Construção de Cenários Prospectivos

Transcrição

Construção de Cenários Prospectivos
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
TIAGO LUIS CESQUIM
CONSTRUÇÃO DE CENÁRIOS PROSPECTIVOS
História, conceitos e métodos
São Paulo
2009
1
TIAGO LUIS CESQUIM
CONSTRUÇÃO DE CENÁRIOS PROSPECTIVOS
História, conceitos e métodos
Monograf ia apresent ada ao Programa
San Tiago Dantas de Pós-Graduação
em
Relações
Internacionais
da
UNESP para obtenção de t ítulo de
Especialista
em
Negociações
Econômicas Internacionais, sob a
orientação do Prof.º Dr.º Héctor Luis
Saint-Pierre.
São Paulo
2009
2
Dedico este trabalho a Deus, portador de
todos os tempos.
3
Agradeço a Deus e à minha família, que
geraram todas as condições para que o
curso e a monografia pudessem ser
realizados. Também ao professor Drº
Héctor Luis Saint-Pierre pela dedicação e
orientação ao trabalho. E merecidamente
a meus colegas de turma, aos docentes
do curso e aos funcionários da Unesp,
sempre receptivos e simpáticos à minha
pessoa.
4
“Y en esto hay que ser claros: el Futuro no
existe; máximo es un propósito de vida por
el que vale la pena pensar; es una
dimensión de la imaginación que nos permite
construir, es uma dimensión del tiempo no
conocida.”
“Y las sociedades también pueden
plantearse Futuros probables, posibles y
deseables. Todos ellos a partir de las
acciones presentes. Porque el Futuro no
existe, se construye.”
Karina Doña Molina
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Resumo
O trabalho é uma introdução ao método de Construção de Cenários, utilizado como
ferramenta estratégica para prospectar o futuro, definindo planos de ação e reação
para possíveis eventos futuros. Inicialmente, demonstra-se a função e importância
da prospectiva para a estratégia das organizações, abordando os usos e objetivos
dos cenários. Segue-se a identificação de idéias centrais que norteiam os trabalhos
desse campo, situando os campos da prospectiva e dos estudos futuros, e alguns
conceitos chave com os quais trabalham. Aborda-se em seguida noções
fundamentais dos métodos empregados pelos pesquisadores, verificando suas
características, etapas e funções comuns, analisando particularizadamente os
métodos chamados de Análise Prospectiva e Lógica Intuitiva, o desenvolvido por
Grumbach e os Cenários Industriais de Porter. Segue-se, ainda nesse capítulo, um
estudo sobre ferramentas empregadas nos processos de cenarização, discorrendo
sobre sua aplicação e modelo. Por fim, um breve histórico situa no tempo e no
espaço acontecimentos e personagens importantes no desenvolvimento dos estudos
prospectivos e da construção de cenários, narrando modos de antecipação do futuro
anteriores aos estudos prospectivos, o desenvolvimento dos estudos futuros no
século XX e seus desdobramentos no Brasil.
Palavras chave: prospectiva – construção de cenários – estratégia – histórico –
conceitos – métodos – ferramentas.
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Abstract
The work is an introduction to the method of Scenes Construction, used as strategic
tool to foresight the future, defining plain of action and reaction for possible future
events. Initially, It demonstrates the role and importance of the foresight for the
strategy of organizations, approaching the uses and objectives of the scenes. It is
followed identification of ideas central that guide the works of this field, pointing out
the fields of the foresight and the future studies, and some concepts key with which
they work. One approaches after that basic slight knowledge of the methods used for
the researchers, verifying its common characteristics, stages and functions, analyzing
particularly the methods called Foresight Analysis and Intuitive Logical, developed for
Grumbach and the Industrial Scenes of Porter. It is followed, still in this chapter, a
study on tools used in the scenario processes, discoursing on its application and
model. Finally, a historical briefing it points out in the time and the space important
events and personages in the development of the foresight studies and the
construction of scenes, telling ways of previous anticipation of the future to the
foresight studies, the development of the future studies in century XX and its
unfoldings in Brazil.
Words key: foresight - construction of scenes - strategy - historical - concepts methods - tools.
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Sumário
Introdução – Cenários Prospectivos e Estratégia ............................................ 8
Capítulo 1 – Histórico ......................................................................................... 16
1.1. Pré-história ................................................................................................... 17
1.2. Mundo ............................................................................................................ 20
1.3. Brasil ............................................................................................................. 23
1.4. Cronologia .................................................................................................... 26
Capítulo 2 – Conceito .......................................................................................... 28
2.1. Prospectiva .................................................................................................... 31
2.2. Cenário .......................................................................................................... 34
Capítulo 3 – Métodos .......................................................................................... 48
3.1. Premissas ..................................................................................................... 39
3.1.1. Análise Prospectiva .................................................................................. 45
3.1.2. Lógica Intuitiva .......................................................................................... 47
3.1.3. Grumbach .................................................................................................. 51
3.1.4. Cenários Industriais .................................................................................. 53
3.2. Ferramentas .................................................................................................. 55
Bibliografia ........................................................................................................... 62
Apêndice A – Associações e Empresas relacionadas aos estudos futuros .. 66
Anexo A – Organização Temática dos Estudos Futuros da WFS ................... 68
Anexo B – Planificação Estratégica por Cenários por Godet ......................... 69
Anexo C – Exemplo de Cenário – Turismo em Portugal .................................. 70
Anexo D – Exemplo de Cenário – Projeto Brasil 3 Tempos ............................ 72
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Introdução
Estratégia
A construção de cenários é uma ferramenta estratégica, do campo da
prospectiva, utilizada em conjunto com outras ferramentas para auxiliar na tomada
de decisões com influência nos desdobramentos futuros do campo estudado.
El objetivo de esta metodología es proponer las orientaciones y las acciones
estratégicas apoyándonos en las competencias de la empresa en función de
los escenarios de su entorno general y concurrencial. (GODET, 2000, p. 15)
A finalidade dos cenários exploratórios era, segundo Heijden (2000 p. 64),
‘ampliar a compreensão do sistema, identificar os elementos
predeterminados e descobrir as conexões entre as várias forças e eventos
que conduziam esse sistema, o que levaria a uma melhor tomada de
decisão’. (MORITZ; PEREIRA 2005, p. 16)
El método de escenarios puede ayudar a elegir, situando el máximo de
apuestas para la estrategia que sea la más idónea de acometer en el
proyecto que se determine. (GODET, 2000, p. 41)
Um cenário é um meio de orientar a ação presente à luz de futuros possíveis
– os múltiplos futuros que podem acontecer – e não uma realidade futura. Se não
podemos saber o futuro, podemos pensar nele a partir daquilo que está acontecendo
no presente e das tendências do passado. Além disso, nossas ações presentes
podem nos dar uma idéia do que ocorrerá no futuro. Assim, o cenário prospectivo é
uma reflexão para a construção do futuro possível em oposição à fatalidade de um
futuro definido.
Vale ressaltar que, o principal objetivo dos estudos prospectivos não é
‘prever o futuro, mas estudar as diversas possibilidades de futuros
plausíveis existentes, preparando as organizações contemporâneas para
enfrentar o ambiente competitivo, ou criar condições para que modifiquem
suas probabilidades de sobrevivência, ou até mesmo minimizar seu
potencial de crise’ (MARCIAL; GRUMBACH, 2002). (MORITZ; PEREIRA
2005, p. 3)
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Pode-se encontrar certa correspondência entre os cenários prospectivos e a
concepção do tipo ideal descrita por Max Weber, que se refere a uma construção
parcial da realidade em que o pesquisador seleciona um certo número de
características do ambiente, selecionando alguns desses, construindo um todo
inteligível entre vários possíveis, para permitir a aproximação com o ambiente
estudado. Por tratar-se de um esquema puramente conceitual, não serve de norma
prática, uma vez que não se encontra um correspondente do tipo ideal na realidade.
É uma construção idealizada que visa esclarecer alguns elementos constituintes do
tipo.
O tipo ideal é conseguido mediante o encadeamento de um conjunto de
fenômenos isoladamente dados, que se ordenam segundo pontos de vista
unilateralmente acentuados, a fim de se formar um esquema homogêneo de
pensamento. (SOUZA, s/d, p.1)
Não se busca correspondência com o fenômeno concreto, já que são
infinitas as relações causais que constituem a realidade social. O cientista
social deve realizar a decomposição, pela análise, das características
julgadas importantes, de acordo com seus valores, acentuando-as
unilateralmente, para que sirvam de baliza durante o processo de estudo
desta realidade social. (MOTTA, s/d, p.5)
À maneira dos cenários prospectivos, com os tipos ideais “não desejamos
forçar esquematicamente a vida histórica infinita e multifacetária, mas simplesmente
criar conceitos úteis para finalidades especiais e para orientação” (WEBER, 1974,
p.345 apud. SOUZA, s/d, p.1). Weber destaca ainda que as ações podem ser
caracterizadas por quatro tipo ideais: a ação racional orientada aos fins, a ação
racional com relação a um valor, a ação afetiva e a ação tradicional. Os cenários
prospectivos lançam luz sobre uma ação orientada aos fins, evitando que os
tomadores de decisão mantenham uma postura tradicional frente a transformações e
rupturas que exigem uma postura inovadora.
(Na ação racional orientada aos fins) O indivíduo avalia fins alternativos,
confronta os fins escolhidos frente a possíveis efeitos e orienta-se em
10
relação a eles, atento ao imperativo de adequar condições, recursos e
meios àqueles fins. (SOUZA, s/d, p.2)
A. Giddens diz que "um tipo ideal é construído pela abstração e combinação
de um indefinido número de elementos que, embora encontrados na
realidade, são raramente ou nunca descobertos nesta forma específica...
Um tipo ideal assim não é nem uma 'descrição' de um aspecto definido da
realidade, nem, segundo Weber, é uma hipótese; mas ele pode ajudar tanto
na descrição como na explicação. Um tipo ideal não é, naturalmente, ideal
em sentido normativo: ele não traz a conotação de que sua realização seja
desejável... Um tipo ideal é um puro tipo no sentido lógico e não exemplar...
A criação de tipos ideais não é um fim em si mesmo... o único propósito de
construí-los é para facilitar a análise de questões empíricas”. (SILVA, s/d,
s/p)
Para a construção do tipo ideal, assim como para a análise do contexto
estudado para a elaboração dos cenários, é importante ter em conta o conceito de
sistema, que pode ser definido como um conjunto organizado de processos ligados
por um conjunto de interações coerentes e flexíveis, que o tornam dotados de certa
autonomia. (LAPIERRE, apud RIBEIRO, 2008, p.9) Os processos são sequências de
movimentos, comportamentos ou ações de um ator e as interações definem-se
como um processo em que uma ação age e/ou reage sobre a outra, sem ocorrer
uma determinação causal entre elas. A autonomia explicita que, para a existência do
sistema, os processos não podem ser determinar por processos exteriores, mas sim
por suas interações. Esses sistemas podem ser compostos por subsistemas, e
determinam-se ainda como sistemas abertos (quando agem sobre outros sistemas e
reage à ação desses sobre si) e fechados (são relativamente fechados, impedindo
seletivamente a entrada de fluxos vindos do ambiente).
Algumas características distintivas dos sistemas são: a) ter propósitos
específicos no interior de sistemas mais amplos, possuindo uma integridade que o
mantém como um todo; b) suas partes devem estar presentes e arranjadas para o
sistema alcançar seus objetivos; c) o sistema mantém sua estabilidade por meio de
flutuações e ajustamentos e; d) o sistema possui mecanismos de feedback no seu
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interior, permitem o ajustamento por meio de mudanças de comportamento.
(RIBEIRO, pp.10-11)
Num sistema (ou subsistema) que é sede de uma transformação, existem
variáveis de entrada (inputs), variáveis internas circulantes (throughputs)
e variáveis de saída (outputs). As entradas estão sob influência do
ambiente externo, e as saídas resultam da actividade do meio interno do
sistema. (RIBEIRO, 2008, p.11)
O Systems Thinking constitui um mapa mental para compreender como
funcionam as realidades, indo para além dos Acontecimentos que nelas se
multiplicam, procurando identificar Padrões de Comportamento e indo à
procura das inter-relações subjacentes, que se podem identificar como
responsáveis por esses Padrões e esses Acontecimentos. (RIBEIRO, 2008,
p.26)
O propósito da metodologia de futuros é, partindo principalmente do estudo
da estrutura de um sistema (sua rede de relações), explorar, extrapolar e provar as
distintas visões de futuros possíveis e desejáveis para esse sistema, de modo a
desenhar e construir esse futuro.
Para P. Gonod no centro dos Exercícios de Prospectiva encontram-se dois
“blocos” distintos, mas inter-relacionados – a “Construção do Sistema” e a
“Construção dos Futuros”: - a “Construção do Sistema” efectua-se em
módulos sucessivos, num processo de informação crescente, permitindo
níveis de representação cada vez mais aprofundados; -a “Construção dos
Futuros” toma como “entradas” a modelização de Estado e de Processos e
opera sobre eles através de uma modelização de antecipação; aumenta a
variedade do Sistema presente, mediante um processo criativo, através de
modificações da Estrutura do Sistema que resultam da “activação” deste
pelos Actores; e tem como “saídas” as “Formações Prospectivas”, cuja
forma mais conhecida são os Cenários (...) (RIBEIRO, 2008, pp.57-58)
Notem-se as diferenças entre o que podemos pensar do futuro, o que
desejamos e o que ocorrerá. Se não podemos controlá-lo completamente, podemos,
no entanto, ter alguma influência no rumo da história.
Los Métodos de investigación de Futuros no producen descripciones
completas ni totalmente correctas del Futuro, sino, que ayudan a demostrar
qué es posible, orientan nuestras elecciones de políticas, identifican y
evalúan medidas alternativas y evitan errores, aprovechando las
oportunidades del futuro (MOLINA, 2004a, p. 16)
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O futuro sempre suscitou interesse, sendo objeto de preocupação pela
necessidade de antecipar ações visando a um melhor resultado de longo prazo. No
Egito, como exemplo, os sacerdotes criavam suas previsões com base na
observação das fases do rio Nilo, de modo a realizar provisões e plantações da
maneira mais adequada. Hoje, na sociedade da informação, com um tempo
instantâneo para troca de documentos, obtenção de respostas e tomada de ações,
quais ciclos e ferramentas podem ser usadas para medir o futuro?
Nesse contexto, a necessidade de sobrevivência em ambientes de negócios,
caracterizados pela crescente competitividade, tem levado as empresas a
utilizarem as ferramentas da inteligência competitiva e a técnica de cenários
prospectivos, para obtenção de informações acerca do ambiente, a fim de
subsidiar a elaboração de suas estratégias de atuação no presente para
atingir o futuro imaginado. (MORITZ; PEREIRA 2005, p. 2)
Segundo a maioria dos autores pesquisados, a Inteligência Competitiva
surge nesse contexto como instrumento que permite a manutenção do
posicionamento competitivo da empresa no mercado e considera a
elaboração de cenários prospectivos como sendo uma de suas ferramentas
de análise mais adequada para auxiliar na definição de estratégias em
ambiente turbulento e incerto. (MARCIAL, 1999, p. 2)
Construir o futuro no presente é uma tarefa de importância central,
conseguida desenvolvendo-se atitudes pró-ativas em relação ao futuro. Some-se a
isso preparar-se e antecipar-se estrategicamente para agir nos eventos futuros
prováveis, e também nos improváveis, e conseguimos melhores condições de
balancear o que queremos com o que é possível que ocorra.
Desde comienzos de los años 80, hemos trabajado en desarrollar las
importantes sinergias potenciales entre prospectiva y estrategia. La síntesis
efectuada se presenta bajo la forma de una metodología integrada de
planificación estratégica por escenarios. (GODET, 2000, p. 15)
A projeção de cenários cria condições sobretudo para refletirmos sobre
opções de futuro e como eles podem ser alcançados. Alguns objetivos que estão por
detrás da consideração desses futuros são: procurar critérios e consensos sobre o
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que se deseja que ocorra e para evitar o indesejado; mudanças para gerar uma
cadeia causal que leve o mais próximo do futuro projetado e que afaste os
resultados do futuro indesejado; não deixar que as coisas sucedam sem termos
controle sobre elas; administrar e gestar nosso tempo para submetê-lo a nossa
vontade.
