegue enxergar as sombras
e não a realidade em si. Para explicar isso, Platão cria o
Alegoria da Caverna.
Há homens presos, desde meninos, por correntes nos pés e no pescoço,
com o rosto voltado para o fundo da Caverna. Próximo à entrada da
caverna desfila-se com muitos objetos diferentes, cujas sombras são
projetadas pela luz do Sol na parede do fundo. Os prisioneiros
contemplam as sombras, pensando tratar-se da realidade, pois é a única
que conhecem.
Um dos prisioneiros consegue escapar, e, voltando-se para a entrada da
3
caverna, num primeiro momento tem sua vista ofuscada pela luz
intensa, mas aos poucos ele se acostuma e começa a descobrir que a
realidade é bem diferente daquela que ele conheceu a vida toda, por
meio das sombras. Esse homem se compadece dos companheiros da
prisão e volta para lhes anunciar aquilo que contemplara. Ele é
chamado de louco e é morto pelos companheiros.
O verdadeiro
conhecimento
está no mundo
das Idéias.
(conferir o texto no livro VII de A república, de Platão)
Essa alegoria pode ser interpretada assim:
Prisioneiros: todos nós
Caverna: nosso mundo sensível
Sombras: conhecimento conquistado pelos sentidos
O mundo iluminado pelo sol: mundo das idéias puras e perfeitas.
O homem que descobre a verdade: Platão parece estar se referindo a
Sócrates que foi condenado à morte por ter se preocupado em conhecer
e ensinar a verdade.
A República idealizada por Platão
- esse é um assunto a ser trabalhado em Ciência Política e Teoria do
Estado-
4
ARISTÓTELES – 384 a.C. – Estagira (Macedônia)
322 a.C. – Cálcis (Eubéia) a.C.
Aristóteles: o
discípulo de
Platão que
seguiu rumo
próprio.
Discípulo de
Platão,
sistematizador
da filosofia

Homem da corte
Macedônica, mestre
de Alexandre
Magno.

O Liceu, sua escola.

Sua Obra.


Aristóteles foi discípulo de Platão, mas seguiu o próprio
caminho, com uma filosofia bem diferente do mestre.
Quanto ao método de exposição da filosofia, enquanto Platão
utilizara os diálogos, Aristóteles foi um sistematizador.
Embora ele também tenha escrito diálogos, o que chegou até
nós foi apenas uma parte das suas obras produzidas em forma
descritiva e ordenada.
Sua vida: Aristóteles foi preceptor de Alexandre Magno, na
corte de Pela, e isso facilitou suas pesquisas pois, quando
Alexandre expandiu o império Macedônico, o filósofo teve
mais acesso às informações sobre formas de governo e sobre
o mundo natural (do qual Aristóteles fez uma das primeiras
classificações conhecidas).
O Liceu: Quando Alexandre sobe ao trono na Macedônia,
Aristóteles deixa a corte de Pela e volta para Atenas, onde
funda sua própria escola de filosofia, próxima ao templo de
Apolo Liceano (por isso passa a se chamar LICEU), seguindo
orientação que rivaliza com a Academia de Platão que, nesse
tempo, é dirigida por Xenócrates. A Academia era mais
voltada para as Matemáticas, enquanto o Liceu se dedicava
principalmente às ciências naturais.
A obra de Aristóteles – corpus aristotelicum, organizado
5
Órganon
Estudo da
Natureza
Estudo do
Mundo Vivo
por Andrônico de Rodes, que dirigiu o Liceu no século I a.C.
1. Órganon (instrumento para a construção da ciência e da
filosofia)
a) Categorias2 – Categoriae (elementos do discurso, os
termos da linguagem)
b) Periérmeneias3 – De interpretatione (sobre o juízo e
a proposição)
c) Analíticos Anteriores4 – (sobre a teoria e as
propriedades dos silogismos)
d) Analíticos Posteriores – (trata da demonstração
científica e da teoria da definição e da causa).
e) Tópicos5 (o método da argumentação geral, aplicável
em todos os setores, nas discussões práticas e no
campo científico).
 O que é o raciocínio dialético
 Problemas universais e particulares.
 Sobre o acidente
 Sobre o Gênero e a Propriedade
 Sobre a Propriedade (essencial, permanente, relativa
e temporária)
 Sobre a definição
 Sobre a identidade
 Prática dialética: regras para a interrogação.
f) Elementos sofísticos6 (tipos principais de argumentos
capciosos)
2. Obras dedicadas ao estudo da Natureza:
a) Física (examina conceitos gerais, relativos ao mundo
físico: natureza, movimento, infinito, vazio, lugar,
tempo etc...)
b) Sobre o Céu7
c) Sobre a Geração e a Corrupção dos Corpos
d) Metereológicos (sobre os fenômenos atmosféricos)
3. Obras referentes ao Mundo Vivo:
a) Tratado da Alma (sensação, memória, respiração
2
Publicado por Guimarães Editores, de Lisboa, com o título Organon, I Categorias.
Publicado por Guimarães Editores, de Lisboa, com o título Organon, II Periérmeneias.
4
Quanto aos Analíticos Anteriores e Posteriores, eu não encontrei nenhuma edição portuguesa (a edição de
Guimarães Editores está esgotada). Pedi a importação de uma edição espanhola, através da Livraria Cultura.
Muitos estudiosos de lógica expuseram a teoria de Aristóteles sobre o silogismo, definição etc., nos seus
tratados. Eu vou citar apenas três obras que dão acesso à teoria aristotélica, nesse assunto:
COPI, Irving M. Introdução à lógica. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Mestre Jou, 1978.
NAPOLI, Ioannes Di. Manuale Philosophiae: ad usum seminariorum. Roma: Marietti, 1963. Vol. I
MARITAIN, Jacques. A ordem dos conceitos: lógica menor. 13ª ed. Trad. Ilza das Neves. Rio de Janeiro:
Agir, 1994.
