Revista HUGV 2012 n.2 - Hospital Universitário Getúlio Vargas
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Revista HUGV 2012 n.2 - Hospital Universitário Getúlio Vargas
revistahugv Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital V.11. N. 2 JUL./DEZ. – 2012 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Rua Apurinã nº 04 – Praça 14 de Janeiro, Cep: 69020-170 Manaus - AM Fones: (092) 3305-4782/4719 E-mail: [email protected] FUNDADORES Ricardo Torres Santana Jorge Alberto Mendonça LISTA DO CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA HUGV EDITOR-CHEFE Fernando Luiz Westphal Rosane Dias da Rosa Kathya Augusta Thomé Lopes Maria Lizete Guimarães Dabela LISTA DO CONSELHO CONSULTIVO DA REVISTA HUGV Aristóteles Comte Alencar Armando de Holanda Guerra Júnior Cristina de Melo Rocha Daria Barroso Serrão das Neves Domingos Sávio Nunes de Lima Edson de Oliveira Andrade Ermerson Silva Eucides Batista da Silva Eurico Manoel Azevedo Fernando César Façanha Fonseca Fernando Luiz Westphal Francisco Mateus João Giuseppe Figliuolo Ione Rodrigues Brum Ivan da Costa Tramujás Jean Jorge Silva de Souza José Correa Lima Netto Julio Mario de Melo e Lima Kathya Augusta Thomé Lopes Leíla Inês de A. R. da Camara Coelho Lourivaldo Rodrigues de Souza Luís Carlos de Lima Luiz Carlos de Lima Ferreira Luiz Fernando Passos Marcus Vinicius Della Coletta Maria Augusta Bessa Rebelo Maria do Socorro Lobato Maria do Socorro L. Cardoso Maria Fulgência Costa L. Bandeira Maria Lizete Guimarães Dabela Márcia Melo Damian Massanobu Takatani Miharu Magnória Matsuura Matos Patrícia Bandeira de Melo Akel Petrus Oliva Souza Ricardo Torres Santana Rodolfo Fagionato Rubem Alves da Silva Júnior revistahugv Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital V.11. N. 2 JUL./DEZ. – 2012 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Copyright© 2012 Universidade Federal do Amazonas/HUGV REITORA DA UFAM Prof.ª Dra. Márcia Perales Mendes Silva DIRETOR DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Prof. Dr. Lourivaldo Rodrigues de Souza PRODUÇÃO GRÁFICA-EDITORIAL Fernando de Souza Neto ORGANIZAÇÃO Thaís Borges Viana DIRETORA DA EDUA Prof.ª Dra. Iraildes Caldas Torres DIRETORA DA REVISTA Profª Dayse Enne Botelho REVISÃO (LÍNGUA PORTUGUESA) Sergio Luiz Pereira CAPA Serviço de Ergodesign TIRAGEM 300 EXEMPLARES FICHA CATALOGRÁFICA Ycaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287 CDU 61(051) R454 Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas. Revista do Hospital Getúlio Vargas. V. 11, n. 2 (2012) / Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2012 77 p. Semestral Título da revista em português inglês ISSN – 1677-9169 1. Medicina-Periódico I. Hospital Universitário Getúlio Vargas II. Universidade Federal do Amazonas. CDU 61(051) Sumário Editorial Fernando Luiz Westphal 11 Artigos Originais Avaliação Endoscópica Nasal de Pacientes com Epistaxe 13 Renata Farias de Santana, Renato Telles de Souza, Luís Carlos de Lima Nadaf, Márcia dos Santos da Silva, Marcos Antônio Fernandes, Rosemary Alves de Almeida, Geísa Cruz e Silva Tomaz, Bruno Corrêa Elamide Hiperamilasemia Assintomática: Por que Investigar? 21 Wilson Marques Ramos Júnior, Victor Hugo Vieira Barroso, Camila Bandeira de Oliveira, Armando de Holanda Guerra Júnior Relato de Caso Perfuração Intestinal Causada por Ingestão Acidental de Corpo Estranho (Espinha De Peixe) 26 Rubem Alves da Silva Júnior, Márcio Costa Fernandes, Raimundo Monteiro Maia Filho, Adriano Pessoa Picanço Júnior, Rubem Alves da Silva Neto, Igor Gioia Fonseca Hipertensão Arterial Secundária a Arterite de Takayasu 31 Victor Hugo Vieira Barroso, Wilson Marques Ramos Júnior, Marlúcia do Nascimento Nobre Doença de Pompe Forma Infantil: Relato de Caso 35 Renata Fagundes Veiga, Luciana da Silva Carreira, Vânia Mesquita Gadelha Prazeres Obesidade e Resiliência: Um Estudo de Caso a Partir de Acompanhamento Terapêutico PréCirúrgico 40 Maria Geórgia Duarte de Macedo, Ellen Belmonte dos Santos, Kássia Karina Amorim Gomes, Larissa Nogueira Negreiros Comprometimento Renal em Paciente com Esclerose Sistêmica: Relato de Caso 45 Junio Aguiar Azevedo, Alan P. Fernandes, Maureen Kelly dos S. Braun, Nayarah P. S. Castro, Renayra Tallita L. Alonso Relato de Caso: Gravidez Bem-Sucedida em Paciente Renal Crônica Hemodialítica 49 Samanta Samara Bicharra dos Santos, Antônio Carlos Duarte Cardoso, Helen Caroline dos Santos Brandão Retocolite Ulcerativa Fulminante: associação de condutas terapêuticas não usuais Rebecca Souza Mubarac, Daniere Yurie Vieira Tomotani, Daniel Almeida Schettini, Armando de Holanda Guerra Júnior, Isolda Prado de Negreiros Nogueira Maduro 53 Poliarterite Nodosa Cutânea Grave e de Difícil Controle em Adolescente após Faringoamigdalite Estreptocócica 58 Yanna Pontes Prado, Leilian Amorim, Araceli dos Santos Brito, José Ricardo Ferreira, Sandra Lúcia Euzébio Ribeiro, Domingos Sávio Nunes de Lima A Relação entre Dor Torácica, Bloqueio de Ramo Esquerdo Transitório e Ponte Miocárdica: Relato de Caso 63 José Ricardo Ferreira, Marlúcia Nascimento Nobre, Simora S. Morais, Kelly Simone C. dos Santos, Jaime G. A. Maldonado, Tatiane L. Aquiar Cisto Broncogênico Tratado por Cateter Polietileno Biocompatível de Configuração “Pigtail” Guiado por Tomografia Computadorizada de Tórax 68 Fernando Luiz Westphal, Cristiane Paulain David, Luiz Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Mônica de Sá Pinheiro Mediastinite Descendente Necrosante Ocasionada por Amigdalite e Extração Dentária: Relato de Casos Fernando Luiz Westphal, Luiz Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Eucides Batista da Silva, Márcia Santos Silva, Luciane Sayuri Neves de Oliveira Hagiwara 72 Contents Editorial Fernando Luiz Westphal 11 Original Articles Endoscopic Nasal Evaluation of Patients with Epistaxis 13 Renata Farias de Santana, Renato Telles de Souza, Luís Carlos de Lima Nadaf, Márcia dos Santos da Silva, Marcos Antônio Fernandes, Rosemary Alves de Almeida, Geísa Cruz e Silva Tomaz, Bruno Corrêa Elamide Asymptomatic Hyperamylasemia: Why to Examine? 