TRÊS TIPOS DE URGÊNCIAS CARDIORRESPIRATÓRIAS EM CÃES
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TRÊS TIPOS DE URGÊNCIAS CARDIORRESPIRATÓRIAS EM CÃES
INSTITUTO SUPERIOR POLITÉCNICO DE VISEU ESCOLA SUPERIOR AGRÁRIA TRÊS TIPOS DE URGÊNCIAS CARDIORRESPIRATÓRIAS EM CÃES Trabalho de Final de Curso Enfermagem Veterinária Sara Beatriz Modesto de Bastos Viseu, 2011 INSTITUTO SUPERIOR POLITÉCNICO DE VISEU ESCOLA SUPERIOR AGRÁRIA TRÊS TIPOS DE URGÊNCIAS CARDIORRESPIRATÓRIAS EM CÃES Trabalho de Final de Curso Enfermagem Veterinária Sara Beatriz Modesto de Bastos Orientador: Dr. Fernando Alexandre A. Esteves Viseu, 2011 (Orientador Interno) __________________ (Dr. Fernando Esteves) ”As doutrinas expressas neste trabalho são da exclusiva responsabilidade do autor” Este trabalho rege-se segundo o novo acordo ortográfico. "Olhe no fundo dos olhos de um animal e, por um momento, troque de lugar com ele. A vida dele tornar-se-á tão preciosa quanto a sua e você se tornará tão vulnerável quanto ele. Agora sorria, se acredita que todos os animais merecem o nosso respeito e a nossa proteção, pois em determinado ponto eles são nós e nós somos eles." (Philip Ochoa) AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar aos meus pais, pois sem o seu total apoio não seria possível concluir esta etapa da minha vida, e estou muito grata por tudo o que fizeram por mim, não há frase descreva todo o amor que sinto por eles. Um muito obrigada! Também agradeço à minha tia-madrinha por toda a sua paciência e libertar-me do stress muitas vezes. Por fim aos meus avós, pelo seu apoio ao longo destes anos e pelo conhecimento que me transmitiram. Agradeço ao Dr. Fernando Esteves por todo o apoio e paciência, pois sei que não deve ter sido fácil deparar-se com um trabalho tão extenso, e também um muito obrigada por todos os ensinamentos dados, que me permitiram chegar aqui. Perante isto também agradeço a todos os professores da Escola Agrária de Viseu que de alguma forma fizeram parte do meu percurso. Agradeço ao Hospital Veterinário Montenegro e a toda a sua equipa por toda a paciência e conhecimento prestado, aprendi bastante tanto a nível profissional como pessoal. Ao Dr. Luís Montenegro, Dr. Rui Pereira, Dra. Marta, Dra. Ana Cota, Dr. Daniel Gonçalves, Dra. Rafaela Rego, Dr. Rui Mota, Dr. Nuno Silva, Dra. Cláudia Oliveira, Dra. Cláudia Rodrigues, Dr. Francisco Mateus, Enf. Eunice, Enf. Eduardo, Enf. Carla, Elisa, um muito obrigada, por todos os momentos que aí passei, foram únicos. Agradeço também à Inês Baltazar, Fátima Ferro, Susana Afonso, Mauro Matias, Margarida Almeida e Joana Lourenço, meus colegas estagiários, que também aprendi muito convosco, e são pessoas espetaculares. Agradeço aos meus amigos de longa data e conterrâneos, Salomé, Bárbara, Joana, Sara, Nuno, Luís, David, por toda a sua amizade única. Agradeço aos meus amigos e colegas de Viseu, em especial à Marta pelos três anos de amizade e diversão que espero que durem muito mais, pois sei que não fui fácil de aturar muitas vezes em tantos trabalhos de grupo “pedra e cal”; à Daniela por ser a “maninha”, obrigada por tantas dormidas na tua casa, por tantas loucuras, por seres quem és; à Ritinha pelas longas noites de trabalho acompanhadas de playlists únicas, também pela tua enorme paciência, por seres “pequenina e poderosa”; à Carolina, afilhada do coração, que foste arranjar uma madrinha que só te leva por maus caminhos; à minha madrinha de curso, Alexandra, por todo o apoio e companheirismo desde o início para me integrar, e agora uma amiga. A todos os outros um muito obrigada por terem feito parte destes três anos da minha vida. VI ABREVIATURAS ACTH – hormona adrenocorticotrópica BID – “bis in die” Bpm – batimentos por minuto BUN – “blood urea nitrogen” IECA – inibidor da enzima de conversão de angiotensina IM – intramuscular IV – intravenosa Ppm – partes por milhão SC – subcutânea SID – “single dose” T4 – tiroxina TID – “ter in die” TSH - hormona estimuladora da tiróide VII RESUMO Na Medicina Veterinária, as urgências envolvem quase sempre os aparelhos cardiovascular e respiratório. Estes dois sistemas trabalham em conjunto, e uma falha cria uma descompensação geral. É assim importante saber a sua anatomia e fisiologia, de forma a melhor estabilizar o animal, pois quando estes chegam ao Centro Veterinário, os sinais clínicos são normalmente evidentes, graves, repentinos, que requerem terapia imediata. Três exemplos de emergências em cães são a parálise da laringe, hipertensão pulmonar e endocardiose. A parálise da laringe é um processo degenerativo que afeta o funcionamento normal desta estrutura, levando a uma interferência com o fluxo normal do ar para os pulmões. As suas causas são variadas, podendo ser congénitas ou adquiridas. São pacientes que exigem normalmente uma estabilização antes de qualquer tratamento. Este consiste normalmente em cirurgia, sendo a mais comum a lateralização unilateral ou bilateral da aritenóide. A endocardiose consiste numa doença valvular atrioventricular degenerativa crónica, a causa mais comum de falha cardíaca em cães. Existe uma degeneração valvular e uma regurgitação da mitral progressivas. A causa é desconhecida, mas uma base hereditária é o mais provável. Embora já existam alguns procedimentos cirúrgicos, a maioria dos casos são tratados medicamente. A terapia medicamentosa é paliativa, e visa melhorar a sobrevivência e suavizar os sinais clínicos, podendo ser mantida durante meses a anos, mas sempre adaptada ao cão como indivíduo e tudo aquilo que lhe possa ser influência. A hipertensão pulmonar existe quando a pressão sistólica e/ou a pressão arterial pulmonar média estão elevadas. Embora a dirofilariose canina seja considerada a causa mais conhecida, também há evidências de que doença na válvula mitral e tromboembolismo pulmonar possam estar envolvidos. O tratamento centra-se em resolver ou aliviar o processo de doença subjacente. Embora sejam doenças cujo quadro de urgência seja semelhante, ao apresentarem dispneia, cianose, fraqueza ou intolerância ao exercício, o seu exame físico mostra outros sinais que farão a diferença no diagnóstico. Têm prognósticos diferentes, e são casos que implicam uma avaliação e monitorização constante. Palavras-Chave: Urgência, Parálise, Laringe, Endocardiose, Hipertensão, Pulmonar VIII ABSTRACT In Veterinary Medicine, urgencies almost always involve the cardiovascular and respiratory systems. This two work together, and one fail creates a general decompensation. So it’s important to have knowledge about their anatomy and physiology, to improve the animal’s stabilization, because when they came to the Veterinary Centre, the clinical signs are usually evident, severe, and sudden, which require immediate therapy. Three examples of emergencies in dogs are the paralysis of larynx, pulmonary hypertension and endocardiosis. Paralysis of the larynx is a degenerative process that affects the normal function of this structure, leading to and interference with the air’s normal flux to the lungs. There are several causes, that can be congenital or acquired. This patients usually require a stabilization before starting any other treatment. This one generally consists in surgery, being the unilateral or bilateral arytenoids’ lateralization the most common. The endocardiosis consists in a chronic degenerative atrioventricular valve disease, the most common cause of cardiac failure in digs. There is a progressive valve degeneration and a mitral regurgitation. The cause is unknown, but a hereditary base it’s most likely. Although there are some surgical procedures, the majority of cases are treated medically. The medical therapy is palliative, and tries to improve the survival and ease the clinical signs, and can be applied for several months or even years, but always adapted to the individual dog and everything that can be an influence. The pulmonary hypertension exists when the systolic pressure and/or mean pulmonary arterial pressure are high. Although the heartworm disease has been the most known cause, there are also evidence of mitral valve disease and pulmonary tromboembolism as been involved. The treatment consists in resolve or aliviate the underlying disease process. Although are diseases which urgency’s board is similar, with dyspnea, cyanosis, weakness or exercise’s intolerance, it’s physical exam shows another sings that will make difference in the diagnosis. They have different prognosis, and are cases that imply an constant evaluation and monitoring. Keywords: Urgency, Paralysis, Larynx, Endocardiosis, Hypertension, Pulmonar IX ÍNDICE GERAL AGRADECIMENTOS ................................................................................................ VI ABREVIATURAS ..................................................................................................... VII RESUMO................................................................................................................. VIII ABSTRACT............................................................................................................... IX ÍNDICE GERAL .......................................................................................................... X ÍNDICE DE QUADROS E FIGURAS ...................................................................... XIII 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................... 1 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .......................................................................... 2 2.1. APARELHO RESPIRATÓRIO ....................................................................... 2 2.1.1. ANATOMIA ..................................................................................................... 2 2.1.1.1. TRATO RESPIRATÓRIO SUPERIOR ............................................................ 3 2.1.1.2. TRATO RESPIRATÓRIO INFERIOR ........................................................... 12 2.1.2. FISIOLOGIA ................................................................................................. 18 2.1.2.1. FUNÇÃO RESPIRATÓRIA ........................................................................... 18 2.1.2.2. VENTILAÇÃO ............................................................................................... 19 2.1.3. PARÁLISE DA LARINGE ............................................................................. 22 2.1.3.1. FISIOPATOLOGIA........................................................................................ 22 2.1.3.2. ETIOLOGIA .................................................................................................. 22 2.1.3.3. AVALIAÇÃO CLÍNICA .................................................................................. 24 2.1.3.4. TRATAMENTO MÉDICO DE EMERGÊNCIA ............................................... 27 2.1.3.5. TRATAMENTO CIRÚRGICO ....................................................................... 29 2.1.3.6. PROGNÓSTICO ........................................................................................... 38 X 2.2. APARELHO CARDIOVASCULAR ............................................................... 40 2.2.1. ANATOMIA ................................................................................................... 40 2.2.1.1. RELAÇÃO COM O CORAÇÃO .................................................................... 41 2.2.1.2. ESQUELETO FIBROSO DO CORAÇÃO ..................................................... 42 2.2.1.3. CÂMARAS CARDÍACAS .............................................................................. 42 2.2.1.4. VÁLVULAS CARDÍACAS ............................................................................. 46 2.2.1.5. SISTEMA DE CONDUÇÃO .......................................................................... 47 2.2.1.6. VASOS CORONÁRIOS ................................................................................ 48 2.2.1.7. GRANDES VASOS....................................................................................... 49 2.2.2. FISIOLOGIA ................................................................................................. 50 2.2.3. AVALIAÇÃO CLÍNICA .................................................................................. 52 2.2.3.1. SINAIS ESPECÍFICOS: CARDÍACOS VS RESPIRATÓRIOS ..................... 53 2.2.3.2. EXAME FÍSICO ............................................................................................ 56 2.2.4. ENDOCARDIOSE......................................................................................... 67 2.2.4.1. ETIOLOGIA, PATOLOGIA E FISIOPATOLOGIA ......................................... 67 2.2.4.2. FATORES COMPLICADORES .................................................................... 70 2.2.4.3. EPIDEMIOLOGIA ......................................................................................... 70 2.2.4.4. SINAIS CLÍNICOS ........................................................................................ 71 2.2.4.5. RADIOGRAFIA ............................................................................................. 72 2.2.4.6. ELETROCARDIOGRAFIA ............................................................................ 73 2.2.4.7. ECOCARDIOGRAFIA................................................................................... 73 2.2.4.8. TRATAMENTO E PROGNÓSTICO .............................................................. 74 2.2.4.9. MONITORIZAÇÃO DO PACIENTE E REAVALIAÇÃO................................. 78 XI 2.3. HIPERTENSÃO PULMONAR ...................................................................... 80 2.3.1. DEFINIÇÃO E ETIOLOGIA .......................................................................... 80 2.3.2. FISIOPATOLOGIA........................................................................................ 80 2.3.3. HISTORIAL E SINAIS CLÍNICOS ................................................................. 84 2.3.4. EXAME FÍSICO ............................................................................................ 84 2.3.5. TESTES DE DIAGNÓSTICO ........................................................................ 85 2.3.5.1. PATOLOGIA CLÍNICA .................................................................................. 85 2.3.5.2. RADIOGRAFIA ............................................................................................. 86 2.3.5.3. ESTUDOS CARDIOVASCULARES ............................................................. 86 2.3.5.4. ESTUDOS ESPECIAIS ................................................................................ 87 2.3.5.5. HISTOPATOLOGIA ...................................................................................... 88 2.3.6. MANUTENÇÃO ............................................................................................ 89 2.3.7. RESULTADO ................................................................................................ 90 3. CASOS CLÍNICOS ....................................................................................... 91 3.1.1. CASO CLÍNICO 1 – FRED ........................................................................... 91 3.1.2. CASO CLÍNICO 2 – LUX .............................................................................. 95 3.1.3. CASO CLÍNICO 3 – GINOLA ....................................................................... 96 3.1.4. CASO CLÍNICO 4 – TOMMY ........................................................................ 99 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 102 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS .......................................................... 103 ANEXOS ..................................................................................................................... 1 ANEXO A .................................................................................................................... 2 ANEXO B .................................................................................................................... 4 XII ÍNDICE DE QUADROS E FIGURAS Quadro 1. Causas potenciais de parálise larínge ...................................................... 24 Quadro 2. Pré-Medicamentos para Examinação da Laringe em Cães ..................... 27 Quadro 3. Sedativos e respetivas doses e vias de administração ............................ 28 Quadro 4. Protocolo de emergência para stress respiratório agudo ......................... 29 Quadro 5. Protocolos anestésicos............................................................................. 31 Quadro 6. Dados Gerais do Caso Clínico 1 .............................................................. 91 Quadro 7. Hemograma do Fred de 21/05/2011......................................................... 91 Quadro 8. Análises bioquímicas ao Fred a 21/05/2011 ............................................. 92 Quadro 9. Hemograma realizado a 01/07/2011 ........................................................ 93 Quadro 10. Análises Bioquímicas realizadas a 01/07/2011 ...................................... 94 Quadro 11. Dados Gerais do Caso Clínico 2 - Lux ................................................... 95 Quadro 12. Dados Gerais do Casos Clínico 3 - Ginola ............................................. 96 Quadro 13. Análises Gerais realizadas a 24/04/2011 ............................................... 96 Quadro 14. Análises gerais a 26/04/2011 ................................................................. 97 Quadro 15. Valores de TSH e T4 Total do Ginola ..................................................... 98 Quadro 16. Dados gerais do caso clínico 4 - Tommy................................................ 99 Quadro 17. Análises bioquímicas a 19/06/2011 ...................................................... 100 Figura 1. Aparelho respiratório do cão ........................................................................ 2 Figura 2. Anatomia do trato respiratório superior ........................................................ 3 Figura 3. Anatomia da laringe ................................................................................... 11 Figura 4. Anatomia da traqueia ................................................................................. 14 XIII Figura 5. Terminação da via aérea ............................................................................ 16 Figura 6. Lateralização da aritenóide ........................................................................ 33 Figura 7. Laringectomia parcial por abordagem oral ................................................. 35 Figura 8. Coração em posição lateral esquerda e direita .......................................... 43 Figura 9. Dissecação do ventrículo direito, em posição ventral, e do ventrículo esquerdo, em posição lateral .................................................................................... 45 Figura 10. Válvulas cardíacas ................................................................................... 47 Figura 11. Circulação pulmonar e circulação sistémica ............................................ 51 Figura 12. Circulação sanguínea dentro do coração ................................................. 52 Figura 13. Áreas de auscultação ............................................................................... 62 Figura 14. Radiografia de Tórax ................................................................................ 93 Figura 15. Ecocardiografia do Ginola ........................................................................ 97 Figura 16. Radiografia ao Tórax ................................................................................ 99 Figura 17. Ecocardiografia ...................................................................................... 100 Figura 18. Radiografia ao Tórax .............................................................................. 101 XIV 1. INTRODUÇÃO Na Medicina Veterinária, as urgências envolvem quase sempre os aparelhos cardiovascular e respiratório. Estes dois sistemas agem de forma a criar um equilíbrio no corpo animal, e a sua anatomia e fisiologia estão estruturadas para que possam trabalhar em conjunto. Uma falha cria uma descompensação geral, motivo pelo qual os animais aparecem no Centro Veterinário, muitas vezes em situações extremas, a necessitar de terapia imediata. É assim importante saber avaliar o paciente e atuar devidamente sobre estes sistemas. Três exemplos de emergências em cães são a parálise da laringe, hipertensão pulmonar e endocardiose. Na parálise da laringe há uma perda da função dos músculos dessa mesma estrutura, devido a um processo degenerativo. Há assim uma interferência com o fluxo normal do ar ao longo do trato respiratório. São pacientes que exigem normalmente uma estabilização antes de qualquer tratamento, devido ao seu aparecimento repentino. A endocardiose consiste numa doença valvular atrioventricular degenerativa crónica, a causa mais comum de falha cardíaca em cães. Afeta essencialmente a válvula mitral, havendo degeneração e regurgitação da mesma. A hipertensão pulmonar existe quando a pressão sistólica e/ou a pressão arterial pulmonar média estão elevadas. É uma doença ainda pouco estudada em animais, pois mesmo em humanos existem ainda poucos dados estatísticos relativos a causas da doença e opções de tratamento. No entanto já começam a surgir os primeiros dados desta doença em Veterinária, levando a que se procure diagnosticar com precisão e também dar o melhor tratamento possível aos pacientes veterinários, nomeadamente melhorar a sua qualidade de vida. São doenças com um quadro de urgência semelhante, mas ao exame físico outros sinais surgirão, fazendo a diferença no diagnóstico. É assim importante saber como abordar cada aparelho corporal, e saber o seu normal funcionamento, para um maior sucesso nas urgências. 1 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1. APARELHO RESPIRATÓRIO 2.1.1. ANATOMIA O sistema respiratório inclui passagens que conduzem, controlam, modificam, e exploram o ar assim que passa do nariz para os alvéolos pulmonares. Em adição à condução e troca de gases, estes órgãos estão também envolvidos na fonação, olfato, controlo da temperatura corporal, excreção, equilíbrio ácido-base, e controlo da pressão sanguínea (Grandage, 2003). Este aparelho é, por conveniência, dividido em duas partes, na junção cricotraqueal. O trato respiratório superior, do qual fazem parte a passagem nasal, seios nasais e traqueia, e o trato respiratório inferior, de onde fazem parte os brônquios e sistema pulmonar. Os tubos respiratórios ramificam-se progressivamente em passagens mais pequenas até abrirem em sacos aéreos, ou alvéolos, e vasos sanguíneos. A Figura 1 mostra um esquema geral deste aparelho num cão (Bowden & Masters, 2003; Grandage, 2003; Eldredge et al., 2007). Figura 1. Aparelho respiratório do cão (Ramos, 2002) 2 2.1.1.1. TRATO RESPIRATÓRIO SUPERIOR A figura 2 mostra a posição de algumas estruturas do trato respiratório superior. Figura 2. Anatomia do trato respiratório superior (Aspinall & O'Reilly, 2004) a) Câmaras nasais e nariz Placa nasal A parte sem pelos do nariz, designada de placa nasal, é revestida com epiderme queratinizada fina. Nos cães, é composta por placas poligonais delineadas por sulcos, o que providencia padrões únicos a cada indivíduo. Isto permite uma impressão de forma a identificar o animal (Grandage, 2003) . A placa nasal canina está frequentemente húmida embora não possua glândulas locais. A humidade é assim causada primariamente pelas glândulas lacrimal remota e nasal lateral, que conduzem as suas secreções para o vestíbulo nasal através dos ductos longos. A abertura do ducto nasolacrimal é facilmente identificada na base do vestíbulo nasal, dentro das narinas. Uma abertura acessória está também presente, caudal ao vestíbulo nasal, ao nível do dente canino. O ducto da glândula nasal lateral abre mais dorsalmente, no final rostral da concha nasal dorsal, e é de difícil identificação. Na porção rostral do septo, um pouco mais pequenas, encontram-se umas glândulas nasais mediais. Elas abrem no limite 3 caudal do vestíbulo e contribuem marginalmente para a humidade do nariz (Grandage, 2003). A pigmentação na placa nasal varia de acordo com a raça e espécie, embora seja comummente preta em cães (Grandage, 2003). Narinas e Vestíbulo Nasal As narinas e estruturas associadas imediatamente dentro do vestíbulo nasal impedem o fluxo de ar para as câmaras nasais (Grandage, 2003). Nos cães, cada narina é em forma de vírgula, quando vistas de frente. São delimitadas medialmente por um pilar vertical, a “columella”, o qual forma o final rostral do septo nasal. Este é cavado na linha média pelo filtro, uma fenda contínua até ao lábio superior. A estimulação de um ponto de acupunctura dentro do filtro foi referida como sendo valiosa para o tratamento de ataques cardíaco ou respiratório. O teto da narina é suportado por uma cobertura de cartilagem nasal dorso-lateral, a cartilagem alar. Esta arqueia para suportar a asa do nariz (Grandage, 2003). O chão da narina é endurecido por uma haste frágil de cartilagem, cartilagem nasal acessória. Lateralmente, a narina é aberta pelo sulco alar, que separa a asa do nariz do chão e do lábio superior (Grandage, 2003). O vestíbulo nasal não está vazio, como no caso dos humanos, mas está ocupado pelo final edemaciado da concha nasal ventral, designada de prega alar, que é suportada por uma cartilagem nasal ventro-lateral (Grandage, 2003). O abastecimento sanguíneo destas porções da placa nasal e da prega alar dá-se através de numerosos ramos de artérias infraorbitárias (Grandage, 2003). Cavidade Nasal A cavidade nasal é provavelmente a característica mais variável no cão. O septo nasal, o qual divide a cavidade em dois, é maioritariamente cartilagíneo mas possui uma periferia óssea. A secção medial deste é membranosa e possibilita a movimentação da ponta do nariz, permitindo ao cão morder a superfície plana de um objeto com os incisivos enquanto o seu nariz é empurrado dorsalmente para fora do caminho (Grandage, 2003). O limite caudal do focinho está mal definido. O “stop” que marca o limite da fronte cobre o labirinto etmoidal de tal forma que as câmaras nasais estendem-se de 4 forma contínua caudalmente entre e por baixo das órbitas. As raças caninas que comummente têm dificuldades em respirar por obstrução nas vias aéreas superiores normalmente têm “stop” pronunciado dos seus focinhos. Mesmo com esta dúvida, o focinho estende-se até à nasofaringe (Fowler, 2003 (1); Grandage, 2003). O volume do focinho é feito por duas fossas nasais, passagens irregulares entre as narinas, e por aberturas para a nasofaringe, designadas de coanas. As fossas são preenchidas com conchas, cartilagem e osso, que se projetam medialmente dos lados e teto, e são revestidas por uma membrana mucosa glandular e vascular. A concha nasal ventral é facilmente distinguida das outras. Ocupa o quarto rostral e ventral da fossa nasal e consiste numa parte lamelar caudal ligada à prega alar do vestíbulo através de um istmo. É suportada por uma lamela basal fina, a crista conchal, que surge da maxila e cuja sombra