As escolhas que fazemos, portanto, são apostas ou estimativas e mais elas
são exatas, mais nossa ação terá sido eficaz. O ideal, assim, seria poder
conhecer o futuro, o que nos permitiria fazer exatamente o que convém ao
nosso máximo bem estar. A predição, assim, é indissociável da ação, e ela
pode ser tanto positiva, ou seja, tendencialmente situada no caminho de um
resultado esperado, como “negativa”, isto é, permitindo antecipar e prevenir
alguma catástrofe “prevista”. (ALMEIDA, 2004, p.2)
Ajudar a navegar nas incertezas, perceber novas oportunidades e resguardarse de problemas potenciais seriam as principais funções dos Estudos Futuros.
“Constant scanning updates our knowledge of the world and acts as a radar system
for business and government”, escreve Tim Mack, presidente da World Future
Society (MACK, 2009, first lesson).
Según la World Future Society las razones para pensar en el Futuro serían:
1. Para tener éxito en su carrera
2. Para prepararse para el cambio
3. Para elegir su futuro
4. Para tomar mejores decisiones
5. Para ayudar a los hijos, a los nietos....
6. Para evitar desastres
7. Para aprovechar oportunidades
8. Para comprender el mundo de hoy
9. Para desarrollar la confianza en si mismo
10. Para ampliar sus horizontes (MOLINA, 2004a, p. 14)
Os cenários devem trazer imagens das alternativas possíveis, e não apenas
extrapolações de tendências. Eles descrevem forças que operam no mundo, as
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influências que podem ter sobre os acontecimentos e suas conseqüências globais,
permitindo que os tomadores de decisão possam imaginar antecipadamente as
possíveis ações e os seus efeitos sobre o vir a ser.
(...) cenário é uma ferramenta para ordenar, no presente, a percepção sobre
os ambientes alternativos futuros, nos quais as decisões precisam ser
tomadas (...) Sua finalidade é coletar e transformar informações de
importância estratégica em percepções dos tomadores de decisão
(BONTEMPO, 2000, p.67)
Atualmente, com a percepção de um mundo em rápida transformação,
múltiplo e incerto, como se supõe também o futuro, os gestores e consultores
apostam na convergência de prognóstico, prospectiva e estratégia como soluções
complementares. A prospectiva, espécie de oposição à retrospectiva, é entendida
como antecipação para iluminar a ação presente, chamando a atenção para a
necessidade de pensar em longo prazo quando se tomam decisões, especialmente
as de alto impacto para a sociedade.
Diante das incontestáveis transformações que atingem as organizações
contemporâneas, a preocupação com o futuro torna-se importante nas
decisões e ações das instituições de todo o mundo. Este fato também vem
ocorrendo no campo da estratégia, no qual há um consenso em que o futuro
é um elemento fundamental no pensamento e condução dos negócios onde
a estratégia deve estar voltada para o futuro. Também se constata que
construção de cenários é uma importante ferramenta que permite
considerar o futuro na estratégia.(ROMANIELLO e outros, pp.1-2)
Nesse contexto, os cenários auxiliam os gestores e tomadores de decisão a
pensar sobre o futuro em bases lógicas, procurando antever situações com que
podem ser defrontados. Mais que narrar o futuro, a prospectiva procura influenciar a
percepção dos executivos sobre a necessidade de antecipar-se às transformações e
rupturas que o sistema venha a apresentar, bem como construir ações que
encaminhem a organização para um futuro desejado.
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Segundo Rattner (1973), a metodologia proposta por Jungk para prospectar
o futuro, abrange a distinção de três tipos de imaginação: lógica, crítica e
criativa. A imaginação lógica seria utilizada para antecipar o futuro lógico; a
imaginação crítica seria necessária para um futuro desejado ou esperado; a
criativa seria essencial para um futuro inovador. (MORITZ; PEREIRA 2005,
p. 10)
La prospective est par nature sociale et donc historique. Son historicité
s’exprime par la dialectique complexe du présent, du passé et du futur. Les
futurs imaginés sont un mixte de rationalité et de créativité, d’anticipation
des changements, des ruptures, des continuités, de réversibilité et
d’irréversibilité, où coopèrent et-ou s’affrontent des acteurs dotés
d'aspirations, de projets et de stratégies. Les futurs sont le résultat de
processus en cours et de processus nouveaux, de rapports inintentionnels
et de rapports intentionnels, de l’inertie et du dynamisme des forces sociales,
du jeu des lois de la nature et de la société. (GONOD, s/d, p.2)
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Capítulo 1 – Histórico
Pensar e refletir sobre o futuro é uma preocupação de todas as sociedades ao
longo da história. Os meios utilizados até o início do século XX, no entanto, diferem
em muito dos métodos prospectivos. Caracterizavam-se mais pela previsão,
tentativa de descobrir eventos de um futuro definido, do que pela prospecção, que
reflete sobre a possibilidade de vários futuros. Apenas no século XX o empirismo ao
pensar o futuro é formalizado em métodos, fazendo surgir a Prospectiva no âmbito
dos Estudos Futuros.
Segundo Grumbach (1997), a prospectiva nasceu do desejo da sociedade
contemporânea de passar de uma atitude passiva em relação ao futuro para
uma atitude ativa. As idéias determinísticas são substituídas por aquelas em
que o homem pode atuar conscientemente no sentido de construir o seu
futuro desejado ou afastar-se, o máximo possível, de um futuro que lhe seja
adverso. (MARCIAL, 1999, p.8)
Marcial e Grumbach (2006, p. 26-7) traçam um interessante caminho de
construção histórica da prospectiva no século XX, quando identificam as
principais obras e eventos relacionados com estudos de futuro. Eles
destacam:
- A obra do escritor inglês George Wells, História do futuro que analisa os
avanços tecnológicos ocorridos ao final do século XIX e a ascensão dos
EUA do Japão e da Rússia na política internacional, escrita em 1902;
- A publicação dos artigos dos ingleses Haldane Dédalo ou a ciência do
futuro e Russel o futuro da ciência, escritos na década de 20;
- A famosa obra admirável mundo novo de Aldous Huxley escrita em 1930;
- As declarações de Einstein sobre energia e do cientista alemão George
Picht sobre corrida armamentista, feitas durante a II Guerra Mundial
- O fortalecimento do ramo militar da prospectiva nos EUA e do ramo
econômico na Europa, no pósguerra;
- A criação da “Rand Corporation”, de Santa Mônica, Califórnia, visando
orientar caminhos que permitissem aos EUA diminuir a diferença
tecnológica criada pelo lançamento do Sputnik, pela antiga União Soviética;
- Os trabalhos de Gaston Berger, sobretudo a obra “A atitude prospectiva”,
escrita em 1957.
- Os trabalhos de Herman Khan que atuou na Rand Corporation durante os
anos 50;
- A criação do Centro de Prospectiva do Hudson Instituto, no qual Herman
Kahn, egresso do Rand Corporation, foi diretor, que pesquisa prospectiva
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geográfica clássica e publicou a obra The year 2000 escrita em 1967, onde
a palavra “cenários” foi introduzida;
- A teoria do caos iniciada por Edward Lorentz no inicio dos anos 60;
- A criação do Masachussets Institute of Technology, onde James Forretre
desenvolveu pesquisa em torno do sistema ecológico denominado “World
Dynamic”;
- A criação do Instituto de Polemologia da França, fundado por Gaston
Bouthoul na década de 70, que tem como objeto de estudo a guerra como
fenômeno social autônomo;
- Os estudos de Jean Fourastié sobre as conseqüências da escolaridade e
da jornada de trabalho na qualidade de vida das pessoas
- O trabalho do arquiteto e urbanista Doxiades que desenvolveu estudos
sobre prospectiva urbanística com a finalidade de criar modelos urbanísticos
adequados à vida nas cidades;
- A criação do Institute for the Information Society, do Japão, que idealizou
um projeto denominado “Plano para a Sociedade Informatizada, uma Meta
Nacional para o Ano 2000”, que procurava desenhar a sociedade industrial
sendo substituída pela sociedade informatizada;
- Os estudos de prospectiva geográfica realizado pela Datar em 1970,
denominado Une image de ıT France em l’année 2000 ;
- Ainda na década de 70, os estudos realizados por pesquisadores
americanos para a construção de cenários baseados em reuniões de peritos
como o método Delphi e a Matriz de Impactos Cruzados;
- Os importantes trabalhos sobre cenários, inspirados na Escola Francesa
de Prospectiva, desenvolvidos por Pierre Wack que trabalhou na área de
planejamento da Royal Dutch Shell;
- Já na década de 80, com a forte expansão dos estudos prospectivos, os
autores destacam os trabalhos dos norte-americanos Bell, Kahnemann,
Tverski, Schwartz, Porter, Godet e outros.
- A popularização do emprego de cenários como ferramenta estratégica,
iniciada, sobretudo com a Global Business Network (GBN) criada por
Schwartz e Wack. (THIESEN, 2008, p.5)
1.1. Pré-história
Ele (George Minois) começa seu racconto storico pela era dos oráculos, ou
seja, as adivinhações primitivas, bíblicas ou do período greco-romano,
quando estavam a serviço do destino individual e da política. A predição,
nos povos mais antigos, servia como uma espécie de seguro ou de garantia
divina, ambos ligados a uma concepção determinista do universo. A
astrologia também nasce nesse contexto, sobretudo nos povos do
“crescente fértil” da Mesopotâmia: ela se coloca a serviço dos reis e
permitiria “determinar” as épocas favoráveis às guerras e anunciar as
grandes catástrofes, epidemias, inundações, secas ou, ainda, as colheitas
fartas e a prosperidade. (ALMEIDA, 2004, p.2-3)
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É possível encontrar grande número de previsões nos textos bíblicos, em
especial nos dizeres dos profetas, assim como constantes conflitos sobre falsos e
verdadeiros profetas, ocorresse ou não o quê foi por eles determinado e estivessem
ou não associados ao serviço oficial. No Egito dos faraós, os sacerdotes
anunciavam previamente o resultado das colheitas com base na observação do rio
Nilo, revelando já a percepção de elementos pré-determinados na construção do
futuro. Na Grécia, a atividade de predição é transmitida por adivinhos e em diversas
especialidades, com diversos Oráculos servindo de fonte para consultas sobre o
futuro. É já uma atividade refletida por filósofos e ferramenta política para o Estado.
Posteriormente os romanos tornam o conhecimento herdado em prática para o
presente, instaurando um monopólio do Estado.
Logo passaria a vigorar a profecia cristã sobre os jogos de adivinhação,
ganhando maior ambição em relação ao tempo e espaço das predições do que o
futuro imediato das consultas romanas. À astrologia, de grande importância no
período, tenta-se converter em ciência, mas é logo condenada pela Igreja, tornandose atividade herética de magos, bruxos e alquimistas na Idade Média, e ganhando
novo impulso durante o Renascimento. Em outro âmbito, Maquiavel escreve “O
Príncipe”, que é já um método de construir o futuro com base em ações presentes,
uma vez que é composto por conselhos para ações que visam um resultado
esperado no futuro e ao afirmar que o destino e a condição do homem é
estabelecido pelos desejos e determinações do monarca. Destaca-se também a
obra de Pierre Maupertuis (1698-1759), “Cartas sobre o progresso da ciência”,
destacando a importância do progresso tecnológico para a compreensão do
passado e melhor predição do futuro.
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As previsões e predições são postas de lado com a consolidação e
desenvolvimento do pensamento racionalista-mecanicista sustentado nas filosofias
de Descartes, Locke, Espinosa e Newton. O pensamento sobre o futuro passa nesse
tempo por tentativas de entendimento pela história e pelas ciências humanas: os
pensadores iluministas são crentes no progresso do futuro da humanidade, e os
socialistas, que também encaravam o futuro como algo inelutável, posto a
descoberta da chave histórica que conduzia as sociedades ao socialismo.
Ganha crescente impacto as obras de ficção científica, que buscavam
especular sobre o futuro em bases racionais, tendo especial atenção no século XIX
a obra de Júlio Verne. No século seguinte, diversos autores exploram o gênero,
como Herbert George Wells, Vernon Lee, Berthand Russel, e Aldous Huxley, autor
da obra de maior impacto do período, “Admirável Mundo Novo”.
Mas apenas em 1902, por meio da obra do escritor inglês George Well, temse relato da associação de fatos já conhecidos com o futuro. Well propunha
que “os estudos históricos, econômicos e sociais fossem realizados visando
sempre ao futuro”. Essa obra ainda não pode ser considerada um estudo
prospectivo, mas já nos mostra uma preocupação em lidar com os
chamados fatos portadores de futuro (Grumbach, 1997, p. 7). (MARCIAL,
1999, p. 10)
Como o século XX, inicia-se um período composto por predições pessimistas,
que liam nas transformações sociais e situações críticas, como a I Guerra Mundial
ou a crise de 1929, sinais de maus tempos para a humanidade. De outro lado,
busca-se a predição científica, incorporando conhecimentos desenvolvidos nos
âmbitos da economia e das teorias probalísticas.
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1.2. Mundo
A prospectiva moderna nasceu antes, em 1929, quando o presidente
Hoover cria uma comissão encarregada de estudar a evolução no campo
das reformas sociais. Depois, Roosevelt, em 1933, encarrega W. F. Ogburn
de redigir um relatório sobre as tendências tecnológicas e a política
governamental, mas os avanços mais importantes se dão no contexto militar
dos anos cruciais de 1944-48, com a tecnologia nuclear e a revolução
estratégica que significa a passagem à Guerra Fria. (ALMEIDA, 2004, p.1415)
A partir do período pós-guerra, os praticantes da futurologia tentam se
afastar dos exercícios meramente especulativos e impõem suas técnicas de
previsão clássica baseada em modelos matemáticos. (MARCIAL, 1999,
p.10)
Com os estudos sobre a incerteza de Heisenberg e Teoria da Relatividade de
Einstein surgem os primeiros questionamentos ao modelo exclusivamente
probabilístico.
A Prospectiva desenvolve-se, sobretudo, no pós Segunda Guerra, nos EUA
no âmbito do que seria a Guerra Fria, e na Europa como ferramenta para o
estabelecimento da planificação econômico-social. Ainda na década de 40, surge
como campo de conhecimento que questiona e organiza o futuro, tornando-se
altamente especializado. Os anos de 50 a 70 são frutíferos em idéias e atividades,
tendo passado por certo declínio nos 80 e ganhando interesse renovado a partir dos
anos 90.
Os cenários prospectivos apareceram pela primeira vez logo após a II
Guerra Mundial, como um método de planejamento militar. A Força Aérea
dos EUA tentou imaginar o que o seu oponente tentaria fazer, e prepara
estratégias alternativas. Nos anos 60, Herman Kahn, que fizera parte do
grupo da Força Aérea, aprimorou os cenários como ferramenta para uso
comercial. Porém os cenários atingiram uma nova dimensão no início da
década de 70 com o trabalho de Pierre Wack, que era planejador
estratégico nos escritórios de Londres da Royal Dutch/Shell, o grupo
internacional de petróleo, num novo departamento chamado de grupo de
planejamento prospectivo. (SCHWARTZ, 2000, p. 18 apud. MORITZ;
PEREIRA 2005, p. 6)
21
Nos anos 40, a força aérea dos EUA contratou peritos de várias áreas, sob a
coordenação de Herman Kahn, para elaborarem estudos sobre objetivos e rumos a
serem adotados, especialmente em relação aos campos do material bélico e tático.
Em 1947, esse grupo publicou um artigo sobre a importância estratégica
das comunicações via satélites artificiais. Tal trabalho só foi reconhecido
quando a antiga União Soviética lançou o Sputinik dando, então, início à
formação do maior centro de estudos prospectivos do mundo, a RAND
Corporation, na Califórnia (Grumbach, 1997). (apud. MARCIAL, 2000, p.24)
A palavra ‘prospectiva’ foi utilizada pela primeira vez pelo filósofo, economista
e pedagogo francês Gastón Berger em sua obra “A atitude prospectiva”, de 1957,
estabelecendo como prever um futuro desejável para o mundo. Constitui-se então
numa forma filosófica de ver a realidade orientada sobre o futuro. No entanto,
MARCIAL apura em Godet: “A palavra prospectiva tem origem latina no século XVI.