21 Wilson Marques Ramos Júnior, Victor Hugo Vieira Barroso, Camila Bandeira de Oliveira, Armando de Holanda Guerra Júnior Case Report Intestinal Perforation Caused By Accidental Ingestion of Foreigh Body (Fish Bone) 26 Rubem Alves da Silva Júnior, Márcio Costa Fernandes, Raimundo Monteiro Maia Filho, Adriano Pessoa Picanço Júnior, Rubem Alves da Silva Neto, Igor Gioia Fonseca Secondary Hypertension Associated with Takayasu Arteritis 31 Victor Hugo Vieira Barroso, Wilson Marques Ramos Júnior, Marlúcia do Nascimento Nobre Infantile Pompe Disease: Case Report 35 Renata Fagundes Veiga, Luciana da Silva Carreira, Vânia Mesquita Gadelha Prazeres Obesity and Resilience: A Case of Study About the Psychotherapeutic Group Treatment Pre-Surgical 40 Maria Geórgia Duarte de Macedo, Ellen Belmonte dos Santos, Kássia Karina Amorim Gomes, Larissa Nogueira Negreiros Renal Impairment in Patients with Systemic Sclerosis: A Case Report 45 Junio Aguiar Azevedo, Alan P. Fernandes, Maureen Kelly dos S. Braun, Nayarah P. S. Castro, Renayra Tallita L. Alonso Case Report: Succesful Pregnancy in Dialysis Patient 49 Samanta Samara Bicharra dos Santos, Antônio Carlos Duarte Cardoso, Helen Caroline dos Santos Brandão Fulminant Ulcerative Colitis: association of unusual therapeutic Rebecca Souza Mubarac, Daniere Yurie Vieira Tomotani, Daniel Almeida Schettini, Armando de Holanda Guerra Júnior, Isolda Prado de Negreiros Nogueira Maduro 53 Severe and Difficult to Control Cutaneous Polyarteritis Nodosa in Teenager after Streptococcal Pharyngotonsillitis 58 Yanna Pontes Prado, Leilian Amorim, Araceli dos Santos Brito, José Ricardo Ferreira, Sandra Lúcia Euzébio Ribeiro, Domingos Sávio Nunes de Lima The Relationship Between Chest Pain, Left Bundle Branch Block Transitional and Myocardial Bridge: Case Report 63 José Ricardo Ferreira, Marlúcia Nascimento Nobre, Simora S. Morais, Kelly Simone C. dos Santos, Jaime G. A. Maldonado, Tatiane L. Aquiar Bronchogenic Cyst Treated by Biocompatible Polyethylene Catheter Configuration “Pigtail” Guided by Computed Tomography 68 Fernando Luiz Westphal, Cristiane Paulain David, Luiz Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Mônica de Sá Pinheiro Descending Necrotizing Mediastinitis Caused by Tonsillitis and Tooth Extraction: Case Reports Fernando Luiz Westphal, Luiz Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Eucides Batista da Silva, Márcia Santos Silva, Luciane Sayuri Neves de Oliveira Hagiwara 72 Editorial A classe médica no nosso país passa por um período extremamente delicado no que tange ao número crescente de médicos e as renumerações percebidas pela maioria dos médicos contratados pelo sistema público federal, estadual ou municipal. O governo federal acredita piamente que o aumento do número de médicos os colocará nos locais interioranos de nosso país, ledo engano praticado por vários governantes, que comparam os médicos a um pacote de sal – barato, comum e encontrado a cada esquina. Ora, senão vejamos um exemplo recente em nosso meio. O governo estadual do Amazonas criou a Universidade Estadual com o intuito de ampliar as vagas de medicina no Estado e, com isto, colocar mais médicos trabalhando no interior do Estado, criou o sistema de cotas, no qual os pretendentes às vagas na Universidade teriam como concorrentes somente as pessoas oriundas do interior. Em um dos objetivos desse sistema de cotas seria o graduando após a conclusão do curso retornar à cidade de origem; entretanto, esse retorno quase nunca acontece, e os estudantes, após a formação, procuram permanecer na capital ou procuram centros maiores no Sul e Sudeste do país. A permanência do médico no interior de nosso Estado, no qual a maior parte das cidades só tem acesso por via fluvial ou aérea, deve estar associada a uma ação de vantagens para fixar o médico no interior, a exemplo do que ocorre na carreira judiciária, na qual existe um plano de cargos que propicia ao juiz, após um tempo no interior, a retornar para a capital, permanecendo com as vantagens conseguidas em seu tempo de interior. Outro aspecto importante é o estímulo constante à reciclagem de que a classe médica necessita, visto a evolução exponencial dos conhecimentos nas diversas áreas da medicina. O governo federal está com um programa de colocação do profissional de saúde no interior do país, chamado de Provab (Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica), no qual o médico que permanece no interior aufere uma pontuação nas provas de residências médicas em todo o território nacional. Consideramos que essa ação é