Discurso Prof. Jairo Campos

Transcrição

Discurso Prof. Jairo Campos
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Que a minha mãe Yemanjá e Oxossi, orixá do dia de hoje, nos abençoe.
Aos mais velhos eu peço motumbá, colofé e mucuiú.
Autoridades presentes, mães, pais, filhos e filhas de santo, meus senhores e minhas
senhoras.
No dia de hoje, 21 de Março de 2013, dia Internacional de combate à discriminação
racial, há 101 anos da data histórica que assinala a violência cometida contra os cultos
religiosos de matriz africana ocorrida nesta cidade em 1912, e nós, assim como em 2012,
aqui estamos, – brancos, negros, pardos e mestiços -
mais uma vez, irmanados, a
festejar a vida e não a morte a festejarmos o generoso sopro da esperança.
A Universidade Estadual de Alagoas, juntamente com as instituições colaboradoras
e apoiadoras deste evento, e, principalmente com os religiosos/as de matriz africana,
principais protagonistas desta celebração, estamos tomando a iniciativa de realizarmos,
pela segunda vez, a celebração do Xangô Rezado Alto, enquanto um evento e uma
celebração do que acreditamos ser, um marco na questão da Igualdade Racial em nosso
Estado. Neste sentido, ao tempo que buscamos celebrar com ele os sopros da
esperança, estamos aprofundando a identificação de nossa instituição, a Uneal, com as
raízes populares de nosso povo afunilando através dele a nossa identificação para com
os saberes das culturas populares alagoanas, no entendimento de que elas, as culturas
populares, nos remetem à saga da esperança da República de Palmares, quando aqui, no
coração das Alagoas, já no século XVII, surgiu o primeiro grande grito de Liberdade das
Américas.
Neste sentido, mais uma vez, é de liberdade e de esperança o sentido desta
celebração, quando neste ano se completa 101 anos do episódio, do triste episódio que
marcou a quebra dos terreiros de matriz africana em nossa Cidade e em nosso Estado,
data esta que, como sabemos, entraria para a história como a Quebra de Xangô e que
assinalaria, daí em diante, e por mais de um século, um processo de um rumoroso e
silencioso massacre por sobre as manifestações religiosas de matriz africana, massacre e
perseguição que, através do amordaçamento de suas rezas e de seus cantos nas
oferendas a seus orixás, gerou o triste fenômeno que os estudiosos identificariam de
Xangô Rezado Baixo.
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Ao celebrarmos a memória da quebra dos terreiros articulando a esperança no
Xangô Rezado Alto, mais uma vez contamos com a presença de várias autoridades e de
todos os que aqui se encontram – religiosos, intelectuais, professores, pesquisadores,
estudantes, artistas e de todo público presente – e, mais uma vez, estamos convocando a
todos os alagoanos para uma grande e duradoura celebração e, juntamente com ela, a
alegria de celebrarmos todos juntos as nossas mestiçagens, a alegria de celebrarmos a
esperança, a alegria de celebrarmos a diversidade, e de celebrarmos a irmandade e o
convívio fraterno de todas as crenças, e de todas as raças, pois é, sobretudo este o
sentido desta solenidade. Afinal, os terreiros são as nossas academias e como
sabiamente profetizou Cândido Tavares Bastos, nosso tribuno, nossa miséria é nossa
riqueza.
Sendo a imensa maioria da população alagoana esmagadoramente composta de
negros e mestiços, e todos quase invariavelmente pobres e periféricos, têm sido
justamente sobre eles, por serem pobres, negros e periféricos que têm recaído em nosso
Estado os piores índices de desenvolvimento humano; é sobre eles que recaem os piores
índices de alfabetização, e, têm sido justamente eles, jovens, negros e periféricos, as
maiores vítima da violência em nosso Estado.
Neste sentido, o projeto Xangô Rezado Alto, sem perder de vista de ser o mesmo
um projeto de visibilidade e de enraizamento étnico a partir das manifestações religiosas
de matriz africana, a nossa instituição, a Uneal, também pretende sinalizar através dele,
para uma proposta de um desenvolvimento sustentável atento e voltado para as
particularidades das nossas geografias e para as identidade e identificação para com as
manifestações de saberes locais, no entendimento de serem eles, geografias e saberes
locais, repletos em dominância de um povo negro e mestiço, e de uma riquíssima cultura
popular, composta em sua esmagadora maioria, de manifestações culturais de um
enraizamento afro-alagoano que nos remete à Palmares em seu profético movimento de
assinalar, já ali, o nascedouro de uma Alagoas mais justa e fraterna, posto que,
multicultural.
Neste sentido, mesmo sendo a nossa instituição, uma instituição voltada para o
atendimento para com os pobres das Alagoas, com um envolvimento de suas PróReitorias de Ensino, Pesquisa e Extensão e os seus seis campi espalhados em lugares
estratégicos de Alagoas, voltados para índios, quilombolas, camponeses, sem terras,
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crianças e adolescentes e outras demandas todas elas voltadas para os setores mais
carentes de nossa sociedade, ao nos engajarmos no presente projeto, enquanto um
projeto de acentuado caráter étnico-religioso, nós o fazemos sobretudo a partir do fato
incontestável de ser a imensa maioria de nossa gente das Alagoas, composta de uma
gente mestiça, negra e pobre.