O verbo prospicere significa olhar para longe ou de longe, discernir alguma coisa
que está a nossa frente (Godet, 1993).” (MARCIAL, 1999, p. 12)
Berger relançou a palavra prospectiva porque a palavra previsão estava
demasiadamente impregnada do sentido de profecia. Pretendia com isso,
separar os conceitos de previsão (que significa construir um futuro à
imagem do passado) de prospectiva (em que o futuro é decididamente
diferente do passado). (MARCIAL, 1999, p.12)
Como indica Minois, “o termo previsão não convém, de fato, a essa nova
realidade, que não é simples conhecimento do futuro, mas o resultado de
uma ação concertada, levando em consideração as tendências prováveis”
(ALMEIDA, 2004, p.14)
Nos anos 60, Herman Kahn, coordenador do grupo montado pela força aérea
dos EUA, reformula os métodos prospectivos de forma a adaptá-lo ao ambiente
corporativo. Estendeu suas atividades aos campos da sociologia, meteorologia e
política, introduzindo variáveis como tradição, valores sociais e culturais na
explicação do mundo. Em seu livro de 1967, “The year 2000”, a palavra cenário é
22
usada para a descrição do futuro, sendo Kahn considerado por muitos
pesquisadores o autor das noções e da introdução dos cenários na prospectiva.
Por meio do Instituto Hudson, Khan divulgou um trabalho que passou a ser
referência no campo prospectivo, destacando os fatores essenciais para a
sobrevivência das empresas e empreendimentos em ambientes turbulentos. Os
assuntos abordados no citado trabalho foram: desenvolvimento de novas
tecnologias; mudanças e diferenças em valores sociais que afetam a produtividade;
detecção e exploração de novas fontes de matérias-primas; planos concretos de
desenvolvimento para determinadas áreas; análise e considerações políticas sobre
segurança de investimentos e; estabilidade das atitudes dos operários, concernente
à disciplina e ao trabalho esforçado.
Na França, a metodologia de cenários foi aplicada pela primeira vez em 1971,
num estuda feito por conta da DATAR, intitulado "Une image de la France em lán
2000", sendo posteriormente adotado em muitos setores, como industria, agricultura,
demografia e emprego, e aplicado em diferentes níveis geográficos (países, regiões,
mundo).
No mesmo período foram desenvolvidos nos Estados Unidos vários métodos
formais por pesquisadores como os de Gordon, Elmer e Dalkey, o modelo Delphi e a
matriz de impactos cruzados.
Os cenários ganham nova dimensão com os trabalhos do francês Pierre
Wack no início dos anos 70, que incorporou os conceitos da École Française de
Prospective para elaborar seu método. Wack trabalhava na área de planejamento de
Royal
Dutch/Shell,
e
seus
estudos
tornaram
a
empresa
reconhecida
internacionalmente pelo pioneirismo, dando grande visibilidade e valorização aos
estudos prospectivos.
23
Wack (1985) relata que a partir do início dos anos 70 os erros das previsões
tornaram-se mais freqüentes em função da maior instabilidade mundial,
principalmente no que dizia respeito ao mercado de petróleo. Todo o
planejamento tradicional baseado em previsões clássicas perdia
rapidamente sua razão de ser. Havia a necessidade do desenvolvimento de
nova ferramenta que auxiliasse no planejamento de longo prazo.
(MARCIAL, 1999, p. 13)
A partir dessa época surgiram vários estudos com base nos cenários. Em
1982, Bell examina os cenários em termos de decisão teórica e Kahneman,
juntamentente com Tversky, analisa-o sob o ponto de vista psicológico. Em
1985, Porter, influenciado por Peter Schwartz, discípulo de Piere Wack,
analisa os cenários sob a perspectiva econômica, adaptando a metodologia
utilizada pela Royal Dutch/Shell para uma realidade mais negocial. A
metodologia levava em consideração os movimentos dos concorrentes
(Schoemaker, 1993). (MARCIAL, 1999, pg.14)
Surgem diversas interpretações sobre os métodos e sobre a percepção de
suas aplicações:
Con el tiempo la Prospectiva se transformó en dos grandes vertientes. La
primera se conoce como Prospectiva Estratégica y es liderada por Michel
Godet y la segunda, Previsión Humana y Social, por Eleonora Masini.
(MOLINA, 2004a, p. 18)
Hacia 1970 - Surgen otras corrientes relacionadas con el desarrollo de
visiones de futuro o visioning por un lado; y otra centrada en los estudios de
la problemática global o global studies, los que fueron impulsados por el
Club de Roma fundado por Aurelio Peccei (MOLINA, 2004a, p. 18)
(...) em 1985, Porter com a sua obra Estratégia Competitiva analisou os
cenários sob a perspectiva econômica, adaptando-os a uma realidade mais
negocial (...) (MORITZ; PEREIRA 2005, p. 16)
Em 1987 Michel Godet publica “Cenários e a administração estratégica”,
tornando pública a metodologia de cenários francesa, sendo esse livro descrito
como um marco no desenvolvimento teórico dos cenários prospectivos e a “primeira
publicação realmente científica a respeito do assunto” (MARCIAL, 1999, pp.14-15).
Godet (1993) desenvolveu suas análises em diversos livros publicados,
principalmente na Europa, cujos conteúdos principais versaram sobre os
seguintes temas: Cenários e a Administração Estratégica, Manual de
Prospecção, Métodos Prospectivos, todos livros indispensáveis na
construção metodológica de cenários, e proporcionando ajuda na criação da
visão de futuro nas empresas européias, entre outros importantes itens
contributivos para o estudo de cenários. (MORITZ; PEREIRA 2005, p.15)
Em 1988, com o surgimento da Global Business Network (GBN) – empresa
de prospectiva criada por Peter Schwartz e Pierre Wack -, teve início a
popularização do emprego dos cenários como instrumento de gestão
estratégica para as empresas anglo-saxônicas e sua divulgação e expansão
24
em todo o mundo organizacional a partir da década de 90. (MORITZ;
PEREIRA 2005, p.16)
Em fins dos anos 90 encontravam-se em atividade cerca de 300 institutos ou
organizações de estudos futuros, demonstrando o grande progresso que o tema
alcançava na agenda, agregadas a governos, empresas de consultoria e centros de
estudos.
Com o aumento da incerteza ocorrida durante a década de 90, houve um
aumento significativo no número de organizações, em todo o mundo, que
passaram a utilizar o método de cenários para a definição de suas
estratégias. No entanto, não houve surgimento de nenhuma abordagem
inovadora, apenas aperfeiçoamentos dos métodos já existentes. (MARCIAL,
1999, p.16)
Todas as publicações sobre o tema editadas durante a década de 90
apenas relataram métodos já desenvolvidos ou forneceram algum
aperfeiçoamento sem, no entanto, apresentaram uma proposta
metodológica revolucionária diferente dos princípios básicos lançados por
Gaston Berger e Herman Kahn (MARCIAL, 1999, pp. 16-17)
Associados ou não às universidades, já é possível constar grandes projetos
no campo da prospecção, os quais ganham dimensão mundial e por isso
servem como referência para trabalhos de planejamento estratégico nas
organizações. A título de exemplo se pode destacar: The 2050 Projet
(WHO); AD 2000 – The Millennium Project (Open University); Agenda 21
(UN Dynamics intainable Development); Air Force 2025; Space Cast 2020
(USAF); System Dynamics in Educacion Project; Task Force on Alternative
Futures for the Department of Energy, Technology Directions of the 21 st
Century (NASA); Technology Foresight Programme (UK Office of Science &
Technology); United Nations Commission on Global Governance; The World
of 2020 and Alternative Futures; NEA –National Education Association e a
GBN – Global Bussiness Network. (THIESEN, 2008, p.6)
Segue-se uma grande expansão de multinacionais de consultoria na América
Latina e a criação de redes de futurólogos para o desenvolvimento de projetos e
manutenção de informações importantes para os estudos prospectivos.
25
1.3. Brasil
No Brasil, um dos pioneiros dos estudos prospectivos foi o professor de
Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Henrique Rattner, que publicou em 1979
“Estudos do Futuro: Introdução à Antecipação Técnológica e Social”. Na
Universidade de São Paulo, desenvolveu-se o Laboratório de Estudos Futuros,
assim como em outras instituições universitárias, como a Unicamp e a UnB. A Unesp
criou em 2005 Grupo de Elaboração de Cenários Prospectivos, vinculado ao
Departamento de Educação, Ciências Sociais e Política Internacional da UNESPFHDSS, com enfoque no âmbito da política internacional.
Diversas empresas passaram a utilizar a construção de cenários como
ferramenta estratégica, ganhando especial destaque os trabalhos realizados pela
Eletrobrás em 1987, pela Petrobrás em 1989, e pelo BNDES, nesse mesmo ano.
Seguem-se várias iniciativas de estudos prospectivos no Brasil: do CNPq em 1989,
da FINEP em 1992, ou o da SEPLAN/PR, com o projeto ARIDAS em 1994.
Uma nova utilização da técnica prospectiva no Brasil foi coordenada pela
antiga Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da
República, que iniciou em 1996 os estudos que geraram, em 1997,
‘Cenários Extrapolatórios do Brasil em 2020’ e, em 1998, ‘Os Cenários
desejados para o Brasil’. (MORITZ; PEREIRA p. 17)
Em 1997 o IPEA desenvolve um trabalho de grande impacto, "O Brasil na
Virada do Século - Trajetória do Crescimento e Desafios do Desenvolvimento",
concentrando-se, no entanto, no desenvolvimento de um único cenário, diferindo do
fundamento prospectivo de desenvolver cenários múltiplos.
Desde 2000, o Governo Federal passa a utilizar programaticamente trabalhos
prospectivos.
O Ministério da Ciência e Tecnologia desenvolve o projeto
26
“Prospectar”, enquanto o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior desenvolve o “Programa Brasileiro de Prospectiva Tecnológica Industrial”,
além de participar, no âmbito das Nações Unidas, do programa denominado
“Prospectiva Tecnológica para a América Latina e Caribe”.
1.4. Cronologia
1907 – S. C. Gilfillan, cientista social norte-americano propõe o nome “Melontologia”
para estudos das sociedades futuras.
1943 – Aparece a Futurologia, que aspirava a converter-se numa ciência de futuro.
Proposta pelo politólogo alemão Ossip Flechteim, diretor do Instituto de
Investigações Sobre o Futuro de Berlim.
1948 – Fundação da Rand Corporation na Alemanha.
1957 – O filósofo francês Gastón Berger inventa o termo Prospectiva, em seu livro
“A atitude prospectiva”
1957 – É criado em Paris o Centro Internacional de Prospectiva e Inventiva.
1965 – Densificação dos Future Studies com a instituição da Comissão do Ano 2000,
liderada por Daniel Bell, pela Academia Americana de Artes e Ciências.
1966 – Funda-se a World Future Society em Washington D.C., associação norteamericana sem fins lucrativos dedicada a contribuir para a tomada de
consciência da necessidade de se estudar o futuro.
1967 – Bertrand de Jouvenel propõe o termo futuribles para designar o estudo dos
futuros possíveis, refutando a possibilidade de uma ciência de futuro.
27
1971 – O holandês Fred Polak, diretor do Instituto Holandês para a Exploração do
Futuro propõe o termo Prognósticos, significando “saber antecipado” ou
“saber antes”, termo que obteve êxito na Europa do Leste.
1973 – Sob os auspícios da UNESCO, nasce oficialmente a World Futures Studies
Federation, com ênfase humanista, para reunir futuristas e profissionais de
todo o mundo. Bertrand de Juevenel foi seu primeiro presidente.
1974 – Secretário sueco propõe Futures Studies como melhor que Futures Research,
por considerar que esse campo não pertence apenas aos especialistas de
futuro.
1987 – Michel Godet publica “Cenários e a administração estratégica”, marco teórico
para o desenvolvimento de cenários, tornando pública a metodologia
francesa de prospectiva.
28
Capítulo 2 – Conceito
O autor (RATTNER, 1973) distingue duas grandes correntes entre os
futurólogos: uma que considera o futuro como algo imposto, inelutavelmente,
pelo próprio progresso das ciências e da tecnologia, e uma outra corrente
que, sob formas diversas, encara o futuro como resultado de decisões
conscientes a serem alcançadas por meio de comunicação e interação.
(MORITZ; PEREIRA p. 8)
A futurologia aspirava converter-se numa ciência de futuro, sendo esse um
status questionado pela prospectiva, uma vez que é epistemologicamente
impossível que isso ocorra. Significa a busca de uma lógica de futuro no mesmo
sentido do que Aristóteles chamou de “futuros contingentes”. Ao buscar refletir sobre
o
futuro,
identificou-se
a
necessidade
de
perceber
as
tendências
de
desenvolvimento do sistema, assim como admitir rupturas que possam vir a ocorrer.
Tem-se assim a percepção de que os futuros são múltiplos e incertos, idéia que
serve de pilar aos estudos prospectivos. Destaca-se também nos estudos
prospectivos que o futuro não pode ser pré-determinado pelo passado, embora este
possa apontar tendências, e que o futuro pode desenhar-se pelas ações do presente.
Grumbach (1997) argumenta que, apesar de, sob o ponto de vista da
prospectiva, os acontecimentos do passado não serem fatores
determinantes do que ocorrerá no futuro, o estudo do passado se torna
importante, pois permite uma melhor identificação da origem de mudança, já
que os germes do futuro iniciaram sua atuação no passado. O
conhecimento do comportamento das variáveis no passado ajuda a
compreendê-las melhor principalmente no que diz respeito a suas
interligações e influências. Também serve para retratar melhor a situação
em que se encontra o sistema, permitindo uma melhor compreensão e
entendimento, de forma mais clara, de suas causas e origens. (MARCIAL,
1999, p.73)
Não há consenso sobre denominação do campo em que o futuro é o sujeito
das investigações. A mais aceita é a de Estudos Futuros (método para identificar
29
opções e conseqüências, e identificar alternativas). Alguns enfoques privilegiam as
denominações Investigações de Futuro (toda exploração do que pode acontecer e
daquilo
que
queríamos
que
se
convertesse),
e
Estudos
Prospectivos
(desenvolvimento de atitude estratégica mental de amplo alcance para criar um
futuro desejável).
“El periodista y cientista político francés Bertrand de Jouvenel objeta a
Ossip Flechtheim la posibilidad de que exista una ciencia del futuro y en su
lugar propone futuribles para designar el estudio de los futuros posibles.
Igualmente Daniell Bell, sociólogo norteamericano, utiliza la voz prognosis y
Erich Jantsch utiliza technological forecasting (...)” (MOLINA, 2004a, p. 18)
1974 - El Secretario Sueco para los Estudios del Futuro propone Futures
Studies más bien que futures research, para subrayar que este campo no
pertenece solamente a los especialistas del futuro. 1975 - A partir de este
año se consignan otros nombres para denominar esta disciplina. Algunos de
ellos son future análisis, futurics, futures field, probabilistics, forward studies,
future planning, futurography, antrospectrunity, projective research, short
and long range planning, projections, predictive studies, futury (como
correspondiente a history), futory (como future más history), alternative
analysis, options analysis, decision option analysis, alternative in futures,
prospectivism, fustory (por historia futura), futurist o futuristic studies. Hacia
los 80’s - A mediados de los años ochenta se propone el término foresight,
ligado a la identificación de nuevas tecnologías, práctica efectuada por las
corporaciones y los sistemas nacionales de innovación; entendida como
actitud humana también es usado en Australia y Estados Unidos en el
contexto educativo. (MOLINA, 2004a, p. 19)
O conceito de futuro aceito pela prospectiva é de um estado por se realizar,
que possivelmente se constitua pelas nossas ações que no presente o pretendem,
embora não tenhamos total controle sobre sua forma final nem qualquer certeza ao
seu respeito. Difere, portanto, do futuro inevitável e definido, próprio do fatalismo
religioso e de algumas filosofias teleológicas, interesse da adivinhação e da profecia,
que tentam o reconhecer. O futuro pode ser concebido também como um porvir,
algo que pode suceder, como nos casos da ficção científica, como algo a ser
alcançado, como no caso da utopia, ou como devir, conseqüência de um processo
histórico, perspectiva assumida pelos estudos futuros.
30
Considera-se para os fins da prospectiva que o futuro pode assumir alguma
das formas de futuro possível, provável ou desejável. No possível, todas as opções
com alguma possibilidade lógica de acontecer, isto é, que sua existência não seja
contraditória, serão considerados. Para o provável, selecionam-se aqueles que, por
análise histórica e de conjectura, tem alguma chance estatística mensurável, uma
probabilidade quantificável de acontecer. Por fim, o futuro desejável é aquele que é
percebido como apresentando as melhores condições para quem o projeta, que
deve ser construído com ações no presente que balizem os acontecimentos para
alcançar-se essa situação.
