o setor elétrico pós-privatização

Transcrição

o setor elétrico pós-privatização
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
RENATO DOMINGUES FIALHO MARTINS
O SETOR ELÉTRICO PÓS-PRIVATIZAÇÃO:
novas configurações institucionais e espaciais
Rio de Janeiro
2009
RENATO DOMINGUES FIALHO MARTINS
O SETOR ELÉTRICO PÓS-PRIVATIZAÇÃO:
novas configurações institucionais e espaciais
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa
de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em
Planejamento Urbano e Regional
Orientador: Prof. Dr. Carlos Bernardo Vainer
Rio de Janeiro
2009
M386s
Martins, Renato Domingues Fialho.
O setor elétrico pós-privatização : novas configurações
institucionais e espaciais / Renato Domingues Fialho
Martins. – 2009.
142 f. : il. color. ; 30 cm.
Orientador: Carlos Bernardo Vainer.
Tese (mestrado) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional, 2009.
Bibliografia: f. 132-136.
1. Serviços de eletricidade - Brasil. 2. Privatização.
I. Vainer, Carlos Bernardo. II. Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional. III. Título.
CDD: 333.7932
RENATO DOMINGUES FIALHO MARTINS
O SETOR ELÉTRICO PÓS-PRIVATIZAÇÃO:
novas configurações institucionais e espaciais
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa
de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em
Planejamento Urbano e Regional
Aprovado em 23/09/2009
BANCA EXAMINADORA
_______________________________
Prof. Dr. Carlos Bernardo Vainer
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ
_______________________________
Prof. Dr. Helion Póvoa Neto
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ
_______________________________
Prof Dr. Paulo Cesar Peiter
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – FIOCRUZ
Este trabalho é dedicado
aos meus pais,
à minha companheira
e a todos que acreditam que ainda podem transformar o mundo
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq, por me financiar durante dois anos.
Aos funcionários das bibliotecas da Memória da Eletricidade, da Eletrobrás e da ONS;
que ajudaram bastante nesta pesquisa.
Aos funcionários do IPPUR; não deve existir lugar onde os servidores públicos são tão
prestativos.
Aos Professores do IPPUR, em especial, Ana Clara, Fred, Helion, Jorge Natal, Luciana,
Orlando Jr, Henri, Hermes, Fânia; por compartilhar um pouco do que sabem.
Ao meu orientador, Prof. Carlos Vainer; não tenho dúvidas que esta dissertação seria
muito diferente sem a sua orientação.
Aos ETTERNianos, do presente e do passado, André Dumans, Alexandra, Breno,
Daniele, Eduardo, Flávia, Gabriel, Geórgia, Gisele, Isabel, Javier, João Paulo, Jorge Luís,
Juliana, Márcio, Rachel, Raquel, Régis, Renato Castro, Soninho, Tássia, colegas de pesquisa;
sem os mesmos a academia saberia menos sobre setor elétrico, atingidos por barragens, justiça
ambiental, cartografia social, conflitos urbanos e planejamento. Também à Aline Schindler,
emprestada do laboratório vizinho, que fez alguns dos mapas.
Aos colegas da turma de mestrado de 2007; Adriana, André, Ângela, Carla, Carolina,
Clarice, Eduardo, Erick, Ernesto, Gabriel, Iaci, Jéssica, Mariana, Pedro, Priscila, Rafael,
Vanessa Jorge e Vanessa Martin; tardará para aparecer uma turma de mestrado tão boa quanto
esta. Guardem bem estes nomes, são estes os futuros planejadores da América Latina.
Aos amigos e amigas de longa data; sem os quais este mundo seria ainda mais sem
graça.
Aos valorosos companheiros de luta, a despeito da tragédia em que se transformou este
planeta, com uma utopia nas mãos, ainda sonham, ainda tentam, ainda estudam, ainda
trabalham, ainda transformam, ainda lutam.
Aos meus pais e familiares; a quem devo boa parte do que sou.
À minha companheira, Ana Carolina, que justifica toda a beleza existente na Terra.
Não temos nada a perder!
Temos um mundo a ganhar!
K. Marx & F. Engels
RESUMO
A presente dissertação possui como objetivo central entender as mudanças institucionais e
espaciais na geografia do setor elétrico brasileiro (SEB) a partir dos processos de privatização
que afetaram o setor em meados da década de 1990 e, além disso, compará-la com períodos
históricos anteriores. Nesta pesquisa, a história do setor elétrico foi dividida em quatro
períodos (1930-45, 1946-62, 1963-1989 e 1990 em diante). Em cada um dos períodos, o
trabalho apresenta o contexto em que se insere o SEB, assim como a distribuição geográfica
das unidades geradoras, o crescimento da capacidade instalada, as principais empresas no
campo da distribuição e geração e as lógicas que se encontram por trás deste arranjo espacial.
Na segunda parte, discute as mudanças institucionais que chegaram ao SEB na década de
1990 e assinala o contexto em que tais mudanças ocorreram, a crescente influência do
pensamento liberal (neoclássico) na economia do país e algumas das conseqüências para o
país. Em seguida, apresenta a trajetória do setor a partir do crescimento da presença do capital
privado e do avanço do projeto neoliberal. Destaca a distribuição espacial dos principais
investimentos em geração de eletricidade e analisa o novo arranjo espacial da expansão
elétrica do país. E ainda, indaga o que há de novo e o que há de permanência na geografia do
setor elétrico brasileiro, no que diz respeito aos segmentos de geração e distribuição. Na
conclusão, propõe que o setor elétrico brasileiro se constituiu em um novo modelo e que
possui algumas características centrais: a emergência das parcerias público e privadas como
modelo de expansão do setor; a decisiva participação do BNDES como principal agente
financeiro do setor elétrico; as transformações no segmento de distribuição e geração, com
alteração do perfil dos agentes do setor, da participação estatal, da área de concessão e as
estratégias espaciais das empresas privadas.
Palavras-chave: Setor Elétrico. Privatização. Geografia.
ABSTRACT
This work has as main objective to understand the institutional and spatial changes in the
geography of the Brazilian Electric Sector (BES), since the privatization processes that
affected the sector in the mid-1990s, and also compare it with earlier historical periods. In this
research, the history of the electricity sector was divided into four periods (1930-45, 1946-62,
1963-1989 and 1990 onwards). In each period, the paper presents the context that includes the
BES and the geographical distribution of electric generation units, the growth of generation
capacity, the main agents of electricity distribution and generation and the logic that lie
behind this spatial arrangement. The second part discusses the institutional changes that have
come to BES in the 1990s and notes the context in which such changes occurred, the growing
influence of liberal thought (neoclassical) in Brazilian economy and some of the
consequences for the country. It then displays the trajectory of the eletric sector since the
growing presence of private capital and the advancement of the neoliberal project. It
highlights the spatial distribution of major investments in electricity generation and examines
the new spatial arrangement of the Brazilian electric expansion. And it asks what's new and
what's remaining in the geography of the BES, within the segments of generation and
distribution. In conclusion, it suggests that the BES has built a new model and has some core
characteristics: the emergence of public and private partnership as a model for electric sector
expansion, the decisive participation of the BNDES (Social and Economic Development
Bank) as the main financial agent of the electric sector, the changes in the segment of
distribution and generation, by changing the profile of the agents in the sector, the share of
government, the concession area and the spatial strategies of private companies.
Keywords: Electric Sector. Privatization. Geography.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Pág.
1.1. Localização dos investimentos em geração do grupo Light no Brasil. 1930-1945. -
35
1.2. Localização dos investimentos em geração por iniciativa estatal. 1930-1945. ------
36
1.3. Principais investimentos em geração de eletricidade (conclusão ou ampliação de
unidades já existentes), no Brasil. 1930-1945. ------------------------------------------------
37
1.4. Mapa do Plano Nacional de Eletrificação, 1954. ----------------------------------------
44
1.5. Principais investimentos em geração de eletricidade (conclusão ou ampliação de
unidades já existentes). 1945-1962. -------------------------------------------------------------
52
1.6. Concessionárias estaduais de energia elétrica. 1989. ------------------------------------
55
1.7. Interligação dos sistemas elétricos do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. --
58
1.8. Distribuição das empresas subsidiárias regionais. 1973 e 1989. -----------------------
64
1.9. Distribuição espacial dos principais investimentos em geração de energia. 1962-
66
1989. ------------------------------------------------------------------------------------------------2.1. Lucro das principais distribuidoras e da geradora Tractebel ---------------------------
93
3.1. Principais investimentos em geração de eletricidade (conclusão ou ampliação de
unidades já existentes). 1990-2006. -------------------------------------------------------------
105
3.2. Área de concessão aproximada das distribuidoras de eletricidade, por grupo
empresarial controlador. 2006. ------------------------------------------------------------------
110
3.3. Evolução da concentração das usinas hidrelétricas. 1950 e 2000. ---------------------
116
3.4. Distribuição espacial das usinas (potência maior que 30 MW) das empresas
geradoras de eletricidade de maior capacidade instalada.
-----------------------------------
121
4.1. Localização das PCHs e das UHEs. -------------------------------------------------------
125
4.2. Sistema interligado. 2007. ------------------------------------------------------------------- 126
4.3. Sistemas isolados, outubro 2003. ----------------------------------------------------------
126
GRÁFICOS
3.1. Evolução da capacidade instalada (MW) brasileira. 1930-2006. ----------------------
100
3.2. Crescimento percentual (por quadriênio) da capacidade instalada. 1930-2006. ----- 100
LISTA DE TABELAS
Pág.
1.1. Evolução da capacidade instalada do Grupo Light e a sua participação percentual.
1910 - 1960. ---------------------------------------------------------------------------------------
30
1.2. Crescimento cumulativo da capacidade instalada. 1900-1945. ------------------------
32
1.3. Evolução da capacidade instalada. 1930-1945. ------------------------------------------
33
1.4. Evolução da capacidade instalada e do consumo de energia elétrica. 1930-1939. -
34
1.5. Composição percentual da capacidade geradora instalada por categoria de
propriedade. 1953-1964. -------------------------------------------------------------------------
39
1.6. Empresas estaduais de energia elétrica e ano de criação respectivo. -----------------
43
1.7. Evolução da capacidade instalada no Brasil. 1945-1962. ------------------------------
47
1.8. Evolução da capacidade instalada por agente gerador. 1952-1962. ------------------
48
1.9. Evolução da capacidade instalada no Brasil. 1963-1989. ------------------------------
60
2.1. Concessionárias de energia elétrica privatizadas. 1995-2000. -------------------------
85
2.2. Investimentos no setor elétrico (% do PIB), no Brasil. 1970-1997. ------------------
89
2.3. Evolução dos investimentos do setor elétrico, em R$ milhões. 2001-2005. ---------
91
2.4. Lucro líquido (R$ milhares) das principais empresas do setor elétrico. 2007-2008.-
93
3.1. Capacidade instalada das maiores empresas geradoras, em 1990. --------------------
98
3.2. Evolução da capacidade instalada no Brasil. 1990-2006. ------------------------------
99
3.3. Capacidade instalada das maiores empresas geradoras, em 2000. --------------------
105
3.4. Operações aprovadas pelo BNDES, entre 2003 e junho de 2008. --------------------
107
3.5. Distribuição de energia elétrica por concessionária e por grupo controlador, 2006. -
113
3.6. Principais empresas distribuidoras de energia, segundo área de concessão,
população e distribuição de eletricidade. ------------------------------------------------------
114
4.1. Parcerias público-privadas em empreendimentos hidrelétricos. 1998-2006. --------
128
4.2. Projetos hidrelétricos financiados pelo BNDES. 2003-2008. -------------------------
129
4.3. Prazo de concessão de usinas por empresa. ----------------------------------------------
131
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES
ABRADEE
ABRACE
ABRAGE
ACEE
AMFORP
ANACE
ANEEL
BELSA
BNDE
BNDES
CBA
CCEE
CCON
CEA
CEAL
CEAM
CEEE
CELB
CELESC
CELF
CELG
CELPA
CELPE
CELTINS
CELUSA
CEMAR
CEMAT
CEMIG
CEPISA
CER
CERJ
CERON
CESP
CFLCL
CFLP
CGTEE
CHERP
CHESF
CHEVAP
CMM
CNAEE
CNI
COELBA
COELCE
COHEBE
COMEPA
CONESP
Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica
Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais
Associação Brasileira das Geradoras de Energia Elétrica
Associação das Construtoras de Centrais Energéticas
American Foreign Power Company
Associação Nacional dos Consumidores de Energia
Agência Nacional de Energia Elétrica
Bandeirantes de Eletricidade (SP)
Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico
Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social
Companhia Brasileira de Alumínio (Votorantim)
Câmara de Comercialização de Energia Elétrica
Comitê Coordenador de Operações do Norte-Nordeste
Centrais Elétricas do Amapá
Centrais Elétricas de Alagoas
Centrais Elétricas do Amazonas
Comissão Nacional de Energia Elétrica (RS)
Centrais Elétricas da Borborema (PB)
Companhia de Eletricidade de Santa Catarina
Centrais Elétricas Fluminense
Centrais Elétricas de Goiás
Centrais Elétricas do Pará
Centrais Elétricas de Pernambuco
Centrais Elétricas do Tocantins
Centrais Elétricas de Urubupungá (SP)
Centrais Elétricas do Maranhão
Centrais Elétricas de Mato Grosso
Centrais Elétricas de Minas Gerais
Centrais Elétricas do Piauí
Centrais Elétricas de Roraima
Centrais Elétricas do Rio de Janeiro
Centrais Elétricas de Rondônia
Centrais Elétricas de São Paulo
Companhia Força e Luz Cataguazes-Leopoldina
Companhia de Força e Luz Paranaense
Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (RS)
Companhia Hidrelétrica do Rio Pardo (SP)
Companhia Hidrelétrica do São Francisco
Companhia Hidrelétrica do Vale do Paraíba (SP)
Companhia Mineira de Metais (Votorantim)
Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica
Confederação Nacional da Indústria
Companhia de Eletricidade da Bahia
Companhia de Eletricidade do Ceará
Companhia Hidrelétrica de Boa Esperança
Companhia Melhoramentos de Paraibuna (SP)
Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviço
Público
COPEL
COSERN
CPFL
CSN
CVRD
DNAEE
DNPM
EDF
EEVP
EFE
ELETROBRÁS
ELETRONORTE
ELETRONUCLEAR
ELETROSUL
ENERGIPE
ENERSUL
EPE
ESCELSA
FFE
FMI
GCOI
GERASUL
GPI
IGP-M
IPCA
IUEE
JK
LIGHT
MAE
MME
MP
MW
NUCLEBRÁS
OCDE
ONS
PCH
PEPE
PIB
PIE
PND
PNE
PPE
RE-SEB
RME
SAELPA
SEB
SIESE
SIGEL
SIN
Companhia Paranaense de Eletricidade
Companhia Energética do Rio Grande do Norte
Companhia Paulista de Força e Luz
Companhia Siderúrgica Nacional
Companhia Vale do Rio Doce
Departamento de Águas e Energia Elétrica
Departamento Nacional de Produção Mineral
Eletricitè de France
Empresa de Eletricidade do Vale do Paranapanema
Empresa Fluminense de Energia
Centrais Elétricas Brasileiras
Centrais Elétricas do Norte do Brasil
Centrais Elétricas Nucleares
Centrais Elétricas do Sul do Brasil
Empresa Energética de Sergipe
Empresa Enérgica de Mato Grosso do Sul
Empresa de Pesquisa Energética
Espírito Santo Centrais Elétricas
Fundo Federal de Eletrificação
Fundo Monetário Internacional
Grupo Coordenador para a Operação Interligada
Centrais Geradoras do Sul do País
Grandes Projetos de Investimentos
Índice Geral de Preços do Mercado
Índice de Preços ao Consumidor Amplo
Imposto Único sobre Energia Elétrica
Juscelino Kubitschek
Brazilian Traction, Light and Power Company
Mercado Atacadista de Energia
Ministério de Minas e Energia
Medida Provisória
Mega Watt
Empresas Nucleares Brasileiras
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
Operador Nacional do Sistema Elétrico
Pequena Central Hidrelétrica
Programa de Estímulo às Privatizações Estaduais
Produto Interno Bruto
Produtores Independentes de Energia
Plano Nacional de Desestatização
Plano Nacional de Eletrificação
Programa Prioritário de Energia
Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro
Rio Minas Energia
Sociedade Anônima de Eletrificação da Paraíba
Setor Elétrico Brasileiro
Sistema de Informações Estatísticas do Setor Elétrico
Sistema de Informações Geo-Referenciadas do Setor Elétrico
Sistema Interligado Nacional
SINTREL
SOTELCA
TERMOCHAR
UHE
USELPA
UTE
Sistema Nacional de Transmissão de Energia Elétrica
Sociedade Termelétrica do Capivari
Termelétrica de Charqueadas
Usina Hidrelétrica
Usinas Elétricas do Paranapanema
Usina Termelétrica
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Pág.
15
INTRODUÇÃO
16
CAPÍTULO 1. DO OLIGOPÓLIO À ESTATIZAÇÃO (1930-1989) --------------1.1. A HEGEMONIA DO OLIGOPÓLIO PRIVADO ESTRANGEIRO (1930-1945)
1.1.1. Distribuição espacial dos investimentos em geração ---------------------------1.2. O SETOR ELÉTRICO ANTES DA ELETROBRÁS E O AVANÇO DA
ESTATIZAÇÃO (1945-1962) ----------------------------------------------------------------1.2.1. Distribuição espacial dos investimentos em geração ---------------------------1.3. A AFIRMAÇÃO DO MODELO ESTATAL NO SETOR ELÉTRICO (19621989) ---------------------------------------------------------------------------------------------1.3.1. A interligação do sistema ------------------------------------------------------------1.3.2. A expansão do setor elétrico no modelo estatal de grandes barragens -----1.3.3. Distribuição espacial dos investimentos em geração ----------------------------
26
27
34
CAPÍTULO 2. A PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO ---------------------2.1. O ESTADO NEOLIBERAL NA TEORIA: O NEOLIBERALISMO COMO
DISCURSO -------------------------------------------------------------------------------------2.2. O NEOLIBERALISMO NA PRÁTICA -----------------------------------------------2.3. O NEOLIBERALISMO NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO -----------------2.4. LUCRATIVIDADE DAS EMPRESAS DO SETOR ELÉTRICO -----------------CAPÍTULO 3. O ARRANJO ESPACIAL DO SETOR ELÉTRICO PÓSPRIVATIZAÇÃO -----------------------------------------------------------------------------3.1. A EXPANSÃO DO SETOR ELÉTRICO ENTRE 1990 E 2006: A TRANSIÇÃO
PARA UM MODELO DE MERCADO ----------------------------------------------------3.2. DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS INVESTIMENTOS EM GERAÇÃO -------3.3. O PAPEL DO BNDES -------------------------------------------------------------------3.4. O NOVO ARRANJO ESPACIAL DAS CONCESSIONÁRIAS DE
DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA NO CONTEXTO DA PRIVATIZAÇÃO ----------3.5. O MAPA DAS EMPRESAS DE GERAÇÃO DE ELETRICIDADE NO PÓSPRIVATIZAÇÃO -------------------------------------------------------------------------------
38
49
53
56
60
61
69
70
74
77
92
96
97
102
106
109
115
CAPÍTULO 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS --------------------------------------------
123
REFERÊNCIAS --------------------------------------------------------------------------------
132
ANEXOS -----------------------------------------------------------------------------------------
137
15
APRESENTAÇÃO
A dissertação a ser apresentada faz parte do projeto de pesquisa Setor Elétrico,
Território, Meio Ambiente e Conflito Social (SETMACS), vinculado ao laboratório Estado,
Trabalho, Território e Natureza (ETTERN), coordenado pelos Profs. Carlos Vainer e Henri
Acselrad, sediado no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR), da
Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ).
O autor deste trabalho participa do grupo de pesquisa desde meados de 2004 quando
ingressou na condição de graduando em geografia e bolsista de iniciação científica do CNPq.
O resultado foi uma monografia de conclusão de curso, finalizada em 2005, que trata da
relação entre o território e a população ameaçada pelo projeto de construção da barragem de
Itaocara (RJ). A investigação iniciada na graduação prosseguiu no curso de especialização
"Planejamento e uso do solo urbano", no IPPUR/ UFRJ, que culminou no artigo sobre a luta
das populações quilombolas e ribeirinhas contra as barragens no vale do Ribeira do Iguape
(SP/PR), defendida no final de 2006.
Assim, ao longo do curso de mestrado em Planejamento Urbano e Regional,
novamente bolsista do CNPq, pesquisou o "outro lado", os "adversários" dos atingidos pelas
barragens, o lado de quem opera, planeja, constrói, investe na indústria da eletricidade e,
portanto, comanda o setor elétrico brasileiro; são elas: as instituições estatais de planejamento,
pesquisa e gerenciamento, empresas geradoras, transmissoras e distribuidoras, privadas e
estatais, os agentes financeiros, as empreiteiras, dentre outras. Apesar de ser um trabalho
individual, cuja responsabilidade por quaisquer equívocos, lacunas e imprecisões é
inteiramente do autor, o mesmo recebeu o aporte de conclusões, discussões e reflexões
coletivas, através do contato cotidiano com diversos pesquisadores do ETTERN das mais
diversas formações acadêmicas e políticas.
16
INTRODUÇÃO
1. Aproximação ao tema
Em Vainer e Araújo (1992, p. 10), se define o Setor Elétrico Brasileiro (SEB) como
sendo o conjunto das empresas responsáveis pela produção, transmissão e distribuição de
energia elétrica em todo território nacional. No momento em que estes autores escreviam, a
predominância das empresas estatais era marcante. Os tempos mudaram desde então, muitos
agentes do SEB surgiram no cenário nacional, outros desapareceram. As empresas que
permaneceram, algumas tiveram suas funções mudadas, sobretudo a Eletrobrás. Desta
maneira, já que o contexto em que se insere o SEB não é o mesmo, é possível atualizar a
definição de Setor Elétrico e incorporar novos agentes ao conjunto que o compõem. Durante
todo o século anterior e no início deste, assumem cada vez mais importância os agentes
financiadores dos empreendimentos do SEB, em particular o BNDES nos últimos anos, mas
também os fundos de investimentos nacionais e internacionais. Também é justa a
incorporação ao SEB, as empresas recentemente criadas a partir do desmembramento de
departamentos até então internos à Eletrobrás ou ao Ministério de Minas e Energia (MME),
no período da implementação do modelo privado, como por exemplo: o ONS, a EPE, a
CCEE, a ANEEL, etc; órgãos governamentais que agem no sentido de fiscalizar,
regulamentar, planejar e operar o setor. Com o Setor Elétrico cada vez internacionalizado e
inserido em um mercado mundial de energia, é possível acrescentar a participação de
empresas de atuação em escala global, sediadas nos países centrais, tais como o grupo francobelga Suez, as norte-americanas AES, Duke e Enron, a espanhola Iberdrola e a portuguesa
EDP, que investem, financiam, geram, vendem, compram e distribuem energia no território
brasileiro.
Em outra passagem, Vainer e Araújo defendem que uma das características basilares
do desenvolvimento capitalista é o seu caráter concentrador e excludente. Sustentam que, "ao
mesmo tempo em que está permanentemente incorporando novos setores e esferas da vida
econômica, o capital, em sua incessante acumulação, concentra e centraliza os meios de
produção e de controle da vida social". A partir desta característica intrínseca ao modo de
produção capitalista, é possível perceber que esta tendência também possui um rebatimento
no espaço, isto é, há uma expressão espacial que se manifesta de maneira igualmente
concentradora (VAINER e ARAÚJO, 1992, p. 13).
17
O caso específico do capitalismo à brasileira, com suas particularidades, não se
apresenta de modo diferente. Basta visualizar a maneira espacialmente concentradora de
como se deu a urbanização e a industrialização do país. Os investimentos em infraestrutura
(rodovias, ferrovias, portos, fornecimento e geração de energia elétrica, redes de
telecomunicação), ao longo de todo século XX, estiveram concentrados no Sul e Sudeste do
país, e em menor medida, em parte do Centro-Oeste e Nordeste. Para dar razão a estes
argumentos, poderiam ser apresentados os dados estatísticos oficiais de concentração
demográfica, industrial, agropecuária e também de consumo de eletricidade que, no entanto,
serão dispensados para não alongar esta introdução demasiadamente1.
Na ótica de Vainer, os Grandes Projetos de Investimentos (GPI); nos setores mínerometalúrgicos, petroquímicos, energéticos e viários; reconfiguraram o território nacional desde
a metade do século XX, principalmente no último quarto. Para o autor, "o território ia se
configurando conforme decisões tomadas em grandes agências setoriais", assim,
"redesenhavam o território regional, trazendo à vida novas regiões e novas regionalizações"
(VAINER, 2007, p. 11). De acordo com Vainer e Araújo (1992), a idéia de GPI, apesar de sua
imprecisão, busca "caracterizar os projetos que mobilizam em grande intensidade elementos
como capital, força de trabalho, recursos naturais, energia e território" (VAINER e ARAÚJO,
1992, p. 29). Os GPIs "representam um formato particular de apropriação e controle do
território que se impõe e consolida com a integração do mercado nacional sob a égide do
capital industrial-financeiro do sudeste", pois expressam, ao mesmo tempo em que reforçam,
a concentração espacial da riqueza e a concentração do poder de decisão em alguns poucos
centros nacionais (VAINER e ARAÚJO, 1992, p. 70).
As grandes usinas hidrelétricas brasileiras, base de todo o sistema elétrico, são bons
exemplos de GPIs2, já que grandes extensões do território, bacias hidrográficas inteiras e
vastas regiões são compreendidas como "jazidas energéticas", e além do mais, são grandes os
volumes de capital empregado. As grandes barragens são empreendimentos que se apropriam
de recursos naturais e humanos em determinados pontos do território, sob a lógica de mercado
e dos ganhos em rentabilidade, que atendem a decisões tomadas em espaços externos aonde se
dá o empreendimento, constituindo-se em enclaves territoriais.
1
A hegemonia assim se manifesta se consolida nos marcos de um mercado nacional integrado e de uma divisão
inter-regional do trabalho sobre-determinados pelo setor industrial-financeiro, cuja sede, por excelência, é a
cidade de São Paulo (VAINER e ARAÚJO, 1992, p. 15).
2
"As grandes hidrelétricas constituem - por sua dimensão, natureza, modo de implantação, objetivos - um caso
típico de GPI. Sua multiplicação, a partir dos anos 60 e 70, consolida uma política nacional de exploração
energética de recursos hídricos marcada por duas características principais: absoluto predomínio do Estado como
agente empreendedor e afirmação das unidades de grande porte como sustentáculo essencial do planejamento e
expansão do sistema de geração de eletricidade" (VAINER e ARAÚJO, 1992, p. 51).
18
Mesmo quando os GPIs se localizam distantes dos grandes centros industriais, isso
não remonta a uma preocupação de combater desigualdades regionais. Interessante a
formulação de Vainer e Araújo (1992, p. 48) a esse respeito, a localização dos megaempreendimentos em espaços periféricos "expressa (...) a tendência à apropriação e
mobilização produtiva de recursos naturais em benefício de circuitos de acumulação que (...)
têm a sua lógica, dinâmica e comando determinados nos centros nacionais e internacionais",
portanto, exógenos às dinâmicas locais ou regionais. Assim, os GPIs se constituem uma forma
muito particular de integração nacional, enclaves territoriais, um importante fator de
fragmentação territorial.
Ao final, Vainer conclui que:
os GPIs são uma forma de organização territorial que a tudo se sobrepõe,
fragmentando o território e instaurando circunscrições e distritos que, no limite,
configuram verdadeiros enclaves. Por esta razão é possível afirmar que estes
constituem, quase sempre, importantes vetores do processo de fragmentação do
território. Ademais, hoje seu potencial estruturador reafirma a privatização de
nossos recursos territoriais e reforça tendências ao enclave e à fragmentação
(VAINER, 2007, p. 12).
No que tange especificamente à história do SEB, nas últimas duas décadas, o conjunto
de medidas institucionais, que se traduziu na sua reestruturação e na privatização de
importante parcela da indústria da eletricidade, promoveu uma reconfiguração territorial dos
agentes responsáveis pela geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Inicialmente
concebida como uma empresa pública de escala nacional, cuja tarefa central seria a
responsabilidade pelo planejamento setorial, além da realização de pesquisas e projetos, a
coordenação da implementação e operação de usinas geradoras e linhas de transmissão de
energia elétrica, acompanhamento do sistema interligado, a Eletrobrás, principal agente do
setor elétrico, viu o seu papel e sua atuação se transformar nos diversos contextos econômicos
e políticos por qual passou o Brasil. As transformações pelas quais passaram o setor elétrico
foram resultados de embates e disputas políticas em torno da concepção de Estado-nacional e
da amplitude de sua atuação no setor.
Essas transformações podem ser muito bem observadas quando se estuda a história do
setor elétrico desde o seu princípio até os dias de hoje. O período posterior à revolução de 30
presenciou a consolidação de uma estrutura de oligopólio fundada em duas empresas
estrangeiras, as quais respondiam por mais da metade da geração e distribuição de energia
elétrica no país. Do ponto de vista de sua distribuição territorial, o SEB esteve constituído por
sistemas isolados, sem quaisquer interligações expressivas, concentrados no eixo Rio-São
Paulo e em algumas capitais brasileiras. O panorama começa a se inverter a partir de meados
19
da década de 40, com o fim da II Guerra Mundial e do fim do Estado Novo no Brasil. Este
cenário revela um período de transição para um setor elétrico na qual o Estado irá se constituir
no seu personagem central.
A Eletrobrás foi fundada no início dos anos 60, no entanto, seu aparecimento foi
apenas a coroação de uma tendência que podia ser verificada nos anos imediatamente
anteriores. Essa tendência seria a emergência do Estado como regulador e, até mesmo, como
produtor de energia. Contribuíram para isso a fragilidade que se encontravam as empresas
privadas estrangeiras e seu pouco empenho na ampliação da capacidade instalada do país,
além da crescente hegemonia do pensamento nacional-desenvolvimentista. Nas décadas de
60/ 70, a presença do Estado nacional no setor elétrico se fortaleceu ainda mais em razão do
acelerado período de crescimento econômico, chamado de 'milagre brasileiro', só
interrompido com a estagnação da economia ao longo dos anos 80. Neste quadro, a
distribuição espacial das unidades de geração de energia e das linhas de transmissão havia se
transformado. No decorrer do processo de estatização do setor elétrico, observou-se uma
expansão da fronteira elétrica em direção ao Centro-Oeste e ao Nordeste, e a conformação de
uma organização territorial baseada em dois grandes sistemas elétricos integrados: o CentroSul e o Nordeste/ Norte, com alguns pontos isolados no Norte do país.
Essa organização do setor elétrico brasileiro perdurou até o início dos anos 90, quando
se inicia o seu processo de reestruturação e de privatização de algumas empresas, tanto
federais quanto estaduais, principalmente no campo da distribuição, que acaba por se traduzir
num novo padrão espacial dos agentes do setor elétrico. O contexto econômico e político, que
marcou a década de 1990, se caracterizaram por um avanço da concepção neoliberal de
Estado, bem distinta da concepção nacional-desenvolvimentista que marcaram as décadas
anteriores. O jogo político e econômico e as disputas por modelos de desenvolvimento
nacional se refletiram nas marcantes transformações na economia brasileira ao longo dos anos
90, dentre estas mudanças destaca-se as reformas que promoveram a desregulamentação do
Estado, a abertura comercial, a liberalização do fluxo de capitais e a redução da presença do
Estado na economia. A opção pelas reformas liberais, que está vinculada não só a mudanças e
disputas intra-nacionais, mas também a um panorama internacional que culminou na
orientação de diversos países, inclusive sul-americanos - e talvez o melhor exemplo seja o
caso chileno - a enveredarem pelas trilhas neoliberais, representou uma ruptura em relação às
políticas nacional-desenvolvimentistas que fomentaram o processo de industrialização do país
durante quase meio século, mediante grandes investimentos de base e na infra-estrutura.
20
A conjuntura nacional e internacional e a opção dos governos pós-militares, no
período chamado de 'redemocratização', conduziram a uma consolidação do pensamento
neoliberal também na organização do sistema elétrico brasileiro, de tal modo que no governo
Fernando Collor foi organizado o Plano Nacional de Desestatização - PND. O PND foi um
dos mais importantes mecanismos de ajuste econômico orientado pelas agências multilaterais
e implementado pelo Brasil na década de 1990. A opção pela trajetória orientada pelo
"Consenso de Washington" permanece durante os dois mandatos do governo Fernando
Henrique Cardoso, justamente no período de 1995 até 2002 se deram os principais passos em
direção a um modelo concorrencial sob hegemonia do capital privado. O governo que o
sucedeu, sob o mandato de Luís Inácio Lula da Silva, eleito com o apoio das forças de
oposição ao governo anterior, não só manteve o modelo de mercado apoiado nas chamadas
“parcerias público-privadas”, mas o aperfeiçoou de maneira a superar as crises energéticas do
início da década.
2. Algumas posturas analíticas
Ao estudar o setor elétrico brasileiro, percebe-se que o mesmo se encontra em
permanente movimento, pois em cada período histórico assume características particulares,
marcas que traduzem a correlação de forças que atuam sobre ele, na qual o embate entre os
múltiplos agentes envolvidos conduzem o setor. Para Henri Lefebvre, no pensamento vivo,
nenhuma afirmação é indiscutível e inteiramente verdadeira, tampouco inteiramente falsa. O
autor, ao parafrasear Hegel, afirma que "tudo é apenas vir-a-ser, só o vir-a-ser é real. Tudo é
contraditório; todo pensamento avança graças às contradições que contém, examina e supera"
(LELEBVRE, 1995, p. 173). É possível observar o objeto da dissertação da mesma forma. O
setor elétrico é também um “vir-a-ser”, guarda características daquilo que já foi
anteriormente, porém antecipa algumas do que será no futuro.
Na teoria do conhecimento de Lefebvre, "o sujeito (o pensamento, o homem que
conhece) e o objeto (as coisas a serem conhecidas) agem e reagem continuamente um sobre o
outro". Portanto, o sujeito age sobre as coisas, as explora, as experimenta; elas resistem ou
cedem à ação do sujeito, revelam-se; em perpétua interação. O autor entende que "essa
interação será expressa por nós com uma palavra que designa a relação entre os dois
elementos opostos e, não obstante, partes de um todo, como numa discussão ou num diálogo;
diremos, por definição, que se trata de uma interação dialética" (LEFEVBRE, 1995, p. 49).
21
Ao longo desta dissertação, buscar-se-á sempre analisar os elementos do setor elétrico
vinculados ao contexto em que estão inseridos. Neste sentido, Lefebvre corrobora esta
posição ao afirmar que "nada é isolado. Isolar um fato, um fenômeno, e depois conservá-lo
pelo entendimento nesse isolamento, é privá-lo de sentido, de explicação, de conteúdo. É
imobilizá-lo artificialmente, matá-lo" (LEFEBVRE, 1995, p. p. 238). Assim, de alguma
maneira, os recortes temporais tratados nesta pesquisa sempre serão precedidos de uma
aproximação ao ambiente político e sócio-econômico.
Se esta dissertação se propõe a uma tarefa bem abrangente, isto é, compreender a
"geografia do setor elétrico brasileiro" pós-privatização e, ainda, compará-la com "geografias"
em períodos históricos anteriores, cabe, portanto, mostrar o que se entende por uma
"geografia” de um fenômeno qualquer. O que se quer dizer quando se examina, por exemplo,
a "geografia da indústria", "da migração", "da urbanização", etc.
Mesmo dentre os pesquisadores da epistemologia da geografia não se encontra muito
consenso sobre o seria uma geografia propriamente dita, tampouco uma definição única.
Gomes percebe que os estudiosos da história da geografia, deparam-se com "questões
relativas à natureza do conhecimento geográfico, sobre seu objeto, seus métodos, os limites, o
alcance e a importância deste conhecimento", cujo debate tem despertado um incômodo
dentre os geógrafos, já que "pairam reiteradas dúvidas que afetam seu reconhecimento, sua
legitimidade e sua importância" (GOMES, 1997, p. 13).
Há muitas correntes de pensamento no interior desta ciência, algumas vezes
complementares, em outras, antagônicas. Esta ciência passou por diversos períodos históricos,
cada um deles conduziu a geografia por caminhos com características distintas e naturezas
diversas. Não poderia ser diferente, nem é uma particularidade exclusiva da geografia, todas
as ciências se transformaram ao longo dos séculos e continuam a se transformar. Esse "olhar
para dentro" pode ser visto como algo de positivo, os sucessivos debates a respeito de sua
epistemologia,
teoria
e
metodologia
não
engessou
a
geografia,
pelo
contrário,
permanentemente tem contribuído com a sua reflexão sobre a sociedade.
Em outra passagem, Gomes chama a atenção que o saber geográfico, "visto como esta
descrição da ordem do mundo, que se tem uma identidade historicamente fundamentada, não
se resume ao inventário das coisas sobre o espaço", portanto, a simples distribuição espacial
dos objetos e dos fenômenos não se constitui, por si só, o conhecimento geográfico. Segundo
Gomes, "a questão geográfica por excelência" é a "ordem espacial das coisas", em outras
palavras, a geografia busca entender a coerência, "a lógica do arranjo espacial" dos
fenômenos (GOMES, 1997, p. 35-36). Longe de apenas descrever ou localizar, procura-se
22
examinar o porquê das disposições dos objetos no espaço. Há uma razão para as coisas
estarem distribuídos da maneira que se encontram, desvendar esta razão, "o princípio de
coerência dentro da ordem espacial" seria, segundo Gomes, o cerne da geografia.
A partir destas ponderações, ainda que de maneira simplificada, é possível afirmar que
esta dissertação pretende compreender a nova geografia do setor elétrico, encontrar as
explicações que estão por trás do arranjo espacial das usinas, das empresas, das distribuidoras,
das instituições governamentais. Entender o que mudou e o que permaneceu nesta geografia a
partir dos processos de privatização. Certamente, a pesquisa não dará conta de tudo, cada
segmento do setor elétrico já merecia um exame particular sobre a sua geografia. Ao final da
dissertação, talvez fique a sensação que muita coisa ficou de fora. O que ficou do lado de
dentro, entretanto, espera-se que traga algumas contribuições para o entendimento sobre a
privatização e o novo padrão do setor elétrico brasileiro.
3. O objeto e os objetivos
Ao fim das curtas passagens acima que tiveram por objetivo apenas aproximar-se ao
tema e situar o objeto de estudo numa problemática mais ampla, assim, passa-se a algumas
questões acerca da pesquisa. A relevância desta dissertação se deve à contribuição na
compreensão dos processos espaciais decorrentes das transformações que atingiram o SEB
nas últimas duas décadas. O objeto de estudo da mesma é a nova geografia do setor elétrico
brasileiro. Em outras palavras, há no Brasil uma rede razoavelmente integrada de usinas
geradoras, linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica. A territorialização do setor
elétrico pela qual passou desde o seu princípio expressa a pensamento econômico e político
de sua época, portanto há uma geografia do setor, que se transformou e vem se transformando
ao longo de toda a história da energia no Brasil. Compreender esta geografia que vem se
constituindo posterior às transformações da década de 1990 e compará-las com contextos
anteriores é a questão central do trabalho.
Bem no princípio da estruturação do setor elétrico, as principais unidades de geração,
transmissão e distribuição de energia elétrica estavam concentradas no Centro-Sul do Brasil,
em primeiro lugar, em razão desta região proporcionar boas condições para aproveitamentos
hidrelétricos. Uma outra razão para esta concentração, todavia, pode ser atribuída às maiores
taxas de urbanização e industrialização e volumes mais significativos de consumo de energia.
Isso representa um processo de territorialização do setor, uma geografia que começava a se
estabelecer. Com a expansão da geração e do consumo da energia elétrica, a territorialização
23
do setor também se transforma e acompanha as mudanças de conjuntura e os interesses dos
maiores consumidores.
Essa territorialização do setor dos anos 60 até os anos 90 revelava o modelo nacionaldesenvolvimentista dominante, com forte presença do Estado e que pode ser verificado pela
atuação das empresas estatais. As concessionárias subsidiárias da Eletrobrás eram marcadas
pela atuação estritas no seu recorte espacial, assim como as empresas sob controle dos
governos estaduais. Após a reestruturação do setor elétrico há uma nova lógica de arranjo
espacial dos seus agentes, o que se deseja estudar aqui é: qual é a nova geografia do setor
elétrico brasileiro? O que ela expressa em termos de apropriação, controle e uso de recursos?
Assim, o objeto de estudo desta pesquisa é a reconfiguração territorial do setor elétrico
brasileiro. Antes dos processos de privatização das empresas do setor elétrico, havia uma
coerência de espacialização dos agentes que foi transformada em cada contexto histórico;
busca-se, portanto, compreender esse novo padrão espacial. Em outras palavras, mapear os
agentes e investigar se há uma tendência de concentração por parte destas em determinadas
porções do território brasileiro, se há uma tendência de empresas de determinados ramos da
economia em investirem na geração de energia em determinadas regiões.