linear é uma das características radiográficas mais significativas da concha. Esta lamela basal é contínua com uma lamela espiral, a qual sustenta trinta ou mais lamelas secundárias. A mínima inflamação da membrana mucosa sobre estas lamelas pode levar a obstrução total das vias aéreas. Todas as outras conchas são cornetos etmoides, sendo o mais longo e mais dorsal conhecido como concha nasal dorsal (Grandage, 2003). As passagens aéreas estão restritas a canais estreitos que são ainda mais delgados que noutras espécies domésticas. Um canal fino comum vertical é encontrado em cada lado do septo; ele une e prolonga-se com os canais dorsal, medial e ventral, os quais ocupam espaços entre as conchas. O canal ventral é o maior e segue para dentro da coana através de um tubo ósseo não obstruído, designado de canal nasofaríngeo (Grandage, 2003). O órgão vomeronasal encontra-se no chão da fossa nasal de cada lado do septo; é funcional mas é impercetível em cães (Grandage, 2003). O quarto rostral da cavidade nasal está revestido de epitélio escamoso estratificado; o restante está coberto de epitélio colunar ciliado pseudoestratificado. Os cornetos nasais possuem células caliciformes produtoras de muco responsável pela imunidade local. A maioria da membrana mucosa não olfativa é composta por veias grandes de parede fina, as quais servem tanto para libertação de calor como para vasos de maior calibre (Fowler, 2003 (1); Grandage, 2003). Dois caminhos venosos funcionais separados drenam a mucosa nasal. Na parte rostral do nariz, anastomoses arteriovenosas criam um sistema de alta pressão 5 e elevado fluxo, que drena para dentro das veias nasais dorsais. Nas partes caudais do nariz, um sistema de baixos fluxo e pressão, cerca de metade do que passa na parte rostral, drena para as veias esfenopalatinas. Válvulas parietais separam os dois sistemas venosos; válvulas ostiais guardam as entradas de afluentes venosos maiores e provavelmente controlam o fluxo venoso (Grandage, 2003). Espécies macrosmáticas como os cães têm uma membrana mucosa olfativa extensa. Está na parte caudo-dorsal do nariz. A sua aparência difere pouco da restante membrana mucosa, embora possa parecer marginalmente mais fina e cinzenta (Grandage, 2003). Seios paranasais Os cães possuem seios frontais e recesso maxilar. O recesso maxilar não é um seio verdadeiro pois não se encontra entre duas placas de um osso cranial mas está ligado na lateral pela maxila e medialmente pelo etmoide (Grandage, 2003). O seio frontal é o maior e ocupa as têmporas e processo supraorbital do osso frontal. Os seios frontais esquerdo e direito estão separados por um septo mediano. Nos cães, cada um é composto por três cavidades separadas, lateral, medial e rostral, que comunicam separadamente através de aberturas nasofrontais com a fossa nasal. O compartimento lateral é o maior e talvez seja parcialmente subdividido por um septo incompleto. Contém um dos cornetos etmoidais que entra na parte rostral da sua base. A parte medial e o compartimento rostral são mais pequenos e estão preenchidos com cornetos etmoidais e são portanto mais difíceis de identificar nas radiografias (Grandage, 2003). O recesso maxilar encontra-se a nível do dente carniceiro entre os canais orbital e infra-orbital. Este aloja a glândula nasal lateral na sua parede lateral. A parede medial tem várias terminações nervosas e por isso serve uma função sensorial (Grandage, 2003). Nasofaringe O trato respiratório desenvolve-se principalmente da base do tubo digestivo, havendo um constante perigo de ser invadido por comida ingerida. O quiasma faríngeo é uma encruzilhada que evoluiu de forma a lidar com esta falha. Os dois 6 caminhos nele presentes são a nasofaringe e laringe numa direção e a orofaringe e esófago na outra (Grandage, 2003). O conduto nasofaríngeo é um espaço tubular relativamente grande que se estende desde as coanas ao óstio intrafaríngeo. Apenas a sua base é extensivamente móvel, o resto move-se pouco e fica permanentemente patente. As coanas são aberturas fixas no teto de ambos lados do vómer. As paredes da nasofaringe não têm características significantes exceto por uma pequena almofada mucosa mesmo atrás de cada tubo auditivo. As amígdalas tubulares estão ausentes, mas uma amígdala faríngea plana está presente no teto. A realização de pressão digital nesta área pode estimular a respiração (Grandage, 2003). b) Palato mole O palato mole forma a base da nasofaringe e o teto da orofaringe. É uma divisória tipo válvula, móvel, que pode-se elevar para fechar a via aérea proximal durante a deglutição ou pode deprimir para fechar a cavidade oral durante a respiração nasal. Durante a deglutição, funciona em conjunto com a epiglote, a qual fecha a via aérea distal, facilitando um bolo alimentar a atravessar o trato respiratório. Se o palato mole secar muito radicalmente pode ficar incapacitado de fechar a nasofaringe durante a deglutição, permitindo deste modo aspiração nasal de comida (Grandage, 2003). A porção livre do palato mole curva lateralmente para formar dois arcos palatofaríngeos, os quais passam caudalmente e fundem com as paredes da faringe para criar um grande buraco central direcionado caudo-ventralmente, designado de óstio intrafaríngeo. As três partes da faringe, nasal, oral e laríngea, encontram-se neste óstio, e um par de músculos palatofaríngeos servem como seu esfíncter. A epiglote está frequentemente embutida neste óstio de modo a que o seu ápice repouse na superfície dorsal do palato mole. Nesta condição, o ar passa sempre através do nariz. Já quando a epiglote está ventral ao palato mole, o ar pode passar tanto pelo nariz como pela boca, dependendo da relação para com o palato mole. Em descanso, o ar é normalmente tanto inalado como exalado através do nariz. Quando o animal está ofegante, o permutador de calor nasal é contornado, e o ar é normalmente inalado pelo nariz mas exalado pela boca. Aquando stress severo de calor, o ar é inalado e exalado tanto através da boca como do nariz. A língua 7 oscilante, muito óbvia nestes casos, sinaliza os movimentos complexos da laringe, hióide, e palato mole que ocorrem nesse momento (Grandage, 2003). O palato mole é normalmente notável nas radiografias laterais devido ao contraste dado pelo ar acima e abaixo do mesmo (Grandage, 2003). Os músculos tensores e elevadores do palato atravessam os lados da nasofaringe até uma aponeurose comum que providencia suporte estrutural. A membrana mucosa é do tipo respiratório na superfície dorsal do palato mole e do tipo digestivo na superfície ventral. A superfície oral é abundantemente dotada de glândulas e tecido linfoide, embora tais características sejam relativamente escassas no lado nasal. A artéria palatina menor abastece a maior parte do palato mole. Este vaso delgado surge da artéria maxilar ao nível do último dente da bochecha e corre longitudinalmente junto à linha média. Os nervos do plexo faríngeo, derivado dos nervos IX e X, abastecem o palato mole (Grandage, 2003). c) Laringe A laringe suporta dois conjuntos de mecanismos valvulares, a epiglote e a glote. A epiglote atua passivamente como uma tampa articulada que pode ser empurrada sobre a entrada da laringe e proteger a via aérea inferior contra a aspiração de líquidos e sólidos durante a deglutição. Também move-se ativamente como uma ventoinha que deflecte o ar para dentro do nariz ou da boca ou seleciona o ar de acordo com a necessidade para regulação da temperatura, olfato, vocalização (Grandage, 2003). A glote é uma válvula ativa, mais refinada, feita de um par de cordas vocais e cartilagens associadas que invadem a via aérea. Normalmente aumenta ligeiramente durante a inspiração e estreita durante a expiração. Atuando como portas duplas, as cordas vocais são a última defesa contra a inalação de material nocivo, e os mecanismos neurais eficientes levam ao seu encerramento imediato. Podem fechar as vias aéreas inferiores, por exemplo quando a pressão torácica ou abdominal é aumentada durante a tosse ou parto, e podem também fechar as vias aéreas superiores, quando a pressão torácica é diminuída durante o início do vómito. Como membranas elásticas, elas vibram para fonação, quer lenta ou rapidamente, ou a diferentes amplitudes e comprimentos, para dar diferentes volumes ou harmonias (Grandage, 2003). 8 Cartilagens A laringe é um tubo membranoso fibroelástico no qual estão embutidas cartilagens hialinas sólidas para manter uma via aérea patente e providenciar suporte às partes móveis. O cricóide em forma de anel e o mais rígido forma um chassis que sustém a tiroide e as cartilagens aritenóides, com as quais articula (Grandage, 2003). As cartilagens aritenóides direita e esquerda revestidas de membrana mucosa penetram dentro do lúmen da laringe, com a abertura entre elas formando a parte dorsal da “rima glottidis”. Um ligamento vocal surge da porção mais ventral de ambas aritenóides, o processo vocal. Estas esticam lado a lado e encontram-se na linha média ventral interna da tiroide, formando a parte central das cordas vocais e a parte ventral da “rima glottidis” (Grandage, 2003). A “rima glottidis” é um espaço romboidal com uma parte intramembranosa ventral que se encontra entra as cordas vocais e a parte intercartilagínea dorsal entre os aritenóides (Grandage, 2003). Pregas vestibulares semelhantes mas mais pequenas e menos intrusivas encontram-se paralelas e rostrais às cordas vocais. Elas formam uma fenda vestibular mais ampla que a “rima glottidis”. A cartilagem tiróidea oscila desde a cricóide para auxiliar no alongamento e encurtamento das cordas vocal e vestibular (Grandage, 2003). As restantes cartilagens são total ou parcialmente elásticas. Estão na parte rostral da laringe, projetando-se dentro do lúmen faríngeo e circundando a entrada da laringe ou “aditus”. As cartilagens elásticas toleram a força causada pela comida durante a deglutição. O principal elemento, a epiglote, é ponteado e em forma de V nos cães. A prega aritenoepiglótica, uma prega de membrana mucosa que vem desde a epiglote até ao aritenóide, completa o selo para a tampa epiglótica. Nos cães, os tubérculos cuneiformes e cónicos projetam-se em ambos lados da entrada da laringe. Estes tubérculos são independentes e são processos da cartilagem aritenóide. O processo cuneiforme é alongado, e a sua parte ventral dá origem à prega vestibular, ou falsa corda vocal (Grandage, 2003). O “aditus laryngis” é a entrada de forma irregular da laringe que se encontra entre as pregas aritenoepiglóticas e cartilagens próximas (Grandage, 2003). 9 Lúmen Laríngeo A laringe projeta-se para dentro da faringe, e a sua entrada é feita fora da parede faríngea. Os fluidos estão incapacitados de seguir diretamente para o lúmen laríngeo, estando direcionados para os recessos circundantes feitos de valéculas, abaixo da epiglote e dos recessos piriformes de cada lado (Grandage, 2003). A cavidade laríngea estende-se desde o “aditus” até ao primeiro anel traqueal. É dividido pela “rima glottidis” numa parte pequena, rostral, irregular, em forma de cálice, o vestíbulo laríngeo, e uma parte maior, caudal, cilíndrica, a cavidade infraglótica. A “rima glottidis” é a parte mais estreita da via aérea. Qualquer tumefação inflamatória neste sítio pode reduzir o seu diâmetro, com o risco de asfixia. O risco de edema é reduzido por modificações da membrana mucosa. Sobre as cordas vocais, a membrana possui uma submucosa fina desprovida de glândulas, daí uma menor hipótese de edema. O revestimento epitelial é escamoso estratificado no vestíbulo e gradualmente reverte para o tipo respiratório, colunar ciliado pseudoestratificado (Grandage, 2003). Os cães possuem ventrículos laríngeos grandes. Cada um é composto por duas partes, uma depressão situada na lateral da corda vocal e um sáculo localizado também na lateral, agora da prega vestibular. A depressão é um canal vertical profundo que se abre dentro da laringe por uma fissura ampla entre as pregas vocal e vestibular. Na sua base, uma fissura oval pequena leva anteriormente a um sáculo mais capacitado. Este está alojado maioritariamente entre a mucosa da prega vestibular e o fim da lâmina da cartilagem tiróidea. As glândulas dentro dele inundam as pregas vocal e vestibular com secreções que previnem dissecação. As depressões ventriculares formam um espaço lateral para as cordas vocais, providenciando lugar para as cordas vibrarem durante o ladrar (Grandage, 2003). Músculos Os músculos extrínsecos da laringe trabalham com os músculos do hióide para elevar, deprimir, dilatar ou retrair. Os músculos intrínsecos são estriados e maioritariamente estão preocupados com o movimento das cordas vocais, especialmente a sua adução. Esta aquando a deglutição previne a aspiração de comida ou líquidos para os pulmões. O cricoaritenóide dorsal é o único abdutor das 10 cordas vocais. A abdução durante a inspiração reduz a resistência das vias aéreas. Na Figura 3 pode-se ver a anatomia da laringe (Fowler, 2003 (1); Grandage, 2003). Figura 3. Anatomia da laringe em visão oral (A) e lateral (B) (Fossum, 1999) Nervos e Vasos O ramo laríngeo recorrente do vago abastece todos os músculos intrínsecos da laringe exceto o cricotiróideo. Ele atinge a laringe ao passar ao longo da superfície dorso-lateral da traqueia e continua pela lateral do músculo cricoaritenóide dorsal antes de mergulhar profundamente na lâmina da tiroide. O ramo externo do nervo laríngeo cranial abastece o cricoaritenóide. O ramo interno desse mesmo nervo é um nervo sensorial para a mucosa laríngea (Grandage, 2003). A artéria laríngea cranial providencia o principal abastecimento sanguíneo. Tem origem na carótida externa e percorre juntamente com o nervo laríngeo cranial até ao encaixe rostral da tiroide. A sua companheira, a veia laríngea cranial, esvazia no arco venoso hióide dentro da veia maxilar externa. Cada veia caudal da tiroide drena para dentro da jugular interna (Grandage, 2003). 11 Os linfáticos drenam para dentro do linfonodo retrofaríngeo medial (Grandage, 2003). 2.1.1.2. a) TRATO RESPIRATÓRIO INFERIOR Traqueia Cartilagens em forma de C endurecem a traqueia tubular elástica e mantémna percetível. Alternam com ligamentos anulares elásticos que unem as cartilagens e permitem que a traqueia estique e dobre sem ficar curvada. Nos cães existem cerca de 35 a 45 cartilagens, mas este número varia entre raças e indivíduos. Cada cartilagem é mais fina ventralmente e emagrece ao longo dos braços curvados para terminar dorsalmente como uma lâmina sobreposta, fina e flexível. A presença de algum grau de calcificação é normal com o envelhecer. O primeiro anel traqueal é completo dorsalmente nos cães, tem uma forma semelhante à ponta caudal da cartilagem cricóide, e é parcialmente revestido por essa mesma cartilagem (Grandage, 2003). A parte dorsal da traqueia é desprovida de cartilagem e é composta por uma banda ampla de mucosa, tecido conjuntivo, e músculo traqueal. Nos carnívoros, este músculo liso insere-se na superfície externa das cartilagens traqueais, a alguma distância lateral das suas extremidades. A sua contração aproxima as pontas das cartilagens de forma a ficarem juntas e chegam a passar uma pela outra, sobrepondo-se como um anel chave. Esta contração diminui a via aérea e reduz o espaço morto, aumentando a velocidade do ar ventilado e auxiliando na expulsão de muco durante a tosse. Também endurece a traqueia e torna-a mais resistente ao colapso por compressão externa e pode proteger a parte membranosa de ser sugada para dentro do lúmen traqueal, o qual tende a ocorre durante expiração forçada. O relaxamento do músculo traqueal permite que as pontas das cartilagens se separem, aumentando o diâmetro da via aérea, e reduzindo a resistência da mesma (Grandage, 2003). A membrana mucosa da traqueia suporta epitélio ciliado pseudoestratificado que se mantém húmido através das secreções provenientes das células globosas e das glândulas traqueais secretoras de muco presentes principalmente na submucosa. O muco brônquico é uma mistura de materiais segregados e transudativos, responsáveis pela imunidade da mucosa. Os cílios formam uma 12 camada contínua de muco ao longo da laringe. Uma ação mucociliada move partículas sedimentadas em direção à faringe, onde é tossida e depois engolida (Fowler, 2003 (1); Grandage, 2003). A traqueia está envolvida folgadamente em fáscia. A folha mais profunda forma parte da fáscia pré-vertebral que separa a traqueia do músculo “longus colli”. Também contribui para a bainha carotídea, um tubo de fáscia que rodeia os nervos vago e simpático, a artéria carótida e a veia jugular interna. A bainha carotídea é encontrada dorso-lateral à traqueia, com o nervo laríngeo recorrente seguindo um percurso semelhante mas independente. O esófago passa maioritariamente dorsal à traqueia, inclinando-se para a esquerda na entrada torácica. Os músculos esternotiroideo, esterno-hioideo, e esterno-cefálico encontram-se ventrais à traqueia (Grandage, 2003). As artérias tireóideas cranial e caudal são vasos delgados que abastassem a maior parte da traqueia. Os pequenos ramos das artérias tireóideas e brônquicas penetram entre os anéis traqueais em cada lado da estrutura. Elas arborizam a submucosa para formar uma rede de vasos interligados que por sua vez comunicam com um plexo subepitelial encontrado tanto na traqueia como nos brônquios (Grandage, 2003). A traqueia terminal, designada de carina, e os brônquios pulmonares são providos de sangue através das artérias broncoesofágicas. Os ramos brônquicos arborizam sobre os brônquios dorsalmente e atravessam proximalmente e distalmente as paredes da via aérea. Os vasos proximais sofrem anastomose com os ramos das artérias tireóideas caudais na parede distal da traqueia, e os vasos distais seguem os brônquios até ao parênquima pulmonar. As artérias brônquicas abastecem o tecido pulmonar. A Figura 4 exemplifica a anatomia da traqueia (Grandage, 2003). 13 Figura 4. Anatomia da traqueia (Anónimo, 2011) A mucosa traqueal e o seu músculo fino são inervados pelos vagos, principalmente o vago direito e o seu ramo laríngeo recorrente. Em geral, os recetores dos aferentes vagais estão concentrados nas vias aéreas grandes,incluindo a traqueia (Grandage, 2003). b) Árvore brônquica Na sua terminação, a traqueia divide-se em dois principais brônquios pequenos, os quais se subdividem sucessivamente em brônquios lobares, segmentados e em consecutivas pequenas gerações. O número de gerações depende do tamanho do animal (Grandage, 2003). Os dois principais brônquios continuam sem interrupção para dentro dos lobos caudais dos pulmões. Seis brônquios lobares estão desprendidos do brônquio principal, e cada um consegue ser reconhecido numa radiografia lateral. As origens dos brônquios lobares craniais mostram-se como discos sobrepostos pretos perto da bifurcação traqueal. O disco do brônquio lobar cranial direito é mais cranial que o disco do esquerdo. O limite caudal destes brônquios é sobreposto sobre a carina, a crista medial da bifurcação traqueal (Grandage, 2003). 14 Os dois pulmões podem ser subdivididos em 20 a 30 segmentos broncopulmonares, sendo cada um parte do pulmão abastecido por segmentos de brônquios. Cada segmento é independente, embora alguma comunicação gasosa entre segmentos adjacentes possa existir. Embora a arborização brônquica siga um padrão geral, com sistemas brônquicos dorsal, lateral, ventral e medial, para cada pulmão, não há duas árvores idênticas (Grandage, 2003). O tecido elástico está em abundância ao longo da árvore brônquica e contribui para cerca de um terço da força que tende a colapsar os pulmões, sendo que a tensão superficial dentro dos alvéolos gera os outros dois terços. A elasticidade também contribui para a ressonância natural dos pulmões; cães ofegantes exploram esta ressonância para minimizar o esforço (Grandage, 2003). O músculo liso encontra-se na submucosa de toda a árvore brônquica, formando dois tratos em espiral que correm em direções opostas. O músculo presente mais à periferia é mais sensível ao estímulo, e por isso encoraja uma resposta, mas tem uma capacidade reduzida para encolher, e por isso evita uma resposta excessiva (Grandage, 2003). Os bronquíolos não têm suporte cartilagíneo, e normalmente não possuem glândulas nas suas paredes. Os cílios são sempre encontrados mais distalmente que as glândulas e assim asseguram que as secreções brônquicas não se acumulam. Ainda mais distalmente, os macrófagos alveolares limpam de forma contínua as vias aéreas terminais. Os bronquíolos terminais dão origem aos bronquíolos respiratórios, cujas paredes suportam alguns alvéolos. Estes por sua vez levam a ductos alveolares que terminam em sacos alveolares, como em exemplo na figura 5 (Grandage, 2003). 15 Figura 5. Terminação da via aérea (Aspinall & O'Reilly, 2004) c) Pulmões Os pulmões dos cães são profundamente fissurados em lobos distintos. As fissuras permitem aos pulmões mudar de forma com os movimentos de diafragma ou por flexão da coluna (Lei de Rouvière). A lobulação é conveniente cirurgicamente porque permite que os segmentos do pulmão sejam isolados e excisados. As fissuras estão dispostas obliquamente e destacam-se nas radiografias apenas quando a pleura está demasiado fina, há presença de líquido dentro dos pulmões, ou quando o parênquima adjacente está consolidado (Grandage, 2003). A lobulação é mais aleatória do que de padrões estritos. Ambos pulmões estão consistentemente divididos em lobos craneal e caudal por uma fissura interlobar caudal. O pulmão direito é maior e é novamente dividido em um lobo médio e um lobo acessório. O lobo craneal do pulmão esquerdo é normalmente dividido em partes caudal e cranial (Grandage, 2003). Os pulmões estão suspensos sobre a superfície do coração e são escavados e esculpidos para o acomodar; como consequência, eles deixam a impressão cardíaca nos seus bordos ventrais onde o pericárdio e o seu sobrejacente mediastino estão em contacto com a parede costal (Grandage, 2003). 16 O ar dentro do trato respiratório inferior é um agente de contraste radiográfico soberbo para os vasos pulmonares, árvore brônquica, e outras estruturas dentro dos pulmões e tórax. Durante a inspiração, um volume de ar elevado torna as marcas pulmonares ainda mais claras e outras características torácicas ainda mais notáveis. O ar também torna o pulmão inacessível para exame ultrassónico (Grandage, 2003). d) Vasos pulmonares As diferenças entre artérias pulmonares e veias pulmonares são menos notáveis do que aquelas existentes entre os seus sistemas homólogos devido à baixa pressão do circuito pulmonar. Contudo, o tronco pulmonar grande continua a ter a sua aparência suave de um sistema arterial, e as subdivisões das artérias pulmonares são caracteristicamente do tipo elástico. As artérias elásticas acompanham os brônquios na formação de feixes broncovasculares, isto é, os vasos estreitam, até ao ponto de mudarem para vasos musculares e continuarem a acompanhar as vias aéreas mais pequenas. O diâmetro desses vasos aumenta com a inflação pulmonar e decrescem com a deflação (Grandage, 2003). As veias pulmonares estão situadas medialmente aos brônquios lobares. As suas porções terminais podem ser vistas subpleuralmente na superfície mediastínica de alguns lobos antes de eles esvaziarem para o átrio esquerdo. Mais perifericamente, as veias correm de forma independente dos feixes broncovasculares, normalmente entre segmentos (Grandage, 2003). Algum sangue brônquico venoso não oxigenado drena e também dilui o sangue venoso pulmonar oxigenado, mas as veias brônquicas maiores drenam para a veia ázigos. A circulação pulmonar é única porque recebe todo o sangue circulante numa base regular, e por todo o sangue pulmonar fluir através de um sistema capilar que não possui anastomoses (Grandage, 2003). Os linfáticos pulmonares drenam maioritariamente para dentro de três grupos de linfonodos tranqueobronquiais à volta da bifurcação traqueal. Em poucos cães, os linfonodos pulmonares são também encontrados nas superfícies dorsais dos brônquios lobares na extremidade do parênquima pulmonar (Grandage, 2003). 17 e) Pleura O mesotélio dos carnívoros é suportado por uma camada de tecido conjuntivo incomum. A pleura mediastínica caudal é tão fina que é transparente e rutura com facilidade (Grandage, 2003). Os pulmões, cobertos com a sua própria pleura pulmonar, estão dentro de sacos grandes de pleura parietal que está colapsada à sua volta. Consequentemente, as dobras existem onde a pleura parietal está em contacto com mais da mesma pleura. Os espaços potenciais entre duas camadas são conhecidos como recessos pleurais; eles podem abrir para receber os pulmões em expansão durante a inspiração ou encher de ar ou líquido em estados patológicos. Os recessos costodiafragmáticos e costomediastinal são mais importantes cirurgicamente por marcarem sítios onde se pode entrar nas cavidades pleurais sem o perigo de penetrar os pulmões (Grandage, 2003). Noutro lugar, a pleura parietal está em contacto com pleura visceral ou pulmonar, exceto pela película fina de líquido lubrificante (Grandage, 2003). A pleura mediastínica encerra a maior parte da víscera torácica para além dos pulmões. O lobo caudal do pulmão é preso ao mediastino por uma fina rede de pleura, o ligamento pulmonar, que se estende por vários centímetros caudal ao hilo. O lobo acessório do pulmão está alojado num compartimento especial entre o mediastino à sua esquerda e a veia cava inferior à direita (Grandage, 2003). A pleura parietal é abastecida pelos nervos espinais e é sensível aos estímulos tácteis e térmicos. A pleura visceral transmite aferentes através dos nervos autónomos que mediam apenas a dor (Grandage, 2003). 2.1.2. FISIOLOGIA 2.1.2.1. FUNÇÃO RESPIRATÓRIA A principal função do aparelho respiratório é a troca de oxigénio e dióxido de carbono entre o exterior e os tecidos (Cunningham, 2003). O aparelho respiratório transporta o oxigénio para manter o metabolismo tecidular e elimina o dióxido de carbono. O consumo de oxigénio e a produção de dióxido de carbono varia em função do índice metabólico que, por sua vez, depende do nível de atividade do animal. O metabolismo basal, o metabolismo do animal em 18 repouso, é uma função do peso corporal metabólico. Portanto, as espécies mais pequenas consomem mais oxigénio que as de tamanho maior (Cunningham, 2003). As necessidades de trocas gasosas variam com o metabolismo e podem aumentar até 30 vezes com o exercício extenuante. O custo energético da respiração é maior num animal com doença respiratória, o que leva a uma diminuição da quantidade de energia disponível para realizar exercício ou para engordar, que se traduz num baixo rendimento visível pelo proprietário. O aparelho respiratório também é importante no processo de termorregulação, no metabolismo de substâncias endógenas e exógenas, e na proteção do animal contra a inalação de pó, gases tóxicos e agentes infeciosos (Cunningham, 2003). 