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A um [longo] passo do estrelato Fábio Arcanjo Ávila UFMG, Mestrando (Poslin). RESUMO: O presente artigo adota como objeto de problematização o documentário americano A um passo do estrelato. Dirigido por Morgan Neville em 2013, o filme tem como objetivo narrar a difícil trajetória de diversas cantoras (backing vocals) que lutaram para sair da condição inferiorizada em relação aos cantores. Partimos do principio de que as dificuldades são originárias de um histórico quadro de desigualdade social enfrentado por mulheres afrodescendentes. Para analisar esse objeto, utilizaremos a análise do discurso francesa (ADF) e a teorização proposta por Patrick Charaudeau em seu livro Linguagem e discurso. Daremos ênfase ao modo de organização argumentativo, por julgarmos mais adequado ao nosso objeto de pesquisa. Em relação às questões voltadas para a linguagem fílmica do gênero documentário, utilizaremos o autor americano Bill Nichols como nosso principal referencial. Palavras-chave: documentário; desigualdade social; música; argumentação. ABSTRACT: This Article chooses the american documentary 20 feet from stardom as a research subject. Directed by Morgan Neville in 2013, the film aims to tell the difficult path of several female singers (backing vocals) who fought to get out of outclassed condition compared with male singers. We believe that the difficulties originate in a historical social inequality faced by women african descent. To analyze this object, we use the french discourse analysis, more particularly, the theory proposed by Patrick Charaudeau in his book Language and discourse. We will emphasize the argumentative mode of organization because we believe in his adequacy to the object of our research. With regard to questions related to the filmic language of the documentary genre, we will use the american author Bill Nichols as our main reference. Keywords: documentary; social inequality; music; argumentation. 92 Anais da XII SEVFALE, Belo Horizonte, UFMG, 2015 Introdução Qual a importância de um documentário como A um passo do estrelato? De que forma o discurso fílmico foi organizado para lidar com um tema que se apresenta recorrente na filmografia documental desenvolvida ao longo dos anos? Essas são duas questões norteadoras de nossa discussão a respeito do filme dirigido por Morgan Neville no ano de 2013 e que foi laureado com o Oscar de melhor documentário em 2014. Antes de lidarmos diretamente com essa problematização, acreditamos ser necessário estabelecer o referencial teórico que será utilizado para trabalhar as questões propostas para esse trabalho. No campo da análise do discurso, o autor contemplado é o linguista francês Patrick Charaudeau e sua teoria semiolinguística. Para pensarmos as questões relacionadas ao gênero documentário, seremos norteados, principalmente, pelo autor americano Bill Nichols. Façamos uma pequena sinopse do documentário em questão. A um passo do estrelato direciona o olhar para a trajetória de talentosas backing vocals americanas, que enfrentaram empecilhos para alcançar o estrelato em função de serem mulheres afrodescendentes. O item lexical longo, presente no título do nosso trabalho, atua como um elemento que determina a medida do passo que precisou ser dado por essas cantoras. O filme é organizado através de diversas imagens de arquivo que se agregam aos depoimentos de cantoras como Darlene Love, Merry Clayton, Mable John e Claudia Lennear. Iniciemos o nosso estudo com o conceito de Projeto de fala, que, segundo Charaudeau, possui uma relação intrínseca com a situação de comunicação. O autor (2013) nos fala que “toda situação de comunicação determina de antemão, em seu dispositivo, um campo temático, uma espécie de ‘macro tema’ que lhe é próprio e que impede que esta situação seja confundida com outra” (p. 188). A partir da citação antecedente, qual seria o projeto de fala de A um passo do estrelato? Acreditamos que o objetivo principal seja trazer a tona o recorte subjetivo de uma realidade na qual a questão de gênero e a questão racial são preponderantes para a configuração de um quadro de desigualdade social A um [longo] passo do estrelato, p. 91-101 93 A noção de contrato, os imaginários sóciodiscursivos e o discurso fílmico documental É pertinentes estabelecermos uma definição do gênero documentário como sendo um tipo de discurso construído mediante um recorte subjetivo da realidade. Acrescentamos a essa nossa definição o fato de que, comumente, ele é organizado com o objetivo de conseguir a adesão do público a partir de alguma questão que fora