um grande estímulo para o jovem médico passar dois anos no interior, mas novamente não contempla uma política de fixação do profissional no interior, apenas por um período no qual terá alguma vantagem. Com o mesmo objetivo de colocar médicos no interior, o governo federal, de modo arbitrário, eleitoreiro e ilegal, está infringindo o código da legislação vigente do Conselho Federal de Medicina, tenta importar médicos, um total de seis mil, para trabalhar no interior do Brasil, nas áreas mais carentes. Entretanto, para isto, está impondo à comunidade médica local que os aceite sem que façam os diversos tipos de provas de proficiência na língua portuguesa e nivelamento do currículo básico de nosso país. Em relação à remuneração dos profissionais de saúde, há déficit profundo, no qual o médico, que outrora poderia ter três ou quatro contratos, passa a ter uma carga horária de 60 horas semanais, disponibilizadas em uma ou duas matrículas. O déficit antes era sanado pelo alto número de contratos que cada médico tinha, mas na atual situação o salário-base está totalmente defasado em relação a outras áreas do setor público. Um exemplo evidente dessa anomalia é o plano de cargos e salários dos professores universitários da área da saúde, no qual o médico-professor de terceiro grau recebe um valor irrisório para se dedicar ao ensino. Essa situação causa o afastamento de mentes brilhantes do âmbito da academia, o descaso visto nos bancos das faculdades e o desvio da produção do conhecimento e saber para a indústria de equipamentos e farmacêuticas. | 11 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Novamente, o problema não está na colocação dos médicos no interior, mas, sim, em políticas capazes de mantê-los nos locais mais distantes, com condições de desenvolver um bom trabalho e atrativos no cargo de salários que os façam permanecer no interior. Prof. Dr. Fernando Luiz Westphal Diretor de Ensino, Pesquisa e Extensão do HUGV | 12 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Santana et al AVALIAÇÃO ENDOSCÓPICA NASAL DE PACIENTES COM EPISTAXE ENDOSCOPIC NASAL EVALUATION OF PATIENTS WITH EPISTAXIS Renata Farias de Santana*, Renato Telles de Souza**, Luís Carlos de Lima Nadaf***, Márcia dos Santos da Silva*, Marcos Antônio Fernandes*, Rosemary Alves de Almeida****, Geísa Cruz e Silva Tomaz****, Bruno Corrêa Elamide**** Resumo Objetivo: Verificar as características epidemiológicas e os achados endoscópicos nasais de pacientes com história de epistaxe submetidos à nasofibroscopia. Métodos: Foi realizado estudo retrospectivo, por meio de revisão de prontuários de pacientes com história de epistaxe, sem diagnóstico prévio, submetidos ao exame de nasofibroscopia, no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas, durante o ano de 2009. Resultados: Foram analisados 20 prontuários de pacientes com queixa de epistaxe de repetição, sendo que 35% da amostra eram de pacientes com idade acima dos 60 anos. Foi observada prevalência similar entre homens e mulheres, cada um mostrando porcentagem de 50%. O desvio de septo foi o achado mais comumente encontrado ao exame, sendo observado em seis (30%) pacientes, seguido pela presença de telangiectasias em septo nasal em quatro (20%) pacientes. Rinite alérgica esteve presente em quatro (20%) indivíduos, enquanto o número de tabagistas foi de seis (30%) pacientes. Conclusão: Os resultados obtidos revelaram que, na população estudada, houve uma distribuição de casos de epistaxe idêntica entre os sexos. Constatou-se que a faixa etária mais prevalente foi composta por adultos. Houve associação com tabagismo e rinite alérgica em, respectivamente, 20 e 30% da amostra. Os principais achados nasofibroscópicos, tanto em indivíduos do sexo feminino quanto masculino, foram desvio septal e telangiectasias. Palavras-chave: Epistaxe, endoscopia, diagnóstico. Abstract Objective: Verify the epidemiological and nasal endoscopic findings of patients with a history of epistaxis who underwent endoscopy. Methods: A retrospective study through review of medical records of patients with a history of epistaxis, without a previous diagnosis, examined by endoscopy, in the service of Otorhinolaryngology, University Hospital Getúlio Vargas, in the year 2009. Results: We analyzed the medical records of 20 patients complaining of recurrent epistaxis, with 35% of the sample of patients aged over 60 years. Similar prevalence was observed between men and women, each showing a percentage of 50%. The deviated septum was the finding most commonly encountered upon examination, being observed in six (30%) patients, followed by the presence of telangiectases in the nasal septum of four (20%) patients. Allergic rhinitis was present in four (20%) patients, while the number of smokers was six (30%) patients. Conclusion: The results showed that the population studied had a distribution of cases of epistaxis identical between the sexes. It was found that the most *Médico residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas ** Professor da Universidade Federal do Amazonas, coordenador da Residência de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas *** Preceptor da Residência de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas **** Acadêmicos do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas Instituição de origem do trabalho: Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV | 13 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 AVALIAÇÃO ENDOSCÓPICA NASAL DE PACIENTES COM EPISTAXE prevalent age group was composed of adults. There was an association with smoking and allergic rhinitis, respectively, 20% and 30% of the sample. The major findings of nasal endoscopy, both in females and males were telangiectasia and septal deviation. Keywords: Epistaxis, endoscopy, diagnose. Introdução A epistaxe apresenta-se como uma das afecções otorrinolaringológicas mais frequentes da prática médica, manifestando-se, geralmente, como uma condição benigna e autolimitada. Dados de incidência e prevalência na população geral são difíceis de calcular, porém se estima que cerca de 60% da população adulta evoluirá no decorrer da vida com pelo menos um episódio de epistaxe e que apenas uma pequena proporção, cerca de 6 a 10%, necessitará de atendimento médico.1,2 nasais de pacientes com história de epistaxe atendidos no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas. Métodos Foi realizado estudo retrospectivo, por meio de revisão de prontuários de 20 pacientes com história de epistaxe, sem diagnóstico prévio, submetidos ao exame de nasofibroscopia, no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas, durante o ano de 2009. A epistaxe pode ser causada por diversos fatores, tanto locais como sistêmicos. Os principais fatores locais incluem: trauma (fraturas nasais ou manobras digitais), infecções de vias aéreas superiores, inalação de ar frio e seco, processos alérgicos nasais, introdução de corpos estranhos na fossa nasal, inalação de irritantes químicos, perfuração septal e desvio de septo. Outras condições mais raras incluem presença de tumorações como nasoangiofibroma juvenil e a doença de Osler-Rendu-Weber. Fatores como hipertensão arterial sistêmica, insuficiência renal, alcoolismo, coagulopatias, uso de antiagregantes plaquetários constituem causas de origem sistêmica.2,3 Foram incluídos, no estudo, pacientes portadores de epistaxe submetidos ao exame de nasofibroscopia, independente de idade, sexo, condições socioeconômicas ou procedência. Foram excluídos aqueles que, apesar do quadro de epistaxe, não necessitaram de avaliação nasofibroscópica para definir a etiologia do sangramento, bem como pacientes que realizaram o exame de nasofibroscopia em outros centros. A nasofibroscopia é um exame que permite a visualização direta da cavidade nasal, auxiliando o diagnóstico, sendo de extrema importância, na avaliação de pacientes portadores de epistaxe, pois, além da identificação do local de origem do sangramento, esse procedimento permite avaliar a presença de alterações estruturais, vasculares, tumorais, entre outras.4,5 Os dados provenientes da pesquisa foram processados e reunidos em arquivos eletrônicos, sob a forma de banco de dados no programa Microsoft Excel 2010, para estudo deles, por meio de análise descritiva. Valores foram apresentados em números absolutos e relativos. Existem poucos dados na literatura local indicando causas de epistaxe, principalmente no que diz respeito à visualização endoscópica nasal desses pacientes. Dessa maneira, este estudo teve como objetivo verificar as características epidemiológicas e os achados endoscópicos Os dados referentes à pesquisa foram coletados a partir de arquivos médicos do serviço. Foram analisados dados como idade, sexo, história de tabagismo e de cirurgia prévia, bem como os achados nasofibroscópicos desses pacientes. Resultados Foram analisados 20 prontuários de pacientes atendidos pelo Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas com queixa de epistaxe de repetição. Em relação à idade dos pacientes, cinco (25%) | 14 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Santana et al apresentavam-se abaixo dos 25 anos de idade. Nove deles tinham a idade entre 25 e 60 anos, representando 45%, enquanto o restante, 35% da amostra, era pacientes com idade acima dos 60 anos. A média de idade foi de 42,7 anos (DP ± 28,37), sendo os extremos de nove e 69 anos. Dentre os homens, a média de idade foi de 52,4 anos (DP ± 23,14), enquanto que nas mulheres foi de 33,4 anos (DP ± 33,78). (10%) eram aposentados. O restante dos casos (25%) pertencia a outras profissões remuneradas. O desvio de septo foi o achado mais comum encontrado ao exame, repetindo-se em seis (30%) pacientes, seguido pela presença de telangiectasias em septo em quatro pacientes (20%). A presença de hipertrofia adenoideana e de cornetos nasais inferiores responde, cada um, por No presente estudo, foi observada a prevalência dois casos (10%). Os outros seis pacientes (30%) similar entre homens e mulheres, cada um deles dividiam-se igualmente em papiloma invertido, representando 50% dos pacientes da amostra. pólipo antrocoanal, polipose, granuloma de septo, coágulo em fossa nasal e telangiectasias No que diz respeito à profissão, seis pacientes em rinofaringe (Gráfico 1). (30%) eram estudantes, quatro (20%) eram donas de casa, três (15%) eram pescadores e dois Ao observar os achados nasofibroscópicos em Gráfico 1: Achados nasofibroscópicos mais frequentes em pacientes com epistaxe. relação ao sexo dos pacientes (Tabela 1), foi possível constatar o predomínio das alterações estruturais em