2.1.2.2. VENTILAÇÃO A ventilação é o movimento de entrada e saída de gás do pulmão (Cunningham, 2003). O animal trabalha na busca por oxigénio inspirando um certo volume de ar a cada minuto. O volume total de ar respirado por minuto, ou ventilação por minuto, determina-se através do volume de cada respiração, ou volume tidal, multiplicado pelo número de respirações por minuto, ou frequência respiratória. O aumento da ventilação por minuto, que se deve produzir aquando um aumento do índice metabólico requer uma maior busca de oxigénio, pode realizar-se aumentando o volume tidal, a frequência respiratória, ou ambos (Cunningham, 2003). O ar flui aos alvéolos atravessando as fossais nasais, cavidade nasal, faringe, laringe, traqueia, brônquios e bronquíolos. Estas estruturas formam as vias respiratórias. Dado que a troca de gases não se produz nelas, também se denominam espaço morto anatómico. Uma parte de cada volume tidal e, portanto de cada ventilação por minuto, ventila este espaço morto. A porção de cada respiração que participa na troca gasosa conhece-se como ventilação alveolar; a ventilação do espaço morto conhece-se como ventilação do espaço morto. O conceito de ventilação por minuto é a soma da ventilação alveolar e da ventilação do espaço morto. A ventilação alveolar regula-se mediante mecanismos de controlo que igualam a captação de oxigénio e a eliminação de dióxido de carbono necessários para o equilibro do metabolismo. Portanto, quando um animal realiza exercício, a sua ventilação alveolar aumenta para absorver mais oxigénio e eliminar mais dióxido de carbono (Cunningham, 2003). 19 A ventilação do espaço morto também pode produzir–se no interior dos alvéolos. Este espaço morto alveolar deve-se à ventilação de alvéolos pouco perfundidos, pelo que haver uma troca gasosa ótima. O espaço morto fisiológico é a soma do espaço morto anatómico e alveolar (Cunningham, 2003). Dado que o volume do espaço morto anatómico é relativamente constante, as trocas no volume tidal, frequência respiratória, ou ambos, pode modificar as quantidades relativas de ar que ventilam os alvéolos e o seu espaço morto. Estas trocas no volume tidal e na frequência respiratória ocorrem em animais a realizar exercício ou durante a termorregulação. Por exemplo, um volume tidal baixo junto com uma frequência respiratória elevada é característica de cães ofegantes, já que precisam de mais ar para ventilar o espaço morto e favorecer a evaporação de água e a perda de calor. Em contraste com estes efeitos, os animais submetidos a frio têm um maior índice metabólico para manter a sua temperatura corporal. Este processo conduz a um aumento do consumo de oxigénio e na produção de dióxido de carbono, sendo necessário para o animal aumentar a ventilação e diminuir a do espaço morto (Cunningham, 2003). O veterinário deve assegurar-se de que o instrumento utilizado na anestesia ou na oxigenoterapia não aumenta o espaço morto, evitando usar tubos endotraqueais demasiado longos ou máscaras demasiado grandes (Cunningham, 2003). Durante a inspiração, os músculos transportam energia que leva a que o ar entre nos pulmões. Na expiração, a maioria da energia que faz com que o ar abandone os pulmões proceda das forças elásticas armazenadas nos pulmões e no tórax durante o estiramento produzido na inspiração. Portanto, na maioria dos animais em repouso, a inspiração é um processo ativo, enquanto que a expiração é passiva (Cunningham, 2003). O diafragma, a cúpula músculotendinosa que separa o abdómen do tórax, é o principal músculo inspiratório e está inervado pelo nervo frénico. Durante a contração, a cúpula do diafragma desloca-se caudalmente com a qual a cavidade torácica aumenta. O centro tendinoso do diafragma pressiona o conteúdo abdominal, elevando a pressão intra-abdominal, o que desloca lateralmente as costelas caudais e portanto aumenta também o volume torácico. Este aumento do tórax cria pressão negativa necessária para que o ar flua até ao interior dos 20 pulmões. Os músculos intercostais externos, que unem as costelas, também estão ativos durante a inspiração (Bowden & Masters, 2003; Cunningham, 2003). A pressão negativa gerada no trato respiratório durante a inspiração tende a colapsar as fossas nasais, a faringe e a laringe. A contração dos músculos abdutores unidos a essas estruturas é essencial para impedir o colapso e pode-se observar durante a inalação como se dilatam as asas nasais (Cunningham, 2003). Os músculos abdominais e os intercostais internos são músculos expiratórios. A contração dos primeiros aumenta a pressão abdominal, que empurra o diafragma para a frente e diminui o tamanho torácico. As fibras dos músculos intercostais internos, dirigem-se craneoventralmente desde a borda craneal de uma costela até ao extremo caudal da seguinte, de tal maneira que a sua contração diminui o tamanho do tórax ao deslocar as costelas caudal e ventralmente. Quando diminui o volume torácico, a pressão interna aumenta e provoca a saída do ar dos pulmões (Cunningham, 2003). Durante a respiração, o ar viaja pelas vias respiratórias superiores e na árvore traqueobrônquica, que apresentam resistência por fricção à passagem do ar. Como resultado do sistema de ramificação, a área transversal da árvore brônquica por onde flui o ar aumenta apenas um pouco entre a traqueia e a primeira geração de brônquios, mas dobra-se com cada divisão das vias respiratórias periféricas, pelo que a velocidade do fluxo respiratório diminui de forma progressiva desde a traqueia até aos bronquíolos (Cunningham, 2003). Muitos animais geralmente vivem vidas tranquilas podendo no entanto ter comprometimento respiratório muito grave antes sequer de demonstrarem sinais clínicos. Estes são completamente diferentes do trato superior para o inferior, mas é normalmente muito óbvio quando o animal se encontra em aflição respiratória. (Bowden & Masters, 2003) No trato respiratório superior, a descarga nasal é o sinal mais comum de doença. Esta pode ser uni ou bilateral, isto é, de uma ou de ambas narinas. Uma doença nasal localizada normalmente produz descarga unilateral enquanto que uma doença sistémica ou doença do trato respiratório inferior produzem descarga bilateral. Classificação da descarga nasal pode dar uma pista sobre a sua causa. Inicialmente inflamação do nariz resulta em descarga serosa ou mucosa; infecção bacteriana ou fúngica secundária produz descarga purulenta. Descarga 21 hemorrágica, ou epistaxis, pode ser resultado de erosão fúngica, neoplasia ou defeito de hemóstase (Bowden & Masters, 2003). Espirros, tosse ou esforço para vomitar podem ocorrer como sinais de ambos tratos (Bowden & Masters, 2003). No trato respiratório inferior, a tosse e a dispneia são os sinais clínicos mais característicos. Em doenças graves pode-se desenvolver cianose (Bowden & Masters, 2003). 2.1.3. PARÁLISE DA LARINGE Parálise da laringe é um processo degenerativo que afeta o funcionamento normal da laringe, levando a uma interferência com o fluxo normal do ar para os pulmões. Secundariamente existem uma série de condições e sinais clínicos que levam ao mau estar do animal (Broadfoot et al., 2008). 2.1.3.1. FISIOPATOLOGIA As funções laríngeas consistem em regular o fluxo de ar e a produção de voz e prevenir a inalação de comida. Se os músculos intrínsecos e o abastecimento nervoso da laringe não estiverem normais, a função laríngea não é normal (Monnet, 2003). O músculo cricoaritenóide dorsal afasta as cartilagens aritenóides em cada inspiração. Lesões no nervo laríngeo recorrente ou no músculo cricoaritenóide dorsal resultam em parálise da laringe em cães, podendo ser unilateral ou bilateral (Monnet, 2003). 2.1.3.2. ETIOLOGIA A parálise laríngea é idiopática na maior parte das vezes. No entanto, formas congénita e adquirida de parálise da laringe foram confirmadas em cães (Nelson & Couto, 2000; Monnet, 2003). a) Parálise laríngea congénita Esta forma de parálise laríngea foi apontada em Bouvier des Flandres, Bull terriers, Dálmatas, Rottweilers, e Huskies. Nos Bouviers des Flandres, a parálise da laringe é hereditária, uma peculiaridade autossómica dominante, associada à 22 degeneração walleriana dos nervos laríngeos recorrentes e anormalidades do núcleo ambíguo (Mazzaferro, 2001; Monnet, 2003). Cães com parálise laríngea congénita são afetados antes de terem um ano de idade, mais cedo do que os cães que possuem parálise laríngea adquirida. No entanto a forma adquirida ocorre mais frequentemente que a forma congénita (Fowler, 2003 (2); Monnet, 2003). b) Parálise laríngea adquirida A parálise laríngea adquirida é mais frequentemente relatada em Labradores Retrievers, Golden Retrievers, São Bernardo, e Setters irlandeses entre os 7 a 12 anos de idade. Esta forma de parálise da laringe é normalmente idiopática; contudo, outras causas devem ser descartadas, como está representado no quadro 1. Diversas doenças e condições podem contribuir para esta situação. Uma massa mediastínica cranial ou no pescoço a alongar ou comprimir o nervo laríngeo recorrente podem induzir uma parálise laríngea. Traumas neste mesmo nervo, através de lutas de cães ou durante uma cirurgia do pescoço, são também causa possível. Tanto as massas como os traumas podem lesionar, de forma direta, o nervo como através de inflamação e cicatrização. Por fim, neuropatias envolvendo o nervo laríngeo recorrente ou miopatias envolvendo os músculos intrínsecos da laringe, e insuficiência endócrina (hipotiroidismo) podem induzir uma polineuropatia ou uma polimiopatia, outros motivos para o aparecimento desta condição em cães adultos. Estas também podem ter outras causas, descritas na tabela 1 (Nelson & Couto, 2000; Mazzaferro, 2001; Monnet, 2003; Holt & Brockman, 2004). A parálise da laringe é um dos primeiros sinais de animais com polineuropatias porque o nervo laríngeo recorrente, um dos mais longos do corpo, inerva os músculos intrínsecos da laringe. Devido ao seu comprimento, é suscetível de ser danificado em qualquer ponto do seu trato, diminuindo a inervação da laringe e consequentemente resultando numa abdução inadequada da cartilagem aritenóide durante a inspiração. Este quadro aparece mais em Dálmatas e Rottweilers novos (Mazzaferro, 2001; Fowler, 2003 (2)). 23 Quadro 1. Causas potenciais de parálise laríngea (Adaptado de Nelson & Couto, 2000; Fowler, 2003 (2)) Idiopática Traumatismo direto Inflamação Trauma nervoso Lesão cervical Fibrose Mordidas ventral Estrangulação Neoplasias Outras lesões inflamatórias ou massas Neoplasias Lesão torácica Traumatismos anterior Pós-operatório (Iatrogénico ou Outros Outras lesões inflamatórias ou massas Idiopática Imunomediada Polineuropatia e Endocrinopatia Hipotiroidismo Hipoadrenocorticismo polimiopatia Outros processos Hipocalcémia sistémicos Toxicidade Doença congénita 2.1.3.3. a) AVALIAÇÃO CLÍNICA Historial Os donos aparecem essencialmente alarmados quando o cão apresenta um quadro de dispneia e estridor durante o exercício, e intolerância ao mesmo. Os sinais clínicos presentes são semelhantes para as formas congénita e adquirida. A progressão geralmente é lenta; podem passar-se meses a anos antes de o animal desenvolver um stress respiratório severo. Os sinais iniciais incluem a mudança de voz seguida de tosse e engasgamento, especialmente enquanto comem ou bebem. Há diminuição da resistência e aumento do estridor laríngeo, sobretudo inspiratório, enquanto a oclusão aérea piora. Episódios de dispneia severa, cianose, ou síncope ocorrem em vários pacientes afetados. A parálise laríngea pode ser acompanhada de vários graus de disfagia, o que aumenta significativamente a probabilidade de 24 aspiração depois da correção cirúrgica desta condição. Os cães machos são afetados aproximadamente três vezes mais que as fêmeas (Mazzaferro, 2001; Fossum, 2002; Ettinger, 2003; Monnet, 2003). O quadro que se encontra no anexo 1 mostra algumas questões importantes a colocar ao dono do animal com sinais de doença respiratória, para se poder fazer um diagnóstico diferencial. b) Diagnóstico diferencial A realização de exames deve ter em conta outras condições que tenham quadro semelhante à parálise da laringe. Em cães novos, uma dispneia inspiratória marcada pode ser associada à síndrome braquicefálica em raças específicas. Já foi relatado estenose subglótica congénita. Corpo estranho ou inalação de insetos, trauma, e abcesso devem ser também considerados (Holt & Brockman, 2004). Em cães mais velhos, neoplasmas ou abcessos que possam afetar a função do nervo laríngeo recorrente devem ser descartados, bem como neoplasias da faringe, amígdalas, laringe, e tiroide, que podem causar sinais compatíveis com parálise laríngea. Em animais com história de regurgitação, deve ser considerada uma disfunção esofágica (Holt & Brockman, 2004). c) Exame físico A examinação física de animais com parálise laríngea é pouco notável. Os cães têm uma dispneia inspiratória que não é aliviada com respiração de boca aberta. Ao invés disso, com uma compressão lateral suave da laringe, há um aumento significativo dessa dispneia, podendo-se mesmo produzir uma tosse rouca e seca, sinal de que há inflamação intensa. Sons atribuídos às vias aéreas estão presentes durante a auscultação da cavidade torácica. A auscultação desta zona e da área pulmonar pode revelar uma pneumonia no lobo pulmonar cranial devido a aspiração. Palpação da massa muscular pode revelar atrofia muscular esquelética em animais com polineuropatia. O músculo tibial cranial está comummente atrofiado em cães com polineuropatia endócrina. Uma examinação neurológica completa é requerida para avaliar a polineuropatia (Fossum, Laryngeal Paralysis, 2002; Ettinger, 2003; Monnet, 2003). 25 d) Descobertas laboratoriais A contagem sanguínea completa e análises químicas estão normalmente em limites normais, no entanto devem ser realizadas para descartar doenças sistémicas. Hipercolesterolémia, hiperlipidémia, e enzimas hepáticas elevadas estão presentes em análises químicas em que haja hipertiroidismo. Uma análise à tiroide com uma hormona endógena estimuladora da mesma e tiroxina livre é exigida para definir um diagnóstico posterior. A parálise laríngea tem uma correlação inconsistente com hipotiroidismo. Também devem ser realizadas análises à hormona adrenocorticotrópica (ACTH) para diagnóstico diferencial (Nelson & Couto, 2000; Mazzaferro, 2001; Fowler, 2003 (2); Monnet, 2003). e) Examinação radiográfica É necessário realizar um exame radiográfico da cavidade torácica para avaliação do parênquima pulmonar e do esófago. É um exame de diagnóstico diferencial, pois permite verificar a presença de uma massa que esteja a lesionar a laringe ou o nervo laríngeo recorrente. A pneumonia por aspiração é um achado préoperatório comum em cães com parálise da laringe. Se estiver presente, a intervenção cirúrgica é adiada até se resolver essa situação. O megaesófago pode também estar presente nestes casos, especialmente se a parálise laríngea é devido a polineuropatia ou polimiopatia. O animal com megaesófago tem maior risco de pneumonia por aspiração depois da cirurgia. Exame radiográfico à laringe é de pouca importância, sendo que a parálise da laringe não pode ser diagnosticada radiograficamente (Fossum, Laryngeal Paralysis, 2002; Fowler, 2003 (2); Monnet, 2003). f) Examinação laríngea O diagnóstico é baseado na visualização direta da movimentação laríngea. O exame da laringe é realizado com anestesia geral para diagnóstico de parálise desta estrutura. É necessário um plano leve de anestesia para a função laríngea ser avaliada durante a inspiração. O quadro 2 indica pré-medicamentos que podem ser usados para este fim. O animal é anestesiado até ao ponto em que a boca possa ser aberta facilmente e o reflexo laríngeo ainda está presente. Se o animal estiver anestesiado muito profundamente, a laringe parece paralisada, mesmo num animal 26 normal. É importante deixar o animal aproximar-se da consciência e examinar a função laríngea durante esse período (Mazzaferro, 2001; Fowler, 2003 (2); Monnet, 2003). Quadro 2. Pré-Medicamentos para Examinação da Laringe em Cães (Fossum, 2002) Atropina 0,02-0,04 mg/kg IM ou SC Oximorfina 0,05 mg/kg, máximo 4mg IV, IM ou SC Butorfanol 0,2 – 0,4 mg/kg IV, IM ou SC Buprenorfina 5-15 µ/kg IM Durante o exame da laringe, a movimentação da cartilagem aritenóide é observada durante a inspiração. O animal é colocado em posição esternal, e a cabeça é elevada ao nível em que normalmente é carregada. Num animal normal, as cordais vocais e as aritenóides afastam-se durante a inspiração e relaxam passivamente durante a expiração. Se o animal tiver parálise laríngea, as cartilagens aritenóides e as cordas vocais estão imóveis e abertas em direção à linha média durante o movimento inspiratório. Se a parálise for unilateral, apenas uma cartilagem não se move. São também visíveis edema e eritema na mucosa das cartilagens aritenóides, na parte dorsal da laringe, e aparecem devido a trauma repetido das aritenóides ao tocarem uma na outra durante cada inspiração (Fowler, 2003 (2); Monnet, 2003). g) Electromiografia A electromiografia do músculo laríngeo intrínseco tem sido usada para demonstrar potenciais de desnervação em suspeita de parálise laríngea. Os músculos abdutores da laringe são avaliados. Num estudo experimental, potenciais de desnervação foram gravados cinco dias após trauma aos nervos laríngeos recorrentes (Monnet, 2003). 2.1.3.4. TRATAMENTO MÉDICO DE EMERGÊNCIA Os animais são normalmente apresentados com cianose aguda ou colapso, como resultado de obstrução da via aérea superior, sendo necessário estabilizá-los primeiro. A maioria, numa crise cianótica causada por obstrução da via aérea superior, recupera inicialmente com terapia médica. Excitação ou elevação da temperatura ambiente aumentam a taxa respiratória, o que resulta no trauma da mucosa da cartilagem aritenóide. Inflamação e edema agudo dessa mesma mucosa 27 podem agravar a obstrução crónica das vias aéreas e induzir um começo agudo de dispneia inspiratória. Um ciclo vicioso é então iniciado (Fowler, 2003 (2); Monnet, 2003). Deve-se examinar a orofaringe para ver se há algum corpo estranho ou confirmar uma obstrução por edema ou inflamação. São dados corticosteroides intravenosamente (dexometasona, 0.2 a 1.0 mg/kg BID) para reduzir a inflamação e edema laríngeos, quando confirmados. Ao mesmo tempo, é administrado oxigénio por máscara ou numa jaula para aliviar a hipoxia. Animais hipertérmicos a hiperventilar (temperatura acima de 40.5°C) devem ser arrefecidos com banho em álcool ou água gelada. É indicado dar sedação intravenosamente se o animal continuar stressado, pois um esforço respiratório elevado aumenta a pressão negativa nas vias aéreas e piora a adução dinâmica das cartilagens aritenóides. No quadro 3 vê-se alguns exemplos de sedativos e doses indicadas. Quadro 3. Sedativos e respetivas doses e vias de administração (Fossum, 2002) Oximorfina 0.05 mg/kg, máx 4mg IV, IM ou SC Butorfanol 0.2 – 0.4 mg/kg IV, IM ou SC Acepromazina 0.02-0.05 mg/kg, máx 1mg IV, IM ou SC Diazepam 0.2 mg/kg IV A fluidoterapia deve ser administrada com cuidado porque em alguns animais com obstrução severa do trato superior respiratório pulmonar desenvolve-se edema pulmonar. A obstrução da via aérea superior causa estimulação simpática e mudanças hipóxicas na vasculatura pulmonar, o que abre junções endoteliais apertadas. A pressão intratorácica aumenta quando o paciente tenta inspirar contra uma glote fechada, agravando a fuga vascular para os alvéolos, inundando o espaço alveolar e o desenvolvimento de edema pulmonar. Os diuréticos são indicados nestes pacientes. Se o paciente estiver a piorar, uma traqueostomia de emergência é recomendada, para desviar a via aérea superior. O quadro 4 mostra um esquema de como proceder então nestes casos urgentes (Mazzaferro, 2001; Fossum, 2002; Fowler, 2003 (2); Monnet, 2003). 28 Quadro 4. Protocolo de emergência para stress respiratório agudo (Bowden & Masters, 2003) Colocação de tubo endotraqueal Garantir se a via aérea é patente o que pode requerer: Colocação de tubo traqueostomia Sucção para remover secreções Máscara facial (pode haver luta) Aumentar o oxigénio presente no Tubo naso-esofágico ambiente usando: Tubo endotraqueal (em pacientes anestesiados ou inconscientes) Garantir se a função pulmonar é adequada para manter o animal, por exemplo, repouso em jaula forçado para reduzir demandas respiratórias Dependendo da etiologia da Drenar fluído da cavidade torácica disfunção respiratória pode ser necessário: Providenciar ventilação manual se a respiração falhar Diuréticos para edema pulmonar Terapia de drogas pode envolver o uso de: Mucolíticos para liquidificar as secreções Broncodilatadores 2.1.3.5. TRATAMENTO CIRÚRGICO A cirurgia é o tratamento indicado para animais com parálise laríngea confirmada. A cirurgia laríngea está direcionada em remover ou repor as cartilagens laríngeas que obstroem a “rima glottidis”. Os quatro procedimentos cirúrgicos atualmente reconhecidos, usados para corrigir a parálise laríngea, são a lateralização unilateral ou bilateral das cartilagens aritenóides, a cordectomia ventricular e aritenoidectomia parcial por laringotomia de abordagem ventral ou oral, 29 a fissura laríngea acastelada, e a traqueostomia permanente. A reinervação dos músculos laríngeos é uma possibilidade adicional em casos selecionados de lesão do nervo laríngeo recorrente. A técnica escolhida é determinada pelo tamanho do animal, severidade da obstrução, e a preferência do cirurgião. A lateralização da cartilagem aritenóide é atualmente o tratamento cirúrgico mais comum pois parece aumentar a função respiratória em aproximadamente 90% dos pacientes com parálise laríngea bilateral (Mazzaferro, 2001; Monnet, 2003). Uma traqueostomia profilática temporária é aconselhada como primeiro passo numa laringectomia e procedimentos em degrau. Tem várias vantagens: o ar consegue contornar a região obstruída, a anestesia gasosa é administrada pelo tubo de traqueostomia, o cirurgião tem mais espaço oral para trabalhar, e a aspiração de sangue é reduzida. Este procedimento também minimiza o fluxo de ar através da área cirúrgica, diminuindo a hipótese de edema laríngeo pós-operatório. A maior desvantagem do tubo de traqueostomia é o aborrecido cuidado pós-operatório necessário para mantê-lo patente (Monnet, 2003). As complicações comuns após cirurgia de tratamento a esta condição são pneumonia por aspiração, hemorragia, colapso faríngeo, febre e granuloma ou formação de tecido cicatrizante (Mazzaferro, 2001). No quadro 5 estão protocolos anestésicos selecionados para usar em animais que vão para este tipo de cirurgias. Juntamente ao protocolo anestésico devem-se dar antibióticos profiláticos, pois o trato respiratório possui uma flora bacteriana normal. Um exemplo de um antibiótico peri-operatório é a cefazolina, dada 20 mg/kg IV na indução, e a dose é repetida duas vezes com 4 a 6 horas de intervalo (Fossum, 2002). 30 Quadro 5. Protocolos anestésicos (Fossum, 2002) Diazepam (0.2 mg/kg dados IV) seguido Para animais dispneicos Pré-Medicação e imediatamente de Indução tiopental (10-12 mg/kg IV) ou propofol (4-6 não arrítmicos mg/kg IV) para efeito. Manutenção Isoflurano, halotano, ou sevoflurano Diazepam (0.2 mg/kg Para animais muito Pré-Medicação e IV) seguida de Indução etomidato (1-3 mg/kg IV) doentes ou arrítmicos Manutenção a) Isoflurano, halotano, ou sevoflurano Lateralização da cartilagem aritenóide Este procedimento tem sido usado com grande sucesso no tratamento da parálise laríngea. A lateralização aritenóide tem sido realizada bilateralmente e unilateralmente. A lateralização unilateral é suficiente para reduzir os sinais clínicos da parálise da laringe, e é executada através de uma incisão ventral ou lateral. A lateralização bilateral é executada através de uma incisão ventral na linha média (Monnet, 2003). O animal é colocado em decúbito lateral para uma lateralização unilateral, e é feita uma incisão na pele, sobre a laringe, precisamente ventral ao sulco jugular. O músculo esterno-hioideo é retraído ventralmente para expor o aspeto lateral da tiroide e das cartilagens cricoides. A laringe é rodada para expor o músculo tirofaríngeo, o qual é cortado transversalmente na extremidade dorso-caudal da cartilagem tiróidea. Os nervos vago e laríngeo recorrente e as artérias carótida e tiroide cranial são localizadas e identificadas para evitar lesão. A asa da cartilagem tiroidea é retraída lateralmente, e a junção cricotiróidea pode ser cortada. A incisão 31 na junção cricotiróidea dá uma melhor exposição, mas nem sempre é necessária. O seu corte transversal pode reduzir o diâmetro da “rima glottidis” depois da abdução aritenóide. O músculo cricoaritenóide dorsal ou o tecido fibroso esquerdo é dissecado e cortado transversalmente. A articulação cricoaritenóide é separada no sentido caudal-cranial com tesouras Metzenbaum. A banda sesamoide ligada dorsalmente às cartilagens aritenóides é deixada intacta. A separação dorsal da aritenóide resulta e cria distorção da “rima glottidis”. A cartilagem aritenóide desarticulada é unida apenas às cordas vocais, dobra aritenoepiglótica, e mucosa laríngea. É evitada a invasão pela mucosa laríngea (Fossum, 2002; Monnet, 2003). A cartilagem aritenóide é suturada à parte caudo-dorsal da cartilagem cricóide. Isto providencia uma via aérea laríngea adequada com apenas uma ligação unilateral. A colocação da sutura na parte caudo-dorsal da cricóide dá uma posição fisiológica à sutura, isto é, fica numa posição semelhante aquando a inspiração. Uma sutura 2-0 não absorvível é colocada num padrão de colchão horizontal desde o processo muscular da cartilagem aritenóide à extremidade caudo-dorsal da cartilagem cricóide e unida para manter a aritenóide em posição. Um simples padrão de sutura interrompido também pode ser usado (Fossum, 2002; Monnet, 2003; Holt & Brockman, 2004). Uma variação do procedimento consiste em colocar sutura sem cortar transversalmente o músculo cricoaritenóide dorsal e a articulação cricoaritenóide. É colocada uma sutura não absorvível desde a cartilagem cricóide ao processo muscular da cartilagem aritenóide como uma prótese (Monnet, 2003). Uma cartilagem aritenóide mineralizada pode desfazer-se se uma agulha de sutura for forçada através dela; portanto, os buracos são pré-perfurados na cartilagem com uma agulha hipodérmica afiada de 18G antes de a sutura ser passada. Mesmo com pré-perfuração, a cartilagem pode partir durante a operação, ou mais tarde. A Figura 6 mostra a técnica de lateralização da aritenóide (Monnet, 2003). 