5
Publicado pela Abril Cultural na coleção Os pensadores.
6
Publicado na coleção Os pensadores, tanto da Abril Cultural quanto da Nova Cultural.
7
As obras b) e c) estudam o mundo sideral e sublunar.
3
6
Metafísica
Filosofia
Prática
O que é o SER?
etc.)
b) História dos animais
4. Metafísica8
5. Obras de filosofia prática:
a) Ética a Nicômaco9 (Aristóteles fala sobre a Virtude)
b) Política10 (sobre as formas de governo e sobre o
melhor governo)
c) Retórica11 (sobre a arte da argumentação – pode ser
acrescentada aos Tópicos)
d) Poética12 (da qual restaram apenas fragmentos).
Na sua Metafísica, Aristóteles ensina sobre o ENTE, que é tudo
aquilo que é, que tem ser. É a noção mais abrangente de todas.
O ENTE subdivide-se em dois grandes grupos:
1. Predicamentos ou Categorias (modos particulares de ser)
Categorias:
Substância e
Acidentes.
1.1. Substância (substrato permanente, cuja essência lhe
compete ser em si)
1.2. Acidentes (cuja essência é ser em outro, no qual estão
inerentes):
a) quantidade13 – é a extensão, grandeza ou volume do ente
corpóreo. Alto ou baixo, grande, médio ou pequeno, gordo ou
magro.
b) qualidade – é um modo específico no qual se encontra a
substância. Cada substância possui um conjunto de
qualidades (cor, calor, inteligência, virtudes...)
c) relação – trata-se da referência ou ordenação de uma
substância a outra. A relação se compõe de um sujeito, um
termo, um fundamento e um laço que os une (criação,
filiação, fraternidade, empregado-patrão, senhor-escravo...).
d) ação – ser agente de um movimento num outro sujeito
(derrubar um copo, bater em alguém, beijar alguém...)
e) paixão – sofrer uma ação de um outro sujeito (ser derrubado,
8
Sobre os primeiros princípios e as principais causas de toda a realidade. Recebem o nome de “metafísica”,
por estarem dispostos (na coleção organizada por seus discípulos) logo após aos tratados de física. No
entanto, na própria Antigüidade, essa denominação recebeu uma interpretação neoplatônica: são os livros que
abordam problemas situados além do mundo físico.
Parte dos livros I e II da Metafísica foram publicados na coleção Os pensadores da Abril Cultural
9
Publicada em português na coleção Os pensadores, tanto da Abril quanto da Nova Cultural. Há uma Ética a
Eudemo, considerada uma publicação anterior à Ética a Nicômaco.
10
Há uma edição da Ediouro de fácil acesso.
11
Com tradução de Antônio Pinto de Carvalho, foi publicada pela Ediouro, juntamente com Poética, sob o
título de Arte retórica e arte poética..
12
Além das Edições de Ouro, pode-se ler também A poética na coleção Os pensadores, da Abril e da Nova
Cultural.
13
Na escolástica da Idade Média, os acidentes foram ensinados em Latim, nos seguintes termos, seguindo a
mesma seqüência acima: quantitas, qualitas, relatio, actio, passio, ubi ou locus, situs, habitus e quando.
7
f)
g)
h)
i)
Transcendentais
O ser e o
movimento
explicados pela
Teoria do Ato e
da Potência
A teoria da 4
causas do ser:
Material
Formal
Eficiente
Final
apanhar, ser beijado...)
lugar – onde a substância está localizada, em relação a outras
substâncias (o aluno está na sala de aula, na cantina, na sua
casa estudando...)
posição – é o modo de estar no lugar. Trata-se da disposição
interna das partes do corpo (estar sentado, de pé, deitado...)
posse – ter ou possuir algo contínuo ou imediato (estar
vestindo uma túnica, usar uma arma...)
tempo – situação temporal da substância corpórea (há dez
dias eu estava na praia, hoje estou na escola...)
2. Transcendentais – aspectos comuns a todos os entes (bem,
verdade, unidade, beleza).
Qual a solução entre as teorias de Parmênides (o ser é sempre o
mesmo, imóvel, incorruptível...) e de Heráclito (tudo muda, nada
permanece; não há o ser, apenas o movimento)?
Como salvar o SER e o MOVIMENTO?
Para Aristóteles, o ser é, ao mesmo tempo, ATO e POTÊNCIA:
 Ato (energeia): a perfeição que a coisa tem no momento.
 Potência (dynamis): capacidade de receber uma perfeição, no
futuro.
Exemplos: Uma criança é infantil, em ato, e um adulto, em
potência. O movimento é a passagem da potência para um novo
ato. O ser permanece o mesmo; o que mudam são suas
perfeições.
Mas, o que permanece e o que muda?
A permanência e o movimento necessitam de outra teoria para que
possam ser explicados: é a teoria das causas do ser.
Há causas que são:
a) intrínsecas (estáticas – explicam o ser)
1. Material: responde à pergunta do que é feita alguma
coisa.
2. Formal: responde à pergunta como uma coisa é feita?
É o ato ou perfeição pelo qual uma coisa é o que é.
Pode-se chamar também de essência.
b) extrínsecas (dinâmicas – explicam o vir a ser ou devir)
1. Eficiente: responde à pergunta quem fez? Trata-se do
agente ou princípio do qual resulta a coisa.
2. Final: responde à pergunta para que é feita? Trata-se
do objetivo que move o agente a atuar sobre tal coisa.
Por exemplo: um machado feito de pedra (causa
material), com um lugar para prender o cabo e um corte
do outro lado (formal), feito pelo homem da caverna
(eficiente) para cortar a árvore e fazer utensílios para seu
cotidiano (final).