discursivizada. Por se tratar de um tipo de produção inserida no campo de atividades socioculturais, nos parece interessante evocar o conceito de contrato de comunicação, uma vez que tal noção funciona como uma espécie de regulador nas atividades linguageiras. Segundo Charaudeau, o contrato “pressupõe que os indivíduos pertencentes a um mesmo corpo de práticas sociais estejam suscetíveis de chegar a um acordo sobre as representações linguageiras” (2014, p. 56). Existe uma intercessão entre esse conceito e o postulado utilizado por Bill Nichols para pensar a gama de particularidades existentes no gênero documentário. Segundo o autor americano: Há normas e convenções que entram em ação, no caso dos documentários, para ajudar a distingui-lo: o uso do comentário com voz de Deus, as entrevistas, a gravação de som direto, os cortes para introduzir imagens que ilustrem ou compliquem a situação mostrada numa cena e o uso dos atores sociais, ou de pessoas em suas atividades e papéis cotidianos, como personagens principais do filme (2014, p. 54). O autor (2014) acrescenta, ainda, que, para a construção desse tipo de discurso fílmico, comumente, se faz necessária a presença de uma “lógica informativa, que organiza o filme no que diz respeito às representações que ele faz do mundo histórico” (p. 54). Todo esse trabalho é fruto de uma subjetividade que se manifesta através da atividade do documentarista ou do produtor responsável pelo projeto. Em função disso, acreditamos na pertinência da definição recorte subjetivo da realidade, que apontamos no início do tópico. No entanto, nossa filiação com a análise do discurso nos obriga a fazer um importante adendo. A noção de subjetividade pode suscitar a ideia de um discurso calcado em um tipo de individualidade estranha àquilo que se mostra fulcral para a análise do discurso. O que queremos dizer com isso? O fato é que não existe ineditismo na produção discursiva, nem uma centralidade da posição 94 Anais da XII SEVFALE, Belo Horizonte, UFMG, 2015 de sujeito. A linguista Siane Gois Cavalcante Rodrigues atesta, em conformidade com a tratativa concedida por Bakhtin – e atualizada pela análise do discurso francesa – a condição do sujeito como sendo dividido e cindido mediante o dialogismo inscrito no processo enunciativo. A autora afirma: O discurso reflete a multiplicidade de vozes inscritas no ato de produção da linguagem. Mas essas vozes nem sempre são percebidas no fio do discurso, que pode mascará-las. O fato é que não existe, a princípio, discurso monofônico, por trás de uma voz, outras vozes falam, dialogam, produzem sentido (2008, p. 88 e 89). Aplicando esse postulado ao nosso objeto de estudo, podemos afirmar que A um passo do estrelado é atravessado por diversas vozes. Pensemos, por exemplo, nas inúmeras lutas travadas por mulheres e negros em busca de melhores condições de representatividade na sociedade. O gênero documentário é um campo propício para a divulgação de ideias ou exposição de trajetórias, conforme podemos atestar no recente e premiado What Happened, Miss Simone, documentário dirigido por Liz Garbus, em 2015, que narra a trajetória da cantora negra e ativista Nina Simone. Outro exemplo interessante é o documentário Paris is Burning (1991), de Jennie Livingston, que retrata a trajetória de homossexuais negros que realizam performances em diversas casas de show da cidade de Nova York. Nesse sentido, nos parece pertinente evocar, novamente, Bill Nichols, pois ele estabelece uma tríade na qual os documentários, comumente, se enquadram: identidade pessoal, identidade sexual e pertença social. Segundo o autor (2014): Os vídeos e filmes documentários falam do mundo histórico de formas elaboradas para nos comover ou persuadir. Eles tendem a repisar aqueles aspectos da experiência que se encaixam nas categorias gerais de práticas sociais e relações mediadas institucionalmente (p. 114 e 115). Retomando a ideia desenvolvida a respeito da impossibilidade de criação de um discurso inédito, pensamos ser importante utilizar um conceito fulcral no que diz respeito à teorização proposta por Patrick A um [longo] passo do estrelato, p. 91-101 95 Charaudeau. Estamos falando dos imaginários sóciodiscursivos1 que, de acordo com o linguista francês, (...) circulam, portanto, em um espaço de interdiscursividade. Eles dão testemunho das identidades coletivas, da percepção que os indivíduos e os grupos sociais têm dos acontecimentos, dos julgamentos que se fazem de suas atividades sociais (2013, p. 207). Segundo Charaudeau (2013), os grupos sociais produzem discursos de configuração diversa que dão sentido a