32 Figura 6. Lateralização da aritenóide, com exposição cervical lateral da laringe (A), separação das cartilagens (B), e colocação de sutura (C) (Fossum, 1999) Um assistente deve estar disponível para observar per os o tamanho atingido na abertura laríngea para garantir que foi obtida a abdução adequada das cartilagens laríngeas. Uma abdução excessiva pode levar à aspiração de comida ou líquidos. A ferida é fechada suturando o músculo tirofaríngeo e encerrando o tecido subcutâneo e pele como rotina (Monnet, 2003). No pós-operatório, após o tubo endotraqueal ter sido retirado, a laringe deve ser examinada para verificar a lateralização da aritenóide. O esforço e taxa respiratórios devem ser analisados frequentemente, bem como a temperatura. As complicações associadas à lateralização laríngea incluem pneumonia por aspiração, tosse persistente agravada depois de beber, seroma, rutura da sutura, e fragmentação da cartilagem aritenóide. A rutura da sutura ou fragmentação da cartilagem induzem a recorrência dos sinais clínicos iniciais. É então realizada a lateralização do outro lado. Se o procedimento tiver sido realizado bilateralmente, uma laringectomia parcial necessita ser efetuada. A formação de seroma é comum e é autolimitada. A incidência de pneumonia por aspiração é mais comum em lateralização laríngea bilateral que na unilateral. Num estudo, 42% dos cães com 33 lateralização bilateral experienciaram um episódio de pneumonia por aspiração. Comida e água são retirados após cirurgia, durante 24 horas. Duas ou três bolas de carne são dadas a comer 24 horas após cirurgia debaixo de supervisão. Se o animal conseguir aguentar as bolas de carne sem aspirar, devem ser dados cubos de gelo e depois água. É vigiado de perto nas duas semanas seguintes. O animal estará em risco de aspiração o resto da sua vida após cirurgia (Payne, Martin, & Rigg, 1990; Mazzaferro, 2001; Monnet, 2003; Holt & Brockman, 2004). Aquando em casa, o animal deve estar de atividade restrita entre 2 a 4 semanas, com caminhadas curtas e uso de peitoral em vez de trela. As suturas são removidas 7 a 10 dias após cirurgia (Holt & Brockman, 2004). b) Laringectomia parcial por abordagem oral A laringectomia parcial para tratamento da parálise laríngea envolve remover uma ou ambas cordas vocais e resseção unilateral ou bilateral dos processos vocal e corniculado da cartilagem aritenóide. Dificuldade na deglutição ou aspiração não têm sido problemas. O procedimento é relativamente fácil de realizar e é eficaz em cães de tamanho médio a grandes. Uma traqueostomia profilática é realizada mesmo antes do animal ser posicionado para laringectomia parcial. Com o animal em posição esternal, a cabeça é suspensa pela maxila, a mandíbula é mantida aberta por um abre-bocas ou por fita agarrada à mesa, e a língua é estendida. A “rima glottidis” é observada enquanto o palato mole é elevado e a base da língua é deprimida com retratores maleáveis (Monnet, 2003). O procedimento cirúrgico é inicialmente limitado a um lado da laringe. Ressecção unilateral das cordais vocais, do lado mais afetado, e dos processos vocal e corniculado da cartilagem aritenóide normalmente providencia uma abertura de via aérea adequada. Também minimiza o tecido cicatrizante forte a atravessar a glote e reduz a aspiração. O processo cuneiforme da aritenóide e as dobras aritenoepiglóticas são preservados. O lado oposto pode ser ressecado depois do tratamento estar completo e houver evidência de uma via aérea inadequada (Monnet, 2003). Pinças mosquito longas (20 a 25 cm), tesouras Metzenbaum, um bisturi de cabo Bard-Parker número 3, e pinças de 30 a 35cm para biópsia de músculo ou do mesmo género, são instrumentos cirúrgicos úteis. O processo corniculado é preso e 34 retraído medialmente com as pinças de biópsia, e o bisturi de cabo longo, de lâmina número 11, é usado para excisar o processo corniculado num arco suave. A dobra aritenoepiglótica e o processo cuneiforme são deixados intactos. O processo vocal é removido com a pinça de biópsia. Toda a corda vocal e músculo vocal são removidos o mais próximo possível da cartilagem cricóide com a tesoura Metzenbaum e pinça de biópsia. Os restos de tecido mole e cartilagem são removidos para providenciar uma superfície suave. Se ambas cordas vocais forem removidas, as comissuras ventral e dorsal da glote, onde as cordas vocais se encontram ventralmente e as cartilagens aritenóides se juntam dorsalmente, são preservadas para minimizar o tecido cicatrizante forte que atravessa a “rima glottidis”. Não é recomendada a ressecção bilateral. A Figura 7 demonstra a técnica (Monnet, 2003). Figura 7. Laringectomia parcial por abordagem oral, em que se usa uma tesoura grande para dividir a apófise corniculada e a metade proximal e base da apófise cuneiforme (A), e remover a prega, apófise e músculo vocais com tesouras de biópsia ou de Metzenbaum (Fossum, 1999) O objetivo é fazer ressecção suficiente de tecido para providenciar uma via aérea funcional sem afetar significativamente a função laríngea. O tamanho da via aérea criado é equivalente à abdução das cordas vocais e das cartilagens aritenóides em cães normais sob anestesia leve. A ressecção de demasiado tecido resulta num fecho defeituoso da laringe e aspiração (Monnet, 2003). 35 O uso do electrocautério para ressecção de estruturas laríngeas e para controlo de hemorragia é evitado para reduzir o edema pós-operatório e a formação de tecido de granulação. O sangramento pode ser facilmente controlado por pressão direta com gaze esponjosa, com epinefrina 1:10.000 tópica. A sutura da mucosa não é exequível (Monnet, 2003). As complicações após laringectomia parcial por abordagem oral são a pneumonia por aspiração, tosse persistente, aumento do estridor respiratório, intolerância ao exercício, e dificuldade em arrefecer após exercício. Uma incidência de complicações de 50% foi referida neste procedimento, sendo a pneumonia por aspiração referida em 13% dos casos. A formação de tecido sob a glote e entre as cordas vocais é a consequência maior nesta abordagem. Se houver uma atenção especial para preservar as comissuras dorsal e ventral, esta formação de tecido pode ser reduzida em 14% dos casos. Pode ser dada prednisolona (0.25 a 1mg/kg por peso corporal nos primeiros 3 dias e diminuída durante 2 semanas) para reduzir a formação de tecido cicatrizante. Estudos revelaram que os corticosteroides diminuem a inflamação e o edema mas não afetam significativamente a formação de tecido de cicatrização e de granulação. A mitomicina C apresenta-se como uma promessa na redução de cicatriz e na estenose da laringe. A formação de cicatriz ao longo da laringe pode ser uma ameaça de vida em casos extremos. O aparecimento de tecido na laringe requere uma segunda cirurgia na maioria dos casos para abrir a via aérea. É exigida uma laringectomia ventral para expor o tecido cicatrizado para a sua ressecção cirúrgica. A mucosa é fechada para prevenir formação de tecido cicatrizante (Holt & Harvey, 1994 (1); Holt & Harvey, 1994 (2); Monnet, 2003). c) Laringectomia parcial por abordagem ventral Esta abordagem permite uma melhor exposição para o procedimento em pequenos cães. O animal é posicionado em decúbito dorsal, e a cabeça é estendida e presa à mesa de operação. Uma incisão ventral na linha média da pele é feita sobre a laringe. Os músculos esterno-hióideos subjacentes são separados e retraídos lateralmente com afastadores de Gelpi. A membrana cricotiróidea e a cartilagem tiróidea são cortadas na linha média, e as extremidades são retidas com pequenas pinças de Gelpi para expor as cartilagens aritenóides e as cordas vocais. A mucosa é cortada sobre os processos corniculado, cuneiforme e vocal de uma cartilagem aritenóide para facilitar a sua remoção bem como a remoção de todas as 36 cordas vocais. Qualquer mucosa redundante é excisada, e o defeito da mucosa é suturado para reduzir a produção de tecido de granulação e aumentar o tamanho da via aérea sarada. A corda vocal oposta e seu processo podem ser removidos e o defeito da mucosa ser suturado. Os encerramentos das mucosas são feitos com suturas 5-0 ou 6-0 absorvíveis num padrão contínuo. A incisão da cartilagem tiróidea é suturada com suturas interrompidas não absorvíveis que não penetram no lúmen laríngeo para prevenir que passe por cima das extremidades das cartilagens. O tecido subcutâneo e pele são fechados (Monnet, 2003). A abordagem ventral oferece melhor exposição das estruturas endolaríngeas e um maior espaço operatório que a abordagem oral. O tamanho da via aérea funcional criado é mais difícil de apreciar a menos que a via aérea seja observada per os. Formam-se variadas quantidades de tecido cicatrizante em qualquer defeito da mucosa não suturado (Monnet, 2003). d) Laringofissura em degrau modificada A laringofissura em degrau implica uma incisão gradual ou em degrau feita através da cartilagem tiróidea. É necessário que um tubo de traqueostomia seja colocado antes da cirurgia. O paciente é posto em decúbito dorsal, e uma abordagem ventral à laringe é realizada (Monnet, 2003). A cartilagem tiroidea é medida e dividida em três segmentos. O segmento do meio é a base para a aba central quadrada. O cautério pode ser usado para marcar a linha em degrau na parte ventral da cartilagem tiróidea. A tiroide é cortada ao longo da linha com uma lâmina número 11. A membrana cricotiróidea é também incisada. Ambas cordais vocais são removidas, e a mucosa laríngea é suturada. A aba central é mantida com material de sutura não absorvível. Este material não penetra a mucosa. O encerramento da mucosa laríngea não é concluído sobre o defeito. O encerramento do tecido subcutâneo e pele são realizados (Monnet, 2003). Este procedimento é associado a sangramento severo pós-operatório e a edema que requerem uma traqueostomia temporária por 2 ou 3 dias. Abre a “rima glottidis” tanto quanto a lateralização aritenóide bilateral o faz. No entanto, a lateralização bilateral parece ser superior a esta técnica ao reduzir a resistência da via aérea depois da cirurgia (Monnet, 2003). 37 e) Reinervação dos músculos laríngeos A reinervação do músculo cricotiróideo dorsal tem sido proposta como uma técnica de tratamento de parálise laríngea em cães. A maioria dos cães com sinais clínicos de parálise laríngea têm envolvimento de ambos nervos laríngeos recorrentes e podem necessitar de uma traqueostomia para providenciar uma via aérea adequada até a reinervação ocorrer. A seleção do nervo para reinervação do músculo abdutor é baseada no comprimento do segmento distal do nervo laríngeo recorrente disponível para atingir o nervo frénico ou o ramo motor da cervical 1 (C1). Se o segmento distal é pequeno, o ramo da C1 é a única opção porque a anastomose tem de ser feita na região cervical média e o nervo frénico não é longo o suficiente para ser atingido. Se ambos nervos laríngeos recorrentes foram lesionados, apenas um dos nervos frénicos é usado para preservar uma função forte do diafragma, e o lado contra lateral é inervado com o ramo motor da C1 (Monnet, 2003). f) Traqueostomia permanente A traqueostomia permanente é também uma opção cirúrgica. Esta técnica contorna a via aérea superior sem induzir qualquer modificação no tamanho da “rima glottidis”. É, por isso, mais valiosa para cães em risco elevado de pneumonia por aspiração. A traqueostomia permanente requer atenção e manutenção por parte dos donos (Monnet, 2003). 2.1.3.6. PROGNÓSTICO Em resumo, o prognóstico dos pacientes com parálise laríngea depende em parte à causa subjacente; também à existência ou não de pneumonia por aspiração, anormalidades da motilidade faríngea e esofágica ou condromalacia laríngea; e da técnica cirúrgica aplicada. Para a maior parte dos cães com causa idiopática não complicada, o prognóstico para corrigir os sinais clínicos é bom, sendo que 90% dos cães tratados com lateralização aritenóide unilateral têm um bom e longo percurso clínico. Se existirem problemas motores simultâneos na faringe ou no esófago, ou ambos, são factíveis as alterações da pneumonia por aspiração. A condromalacia da laringe reconhece-se pela perda marcada da rigidez normal das cartilagens, que é necessária para suportar os tecidos moles laríngeos e associa-se a um prognóstico 38 grave. Os cães com parálise laríngea como manifestação inicial de polimiopatia ou polineuropatia generalizada podem ter progressão sintomática, e portanto também um prognóstico reservado (Nelson & Couto, 2000; Fossum, 2002; Holt & Brockman, 2004). 39 2.2. APARELHO CARDIOVASCULAR 2.2.1. ANATOMIA O conhecimento da anatomia do coração é extremamente importante para o sucesso de uma cirurgia cardíaca. Danos numa artéria coronária, num folheto de uma válvula, ou no sistema de condução podem fazer a diferença entre uma cirurgia bem sucedida e uma falha (Monnet, 2003). O coração é um órgão muscular que contrai ritmicamente, bombeando o sangue através de vasos sanguíneos e pelo corpo. É dividido em quatro câmaras por um septo e válvulas cardíacas. A musculatura e o sistema de condução são conjuntamente chamados de miocárdio. O coração é em forma de cone e encontrase ligeiramente à esquerda da linha média. Fica oblíquo no tórax, com o qual a sua porção anexa ou base está posicionada acima e mais cranialmente em relação à sua porção livre ou ápex, a qual encontra-se perto do esterno a um nível da superfície caudal da sexta costela. Uma pequena área triangular da superfície dorso-caudal do ápice cardíaco encontra-se adjacente ao diafragma. A circunferência remanescente é coberta amplamente pelos pulmões, junto ao esterno e às costelas. A impressão cardíaca está entre os quarto e quinto espaços intercostais do lado direito onde o coração não está coberto pelo pulmão (Monnet, 2003; Aspinall & O’Reilly, 2004; Eldredge D. et al., 2007). A porção caudo-dorsal do coração contém o átrio e ventrículo esquerdos, recebendo o sangue das veias pulmonares, e bombeando o sangue para a circulação sistémica. A porção crânio-ventral contém o átrio e ventrículo direitos, a qual recebe o sangue da veia cava, enviando o sangue para a circulação pulmonar. Os apêndices atriais esquerdo e direito estão localizados em cada lado da aorta ascendente e artéria pulmonar (Monnet, 2003; Aspinall & O'Reilly, 2004). O sulco coronário marca a separação dos átrios e ventrículos na superfície do coração, não estando presente na parte crânio-ventral do coração. Os sulcos interventriculares são indefinidos na superfície do miocárdio de pequenos animais. O sulco interventricular paraconal atravessa obliquamente sobre a superfície crânioventral do coração. O sulco interventricular subsinusoidal atravessa o coração caudodorsalmente e marca a separação dos ventrículos na superfície caudo-dorsal do órgão (Monnet, 2003). 40 2.2.1.1. RELAÇÃO COM O CORAÇÃO O coração está compreendido num saco de dupla camada, o pericárdio. Este é dividido numa parte fibrosa exterior e numa parte serosa interior. O pericárdio fibroso consiste num saco fino que reveste a maioria do coração. A superfície externa deste pericárdio fibroso é envolvida pela pleura mediastínica pericárdica, a qual se torna ligamento esterno-pericárdico no ápice cardíaco. A base continua em grandes artérias e veias que deixam e entram no coração. O pericárdio fibroso combina-se com a adventícia do arco aórtico ao nível da artéria braquicefálica e da artéria pulmonar principal próxima à bifurcação da artéria pulmonar. Insere-se ao nível do ligamento arterial, permitindo desta forma que se alcance um ducto arterioso persistente sem abrir o saco pericárdico. Liga-se ao átrio esquerdo ao nível das veias pulmonares no lado esquerdo e dorsal ao septo interatrial do lado direito. O pericárdio seroso forma um revestimento contínuo do coração e uma superfície interna ao pericárdio fibroso. A camada parietal é uma camada de células mesoteliais contínuas fundidas à parte fibrosa. A camada visceral reveste o coração e forma o epicárdio. A cavidade pericárdica é o espaço entre as camadas visceral e parietal do pericárdio seroso (Monnet, 2003; Aspinall & O'Reilly, 2004). O mediastino é um espaço extrapleural dentro da cavidade torácica, contínuo com o espaço retroperitoneal através do hiato aórtico e dos planos fasciais profundos da musculatura do pescoço. Este cerca o coração, aorta, traqueia, esófago, timo, vago e outros nervos, e vasos que saem ou entram do coração. A cavidade mediastínica cranial é cranial ao coração, a do meio contém o coração, e a cavidade caudal está atrás do coração (Monnet, 2003). Em cães novos, o timo está em contacto com uma grande porção da superfície cranial do pericárdio. O timo regride e o seu contacto com o pericárdio diminui com a idade (Monnet, 2003). Os vagos esquerdo e direito passam sobre a base do coração. Os nervos frénicos esquerdo e direito atravessam mais ventralmente ao pericárdio. O nervo laríngeo recorrente esquerdo deixa o nervo vago esquerdo caudal ao ligamento arterial. O nervo laríngeo recorrente direito deixa o nervo vago direito ao nível do gânglio cervical medial e passa dorsalmente à volta da artéria subclávia direita (Monnet, 2003). 41 2.2.1.2. ESQUELETO FIBROSO DO CORAÇÃO O esqueleto fibroso do coração é composto por tecido fibroso e alguma cartilagem. Forma uma armação estrutural no órgão e também separa as massas musculares atriais e ventriculares. A comunicação elétrica entre os átrios e ventrículos é limitada aos caminhos condutores especializados. A base fibrosa consiste num anel estreito que rodeia cada artéria grande. A área entre os dois anéis atrioventriculares e o anel aórtico é bem desenvolvida e é chamada de trígono fibroso direito (Monnet, 2003). 2.2.1.3. CÂMARAS CARDÍACAS O átrio direito recebe o sangue venoso da circulação sistémica e coronária. O sangue sistémico entra através da veia cava craneal ou caudal, enquanto o sangue coronário é devolvido pelo seio coronário, o qual entra no átrio pelo lado esquerdo. O tubérculo intervenoso, uma crista transversal na parede dorsal do átrio direito entre as aberturas da veia cava, direciona o sangue venoso para o ventrículo direito. Caudal a esta estrutura está a “fossa ovalis”, uma depressão tipo fenda no septo atrial. O apêndice atrial direito é um apêndice cego que deixa a superfície cranial do átrio direito e estende-se ventralmente. As paredes da estrutura contêm ramificações de bandas musculares entrelaçadas que têm origem numa crista semilunar ou “crista terminalis”. Esta crista separa o anel atrioventricular da veia cava cranial e também a câmara atrial principal da aurícula direita (Monnet, 2003). O átrio esquerdo consiste numa câmara principal e numa aurícula esquerda. Esta aurícula encontra-se caudal à artéria pulmonar e cobre a porção proximal do sulco interventricular paraconal. Os dois átrios estão separados pelo septo atrial. As veias pulmonares abrem-se na parte dorsal do átrio esquerdo. Os lobos do pulmão direito drenam craniodorsalmente, e os lobos do pulmão esquerdo caudodorsalmente (Monnet, 2003). A figura 8 mostra o coração em posição lateral esquerda e direita respetivamente. 42 Figura 8. Coração em posição lateral esquerda e direita (Evans & Christensen, 1979) O ventrículo direito encontra-se cranial e ventral ao ventrículo esquerdo. Por funcionar num sistema de baixa pressão, a parede do ventrículo direito é mais fina que a do esquerdo. A entrada para o ventrículo direito é marcada pela válvula atrioventricular direita. O sangue deixa o ventrículo direito passando pela válvula pulmonar. Dentro do ventrículo direito, a crista supraventricular separa o cone 43 arterial e a válvula atrioventricular direita. Os músculos papilares dão origem às cordas tendinosas. Embora a variação seja comum, normalmente existem três músculos papilares principais no ventrículo direito. As cordas tendinosas surgem dos ápices dos músculos papilares e unem-se às válvulas atrioventriculares cúspides, prevenindo o prolapso dos folhetos valvulares. Este ventrículo tem múltiplas cristas trabeculares que se estendem desde a base ao ápice. Uma parte muscular, conhecida como “trabecula septomarginalis”, atravessa o lúmen desde o septo à parede do ventrículo direito. Esta estrutura, formalmente chamada de banda moderadora, transporta as fibras Purkinje do ramo de feixes direito à parede livre do ventrículo direito (Monnet, 2003). O ventrículo esquerdo é cónico, e por funcionar como uma bomba sistémica, tem uma parede muscular mais grossa que a do ventrículo direito. O ventrículo esquerdo normalmente tem dois músculos papilares grandes originados na parede livre do ventrículo esquerdo. A válvula atrioventricular esquerda e a válvula aórtica controlam o fluxo para dentro e fora da câmara ventricular esquerda (Monnet, 2003). A septação dos ventrículos durante o desenvolvimento embriológico começa com o septo muscular crescendo em direção à almofada atrioventricular. Esta forma as válvulas atrioventriculares e funde com os septos atrial e ventricular. A junção do septo ventricular e da almofada atrioventricular forma um septo membranoso. O septo interventricular completo é composto pela pequena porção membranosa dorsal e uma porção muscular ventral mais extensa. A porção membranosa encontra-se debaixo da cúspide septal da válvula atrioventricular direita. A figura 9 mostra o ventrículo direito e esquerdo respetivamente (Monnet, 2003). 44 Figura 9. Dissecação do ventrículo direito, em posição ventral, e do ventrículo esquerdo, em posição lateral (Evans & Christensen, 1979) 45 2.2.1.4. VÁLVULAS CARDÍACAS As quatro válvulas cardíacas ligam-se ao esqueleto fibroso com anéis fibrosos numa disposição anatómica especifica relativamente uns aos outros. Durante a diástole, as válvulas pulmonar e aórtica fecham para prevenir regurgitação para dentro dos ventrículos enquanto as válvulas atrioventriculares abrem. Durante a sístole, as válvulas atrioventriculares fecham enquanto as válvulas pulmonar e aórtica abrem para permitir a ejeção ventricular de sangue (Monnet, 2003; Aspinall & O'Reilly, 2004). A válvula mitral encontra-se entre o átrio e ventrículo esquerdos. A válvula está ligada ao esqueleto fibroso por um anel fibroso. A válvula mitral consiste em dois folhetos, um septal e outro parietal. O folheto septal está perto do sistema de condução e das válvulas cúspides aórtica direita e esquerda. O folheto parietal ligase à parede livre ventricular ao nível do sulco atrioventricular e é mais extensa que o folheto septal (Monnet, 2003; Aspinall & O'Reilly, 2004). A válvula tricúspide consiste num folheto septal que se une ao septo, num folheto parietal cranial que por sua vez liga-se à parede livre, e um folheto parietal caudal ou angular que se liga à parede ventricular direita livre (Monnet, 2003; Aspinall & O'Reilly, 2004). A válvula aórtica está caudal à válvula pulmonar e é composta por três cúspides semilunares – direita, esquerda e septal. Os folhetos consistem num esqueleto fibroso revestido por endotélio. A margem livre de cada cúspide tem a forma de uma lua crescente. O centro de cada folheto é um nódulo que contribui para o encerramento das cúspides durante a diástole. A aorta dilata atrás de cada cúspide para formar três seios aórticos. As artérias coronárias direita e esquerda têm origem nos seios aórticos direito e esquerdo, respetivamente. O sistema de condução entra no septo ventricular entre os seios coronários direito e esquerdo (Monnet, 2003; Aspinall & O'Reilly, 2004). A válvula pulmonar está cranial e é semelhante na estrutura à válvula aórtica. Contudo, não tem um seio atrás de cada folheto. A artéria pulmonar não dilata à volta das válvulas pulmonares (Monnet, 2003; Aspinall & O'Reilly, 2004). A figura 10 mostra as válvulas cardíacas. 46 Figura 10. Válvulas cardíacas (Halstead, s/data) 2.2.1.5. SISTEMA DE CONDUÇÃO O sistema de condução não pode ser identificado sem técnicas especiais de coloração. É composto por três partes principais: o nódulo sinoatrial, o nódulo atrioventricular, e fascículo atrioventricular e ramos fasciculares (Monnet, 2003). O nódulo sinoatrial está localizado na “crista terminallis”, na junção da veia cava craneal, seio da veia cava, e orifício auricular direito. Recebe o seu fornecimento sanguíneo da artéria sinoatrial, a qual ramifica diretamente da artéria coronária direita. O nódulo sinoatrial serve como o pacemaker principal do coração. Recebe um abastecimento nervoso parassimpático e simpático forte (Monnet, 2003). O nódulo atrioventricular está no septo interatrial dentro dos limites do triângulo de Koch. O seu suplemento de sangue provém da artéria atrioventricular nodal, a qual ramifica-se do circunflexo esquerdo da artéria coronária. Ele atrasa a condução do impulso entre os átrios e ventrículos (Monnet, 2003). O fascículo atrioventricular percorre o nódulo atrioventricular cranial e ventral no septo interatrial através da base fibrosa do coração. Entra no septo interventricular entre a cúspide aórtica direita e esquerda. O fasciculo divide-se em ramificação fascicular esquerda e direita. A ramificação encontra-se debaixo do endocárdio da parede septal ventricular. O fasciculo direito viaja na trabécula septo- 47 marginal e arboriza na parede ventricular direita livre. A ramificação fascicular esquerda é mais difusa (Monnet, 2003). 2.2.1.6. a) VASOS CORONÁRIOS Artérias coronárias O abastecimento sanguíneo do miocárdio é providenciado pelas artérias direita e esquerda. A artéria coronária esquerda é um vaso curto que se divide em ramos circunflexo, interventricular paraconal, e ocasionalmente septal (Monnet, 2003). O ramo circunflexo encontra-se no sulco coronário e passa para a esquerda através da superfície caudo-dorsal do coração e depois vira em direção ao ápice do coração, onde se torna ramo interventricular subsinusoidal. Ramificações da artéria circunflexa fornecem ambos átrios e ventrículos e são conhecidas como ramificações marginais (Monnet, 2003). A ramificação interventricular paraconal corre ventralmente sob o coração no sulco interventricular paraconal em direção ao ápice. As ramificações desta artéria abastecem ambos ventrículos, mas as ramificações ventriculares esquerdas são normalmente mais numerosas. As ramificações da artéria coronária paraconal são conhecidas como artérias diagonais e são numeradas da base ao ápice. A artéria septal normalmente surge do ramo interventricular paraconal mas pode surgir como um ramo direto da artéria coronária esquerda. Ela guarnece de sangue a maioria do septo interventricular (Monnet, 2003). A artéria coronária direita corre para a direita no sulco coronário para criar uma artéria circunflexa. É inicialmente limitada pela artéria pulmonar e pelo cone arterial. A aurícula direita cobre-a dorsalmente. A artéria marginal direita é o maior ramo do ventrículo direito e abastece o meio da parede ventricular direita. Um ramo atrial maior que os outros ramos atriais abastece o nódulo sinoatrial (Monnet, 2003). b) Veias coronárias O sangue venoso coronário do coração retorna primariamente pelo seio coronário para dentro do átrio direito. O seio coronário é a terminação da grande veia coronária. Esta veia coronária tem origem perto do ápice e corre dorsalmente no sulco interventricular paraconal. Ela recolhe numerosas veias dos ventrículos e 48 átrios e completa o percurso no sulco coronário. No seio coronário, a veia dorsal do átrio esquerdo entra na grande veia coronária. A veia cardíaca medial ascende ao sulco interventricular subsinusoidal e esvazia dentro do seio coronário (Monnet, 2003). As veias cardíacas direitas retornam o sangue ao ventrículo direito. Elas juntam-se a outras veias cardíacas ou drenam diretamente para o átrio direito. Estas pequenas veias cardíacas, chamadas de veias de Thebesius, são canais microscópicos que entram em todas as câmaras cardíacas mas predominam no átrio e ventrículo direitos (Monnet, 2003). 