mulheres quando relacionado aos homens. O desvio de septo esteve presente em quatro das dez mulheres (40%); a presença de hipertrofia adenoideana foi encontrada em duas mulheres; as telangiectasias de septo foram achadas em três pacientes do sexo femi- nino; e a hipertrofia de corneto nasal inferior esteve presente em uma (10%) mulher. Ao verificar a prevalência em homens, foram observados dois casos (20%) de desvio de septo, dois (20%) de telangiectasias, dois (20%) de polipose, um (10%) de granuloma e um (10%) de coágulos em fossa nasal. | 15 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 AVALIAÇÃO ENDOSCÓPICA NASAL DE PACIENTES COM EPISTAXE Tabela 1 – Principais achados nasofibroscópicos de acordo com a Clínica Médica e Residência de Clínica Entre os pacientes analisados, o número de tabagistas foi de seis (30%) pessoas (Gráfico 2). Quatro dos dez homens eram fumantes, enquanto que duas das dez mulheres também o eram. A média da carga tabágica foi de 35,3 maços/ano. Ao verificar os casos de rinite alérgica e epistaxe, a manifestação alérgica se apresentou em quatro pacientes (20%) dos vinte analisados, apresentando-se em dois pacientes com hipertrofia de cornetos nasais inferiores (Gráfico 2). Gráfico 2: Presença de rinite alérgica e tabagismo em pacientes com epistaxe. Quando analisada a existência de cirurgias nasais prévias, foram encontrados apenas dois pacientes (10%) que haviam realizado algum procedimento cirúrgico nasal e ambos os casos encontraram-se relacionados a tumorações nasais (polipose e papiloma invertido). tem referências a essa condição datadas do século 5 a.C.; contudo, o termo epistaxe só foi introduzido por Cullen, em 1785, e até hoje constitui uma das afecções otorrinolaringológicas mais frequentes, tanto nas emergências quanto nos ambulatórios.2 No presente estudo, a casuística de 20 pacientes foi encontrada por meio de análise de pronDiscussão tuários apenas daqueles que foram submetidos O sangramento nasal é uma afecção clínica à nasofibroscopia. A maior demanda dos casos conhecida desde a Antiguidade, pois exis- de epistaxe acaba sendo atendida em prontos| 16 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Santana et al socorros e muitos não dão seguimento à investigação de tal achado. Além disso, considerando que tal exame não está disponível na maior parte dos centros médicos do Sistema Único de Saúde, muitos profissionais acabam deixando de solicitá-lo. Em vista de tais fatos, obteve-se uma casuística inferior à observada em outros trabalhos. O uso regular da endoscopia na prática ambulatorial, durante a última década, propiciou novos conhecimentos a respeito da etiologia e tratamento da epistaxe. O ponto de sangramento dentro da cavidade nasal pode ser identificado com maior facilidade e precisão, de modo a possibilitar tratamentos ainda menos invasivos, como a simples cauterização do ponto sangrante, que apresenta alto índice de eficácia.5 Outros autores também mostraram o sexo masculino como o predominante nos casos de epistaxe, com prevalência de 55% dos pacientes estudados.7 A ocupação mais frequentemente encontrada nos pacientes estudados foi a de estudante, com 30% dos casos. Além disso, a maioria dos pacientes (60%) exercia atividade remunerada, ao passo que 40% não o fazia, ou já eram aposentados. Trabalhos anteriores obtiveram dados com relação à profissão, na qual dentre os homens, 65,5% eram aposentados e os 34,5% restantes realizavam atividade remunerada, enquanto que 12% das mulheres eram aposentadas, 68% prestadoras de atividade não remunerada e 20% de atividade remunerada. ComparandoNeste estudo, a maioria dos indivíduos apresen- se gênero e ocupação, o autor mostrou pretava idade entre 25 e 60 anos, enquanto que os dominância estatística significativa.3 extremos etários mostraram-se minoria. A média de idade foi de 42,7 anos, com a menor nove Nos achados da nasofibroscopia, o desvio de e a maior 69 anos. A maior média da idade foi septo foi o mais encontrado, posto que verifinos homens (52,4 anos), em relação às mulheres cado em 30% dos casos. Alterações anatômicas (33,4 anos). Não foi observada predominân- somaram 15 (25%) casos. Em relação ao sexo, cia de homens ou de mulheres, pois cada um pôde-se observar o predomínio das alterações representou 50% da amostra estudada. estruturais em mulheres quando relacionado aos homens, com dados de 100% nas mulheres, A epistaxe tem uma distribuição bimodal em em comparação com 50% nos homens. relação às faixas etárias, com o primeiro pico de incidência durante a infância e o outro por O tabagismo foi constatado em seis (30%) pavolta dos 50 anos de idade em diante. A maior cientes do estudo. Quatro dos dez homens eram parte dos pacientes estudados foi composta por fumantes, enquanto que duas das dez mulheres adultos, conflitando com os dados da literatura; eram fumantes. A média da carga tabágica foi entretanto, vale ressaltar que foram incluídos de 35,3 maços/ano. É sabido que o cigarro é no estudo somente pacientes que necessitaram um importante fator de risco relacionado à de nasofibroscopia para elucidação diagnóstica piora do quadro e, principalmente, à etioloe não a demanda espontânea do serviço.6 gia da epistaxe. Trabalhos mostram o cigarro dentre os fatores importantes na etiologia e no Em outro estudo, dos 54 