Existe, no campo prospectivo, também a necessidade de se conhecer o
passado e o presente como forma de antecipação do futuro. O estudo e análise dos
eventos passados permitem detectar as tendências que podem projetar-se com
certa probabilidade para o futuro, em especial por meio de métodos estatísticos, o
quê Max Weber chamaria o que “cabe esperar”, mas sem deixar de levar em conta
análises subjetivas. Sendo o futuro considerado um espaço onde a ação humana no
presente tem impacto, o estudo do sistema permite a análise de quais ações podem
moldar (acelerando, mantendo, freando ou alterando o fluxo das tendências) o futuro
esperado como resultado daquela ação.
É importante considerar-se também o método para identificar, entre um amplo
leque de possibilidades, aquelas mais prováveis de ocorrência no futuro, aquelas
“prenhes de futuro”. São elas o prognóstico (afirmação probabilística com alto grau
de certeza, representando juízos racionais), a projeção (tendências que vão do
passado ao futuro, passando pelo presente), a proferência (técnica para alcançar o
futuro com base na experiência, extraindo de um antecedente um conseqüente), a
31
predição (dado probabilístico sobre o futuro) e a previsão (uma idéia sobre eventos
possíveis).
Os meios de projeção podem, de maneira esquemática, distinguir-se em
função dos tipos de estudos: objetivos, com métodos explícitos e formalizados dos
quais podem conseguir-se resultados sucessivos, e subjetivos, os que têm em seu
componente um forte peso de juízos humanos. Admite-se atualmente que a situação
ideal ocorre com a utilização de métodos híbridos, uma vez que a simples
extrapolação de tendências do passado (modelos estatísticos) resulta insuficiente
para abordar as transformações dos sistemas, enquanto meios puramente
subjetivos, comparados aos matemáticos, carecem de consistência lógica para a
análise dos dados.
2.1. Prospectiva
La prospective est d’abord une philosophie, une attitude, pour ne pas dire
une manière d’être. Refusant l’idée que l’avenir serait prédéterminé, elle
nous invite à le considérer comme un territoire à explorer — tel est l’objet de
la veille et de l’anticipation — et comme un territoire à construire — tel est
l’objet de la politique et de la stratégie. (JOUVENEL, 2004, p.1)
Future studies activity in general attempts to draw a holistic map of the
future. Such a map is based on insights developed by examining trends.
Those trends extend over many generations, potential trends that can merge
in the future. Early warning indicators and unprecedented future events, oil
cuts, forces and actors and various dynamic factors that can lead to various
scenarios. The field of future studies is a multidisciplinary research of
change, trends, mega trends, driving forces, merging environmental forces,
and uncertainties in all major areas of life. It studies the interacting dynamic
that are likely to shape the future. (UNESCO, 2008, p.5)
A prospectiva abrange um conjunto de conceitos, teorias e técnicas para
antecipar futuros possíveis e identificar as forças que os impulsionam, retardam ou
impedem. Trata-se de um campo epistêmico que aborda os estudos de futuros de
32
longo prazo e suas ferramentas de organização. Nele confrontam-se dados e
buscam-se esclarecer o futuro para reconhecer as repercussões do presente nele.
Segundo Grumbach (1997), a prospectiva nasceu do desejo da sociedade
contemporânea de passar de uma atitude passiva em relação ao futuro para
uma atitude ativa. As idéias determinísticas são substituídas por aquelas em
que o homem pode atuar conscientemente no sentido de construir o seu
futuro desejado ou afastar-se, o máximo possível, de um futuro que lhe seja
adverso. (MARCIAL, 1999, p. 8)
Marcial & Grumbach (2002, p. 28) assim expressa a conceituação de Berger:
A atitude prospectiva significa olhar longe, preocupar-se com o longo prazo;
olhar amplamente, tomando cuidado com as interações; olhar a fundo, até
encontrar os fatores e tendências que são realmente importantes; arriscar,
porque as visões de horizontes distantes podem fazer mudar nossos planos
de longo prazo; e levar em conta o gênero humano, grande agente capaz
de modificar o futuro. (MORITZ; PEREIRA 2005, p. 9)
No processo metódico para determinar com alguma propriedade os futuros, a
prospectiva conjuga conhecimentos consolidados da experiência, a participação dos
atores nos processos de decisões chave, e modelos matemáticos e computacionais
de análise. A prospectiva considera como pressupostos do seu trabalho a
classificação dos futuros em possível, provável e desejável, a possibilidade de
elaborar
conhecimentos
sobre
acontecimentos
portadores
de
futuro
(com
capacidade de impacto sobre o desenvolvimento do sistema), o caráter contingente
do futuro, uma vez que é múltiplo meramente possível, e o trabalho com visão
totalizante, apreendendo a realidade sob diversos pontos de vista.
8
En cuanto a las características más importantes de la Prospectiva podemos
mencionar las siguientes:
1. Visión holística, esto es, considerar el todo por encima de las partes, aquí
la Prospectiva da respuesta a la necesidad de contemplar de manera global
la situación o sistema y conocer sus posibilidades de evolución, para
dirigirla, controlarla o transformarla
2. Carácter teleológico, porque estudia relaciones dinámicas y estructuras
evolutivas y no fijas o estáticas, integrando la dimensión de largo plazo,
pasado y futuro
3. Visión trascendental, porque genera cambios estratégicos e integra
rupturas, de hecho no postula la continuidad
33
4. Actitud estructuralista: porque no se limita al recuento superficial de los
hechos ni a las descripciones pormenorizadas de éstos (MOLINA, 2004b,
p.4)
O conhecimento prospectiva é utilizado por diversos segmentos da sociedade,
em especial no desenvolvimento dos planos de governo, como ferramenta
estratégica militar e de gestão em negócios, e por grupos de interesse, como os
ambientalistas ou câmaras setoriais.
Actualmente se han desarrollado varios campos de aplicación de la
Prospectiva, entre los que destacan:
a) Prospectiva tecnológica: ésta se ocupa de la relación entre las creaciones
tecnológicas y su impacto social; su origen data del gobierno de F.D.
Roosevelt con el reporte sobre “Tendencias Tecnológicas y Política
Nacional”.
b) Prospectiva social: se orienta al análisis de las crisis de las sociedades,
sobretodo por lo que representa la industrialización y la aparición de la
sociedad de la información.
c) Prospectiva territorial: se refiere a la prospectiva de un espacio dado
donde adquiere más importancia la variable territorial.
d) Prospectiva estratégica: considerada una herramienta poderosa de
conocimiento y de gestión para pensar el Futuro más allá de la rutina y
dirigir la acción hacia acciones estratégicas.
e) Prospectiva política: vinculada a la identificación de los problemas y de
sus políticas y los impactos que éstas provocarían en el futuro. (MOLINA,
2004b, p.5)
Se a capacidade de “prospectivar” é inata ao ser humano, já a área do
conhecimento e da prática da Prospectiva/Foresight vai muito para lá da
capacidade referida, tendo como objectivo fundamental, na nossa
perspectiva, explorar o futuro de forma:
Organizada (e.g. construindo processos modulares a partir de múltiplas
ferramentas em função dos objectivos definidos e recursos disponíveis).
Estruturada (procurando categorizar e interligar os diferentes elementos
relevantes para a análise).
Consistente (procurando e justificando a coerência da combinação entre
diferentes elementos de um exercício de Prospectiva/Foresight: elementos
pré-determinados, tendências, incertezas, wildcards, sinais fracos, etc.).
Plausível (não confundindo criatividade e imaginação com fantasia).
Útil (respondendo a necessidades específicas, estimulando a tomada de
decisão e enquadrando a implementação e a monitorização de estratégias).
(ALVARENGA; CARVALHO, 2007a, p.3)
34
Hugues de Jouvenel elabora o capítulo “Las étapes de la prospective” em seu
livro “Invitation a La Prospective”, com o seguinte esquema: a) definição de um
problema de estudo e do horizonte temporal; b) representação do sistema; c)
seleção e definição de hipóteses de evolução; d) enquadramento, construção de
cenários e aplicação estratégica. Observamos que a construção de cenários
constitui uma parte central dos estudos prospectivos, mas estes, por sua vez,
utilizam diversos métodos e outras ferramentas, como os Jogos de Atores e Análise
de Intenções.
O exercício da elaboração prospectiva traz como benefício maior facilidade de
comunicação e coordenação entre os stakeholders, uma maior concentração no
longo prazo, o fortalecimento de redes pela criação de visões partilhadas, a
identificação de prioridades e o maior compromisso na implementação dos
processos.
En suma, la utilidad de la prospectiva es que en primer lugar, ayuda a la
exploración del futuro; en segundo lugar, sirve como método de análisis del
cambio social; luego, apoya la toma de decisiones y finalmente,
complementa el proceso de planificación. (MOLINA, 2004b, p.3)
2.2. Cenário
Segundo a visão de RATTNER (1979), ‘...a construção de cenários visa a
um procedimento sistemático para detectar as tendências prováveis da
evolução, numa seqüência de intervalos temporais, e procura identificar os
limites da tensão social nos quais as forças sociais poderiam alterar essas
tendências. Essas atitudes envolvem juízos sobre que estrutura e
parâmetros são importantes e que objetivos e metas inspiram e motivam
essas forças sociais’. (BRASILIANO, 2007, p.5-6)
Conforme apresentado por Oliveira (1988), os cenários estratégicos
"Representam critérios e medidas para a preparação do futuro da empresa."
Agreguem-se também a esta definição, algumas premissas e características
referentes aos cenários estratégicos.
l ) Correspondem aos futuros possíveis e alternativos;
2) Admitem incertezas;
35
3) Consideram a descontinuidade do ambiente;
4) Consideram maiores dificuldades na administração;
5) Trabalham com exercícios de situações futuras. (COSTA; ALEXANDRE,
s/d, p.2)
Os Cenários Estratégicos são descrições de futuros feitos com métodos
prospectivos, com enfoque definido num campo de atuação, num horizonte temporal
e numa localização geográfica. Por meio desses cenários, procura-se uma visão
totalizante do sistema, identificar suas relações dinâmicas e estruturas evolutivas, as
transformações estratégicas e as rupturas prováveis, de forma a realizar feitos
portadores de futuro, ou seja, ações que tenham impacto nos acontecimentos que
virão, ou antecipar medidas de proteção em relação a eventos que possam ocorrer e
que não se tenha como controlar.
Scenarios are alternative stories of how the world may develop. They are not
predictions, but credible, relevant, and challenging alternative stories that
help us explore 'what if' and 'how'. Their purpose is not to pinpoint future
events, but to consider the forces that may push the future along different
paths. (SHELL, 2002, 6)
O período de tempo utilizado pode variar de acordo com a estrutura e
evolução do sistema estudado, assumindo em horizonte em geral de 10 a 25 anos,
sendo recomendado, ainda, que não aborde um período inferior a 5 anos, para
permitir o seu uso numa estratégia de longo prazo.
Segundo Heijden (1996), o horizonte de cenarização não só depende da
natureza da indústria, mas também do assunto objeto dessa cenarização.
Porter (1992) complementa lembrando que a definição desse período de
tempo deve refletir o horizonte de tempo das decisões de investimentos
mais importantes da organização. (MARCIAL, 1999, p.41)
36
Dentro da visão dos estudos de prospectiva podemos encontrar definições
diversas de cenários, com variações de forma e abrangência, seguindo todos, no
entanto, a premissa comum de que o futuro é múltiplo e incerto.
No campo da conceituação contemporânea, a definição mais abrangente
sobre cenários é a de Michael Godet (1993), para quem a técnica de
cenários é um conjunto formado pela descrição coerente de uma situação
futura e pelo encaminhamento imaginado e criado dos acontecimentos que
permitem passar da situação de origem à situação futura. (MORITZ;
PEREIRA 2005, p. 3)
Tende a construir representações dos futuros possíveis assim como os
caminhos que conduzem a suas consecuções. O objetivo é pôr em evidência as
tendências fortes e germens de ruptura no entorno geral e de competência da
empresa.
Un escenario es un conjunto formado por la descripción de una situación
futura y de la trayectoria de eventos que permiten pasar de una situación
origen a una situación futura. (GODET, 2000, p. 38
A construção de cenários constitui a descrição de um futuro possível,
imaginável ou desejável para um sistema e seu contexto, e o mapeamento do
caminho ou trajetória que conecta este futuro com a situação inicial deste sistema e
seu contexto; isso é o presente conjuntural. Para tanto, com a apropriação do termo
teatral grego "" (cenário), utiliza os elementos principais do teatro – cenários,
cenas trajetórias e atores – na construção de suas narrativas.
Podemos distinguir os cenários em exploratórios e de antecipação. Os
cenários exploratórios partem de tendências passadas e presentes e conduzem a
futuros verossímeis mediante o desenvolvimento de certas condições iniciais,
podendo subdividir-se em exploratórios extrapolativos (prolongamento do passado e
do presente) e exploratórios múltiplos (consideram rupturas na trajetória e opções de
37
encaminhamento; por sua vez podem ser de referência, o mais provável, ou
alternativos).
Cenários
de
Antecipação,
também
chamados
Desejados
ou
Normativos, são aqueles construídos a partir de imagens alternativas de futuro,
desejáveis ou que se quer rechaçar, concebidos de um modo retrospectivo, em que
se exprime o compromisso de um ou mais atores na consecução de objetivos e
superação de desafios. Sua lógica consiste em estabelecer o futuro desejado e em
seguido a trajetória que conduz à sua consecução.
A prospectiva exploratória permite traçar um panorama dos futuros
possíveis, isto é, dos cenários não improváveis, tendo em conta o peso do
determinismo do passado e da confrontação dos projetos dos atores
(GODET, 1993, apud MARCIAL, 1999, pg. 20).
(O cenário desejado) é a expressão do futuro baseada na vontade de uma
coletividade, refletindo seus anseios e expectativas e delineando o que se
espera alcançar num dado horizonte. Entretanto, como deve representar a
descrição de um futuro plausível, o cenário desejado não pode ser a mera
expressão incondicionada dos sonhos ou utopias de um grupo, mas antes
um futuro que pode ser realizado como um desejo viável. Assim, o cenário
desejado deve ser também uma descrição consistente de uma visão que
leve em conta o contexto histórico e os recursos mobilizáveis pela
coletividade. (BRASILIANO, 2007, p.7)
Uma consideração importante a ser levada em conta no desenvolvimento dos
cenários é sua dimensão geográfica. Podemos verificar a existência de cenários
desenvolvidos em diferentes âmbitos geográficos: mundial e multinacional, como os
“Global Scenários 1995-2020” da Shell; nacionais, a exemplo de “Cenários
exploratórios do Brasil – 1998-2020”, desenvolvidos pelo Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República em 1997; e regionais, estaduais ou
municipais, por exemplo, em “Los Angeles 2007: Implication of Scenarios Analysis
for Energy Forecasting 1987-2007”. Outro recorte importante na consideração dos
cenários é a setorial, abordando os mais diversos ambientes, como turismo,
propaganda,
transporte
de
cargas
etc.
Considere-se
desenvolvidos para a tomada de decisões específicas.
ainda
os
cenários
38
Sob o ponto de vista da aplicação, os cenários podem ser globais,
focalizados ou de projetos. Os cenários globais são desenvolvidos com o
objetivo de definir as estratégias globais. Focam, em seu conteúdo, as
questões políticas, macroeconômicas, sociais e tecnológicas tanto em nível
nacional quanto mundial. Os cenários focalizados servem para definição
das estratégias regionais ou setoriais. Nestes cenários são considerados os
movimentos da concorrência, as tendências de preço e o risco tecnológico e
de investimento. Os cenários de projeto são desenvolvidos para a tomada
de decisão referente a investimentos que envolvam grande incerteza ou que
exijam longo prazo de maturação (Stollenwerk, 1998). (MARCIAL, 1999,
p.43-44)
Um aspecto de grande relevância e objeto de ampla reflexão sobre a forma
mais conveniente de utilização é o meio de apresentação dos cenários. Por certo,
sendo narrativas de um futuro possível, nos leva a pensar em textos, mas
ressaltemos que podem ser utilizados – e os práticos sugerem que se apliquem –
outros mecanismos para valorizar a exposição e penetrar na percepção dos
executivos, como os websites ou a gravação dramática em áudio dos cenários.