8
O acidente
muda, a
substância
permanece.
Inteligência
Divina: atração
do ser.
A substância
Sensível: o
mundo de
Aristóteles –
concepção
limitada ao
desenvolvimento
científico do seu
tempo.
Geocentrismo
Aristotélico: a
Terra é o centro
do Universo.
O que é que muda, então?
A substância (essência) permanece14;
o acidente muda.
O que era simples potência transforma-se em novo ato.
Há lugar para Deus, na filosofia de Aristóteles?
- Há uma substância supra-sensível que é a INTELIGÊNCIA
DIVINA (1º motor imóvel – ato puro) que pensa a si mesma e
atua como CAUSA FINAL (por atração) e não como causa
eficiente (pois o Universo sempre teria existido)
- E o que Aristóteles diz da substância sensível?
- Ele trata da física, num enfoque metafísico, puramente racional, e
assim explica:
1. Movimento: passagem da potência para o ato
2. Tempo: medida do movimento segundo um antes e
um depois.
3. Lugar (espaço) – primeiro limite imóvel do
continente (não existe o vácuo para Aristóteles).
4. Mundo15:
a) Sublunar – o ar, a água, terra e o fogo (eles são
gerados e se corrompem, cada coisa tem seu lugar
natural, para o qual são atraídos pela Inteligência
Divina, produzindo um movimento retilíneo, num
subir e descer).
b) Supralunar – lá está o éter (também chamado de
“quinta essência), que é composto de 55 esferas
celestes, com as demais substâncias supra-sensíveis,
incorruptíveis, com movimento circular.
Qual o lugar ocupado pela TERRA, nesse universo?
A terra é o CENTRO DO UNIVERSO.
A Lua, o Sol e os outros planetas giram ao seu redor, presos em
esferas cristalinas.
Ptolomeu, um Astrônomo Grego defendeu a teoria Aristotélica
do Geocentrismo16, ficando assim o mapa do nosso Universo:
14
Na linguagem comum, dizemos que houve uma mudança substancial quando houve uma transformação
na própria essência. Depois do casamento, diz a jovem casada, ele mudou substancialmente, para pior. Era
cavalheiro, tornou-se um grosso. Ele abria a porta do carro para eu entrar. Agora, ele nem me convida para
sair. Ele parece uma outra pessoa. Em linguagem psicológica, isso faz sentido. Mas, em linguagem
filosófica, a substância não muda. O único caso, aceito pelos católicos como um grande milagre, é o da
transubstanciação, ou “mudança do pão e do vinho em corpo e sangue de Cristo”. Aceita-se como um
milagre, pois não há explicação racional.
15
Aristóteles está limitado pelos conhecimentos científicos do seu tempo.
16
Essa visão Aristotélico-Ptolomaica do Universo foi adotada pela Igreja Católica e ensinada como
verdadeira. Essa teoria foi contestada seriamente, penas no século XVI, com Copérnico, que publicou sua
teoria poucos antes de morrer; com Giodanno Bruno que, em 1600, pagou na fogueira da Inquisição, sua
crença na nova teoria heliocêntrica (o sol no centro do Universo); e com Galileu, que apontando o telescópio
para o céu, conseguiu provar a teoria copernicana, em 1632, com a publicação do Diálogo sobre os dois
9
Outros temas da
filosofia de
Aristóteles:
tratados em
outras
disciplinas.
A nona esfera é a das estrelas fixas.
Urano, descoberto em 1781, por William Herschel, astrônomo
que nasceu na Alemanha e viveu na Inglaterra (1738-1822).,
Netuno, logo após a descoberta de Urano, astrônomos já faziam
cálculos matemáticos para estabelecer a existência de Netuno. A sua
descoberta definitiva é datada em 1846.
Plutão, identificado em 1930, por Clyde Tombaugh.
Quanto aos outros temas da filosofia de Aristóteles, eles serão
estudados por outras disciplinas17:
1. Ética: Ética Geral.
2. Política: Ciência Política e Teoria do Estado
3. Lógica e Retórica: Hermenêutica (Argumentação) e
Hermenêutica e Lógica Jurídica.
Primeira a surgir na Europa, a literatura grega lançou, no curso de sua evolução, os alicerces
de quase todos os gêneros literários. Assimilados pelos romanos, os grandes escritores
gregos da antiguidade, junto com os clássicos latinos, passaram a ser considerados modelos
universais, e deles provém certamente toda a tradição literária ocidental.
Distribuída em três grandes períodos -- o da antiguidade, o bizantino e o moderno -- a
literatura grega abordou, no teatro e na poesia, na filosofia e no texto religioso, todos os
grandes mitos e temas cruciais da humanidade. Serviu de referência não apenas à literatura
sistemas de mundo, sendo chamado à Inquisição e tendo que abjurar, em 1633, para continuar vivendo, em
prisão domiciliar.
17
Confira o Ementário do conteúdo programático das disciplinas fundamentais, no Manual do Estudante de
Direito das Faculdades COC, páginas 17 e ss.
10
universal como a atividades e correntes científicas e artísticas modernas, como o cinema, a
psicanálise e a educação.
Antiguidade
A literatura grega da antiguidade é a que se desenvolveu desde que começou a difundir-se o
emprego da escrita, por volta do século VIII a.C. Período da maior importância para a história
das letras ocidentais, divide-se nas épocas arcaica (até o fim do século VI a.C.), clássica
(séculos V e IV a.C.), e helenística e greco-romana (a partir do século III a.C.).
Época arcaica. Antes mesmo de utilizarem a escrita para fins literários, os gregos já faziam
poesia para ser cantada ou recitada. Seus temas eram os mitos, em parte lendários, baseados
na memória difusa de eventos históricos, além de um pouco de folclore e de especulação
religiosa primitiva. Os mitos, porém, não se vinculavam a qualquer dogma religioso e, embora
muitos fossem deuses ou grandes heróis mortais, não eram autoritários e podiam ter seu perfil
alterado por um poeta que desejasse expressar novos conceitos.