pacientes que procu- prosseguimento da epistaxe, além da hipertenraram a emergência do hospital, a média de são arterial sistêmica e do trauma nasal.8 idade da amostra foi de 60,2 anos (com desvio padrão de 15,4), com os extremos variando A manifestação da rinite alérgica apresentoude 13 a 92 anos. Nesse mesmo estudo, o sexo se em quatro pacientes (30%) dos 20 analisamasculino foi o mais prevalente, mostrando-se dos, sendo três (20%) do sexo feminino e um em 53,7% dos casos. Cruzando os dois dados, o paciente (10%) do sexo masculino. estudo demonstrou uma idade média superior para o sexo masculino (62,5 anos) em relação A rinite alérgica mostrou-se como importante elemento, no que concerne às crises de ao feminino (57,5 anos).3 epistaxe, haja vista que os sintomas daquela, | 17 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 AVALIAÇÃO ENDOSCÓPICA NASAL DE PACIENTES COM EPISTAXE tais como prurido nasal e espirros, bem como os atos de assoar o nariz, tossir e utilizar gota nasal descongestionante, são altamente relacionados a casos de epistaxe.9 seios paranasais, bilateral, com transformação edematosa multifocal da mucosa, que leva a protrusão de pólipos benignos provenientes dos meatos em direção à cavidade nasal. Os pacientes, na maioria das vezes, apresentam Outras etiologias conhecidas da epistaxe são: um ou mais seios paranasais comprometidos e trauma, corpo estranho, inalação de agentes sintomas de rinossinusite crônica. As principais irritantes, rinossinusites infecciosas, tumores queixas dos pacientes costumam ser obstrução nasais ou de rinofaringe, como os hemangiomas nasal, rinorreia, descarga nasal posterior, cee alterações vasculares, como a Síndrome de faleia, hiposmia/anosmia e tosse. Pode haver Rendu-Osler-Weber.10 associação com asma não alérgica, intolerância ao ácido acetilsalicílico (AAS) ou ainda com A telangiectasia hemorrágica hereditária ou outras doenças como fibrose cística, sinusite Síndrome de Rendu-Osler-Weber é uma doença fúngica alérgica, Síndrome de Young, Churgautossômica dominante, em que a lesão inicial Strauss e Kartagener.17,18 baseia-se em deficiência estrutural da parede dos vasos sanguíneos, caracterizada por al- O papiloma invertido, também conhecido como teração da lâmina elástica e camada muscu- papiloma fibromixoide, papiloma de células lar, tornando-as mais vulneráveis a traumatis- transicionais, papiloma de Ewing, papiloma mos e rupturas espontâneas. As manifestações schneideriano ou papiloma de Ringertz, é uma otorrinolaringológicas são as mais frequentes, neoplasia benigna, com origem no epitélio sendo o principal sintoma epistaxe recorrente, schneideriano da parede nasal lateral. Histopresente em 93% dos pacientes.11,12 logicamente, caracteriza-se pelo crescimento do epitélio em direção ao estroma. A lesão exibe O nasoangiofibroma é um tumor vascular que, padrão de crescimento endofítico característico, apesar de histologicamente benigno, é local- com inversão da superfície do epitélio para denmente invasivo e com alta incidência de per- tro do estroma e, apesar de benigno, é localmente sistência e recorrência. Acomete, na maioria invasivo e tem tendência à recorrência e à transdas vezes, pacientes jovens do sexo masculino. formação maligna. Os sinais e os sintomas são O tumor geralmente tem origem na porção na- inespecíficos, podendo causar obstrução nasal sal posterior, junto ao orifício esfenopalatino. unilateral, epistaxe, distúrbios olfatórios e riDesse ponto pode espalhar-se, lateralmente, nossinusites recorrentes.19,20,21 para a fossa pterigopalatina, fossa infratemporal e algumas para a fossa temporal. O tumor Conclusão pode se desenvolver também para cima através da fissura orbitária inferior, então caminha em A epistaxe é uma das principais afecções otordireção ao ápice da órbita e fissura orbitária su- rinolaringológicas, com frequência estimada perior para finalmente alcançar o seio caver- em 60% da população geral. Existem poucos noso. A apresentação clínica, em grande parte estudos que visam caracterizar essa condição dos casos, é constituída pela presença da tríade no Amazonas. Por essa razão, foi realizada tal de obstrução nasal, epistaxe e massa nasofarín- pesquisa que visou mostrar os achados nasofigea.13,14,15,16 broscópicos e as características epidemiológicas de indivíduos atendidos por essa condição. Apenas dois (10%) pacientes com história de cirurgias otorrinolaringológicas nasais prévias Com base neste estudo, pôde-se observar que, evoluíram com epistaxe e ambos os casos en- diferentemente da literatura, na população escontraram-se relacionados à polipose e papilo- tudada, houve distribuição de casos de epistaxe ma invertido. idêntica entre os sexos. Constatou-se que a faixa etária mais prevalente foi composta de A polipose nasal pode ser definida como um dis- adultos e não de extremos etários. Houve uma túrbio inflamatório crônico da mucosa do nariz e correlação de, respectivamente, 20 e 30% de | 18 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Santana et al epistaxe com tabagismo e rinite alérgica. Os principais achados nasofibroscópicos, tanto em indivíduos do sexo feminino quanto masculino, foram desvio septal e telangiectasias, enquanto que a polipose nasal foi verificada frequentemente em homens. Referências 45(2): 189-93. 10. 