Contrato de deposito

Transcrição

Contrato de deposito
AULA – CONTRATO DE DEPÓSITO (Art. 625 a 652)
•
Histórico:
O contrato de depósito remonta origem na Grécia
antiga que considerava como algo especialmente
protegido pelos deuses, tendo características próprias de
um ritual sagrado. Daí remonta que era baseado na
confiança.
Já no Direito Romano, as sanções que regiam o
instituto eram fundamentalmente duas: a actio depositi
directa, que punia a violação das obrigações do
depositário, obrigando-o à devolução; e actio depositi
contraria, que sancionava o descumprimento das
obrigações do depositante, compelindo-o a reembolsar o
depositário pelas despesas indispensáveis, feita para a
conservação da coisa depositada (Stolze, Palbo. P. 297)
Todas as legislações modernas admitem amplamente
esta figura jurídica (o depósito), com algumas
modificações em sua estrutura conceitual, especialmente
no que tange ao seu objeto.
No Brasil, desde o Código de 1916, o depósito é
tratado como contrato típico e nominado (art. 1.265 – CC
de 1916; art. 627 do atual CC-02), tendo por objeto
apenas bens móveis. Afasta-se, pois, do nosso direito
positivo, de Estados como Portugal e Argentina, que
admite o depósito imobiliário.
Conceito:
O contrato de depósito é um negócio jurídico por meio
da qual uma das partes (depositante) transfere à outra
(depositário) a propriedade de um objeto móvel (art.
627, CC), para que seja guardado, conservado e,
posteriormente, devolvido (temporariedade).
Temos uma obrigação de custódia da coisa pelo
depositário, de natureza temporária.
O depositário recebe o bem móvel para satisfazer o
interesse precípuo do depositante, na conservação da
coisa até o momento da restituição.
De modo diverso, por exemplo, nos contratos de
locação e comodato, onde a guarda é apenas um
pressuposto para que os seus titulares possam usar e fruir
do bem contratado, faculdades estas que são vedadas ao
depositário, exceto sob autorização do depositante (Art.
640, CC).
O fim precípuo do depósito é, então, a guarda da
coisa, não a transferência da propriedade nem o uso da
coisa. “Pelo contrato de depósito recebe o
depositário um objeto móvel, para guardar, até que
o depositante o reclame” (CC, art. 627)
PARTES:
- Depositante (proprietário da coisa);
- Depositário (pessoa a quem se transfere a coisa para sua
guarda)
OBJETO:
Quanto ao objeto, como já exposto na conceituação os
objetos são bens móveis infungíveis (quando se tratar de
depósito voluntário regular) e fungíveis (quando se tratar
de depósito voluntário irregular – exemplo mais comum e
difundido o depósito de dinheiro – bancário). Aliás, o
depósito irregular se assemlha ao mútuo e por isso lhes
aplicam a mesma regra.
Exemplos: os títulos de crédito ou as ações
pertencentes a um acionista estão na categoria das coisas
corpóreas que podem ser objeto de contrato de depósito.
Um exemplo a ser demonstrado do depósito regular
um quadro “X”, obra única de um pintor de elevada
notoriedade que confia em depósito a um banco ou um
museu ou a um amigo para guarda e conservação.
A entrega de veículo em confiança a estacionamento
de um restaurante caracteriza-se como contrato de
depósito e, como tal, atrai a responsabilidade do
depositário (Posição do STJ).
Características e classificação:
Contrato típico e nominado;
Unilateral ou bilateral: na sua essência o depósito é
um contrato tipicamente unilateral, ou seja, impõe
obrigação apenas para uma das partes: o depositário.
Entretanto, especialmente naqueles negócios de
natureza mercantil, poderá apresentar-se ainda sob a
forma de contrato bilateral.
Gratuito ou oneroso: Se for celebrado na
modalidade unilateral, considera-se contrato gratuito,
pois apenas o depositante se beneficia; caso,
entretanto, seja pactuada remuneração ao depositário,
reputar-se-á o negócio oneroso, pois ambas as partes
terão beneficio patrimonial.
Aliás, como bem observa Orlando Gomes: “ A
gratuidade não é da essência do próprio contrato,
pois,
de
regra
se
tornou
oneroso,
forma
ordinariamente utilizada atualmente.
o De fato, pouco comum nos dias de hoje, a
modalidade gratuita, como, por exemplo, as
empresas que se dedicam ao ramo de
estacionamentos pagos. Sensível a isso, apesar
da presunção obsoleta de gratuidade, o legislador
admitiu a onerosidade no próprio art. 628, CC:
“O contrato de depósito é gratuito, exceto
se houver convenção em contrário, se
resultante de atividade negocial ou se o
depositário o praticar por profissão.”
