Adaptação de um sistema de chaves de um saxofone alto
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Adaptação de um sistema de chaves de um saxofone alto
Um Desafio à Criatividade! Adaptação de um sistema de chaves de um saxofone alto. Ana Sofia Silva Técnica da D. Caeiro, Lda. Resumo Um novo desafio para a D. Caeiro veio testar a excelência do seu trabalho. Apresenta-se brevemente o problema do processo de adaptação de algumas chaves de um saxofone alto Yamaha (modelo 271) à nova condição deficiente da mão esquerda de um músico e descrevem-se os projectos elaborados para o caso. O processo é metodicamente descrito, tendo em conta alguns aspectos técnicos importantes e acompanhado de várias imagens ilustrativas. O instrumento em questão era um saxofone alto, Introdução da marca Yamaha, modelo 271. Para permitir que o músico tocasse bem o Com muitos anos de experiência no trabalho, a D. saxofone, seria necessário proceder a determinadas Caeiro preocupa-se com os seus clientes e com os alterações no sistema mecânico do instrumento, bem seus instrumentos. Prova disso, são os diferentes (ou como arrojados, se preferirmos dizer) desafios que nos accionadas pela mão esquerda. alterar algumas chaves, especificamente surgem ao longo do tempo. Há bem pouco tempo, a D. Caeiro teve a oportunidade de executar um projecto que consistia sobretudo em adaptar um instrumento ao seu músico. Márcio Sequeira é um músico amador que infelizmente sofreu um acidente de trabalho numa das mãos. O dedo mindinho da mão esquerda ficou apenas com metade do tamanho e o anelar da mesma mão ficou com a mobilidade e formas alteradas, limitando-o na prática de música. Foi então que o seu Figura 2. Pormenor do sistema de chaves original grande amor pela música prevaleceu e a procura de accionado pela mão esquerda de um saxofone alto Yamaha uma solução para o seu caso se instalou na sua – modelo 271. cabeça. Um dia, apareceu na D. Caeiro e propôs-nos o seguinte desafio: seria possível adaptar um instrumento à sua nova condição? Antes de se proceder a qualquer alteração, o processo foi cuidadosamente estudado tendo em conta diferentes aspectos importantes. Primeiro, as alterações nas chaves teriam que permitir o funcionamento correcto do restante sistema. Depois, tratando-se de um saxofone Yamaha de boa qualidade e novo, seria também importante que estas alterações fossem reversíveis, de modo que, se por ventura, o músico estiver interessado em vender o instrumento mais tarde, todas as alterações possam Figura 1. Mão esquerda do músico Márcio Sequeira. ser refeitas por forma a voltar ao original. Um Desafio à Criatividade! No entanto, em qualquer um dos aspectos, implicar-se-ia sempre uma causa irreversível: a perda do verniz original. Uma vez confirmado que seria possível partir para uma alteração praticável, e tiradas todas as medidas necessárias (relação entre mão e instrumento), o instrumento ficou entregue ao cuidado da equipa de técnicos da oficina. Figura 4. Vista pormenorizada do conjunto de chaves que Um novo estudo do processo voltou a ser feito precisa de ser alterado. com os dados do primeiro e com cuidado redobrado, projectando um resultado final positivo. Note-se que A chave de Sol teria que ser alterada porque o ao longo do processo de alteração podiam surgir dedo anelar do músico tinha pouca mobilidade e dificuldades que, à partida, estariam previstas, o que exigia que a chave fosse de algum modo recolhida ou se veio a demonstrar. adaptada. Em relação ao dedo mindinho, este tem bastante força e mobilidade, mas as limitações implicam com o tamanho e a capacidade do dedo alcançar as chaves O projecto A elaboração de um projecto para adaptar o saxofone à mão do músico, principiou com algumas medidas essenciais, quer da mão do músico, quer do instrumento e chegou-se à conclusão que as chaves principais que deviam ser alteradas seriam a chave do Sol, Sol#, Dó# (grave) e, se possível, as chaves de Si e Sib (graves). As três primeiras seriam as principais alterações pois são chaves essenciais para o músico