4. Metodologia
O trabalho foi apoiado em diversas fontes bibliográficas. Em cada período histórico,
de maneira a servir como uma aproximação ao contexto social, político e econômico, foi
realizada uma revisão de algumas referências bibliográficas disponíveis acerca do recorte
temporal pesquisado. Assim, as conjunturas da revolução de 30, do Estado Novo, do
nacional-desenvolvimentismo e das reformas neoliberais foram baseadas em estudos de
alguns autores. O mesmo foi realizado para compreender a história do setor elétrico.
Também foram pesquisados documentos governamentais: livros, artigos, projetos e
planos, leis, relatórios, e, principalmente, a obra publicada pelo Centro da Memória da
Eletricidade, que reúne diversos documentos, dados estatísticos e informações oficiais sobre a
história da eletricidade no país.
O campo de investigação sobre o setor elétrico brasileiro tem despertado, há várias
décadas, o interesse de diversos profissionais, pesquisadores, acadêmicos e estudantes. Por
esta razão, há um sem-número de materiais de pesquisa, dissertações, teses, relatórios, artigos
publicados em periódicos sobre a temática, sua história, sua evolução recente. Assim, algumas
destas publicações acadêmicas também foram utilizadas.
24
Uma parcela significativa desta dissertação se apoiou em informações cartográficas,
portanto, algumas das análises sobre o SEB considerou os mapas elaborados especificamente
para esta investigação.
O trabalho também se serviu de pesquisas na internet e nos sítios eletrônicos
respectivos de cada uma das empresas investigadas, estatais e privadas, assim como das
instituições governamentais, na qual foram recolhidas informações financeiras, econômicas,
operacionais e estatísticas.
5. Estrutura narrativa
Para dar conta da tarefa de elaboração desta dissertação, a história do setor elétrico foi
dividida em quatro períodos: de 1930 até 1945, de 1946 até 1962, de 1963 até 1989, de 1989
até meados dos anos 2000. Em cada um dos períodos, se apresentará o contexto em que se
insere o SEB. Em seguida, será exposta a distribuição geográfica do setor elétrico, as unidades
geradoras construídas no período, o crescimento da capacidade instalada, as principais
empresas e também as lógicas que se encontram por trás deste arranjo espacial. Para tal, será
respondido em cada um dos capítulos a algumas perguntas. Quem são os agentes principais
do setor? Onde estão localizadas as suas atividades? Há algum padrão espacial de distribuição
das unidades de geração de energia (concentração, desconcentração e reconcentração)? De
que maneira se distribui as redes de transmissão de energia? Quais interligações foram
realizadas? O que essas informações dizem a respeito da apropriação dos recursos hídricos?
Qual é a proporção da participação das empresas privadas e das empresas estatais? O que há
de permanências e o que há de mudanças na geografia do setor em cada um dos períodos
estudados? Especificamente sobre o período pós-privatização, indagar-se-á quais são as
principais empresas nos segmentos de geração e distribuição, e se há alguma tendência de
"especialização" de certas empresas em determinadas bacias hidrográficas?
O primeiro capítulo desta dissertação conta a história do SEB, entre os anos de 1930 e
1989, a partir de sua dimensão espacial. Este capítulo trata do momento de transição entre
uma conjuntura de hegemonia das empresas privadas para outro momento de maior presença
do Estado. O capítulo se encontra sub-dividido em três partes: (a) no período 1930-45, se
coloca o contexto de hegemonia do oligopólio estrangeiro, em que boa parte dos
investimentos em energia elétrica esteve concentrada entre as duas maiores capitais do país e
no interior de São Paulo. (b) Entre 1945 e 1962, os crescentes problemas com o abastecimento
de energia, o avanço do pensamento nacionalista e a incapacidade (ou desinteresse) das
25
empresas privadas estrangeiras em sustentarem a expansão do parque gerador, as interligações
dos sistemas contribuem para o crescimento da participação estatal no setor, que culminou na
criação da Eletrobrás. Neste momento, se assistiu os primeiros passos do que iria se constituir
um modelo estatal para o setor. (c) Já o período 1962-89, o SEB presenciou a consolidação da
hegemonia estatal, neste contexto histórico, são realizadas as primeiras grandes interligações
no país, de tal maneira que na década de 70, já havia se configurado dois grandes sistemas
elétricos. Do ponto de vista da geração, foi o período de maior expansão da capacidade
instalada do país e houve um deslocamento da fronteira elétrica em direção ao Nordeste,
Norte e Centro-Oeste, na qual os novos investimentos estiveram localizados em bacias cujos
potenciais hidrelétricos não haviam sido explorados até então.
No segundo capítulo, serão discutidas as mudanças institucionais que chegaram ao
SEB na década de 1990. Cada mudança institucional será apresentada na sequência dos
governos que se sucederam: Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando H. Cardoso e Lula da
Silva. Assim sendo, o capítulo também apresentará o contexto em que tais mudanças
ocorreram, a crescente influência do pensamento liberal na economia do país e algumas das
consequências práticas para o país. Com o intuito de auxiliar na compreensão do significado
do neoliberalismo, do seu projeto de país e de suas características no setor elétrico, foram
introduzidas as contribuições teóricas de alguns autores que pesquisaram o tema.
Finalmente, no terceiro capítulo será apresentada a trajetória do setor a partir do
crescimento da presença do capital privado e do avanço do projeto neoliberal. Em primeiro
lugar, será destacada a distribuição espacial dos principais investimentos em geração de
eletricidade. Em seguida, se analisará o novo arranjo espacial da expansão elétrica do país.
Discutir-se-á o que há de novo e o que há de permanência na geografia da geração de
eletricidade. Também será destacado o novo papel assumido pelo BNDES como principal
agente financeiro do setor elétrico no processo de expansão. Na sequência, o segmento de
distribuição também será objeto de exame.
Nas considerações finais da dissertação, será realizada uma síntese de tudo o que foi
exposto e apresentada algumas conclusões.
26
CAPÍTULO 1
DO OLIGOPÓLIO À ESTATIZAÇÃO:
uma breve contextualização do setor elétrico brasileiro (1930-1989)
Introdução
O objetivo central deste capítulo é descrever o curso das transformações no mapa do
setor elétrico brasileiro quando foram dados os primeiros passos da participação estatal no
setor. Para cumprir esta tarefa é necessário apresentar um quadro da conjuntura que
caracterizava o SEB naquele momento. Também se busca entender a ampliação da
participação estatal na indústria elétrica, bem como as implicações espaciais deste processo.
O capítulo encontra-se dividido em três períodos históricos, a saber: 1930-1945, 19451962 e 1962-1989. Em cada um dos intervalos selecionados serão apresentados o contexto
econômico, social e político do período, assim como, as permanências e as transformações
institucionais. Também será realizado um esforço de mapear o setor elétrico brasileiro de
modo a buscar captar a lógica da distribuição espacial dos novos investimentos em geração,
das distribuidoras de energia e a atuação espacial das empresas.
Antes de mais nada, cabe explicar as razões que conduziram aos recortes temporais
propostos. Em primeiro lugar, já existe uma significativa produção bibliográfica que utiliza
essa periodização, por exemplo, a publicação da Memória da Eletricidade3, o que facilita a
consulta e o uso dessas fontes, assim como a utilização de gráficos e informações estatísticas.
Em segundo lugar, o ano de 1930 é marcado na historiografia brasileira pela ascensão do
projeto industrializante de Getúlio Vargas e o declínio da hegemonia do complexo cafeeiro.
Em decorrência do processo de industrialização e urbanização, o crescimento da demanda por
energia impactou o desenvolvimento energético do país. Da mesma forma, tanto 1945 quanto
1962, foram anos importantes no que diz respeito a marcos históricos fundamentais para o
setor elétrico. O ano de 1945 foi marcado pelo fim da II Guerra Mundial, que representou
uma perspectiva de retomada do crescimento para a economia mundial, e na escala nacional, a
queda do Estado Novo, que se traduziu numa nova marcha na política econômica brasileira,
com implicações para a indústria do setor. Por seu lado, 1962 foi o ano de fundação da estatal
Eletrobrás, talvez o principal marco simbólico do movimento de nacionalização do SEB,
3
Órgão ligado a Eletrobrás. CACHAPUZ (2006).
27
cujos desdobramentos têm impactos no setor até hoje. Além do mais, o intervalo 1945-1962
foi uma etapa de passagem de um modelo oligopolista, centrado em duas empresas
estrangeiras, para um modelo que teria o Estado nacional como protagonista. Por fim, o ano
de 1989, marcou o início das reformas neoliberais no Brasil e de reorientação do projeto de
desenvolvimento brasileiro.
1.1. A hegemonia do oligopólio privado estrangeiro (1930-1945)
As mudanças que ocorreram no setor elétrico na década de 1930 e no início da década
de 1940, em certa medida, foram decorrentes das transformações que a própria sociedade
brasileira estava vivendo naquele período. Os movimentos políticos desembocaram na
revolução de 30 e na chegada de Getúlio Vargas à presidência. A revolução de 30 foi
resultado e, simultaneamente, fator de aceleração da crise do regime político e da economia
hegemonizados pelo complexo cafeeiro. A depressão de 1929 e a nova situação internacional
acabariam abrindo os caminhos também do processo de industrialização e urbanização. O
período 1930-45 é, portanto, visto pela historiografia como marcado pela aceleração do
processo de industrialização e urbanização, com relevantes e amplas consequências para o
setor de energia elétrica nos anos seguintes. É a passagem rápida de um modelo de
desenvolvimento pautado pela economia agroexportadora, quase que exclusivamente
monocultora (café), em direção a outro modelo hegemonizado pela urbanização e
industrialização.
Particularmente, sobre a revolução de 30, é interessante mostrar a gradual substituição
do complexo cafeeiro para uma economia industrial. O Estado brasileiro pré-1930 foi definido
por Octavio Ianni (1977) como sendo um Estado oligárquico, condicionado pela economia
primária exportadora, cuja dependência à monocultura do café havia evidenciado uma série de
problemas estruturais e conjunturais. O que chama a atenção do autor no episódio em tela
foram as condições criadas para o progressivo desenvolvimento do Estado burguês e na
consequente derrota, ainda que parcial, do Estado oligárquico. No entendimento de Ianni, o
momento histórico contribuiu para instalar um processo de ruptura política, econômica e
cultural com o Estado oligárquico, além de solapar o arcabouço institucional jurídico-político
que o sustentava. O autor acrescenta ainda que durante toda década de 1930, a produção
industrial manteve um crescimento substancial, 60% superior no fim dos anos 30, tal
condição econômica permitiu a conversão do Estado oligárquico para o Estado burguês.
28
Celso Furtado (1959, p. 209) destaca que o germe da crise do café já poderia ser
observado no final do século anterior, já que o preço da saca caía ano após ano. A crise das
bolsas em 1929 somente veio confirmar a situação de vulnerabilidade em que se encontrava o
complexo cafeeiro nas primeiras décadas do século XX, e a economia brasileira, totalmente
tributária do desempenho econômico deste complexo. Segundo este entendimento, o declínio
da cultura do café estava condenado a existir independente da crise econômica, tendo tal
acontecimento, no entanto, acentuado o processo. Apesar do crescimento da produção entre
1925 e 1929, que dobrou no período, tal resultado não pode ser visto senão como decorrente
dos estímulos artificiais oferecidos pelo Estado, através da política de valorização do café.
Isso, não obstante, era expressiva a queda da lucratividade nos anos seguintes. Na ótica de
Lima (1984, p. 29), a crise da economia do café propiciou um conflito pela hegemonia no
plano político nacional. Após o golpe de 1930, iniciou-se uma etapa de transição, na qual
nenhuma fração de classe conseguiu se tornar hegemônica, sucedendo a oligarquia cafeeira.
Sônia Draibe enxerga o período de 1930-61 como o momento final do processo de
constituição do capitalismo no Brasil, uma etapa do desenvolvimento industrial caracterizado
pela transição, na medida em que "a crise de 29 culminou com a plena formação das bases
técnicas indispensáveis à autodeterminação da acumulação capitalista" (DRAIBE, 1985, p.
12). Na compreensão de Draibe, a partir da natureza social do Estado que emergiu após os
episódios da década de 1930, alguns pesquisadores cunham a noção de "Estado de
compromisso", caracterizada "pela ausência de hegemonia de qualquer um dos grupos
dominantes" e pelo exercício do "papel de árbitro entre estes interesses, respondendo por uma
solução de compromisso e equilíbrio" (DRAIBE, 1985, p. 21-27). O "Estado de
compromisso" teria fundado uma peculiar autonomia4, porém limitada, frente os interesses
dominantes, incapazes de assumir a direção política do processo de transformações sociais,
dadas as condições econômicas e a crise do Estado oligárquico e o campo instável de
relações, marcado por um caráter fragmentado5".
Na avaliação de Draibe (1985, p. 34), antes da crise do café já havia uma articulação
entre o complexo cafeeiro e o capital industrial, e mais do que isso, a economia cafeeira
carecia da expansão paralela de um setor industrial de bens de consumo, especialmente para
sustentar a reprodução da força de trabalho. Draibe conclui que a crise do café representou a
4
"A heterogeneidade e a incapacidade hegemônica das classes sociais fundaram a autonomia do Estado, as
correlações instáveis de forças definidas no campo da luta política demarcavam não apenas os limites em que
exerceria esta ação autônoma como o sentido que ela haveria de ter" (DRAIBE, 1985.p. 43).
5
"A política do Estado não feriu nem se afastou totalmente dos múltiplos interesses oligárquicos e agroexportadores; contemplou interesses imediatos dos setores médios e urbanos e da burguesia industrial e,
excluindo o campesinato, incorporou progressivamente os setores populares urbanos" (DRAIBE, 1985. p. 23).
29
possibilidade de se romper com a dependência aos humores dos mercados estrangeiros e às
exportações de produtos primários para os países centrais, e salienta que o domínio do capital
industrial, como novo eixo da acumulação capitalista, não aconteceu como um desenrolar
natural dos fatos, deduzido a partir das condições estruturais existentes (DRAIBE, 1985, p.
32).
Para os vitoriosos de 30, urgia a transformação da natureza do Estado descentralizado,
enraizado e comprometido com as oligarquias regionais. Seu programa apontava para um
Estado que estivesse acima dos interesses locais, em que as questões de Estado assumissem
um caráter claramente nacional.
O setor elétrico, por sua vez, não ficou imune às transformações em curso no país, pois
o crescimento industrial e os sucessivos incrementos nas taxas de urbanização influenciaram
na sua trajetória institucional nos anos ulteriores. O fato é que, de maneira cada vez mais
clara, o ritmo de crescimento da produção de energia elétrica vai ficar aquém do crescimento
da demanda. Em meados da década de 1940, já se vislumbrava um cenário de escassez de
energia.
O decreto do Código de Águas, de 1934, o instrumento jurídico que por mais de três
décadas estabelecerá o padrão de regulação estatal do setor elétrico, "consagrou o regime das
concessões e autorizações de aproveitamento de quedas d'águas para fins de hidreletricidade"
(CACHAPUZ, 2006, p. 109). Além de tornar patrimônio da União o potencial hidrelétrico,
entre outras medidas, o Código destinava o controle sobre as concessionárias de energia
elétrica ao poder central, por intermédio de fiscalização técnica e financeira. O Código
também excluía as empresas estrangeiras do processo de concessão, com exceção dos grupos
já em atividade no país (CACHAPUZ, 2006, p. 108). Lima (1984, p. 38) aponta que o perfil
centralizador do Código foi um reflexo da transição pela qual passava o Estado. Peiter
acrescenta ainda que o Código superpôs os 'interesses locais' com os 'interesses nacionais' e,
desta maneira, "os sistemas elétricos foram perdendo gradativamente o seu caráter
predominantemente local, para ganharem os espaços regionais" (PEITER, 1994, p. 18). No
período em foco, duas concessionárias estrangeiras, a Brazilian Traction, Light and Power
Company (Grupo Light), de procedência canadense, e o American Foreign Power (Grupo
Amforp), detinham o controle de quase todo o setor de produção e distribuição de energia
30
elétrica no Brasil. Foi justamente destes grupos que vieram os ataques mais duros contra o
Código de Águas6.
Os grupos estrangeiros, no início da história do setor elétrico brasileiro, tiveram um
papel de destaque na expansão da geração e distribuição de eletricidade. Esta tendência não
foi exclusiva ao Brasil, já que em boa parte da América Latina7, observaram-se tendências
parecidas. Como consequência direta, até a década de 1950, a evolução da capacidade
instalada caminhava segundo as decisões de investimento do capital estrangeiro (CASTRO,
1985, p. 34).
O Grupo Light atuava nas duas regiões mais urbanizadas e mais industrializadas do
país: São Paulo e Rio de Janeiro. Por esta razão, estava confrontado a pressões para uma
constante e intensa ampliação da capacidade produtiva. Do ponto de vista de sua distribuição
espacial, a Light consolidou dois complexos elétricos isolados, baseados em dois sistemas de
geração: Cubatão (SP) e Ribeirão das Lages (RJ). A expansão da capacidade instalada durante
algumas décadas foi baseada na ampliação das unidades geradoras já existentes, mantendo-se
próximas aos centros consumidores, o que dispensava a necessidade de buscar novos
potenciais hidrelétricos mais distantes. Em fins da década de 40, porém, os potenciais
explorados já se encontravam praticamente esgotados (CASTRO, 1985, p. 38).
Tabela 1.1. Evolução da capacidade instalada do Grupo Light e a sua participação percentual.
1910 - 1960.
Ano
1910
1920
1930
1940
1950
1960
Grupo Light
MW
Particip. %
48
30,0
134
37,5
330
44,1
595
53,7
980
52,1
2.140
50,4
Fonte: CASTRO (1985, p. 37)
A Amforp iniciou suas atividades no Brasil na década de 1920, ao comprar pequenas
concessionárias no interior do estado de São Paulo e atendia, principalmente, ao complexo
6
Em LIMA (1984, p. 57), é possível ler trechos do depoimento do General Juarez Távora que denunciou as
manobras dos grupos estrangeiros e de sua bancada no Congresso Nacional que se opuseram ao Código de
Águas.
7
Os Grupos Light e Amforp detinham participações expressivas em quase todos os países latino-americanos,
desde a Patagônia até o Rio Bravo: Argentina, Bolívia, Chile, Cuba, México, Nicarágua, Uruguai, etc. Nações
Unidas: La energia elétrica en la América Latina, Nueva York, 1956, apêndice 12 apud CASTRO (1985, p. 41 e
66) .
31
cafeeiro do oeste paulista. Na década de 1940, a Amforp passa a investir fora de São Paulo,
em estados como Bahia, Sergipe, Espírito Santo, Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul,
etc. Em 1950, a Amforp já detinha 20,1% do mercado nacional de geração de energia elétrica.
Tanto o Grupo Light quanto o Grupo Amforp apresentaram o seu auge de participação no
mercado durante a década de 40, a partir daí a tendência foi uma suave queda até os anos 60.
A constituição decretada após o golpe de 1937, que instaurou o Estado Novo, reforçou
as tendências nacionalistas e a centralização do poder, já presentes na constituição de 34. No
que concerne ao SEB, a constituição estabelecia que os novos aproveitamentos hidrelétricos
somente poderiam ser concedidos a brasileiros ou empresas brasileiras, tornando
constitucional o que já se encontrava no Código de Águas. Essa medida trouxe algumas
dificuldades no sentido de ampliar o parque gerador do país, pois os grupos estrangeiros já
instalados no país só poderiam expandir o volume de energia produzido mediante o aumento
do número de unidades geradoras dentro de um mesmo aproveitamento. Diante do
agravamento da escassez, a restrição foi revista em 1942, "permitindo que o governo, por
medida de conveniência pública, autorizasse o aproveitamento de novas quedas d'águas por
empresas estrangeiras que já exerciam essa atividade no país ou que se organizasse como
sociedades nacionais8".
Segundo Peiter (1994, p. 20), foi durante o Estado Novo que surgiu a primeira
tentativa de realizar um planejamento nacional para o setor elétrico, ao ser criado um novo
órgão governamental, o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE), em 1939,
diretamente subordinado à Presidência da República. O CNAEE tinha por objetivos
regulamentar o Código de Águas, analisar e organizar a execução das interligações entre
sistemas isolados e manter o governo informado sobre as questões do setor.
Apesar do esforço do governo federal de intervir no setor elétrico, as primeiras
tentativas do poder público no sentido de geração de energia partiram de iniciativas de
governo estaduais, como por exemplo, a criação, em 1943, da Comissão Estadual de Energia
Elétrica (CEEE), no Rio Grande do Sul, e, em 1945, da Empresa Fluminense de Energia
(EFE). A centralização, por intermédio do Estado nacional, do controle do setor elétrico pode
ter sido o lançamento das bases para o processo de estatização do setor no período histórico
seguinte. Entretanto, sugere Lima que a correlação de forças políticas imbricadas no interior
do Estado Novo demonstrava que a estatização não constava nos seus planos (LIMA, 1984, p.
46).
8
Lei Constitucional Nº 6, de 12 de maio de 1942 (CACHAPUZ, 2006, p. 119).
32
Na tabela 1.2, abaixo, podemos verificar que o período 1930-45, e notadamente os
cinco primeiros anos da década de 40, marcam uma queda em relação ao ritmo de
crescimento da capacidade instalada em relação ao período anterior (1910-30), que por sua
vez manteve um acréscimo cumulativo da capacidade instalada próximo a 8%. Convém
destacar, como bem lembra a Cachapuz, que os dados podem ser enganadores já que na
República Velha a base da qual se parte o crescimento relativo é mais estreita (CACHAPUZ,
2006, p. 130). Contudo, os dados apontam para a evolução de um quadro que iria se traduzir,
mais tarde, em uma conjuntura de crise energética. Neste intervalo, observa-se um
crescimento insuficiente para dar conta da demanda por energia elétrica, pois na década de
1930 o crescimento acumulado não ultrapassa 5%, e os cinco primeiros anos da década de
1940 assiste, influenciado pelos acontecimentos da guerra na Europa, um acréscimo anual
muito lento. O período compreendido entre 1930-45 apresenta um ritmo de crescimento da
capacidade instalada de energia elétrica inferior às décadas anteriores, conforme aponta a
tabela 1.2.
Tabela 1.2. Crescimento cumulativo da capacidade instalada. 1900-1945.
Períodos
1900-1910
1910-1920
1920-1930
1930-1940
1940-1945
Acréscimos
Cumulativos (%)
29,5
8,4
7,8
4,9
1,1
Fonte: Cachapuz (2006, p. 131)
Com exceção do ano de 19389 (tabela 1.3), o crescimento da produção de energia
elétrica entre os anos 1930 e 45, somando todas as fontes - hídrica e térmica -, não apresenta
um crescimento expressivo. Neste mesmo período, a taxa de crescimento médio anual foi de
apenas 3,7%. Outros dados que indicam o descompasso entre o consumo e a produção de
energia elétrica se referem à taxa de utilização da capacidade instalada, pois se entre 1930 e
1945 a capacidade instalada cresceu por volta de 72%, no mesmo período o crescimento da
produção de energia elétrica quase dobrou, alcançando 95%. Quando se cruzam estes dados
com o consumo de energia elétrica das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, as maiores
consumidoras de energia do país, o crescimento no mesmo decênio ultrapassa a cifra dos
9
Esse crescimento significativo no ano de 1938, e destoante também, foi consequência, em grande parte, do
início de entrada em operação de duas unidades de geração da Usina de Cubatão, cada uma com capacidade de
65 MW, de propriedade do Grupo Light.
33
219%, patamar muito alto para o ritmo da produção de eletricidade (CACHAPUZ, 2006, p.
132).
Tabela 1.3. Evolução da capacidade instalada. 1930-1945.
Anos
1930
1934
1938
1942
1945
Capacidade Instalada
Potência
Crescimento
(MW)
Anual (%)
778,802
828,656
1,56
1.161,660
8,81
1.307,668
3,00
1.341,633
0,86
Fonte: Cachapuz (2006, p. 132)
Lima indica também que, entre 1930 e 1939, o consumo cresceu 44% acima do
crescimento da capacidade instalada, no mesmo período (tabela 1.4) (LIMA, 1984, p. 42).
Portanto, enquanto a capacidade instalada cresceu neste período a uma taxa de crescimento
anual média de 4,69%, o consumo de energia no Brasil alcançou um acréscimo médio de
8,99% ao ano, com evidente desequilíbrio entre o crescimento da produção e distribuição, de
um lado, e o da capacidade de geração. Ora, este desequilíbrio mostra que estavam a explorar
ao máximo a potencialidade geradora das unidades já existentes, mas na ausência de
investimento na ampliação do parque gerador. Estas circunstâncias podem indicar que a Light
e a Amforp aumentavam a geração a partir de um melhor aproveitamento dos
empreendimentos já instalados, contudo resistiam a realizar investimentos pesados, uma nova
hidrelétrica, por exemplo, muito em função das características destes investimentos, prazos de
retorno longos e riscos altos. Esta situação apenas postergava e agravava a crise que se
aproximava.
34
Tabela 1.4. Evolução da capacidade instalada e do consumo de energia elétrica. 1930-1939
Anos
1930
1931
1932
1933
1934
1935
1936
1937
1938
1939
Crescimento Capacidade Crescimento
%
Instalada
%
1930 = 100
1930 = 100
100
100
104
4,0
103
3,0
108
3,8
103
0,0
121
12,0
105
1,9
137
13,2
106
0,9
158
15,3
109
2,8
180
13,9
119
9,1
198
10,0
122
2,5
205
3,5
149
22,1
217
5,8
151
1,3
Consumo
Fonte: Lima (1984, p. 42)
Uma das características que marcam o SEB no período 1930-45, na avaliação de
Lima, são as profundas transformações institucionais, marcadas pela crescente intervenção
estatal no setor, inclusive a atuação no campo da geração hidrelétrica (LIMA, 1984, p. 84).
Peiter (1994, p. 31-34) destaca que a passagem dos sistemas elétricos isolados aos primeiros
sistemas regionais teve início com o processo de oligopolização do setor. Essa concentração
foi acompanhada dos primeiros movimentos mais significativos de regulamentação do setor,
principalmente por intermédio do Código de Águas. Peiter ressalta ainda alguns
desdobramentos das transformações que passava o SEB: transferência do poder de concessão
da esfera estadual para federal; crescente preocupação com a interligação dos sistemas
elétricos isolados, emergência do Estado enquanto um agente central, entre outras. É possível
acrescentar também a concentração espacial dos investimentos em geração de eletricidade
como característica do período, fato que será apresentado de maneira mais detalhada na seção
subsequente.
1.1.1. Distribuição espacial dos investimentos em geração, entre 1930-1945
Segundo os dados da Tabela 1.3, em 1930, a capacidade instalada do Brasil alcançava
a cifra de 779 MW e em 1945, atingiu a marca de 1.342 MW. Deste acréscimo nacional, o
grupo Light (SP Light e Rio Light) foi responsável por 309 MW, que representa 54,8% do
total. Do ponto de vista de sua distribuição espacial no território brasileiro, todos os
investimentos do grupo Light na geração de eletricidade estiveram concentrados nas
proximidades dos dois principais núcleos urbanos do país. O principal incremento foi a
35
ampliação da UHE de Cubatão (atual Henry Borden), que adicionou 184 MW, chegando em
260 MW, em 1938. Assim como a SP Light, a Rio Light também não construiu nenhuma
nova usina neste período, entretanto, ampliou a capacidade de duas já existentes: Ilha dos
Pombos e de Fontes Novas. Entre 1930 e 1945, o grupo Light acresceu à capacidade em 114
MW, totalizando 269 MW. Ao fim da II Guerra Mundial, as duas companhias do grupo Light,
comandavam 47,2% da capacidade instalada nacional, e produziram 60,9% do total de energia
no país. Todos os investimentos em geração da corporação estavam concentrados em uma
área contínua inferior a 90 mil km², pouco mais de 1% do território brasileiro.
Figura 1.1. Localização dos investimentos em geração do grupo Light no Brasil, 1930-1945.
Elaborada pelo próprio autor, baseada em Cachapuz (2006).
Por sua vez, a Amforp possuía 12,6% da capacidade instalada em 1945. Contudo, em
oposição a Light, que se encontrava concentrada no eixo Rio-São Paulo, a Amforp possuía
instalações em vários estados, assim distribuídas: no interior paulista (31,6% do total), Rio
Grande do Sul (13,4%), Pernambuco (13,2%), Rio de Janeiro (10,7%), Bahia (10,5%), Minas
Gerais (9,3%), Paraná (4,9%), Espírito Santo (3,5%), Alagoas (1,9%) e Rio Grande do Norte
(1,2%) (CACHAPUZ, 2006, p. 140). No estado de São Paulo, onde estavam localizadas suas
principais unidades geradoras, não houve significativas ampliações concluídas na capacidade
geradora entre 1930 e 1945, a exceção foi Jaguari. Nos demais estados do país, destaca-se a
UHE de Chaminé (PR), e ampliações das termoelétricas em Maceió, Natal, Recife e Pelotas
(RS). Outras concessionárias estrangeiras de reduzido porte também investiram em geração
de energia elétrica, destaca-se a Empresa Sul Brasileira de Eletricidade (Empresul), de capital
36
alemão. Havia ainda empresas estrangeiras de menor monta que também atuavam nas
capitais, e cidades circunvizinhas, do Ceará, do Pará, do Maranhão e do Amazonas10.
Dentre as empresas privadas de capital nacional, ressalta-se a Centrais Elétricas de Rio
Claro, que entre 1937 e 1944, inaugurou 3 novas usinas, todas no estado de São Paulo, e a
Companhia de Força e Luz Santa Cruz que inaugurou uma hidrelétrica, no mesmo estado.
Figura 1.2. Localização dos investimentos em geração por iniciativa estatal. 1930-1945.
Elaborada pelo próprio autor, baseada em Cachapuz (2006).
Quanto às iniciativas estatais, ressaltamos a atuação do governo de Minas Gerais que
promoveu a implementação de três usinas hidrelétricas: Pai Joaquim, no Triângulo Mineiro,
Santa Marta, no norte de Minas, e o principal empreendimento, a usina de Gafanhoto, em
Divinópolis, que possibilitou o fornecimento de energia ao distrito industrial de Contagem,
localizada na região metropolitana de Belo Horizonte. No rio São Francisco, no ano de 1942,
antes mesmo da criação da Chesf, foi instalada uma pequena usina para atender a cidade
pernambucana de Petrolândia (figura 1.2).
Numa visão geral, pode-se perceber que os investimentos do setor elétrico brasileiro
estiveram limitados espacialmente às proximidades das duas principais cidades brasileiras,
assim como ao interior paulista. Dentre estes investimentos, o capital estrangeiro esteve bem à
frente da iniciativa privada nacional e do Estado. As ações estatais ainda se mostraram
bastante tímidas: apenas quatro investimentos em geração, localizados em apenas dois estados
(MG e PE). Esse quadro, gradativamente, vai se modificar no período histórico posterior
(1945-62), principalmente no que se refere à distribuição espacial dos grandes investimentos,
10
Respectivamente a Ceará Tramway, Light and Power, a Pará Eletric Railways and Lighting Company, a Ulen
Management e a Manaus Tramways and Light.
37
que ultrapassaram os limites dos territórios paulista e fluminense e também quanto à presença
do Estado, que passa a tomar uma postura mais interventora, notadamente no campo da
transmissão e geração.
Figura 1.3. Principais investimentos em geração de eletricidade (conclusão ou ampliação de unidades já
existentes), no Brasil. 1930-1945.
Elaborada por Aline Schindler com colaboração do autor, baseada em Cachapuz (2006).
Para elaborar o recurso cartográfico acima somente foram inseridas as usinas
concluídas ou que tiveram a sua capacidade instalada ampliada entre 1930 e 1945; assim,
usinas inauguradas antes de 1930, cuja potência não foi alterada no mesmo período, não
foram consideradas. Justamente por conta deste fator, várias capitais não aparecem associadas
a nenhum investimento em geração, o que pode provocar algum estranhamento. Esses
critérios foram utilizados também na elaboração dos mapas de períodos posteriores e, assim,
facilitar a comparação entre períodos distintos. As informações utilizadas para compor o mapa
foram baseadas em fontes diversas, principalmente na publicação da Memória da Eletricidade
(Panorama do setor de energia elétrica no Brasil). O mapa não possui a totalidade dos
investimentos em geração realizados, contudo foi plotada a grande maioria destes em termos
de capacidade instalada, conforme listado nos anexos ao final desta dissertação.
38
1.2. O setor elétrico antes da Eletrobrás e o avanço da estatização (1945-1962)
O contexto econômico e político da segunda metade da década de 1940 foi marcado,
no panorama internacional, pelo fim da II Guerra Mundial e, na esfera nacional, pelo fim do
Estado Novo. O término da guerra orientou a economia mundial para um período de
crescimento econômico e de retomada dos investimentos. No Brasil, o fim da ditadura
varguista apontava para reformas estruturais importantes no Estado. Uma discussão central
travada no cenário brasileiro era o papel que deveria ser atribuído ao capital privado, tanto
nacional quanto estrangeiro, no processo de mudanças econômicas que se avizinhava à frente.
Neste sentido, atrelado a este debate, encontrava-se as discussões sobre os limites da
regulamentação estatal para o setor elétrico.
O período do pós-guerra, de maneira geral, pode ser caracterizado como de transição
no setor elétrico, pois neste intervalo se observa a passagem de um perfil produtivo
concentrado no capital privado estrangeiro para a propriedade estatal. A Tabela 1.5 mostra
esta tendência: se no início da década de 1950 o capital privado estrangeiro detinha uma
presença setorial bem superior, na década seguinte depois o panorama se invertera, e o Estado
passou a deter a maior parcela dos investimentos.
No que se refere à dimensão espacial, o SEB iniciou uma expansão territorial, pois se
a iniciativa privada não julgava viável carregar o pesado fardo dos investimentos longe dos
principais centros urbanos, o Estado começou a deslocar a "fronteira elétrica", ao ampliar não
só o volume de energia gerada, mas também o alcance espacial do setor elétrico. Na
compreensão de Castro (1985, p. 28), no princípio da história da eletricidade do país, as
empresas de eletricidade instalaram as suas usinas geradoras próximas às principais cidades, e
assim, procuravam diminuir os custos com linhas de transmissão e aumentar o uso do
potencial hidráulico das bacias. No momento em que o aproveitamento dos recursos
hidrelétricos aumentava, as novas unidades geradoras a serem implementadas tendiam a se
localizar cada vez mais afastadas dos centros consumidores. Castro chama este fenômeno de
avanço da "fronteira elétrica".
39
Tabela 1.5. Composição percentual da capacidade geradora instalada por categoria de
propriedade. 1953-1964.
Anos
1953
1957
1961
1964
Capital
estrangeiro
61,0
55,6
51,0
38,7
Capital nacional Capital nacional Autoprodutores e
estatal
outras empresas *
privado
7,2
8,2
23,6
6,3
16,5
21,6
5,6
23,4
20,0
3,8
39,7
17,8
Fonte: Castro (1985, p. 35)
* inclui entidades e autarquias estaduais e estimativas para concessionárias que responderam aos questionários
do IBGE
Castro indica que esta mudança deveu-se, em primeiro lugar, ao fato de os grupos
oligopolistas estrangeiros se mostrarem incapazes, ou não interessados, em incrementar a
oferta de eletricidade no ritmo necessário para acompanhar a expansão da demanda. A
solução encontrada para resolver a crise do déficit de energia foi a ampliação da intervenção
estatal no setor elétrico, por meio da construção de usinas geradoras, instalação de linhas de
transmissão e criação de empresas públicas. Ao explicar o ingresso do Estado no SEB, o autor
afirma que havia uma "necessidade de ampliar e modernizar a capacidade geradora do
Estado" e, ainda, uma "maior lucratividade do capital privado era obstaculizada por certas
características da indústria elétrica, (...), que apresentava uma baixa rentabilidade vis-à-vis
com outros setores produtivos" (CASTRO, 1985, p. 2).
De maneira geral, havia duas correntes participando ativamente da disputa política no
campo do setor elétrico. A primeira, claramente nacionalista, era marcada por um pensamento
amplamente favorável a intervenção do Estado na economia, notadamente nos setores de
infra-estrutura, como no caso da produção, distribuição e comercialização de energia; este
grupo creditava ao Estado à responsabilidade por ser o agente central na impulsão do
desenvolvimento industrial. Além disso, os discursos que engrossavam as fileiras
nacionalistas culpavam as empresas estrangeiras e a situação de monopólio pelo recuo dos
investimentos na expansão da oferta de energia no país. A outra corrente política-econômica,
orientada pelos princípios do liberalismo econômico e do livre mercado, defendia uma postura
simpática à primazia, quando não exclusividade, da participação do capital privado em todos
os setores da economia. Em consequência, defendia a manutenção do controle do setor
elétrico por parte dos grupos estrangeiros (notadamente os grupos Light e Amforp). Este
segundo grupo possuía, inclusive, "representação parlamentar", já que não é incomum
40
encontrar nas pesquisas sobre o período as referências à "bancada da Light" e ao "polvo
canadense11".
Até meados da década de 1940, o Brasil apresentava uma relação entre a oferta e a
demanda por energia elétrica que, de alguma maneira, se poderia considerar relativamente
confortável. Esse conforto começa a ser substituído por uma sensação de insegurança
energética quando mudanças estruturais no modelo de desenvolvimento econômico e
industrial não foram acompanhadas, no mesmo ritmo, pela expansão do trinômio geração/
transmissão/ distribuição de energia elétrica. A II Guerra (1939-45) acentuou esse processo e
praticamente interrompeu a construção de novas unidades geradoras, devido à impossibilidade
de importação de equipamentos necessários a essa atividade. Cabe destacar que o crescimento
da produção de energia elétrica não foi suspenso, mas insuficiente para dar conta da demanda,
visto que no período beligerante a incremento da capacidade instalada no Brasil foi de apenas
14%.
Pelo lado da demanda, o crescimento da participação percentual das indústrias de bens
de consumo duráveis e de bens de capital, frente às indústrias de menor desenvolvimento
tecnológico, porém menos intensivas em energia elétrica, propiciou um incremento
expressivo do consumo de energia. Por sua vez, o consumo de eletrodomésticos ampliou a
demanda por energia residencial e isso, associado ao acelerado processo de urbanização
brasileira, significou um volume ainda maior de eletricidade.
Esse duplo movimento, a tímida expansão da capacidade instalada de geração de
energia elétrica por parte dos grupos estrangeiros, de um lado, e o rápido crescimento do
consumo, do outro lado, se traduziu em um balanço energético deficitário e uma crise de
abastecimento que acarretou diversos empecilhos para a economia nacional, notadamente,
para as indústrias no sudeste do país. Esta situação veio impor a adoção de políticas de
racionamento e cortes de energia. Com o intuito de garantir a geração de energia em níveis
satisfatórios, o Estado, em princípio através de alguns governos estaduais e, em seguida, por
intermédio do governo federal, caminhou na direção de expandir sua participação no setor
elétrico. Este processo culminou, ver-se-á mais à frente, na estatização do setor e na criação
da Eletrobrás, invertendo a hegemonia, que antes pertencia à iniciativa privada, sobretudo dos
grupos estrangeiros. Quanto às iniciativas estaduais, cabe ressaltar o exemplo do estado do
Rio Grande do Sul, que, face ao momento de indefinições políticas, criou a CEEE, cujo
11
A população e a imprensa carioca costumava se referir a Light como "polvo canadense" em função dos
múltiplos negócios de prestação de serviço público sob ação da empresa, desde eletricidade até transporte
urbano.
41
objetivo central seria executar as soluções de emergência para a crise de fornecimento de
energia para os parques industriais do estado (São Leopoldo e Caxias).
A convite do governo brasileiro, chega ao Brasil, em 1942, uma comissão chefiada por
norte-americanos, chamada de Missão Cooke, com o objetivo de realizar um diagnóstico
global da economia brasileira e propor soluções para esta. Ao final dos trabalhos, o relatório
Cooke destaca que o déficit de energia seria o principal gargalo para o desenvolvimento
industrial e apontava a interligação dos sistemas como metal principal e os investimentos na
hidreletricidade como caminhos para superar as deficiências energéticas.
Com a fim da ditadura de Getúlio Vargas, a chegada ao poder de Dutra marcou um
novo período para o setor elétrico. O principal projeto de governo da administração Dutra foi
o Plano Salte12, que por sua vez, destinou 16% do orçamento total para o setor de energia.
Uma fração expressiva dos recursos destinados ao setor elétrico concentrou-se na construção
das usinas Paulo Afonso, decorrente da constituição da Companhia Hidrelétrica do São
Francisco (Chesf), em 1948. No que tange ao setor elétrico Lima (1984, p. 62) confere à
administração Dutra uma postura conservadora, pois não teria dado prioridade ao avanço da
industrialização, nem à reestruturação do modelo agro-exportador. Em 1952, o plano Salte
fora abandonado.