materializações [oriundas de imaginários circulantes e sustentadas por uma racionalização discursiva]. É nessa perspectiva que analisamos o documentário A um passo do estrelato. Morgan Neville, de alguma forma, se apropriou dos imaginários circulantes na sociedade americana – luta por direitos iguais das mulheres e dos afrodescendentes –, lembrando que o diretor não se insere nessa categoria, e para isso os organizou discursivamente sob a forma de uma produção fílmica. Eu falo deles para você e o modo de organização expositivo Mencionamos no final do tópico anterior que o diretor do documentário – Morgan Neville – não se enquadra na categoria pertencente aos atores sociais2 presentes em seu filme. Não nos parece interessante estabelecer algum tipo de juízo de valor a esse respeito, uma vez que diversos documentários foram organizados dessa forma. Contudo, não podemos desconsiderar esse fator, uma vez que ele se mostra importante para o tipo de leitura da “realidade” proposta pelo diretor. Bill Nichols (2014) nomeia esse modo de produção de Eu falo deles para você e afirma que nesses documentários o “cineasta assume uma persona individual” (p. 40), ou seja, ele “representa outras pessoas. Esse postulado dialoga com diversos conceitos relevantes tanto para a análise do discurso, quanto para os demais campos das ciências humanas. Podemos citar, por exemplo, a doxa (trabalhada pela linguista Ruth Amossy); o habitus (teorizado pelo sociólogo Pierre Bourdieu); e o interdiscurso (clássico conceito da análise do discurso que fora proposto por Michel Pêcheux). 2 Terminologia utilizada por Bill Nichols para definir os entrevistados ou participantes dos documentários. 1 96 Anais da XII SEVFALE, Belo Horizonte, UFMG, 2015 A ideia de falar sobre um tópico ou assunto, ou pessoa ou indivíduo, empresta um ar de importância cívica a esse trabalho” (p. 41). O autor teoriza a respeito das possibilidades que os documentaristas possuem para despertar a atenção do seu público a respeito de alguma ideia. Segundo ele, “a retórica é a forma de discurso usada para persuadir ou convencer os outros de um assunto para o qual não existe solução ou resposta definida inequívoca” (p. 43). Parece-nos que A um passo do estrelato se insere em um tipo de assunto contemplado na citação precedente. Qual a solução definitiva para resolver a questão da desigualdade social enfrentada pelas cantoras? Essa talvez seja a “pergunta de um milhão de dólares”, pois sua solução pode passar por medidas paliativas que, dificilmente, resolvem esse problema. A discursivização em produção fílmica documental pode ser pensada como uma dessas medidas, no sentido de que há uma tentativa de conscientização do espectador. Outro ponto interessante a ser discutido diz respeito aos possíveis modos de organização dos documentários que foram teorizados por Bill Nichols. O autor estabelece uma taxonomia que não busca ser estanque, mas, ao contrário, objetiva evidenciar a gama de possibilidades para a realização dos documentários. Os modos de organização3 teorizados pelo autor são: Poético, Expositivo, Observativo, Participativo, Reflexivo e Performático. A um passo do estrelato é um notório caso de documentário estruturado a partir do modo de organização expositivo. Segundo Bill Nichols: Esse modo agrupa fragmentos do mundo histórico numa estrutura mais retórica ou argumentativa do que estética ou poética. O modo expositivo dirige-se ao espectador diretamente, com legendas ou vozes que propõem uma perspectiva, expõem um argumento ou recontam uma história (2014, p. 142). Apesar do predomínio expositivo, julgamos interessante enfatizar a presença de um viés performático. Nichols (2014) aponta Não nos parece producente abordar em separado os seis modos de organização. O aprofundamento nessa questão pode ser obtido a partir da leitura do capítulo seis do livro que estamos usando como base teórica de nosso artigo. “Introdução ao documentário”. As referências estão localizadas no final do texto. 