Assim, bem cedo o pensamento grego começou a progredir, na medida em que os poetas
reelaboravam suas fontes. A esse estágio inicial, denominado época arcaica, pertencem os
épicos atribuídos a Homero, a Ilíada e a Odisséia, que recontam histórias entremeadas de
mitos da época micênica. A poesia didática de Hesíodo (c. 700 a.C.), provavelmente posterior
aos épicos de Homero, embora com diferentes tema e tratamento, deu continuidade à tradição
épica.
Os vários tipos de poesia lírica grega surgiram no período arcaico entre os poetas das ilhas do
mar Egeu e da Jônia, no litoral da Anatólia. Arquíloco de Paros, do século VII a.C., foi o
primeiro poeta grego a usar a elegia de uma forma mais pessoal. Suas formas e padrões
métricos foram imitados por uma sucessão de poetas jônicos. No começo do século VI, Alceu
e Safo criaram seus poemas no dialeto eólico da ilha de Lesbos e foram mais tarde adaptados
por Horácio para a poesia latina. A eles se seguiu Anacreonte de Teos, na Jônia, que também
compôs em dialeto jônico. A lírica coral, com acompanhamento musical, pertencia à tradição
dórica.
A tragédia e a comédia se originaram na Grécia. Acredita-se que havia coros "trágicos" na
Grécia dórica por volta de 600 a.C.. Também a comédia se originou na Grécia dórica e se
desenvolveu na Ática.
Códigos legais surgidos no fim do século VII foram a primeira forma de prosa. Não se conhece
autor de prosa anterior a Ferécides (c. 550 a.C.) de Siros, que escreveu sobre o começo do
mundo. Mas o primeiro autor considerável, Hecateu de Mileto, escreveu sobre o passado
mítico e a geografia do Mediterrâneo e terras próximas. Atribui-se a Esopo, personagem
lendário de meados do século VI, a autoria das fábulas de sentido moral copiadas por
escritores de épocas posteriores.
Época clássica. Quase todos os gêneros literários atingiram seu ponto máximo no período
clássico, com as tragédias de Ésquilo, Sófocles e Eurípides, a comédia de Aristófanes e a
lírica coral de Píndaro. O clássico também foi um período áureo para a retórica e a oratória,
cujo estudo levantou questões sobre verdade e moralidade na argumentação, e, dessa
maneira, era objeto de estudo tanto do filósofo quanto do advogado e do político. A prosa
histórica grega atingiu a maturidade nesse período.
As obras de Platão e Aristóteles, que datam do século IV, são os mais importantes produtos
da cultura grega na história intelectual do Ocidente. Esses pensadores firmaram as bases da
filosofia ocidental e determinaram a evolução do pensamento europeu ao longo de séculos.
Épocas helenística e greco-romana. No imenso império de Alexandre o Grande, macedônios e
gregos compunham a classe dominante e, assim, o grego tornou-se a língua da
administração, um novo dialeto baseado em parte no ático e chamado koine, ou língua
comum. Em todos os lugares, a cidade-estado estava em declínio. A criação artística passou
11
ao patrocínio privado e, exceto pela comédia ateniense, as composições visavam um público
pequeno e seleto, apreciador da erudição e da sutileza.
O período helenístico foi do fim do século IV ao fim do século I a.C. Pelos três séculos
seguintes, até Constantinopla tornar-se a capital do império bizantino, os escritores gregos
tinham consciência de viverem num mundo do qual Roma era o centro.
Gêneros
Poesia épica. No início da literatura grega se situam duas grandes epopéias, a Ilíada e a
Odisséia. Algumas fontes desses poemas são da época micênica, talvez de 1500 a.C., mas a
obra escrita, atribuída a Homero, é datada de cerca do século VIII a.C. Ilíada e Odisséia são
os primeiros exemplos de poema épico -- na antiguidade, era um longo poema narrativo, de
estilo nobre, que celebrava conquistas heróicas.
Apesar de serem os poemas europeus mais antigos, Ilíada e Odisséia não podem ser
considerados, de nenhum ponto de vista, primitivos. Mais que o começo, eles marcam o ponto
mais alto dessa forma literária. Eram essencialmente poemas transmitidos de forma oral,
desenvolvidos e aumentados ao longo de um extenso período de tempo, sobre cujo tema
vários e sucessivos poetas anônimos livremente improvisaram. No mundo antigo, ocupavam
uma classe especial entre os poemas épicos. De fato, conservam-se restos de um ciclo épico,
com numerosos poemas que complementam a história das guerras de Tebas e Tróia e outros
mitos.
A poesia didática não era tida pelos gregos como uma forma diferente da épica, mas o mundo
do poeta Hesíodo, que viveu na Beócia por volta de 700 a.C., era completamente diferente do
de Homero. Além de Os trabalhos e os dias, que descreve a vida de um simples agricultor
beócio atormentado pela seca e pela opressão da aristocracia, deixou também o poema
Teogonia, que narra a genealogia dos deuses e dos mitos associados à criação do universo,
com clara influência da mitologia do Oriente Médio.
Poesia lírica. A palavra "lírica" abrange muitos tipos de poemas. Aqueles cantados por
indivíduos ou coros acompanhados de lira, ou às vezes flauta, eram chamados mélicos. As
elegias -- nas quais o hexâmetro épico, ou verso de seis sílabas, se alternava com um verso
mais curto -- eram associadas com a lamentação e acompanhadas de flauta.