2.2.1.7. a) GRANDES VASOS Aorta O sangue arterial que flui para os órgãos sistémicos tem origem na aorta. A aorta ascendente tem origem na base fibrosa do coração e vira dorsocaudalmente e para a esquerda como arco aórtico e aorta descendente. O primeiro grande ramo a sair do arco aórtico é a artéria braquicefálica, a qual termina nas artérias carótidas e subclávia direita comuns. O segundo maior ramo do arco aórtico é a artéria subclávia esquerda. O restante do arco aórtico continua como aorta descendente até terminar nos ramos ilíacos (Monnet, 2003). A artéria pulmonar e os seus ramos carregam sangue não oxigenado para os pulmões. A artéria surge do anel fibroso pulmonar e divide-se em artérias pulmonar direita e esquerda. A artéria pulmonar corre em contacto próximo com a superfície cranial da aorta, enquanto os vasos curvam em espiral e atravessam-se uns nos outros. Por esta razão, o isolamento quer da artéria pulmonar quer da aorta requer dissecação cuidada para separar o vaso desejado. O ligamento arterial surge antes da bifurcação da artéria pulmonar e passa ao longo da aorta. A artéria pulmonar direita deixa a artéria pulmonar em ângulos direitos e encontra-se a atravessar a base do coração entre as veias cavas. O primeiro ramo entra no lobo pulmonar cranial direito, e o restante do vaso divide-se para abastecer os outros lobos do pulmão direito. A artéria pulmonar esquerda é ligeiramente mais pequena em diâmetro que a direita. Divide-se em dois ou mais ramos. Os ramos mais pequenos entram na porção cranial do lobo cranial, e o ramo maior subdivide-se para abastecer o restante do lobo esquerdo do pulmão (Monnet, 2003). 49 O retorno venoso ao coração é feito pelas veias cava cranial e caudal. Ambos vasos encontram-se à direita do tecido mediastínico e entram no átrio direito. A veia ázigos é o último ramo a entrar na veia cava cranial. Essa veia tem origem dorsalmente no abdómen e recolhe as veias intercostais dorsais de cada lado (Monnet, 2003). As veias pulmonares retornam o sangue oxigenado ao átrio esquerdo. As veias de cada lobo do pulmão normalmente retêm a sua estrutura separada todo o caminho até ao coração (Monnet, 2003). b) Nervos e Inervação Os ramos simpáticos e parassimpáticos do sistema nervoso autónomo providenciam a inervação para o coração. O sistema nervoso autónomo influencia a frequência do coração, a taxa de transmissão de impulsos, e a força de contração. Os nervos cardíacos simpáticos surgem dos gânglios cervical medial e radial. A inervação parassimpática surge dos nervos vagos, os quais correm em direção ao coração no mediastino dorsal. O nervo vago direito dá fibras primariamente ao nódulo atrioventricular. Os átrios recebem fibras parassimpáticas também, mas a inervação parassimpática aos ventrículos é mínima. Efeitos parassimpáticos são mediados por acetilcolina e resultam na diminuição da frequência cardíaca e condução de impulsos mais lenta através do nódulo atrioventricular. As fibras simpáticas são distribuídas por ambos átrios e ventrículos. Efeitos simpáticos são mediados por norepinefrina e produzem um aumento na frequência cardíaca, frequência da transmissão de impulsos, e força de contração (Monnet, 2003). 2.2.2. FISIOLOGIA Sangue não oxigenado que retorna de todo o corpo é transportado até ao lado direito do coração pelas veias maiores, a veia cava cranial e veia cava caudal. O sangue entra no átrio direito, o qual, quando cheio, contrai e força o sangue para dentro do ventrículo direito, via válvula atrioventricular direita. Quando o ventrículo direito está cheio contrai e bombeia o sangue para fora do coração, para a artéria pulmonar, via válvula pulmonar. O sangue está agora dentro da circulação pulmonar. Dentro dos tecidos pulmonares o dióxido de carbono difunde do sangue dos capilares para os alvéolos dos pulmões. Depois deixa o corpo no ar expirado. O 50 oxigénio difunde do ar inspirado dentro dos alvéolos para dentro do sangue nos capilares pulmonares. Estes eventualmente juntam-se para formar as veias pulmonares as quais transportam o sangue oxigenado para o átrio esquerdo do coração. Este contrai quando cheio, forçando o sangue através da válvula atrioventricular esquerda para dentro do ventrículo esquerdo. Quando o ventrículo esquerdo está cheio contrai e bombeia o sangue para dentro da artéria principal do corpo, a aorta, via válvula aórtica. O sangue está agora na circulação sistémica e viaja pelo corpo nas artérias. Passa através de artérias de tamanho progressivamente mais pequeno até atingir os capilares da pele, músculos, cérebro e órgãos internos. O oxigénio é dado aos tecidos e o dióxido de carbono é colhido dos mesmos, ficando o sangue não oxigenado. O sangue é transportado de volta através de veias de diâmetro progressivamente maior, até atingir as veias cava cranial e caudal. Começa assim um novo ciclo, como demonstra a figura 11 (Aspinall & O’Reilly, 2004; Eldredge D., 2007). Figura 11. Circulação pulmonar a azul e circulação sistémica a vermelho (Aspinall & O'Reilly, 2004) 51 É importante notar que ambos átrios contraem ao mesmo tempo, seguidos pelos ventrículos. O ciclo cardíaco consiste na contração e relaxamento dos dois ventrículos. Dentro do ciclo cardíaco, o período de contração é chamado de sístole e o período de relaxamento chamado de diástole. A figura 12 mostra a circulação sanguínea dentro do coração (Aspinall & O'Reilly, 2004). Figura 12. Circulação sanguínea dentro do coração (National Heart Lung and Blood Institute, 2011) 2.2.3. AVALIAÇÃO CLÍNICA Um bom historial e exame físico são inestimáveis em fazer um diagnóstico de doença cardíaca e a ajudar a diferenciar doença cardíaca de doença pulmonar. Também ajudam a ditar a extensão do problema, quão bem o animal está a responder à terapia anterior, se o dono é capaz de medicar o animal continuamente, e se outros problemas médicos estão presentes (Gompf, 2008). Animais jovens normalmente apresentam doenças congénitas, enquanto que quando mais velhos normalmente apresentam-se com doenças adquiridas, como doenças degenerativas ou neoplasias. Também existe alguma preferência racial (Gompf, 2008). 52 A anamnese deve incluir diversas questões chave, estando no anexo B alguns exemplos. Queixas comuns para doença cardíaca incluem dispneia ou taquipneia, tosse, intolerância ao exercício, sincope, edema abdominal, cianose, anorexia ou diminuição do apetite, e crescimento fraco. Outros sintomas que podem ser associados a doença cardiovascular podem ser polidipsia ou poliúria, comuns em animais com diuréticos ou que têm uma doença concorrente, onde a oligúria ocorre com falha severa do coração esquerdo. Drogas cardíacas como a digitalis, quinidina, e procaínamida podem causar vómitos e diarreia. (Gompf, 2008). 2.2.3.1. a) SINAIS ESPECÍFICOS: CARDÍACOS VS RESPIRATÓRIOS Tosse A tosse é a queixa mais comum em cães com doença cardíaca significativa. É uma expiração forçada, súbita, e é o mecanismo normal de defesa para limpar detritos da árvore traqueobrônquica. Pode ter origem em várias áreas diferentes como a faringe, traqueia, brônquios, bronquíolos, pleura, pericárdio, e diafragma (Gompf, 2008). Uma tosse cardíaca pode ser difícil de distinguir de uma tosse respiratória. Cães com edema pulmonar têm frequentemente um início de tosse agudo que progride rapidamente para uma tosse severa e dispneia. Estas tosses são normalmente suaves. Cães com doença cardíaca crónica normalmente têm tosses intermitentes e moderadas. Também podem ter dispneia, tosse, e inquietação noturnas. As suas tosses tendem a ser ásperas. Cães que tossem depois de beber podem ter doença cardíaca, colapso traqueal, traqueíte crónica, traqueobronquite, problemas laríngeos, ou outras causas de disfagia. Cães que tossem sem um fator incitante podem ter doença cardíaca, respiratória ou extrapulmonar. Cães que tossem depois de comer têm disfagia faríngea, megaesófago, anomalias no anel vascular, tumores esofágicos, corpos estranhos no esófago (Gompf, 2008). b) Dispneia Dispneia é uma respiração dolorosa, difícil ou trabalhosa. Normalmente é precedida por taquipneia, um aumento da frequência de respiração, a qual os donos podem deixar passar. É uma boa ideia ter o dono de um paciente cardíaco a aprender a contar a frequência respiratória do seu animal quando em descanso. A 53 frequência respiratória deve ser menos que 30 num cão em descanso, indo até 50 num cão com taquipneia (Gompf, 2008). A causa cardíaca mais comum para dispneia num cão é falha cardíaca esquerda causando edema pulmonar (Gompf, 2008). A dispneia pode ser acompanhada em pacientes cardíacos por estridor, o qual é um som respiratório áspero e muito alto. Além disso a dispneia pode ser acompanhada por asma, a qual é mais comum em doenças respiratórias que cardíacas. Dispneia aguda é normalmente causada por edema pulmonar, pneumonia severa, obstrução aérea, pneumotórax, ou embolismo pulmonar. Dispneia progressiva, crónica, é causada por falha cardíaca direita com ascite e/ou efusão pleural, doenças pericárdicas, doença brônquica, doenças pulmonares como enfisema, efusão pleural, anemia progressiva, e neoplasia pulmonar primária ou secundária. Dispneia em descanso ocorre com pneumotórax, embolismo pulmonar, e falha cardíaca esquerda ou direita severa. Dispneia esforçada ocorre depois ou durante atividade e pode estar associada com doenças do coração, como cardiomiopatia dilatada, quando o animal vai para falha cardíaca. Pode estar também associada com doença pulmonar obstrutiva, crónica. Dispneia expiratória é prolongada e de expiração forçada, e é devido a doença ou obstrução do trato respiratório inferior. Dispneia inspiratória é prolongada e de inspiração forçada e é devido a obstrução no trato respiratório superior. Dispneia mista é devido a edema pulmonar severo causado por falha cardíaca esquerda ou pneumonia severa. Ortopneia significa que a dispneia ocorre quando o animal encontra-se deitado mas não quando em estação. É associado com edema pulmonar severo, enfisema pleural, efusão pericárdica, pneumotórax, hérnia diafragmática, e problemas respiratórios severos. Dispneia paroxística significa que a dispneia vai e vem. Pode ser associada com arritmias que causam quer bradicardia ou taquicardia. Dispneia simples ou polipneia é um aumento da frequência respiratória devido a febre, medo, dor ou excitação (Gompf, 2008). c) Hemoptise Hemoptise é tossir com sangue. É incomum em animais, como normalmente eles engolem a sua saliva. Causas cardíacas de hemoptise incluem edema pulmonar severo, por exemplo, rutura das cordas tendinosas e dirofilariose severa, normalmente com embolismo pulmonar (Gompf, 2008). 54 d) Síncope Síncope é uma perda de consciência devido a fluxo sanguíneo cerebral inadequado. Pode ocorrer mais que uma vez e é normalmente breve. Pode ser difícil de diferenciar de desmaios. Os animais normalmente caem de repente, levantam-se rapidamente, e estão normais antes e depois do episódio de síncope (Gompf, 2008). Num cão com outros problemas cardíacos, a síncope pode ser associada a bradicardia severa, ou com taquicardias contínuas marcadas, as quais são normalmente paroxísticas. Cães com estenose subaórtica severa, estenose pulmonar, hipertensão pulmonar, ou tetralogia de Fallot podem ter arritmias associadas com a sua hipertrofia ventricular e hipoxia miocárdica. Animais com saída cardíaca pobre devido a cardiomiopatia dilatada podem ter síncopes, especialmente se eles também tiverem arritmias como fibrilação atrial ou batimentos ventriculares prematuros. Vasodilatadores, especialmente dilatadores arteriais, podem resultar em hipertensão sistémica, a qual causa sincope (Gompf, 2008). e) Fraqueza ou intolerância ao exercício Como a maioria dos animais não exercita de forma puxada, a fraqueza e intolerância ao exercício são queixas incomuns. Alguns donos pensam que o seu animal está a diminuir o ritmo devido à idade e não devido a doença cardíaca ou outro problema. Ambas queixas podem ser sinais iniciais de falha cardíaca descompensatória, como o coração não consegue bombear sangue suficiente para os músculos devido a disfunção miocárdica por exemplo (Gompf, 2008). f) Ascite Ascite é uma acumulação de líquido no abdómen. Ascites causadas por problemas cardíacos devem-se ao coração direito estar incapaz de bombear o sangue presente nele, como na endocardiose, ou por causa de doença pericárdica, na qual o sangue não consegue chegar ao coração direito. Em qualquer caso o sangue acumula-se no fígado e baço e causa congestão e aumento da pressão venosa. Eventualmente o fluido extravasa para fora da cápsula do fígado causando ascite. Grandes quantidades de líquido vão criar pressão no diafragma, resultando 55 em taquipneia ou dispneia. Ascite associada com falha do coração direito é normalmente um transudado modificado e acumula lentamente (Gompf, 2008). g) Cianose Cianose consiste nas membranas mucosas da língua, gengivas, olhos, ouvidos e por aí diante, tingidas de azul, e é associada geralmente a defeitos cardíacos congénitos de desvio (shunt) da direita para a esquerda. Ocasionalmente é visto em falha cardíaca esquerda ou em regurgitação severas. É raramente vista com produção anormal de hemoglobina (Gompf, 2008). h) Perda de Peso A perda de peso ocorre em cães com falha cardíaca direita crónica severa, como por exemplo, regurgitação da tricúspide grave ou cardiomiopatia dilatada (Gompf, 2008). Caquexia cardíaca consiste na perda total de gordura corporal e massa corporal magra, especialmente músculo-esquelético, apesar da presença de apetite normal e terapia adequada para a doença cardíaca subjacente. Pode ser uma perda rápida da condição corporal em alguns cães com cardiomiopatia dilatada (Gompf, 2008). A perda de peso é associada a ascite, pois cães com ascite podem ter um desconforto moderado devido ao líquido, tornando-os mais relutantes em comer. A perda de peso pode também estar associada a mal absorção dos nutrientes por parte dos intestinos (Gompf, 2008). 2.2.3.2. a) EXAME FÍSICO Observação Um animal que se recusa a deitar pode ter edema pulmonar severo, efusão pleural, efusão pericárdica, pneumotórax, hérnia diagramática. Se estiver em estação, com os cotovelos dobrados e a cabeça estendida bem como a respiração de boca aberta com narinas dilatadas, tem doença respiratória severa e necessita de terapia imediata (Gompf, 2008). A frequência e ritmo das respirações podem ajudar a determinar o problema subjacente. Taquipneia e arquejo são normalmente devidos a excitação, contudo, 56 dispneia expiratória comummente indica doença no trato respiratório inferior, e dispneia inspiratória indica doença no trato superior. A natureza e tipo de tosse são úteis se esta ocorrer durante o exame físico. A presença de temperatura elevada pode ser vista como doença infeciosa ou endocardite bacteriana subaguda (Gompf, 2008). A presença de edema ventral pode dar ao clinico uma ideia da fonte do problema do animal. Se o edema está presente apenas no pescoço, cabeça, e membros anteriores, normalmente indica uma obstrução da veia cava cranial ou presença de massa mediastínica. Se estiver ao longo do corpo, uma efusão pleural com ou sem ascite está presente (Gompf, 2008). b) Cabeça Na cabeça verificar se há alguma assimetria ou edema. Os olhos devem ser examinados para alterações que possam indicar doenças sistémicas, como por exemplo hemorragias retinais que podem também ocorrer com policitémia e endocardite bacteriana. As orelhas não têm alterações significativas associadas com o sistema cardiovascular, no entanto a cianose pode ser por vezes reconhecida ao avaliar a cor do ouvido externo. Esta ocorre devido a hipoventilação ou pobre difusão nos alvéolos. Examinar o nariz para sinais de doença e/ou obstrução (Gompf, 2008). Na boca, a cor e perfusão da membrana mucosa devem ser vistas. O tempo de perfusão maior que dois segundos sugere diminuição da saída cardíaca; no entanto, a maioria dos animais com falha cardíaca congestiva têm a cor da membrana mucosa normal até a falha cardíaca ser severa, sendo assim, a cor e perfusão da membrana, maneiras insensíveis de avaliar a circulação adequada. Membranas mucosas hiperémicas podem indicar um aumento do hematócrito, o qual pode ser secundário a um shunt vascular crónico da direita para a esquerda. Se as membranas estiverem pálidas indicam anemia ou pobre perfusão. As membranas da boca devem ser comparadas com membranas posteriores. Ver a cavidade oral também para tártaro dental severo, gengivite, ou piorreia, as quais servem como fontes de sépsis levando a bacterémia e possivelmente endocardite (Gompf, 2008). 57 c) Pescoço O pulso jugular deve ser avaliado enquanto o animal está em estação com a sua cabeça na posição normal. Qualquer pulso que vá um terço acima do pescoço é anormal e ocorre em casos de falha cardíaca direita devido à regurgitação da tricúspide ou cardiomiopatia dilatada, pois o ventrículo direito contrai e o sangue flui de volta para o átrio direito e segue para as veias jugulares devido a uma válvula tricúspide insuficiente. Estes pulsos anormais também ocorrem com estenose e hipertensão pulmonares, quando o átrio direito contrai contra um ventrículo direito hipertrofiado de tal forma que apenas algum do sangue entra no ventrículo e o resto volta para as veias jugulares (Gompf, 2008). Com a dirofilariose, os pulsos jugulares anormais ocorrem por haver um ventrículo direito hipertrofiado e rígido e também uma regurgitação da tricúspide. As massas mediastínicas, como o linfossarcoma, podem comprimir a veia cava craneal causando uma veia jugular distendida; contudo, também normalmente causam efusão pleural e edema da cabeça e pescoço. Toda a veia jugular pode ser distendida indicando um aumento da pressão venosa sistémica devido a falha cardíaca direita, doença pericárdica, ou obstrução da veia cava craneal (Gompf, 2008). Arritmias, como o bloqueio cardíaco de segundo ou terceiro graus e batimentos prematuros, causam pulsos anormais devido à sequência da ativação atrial e ventricular ser interrompida de tal forma que o átrio contrai contra uma válvula tricúspide fechada enviando o sangue de volta para as veias jugulares (Gompf, 2008). Pulsos arteriais conseguem imitar pulsos jugulares; contudo, quando uma ligeira pressão é aplicada sobre a área do pulso jugular, o pulso arterial vai continuar, enquanto que o pulso jugular pára (Gompf, 2008). O refluxo hepatojugular consiste numa distensão das veias jugulares, que ocorre quando o abdómen é comprimido por 10 a 30 segundos. É causado por um aumento do retorno sanguíneo ao coração direito proveniente do abdómen. Contudo, o coração direito não está normal e não consegue aguentar o retorno venoso elevado, então o sangue na veia cava cranial não consegue entrar no coração e as veias jugulares tornam-se estendidas. Este refluxo está presente em falhas cardíacas direita e esquerda e indica um volume sanguíneo aumentado no 58 sistema venoso periférico devido à incapacidade do coração de circular o sangue de forma apropriada (Gompf, 2008). d) Palpação traqueal A traqueia deve ser palpada para anormalidades como colapso, massas, ou sensibilidade aumentada. Este passo é melhor ser adiado até depois da auscultação do tórax, porque pode iniciar uma tosse que torna a auscultação difícil. Os linfonodos dever ser palpados para ver se estão aumentados (Gompf, 2008). e) Palpação Torácica O batimento do ápice é onde o impulso cardíaco é sentido mais fortemente na parede torácica. Deve ser do lado esquerdo do tórax entre os quarto e sexto espaços intercostais. Este batimento pode ser pouco firme devido a dilatação cardíaca, massas que mudam o coração de lugar, lobos pulmonares colapsados permitindo a movimentação do coração, hérnias diafragmáticas, ou deitados em decúbito lateral direito de tal forma que o coração cai para a direita (Gompf, 2008). Uma diminuição na intensidade do batimento cardíaco ou dos sons cardíacos pode ser devida a obesidade, efusão pleural ou pericárdica, massas torácicas, pneumotórax, enfisema, hérnias diafragmáticas, ou diminuição da contratilidade ventricular esquerda com consequente diminuição da saída cárdica. Pode haver um aumento da intensidade do batimento do ápice ou sons cardíacos em animais magros, jovens, ou animais com frequências cardíacas aumentadas ou com estados hiperdinâmicos como anemia, hipertiroidismo, ou febre (Gompf, 2008). O coração por vezes parece estar a bater na parede torácica, mas não o está realmente; a aparência é devido a um aumento da tensão da parede cardíaca com a parede torácica por razão indeterminada. Murmúrios cardíacos muito altos podem ser tateados como vibrações, as quais são devido a oscilações do fluido sanguíneo. Uma vibração está sempre localizada onde o murmúrio é mais alto (Gompf, 2008). f) Palpação abdominal A palpação abdominal é feita para verificar a presença de ascite. O clinico deve ser capaz de pôr uma mão de um lado do abdómen e a outra mão no outro 59 lado, e depois bater no abdómen. Se uma onda de líquido é sentida pela mão do lado oposto do abdómen, então está na presença de ascite. Verificar também sinais de hepatomegália e esplenomegália. A presença de ascite, esplenomegália e hepatomegália, normalmente indica falha cardíaca direita devido a cardiomiopatia dilatada, regurgitação da tricúspide, dirofilariose, doença pericárdica, ou obstrução da veia cava posterior (Gompf, 2008). Palpar para quaisquer massas e os rins para falha renal crónica que pode levar a hipertensão sistémica que consequentemente afeta o coração (Gompf, 2008). g) Pulso femoral Ambos pulsos devem ser sentidos com o cão em estação, e devem ser comparados um com o outro pois um pode estar obstruído. Oclusão parcial ou completa dos pulsos, de tal forma que eles não conseguem ser sentidos, é normalmente devido a tromboembolismo. Em cães isto ocorre em casos de endocardite bacteriana das válvulas mitral e aórtica, hipoadrenocorticismo (Gompf, 2008). A frequência do pulso femoral deve ser anotada. Frequências normais em cães adultos são de 70 a 180 bpm (batimentos por minuto), já em cachorros podem ter uma frequência até 220 bpm. O ritmo também deve ser apontado. Deve haver um pulso para cada batimento cardíaco. Déficits normalmente indicam enchimento ventricular incompleto, como nas arritmias (Gompf, 2008). A pressão do pulso arterial consiste na diferença entre a pressão arterial sistólica e a pressão diastólica. A qualidade do pulso pode normalmente variar dependendo da conformação do animal, idade, hidratação, frequência e função cardíacas, e nível de excitação ou atividade (Gompf, 2008). A intensidade do pulso deve ser palpada. Pulsos normais são fortes e têm uma frequência rápida de ascensão e queda. Pulsos hipocinéticos ou fracos devemse à diminuição da saída cardíaca. Pulsos hipercinéticos ou fortes ascendem e caem rapidamente devendo-se um volume sistólico ventricular esquerdo grande com desvio diastólico rápido. Medo, febre, bradicardia severa, toxicidade na tiróide, e anemia podem também produzir este tipo de pulso (Gompf, 2008). Os pulsos podem ser abruptos ou irregulares com a regurgitação da mitral ou defeito do septo ventricular, com um grande volume de sangue a ser ejetado 60 numa sístole prematura. Revezamento de pulsos ocorre quando o pulso é alternadamente fraco e depois forte em pacientes com ritmo sinusoidal normal. É frequentemente associado a falha miocárdica severa. Os pulsos sentem-se erráticos quando o animal tem fibrilação atrial (Gompf, 2008). Pulso bigeminado ocorre quando um pulso fraco alterna com um pulso forte. É associado a arritmias como bigeminismo ventricular onde um batimento cardíaco normal alterna com um batimento ventricular prematuro. O pulso fraco ocorre porque o batimento prematuro leva aos ventrículos a contraírem antes de estarem adequadamente cheios, sendo um volume sanguíneo mais pequeno que o normal ejetado pelo ventrículo esquerdo, causando esse pulso fraco. A diferença entre pulsos normais e anormais pode ser acentuada devido aos ventrículos estarem mais tempo a encher em batimentos normais de tal forma que pulsos normais são mais fortes (Gompf, 2008). Pulsos paradoxos são uma alternação da força do pulso durante a respiração devido a alterações no enchimento ventricular. Há um aumento na força do pulso na expiração e uma diminuição do mesmo na inspiração em animais normais, contudo, esta alteração é ampliada e fácil de sentir quando um tamponamento cardíaco está presente (Gompf, 2008). h) Percussão A percussão pode ser usada para determinar a presença de massas ou limites de líquido, especialmente no tórax. Vai-se obter um som timpânico, ou híperressonante, sobre os pulmões e um som maciço ou hipo-ressonante sobre estruturas sólidas. Se uma área, sobretudo dorsalmente, no tórax, soa híperressonante, então pode estar presente um pneumotórax. Se uma área, sobretudo ventralmente, soa hipo-ressonante, então pode estar presente efusão pleural (Gompf, 2008). i) Auscultação Esta é a parte mais útil na examinação cardíaca; deve ser feita de forma cuidada e sistemática. O animal deve estar em estação de tal forma para que o coração esteja na posição normal. Isto evita o problema de murmúrios posicionais causados pelo coração a friccionar contra a parede torácica, como quando o animal 61 está deitado. Artefactos ouvidos comummente incluem murmúrios e ruídos respiratórios, roncos devido a tremores e contração, e sons de movimento como crepitações devido à fricção do pelo. Sons estranhos vão ocorrer se a auscultação não for realizada na área correta. Deve-se auscultar o coração e pulmões separadamente e escutar o tórax inteiro de ambos lados, como mostra a figura 13 (Gompf, 2008). Figura 13. Áreas de auscultação: M de área da válvula mitral, A da área da aórtica, P da pulmonar, e T da válvula tricúspide (Gomph, 1988) A área da válvula pulmonar é do lado esquerdo. No cão, é entre o segundo e quarto espaço intercostal mesmo acima do esterno. A área da válvula aórtica também é do lado esquerdo. Encontra-se ao nível do quarto espaço intercostal mesmo acima da junção costocondral. Em cães pequenos, pode ser impossível de distinguir as áreas das válvulas aórtica e pulmonar, por isso são referidas como base do coração esquerdo (Gompf, 2008). A área da válvula mitral é igualmente do lado esquerdo. No cão, é ao nível do quinto espaço intercostal na junção costocondral. Em pequenos cães, esta área pode ser referida como ápice do coração esquerdo. A área da válvula tricúspide é do 62 lado direito. Está entre o terceiro e quarto espaço intercostal perto da junção costocondral (Gompf, 2008). Em áreas nas quais os murmúrios são muito altos, como o batimento do ápice, e áreas onde são radiadas devem ser verificadas. Isto pode ajudar a identificar o problema do coração. Áreas alternadas de auscultação incluem a entrada torácica para verificar radiação do murmúrio de estenose subaórtica, e da área axilar esquerda para murmúrios de ducto arterioso persistente (Gompf, 2008). Sons cardíacos normais Os sons cardíacos devem-se à abrupta aceleração ou desaceleração do sangue e das vibrações do coração e vasos. O primeiro som cardíaco (S1) é devido ao encerramento passivo das válvulas mitral e tricúspide resultando numa aceleração e desaceleração repentina do sangue. S1 é mais longo, audível, rígido, e de baixa frequência comparado com o segundo som cardíaco. É mais audível sobre as áreas da mitral e tricúspide, e em animais magros, novos, e aqueles com frequência simpática elevada, por exemplo, por medo, taquicardia, hipertensão sistémica, anemia ou regurgitação da mitral. A intensidade do S1 diminui devido a obesidade, efusão pleural ou pericárdica, massa torácica, hérnia diafragmática, bradicardia, enfisema, choque e enchimento insuficiente dos ventrículos; varia de intensidade com arritmias. A divisão do S1 deve-se ao encerramento assíncrono das válvulas mitral e tricúspide. Pode dividir-se normalmente em cães de raça grande ou anormalmente com bloqueio das ramificações dos fascículos, batimentos prematuros ventriculares ou atriais, ritmo cardíaco, ou estenose da válvula mitral ou tricúspide (Gompf, 2008). O segundo som cardíaco (S2) é produzido pelo encerramento passivo das válvulas aórtica e pulmonar. É pequeno, frequência elevada, e agudo. É mais audível nas áreas pulmonar e aórtica. Uma divisão do S2 deve-se ao encerramento da válvula pulmonar depois da válvula aórtica. Isto ocorre em casos de hipertensão pulmonar, bloqueio das ramificações do fascículo direito, batimentos ventriculares prematuros originados no ventrículo esquerdo, defeito no septo atrial, estenose pulmonar e mitral. A divisão paradoxal do S2 ocorre pelo encerramento atrasado da válvula aorta. Isto resulta num bloqueio da ramificação do fascículo esquerdo, batimentos prematuros originados no ventrículo direito, estenose subaórtica, hipertensão sistémica severa, e falha ventricular esquerda. O S2 pode estar ausente 63 em arritmias quando há um incompleto preenchimento dos ventrículos e pressão insuficiente para abrir as válvulas semilunares (Gompf, 2008). Sons cardíacos anormais O terceiro som cardíaco (S3) deve-se ao rápido preenchimento ventricular e não é audível em cães normais. É de frequência baixa comparado com o S2. É ouvido melhor na área da válvula mitral e ocorre durante a diástole depois do segundo som cardíaco. Um S3 em cães indica ventrículos dilatados, os quais comummente ocorrem com cardiomiopatia dilatada, mitral descompensada ou regurgitação da tricúspide, grande defeito do septo atrial ou ventricular, e ducto arterioso persistente grave (Gompf, 2008). Um quarto som cardíaco (S4) deve-se à contração atrial num ventrículo já completamente estendido ou rígido em cães. Ouve-se melhor sobre a área das válvulas aórtica ou pulmonar mas às vezes pode ser ouvido sobre a área da válvula mitral também. Ocorre em diástole mesmo antes do primeiro som cardíaco. Um S4 está presente em cães quando os átrios dilatam em resposta à disfunção diastólica ventricular, como uma cardiomiopatia hipertrófica, bloqueio cardíaco de terceiro grau, ou rutura de cordas tendinosas (Gompf, 2008). Um ritmo galopante é um S3, S4, ou combinação dos dois. Estes ritmos são de baixa frequência e podem ser difíceis de ouvir. Um galope pode ser um sinal muito prematuro de falha cardíaca, anterior a outros sinais clínicos (Gompf, 2008). Os ruídos sistólicos são curtos, de frequência média a alta, barulhos ruidosos que ocorrem em sístole entre S1 e S2. Normalmente são mais audíveis sobre as áreas da mitral e tricúspide. Um ruído sistólico pode ir e vir e pode mudar a sua posição em sístole, ficando mais próximo ou mais afastado de S2; pode também mudar a sua intensidade, e ser difícil de diferenciar de um galope, especialmente se a frequência cardíaca do animal é rápida. A causa precisa do ruído é desconhecida, mas pode ser devido a prolapso da válvula mitral em cães com regurgitação mitral prematura pois muitos desses animais desenvolvem um murmúrio relativamente a essa deformação mais tarde na vida. Este é um achado inicial e normalmente não associado a falha cardíaca (Gompf, 2008). Os sons de ejeção são sons de alta frequência gerados em sístole inicial devido a hipertensão, dilatação de grandes vasos, ou abertura anormal de válvulas semilunares como numa estenose da válvula pulmonar (Gompf, 2008). 