Se as empresas estatais não possuíam um papel de destaque no setor elétrico, até o
início dos anos 50, esse quadro começa a mudar a partir da constituição da Chesf, em 1945,
uma intervenção pioneira do governo federal na produção de energia elétrica. Com o objetivo
de minorar o atraso energético no nordeste, a Chesf:
"foi um marco da intervenção estatal pois definiu as características das grandes
obras federais: elevada potência instalada, com longas linhas de transmissão,
supridoras de mercados regionais, atuando como agentes catalisadores à interligação
de outras usinas, possibilitando o surgimento de complexos sistemas elétricos"
(CASTRO, 1985, p. 78).
O retorno de Vargas à presidência, em 1951, retomou a orientação nacionalista que
conferia ao Estado um papel de destaque na economia. O governo de Vargas buscava acelerar
a industrialização brasileira por intermédio do aumento da produção de bens de consumo e
maior intervenção do Estado nos setores de infra-estrutura. Neste sentido, a Mensagem ao
Congresso Nacional encaminhada pelo presidente em 1951, destacava a necessidade de
12
"O SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia) retrata de maneira exemplar as forças sociais e a
articulação política dominante no período. Tal como aquelas, o Plano não será anti-industrializante, não elegerá
a agricultura como o caminho privilegiado que conduzirá ao futuro. Mas, também como aquelas, não terá a
industrialização como meta central e requerimento urgente da nação. A lentidão do seu desenvolvimento seria
seu resultado" (DRAIBE, 1980).
42
intervenção do Estado na questão da hidreletricidade e a defesa do Código de Águas. Para
Cachapuz,
"um ponto fundamental presente na Mensagem era o que defendia a maciça
participação do Estado na produção de energia elétrica. Essa posição se baseava em
considerações do desempenho das grandes concessionárias estrangeiras que, embora
obtendo lucros em suas atividades, não vinham respondendo a contento ao aumento
da demanda, e das empresas privadas de menor porte, de capital nacional, que
dispondo de bases financeiras reduzidas, não eram capazes de mobilizar recursos
suficientes para realizar investimentos reconhecidamente elevados e de lenta
maturação" (CACHAPUZ, 2006, p. 164).
Durante o segundo governo Vargas foi formada a Comissão Mista Brasil-EUA que,
em linhas gerais, produziu um relatório que não se diferenciava de maneira significativa do
relatório Cooke. O documento recomendava a permanência do Estado enquanto um ente
regulador do setor elétrico e acrescentava que intervenções diretas poderiam acontecer de
maneira complementar à iniciativa privada (PEITER, 1994, p. 28).
As bases legais que permitiriam a viabilização de uma maior participação do Estado
no setor de energia foram elaboradas pelo Poder Executivo e encaminhados ao Congresso em
1953. Em primeiro lugar, a proposta do Fundo Federal de Eletrificação (FFE), cujos recursos
proviriam essencialmente do Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE) e que serviria
como fonte de financiamento da ação estatal no setor. Ambas as propostas contrariaram os
interesses das duas maiores empresas do setor, a Light e a Amforp. Nas manifestações de seus
porta-vozes, nos partidos políticos e na imprensa, que dominaram o debate, as iniciativas
governamentais eram apontadas como ameaça de estatização da economia. O IUEE
representou um importante impacto nas políticas de governo nos anos seguintes, pois
assegurou, em escala nacional, pela primeira vez uma fonte de receita voltada exclusivamente
para o setor elétrico, o que permitiu, decisivamente a escalada de sua nacionalização nos anos
seguintes. Por sua vez, o FFE determinava que os recursos destinados aos estados e
municípios deveriam ser aplicados por uma empresa pública criada exclusivamente para esse
fim, fato este que incentivou a criação das empresas estaduais do setor elétrico, conforme
mostra a Tabela 1.6. Segundo Lima, a presença dos governos estaduais na expansão do SEB
cumpriu um papel estratégico, pois à medida que as iniciativas do governo federal eram
obstruídas no Congresso, eram aqueles os responsáveis por dar continuidade ao incremento da
geração, transmissão e distribuição de energia elétrica (LIMA, 1984, p. 106).
43
Tabela 1.6. Empresas estaduais de energia elétrica e ano de criação respectivo
Estado
Rio Grande do Sul
Minas Gerais
São Paulo
Paraná
Santa Catarina
Goiás
Mato Grosso
Bahia
Rio de Janeiro
Maranhão
Alagoas
Rio G. do Norte
Sergipe
Piauí
Empresa Estadual
CEEE
(1)
CEMIG
USELPA
CHERP
CELUSA
BELSA
COPEL
CELESC
CELG
CEMAT
COELBA
EFE (depois CELF) (2)
CEMAR
CEAL
COSERN
ENERGIPE
CEPISA
Ano de Criação
1943
1952
1953
1955
1961
1962
1953
1955
1955
1958
1960
1945
1959
1960
1961
1961
1962
Fonte: Lima (1984, p. 104 e 105)
(1) A CEEE/ RS foi transformada em autarquia, em 1952, e em sociedade de economia mista, em 1963.
(2) A Empresa Fluminense de Energia (EFE) atuava desde de 1945 e acabou sendo encampada pelas
Centrais Elétricas Fluminense em 1963.
Outro marco legal que apontou a política nacional para o caminho da estatização do
setor elétrico foi o Projeto de Lei referente ao Plano Nacional de Eletrificação (PNE),
encaminhados ao Congresso em abril de 1954. Na ótica do PNE, a necessária opção brasileira
pelo aproveitamento das potencialidades da hidreletricidade exigiria um grande volume de
recursos, que a iniciativa privada não podia, no caso do capital nacional, ou não queria, no
caso do capital estrangeiro, investir. Ainda segundo o PNE, a alegação por parte das duas
grandes subsidiárias estrangeiras, que criticavam a política tarifária do governo ao restringir a
margem de lucro das empresas, era insuficiente para justificar a tímida expansão da
capacidade instalada de geração de energia elétrica que freava o crescimento industrial. Para o
PNE, estava claro que caberia ao Estado o papel central a ampliação do setor. Contudo, o
PNE ressaltava que o campo da distribuição de energia elétrica era o mais apropriado para o
setor privado por demandar um menor volume de capital fixo e permitir um retorno mais
rápido dos investimentos efetuados.
O PNE trabalhou com um horizonte de dez anos, na qual se esperava que o déficit de
energia, crescente desde o decênio anterior, fosse coberto. O Plano previa que, o parque de
geração de eletricidade estivesse em 1964 numa situação confortável e pudesse contar com
alguma margem de segurança, e esperava poder interligar os sistemas elétricos e uniformizar
44
as frequências de transmissão e distribuição. O PNE também apostava, segundo Cachapuz
(2006, p. 171), na concentração das unidades geradoras nas mãos da União e dos estados.
Como um primeiro esforço de mapeamento do setor elétrico, o PNE dividiu o país em
três sistemas elétricos. Os sistemas já em funcionamento no Sul e no Sudeste (de Minas
Gerais e Espírito Santo até Santa Catarina) constituíam o primeiro grupo. A bacia hidrográfica
do rio São Francisco, área de concessão da Chesf, que já existia desde a década de 1940,
constituía o segundo grupo (da Paraíba e sul do Ceará até o sul da Bahia).
Por último, o estado do Rio Grande do Sul formava o terceiro grupo. O PNE previa a
expansão da capacidade instalada de maneira que alcançasse por volta de 8.000 MW para
esses três grupos, estando as ampliações mais destacadas programadas para o Sudeste, onde a
distorção entre a oferta e a demanda era mais visível e mais pressionada pela rápida expansão
urbano-industrial (figura 1.4).
Figura 1.4. Mapa do Plano Nacional de Eletrificação, 1954.
Peiter destaca que o PNE deu grande ênfase à escala regional do planejamento, e que a
centralidade do plano residia na coordenação da produção de energia elétrica de maneira a
interligar os sistemas regionais. Destaca o autor as quatro as principais propostas do PNE: (a)
constituição de sistemas interligados regionais; (b) construção de longas linhas de
transmissão; (c) divisão do país em regiões energéticas auto-suficientes; e (d) centralização do
planejamento em um único órgão federal (PEITER, 1994, p. 21).
A criação do Ministério de Minas e Energia, em julho de 1960, que incorporou e
submeteu a uma única direção o CNAEE, o DNPM (Departamento Nacional de Produção
Mineral) e a Chesf, corroborou a tendência de delegar ao Estado uma atribuição maior no
setor de infra-estrutura. Mas o passo "estatizante" decisivo somente viria acontecer na década
de 1960, com o Projeto de Lei nº 4.280 que determinava a constituição das Centrais Elétricas
Brasileiras S.A. (Eletrobrás). A Eletrobrás foi edificada com base nos debates e
45
desdobramentos políticos dos anos 50, cujo apelo nacionalista culminou, também, e com
anterioridade, na criação de outra importante empresa estatal, a Petrobrás. Se a Petrobrás
constitui antes uma aposta num futuro incerto, pois eram poucas e incertas as informações
acerca das reservas petrolíferas, o menos não se poderia dizer da Eletrobrás, uma vez, embora
imperfeitamente inventariado, era notório o grande potencial hidrelétrico, que se contava
mobilizar para levar a cabo a execução do PNE.
O projeto nacionalista da Eletrobrás não ficou livre de ataques políticos e foi alvo de
forte oposição da corrente privatista, ligada às subsidiarias estrangeiras. O Projeto de Lei
levou sete anos em tramitação no Congresso Nacional, somente sendo transformado em lei
em 1961, na administração de Jânio Quadros. A Confederação Nacional da Indústria (CNI),
na sua III Reunião Plenária, de 1957, na capital pernambucana, assumiu uma posição
contrária à criação da Eletrobrás respaldada, por quase todos os porta-vozes do capital
privado. Se por um lado, a corrente privatista denunciava o projeto da Eletrobrás, do outro,
uma ampla gama de manifestações favoráveis à estatal encontraram eco nas vozes dos
estudantes, sindicatos, militares, jornalistas, o que lembrava, numa escala menor, o
movimento "o petróleo é nosso".
A chegada de Juscelino Kubitschek à Presidência da República resultou na utilização
sistemática de recursos externos para acelerar a industrialização do Brasil, que cresceu a
passos largos durante o seu governo. Destaca-se o Plano de Metas, cujo foco era "acelerar o
processo de acumulação, aumentando a produtividade dos investimentos existentes e
aplicando novos investimentos em atividades produtivas" (CACHAPUZ, 2006, p. 184).
Buscava-se também desobstruir os gargalos da economia brasileira por intermédio dos
investimentos estatais em infra-estrutura, desprezados pelo capital privado em razão dos
vultuosos recursos necessários e o retorno de longo prazo. Por outro lado, também caberia ao
Estado promover um ambiente favorável ao desenvolvimento da iniciativa privada. Muitos
dos economistas que participaram do plano de JK, haviam estado também na Comissão Mista
Brasil-EUA, e utilizaram os seus diagnósticos.
De maneira geral, os governos Vargas e JK se distanciam no que diz respeito à
centralidade do capital estrangeiro na economia do país. JK promoveu a entrada significativa
de capital estrangeiro nas áreas novas, sob os auspícios do nacional-desenvolvimentismo,
promovendo a internacionalização da economia. A empresa pública, em linhas gerais, passou
a se limitar a uma atuação no setor de infra-estrutura, alguns ramos da indústria de base e à
operação de agências de financiamento de longo prazo, por exemplo o BNDE (LIMA, 1984,
46
p. 94). É sabido também que, neste mesmo governo, a busca por financiamento externo
provocou um crescimento significativo da dívida externa brasileira.
Vista a importância que o setor elétrico representava para a economia brasileira, o
setor foi contemplado com uma parcela expressiva dos recursos inicialmente previstos no
Plano de Metas - cerca de 43%. O diagnóstico apontava a urgência de se alcançar, em 1965,
em termos de capacidade instalada 8.255 MW, o que representava um crescimento de médio
anual de 10% (CACHAPUZ, 2006, p. 186). O FFE e as taxas estaduais de eletrificação
correspondiam a 65% dos recursos garantidos pela União para a execução dos
empreendimentos. Por volta de 22% seria a participação de recursos privados oriundos das
subsidiárias estrangeiras e de autoprodutores. Ao avaliar o setor elétrico no Plano de Metas,
Lima, conclui que a incorporação do capital estrangeiro ao desenvolvimento do setor elétrico
"não significa que a empresa estrangeira fosse colocada na vanguarda do crescimento setorial,
(...) ao, contrário projetava-se a emergência do Estado como grande produtor de energia, seja
na esfera estadual, seja na esfera federal". (LIMA, 1984, p. 99).
Cachapuz (2006) destaca que, no campo da energia, os resultados obtidos foram
considerados satisfatórios, já que a marca de 7.411 MW de potência instalada foi atingida,
correspondendo a quase 90% das metas traçadas no Plano. Outro dado importante, conforme a
Tabela 1.7 abaixo, foi a evolução da capacidade instalada de energia elétrica no período 194565, que alcançou uma média de 8,9% por ano, bem superior ao crescimento registrado nos
quinze anos anteriores, cuja taxa foi de 3,7%.
Ao longo de todo governo JK, o Estado trilhou o caminho da estatização da geração de
energia elétrica, se tornando, em poucos anos, responsável pela maior parte da produção.
Neste sentido, as empresas públicas, tanto federais quanto estaduais, tornaram-se os principais
agentes da expansão da capacidade geradora. A tabela 1.7 também mostra que a aceleração do
crescimento iniciou-se a partir de 1954 com a operação da UHE de Paulo Afonso I, no rio São
Francisco, e continuou com a entrada Paulo Afonso II, em 1961, e Furnas, no ano seguinte.
Além destes investimentos do governo federal, começavam a ser visíveis os êxitos iniciais
provenientes dos esforços realizados por alguns governos estaduais, tais como Rio Grande do
Sul, São Paulo e Minas Gerais. No caso da Cemig, destaca-se o início da operação da usina de
Três Maria, em 1962.
47
Tabela 1.7. Evolução da capacidade instalada no Brasil. 1945-1962.
Ano
1945
1949
1953
1957
1962
Capacidade
Instalada (MW)
1.341
1.735
2.104
3.767
5.728
Taxa de
Crescimento Anual %
6,65
4,93
15,67
8,74
Fonte: Cachapuz (2006), p. 344.
O período que vai de 1945 até 1962 pode ser caracterizado como de destacada
expansão, notadamente no que toca à parte de geração. Ainda pode-se subdividir o período
em duas partes: a) um primeiro sub período, que vai até meados dos anos 50, em que o
elemento dominante é o sub investimento e a incapacidade do setor elétrico, dominado por
empresas privadas, sobretudo estrangeiras, de assegurar a expansão da capacidade instalada a
taxas compatíveis com o crescimento urbano-industrial; b) um segundo sub período, a partir
da metade dos anos 50, em que se intensifica a presença estatal, cujos primeiros passos havia
sido dados com a criação da CHESF, o IUEE e o PNE, e expressiva expansão da oferta de
energia elétrica de fonte hídrica por empresas públicas. Esta expansão da capacidade geradora
foi impulsionada pela mudança do papel do Estado, que passou a intervir gradativamente
enquanto um agente central, como pôde ser percebido nos parágrafos anteriores.
Destaca Cachapuz que "a crescente participação das empresas federais e estaduais na
geração de energia elétrica constitui um elemento fundamental no processo de expansão do
setor" (CACHAPUZ, 2006, p. 197). Assim, não resta dúvida de que a rápida expansão foi
decorrente da intervenção do Estado, num momento em que a oferta de energia mostrava-se
insuficiente para atender a demanda cada vez maior. O resultado foi a radical alteração no
perfil do setor.
Castro atesta que ao analisar a evolução do setor, é possível perceber a ocorrência de
uma concentração de capital, isto é, aumento do tamanho (em kW) das unidades produtivas
(CASTRO, 1985, p. 85). Para o pesquisador, as causas podem ser explicadas, por um lado, no
crescimento da demanda que exige usinas maiores, e do outro lado, os ganhos de escala
associados ao aumento das plantas produtivas. O autor explica que, na indústria de energia
elétrica, quanto maior é a capacidade geradora instalada de uma usina hidrelétrica, menor será
o custo por kW (CASTRO, 1985, p. 23).
A Tabela 1.8, seguinte, traduz o avanço da participação estatal em termos de
capacidade instalada. Entre 1952 e 1962, 58% do incremento na capacidade instalada se deve
48
a investimentos executados pelas empresas públicas, de tal maneira que em 1965, o Estado já
havia se tornado responsável pela maior parte do parque gerador, em potência instalada.
Enquanto as empresas privadas passaram de 1.635 MW de capacidade instalada para 2.486
MW, um aumento de apenas 52%, as empresas públicas, tanto estaduais quanto federais,
multiplicaram sua capacidade instalada por 29 vezes, neste 13 anos, passando de 136 a 4.048
MW.
Tabela 1.8. Evolução da capacidade instalada por agente gerador. 1952-1962.
Ano
1952
1955
1958
1960
1963
1965
Estatal
Privado
Autoprodutor
Potência Particip. Potência Particip. Potência Particip.
MW
%
MW
%
MW
%
136
6,8
1.635
82,4
214
10,8
538
17,1
2.248
71,4
362
11,5
824
20,6
2.743
68,7
426
10,7
1.099
22,9
3.182
66,3
519
10,8
2.305
36,3
3.164
49,8
886
13,9
4.048
54,6
2.486
33,6
877
11,8
Fonte: Lima (1984, p. 109)
A administração Kubitschek assentou uma divisão de trabalho em áreas de atuação
entre as empresas públicas e privadas. Castro (1985) denominou esta divisão de pacto de
clivagem. De um lado, as empresas estatais direcionaram os seus principais investimentos
para o campo da geração de eletricidade, enquanto que, por sua vez, as empresas privadas,
estrangeiras ou não, permaneceram no campo da distribuição. Como o início da ampliação da
presença do Estado no setor se deu em um contexto de crise energética, esta foi tolerada,
porém, compreende Castro, a intervenção estatal carecia de uma justificativa prática, visto que
este fato violava os pressupostos do liberalismo e contrariava as opiniões das companhias
privadas e as sugestões das comissões de cooperação técnica internacionais (CASTRO, 1985,
p. 142). No entendimento dos grupos estrangeiros, a razão da crise energética estava centrada
no "excesso de Estado", e da crítica ao Estado-regulador, surgiu como solução,
contraditoriamente, o Estado-produtor. Entretanto, com a ressalva de que a ação estatal
deveria ser complementar e dependente aos interesses privados.
Castro (1985) expõe a razão de adoção do "pacto de clivagem" em duas partes. A
primeira, reflete a própria característica econômica da indústria de energia elétrica. A geração
requer um capital fixo muito alto e um tempo de rotação do capital relativamente mais lento
em relação aos outros setores da economia, enquanto a distribuição opera com capitais fixo
49
menos expressivo e oferece retorno quase imediato. A segunda parte diz respeito a garantir ao
capital estrangeiro um espaço rentável e, assim, minar as resistências ao avanço do Estado.
Ao mesmo tempo em que a participação do Estado avançava, tramitava no Congresso
o projeto de criação da Eletrobrás, que acabaria por consolidar o modelo estatal no setor. O
projeto da Eletrobrás, originalmente concebido ainda no governo Vargas, passou por muitas
mudanças ao longo dos quase oito anos em que esteve a tramitar no Poder Legislativo, o que
levou algumas figuras públicas nacionalistas a chamar de "farrapo da Eletrobrás". A Centrais
Elétricas Brasileiras incorporou todas as aplicações realizadas pelo BNDE e se tornou
responsável pela definição dos planos de expansão do sistema elétrico brasileiro.
1.2.1. Distribuição espacial dos investimentos em geração, entre 1945-1962
Em oposição aos quinze anos anteriores, no período 1945-62, houve uma expansão,
que pode ser considerada satisfatória para o setor. Diferentemente dos anos anteriores, quem
liderou o processo de expansão da oferta de energia foi o Estado.
Com a criação da Chesf em 1948, foi dada a partida nos grandes investimentos do
governo federal em projetos de geração elétrica. Posteriormente, a Chesf viria a se tornar,
junto com a Cemig, um modelo de empresa estatal do SEB. A primeira usina construída pela
estatal foi Piloto. Contudo, os grandes investimentos seriam as usinas no rio São Francisco.
Em seguida, a Chesf estendeu as suas linhas de transmissão a Recife, Salvador, Maceió,
Aracaju e João Pessoa.
Neste mesmo contexto histórico surge a estatal federal Central Elétrica de Furnas, cuja
criação objetivava suprir a demanda do Sudeste e do Centro-Oeste. A emergência de Furnas,
sob a ótica do setor, era imperativa em virtude da ameaça de escassez de energia que assolava
as regiões mais urbanizadas e industrializadas do país, entretanto a sua primeira unidade
geradora só veio a entrar em operação em 1965. A Sociedade Termoelétrica do Capivari
(Sotelca), constituída pelo governo Federal em 1957, cujo objetivo central seria a exploração
da UTE Tubarão, em Santa Catarina, só viria a ficar pronta em 1965. Assim como a Sotelca, a
Termelétrica de Charqueadas (Termochar), fundada poucos anos mais tarde, seriam
incorporadas algumas décadas depois ao capital da Eletrosul. No mesmo período surgiu a Cia.
Hidrelétrica do Vale do Paraíba (Chevap), anos mais tarde incorporada a Furnas, que iniciou
os estudos sobre a UHE de Funil e a UTE de Santa Cruz.
50
Quanto às empresas estaduais, destaca-se a presença do estado de Minas Gerais, com a
constituição da Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig), cuja composição se deu através
da incorporação de quatro empresas estaduais já existentes13. Além da agregação de algumas
usinas existentes, como Gafanhoto, a Cemig concluiu sete usinas hidrelétricas no período aqui
analisado. Esta empresa terminou por torna-se um modelo para outras empresas estaduais e se
firmou como a empresa de âmbito estadual mais bem sucedida aos olhos do setor, tanto que
muito dos seus principais quadros passaram por altos cargos da administração pública federal,
BNDE, Eletrobrás, ministérios, etc.
Em São Paulo, onde a carência de energia era mais visível e os ritmos de urbanização
industrialização mais acelerados, o território era disputado por dois grupos norte-americanos:
a CPFL (Amforp) e a SP Light. O desequilíbrio entre a evolução da geração e do consumo de
eletricidade decerto influenciou a decisão do governo paulista de intervir no setor,
constituindo inicialmente uma comissão para estudar os possíveis aproveitamentos
hidrelétricos no estado e a criação de um plano estadual de eletrificação. Esta intervenção
passou pela constituição de uma comissão que visava estudar os possíveis aproveitamentos
hidrelétricos no estado e a criação de um plano estadual de eletrificação. A partir dos estudos,
o governo de São Paulo instituiu duas empresas, a Usinas Elétricas do Paranapanema
(Uselpa), em 1953, e a Cia. Hidrelétrica do Rio Pardo (Cherp), em 1955. Cada uma inaugurou
duas novas usinas no período. Também foi constituída a empresa estadual Centrais Elétricas
de Urubupungá (Celusa), destinada a atuar na divisa dos estados do Paraná e Mato Grosso do
Sul, além das duas pequenas concessionárias distribuidoras no interior paulista, onde eram
maiores os problemas de fornecimento, a Bandeirantes de Eletricidade (Belsa) e a Cia.
Melhoramentos do Paraibuna (Comepa).
A gaúcha Comissão Estadual de Energia Elétrica, pioneira no âmbito dos governos
estaduais, concluiu a sua primeira usina ainda em 1945. Também foram construídas duas
termelétricas e duas hidrelétricas14. No Paraná, destaca-se a criação da Cia. Paranaense de
Energia Elétrica (Copel), em 1954, que tratou do plano de eletrificação no estado. Sua
primeira usina só seria concluída após 1962. Em Santa Catarina, foi implementada uma
Comissão de Energia Elétrica, que se tornaria, mais tarde, a Centrais Elétricas de Santa
Catarina (Celesc). No estado do Rio de Janeiro, fora finalizada, no município de Trajano de
Moraes, a Usina de Macabu, em 1951, doze anos após o início das suas obras. A Empresa
13
C. E. do Alto Rio Doce, C. E. do Médio Rio Doce, C. E. do Alto Rio Grande e C. E. de Piau.
Uma questão que chama a atenção na história gaúcha do setor elétrico é o fato de a empresa subsidiária da
Amforp, a Ceerg, depois de sucessivos problemas de abastecimento, ter sido estatizada pelo governo de Leonel
Brizola, em maio de 1959, sem receber qualquer indenização por isso.
14
51
Fluminense de Energia (EFE) só viria a ser constituída em 1954, com o objetivo de atender o
norte do estado, onde inaugurou a usina Franca Amaral e ampliou outra já existente. A
Espírito Santo Centrais Elétricas (Escelsa) foi fundada em 1956 e concluiu as obras da UHE
Rio Bonito.
No Centro-Oeste, a construção da UHE Rochedo e Cachoeira Dourada coube à
Centrais Elétricas de Goiás (Celg). Da mesma maneira, em 1958, a organização da Centrais
Elétricas Mato-Grossense (Cemat), possibilitou a ampliação da UHE Casca I e a construção
de Casca II. Outras empresas em diversos estados também foram constituídas.
A despeito da tendência à redução de sua participação relativa, os grupos estrangeiros
ainda comandavam grande parcela do setor elétrico, notadamente, nas regiões de maiores
índices de consumo de eletricidade per capita15. A incapacidade dos grupos estrangeiros em
acompanhar a demanda resultou, contudo, em inúmeros cortes de fornecimento e
racionamento de energia elétrica. Isso não significa que a capacidade geradora destas
empresas tenha estado estagnada, mas sim que crescia em um ritmo aquém do necessário à
manutenção de margens adequadas de segurança. A companhia SP Light, por exemplo,
ampliou a usina de Cubatão e concluiu a construção das usinas Cubatão II e a termelétrica
Piratininga. A SP Light, no início da década de 1960, atuava em 33 municípios paulistas16,
uma área superior a 20.000 km² e atendia a 6 milhões de pessoas (CACHAPUZ, 2006, p.
236). O sistema SP Light era interligado com dois outros sistemas: a leste, com a Rio Light, a
oeste, com as usinas da Uselpa.
No Rio de Janeiro, o grupo Light ampliou as usinas Fontes Novas e Ilha dos Pombos.
Na primeira metade dos anos 50, foram concluídas as obras das UHE Santa Cecília, Vigário e
Nilo Peçanha. A UHE Ponte Coberta, inaugurada em 1962, completou o ciclo de expansão da
Rio Light no período pré-Eletrobrás. O sistema elétrico da Light Rio possuía as suas centrais
geradoras concentradas na Região Noroeste (Carmo) e Sul Fluminense (Barra do Piraí), sendo
que as suas linhas de transmissão convergiam para o então Distrito Federal. No início da
década de 1960, a Rio Light atendia a 21 municípios fluminenses17 e ao Distrito Federal, 5,4
milhões de pessoas e uma área próxima a 10.000 km².
15
Segundo Cachapuz (2006, p. 231), enquanto o consumo de eletricidade per capita no Brasil era de 365 kWh,
em 1962, na região metropolitana de São Paulo e Rio de Janeiro, era de 1.314 e 783 kWh, respectivamente.
16
Dentre eles, Sorocaba, Salto, Itu, Jundiaí, Indaiatuba, Vinhedo, Porto Feliz, Boituva, Caçapava,
Pindamonhangaba, Salesópolis, Santa Branca, Jacaré, Guararema, Taubaté, Tremembé, Guaratinguetá,
Aparecida, Cachoeira Paulista e Cruzeiro (CASTRO, 1985).
17
Dentre eles, os municípios de Entre Rios, Paraíba do Sul, Valença, Barra do Piraí, Mendes, Vassouras, Barra
Mansa, Quatis, Itatiaia, Resende e Volta Redonda (CASTRO, 1985).
52
Assim como as duas empresas do grupo Light, as empresas da Amforp também
enfrentaram dificuldades para acompanhar a evolução das taxas de crescimento do consumo
de eletricidade. A falta de investimentos na ampliação da geração culminou na necessidade
das subsidiárias da Amforp de comprarem energia das usinas estatais. Em São Paulo, a Cia.
Paulista de Força e Luz (CPFL), maior subsidiária do grupo, atuava no interior paulista e
atendia a um terço do estado, 155 municípios18 e 3 milhões de pessoas. Neste período, a
CPFL implantou três hidrelétricas e uma térmica.
A Amforp também concluiu e/ou ampliou algumas unidades de geração em outros
estados: Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Os investimentos das
subsidiárias nordestinas do grupo Amforp (Maceió, Natal, Recife, Salvador) se deram no
sentido de se adaptarem ao recebimento de energia das usinas de Paulo Afonso. Todas elas
diminuíram a sua capacidade instalada, pois se tornou mais interessante comprar energia da
Chesf do que gerar por meio de suas próprias termelétricas. Entre os anos de 1950 e 1964, a
capacidade instalada das subsidiárias de Maceió/ Natal decresceu 43%, de Recife 9% e
Salvador 52% (CASTRO, 1985, p. 69).
Figura 1.5. Principais investimentos em geração de eletricidade (conclusão ou ampliação de unidades já
existentes). 1945-1962.
Elaborada por Aline Schindler com colaboração do autor, baseada em Cachapuz (2006).
18
Dentre eles, Campinas, Araraquara, Ribeirão Preto, Bauru, Piracicaba, Jaú e São José do Rio Preto (CASTRO,
1985, p. 65).
53
O mapa acima, que segue a mesma orientação do mapa referente ao período anterior
(1930-1945), apresenta a localização espacial dos principais investimentos em geração de
eletricidade no país (conclusões ou ampliações de unidades já existentes), entre 1945-1962.
Ao comparar com o mapa anterior (figura 1.3), é notável o aumento significativo tanto no que
diz respeito ao número de novas instalações quanto no tamanho das unidades. O período
também reforçou as tendências de concentração dos investimentos no sudeste e sul do país,
em boa parte, em função da proximidade aos centros mais urbanizados e industrializados. A
despeito desta concentração, nota-se a presença de dois investimentos de grande vulto (Paulo
Afonso I e II), localizados no nordeste, os primeiros de uma tendência, que se tornará mais
visível nas décadas posteriores. Isso não significa dizer que os investimentos deixaram de
concentrar-se no sudeste, todavia é possível sugerir uma nova concentração (ou reconcentração) dos mesmos a partir de 1962.
1.3. A afirmação do modelo estatal no setor elétrico (1962-1989)
A constituição da Eletrobrás coincidiu com um período conturbado da vida política
brasileira. A renúncia de Jânio Quadros em meados de 1961 e a consequente posse do seu
sucessor João Goulart, visto como um esquerdista pelos setores mais conservadores e como
excessivamente moderado pelos grupos mais à esquerda, se traduziu numa crise política,
institucional e econômica. A crise política se deveu às instabilidades na sucessão presidencial,
um governo confuso como o de Quadros19, que não teve sucesso nem habilidade política para
dar encaminhamento aos seus projetos, como a lei anti-truste e o combate à inflação com
medidas pouco populares (compressão de salários e contenção de créditos); foi seguido por
outro governo instável, Goulart, que por conta de suas declarações e propostas - as chamadas
reformas de base20 -, muito progressistas para o conservador comando militar, acabou
deposto. A crise institucional é referente à forma de governo: Goulart assumiu a presidência
mediante um compromisso de aceitar o parlamentarismo, de maneira a reduzir o seu poder
enquanto presidente, sob pena dos militares não permitirem a sua posse. Contudo a
19
O governo Jânio Quadros foi um dos mais excêntricos, com posturas ora populistas, ora demagógicas. Eleito
presidente pelo conservador partido UDN e apesar de ser um declarado anticomunista, condecorou o então
Ministro de Cuba Ernesto Che Guevara com uma medalha e condenou a invasão norte-americana à Baía dos
Porcos (Cuba), proibiu o biquíni na televisão e as rinhas de galo.
20
As reformas de base projetavam transformações estruturais consideradas necessárias ao Brasil, e incluía as
reformas urbanas, agrárias, universitária, política e maior controle das remessas de lucro para o exterior.
54
experiência do parlamentarismo republicano no país não alcançou o 15º mês de existência. A
crise econômica de 1962, que ao lado da "ameaça comunista" também serviu de justificativa
para o golpe militar, foi marcada pela queda do crescimento do PIB e da produção industrial,
pelo déficit cambial e pela alta taxa de inflação. O plano trienal, elaborado pelo economista e
Ministro Celso Furtado, não atingiu os objetivos traçados e acabou sendo abandonado já no
ano seguinte. Sobre a transição presidencial Quadros/ Goulart e a conjuntura sócio-políticoeconômica, Bandeira (2001) e Ferreira (2006) trazem algumas contribuições para seu
entendimento.
Mesmo diante deste cenário conflituoso, a emergência da Eletrobrás, ao assumir o
papel de administradora do Fundo Federal de Eletrificação e de holding das quatro
subsidiárias federais então existentes: a Chesf, Furnas, a Chevap e a Termochar, além de
articular as dez concessionárias estaduais, foi um marco fundamental no movimento do
Estado brasileiro rumo à afirmação de sua centralidade nas decisões e na operação do setor
elétrico. No ano de 1962, ainda no governo Goulart, foi criada a Conesp - Comissão de
Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviço Público - órgão vinculado ao
governo federal que tinha por objetivo estatizar as concessionárias consideradas estratégicas
para continuarem nas mãos do capital privado. No setor elétrico, visava a aquisição das
subsidiárias da Amforp e, mais tarde, as da Light. A Eletrobrás integrou a Conesp tão logo
esta foi criada e iniciou as conversas no sentido de propor uma solução menos conflituosa
para a subsidiária gaúcha da Amforp. As negociações com a Amforp foram iniciadas e
interrompidas no governo de Goulart, e retomadas somente no ano seguinte, já no governo
militar, quando este se comprometeu em pagar por todas as subsidiárias, inclusive a gaúcha,
em condições aceitas pela empresa norte-americana. Nos anos posteriores, as empresas
ligadas a Amforp seriam gradativamente incorporadas às subsidiárias da Eletrobrás.
Com a derrubada do governo Goulart por meio de um golpe militar e a emergência de
duas décadas de uma sucessão de governos militares, se iniciou uma longa temporada de um
Estado centralizador e autoritário. No plano da política econômica, os militares se
concentraram nas reformas monetárias e financeiras, cujo objetivo central foi frear a inflação
e inverter a curva da estagnação econômica. Neste sentido, foram criados o Banco Central e o
Conselho Monetário Nacional e uma série de medidas que ampliavam a presença do Estado
na economia.
Outra medida do governo militar que poderia ser chamada de estatizante, e seguia a
lógica de aumentar a presença do Estado em setores estratégicos, foi a reformulação
institucional que culminou na constituição de um novo órgão, com funções normativas e de
55
regulação, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DNAEE). Cachapuz destaca que a
partir deste momento estava criada a estrutura básica do setor que se estenderia pelos
próximos decênios, até a chegada dos processos de privatização na década de 1990
(CACHAPUZ, 2006, p. 276).
Nos estados, também se observava uma centralização e ampliação da presença estatal
nos serviços de energia elétrica. Em São Paulo, o governo estadual reuniu 11 empresas sob a
CESP (Centrais Elétricas de São Paulo). Este movimento também foi perceptível em outros
estados (figura 1.6, abaixo), foram várias as concessionárias locais, privadas ou não, que
foram absorvidas por companhias estaduais. Os serviços de distribuição de energia, de
maneira geral, foram transferidos da União aos poderes estaduais. A única exceção foi o
Espírito Santo, em razão do desinteresse do governo capixaba em assumir a antiga subsidiária
da Amforp, foi criada uma concessionária federal subordinada a Eletrobrás, Escelsa. A figura
abaixo, mostra as áreas de atuação das concessionárias estaduais em 1989, ao cabo deste
processo de "estadualização" das companhias distribuidoras de energia elétrica.
Figura 1.6. Concessionárias estaduais de energia elétrica. 1989.
Elaborada por ALMEIDA (1991, p. 196).
Para Peiter (1994), o que chama a atenção é a passagem de um modelo de
planejamento do setor elétrico de escala regional para um planejamento setorial cada vez mais
56
integrado, que buscava dotar o território com equipamentos de infra-estrutura, de modo a
permitir a ampliação da industrialização.
"A passagem da escala regional para a escala nacional, (...) pode ser observada no
setor elétrico num processo que se iniciou em 1959 com os primeiros estudos
energéticos abrangentes coordenados por Furnas e só se completou em 1979 com o
'Plano 95' da Eletrobrás levando, portanto, vinte anos para se efetuar. A
consolidação de empresas regionais como Furnas e a Chesf e a maturidade
alcançada pela Cemig estão na origem desse processo" (PEITER, 1994, p. 54).
A criação de duas novas subsidiárias de âmbito regional, a Eletrosul e a Eletronorte,
criadas respectivamente nos anos de 1968 e 73, aos moldes das já existentes Furnas e Chesf,
completou o mosaico das subsidiárias de escala regional. O período de sucessivos governos
militares tornou a distribuição da atuação das estatais bem 'encaixadas': cada empresa detinha
uma exclusividade sob uma certa porção do território. Não havia "espaço vazio", todos os
cantos do território estavam ocupados por alguma subsidiária federal. As empresas federais de
atuação local foram integradas aos respectivos quadros das empresas regionais, tais como a
Termochar e a Sotelca. Destaca-se também o projeto em conjunto com o Paraguai, facilitado
pelas relações fraternas entre governos militares conservadores e autoritários em ambas as
nações, que teve por objetivo a construção de uma grande hidrelétrica na fronteira e a
constituição da subsidiária Itaipu Binacional, em 1974.
1.3.1. A interligação do sistema
A preocupação com a interligação com o sistema elétrico só passou a ser central para
os agentes do setor em meados da década de 40, e a partir daí despertou cada vez mais as suas
atenções. Pode-se sugerir que o pouco investimento na interligação nacional na primeira
metade do século decorria de diversos aspectos, entre eles: as expressivas dimensões
nacionais que demandaria longas linhas de transmissão, a necessidade de grandes
investimentos financeiros, o conhecimento técnico ainda incipiente. As principais razões,
todavia, eram decorrentes da distribuição espacial da demanda por eletricidade, muito
concentrada nas principais aglomerações urbanas do sudeste do país e, por isso, não havia
despertado o interesse do capital privado. Na lógica dos investimentos do capital privado não
era seguro se dedicar a tal tarefa, haja vista o retorno lento e o baixo potencial de consumo
nos pontos mais afastados das concentrações urbanas/ industriais. Foi preciso uma
participação mais ativa do Estado para que se inicia-se um processo de interligação mais
efetivo no país.
57
A despeito da constituição de aparelhos institucionais centralizadores como a
Eletrobrás (1962) e o Ministério de Minas e Energia (1960), e de uma organização
administrativa hierarquizada, durante a década de 1960, as empresas do SEB atuavam de
maneira pouco articulada. O planejamento, explica Cachapuz, era "definido pelas empresas
em função de seus requisitos e projetos específicos, voltados para o atendimento de sistemas
isolados ou, quando muito, com fraco nível de intercâmbio" (CACHAPUZ, 2006). Segundo o
pensamento hegemônico no setor, tornava-se cada vez mais imperativa a exigência de ampliar
o conhecimento acerca das bacias hidrográficas, articular as decisões a respeito dos projetos
de geração e transmissão e possibilitar a transmissão de eletricidade entre diferentes bacias em
função dos períodos de seca e úmidos em distintas regiões.
O avanço da industrialização e os incrementos nas taxas de urbanização demandavam
um volume maior de geração de energia. Os sistemas isolados distribuídos pelo território
brasileiro e a ausência de sistemas interligados impossibilitavam um planejamento em escala
nacional. Aos olhos dos órgãos de governo, a expansão do Estado no setor elétrico precisava
se dar em outras frentes, neste sentido foram constituídos organismos sob a coordenação da
Eletrobrás, tais como o GCOI21 (Grupo Coordenador para a Operação Interligada), criado em
1973 para coordenar e planejar as ações nos sistemas interligados, o CCON (Comitê
Coordenador de Operações do Norte-Nordeste), constituído no ano seguinte para servir como
um fórum de debates e troca de informações acerca do planejamento elétrico das regiões norte
e nordeste, e o SIESE (Sistema de Informações Estatísticas do Setor Elétrico), em 1976, cujo
foco foi subsidiar as ações da Eletrobrás e de todo aparato institucional-governamental com
monitoramento do comportamento das bacias hidrográficas, dados, informações estatísticas e
cartográficas.
Desde a década de 195022, os sistemas elétricos do Rio de Janeiro e de São Paulo já se
encontravam interligados. Peiter, no entanto, julga que a primeira grande interligação do país
se deu em 1963, "com a integração dos maiores sistemas elétricos do país, os de Minas
Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro" (PEITER, 1994, p. 70), graças à inauguração da UHE de
Furnas, situada na divisa entre os dois primeiros. A proximidade do fim das obras da usina de
Itaipu produziu um grande impacto sobre a urgência de se concluírem algumas linhas de
transmissão, pois o vasto volume de energia a ser gerada necessitava ser distribuído para os
principais centros consumidores do país. Esta urgência apenas ratificou a exigência de uma
21
Antes do GCOI, em 1969, foi formado o CCOI - Comitê Coordenador da Operação Interligada -, uma espécie
de germe do futuro órgão responsável pela coordenação do sistema interligado.