Mas os poemas também eram usados para poesia monódica, falada e cantada. Os poemas
jâmbicos (de versos jâmbicos, ou unidades métricas de quatro sílabas longas e breves
alternadas), forma versificada da sátira, em geral não eram cantados. A lírica coral,
geralmente acompanhada de lira e flauta, não usava os versos ou estrofes tradicionais; seu
metro era criado para cada poema e nunca utilizado novamente da mesma forma. Além de
Alcmeão de Esparta e Estesícoro, destacam-se no gênero Simônides de Ceos, Píndaro e, já
no declínio do gênero, Baquílides (século V a.C.).
Tragédia e comédia. Em suas duas vertentes -- tragédia e comédia -- chegou nessa época à
plenitude estética o teatro grego. Suas origens permanecem obscuras, mas parece claro que
ambas foram tiradas dos rituais religiosos em honra do deus Dioniso.
O principal interesse de Ésquilo, cujas tragédias são geralmente agrupadas em trilogias, não é
a ação dramática, nem a composição dos personagens, mas a subordinação da vida humana
aos insondáveis desígnios dos deuses. Com Sófocles, seu sucessor, a tragédia alcançou
ainda maior perfeição formal. O tema central de suas grandes obras, como Édipo rei, Electra e
Antígona, é a exaltação da grandeza do homem que, embora submetido ao destino e à
vontade dos deuses, mantém a integridade moral e cumpre seu dever.
Eurípides, contemporâneo dos sofistas, pertenceu a uma fase de questionamento de todas as
crenças tradicionais. Ainda que partisse do mito, como os trágicos anteriores, seu interesse
centrou-se no estudo da paixão humana -- Medéia, Hipólito -- e na crítica às idéias
12
convencionais sobre religião, política e moral. Depois de Eurípides, que morreu em 406, a
tragédia deixou de ser cultivada.
Paralelamente à tragédia, desenvolveu-se a comédia, que era sua contrapartida. Surgiu nas
cidades dóricas, onde se destacou a figura de Epicarmo, mas adquiriu forma em Atenas, na
primeira metade do século V. Na época inicial (comédia antiga) foi fundamentalmente sátira
social e política. Aristófanes, um dos maiores gênios cômicos da literatura universal, ironizou,
em obras como As rãs e As nuvens, as figuras políticas e intelectuais de seu tempo. A fase
intermediária da comédia, na qual sobressaíram Antífanes e Aléxis, centrou-se na sátira e na
paródia. Na comédia nova, cujo principal representante foi Menandro, no final do século IV, o
tema principal foram os conflitos domésticos.
Prosa. O primeiro grande historiador foi Heródoto de Halicarnasso, também grande geógrafo e
antropólogo. Seu tema central é o confronto entre Ásia e Europa, que culminou com as
guerras greco-pérsicas. Não menos importante foi Tucídides, que viveu na segunda metade
do século V e escreveu a História da guerra do Peloponeso. Tucídides, diferentemente de
Heródoto, exclui por completo a intervenção divina nos acontecimentos em que os homens
intervêm. Costuma-se considerá-lo o verdadeiro criador da história como ciência, pelo rigor
documental, sentido crítico e objetividade narrativa.
Sua obra, que ficou inconclusa, foi completada por Xenofonte, que também escreveu
Anábase, relato da retirada de dez mil gregos, depois do assassínio de seus líderes pelos
persas de Ciro, desde as proximidades da Babilônia até a costa do mar Negro. Depois desses
autores, o gênero histórico declinou até transformar-se em pouco mais que um exercício de
retórica.
Retórica e oratória. Em poucas sociedades terá sido mais valorizado o poder da oratória do
que na Grécia. Foi sobretudo o surgimento das formas democráticas de governo que
incentivou o estudo e o ensino da arte da persuasão.
Entre os oradores gregos do século IV, merecem particular atenção: Isócrates, que se
distinguiu pelo cuidado do estilo e defendeu um ideal pan-helênico que pusesse fim às guerras
internas entre os gregos, e sobretudo Demóstenes, o maior dos oradores gregos da
antiguidade. Muito ativo na política, Demóstenes personificou a reação do velho ideal da pólis
independente, frente ao nascente pan-helenismo. Depois de sua morte, com o declínio da
democracia, a oratória entrou em decadência.
Prosa filosófica. A prosa como um veículo para a filosofia começou a ser desenvolvida a partir
do século VI a.C. Entre os primeiros filósofos se incluem Tales de Mileto, Anaximandro,
Demócrito e Heráclito. A prosa filosófica foi a principal realização literária da época, muito
influenciada por Sócrates (que não possui obra escrita) e seu método característico de ensino,
por meio de perguntas e respostas, que evoluiu para o diálogo.
O discípulo mais célebre de Sócrates foi Platão, que começou a escrever pouco após a morte
do mestre (399 a.C.) e, como escritor, deu forma insuperável a um novo gênero literário, o
diálogo. Seu discípulo Aristóteles possuía um estilo admirado em seu tempo, mas suas obras
conservadas são fundamentalmente didáticas e sem preocupação estilística.
Literatura bizantina
A literatura bizantina pode ser definida, de maneira geral, como a literatura grega da Idade
Média, tanto a que se produziu no território do império bizantino quanto fora de suas
fronteiras.
No fim da antiguidade, vários gêneros clássicos gregos, como o teatro e a poesia lírica coral,
já tinham há muito se tornado obsoletos, e toda a literatura grega exibia de alguma forma a
linguagem e o estilo arcaizantes, perpetuados por um sistema conservador de educação em
que a retórica era a matéria mais importante. Os doutores gregos da igreja, produtos dessa
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educação, compartilhavam os valores literários de seus contemporâneos pagãos.
Conseqüentemente, a vasta e dominante literatura cristã dos séculos III ao VI, que criou uma
síntese do pensamento helênico e cristão, foi em grande parte escrita numa língua que há
muito tempo não era mais falada por todas as classes em sua vida cotidiana. A utilização de
duas formas muito diferentes da mesma língua para propósitos diversos caracterizou a cultura
bizantina durante um milênio. A relação entre as duas formas, porém, se modificou com o
tempo.