tocar destinadas (conjunto de quatro chaves do registo grave). Feitas as primeiras medidas e acordos com o músico, o saxofone ficou então na oficina para a “operação”. O passo seguinte seria examinar todos os dados recolhidos com calma e elaborar um novo projecto que permitisse alterar as chaves principais e, se possível, todo o sistema dos graves. determinadas passagens, enquanto que as duas últimas seriam opções alternativas. Figura 3. Primeiros esboços e dados do projecto feitos por Domingos Caeiro. Figura 5. Esboços de projectos intermédios feitos por Domingos Caeiro. Ana Sofia Silva – Junho de 2007 2/6 Um Desafio à Criatividade! O processo Para alterar a chave de Sol, recorreu-se a uma pequena chapa metálica (liga Cu-Zn) para prolongar a superfície de apoio do dedo. A chapa foi cortada com um formato específico de modo a encaixar na chave existente e moldada ao restante sistema, pois seria importante que esta posterior chapa não interferisse com outras chaves. Antes da soldagem 1 , a peça a adicionar à chave foi extremamente polida, recorrendo a lixas de diferentes granulometrias (P180, P240 e P800) e à polidora, para finalizar o trabalho com as pastas de polimento negra (Emery Cake: polimento agressivo; elimina riscos profundos da superfície metálica; suaviza arestas ásperas; acabamento uniforme) e verde (Dialux Vert®: polimento brilhante) de modo a obter uma superfície o mais lisa possível. Uma vez obtido o formato desejado, procedeu-se então à soldagem da chapa à chave original. Para evitar danificar a madrepérola da chave original, esta foi previamente removida e guardada, para mais tarde se colocar 2 . Realizou-se uma solda branda, ou solda de estanho (liga Sn-Pb), pois é a mais comum e extensivamente utilizada neste tipo de trabalho, permitindo realizar uma soldagem com temperaturas mais baixas 3 . A figura 6 mostra o resultado pré-final da alteração feita a esta chave. Em relação à segunda parte do trabalho, que diz respeito ao conjunto de 4 chaves dos graves, a chave principal a alterar era a de Sol#, pois para além de ser uma chave essencial na escala do instrumento, as medidas principais foram retiradas a partir deste ponto de referência. De acordo com o projecto, o dedo alcançaria uma nova chave situada mais acima da original, a uma determinada distância (≈ 33mm a 45º de ângulo), pelo que a nova peça teria que ficar posicionada numa posição muito específica e o mais aproximado possível. Após a alteração desta, só então se poderia partir para as outras chaves. Para alterar este sistema, utilizaram-se um conjunto de peças das quais algumas eram novas, outras eram sobras de algum trabalho anterior da oficina (que são sempre guardadas precisamente para que possam ser posteriormente utilizadas noutros trabalhos) e outras peças metálicas cilíndricas para serem sujeitas a trabalhos de torno mecânico ou manuais, utilizando serras e limas. Novas hastes foram fabricadas para as chaves utilizando um tubo metálico maciço (liga Cu-Zn) e efectuando uma soldagem a prata (Ag – solda dura) na zona de ligação com a haste e a espátula da chave, um ponto crítico que requer uma ligação forte. Para a nova chave de Sol# ter uma boa base de apoio de ligação com a chave original, fabricou-se uma peça no torno mecânico utilizando um tubo metálico maciço (10mm diâmetro; liga Cu-Zn) no qual se fez uma perfuração central para permitir o encaixe da haste da nova chave. A nova chave foi então soldada a estanho à chave original através do Figura 6. Chave de Sol alterada. apoio base. O resultado final, após o devido acabamento de 1 O termo correcto é “soldagem” e não “soldadura”, pela simples diferença de que na primeira apenas o metal de adição ou de enchimento sofre fusão, a uma temperatura inferior à temperatura de fusão dos metais a unir, enquanto que na segunda as peças metálicas fundem-se localmente ao longo da junta. Referência [1]. 2 Tal como a madrepérola, outros batentes de feltro e os roletes de plástico também foram retirados e guardados durante o processo de adaptação, evitando assim danificar o material original. 