22
Segundo Cachapuz (2003, p. 13), a primeira interligação no país ocorreu em 1925, decorrente da escassez de
energia, na qual a prefeitura de São Paulo promoveu a ligação com uma empresa de Campinas.
58
maior centralização da estrutura administrativa do setor. Assim sendo, o GCOI incorporou os
objetivos de "coordenar, decidir ou encaminhar as providências necessárias ao uso racional
das instalações geradoras e de transmissão, existentes e futuras, nos sistemas elétricos
interligados das regiões sudeste e sul" (PEITER, 1994, p. 71-72). O nordeste apenas fora
incorporado ao sistema GCOI apenas em 1977.
Outra questão destacada pelo autor se refere ao "choque do petróleo de 73", episódio
que elevou a cotação internacional do barril em 300%. Por conseguinte, o GCOI passou a se
preocupar em buscar medidas de maneira a promover a economia de combustíveis utilizados
em termelétricas. A constituição do GCOI, aliada com o embalo do chamado "milagre
econômico" (1967-73), coincidiu com um dos períodos de maior expansão da capacidade
instalada do país, já que entre 1969 e 1981 houve um crescimento de 340%.
A figura 1.7., elaborada por Peiter, destaca uma das primeiras interligações de maior
importância, realizada na década de 1960, a integração dos sistemas fluminenses, paulistas e
mineiros.
Figura 1.7. Interligação dos sistemas elétricos do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
Elaborado por PEITER (1994, p. 128).
Os sistemas integrados de geração e transmissão viabilizaram a formação de dois
grandes sub-sistemas interligados no país: o de maior porte, alcançando as regiões sul, sudeste
e centro-oeste, e o outro, abarcando a região nordeste e parte do estado do Pará, na região
norte. Algumas características do setor elétrico neste período saltam aos olhos quando
59
comparados às décadas anteriores. A primeira delas diz respeito à tendência de construção de
hidrelétricas cada vez mais distantes dos maiores centros urbanos e, consequentemente, a
ampliação das redes de transmissão interconectando localidades separadas por centenas de
quilômetros. A segunda característica foi o papel de protagonista desempenhado pelo Estado,
"único agente do notável processo de ampliação dos sistemas elétricos do país"
(CACHAPUZ, 2006, p. 343), que culminou com a quase completa estatização do SEB, na
virada das décadas de 70/ 80. Uma terceira característica foi o crescimento percentual da
participação da hidreletricidade sobre as demais fontes de energia. Em 1963, a
hidreletricidade respondia 78,04% da capacidade instalada brasileira, alcançou 87,76% quinze
anos depois, e no final da década de 1980, chegou em 89,96%.
Na compreensão de Castro, o distanciamento gradativo das unidades geradoras dos
centros consumidores, isto é, o deslocamento da "fronteira elétrica", também foi um elemento
que contribuiu para a especialização da indústria de energia elétrica em geração e distribuição
(CASTRO, 1985, 27-29).
Sobre a especialização das empresas do setor elétrico, Castro acrescenta que:
Com o aumento da escala de produção na indústria de energia elétrica tem ocorrido
uma divisão no seu processo produtivo: empresas concessionárias que geram e
transmitem e as que só distribuem eletricidade. Estas duas atividades apresentam
diferentes estruturas de custo: os gastos com capital fixo - grandes obras de
engenharia, equipamentos pesados, linhas de transmissão, etc - têm maior
participação nos custos totais de produção; enquanto são menores na distribuição.
Entretanto esta situação inverte-se quando consideramos os gastos com capital
variável, pois para o funcionamento, manutenção e expansão da distribuição da
eletricidade este componente de custo é relativamente maior do que na área de
produção. (...) Desta forma, podemos concluir que, em termos de custos, a área de
distribuição - por demandar menor volume de capital e menor imobilização em
capital fixo - apresenta melhores condições para remuneração do capital investido
vis-à-vis a área de produção de energia elétrica (CASTRO, 1985, p. 27).
Peiter avalia que "em meados da década de 1980, já se havia construído um poderoso
sistema de geração e transmissão de energia elétrica para o suprimento dos maiores centros
urbanos e industriais nas regiões sul e sudeste" (PEITER, 1994, 111). Contribuíram para tal
fato, a ligação do sul paulista até o estado gaúcho por intermédio da linha Jorge LacerdaFarroupilha, no final da década de 60, e em seguida, as linhas de transmissão a partir de
Itaipu.
A região nordeste, assim como o centro-sul do país também caminhava em direção a
uma conformação de um sub-sistema integrado. Com o foco situado em Paulo Afonso, linhas
foram levadas às principais capitais nordestinas nos anos 50 e 60. A entrada em operação da
UHE Boa Esperança possibilitou a extensão da rede de transmissão até as capitais do
60
Maranhão e do Piauí, além de Imperatriz (MA), que por sua vez, uniu os sistemas de Paulo
Afonso e Boa Esperança. A conclusão de Tucuruí em 1984 permitiu que as linhas de
transmissão chegassem ao Pará, efetuando a ligação entre o nordeste e o norte do país. De
maneira geral, ao longo das décadas de 70/ 80, o sistema elétrico brasileiro assumiu uma
configuração territorial, no que diz respeito à sua rede de transmissão, baseado em dois
grandes sistemas interligados - Centro-Sul e Nordeste/ Norte - e por alguns sistemas isolados,
notadamente localizados na região amazônica.
1.3.2. A expansão do setor elétrico no modelo estatal de grandes barragens
A taxa de crescimento da capacidade instalada do setor elétrico brasileiro entre 1962 e
1989, de maneira geral, foi alta, apresentando um incremento médio anual de 8,2%. Essa taxa
de crescimento se aproxima àquela observado no intervalo anterior (1945-62), e é
significativamente maior do que aquela encontrada entre 1930 e 45. Ao longo destes 27 anos,
a capacidade instalada do SEB cresceu 736% (Tabela 1.9., abaixo). Outra questão que chama
a atenção na tabela é a queda na expansão da capacidade instalada a partir de 1982, reflexo da
crise econômica que se abateu sobre a economia brasileira nos anos 80, a chamada "década
perdida". Se considerarmos apenas o período entre 1969 e 81, auge da expansão elétrica do
país, a taxa de crescimento médio anual foi da ordem de 11,3%.
Tabela 1.9. Evolução da capacidade instalada no Brasil. 1963-1989.
Ano
Capacidade
Instalada (MW)
1963
1965
1969
1973
1977
1981
1985
1989
5.525
6.436
9.444
14.487
21.741
34.248
39.897
47.894
Taxa de
Crescimento Anual
(%)
7,92
10,06
11,28
10,68
12,03
3,89
4,67
Fonte: Cachapuz, 2006. p. 344
Algumas questões merecem ser examinadas. Em primeiro lugar, a forte ampliação da
capacidade instalada foi alcançada graças à emergência da presença do Estado nas décadas de
1940 e 1950 e à consolidação desta participação nas décadas seguintes, de 1960 e 1970. O
caráter assumido por este Estado, em larga medida centralizador e autoritário, contribuiu,
61
contudo, decisivamente para que a expansão do setor elétrico brasileiro assumisse uma forma
particular: grandes barragens, que pouco consideravam questões sociais ligadas às
comunidades rurais e aos impactos ambientais associados.
Em segundo lugar, como será visto mais à frente, as grandes usinas hidrelétricas foram
construídas, cada vez mais, em pontos afastados dos principais centros consumidores, já que
os potenciais hidrelétricos do sudeste brasileiro se encontravam, em alguma medida, bastante
explorados, o que demandou o aumento da interligação do sistema ao chegar a pontos antes
isolados.
Com o recuo das empresas estrangeiras no cenário nacional, que no passado haviam
sido os agentes centrais na expansão da eletricidade, as empresas estatais, centralizadas na
figura da Eletrobrás, tornaram-se responsáveis pelo avanço setorial, tanto no que se refere ao
volume de eletricidade gerada, quanto à expansão territorial dos sistemas elétricos e a
interligação dos mesmos. A aquisição pelo sistema Eletrobrás das concessionárias
estrangeiras ligadas à Amforp e à Light, em 1964 e 1979 respectivamente, somente veio
consagrar um modelo estatal que já estava a se consolidar.
1.3.3. Distribuição espacial dos investimentos em geração
No novo contexto do modelo estatal do setor elétrico brasileiro, se configurou uma
expansão territorial na medida em que os novos investimentos em geração e transmissão se
situavam cada vez mais distantes dos principais centros urbanos. Nesta seção, a intenção é
tentar compreender a dimensão espacial desses novos empreendimentos e uma nova tendência
territorial do setor a partir deste novo modelo estatal.
A Chesf, no início da década de 1960, já controlava duas importantes UHEs: Paulo
Afonso I e II. Ainda dentro da lógica estatista em vigor, o governo militar instituiu um raio de
700 km, com centro em Paulo Afonso, cuja área formada estaria sob responsabilidade da
estatal. Se sob a hegemonia das empresas privadas, a lógica da apropriação de territórios e,
consequentemente, mercado, girava em torno das possibilidades de maximização do lucro,
sob o monopólio estatal, os territórios foram fatiados e distribuídos entre as concessionárias
estatais. Entre 1962 e 89, a Chesf, instalou as últimas unidades de Paulo Afonso II e
inaugurou cinco usinas de grande porte: Paulo Afonso III e IV, Moxotó, Sobradinho,
Itaparica. Além dessas construções, a Chesf também incorporou algumas hidrelétricas já
existentes, até então pertencentes a outras concessionárias de atuação local ou estadual. A
empresa também concluiu três termelétricas. Entre os anos 1962 e 89, a capacidade instalada
62
da Chesf saltou de 330 MW para 7.439 MW, uma multiplicação por mais de 22 vezes. Por
meio da sua rede de transmissão, a concessionária atendia a quase todos os estados
nordestinos23, e fornecia energia elétrica para as distribuidoras estaduais nordestinas.
Uma outra importante subsidiária, de atuação no Sudeste e Centro-Oeste, foi Furnas
que concluiu a usina homônima, em 1965. A empresa também empreendeu e concluiu quatro
usinas de grande porte. Por outro lado, Furnas herdou duas obras inacabadas da Chevap, a
termelétrica Santa Cruz e a hidrelétrica de Funil. Ao final de todo esse processo de construção
e aquisição de usinas, Furnas chegou em 1989 com uma capacidade de geração de 8.123 MW,
a maior do Brasil, e movimentava cerca de 1/3 da energia elétrica do país, se contarmos com a
transferência de Itaipu. Coube a esta subsidiária a implementação inicial das usinas nucleares
de Angra I e II, que passaria, porém, em 1981, à responsabilidade de uma empresa específica
para esse fim, Empresas Nucleares Brasileiras (Nuclebrás).
Sob a mesma ótica do 'fracionamento regional', a Eletrosul, fundada em 1968 como
subsidiária da Eletrobrás, ficou responsável pela atuação nos estados da região Sul. A
primeira tarefa da Eletrosul na área da geração foi a conclusão da instalação da UHE de Passo
Fundo. Com a supervisão da Eletrosul, a Copel deu início a geração de energia da UHE Salto
Osório. A UHE Salto Santiago, a montante da usina anterior, foi concluída em 1980. A
termoeletricidade foi um foco de ação importante da Eletrosul, com um destaque maior do
que as demais subsidiárias regionais. Neste sentido, a Eletrosul fez parte das obras de
ampliação do Complexo Termelétrico de Jorge Lacerda, em 1971. A estatal também
incorporou ao seu capital algumas termelétricas já existentes ou em fase de construção, tais
como: Charqueadas, Alegrete e Capivari de Baixo. A potência instalada de 3.222 MW, em
1989, fez da Eletrosul um dos principais agentes geradores do país e o maior do sul do Brasil.
A última subsidiária da Eletrobrás de âmbito regional a ser constituída, a peça que
faltava para cobrir todo o território brasileiro, a Eletronorte, fundada em 1973, passou a se
ocupar da maior fração territorial do país, que abrangia os estados do Acre, Amazonas, Pará,
Mato Grosso (parte) e Goiás (parte), além dos territórios de Rondônia, Roraima e Amapá. A
área sob responsabilidade da empresa ocupava mais da metade do Brasil e era, em função das
suas características, de difícil integração e interligação. A primeira unidade de geração
implementada pela companhia, UHE Coaracy Nunes, que visava abastecer Macapá e cidades
vizinhas, entrou em operação em 1975. Neste mesmo ano foram iniciadas as obras da maior
hidrelétrica exclusivamente em território brasileiro: a UHE Tucuruí. A usina foi, também,
23
A exceção era o Maranhão, suprido pela Eletronorte.
63
uma das mais controversas, em razão das críticas sofridas em relação ao impacto ambiental, o
custo do empreendimento, problemas com o deslocamento compulsório e reassentamento dos
atingidos pela barragem, o interesse das indústrias de alumínio no projeto, dentre outros.
Ainda em 1989, a Eletronorte inaugurou duas outras hidrelétricas: a UHE Balbina e a Samuel.
Na década de 1980, a estatal também assumiu a incorporação de algumas companhias de
atuação estadual, que detinham algumas termoelétricas e atuavam no sentido de atender às
suas capitais e localidades próximas24. As instalações da Chesf no estado do Maranhão foram
repassadas ao controle da Eletronorte na ocasião em que se realizou a passagem do estado à
região geo-elétrica do norte. A Eletronorte não logrou interligar toda a região norte do país,
não obstante, viabilizou a interligação Norte-Nordeste que, por sua vez, possibilitou o
recebimento de energia da Chesf para abastecimento da capital paraense. Em 1989, a
capacidade instalada da Eletronorte atingiu 4.572 MW tornando-se uma das grandes
subsidiárias regionais do sistema Eletrobrás. Lemos (2007) faz uma contextualização
detalhada e apresenta algumas informações significativas no momento em que se constituiu a
Eletronorte.
A figura 1.8, mostra o 'encaixamento' das subsidiárias de escala regional, já
mencionado anteriormente. Há poucas diferenças entre os anos de 1973 e 1989, apenas a
transferência do Maranhão do território da Chesf para a Eletronorte e o estado do Mato
Grosso do Sul25, que se deslocou do controle de Furnas para a Eletrosul. No estado do Mato
Grosso, cabia à Eletronorte a atuação ao norte do paralelo 18º sul. Após a constituição do
estado do Mato Grosso do Sul, em 1979, a Eletronorte se ocupou da totalidade do Mato
Grosso. No estado de Goiás, a concessão da Eletronorte se referia ao norte do paralelo 15º sul.
Com a divisão de Goiás e a criação do estado de Tocantins, em 1989, este último passou à
esfera da Eletronorte. Diferentemente do que acontece nos dias de hoje, as subsidiárias Chesf,
Furnas, Eletrosul e Eletronorte, durante o período militar, foram organizadas com os seus
limites territoriais de atuação bem definidos. As estatais teriam a incumbência de executar os
respectivos planos regionais articulados com o planejamento da Eletrobrás.
24
Companhia de Eletricidade de Manaus (CEM), Centrais Elétricas do Pará (Celpa), Centrais Elétricas de
Rondônia (Ceron), Eletricidade do Acre (Eletroacre) e a Centrais Elétricas de Roraima (CER).
25
O estado do Mato Grosso do Sul foi constituído a partir do desmembramento do estado do Mato Grosso em
1979.
64
Figura 1.8. Distribuição das empresas subsidiárias regionais no território brasileiro. 1973 e 1989.
Elaboração própria.
Dentre as chamadas medidas 'estatizantes' do governo militar, a aquisição da Light
pelo Estado brasileiro foi uma das mais importantes. Conforme vimos no capítulo anterior,
nos dois decênios anteriores o grupo estrangeiro não realizava significativos investimentos no
campo da geração de energia, fato esse foi utilizado como argumento para justificar o
crescimento da participação do Estado no setor elétrico. Em meados dos anos 70, o governo
brasileiro fora comunicado do interesse do grupo canadense em se desfazer tanto da SP Light
quanto da Light Rio, o que veio a acontecer somente em 1979. Em 1981, a estatal paulista
Eletropaulo adquiriu a SP Light. Do lado fluminense, a Light manteve o nome tornando-se
uma subsidiária federal da Eletrobrás. Naquela época a estatização da Light foi alvo de
inúmeras críticas em razão do alto preço da negociação, além da proximidade do fim do
contrato de concessão, que abriria a perspectiva da reversão de todo o patrimônio da empresa
para a União, sem qualquer ônus financeiro (FIALHO, 1979). O único investimento em
geração de energia da Light em todo o período de 1962 e 89, e também o último que teve
alguma relevância, foi a implementação da UHE Pereira Passos, concluída em 1963. Uma vez
estatizada, a Light se consagrou essencialmente à distribuição, sendo que cerca de 80% da
energia distribuída vinha do sistema Furnas. No ano de 1989, a capacidade instalada da Light
era de apenas 770 MW.
A Espírito Santo Centrais Elétricas S.A. (Escelsa) foi a segunda subsidiária federal,
porém de atuação estadual, da Eletrobrás, e surgiu a partir da composição da antiga empresa
estadual com uma empresa do grupo Amforp. A empresa pouco avançou em termos de
capacidade instalada, pois em 1989 atingira o montante de 160 MW, a exemplo da Light,
65
tornando-se dependente da energia transferida de Furnas. Apenas duas unidades geradoras
foram inauguradas neste período: UHEs Suíça e Mascarenhas.
No que diz respeito aos governos estaduais, estes, na sua maioria, também expandiram
suas ações nas áreas de geração, transmissão e distribuição, por intermédio das
concessionárias estaduais. Cabe destacar que, após a constituição da Eletrobrás, além da
distribuição de territórios regionais às quatro grandes empresas subsidiárias da Eletrobrás,
todas as unidades federativas dispunham de concessionárias estaduais, com exceção do
Espírito Santo, cuja concessionária era federal. É possível notar, além do mosaico da estrutura
regional, na qual as áreas de concessão das estatais federais se encaixavam, as empresas
estaduais se restringiam aos seus territórios, diferentemente do que acontecia no período préestatal, quando as concessionárias, muitas vezes, ultrapassavam os limites entre estados.
A maior das empresas constituída por um governo estadual era a Centrais Energéticas
de São Paulo (Cesp), que atuava nas áreas de geração, transmissão e distribuição em quase
todo estado de São Paulo. Em 1967, a partir da fusão de uma série de empresas privadas e
estaduais26, foi constituída a Cesp, como sociedade de capital misto, tendo como principal
acionista o estado de São Paulo. No período de 1962-89 foram construídas 15 usinas no
estado de São Paulo, sendo três anteriores à formação da Cesp e as demais todas inauguradas
pela empresa. No final da década de 1980, a Cesp se tornara a maior empresa brasileira em
termos de geração de energia elétrica, já que sua potência instalada havia alcançado 8.648
MW, distribuídas em 23 usinas.
26
As empresas que formaram a Cesp foram as estaduais de atuação local: Uselpa, Cherp, Celusa, Belsa e
Comepa, assim como as privadas de atuação local: Cia. Luz e Força de Tatuí, Cia. Luz e Força do Tietê, C.E. de
Rio Claro, Cia. Luz e Força de Jacutinga e Cia. Luz e Força de Mogi-Mirim.
66
Figura 1.9. Distribuição espacial dos principais investimentos em geração de energia. 1962-1989.
Elaborada por Aline Schindler com colaboração do autor, baseada em Cachapuz (2006).
Além da Cesp, atuava no território paulista, a CPFL, até 1964 pertencente ao grupo
Amforp. Somente em 1975, a CPFL passou ao controle da Cesp, e dedicou-se principalmente
à distribuição e transmissão. Neste período, a CPFL não logrou grandes avanços na sua
capacidade instalada, tendo apenas ampliado uma usina já existente. A Eletropaulo, outra
subsidiária do sistema Eletrobrás que atuava no estado paulista, era responsável por distribuir
energia para os municípios da Grande São Paulo, da Baixada Santista e do Vale do Paraíba,
área mais industrializada e urbanizada do país.
A Cemig ampliou bastante o parque gerador nas décadas de 60 a 80. A usina de Três
Marias foi ampliada e outras quatro usinas foram construídas. A usina Igarapé, construída na
região metropolitana de Belo Horizonte, em 1978, foi o único empreendimento termelétrico
da Cemig neste período. Ao longo desses anos, a empresa anexou algumas empresas
menores27, o que contribuiu para que a mesma se mantivesse entre as principais geradoras de
energia elétrica do país, já que alcançou, em 1989, uma capacidade instalada total de 4.464
MW.
27
A Cia. Sul Mineira de Eletricidade, a Cia. Força e Luz de MG, Cia. Prada de Eletricidade, Cia. Mineira de
Eletricidade.
67
A Copel foi outra concessionária estadual que incrementou expressivamente a
capacidade instalada. Neste período foram inauguradas quatro usinas. Assim como a Cemig, a
empresa paranaense também investiu em uma única termelétrica, Figueira, inaugurada em
1963. A longo deste período, a Copel incorporou à sua estrutura algumas concessionárias
menores do Paraná28, o que colaborou para a ampliação do seu parque gerador, que passou
dos 10 MW no ano de 1962 para 2.078 MW, em 1989.
A concessionária gaúcha CEEE, dentro da mesma lógica de expansão das demais
empresas estaduais, promoveu o empreendimento de duas hidrelétricas e duas térmicas. A
CEEE ampliou de 194 para 1.390 MW, entre 1962 e 89, um desempenho aquém das
necessidades do estado, tanto que atendia apenas 42% do consumo gaúcho de energia elétrica,
sendo o restante complementado pela Eletrosul e Itaipu. Em Santa Catarina, a Celesc,
concessionária de pouca expressão, concluiu quatro pequenas usinas.
Na região Centro-Oeste, o principal empreendimento foi a ampliação da UHE
Cachoeira Dourada levada a cabo pela concessionária goiana, Celg, na divisa dos estados de
Goiás e Minas Gerais. Em 1982, a Celg iniciou a operação da UHE Isamu Ikeda, no atual
município de Ponte Alta do Tocantins (TO). Na época de sua instalação, a usina estava
localizada no norte de Goiás, onde é hoje o estado de Tocantins, assim a usina e outras
menores foram transferida para a nova concessionária estadual, Celtins. No estado de Mato
Grosso, a concessionária Cemat promoveu a instalação de apenas uma hidrelétrica. Logo após
a transferência do Distrito Federal para o Centro-Oeste, em 1960, o aumento da demanda por
energia na recém inaugurada capital federal promoveu a construção da UHE Paranoá e a UTE
de Brasília. Além disso, Brasília e as demais cidades do DF também recebiam energia gerada
por Furnas e pela Celg. O estado de Mato Grosso do Sul, desmembrado em 1979, viu a recém
constituída Enersul assumir os ativos da Cemat existentes na nova unidade da federação.
Nas concessionárias estaduais dos estados nordestinos, foram pouco expressivos os
empreendimentos de expansão do parque gerador. A Cia. Hidrelétrica de Boa Esperança
(Cohebe) inaugurou a usina de mesmo nome em 1970, localizada no município de Guadalupe
(PI). Alguns anos depois, a Chesf incorporou a empresa e, consequentemente, a usina. A
Chesf também incorporou uma série de pequenas usinas no nordeste. As únicas
concessionárias estaduais nordestinas que dispunham de capacidade de geração própria eram
a Coelba (BA) e a Cemar (MA), as demais concessionárias estaduais de energia se detinham à
28
A Central Elétrica Capivari-Cachoeira, em 1970, a Cia. Força e Luz do Paraná (Amforp), em 1973, e a Usina
Termelétrica de Figueira, em 1969.
68
distribuição e transmissão de energia, dependentes de maneira exclusiva da energia gerada
pela Chesf.
No norte do Brasil não foram significativos os investimentos em geração. Nesta
região, destacamos a construção da UHE Curuá-Una e as térmicas Tapanã I e II e Miramar,
desativadas depois de efetuadas as interligações norte-nordeste. No estado do Amazonas, o
parque gerador era composto por pequenas unidades térmicas espalhadas nas principais
cidades do estado. Os principais investimentos em hidreletricidade foram a PCH de São
Gabriel da Cachoeira e Balbina. Em Rondônia, destaca-se a conclusão da UHE Samuel e a
UTE Guajará-Mirim. A concessionária estadual do Amapá inaugurou a UHE Coaracy Nunes,
em Macapá, e algumas térmicas espalhadas pelo interior.
Dentre as empresas privadas, destacamos a Cia. Força e Luz Cataguazes-Leopoldina
(CFLCL), que construiu algumas usinas neste período: Nova Maurício, em Leopoldina (MG);
e a UHE Glória, em Muriaé (MG). E em São Paulo, a Cia. Força e Luz de Santa Cruz, que por
sua vez, ampliou a UHE Paranapanema, no município paulista de Piraju (SP).
69
CAPÍTULO 2
A PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO
Introdução
Até a década de 1980, o setor elétrico brasileiro havia atravessado por vários estágios,
da hegemonia do capital privado estrangeiro ao predomínio do capital estatal. A última
década do século XX trouxe um fato novo: a retomada da expansão das empresas privadas
que, por sua vez, veio acompanhada de importantes reformas institucionais. Sob a égide do
pensamento neoliberal, que compreendia o Estado brasileiro como um "gigante" ineficiente,
cujos numerosos "tentáculos" se constituíam em um obstáculo ao desenvolvimento nacional,
uma série de mudanças foram impostas ao SEB: algumas empresas estatais foram alienadas,
foram criados novos órgãos reguladores e um novo arcabouço institucional foi constituído
para atender ao setor.
Assim, neste segundo capítulo serão apresentadas as reformas que atingiram o SEB.
Para lograr alcançar tal tarefa, também mostrar-se-á o contexto em que tais transformações se
deram, assim como as suas justificativas políticas e ideológicas e as suas consequências. De
maneira a ajudar na reflexão, foram incorporadas algumas discussões sobre o significado do
Estado neoliberal e as retóricas e os discursos que o legitimam.
Neste sentido, a primeira parte deste capítulo tem-se uma revisão das teses dos
principais teóricos neoliberais, isto é, Friedrich Hayek e Milton Friedman. Também será feita
uma revisão acerca das contribuições de autores críticos, tais como, David Harvey, Pierre
Bourdieu e José Luiz Fiori. Em seguida, discutir-se-á a distância que separa o neoliberalismo
teórico puro do neoliberalismo na prática, isto é, das experiências e políticas que tentam
enraizar a teoria no terreno concreto.
Finalmente, o capítulo discorrerá sobre as reformas institucionais no setor elétrico
brasileiro, que a partir da década de 1990, sofre transformações de um cunho neoliberal, ainda
que, em vários pontos, as reformas não tenham ido tão longe quanto prescreve o receituário
neoclássico29.
29
Cita-se, como por exemplo, a insistência de empresas como a Eletrobrás, Chesf, Furnas, Eletronorte, Copel,
Cemig que permanecem públicas, e a significativa presença do Estado como agente produtor, para os padrões
liberais.
70
2.1. O Estado neoliberal na teoria: o neoliberalismo como discurso
As primeiras discussões que serão tratadas aqui são as formulações teóricas a respeito
do pensamento neoliberal e de sua respectiva proposta de Estado que se deseja conceber. Não
será uma sessão tão extensa, para não desviar o foco da investigação, mas será importante
para entender os rumos tomados pelo Estado brasileiro, a partir da década de 1990, no que
toca às suas reformas estruturais.
David Harvey aponta a definição do neoliberalismo a partir dos teóricos engajados na
sua construção como sendo:
"uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar humano
pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades
empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada
por sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livre comércio"
(HARVEY, 2008, p.12).
O autor descreve que o papel do Estado no neoliberalismo seria "criar e preservar uma
estrutura institucional apropriada a essas práticas", assim como assegurar as "funções
militares, de defesa, da polícia e legais requeridas para garantir direitos de propriedade
individuais", e também "o funcionamento apropriado dos mercados", pela força, se inevitável
for (HARVEY, 2008, p. 12). Todavia, Harvey salienta que na compreensão neoliberal, o
Estado não deve ir além dessas atribuições, suas intervenções devem ser as menores possíveis,
já que o Estado não possui informações suficientes para entender devidamente os sinais do
mercado. Importante ressaltar o que Harvey define como Estado neoliberal: "um tipo
particular de aparelho de Estado cuja missão fundamental foi criar condições favoráveis à
acumulação lucrativa de capital pelos capitalistas domésticos e estrangeiros", além disso,
essas condições favoráveis somente seriam atingidas mediante a consecução das liberdades de
mercado e comércio que, por sua vez, garantiriam as liberdades individuais. Contudo, defende
Harvey, "as liberdades que ele [o Estado] encarna refletem os interesses dos detentores de
propriedade privada, dos negócios, das corporações multinacionais e do capital financeiro"
(HARVEY, 2008, p. 17).
Segundo este autor, um importante impulso para a construção dos princípios do
neoliberalismo se deu através da publicação dos ideais de fundação da Mont Pelerin Society,
organização de acadêmicos, liderados por Friedrich Hayek, Milton Friedman, Karl Popper,
entre outros, que defendia como valores centrais da civilização a liberdade, a propriedade
71
privada, o mercado competitivo e a adesão aos princípios dos economistas neoclássicos da
segunda metade do século XIX30 (HARVEY, 2008, p. 29).
Uma das principais referências recentes na defesa do laissez-faire, Milton Friedman
nos traz algumas pistas sobre como deve se dar a relação entre o Estado e a economia sob o
liberalismo. Segundo o autor, a redução do Estado não significa a sua dissolução. A existência
de um mercado livre não elimina a necessidade de um governo, "o árbitro que interpreta e põe
em vigor as regras". O que cabe ao mercado é diminuir o número de questões que devem ser
decididas por meios políticos (FRIEDMAN, 1984). Consequentemente, talvez seja possível
concluir através desta assertiva que Friedman sustenta, por um lado, que as questões centrais
seriam deliberadas pela "mão invisível" do mercado, em razão do seu caráter privilegiado nas
sociedades e, do outro, se permitiria aos demais segmentos sociais externos ao mercado a
possibilidade de discorrer sobre as questões secundárias. Fiori acrescenta que, mesmo hoje,
uma das propostas básicas do neoliberalismo é "o menos de Estado e de política possível",
assim a palavra de ordem é "despolitizar a economia e reduzir ao mínimo a intervenção do
Estado na vida social" (FIORI, 2001, p. 77).
Particularmente, a defesa da competição sempre ocupou um importante espaço dentre
os intelectuais liberais. Assim, as virtudes da concorrência aparecem no trabalho mais
conhecido de Hayek, "O caminho da servidão",
[O liberalismo econômico] considera a concorrência um método superior, não
somente por constituir, na maioria das circunstâncias, o melhor método que se
conhece, mas, sobretudo por ser o único método pelo qual nossas atividades podem
ajustar-se umas às outras sem a intervenção coercitiva ou arbitrária da autoridade.
Com efeito, uma das principais justificativas da concorrência é que ela dispensa a
necessidade de um "controle social consciente" e oferece aos indivíduos a
oportunidade de decidir se as perspectivas de determinada ocupação são suficientes
para compensar as desvantagens e riscos que a acompanham. (HAYEK, 1990, p. 63).
A partir da crença que um Estado forte ceifa a liberdade dos indivíduos, em outra
passagem Hayek sustenta que o individualismo "tem como características essenciais o
respeito pelo indivíduo como ser humano, isto é, o reconhecimento da supremacia de suas
preferências e opiniões na esfera individual, (...) e a convicção de que é desejável que os
indivíduos desenvolvam dotes e inclinações pessoais" (HAYEK, 1990, p. 42). A obra-síntese
de Hayek, mais do que elaborar uma crítica ao socialismo soviético, busca enfrentar toda e
30
A Sociedade de Mont Pelerin permaneceu à margem do debate político até a década de 1970 quando Hayek e
Friedman ganham os prêmios Nobel de Economia, em 1974 e 1976, respectivamente. A eleição de Thatcher na
Grã-Bretanha, no fim da década, traz ao centro a Sociedade e amplia a importância da teoria neoliberal, quando
seu governo promoveu o abandono do keynesianismo e a adoção das políticas liberais.
72
qualquer forma de "intervencionismo" estatal, inclusive no seio do modo de produção
capitalista. Em particular, a crítica é direcionada ao "New Deal" norte-americano e ao
trabalhismo britânico, movimentos políticos e econômicos de significativo prestígio no
momento em que o livro foi publicado, influenciado pelo pensamento econômico keynesiano.
Ao discutir as origens intelectuais do pensamento neoliberal, Fiori entende que o
sucesso neoliberal não foi uma "conquista científica", já que seus principais avanços e
consequências aconteceram fora da academia. Fiori lembra que das origens nos Alpes suíços
até os anos setenta, o pensamento neoliberal permaneceu sob certa obscuridade, já que "foi a
crise econômica mundial da década de 1970 que lhes deu uma súbita credibilidade em face ao
aparente fracasso do keynesianismo, começando ali sua ascensão vitoriosa ao poder" (FIORI,
2001, p. 58-59).
Segundo Fiori (2001, p. 59), foi na década de 1970 que emergiu o fundamentalismo
neoclássico, inclusive superando o pensamento de Friedman e Hayek no que tange a sua
vertente mais extremista. A defesa da liberalização das economias foi tão significativa que
mesmo os keynesianos recuaram em suas posições, afastando-se quase que absolutamente das
posições teóricas de Keynes. Assim, "a ortodoxia neoclássica se tornou monoliticamente
hegemônica na academia americana nos anos 90, transformando-se em foco de irradiação de
professores e policy makers".
É comum nos meios de comunicação e em algumas pesquisas no campo das ciências
sociais se referir ao Estado neoliberal enquanto um "Estado mínimo", Bourdieu (1998) parece
discordar desta ideia quando afirma que o Estado teria uma "mão esquerda" e uma "mão
direita". A mão esquerda, personalizada pelos ministérios "gastadores" e responsável pelos
investimentos sociais em educação, saúde, assistência social, previdência tende a ser reduzida
diante do avanço da hegemonia neoliberal. Já a mão direita, representada pelas instituições
fiscalizadoras, que controla o aparelho policial-repressor, essa não recua; pelo contrário, a
repressão aos movimentos populares, sindicais e de base cresceria no Estado neoliberal. O
movimento que caracterizaria o Estado neoliberal, pois, segundo Bourdieu, nada teria com
uma minimização do Estado, mas com um recuo da mão esquerda - que se retira
progressivamente de vários setores da vida social que costumavam ser sua incumbência, como
habitação pública, escola, hospital, e um avanço da mão direita.
Com essa tese concorda Harvey, ao destacar que, se de um lado, o Estado "reduz os
recursos dedicados ao bem-estar social e reduz o seu papel em áreas como assistência à saúde,
o ensino público e a assistência social", além de deixar "segmentos sempre crescentes da
população expostos ao empobrecimento", de outro lado, produz estruturas jurídicas que
73
privilegiam as corporações e "recorre a legislações coercivas e táticas de policiamento para
dispersar ou reprimir formas coletivas de oposição ao poder corporativo". E, além disso, "o
braço coercitivo do Estado é fortalecido para proteger interesses corporativos e, se necessário,
reprimir dissensão" (HARVEY, 2008, p. 86-87). E de modo algum, acrescenta, torna
irrelevante o Estado ou instituições particulares, como tribunais e funções de polícia.
O Brasil chegou tarde ao neoliberalismo, pelo menos uns quinze anos, pois, segundo
Harvey (2008, p. 11), os marcos fundamentais de eclosão do pensamento e das práticas
neoliberais se deram no período 1978-80, (a) com as reformas liberais chinesas promovidas
por Deng Xiaoping, que abriu o país ao capitalismo mundial, (b) as mudanças na economia e
no Banco Central dos EUA lideradas por Paul Vocker31 e Ronald Reagan32, (c) e os rumos
tomados pela economia inglesa a partir de Margaret Thatcher. Esses epicentros, cada um a sua
maneira, impulsionaram o pensamento neoliberal em várias partes do planeta, como por
exemplo, nos ex-Estados soviéticos, na África do Sul pós-apartheide, na China do 'socialismo
de mercado' e na América Latina33. A partir da década de 1980, vários países se permitiram
experiências comuns às práticas políticas e econômicas do neoliberalismo, como a
desregulação econômica, a privatização e a retirada do Estado de certas esferas sociais.
Harvey aponta as tensões e contradições presentes no interior do pensamento
neoliberal, quando ressalta a distância entre a teoria do neoliberalismo e a prática completa da
liberalização, já que:
"O rigor científico de sua economia neoclássica não é facilmente compatível com seu
compromisso político com ideais de liberdade individual, nem sua suposta
desconfiança com respeito a todo poder estatal o é com a necessidade de um Estado
forte, e se necessário, coercitivo, que defenda os direitos à propriedade privada, às
liberdades individuais e às liberdades de empreendimento". (HARVEY, 2008, p. 30).
Harvey salienta que há uma significativa distância entre a prática neoliberal e a sua
teoria a respeito do Estado e sustenta que "a prática da neoliberalização evoluiu de tal modo
que se afastou ponderavelmente do modelo que a teoria oferece" (HARVEY, 2008, p. 75).
Pelo menos em tese, o pensamento neoliberal sustenta que o papel do Estado deve ser (a)
favorecer fortes direitos individuais à propriedade privada, (b) garantir as instituições de
31
Presidente do Banco Central dos EUA (Federal Reserve - FED), entre agosto de 1979 e agosto de 1987.
Presidente dos EUA, entre 1981 e 1989.
33
Exceção é o Chile, que antes do período que Harvey entende como de eclosão do neoliberalismo (1978-80), já
havia incorporado as práticas neoliberais em 1973, com o golpe militar de Augusto Pinochet sobre Salvador
Allende, de tendência socialista. O Chile se constituiu uma espécie de laboratório neoliberal, já que houve uma
ativa participação da inteligência militar dos EUA, com a conivência e leniência dos conservadores chilenos,
além da assessoria econômica de um grupo de economistas chilenos formados nos EUA e influenciados por
Milton Friedman, os chamados "Chicago Boys".
32
74
mercado livre, (c) passar à iniciativa privada todos os setores explorados pelo Estado, (d)
preservar a livre competição entre pessoas, empresas, corporações, cidades, regiões, etc. O
Estado e todo seu arcabouço jurídico-institucional-legal deve proteger esses princípios. O
atendimento a esses preceitos seria uma garantia de eliminação de entraves burocráticos,
aumento da eficiência e produtividade, melhora da qualidade e redução de custos. Segundo o
autor, valores como dignidade e liberdade individual foram colocados pelo pensamento
neoliberal como centrais para a civilização, contudo, "as liberdades que ele [o Estado] encarna
refletem os interesses dos detentores de propriedade privada, dos negócios, das corporações
multinacionais e do capital financeiro" (HARVEY, 2008, p. 17).
2.2. O neoliberalismo na prática
A partir da década de 1990, o ideário neoliberal atingiu o país. Se no passado o
caminho
necessário
para
o
crescimento
econômico
havia
sido
o
nacional-
desenvolvimentismo, sob o qual a centralidade do Estado havia sido imperiosa. O governo
brasileiro enxergou na mudança do papel do Estado na economia e na sociedade o caminho
natural para superar a estagnação característica da "década perdida". No entendimento de
Fiori (2001, p. 74), o neoliberalismo combinou determinismo econômico com defesa do
mercado livre e do individualismo, aceitação da desigualdade social, e mais um pacote que
incluía: menos Estado, moeda forte, privatizações, equilíbrio fiscal e competitividade global.
Ao discorrer sobre o avanço do neoliberalismo, Fiori destaca a rapidez com que o pensamento
se tornou hegemônico:
"Religiões e ideologias, modismos culturais e acadêmicos já ocuparam posições
parecidas no passado. Mas é provável que nenhuma ideia secular tenha alcançado,
até hoje, uma hegemonia tão intensa e aplastante, sobretudo depois da queda do
Muro de Berlim e da derrota do mundo socialista. (...) O novo liberalismo ou
'pensamento único', apesar de conter forte conteúdo econômico, e indiscutíveis
pretensões científicas e acadêmicas, foi muito além de tudo isto, não apenas do
ponto de vista territorial e sociológico, mas sobretudo porque conseguiu se
transformar num mix de projeto político e econômico de curto prazo. E, o que é
mais surpreendente, uma utopia ou crença quase religiosa, difundida igualmente nos
países ricos e pobres" (FIORI, 2001, p. 75).
De maneira distinta a alguns autores, multiplicadores da consigna de Thatcher "there
is no alternative", que de tão veiculado virou sigla (TINA), Fiori rejeita a ideia da
inevitabilidade do caminho tomado pelo Estado brasileiro. E lembra que os objetivos "foram
definidos por um contrato internacional válido por três anos e assinado entre o governo
brasileiro, o Fundo Monetário Internacional e o Banco de Compensações Internacionais", que
75
"comprometeu o país com o cumprimento de metas ficais e monetárias (...) em troca de um
empréstimo de 40 milhões de dólares". Foi uma opção consciente, que trocou a liderança do
Estado na busca pelo desenvolvimento "por uma estratégia de abertura econômica com vistas
a uma transnacionalização radical dos centros de decisão e das estruturas econômicas
brasileiras" (FIORI, 2001, p. 11).