O prestígio da língua literária classicizante manteve sua força até o fim do século VI, e apenas
algumas histórias populares das vidas dos santos e crônicas escaparam de sua influência.
Nos dois séculos e meio que se seguiram, quando a própria existência do império bizantino
estava ameaçada, a vida urbana e a educação entraram em declínio, e com elas o uso da
língua e do estilo classicizantes. Com a recuperação política dos séculos IX e X teve início um
renascimento literário, no qual se fez uma tentativa consciente de recriar a cultura helênicocristã do fim da antiguidade. Desprezou-se a língua popular e a hagiografia (biografias de
santos) foi reescrita em língua e estilo arcaizantes.
Por volta do século XII, a autoconfiança dos bizantinos lhes permitiu desenvolver novos
gêneros literários, inclusive o romance de ficção, em que aventura e amor são os principais
temas, e a sátira, que eventualmente usava citações do grego falado. O período entre a quarta
cruzada (1204) e a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos (1453) assistiu a um
vigoroso ressurgimento da literatura classicizante -- na medida em que os bizantinos
buscavam afirmar sua superioridade cultural sobre o Ocidente, mais poderoso militar e
economicamente -- e, ao mesmo tempo, ao início de uma florescente literatura que se
aproximava do grego vernacular. Essa literatura vernacular, porém, limitava-se a romances
poéticos, textos de devoção popular e outros afins. Toda a literatura séria continuou a usar a
prestigiada língua arcaizante da tradição aprendida.
Didática no tom, e quase sempre também no contéudo, grande parte da literatura bizantina foi
escrita para um grupo limitado de leitores cultos, capazes de compreender as alusões
clássicas e bíblicas e apreciar as figuras de retórica. Alguns gêneros bizantinos não seriam
considerados de interesse literário hoje. Ao contrário, parecem pertencer ao campo da
literatura técnica, como é o caso dos volumosos textos dos doutores da igreja, como Atanásio,
Gregório Nazianzeno, João Crisóstomo, Cirilo de Alexandria e Máximo o Confessor.
Poesia não litúrgica. A poesia bizantina continou a ser escrita em métrica e estilo clássicos.
Mas o senso de adequação da forma ao conteúdo estava perdido. Um exemplo disso é o
trabalho de transição de Nonos de Panópolis, grego de origem egípcia do século V, que se
converteu ao cristianismo. Seu longo poema Dionysiaká (Os dionisíacos) foi composto em
linguagem e métrica homéricas, mas é muito mais aceito como um longo panegírico sobre
Dioniso que como um épico. Contemporâneos de Nonos deixaram poemas narrativos curtos
em verso homérico, de conteúdo mitológico.
Um clérigo, Jorge o Pisidiano, escreveu longos poemas narrativos sobre as guerras do
imperador Heráclio (610-641), bem como um poema sobre os seis dias da criação do mundo,
em trímetros jâmbicos (versos de 12 sílabas, em princípio de três pés jâmbicos, cada um com
uma sílaba curta seguida por uma longa). Teodósio seguiu seu exemplo no épico sobre a
retomada de Creta dos árabes, no século X.
O verso de 12 sílabas tornou-se a métrica mais utilizada em meados e no fim do império
bizantino e serviu de veículo para narrativas, epigramas, romances, sátiras e instruções
religiosas e morais. A partir do século XI encontrou um rival no verso de 15 sílabas -- usado
pelo monge Simeon de Paflagônia em seus hinos místicos -- que se tornou um veículo para a
poesia da corte no século XII.
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A nova forma também foi usada pelo metropolita Konstantinos Manasses em sua crônica do
mundo e por um redator anônimo do romance épico Digenis Akritas, do século XIII.
Nessa métrica, que não seguiu modelos clássicos, foram escritos os primeiros poemas
vernáculos, assim como o romance Calímaco e Crisorroe, entre outros que se incluem entre
as mais significativas obras de ficção genuína na literatura bizantina. Muitos desses poemas
eram adaptações ou imitações de modelos medievais ocidentais. Essa abertura ao Ocidente
latino era nova. Mas mesmo quando se baseavam nos padrões ocidentais, os poemas
bizantinos diferiam em tom e expressão de seus modelos.
A poesia bizantina é pouco original, cansativa e entediante. Mas alguns poetas revelam
grande inspiração, como João Geometres (século X) e João Mauropo (século XI), ou
extraordinário brilhantismo técnico, como Teodoro Pródomo (século XII) e Manuel II Paleólogo
(século XIV). A habilidade para escrever versos era generalizada na sociedade bizantina
letrada, e se apreciava muito a poesia.
Poesia litúrgica. Desde os primórdios, a canção -- e pequenas estrofes rítmicas (troparia) em
particular -- fazia parte da liturgia da igreja. Poemas em métrica e estilo clássicos foram
criados por escritores cristãos desde Clemente de Alexandria e Gregório Nazianzeno. Mas as
associações pagãs de gêneros, assim como as dificuldades da métrica, tornaram-nos
inaceitáveis para o uso litúrgico geral.
No século VI, poemas rítmicos elaborados (kontakia) substituíram a troparia, mais simples. A
nova forma devia muito à poesia litúrgica siríaca. O kontakion era uma série de até 22
estrofes, todas construídas com o mesmo padrão rítmico e terminando com um refrão curto.
Em conteúdo, era uma homilia narrativa sobre um evento bíblico ou um episódio da vida de
um santo. Quase sempre apresentava um forte elemento dramático. O maior compositor de
kontakia foi Romanos Melodos (do início do século VI), um sírio provavelmente de origem
judaica.