3 A um [longo] passo do estrelato, p. 91-101 97 que os documentários performáticos trabalham com a expressividade – “planos de ponto de vista, números musicais, representações de estados subjetivos da mente, retrocessos, fotogramas congelados etc.” (p. 173) – imiscuída com “técnicas oratórias”. Comumente, tais documentários, e incluímos, aqui, o nosso objeto de análise, lidam com questões sociais. A performatividade ocorre a partir daquilo que é chamado pelo teórico francês Jean-Louis Comolli (2008) de “retirada estética” do documentarista, no sentido de que ele cede espaço para o ator social construir algum tipo de performance. Esse processo é nomeado por Comolli de “auto-mise-en-scène”. A um passo do estrelato e o modo de organização argumentativo Em seu livro Linguagem e discurso, Patrick Charaudeau propõe quatro modos de organização do discurso: enunciativo, descritivo, narrativo e aquele no qual acreditamos estar inserido o documentário problematizado em nosso artigo, o argumentativo. Segundo Charaudeau (2012), o modo argumentativo lida “com um saber que tenta levar em conta a experiência humana, através de certas operações do pensamento” (p. 201). Podemos, com isso, inferir que a chave de leitura para os discursos fundamentados mediante essa estratégia – na qual, comumente, se encontram os documentários expositivos – gira em torno da percepção dos imaginários sóciodiscursivos, fundamentados em saberes e crenças, e como o documentarista recorta um determinado “imaginário” para, a posteriori, fazer um tipo de leitura que objetiva a adesão do público. O linguista francês afirma que “o sujeito que argumenta passa pela expressão de uma convicção e de uma explicação que tenta transmitir ao interlocutor para persuadi-lo a modificar seu comportamento” (2012, p. 205). Parece-nos producente enfocar a teorização que Charaudeau faz a respeito da encenação argumentativa. Pensamos que esse tópico oferece categorias relevantes para serem aplicadas em nosso objeto de pesquisa. Vejamos a definição que o autor confere para esse tipo de encenação: A encenação argumentativa consiste, para o sujeito que quer argumentar em utilizar procedimentos que, com base nos diversos componentes do modo de organização argumentativo, devem servir a seu propósito de comunicação em função da situação e da maneira pela qual percebe seu interlocutor (2012, p. 231). 98 Anais da XII SEVFALE, Belo Horizonte, UFMG, 2015 Segundo o linguista, existem três procedimentos utilizados para que determinado discurso possa ser colocado em cena. Procedimentos semânticos, que “consistem em utilizar um argumento que se fundamenta num consenso social pelo fato de que membros de um grupo sociocultural compartilham determinados valores” (2012, p. 232). Procedimentos de composição, que consistem em “repartir, distribuir, hierarquizar os elementos do processo argumentativo ao longo do texto” (2012, p. 244). Procedimentos discursivos, construídos a partir da utilização ocasional ou sistemática de “certas categorias da língua ou os procedimentos de outros Modos de organização do discurso, para, no âmbito de uma argumentação, produzir certos efeitos de persuasão” (2012, p. 236). Faremos a análise de A um passo do estrelato a partir dos procedimentos discursivos, sendo que enfatizaremos seis categorias presentes nessa classificação: definição, comparação, citação, descrição narrativa, acumulação e questionamento. Iniciemos pensando a questão da definição, que problematiza questões relacionadas à definição de um ser e definição de um comportamento. O trabalho de Morgan Neville é calcado nessas duas definições, uma vez que é possível perceber uma discussão concernente à identidade étnica e como os imaginários sociodiscursivos definem o comportamento dessas cantoras. No tocante à comparação, podemos pensar que ela ocorre através da semelhança, no sentido de que a montagem do filme é construída a partir de relatos inter-relacionados e que, de alguma forma, possuem diversos pontos de contato. A citação gira em torno da evocação e do compartilhamento de saberes e experiências. O documentarista, para amparar o seu discurso, utiliza como argumento de autoridade as falas de diversas cantoras. Os depoimentos coletados formam a estratégia da acumulação, que segundo Charaudeau (2012), “consiste em utilizar vários argumentos para servir a uma prova” (p.241). Isso pode ser percebido em diversos depoimentos que, apesar trazerem perspectivas diferentes, servem para validar a macro questão, ou seja, a desigualdade social enfrentada pelas cantoras afrodescendentes. Para ilustrar o nosso pensamento, é válido trazer alguns fragmentos retirados do documentário. Darlene Love (“Deus me deu esse talento e eu pretendo usá-lo. E a minha vida inteira foi assim: tentando fazer sucesso com o dom que eu tenho”). Merry Clayton (“Minha forma de ser ativista em nossa luta, como pessoas negras, era fazer música”). Lynn Mabry (“Ainda há artistas hoje em dia que veem vocais de apoio como símbolo sexual. Isso não é vocal de apoio. É apenas A um [longo] passo do estrelato, p. 91-101 99 interpretar um papel”). Tata Vega (“Esperava pessoas com contratos batendo à minha porta, mas isso não aconteceu. Você está muito velha. Está muito gorda (...) e depois disso, é