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Telefone: 55 (92) 9155-6760 E-mail: [email protected] | 20 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Ramos Júnior et al HIPERAMILASEMIA ASSINTOMÁTICA: POR QUE INVESTIGAR? ASYMPTOMATIC HYPERAMYLASEMIA: WHY TO EXAMINE? Wilson Marques Ramos Júnior*, Victor Hugo Vieira Barroso*, Camila Bandeira de Oliveira*, Armando de Holanda Guerra Júnior** Resumo A amilase é uma enzima que hidrolisa o amido e glicogênio. A hiperamilasemia permite diversos diagnósticos diferenciais, sendo o mais comum a pancreatite aguda. Podemos encontrar também a hiperamilasemia em pacientes assintomáticos. Durante a investigação devemos ter os níveis de lipase e tripsina, além da tomografia computadorizada de abdome. Portanto, as causas de amilase elevada poderem ser benignas ou malignas, faz-se necessário a investigação diagnóstica mais detalhada. Palavras-chave: Hiperamilasemia, hiperamilasemia benigna, pancreatopatia alcoólica, pancreatite crônica, pancreatite aguda. Abstract Amylase is an enzyme that hydrolyzes amylum and glycogen. Hyperamylasemia allows several differential diagnoses, the most common is acute pancreatitis. We can also find the hyperamylasemia in asymptomatic patients. During the investigation we must have the levels of lipase and trypsin, and abdominal computed tomography. Hence, the amylase elevated causes may be benign or malignant, as the causes of elevated amylase may be benign of malignant, it is necessary to procede with a more accurate diagnose. Keywords: Hyperamylasemia, benign hyperamylasemia, alcoholic pancreatopathy, chronic pancreatitis, acute pancreatitis. Introdução toacidose diabética, doenças virais crônicas do fígado, doenças inflamatórias intestinais. O rasAmilase é uma enzima digestiva que hidrolisa treio de pacientes com exames de imagem, que os amidos, o glicogênio e a maioria dos outros apresentam hiperamilasemia assintomática, carboidratos (à exceção da celulose), formando tem mostrado doenças pancreáticas crônicas as quais podem apresentar sua primeira manifesdissacarídeos e alguns trissacarídeos.1 tação com o aumento de amilase sérica. No enSabe-se que a amilase elevada é uma enzi- tanto, algumas causas de aumento de amilase ma encontrada em várias doenças agudas e permanecem de origem indeterminada.2 crônicas podendo citar a pancreatite aguda e crônica, obstrução canalicular pancreática, ce- É recomendado o rastreio mais detalhado *Médico residente de clínica médica do HUGV/Ufam ** Médico especialista em Gastroenterologia e Preceptor da residência de clínica médica do HUGV | 21 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 HIPERAMILASEMIA ASSINTOMÁTICA: POR QUE INVESTIGAR? desses pacientes, pois há o risco de neoplasia pancreática sem manifestações clínicas. Um estudo em que avaliaram CA 19.9, ultrassonografia abdominal, tomografia computadorizada, ressonância magnética endoscópica, colangiopancreatografia retrógrada endoscópica e ultrassonografia endoscópica. Foram avaliados 51 pacientes com pré-diagnóstico de hiperamilasemia crônica assintomática de causa não pancreática, após um seguimento de dois anos, 39,2% foram considerados hiperamilasemia benigna, 35,2% tiveram diagnóstico de macroamilasemia e 25,4% de hiperamilasemia salivar.3 talidade em pacientes que desenvolveram insuficiência renal, no entanto não há fator preditor independente em relação aos níveis aumentados de amilase. Para definição da etiologia fazse necessário o uso da tomografia computadorizada e ultrassonografia de abdome.6 A hiperamilasemia salivar é observada em condições que acometem o funcionamento das glândulas salivares. Outras condições, porém, como alcoolismo, pós-operatórios (revascularização do miocárdio), acidose láctica, cetose diabética, anorexia nervosa ou bulimia e neoplasias malignas, também podem levar a essa condição. Deve ser realizada a eletroforese Tendo em vista a dificuldade do clínico em con- da amilase ou, então, a técnica de anticorpo duzir os casos que apresentam hiperamilasemia monoclonal específico para amilase pancreátide causa indeterminada, a presente revisão ca e salivar, para diferenciarmos as duas forabordará as principais causas desse aumento mas da enzima que podem estar levando a uma enzimático e as condutas a serem tomadas elevação da enzima de causa não pancreática.7 diante de pacientes que não são encontradas causas para tal elevação. A macroamilasemia é uma anormalidade bioquímica isolada causada pela agregação da amilase sérica com imunoglobulinas produzinAs causas de Hiperamilasemia do um complexo molecular grande e pesado. É O aumento de amilase é encontrado em mui- descrita como uma causa frequente, mas betos contextos clínicos, permitindo-nos vários nigna de hiperamilasemia que não necessita diagnósticos diferenciais. Pancreatite aguda é de tratamento e que tem sido encontrada em a principal causa de hiperamilasemia, em pa- uma variedade de doenças e desordens au8 cientes com dor abdominal, especialmente se toimunes. encontrarmos um valor dez vezes maior que o Um estudo com pacientes apresentando hiperlimite superior da normalidade. lipasemia de causa indeterminada, prosseguinPodemos também encontrar elevação modera- do-se a investigação com a realização de colanda da enzima, maior que cinco vezes o valor giopancreatografia