No fim do século VII o kontakion foi substituído por um poema litúrgico mais longo, o kanon,
que consistia de oito ou nove odes, cada uma com muitas estrofes, além de ritmo e forma
melódica diferentes. O kanon era um hino de louvor mais que uma homilia. Os mais notáveis
compositores de kanones foram Andreas de Creta, João Damasceno, Theodoros Studita,
Josephos Hymnógraphos e João Mauropo. A música original dos kontakia e kanones se
perderam.
Historiografia. Até o início do século VII uma série de historiadores recontou os eventos de seu
próprio tempo em estilo classicizante, com falas fictícias e trechos descritivos do ambiente.
Procópio de Cesaréia e outros historiadores que se seguiram partiram do ponto em que
pararam seus antecessores. Posteriormente, esse veio permaneceu virtualmente extinto
durante mais de 250 anos.
O renascimento da confiança na cultura e do poder político no fim do século IX assistiu ao
ressurgimento da história classicizante, com interesse no personagem humano -- Plutarco era
freqüentemente o modelo -- e nas causas dos eventos. O grupo de historiadores conhecidos
coletivamente como os "Continuadores de Teófanes" registrou, não sem parcialidade, a
origem e os primeiros dias da dinastia macedônica. Desde então até o fim do século XIV não
houve uma só geração sem seu historiador. Os mais notáveis foram Simeon de Paflagônia
(século X); Miguel Pselo (século XI); Ana Comnena (século XII); Georgios Akropolita (século
XIII); e Nikephoros Gregoras e o imperador Johannes Cantacuzenos (século XIV).
Os últimos dias do império bizantino foram recontados de vários pontos de vista por George
Sphrantzes, o escritor conhecido simplesmente como Ducas (que era um membro da antiga
casa imperial bizantina homônima), Laonicus Chalcocondyles e Michael Critobulus na
segunda metade do século XV.
Outro tipo de interesse no passado era satisfeito pelas crônicas do mundo. Com freqüência
ingenuamente teológicas em sua explanação das causas, simplistas na descrição dos
personagens, e populares na linguagem, elas ajudaram o bizantino comum a se localizar num
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esquema de história mundial que era também uma história de salvação. As Chronographia de
John Malalas, no século VI, e a Crônica de Pascal (Chronicon Paschale) no século VIII foram
sucedidas pelas de Teófanes o Confessor, no início do século IX, e Jorge o Sincelo, no fim do
século IX. Tais crônicas continuaram a ser escritas nos séculos seguintes, às vezes com
pretensões críticas e literárias, como em John Zonaras, ou numa romantizada forma de verso,
como em Konstantinos Manasses.
A importância que os governantes bizantinos deram à história se comprova na vasta
enciclopédia histórica compilada por ordem de Constantino VII (913-959), em 53 volumes, dos
quais somente poucos fragmentos permanecem.
Retórica.
Embora não houvesse oportunidade para oratória forense ou política no mundo bizantino,
manteve-se o gosto pela retórica e pela linguagem bem-estruturada, pela escolha e pelo uso
de figuras de linguagem e de pensamento. Do século X em diante sobrevive um vasto corpo
de elogios, orações funerais, palestras inaugurais, discursos memoriais e de boas-vindas,
celebrações de vitória e panegíricos variados. Essa profusão de retórica elaborada
desempenhou um importante papel na formação e no controle da opinião pública nos círculos
fechados e influentes, e ocasionalmente serviu de veículo para uma controvérsia
genuinamente política.
Literatura grega moderna
Após a queda de Constantinopla, em 1453, a produção literária grega continuou quase
exclusivamente nas áreas do mundo grego sob domínio de Veneza. Assim, Chipre, até ser
capturada pelos turcos em 1571, produziu obras literárias no dialeto local, entre elas a crônica
local, escrita por Leóntius Machairás. Em Creta, sob domínio de Veneza até 1669, assistiu-se
a um importante florescimento literário, escrito em dialeto cretense. Escreveram-se tragédias,
comédias, uma tragicomédia pastoral e uma peça religiosa baseada nos modelos italianos.
Georgios Chortátsis era o escritor mais importante. Na primeira metade do século XVII,
Vitséntsos Kornáros escreveu seu poema narrativo Erotókritos.
No território grego dominado pelos otomanos, as canções populares agradavam à população
e se tornaram praticamente a única forma de expressão literária. Ao aproximar-se o fim do
século XVIII, no entanto, vários intelectuais, sob a influência das idéias européias, procuraram
elevar o nível da educação e da cultura gregas e lançaram as bases de um movimento em
prol da independência. Os participantes desse "iluminismo grego" também abordaram o
problema da língua, e cada um deles promovia uma forma diferente do grego para ser usada
na educação. O principal intelectual do início do século XIX foi o acadêmico clássico
Adamántios Koraïs, que em textos sobre a língua e a educação gregas, defendeu um grego
moderno "corrigido" com base nas antigas regras.
Período pós-independência. O grande renascer da literatura grega ocorreu a partir da
independência, no final da década de 1820. Ao longo do século XIX houve uma discussão
sobre qual das modalidades deveria ser adotada na língua literária: o katharevusa, variedade
culta e deliberadamente arcaica; ou o demótico, baseado na língua falada. A princípio, foi mais
empregado o katharevusa, mas no final do século triunfou na poesia o demótico, adotado em
todos os gêneros literários a partir do início do século seguinte.
A literatura grega do século XIX esteve sob o signo do romantismo, ainda que nas últimas
décadas tenha seguido novas tendências. Foram duas as mais importantes escolas de poesia:
a ateniense e a jônica. Os poetas da primeira, que teve como fundador o líder Alexandros
Soútsos, distinguiram-se pelo extremo sentimento patriótico e exacerbado romantismo. Além
de Soútsos e de seu irmão Panayótis, introdutores do romance na Grécia, as figuras mais
importantes foram Aléxandros Rízos Rangavís, em poesia narrativa e lírica, teatro e romance;
Emmanuel Roídis, autor do romance satírico I Pápissa Ioánna (1866; A papisa Joana), um
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pastiche do romance histórico; e Pávlos Kalligás e Dimítrios Vikélas, que trataram de temas
contemporâneos.