64 Arritmias ouvidas em auscultação Arritmias que aumentam a frequência cardíaca, designadas de taquicardias, incluem tanto arritmias atriais como ventriculares (Gompf, 2008). Animais com fibrilação atrial têm um ritmo rápido, irregular, com sons cardíacos que variam em intensidade. Déficits do pulso estão presentes. Foi descrito como sendo irregularmente desigual e raramente é confundido com outras arritmias (Gompf, 2008). Taquicardias ventriculares são normalmente intermitentes e tendem a ser mais regulares que a fibrilação atrial. Déficits de pulso estão também frequentemente presentes. Taquicardias atriais e sinusoidais são rápidas e regulares. Todos os sons cardíacos são de intensidade uniforme mas a taquicardia atrial tende a ser intermitente. Um eletrocardiograma é necessário para distinguir entre taquicardia ventricular, atrial e sinusoidal (Gompf, 2008). Os batimentos prematuros atriais e ventriculares geram sons excecionais que imitam os S3 e S4. É difícil de diferenciar entre os dois tipos de sons prematuros bem como S3 e S4 no exame físico. Ambos batimentos prematuros interrompem o ritmo normal e são normalmente seguidos de uma pausa. Geralmente apenas um S1 é ouvido com um batimento prematuro e o S2 está ausente; contudo, por vezes S1 e S2 podem ser ouvidos muito juntos. Os batimentos prematuros podem causar a divisão de S1 ou S2 (Gompf, 2008). A arritmia sinusoidal tem um padrão cíclico. A frequência cardíaca vai aumentar durante a inspiração e diminuir na expiração levando a alterações no tónus vagal. A intensidade do pulso e sons cardíacos pode variar, sendo normal em cães. Esta arritmia ocorre em frequências cardíacas normais nestes animais e tende a desaparecer quando a frequência cardíaca aumenta (Gompf, 2008). Arritmias que diminuem a frequência cardíaca são chamadas de bradicardias e exemplos incluem tanto a bradicardia sinusoidal como o bloqueio cardíaco. A bradicardia sinusoidal tem um ritmo muito lento e os sons cardíacos podem variar. A frequência cardíaca em cães é entre 50 a 70bpm, dependendo do seu tamanho. O bloqueio cardíaco de segundo ou terceiro grau resulta em frequências cardíacas lentas, e os sons cardíacos variam em intensidade. Um quarto som cardíaco pode estar presente num bloqueio de terceiro grau. Os pulsos vão ser lentos e hipercinéticos, mas não há déficits de pulso, estando normalmente presente 65 um pulso jugular. Um eletrocardiograma é necessário para diagnosticar o tipo de bradicardia presente (Gompf, 2008). Pausas inesperadas podem ocorrer com paragem sinoatrial. A paragem ocorre quando um impulso não deixa o nódulo sinoatrial. A pausa continua até o próximo batimento normal ou quando ocorrer um batimento de escape. O som cardíaco seguido de uma pausa pode ser mais alto que o normal pois os ventrículos tiveram mais tempo para encher e ejetar uma grande quantidade de sangue. Um eletrocardiograma é necessário para diagnosticar uma paragem sinusoidal (Gompf, 2008). Murmúrios Os murmúrios são causados por fluxo sanguíneo turbulento no coração e vasos. A turbulência pode ser originada por interrupções no fluxo sanguíneo através de buracos no coração, como defeito no septo atrial ou ventricular, uma estenose ou insuficiência valvular, uma ligação venosa arterial anormal perto do coração, ou pode ser devido a sangue alterado viscosamente ou a alterações no diâmetro dos vasos sanguíneos (Gompf, 2008). Murmúrios funcionais estão divididos em murmúrios fisiológicos e inocentes. Os murmúrios fisiológicos têm uma causa conhecida como um aumento da saída cardíaca ou diminuição da viscosidade sanguínea e ocorrem com anemia, hipoproteínémia, febre, aumento da pressão sanguínea, gravidez, hipertiroidismo. São murmúrios de alta frequência ocorrendo cedo na fase mesossistólica, e são mais audíveis sobre as áreas pulmonar e aórtica, raramente radiando para outras áreas. OS murmúrios inocentes não têm causa conhecida e não são associados com qualquer problema cardíaco. Estes murmúrios são sistólicos suaves e normalmente só ocorrem em animais jovens. Podem ser localizados sobre qualquer área valvular, mas mais frequentemente sobre as áreas mitral e aórtica. Os murmúrios patológicos são causados por doença cardíaca ou dos vasos subjacentes como estenose das válvulas, regurgitação valvular, desvios intra ou extracardíacos. A audibilidade de um murmúrio não indica a severidade do problema subjacente (Gompf, 2008). Um murmúrio deve ser descrito usando a seguinte classificação. Primeiro, o murmúrio deve ser identificado pelo seu tempo no ciclo cardíaco, isto é, se é sistólico, diastólico, contínuo, além disso, a duração do murmúrio deve também ser 66 anotada. A seguir, o sítio onde o murmúrio é mais audível e para onde é radiado (Gompf, 2008). A intensidade ou audibilidade do murmúrio pode ser avaliada baseando-se na seguinte escala: grau I/VI apenas pode ser audível depois de ouvir por vários minutos e soa como um primeiro som cardíaco longo; grau II/VI é muito suave mas pode ser ouvido imediatamente; grau III/VI é de intensidade baixa a média; grau IV/VI é muito alto, mas não se sente uma vibração no tórax; grau V/VI é muito alto, e uma vibração pode ser sentida no tórax; grau VI/VI pode ser ouvido com ou sem o uso de estetoscópio (Gompf, 2008). A frequência do murmúrio pode ser também descrita. Alguns murmúrios são altos, médios ou baixos, ou um misto. Além disso, eles podem ser musicais, explosivos ou ásperos (Gompf, 2008). 2.2.4. ENDOCARDIOSE A doença valvular atrioventricular degenerativa crónica é a causa mais comum de falha cardíaca em cães. Outros termos para esta condição incluem endocardiose, degeneração valvular mucóide ou mixomatosa, e fibrose valvular crónica. As lesões degenerativas mais frequentes envolvem a válvula mitral; contudo, ambas válvulas atrioventriculares são afetadas em muitos cães. Esta doença é incomum isolada na válvula tricúspide; nas válvulas aórtica e pulmonar é raro (Nelson & Couto, Acquired Valvular and Endocardial Diseases - Degenerative Mitral and Tricuspid Valve Disease, 2000). 2.2.4.1. ETIOLOGIA, PATOLOGIA E FISIOPATOLOGIA A etiologia da endocardiose é desconhecida, mas uma base hereditária é o mais provável. Fatores múltiplos envolvendo a degeneração do colagénio, stress do folheto valvular, e possivelmente função endotelial pensam-se estarem envolvidos. O prolapso da válvula mitral pode ser importante na patogénese da doença, pelo menos em algumas raças. Uma elevada prevalência do mesmo é visto em cães clinicamente normais de algumas raças predispostas, e além disso, o grau de prolapso pode ser associado à severidade da doença (Nelson & Couto, 2000). As alterações patológicas em válvulas de cães afetados desenvolvem-se gradualmente com a idade. Lesões iniciais consistem em pequenos nódulos nos 67 limites livres da válvula; estes tornam-se maiores, placas aglutinadas que distorcem a válvula. Os folhetos da válvula afetada tornam-se assim mais espessos. Eles podem alargar, e o tecido redundante entre as uniões das cordas normalmente prolapsa como em direção ao átrio. A válvula gradualmente começa a escoar porque as extremidades não encerram devidamente. Em casos avançados, ocorrem grandes deformações nos folhetos, ficando espessados e possivelmente encolhidos. As cordas tendinosas também são afetadas, tornando-se mais espessas e fracas. À medida que as lesões progridem, a insuficiência da válvula torna-se clinicamente evidente. As alterações histológicas foram descritas como “degeneração mixomatosa”. O colagénio dentro dos folhetos afetados degenera e pode desintegrar-se, enquanto que mucopolissacarídeos ácidos e outras substâncias acumulam-se dentro das camadas dos folhetos. Isto resulta num espessamento nodular, deformação, e enfraquecimento da válvula e das suas cordas tendinosas (Nelson & Couto, 2000). A regurgitação valvular leva à dilatação do átrio, anel valvular, e ventrículo adjacentes. A doença valvular crónica é também associada com arteriosclerose coronária intraparietal, enfartes miocárdicos intraparietais microscópicos, e fibrose miocárdica focal. A extensão na qual estas alterações causam disfunção miocárdica clinica não é clara; contudo, a contractilidade miocárdica debilitada é observada mais tarde na doença. Cães geriátricos sem doença valvular têm lesões valvulares semelhantes (Nelson & Couto, 2000). As alterações fisiopatológicas referem um volume a sobrecarregar o lado afetado do coração, depois da válvula ou válvulas tornarem-se incapazes. A regurgitação normalmente desenvolve-se de forma lenta, ao longo de meses a anos, e a pressão média atrial esquerda continua bastante baixa a menos que o volume regurgitado aumente bastante repentinamente. Com a degeneração valvular avançada, um volume sanguíneo progressivamente maior move-se ineficazmente entre o ventrículo e o átrio, diminuindo o fluxo que segue para a aorta. Mecanismos compensatórios aumentam o volume sanguíneo para responder às necessidades circulatórias do corpo. Estes incluem aumento da atividade neural simpática, atenuação do tónus vagal, e ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona. A libertação do péptido natriurético atrial pode ajudar a contrariar os efeitos da ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona nos estádios iniciais da doença. Elevadas concentrações desse péptido estão associadas ao alargamento 68 marcado do átrio esquerdo e a severidade da falha congestiva. O ventrículo e átrio afetados dilatam para aceitar o volume regurgitado agora aumentado e o volume requerido para ir em frente; hipertrofia miocárdica desenvolve-se na tentativa de normalizar o aumento do stress na parede (Nelson & Couto, 2000). Estas alterações compensatórias no tamanho do coração e no volume sanguíneo permitem à maioria dos cães permanecer assintomáticos por um período prolongado. Alargamento massivo do átrio esquerdo pode-se desenvolver antes de quaisquer sinais de falha cardíaca. A frequência à qual a regurgitação piora, bem como o grau de distensibilidade atrial e contratilidade ventricular, influenciam o quão bem o animal tolera a doença (Nelson & Couto, 2000). A habilidade dos mecanismos compensatórios de manter a homeostase é eventualmente excedida em muitos cães, levando ao aumento das pressões atriais com ou sem uma diminuição na saída cardíaca seguinte. Aumentos graduais nas pressões atrial, venosa pulmonar e hidrostática capilar estimulam aumentos compensatórios no fluxo linfático pulmonar. Um edema pulmonar evidente desenvolve-se quando a capacidade do sistema linfático pulmonar é excedida; a função vasomotora pulmonar debilitada também tem sido associada com congestão pulmonar; em alguns cães, a insuficiência da tricúspide é severa o suficiente para causar sinais de falha cardíaca congestiva do lado direito; o aumento das pressões vasculares pulmonares secundárias a falha cardíaca crónica do lado esquerdo podem também contribuir para o desenvolvimento da falha cardíaca do lado direito; respostas neuro-hormonais compensatórias levam à expansão do volume sanguíneo e ao aumento do tónus vascular, agravando a congestão e insuficiência valvular (Nelson & Couto, 2000). A função ventricular aparenta ser mantida bastante bem em muitos cães até mais tarde na doença, embora uma falha cardíaca congestiva severa possa ocorrer. Ainda assim, a sobrecarga crónica de volume eventualmente reduz a contratilidade dos miócitos, embora uma atividade simpática elevada possa mascarar isto. Há evidências que os radicais livres de oxigénio possam estar envolvidos na depressão da contratilidade associada com sobrecarga crónica de volume. A contratilidade reduzida agrava a dilatação ventricular e a regurgitação valvular, podendo por isso piorar a falha congestiva. Na clinica, é difícil aceder à contratilidade miocárdica em cães com regurgitação mitral; a estimação ecocardiográfica do volume indicador no fim da sístole pode ser útil. Usando este indicador, parece que a função miocárdica 69 está normal a suavemente deprimida na maioria dos cães com degeneração mitral crónica (Nelson & Couto, 2000). 2.2.4.2. FATORES COMPLICADORES Embora a endocardiose normalmente progrida de forma lenta, certos eventos complicadores podem causar o começo agudo de sinais clínicos em cães com doença prévia compensada (Nelson & Couto, 2000). Rutura das cordas tendinosas repentinamente doentes aumenta o volume regurgitado e pode precipitar um edema pulmonar fulminante dentro de horas em cães previamente compensados ou até mesmo assintomáticos. Sinais de saída cardíaca baixa podem também ser notados. Às vezes, a rutura das cordas é um achado acidental, especialmente se uma corda de segundo ou terceira ordem está envolvida (Nelson & Couto, 2000). Aumento massivo do próprio átrio esquerdo pode comprimir o brônquio principal esquerdo e estimular tosse permanente, mesmo na ausência de falha cardíaca congestiva. Além disso, quando o átrio esquerdo ou direito é esticado para além dos limites elásticos, ocorre espessamento parcial ou completo de dilacerações. A rutura da parede atrial normalmente causa tamponamento cardíaco agudo (Nelson & Couto, 2000). 2.2.4.3. EPIDEMIOLOGIA A prevalência e severidade da doença da válvula atrioventricular degenerativa crónica aumentam com a idade. Evidências clinicas da condição são encontradas mais comummente em raças pequenas a médias na meia-idade e mais velhos. Mais de 30% das raças pequenas de cães mais velhos que 10 anos são afetadas. Uma incidência especial elevada e de começo prematuro desta doença tem sido notada nos Cavalier King Charles Spaniels; nesta raça, a herança pensa-se ser poligenética, com género e idade influenciando a expressão. A prevalência no geral de murmúrios da regurgitação mitral e doença valvular degenerativa é semelhante em machos e fêmeas, mas os machos têm uma progressão mais rápida, severidade maior, e uma alta prevalência de falha congestiva do que as fêmeas (Nelson & Couto, 2000). 70 2.2.4.4. SINAIS CLÍNICOS A doença atrioventricular degenerativa pode causar nenhum sinal clinico em anos, e alguns cães podem nunca desenvolver sinais de falha cardíaca. Nos que aparecem sinais, estes normalmente estão relacionados com uma diminuição da tolerância ao exercício e manifestações de congestão pulmonar e edema. A capacidade de exercício diminuído e tosse ou taquipneia com esforço são queixas iniciais comuns feitas pelo dono. Como a congestão pulmonar e edema intersticial pioram, a frequência respiratória em descanso aumenta. Ocorre tosse durante a noite e na manhã, bem como em atividade. O edema severo resulta em aflição respiratória óbvia, frequentemente com uma tosse húmida. Sinais de edema pulmonar severo podem desenvolver-se gradualmente ou agudamente. Episódios intermitentes de edema pulmonar sintomático intercalados com períodos de falha cardíaca compensada ocorrendo durante meses a anos também são comuns (Nelson & Couto, 2000). Episódios de fraqueza passageira ou colapso agudo podem ocorrer secundários a arritmias ou tosse. Sinais de regurgitação da tricúspide, frequentemente escondidos pelos da doença da mitral, incluem ascite, aflição respiratória resultante de efusão pleural, e, raramente, edema tecidual periférico. Sinais gastrointestinais podem ser acompanhados por congestão esplâncnica (Nelson & Couto, 2000). A regurgitação da mitral é normalmente acompanhada por um murmúrio holossistólico, melhor ouvido na área do ápice esquerdo, entre o quarto a sexto espaço intercostal esquerdo. Contudo, uma regurgitação moderada pode causar um murmúrio ouvido apenas no início da sístole ou ser inaudível. O murmúrio pode radiar em qualquer direção. Exercício e excitação frequentemente aumentam a intensidade dos murmúrios da regurgitação mitral suave. Murmúrios altos têm sido associados com doença mais avançada; mas é importante lembrar que um murmúrio pode ser suave ou mesmo inaudível em cães com regurgitação massiva ou falha cardíaca severa. Ocasionalmente o murmúrio vai soar como um tom musical. Alguns cães têm um ruído mesossistólico a telessistólico audível, com ou sem murmúrio. Um galope S3 pode ser audível no ápice esquerdo em cães com doença avançada. A regurgitação da tricúspide causa um murmúrio semelhante ao da regurgitação da mitral, mas é melhor ouvido no ápice direito. A radiação de um murmúrio mitral para 71 a parede torácica direita pode imitar ou mascarar um murmúrio da tricúspide. Pulsações da veia jugular, vibração precordial sobre o ápice direito, e uma qualidade diferente no murmúrio ouvido sobre a região da tricúspide ajuda a identificar uma insuficiência da mesma (Nelson & Couto, 2000). Sons pulmonares podem ser normais ou anormais. Sons respiratórios normais são ouvidos na ausência de falha cardíaca congestiva ou em cães com edema pulmonar moderado. Sons respiratórios ásperos e acentuados e crepitações no fim da inspiração desenvolvem-se à medida que o edema piora. Alguns cães com regurgitação mitral crónica têm sons pulmonares anormais associados com doença pulmonar ou das vias aéreas subjacente, para além da falha cardíaca. Cães com falha cardíaca congestiva tendem a ter taquicardia sinusoidal, enquanto que aqueles com doença pulmonar crónica frequentemente têm arritmia sinusoidal marcada e frequência cardíaca normal. Uma efusão pleural causa sons pulmonares diminuídos ventralmente (Nelson & Couto, 2000). 2.2.4.5. RADIOGRAFIA Radiografias torácicas tipicamente mostram alguns graus de alargamento ventricular e átrio esquerdos, os quais progridem durante meses a anos, podendo não haver falha cardíaca clínica. A elevação do brônquio principal esquerdo e por vezes direito, ocorre em cães com alargamento do átrio esquerdo severo. Fluoroscopia pode mostrar colapso do brônquio principal que é associado a tosse ou mesmo respiração silenciosa em tais animais. O alargamento variado do coração direito ocorre em animais com regurgitação da tricúspide crónica, mas isto pode ser mascarado por alterações no coração esquerdo e pulmonares resultantes da doença mitral concorrente (Nelson & Couto, 2000). Uma congestão venosa pulmonar e edema intersticial ocorrem no início da falha congestiva do lado esquerdo; edema pulmonar alveolar e intersticial progressivo pode seguir-se. O padrão de distribuição radiográfica num edema pulmonar cardiogénico em cães é classicamente hilar, dorso-caudal, e bilateralmente simétrico. Contudo, uma distribuição assimétrica é vista em alguns cães. A presença e severidade do edema pulmonar não se correlacionam necessariamente com o grau de cardiomegália. Uma regurgitação mitral severa e aguda pode causar edema cardiogénico com alargamento do átrio esquerdo mínimo, enquanto que uma regurgitação que se desenvolve lentamente pode causar alargamento do átrio 72 esquerdo massivo sem evidências de falha congestiva. Sinais iniciais de falha cardíaca do lado direito incluem distensão da veia cava caudal, finas fissuras pleural, e hepatomegália. Efusão pleural evidente e ascite ocorrem com falha avançada (Nelson & Couto, 2000). 2.2.4.6. ELETROCARDIOGRAFIA O eletrocardiograma pode indicar a presença de alargamento atrial esquerdo ou bilateral e dilação ventricular esquerda, embora o traçado deste esteja frequentemente normal. Características típicas de alargamento ventricular direito ocasionalmente são vistas em cães com regurgitação tricúspide severa. Arritmias são comuns em cães com doença avançada, especialmente taquicardia sinusoidal, complexos prematuros supraventriculares, taquicardias supraventriculares continuas ou paroxísticas, e fibrilação atrial. Estas arritmias podem estar associadas a falha congestiva descompensada, fraqueza, ou sincope (Nelson & Couto, 2000). 2.2.4.7. ECOCARDIOGRAFIA A dilatação das câmaras atrial e ventricular secundária à insuficiência da válvula atrioventricular crónica é evidente em ecocardiogramas. Dependendo do grau de volume de sobrecarga, este alargamento pode ser severo. Na presença de regurgitação da mitral, septo e parede ventricular esquerda o movimento é acentuado quando a contratilidade é normal. A dimensão ventricular diastólica é aumentada, mas a dimensão sistólica é normal até o próprio miocárdio começar a falhar. O volume indicador do fim da sístole pode ser útil para aceder à função miocárdica. O espessamento da parede ventricular é tipicamente normal. Alargamento atrial e ventricular direitos é visto em cães com doença severa na tricúspide, na qual o volume de sobrecarga do ventrículo direito possivelmente causa movimento septal paradoxo. Líquido pericárdico é evidente depois de ocorrer dilaceração no átrio esquerdo (Nelson & Couto, 2000). As cúspides da válvula afetada são mais espessas que o normal e podem parecer com protuberâncias. Movimentação exagerada e ecos mitrais espessos são comummente vistos em examinação modo M. O espessamento valvular é normalmente mais evidente no folheto anterior. O espessamento suave é característico da doença degenerativa, enquanto que endocardite bacteriana tende a 73 causar a formação de lesões valvulares vegetativas irregulares e ásperas. Na realidade, contudo, é frequentemente impossível de diferenciar entre espessamento infecioso e degenerativo. Prolapso sistólico ou balonismo de uma porção de um ou ambos folhetos valvulares dentro do átrio é comum em cães com doença valvular atrioventricular degenerativa. Por vezes, uma corda tendinosa ruturada ou uma ponta dum folheto balançam para dentro do átrio durante a sístole. A direção e extensão do fluxo perturbado no átrio podem ser vistos com o fluxo colorido do Doppler (Nelson & Couto, 2000). A informação laboratorial clínica pode ser normal ou pode refletir alterações compatíveis com falha cardíaca congestiva ou doença extracardíaca concorrente. Outras doenças que podem ser confundidas com a doença valvular mitral ou tricúspide degenerativa sintomática incluem colapso traqueal, bronquite crónica, broncoestase, fibrose pulmonar, neoplasia pulmonar, pneumonia, faringite, dirofilariose, cardiomiopatia dilatada, e endocardite bacteriana. A tosse causada pelo colapso da via aérea maior é frequentemente descrita como um “buzinar” (Nelson & Couto, 2000). 