A importação dos preceitos liberais, já praticados nos países centrais, para os países
periféricos se deu através de um pacote econômico, chamado "consenso de Washington". A
expressão foi cunhada por John Williamson34, publicada por institutos de economia da capital
norte-americana, e versava sobre "o mínimo denominador comum de recomendações de
políticas econômicas que estavam sendo direcionadas pelas instituições financeiras de
Washington aos países da América Latina, a partir de 198935". Essas recomendações aos
países latinos eram: disciplina fiscal, reorientação das despesas públicas para áreas que
oferecem alto retorno econômico, reformas fiscais, liberalização das taxas de juros, taxas de
câmbio competitivas, liberalização dos investimentos estrangeiros diretos, privatização,
desregulamentação (abolição das barreiras de entrada e saída) e garantias a propriedade
privada36. Os próprios formuladores de tais políticas reconhecem que haviam perdido o
controle sobre as recomendações do "consenso", já que muitas da ideias atribuídas ao
"consenso" não pertenciam às recomendações originais.
O "consenso de Washington" propunha, destaca Fiori, que para reduzir as
desigualdades sociais, bastava se desfazer do estatismo e permitir o livre curso do comércio e
dos preços e, assim ocorreria, inevitavelmente, a retomada dos investimentos e do
crescimento econômico.
Como teria se dado a emergência do neoliberalismo no Brasil? Harvey descreve que
no caso da América do Sul, em particular no Chile e em seguida na Argentina, foi necessária a
implementação de um golpe militar apoiado pelas elites mais conservadoras e pelo governo
estadunidense. No caso brasileiro foi diferente: a chegada do neoliberalismo se deu
justamente a partir das eleições presidenciais de 1991, alguns anos após o fim dos sucessivos
governos ditatoriais. No início da década de 1990, muitas das políticas econômicas latinoamericanas já haviam tomado o rumo orientado pelas instituições sediadas em Washington,
cuja adesão foi acompanhada por um pacote de estabilização monetária, reformas estruturais e
34
Williamson defendeu em outro artigo que "a viabilidade do sistema democrático latino-americano dependia da
possibilidade de eliminar o debate político-econômico das disputas eleitorais" (FIORI, 2001, p. 215).
35
Tradução livre de: the lowest common denominator of policy advice being addressed by the Washington-based
institutions to Latin American countries as of 1989 (Disponível em:
<http://www.cid.harvard.edu/cidtrade/issues/washington.html>, acessado em maio de 2009).
36
<http://www.cid.harvard.edu/cidtrade/issues/washington.html>.
76
institucionais, destinadas a "ajustar as economias e sociedades do continente à nova realidade
mundial", acrescenta Fiori (2001, p. 199). Assim, o objetivo estratégico do ajuste foi a
substituição do modelo desenvolvimentista pelo modelo calcado na abertura dos mercados e
da privatização das empresas e serviços públicos.
Sob a justificativa de combater o déficit público, a política econômica buscou como
soluções a redução das despesas, o aumento das receitas tributárias, a alienação das empresas
estatais e as concessões de serviços públicos ao setor privado. Matos Filho e Oliveira, ao
enumerar as razões que justificam a política e as privatizações, usavam-se os seguintes
argumentos: (a) a crescente demanda da sociedade por programas de bem-estar, (b) exagerada
importância dada ao Estado, (c) a estrutura extremamente sobrecarregada do setor público
brasileiro, (d) escassez de recursos públicos, (e) má administração das empresas públicas, com
técnicas gerenciais ultrapassadas e administração de cunho política, (f) gestão pouco eficiente
e de baixo nível de produtividade (MATOS FILHO; OLIVEIRA, 1996, p. 10).
Assim, concluem os autores, a justificativa para seguir o caminho da liberalização
seria ajustar a economia brasileira ao novo contexto global, marcado pela fluidez do capital,
aumento da concorrência internacional e integração maior dos mercados na globalização. Se a
abertura do país ao capital estrangeiro diminuiu as barreiras tarifárias e desguarneceu os
artifícios de proteção à indústria nacional, teria contribuído, porém, para a modernização da
mesma frente à concorrência com as corporações estrangeiras.
O balanço realizado por Fiori destaca que, na esfera da economia, a década de 1990
assistiu a um baixo crescimento econômico médio anual, uma alta taxa de desemprego, em
especial nas regiões metropolitanas, queda na participação dos salários na renda nacional e
aumento da concentração da renda e da riqueza37. Além disso, "ocorreu um processo
gigantesco de expansão e transferência de riqueza privada, sobretudo patrimonial, mas que
conseguiu premiar quase todas as frações da burguesia brasileira e de suas oligarquias
regionais de poder" (FIORI, 2001, p. 12-13). Como resultado, Fiori (2001, p. 201) avalia o
desempenho sócio-econômico dos países latinos assim: "baixo crescimento econômico e
aprofundamento das desigualdades, dentro de cada país, e entre a América Latina, como um
todo, e o mundo desenvolvido".
37
Houve um recuo no crescimento das economias nacionais. O continente ao longo da década de 90 cresceu em
média menos de 3% ao ano, inferior aos "trinta anos de desenvolvimentismo", quando havia crescido por volta
de 5,5% de média/ ano. O contraste é ainda maior no caso brasileiro, já que o crescimento entre os anos de 1945
e 1980 ficou acima de 7%, enquanto na década neoliberal foi de 3%, inferior à "década perdida" de 80 (FIORI,
2001, p. 200-201).
77
2.3. O neoliberalismo no setor elétrico brasileiro
As reformas econômicas seguiram o caminho da abertura comercial e da redução da
participação do Estado na economia. O reflexo no setor elétrico foi a queda da presença do
Estado enquanto um agente gerador, transmissor e distribuidor de energia elétrica. Como foi
possível
perceber
no
capítulo
anterior,
o
pensamento
marcado
pelo
nacional-
desenvolvimentismo, dominante entre as décadas de 50 e 70, fomentou a industrialização, a
urbanização, assim como, o significativo crescimento da capacidade instalada do Brasil e os
investimentos em infra-estrutura e na indústria de base, apoiado, quase que de maneira
exclusiva, no capital estatal.
No âmbito do setor elétrico, os primeiros debates sobre as mudanças institucionais
começaram ainda em 1987, no interior do Programa de Revisão Institucional do Setor Elétrico
- Revise. Apesar de ter sido concluído dois anos mais tarde sem resultados práticos, estavam
dados os primeiros passos em direção ao processo de desregulamentação do SEB. Na
avaliação de Paixão38, um dos mais ativos profissionais participantes da elaboração do projeto
de reestruturação do setor, para ter sucesso, faltou ao Revise uma consultoria externa que, por
sua vez, traria a necessária orientação técnica e também o equilíbrio na convergência das
ideias (PAIXÃO, 2000, p. 48).
Governo Collor de Mello (março de 1990 - dezembro de 1992)
A abertura comercial, aliada às medidas de liberalização financeira, restringiu as
barreiras tarifárias e algumas das políticas protecionistas, sob o argumento de intensificar a
competitividade da economia brasileira diante do cenário internacional. O governo de
Fernando Collor de Mello foi o pioneiro nas reformas liberalizantes, por intermédio do seu
plano de governo que, propunha uma ampla privatização e uma saída rápida do Estado da
economia. Os objetivos do plano Collor I eram a redução da hiperinflação, o fortalecimento
da moeda nacional e a estabilização da economia. Também determinou, dentre outras
medidas, o congelamento de preços e salários, a introdução de uma política cambial flutuante,
bloqueio de parte da poupança privada, demissão de funcionários e a queda das alíquotas de
importação com o objetivo de conduzir o país a uma abertura comercial. De maneira geral, o
38
Lindolfo E. Paixão é um dos principais porta-vozes das grandes empresas consumidores de energia, além de
ser presidente da ANACE (Associação Nacional de Consumidores de Energia), que detém entre seus quadros de
associados as grandes companhias: Sadia (alimentícia), Brasil Telecom (telefonia), Aracruz (celulose), Souza
Cruz (fumo), Banco Real, etc., e possui como princípio central, a defesa de um 'ambiente favorável à
competição'.
78
que o governo Collor propunha era implementar quase todas as intervenções defendidas pelos
economistas de orientação neoliberal, conforme visto no item anterior.
Logo no início do seu governo, Collor instituiu o Plano Nacional de Desestatização39
(PND). O PND foi um dos mais importantes mecanismos de ajuste econômico orientada pelas
agências multilaterais. Matos Filho e Oliveira (1996, p. 10), ao defender a criação do PND,
aponta que Plano possuía dentre seus objetivos a descentralização, flexibilização e
desburocratização do Estado e reorientação das atividades do setor público. A partir de agosto
do mesmo ano, o BNDES foi designado gestor do Plano. Logo no primeiro artigo, a lei já
torna claro o seu objetivo:
"Art. 1° É instituído o Programa Nacional de Desestatização, com os seguintes
objetivos fundamentais: I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia,
transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo
setor público; II - contribuir para a redução da dívida pública, concorrendo para o
saneamento das finanças do setor público; III - permitir a retomada de
investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa
privada; IV - contribuir para modernização do parque industrial do País, ampliando
sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da
economia; V - permitir que a administração pública concentre seus esforços nas
atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das
prioridades nacionais; VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de
capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização
da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa" (Grifos
nossos).
O plano Collor I agravou a crise na economia brasileira ao provocar uma recessão
econômica que fez despencar o PIB em 4,4% no ano de 1990, além de aumentar dos índices
de desemprego e reduzir a produção industrial. A redução da inflação foi alcançada apenas de
maneira temporária pelo Plano, pois meses depois a inflação voltou a subir. O insucesso
econômico do plano conduziu a uma outra tentativa. O segundo plano Collor foi decretado em
janeiro de 1991 com o objetivo de resolver os problemas econômicos não resolvidos pelo
primeiro, como a hiperinflação e a estagnação da economia, adotando novamente
congelamento de preços e salários e programas de redução de gastos públicos.
A privatização pioneira do PND foi a da Usina Siderúrgica de Minas Gerais
(Usiminas), localizada no município de Ipatinga, vendida no último trimestre de 199140.
Foram 18 empresas federais vendidas durante o governo Collor, quase todas ligadas aos
39
O Plano Nacional de Desestatização foi estruturado na Lei n° 8.031 de 12 de abril de 1990.
As outras empresas federais privatizadas durante o governo Collor foram Usimec (Usiminas Mecânica),
Celma (Cia. Eletromecânica), Mafersa, Cosinor (Cia. Siderúrgica do Nordeste), SNBP (Serviço de Navegação da
Bacia do Prata), AFP (Aços Finos Piratini), Petroflex, Copesul (Cia. Petroquímica do Sul), Alcanorte (Álcalis do
Rio Grande do Norte), CNA (Cia. Nacional de Álcalis), CST (Cia. Siderúrgica de Tubarão, Fosfértil
(Fertilizantes Fosfatados), entre outras.
40
79
setores de infra-estrutura, por quatro bilhões de dólares. Foi pequena a participação das
empresas estrangeiras, com baixos preços (ágios) pagos pelas companhias compradoras.
(CACHAPUZ, 2009, p. 458).
Os problemas gerais da economia brasileira afetaram o setor elétrico, tanto que o
governo Collor enfrentou muitas dificuldades com relação à inadimplência das
concessionárias estaduais para pagar a energia suprida pelas subsidiárias federais. Foram
determinadas várias medidas para reverter o processo de inadimplência, como a cobrança dos
débitos em foros judiciais, contudo, sem qualquer sucesso. A escassez de investimentos nos
setores de infra-estrutura adiou, seguidas vezes, os prazos de conclusão da usina de Xingó,
principal obra de geração elétrica deste governo. A única medida prática e relevante efetuada
por Collor para o setor elétrico foi a inclusão das empresas federais distribuidoras, a Escelsa e
a Light, no PND, que, no entanto, somente seriam vendidas alguns anos mais tarde, já no
governo de Fernando Henrique Cardoso, e a redução do quadro de funcionário das empresas
do grupo Eletrobrás.
O governo Collor não teve muito tempo para prosseguir com as políticas de
desestatização, já que, no final de 1992, o Presidente da República renunciou em virtude da
abertura de processo de 'impedimento' decorrente de denúncias de corrupção que atingiram a
sua administração, sendo sucedido pelo Vice-Presidente, Itamar Franco.
Governo Itamar Franco (dezembro de 1992 - janeiro de 1995)
Face à inadimplência das concessionárias estaduais, no montante de US$ 5 bilhões,
algumas medidas legislativas foram encaminhadas com o objetivo de abolir o regime de
equalização tarifária41, e de resolver o problema da inadimplência intra-setorial. Cachapuz
aponta que o objetivo do novo modelo tarifário era que os reajustes das tarifas de energia
estivessem atrelados ao custo das concessionárias (CACHAPUZ, 2006, p. 483). Este modelo
de reajuste dos preços de energia permitiu a queda da inadimplência por parte das
concessionárias estaduais nos meses seguintes e o restabelecimento dos fluxos de pagamento
intra-setoriais e de compromissos financeiros que não vinham sendo respeitados desde a
década anterior. As demais mudanças jurídicas foram as legislações referentes à
regulamentação da licitação para concessões42, que na prática acabou com a territorialização
das empresas do setor em áreas cativas.
41
42
Lei n° 8.631/ 95, chamada Lei Eliseu, em referência ao então Presidente da Eletrobrás, Eliseu Resende.
Lei nº 8987/ 95.
80
Itamar Franco governou até o final de 1994 e seu governo continuou as reformas de
orientação neoliberal, contudo sem o mesmo vigor do seu antecessor. Dentre os principais
leilões efetuados, destaca-se a privatização da Cia. Siderúrgica Nacional (CSN) e da Empresa
Brasileira de Aeronáutica (Embraer)43. Em meados de 1993, o governo promoveu uma
mudança na equipe econômica ao nomear Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da
Fazenda. Meses depois veio a surgir o Plano Real, um pacote de ajustes econômicos que
buscou promover uma maior eficiência e redução dos gastos públicos. O objetivo dos ajustes
econômicos promovidos por esta equipe foi a estabilização dos preços de modo duradouro,
através da eliminação do déficit orçamentário, diminuição das transferências de tributos aos
estados e municípios e indexação da economia através da Unidade Real de Valor (URV),
além de uma política monetária restritiva, como o aumento da taxa básica de juros, e
valorização artificial da taxa de câmbio. Os logros na estabilização da inflação pavimentaram
a vitória eleitoral de Fernando Henrique Cardoso nas eleições presidenciais de 1994.
O governo de Franco ainda promoveu algumas providências que tornariam mais
favoráveis a participação do capital privado no SEB. No final de 1993, com a pretensão de
retomar as obras paralisadas por carência de recursos das empresas estatais, um decreto
presidencial passou a permitir a formação de consórcios entre concessionárias públicas e
autoprodutores para o aproveitamento de potenciais hidrelétricos. A usina hidrelétrica
pioneira que se aproveitou do decreto foi Igarapava, em Minas Gerais. A criação do Sistema
Nacional de Transmissão de Energia Elétrica (Sintrel) também foi conveniente ao capital
privado, já que vinha permitir o livre acesso à rede de transmissão de energia e estimular a
participação privada na área de geração. Assim, os produtores independentes de energia (PIE)
poderiam revendê-la em qualquer ponto do país.
Governo Fernando Henrique Cardoso I (janeiro de 1995 - dezembro de 1998)
A eleição de Fernando Henrique Cardoso para a Presidência da República manteve a
tendência privatizante dos últimos governos, através de medidas tais como, quebra do
monopólio do estado sobre o petróleo e gás natural e sobre as telecomunicações. Ao dar
prosseguimento à desestatização de uma série de empresas, foram postas à venda a Cia. Vale
do Rio Doce e a Telebrás. No setor elétrico, além de importantes distribuidoras de energia
como a Light, Eletropaulo e a CPFL; foi privatizada uma importante subsidiária da Eletrobrás,
a Eletrosul.
43
Além dessas duas empresas, Cachapuz (2006, p. 462) destaca as privatizações da Cosipa, Petroquímica União,
Açominas.
81
No setor elétrico, Cardoso continuou, em um ritmo ainda mais acelerado, a
privatização e as reformas institucionais, com o objetivo de estabelecer um modelo de
mercado e a passagem ao setor privado a responsabilidade pelo crescimento setorial, através
da introdução de um mercado competitivo nas áreas de geração e comercialização. A
remodelação do PND promovida por Cardoso visou dar mais agilidade aos processos de
privatização, de maneira a reduzir a interferência do Senado Federal e facilitar a alienação das
empresas federais.
As mudanças institucionais associadas à implantação do novo modelo do setor elétrico
brasileiro foram inspiradas na propostas elaboradas pelo Projeto de Reestruturação do Setor
Elétrico Brasileiro (RE-SEB), elaborado por um consórcio liderado pela Coopers &
Lybrand44, empresa britânica com experiência internacional na área de reformas institucionais
no setor elétrico. Ao escrever o livro de memórias do processo de edificação do RE-SEB45, o
gerente-geral do projeto, Paixão destaca as questões centrais que permearam as discussões no
interior do RE-SEB: (a) assegurar a oferta de energia, (b) estimular o investimento, (c) reduzir
os riscos dos investidores, (d) maximizar a competição, (e) incentivar a eficiência, (f)
fortalecer o órgão regulador, (g) definir as novas funções da Eletrobrás, (h) adequar a
qualidade do fornecimento à necessidade do mercado, entre outras (PAIXÃO, 2000, p. 55).
Não é difícil perceber a convergência entre os preceitos do pensamento neoliberal e as
orientações centrais do RE-SEB, como por exemplo, a reiteração da relevância do discurso da
competição, o elogia da eficiência do capital privado e na necessidade de restringir a ação do
Estado a funções estritamente reguladoras e a busca da redução dos riscos para os
investidores.
Em meados de 1997, foi apresentado o relatório elaborado pelo consórcio que
propunha: a instituição de um mercado de livre concorrência de energia e a fragmentação do
setor elétrico em geração, transmissão, distribuição e comercialização. Dentre as orientações
básicas propostas pelo consórcio estrangeiro foi a recomendação de reestruturação das
subsidiárias federais de atuação regional (Furnas, Chesf, Eletrosul e Eletronorte), na qual estas
teriam os seus ativos de geração e transmissão desmembrados, com o objetivo de criação de
empresas que atuariam em apenas um segmento exclusivamente. Os consultores do Projeto
RE-SEB acreditavam que, assim, se atrairia um maior interesse por parte do capital privado
em adquirir as estatais. Estas orientações traçaram as ações do governo visando à privatização
44
O consórcio contou ainda com a participação de empresas brasileiras, Ulhôa Canto Advogados, Engevix e
Main Engenharia, e também a norte-americana Latham & Watkins e a ingless Rust Kennedy & Donkin.
45
PAIXÃO, L. E. Memórias do Projeto RE-SEB: a história da concepção da nova ordem institucional do setor
elétrico brasileiro. São Paulo: Massao Ohno, 2000.
82
das subsidiárias federais. O terreno para a privatização de Furnas foi preparado com o
desmembramento da geração Eletronuclear, por conta de um dispositivo constitucional que
garantia o monopólio estatal na área nuclear. Assim, a criação da Eletronuclear em 1997, teve
por foco o horizonte próximo de possível alienação da estatal Furnas. O processo de
consolidou de fato no final de 1997, quando os ativos de geração e transmissão da Eletrosul
foram fragmentados, portanto, formando-se duas empresas distintas: a Centrais Geradoras do
Sul do País (Gerasul) e a Eletrosul, a partir daí, de atuação exclusiva na área de geração e
transmissão, respectivamente. No ano seguinte, a Gerasul foi primeira empresa federal
geradora de grande porte a ser privatizada. Alguns meses depois, também houve a cisão da
Eletronorte em cinco empresas, de onde surgiram duas empresas voltadas para a geração
(sendo uma exclusiva para Tucuruí), uma para transmissão e duas para distribuição, a Manaus
Energia e Boa Vista Energia.
As privatizações no governo de Cardoso priorizaram as empresas de distribuição, já
que estas seriam mais atrativas ao capital privado. O capital privado se mostrou bem
interessado na compra desse segmento do setor, tanto que, após quatro anos de privatização,
mais da metade da energia distribuída no país encontrava-se sob o domínio privado. Ainda no
primeiro ano de governo, foram incluídas no PND as subsidiárias da Eletrobrás: Chesf,
Eletrosul, Eletronorte e Furnas, assim como as distribuidoras federais Escelsa e Light, que
estavam incluídas no PND desde o governo Collor. O início das vendas de empresas federais
do SEB se deu com o leilão da Escelsa, em meados de 1995, e da Light, um ano mais tarde.
O avanço da desestatização também aconteceu dentre as concessionárias estaduais e os
estados pioneiros foram São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, ainda no ano de
1996. A União teve uma participação decisiva na alienação das empresas estaduais, já que
foram celebrados convênios com o BNDES, através do Programa de Estímulo às
Privatizações Estaduais (Pepe), que por sua vez garantiu recursos financeiros mediante o
compromisso de desestatização (CACHAPUZ, 2006, p. 466).
No caso de São Paulo, o governo de Mário Covas apresentou um projeto de
reestruturação que incluía a venda da Cesp, CPFL e Eletropaulo. O governo gaúcho aprovou a
privatização parcial da CEEE no final do mesmo ano. Já o estado do Rio de Janeiro contou
com o apoio técnico e financeiro do BNDES para leiloar a Companhia de Eletricidade do
Estado do Rio de Janeiro (Cerj), a primeira concessionária estadual do SEB a ser privatizada.
As privatizações das empresas estaduais continuaram em 1997, com a venda de distribuidoras
em Goiás, Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul,
83
além da paulista CPFL. O ano de 1998 assistiu ao prosseguimento da desestatização, com a
venda de concessionárias do Ceará, Pará e São Paulo (Eletropaulo).
Em continuidade ao processo de reforma institucional, no ano de 1996, foi criada a
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)46, um importante marco no interior dos
processos de reformas institucionais. Responsável pela regulação e fiscalização da geração,
distribuição e comercialização de energia, a ANEEL passou a assumir as funções
anteriormente atribuídas ao DNAEE. A institucionalização da nova agência representou um
passo relevante na consolidação deste novo modelo do setor elétrico, pois havia recebido da
União a responsabilidade de conduzir os processos de licitação e outorga de concessões para
aproveitamentos hidrelétricos e implementação de termelétricas.
A ANEEL, dentro da lógica da economia de mercado, se tornou responsável por
incentivar e zelar pela concorrência entre as empresas e, nas suas próprias palavras,
"proporcionar condições favoráveis para que o mercado de energia elétrica se desenvolva com
equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade47", utilizando-se de um léxico comum
ao pensamento neoliberal.
Neste mesmo contexto, dois anos mais tarde, foi instituído o Mercado Atacadista de
Energia (MAE), uma espécie de "feira livre" de eletricidade, um espaço de livre negociação
de energia, através de contratos bilaterais de longo e de curto prazo, tendo como limites os
sistemas interligados do centro-sul e do norte/ nordeste. Outro importante órgão criado
também em 1998, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), entidade de direito
privado sem fins lucrativos, vinha assumir a função de gestão, coordenação e controle da
operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado
Nacional (SIN). O ONS veio substituir o GCOI, criado em 1973, e, progressivamente, passou
a assumir suas atribuições.
O Plano Real teve de efetuar alguns ajustes em função das crises do México (1995), da
Ásia (1997) e da Rússia (1998), mas nenhum desses ajustes foi tão importante quanto os de
1999. Neste ano houve uma forte pressão para que o governo abandonasse a política o regime
de âncora cambial e adotasse o câmbio flutuante, que teve como consequência a
desvalorização do Real em mais de 50%. Na avaliação de Cachapuz a desvalorização cambial,
as medidas de ajuste fiscal e as elevadas taxas de juros tiveram consequências negativas na
46
A Aneel somente entrou em funcionamento de fato no final de 1997, após a regulamentação da lei que a
criava, o Decreto n° 2.335 de 1997.
47
www.aneel.gov.br
84
atividade econômica, que só seriam revertidas no ano 2000, com a retomada do crescimento
do PIB (CACHAPUZ, 2006, p. 471).
Governo Fernando Henrique Cardoso II (janeiro de 1999 - dezembro de 2002)
No segundo mandato de Cardoso, com o intuito de superar a crise econômica, o
governo federal buscou ajuda financeira internacional e obteve empréstimo junto ao FMI.
Somente no ano de 2000, o Brasil alcançou algum crescimento econômico, uma vez que o
PIB cresceu 4,5%. A política econômica de Cardoso no segundo mandato manteve-se apoiada
no câmbio flutuante, na austeridade fiscal e num vigilante controle da inflação.
O ano de 2001 foi bem marcante para o SEB, já que a crise energética, expôs algumas
de suas debilidades. Cachapuz (2006, p. 473), aponta algumas das razões para o surgimento
da crise: condições hidrológicas desfavoráveis nas regiões sudeste e nordeste conjugada com
um volume de investimento insuficiente para manter o crescimento da capacidade instalada
em um ritmo que acompanhasse a demanda. Decerto, as crises econômicas que se sucederam
no final dos anos 90 e o baixo crescimento da economia brasileira influenciaram na trajetória
do setor elétrico nos anos ulteriores. Face à crise de energia, o governo promoveu políticas de
racionamento de energia em todo país, que por sua vez, suscitaram alguns debates que
opuseram privatistas e anti-privatistas.
As privatizações
Como é possível ser observado na tabela 2.1, os leilões de venda das concessionárias
de energia elétrica passaram às mãos da iniciativa privada mais de 20 empresas em apenas
cinco anos, além da transferência de um terço do controle acionário da Cemig. Se antes do
processo de desestatização, quase todo estado possuía a sua concessionária estadual, a
reestruturação do SEB implicou no surgimento de novas empresas. Entre 1995 e 2000, o
número de concessionárias de energia elétrica passou de 64 para 79, isto é, houve uma
ampliação dos agentes que atuavam no setor, inclusive com algumas mudanças na
distribuição espacial da atuação destes agentes (CACHAPUZ, 2006, p. 515).
Nestes cinco anos de desestatização também houve uma mudança significativa no
controle da distribuição e da geração de energia elétrica. O capital privado ampliou a sua
participação na capacidade instalada de 2,7% para 22% entre os anos de 1995 e 2000. No
mesmo período, as concessionárias privadas estenderam a sua parcela no segmento de
distribuição de 2,4% para 63% (CACHAPUZ, 2006, p. 516).
85
Tabela 2.1. Concessionárias de energia elétrica privatizadas. 1995-2000.
Empresa
Federal
Federal
Estadual
Estadual
Estadual
Ano de
Venda
1995
1996
1996
1997
1997
Receita *
(R$ milhões)
357
2.216
605
173
779
Arrecadado **
(R$ milhões)
434,5
2.507,9
651,9
1.761,9
793,7
Ágio
%
11,7
0,0
30,3
77,3
43,5
Comprador
Iven, GTD
EDF, AES, Houston
Chilectra, EDP, Endesa
Iberdrola, Previ
Endesa
Estadual
1997
1.635
1.486
82,6
VBC, CEA
Estadual
1997
1.510
1.372,4
93,5
AES
Estadual
Estadual
Estadual
Estadual
Estadual
Estadual
1997
1997
1997
1997
1997
1997
3.014
625
391
577
676
1.130
2.730,6
625,5
391,5
577,1
676,4
70,1
83,8
21
96
73,6
0,0
Coelce
Estadual
1998
987
Eletropaulo
Estadual
1998
2.026
Celpa
Estadual
1998
450
Elektro
Estadual
1998
1.479
Gerasul
Federal
1998
945
Bandeirante
Estadual
1998
1.015
Cesp
Estadual
1999
1,239
Paranapanema
Cesp Tietê
Estadual
1999
938
Celb
Estadual
1999
87
Celpe
Estadual
2000
1.780
Cemar
Estadual
2000
522
Saelpa
Estadual
2000
362
Fonte: Cachapuz (2006) e Rosa et al (1998, p. 159)
* Cachapuz
** Rosa et al (1998). Câmbio de dezembro de 1997
968,7
1.988,4
27,2
0,0
0,0
98,9
0,0
0,0
90,2
VBC, Bonaire
Iven, GTD
Rede, Inepar
Cataguazes, CMS
Iberdrola, Previ
AES, Southern,
Opportunity
Cerj, Enersis, Endesa
EDF, AES, Houston
Rede, Inepar
Enron
Tractebel
VBC, Bonaire, EDP
Duke Energy
29,9
0,0
0,0
0,0
0,0
AES
Cataguazes
Iberdrola, Previ
PPL
Cataguazes, Alliant
Escelsa
Light
Cerj
Coelba
Cachoeira
Dourada
CEEE (Norte/
Nordeste)
CEEE (CentroOeste)
CPFL
Enersul
Cemat
Energipe
Cosern
1/3 da Cemig
Origem
A tabela também mostra os efeitos das crises econômicas internacionais na década de
1990 (México, Sudeste Asiático e Rússia) no projeto de reestruturação setorial. A maior parte
dos leilões aconteceu entre 1997 e 1998. O cenário pouco promissor para os próximos anos
desacelerou o processo de desestatização a partir de 1998, e o interrompeu em 2000. Talvez
seja possível interpretar que houve uma queda do interesse do capital privado após 1997, já
que o ágio dos leilões teve notável queda a partir de 1998 (média de ágio de 52,6% nos anos
1995-1997 e 20,5% nos anos 1998-2000), assim como o número de participantes nos mesmos.
Interessante notar que no cronograma de execução das privatizações, constava a previsão dos
leilões das empresas federais no primeiro semestre de 1999. Não obstante, contrariando os
86
planos iniciais do governo, importantes estatais geradoras, federais e estaduais, tais como,
Furnas, Chesf, Eletronorte, Cemig48 e Copel, permaneceram sob o controle do Estado.
Outro destaque cabe ao papel dos governos estaduais. Após o leilão das empresas
federais, Light e Ecselsa, há um total domínio das empresas estaduais na tabela, que
praticamente comandaram o processo de privatização. É possível traçar um paralelo com
período de avanço da participação estatal (1945-62), quando os governos estaduais foram os
principais responsáveis por liderarem a estatização do setor elétrico brasileiro, assim como
também lideraram o processo de desestatização.
Ao final, a Eletrobrás passou a contar com sete subsidiárias: Chesf, Furnas,
Eletronorte (geração e transmissão), Eletronuclear, CGTEE (geração), Eletrosul (transmissão)
e Lightpar (participações). Também merecem destaque os novos grandes agentes do SEB do
período pós-privatização: o consórcio brasileiro VBC Energia (formado pelos grupos
Votorantim, Bradesco e Camargo Correa), a brasileira Cataguazes-Leopoldina, a estatal
francesa EDF, as norte-americanas AES, Duke Energy e Enron, as espanholas Endesa e
Iberdrola, a portuguesa EDP e a belga Tractebel. No capítulo seguinte, estas serão tratadas
com maior detalhe.
Importante destacar que foi no pólo central do capitalismo brasileiro, onde se deu o
avanço mais acelerado do capital privado sobre as empresas de distribuição de eletricidade.
No Estado de São Paulo, a privatização da distribuição alcançou quase a totalidade em apenas
um ano (1998), com a venda de três empresas: a Elektro (resultante da cisão da Cesp), a
Eletropaulo e a Bandeirantes (resultante da cisão da própria Eletropaulo).
Algumas considerações
Os novos marcos regulatórios que viriam conformar nova sustentabilidade
institucional e serviriam de base para a desregulamentação do setor elétrico começaram a ser
instituídos nos primeiros meses da administração Cardoso. A lei Geral das Concessões dos
Serviços Públicos49, que instituía a necessidade de licitação para a prestação de serviços
públicos sob regime de concessão ou permissão, foi elaborada e tornada lei sob forte lobby de
empreiteiras, segundo atesta o trabalho "Construindo leis: os construtores e as concessões de
serviços", de Wagner Mancuso. O artigo mostra como a lei foi "construída" distante do
Congresso e no interior das sedes das grandes empreiteiras brasileiras. Mancuso (2003) avalia
48
Apesar do estado de Minas Gerais permanecer com o controle societário majoritário da Cemig, um terço do
seu capital foi leiloado (maio de 1997) a um consórcio, formado pelas empresas norte-americanas Southern
Electric e AES, além do banco brasileiro Opportunity.
49
Lei N° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.
87
que a lei "inaugurou a extensa série de iniciativas tomadas (...) para reduzir a atuação direta
do poder público como produtor de bens e prestador de serviços" e além disso, as suas
pesquisas apontaram que "a maior parte do trabalho [de articulação dos interesses da
indústria] foi realizada pela Associação das Construtoras de Centrais Energéticas (ACCE),
uma organização que reunia algumas das maiores empresas construtoras do país". A ACCE
existiu por um período de oito anos, entre fevereiro de 1990 e fevereiro de 1998, e possuía
apenas doze empresas filiadas, todas elas empresas construtoras de grande porte50.
Segundo o estudo, a associação foi o canal responsável pela "participação dos grandes
construtores no processo de elaboração da legislação brasileira sobre concessões de serviços
públicos. Sua atuação ocorreu em diversos estágios do processo de produção legislativa".
Mais do que isso, a ACCE realizou um extenso trabalho de pressão em maio de 1992,
enquanto o projeto de lei das concessões estava sendo analisado na Câmara dos Deputados. A
entidade apresentou várias sugestões ao relator do projeto de lei, enquanto ele preparava um
projeto substitutivo ao projeto original apresentado pelo [então] senador Fernando Henrique
Cardoso. (MANCUSO, 2003).
A pesquisa aponta outras evidências de que a associação exerceu pressão no
Congresso Nacional pela aprovação da lei nas suas condições de preferência, tal qual em
dezembro de 2004, na véspera de sua votação, e em fevereiro do seguinte ano, na ocasião da
edição da Medida Provisória prometida pelo Poder Executivo. De maneira geral, Mancuso
(2003) conclui que a ACCE, uma associação que atendia aos interesses dos maiores
construtores brasileiros, teve uma atuação militante extremamente ativa durante as várias
etapas que compuseram o processo de construção da legislação que atualmente rege as
concessões de serviços públicos no Brasil. Cachapuz completa ao destacar que o arcabouço
jurídico-legal pós-1994 criou "um ambiente institucional mínimo necessário para a
participação do capital privado em atividade até então monopolizadas ou virtualmente
dominadas por empresas estatais" (CACHAPUZ, 2006, p. 493).
A reforma no setor elétrico foi experimentada por diversos países, como pode ser
observado na pesquisa realizada por Rosa, Tolmasquim e Pires51. Uma das características que
chama a atenção no caso brasileiro e que o diferencia em relação aos demais países estudados,
no entanto, é o contexto de crise e "elevado risco de déficit de energia" (ROSA et al, 1998). O
50
Segundo Mancuso (2003), as empresas filiadas a ACCE eram Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, CBPO,
CONSTRAN, CONVAP, COWAN, C. R. Almeida, Mendes Júnior, Norberto Odebrecht, Queiroz Galvão,
Serveng-Civilsan e TRATEX, todas figuravam nas listas das 25 maiores construtoras do país no período em
questão.
51
O trabalho em questão tratou da reforma do setor elétrico na Grã-Bretanha, Noruega, França, Estados Unidos,
Chile, Argentina e Brasil. ROSA; TOLMASQUIM; PIRES (1998).
88
novo cenário do setor elétrico caracterizado por Rosa et al (1998, p. 17) passa pela
internacionalização e diversificação das atividades dos agentes setoriais anteriores à
reestruturação institucional e a entrada de novos agentes em todos os segmentos do setor
elétrico.
Até a década de 1960, quando a interligação do sistema elétrico brasileiro
experimentava seus primeiros passos, as mudanças de percurso do setor não resultavam em
impactos tão encadeados quanto nos anos mais recentes. Rosa e Tolmasquim apontam que,
em razão deste sistema elétrico se encontrar quase todo interligado já na década de 90,
"qualquer modificação no modelo institucional alterará substancialmente as condições
contratuais entre os agentes setoriais, principalmente no caso de novos atores privados"
(ROSA; TOLMASQUIM, 2001, p. 81).
Rosa et al (1998, p. 144) e Rosa e Tolmasquim52 (2001, p. 81) salientam que o eixo
central no processo de reforma do setor elétrico brasileiro foi a rápida privatização das
empresas, sem antes tornar claras as regras e obrigações dos novos agentes setoriais. O
trabalho de Rosa et al (1998, p. 172) aponta as propostas basilares do novo modelo de
regulamentação. O novo modelo divide o mercado em dois segmentos distintos: o livre, para
os segmentos de geração e comercialização; e o cativo para os segmentos de transmissão e
distribuição. Há diferenças entre os subsistemas interligados Centro-Sul e Norte/ Nordeste,
pois o subsistema Centro-Sul apresenta melhores condições para desenvolver um mercado
competitivo no atacado, pois possui uma quantidade maior de unidades de geração e de
distribuidoras, além de uma rede de transmissão mais diversificada. Por outro lado, por suas
características, o subsistema Norte/ Nordeste apresentaria um perfil mais concentrado no que
diz respeito à geração.
A avaliação de Rosa e Tolmasquim53 aponta que o governo brasileiro contratou os
serviços de consultoria de maneira a "viabilizar uma modelagem setorial compatível com a
privatização", além de "estabelecer o livre acesso à rede de transmissão por parte de qualquer
agente do sistema elétrico brasileiro bem como de grandes consumidores industriais"; e
"ensejar novas formas de comercialização de energia para as concessionárias" (ROSA;
TOLMASQUIM, 2001, p. 133).
52
ROSA, L. P. e TOLMASQUIM, M. O processo de privatização. Relatório do Grupo de Estudo da Reforma
Institucional do Setor Elétrico. In: ROSA, L. P. (org.) Um país em leilão: das privatizações à crise de energia,
v2. Rio de Janeiro: UFRJ/ COPPE, 2001.
53
ROSA, L. P. e TOMALSQUIM, M. Sobre as geradoras: relatório para o Grupo de Trabalho sobre a
"Privatização de Furnas", organizado pelo Clube de Engenharia, novembro de 1997. In: ROSA, L. P. (org.) Um
país em leilão: das privatizações à crise de energia, v2, Rio de Janeiro: UFRJ, Coppe, 2001.
89
A pesquisa de Ricardo Bielschowsky (1997) sobre a primeira etapa do período de
transição (1993-97) a uma nova configuração organizacional do setor traz algumas
contribuições para caracterizar as mudanças em curso. Como o relato foi elaborado em fins de
1997, captou apenas a primeira etapa da remodelagem setorial. A pesquisa relata as condições
em que se deram as transformações neste primeiro momento. Destaca: (a) os investimentos
estiveram deprimidos e foram insuficientes para atender a demanda pós-plano Real; (b)
contexto de transição, na qual apenas os primeiros passos foram dados em direção a um
sistema regulado por regras de mercado; (c) crise financeira do setor elétrico que se arrastava
desde a década anterior; (d) a transição foi problemática em função das incertezas sobre a
evolução da oferta e a demanda. O estudo também ressalta que o modelo estatal foi "eficaz no
que se refere ao cumprimento das exigências de expansão da oferta", cujo auge ocorreu em
fins das décadas de 70. Entretanto, o final da década de 80 assistiu aos problemas de
financiamento da expansão do setor não serem contornados de maneira apropriada. Na ótica
de Bielschowsky, "o período 1993-97 foi a etapa de transição em que a velha lógica esteve
fragilizada e a nova ainda não teve condições de operar a contento" (BIELSCHOWSKY,
1997, p. 6).
Os dados apresentados pela pesquisa (tabela 2.2) corroboram esta interpretação, pois
traz a informação de que os investimentos no setor elétrico, em relação ao PIB brasileiro,
declinavam desde a década de 1970. O autor sublinha que as mudanças institucionais pós1990 se configuraram como os primeiros movimentos "de uma sequência de radicais
transformações na organização industrial e nas regras institucionais do setor". Assim, conclui,
tão logo seja superada a etapa de transição e o novo modelo seja plenamente implementado,
"os investimentos serão regidos por cálculos de rentabilidade e risco privados representativos
de uma lógica totalmente distinta da que prevaleceu no passado [no período estatal]"
(BIELSCHOWSKY, 1997, p. 5).
Tabela 2.2. Investimentos no setor elétrico (% do PIB), no Brasil. 1970-1997.
1971-80
2,1%
1981-90
1,5%
1991-93
0,9%
1994-96
0,6%
1997
0,6%
Fonte: Bielschowsky (1997, p. 5), a partir de dados da Eletrobrás.
* Preços constantes de 1996.
Em linhas gerais, Bielschowsky conclui que a busca por um modelo de mercado se
deu num contexto na qual não havia mercado, "inexistindo, portanto, as condições para
viabilizar uma pretendida participação massiva de capitais privados nos investimentos fixos
90
do setor". Assim, "deixou-se demasiado peso para uma inviável participação massiva do setor
privado nos investimentos em geração e transmissão a curto e médio prazos"
(BIELSCHOWSKY, 1997, p. 37).