O representante máximo da escola jônica foi Dhionísios Solomós, poeta de grande
profundidade filosófica e precursor do grupo de poetas atenienses que a partir de 1880 reagiu
contra os exageros do romantismo e do formalismo do katharevusa.
O movimento vulgarista defendeu o demótico como língua mais apropriada para a criação
literária. Antónios Mátesis escreveu um drama histórico que foi a primeira obra em prosa em
demótico. Aristotélis Valaorítis deu continuidade à tradição jônica com longos poemas
patrióticos inspirados nas guerras nacionais gregas.
O movimento vulgarista na literatura, cujo principal ideólogo foi Yánnis Psicháris (Jean
Psichari), inspirou poetas a enriquecerem a tradição popular grega com influências externas.
Dentro dessa tendência, Kostís Palamás dominou a cena literária por várias décadas, com
uma vasta produção de ensaios e artigos, e publicou sua melhor poesia entre 1900 e 1910.
Angelos Sikelianós seguiu a mesma tendência em sua poesia lírica de natureza
profundamente mística.
Na prosa, o culto folclórico fortaleceu o desenvolvimento do conto, inicialmente escrito em
katharevusa, mas o demótico gradualmente ocupou maior espaço a partir da década de 1890.
Esses contos, assim como os romances do período, descreviam cenas da vida tradicional
rural, em parte idealizada, em parte vista de maneira crítica por seus autores.
Geórgios Vizyenós foi o primeiro contista grego, e o mais famoso e prolífico no gênero foi
Aléxandros Papadiamándis. O romance O zitiános (1896; O mendigo), de Andréas
Karkavítsas, satiriza a miséria econômica e cultural da população rural. A partir de 1910, essa
visão crítica se refletiu na prosa de Konstantinos Chatzópoulos e Konstantinos Theotókis. Na
mesma época, Grigórios Xenópoulos escreveu romances urbanos e trabalhou especialmente
em teatro, gênero que recebeu um impulso substancial do movimento vulgarista.
A perda da Anatólia em 1922, quando os anseios expansionistas da Grécia na Turquia foram
finalmente frustrados, trouxe uma mudança radical à orientação da literatura grega. Antes de
cometer suicídio, Kóstas Kariotákis escreveu poemas sarcásticos sobre a lacuna entre os
antigos ideais e a nova realidade.
A reação contra o derrotismo de 1922 veio com a geração de 1930, grupo de escritores que
revigorou a literatura grega. Abandonaram as antigas formas poéticas e produziram romances
ambiciosos que pretendiam corporificar o espírito da época. Os poetas Georgios Seféris, que
também escreveu ensaios, e Odysseus Elytis ganharam o Prêmio Nobel de literatura em 1963
e 1979, respectivamente. Yánnis Rítsos foi outro importante poeta da época.
A geração de 1930 produziu romances notáveis. Entre eles, destacam-se I zoí en tafo (1930;
A vida no túmulo), relato da vida nas trincheiras da primeira guerra mundial escrito por Strátis
Myrivílis; Argo (1933-1936), obra em dois volumes de Yórgas Theotokás, sobre um grupo de
estudantes durante a turbulenta década de 1920; e Eroica (1937), de Kosmás Polítis, que trata
do impacto do amor e da morte sobre um grupo de estudantes.
Após a segunda guerra mundial, a prosa foi dominada por romances sobre as experiências
dos gregos durante os oito anos da guerra (1941-1949). Iánnis Berátis escreveu To Platy
Potami (1946; O rio largo) e, entre 1960 e 1965, Stratís Tsírkas publicou uma trilogia em que,
com maestria, faz a recriação da atmosfera do Oriente Médio na segunda guerra mundial. No
conto, Dimítris Chatzís retratou de forma irônica o período antes e durante o conflito.
O romancista mais famoso do período foi o cretense Níkos Kazantzákis, sobrevivente de uma
geração anterior. Numa série de romances que teve início com Víos ke politía tou Aléxi Zorbá
(1946; Zorba o grego) e prosseguiu com sua obra-prima O Christos xanastavronete (1954; O
Cristo recrucificado), corporificou uma síntese das idéias de várias filosofias e religiões em
personagens que enfrentam problemas imensos, como a existência de Deus e o propósito da
vida humana. Antes disso, Kazantzákis já havia publicado Odésia (1938; Odisséia), poema
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épico de 33.333 versos que conta a história de Ulisses moderno, insatisfeito, em busca de
uma vida superior. Pandelís Prevelákis publicou vários romances filosóficos ambientados na
sua terra natal, Creta, entre os quais o de maior sucesso foi O ílios tou thanátou (1959; O sol
da morte), que mostra um menino que aprende a lidar com a morte.
Durante a década de 1960, os prosadores tentaram explorar os fatores históricos que se
encontravam na base da situação social e política. No romance To tríto stefáni (1962; O
terceiro casamento), de Kóstas Tachtsís, o narrador feminino conta a história de sua vida e
expõe a natureza opressora da família grega. A prosa curta, em parte ficcional, em parte
autobiográfica, de Yórgos Ioánnou apresenta um retrato vívido de Tessalonica e Atenas entre
as décadas de 1930 e 1980.
Nenhum poeta se destaca individualmente nas gerações pós-guerra na Grécia, mas Tákis
Sinópoulos, Míltos Sachtoúris e Manólis Anagnostákis, todos marcados por sua vivência na
guerra durante a década de 1940, estão entre os mais respeitados.
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