Real: Por sua vez já na classificação de diversos
contratos já delineamos o que é o contrato real, no
entanto, por apego à didática e à clareza,
relembramos que é real o contrato que somente se
torna perfeito e acabado com a entrega do bem –
objeto do negócio – de uma parte à outra. Enquanto
não efetuada a entrega ao depositário, o contrato não
se torna perfeito.
Intuitu personae: Com ressalvas, uma vez que a
impessoalidade e sua natureza mercante faz perder a
nota de pessoalidade que tradicionalmente se lhe
aponta. Nos contratos a título gratuito até podemos
vislumbrar a confiança.
Comutativo: As partes podem antever as prestações.
Paritário ou de adesão: A depender das
circunstâncias será paritário ou de adesão. É contrato
amplamente utilizado nas relações consumeristas e
civis.
Quanto à forma: Bem a verdade não exige forma
solene, no entanto, pode se entender que na
modalidade voluntária (objeto da seção I), é uma
avenca solene, uma vez que a lei exige forma escrita
para sua comprovação (Art. 646, CC-02). Todavia,
na outra espécie, isto é, depósito necessário, pode ser
celebrado na maneira não-solene, apenas pela prática
dos atos materiais correspondentes. É interessante
para os contratos onerosos sua redução a contrato
escrito.
Partes:
Já vimos na conceituação que são partes no contrato de
depósito:
Espécies de depósito:
Divide-se o depósito em duas espécies:
Voluntário, quando se origina da livre manifestação das
partes, fazendo surgir o contrato de depósito. Estamos
diante do caso do art. 627, do Código Civil e os artigos
subseqüentes (647, CC).
Necessário, quando se origina por força de lei (depósito
legal) ou se efetua por ocasião de alguma calamidade como
incêndio, inundação, naufrágio ou saque (depósito
miserável).
DEPÓSITO VOLUNTÁRIO
A lei que prescreve o depósito voluntário, contratual ou
convencional no art. 627 do Código Civil.
O depósito voluntário,pode ser regular ou irregular
(construção doutrinária e jurisprudencial).
Regular: é o depósito em que o depositário assume a
obrigação de restituir a mesma coisa que lhe foi entregue.
Assim, no depósito regular se tem a restituição do mesmo
objeto (bem infungível). Por exemplo, a entrega do veículo
ao manobrista para guarda, contrato de depósito, deve ser
entregue o mesmo bem.
A entrega de uma determina vaca por certo tempo, ainda
que explore atividade econômica.
Irregular: Já o depósito irregular é aquele depósito que
tem por objeto bens fungíveis ou consumíveis. E temos
como exemplo mais comum e difundido o depósito de
dinheiro (bancário). Há, na espécie, inegável semelhança –
embora não identificação – entre o depósito e o mútuo,
razão pela qual se lhes aplicam as mesmas regras.
Exemplo: No contrato de depósito bancário, quando se faz
o depósito de R$ 1.000,00, ao efetuarmos posteriormente o
saque do numerário não recebemos as mesmas cédulas
que depositamos e sim outras notas representativas do
mesmo valor. O banco passa a ter sobre o dinheiro total
disponibilidade. Assim, esse contrato, por construção
doutrinária e jurisprudencial é considera depósito irregular.
Assim, há semelhança com o mútuo, pois o depositário
como guardião da coisa (bem fungível) poderá alienar ou
consumir o que recebeu, sendo fundamental a devolução
de igual bem no tocante ao gênero, quantidade ou
qualidade (no mútuo – o mutuário receberá o bem fungível
e poderá dar a destinação que lhe convier, devendo
devolver bem de mesmo gênero, quantidade e qualidade).
Diferença própria da teleologia dos institutos: O mútuo é
realizado no interesse do mutuário (Tem o seu patrimônio
acrescido pelo empréstimo, com a obrigação de restituir no
prazo contratado ou, supletivamente no termo legal (art.