Os procedimentos e ferramentas utilizados na elaboração de cenários são
muitos. Admite-se que devem variar de acordo com o perfil e objetivos da
organização, devendo ser selecionadas dentro do leque de possibilidades aqueles
que darão maior veracidade ao resultado, uma vez que a cenarização deve ter alto
grau de confiabilidade, identificando inclusive a probabilidade dos cenários descritos.
Recordemos que para la prospectiva y la estrategia, las hipótesis de un
escenario deben cumplir simultáneamente cinco condiciones: pertinencia,
coherencia, verosimilitud, importancia y transparencia. (GODET, 2000, p.
41)
39
Capítulo 3 – Métodos
3.1. Premissas
La diversité des commandes, des types de prospective, les concepts utilisés,
conduisent au pluralisme des pratiques. Mais quelles que soient les
méthodes, la prospective est un acte de modélisation du présent, de
reconstruction du passé, et de construction des futurs, qui développe des
modèles mentaux successifs. (GONOD, s/d)
Apesar de surgirem diferenças e especificidades nos diversos métodos para o
desenvolvimento dos cenários, alguns elementos são comuns ou recorrentes entre
eles. Algumas premissas como coleta, classificação e monitoramento de
informações do passado e do presente, os elementos constitutivos ou etapas do
diagnóstico, exploração e síntese podem ser percebidos, com enfoques ou
nomenclatura diferentes, nos diversos métodos.
Um dos recursos fundamentais utilizados pelos futurólogos é a revisão do
meio para verificar o que está se passando, ficando atento ao novo – pois o novo
pode significar trocas fundamentais –, seguindo de perto atores chaves e confiáveis
com informações sobre as áreas enfocadas.
Galtung sugere que a pesquisa dirigida ao futuro seja dividida em três
componentes:
a) Pesquisa para determinar os valores básicos do sistema e as condições
em que melhor seriam realizados;
b) Pesquisa para estabelecer as tendências do sistema, baseando-se em
dados do passado e teorias sobre como realizar extrapolações;
c) Análise das relações entre tendências e valores, ou seja, verificando se
as tendências levam ou não o sistema para a "terra prometida". Em caso
afirmativo, indicar como reforçá-las e estabilizá-las e, em caso negativo,
como mudá-las. (MORITZ; PEREIRA 2005, p. 11)
40
Por sua vez, COSTA e ALEXANDRE destacam da seguinte forma os
aspectos relevantes na construção de cenários estratégicos:
a) Selecionar fatores ambientais;
b) Enumerar os possíveis acontecimentos ou fatos que poderão vir a ocorrer
em cada um dos fatores apontados no item anterior;
c) Agregar análises qualitativas e quantitativas;
d) Enumerar os cenários distintamente, indo do radicalmente pessimista até
o radicalmente otimista, passando evidentemente pelo cenário mais realista;
e) Avaliar suas possibilidades de ocorrência;
f) Cruzar fatores ambientais, acontecimentos e fatos, com os cenários
distintos;
g) Construir uma matriz que contenha todas as situações contidas nos itens
anteriores. (COSTA; ALEXANDRE, s/d, pg.3)
Ao elaborar cenários, uma questão essencial a ser considerado é a estrutura
em que a organização atua, o quê abrange a totalidade de seus elementos e
fenômenos interligados e interdependentes no horizonte temporal e espacial
estudado. Tendo uma visão o mais clara possível da estrutura, ou sistema, é
possível começar a responder perguntas sobre o futuro daquele meio. Essa visão é
uma fotografia da situação presente da organização, descrevendo o segmento, os
atores e as forças que atuam em seu desenvolvimento.
Para Marcial, “um cenário completo contém seis componentes principais: um
título, uma filosofia, variáveis, atores, cenas e trajetória.” (MARCIAL, p.42) O título
deve servir como identificador do cenário, condensando a essência da história
descrita e transmitindo a lógica aplicada àquele cenário. A filosofia constitui-se na
idéia geral do sistema e do seu sentido, do seu movimento, e origem e causalidade
da sua dinâmica, assim como da direção da mesma e finalmente da lógica aplicada
às inferências entre os elementos constitutivos do sistema. As variáveis são os
aspectos ou elementos importantes considerados no sistema e que são passíveis de
sofrer alterações. Os atores são todos os elementos causalmente relevantes e que
41
influenciam e são influenciados na cadeia causal da estrutura, alterando o
comportamento das variáveis. A cena é a visão de uma situação considerada num
instante de tempo, uma fotografia do sistema demonstrando o estado de atores e
variáveis, a resultante do corte sincrônico do sistema. A trajetória é o percurso ou
caminho do sistema no período de tempo considerado, descrevendo sua dinâmica
da cena inicial à final, o quadro resultante do corte diacrônico do sistema.
Quanto ao número de cenários a serem produzidos não há uma precisão, não
obstante seja possível construir uma grande quantidade em sua forma, há certo
consenso que uma excessiva quantidade de alternativas dificulta a captação e
comparação das idéias, e embaçam a tomada de decisão, tornando-os improdutivos.
Alguns autores consideram que dois cenários são suficientes, pois levam os
gestores a imaginarem as ramificações entre ambos. Em geral critica-se a
formulação de três cenários, pois podem levar à aceitação de um deles como “do
meio termo”, ignorando as implicações dos “extremos”. A idéia da construção de
quatro cenários é bastante aceita entre os formuladores, considerando-se que além
desse número corre-se o risco de começar a considerar fatores de não muita
relevância no contexto, atrapalhando a análise. Para estratégias mais robustas, no
entanto, pode-se considerar a construção de quantos cenários parecerem
necessários de acordo com o perfil e objetivos da organização, muitas vezes para
que, a partir da percepção dos vários cenários prováveis, possa ser realizada uma
pós seleção daqueles que serão melhor considerados.
Quanto a seu tipo, os cenários podem ser considerados a partir da
perspectiva da direção para a construção do enredo: os que se direcionam da
evolução do presente até o futuro são chamados future forward; por sua vez são
chamados future backward aqueles que projetam o futuro e identificam as forças e
42
recursos necessários para atingi-lo. O enredo é a descrição do sentido e da direção
para onde se move o objeto cenarizado, o elemento que une as partes do sistema, e
que alguns autores preferem chamar de lógica ou filosofia dos cenários.
Como abordado anteriormente, uma importante forma de identificação dos
cenários é defini-los como normativos, exploratórios ou de referência. Os cenários
normativos descrevem um futuro desejável, demonstrando o interesse dos atores
em relação ao projeto de construção de um determinado futuro. Os cenários
exploratórios, que tratam de futuros possíveis ou prováveis a partir de certas
condições diferenciadas de encadeamento das transformações. Nesses, destaca-se
ainda a subdivisão em exploratórios extrapolativos (futuro como prolongamento do
passado) e exploratórios múltiplos (pressupõe rupturas no sistema, representando
futuros plausíveis). Por fim, o cenário de referência, aquele que descreve uma
evolução futura suposta considerando as tendências latentes mais prováveis numa
dada situação de partida.
O desenvolvimento de cenários, apesar das diferentes abordagens existentes,
passa por três fases comuns: a) identificação das variáveis chave e das forças
motrizes; b) análise do jogo de atores e sua influência sobre as variáveis e; c)
redução das incertezas pela seleção de fatores determinantes e dos cenários mais
prováveis. Aqui devemos notar que são etapas relacionadas ao processo de
desenvolvimento dos cenários, e não de todo o projeto dentro do qual os cenários
são um produto. A análise do universo e das questões a serem estudadas e os
objetivos a serem alcançados com o estudo, certamente compõem uma preparação
necessário à elaboração de cenários realmente úteis. “Ao desenvolver cenários, é
importante começar com uma decisão ou questão específica e depois expandi-la
para o ambiente.” (BONTEMPO, 2000, p.68)
43
A primeira fase, o diagnóstico da situação por meio do estudo de seus
elementos, utiliza diversos meios para garantir amplitude e veracidade dos dados,
algumas das quais predominantemente projetivas, as quantitativas, que tratam da
observação e análise de séries temporais, e outras ditas “criativas”, que são
qualitativas e trabalham com a percepção de experts. Entrevistas estruturadas
realizadas com especialistas, brainstorming com expertos conhecedores da
realidade abordada e o escaneamento das informações sobre o sistema são alguns
métodos aproveitados para a construção de uma situação inicial confiável, que reflita
com veracidade o ambiente em que atua a organização proponente do estudo.
O ambiente geral (macro ambiente) é constituído de um conjunto amplo e
complexo de variáveis externas que envolve e influencia difusamente todas
as empresas. Não é uma entidade concreta com a qual a empresa possa
interagir diretamente, mas um conjunto difuso de condições genéricas e
externas às empresas e que contribui de um modo geral para tudo aquilo
que ocorre dentro de cada empresa, para as estratégias adotadas e para as
conseqüências das ações empresariais. (...) Já o ambiente de tarefa, que é
o meio ambiente específico da empresa, corresponde ao segmento do
ambiente geral mais imediato e próximo da empresa. É constituído pelas
variáveis, como outras empresas, instituições, grupos e indivíduos com os
quais uma determinada empresa mantém interface e entra em interação
direta para poder operar. É o contexto ambiental mais próximo da empresa
e que lhe fornece as entradas ou insumos de recursos e informações, bem
como a colocação e distribuição de suas saídas ou resultados.
(ROMANIELLO, s/d, p.3)
A Empresa e seu Ambiente Geral e Ambiente de Tarefa. Fonte:
Chiavenato 2002 (apud. ROMANIELLO, p.3)
44
Na fase de exploração ocorre a manipulação dos dados, por meio de técnicas
subjetivas (reflexão intelectual sobre as informações) e objetivas (modelos
matemáticos computacionais). Alguns recursos para essa fase são a análise das
variáveis, a extrapolação de tendências, análise de impactos cruzados e análise de
sensibilidade. Como será descrito adiante, cada uma dessas ferramentas propõe-se
a objetivos diferentes, tendo que se definir-se no contexto do estudo quais serão as
ferramentas mais úteis em cada caso.
Por fim, formula-se a síntese dos dados e seus cruzamentos por meio dos
cenários, construídos não só por extrapolação de tendências e maior probabilidade,
mas pela natureza do impacto que possam acarretar. Assim, um cenário de baixa
probabilidade com alto grau de impacto tem um peso semelhante a um cenário de
alta probabilidade de ocorrência com baixo impacto nas atividades da organização;
essa é a parte que calcula as implicações e custos diretos e indiretos dos cenários, o
seu grau de relevância para o conjunto do sistema.
Muitas equipes continuam o trabalho prospectivo após a elaboração dos
cenários por meio do monitoramento do ambiente, verificando como os cenários
evoluem e se as ações estão sendo tomadas na direção apontada pela estratégia e
eventualmente sugerindo outras ações para reforçar ou alterar as cadeias causais.
Como já citado nesse estudo, existem diversos métodos para a construção de
cenários prospectivos. Destacaremos aqui dois métodos de amplo alcance, a Lógica
Intuitiva e a Análise Prospectiva, por representarem métodos de ampla
disseminação e uso, por terem grande importância histórica, e por representarem
duas escolas com tendências contrastantes em sua metodologia.
45
3.1.1. Análise Prospectiva
Método francês, desenvolvido principalmente por Michel Godet entre os anos
de 1974 e 1979. Esta abordagem combina a lógica dos cenários com instrumentos
de análise de sistemas, tendo se desenvolvido posteriormente num sistema
encadeado de modelos computacionais. Pode ser dividido em três fases principais:
construção da base, baliza do campo de possibilidades e redução das incertezas, e
construção dos cenários. Necessitam-se em média 12 a 18 meses para realizar o
trabalho em sua integridade, sendo ao menos metade desse tempo para a
construção da base. No entanto, o método permite sua utilização parcial, realizandose workshops periódicos com duração de dois dias. E o próprio Godet ressalta, em
relação às etapas: “Debemos señalar que el desarrollo de esta metodología
integrada, no tiene porque ser totalmente lineal. Comprende varios bucles de
retroalimentación posibles, especialmente de la etapa 9 a la 4.” (GODET, 2000, p. 18)
Sin embargo, aunque el camino del método de escenarios sea lógico, no es
imprescindible recorrerlo de principio a fin. Todo depende del grado de
conocimiento del sistema estudiado y de los objetivos que se persigan. El
método de escenarios es modular. Se puede, en función de las
necesidades, limitar el estudio a uno u otro módulo, como por ejemplo el
análisis estructural para la búsqueda de las variables clave, el análisis del
juego de actores o la encuesta a expertos sobre las hipótesis clave para el
futuro. Incluso, puede ser suficiente representar imágenes que insistan en
las tendencias de mayor peso, en las rupturas o en los acontecimientos
clave, sin precisar siempre el camino. (GODET, 2000, p. 41)
Construir a base consiste em desenvolver representações do estado atual
constituído pela empresa e seu entorno, determinar as variáveis essenciais, analisar
a estratégia dos atores. A análise estrutural é extremamente útil nessa fase, a partir
do qual se realizam estudos retrospectivos profundos e tão detalhados quanto
possível. A partir do exame de como se posicionam os atores, definidos em função
46
de objetivos, problemas e meios de ação, constrói-se a tábua de estratégia de atores,
com o Método Mactor.
Em seguida, é necessário balizar o campo de possibilidades e reduzir as
incertezas. Com as variáveis chaves e os jogos de atores analisados se preparam
cenários possíveis por meio de uma lista de hipóteses que reflitam a manutenção de
uma tendência ou sua ruptura. Pode-se usar a Análise Morfológica para decompor o
sistema em suas dimensões essenciais e estudar suas combinações possíveis. Com
a ajuda de métodos especializados (Delphi, Ábaco de Regnier, SMIC – Prob-Expert)
podem-se reduzir as incertezas estimando probabilidades para essas diferentes
combinações.
Elaborar os cenários, em estado embrionário, é a próxima fase. Derivam do
levantamento feito anteriormente e da percepção do cenarista de como os
elementos interagem. O “caminho diacrônico” permite descrever o caminho que
conduz da situação atual às imagens finais.
Essas três fases, no entanto, podem ser tratadas dentro de uma perspectiva
mais detalhada que aborda nove etapas. A primeira analisa o problema exposto e
delimita o sistema, a segunda faz um estudo interno da organização estudada, a
terceira identifica as variáveis chave presentes no ambiente e a quarta realiza um
estudo retrospectivo da dinâmica de desenvolvimento da empresa e do entorno. Em
seguida, na quinta etapa, reduzem-se as incertezas descobrindo as tendências de
peso, sinais de ruptura e selecionando os cenários mais prováveis e com maior
impacto, a sexta etapa trata de elaborar opções estratégicas para a busca do futuro
desejável e a sétima verifica como as opções estratégicas tendem a evoluir no
tempo. Segue a próxima fase, de ação, em que elegem-se as estratégias na oitava
47
etapa, de acordo com objetivos hierarquizados, e a nona etapa, caracterizada por
colocar em marcha o plano de ação desenvolvido e o monitoramento das ações.
La primera etapa tiene por objetivo analizar el problema expuesto y delimitar
el sistema a estudiar. Se trata, en este momento, de situar el método
prospectivo en su contexto socio-organizacional, a fín de iniciar y de simular
el conjunto del proceso con la ayuda de los talleres de prospectiva.
La segunda etapa se basa en elaborar una radiografía completa de la
empresa desde el Know-How hasta las líneas de producto, materializado en
el árbol de competencias.
La tercera etapa identifica las variables-clave de la empresa y de su entorno
con La ayuda del análisis estructural.
La cuarta etapa intenta comprender la dinámica de la retrospectiva de la
empresa, de su entorno, de su evolución, de sus fuerzas y debilidades en
relación a los principales actores de su entorno estratégico. El análisis de
los campos de batalla y de los retos estratégicos permite descubrir las
cuestiones clave para el futuro.
La quinta
cuestiones
encuesta a
riesgos de
probables.
etapa busca reducir la incertidumbre que pesa sobre las
clave de futuro. Se utilizan eventualmente los métodos de
expertos, para poner em evidencia las tendencias de peso, los
ruptura y finalmente descubrir los escenarios de entorno más
La sexta etapa pone en evidencia los proyectos coherentes, es decir, las
opciones estratégicas compatibles a la vez con la identidad de la empresa y
con los escenarios más probables de su entorno.
La séptima etapa se consagra a la evaluación de las opciones estratégicas;
un estúdio racional incitaría a apoyarse en un método de elección
multicriterio, pero raramente es este el caso; con esta etapa finaliza la fase
de reflexión previa antes de la decisión y la acción.