3 Para trabalhos em instrumentos musicais, a melhor proporção da liga é de 70% Sn e 30% Pb, uma combinação que requer muito menos aquecimento (≈ 150-200ºC). Referência [2]. Ana Sofia Silva – Junho de 2007 polimento, foi bastante satisfatório (figura 7) e a partir deste ponto poderíamos construir o restante sistema adaptando as outras chaves a esta referência. 3/6 Um Desafio à Criatividade! Figura 7. Nova chave de Sol# do sistema dos graves. Sequencialmente, as outras chaves Figura 11. Corte com serra das tubagens metálicas. foram adaptadas pela seguinte ordem: Dó#, Sib e Si. Para estas, o processo de adaptação foi semelhante ao descrito, desde as hastes até às bases de apoio de ligação. Figura 12. Eliminação de excessos metálicos nas chaves recorrendo a limas e lixas. Figura 8. Preparação da chave de Dó#. Figura 13. Preparação da chave de Sib. Figura 9. Trabalhando com o torno mecânico de metais. Figura 14. Preparação da chave de Si. Figura 10. Dobragem de tubo metálico maciço para as novas hastes das chaves. Ana Sofia Silva – Junho de 2007 Figura 15. Soldagem a estanho da nova chave de Si ao sistema dos graves. 4/6 Um Desafio à Criatividade! Para além de todo o acabamento e polimento final, novos roletes e eixos foram adaptados às novas chaves, permitindo assim obter um conjunto de chaves como novo. Figura 19. Limpeza das chaves. Figura 16. Visualização prévia do novo sistema de graves adaptado. Figura 20. Montagem do instrumento. Figura 17. Acabamentos de soldas com lixas manuais. Figura 21. Pormenor da montagem do novo sistema adaptado. Figura 18. Visualização prévia do novo sistema de chaves adaptado do saxofone. A seguir, procedeu-se à desmontagem do Figura 22. Aspecto final do novo sistema de chaves adaptado. instrumento para lhe dar uma limpeza geral, incluindo a lavagem do corpo do instrumento. E Com esta alteração do instrumento, também foi depois, fez-se a respectiva montagem e nivelamento necessário adaptar o estojo do instrumento, pelo do instrumento. menos na zona das chaves que foram acrescentadas. Efectuou-se um pequeno corte no revestimento têxtil e retirou-se alguma espuma, de modo a que as chaves assentassem bem e a caixa pudesse ser facilmente fechada. No fim, cobriu-se a abertura com um pouco de tecido preto, a mesma cor do revestimento interior da caixa. Ana Sofia Silva – Junho de 2007 5/6 Um Desafio à Criatividade! Para finalizar devidamente o trabalho realizado, apenas faltaria a experimentação do instrumento, que teria de ser feita não só pelo técnico, mas também pelo próprio músico. Só então se poderia saber se o trabalho feito correspondia às expectativas e não necessitaria de mais alterações. Figura 24. Vista de outra posição da mão esquerda do músico ao novo sistema adaptado. Conclusão Finalmente, chegou o dia. Foi com grande ansiedade que recebemos o Márcio na oficina, ávidos em saber como iria correr a sessão de experimentação. Foi muito bom recebê-lo e constatar que a expectativa e ansiedade eram sentimentos mútuos. Por outro lado, ficámos também muito contentes com a demonstração de confiança por parte dele, em relação ao nosso trabalho. De facto, não é todos os dias que nos aparecem desafios como este, e ter a oportunidade de executar um trabalho que nos permite desenvolver novas soluções e estratégias, Figura 25. A equipa técnica da oficina da D. Caeiro, Lda. (Ana Silva, Francisco Isidoro, Domingos Caeiro e José Nunes Caeiro) com o músico Márcio Sequeira ao centro. bem como contribuir para a nossa formação profissional e experimental, é sempre um prazer. A experimentação do instrumento revelou-se bastante satisfatória. Um pequeno ajuste aqui e ali e desvendou-se um caminho para uma nova oportunidade à música. Referências [1] Cottrell, Alan H.: Introdução à Metalurgia, 3ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1993. [2] Brand, Erick D.: Band Instrument Repairing Manual, Ferree’s Tools, Inc., EUA, 1993. Figura 23. Vista de uma posição da mão esquerda do músico ao novo sistema adaptado. Ana Sofia Silva – Junho de 2007 6/6