Nas suas conclusões, Bielschowsky (1997, p. 40) destaca duas falhas do processo de
transição. Em primeiro lugar, não houve a devida atenção ao comportamento dos
investimentos, pois os mesmos não acompanharam a demanda pós-plano Real. Em segundo
lugar, se decidiu por acelerar o processo de privatização sem esperar o estabelecimento do
novo marco regulatório, e antes de uma implantação segura de um sistema de regulação. O
autor também aponta as diferentes lógicas que opõem as decisões de investimento do setor
elétrico nos período pré e pós década de 90. Nas décadas anteriores, o Estado determinava
seus investimentos com pouca preocupação com os riscos e incertezas, ou baixa exigência de
rentabilidade. "Projetava a expansão de acordo com taxas de crescimento do PIB elevadas, e
com margens de segurança com relação à eventual escassez de chuvas. Dessa forma, absorvia
todo o "custo" da sobre-oferta, por ser este muito inferior ao custo potencial do déficit". Já a
lógica pós-desregulamentação é distinta, pois esta opera a partir da busca da maximização da
lucratividade. Não é objeto de sua preocupação "o problema de eventual insuficiência de
energia elétrica devido à falta de chuvas ou ao excessivo crescimento de demanda"
(BIELSCHOWSKY, 1997, p. 42-43). A partir destas considerações do autor, pode-se
compreender que as mudanças nas lógicas de decisões de investimentos possuem imbricações
que interferem na geografia do setor elétrico.
Governo Luís Inácio Lula da Silva I (janeiro de 2003 - dezembro de 2006)
No ano de 2003, Luis Inácio Lula da Silva iniciou o seu primeiro mandato como
Presidente do país. Depois de três derrotas consecutivas nos pleitos presidenciais de 1989,
1994 e 1998, as duas últimas para Cardoso, Lula foi eleito com um discurso de oposição ao
governo anterior. Sustentado pelo apoio da maior central sindical, dos principais sindicatos de
trabalhadores, dos mais importantes movimentos populares e partidos de esquerda.
Ao tomar posse, Lula assumiu sob uma conjuntura econômica bastante desfavorável,
marcada pela elevação da pressão inflacionária, taxa de desemprego acima de 12% e pelo
pessimismo e desconfiança do capital estrangeiro em relação ao país. A economia ficou
praticamente estagnada no primeiro ano de mandato e somente cresceu a partir do ano
seguinte. As primeiras medidas tomadas foram no sentido de aumentar o superávit primário
das contas públicas e a manter das diretrizes macroeconômicas do governo Cardoso.
91
O primeiro pacote de investimento do governo se deu com a divulgação do Plano
Plurianual (2004-7), com valores estimados destinados ao setor de energia de R$ 32 bilhões
(advindos do setor estatal e privado). Apesar do Plano, os dados da Eletrobrás indicam que os
investimentos no setor caíram nos primeiros anos de governo, mesmo os do grupo Eletrobrás,
em razão, segundo Cachapuz (2006), da preocupação com as metas de superávit primário.
Tabela 2.3. Evolução dos investimentos do setor elétrico, em R$ milhões. 2001-2005.
Ano
2001
2002
2003
2004
2005
Grupo Eletrobrás Demais empresas
3.613
9.159
4.447
7.980
3.302
6.075
3.069
6.377
2.909
8.159
Total
12.772
12.457
9.377
9.446
11.158
Fonte: Cachapuz (2006, p. 659), a partir de dados da Eletrobrás.
As discussões a respeito do modelo institucional do setor elétrico brasileiro no interior
do governo Lula se deram em um contexto de agravamento dos problemas financeiros de
algumas distribuidoras e excesso de oferta energia no mercado. Contribuíram para a formação
de um excedente de eletricidade o baixo crescimento econômico nos anos anteriores, em
consequência, o baixo crescimento do consumo, novas unidades de geração e a migração de
alguns grandes consumidores industriais para a autoprodução. (CACHAPUZ, 2006, p. 660).
O resultado destas discussões se traduziu no documento publicado pelo Ministério de
Minas e Energia intitulado "Modelo Institucional do Setor Elétrico", elaborado por um grupo
de trabalho, coordenado por Maurício Tolmasquim, professor da Coppe/ UFRJ. Segundo o
documento, os objetivos centrais no modelo eram (a) garantir a segurança de suprimento de
energia elétrica; (b) promover a modicidade tarifária, por meio da contratação eficiente de
energia para os consumidores regulados; (c) e promover a inserção social no Setor Elétrico,
em particular pelos programas de universalização de atendimento. O documento também
propôs a criação de novos agentes: (a) Empresa de Pesquisa Energética (EPE), instituição
técnica com o objetivo principal de desenvolver os estudos necessários ao exercício da função
de efetuar o planejamento energético; (b) Câmara de Comercialização de Energia Elétrica
(CCEE), que passa a substituir o MAE. No final de 2003, as Medidas Provisórias (MP) que
estabeleciam as bases legais para implementação de um novo modelo foram assinadas54. A
proposta centralizava as decisões de planejamento no MME, mas mantinha a livre
54
10 de dezembro de 2003.
92
concorrência nos mercados de geração e comercialização e de regulação nos segmentos de
transmissão e distribuição (CACHAPUZ, 2006, p. 664).
A MP nº 144 definiu os elementos centrais do novo modelo, assim como, também
criou a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) em substituição ao MAE,
instituição criada no governo Cardoso. Por sua vez, a MP nº 115 instituiu a Empresa de
Pesquisa Energética, com a finalidade de "prestar serviços na área de estudos e pesquisas
destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, tais como energia elétrica, petróleo
e gás natural e seus derivados, fontes energéticas renováveis e eficiência energética55". As
duas MPs foram alvo de críticas por parte dos partidos de oposição e das entidades
patronais56, pois atribuíam às mudanças um caráter excessivamente regulador e as viam como
ameaça à participação da iniciativa privada no setor. Ambas MPs viraram lei em 2004.
2.4. Lucratividade das Empresas do Setor Elétrico
As mudanças institucionais do governo Cardoso foram acompanhadas por uma
instabilidade nas taxas de rentabilidade das maiores empresas. As indefinições decorrentes da
transição para um modelo concorrencial, as incertezas dos novos agentes privados, os
problemas financeiros das empresas sob controle estatal e o baixo crescimento da economia
brasileira conduziram as empresas a momentos de oscilações e, notadamente nos anos de
1999 e 2002, de prejuízos financeiros. Esse cenário mudou em seguida. Uma questão que tem
marcado o setor elétrico brasileiro nos últimos anos, particularmente desde a sucessão
presidencial de 2003, se refere aos expressivos lucros líquidos atingidos pelas companhias. Os
ajustes promovidos pelo governo Lula permitiram às empresas alcançar crescentes taxas de
lucratividade a partir de 2003. Dentre essas empresas, destaca-se a Cemig, a Tractebel e a
CPFL, conforme pode ser verificada na figura 3.1.
55
Tal qual proposta no relatório coordenado por Tolmasquim, cuja presidência veio a ser assumida pelo próprio
em seguida.
56
CNI (Confederação Nacional da Indústria), FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), ABDIB
(Associação Brasileira da Infra-Estrutura e da Indústria de Base), etc.
93
Figura 2.1. Lucro das principais distribuidoras e da geradora Tractebel (R$ bilhões)
Elaborado por Santos et al (2007, p. 19).
Interessante trazer as críticas formuladas por economistas do BNDES. Os
pesquisadores defendem uma maior participação do Estado sem, no entanto, "questionar a
importância do papel capital privado" sobre o modelo setorial. Santos et al (2007) defendem
que o modelo está falido, pois não resolveu os problemas estruturais, que se tornaram mais
evidentes no apagão de 2001. Criou-se um falso quadro de concorrência entre os agentes
privados, pois a base técnica do sistema brasileiro é inevitavelmente um monopólio natural.
Questionam a privatização tocada no governo de Cardoso e a ausência da participação do
"interesse público" nas mudanças de Lula. Segundo os autores, o modelo de mercado
constituído no final dos anos 90 piorou a confiabilidade do sistema. Sustentam que o modelo
estatal constituído sob a liderança da Eletrobrás garantia a flexibilidade eficiência e
confiabilidade do sistema57.
A tabela a seguir apresenta as taxas de lucro líquido mais recentes apresentados pelas
corporações nos seus relatórios anuais.
57
Ao longo dos artigos publicados por Santos et al, é possível encontrar algumas passagens ufanistas,
prontamente, descartadas pelo autor desta dissertação, como por exemplo em, "a Eletrobrás realizou-o e criou em
poucos anos o melhor sistema elétrico de grande porte do mundo, cuja interligação garantia segurança e
eficiência", ou ainda "o Brasil se tornou a Arábia Saudita da energia elétrica".
94
Tabela. 2.4. Lucro líquido (R$ milhares) das principais empresas do setor elétrico. 2007-2008.
Concessionária
Cemig (inclui participação na Light)
Neoenergia
Chesf
CPFL
Tractebel (Brasil)
Copel
AES (Eletropaulo e Sul) distribuição
Furnas
Endesa Brasil
Elektro
EDP
Equatorial
AES (Tietê e Uruguaiana) geração
Rede
Duke Energy (Brasil)
Energisa
Cesp
Eletronorte
2007
1.743.000
1.340.049
652.600
1.640.727
1.046.000
1.106.610
747.320
676.524
470.676
466.857
450.400
338.200
- 49.300
28.670
72.783
327.800
178.639
- 542.315
2008
1.887.000
1.474.274
1.437.300
1.275.692
1.115.000
1.078.744
1.071.896
454.518
445.925
391.787
388.800
300.100
258.800
205.338
148.332
105.000
- 2.351.591
- 2.424.558
Fonte: Sítios eletrônicos das corporações (relatórios anuais de 2008).
O pior deste modelo, para os autores, foi a elevação das tarifas de eletricidade, que
explicam as altas taxas de lucratividade das empresas. O artigo aponta que a tarifa de
eletricidade quintuplicou entre 1995-2006, muito superior aos índices de inflação (IPCA e
IGP-M) no mesmo período, assim como, "os dividendos das companhias elétricas" (SANTOS
et al, 2008, p. 447). Entre 1994 e 2006, enquanto o IPCA e o IGP-M cresceram 164% e 236%,
respectivamente, o preço da energia elétrica alcançou 398%. Sustentam também que o
constante crescimento das tarifas não pode ser explicado, nem pelos custos de operação, em
função da matriz hidrelétrica do país, nem pela incidência de tributos58. Os dados
apresentados pelos autores demonstram que a variação das tarifas neste período no Brasil foi
uma das maiores, quando comparadas com outros países.
Santos et al (2007) também questionam o modelo de mercado no que se refere à
criação, nos últimos anos, de instituições pesadas que são mantidas com encargos sobre as
tarifas. Antes, as tarefas dessas entidades eram executadas por pequenas equipes da
Eletrobrás: ANEEL, ONS, MAE, CCEE, EPE, etc. Segundo os autores, as novas instituições
ligadas ao setor "eram completamente desnecessárias quando todas as usinas eram estatais e,
portanto, gerenciadas pela própria Eletrobrás – que fazia o papel de coordenar não apenas o
58
"(...) os aumentos dos encargos setoriais não podem explicar a superinflação das tarifas energéticas". Santos et
alli (2007).
95
funcionamento individual das usinas, mas o gerenciamento do sistema e de sua expansão em
longo prazo". Desta maneira, os autores sintetizam que "podemos classificar o crescimento
dos encargos setoriais como uma espécie de 'custo planejado da privatização'" (SANTOS et
al, 2007).
96
CAPÍTULO 3
O ARRANJO ESPACIAL DO SETOR ELÉTRICO PÓS-PRIVATIZAÇÃO
Introdução
No capítulo anterior foi apresentada a conjuntura que envolveu o processo de
privatização do setor elétrico brasileiro, uma caracterização geral do pensamento hegemônico
que orientou esse processo e também as respectivas mudanças institucionais que conduziram
ao novo modelo do setor elétrico brasileiro. Neste terceiro capítulo, será apresentado o
desenvolvimento do setor a partir do crescimento da presença do capital privado e do avanço
do projeto neoliberal. Num primeiro momento, será ressaltada a distribuição espacial dos
principais investimentos em geração de eletricidade, de maneira a permitir a construção do
mapa das novas unidades geradoras que, por sua vez, permitirá uma análise do novo arranjo
espacial da expansão elétrica do país. Em seguida, neste novo contexto, cabe uma discussão
sobre o papel assumido pelo BNDES como principal agente financeiro do setor elétrico no
processo de expansão.
As principais transfigurações provocadas pelo modelo de mercado se deram no
segmento da distribuição de eletricidade; assim, ao longo do capítulo serão discutidas as
mudanças fundamentais neste segmento: os novos agentes que surgiram a partir das mudanças
dos anos 90, o perfil desses novos agentes, a participação remanescente do Estado e do capital
privado, as transformações na atuação espacial das empresas distribuidoras, a análise do mapa
da distribuição pós-privatização. Será elaborada uma comparação com as empresas
distribuidoras no período de hegemonia estatal e também serão discutidas as mudanças no
segmento da geração, que não aconteceram com a mesma intensidade como no segmento da
distribuição. Discutir-se-á o que há de novo e o que há de permanência nas empresas
geradoras, a consolidação de um novo modelo para a expansão do setor, o deslocamento da
fronteira elétrica, e os primeiros movimentos do rompimento com a lógica territorial do
modelo estatal, na qual cada empresa geradora possuía a restrição de limitar a sua atuação em
um território.
A partir das considerações, discussões e indagações deste capítulo, será realizado um
esforço para mostrar que as transformações institucionais, econômicas e espaciais do setor
elétrico a partir da década de 1990, conduzem para a consolidação de uma nova geografia do
97
setor elétrico, isto é, há um novo arranjo espacial do setor provocado pelo modelo de mercado
instituído, ou ainda um a emergência de um ordenamento territorial de novo tipo.
3.1. A expansão do setor elétrico entre 1990 e 2006: a transição para um modelo de mercado
Em 1990, capacidade instalada do Brasil era de aproximadamente 52 mil MW59, dos
quais quase 90% tinham origem na hidreletricidade. As usinas térmicas possuíam um caráter
complementar, pois eram utilizadas basicamente para o abastecimento de localidades isoladas
e para complementação dos sistemas interligados nos períodos hidrológicos desfavoráveis.
Desde a fundação da Eletrobrás, a capacidade instalada do país ampliou-se em torno de
44.500 MW, em grande parte sob o comando das ações dos governos federal e estaduais.
Neste mesmo ano, o sistema interligado brasileiro estava fundamentado em dois
grandes sub-sistemas elétricos: (a) Centro-Sul e (b) Norte-Nordeste, que atendiam a 97% do
consumo de eletricidade no país; (c) além de vários pontos isolados situados principalmente
na região norte. O primeiro sub-sistema possuía uma capacidade instalada de 35.700 MW,
73% do total nacional, e detinha um parque gerador bem diversificado. Já o segundo
subsistema contava com 11.000 MW (21,5%) de capacidade instalada, contudo as suas
principais usinas eram apenas Tucuruí e as localizadas na bacia do São Francisco. Os sistemas
isolados somavam 830 MW e atendiam basicamente às capitais e aos principais núcleos
urbanos dos estados da região Norte, com exceção de Belém (CACHAPUZ, 2006, p. 562).
Até o início da década de 1990, as quatro maiores subsidiárias federais da Eletrobrás
eram responsáveis por quase 45% da capacidade instalada do país, e todo o grupo Eletrobrás
detinha 50,7%. Por sua vez, as concessionárias estaduais respondiam por um terço desta
capacidade, como mostra a Tabela 3.1. Assim, somente as oito maiores empresas geradoras
do país possuíam 80,2% da potência total de energia elétrica. Não resta dúvida de que, no
momento em que se davam os primeiros passos do avanço do capital privado, o Estado (tanto
na esfera federal quanto na estadual), através de suas companhias públicas, comandava o
parque de geração de energia elétrica do país.
A partir da década de 1990, houve um acelerado processo de mudança. No ano de
1995, o controle de pouco mais de 1% dos ativos de geração, transmissão e distribuição era de
empresas privadas, já em 2001 esse patamar alcançava 41,7%, concentrado principalmente no
59
Incluindo a parcela brasileira de Itaipu e alguns auto-produtores (Cachapuz, 2006, p. 560).
98
segmento de distribuição. Como já foi visto, o avanço da privatização aconteceu sobretudo
neste segmento.
Tabela 3.1. Capacidade instalada das maiores empresas geradoras, em 1990.
Federais
Furnas
Chesf
Eletronorte
Eletrosul
Total
Capacidade
(MW)
8.124
7.439
4.573
3.222
23.358
Participação
Nacional (%)
16,3
14,9
9,2
6,5
46,9
Estaduais
Cesp
Cemig
Copel
CEEE
Total
Capacidade
(MW)
8.647
4.465
2.068
1.373
16.553
Participação
Nacional (%)
17,4
9,0
4,2
2,8
33,3
Fonte: Eletrobrás/ Siese. In: Cachapuz (2006, p. 563)
No período pré-Plano Real (1990-1994), o crescimento médio anual da capacidade
instalada foi de 2,11%, inferior ao recomendado pelos planos decenais elaborados pela
Eletrobrás, e também abaixo do crescimento médio anual do consumo de eletricidade no
mesmo período, 3,2%. As consequências do descompasso geração/ consumo só não foram
maiores em razão do reduzido incremento anual nas taxas de consumo de eletricidade, menor
do que as taxas observadas em anos anteriores. Já no período posterior ao Plano Real (19951998), o crescimento da capacidade instalada alcançou 3,7%, também aquém do crescimento
do consumo de 5,1% no mesmo período. Na tabela 3.2. abaixo é possível perceber que o ano
de 2000 apresenta um crescimento destoante, decorrente em parte da inauguração da usina
termonuclear de Angra II. Com exceção deste único ano, na última década do século, a
expansão da capacidade de geração brasileira foi insuficiente para atender ao crescimento da
demanda por energia elétrica no país, mesmo numa conjuntura econômica nacional que
alternava baixo crescimento com estagnação, já que o período foi caracterizado pelo
desequilíbrio entre o crescimento da capacidade instalada (3,4% de média anual) e a demanda
(3,9%), que contribuiu no quadro de alto risco de escassez de energia elétrica, que se
consumou nos episódios do "apagão" de 1999 e 2001.
99
Tabela 3.2. Evolução da capacidade instalada no Brasil. 1990-2006.
Ano
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Capacidade
instalada (MW)
49.761
50.852
51.760
52.751
54.105
55.534
57.194
59.150
61.982
64.473
71.046
74.877
80.315
83.807
90.678
92.865
96.294
Taxa de
crescimento (%)
2,2
1,8
1,9
2,5
2,6
3,0
3,4
4,8
4,0
10,1
5,4
7,3
4,3
8,2
2,4
3,7
Fonte: Cachapuz (2006, p.564)
A preocupação com o déficit de energia apareceu em vários momentos ao longo do
processo de reestruturação do setor. O Plano Decenal (1996-2005) da Eletrobrás sugeriu um
risco de déficit superior a 5% no subsistema interligado Centro-Sul. No final de 1999, foi
anunciado pelo governo um plano de medidas emergenciais para aumentar a oferta de
eletricidade em um curto prazo. Neste sentido, foi criado o Programa Prioritário de Energia
(PPE) que se prestava a abrir condições especiais de financiamento para projetos de geração e
transmissão. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), em seus estudos, também
previu risco de déficits de energia superior a 5% em todos os subsistemas regionais até 2004.
O relatório produzido pela IVIG/ Coppe/ UFRJ60, em 2000, analisou que o risco de
déficit de energia havia alcançado 15% em maio do mesmo ano. O elevado risco foi resultado,
segundo o relatório, "da falta de investimento em geração, contrariando a expectativa de um
fluxo de investimentos estrangeiros para expansão do setor com a privatização em curso". As
circunstancias de escassez de energia pressionou o retorno à cena do Estado que propôs um
plano de instalação de 49 termelétricas (ROSA, 2000, p. 179)61.
60
O IVIG (Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais) é um centro de pesquisa, coordenado por L.
Pinguelli Rosa, que possui dentre as suas linhas de pesquisa, "mudanças institucionais no setor de energia".
61
ROSA, L. P. Respostas de curto prazo para a crise de energia elétrica. Relatório do IVIG/ Coppe/ UFRJ, 2000.
In: ROSA, L. P. (org.) Um país em leilão: das privatizações à crise de energia, v2. Rio de Janeiro: UFRJ/
COPPE, 2001.
100
O país chega em 2000 com um parque gerador de 71.046 MW, com um incremento
médio anual de 3,6% na década. Nos seis anos posteriores, a capacidade do país se aproxima
da marca de 100 mil MW e o acréscimo médio anual passa para 5,2%, ainda inferior ao
período observado sob o modelo estatal.
100000
90000
80000
70000
60000
50000
40000
30000
20000
10000
2006
2002
1998
1994
1990
1986
1982
1978
1974
1970
1966
1962
1958
1954
1950
1946
1942
1938
1934
1930
0
Gráfico 3.1. Evolução da capacidade instalada (MW) brasileira 1930-2006
60,00
50,00
40,00
30,00
20,00
10,00
Gráfico 3.2. Crescimento percentual (por quadriênio) da capacidade instalada. 1930-2006
Fonte: Cachapuz (2006, p. 132, 198, 344 e 564)
2002-06
1998-02
1994-98
1990-94
1986-90
1982-86
1978-82
1974-78
1970-74
1966-70
1962-66
1958-62
1954-58
1950-54
1946-50
1942-46
1938-42
1934-38
1930-34
0,00
101
O primeiro gráfico destaca a curva da evolução da capacidade instalada do Brasil entre
1930 e 2006. É possível perceber que na década de 1960, quando se constituiu a Eletrobrás,
acelerou-se a expansão do parque gerador. Foram necessários 17 anos para se dobrar a
capacidade instalada depois de 1930. Após 1970, quando o crescimento esteve em seu auge,
bastaram sete anos. Não obstante, a partir de 1980, a capacidade de geração levou 19 anos
para dobrar, o que demonstra a perda de dinamismo do setor elétrico nesta década. Já o
segundo gráfico destaca o incremento percentual a cada quatro anos. Interessante notar que os
quadriênios de menor crescimento percentual acontecem nos momentos que antecedem as
mudanças estruturais: 1942-46, fim do Estado Novo e início do avanço da participação
estatal; 1962-66, constituição da Eletrobrás e consolidação do modelo estatal; 1982-94,
"década perdida", crescimento da influência do pensamento neoliberal que antecedeu o
modelo de mercado. Já o período de maior vigor foi correspondente à circunstância de
consolidação do modelo estatal, de caráter "desenvolvimentista" e autoritário, quando entre
1966 e 81, a taxa de crescimento anual da capacidade instalada foi de 11,6%62.
Sinteticamente, a expansão da geração elétrica brasileira no período 1990-2000 parece
ter ficado na expectativa da definição do novo modelo de mercado. Por um lado, as empresas
que se mantiveram estatais investiram menos na expansão da geração, não foram estimuladas
pelos governos a isso e, além disso, tiveram acesso a um volume menor de crédito por parte
das instituições financeiras, notadamente, o BNDES, como será visto adiante. Do outro lado,
as empresas privadas pareceram ter algum receio de investir em um cenário de incertezas e
não conseguiram manter um ritmo acelerado de expansão. Assim, a passagem para o modelo
concorrencial de mercado foi mais complicada do que a expectativa dos seus idealizadores, o
que gerou uma série de questionamentos acerca da implementação do programa de
desestatização. Já a partir de 2000, a superação da fase transição, as parcerias entre as
empresas estatais e privadas e a retomada da linha de financiamento pelo BNDES permitiram
uma etapa de maior expansão.
62
De alguma maneira, esse forte crescimento se deve em função das crises internacionais da década de 70 que
gerou um excesso de liquidez nos mercados globais. Os agentes do setor não encontraram dificuldades para
captar recursos juntos aos maiores bancos de financiamento.
102
3.2. Distribuição espacial dos investimentos em geração, entre 1990 e 2006
Da mesma forma como foi realizado no primeiro capítulo, nesta seção será destacada a
distribuição espacial dos principais investimentos em geração de eletricidade no país a partir
de 1990.
De uma maneira geral, é possível perceber que as maiores subsidiárias federais não
realizaram os investimentos vultuosos de outrora, talvez a esperar o modelo energético que
viria a vigorar nos anos posteriores. E, além do mais, alguns dos investimentos efetuados
pelas empresas controladas pela Eletrobrás se deram em parcerias com o capital privado,
como será visto a seguir. A escassez de investimento em geração levou a Furnas a ficar de
1981 até 1997 sem inaugurar nenhuma usina nova. Assim, até o ano 2000, a empresa
inaugurou apenas três hidrelétricas: Corumbá I e Serra da Mesa, em Goiás, e Manso, em Mato
Grosso. As duas últimas foram construídas em associação com a iniciativa privada, o que
anuncia a emergência de um novo modelo que se consolidaria ao longo dos primeiros anos
dos anos 2000. Ao final de 2000, Furnas detinha 9.133 MW de capacidade instalada. A usina
Serra da Mesa63 foi a pioneira dentre as parcerias público-privadas, inaugurou uma longa lista,
a ponto de quase se poder afirmar que o novo padrão, sobretudo para os empreendimentos de
maior porte, é a associação em que a empresa estatal assume até 49% do capital, de modo a
não deter o controle mas comparecer com metade do capital.
A maior empresa geradora ao final de 2000 era a Chesf, a primeira concessionária a
ultrapassar a barreira dos 10 mil MW de potência total. A empresa, ao longo da década de
1990, inaugurou apenas uma hidrelétrica, Xingó, no São Francisco, de 3.000 MW. Além deste
investimento, foram ampliadas as usinas Luiz Gonzaga e Boa Esperança.
As reformulações na Eletronorte, como no caso da constituição de duas companhias
distribuidoras subsidiárias Manaus Energia e Boa Vista Energia, tinham por objetivo a
viabilização de sua posterior privatização, fato que terminou por não acontecer. A
concessionária era responsável pela atuação tanto no sistema interligado norte/ nordeste,
quanto nos sistemas isolados existentes na região Norte e parte do Centro-Oeste. No período
posterior a década de 1990, a Eletronorte ampliou as usinas de Tucuruí, de Balbina, Samuel e
Coaracy Nunes, entre outras. A ampliação de Tucuruí, que acrescentou mais de 4.000 MW ao
sistema, foi viabilizada através de recursos próprios da Eletronorte e financiada em parte pela
63
O consórcio para construir a usina de Serra da Mesa foi formado por Furnas e o Banco Nacional. A falência do
banco fez com que sua participação no consórcio tenha sido transferida para o grupo VBC.
103
Eletrobrás e pelo BNDES. A maior parte do acréscimo da energia produzida por Tucuruí foi
contratada pelas indústrias do ramo do alumínio, Alumar e Albrás.
Dentre as demais iniciativas de empresas federais destaca-se Itaipu Binacional e
Eletronuclear. Ao prosseguir com os trabalhos de ampliação da usina, Itaipu elevou a sua
potência em 1.100 MW. Por sua vez, a Eletronuclear, constituída em 1997 como parte do
projeto de privatização de Furnas, que também não ocorreu, assumiu a manutenção de Angra
I e a finalização de Angra II. Após um longo atraso no seu cronograma, somente em 2000,
Angra II gerou os seus primeiros watts, com uma potência de 1.350 MW.
A Eletrosul, umas das principais subsidiárias do sistema Eletrobrás, foi a única a ter
levado a cabo a sua privatização, a despeito dos planos do governo federal de entregar ao
controle privado as demais empresas federais. Antes de sua cisão em duas empresas e
posterior privatização, o principal investimento em geração da Eletrosul foi a elevação da
potência do complexo termelétrico de Jorge Lacerda. No ano de 1997, os ativos de geração e
transmissão foram divididos, a Eletrosul (transmissão) permaneceu sob controle da
Eletrobrás, enquanto a Gerasul (geração) foi alienada a empresas privadas. A recém-criada
empresa, atual Tractebel Energia, herdou as unidades geradoras existentes e deu continuidade
aos projetos em andamento (Itá e Machadinho). A empresa também se interessou em investir
na construção de uma usina em Mato Grosso do Sul (William Arjona) e outra em Goiás (Cana
Brava), esta última fora dos limites imposto pelo mosaico das subsidiárias regionais vigente
no modelo estatal.
Interessante notar que o BNDES e a Eletrobrás, organizações estatais, "contribuíram
decisivamente para a viabilização financeira" da UHE de Itá (CACHAPUZ, 2006, p. 599),
quando um dos argumentos mais retumbantes em favor do modelo privado no campo da
geração era, justamente, a escassez de recursos por parte do Estado para dar prosseguimento
ao desenvolvimento do parque gerador do país. Esse aporte não constituiu, de maneira
alguma, um caso isolado; pelo contrário, foram várias as iniciativas desta natureza, como por
exemplo as UHEs de Dona Francisca, Serra da Mesa, Machadinho, Cana Brava, Lajeado,
dentre outras64. Ao final do processo, a Tractebel já controlava 4.599 MW de potência, em
2000.
A Cesp, ainda sob controle do estado de São Paulo, concluiu quatro hidrelétricas no
rio Paranapanema, Rosana, Taquaruçu, Canoas I e II; as duas últimas com participação da
64
Dona Francisca foi construída com participação das estatais CEEE, Copel e Celesc, enquanto Serra da Mesa,
Machadinho e Cana Brava, com financiamento do BNDES. Lajeado obteve apoio financeiro da Eletrobrás, que
integralizou todas as ações preferenciais.
104
iniciativa privada (CBA); uma no rio Tietê, Três Irmãos, e outra no rio Paraná, Porto
Primavera. No final da década de 90, a Cesp foi dividida em algumas empresas de maneira
viabilizar a sua privatização. Assim, foram formadas a Cesp Paranapanema (atual Duke
Energy) e a Cesp Tietê (atual AES Tietê). O que sobrou da estatal se transformou em uma
empresa exclusivamente geradora e ainda manteve o controle de seis UHE, que totalizavam
6.800 MW em 2000. Desde então, a concessionária estadual não implementou nenhuma nova
usina, assim como a Duke Energy e a AES Tietê.
A partir de 1990, a Cemig concluiu as obras de oito hidrelétricas, dentre elas: Nova
Ponte, Miranda; ambas no rio Araguari. A Cemig foi uma das empresas que mais constituiu
parcerias público-privadas, por exemplo, para construir as usinas Igarapava, Capim Branco I e
II, Aimorés, Funil e Porto Estrela, todas elas com participação da CVRD. A empresa também
investiu em duas PCHs e comprou quatro UHE e uma UTE.
A Copel logrou um avanço significativo ao longo dos anos 90, já que inaugurou duas
usinas de grande capacidade geradora, Segredo e Salto Caxias, ambas no rio Iguaçu. Assim
como outras companhias, a Copel também se associou a empresas privadas, em uma usina
eólica, uma térmica e três hidrelétricas, a saber: Dona Francisca, Machadinho e Campos
Novos. Já o governo de Goiás dividiu a Celg em duas e transferiu o controle de sua principal
usina, Cachoeira Dourada, para a multinacional espanhola Endesa.
Dentre os investimentos do capital privado destaca-se a participação da multinacional
norte-americana AES, que investiu na construção da termelétrica de Uruguaiana, no estado
gaúcho, assim como a Enron, também norte-americana, construtora de outra termelétrica, em
Cuiabá. A Light, após a sua privatização, concluiu a UHE Santa Banca, na parte paulista do
rio Paraíba do Sul. O consórcio Investico formado pelo grupo Rede, EDP (portuguesa), CEB
e CMS Energy (estadunidense) construiu a UHE Lajeado (Luis Eduardo Guimarães), no rio
Tocantins, com apoio financeiro da Eletrobrás.
A Tabela 3.3. apresenta algumas mudanças em relação ao decênio anterior. A primeira
é a queda na participação no somatório da capacidade das empresas controladas pelo Estado,
sendo a Chesf a exceção. Consequentemente, a segunda é a emergência das empresas privadas
dentre as principais geradoras do país, em particular a Tractebel, a AES e a Duke Energy.
Ambas tendências terão prosseguimento nos anos seguintes, como será mostrado mais
adiante.
105
Tabela 3.3. Capacidade instalada das maiores empresas geradoras, em 2000
Empresa
Chesf
Furnas
Cesp
Eletronorte
Itaipu *
Capacidade
(MW)
10.704
9.133
6.722
6.363
6.300
Participação
Nacional (%)
15,1
12,9
9,5
9,0
8,9
Empresa
Cemig
Tractebel
Copel
AES
Duke Energy
Capacidade
(MW)
5.632
4.599
4.548
2.651
2.300
Participação
Nacional (%)
7,9
6,5
6,4
3,7
3,2
Fonte: Eletrobrás/ Siese. In: Cachapuz (2006, p. 607)
* somente a metade brasileira
A distribuição dos investimentos em novos empreendimentos para geração no período
1990-2006 ainda esteve concentrada, como nos períodos anteriores, nas regiões Sul e Sudeste
do país, como mostra a figura 3.1. É possível notar, todavia, que as novas unidades geradoras
se encontram mais distribuídas, com importantes investimentos nos estados do Centro-Oeste e
Norte. Esta nova geografia dos investimentos em geração decorre do deslocamento da
fronteira elétrica em direção à Amazônia, que ainda se encontra em marcha, cujo foco atual
são as bacias do Tocantins, Madeira, Xingu; e também ao Sul, na bacia do Alto Uruguai.
Figura 3.1. Principais investimentos em geração de eletricidade (conclusão ou ampliação de unidades já
existentes). 1990-2006.
Elaborada por Aline Schindler Gomes da Costa com colaboração do autor, baseada em Cachapuz (2006).
106
3.3. O papel do BNDES
O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE65) foi fundado no início
dos anos 50 no bojo de um projeto desenvolvimentista, que apostava na superação do subdesenvolvimento através da industrialização. Assim, a tarefa do banco seria a de financiar a
infra-estrutura e a indústria de base e viabilizar a consolidação do projeto industrializante do
Brasil. Entre os anos 1956 e 1961, a capacidade instalada brasileira se ampliou em 2.067 MW,
em grande parte financiada pelo BNDE66, que proveu 46,3% dos recursos necessários para
viabilização das usinas, num total de 141 operações de crédito para projetos do setor.
Contudo, a reorientação do banco nas décadas de 80 e 90, o conduziu ao papel de protagonista
no processo de privatização. O BNDES foi designado gestor do FND (Fundo Nacional de
Desestatização), no qual foram depositadas as ações das empresas a serem privatizadas.
Assim, o banco passou a gerenciar, acompanhar e realizar a venda das empresas incluídas no
PND (GOMES et al, 2003).
Como é possível verificar, o BNDES tem assumido um papel de destaque no que se
refere ao financiamento de projetos no campo da energia elétrica. Desde as mudanças
regulatórias no setor no final da década passada, tem se tornado bastante comum a
participação do banco na expansão da capacidade instalada do país. Nem sempre foi assim,
pois as restrições impostas pelo Banco Central ao crédito destinados às estatais, no período
1990-1994, restringiu a participação do banco (BNDES, 2001). A partir de 1995, a instituição
retomou o apoio financeiro ao setor e, dentre os fatores que possibilitaram isso, destaca-se: (a)
o fato das empresas deixarem de ser estatais, pois cessou o impedimento legal do
financiamento do banco; (b) adoção da modalidade de financiamento project finance67, cujos
consórcios formados a partir da combinação de capitais privados e públicos capta recurso para
desenvolver o projeto; (c) emissão de debêntures68 no mercado de capitais de maneira a
compor os recursos dos projetos (BNDES, 2001).
65
Em 1982, o BNDE muda de nome: BNDES - Banco Nacional do Desenvolvimento econômico e Social.
A ação financiadora do Banco no setor teve início com o apoio ao governo do Espírito Santo (janeiro de 1954)
para o projeto da hidrelétrica de Rio Bonito, em Santa Leopoldina. O acordo entre o BNDES e o governo
estadual estabelecia as bases para criar uma sociedade por ações que se destinaria a gerar e distribuir energia
elétrica; essa empresa veio a surgir em setembro de 1956, com a constituição da Escelsa (GOMES et al, 2003).
67
O project finance é um mecanismo de estruturação das fontes de financiamento de um projeto em que os
riscos de sua implantação e operação são diluídos entre todos os agentes envolvidos (stakeholders), em vez de
serem concentrados nos investidores. É um mecanismo de estruturação de financiamento a um projeto
legalmente independente dos investidores, na qual os financiadores assumem que o fluxo de caixa a ser gerado e
os ativos do projeto são as fontes primárias de pagamento e garantia do financiamento.
68
São títulos de dívida de médio e longo prazo emitidos por empresas, que conferem ao detentor do título, o
debenturista, um direito de crédito contra a emissora. Assim, o comprador de uma debênture é um credor da
66
107
Entre 1995 e 2000, o BNDES financiou a construção de hidrelétricas que expandiram
a capacidade instalada do país em 6.027 MW, dentre os projetos financiados ressalta-se: Serra
da Mesa, Itá, Machadinho e Lajeado. Esses projetos obtiveram uma participação do banco da
ordem de R$ 1,90 bilhão (BNDES, 2001). Durante o contexto de crise energética em 1999, o
governo elaborou o PPE (Programa de Apoio Financeiro a Investimentos Prioritários no Setor
Elétrico), que estabeleceu uma lista de projetos prioritários, com linhas de créditos do BNDES
diferenciadas e facilitadas, na sua maioria projetos de termelétricas (BNDES, 2001).
O BNDES (2001) previa, até 2003, "a expansão dos sistemas interligados brasileiros,
através de 21 projetos de hidroelétricas, em cerca de 7.803 MW, dos quais 53,3% estão sendo
financiados pelo Banco, representando investimentos da ordem de R$ 10,7 bilhões".
Um outro documento institucional atesta que o banco tem sido "o principal agente
provedor de recursos de longo prazo para o equacionamento das fontes de recursos dos
projetos". E destaca que no campo exclusivo da geração, a instituição "aprovou no período
[2003-junho de 2008] 142 projetos, com um montante de financiamento no valor de R$ 21,3
bilhões (...), agregando ao sistema elétrico brasileiro 15.214 MW de potência instalada"
(SIFFERT FILHO et al, 2008, p. 29).
Dentre os projetos financiados no segmento da geração, destaca-se a preponderância
assumida pelas hidrelétricas, mais de R$ 13 bilhões, conforme tabela abaixo. Também chama
atenção o volume de recursos destinados aos investimentos de transmissão, quase R$ 6
bilhões, somando 9.800 km de linhas de transmissão, 10% da malha total existente no país.
Tabela 3.4. Operações aprovadas pelo BNDES, entre 2003 e junho de 2008.
Segmento
Hidrelétricas
Termelétricas
PCH, Eólicas, Biomassa
Geração Total
Transmissão
Distribuição
Capacidade
Financiamento
Instalada ou Projetos
BNDES
Distância
(R$ milhões)
11.130 MW
1.549 MW
2.535 MW
15.214 MW
9.846 km
-
37
4
101
142
34
31
13.676
1.137
6.512
21.325
5.904
4.932
Financiamento
BNDES/
investimento
total
57,8%
35,2%
70,1%
58,9%
58,0%
58,0%
Fonte: BNDES Setorial, n. 29, p. 3-36, mar. 2009 apud Siffert Filho et al (2008, p. 27).
O documento destaca que a crescente participação do banco no setor elétrico foi
possibilitada através da modalidade de financiamento project finance. No setor, a utilização
empresa.
108
desta modelagem de financiamento teve impulso somente no final dos anos 1990, após as
reformas institucionais do setor, as quais promoveram abertura à iniciativa privada.
Inicialmente, o project finance foi utilizado para estruturar projetos do segmento de
transmissão e, posteriormente, de geração.
A Plataforma BNDES, um grupo de discussão sobre as ações do banco, que reúne
movimentos sociais e ONGs, critica o project finance. Este grupo, em documento publicado
em seu sítio eletrônico69, ao analisar o caso das usinas do rio Madeira, sustenta que nesta
modelagem, não há garantias sobre a capacidade de pagamento do consórcio. Pois "o retorno
do Banco passa a depender de uma receita que não se sabe ao certo se virá, o que termina por,
na prática, blindar o cronograma do empreendimento, que passa a ser central na viabilização
das garantias oferecidas". (...) Neste sentido, "mais do que uma espécie de 'sócio' majoritário
dos projetos", o banco tem "se transformando em refém dessa modelagem de
financiamento70".
A atuação do BNDES no setor elétrico não se limita ao financiamento de projetos e
concessão de crédito aos agentes. O banco também participa do capital acionário de diversas
corporações por intermédio do BNDES Participações S.A. (BNDESPAR), subsidiária integral
do banco, que segundo informa o sítio eletrônico71, atua através de "participações societárias
de caráter minoritário e transitório, buscando oferecer apoio financeiro às empresas brasileiras
sob a forma de capital de risco e, simultaneamente, estimular o fortalecimento e a
modernização do mercado de valores mobiliários". A distribuição setorial da carteira de
investimentos do BNDESPAR assinala que o segmento de energia elétrica representa 21,6%
das ações, atrás somente do segmento de petróleo e gás. A subsidiária detém participações
societárias em diversas companhias do setor: Brasiliana (AES) 53,8%, Copel 24%, Cesp
5,7%, CPFL 6,2%, Eletrobrás 11,8%, Light 33,6% e Rede 25,3%. As informações prestadas
pelo banco dão conta que o mesmo registrou lucro líquido de R$ 5,3 bilhões em 2008, e a sua
subsidiária, BNDESPAR, R$ 3,36 bilhões no mesmo ano. Documento publicado pela ANEEL
69
http://www.plataformabndes.org.br/index.php/pt/biblioteca/cat_view/53-biblioteca, acessado em julho de
2009.