A nossa Uneal está atenta e propondo ao Estado de Alagoas e ao município de
Maceió, uma proposta de um desenvolvimento sustentável que leve em conta as dezenas
de comunidades quilombolas situadas e espalhadas sobretudo, por dentre os agrestados
e os sertões; por uma proposta de desenvolvimento sustentável atento para as centenas
de cultos religiosos espalhados pelos centros e pelas entranhas de todas as cidades
alagoanas e, sobretudo, atento para com as particularidades e locais; por uma proposta
de desenvolvimento atenta para os milhares e milhares de capoeiristas espalhados pelas
Alagoas; por uma pedagogia atenta para os saberes locais; por um mercado turístico que,
para além de seus roteiros atrelados para uma dominância de Sol e Mar, esteja atento
para as culturas populares alagoanas, quase todas elas composta de diferentes roteiros
de que se compõem e que se adentram pelas geografias lacustres, pelas geografias
fluviais, pelas geografias dos canais e ainda, pelas diferentes geografias que se adentram
e se aprofundam pelos nossos sertões e agrestados molhados e rasurados pelas brisa do
Velho Chico, e que, por dentre todas estas geografias, uma outra geografia, uma rica
geografia humana toda ela pontuada pelas manifestações culturais afro-alagoanas
sutilmente saturadas pelas influências dos cantos, dos batuques e das cores de que se
compõem todo o aparecer sagrado dos orixás.
Se é de uma tradição que estamos aqui a falar, devemos pontuar que, se existem
tradições boas e más - pois uma árvore se conhece pelos seus frutos, e se é desde
sempre a história que nos julga, - é sempre a mesma história a que também acolhe. E o
que nos trazem e nos trouxeram os negros alagoanos, as suas religiosidades e as
tradições dos orixás?
Se é de esperança do que estamos a falar, foram as tradições religiosas de matriz
africana, que, juntamente com outras manifestações religiosas, que, diante do desamparo
em que historicamente foram situados os negros diante do avassalador processos de
modernidade e de modernização que, ao longo das décadas, foram se implantando por
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sobre os escombros e as ruínas das culturas populares aqui em Alagoas, alagoanas, as
instituições voltadas para a socialização e para o acolhimento dos negros e pobres.
Neste sentido, aqui nesta noite, na presença de tantas autoridades estaduais e
municipais, estamos a evocar à sensibilidade de sua excelência, o nosso Governador
Teotônio Vilela Filho, no sentido de incluir as datas do dia 20 de novembro, dia de
celebração da Consciência Negra e de Romaria à Serra da Barriga; Dia 08 de dezembro,
dia da Festa do Iemanjá, Dia da Lavagem do Bomfim realizada em Janeiro, Dia do Xangô
Rezado Alto e do Carnaval, enquanto eventos que sejam integrados no calendário
turístico alagoano, e que, todos estes eventos, também sejam incorporados enquanto
atividades curriculares em todas as escolas de Alagoas, através das Secretarias Estadual
e municipais e que também, todos possam ser amparados de um modo especial pela
Secretaria Estadual de Cultura e a Secretaria da Mulher, da Cidadania e dos Direitos
Humanos pois todas estas manifestações afro-alagoanas nos engrandecem, todas elas
incorporadas enquanto um programa de Estado tornará Alagoas em uma geografia mais
plural e justa, e, em nome deste povo que aqui se encontra, solicitamos ainda, que a data
do dia 20 de Novembro jamais volte, em tempo algum, a ser alterada e pedimos, ainda,
que neste último ano do governo Téo, juntamente com o Prefeito de Maceió, fomentem e
realizem um autêntico carnaval de rua, no entendimento de ser ele, o carnaval, um
momento único, um espaço de festa e de celebração de nossas diversidades.
Se numa noite como a de hoje, em uma data de tenebrosa memória, no ano de
1912, há 101 anos, os cultos religiosos foram massacrados e silenciados, atualmente eles
vêm emergindo e ganhando cada vez mais visibilidade, através de suas cores, seus
batuques, suas festas e seus axés, é necessário destacar, ainda, o papel de todos os
homens e mulheres de bem, no sentido de que, ao compartilhar conosco tanto no marco
histórico da rememoração dos cem anos do massacre dos cultos afro-alagoanos, no
histórico pedido de perdão feito pelo governador Teotônio o ano passado, bem como no
compartilhar deste agora, estamos reconhecendo a grandeza e o papel histórico de ver
nestas comunidades religiosas e em todas as suas manifestações, toda a importância que
os povos de matriz africana representam e têm representado para o nosso Estado de
Alagoas. Pois, - vale mais uma vez aqui repetir - tudo isto nos engrandece e tornará e
torna Alagoas um lugar mais belo, mais humano e mais justo.
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Neste sentido, vale repetir aqui, hoje e mais uma vez, as palavras ditas por Tia
Marcelina, a matriarca e mártir dos cultos religiosos de matriz africana de Alagoas, a
qual, quando estava a celebrar seus cultos, ao perceber a chegada de seus algozes, ao
invés de correr, ela se manteve altiva e se adentrou em seu espaço sagrado, o peji, e, a
cada golpe de sabre e a cada chute que recebia, dizia: “bate, bate, quebra braço, quebra
o corpo, mas não quebra a sabedoria”, é isto o que estamos a presenciar cada vez mais
aqui em Alagoas, e não somente hoje, mas, de uma forma cada vez mais pulsante, os
alegres e crescentes rumores dos batuques, das rezas e das festas sob o pulsar dos
orixás.
Então é isto: quem viver verá, e finalizando, ousamos aqui prenunciar em sintonia
com as vozes, batuques, axés e de todo o somatório de todos os cantos negros que não
cessam: que Alagoas somente brilhara em todo o seu esplendor quando as vozes e os
cantos negros estenderem por sobre toda ela, Alagoas, as suas presenças, os seus
cantos, e suas cores.
Muito obrigado.