592, CC) – Inclui nos seus ativos, apenas tendo que
devolver em certa época bem de mesmo gênero, qualidade
ou quantidade. Já que o depósito é feito no interesse do
depositante, se quer dizer: que o depositário não poderá
incluir os bens fungíveis (aquele dinheiro) em seu ativo,
pois deverá restituir a qualquer tempo, assim, mantendo o
equivalente permanente à disposição pó depositante.
Depósito regular – obrigações do depositário:
Obrigações do depositário
São duas as principais: a guarda e a restituição.
A obrigação de guardar: Conservar a coisa ao guardá-la
e restituir; Art. 629, CC-02, Art. 633, CC-02 – Quer dizer
inclusive que se o depositário apenas guarda a coisa,
sendo-lhe vedada a sua exploração econômica, todos os
acréscimos econômicos que dela resultarem deverão ser
devolvidos
conjuntamente
com
o
bem
principal.
Exemplificando: No depósito de uma vaca campeã, que já
prenhe ou que venha a ter um bezerrro ao tempo da
tradição, serão restituídos os bezerros.
Obrigacoes de restituir: Art. 631 – CC: Quanto à
restituição da coisa, esta deve se feita, salvo disposição em
contrário, no lugar em que tiver sido guardada, correndo as
despesas da restituição por conta do depositante (Art. 631,
CC).
Art. 632 – Caso o bem seja de terceiro, aplica-se o art. 632
do CC-02. Com isso, resguarda-se direito do terceiro,
legítimo proprietário da coisa.
Art. 633 e 634 – O depositário poderá negar-se a
restituição da coisa nas hipóteses do art. 633 e 634 do CC.
Art. 633 (O prazo é assinalado em favor do credor, no caso
de direito de restituição em razão de dispêndio com valores
líquidos de conservaçãomdo bem depositado ou prejuízos
que dele advierem (Art. 643 e 644, CC – Nada mais justo
que indenizar o depositário pelas despesas realizadas com a
coisa em seu exlcusivo benefício, bem como pelos prejuízos
experimentados, sob pena inclusive de enriquecimento
injustificado (como se fosse benfeitorias necessárias e
úteis).
Art – 644 – CC – Parágrafo único – Dividas liquidas –
Ressalva que o direito de retenção é condicionado à liquidez
dos débitos reclamados pelo depositário. Dívida liquida é
aquela cujo valor pode ser extraído de mera análise da
prova documental do depositário, dispensando-se provas
testemunhal e pericial.
Art. 639 – CC: Outra importante regra no tocando ao
direito de restituir está contida no art. 639- CC – 02 – Um
exemplo vale por mil palavras: Suponhamos que A e B
sejam proprietários de uma tonelada de soja, depositada
em poder de Oliveiros. Neste caso, tratando-se de coisa
divisível, deverá o depositário entregar a cada um dos
depositantes a sua respectiva parte (500kg, se o contrato
não dispuser de forma contrária). Todavia, se houver entre
eles solidariedade, poderá o depositário entregar todo o
bem a apenas um dos depositantes, que o reclamar
(Art.275, CC).
Art. 641 – CC.
b) Manter a coisa no estado em que foi entregue; (Art.
630, CC-02 – Salvo autorização expressa do depositante,
caberá ao depositário completo respeito ao dever de sigilo,
responsabilizando-se civilmente pela inexecução deste
dever. Será facultado caso o dano seja justificado pelo
tutela do próprio depositário ou da ordem pública (dúvida
séria quanto a segurança ou salubridade do bem
depositado).
c) Não servir-se o depositário da coisa depositada, pois a
finalidade do depósito é a guarda e não o uso da coisa.
“Sob pena de responder por perdas e danos, não
poderá o depositário, sem licença expressa do
depositante, servir-se da coisa depositada, nem a dar
em depósito a outrem” (CC, art. 640).
Obrigações do depositante
DEPÓSITO NECESSÁRIO
Está disciplinado nos arts. 647 a 652 do CC e se subtipifica
em legal e miserável.
Depósito legal: O denominado depósito legal, previsto no
inciso I, é aquele decorrente de uma obrigação prevista em
texto normativo, a exemplo do que ocorre quando um
sujeito encontra coisa alheia perdida, impondo-lhe, a teor
dos arts. 1.233 a 1.237 do Código Civil, que se encaminhe
a uma delegacia de polícia, para efetuar o depósito, sob
pena de incorrer em crime de apropriação indébita de coisa
achada (CP, art. 169, II).