70
Especificamente sobre as licitações do Madeira: "Isso é particularmente grave quando se observa que os
titulares das concessões venceram as licitações ofertando surpreendentes preços baixos para as tarifas,
evidenciando que a rentabilidade do projeto depende da antecipação da entrada em operação das usinas e da
colocação de grandes blocos de energia no mercado livre, antes da contratação no mercado regulado. Assim, a
antecipação da operação das usinas se tornou uma perigosa condição e pré-requisito para a definição da tarifa
oferecida no mercado regulado. Perigosa, leia-se, para o estrito atendimento a todas as exigências legais que
envolvem projetos dessa monta".
71
www.bndes.gov.br, acessado em junho de 2009.
109
(Participação dos agentes no mercado de geração de energia elétrica, 1º trimestre 2008)72
destaca que o BNDESPAR possui 8,7% de todo o mercado de geração no sistema nacional.
3.4. O novo arranjo espacial das concessionárias de distribuição de energia no contexto da
privatização
No que diz respeito à atuação das concessionárias distribuidoras, houve algumas
transformações a partir do processo de privatização. A primeira grande mudança se deu no
controle das empresas distribuidoras, já que a maior parte da distribuição de energia passou ao
controle privado. Na figura 3.2 abaixo é possível perceber, em termo espaciais, que o Estado
ainda detém uma atuação em expressiva parcela territorial, através do governo federal, por
intermédio da Eletrobrás, e alguns governos estaduais. Contudo, quanto ao volume de
eletricidade distribuída representa uma fração reduzida frente ao consumo total nacional, já
que a maior parte destas empresas se localiza longe dos maiores mercados consumidores de
energia. É o caso das concessionárias federais Ceam, Manaus Energia, Eletroacre, Ceron,
Cepisa e Boa Vista Energia; e as estaduais CEA e CER.
As distribuidoras que atuam na Amazônia atendem a muitos municípios isolados, não
conectados ao sistema interligado nacional. Portanto, até então despertaram pouco ou nenhum
interesse por parte dos agentes privados. Desta forma, a privatização das empresas do campo
da distribuição se concentrou no centro-sul e no nordeste. Mesmo assim, alguns governos
estaduais, mesmo os mais próximos dos principais centros, não embarcaram na ofensiva
privatista das políticas liberais e mantiveram as suas distribuidoras sob o controle estadual,
ainda que a maioria delas tenha aberto parte do seu capital para investidores privados.
A pesquisa de Soares (2008), ao buscar compreender as singularidades dos sistemas
isolados da Amazônia, defende que os mesmos acabam 'isolados' não só tecnicamente, mas
também das políticas governamentais voltadas para o setor. Acrescenta ainda que as políticas
energéticas do Estado não têm priorizado a eletrificação das residências, mas os grandes
projetos de construção de grandes hidrelétricas. (Soares, 2008, p. 13). Em função desse duplo
isolamento, se configuraram na Amazônia três sub-divisões: (1) os sistemas das capitais dos
estados, abastecidos por geração hídrica e térmica; (2) as sedes dos municípios (não-capitais),
providas por PCHs e pequenas termelétricas a diesel; e (3) os povoados atendidos por
72
http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/ParticipacaoDistribuicao1trim2008-.pdf, acessado em maio de 2009.
110
soluções estritamente locais, como pequenos geradores a diesel e bateria de automóvel.
(Soares, 2008, p. 19).
A segunda mudança acerca das empresas distribuidoras no período pós-privatização se
refere à área de concessão de cada uma das empresas distribuidoras. No período de
hegemonia estatal, as empresas distribuidoras gozavam de um monopólio sobre os limites
estaduais, na qual cada uma delas atuavam estritamente no interior de cada estado73. A partir
do período de privatização, algumas empresas passam a dividir a concessão sobre a
distribuição de alguns estados. Isso decorreu, principalmente, do modelo de privatização. No
processo de licitação, alguns estados fragmentaram o seu território, de maneira a não entregar
toda concessão do estado a um único grupo corporativo, por exemplo, Rio Grande do Sul e
São Paulo. Também é possível perceber que algumas concessionárias ultrapassam os limites
estaduais, passando a atuar em mais de um estado.
Figura 3.2. Área de concessão aproximada das distribuidoras de eletricidade, por grupo empresarial controlador.
2006.
Elaborada por Aline Schindler Gomes da Costa com colaboração do autor, baseada em Cachapuz (2006).
73
Exceções são os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, cujos consumidores eram atendidos por duas e três
concessionárias, respectivamente, ao longo das décadas de 60/70/80.
111
A terceira mudança, e também a mais significativa no campo da distribuição, diz
respeito à entrada de novos agentes após o processo de desestatização. Se no período de
hegemonia estatal, os governos estaduais controlavam quase a totalidade das concessões de
distribuição, o avanço da desestatização trouxe personagens novos para o setor elétrico.
Chama a atenção na figura 3.2 a extensa área de concessão do grupo Rede, que atua em áreas
de menor interesse de mercado (Pará, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Vale do
Paranapanema (SP), nas proximidades de Caiuá (SP), Catanduva (SP), Bragança Paulista (SP/
MG) e parte de Guarapuava (PR)). As informações prestadas no sítio eletrônico do grupo74
dão conta que esta corporação atende a 34% do território nacional, 574 municípios (cerca de
10,3% do total), 16 milhões de habitantes (8,7% do país) e comercializam 15.995 GWh/ano
(cerca de 4% do consumo brasileiro). Por estes dados, é possível notar que parece ser uma
estratégia da corporação se especializar em localidades de baixo consumo per capita. O
capital aberto da holding Rede Energia é controlada pela EEVP (Empresa de Eletricidade do
Vale do Paranapanema) 55% e pelo BNDESPAR 25,3%. Até a década de 80, a empresa não
era expressiva no mercado nacional, de atuação local no interior paulista. Foram os leilões da
privatização que possibilitaram o avanço da corporação quando esta arrematou as concessões
do Tocantins (ainda em 1989), Mato Grosso (1997) e Pará (1998). Em seguida, trocou a UHE
de Lajeado pela totalidade das ações da concessionária sul-matogrossense, antes sob controle
da portuguesa EDP.
Um segundo importante grupo é o Neoenergia, constituído em 1997 pela Iberdrola75
(39%), pelo fundo de pensão brasileiro Previ e o banco BB Investimento, que juntos detêm as
demais ações. A corporação concentra seus investimentos em distribuição no Nordeste,
através das concessões na Bahia, Rio Grande do Norte e Pernambuco. A história da
Neoenergia é bem recente, começa em 1997 com a aquisição da Coelba (maior distribuidora
do nordeste) e da Cosern; e em 2000, adquire a Celpe. Assim, a corporação se tornou a maior
empresa de distribuição do nordeste, tendo distribuído mais de 21 mil GWh em 2006, o que
corresponde cerca de 8,6% do total nacional.
Há ainda alguns grupos que não possuem grandes domínios territoriais no campo da
distribuição, mas no que se refere ao volume de eletricidade distribuído, são as principais
concessionárias, a AES e a CPFL. A AES Corporation é uma multinacional da área de
74
<http://www.gruporede.com.br/>, acesso em junho de 2009.
A Iberdrola é uma das maiores multinacionais atuantes no campo do gás natural e eletricidade, possui
investimentos em países latino-americanos (México, Guatemala, Bolívia, Chile, etc), mas como os próprios
ressaltam não são os investimentos "mais especiais", pois a corporação "ya está presente en más de 40 países y,
en especial, en aquellos más desarrollados y cuyos mercados están más liberalizados, como España, Reino
Unido o Estados Unidos". Disponível em: http://www.iberdrola.es, acessado em maio de 2009.
75
112
geração e distribuição de energia, de origem estadunidense, e atuação em quatro continentes e
mais de 30 países76. No Brasil, os investimentos em distribuição se resumem em apenas duas
áreas: região metropolitana de São Paulo (AES Eletropaulo) e centro/ oeste gaúcho (AES
Sul). Todavia, somente a concessionária da metrópole paulista atende a 12,6% do mercado
nacional. Se somado à concessão gaúcha, a AES dispõe no Brasil de 15,3% (dados de 2006).
A multinacional entra no mercado brasileiro em 1998 através dos leilões de privatização. Em
razão do acúmulo de dívidas com o BNDES, foi constituída uma nova empresa, Brasiliana
Energia, que passou a ter o seu capital acionário compartilhado entre a AES Corporation
(50,01%) e o banco (49,99%).
A CPFL é umas maiores empresas de distribuição de energia elétrica (13,3% de
market share, para utilizar o léxico do mundo corporativo) e, também, umas das mais antigas.
Entre 1927 e 1964, esteve sob o controle da empresa Amforp, quando passou ao controle da
Eletrobrás. No auge do processo de estatização foi incorporada ao governo estadual através da
Cesp. Na década de 90, foi vendida ao consórcio formado pela Votorantim, Camargo Correa e
Bradesco (VBC). Recentemente, a Camargo Correa passou a controlar integralmente a VBC
e, hoje, compartilha com o fundo de pensão Previ, Bonaire (conglomerado de fundos de
pensão, dentre eles da Cesp, da Sabesp e da Petros) e o BNDESPAR, o controle acionário da
CPFL. Assim, como a AES, a CPFL também concentra as suas atenções no campo da
distribuição nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul.
É possível notar através da tabela 3.5. abaixo que apesar do rápido processo de
desestatização da década de 1990, os governos estaduais ainda possuem o controle de fração
expressiva do domínio territorial e também do volume de eletricidade consumida no país. A
tabela, elaborada com os dados da Abradee (Associação Brasileira dos Distribuidores de
Energia Elétrica), permite perceber que as concessionárias estaduais77 distribuíram 68 mil
GWh no ano de 2006, cerca de 27,3% do total nacional. Se acrescenta-se as subsidiárias
federais a proporção chega a 30,8%. Esse dado sugere que ainda há um terreno significativo
para o avanço da privatização, ainda que parte deste terreno não seja tão atrativa ao capital
privado. No entanto, ao observar mais de perto, nota-se que os governos estaduais não
controlam a totalidade de suas companhias, já que alienaram ao capital privado parte de suas
76
A exceção entre os continentes é a Oceania. A AES possui negócios em: EUA, México, Bulgária, República
Tcheca, França, Hungria, Países Baixos, Espanha, Turquia, Ucrânia, Reino Unido, Cazaquistão, Camarões,
Nigéria, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, República Dominicana, El Salvador, Panamá, China, Índia,
Filipinas, Sri Lanka, Jordânia, Omã, Paquistão e Qatar. Disponível em: www.aes.com, acessado em maio de
2009.
77
Não estão contabilizados as informações referentes às concessionárias estaduais do Amapá (CEA) e de
Roraima (CER), já que as mesmas não são associadas à Abradee.
113
ações. É o caso do governo de Minas Gerais que detém 51% das ações ordinárias e 23% das
ações totais da Cemig, do governo do Paraná (58,6% das ações ordinárias e 31,1% das ações
totais da Copel), do governo de Santa Catarina (50,18% das ordinárias e 20,2% das totais da
Celesc), do governo de São Paulo (94% das ordinárias e 36% das totais da Cesp).
Tabela 3.5. Distribuição de energia elétrica por concessionária e por grupo controlador, 2006.
Grupo
Concessionária Consumo
Controlador
GWh
AES
Eletropaulo
31.677
AES - Sul
6.905
CPFL
18.294
CPFL
Piratininga
7.743
RGE
6.319
CPEE
274
Coelba
10.614
Neoenergia Celpe
7.850
Cosern
3.216
Estado MG Cemig
20.134
RME
Light
18.381
Estado PR
Copel
17.479
Celpa
4.739
Cemat
3.982
Enersul
2.723
Celtins
964
Rede
Caiuá
891
Paranapanema
642
Bragantina
569
Nacional
424
CFLO
222
Endesa
Ampla
7.051
Coelce
6.206
Estado SC
Celesc
12.745
EDP
Bandeirante
7.865
Escelsa
4.287
Grupo
Concessionária Consumo
Controlador
GWh
Manaus
3.421
Ceal
2.049
Cepisa
1.607
Eletrobrás
32.630
Ceron
1.532
Ceam
498
Eletroacre
493
Boa Vista
339
21.680
Enron
Elektro
9.563
Estado GO
Celg
7.173
20.134
Estado RS
CEEE
6.287
18.381
Energisa PB
2.275
17.479
Energipe
1.640
Energisa
Borborema
509
Energisa MG
948
CENF
275
Dist. Federal CEB
3.991
15.156
Equatorial
Cemar
2.916
Municipal
P. Caldas
342
Santa Maria
301
Sulgipe
213
Iguaçu
166
13.257
Chesp
72
Panambi
68
12.745
Estado RR
CER
12.152
Estado AP
CEA
Outras
3.108
Total Brasil
251.983
Fonte: Abradee (http://www.abradee.org.br/dados_mercado.asp)
Total
GWh
38.582
Total
GWh
9.939
9.563
7.173
6.287
5.647
3.991
2.916
342
301
213
166
72
68
Curioso é o caso da distribuidora da capital fluminense. A Light entra no Brasil no
princípio do século XX como uma empresa canadense. Dentre as idas e vindas, muda de mão
algumas vezes ao longo desses cem anos (privado-estatal-privado). No arroubo da
privatização foi comprada por uma estatal francesa (EDF - Eletricitè de France). Dez anos
depois a EDF a revende para o consórcio RME (Rio Minas Energia), detentora de 52,2% das
ações da Light, composto pelas empresas Pactual Energia, Luce (fundo de investimentos),
Andrade Gutierrez e a estatal Cemig (um quarto cada). Além disso, a empresa BNDESPAR,
114
controlada por um banco estatal, detém 33,7% da Light. Portanto, a Light seria uma empresa
estatal ou privada?
Quando se compara o perfil das empresas é possível perceber a diferença de atuação
corporativa (tabela 3.6., abaixo). Os dados colhidos demonstram dois padrões de atuação
distintos: (1) o primeiro padrão é marcado por atender em áreas muito amplas e também a um
número de municípios maior. Entretanto, apresentam um volume de distribuição baixo, se
comparados com o segundo padrão. Consequentemente, as empresas deste padrão atuam em
regiões de menor densidade demográfica, com índices de consumo de eletricidade per capita
mais baixo. Além disso, também possuem índices de distribuição por cliente (unidade
industrial, comercial, residencial, etc) mais reduzidos. (2) Por outro lado, no segundo padrão,
as empresas concentram as suas ações em regiões de consumo mais intensivo de energia
(sudeste e sul). A despeito da reduzida área de concessão, se comparadas com o padrão
anterior, controlam a distribuição em áreas que apresentam índices de GWh por habitante, por
cliente e por área mais favoráveis. O quadro a seguir destaca as características de cada um dos
padrões.
Padrão 1
Padrão 2
Distribuição/ área
Consumo/ capita
(GWh/ km²) x 100
(GWh/ milhões habitantes)
inferior a 10
inferior a 1200
superior a 15
superior a 1800
Consumo/ cliente
(GWh/ milhões clientes)
inferior a 4000
superior a 4500
Tabela 3.6. Principais empresas distribuidoras de energia, segundo área de concessão,
população e distribuição de eletricidade.
(1) Área (km²)
(2) Municípios
(3) Habitantes
(milhões)
(4) Clientes
(milhões)
(5) Distribuição
(GWh)
(5) / (1) x100
(5) / (3)
(5) / (4)
Padrão 1
Padrão 2
Rede
Neoenergia Cemig Endesa Copel
AES
CPFL Light
2.895.058
718.801 567.478 180.609 194.854 104.038 199.792 10.970
574
767
774
250
393
142
568
31
16
25
18,5
15,4
10
20,5
18
10
4,2
8,4
6
4,7
3,5
6,9
6,3
3,8
15.995
21.680
20.134
13.257
17.479
38.582
32.630 18.381
0,6
999
3.808
3
833
2.581
3,5
1.088
3.356
7
861
2.821
9
1.748
4.994
37
1.882
5.567
16
1.812
5.179
168
1.838
4.837
Fonte: Abradee e sítios eletrônicos das empresas.
* Os dados da Cemig não contabilizam a sua participação na Light.
As corporações Rede, Neoenergia e Cemig possuem um padrão de atuação que as
coloca dentro do que foi chamado de padrão 1. Todas as três atendem a áreas extensas, porém
115
de baixa densidade demográfica e, portanto pouco intensivas no consumo por área, por
habitantes e por clientes. O caso da Endesa é particular, pois a corporação possui duas
concessões em áreas bem distintas, parte do Rio de Janeiro (Ampla) e no Ceará (Coelce), no
entanto, no cômputo geral, a empresa se aproxima do padrão 1. Já as empresas AES, CPFL e
Light, possuem um perfil característico do padrão 2, com área de concessão de alta densidade
demográfica, e índices mais favoráveis quanto ao consumo por área, por habitantes e clientes.
A Copel possui um caráter intermediário entre os dois padrões.
Essas informações implicam na estratégia espacial das empresas, pois influenciam na
sua rentabilidade e lucratividade. O arranjo espacial das empresas de distribuição obedece a
lógica dessas estratégias empresariais. Os dados sugerem que as empresas tendem a se
especializar em regiões mais ou menos densas do ponto de vista do consumo de eletricidade.
O grupo Rede, por exemplo, ao trocar a sua participação na usina de Lajeado pela concessão
no Mato Grosso do Sul, buscou se consolidar enquanto uma corporação que atua no CentroOeste e no Norte do país. Por outro lado, empresas como a AES e a CPFL procuram atuar
próximo aos grandes centros urbanos.
3.5. O mapa das empresas de geração de eletricidade no pós-privatização
As transformações no mapa dos agentes de geração de eletricidade não foram tão
significativas quanto no segmento da distribuição, muito em função das características da
indústria de energia elétrica, já que o retorno dos investimentos realizados em geração é mais
lento do que na distribuição, que por esta razão despertou um interesse menor do capital
privado. E também pela trajetória escolhida pelo setor elétrico brasileiro, na ocasião do
processo de privatização, quando foi priorizada a venda das concessionárias de distribuição.
No primeiro capítulo foi apresentado o conceito de "fronteira elétrica", cunhado por
Castro (1985). O autor, ao pesquisar a transição do modelo oligopolista, em vigência no início
do século passado, para o modelo estatal, a partir da década de 50, percebeu que os novos
investimentos tendiam a se localizar em pontos cada vez mais distantes dos principais centros
urbanos. Analisar a fronteira elétrica para os dias de hoje significa, como nos mostra a figura
abaixo elaborada pela Aneel, que o foco de concentração de concentração das usinas deslocou
do sudeste brasileiro, na década de 1950, para o Brasil central. A implementação da
interligação do sistema elétrico para quase todos os pontos do país desobrigou a necessidade
de localização das novas usinas no sudeste, já em boa parte com potenciais aproveitados, e
permitiu que o avanço da fronteira elétrica se mantivesse durante todo o século.
116
Figura 3.3. Evolução da concentração das usinas hidrelétricas. 1950 e 2000
Fonte: ANEEL. Atlas de energia elétrica do Brasil, 2005, p. 58
Atualmente, a fronteira elétrica do país é a região amazônica, palco de maior parte das
atenções do setor. Segundo os dados apresentados pelo Atlas da Aneel (2005, p. 45, 52 e 56),
dentre as oito grandes bacias hidrográficas brasileiras78, a bacia do Amazonas possui 78,8%
do potencial hidrelétrico estimado do país, nove vezes maior do que o estimado para a bacia
do Paraná. Entretanto, a maior parte da capacidade instalada brasileira está concentrada nas
bacias do Sul/ Sudeste e do São Francisco, que somadas alcançam mais de 75%. Os dados do
Atlas reafirmam que a fronteira elétrica avança para o norte, pois a bacia do Amazonas conta
com apenas 1,6% de índice de aproveitamento sobre o potencial inventariado, enquanto as
bacias do Paraná e do São Francisco atingem 73% e 42%, respectivamente. Recentemente, os
empreendimentos que mais despertam a atenção do setor são aqueles localizados nas bacias
do Tocantins, do Madeira e do Xingu.
No que diz respeito à área de atuação das concessionárias geradoras, parece que as
transformações recentes no setor e o contínuo avanço do capital privado (ainda) não foram o
suficiente para romper com a inércia de várias companhias. Algumas delas ainda restringem a
atuação delas às áreas de concessão definidas do período de hegemonia estatal. Isso se deve à
própria característica da indústria de geração de eletricidade no Brasil - a necessidade de
grandes investimentos e a dependência de potenciais hidráulicos - que tornam mais lentas as
mudanças. Apesar do processo de privatização, cinco das dez maiores geradoras continuam
sendo as concessionárias controladas pelo governo federal e três por governos estaduais. No
entanto, é possível perceber que essa participação no mercado de geração é declinante. As três
78
As oito bacias são: Amazonas, Tocantins, Atlântico Norte/ Nordeste, São Francisco, Atlântico Leste, Paraná,
Uruguai e Atlântico Sudeste. Os dados são de março de 2003.
117
maiores subsidiárias federais, controlavam 40% capacidade de geração elétrica em 1990,
passaram a 37% em 2000, e atualmente chegam a 28%. O mesmo acontece com as três
maiores concessionárias controladas por governos estaduais, a capacidade foi de 30% em
1990, 24% em 2000 e hoje é de 18%.
A maior empresa geradora de eletricidade continua sendo uma empresa controlada
pelo governo federal, a Chesf. A concessionária foi a primeira empresa e única empresa a
ultrapassar a marca dos 10 mil MW. Dados atuais da ANEEL indicam que a concessionária
possui 10,2% da capacidade do país. As mudanças regulamentares dos últimos anos acabaram
com a exclusividade territorial por parte das concessionárias setoriais que marcou o modelo
estatal, no entanto, parece que essas mudanças ainda não afetaram a atuação da companhia, já
que todos os seus 15 empreendimentos em operação estão localizados no nordeste,
notadamente na bacia do São Francisco. A empresa ensaiou uma iniciativa frustrada de
ultrapassar as fronteiras nordestinas, pois participou do processo de licitação da UHE Santo
Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, vencida pelo consórcio constituído por Furnas,
Odebrecht, Andrade Gutierrez e Cemig. Já no segundo leilão do Madeira, para a exploração
da UHE Jirau, a Chesf saiu vitoriosa ao integrar o consórcio composto por Suez, Camargo
Correa e Eletrosul.
Assim como na Chesf, quase todas usinas em operação de Furnas também estão
restritas à área delimitada nas décadas anteriores, divididas sobretudo entre os estados de
Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. No entanto, ao observar os projetos de
geração em andamento da empresa, é possível notar que alguns deles escapam da "área
tradicional", como por exemplo, as UHEs: Foz do Chapecó, na divisa do Rio Grande do Sul
com Santa Catarina; Santo Antônio, na Amazônia; e Peixe Angical (detém apenas 40%,
parceria com a EDP), no Tocantins. Atualmente, a Aneel aponta que 9,2% da potência
instalada pertence a Furnas.
O que diferencia a Eletronorte das concessionárias anteriores é que esta não possui
nenhum projeto em andamento, talvez em razão dos problemas financeiros que atingem a
companhia nos últimos anos79. No entanto, assim como as concessionárias anteriores, a
empresa também possui o seu parque gerador (8,9% do total nacional) concentrado no seu
"território de origem", a maior parte da região Norte.
A Petrobrás é a empresa que possui o perfil mais diversificado em termos de
localização das suas unidades geradoras, são algumas PCHs, eólicas e termelétricas, nenhuma
79
Os últimos anos registraram significativos prejuízos. Por causa destes problemas financeiros, a Eletronorte se
retirou do leilão da usina de Santo Antônio.
118
hidrelétrica, localizadas em todas as regiões do país. O seu parque gerador termelétrico é
composto por 17 usinas, segundo o Relatório Anual de 200880, com capacidade de 5.443 MW,
cerca de 5% de participação no mercado brasileiro. Entretanto, quando considera-se apenas a
capacidade termelétrica nacional, a Petrobrás obtém uma participação que ultrapassa os 20%.
A quinta maior companhia geradora é um caso particular, a Binacional Itaipu, possui
apenas uma usina com capacidade instalada de 14 mil MW. No entanto, apenas é
contabilizada a metade brasileira.
A companhia controlada pelo governo do Estado de São Paulo, a Cesp já possuiu, no
final do modelo estatal, o maior parque gerador nacional, superior a 17% da capacidade
nacional. Hoje, sua capacidade corresponde a 7,1% do país. Como já foi tratado
anteriormente, a empresa foi dividida em três, e duas delas foram privatizadas. O que
permaneceu sob controle estadual, no dias de hoje, opera seis hidrelétricas, sendo três na
divisa dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul (rio Paraná), duas no rio Paraíba do Sul
e outra no rio Tietê. Isto é, a empresa ainda não opera usinas fora de sua concessão territorial
no período do modelo estatal. A composição acionária atual da empresa é: estado de São
Paulo 36%, Banco Credit Suisse 5,5%, BNDESPAR 5,7%, Deutsche Bank 5%, Santander
4,4%.
A Cemig ainda detém expressiva parcela da capacidade geradora, porém, desde 1990
vê a sua participação declinar. A capacidade da concessionária se situa por volta de 6.800
MW, cerca de 6,3% de participação nacional, inferior aos 9,0% da década de 1990. As ações
da Cemig são controladas pelo estado de Minas Gerais (23% ações totais, 51% ações
ordinárias) e por investidores privados. Como herança do modelo estatal, as mais de 50 usinas
do parque gerador da Cemig estão concentradas no seu estado de origem e nas divisas com
demais unidades da federação. Todavia, segundo a própria, "a empresa vai continuar a
expandir seus negócios em geração dentro e fora do território mineiro81", pois a
concessionária investe em PCHs em Santa Catarina e no Espírito Santo, além de ter adquirido
parte da Light (Rio de Janeiro). A Cemig também participa do consórcio (apenas 10%) que
venceu o leilão no rio Madeira, em Rondônia.
Todo parque gerador da Copel está localizado no Paraná e as suas 18 usinas possuem
potência de 4.545 MW, o que corresponde a 4,4% da capacidade de geração do país. Assim
como as demais companhias controladas por governos estaduais, a participação da empresa no
80
http://www2.petrobras.com.br/ri/port/ConhecaPetrobras/RelatorioAnual/pdf/RelatorioAnual_2008.pdf. Acesso
em: maio de 2009
81
http://www.cemig.com.br/. Acesso em: junho de 2009.
119
mercado nacional é declinante. Ao contrário das demais estaduais, a Copel não parece
interessada em expandir a sua área de atuação para além dos limites estaduais. A companhia é
uma empresa de economia mista, na qual 31% das ações são controladas pelo governo
paranaense, 24% pelo BNDESPAR, e as demais distribuídas entre diversos acionistas.
A Tractebel, maior empresa não controlada pelo Estado, a pertence à multinacional
franco-belga GDF Suez. A Tractebel teve origem em 1986 com a fusão de duas empresas
belgas. Dois anos depois a francesa Suez adquire parte do controle da corporação belga, e em
2003, obtém o controle majoritário. Recentemente, a corporação do segmento de gás GDF
(controlada pelo governo francês) se funde com o grupo Suez-Tractebel, constituindo grupo
corporativo GDF Suez, com mais de um terço das ações controlado pelo governo francês. O
conglomerado formado se tornou uma das maiores corporações mundiais nos ramos de
eletricidade, gás natural e água82. No Brasil, a corporação entra no mercado de eletricidade ao
comprar a Gerasul (ex-estatal subsidiária da Eletrobrás) e herda as suas hidrelétricas e
termelétricas (em 1998 com 3.719 MW). Após a aquisição, a corporação passa a investir em
localidades diversas: as UHEs Cana Brava (GO), São Salvador (TO), Estreito83 (TO/ MA), as
três no rio Tocantins; Machadinho (RS/ SC), Itá (RS/ SC), ambas na bacia do Uruguai; Ponte
de Pedra (MS/ MT), UTE William Arjona (MS); duas pequenas usinas eólicas (CE e PI); duas
PCHs (MT).
Em linhas gerais, as hidrelétricas novas se encontram localizadas na área de concessão
da antiga Eletrosul (região Sul mais Mato Grosso do Sul), assim como os investimentos em
termelétricas. Contudo, chama a atenção a estratégia espacial da corporação em investimento
concentrados na bacia do rio Tocantins, três usinas que totalizam 1.780 MW, estabelecendo
uma disputa com Furnas pelo controle dos recursos hidráulicos do Tocantins84. Segundo as
informações da própria companhia, as usinas da Tractebel somam 6.432 MW de capacidade,
ou 6,2% do total brasileiro. A multinacional GDF/ Suez controla 69% das ações da
companhia, mas também há participações do BNDESPAR (2%) e da União Federal (2%).
A segunda maior empresa privada no campo da geração, a multinacional
estadunidense AES, controla quatro empresas: AES Tietê, AES Uruguaiana, AES Rio PCH e
AES Rio Minas. As duas últimas atuam exclusivamente com PCHs, no Rio de Janeiro e em
82
Segundo o sítio eletrônico da companhia (http://www.gdfsuez.com), a multinacional é a quinta maior geradora
de eletricidade na Europa, possui capacidade instalada mundial de 68 GW e as suas receitas contabilizaram 83
bilhões de Euro em 2008.
83
A UHE Estreito está em construção em parceria com a CVRD, Camargo Correa e Alcoa (alumínio). A
Tractebel é a principal acionista e detém 40% das ações.
84
Furnas dispõe de duas UHEs (Peixe Angical e Serra Mesa) no mesmo rio, que somam 1.727 MW de potência.
Há ainda estudos de viabilidade para outras três UHEs: Ipueiras, Serra Quebrada e Tupiratins. Porém, não há
previsão de abertura de processo de concessão.
120
Minas Gerais, contam com 9 usinas e 57 MW de potência total. A AES Uruguaiana possui
apenas uma térmica a gás natural, localizada na fronteira com a Argentina. A AES Tietê,
principal empresa do grupo, possui 10 hidrelétricas, todas localizadas no estado de São Paulo,
nas bacias do rio Tietê, rio Grande e rio Pardo. A empresa possui a maior parte da capacidade
instalada do rio Tietê. As quatro empresas do grupo totalizam 3.290 MW, ou seja, uma
participação no mercado de geração de 3,2%. A multinacional não possui o controle total das
subsidiárias do Tietê e Uruguaiana, já que compartilha com o BNDESPAR as ações da
companhia. Este foi o resultado de acordo em razão de dívidas da AES contraídas com o
BNDES.
A multinacional norte-americana Duke Energy entrou no mercado brasileiro ao
adquirir a Cesp Paranapanema e se tornou o terceiro maior grupo privado no segmento de
geração. A corporação, segundo o seu próprio sítio eletrônico85, atua em cinco estados dos
EUA, além do Peru, Equador, El Salvador, Argentina e Guatemala. Sua capacidade instalada
no Brasil é de 2.299 MW (2,2% do país) e todas as suas oito hidrelétricas estão situadas no rio
Paranapanema, o que faz da corporação detentora de cerca de 90% dos recursos hidrelétricos
instalados do rio Paranapanema86.
Também chama a atenção a participação das empresas do grupo Votorantim, segundo
o relatório anual da empresa de 2007, a multinacional de origem brasileira alcançou uma
capacidade instalada de 2.020 MW (quase 2% do total nacional), com participações em 31
UHE e 4 UTE. A Votorantim, por intermédio de seu braço no ramo da indústria do alumínio,
a CBA, possui participações expressivas em usinas de grande porte, por exemplo, 50% da
UHE Machadinho, 25% UHE Campos Novos e 15% de Barra Grande. Outra empresa de
significante participação na geração de eletricidade é a Camargo Correa, principal acionista da
CPFL (25%). A CPFL chegou no final de 2008, segundo o relatório anual da Camargo
Correa87, com uma potência instalada de 1.704 MW, por conta de 33 PCHs em São Paulo,
Minas Gerais e Rio Grande do Sul, e participações em 8 UHEs em Santa Catarina, Rio
Grande do Sul, Goiás e Tocantins. Por sua vez, as empresas do grupo Companhia do Vale do
Rio Doce (CVRD e Valesul) possuem cerca de 800 MW de capacidade.
Outras importantes empresas geradoras são: a Eletronuclear, pertencente ao grupo
Eletrobrás, que opera duas usinas nucleares com capacidade total de 2.007 MW; a CEEE,
85
http://www.duke-energy.com/investors/default.asp. Acesso: em junho de 2009. A multinacional obteve, em
2008, receita anual superior a 10 bilhões de dólares.
86
As empresas do grupo Votorantim possuem os demais 10%.
87
http://www.camargocorrea.com.br/rao2008/. Acesso em: junho de 2009.
121
dirigida pelo governo gaúcho, detém 15 usinas e possui participações em outras três, todas no
Rio Grande do Sul, e apresenta potência de aproximadamente 1.000 MW.
A figura abaixo localiza as usinas (com potência maior que 30 MW) das maiores
empresas geradoras (juntas dispõem de 62% da capacidade instalada nacional). Desta
maneira, é possível observar que, apesar de não existir mais as regulamentações que atribuíam
uma exclusividade territorial às concessionárias, as principais geradoras ainda se encontram
concentradas no seu "território de origem". Assim, a Chesf possui seus investimentos em
geração no nordeste; a Eletronorte, na Amazônia; as estaduais Cemig, Copel, CEEE, nos seus
estados de origem, etc. A Tractebel, compradora dos ativos de geração da Eletrosul, ainda
possui a maior parte das suas usinas no sul, porém construiu duas usinas no rio Tocantins e
em breve concluirá a terceira, o que pode indicar uma estratégia espacial da corporação de
concentração dos investimentos em bacias.
Figura 3.4. Distribuição espacial das usinas (potência maior que 30 MW) das empresas geradoras de
eletricidade de maior capacidade instalada.
Fonte: Aneel. Elaboração do autor.
Quando se observam os projetos dos próximos anos das empresas, parece que há uma
tendência de superar a lógica espacial vigente no modelo estatal. Já foi citado o caso dos
122
leilões do rio Madeira, em Rondônia. Dentre as diversas empresas que compõem o consórcio,
encontram-se a Cemig e Furnas, concessionárias que segundo a lógica do modelo estatal, não
poderiam construir usinas no Tocantins. O mesmo acontece com o projeto de Jirau, consórcio
formado pelas empresas Tractebel, Eletrosul e Chesf.
A Eletrosul é um caso particular. Constituída no bojo do processo de estatização do
setor elétrico, acabou por ser privatizada quando o avanço da privatização atingiu as empresas
geradoras. A Eletrosul viu os seus ativos serem divididos em geração e transmissão, na qual a
fração que permaneceu subsidiária da Eletrobrás se tornou apenas uma concessionária de
transmissão. Recentemente, a empresa passou a investir em geração, em breve concluirá três
unidades, além da já citada participação em Jirau.
123
CAPÍTULO 4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cabe a esta última parte do trabalho, uma reflexão sobre as recentes transformações no
SEB, em particular, na sua dimensão espacial e uma indagação se as mesmas implicaram na
constituição de um novo padrão para o setor. No decorrer da pesquisa, escolhas foram feitas e,
portanto, também compete às considerações finais uma apresentação acerca dos elementos
que ficaram de fora desta dissertação, alguns tão importantes quanto os que entraram para se
pensar sobre a geografia do setor elétrico. Antes, entretanto, a apresentação de uma síntese
geral do que foi estudado servirá para introduzir este segmento final.
Síntese conclusiva
As mudanças recentes apontam para um novo modelo de estruturação e expansão do
setor elétrico brasileiro. Como foi visto no primeiro capítulo, até meados da década de 1940, a
responsabilidade pela expansão do setor recaía sobre as duas maiores companhias estrangeiras
em operação no país. O oligopólio controlava quase a totalidade dos investimentos em
geração e distribuição. Como os investimentos estiveram orientados pela a lógica do retorno
rápido, grande parte da implementação de novas unidades de geração esteve localizada nas
bacias hidrográficas próximas às regiões mais urbanizadas e industrializadas. As localidades
distantes dos principais centros urbanos se caracterizavam por soluções locais, prefeituras de
municípios pouco populosos enfrentavam a questão da energia através de geradores próprios.
Algumas vezes, o fornecimento de eletricidade dessas localidades era suprido por pequenas
empresas locais, algumas delas municipais. As capitais dos estados eram atendidas,
normalmente, por empresas de pequeno a médio porte, como por exemplo, as subsidiárias
locais da Amforp que atendiam às capitais nordestinas. Neste período, foram poucas as
interligações entre sistemas relativamente distantes efetuadas. A participação do Estado, ainda
enraizado nas oligarquias regionais, foi bem incipiente e se resumiu a implementação do
Código de Águas e a criação de alguns organismos governamentais.
A partir daí, há um período de transição, entre a década de 1950 e 60, na qual o peso
das companhias estrangeiras passa a ser substituído pelas concessionárias públicas. Os
primeiros movimentos neste sentido são realizados pelas empresas estaduais, principalmente
em Minas Gerais, São Paulo e Paraná, e também pela Chesf, de atuação em escala regional. O
124
sucesso empresarial e o crescimento expressivo da Cemig e da Chesf as tornaram modelos
para as demais. Um exemplo deste processo de estatização foi a elaboração do Plano Nacional
de Eletrificação, o primeiro em escala suprarregional para o setor. Assim, a partir da segunda
metade da década de 60, se consolida o modelo estatal, sob a liderança da Eletrobrás e de suas
subsidiárias. A concepção estatizante fez com que as subsidiárias regionais passassem a atuar
em áreas de concessão exclusivas nos segmentos de geração e transmissão. Às
concessionárias estaduais coube, sobretudo, o segmento de distribuição. Assim, configurou-se
um mosaico de empresas estaduais, em um primeiro nível, e de empresas regionais, em um
segundo, "encaixadas" e limitadas às divisões estaduais.
Foi justamente neste período que se apresentaram os maiores crescimentos percentuais
da capacidade instalada e as também as interligações do sistema elétrico mais significativas,
todas elas pesquisadas, planejadas, financiadas e operadas pelos órgãos governamentais. Do
ponto de vista de sua distribuição espacial, os projetos hidrelétricos foram construídos em
pontos do território cada vez mais distante dos grandes centros urbanos, promovendo uma
reconcentração do parque gerador do país.
Este modelo estatal persistiu até os primeiros anos da década de 90. A crise no setor
elétrico durante a década de 80, assim como em toda a economia de maneira geral, e o avanço
do projeto neoliberal induzem a uma série de transformações no país. No setor elétrico, se
inicia o período de privatizações, especialmente das concessionárias estaduais, e algumas
mudanças no arcabouço jurídico-institucional que conduzem o setor para a transição voltada
para a construção de um modelo de mercado, baseada na concorrência entre os agentes, na
busca de taxas de lucratividade crescentes, e na satisfação financeira dos investidores privados
e de seus acionistas. Além da inclusão das empresas do SEB no PND, essas mudanças
incluíram a criação: de uma agência reguladora (ANEEL), de um mercado para negociação de
energia elétrica (MAE, depois CCEE) e um administrador do sistema interligado (ONS). As
mudanças instituídas durante o governo Cardoso não surtiram os efeitos desejados, a
expansão do setor acaba por se tornar insuficiente para dar conta da demanda, as corporações
acumulam baixa lucratividade ou mesmo prejuízo, e começam a se esboçar os primeiros
sinais de déficit de eletricidade, cujo ápice foi o episódio do "apagão" em 2001. Os ajustes
promovidos no governo Lula não romperam com a lógica do modelo de mercado. Pelo
contrário, as mudanças apontam para o seu aperfeiçoamento, já que na sua administração
tornou-se mais comum a implementação de projetos de geração baseada na "parceria públicoprivada".
125
O que ficou de fora desta pesquisa
Em primeiro lugar, mereceria mais destaque a participação no SEB das PCH
(pequenas centrais hidrelétricas) e CGH (central geradora hidrelétrica)88. Segundo dados da
ANEEL89, as PCHs e CGHs somam 30,7% do número de empreendimentos em operação no
país, no entanto, as mesmas representam menos de 3,0% da capacidade instalada. A tendência
é de crescimento desta participação nos próximos anos, já que as PCHs e CGHs outorgadas
ou em construção respondem por 49,2% do número de empreendimentos, que por sua vez,
correspondem a 17,8% do somatório da potência. Quando se observa o mapa de distribuição
das PCHs no território, é possível perceber que obedecem a uma lógica que, em alguma
medida, se aproxima da distribuição espacial das UHEs, porém uma análise mais
pormenorizada seria necessária para compreender as questões singulares das PCHs. Por
exemplo, uma pesquisa sobre o perfil das empresas que investem nesta modalidade de
geração de eletricidade. Por ser um investimento que requer uso menor de recursos, força-detrabalho e capitais, e também uma legislação ambiental mais flexível, talvez se possa arriscar
um palpite de que as empresas que investem nesta modalidade de geração de eletricidade
estejam mais pulverizadas do que no caso das UHEs, isto é, deve haver uma variedade maior
de concessionárias operadoras de PCHs.