2.2.4.8. TRATAMENTO E PROGNÓSTICO Embora procedimentos cirúrgicos como anuloplastia mitral, ou outras técnicas de reparo valvular, e substituição da válvula mitral, estejam disponíveis, a maioria dos casos são tratados medicamente. Os principais objetivos da terapia medicamentosa são controlar sinais de falha cardíaca congestiva, aumentar o seguimento do fluxo sanguíneo, reduzir o volume regurgitado, e modular a ativação neuro-hormonal excessiva que contribui para o processo da doença. Drogas que diminuem o tamanho ventricular esquerdo, como os diuréticos, vasodilatadores, agentes inotrópicos positivos, podem reduzir o volume regurgitado, ao diminuir o tamanho do anel mitral. Vasodilatadores arteriolares aumentam o seguimento da saída cardíaca e reduzem o volume regurgitante ao diminuir a resistência arteriolar sistémica. A compensação clínica pode ser mantida durante meses a anos com terapia adequada em muitos cães com regurgitação mitral avançada, embora uma avaliação frequente e ajustamento de medicação se tornem necessários à medida que a doença progride. Embora sinais congestivos apareçam gradualmente em alguns cães, edema pulmonar severo ou episódios de síncope desenvolvem-se rapidamente em outros. Muitos cães a receber terapia a longo prazo para falha 74 cardíaca têm episódios intermitentes de descompensação que podem ser facilmente manuseados. A terapia deve ser adaptada ao cão como individuo e guiada pelo seu estado clínico, natureza dos fatores complicadores, e o historial medicamentoso do animal. Categorizar animais numa “classe funcional” de falha cardíaca pode ser útil conceptualmente; contudo a progressão clinica da doença de um cão individualmente não segue necessariamente uma sequência ordeira (Nelson & Couto, 2000). a) Regurgitação da válvula atrioventricular assintomática Cães que são assintomáticos (classe funcional I) não requerem terapia com drogas. A educação do dono é importante para que ele ou ela estejam alerta dos sinais iniciais de falha cardíaca. Durante o estádio pré-clínico é sensato fazer uma reeducação do peso para cães obesos, avisar para moderar a restrição ao exercício, e eliminar comidas com elevada quantidade de sal da dieta do animal (Nelson & Couto, 2000). b) Falha cardíaca congestiva suave a moderada Cães com sinais clínicos que ocorrem em resposta ao exercício ou atividade (classes funcionais II e III) são tratados com diversas modalidades. A severidade da falha cardíaca e a natureza de quaisquer fatores complicadores influenciam a agressividade da terapia. Restrição moderada de sal na dieta é recomendada inicialmente. Um inibidor da enzima de conversão de angiotensina é geralmente prescrito para cães com sinais iniciais de falha. Embora esses inibidores não sejam puros agentes vasodilatadores, a sua habilidade em geral em modular a resposta neuro-hormonal à falha cardíaca é vantajosa para uso a longo termo. Terapia com enalapril a longo termo, ou outro inibidor, pode melhorar a tolerância ao exercício, tosse, e esforço respiratório, embora o problema de aumentar a sobrevivência não é claro. Em cães com sinais respiratórios que possam ser causados quer pela falha cardíaca ou uma causa não cardíaca, uma terapia inicial a tentar furosemida é indicada. Um edema pulmonar cardiogénico normalmente responde de forma rápida (Nelson & Couto, 2000). Cães com evidencias radiográficas de edema pulmonar e/ou sinais clínicos mais severos são também tratados com furosemida. Doses mais elevadas e mais 75 frequentes são administradas para tratamento de edema mais severo. Quando os sinais de falha são controlados, a dose e frequência de administração são reduzidas aos níveis eficazes mais baixos para terapia a longo prazo. O uso de furosemida por si só para tratamento a longo termo de falha cardíaca não é aconselhado (Nelson & Couto, 2000). Terapia com digoxina é defendida para tratamento crónico de falha resultante da regurgitação da válvula atrioventricular avançada. Os seus efeitos nos barorreceptores podem ser de maior benefício do que quaisquer efeitos inotrópicos positivos. A digoxina é normalmente dada depois das terapias com inibidores da enzima de conversão de angiotensina e furosemida terem sido iniciadas, especialmente se há um alargamento ventricular esquerdo marcado. Outras indicações para digoxina incluem batimentos prematuros atriais frequentes ou taquicardia, fibrilação atrial, e episódios recorrentes de edema pulmonar apesar do tratamento com furosemida e inibidores. Doses conservativas são dadas, e as concentrações sorológicas são medidas para prevenir toxicidade (Nelson & Couto, 2000). A restrição ao exercício é aplicada até os sinais de falha diminuírem. Contudo, atividade regular suave a moderada pode ser benéfica durante a doença compensada e crónica. Exercício vigoroso é melhor ser evitado. Cães com tosse persistente causada por compressão mecânica nos seus brônquios principais podem requerer terapia antitússica (Nelson & Couto, 2000). c) Falha cardíaca congestiva severa Cães com edema pulmonar severo e encurtamento da respiração em descanso (classe funcional IV) constituem emergências verdadeiras. Tratamento agressivo mas manuseamento gentil é crucial, porque qualquer stress adicional pode levar à morte. Descanso na jaula, terapia suplementar de oxigénio, dose elevada de terapia de furosemida parenteral, e terapia vasodilatadora são indicadas. Hidralazina é recomendada para terapia aguda por causa do seu efeito vasodilatador rápido e direto nas arteríolas, o que aumenta o seguimento de fluxo e diminui a regurgitação. Uma dose reduzida é usada em animais que já estão a receber inibidores. Nitroprussiato intravenosamente pode ser usado em vez de outros vasodilatadores porque produz dilatação venosa e arteriolar; contudo, a pressão sanguínea deve ser monitorizada proximamente para prevenir hipotensão (Nelson & Couto, 2000). 76 A terapia com digoxina pode ser iniciada ou continuada se prescrita anteriormente, uma vez que a dispneia aguda diminui. Uma taquicardia atrial paroxística ou fibrilação atrial podem responder a digoxina. Embora leve vários dias para uma concentração sanguínea terapêutica ser atingida com doses orais de manutenção, a digitalização intravenosa é geralmente evitada a menos que a arritmia pareça ser ameaçadora de vida. Diltiazem ou um bloqueador B podem ser usados em vez da digoxina para controlar taquiarritmias supraventriculares. A função miocárdica é normalmente adequada a estes cães; contudo, se for documentada contratilidade pobre, outros agentes inotrópicos potentes podem ser dados intravenosamente ou usar pimobendan, se disponível (Nelson & Couto, Acquired Valvular and Endocardial Diseases - Degenerative Mitral and Tricuspid Valve Disease, 2000). Uma sedação suave pode ser útil para reduzir a ansiedade. O manuseamento mínimo do animal também ajuda a reduzir o stress. Radiografias torácicas e outros procedimentos de diagnóstico são adiados até a condição respiratória do cão estar mais estável. Os broncodilatadores têm sido usados por possível broncospasmo induzido por edema pulmonar severo; embora a eficácia não seja clara, estes agentes podem ajudar a suportar a função muscular respiratória. Em cães com volume moderado a grande de efusão pleural, a toracocentese é indicada para melhorar a função pulmonar. Ascites severas o suficiente para impedir a respiração devem também ser drenadas. Terapia ocasional para taquiarritmias ventriculares é justificada (Nelson & Couto, 2000). Depois da condição do animal estar estabilizada, as medicações são ajustadas durante vários dias até semanas para determinar o melhor regime para tratamento a longo prazo. Furosemida é dada na dose mais baixa para controlar os sinais de falha cardíaca congestiva. Mudando para um inibidor de enzima de conversão de angiotensina para a terapia em decurso é recomendada a hidralazina ou nitroprussiato, que foi o vasodilatador usado inicialmente. Como os efeitos da administração prévia de hidralazina desvaneceram-se, a primeira dose dada de enalapril ou outro inibidor deve ser metade da dose normal. Como o nitroprussiato tem um efeito curto, administração de enalapril pode começar com a dose base se este vasodilatador foi usado para terapia aguda (Nelson & Couto, 2000). 77 d) Falha cardíaca congestiva refractária crónica Quando uma falha cardíaca congestiva se torna descompensada, a terapia é intensificada ou modificada conforme as necessidades do cão individual. As sugestões seguintes para modificar a terapia estão apresentadas na ordem aproximada de uso. Alguns cães respondem a um aumento da dose de furosemida e descanso por uns dias e depois retornar à dose prévia ou ligeiramente mais elevada. Aumento da frequência de administração de inibidores pode ser eficaz. A digoxina pode ser adicionada se ainda não estiver a ser usada. A restrição de sódio na dieta pode ser intensificada. Se as doses dos inibidores e furosemida já estão no máximo, baixar a hidralazina ou dar amlodipina, mas a pressão sanguínea tem de ser monitorizada. Outro diurético com mecanismo de ação diferente, como a espirolactona ou um produto de combinação como espirolactona/hidroclorotiazida, podem reduzir a severidade do edema pulmonar refractário crónico ou efusões. Taquiarritmias intermitentes podem causar falha congestiva descompensada bem como episódios transitórios de fraqueza ou sincopes. Tosse induzida pela síncope, rutura atrial, ou outras causas de saída cardíaca reduzida podem também ocorrer. Apesar da recorrência periódica de sinais de falha cardíaca congestiva, muitos cães com regurgitação valvular crónica podem ter uma boa qualidade de vida durante vários anos antes dos sinais de primeira falha aparecerem (Nelson & Couto, 2000). 2.2.4.9. MONITORIZAÇÃO DO PACIENTE E REAVALIAÇÃO Educação do cliente em relação ao processo da doença, os sinais clínicos de falha, e as drogas usadas para os controlar é essencial para que terapia a longo prazo seja bem sucedida. Há medida que a doença progride, o reajustamento da medicação é normalmente requerido. A monitorização em casa pelo dono é importante, especialmente porque a descompensação ocorre inesperadamente. Frequências cardíaca e respiratória podem ser vistas quando o cão está sossegado a descansar ou a dormir; um aumento persistente em qualquer um pode sinalizar a existência de descompensação inicial (Nelson & Couto, 2000). É recomendado que cães assintomáticos que não estejam a receber medicação cardíaca sejam reavaliados pelo menos anualmente no contexto do programa de saúde preventiva de rotina. O tempo de reavaliação em cães recebendo medicação para falha cardíaca depende da estabilidade da condição do 78 animal e da natureza de quaisquer fatores complicadores. Cães com diagnóstico recente ou com falha cardíaca descompensada devem ser vistos mais frequentemente, vários dias a uma semana, até a sua condição estar estável. Aqueles com falha cardíaca crónica que parece estar bem controlada podem ser reavaliados menos frequentemente, normalmente várias vezes ao ano. A suplementação de medicação, submissão de administração, drogas e doses dadas, e dieta devem ser revistas com o dono em cada visita (Nelson & Couto, 2000). Um exame físico geral bem como uma examinação cardiovascular cuidada são feitos no tempo de reavaliação. Um eletrocardiograma é indicado se uma arritmia ou frequência cardíaca baixa ou alta é auscultada inesperadamente. A frequência e padrão respiratórios são também vistos; radiografias torácicas são realizadas se sons pulmonares anormais são ouvidos ou se o dono refere tosse, outros sinais respiratórios, ou um aumento da frequência respiratória em descanso. Outras causas de tosse devem ser consideradas se nem edema pulmonar nem congestão venosa são vistas radiograficamente e se a frequência respiratória em descanso não tiver aumentado. Compressão do brônquio esquerdo principal devido a um átrio esquerdo dilatado pode simular uma tosse seca. Supressores da tosse são úteis para isto mas só devem ser prescritos depois de outras causas de tosse terem sido descartadas. Ecocardiografia pode mostrar evidências de rutura das cordas, cardiomegália progressiva, ou função miocárdica agravada. Monitorização frequente das concentrações de eletrólitos sorológicos e função renal é importante. Medições adicionais são recomendadas se sinais consistentes com toxicidade aparecem ou se doença renal ou hipocalémia são suspeitos (Nelson & Couto, 2000). O prognóstico de cães com doença valvular degenerativa que se tornam sintomáticos é bastante variável. Com terapia adequada e manutenção atenta de complicações, alguns cães vivem bem por mais de 4 anos após os primeiros sinais de falha cardíaca aparecerem. Alguns cães morrem durante o episódio inicial de edema pulmonar fulminante. A sobrevivência para a maioria de cães varia entre vários meses a poucos anos (Nelson & Couto, 2000). 79 2.3. HIPERTENSÃO PULMONAR 2.3.1. DEFINIÇÃO E ETIOLOGIA Pressões arteriais pulmonares normais em pequenos animais, medidas por cateterização cardíaca sobre anestesia com pentobarbital, são 25 + ou – 5 mm Hg sistólica, 10 + ou – 3 mm Hg diastólica, e média de 15 + ou – 5 mm Hg. Por definição, hipertensão pulmonar existe quando a pressão sistólica e/ou a pressão arterial pulmonar média estão elevadas acima de 30 e 20 mm Hg, respetivamente. É adicionalmente classificada em primária ou secundária em etiologia. Hipertensão pulmonar primária é um diagnóstico de exclusão pois não há causa conhecida. Hipertensão pulmonar secundária desenvolve-se como uma sequela a condições resultando no impedimento da drenagem venosa pulmonar (normalmente secundária a um aumento da pressão atrial esquerda), excesso de circulação pulmonar, ou aumento da resistência vascular pulmonar (Steele & Henik, 2004; Johnson, 2010) Embora a dirofilariose canina seja considerada a causa mais bem reconhecida de hipertensão pulmonar, um estudo recente em 53 cães com evidências de hipertensão pulmonar revelou que o aumento da pressão venosa pulmonar, secundário a uma doença na válvula mitral, é a condição predisponente mais comum, contando 16 casos de 53. Outras condições notadas neste estudo, em adição à dirofilariose (5 em 53), incluíam tromboembolismo pulmonar (5 em 53), cardiomiopatia dilatada (4 em 53), fibrose pulmonar (3 em 53), e pneumonia (3 em 53). O mesmo estudo reportou 5 cães nos quais o mecanismo fisiopatológico de hipertensão pulmonar não podia ser determinado, tornando a hipertensão pulmonar primária possível nestes animais, embora esta condição ainda não tenha sido caracterizada em medicina veterinária (Steele & Henik, 2004). 2.3.2. FISIOPATOLOGIA Recentes avanços na compreensão da hipertensão pulmonar primária em humanos levantaram uma discussão da sua patogenia suspeita e propuseram fatores de risco. A nível da patogenia nada foi provado, no entanto fatores de risco já foram identificados. Aqueles que podem ser pertinentes para animais pequenos incluem hipertensão sistémica, hipertensão portal, viver em altitudes elevadas, normalmente entre 3000 a 5000m acima do nível do mar. Contudo, a baixa 80 prevalência de hipertensão pulmonar primária na população humana, torna a forma primária da doença improvável de diagnosticar em pacientes veterinários (Steele & Henik, 2004). Uma discussão da fisiologia normal da circulação pulmonar é requerida antes de descrever as anormalidades que contribuem para hipertensão pulmonar secundária. Quando o sangue flui desinibido pelo leito vascular pulmonar, existe resistência mínima e, uma diferença de pressão arteriovenosa pequena, de 2 a 10 mm Hg, move toda a saída cardíaca com esforço mínimo pelo coração direito. Em comparação, uma diferença de pressão de aproximadamente 90 mm Hg é necessária para mover o mesmo volume de sangue através do leito vascular sistémico. Se a saída cardíaca aumenta, resulta um fluxo ampliado através do circuito pulmonar, sendo a resistência vascular pulmonar mantida pelo aumento dos raios dos vasos distensíveis e pelo recrutamento de vasos adicionais. Por isso uma pequena alteração no raio de um vaso pode ter um grande impacto na resistência dentro da circulação pulmonar. Outros fatores que influenciam a resistência vascular em estados normais ou doentes incluem massa total no tecido pulmonar a ser perfundida, obstrução vascular proximal, e compressão extraparietal dos vasos (Steele & Henik, 2004). Três mecanismos principais levam ao desenvolvimento de hipertensão secundária. Primeiro, impedimento da drenagem venosa pulmonar, que normalmente resulta de anormalidades estruturais ou funcionais do lado esquerdo do coração, embora lesões das veias pulmonares possam também obstruir a drenagem. Consequentemente há uma pressão venosa pulmonar elevada contínua, normalmente acima de 25mm Hg, a qual é transmitida de volta para as artérias pulmonares. Ocorre vasoconstrição arterial pulmonar em resposta à elevação passiva da pressão venosa pulmonar e agrava a hipertensão arterial pulmonar. Quando isto ocorre, o gradiente da pressão arteriovenosa aumenta, embora o fluxo sanguíneo pulmonar continue constante ou diminua. Este impedimento da drenagem venosa pulmonar tem sido chamado de hipertensão pulmonar passiva, mas este termo é melhor aplicado quando há elevação da pressão arterial pulmonar sem aumento significativo da resistência vascular pulmonar. Condições que podem potencialmente resultar em hipertensão pulmonar pelo mecanismo de impedimento do retorno venoso pulmonar incluem estenose ou regurgitação da mitral, 81 cardiomiopatias, estenose aórtica, estenose congénita da veia pulmonar, mediastino fibrosado, hipertensão sistémica (Steele & Henik, 2004). O segundo mecanismo de hipertensão pulmonar envolve aumento do fluxo sanguíneo pulmonar, o qual mais comummente ocorre em associação com anomalias cardíacas congénitas como defeitos do septo atrial ou ventricular e ducto arterioso persistente. Normalmente, estes defeitos resultam de shunt da esquerda para direita por causa da pressão sanguínea elevada na circulação sistémica comparada com a circulação pulmonar. Quando o fluxo sanguíneo pulmonar é duplicado, a resistência vascular pulmonar diminui na ordem de manter a pressão arterial pulmonar num nível constante. Se o fluxo sanguíneo é aumentado quatro a seis vezes, a pressão arterial aumenta enquanto a capacidade de reserva do leito vascular pulmonar é excedido. A resposta pulmonar a um fluxo sanguíneo aumentado é a vasoconstrição, mediada por várias substâncias vasoativas endógenas numa tentativa de proteger a microvasculatura pulmonar. A remodelação vascular ocorre nas paredes das artérias pulmonares pequenas devido ao dano induzido pelo fluxo e vasoconstrição prolongada. Eventualmente, a pressão do sangue na circulação arterial pulmonar aumenta acima da circulação sistémica, revertendo o fluxo sanguíneo num shunt da direita para a esquerda. Quando o sangue desviado entra no ventrículo direito ou na artéria pulmonar diretamente, como num septo ventricular defeituoso ou num ducto arterioso persistente, aparenta haver uma alta prevalência de danos vasculares pulmonares irreversíveis e severos (Steele & Henik, 2004). O terceiro mecanismo pelo qual a hipertensão pulmonar secundária pode ser resultado é o aumento da resistência vascular pulmonar. Esta categoria pode ser subdividida, baseada na etiologia da resistência vascular pulmonar, em condições resultando na obstrução e obliteração da vasculatura pulmonar ou doenças parenquimatosas crónicas do pulmão. A embolização pulmonar é comummente citada como uma causa de hipertensão pulmonar devido a ambos, obstrução vascular e vasoconstrição. A fisiopatologia da doença envolve a obstrução mecânica do vaso e vasoconstrição mediada por substâncias vasoativas. As plaquetas dentro do coágulo libertam histamina, serotonina, e tromboxano A2, e a endotelina é libertada do endotélio. Em humanos, a hipertensão pulmonar desenvolve-se quando o tromboêmbolo se organiza e os vasos não se recanalizam, levando à incorporação do tromboêmbolo dentro da parede vascular. A progressão para este estádio é 82 descrita como sendo lenta, dando tempo para se desenvolver uma hipertrofia ventricular direita e compensar pelo aumento da resistência vascular. Passado algum tempo, uma trombose progressiva ou alterações na base vascular não envolvida resultam no agravamento da hipertensão pulmonar. Adicionalmente, a “cor pulmonale” aguda foi reconhecida como sendo seguinte de um tromboembolismo pulmonar em humanos, com um aumento da pressão arterial pulmonar associada a uma obstrução maior que 25% do leito vascular pulmonar. A obstrução de vasos pulmonares com resistência vascular aumentada também pode ocorrer secundário a doenças parasíticas como dirofilariose; ou embolização de gordura, ar, fluido amniótico, ou células tumorais (Steele & Henik, 2004). Doenças parenquimatosas pulmonares crónicas podem levar ao desenvolvimento de hipertensão pulmonar. O mecanismo suspeito pensa-se ser vasoconstrição induzida por hipoxia, embora uma vasoconstrição reativa secundária a acidose tecidual possa também contribuir. Consequentemente, as artérias pulmonares desenvolvem hipertrofia muscular e fibrose íntima, a qual sustém o estado hipertenso. Doenças dos pulmões associadas com tais mudanças incluem bronquite cronica, enfisema, e fibrose pulmonar. Uma doença pulmonar crónica pode também levar ao desenvolvimento de hipertensão pulmonar através dos mecanismos adicionais; em doenças pulmonares obstrutivas a perda de tração radial à volta das vias aéreas e distorção e rutura dos espaços aéreos resulta numa destruição parcial do leito capilar. Em doenças pulmonares restritivas como fibrose pulmonar, a tração radial nas vias áreas pode ser excessiva e a distorção mecânica pode resultar em compressão, destruição, ou reparo desordenado dos vasos adjacentes. Ambas doenças pulmonares obstrutivas e restritivas causam uma diminuição da área seccional cruzada no leito vascular pulmonar e um aumento da pressão arterial pulmonar (Steele & Henik, 2004). A hipertensão pulmonar é considerada como sendo o fator mais importante contribuindo para o desenvolvimento de sinais clínicos em cães com dirofilariose. Em adição a doenças que resultam em vasoconstrição induzida por hipoxia e subsequentemente aumento da resistência vascular, condições como um colapso traqueal ou parálise da laringe podem ser associados com hipoxia intermitente ou contínua. Contudo, a prevalência de hipertensão pulmonar nestas condições ainda não foi estudada. Como os cães têm uma resposta vasoconstritiva moderada à hipoxia, a hipertensão pulmonar apenas se desenvolve numa doença respiratória 83 avançada ou quando fatores adicionais como tromboembolismo pulmonar, sépsis, hipercoagulabilidade, ou hiperviscosidade estão presentes (Steele & Henik, 2004). 2.3.3. HISTORIAL E SINAIS CLÍNICOS A hipertensão pulmonar pode afetar qualquer idade e raça canina, e uma predileção de sexo ainda não foi identificada. Baseado em estudos publicados de hipertensão pulmonar na literatura veterinária, a maioria dos casos ocorrem em cães. Sinais clínicos notificados variam dependendo da doença adjacente e se o começo foi agudo ou crónico. A maioria dos animais exibe tosse, dispneia, letargia, intolerância ao exercício, e cianose. Esta pode ser causada por diminuição da saída cardíaca com vasoconstrição sistémica ou secundária a incompatibilidade ventilação-perfusão com hipoxemia resultante. Uma síncope pode ocorrer como resultado da diminuição do preenchimento ventricular esquerdo e pode ser agravada por hipoxia. Qualquer animal jovem apresentando um desvio cardíaco congénito ou uma animal adulto apresentando uma doença cardíaca, doença pulmonar crónica, ou dirofilariose, deve ser avaliado para evidência de hipertensão pulmonar (Steele & Henik, 2004; Johnson, 2010). 2.3.4. EXAME FÍSICO As anormalidades no exame físico estão frequentemente relacionadas com o processo de doenças subjacentes, e a auscultação dos pulmões pode revelar patologia respiratória significante. Crepitação áspera e sibilos podem ser ouvidos com bronquite crónica, e um esforço expiratório final aumentado, é um achado comum. Crepitações finas e taquicardia podem ser auscultadas se o animal tiver edema pulmonar secundário a falha cardíaca. Hiper-ressonância dentro dos pulmões sugere apreensão de ar, a qual pode ocorrer com enfisema ou outras doenças pulmonares obstrutivas crónicas (Steele & Henik, 2004; Johnson, 2010). Anormalidades nos sons cardíacos podem sugerir hipertensão pulmonar; um componente pulmonar alto do segundo som cardíaco reflete encerramento forçado da válvula pulmonar com elevadas pressões arteriais pulmonares. Um murmúrio de insuficiência da tricúspide pode ocorrer secundário a hipertrofia ventricular direita, ou com pressões arteriais pulmonar e sistólica ventricular direita aumentadas. Se a etiologia da hipertensão pulmonar é doença cardíaca do lado esquerdo, outros 84 murmúrios e galopes podem ser auscultados. Achados adicionais na examinação física com hipertensão pulmonar severa incluem um batimento do ápex palpável no lado direito do tórax, se existir hipertrofia ventricular direita significativa; e sinais de falha cardíaca direita incluem hepatomegália, ascite, efusão pleural, e distensão venosa jugular (Steele & Henik, 2004; Johnson, 2010). 2.3.5. TESTES DE DIAGNÓSTICO 2.3.5.1. PATOLOGIA CLÍNICA Investigação de diagnóstico em pacientes em risco de hipertensão pulmonar requer uma avaliação organizada e minuciosa da doença subjacente, e determinação da presença ou ausência da hipertensão pulmonar e suas consequências. Achados hematológicos podem incluir policitémia sugestiva de hipoxia crónica secundária a altitude elevada ou doença pulmonar crónica, ou shunt da direita para a esquerda. Esferocitose com anemia, trombocitopenia, ou um leucograma inflamatório podem ser vistos em doenças imunomediadas que predispõem o animal a tromboembolismo e secundariamente a hipertensão pulmonar. A dirofilariose pode resultar em monocitose, eosinofilia, e basofilia (Steele & Henik, 2004). Uma avaliação bioquímica do soro pode revelar anormalidades nas enzimas hepáticas por congestão hepática passiva devido a falha cardíaca direita ou hepatopatia esteróide. Outras doenças que predispõem os animais a tromboembolismo e hipertensão pulmonar podem resultar em anormalidades bioquímicas do soro características, como hiperadrenocorticismo, onde a fosfatase alcalina, alanina transaminase e colesterol estão elevados; síndrome nefrótico com colesterol elevado, albumina diminuída, e aumento da creatinina e BUN (blood urea nitrogen) em estádios tardios; e sépsis com glucose diminuída. Tempos de coagulação e concentrações de antitrombina III são indicados para identificar animais predispostos a hipercoagulabilidade. Analises ao gás sanguíneo arterial deve ser feito sempre que possível. A hipoxemia é um achado característico de hipertensão pulmonar, e a sua severidade pode indicar o grau de disfunção pulmonar; hipercapnia, se presente, deve ser corrigida com suporte ventilatório pois pode contribuir através da acidose e vasoconstrição pulmonar (Steele & Henik, 2004). 85 2.3.5.2. RADIOGRAFIA Um espectro alargado de anormalidades, ou nenhuma, podem ser vistos nas radiografias torácicas em animais com hipertensão pulmonar. Aa alterações mais comummente reportadas incluem cardiomegália caracterizada pela dilatação do lado direito, infiltrado no parênquima pulmonar, e artérias pulmonares grandes e tortuosas. Anormalidades radiográficas adicionais podem ser consistentes com embolismo pulmonar, com artérias lobares atenuadas com oligemia contígua; falha cardíaca direita, com efusão pleural e veia cava dilatada; bronquite crónica ou broncostase, com paredes brônquicas delgadas com estase dos bronquíolos caracterizada por dilatação dos brônquios e a perda do cone brônquico normal; fibrose pulmonar, ou colapso traqueobrônquico. Doenças no coração esquerdo como insuficiência da válvula mitral ou cardiomiopatia dilatada podem obscurecer subtilmente a artéria pulmonar e anormalidades do coração direito (Steele & Henik, 2004; Johnson, 2010). 