La octava etapa del proyecto, es la elección de la estrategia, es la etapa
crucial porque se trata de pasar de la reflexión a la decisión. Las apuestas
estratégicas y La jerarquización de objetivos son resultado de la decisión de
un comité de dirección o de su equivalente.
La novena etapa se dedica enteramente a la puesta en marcha del plan de
acción. Implica los contratos de objetivos (negociados o suscitados), la
puesta en marcha de un sistema de coordinación y de seguimiento y
también del desarrollo de una vigia estratégica (externa). (GODET, 2000, pp.
17-18)
3.1.2. Lógica Intuitiva
O método conhecido como Lógica Intuitiva tenta transformar a percepção dos
tomadores de decisão de modo a antecipar o futuro e preparar a empresa para esse
mesmo futuro. Tenta alcançar esses objetivos por meio de um conjunto de histórias
48
coerentes e verossímeis, levando em conta fatores econômicos, tecnológicos,
sociais e políticos que servem de ensaio para criação de planos ou tomada de
decisões, com debate público e busca de convergências. Esse método foi
desenvolvido a partir dos anos 60 paralelamente pelo Stanford Research Institute e
pela Shell, sendo amplamente reformulado no final da década de 70, com vistas a
uma maior integração dos cenários com o planejamento estratégico das empresas,
sendo posteriomente adotado pela Global Business Network – GBN, gigante do
setor de consultoria fundada por Pierre Wack, antigo consultor da Shell.
Nesse método, o fim é auxiliar efetivamente em tomadas de decisões
corporativas, sendo muito importante o acompanhamento da implementação das
orientações sugeridas a partir dos cenários. As questões chave que norteiam os
trabalhos devem responder às seguintes questões: “Como é este mundo? Como é
que a indústria evolui e se adapta? O que é que isto significa para a empresa? Qual
o impacto para as unidades ou funções do negócio?” (LEAL, 2007, p. 15)
Para esse método são previstas cinco etapas: orientação, exploração, síntese,
atuação e monitoração.
Na orientação define-se um foco estratégico: a questão em relação à qual
queremos um resposta. “Para se identificar o Foco Estratégico vamos recorrer a dois
tipos de ferramentas: por um lado, à investigação e, por outro, à realização de
entrevistas ao cliente, a pessoas do sector/organização e a pessoas fora do
sector/organização.” (LEAL, 2007, p.8) Nesse momento é importante identificar não
só os questionamentos, dúvidas e incertezas, mas também as suposições acerca do
futuro que o proponente já tem. A partir de então, a equipe de cenaristas analisa o
resultado das entrevistas para decidir qual o foco estratégico. Propõe-se que este
nunca deve exceder 12 palavras.
49
A exploração é feita a partir da identificação das forças motrizes de mudança,
fatores chave da área abordada e forças do macro ambiente. As forças motrizes
agrupam-se em cinco categorias: sociais, econômicas, políticas, tecnológicas e
ambientais. Realiza-se um brainstorm, listando grande quantidade de itens
considerados forças motrizes. Após esse momento, verifica-se que algumas forças
são elementos pré determinados, enquanto outras são incertezas, das quais
algumas são consideradas críticas.
Reduzem-se as incertezas críticas através de votos e de discussões entre a
equipe até se chegar a cinco incertezas independentes. Seguidamente,
escolhem-se quatro e nos extremos de cada uma das incertezas colocamse evoluções opostas. (LEAL, 2007, p.12)
A fase seguinte prevê a síntese do trabalho realizado, de forma a possibilitar a
estruturação dos cenários. A partir da lista de forças-motrizes, identificam-se as
dinâmicas que serão “personagens” do cenário. Constroem-se matrizes a partir de
duas incertezas críticas lançadas sob quatro eixos selecionados, e experimentam-se
algumas combinações. Define-se então uma matriz final, que deverá ser aquela que
melhor responda ao foco estratégico. Cria-se a partir daí quatro cenários, um a partir
de cada um dos eixos da matriz escolhida. Esses eixos podem apresentar a
seguinte configuração, a título de exemplo: estável / instável (sistema político) X
crescimento sustentado / crescimento precário (sistema econômico). Ainda nessa
fase, é importante conjugar os principais fatores causais, para passarmos dos
fatores às tendências. Analisadas as tendências dos quatro cenários, a equipe se
debruça sobre os resultados para imaginar o quê irá acontecer naqueles contextos,
elaborando os cenários, atribuindo um nome a cada um deles.
O período chamado de atuação caracteriza-se pela reflexão sobre as
implicações dos cenários para o sistema estudado, chegando às chamadas
50
respostas estratégicas como resultado. Essa fase, apesar do nome – atuação – não
é composto exatamente por ações, mas por reflexões intelectuais sob quais ações
devem ter maior e melhor impacto para o futuro da organização.
Algumas das decisões tomadas hoje irão ter sentido em todos os cenários
futuros. Outras apenas nalguns. Uma vez identificadas as implicações que
funcionam em todos os cenários, apostamos nelas com confiança e
elaboramos planos robustos/estratégicos. (LEAL, 2007, p. 17)
Por meio da Adaptative Foresight é feito o monitoramento das informações
recebidas ao longo de todo o processo de desenvolvimento dos cenários. Para as
informações formais usa-se um sistema de monitoração baseado em matrizes e com
bases objetivas. No caso das informações informais aplicam-se os indicadores de
alerta, uma combinação de mecanismos objetivos e subjetivos para gerar atenção
aos sinais de transformação latentes no ambiente estudado. Regularmente, os
cenaristas devem reavaliar as condições do sistema para verificar se o foco
estratégico se mantém.
De forma resumida, Mary Bontempo descreve assim as etapas de aplicação
do método: identificar a decisão estratégica principal; especificar as principais forças
do ambiente local; identificar e analisar as forças motrizes; elaborar um ranking por
importância e incerteza; selecionar e estabelecer a lógica dos cenários; detalhar os
cenários; interpretar as implicações dos cenários; selecionar os principais
indicadores. (BONTEMPO, 2000, p.68-76)
51
3.1.3. Grumbach
Raul Grumbach constrói seu método a partir das premissas da prospectiva de
que existem vários futuros possíveis e de que ele não pode ser definido,
necessariamente, por extrapolações do passado. Propõe três fases no processo de
construção de cenários: o conhecimento do problema (pesquisa do histórico e da
situação atual), a construção e a identificação das alternativas e avaliação (fatos
portadores de futuro e eventos) e interpretação das alternativas para a tomada de
decisões (análise de fatos e eventos, cenarização e determinação de estratégias).
O processo é iniciado com a discussão dos propósitos do estudo e dos temas
que devem ser estudados, definindo de forma clara seus contornos e limites:
amplitude geográfica, nível de profundidade e horizonte temporal. Define-se também
os peritos que participarão do trabalho. Procura-se além disso conhecer o
pensamento dos dirigentes da organização, seus juízos, preocupações e
expectativas sobre o tema, que serão utilizados na análise dos cenários e na
definição de uma hierarquia de eventos futuros. Para o diagnóstico do problema, é
feito um cuidadoso levantamento das variáveis internas e externas do sistema, um
estudo retrospectivo e a criação de uma imagem da situação atual, procurando
entender as causas e origens desse estado. A fase é concluída com um documento
que explicite o diagnóstico dos temas propostos.
Para a construção ou identificação das alternativas de futuro, sugerem-se
duas etapas: uma de compreensão e outro de concepção. Neste momento,
identificam-se quais são os fatos portadores de futuro e os relevantes fatores
exteriores de influência, responsáveis por rupturas de tendências, cuja identificação
52
é o objetivo dessa fase. Sugere-se utilizar um número máximo de 25 de eventos, a
partir dos quais será elaborada a lista de variáveis.
Grumbach (1997) faz algumas sugestões para serem utilizadas durante a
depuração da lista de eventos gerados. Ele sugere que os componentes do
grupo se posicionem no final do horizonte de tempo estabelecido e
procurem deixar sua imaginação livre o suficiente para produzir eventos
com real possibilidade de ocorrência durante aquele período e que tenham
importância para a organização. (MARCIAL, 1999, 74)
Os eventos amparados apenas na imaginação dos analistas devem ser
criteriosamente discutidos, não se permitindo que o estudo passe para o
campo da adivinhação. Os eventos que tenham surgido após a fase de
diagnóstico devem ser considerados, mesmo que não estejam amparados
em fatos concretos já listados. Sugere também que os eventos afins devem
ser agrupados para evitar um número muito grande. Por último, ele alerta
que os eventos devem ser formulados de modo a não permitir
interpretações gradativas, evitando as palavras "aumentar" ou "diminuir",
que poderão ter significados diferentes para cada perito entrevistado.
(MARCIAL, 1999, pg.75)
Na próxima fase, a terceira, utilizam-se os métodos Delphi, quando se
estabelece a lista de eventos definitivos a serem estudados, em número não
superior a 10, e o de Impactos Cruzados, como forma de avaliar e interpretar as
várias alternativas de futuro. Visto que com dez eventos listados gera-se uma
combinação de 1.024 cenários possíveis, Grumbach sugere que se trabalhe a partir
de cinco tipos de cenários: o mais provável, o tendente, o ideal, o exploratório
otimista e o exploratório pessimista.
O cenário mais provável é aquele com maior probabilidade de ocorrência. O
cenário ideal é aquele que contempla todas as ocorrências positivas e não
contempla as ocorrência negativas, sob o ponto de vista do decisor. O
cenário exploratório otimista é aquele que contempla uma série de
acontecimentos considerados positivos, mas que não chega a ser tão bom
quanto o ideal. O cenário tendente é aquele que corresponde à projeção
dos acontecimentos passados sobre o caminho a ser percorrido pela
organização, observando-se que, caso os peritos não identifiquem nenhuma
ruptura de tendência, confundir-se-á com o mais provável. Por último, o
cenário exploratório pessimista é aquele que contempla uma série de
acontecimentos negativos e que pode ser considerado como a pior das
hipóteses possíveis que venha a acontecer. (MARCIAL, 1999, p.77)
53
Para a descrição dos cenários, inicia-se com a demonstração da situação
atual, e pela exposição dos fatos portadores de futuro, bem como dos fatos e
agentes
exteriores
influentes.
Efetua-se
um
encadeamento
lógico
dos
acontecimentos, estabelecendo uma história que irá até o final do horizonte temporal
estabelecido. O processo termina com a elaboração das estratégias que a empresa
deverá adotar com base nos cenários.
3.1.4. Cenários Industriais
Esse método foi descrito Porter em 1992, tendo como foco a aplicação de
cenários no contexto da indústria, e está fundamentado na visão de que o
comportamento da empresa ocorre em função da interação do macroambiente com
seu ramo atividade. Está baseado no estudo de cinco forças competitivas: entrada
de novos concorrentes, ameaça de substitutos, poder de negociação de
compradores, poder de negociação de fornecedores e rivalidade entre os
concorrentes.
Inicia-se com a fixação dos propósitos, do ambiente e do horizonte temporal,
e de um estudo histórico e atual da empresa. Identificam-se as incertezas, por meio
de uma lista de eventos que impactarão a indústria e da avaliação de sua
possibilidade de ocorrência. Essas variáveis serão avaliadas em constantes, pré
determinadas e incertas, e podem ser determinadas pela consulta a peritos.
Para a determinação dos cenários, utiliza-se somente as variáveis incertas,
ou seja, as variáveis que constituem os aspectos da estrutura futura que
dependem de incertezas não solucionáveis, as quais determinam os
cenários (Porter, 1992, p. 416). (...) Durante a consulta será verificado se
existe mais alguma variável a ser acrescentada, como também verificar-se-á
quais as causas dessas incertezas e os possíveis desdobramentos para
estas variáveis. Poderão ser questionadas quais ações de curto e de longo
54
prazos que deverão ser desencadeadas
acontecimentos futuros. (MARCIAL, 1999, p.69)
para
viabilizar
esses
Determinadas as variáveis incertas, verifica-se quais são as dependentes e
quais as independentes da estrutura da empresa. Verificadas as independentes,
elas serão classificadas em ordem de importância, separando-as em grupos: um de
maior e outro de menor importância. Identificam-se então os comportamentos
futuros que cada variável pode gerar, levando em conta a opinião de especialistas e
da gerência sênior da empresa, obtendo-se então um leque de possíveis cenários,
pelo menos um dos quais deve refletir a visão interna da empresa. Avalia-se então a
consistência desses possíveis cenários, quando alguns cenários poderão ser
excluídos.
Apesar dessas exclusões, o número de cenários restantes ainda será muito
grande, visto que este número é resultante da combinação gerada pelas
diferentes suposições sobre cada variável de cenário. Para solucionar este
problema, Porter propõe a realização de uma análise minuciosa dos
diversos cenários quanto à determinação da estrutura futura sob o cenário,
ao desenvolvimento das implicações do cenário para a atratividade
industrial e à identificação das implicações do cenário para as fontes de
vantagem competitiva (Porter, 1992, p. 427), procurando com isso reduzir o
número de incertezas. Porter também sugere que um bom ponto de partida
para análise de cenários é a definição de cenários polares, ou seja, o mais
separados possíveis. (MARCIAL, 1999, pp.70-71)
Após a seleção dos cenários consistentes, incorpora-se o movimento dos
concorrentes e suas implicações, determinando quem são esses e quais os
possíveis comportamentos que podem assumir, sendo necessário conhecer suas
estratégias e estar atento às mudanças que essas podem determinar nas variáveis.
Enfim, são elaboradas as estórias dos cenários, fazendo-se uma descrição
cuidadosa dos elementos constantes na estrutura da indústria, das variáveis incertas
independentes e dependentes e das mudanças estruturais pré determinadas e as
interligações entre as variáveis especificando seus fatores causais. Com esses
55
cenários, elabora-se a estratégia competitiva da empresa, quando “os dirigentes
terão oportunidade de vislumbrar a empresa nos possíveis contextos e definir quais
as manobras que ela deverá fazer para criar seu próprio futuro” (MARCIAL, 1999,
p.71)
3.2. Ferramentas
As ferramentas usadas pela prospectiva para auxiliar na construção de
cenários são inúmeras, desenvolvidas, remodeladas e utilizadas por cada grupo de
cenaristas de acordo com a especialidade de seu campo. A principal divisão que se
faz dessas ferramentas é entre aquelas objetivas, baseadas em modelos
matemáticos e computacionais para fins de extrapolação de tendências e análise de
dados, e aquelas ferramentas ditas subjetivas, como as entrevistas e o
escaneamento das informações. É interessante notar que, por vezes, dados
levantados de maneira subjetiva passam por tratamento objetivo para análise, cujos
resultados por sua vez são analisados do ponto de vista subjetivo. Por exemplo:
entrevistas (subjetivo) ajudam a determinar as forças principais em atuação, que por
sua vez são analisadas por uma matriz de impactos (objetivo), gerando resultados
que serão estudados pelos cenaristas (subjetivo) para elaborar o cenário.
Algumas técnicas prospectivas, ou para ajudar a pensar com correção o
futuro, são:
56
Ábaco de Regnier
Esta ferramenta pode resultar de grande utilidade para medir a opinião de um
grupo de pessoas sobre tema determinado. Criado por Francois Regnier (1975), ele
é um sistema de votação com alternativas de respostas num modelo de gradação
que determina se a situação é favorável ou desfavorável (verde favorável – verde
claro – amarelo intermediário – rosa – vermelho desfavorável; branco para “em
branco” e negro para abstenção). Possui uma codificação semelhante a um
crucigrama, com os votos de cada participante dispostos em uma coluna e cada
problema em uma linha.
Análise de Atores
Este procedimento é bastante empregado para identificar atores afetados por
um problema e prever suas reações. As etapas que fazem parte desse
procedimento são: definir o problema estudado; identificar os elementos chaves que
produzem o problema; detectar os atores que têm interesse no resultado do
problema (atribuindo-lhes valor e categorias: acesso à mídia, acesso ao Governo,
importância para o êxito, autoridade na tomada de decisões, antecedentes de êxito
na resolução do tipo de problema); o cálculo do valor total de cada ator; a descrição
da resposta mais provável do ator; a confecção de matriz (três campos horizontais e
três verticais, classificando atores em posição Alta, Média e Baixa); e a elaboração
do curso de ação.