Outro exemplo de depósito voluntário é o que deve ser feito
pelo administrador dos bens do depositário que se tenha
tornado incapaz (art. 641, CC).
Depósito miserável: também decorrente de lei, é aquele
desempenhado em situação de desespero, como um
incêndio, uma inundação, um naufrágio ou o saque.
Exemplo: Na hipótese de uma enchente, a pessoa fora
levada a efetuar a entrega de seus bens ao vizinho, cuja
casa não fora invadida pela água. Deve-se ainda registrar
que, que por não se presumir gratuito (art. 651, CC –
2002), o depositário poderá vir a ser remunerado,
especialmente quando houver sofrido prejuízo.
Depósito das bagagens dos viajantes ou hóspedes –
equiparado ao depósito legal (CC – 02, art. 649,
caput).
O depósito de bagagens de viajantes ou hóspedes
equiparou-se ao legal, podendo atingir hotéis, motéis,
pensões, albergues, pousadas e todo e qualquer
estabelecimento que exerça atividade idêntica.
A razão do depósito de bagagens de hóspedes se
considerar um depósito legal por equiparação, se dá em
razão do risco da própria atividade profissional dos
hospedeiros.
Daí a imposição da remuneração aquele que cuida de bem
alheios em situações como dos hoteleiros.
Nesse caso, o valor do depósito já está incluído no preço da
hospedagem, pois seria inconcebível uma cisão entre o
hospedar e o depositar os pertences do hóspede, sendo
esta uma obrigação legal inerente àquele contrato.
Registra-se também que as modalidades de depósito
que vamos tratar no contrato em espécie serão a
convencional (voluntario/contratual) e a legal
(necessário), ficando de fora o depósito judicial,
matéria afeta ao direito processual civil, em que a
disciplina legal tem suas particularidades (até
mesmo porque a condição de fiel depositário
consiste em múnus público de cuidar da coisa);
O depósito judicial é decorrente da penhora, isto
é, de um ato processual de natureza executiva que
materializa (constitui) a penhora, com a finalidade
de garantir a subtração do bem e garante a custódia
até a sua arrematação ou adjudicação.
José Frederico Marques conceitua depósito judicial
como “ato executório material, com função conservativa,
e ainda com a de tornar concreta e mais efetiva a
apreensão da coisa, para completar, dessa maneira, a
operação preparatória com que se demarca a sujeição
patrimonial do devedor ao processo de execução
forçada”[16].
Gabriel José Rodrigues de Rezende Filho, por sua vez, o
conceitua como “ato processual em virtude do qual o
Estado, por meio de seu representante, guarda os bens do
executado enquanto não há a sua arrematação ou
adjudicação”[17].
Levando em conta a função e a natureza jurídica do
depósito judicial, prefiro conceituá-lo como ato de caráter
público e natureza executiva que materializa (constitui) a
penhora, com a finalidade de garantir a impossibilidade da
subtração do bem à finalidade do meio executório através
da custódia e, pois, da vigilância para a conservação da
coisa.
Assim o depósito judicial é:
a) ato de caráter público, porque através dele se
estabelece um vínculo de direito público entre o Estado e
o depositário que, a partir da assunção do encargo, passa
a atuar como auxiliar do juízo (longa manus do juiz),
desempenhando função pública (CPC, art. 139). Trata-se,
pois, de ato diverso do depósito convencional (CC, art.
627, CC e seguintes), que tem índole contratual.
b) e natureza executiva, porque está umbilicalmente
ligado aos atos de apreensão judicial de bens, que têm
carga
de
eficácia
executiva.
c) que materializa (constitui) a penhora, porque é
elemento constitutivo essencial que materializa a sumária
subtração corporal do bem apreendido (CPC, art. 664).
d) com a finalidade de garantir a impossibilidade da
subtração do bem à finalidade do meio executório
através da custódia e, pois, da vigilância para a
conservação da coisa, porque esta é a função primordial
do depósito judicial.
Não se confunde o depósito convencional ora
tratado com o seqüestro. Com habitual clareza,
THEODORO JÚNIOR ensina que o seqüestro “é medida
cautelar que assegura futura execução para entrega
de coisa, e que consiste na apreensão de bem
determinado, objeto do litígio, para lhe assegurar
entrega, em bom estado, ao que vencer a causa”
Relembramos que o depósito judicial, ato processual,
não é objeto dos nossos estudos, por ser matéria
afeita
com
suas
particularidades
ao
direito
processual civil.