2.3.5.3. ESTUDOS CARDIOVASCULARES Num estudo em 53 cães com evidência de hipertensão pulmonar por ecocardiografia, uma eletrocardiografia foi realizada em 18 animais. Os achados foram variáveis e sugeriam alargamento da câmara associado com etiologia subjacente de hipertensão pulmonar; e também arritmias, particularmente fibrilação atrial e taquicardia sinusoidal (Steele & Henik, 2004). Alterações na ecocardiografia típica com hipertensão pulmonar podem incluir dilatação ventricular e atrial direitas, hipertrofia ventricular, dilatação da artéria pulmonar, e hipertrofia septal interventricular. As dimensões ventricular esquerda podem ser pequenas e a fração de encurtamento ventricular esquerda pode ser diminuída devido ao volume ventricular direito e à pressão exagerada com movimento septal paradoxo resultante. Quando a pressão arterial pulmonar é aumentada, a função da válvula pulmonar é caracterizada por uma abertura atrasada e um encerramento mesossistólico (Steele & Henik, 2004; Johnson, 2010). Ecocardiografia com Doppler providencia um meio excelente não invasivo para estimar a pressão arterial pulmonar para diagnosticar hipertensão pulmonar. Esta frequentemente resulta em jatos de regurgitação a alta velocidade através das válvulas pulmonar e/ou tricúspide. Uma medição invasiva ou estimada da pressão 86 atrial direta ou central venosa, adicionada ao gradiente transtricuspide sistólico derivado do Doppler, é equivalente à pressão sistólica arterial pulmonar e ventricular direita. A hipertensão pulmonar é diagnosticada quando um jacto insuficiente da tricúspide é maior que 2.8m/sec na ausência de estenose pulmonar. Achados ecocardiográficos com Doppler em hipertensão pulmonar incluem o começo prematuro da ejeção ventricular direita seguida de uma diminuição rápida da velocidade de fluxo na mesossístole dado que um aumento da resistência arterial pulmonar é encontrado, e um curto espaço de tempo para pegar a velocidade da ejeção ventricular direita (Steele & Henik, 2004; Johnson, 2010). Antes da ecocardiografia Doppler, a cateterização cardíaca do coração direito e artéria pulmonar providenciavam diagnóstico definitivo de hipertensão pulmonar. O catéter balão de flutuação Swan-Ganz mede pressão venosa central, atrial direita, ventricular direita, artéria pulmonar, e pressão pulmonar capilar em cunha. As medições destas pressões permitem diferenciação na etiologia de hipertensão pulmonar secundária; uma doença cardíaca do lado esquerdo resulta em aumento da pressão pulmonar capilar em cunha; doenças broncopulmonares ou vasculares pulmonares resultam num pressão diastólica arterial pulmonar que é significativamente maior que a pressão pulmonar capilar em cunha. A cateterização cardíaca também é útil em obter informação em relação à resposta ao tratamento. A pressão arterial pulmonar, saída cardíaca, e resistência vascular pulmonar podem ser medidas seguindo administrações intravenosas de broncodilatadores. Testes adicionais com vasodilatadores intravenosos como hidralazina (1mg/kg), verapamil (0,05 mg/kg), ou nifedipina (<0.1mg/kg) podem também ser feitos, embora seja essencial monitorização constante para hipotensão sistémica. Uma avaliação seguida de inalação de 100% oxigénio ou óxido de nítrico (10 a 160 ppm) pode demonstrar uma diminuição na pressão arterial pulmonar secundária a vasodilatação pulmonar. Uma pressão arterial pulmonar reduzida após as intervenções acima sugere o potencial de alguma reversibilidade da doença vascular (Steele & Henik, 2004; Johnson, 2010). 2.3.5.4. ESTUDOS ESPECIAIS Testes auxiliares que podem assistir no diagnóstico de hipertensão pulmonar incluem angiografia de radionuclídeos para medir a fração de ejeção ventricular direita, e angiografia pulmonar para definir artérias pulmonares dilatadas e/ou 87 tortuosas. Ambos estudos podem também demonstrar déficits de perfusão pulmonar; um exame de perfusão salpicada pode indicar doença pulmonar generalizada ou hipertensão pulmonar, onde uma distribuição segmentar de déficits é mais característica de embolismo pulmonar (Steele & Henik, 2004). Cintigrafia ventilação/perfusão pode diagnosticar ou providenciar informação valiosa em relação à severidade do tromboembolismo pulmonar, doença pulmonar obstrutiva crónica, dirofilariose, incompatibilidade ventilação/perfusão. Estudos comparativos de angiografia pulmonar, angiografia subtração digital, e cintigrafia ventilação/perfusão de embolismo pulmonar experimental em cães revelaram que a cintigrafia ventilação/perfusão é o método de avaliação melhor para examinar cães com suspeita de tromboembolismo. Ressonância magnética e tomografia computorizada são técnicas valiosas para diagnóstico de hipertensão pulmonar em pessoas. Infelizmente, o custo, disponibilidade, e o requerimento de anestesia geral para realizar estes testes limita a sua utilidade nos pacientes veterinários (Steele & Henik, 2004). 2.3.5.5. HISTOPATOLOGIA Achados histopatológicos de uma biópsia pulmonar de diagnóstico ou examinação pós-morte varia dependendo da etiologia da hipertensão pulmonar. Quando causada pelo impedimento da drenagem venosa pulmonar resulta na remodelação capilar pulmonar caracterizada por um aumento da matriz extracelular, a qual desenvolve-se secundariamente a um aumento da pressão venosa pulmonar, como na falha cardíaca esquerda. Edema pulmonar intersticial difuso, um aumento do colagénio e fibras elásticas no endocárdio atrial esquerdo, e fibrose nodular subendocardial multifocal e mineralização foram achados adicionais em cães com estenose mitral (Steele & Henik, 2004). Circulação pulmonar excessiva e aumento da resistência vascular pulmonar resultam numa hipertrofia muscular medial e proliferação íntima, as quais podem causam obliteração completa do lúmen vascular. Hipertrofia medial é a primeira e mais comum lesão observada na hipertensão pulmonar; é causada por hiperplasia das células musculares lisas. Lesões de dilatação e plexiformes podem também ser encontradas quando a hipertensão pulmonar vasoconstritiva é severa. Lesões de dilatação resultam de hipertensão arterial pulmonar contínua e estreitamento da parede arterial. As lesões plexiformes surgem em ramificações pequenas de artérias 88 pulmonares musculares; o lúmen está dilatado e contém um plexo de pequenos canais que abrem no seu final distal numa secção da artéria patente, dilatada, de parede fina. Lesões plexiformes caracterizam a hipertensão pulmonar “irreversível”, onde na hipertensão pulmonar secundária a impedimento da drenagem venosa pulmonar, a ausência destas lesões correlaciona-se com a reversibilidade da hipertensão pulmonar (Steele & Henik, 2004). 2.3.6. MANUTENÇÃO O tratamento da hipertensão pulmonar em pacientes veterinários centra-se em resolver ou aliviar o processo de doença subjacente. Uma terapia anticoagulante é aconselhada quando o tromboembolismo é diagnosticado em cães, e terapia com heparina ou varfarina pode ser apropriada quando a hipertensão pulmonar pode resultar de tromboembolismo. Terapia com oxigénio contínuo melhora a sobrevivência de pacientes humanos com vasoconstrição hipóxica de causas variadas e é uma opção de tratamento possível em pequenos animais com hipertensão pulmonar de começo agudo ou de agravamento repentino, como no caso de tromboembolismo ou dirofilariose. Inalação de óxido nítrico, uma substância normalmente produzida nas células endoteliais vasculares, providencia uma vasodilatação seletiva sem efeitos sistémicos. O óxido nítrico é usado no tratamento de humanos com hipertensão pulmonar e foi demonstrado que diminui a pressão arterial pulmonar em cachorros com hipertensão pulmonar induzida experimentalmente. Acredita-se que o óxido nítrico apenas atua em vasos précontraídos, não nos de tónus normal, e benefícios adicionais podem incluir limpeza de radicais livres derivados do oxigénio, diminuição do desenvolvimento de toxicose de oxigénio, diminuição de agregação plaquetária e leucocitária, e atenuação da cascata de inflamação induzida por sequestro de leucócitos pulmonares. Efeitos nocivos potenciais incluem sangramento prolongado e toxicidade pulmonar causada por acumulação de NO2, o produto da oxidação de óxido nítrico (Steele & Henik, 2004). A base do tratamento crónico de hipertensão pulmonar inclui broncodilatadores, vasodilatadores, e diuréticos. O agravamento de sinais, secundário ao engrossamento de secreções brônquicas na doença pulmonar obstrutiva crónica, pode ocorrer com administração excessiva de diuréticos. Vasodilatadores provaram ser eficazes quer em seres humanos quer em animais 89 com hipertensão pulmonar incluindo inibidores da enzima de conversão da angiotensina, bloqueadores de canais de cálcio orais, hidralazina, adenosina intravenosa ou prostaciclina (Steele & Henik, 2004). 2.3.7. RESULTADO Informação em relação ao prognóstico e sobrevivência em animais com hipertensão pulmonar está em falta. Contudo, numa instituição veterinária, a maioria dos animais tratados por hipertensão pulmonar morreram ou foram eutanasiados com 4 meses. Um maior entendimento das condições que predispõem os animais a hipertensão pulmonar, em adição ao reconhecimento prévio e tratamento de hipertensão pulmonar, pode ajudar a melhorar o tempo de sobrevivência e qualidade de vida dos animais afetados. Quando as alterações são irreversíveis, o tratamento é paliativo (Steele & Henik, 2004). 90 3. CASOS CLÍNICOS 3.1.1. CASO CLÍNICO 1 – FRED Quadro 6. Dados Gerais do Caso Clínico 1 Nome: Fred Raça: Labrador Retriver preto (Canídeo) Idade: 14 Anos Macho, Castrado O Fred entrou no Hospital Veterinário Montenegro, no dia 21/05/2011, em horário de urgência, referido de outra clínica com dispneia inspiratória, já diagnosticado com parálise laríngea bilateral. Não havia causa aparente, já tinha sido tudo descartado na outra clínica. O início da dispneia foi de forma repentina tendo-se apresentado no Hospital com esta de forma marcada, e foi preciso estabilizar o animal, tendo sido colocada uma via de administração para se poder dar algum sedativo, nomeadamente, Torbugesic ou Butorfanol. Tentou-se colocar uma máscara de oxigénio mas o animal resistiu sempre, tendo-se optado por colocar um catéter nasoesofágico, que se conseguiu colocar após algum esforço. Fizeramse análises sanguíneas como se pode ver nos quadros 7 e 8, pois o objetivo era conseguir estabilizar o animal para se realizar a cirurgia de correção da parálise. Quadro 7. Hemograma do Fred de 21/05/2011 Glóbulos Vermelhos 6,39 Hematócrito 41,7 Hemoglobina 15,6 Volume Corpuscular Médio 65,4 Hemoglobina Corpuscular Média 24,4 Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média 37,4 Leucócitos 25,08 (aumentado) Granulócitos 22,4 Linfócitos 2,3 Monócitos 0,37 Plaquetas 220 91 Quadro 8. Análises bioquímicas ao Fred a 21/05/2011 Glicose 83 Creatinina 0,5 (diminuído) Colestrol 217 BUN 12,8 GPT/ALT 95 (aumentado) GOT/AST 392 (aumentado) Fosfatase Alcalina 1170 (aumentado) Com análises algo alteradas, nomeadamente um aumento significativo da fosfatase alcalina e da AST devido à cortisona já administrada, o animal passou a noite praticamente toda com dispneia, mas suavizada pelo oxigénio, que foi retirado umas horas depois da sua entrada, e pela sedação, que também só foi dada nas primeiras horas. No dia seguinte estava estabilizado o suficiente para cirurgia e foi pré-induzido com Vallium e Torbugesic, sendo depois induzido com Propofol e feito anestesia inalatória com Isoflurano. Também foi dada uma cefalosporina como antibiótico, para proteção devido à cirurgia com campo aberto. Foi realizada uma lateralização da aritenóide do lado direito. O animal ficou internado 3 dias, nos quais fez fluidoterapia, e teve os cuidados relativos à excitação/repouso, e comida e água. Teve alta a 24/05/2011, com Kefavet 500, uma cefalosporina para proteção dado estar com sutura e com parte de uma via aérea agora permanentemente aberta; Lepicortinolo 1mg/kg durante 5 dias e depois diminuiu a dose progressivamente durante 3 semanas, que tem como principio ativo a prednisolona, servindo como anti-inflamatório; Omeprazol, para proteção gástrica enquanto fazia o tratamento com Lepicortinolo e Vetranquil; e Vetranquil, cujo principio ativo é a acepromazina, para sedação do animal, isto é, para ajudar a controlar a excitação do animal face à condição em que se encontrava. A 17/06/2011 foi realizada uma chamada telefónica onde se confirmou que o animal se encontrava bem, com boa recuperação. A 29/06/2011 o animal foi referido novamente pelo mesmo quadro, tendo sido agora realizada a correção cirúrgica do outro lado. No entanto, 24 horas após a cirurgia, apresentava vómitos e dispneia acentuada. Foi necessário colocá-lo sobre sedação. Foi mantida a fluidoterapia pois não podia comer; foi dada uma cefalosporina pois agora a via aérea estava completamente aberta com risco de 92 pneumonia por aspiração; também foi dado Urbason, cujo princípio ativo é a cortisona, como anti-inflamatório; Bloculcer e Primperan, cujos princípios ativos são a ranitidina e metoclopramida para a proteção e motilidade gástrica. A 30/06/2011 foi realizado uma radiografia onde se verificou que possuía megaesófago, como se pode ver pela figura 14. Figura 14. Radiografia de Tórax (a) e b)) realizadas a 30/06/2011, onde se nota o megaesófago Realizaram-se análises sanguíneas a 01/07/2011 como se vê na tabela A. Notou-se um aumento da fosfatase alcalina, possivelmente devido à cortisona, e também uma anemia, sem causa aparente. Quadro 9. Hemograma realizado a 01/07/2011 Glóbulos Vermelhos 3,77 (diminuído) Hematócrito 25,4 (diminuído) Hemoglobina 10 Volume Corpuscular Médio 67,5 Hemoglobina Corpuscular Média 26,5 (aumentada) Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média 39,3 Leucócitos 14,3 Neutrófilos 12,3 (aumentada) Linfócitos 1,78 Monócitos 0,22 Plaquetas 210 93 Quadro 10. Análises Bioquímicas realizadas a 01/07/2011 Glicose 140 (aumentada) Creatinina 0,6 BUN 13,6 GPT/ALT 10 Fosfatase Alcalina 2725 (aumentado) Houve agravamento do quadro clínico, pois sempre que superficializava da sedação tinha dispneia severa. Foi eutanasiado a 03/07/2011. 94 3.1.2. CASO CLÍNICO 2 – LUX Quadro 11. Dados Gerais do Caso Clínico 2 - Lux Nome: Lux Raça: Samoiedo (Canídeo) Peso: 29 kg Idade: 9 Anos Macho, Castrado O Lux entrou na tarde de 21/05/2011, com dispneia inspiratória grave. Teve de receber tratamento de urgência, pois estava um pouco cianótico. Foi colocado um catéter nasoesofágico e uma via de administração, tendo-se sedado o animal com Torbugesic para que se pudesse avaliá-lo. Após exame físico, realização de análises sanguíneas, e radiografia torácica, verificou-se que possuía parálise laríngea e temperatura elevada. Não possuía causa aparente para esta condição. Durante toda a tarde esteve em monitorização constante, tendo a temperatura chegado a Elevada no termómetro, o que nos levou a dar banhos de água fria, colocar placas de gelo em contacto com o corpo, e a várias sedações, embora estas fossem contabilizadas, pois não se poderia estar constantemente a sedar o animal. No entanto, a sua dispneia era extremamente grave, ficando muitas vezes cianótico. Durante a noite o seu estado agravou-se de tal forma que sofreu três paragens cardíacas, tendo falecido às 6 horas da manhã. 95 3.1.3. CASO CLÍNICO 3 – GINOLA Quadro 12. Dados Gerais do Casos Clínico 3 - Ginola Nome: Ginola Raça: Dobermann (Canídeo) Peso à entrada: 38,8 kg Idade: 11 Anos Macho, Não Castrado O Ginola entrou a 24/04/2011 dispneico, em posição ortopneica com taquipneia, muito fraco por possíveis síncopes, embora os donos dissessem que ele apesar de mais débil não perdia a consciência. Ao exame físico apresentava uma taquicardia de 160bpm, um sopro marcado, ascite e edema dos membros posteriores. Realizou-se análises bioquímicas como se podem ver no quadro 13, e também uma radiografia onde se verificou a presença de edema pulmonar. Quadro 13. Análises Gerais realizadas a 24/04/2011 Glicose 140 (aumentada) Creatinina 0,6 BUN 39,9 (aumentado) GPT/ALT 158 (aumentado) Fosfatase Alcalina 284 (aumentado) Proteínas Totais 5,5 GOT/AST 55 (aumentado) Hematócrito 50% Efetuou-se uma abdominocentese que aliviou a posição do animal, bem como se administraram diuréticos que ajudaram a melhorar o edema pulmonar. A 26/04/2011 realizou novas análises como se pode ver pelo quadro 14. Além dos diuréticos foram dados Fortekor 20, cujo princípio ativo é o benazepril; um IECA dado para insuficiências cardíacas; e também Vetmedin 5mg, cujo princípio ativo é o pimobendan, que depois foram prescritos para casa a ½ comprimido SID e 1 cápsula BID respetivamente. Também foi enviado o Lasix, 1 comprimido BID, cujo princípio 96 ativo é a furosemida, um diurético. Foi sugerido realizar ecocardiografia pois os sinais clínicos aparentavam causa cardíaca. Quadro 14. Análises gerais a 26/04/2011 Creatinina 0,8 BUN 25,6 A 28/04/2011 o Ginola tinha 30kg de peso corporal, e veio realizar ecocardiografia. Apresentava dilatação atrioventricular severa, com o aparelho valvular mitral espessado, evidenciando insuficiência severa. Havia presença de pequenos nódulos nos folhetos tricúspide e insuficiência tricúspide severa. Também se verificava uma disfunção sistólica moderada. Não se observaram massas ou efusões, mas sim a presença de uma arritmia supraventricular. O diagnóstico conclusivo foi de doença valvular mitral e tricúspide degenerativa severa. Recomendou-se a terapia com IECA, pimobendan, furosemida, e possivelmente digoxina após avaliação da tiróide. Figura 15. Ecocardiografia do Ginola realizada a 28/04/2011 A 02/05/2011, com um peso corporal de 30,5kg, veio controlar. Estava mais ativo, sem tosse. A radiografia de tórax estava melhor, mais com a presença de alguns sinais ligeiros de edema peri-hilar. Decidiu-se manter a medicação. Mediu-se 97 a T4 total e TSH para determinar a dose de digoxina, que nos Dobermann é mais baixa por estes serem mais sensíveis. A TSH veio no limite, e mandaram-se fazer análises à T4 de equilíbrio de diálise. Quadro 15. Valores de TSH e T4 Total do Ginola TSH 0,68 T4 Total 1,3 A 02/06/2011 vieram os resultados da T4 de equilibro de diálise: normais, a 18,4. A 06/06/2011 veio controlar, e tinha novamente ascite. Também mantinha a taquicardia. Realizou-se abdominocentese e ECG. Tentou-se diminuir a frequência de digoxina 0,125 a ½ BID. Vinha fazer novo controlo passados 10 dias. Manteve-se o Fortekor 20 (½ TID), Vetmedin 5 (1 BID) e Lasix (1 BID). A 21/06/2011 realizou novas análises, com resultados normais, com a digoxina a 1,4. A 18/07/2011, com peso corporal de 29,3kg, possuía um exame geral normal, embora se notasse alguma caquexia. Mantinha-se a frequência cardíaca elevada. Decidiu-se manter a medicação. Realizou a vacinação anual. A 13/10/2011 surgiu no Hospital com nova ascite, cerca de 7L. O restante exame geral estava normal, embora a caquexia estive muito marcada. Realizou abdominocentese e análises de controlo. Mantém a dose de digoxina ½ SID, pois apresentava 140bpm, o que tem sido constante. Também mantém Fortekor 20 (1/2 SID, Lasix (1 BID), Vetmedin (1 BID). 98 3.1.4. CASO CLÍNICO 4 – TOMMY Quadro 16. Dados gerais do caso clínico 4 - Tommy Nome: Tommy Raça: Raçado de Caniche (Canídeo) Peso à entrada: 9,5 kg Idade: 12,5 Anos Macho, Não Castrado O Tommy veio referido da Clínica Veterinária Ani Mar, no dia 19/06/2011, como sendo um animal geriátrico, de interior, vacinado, desparasitado, com um quadro de dispneia há 4 dias. O seu historial referia diminuição da atividade, tosse desde há alguns meses. Ao exame físico apresentava sopro, e ao se realizar uma radiografia torácica verificou-se dilatação cardíaca, edema pulmonar, um padrão broncoalveolar intersticial que não estava a responder aos diuréticos, como se pode ver pela figura 16. Figura 16. Radiografia ao Tórax realizada a 19/06/2011 99 Os colegas da outra clínica já tinham iniciado furosemida e antibióticos. Foi realizada uma análise bioquímica como se pode ver pelo quadro 17. Quadro 17. Análises bioquímicas a 19/06/2011 Creatinina 1,2 Fosfatase Alcalina 224 BUN 49,4 (aumentado) GPT/ALT 37 Ficou no Hospital para realização de ecocardiografia. Esta apresentava uma dilatação severa das câmaras cardíacas direitas e artéria pulmonar; achatamento do septo interventricular; insuficiência tricúspide e pulmonar severas, de velocidades elevadas. A válvula mitral espessada evidenciando insuficiência moderada a severa. Não se observaram massas nem efusões. Diagnosticou-se então hipertensão pulmonar severa. Sugeriu-se tratamento da causa primária, pois é o que se faz nestes casos, e em tratamento paliativo aconselhou-se oxigenoterapia e drogas como o sildenafil, primobendan e IECA. Figura 17. Ecocardiografia realizada a 20/06/2011 100 A 21/06/2011 teve alta, com pressão arterial de 180mm Hg, levando Vetmedin 2,5mg (1 BID) e Lasix (1/4 TID). A 28/06/2011 veio controlar. Estava muito mais confortável, com pressão arterial a 150 mm Hg. Pediu-se novo controlo em 15 dias. A 12/07/2011 tinha pressão arterial a 150/160 mm Hg. Diminuiu-se o Lasix para ¼ BID, e pediu-se novo controlo em um mês. A 18/07/2011 os donos tentaram baixar o diurético, mas o animal apresentou tosse e alguma intolerância ao exercício. Voltaram à dose inicial. A 09/08/2011 possuía pressão arterial a 150 mm Hg. Continuava estável, por isso manteve-se a medicação. As análises apresentavam creatinina normal, ligeiro aumento de BUN. A 01/09/2011, o exame geral estava normal, exceto dois episódios de tosse em repouso. Aumentou de peso. A sua pressão arterial média era de 175 mm Hg. Propôs-se diminuição de peso e ecocardiografia no próximo mês. Figura 18. Radiografia ao Tórax para controlo a 01/09/2011 101 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os aparelhos cardiovascular e respiratório devido à sua complexidade anatómica e fisiológica, são ainda hoje objeto de estudo nos pacientes veterinários, para um melhor entendimento dos mesmos. Com o conhecimento até hoje adquirido, já é possível estabilizar um animal quando em descompensação respiratória, cardíaca ou ambas. A observação e examinação física do paciente são passos cruciais para identificar os problemas presentes, bem como decidir todo o plano seguinte de forma a se obter um diagnóstico eficaz, e administrar o tratamento mais adequado. Exemplo disso é a parálise da laringe, que com um quadro totalmente respiratório, os seus sinais são quase óbvios da doença, sendo esta confirmada posteriormente em exames complementares. Nem sempre de resolução fácil, e por surgir de forma repentina, pode chegar a ser fatal, mesmo com tratamento de emergência. Nem todas as urgências permitem identificação imediata do problema, como é o caso da endocardiose ou da hipertensão pulmonar. Com a possibilidade de surgirem em emergência com quadros respiratórios, só através da elaboração de um plano de estabilização e de posteriores exames completares se obtém um diagnóstico definitivo. Mesmo assim, nem toda a informação existente é suficiente, como no caso da hipertensão pulmonar, que possui uma base de dados escassa para animais, dificultando o seu diagnóstico e administração de tratamento. Assim, em casos de urgência o primeiro plano é estabilizar o animal, e depois elaborar o melhor plano de forma a poder chegar a um diagnóstico, se possível. Quando este não é possível, ou é dificultado, deve-se optar por compensar as falhas, realizar um tratamento paliativo, de forma a melhorar a qualidade de vida do paciente. 102 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS Anónimo. (28 de 01 de 2011). What is a collapsed trachea? Obtido em 02 de 11 de 2011, de Swank Pets Dog Blog : http://www.swankpets.com/blog/2008/01/what-is-a-collapsed-trachea/ Aspinall, V., & O'Reilly, M. (2004). 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Sons de respiração forçada podem estar associados Há barulho crescente na respiração? a doença no trato respiratório superior; barulhos ruidosos ou assobios frequentemente vêm do trato respiratório inferior. Pode ser possível localizar a área onde os sons respiratórios forem maiores. Tossir pode ser associado com eventos específicos. Se o animal está a tossir: Colapso traqueal é exacerbado por excitação e Quando é que isso pacientes com excessiva produção de muco podem ocorre? Como é que a tossir depois de terem estado deitados quietos tosse soa? É produtiva? durante um longo período de tempo e grande volume de muco se tenha acumulado. Houve descargas pelo Descarga nasal normalmente indica doença nasal; contudo, infeções severas do trato respiratório inferior nariz? podem resultar em descarga nasal purulenta, particularmente em animais deitados. Em algumas condições é mais difícil ou mais fácil O paciente está inquieto para o animal respirar quando em certas posições, ou incapaz de ser por exemplo, pacientes com edema pulmonar acalmar? frequentemente acham mais fácil de respirar se em estação. Sinais de doença sistémica podem indicar uma O paciente está doença mais grave ou severa. Febre como resultado indisposto, por exemplo, de uma infeção viral ou bacteriana pode estar anorético, letárgico ou presente. Algumas doenças sistémicas alteram os relutante ou exercício? padrões respiratórios (devido a acidose/alcalose metabólica) sem causar alterações respiratórias. Colapso ou perda de consciência é raramente O animal colapsou ou perdeu a consciência? associado a doença respiratória primária. Estes são mais característicos de doenças cardíacas e a possibilidade de uma causa subjacente de doença respiratória deve ser procurada. Muitas doenças respiratórias em cães são causadas por agentes infeciosos. A vacinação pode reduzir a Estado de vacinação e gravidade de muitas dessas doenças mas nem exposição potencial a sempre dá 100% de imunidade, por isso as doenças agentes infeciosos, por infeciosas não podem ser descartadas mesmo em exemplo canis recentes, animais vacinados. Exposição recente a fontes são também importantes. potenciais de infeção ou sinais de doença em contacto com animais aumenta a possibilidade de uma causa infeciosa. ANEXO B – Questões a colocar ao dono quando em presença de sinais de doença cardíaca Questão Razão da questão e interpretação da resposta O animal teve sinais Os animais podem ter compensado uma falha cardíaca prévios de doença durante anos, antes de desenvolverem sinais clínicos cardíaca, por exemplo, de doença. Contudo, é importante relembrar que a murmúrios? presença de um murmúrio não indica falha cardíaca. O animal está capacitado de exercitar normalmente? Doença cardíaca está normalmente associada a intolerância ao exercício ou colapso a exercitar. Houve alguma alteração Pacientes com falha cardíaca estão frequentemente no apetite ou na sem apetite e caquéticos. Em estádios iniciais de falha quantidade de água? cardíaca o paciente pode tornar-se polidípsico. Houve episódios de Colapso ou fraqueza podem ser sinais de circulação colapso ou fraqueza? pobre, por redução do débito cardíaco. O animal acomoda-se Inquietação noturna é comum em falha cardíaca facilmente para dormir à congestiva. Pacientes nesta condição é-lhes difícil noite? respirar quando deitados. Dificuldades respiratórias podem estar associadas a edema pulmonar. Tossir é mais um sinal comum de Há alguma dificuldade a doença respiratória, mas pode ser visto como a pressão respirar ou tosse? de um coração grande sobre os brônquios. Qualquer paciente com dificuldade respiratória deve ser examinado urgentemente.