57
Análise de Impactos Cruzados
Este procedimento visa avaliar a influência que a ocorrência de um evento
terá sobre a ocorrência de outro ou outros. Nome genérico de uma família de
técnicas que intenta avaliar as transformações e a probabilidade de ocorrência de
eventos simultâneos em certo acontecimento, para gerar hierarquia de imagens e
cenários. Técnica para analisar sistemas complexos e verificar como forças internas
e externas à empresa interagem gerando um resultado maior que a soma de suas
partes, e também o efeito da ampliação de uma única força. É um modelo
matemático que gera cenários estáticos, obrigando o gestor a imaginar o caminho
entre o estado atual do ambiente e o cenário projetado.
Análise Estrutural
Neste tipo de análise a realidade é concebida como estrutura, na qual se
procura observar as relações existentes entre as partes e as variáveis que
contornam o tema, detectando aquelas consideradas chave. Visa obter uma
representação do sistema e reduzir a complexidade sistêmica às variáveis principais.
As etapas principais desse procedimento são: elaboração da lista de variáveis;
identificação das relações internas com matriz de análise estrutural; e identificação
das variáveis chave. Também tenta enfocar o efeito de determinados eventos sob as
variáveis, procurando captar as tendências em curso, extrapolá-las e verificar seus
efeitos na evolução do sistema estudado. Finalmente, une abordagens quantitativas,
como análise de séries de tempo e econometria, com as qualitativas. Essa
abordagem não verifica o efeito entre as variáveis.
58
Análise Morfológica
Neste tipo de análise o pesquisador decompõe um problema em vários
elementos, identificando atributos (formas e valores) desses, escritos em forma de
matriz, e seleção de alternativas pela combinação dos atributos. A ferramenta mais
conhecida para esse processo é o MORPHOL. Abaixo, exemplo de matriz para
análise morfológica, de Fritz Zwicky:
Fonte: (http://www.3ie.fr/lipsor/morphol.htm)
Brainstorming
Esse método consiste numa dinâmica de grupos para produzir idéias novas
sobre algum aspecto, descrito em 1952 no livro “Applied Imagination”, de Alex F.
Osborn. Utilização do chamado pensamento lateral, em que se privilegia a intuição
frente ao pensamento lógico. Segue as seguintes regras: concentrar a discussão
sobre tema bem definido; considerar qualquer idéia; não criticar idéias no momento
59
em que surgem; e não explorar as implicações da idéia (em suma, não fazer juízo ou
avaliar idéias). Seleção das idéias interessantes ou valiosas para execução posterior.
Um líder treinado conduz a sessão, serve de juiz e estimula o debate. Pretende-se
produzir o máximo de soluções possíveis para determinado problema. Facilita o
surgimento de idéias que seriam mais difíceis para as pessoas isoladamente.
Degest
Classifica, analisa e avalia os dados para descobrir os mais importantes em
certos eventos. Philip Kotler propõe que, em geral, os dados mais importantes dizem
respeito à demografia, economia, governo, ambiente, sociedade e tecnologia.
Sugere-se a eleição, no entanto, de categorias para cada caso específico,
observando-se que elas interajam, como peças de um quebra-cabeça, para montar
uma figura.
Delphi
Esse método consiste em pôr em manifesto a percepção intuitiva de um grupo
de expertos por meio de sucessivos questionários para identificar possíveis
consensos sobre determinado assunto. Trata-se de reunir especialistas para emitir
juízos sobre certos temas, com idéias e pontos de vista diferenciados, geralmente de
forma anônima. As perguntas normalmente prevêem a hipótese de um dado
acontecimento. As etapas que dão consistência a esse método são: delimitação do
problema e aspectos a serem considerados; constituição do grupo monitor que
seleciona os especialistas; desenho, elaboração e envio dos questionários com
perguntas e informações do problema; avaliação dos questionários de maneira
60
sucessiva. A partir da tabulação das entrevistas, cria-se uma discussão a respeito,
que deve gerar um sumário de resultados e a revisão das respostas iniciais.
Estrutura de Árvore
Com a utilização desse método é possível transformar o problema que se
procura resolver em uma rede sequencial e hierárquica, simplificando aspectos
complexos do problema, explicitando requisitos e alternativas e identificando
aspectos a serem estudados. Esse método mostra-se mais adequado quando o
processo estudado pode ser descrito em níveis de causalidade, complexidade,
hierarquia e sequência. Pode apresentar-se sob diversas formas, como a árvore de
hierarquias ou a árvore de decisões, que permitem relacionar etapas para
consecução de um objetivo geral.
Interax
Permite construir cenários alternativos por unidade dentro de um ambiente
com alta taxa de transformação, e realizar a análise de sensibilidade sobre a
efetividade das estratégias. Ajuda a entender melhor o processo de troca entre
ambiente e organização, contribuindo para prover informações para um desenho de
estratégia de médio prazo.
Quest
Esse método é um processo de investigação do futuro para permitir a
tomadores de decisão compartilhar seus pontos de vista sobre tendências e eventos
61
no ambiente futuro. Pressupõe que cada indivíduo tem uma visão parcial do
ambiente da organização e essas visões, agregadas, permitem à organização
apreender conhecimento total que possui sobre seu meio. Ajuda a clarificar a visão
própria e a da equipe, com baixo custo, localizando os gestores no longo prazo e os
tornando responsáveis pela área futura correspondente. Suas etapas são: reunião
preliminar com os executivos para determinar princípios do trabalho (regras,
prazos...); preparação da sessão (seleção dos participantes e produção de
documentos de trabalho); sessão de planos divergentes; geração de cenários e;
opções estratégicas.
62
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USP – Instituto de Estudos Avançados. Projeções Relativas à Dinâmica da
Dimensão Institucional e Visualização Prospectiva para 2007, 2015 e 2022.
Disponível em
http://www.iea.usp.br/iea/tematicas/futuro/projeto/prospectivainstitucional.pdf
66
Apêndice A – Associações e empresas relacionadas aos estudos futuros
As organizações listadas abaixo apresentam grande quantidade de recursos para o
conhecimento da Construção de Cenários, como a explicação da metodologia
que empregam, artigos publicados e exemplos de cenários.
- Association of Professional Futurists: www.profuturists.com
- Battelle Memorial Institute: http://www.battelle.org/
- Brainstorming Consultoria: http://www.brainstorming.com.br/Home.do
- Centre for Scenario Planning and Future Studies - University of Strathclyde:
http://www.gsb.strath.ac.uk/cspfs/
- Centro de Gestão e Estudos Estratégicos: http://www.cgee.org.br/
- Deloitte Consulting: http://www.deloitte.com/
- Futuribles: www.futuribles.com
- Global Business Network - http://www.gbn.com/
- Grupo de Elaboração de Cenários Prospectivos da UNESP da Faculdade de
História, Direito e Serviço Social de Franca:
http://www.cenariosunesp.kinghost.net/
- Hudson Institute: http://www.hudson.org/
- Infinite Futures: www.infinitefutures.com/
- Institute for Alternative Futures: http://www.altfutures.com/
- Institute for Prospective Technological Studies: www.jrc.es
67
- Institute for the Future: www.iftf.org/
- Instituto de Estudos Avançados da USP: http://www.iea.usp.br/iea/tematicas/futuro/
- Laboratoire d’Investigacion en Prospective Estratégique et Organisation :
http://www.cnam.fr/lipsor/actualites.php
- Rand Corporation: http://www.rand.org/
- SRI International: http://www.sri.com/
- Stockholm Environment Institute: http://www.sei.se/
- Tellus Institute: http://www.tellus.org/
- The Copenhagen Institute for Future Studies: http://www.cifs.dk/en/
- The Futures Lab: http://www.futures-lab.com/
- The Futures Strategy Group: http://www.futurestrat.com/index.htm
- The Millennium Project Global Futures Studies & Research, American Council for
the United Nations University: http://www.acunu.org/
- The Vision Center For Futures Creation: http://www.framtidsbygget.se/winindex.htm
- World Future Society: http://www.wfs.org/
- World Futures Studies Federation: www.wfsf.org
68
Anexo A – Organização Temática dos Estudos Futuros
“La organización temática aceptada internacionalmente por la World Future
Society es la siguiente:
1. Futuro del Mundo
a. Tendencias generales.
b. Hacia un mundo mejor
c. Población y derechos humanos
d. Relaciones Internacionales
e. Corporaciones
2. Economía Internacional
a. La Economía del mundo
b. Desarrollo del tercer Mundo
10. Asuntos Especiales
a. Ciudades y Comunidades
b. Transporte
3. Regiones del Mundo y Naciones
a. Europa y Norteamérica
b. Japón en el mundo
11. Crimen y Justicia
a. Tendencias y aspectos generales
b. Cambio de sistema.
4. Defensa y desarme
a. Reconsiderando la seguridad y la
estrategia
b. Carrera armamentista
c. Buscando la paz
12. Salud
a. Tendencias y aspectos generales
b. Costo de la vida en América
c. La epidemia del SIDA
d. Otras enfermedades mentales
e. Tecnologías de la vida
5. Energía
a. Estrategia y Seguridad
b. Fuentes alternativas
6. Alimentación y Agricultura
a. Reunión Global
b. Políticas y Política
c. Desperdicios y polución
d. Conservación de especies y lugares.
7. Sociedad y Políticas
a. Revisión
b. Tendencias y puntos de vista
c. Democracia y Gobierno.
8. La economía Estadounidense
a. Tendencias y prescripciones
b. Reconsideración de la Economía
c. Déficit
d. Pobreza y Bienestar
(MOLINA, 2004a, pp. 20-22)
9. Trabajo
a. Perspectivas Generales
b. Desarrollo de Recursos Humanos
13. Familias y Educación
a. Infancia y Familia
b. Reformas escolares
c. Profesores y currículo
d. Educación Superior y continuada
14. Comunicación
a. Sociedad de la Información
b. Nuevas vías para la comunicación
15. Ciencia y Tecnología
a. Revisión y aspectos
b. Otras posturas.
16. Métodos de Investigación del futuro
a. Liderazgo y dirección del pensamiento
b. Estudios del futuro
c. Planeación y Toma de decisiones.”
69
Anexo B – Planificação Estratégica por Cenários (Godet)
(GODET, 2000, p. 20)
70
Anexo C – Exemplo de Cenário – Turismo em Portugal
Cenário desenvolvido pelo Departamento de Prospectiva e Planeamento do
Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento
Regional de Portugal por António Alvarenga e Paulo Soeiro de Carvalho, 2007.
Cenário 1 – Ambição Global
DOMÍNIO
Organização e
Gestão
Mercados Motores
Factores de
Atracção
VARIÁVEL
(INCERTEZA
CRUCIAL)
1 - Gestão do
Território
2 - Gestão de
Recursos
3 - Acessibilidades
e Comunicações
4 - Modo de
Organização do
Sector e Qualidade
da Oferta
5 - Serviços de
Saúde e de
Proximidade
6 - Tempo de
Permanência
7 - Gama
8 - Origem
9 - Recursos Não
Renováveis
10 - Gestão da
História
11 - Oferta Lúdica
Conf. A
Imobiliário Descontrolado
CONFIGURAÇÕES
Conf. B
Tensão sobre os
Recursos Hídricos
Espaço de Proximidade
Imobiliário
Controlado
Disponibilidade de
Recursos Hídricos
Espaço Global
Competição Anárquica e
Problemas/Fragmentação
da Oferta
Competição
Regulada e
Qualidade na Oferta
Escassos e deficientes
Qualidade
Visitantes Tradicionais
Curta Duração
Baixa, Média/Baixa
Proximidade
Sol&Praia no Litoral
Alta, Média/Alta
Globais
Diversidade
Assente no Património
Assente nas
Conexões e nos
Símbolos
Variedade
Golf
Conf. C
Residentes, Curta
Duração
O sector do Turismo em Portugal sofreu em quinze anos uma transformação profunda
derivada da evolução muito significativa num conjunto de áreas ou factores críticos que se podem
estruturar em torno de três forças motrizes, respectivamente: Organização e Gestão do Sector;
Mercados e Segmentos Motores; e Factores de Atracção.
Assim, Portugal assistiu a uma alteração profunda do perfil de especialização do sector do
Turismo, no sentido de uma maior diversificação de segmentos de actividade turística e mercados
emissores, e uma ascensão ao nível da gama de turistas/visitantes e correspondentes níveis de
exigência em termos de qualidade, personalização, diversidade e integração de serviços e de
factores de atracção.
Uma das mudanças da estrutura de actividades turísticas dominantes em Portugal centrou-se
na elevação em termos de gama e de distanciamento (geográfico e cultural) dos mercados de origem
dos turistas/visitantes nos segmentos mais tradicionais do turismo de sol e praia e do turismo de
negócios (tendo-se assistido a uma crescente diversificação para outros segmentos incluídos nas
denominadas estadias de curta duração: short breaks, eventos associados a EMN e a redes ou
comunidades de interesse, etc.).
A aposta bem sucedida na promoção e valorização da História de Portugal, privilegiando os
símbolos e as conexões (vd. os Templários e a presença islâmica), e não tanto o património edificado,
aumentou a exposição mediática do país a uma escala global, permitindo-lhe aproveitar a tendência
de crescente valorização e atracção por tudo o que suscita curiosidade, mistério e fascínio. Esta
situação teve uma influência transversal em vários segmentos turísticos, tendo em particular
transformado de forma substancial o segmento do turismo cultural.
71
Assente numa contínua disponibilidade de recursos hídricos e no dinamismo de actores
(investidores, promotores e operadores) de dimensão e qualidade, existiu a capacidade de diversificar
a oferta turística dependente dos recursos naturais, nomeadamente com o sucesso dos projectos
estruturantes de grande qualidade e sustentabilidade do Douro, do Alqueva e da Costa Alentejana.
A estas tendências de reforço, elevação do valor acrescentado oferecido e de gama de
turistas/visitantes, e nível superior de integração e complementaridade ao nível da oferta (que
atravessaram aqueles que eram os segmentos mais importantes do sector turístico de Portugal no
início do século), juntou-se a emergência e afirmação de uma multiplicidade de segmentos turísticos
que permitiram diversificar e enriquecer a oferta turística nacional. No âmbito deste movimento
destacou-se, pela sua dimensão, carácter motriz e nível de exigência em termos de serviços de
elevado valor acrescentado, o segmento dos residentes com elevado poder de compra.
Esta dinâmica ao nível dos mercados e segmentos motores foi possível devido a uma
evolução extremamente favorável (resultante de uma acção reformadora) de um conjunto
fundamental de variáveis integradas na força motriz “Organização e Gestão do Sector”.
Neste sentido, a já referida subida generalizada da gama de turistas/visitantes (que
atravessou a maioria dos segmentos turísticas mas teve um enfoque particular naqueles que se
encontram mais direccionados para os mercados externos) resultou, em grande medida, da
capacidade demonstrada pelos diferentes tipos de entidades responsáveis pelo controlo da
construção imobiliária direccionada para a actividade turística em zonas de elevado potencial (em
termos de amenidades e recursos naturais), em conjunto com o esforço bem sucedido no que
respeita à regulação da competição e reorientação de políticas capazes de estimular a oferta turística
de qualidade, permitindo diminuir de forma substancial a parcela da oferta paralela de alojamento
turístico (vd questão muito evidente em determinadas zonas do Algarve).
O controlo do imobiliário em zonas de elevado potencial turístico e a regulação da competição,
em conjunto com o investimento localizado de serviços de saúde e de assistência especializada a
idosos e a grupos com necessidades específicas e com a expansão dos serviços de proximidade (vd.
ligados ao conforto, ...), foram determinantes para a expansão de segmentos turísticos muito
exigentes em termos de qualidade e diversidade de serviços (vd. residentes).
A construção de um novo aeroporto passível de assumir as funções de hub internacional de
um dos consórcios aéreos de amplitude global, foi um elemento decisivo para a capacidade de
atracção de turistas e visitantes oriundos de mercados distantes, conferindo desta forma uma
amplitude global a este cenário. Permitiu igualmente a exploração de uma oportunidade centrada na
capacidade de passar a desempenhar as funções de plataforma de distribuição de turistas europeus
e asiáticos para o Brasil.
Finalmente, importa sublinhar que a evolução do sector do Turismo retractada apenas foi
possível devido a uma dinâmica muito positiva verificada ao nível dos factores de atracção,
destacando-se em particular, o dinamismo e a crescente variedade ao nível da oferta lúdica (que
passou pelo investimento em parques temáticos e equipamentos de entretenimento que potenciaram
a vocação específica das regiões/locais onde se localizaram) e a promoção da animação cultural,
reforçada pela referida aposta na “promoção da História” com base nos símbolos e nas conexões e
não apenas no património edificado.