um inferno”). Mable John (“Na indústria da música, principalmente nós, afro americanos, precisamos saber o valor que temos. Nós, mulheres, precisamos saber o valor que temos”). Todos os fragmentos destacados anteriormente funcionam como descrições narrativas de fatos ou histórias que atestam a tese defendida pelo diretor. Percebemos, neles, a construção das imagens das cantoras como sendo pessoas que lutam por melhores oportunidades e que, muitas vezes, fracassam nessa batalha. A fala de Mable John, por exemplo, evoca uma autoconsciência a respeito da necessidade de uma percepção identitária por parte dos afro-americanos. No que tange ao questionamento, é válido apontar que A um passo do estrelato recorre a uma incitação, sendo o depoimento de Mable John, um comprovador dessa percepção. O que podemos perceber é que o filme parece problematizar uma “realidade” sem a necessidade de evocar uma vitimização. O que parece ser buscado é uma exaltação da luta travada contra um sistema que dificulta o almejado alcance do estrelato. Para sintetizar as ideias desenvolvidas ao longo do texto, podemos afirmar, a respeito da estrutura fílmica, que o documentário é organizado mediante um acúmulo de depoimentos. A montagem parece buscar um diálogo entre as falas das personagens, estabelecendo, ainda, inúmeras imagens de arquivo como forma de ilustrar o que está sendo dito. Em diversos momentos, o diretor paralisa a câmera no rosto das cantoras, como forma de tentar apreender os sentimentos expressos e com isso, buscar um efeito de intimidade. Outra estratégia foi desenvolvida através do estabelecimento de uma diegese entre a música, inserida como trilha sonora na pós-produção, e os depoimentos. O que isso quer dizer? A música, organizada na montagem, parece se inscrever no momento em que a entrevistada oferece o seu depoimento, modificando a sua performance em cena. A um passo do estrelato parece delinear dois movimentos: sucesso – decorrente da posição de backing vocal, em que elas estão atreladas a um grande nome da música, comumente do gênero masculino (ex. Sting, Rolling Stones, Ike Turner) – e fracasso – quando algumas delas almejam construir carreira solo. Um ótimo exemplo é a trajetória de Darlene Love, responsável pela música Christmas (baby please come home), que acaba trabalhando como empregada doméstica. O interessante é que, 100 Anais da XII SEVFALE, Belo Horizonte, UFMG, 2015 após ouvir a supracitada música, em uma estação de rádio, ela resolve abandonar a carreira de diarista para tentar, novamente, se transformar em uma grande estrela da música. Conclusão Pensamos que antes de ser um impulsionador de ideias, o gênero documentário é uma manifestação artística. É interessante analisar os documentários – A um passo do estrelato não foge disso – mediante uma perspectiva formalista aliada à análise das condições de produção do discurso e das ideias propostas pelo documentarista. A percepção desses elementos permite uma melhor apreensão da organização do discurso proposto. Diante disso, podemos afirmar que Morgan Neville partiu dos modos de organização expositivo (teorização cinematográfica) e argumentativa (teorização linguística) para denunciar as condições de inferioridade vivenciadas pelas cantoras. É válido apontar a importância da subjetividade, pois ela confere identidade, embora não possamos esquecer que o sujeito se apresenta imerso em um quadro no qual os saberes e crenças se encontram compartilhados e organizados em imaginários sóciodiscursivos. Referências CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso. Coordenação da equipe de tradução: Angela M. S. Corrêa e Ida Lúcia Machado. 2. ed., 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2012. CHARAUDEAU, Patrick. O discurso político. Tradução de Fabiana Komesu e Dilson Ferreira da Cruz. 2. ed., 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2013. COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Seleção e organização Cesar Guimarães, Rubens Caixeta. Tradução de Agustin de Tuguy, Oswaldo Teixeira e Rubens Caixeta: Revisão técnica Irene Ernest Dias. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. NEVILLE, Morgan (Dir.). A um passo do estrelato. Documentário. Estados Unidos. Radius TWC, 2013. 91 min., cor. A um [longo] passo do estrelato, p. 91-101 101 NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. 5. ed. 3ª reimpressão. Campinas, SP: Papirus, 2014. RODRIGUES, Siane Gois Cavalcanti. Questões de dialogismo: o discurso científico, o eu e os outros. 2008. 302f. Tese (Doutorado) – Centro de Artes e Comunicação, Universidade Federal de Pernambuco, 2008.