Figura 4.1. Localização das PCHs e das UHEs.
Fonte: SIGEL/ ANEEL - <http://sigel.aneel.gov.br/brasil/viewer.htm>, acesso em julho de 2009.
* Inclui as usinas construídas, em construção e outorgadas.
88
PCH são usinas hidrelétricas de potência entre 1 e 30 MW, além de um reservatório inferior a 3 km². Por sua
vez, as CGH possuem potência menor do que 1 MW.
89
http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/capacidadebrasil/capacidadebrasil.asp, acesso em agosto de 2009.
126
Em segundo lugar, seria apropriada uma atenção mais cautelosa com as interligações
efetuadas no sistema elétrico nos últimos anos. O capítulo 3 se dedicou mais aos segmentos
de distribuição e geração, o que pode parecer que deixou um “vazio” entre as duas pontas da
indústria de eletricidade. No primeiro capítulo, foi dedicada uma seção, baseada na pesquisa
de Peiter, sobre a ligação das primeiras linhas de transmissão de significativa importância, por
exemplo, a integração dos sistemas de MG, SP e RJ. As interligações sucessivas
implementadas posteriormente, ainda no período de hegemonia estatal, configuraram um
sistema elétrico composto por dois sub-sistemas (Norte-Nordeste e Centro-Sul). Caberia
entender como se comporta o atual processo de interligação dos sistemas elétricos a partir da
transição para o modelo de mercado. Quais são as principais empresas neste segmento? Qual
é a proporção da participação das empresas privadas e públicas? Onde se realizam os
principais investimentos? Onde estão localizados os sistemas isolados? Quais são as
tendências para os próximos anos?
Figura 4.2. Sistema interligado. 2007
Fonte: ONS - www.ons.org.br
Figura 4.3. Sistemas isolados, outubro 2003.
Fonte: Atlas da ANEEL (2005, p. 8).
Em terceiro lugar, teria igualmente uma contribuição central para o entendimento
desta nova geografia do setor elétrico brasileiro, um estudo em diferentes escalas. Alguns
trabalhos de Vainer discutem “o problema da escala” (VAINER, 2006 e VAINER, 2001).
Nestes trabalhos, fica claro que a construção da escala é um processo social, assim, “as
escalas não estão dadas, mas são elas mesmas, objeto de confronto”. Ou ainda, “escolher uma
escala é também, quase sempre, escolher um determinado sujeito, tanto quanto um
determinado modo e campo de confrontação” (VAINER, 2001, p. 25). Esta dissertação se
127
ocupou em uma pesquisa em escala nacional, no entanto, uma investigação mais profunda
careceria de uma pesquisa em escalas regionais e algumas vezes locais. Neste sentido, poderse-ia encontrar resultados distintos, pois como afirma Lacoste, a mudança de escala
"transforma e, às vezes, de forma radical, a problemática que se pode estabelecer e os
raciocínios que se possa formar. A mudança de escala corresponde a uma mudança do nível
da conceituação" (LACOSTE, 1988, p. 77). O autor acrescenta ainda que "é preciso estar
consciente que são fenômenos diferentes porque eles são apreendidos em diferentes níveis de
análise espacial" (LACOSTE, 1988, p. 82).
Há outras questões que também poderiam ser discutidas para tornar mais completa
esta pesquisa, como por exemplo, a necessidade de se entender a geografia do consumo de
eletricidade no período pós-privatização.
Um novo modelo para o setor elétrico brasileiro?
A partir das discussões travadas ao longo desta dissertação é possível destacar algumas
das características desse modelo, que vem se consolidando nos últimos anos.
Os principais investimentos em geração têm sido marcado pela parceria entre as
empresas privadas e as controladas pelos governos federal e estaduais. Com exceção das
usinas de Manso e Dona Francisca, todos os consórcios entre empresas público-privadas
possuem uma participação percentual maior do capital privado. Vale lembrar, a obra pioneira
neste sentido foi Serra da Mesa, em 1998, construída por Furnas e um consórcio de empresas.
A partir desta se seguiram vários exemplos, o quadro abaixo aponta alguns deles:
128
Tabela 4.1. Parcerias público-privadas em empreendimentos hidrelétricos. 1998-2006.
Usina
Serra da Mesa
MW
1.275
Ano
1998
Canoas I e II
Igarapava
155 *
210
1999
1999
210
2000
Empresas (construção)
Furnas e Banco Nacional (depois
VBC)
Cesp e CBA (grupo Votorantim)
Cemig, CMM (grupo Votorantim)
e CVRD
Furnas e Odebrecht
1.450
2000
Eletrosul (depois Tractebel) e CSN
Dona Francisca
125
2001
Lajeado
902
2001
CEEE, Copel, Celesc, Inepar,
Engevix e Gerdau
Rede, EDP, CEB e CPFL
Porto Estrela
112
2001
Cemig, CVRD e Coteminas
Machadinho
1.140
2002
Tractebel, CBA, Alcoa, Celesc e
CEEE
Funil
Monte Claro
180
130
2003
2004
Cemig e CVRD
CEEE, CPFL, Engevix
330
450 *
2005
2006
Cemig e CVRD
Cemig, CVRD e Votorantim
Manso
Itá
Aimorés
Capim Branco I e II
Composição atual do capital %
CPFL (51,5) e Furnas (48,5)
CBA (50,3) e Duke Energy (49,7)
CVRD (38,2), Votorantim (23,9),
CSN (17,9), Cemig (14,5) e outras.
Furnas (70) e Odebrecht e Servix
(30)
Tractebel (69), CSN (29,5) e Itambé
(1,5)
CEEE (5), Gerdau (Dona Francisca
Energética) (95)
Rede (45), EDP (27), CEB (20) e
outras
Cemig (33,3), CVRD (33,3) e
Coteminas (33,3)
CBA (33), Alcoa (31), Valesul (10),
Votorantim (7), Camargo Correa
(6), CEEE (6,5) e Tractebel (19)
CVRD (51) e Cemig (49)
CERAN - CPFL (65), CEEE (30),
Desenvix (5)
CVRD (51) e Cemig (49)
CVRD (48,4), Votorantim (12,6),
Cemig (21) e outras.
EDP (60) e Furnas (40)
CPFL (49), CBA (25), CEEE (6,5)
Peixe Angical
452
2006 Furnas e EDP
Campos Novos
880
2006 CPFL, CBA, CEEE
* Somadas as potências das duas usinas.
Fonte: CACHAPUZ (2006, p. 580 et seq) e ANEEL <http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/capacidadebrasil/capacidadebrasil.asp>, acesso em agosto de 2009.
Esta característica deste modelo é objeto de vários questionamentos, pois é uma forma
encontrada pelas empresas privadas de reduzir o capital investido sem, no entanto, perder o
controle sobre o empreendimento. Como regra geral, o Estado entra com quase 50% do
capital, enquanto a iniciativa privada com mais da metade. O caso das usinas que estão sendo
construídas no rio Madeira, em Rondônia, é bastante elucidativo. O consórcio Santo Antônio
Energia é composto por Furnas (39%), Cemig (10%), Odebrecht (18,6%), Andrade Gutierrez
(12,4%) e o Fundo de Investimento - FIP (20%). O consórcio Energia Sustentável (usina de
Jirau) é composto por Eletrosul (20%), Chesf (20%), Tractebel (50,1%) e Camargo Correa
(9,9%). Torna-se uma parceria muito vantajosa para as empresas privadas, pois do capital que
cabe a estas, boa parte é financiada pelo BNDES em condições favoráveis ao empreendedor.
Na modalidade project finance, tratada no capítulo anterior, o empréstimo é pago com os
lucros do empreendimento, caso não tenha sucesso, não há garantias do pagamento do débito.
Outra característica deste modelo é a participação do BNDES como principal agente
financeiro do setor elétrico. O banco, que conta com uma carteira superior ao Banco Mundial,
tem se destacado nos projetos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.
129
Contraditoriamente, foi discutido no capítulo anterior que um dos principais argumentos dos
porta-vozes do pensamento neoliberal para implantar um modelo de mercado no setor era a
incapacidade de financiamento e de gestão de recursos financeiros por parte dos agentes
estatais. Quase todos os investimentos em geração contam com o apoio do banco. Essa
questão remete a uma terceira característica deste modelo, já vista no capítulo anterior: as
altas taxas de lucratividade das empresas do setor alcançadas nos últimos cinco anos. São
justamente os recursos do Estado, por intermédio do BNDES, que têm permitido tão
expressivos lucros líquidos dos maiores agentes do mercado, além da satisfação dos acionistas
e demais investidores. A tabela abaixo lista os projetos de geração hidrelétrica que contaram
com a colaboração do BNDES, entre os anos de 2003 e 2008. A potência total dos
empreendimentos totaliza mais de 22 mil MW, quase a totalidade da expansão da capacidade
instalada brasileira no mesmo período. Somente para os dois projetos do rio Madeira foram
aprovados empréstimos da ordem de R$ 13,4 bilhões.
Tabela 4.2. Projetos hidrelétricos financiados pelo BNDES. 2003-2008.
UHE (já concluídas) Potência
(MW)
Tucuruí (expansão)
8.370
Peixe Angical
452
Campos Novos
880
Barra Grande
690
Corumbá IV
127
Capim Branco I
240
Capim Branco II
210
Monte Claro
130
Castro Alves
130
Pedra do Cavalo
160
14 de julho
100
Ponte de Pedra
176
Itiquira
156
Picada
50
Dona Francisca
125
Espora
32
Salto do Pilão
182
São Salvador
243
UHE (não concluídas) Potência Estado
(MW)
PA
Estreito
1.087
TO/ MA
TO
Foz do Chapecó
855
RS/ SC
SC
Simplício
334
RJ/ MG
SC/ RS Retiro Baixo
82
MG
GO
Passo São João
77
RS
MG
Baguari
140
MG
MG
Monjolinho
67
RS
RS
Corumbá III
94
GO
RS
Foz do Rio Claro
68
GO
BA
São José
51
RS
RS
Caçu
65
GO
MS/ MT Barra dos Coqueiros
90
GO
MT
Salto Rio Verdinho
93
GO
MG
Salto
108
GO
RS
Dardanelos
261
MT
GO
Santo Antônio
3.150
RO
SC
Jirau
3.300
RO
TO
22.375
TOTAL
Estado
Fonte: <www.bndes.gov.br>, acesso em junho de 2009.
O deslocamento da fronteira elétrica para Amazônia é outra questão que marca os
últimos anos da indústria da eletricidade. Os empreendimentos que têm sido objeto de
interesse das principais agentes do setor se localizam nos rios das bacias Amazônicas e
130
Tocantins. A tese de doutorado de Lemos traz alguns elementos que ajudam a entender como
se operou a transição da concepção da região como uma fonte de recursos energéticos. A
autora aponta como uma de suas hipóteses de trabalho que "houve uma transformação nas
concepções do papel da Amazônia no cenário do desenvolvimento nacional e da exploração
dos seus recursos energéticos, de modo que a região passou a ser vista, (...) como região
exportadora de energia, jazida energética" (LEMOS, 2007, p. 23). O deslocamento em si não
é um fato novo destes últimos anos do SEB, porém chama atenção a presença cada vez mais
significativa dos investimentos hidrelétricos no Norte do país.
Outra questão central e que tende a mudar o panorama da geração da eletricidade nos
próximos anos se refere ao vencimento dos prazos de concessão de várias hidrelétricas nos
próximos anos. Essa questão pode contribuir para alteração do mapa do setor, pois caso as
empresas públicas não permaneçam na operação de suas principais usinas, haverá uma
ampliação da participação privada no segmento de geração, assim como já ocorreu no
segmento da distribuição. Notícias veiculadas na imprensa destacam a preocupação das
maiores concessionárias. “Dados da ANEEL, apontam que a situação é particularmente difícil
para as empresas que compõem o grupo Eletrobrás, que tem 15 usinas hidrelétricas e uma
termelétrica cujas concessões vencem em 2015” (AGÊNCIA ESTADO, 28 de março de
2008). A reportagem também aponta a posição da ABRAGE (Associação Brasileira de
Empresas Geradoras de Eletricidade) que defende a prorrogação das concessões sem
necessidade de licitação. Segundo o Valor Econômico (30/09/2008), “no segmento de geração
hidrelétrica, caminha-se para uma renovação ‘onerosa’ das concessões”, isto é, “como o
empreendedor usa um bem público, o governo considera justa a adoção de uma contrapartida
pelo concessionário”.
131
Tabela 4.3. Prazo de concessão de usinas por empresa.
Empresa
Chesf
Chesf
Chesf
Furnas
Furnas
Cesp
Cesp
CEEE
Copel
Copel
Copel
Cemig
Cemig
Cemig
Cemig
Usina
Boa Esperança
Itaparica
Moxotó
Furnas
Funil
Ilha Solteira
Três Irmãos
Passo Real
Chopim I
Rio dos Patos
Salto Caxias
Camargos
Salto Grande
São Simão
Volta Grande
Concessão
2015
2015
2015
2015
2015
2015
2011
2015
2015
2014
2010
2015
2015
2015
2017
Empresa
Chesf
Chesf
Furnas
Furnas
Furnas
Cesp
CEEE
CEEE
Copel
Copel
Cemig
Cemig
Cemig
Cemig
Cemig
Usina
Paulo Afonso (todas)
Xingó
Estreito
Corumbá
Marimbondo
Jupiá
Jacuí
Canastra
Mourão
Cavernoso
Itutinga
Jaguará
Miranda
Três Marias
Gafanhoto
Concessão
2015
2015
2015
2014
2017
2015
2015
2015
2015
2011
2015
2013
2016
2015
2015
Fonte: ANEEL - <http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/contrato/contrato.cfm?idramo=1>, acesso em julho de
2009.
Por último, cabe ressaltar o segmento de distribuição de eletricidade, cuja expansão
das empresas privadas promoveu mudanças ainda mais significativas do que na geração. Em
primeiro lugar, a rápida passagem de maior parte do mercado para o controle das empresas
privadas. Os problemas de vencimento dos prazos de concessão também atingem as
distribuidoras, muitos vencem em 2015/16 (Copel, CEEE, Cemig, Celesc, CEB, etc). Este
fato também pode alterar o quadro dos agentes do SEB, ampliar ou reduzir a concentração do
mercado e modificar a participação das empresas públicas.
132
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134
e Regional)-Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. Modelo institucional do setor elétrico. Brasília,
2003. Disponível em <http://ucel.eln.gov.br/gse_doc/Modelo_Energia.pdf>. Acesso em: maio
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PAIXÃO, Lindolfo Ernesto. Memórias do Projeto RE-SEB: a história da concepção da nova
ordem institucional do setor elétrico brasileiro. São Paulo: Massao Ohno, 2000.
PEITER, Paulo César. O desenvolvimento das redes elétricas de transmissão no Brasil:
dos sistemas locais aos sistemas interligados regionais. Dissertação (Mestrado em Geografia)Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1994.
PIMENTEL, Rosalinda Chedian. O setor elétrico nos anos 90: a valorização do/no espaço e
as desigualdades regionais. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional)-Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2002.
PINHEIRO, Daniele de Carvalho. Reestruturação do setor elétrico no Brasil e suas
consequências no tratamento de questões sociais e ambientais: o caso da usina hidrelétrica
de Cana Brava, GO. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional)-Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
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ROSA, Luis Pinguelli. (org.) Um país em leilão: das privatizações à crise de energia, v. 2.
Rio de Janeiro: UFRJ/ COPPE, 2001.
ROSA, Luis Pinguelli; TOLMASQUIM, Maurício; PIRES, José Cláudio L. A reforma do
setor elétrico no Brasil e no mundo: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará,
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SANTOS, Gustavo; BARBOSA, Eduardo; SILVA, José Francisco; ABREU, Ronaldo. Por
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Amazonas a partir de um estudo de caso: o município de Uarini (AM). Dissertação
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VAINER, Carlos Bernardo. Águas para a vida, não para a morte. Notas para uma história
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______________________. Lugar, região, nação, mundo: explorações históricas do debate
acerca das escalas da ação política. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Rio
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fragmentação. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Rio de Janeiro, v. 9, n.
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VAINER, Carlos Bernardo; ARAUJO, Frederico Guilherme Bandeira. Grandes projetos
hidrelétricos e desenvolvimento regional. Rio de Janeiro: CEDI, 1992.
SÍTIOS ELETRÔNICOS CONSULTADOS
ABRADEE - http://www.abradee.org.br/
ABRACE - http://www.abrace.org.br/port/home/index.asp
ABRAGE- http://www.abrage.com.br/
ANEEL - http://www.aneel.gov.br/
BNDES - http://www.bndes.gov.br/
Camargo Correa - http://www.camargocorrea.com.br/
CBA - http://www.cia-brasileira-aluminio.com.br/
Votorantim - http://www.votorantim.com.br/
CEEE - http://www.ccee.org.br/
CEAL - http://www.ceal.com.br/
CEEE - http://www.ceee.com.br/
CELB - http://www.celb.com.br/
CELESC - http://portal.celesc.com.br/
CELG - http://celgd.celg.com.br/
CELPA - http://www.gruporede.com.br/celpa/
CELPE - http://www.celpe.com.br/
CELTINS - http://www.gruporede.com.br/celtins/
CEMAR - http://www.cemar-ma.com.br/
CEMAT - http://www.gruporede.com.br/cemat/
CEMIG - http://www.cemig.com.br/
CEPISA - http://www.cepisa.com.br/
Ampla - http://www.ampla.com.br/
CESP - http://www.cesp.com.br/
136
CHESF - http://www.chesf.gov.br/
COELBA - http://www.coelba.com.br/
COELCE - http://www.coelce.com.br/
COPEL - http://www.copel.com/
COSERN - http://www.cosern.com.br/
CPFL - http://www.cpfl.com.br/
Duke Energy Brasil - http://www.duke-energy.com.br/
Duke Energy internacional - http://www.duke-energy.com/company.asp
EDP Brasil - http://www.energiasdobrasil.com.br/energia/
EDP internacional - http://www.edp.pt/
Elektro - http://www.elektro.com.br/
Eletrobrás - http://www.eletrobras.com/
Eletronorte - http://www.eln.gov.br/
Endesa Brasil - http://www.endesabrasil.com.br/
Endesa internacional - http://www.endesa.es/Portal/es/default.htm
Energisa - http://www.energisa.com.br/
EPE - http://www.epe.gov.br/
Furnas - http://www.furnas.com.br/
GDF/ Suez - http://www.gdfsuez.com/
Grupo Rede - http://www.gruporede.com.br/
Iberdrola - http://www.iberdrola.es/
IBGE - http://www.ibge.gov.br/home/
Light - http://www.light.com.br/
Neoenergia - http://www.neoenergia.com/section/index.asp
ONS - http://www.ons.org.br/home/
Petrobrás - http://www2.petrobras.com.br/portugues/index.asp
Plataforma BNDES - http://www.plataformabndes.org.br/
SIGEL - http://sigel.aneel.gov.br/brasil/viewer.htm
Tractebel - http://www.tractebelenergia.com.br/
137
ANEXO A. Principais investimentos em geração de eletricidade, inauguração ou ampliação
de unidades já existentes, no Brasil. 1930 - 1945.
Usina
UHE Pai Joaquim
UHE Santa Marta
UHE Gafanhoto
UHE Cachoeira de Itaparica
UHE Cubatão (atual Henry
Borden)
UHE Ilha dos Pombos
UHE Fontes Nova
UHE Jaguari
UHE Marimbondo
UHE Chaminé
UHE Bracinho
UHE do Lobo
UHE Emas Novas
UHE Jacare
UHE Piraju
UHE Caeté
Capacidade
(MW)
3
1
14
260
117
119
8
8
8
5
3
4
2
-
Município
Sacramento (MG)
Grão Mogol (MG)
Divinópolis (MG)
Petrolândia (PE)
Cubatão (SP)
Resende (RJ)
Piraí (RJ)
Jacareí e São José dos Campos (SP)
Icém (SP)
São José dos Pinhais (PR)
Schroeder (SC)
Itirapina (SP)
Pirassununga (SP)
Brotas (SP)
Piraju (SP)
Caeté (MG)
UHE Rio Piracicaba
UHE Nova Lima
UHE Casca I
UTE Recife
UTE Maceió
UTE Pelotas
UTE Natal
Rio Piracicaba (MG)
-
Nova Lima (MG)
Chapadas dos Guimarães (MT)
Recife (PE)
Maceió (AL)
Pelotas (RS)
Natal (RN)
Agente
Estado de MG
Estado de MG
Estado de MG
sem informação
SP Light
RJ Light
RJ Light
CPFL
CPFL
CFLP
Empresul
C. E. Rio Claro
C. E. Rio Claro
C. E. Rio Claro
CFL Santa Cruz
Cia. Siderúrgica BelgoMineira
Cia. Siderúrgica BelgoMineira
Saint John Mining Company
Cemat
sem informação
sem informação
sem informação
sem informação
ANEXO B. Principais investimentos em geração de eletricidade, inauguração ou ampliação
de unidades já existentes, no Brasil. 1946 - 1962.
Usina
UHE Piloto
UHE Paulo Afonso I
UHE Paulo Afonso II
UTE Cotegipe
UTE Charqueadas
UHE Itutinga
UHE Camargos
UHE Piau
UHE Tronqueiras
UHE Salto Grande
UHE Cajuru
UHE Três Marias
UHE Salto Grande
UHE Jurumirim
UHE Limoeiro
UHE Euclides da Cunha
Capacidade
(MW)
2
180
150
20
54
50
46
18
9
102
7
129
70
98
16
27
Município
Paulo Afonso (BA)
Paulo Afonso (BA)
Paulo Afonso (BA)
Cotegipe (BA)
Charqueadas (RS)
Itutinga (MG)
Itutinga (MG)
Santos Dumont (MG)
Coroaci (MG)
Braúnas (MG)
Sacramento (MG)
Três Marias (MG)
Cambará (PR) e Rio Grande (SP)
Piraju (SP)
São José do Rio Pardo (SP)
São José do Rio Pardo (SP)
Agente
Chesf
Chesf
Chesf
Chesf
Termochar
Cemig
Cemig
Cemig
Cemig
Cemig
Cemig
Cemig
Uselpa
Uselpa
Cherp
Cherp
138
UHE Passo do Inferno
UTE São Jerônimo
UHE Canastra
UTE Candiota
UHE Salto de Jacuí
UHE Franca Amaral
UHE Macabu
UHE Rio Bonito
UHE Rochedo
UHE Cachoeira Dourada
UHE Casca I
UHE Casca II
UHE Cubatão
UHE Cubatão II
UTE Piratininga
UHE Fontes Novas
UHE do Vigário
UHE Ponte Coberta (atual
Pereira Passos)
UHE Ilha dos Pombos
UHE Santa Cecília
UHE Nilo Peçanha
UHE Avanhandava
UHE Americana
UHE Jaguari
UTE Candioba
UHE Peixoto
UHE Peti
UHE Chaminé
UHE Guaricana
UHE Areal
UTE São Gonçalo
UTE Pelotas
UTE Natal
UHE Eloy Chaves
2
20
42
20
25
5
21
17
4
São Francisco de Paula (RS)
São Jerônimo (RS)
Taquara (RS)
Bagé (RS)
Salto de Jacuí (RS)
Bom Jesus do Itabapoana (RJ)
Trajano de Morais (RJ)
Santa Maria de Jetibá (ES)
Piracanjuba (GO)
Itumbiara (GO) e Cachoeira Dourada (MG)
CEEE
CEEE
CEEE
CEEE
CEEE
EFE
EFE
Escelsa
Celg
34
474
390
450
154
91
Chapadas dos Guimarães (MT)
Chapadas dos Guimarães (MT)
Cubatão (SP)
Cubatão (SP)
São Paulo (SP)
Piraí (RJ)
Piraí (RJ)
Celg
Cemat
Cemat
SP Light
SP Light
SP Light
Rio Light
Rio Light
90
168
35
330
30
30
12
30
192
9
16
23
21
22
10
10
-
Piraí (RJ)
Resende (RJ)
Barra do Piraí (RJ)
Barra do Piraí (RJ)
Avanhandava (SP)
Americana (SP)
Pedreira (SP)
Americana (SP)
Ibiraci (SP)
São Gonçalo do Rio Abaixo (MG)
São José dos Pinhais (PR)
Guaratuba (PR)
Três Rios (RJ)
São Gonçalo (RJ)
Pelotas (RS)
Natal (RN)
Espírito Santo do Pinhal (SP)
Rio Light
Rio Light
Rio Light
Rio Light
CPFL
CPFL
CPFL
CPFL
CPFL
Amforp MG
CFLP
CFLP
Amforp RJ
Amforp RJ
Amforp RS
Amforp RN
CE Rio Claro
ANEXO C. Principais investimentos em geração de eletricidade, inauguração ou ampliação
de unidades já existentes, no Brasil. 1963 - 1989.
Usina
UHE Paulo Afonso II
UHE Paulo Afonso III
UHE Paulo Afonso IV
UHE Moxotó
UHE Sobradinho
UHE Luiz Gonzaga
UTE Camaçari
UTE Porto de Aratu
UTE Bongi
UHE Furnas
Capacidade
(MW)
480
864
2.460
440
1.050
1.500
290
120
142
1.216
Município
Paulo Afonso (BA)
Paulo Afonso (BA)
Paulo Afonso (BA)
Paulo Afonso (BA)
Juazeiro (BA)
Petrolândia (PE)
Camaçari (BA)
Salvador (BA)
Recife (PE)
Alpinópolis (MG)
Agente
Chesf
Chesf
Chesf
Chesf
Chesf
Chesf
Chesf
Chesf
Chesf
Furnas
139
UHE Estreito
UHE Porto Colômbia
UHE Marimbondo
UHE Itumbiara
UTE Santa Cruz
UHE Funil
UTE Angra I
UHE Passo Fundo
UHE Salto Osório
UHE Salto Santiago
UTE Jorge Lacerda (4 unid.)
UTE Alegrete
UTE Charqueadas
UHE Coaracy Nunes
UHE Tucuruí
UHE Balbina
UHE Samuel
UTE São Luis II
UHE Itaipu (parte brasileira)
UHE Pereira Passos
UHE Suíça
UHE Mascarenhas
UHE Barra Bonita
UHE Caconde
UHE Limoeiro
UHE Euclides da Cunha
UHE Bariri
UHE Jupiá
UHE Ilha Solteira
UHE Chavantes
UHE Ibitinga
UHE Jaguari
UHE Promissão
UHE Capivara
UHE Água Vermelha
UHE Paraibuna
UHE Nova Avanhadava
UHE Rosana
UHE Peixoto
UHE Três Marias
UHE Jaguara
UHE Volta Grande
UHE São Simão
UHE Emborcação
UTE Igarapé
UHE Foz do Chopim
UHE Capivari-Cachoeira
UHE Foz do Areia
UTE Figueira
UHE Passo Real
UHE Jacuí
UHE Itaúba
700
320
1.440
2.082
600
216
657
220
700
1.332
482
66
72
39
4.000
250
216
110
5.250
93
30
104
122
80
28
108
141
1.411
3230
414
141
28
264
619
1.380
86
302
80
476
396
424
380
1.608
1.192
125
44
252
1.676
20
150
180
500
Sacramento (MG) e Rifaina (SP)
Guaíra (SP) e Planura (MG)
Icém (SP) e Fronteira (MG)
Itumbiara (GO)
Rio de Janeiro
Itatiaia (RJ)
Angra dos Reis (RJ)
Entre Rios do Sul (RS)
Quedas de Iguaçu (PR)
Laranjeiras do Sul (PR)
Capivari de Baixo (SC)
Alegrete (RS)
Charqueadas (RS)
Macapá (AP)
Tucuruí (PA)
Presidente Figueiredo (AM)
Porto Velho (RO)
São Luiz (MA)
Foz do Iguaçu (PR)
Piraí (RJ)
Santa Leopoldina (ES)
Baixo Guandu (ES) e Aimorés (MG)
Barra Bonita (SP)
Caconde (SP)
São José do Rio Pardo (SP)
São José do Rio Pardo (SP)
Boracéia (SP)
Castilho (SP) e Três Lagoas (MS)
Ilha Solteira (SP) e Selvíria (MS)
Chavantes (SP) e Ribeirão Claro (PR)
Ibitinga (SP)
Jacaraeí (SP)
Ubarana (SP)
Taciba (SP) e Porecatu (PR)
Indiaporã (SP)
Paraibuna (SP)
Buritama (SP)
Rosana (SP)
Ibiraci (MG)
Três Marias (MG)
Rifaina (SP) e Sacramento (MG)
Conceição das Alagoas (MG)
São Simão (GO) e Santa Vitória (MG)
Araguari (MG) e Catalão (GO)
Belo Horizonte (MG)
Dois Vizinhos (PR)
Antonina (PR)
Pinhão (PR)
Curiúva (PR)
Salto do Jacuí (RS)
Salto do Jacuí (RS)
Pinhal Grande (RS)
Furnas
Furnas
Furnas
Furnas
Furnas
Furnas
Furnas (Nuclebrás)
Eletrosul
Eletrosul
Eletrosul
Eletrosul
Eletrosul
Eletrosul
Eletronorte
Eletronorte
Eletronorte
Eletronorte
Eletronorte
Itaipu Binacional
Rio Light
Escelsa
Escelsa
Cesp
Cesp
Cesp
Cesp
Cesp
Cesp
Cesp
Cesp
Cesp
Cesp
Cesp
Cesp
Cesp
Cesp
Cesp
Cesp
CPFL
Cemig
Cemig
Cemig
Cemig
Cemig
Cemig
Copel
Copel
Copel
Copel
CEEE
CEEE
CEEE
140
UTE Candiota II
UTE Porto Alegre
UHE Garcia
UHE Celso Ramos
UHE Palmeiras
UHE Bracinho
UHE Cachoeira Dourada
UHE Isamu Ikeda
UHE Casca III
UTE Sinop
UHE Paranoá
UTE Brasília
UHE Salto Mimoso
UHE Boa Esperança
UHE Funil
UHE Pedra
UHE Araras
UHE Coremas
UHE João Goulart
UTE Barreiras
UTE Itapecuruzinho
UHE Curuá-Una
UTE Guajará-Mirim
UTE Cruzeiro do Sul
UTE Rio Branco I
UTE Boa Vista II
UTE Tapanã I e II e Miramar
UTE Aparecida
UTE Mauá
UTE Electron
UTE Porto Velho I e II
UTE Caracaraí
446
24
9
9
17
16
448
17
12
12
17
10
30
110
30
23
4
4
8
5
5
30
16
12
27
18
251
22
137
120
3
Bagé (RS)
Porto Alegre (RS)
Angelina (SC)
Faxinal do Guedes (SC)
Rio dos Cedros (SC)
Schroeder (SC)
Cachoeira Dourada (MG) e Itumbiara (GO)
Ponte Alta do Tocantins (TO)
Chapada dos Guimarães (MT)
Sinop (MT)
Brasília (DF)
Brasília (DF)
Ribas do Rio Pardo (MS)
Guadalupe (PI)
Ubatã (BA)
Jequié (BA)
Varjota (CE)
Coremas (PB)
Correntina (BA)
Barreiras (BA)
Carolina (MA)
Santarém (PA)
Guajará-Mirim (RO)
Cruzeiro do Sul (AC)
Rio Branco (AC)
Boa Vista (RR)
Belém (PA)
Manaus (AM)
Manaus (AM)
Manaus (AM)
Porto Velho (RO)
Boa Vista (RR)
UHE Nova Maurício
32
Leopoldina (MG)
UHE Glória
UHE Paranapanema
14
13
Muriaé (MG)
Piraju (SP)
CEEE
CEEE
Celesc
Celesc
Celesc
Celesc
Celg
Celg
Cemat
Cemat
Ceb
Ceb
Cemat
Cohebe (depois Chesf)
Cerc (depois Chesf)
Coelba (depois Chesf)
Dnocs (depois Chesf)
Dnocs (depois Chesf)
Coelba
Coelba
Cemar
Celpa
Ceron
Eletroacre
Eletroacre
Cer
Celpa
Cem
Cem
Cem
Ceron
Cer
CFL CataguazesLeopoldina
CFL CataguazesLeopoldina
CFL Santa Cruz
ANEXO D. Principais investimentos em geração de eletricidade, inauguração ou ampliação
de unidades já existentes, no Brasil. 1990 - 2006.
Usina
UHE Itaipu
UHE Corumbá I
UHE Serra da Mesa
UHE Manso
UTE Santa Cruz
UHE Cana Brava
UTE Angra 2
UHE Rosana
UHE Taquaruçu
UHE Três Irmãos
Capacidade
(MW)
7.000
375
1.275
210
766
450
1.350
368
526
808
Município
Foz do Iguaçu (PR)
Caldas Novas e Corumbaíba (GO)
Minaçu (GO)
Chapada dos Guimarães (MT)
Rio de Janeiro (RJ)
Minaçu e Cavalcante (GO)
Angra dos Reis (RJ)
Rosana (SP)
Sandovalina (SP) Itaguajé (PR)
Andradina e Pereira Barreto (SP)
Agente
Itaipu Binacional
Furnas
Furnas
Furnas
Furnas
Tractebel
Eletronuclear
Cesp (depois Duke Energy)
Cesp (depois Duke Energy)
Cesp
141
Porto Primavera (Eng.
Sérgio Mota)
UHE Canoas I
UHE Canoas II
UHE Nova Ponte
UHE Miranda
UHE Igarapava
UHE Queimado
UHE Capim Branco I
UHE Capim Branco II
UHE Irapé
UHE Porto Estrela
UHE Aimorés
UHE Funil (Eng. José
Mendes)
UHE Cachoeira Dourada
(ampliação)
UHE Segredo
UHE Salto Caxias
1.540
83
72
510
408
210
105
240
210
360
112
330
180
Teodoro Sampaio (SP) e Anaurilândia
(MS)
Cândido Mota (SP) e Itambaracá (PR)
Palmital (SP) e Andirá (PR)
Nova Ponte (MG)
Indianópolis (MG)
Igarapava (SP) e Conquista (MG)
Unaí (MG) e Cristalina (GO)
Araguari e Uberlândia (MG)
Araguari e Uberlândia (MG)
Berilo e Grão-Mogol (MG)
Joanésia e Açucena (MG)
Aimorés (MG) e Baixo Guandu (ES)
Lavras e Perdões (MG)
658
Cachoeira Dourada e Itumbiara (GO)
1.260
1.240
UHE Palmas (eólica)
UTE Jorge Lacerda IV
UHE Itá
UHE Machadinho
2,5
350
1.450
1.140
Cesp
Cesp (depois Duke Energy)
Cesp (depois Duke Energy)
Cemig
Cemig
Cemig
Cemig e CEB
Cemig e CVRD
Cemig e CVRD
Cemig
Cemig e CVRD
Cemig e CVRD
Cemig e CVRD
UHE Xingó
3.000
UHE Luiz Gonzaga
UHE Boa Esperança
UTE Camaçari
UHE Alto-Fêmeas I
UHE Tucuruí
UHE Balbina
UHE Samuel
UHE Coaracy Nunes
UTE Aparecida
UTE Mauá
UTE Electron
UTE Rio Madeira (Fausto
Guimarães)
UTE Rio Acre
UTE Floresta
UTE Santana
UHE Lajeado (Luis Eduardo
Magalhães)
UTE Uruguaiana
UTE Cuiabá
UHE Santa Branca
UHE Rosal
UTE William Arjona
UTE CTE II
UHE Guilman Amorim
1.500
237
346
11
8.370
250
216
72
126
137
121
35
Mangueirinha e Pinhão (PR)
Capitão Leônidas Marques e Nova
Prata do Iguaçu (PR)
Palmas (PR)
Tubarão (SC)
Aratiba (RS) e Itá (SC)
Piratuba (SC) e Maximiliano de
Almeida (RS)
Canindé de São Francisco (SE) e
Piranhas (AL)
Petrolândia (PE)
Guadalupe (PI)
Dias D'Ávila (BA)
São Desidério (BA)
Tucuruí (PA)
Presidente Figueiredo (AM)
Porto Velho (RO)
Macapá (AP)
Manaus (AM)
Manaus (AM)
Manaus (AM)
Porto Velho (RO)
19
70
126
902
Rio Branco (AC)
Boa Vista (RR)
Macapá (AP)
Iracema e Lajeado (TO)
640
480
57
55
190
238
140
Uruguaiana (RS)
Cuiabá (MT)
Jacareí e Santa Branca (SP)
Bom Jesus do Itabapoana (RJ)
Campo Grande (MS)
Volta Redonda (RJ)
Nova Era e Antônio Dias (MG)
Celg (depois Endesa)
Copel
Copel
Copel e Enercon
Gerasul (depois Tractebel)
Gerasul (depois Tractebel)
Gerasul (depois Tractebel)
Chesf
Chesf
Chesf
Chesf
Coelba
Eletronorte
Eletronorte
Eletronorte
Eletronorte
Eletronorte
Eletronorte
Eletronorte
Eletronorte
Eletronorte
Eletronorte
Eletronorte
Eletronorte
AES
Enron e Shell
Light
Grupo Rede
Enersul (depois Tractebel)
CSN
Samarco e Cia. Siderúrgica
Belgo-Mineira
142
UHE Sobragi
UHE Muniz Freire
UHE Prainha
UTE El Paso Amazonas
UTE El Paso Rio Negro
UTE Macaé (Mario Lago)
Termonorte
UTE Araucária
UHE Cachoeira
UHE Alto Jatapu (Eng.
Dario Gomes)
UHE Dona Francisca
UHE Santa Clara
UHE Jauru
UHE Quebra Queixo
60
25
10
120
166
928
140
480
11
5
Simão Pereira e Belmiro Braga (MG)
Muniz Freire (ES)
Aquiraz (CE)
Manaus (AM)
Manaus (AM)
Macaé (RJ)
Porto Velho (RO)
Curitiba (PR)
Vilhena (RO)
Caroebe (RR)
Cia. Paraibuna de Metais
Samarco
125
60
120
120
Agudo e Nova Palma (RS)
Serra Aimorés (MG) e Mucuri (BA)
Jauru (MT)
Ipuaçu e São Domingos (SC)
UHE Santa Clara
UHE Fundão
UHE Itiquira
UHE Piraju
UTE Eletrobolt (Barbosa
Lima Sobrinho)
Termoceará (Sen Carlos
Jeressati)
Ibiritermo
UTE Juiz de Fora
Termocanoas
UTE Fafen
UTE Nova Piratininga
UTE Norte Fluminense
TermoRio (Gov. Leonel
Brizola)
UTE Três Lagoas (Luiz
Carlos Prestes)
TermoBahia
UHE Itapebi
UHE Barra Grande
120
120
156
60
379
Candói e Pinhão (PR)
Pinhão e Fox do Jordão (PR)
Itiquira (MT)
Piraju (SP)
Seropédica (RJ)
Gerdau, CEEE
Queiroz Galvão
Queiroz Galvão
Queiroz Galvão, Barbosa
Mello
Elejor (Copel)
Elejor (Copel)
Consórcio Itisa
220
Caucaia (CE)
226
82
160
138
386
868
596
Ibirité (MG)
Juiz de Fora (MG)
Canoas (RS)
Camaçari (BA)
São Paulo (SP)
Macaé (RJ)
Duque de Caxias (RJ)
306
Três Lagoas (MS)
UHE Ponte de Pedra
UHE Pedra do Cavalo
176
160
UHE Candonga (Risoleta
Neves)
UHE Guaporé
UHE Monte Claro
UHE Ourinhos
Termopernambuco
UTE Fortaleza
UHE Peixe Angical
UHE Picada
UHE Corumbá IV
140
El Paso
El Paso
El Paso
El Paso (depois Copel)
Petrobrás
MPX (depois Petrobrás)
Edison e Petrobras
Energisa (depois Petrobrás)
Petrobrás
Petrobrás
Petrobrás
EDF e Petrobrás
Petrobrás
185
698
124
130
44
532
356
452
50
127
Petrobrás
São Francisco do Conde (BA)
Petrobrás e ABB Equity
Itapebi (BA)
Coelba
Anita Garibaldi (SC) e Pinhal da Serra Alcoa, Camargo Correa,
(RS)
CBA, CPFL
Sonora (MS) e Itiquira (MT)
Tractebel
Governador Manguabeira e Cachoeira
(BA)
Votorantim
Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce
(MG)
CVRD e Alcan
Pontes e Lacerda (MT)
Grupo Rede
Veranópolis (RS)
CEEE, CPFL, Engevix
Ourinhos (SP) e Jacarezinho (PR)
CBA
Ipojuca (PE)
Neoenergia e Iberdrola
Caucaia (CE)
Endesa
Peixe e S. Salvador do Tocantins (TO) EDP e Furnas
Juiz de Fora (MG)
Votorantim
Luziânia (GO)
Serveng, CEB, Banco de
Brasília

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