72
Anexo D – Exemplo de Cenário – Projeto Brasil 3 Tempos: 2007, 2015 e 2022
Cenário desenvolvido pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade
de
São
Paulo.
A
íntegra
está
disponível
em
http://www.iea.usp.br/iea/tematicas/futuro/projeto/prospectivainstitucional.pdf.
A
paragrafação foi suprimida para melhor adequar a dimensão do texto a esse estudo.
Descrição dos cenários da dimensão institucional
Cenário mais provável: Federalismo Negociado e Participativo
No Brasil, um lento e difícil processo de negociação entre os poderes, entre os entes
da Federação e entre as organizações não-governamentais (ONGs) permite evoluções
tópicas, mas sem mudança substantiva das grandes linhas do quadro institucional hoje
vigente. O aumento da pressão do Congresso pelo manejo do orçamento da União, a
sedimentação de uma estrutura partidária mais estável, centrada em três ou quatro grandes
agremiações de alcance nacional, além do aperfeiçoamento de formas de controle social
sobre as ações governamentais, estimulam a cooperação entre os entes da Federação,
reduzindo em parte o poder do Executivo federal e corrigindo alguns dos aspectos
considerados irracionais do atual pacto federativo. A chave para a configuração deste
cenário é o fortalecimento dos partidos políticos, com aumento de sua expressão nacional, a
profissionalização de sua estrutura de comando e a renovação parcial de lideranças e
estratégias. Este processo tende a decantar o sistema político, reduzindo a fragmentação
atual e consolidando um grupo de poucas e grandes agremiações de perfil social-democrata,
de um lado, e liberal conservadora, de outro, com o centro do espectro político ora ocupado
por uma ou por outra. Este cenário partidário tende a se delinear independentemente de
mudança da legislação eleitoral, podendo ocorrer tanto com a adoção ou não do voto
distrital, do sistema de listas fechadas para escolha dos candidatos, ou de regras mais ou
menos estritas de fidelidade partidária. A conseqüência direta deste processo é o aumento
das pressões do Congresso para influir no orçamento da União. Isto tanto pode ocorrer por
meio de mudanças em algumas das vinculações constitucionais atualmente em vigor,
quanto pelo jogo de ameaças e retaliações sobre o governo federal em favor da execução
impositiva das emendas orçamentárias aprovadas. Em tal cenário, aumentam as demandas
pela mudança do pacto federativo, com redefinição de atribuições e partilha de receitas
entre a União, Estados e Municípios. Estas demandas levam em conta também a
persistência da questão do financiamento da seguridade social nos três níveis da Federação
e cuja irresolução tende a ocupar as atenções do Congresso ainda por longo período.
Caminha-se, portanto, para um tipo de federalismo de feição mais cooperativa, no qual o
governo federal ainda detém a maior parte de sua capacidade de iniciativa, por conta do
quadro fiscal ainda preocupante, mas aceita e até estimula o surgimento de organismos de
descentralização de responsabilidades, como os Consórcios de Municípios e a “gestão
metropolitana” dos grandes centros urbanos. O cenário delineado reforça a tendência de
redução gradativa das disparidades regionais e inibe a propensão do Executivo federal de
interferir nos rumos e na pauta do Congresso, por meio do uso intensivo de Medidas
Provisórias. A demanda pela desconstitucionalização de algumas matérias, porém, não se
limita aos aspectos tributários, afetando também a área crítica da segurança pública. O
colapso do modelo policial em vigor, liderado pelos Estados, impõe o aumento das esferas
de competência e da autoridade da União sobre essa matéria, num processo de
federalização das diretrizes gerais e das ações de segurança. Dissemina-se a percepção de
73
que a insegurança pública decorre não tanto da força do chamado crime organizado, mas
especialmente da falta de coordenação e eficácia do atual ordenamento jurídico-repressivo,
este sim desorganizado. Em paralelo, a persistência ou agravamento dos focos de tensão
interna nos países limítrofes estimula o aumento expressivo da presença militar brasileira
nas fronteiras nacionais, especialmente na Amazônia ocidental, na região da Tríplice
Fronteira. Mais: o viés intervencionista da atual política externa norte-americana tende a
reforçar um sentimento nacionalista entre os partidos hegemônicos e as Forças Armadas
que se concretiza na urgência de medidas práticas e eficazes de proteção às fronteiras. No
plano das organizações sociais, este cenário contempla o surgimento de novas formas de
acompanhamento e controle das políticas públicas e das ações governamentais como
conseqüência da reforma do Judiciário e da crescente intolerância da população à
corrupção, real ou percebida, nas três esferas de governo. O aumento da transparência e do
escrutínio sobre a gestão pública decorre também, em parte, do fortalecimento dos partidos
e, em parte, das facilidades propiciadas pelas tecnologias de acesso à informação. Este
processo não significa necessariamente aumento da influência das Organizações NãoGovernamentais ou das confissões religiosas sobre a esfera pública. Ainda que haja um
aumento da influência das seitas protestantes sobre a vida político22 partidária, este
fenômeno não expressa um aumento do poder das organizações sociais enquanto tais
sobre a gestão pública.
Cenário desejado: Equilíbrio Republicano
Este cenário caracteriza-se pelo equilíbrio entre os poderes, pela clara distribuição
de atribuições e receitas entre os entes da Federação e por uma atitude de cooperação
entre eles no equacionamento das questões mais urgentes da agenda política, tais como
segurança pública, financiamento da seguridade social e modernização da Justiça. Tal
equilíbrio assenta-se num Congresso fortalecido pela existência de um sistema político
formado por um pequeno conjunto de grandes partidos nacionais, com ampla
representatividade dos eleitores. Esta representatividade é estimulada pelo adensamento
programático dos partidos, pelo voto distrital misto e pela participação ativa das
Organizações Não-Governamentais na vida pública. Um Congresso forte confere
estabilidade à base de apoio ao governo, ao mesmo tempo em que reduz o excesso de
poderes do Executivo, especialmente a tentação de controlar a agenda legislativa por meio
das Medidas Provisórias. Este cenário de equilíbrio reforça as iniciativas do Congresso no
sentido de influir nas diretrizes orçamentárias da União, por meio de regras de execução
impositiva das emendas aprovadas, e estimula as propostas de desvinculação constitucional
de receitas. Criam-se as condições para um novo pacto federativo. A desconcentração das
receitas da União orienta-se para políticas de desenvolvimento dos Estados e correção das
disparidades regionais. Esta desconcentração, porém, não compromete a capacidade do
Executivo federal de financiar seus projetos e honrar compromissos. Seguem o mesmo
rumo as iniciativas visando transferir para a legislação infraconstitucional as matérias
relativas à segurança pública e tributação. O princípio de descentralizar receitas e
atribuições, equilibrando as participações dos entes federados e da iniciativa privada, vale
também para o equacionamento das contas da seguridade social. O mesmo se dá no caso
das políticas de segurança pública, com aumento da cooperação e das ações integradas
entre União, Estados e Municípios. Esta diretriz diminui a força do crime organizado e facilita
a instauração mecanismos eficazes de controle da corrupção na vida pública. As punições
exemplares se disseminam, e a sensação de impunidade regride. As Forças Armadas
redefinem seu papel institucional. Profissionalizam os efetivos e modernizam seus
equipamentos. A presença militar nas fronteiras aumenta sensivelmente. A proteção aos
limites territoriais torna-se um dos itens mais importantes da agenda política. A justificativa
74
desta atitude está na crescente preocupação com incursões de guerrilheiros, terroristas e
traficantes estrangeiros em áreas remotas do território nacional, assim como eventuais
surtos expansionistas das grandes potências sobre aquelas regiões. Neste cenário, os
valores republicanos se consolidam. O maior controle social sobre os serviços públicos, a
participação popular nos temas de interesse nacional e o aumento da chamada “cultura
cívica” determinam a dinâmica da vida políticopartidária. As Organizações NãoGovernamentais se fortalecem, expandem e criam novas formas de acompanhamento das
ações de governo e desenvolvem uma saudável competição com os partidos políticos
estabelecidos. Cingem sua atuação, porém, aos limites da democracia representativa,
aceitando submeter-se às mesmas regras de transparência que exigem dos poderes
públicos. Este aumento do controle social tem forte influência nos rumos do Judiciário. A
instituição se moderniza, aceita o advento da informática, torna-se mais ágil e concorda em
submeter-se a um forte escrutínio da sociedade. Ao mesmo tempo, descentraliza-se, por
exemplo, abrindo mão do poder normativo da Justiça do Trabalho em favor da livre
negociação entre patrões e empregados, ou ampliando os juizados de pequenas causas. As
confissões religiosas e as seitas evitam a tentação de se fazer representar por meio de
organizações partidárias próprias. Há o reconhecimento das virtudes da laicização da
política, ainda que as organizações religiosas preservem e até aumentem sua presença no
debate público.
Cenário contrastante I: fragmentação conflituosa
Neste cenário, prevalecem os conflitos e a competição entre os níveis da Federação
e entre esferas de poder. As relações entre o governo federal e o Congresso são marcadas
pela instabilidade, pelas ameaças e pelas retaliações mútuas. O sistema partidário
fragmenta-se ainda mais, dificultando o encaminhamento de reformas importantes e, em
conseqüência, agravando as disparidades regionais. Reduzem-se as chances de
cooperação em torno de mudanças no pacto federativo. Sem força para impor um modelo
aos demais, ou sem perspectiva de uma solução negociada, cada um dos entes federados
limita-se a preservar as prerrogativas já existentes, enrijecendo o modelo atual. O sistema
político divide-se numa miríade de agremiações regionais e personalistas. Sem consistência
interna e carentes de lideranças unificadoras, os partidos evitam o desafio de mudar a
legislação partidária e eleitoral. Mantém-se o sistema proporcional, mesmo nas coligações
para eleições parlamentares; relaxam-se as exigências para formação de partidos ou de
representação no Congresso. Mesmo os grandes partidos perdem sua identidade nacional e
enfrentam divisões internas, impossibilitando a composição de maiorias minimamente
estáveis no Congresso. Desprezam suas próprias diretrizes programáticas e deixam-se
levar pelo jogo das negociações caso a caso. As negociações seguem um padrão tópico e
casuístico. Reivindicações destinadas a ampliar o controle do Congresso sobre a confecção
e execução do orçamento da União são relegadas a segundo plano. A governabilidade
torna-se um exercício penoso para o governo federal que, não obstante, reforça seu poder
sobre o sistema político por meio do uso sistemático de Medidas Provisórias e da barganha
de privilégios e cargos na máquina administrativa. A desconstitucionalização de aspectos
ligados à tributação e segurança faz-se de forma caótica, ao sabor das pressões do
momento e destinada a atender a necessidades imediatas de caixa dos entes da federação
com mais poder de barganha, ou aos reclamos da opinião pública. A percepção de
enfraquecimento das instituições se generaliza, esmorecendo o controle social sobre as
políticas públicas e sobre a vida partidária. Este cenário aumenta a influência do crime
organizado sobre os partidos e os governos, ampliando a tolerância do eleitor com a
corrupção. As tentativas governamentais de readquirir o controle sobre a segurança pública
esbarram na dispersão de esforços, na competição por prerrogativas e recursos, no
75
corporativismo das organizações policiais e nas disputas políticas entre governadores e o
governo federal. No cenário externo, os países limítrofes afundam na crise econômica e
mostram-se incapazes de controlar seus movimentos terroristas e as quadrilhas de
traficantes. As fronteiras brasileiras são continuamente devassadas por tais grupos, sem
que as Forças Armadas ou as policiais civis possam impedi-los. O quadro agrava-se pela
persistência de indefinições acerca do papel reservado às Forças Armadas na vida
institucional brasileira e pela carência de efetivos treinados e equipamentos eficazes. A força
das corporações prevalece também no Judiciário, inibindo as tentativas de modernizar e
agilizar seus serviços, ou de modificar o viés excessivamente normativo da Justiça do
Trabalho. O desafio do financiamento da Previdência Social permanece insolúvel, com
aumento do déficit das contas dos governos nos três níveis e aumento da sonegação. A
persistência de um Estado burocrático e ineficiente desmoraliza os mecanismos já
existentes de acompanhamento das ações governamentais, desestimulando as novas
iniciativas. As organizações não-governamentais e religiosas tentam reagir a tal cenário de
anomia institucional por meio de ações agressivas e multiplicação de entidades pára
partidárias. Acabam competindo e confrontando-se com os partidos políticos estabelecidos.
Cenário contrastante 2: Democracia Tutelada
A marca deste cenário é a forte predominância do Executivo federal sobre a vida
institucional, econômica e política do país, cimentada por uma agressiva ideologia de
centralização das ações de governo, em nome da urgência e da eficácia das políticas
públicas. A existência de um viés dirigista e intervencionista, forçando os limites legais do
regime democrático – sem, contudo atropelá-lo, ao menos na aparência – só é possível num
ambiente de enfraquecimento do Congresso e diluição do controle das organizações sociais
sobre as ações de governo. Ao mesmo tempo, só se consolida num contexto em que o
crescimento econômico contrasta com a insegurança generalizada da população, em face
do aumento do crime organizado e de sua influência sobre as instituições. Neste cenário, a
concentração de poderes no Executivo federal expressa uma necessidade e um imperativo
de coesão nacional. Há pouco espaço para a cooperação entre os entes federados, ou
mesmo para a busca de soluções negociadas entre eles. As medidas tendem a ser de cima
para baixo, via mecanismos impositivos, sem grande apreço pela autonomia dos níveis da
Federação. A própria idéia de pacto federativo perde substância. A União tende a concentrar
receitas tributárias sem necessariamente assumir obrigações adicionais, o que onera e
enfraquece o poder político de Estados e Municípios. No plano econômico, ela tende a
promover políticas dirigistas de desenvolvimento econômico regional, com o argumento de
reduzir as disparidades entre os Estados. No plano político-institucional, recorre
intensamente às Medidas Provisórias, dominando a agenda do Congresso e sufocando a
capacidade de iniciativa dos partidos. O Congresso não consegue opor resistência à
pressão do Executivo. O orçamento é confeccionado e aplicado de acordo com a diretriz
governamental. Há pouco espaço para emendas e pequena autonomia para as bancadas de
parlamentares. Ainda assim, os ritos democráticos são seguidos no parlamento, graças ao
apoio de uma coalizão governamental formada por alguns grandes e médios partidos, em
meio à fragmentação da oposição. Para assegurá-lo, no entanto, são desestimuladas
mudanças no sistema político e eleitoral. Propostas como a do voto distrital são
abandonadas; em paralelo, o Executivo logra obter maior controle sobre a seleção dos
candidatos, interferindo ativamente na vida interna dos partidos. O controle sobre a agenda
legislativa pelo Executivo inibe iniciativas para desconstitucionalizar certas matérias.
Persiste o cenário atual, embora com maior controle governamental sobre questões de seu
interesse nos campos tributário e de segurança. Para tentar garantir o equilíbrio das contas
da Previdência, cria mecanismos de avaliação de gastos públicos e privados e adota
76
políticas fortemente repressivas para inibir a sonegação, ao mesmo tempo em que impõe
novas modalidades de tributação. O governo federal reage ao crescimento do crime
organizado concentrando poderes nessa área, aumentando a repressão policial e/ou militar,
e desestimulando iniciativas de coordenação de políticas de segurança entre Estados e
Municípios. Em paralelo, promove um aumento expressivo da presença militar nas regiões
de fronteira, tanto para conter a infiltração em território nacional do narcotráfico e do
contrabando dos países vizinhos, quanto para dar uma resposta política às doutrinas de
“soberania limitada” e “intervenção preventiva” que embasam a nova política externa norteamericana. O crescimento do crime organizado, especialmente aquele infiltrado nas
instituições, e a sensação de aumento da corrupção são combatidos com campanhas
moralizantes e forte repressão policial. As medidas repressivas generalizam-se, justificadas
por uma retórica de “defesa interna e externa”, calando os críticos. O viés dirigista e
repressivo estende-se às organizações não-governamentais e a entidades da sociedade
que canalizam o debate público, bem como às seitas e confissões religiosas com alguma
expressão político-partidária. Neste cenário, o Executivo tende a ampliar as restrições e o
controle sobre as ONGs, optando por substituir-se a estas nas várias instâncias de
acompanhamento dos serviços públicos. O reforço do aparato intervencionista
governamental completa-se com medidas tendentes a agilizar atuação do Judiciário, porém
sem abandono do viés normativo, especialmente na Justiça do Trabalho.

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