por ressonância magnética de normalidade, nos casos de gravidez tubária (CPRM), detectou que 42,6% dos pacientes não rota, perfuração de víscera oca, obstrução in- apresentavam anormalidades anatomopatológicas. Dos que apresentava anormalidades, 18,5% testinal, peritonite e cetoacidose diabética.4 apresentavam pâncreas divisum, 16,7% panA pancreatopatia alcoólica é um importante creatite crônica e 13% pequenos cistos pandiagnóstico a ser considerado naqueles pa- creáticos, um dos seguintes achados em cada cientes com história de uso crônico de álcool paciente (1,9%): fusão do ducto pancreático (>80 mg/dl), associado a dor abdominal que anormal, sequela de laceração pancreática, esclerose de papila, litíase intraductal pancrepode ser pior após ingesta etílica.5 ática e pancreatite por depósito de ferro.9 A insuficiência hepática aguda (IHA) também pode apresentar níveis elevados de amilase. Um Um relato de caso evidencia elevação da enzima estudo mostra que 12% dos casos de IHA pos- em pacientes sem doença pancreática que possuíam níveis elevados de amilase, e apenas 9% suíam apenas queixas de cólica nefrética. Duapresentaram manifestações clínicas de pan- rante a investigação diagnóstica, foi constatado creatite. Neste estudo houve aumento da mor- extravasamento urinário na cavidade peritoneal | 22 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Ramos Júnior et al o que provavelmente levou a irritação da cauda do pâncreas, causando uma pancreatite aguda, justificando a hiperamilasemia.10 A ruptura de cisto de ovário também foi descrita como uma causa de aumento de amilase, pois há produção de amilase em estruturas de origem embrionária do epitélio mülleriano e ducto mesonéfrico.11 Sendo a pancreatite a causa mais comum de aumento de amilase, faz-se necessária a complementação diagnóstica com lipase e tripsina. Além de exames de imagem como tomografia computadorizada de abdome.14 O uso da tomografia de abdome é de fundamental importância para determinar critérios de gravidade na pancreatite aguda, principalmente nos pacientes sintomáticos.15 Existe uma entidade rara conhecida como hiperami- Deve ser realizada a triagem, nos pacientes lasemia familiar, na qual podemos encontrar pelo assintomáticos e sem causa estrutural evidente, menos três gerações de familiares com aumentos para diferenciação entre amilase e macroamidos níveis de amilase, sem outras causas evidentes lase. O diagnóstico de macroamilasemia para o aumento da enzima. É mais um diagnós- requer a demonstração da existência do tico diferencial a ser considerado em crian- complexo amilase-proteína no sangue, o ças.12 que é realizado por meio de diferentes métodos, desde a eletroforese e cromatografia por filtração até as técnicas de ultracenConduta diagnóstica trifugação ou enfoque isoelétrico. O cálculo da A confirmação dos níveis elevados de amilase depuração renal de amilase também é útil para deve ser feita com coletas num intervalo de o diagnóstico diferencial, estando abaixo de 1% 16 pelo menos cinco dias, pois estudos demonstram na macroamilasemia. que um exame com níveis elevados pode não se repetir subsequentemente em pacientes assin- A hiperamilasemia benigna geralmente é encontomáticos, podendo ser de causa não patológica trada em exames de rotina em pacientes assin(Figura 1). Essa flutuação dos níveis da enzima tomáticos. Esses pacientes, que não possuem não possui uma causa definida até o momento.13 causa etiológica para o achado laboratorial, devem ser acompanhados por dois anos, para então serem considerados de causa benigna. O seguimento deve avaliar presença de sinais e sintomas de doença pancreática ou anormalidades na estrutura do pâncreas por exames de imagem.17 Conclusão Figura 1: Investigação diagnóstica da hiperamilasemia Muitos casos de níveis elevados de amilase são encontrados em pacientes assintomáticos durante exames de rotina, sendo necessário acompanhamento de um a dois anos antes de fechar o diagnóstico de hiperamilasemia benigna. Tais casos devem ser investigados pela possibilidade de haver uma doença pancreática envolvida no processo, no entanto devemos entender que existem variações basais nos níveis dessa hidrolase, podendo variar num período de cinco dias, fazendo-se necessária confirmação da hiperamilasemia sérica antes de iniciar a investigação por imagem, pois nesse período, em alguns casos, encontrarmos valores dentro | 23 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 HIPERAMILASEMIA ASSINTOMÁTICA: POR QUE INVESTIGAR? dos padrões de normalidade ao repetirmos o exame.18 Em um estudo prospectivo com pacientes assintomáticos e apresentando hiperamilasemia, demonstrou-se que pode haver a exacerbação de um quadro de doença pancreática em até um ano de seguimento, sendo então recomendado acompanhamento clínico desses pacientes.19 A amilase salivar pode ter suas concentrações correlacionadas com os níveis de catecolaminas, e sofrer alterações em resposta ao estresse físico e psicológico. Pode também possuir níveis anormais em agressões às glândulas salivares como infecções, traumas e cálculos, sendo necessário então a avaliação diferencial.20 Tendo em vista as diferentes causas de hiperamilasemia e as variações que podem ocorrer nos exames laboratoriais de pacientes com condições benignas e malignas, é importante ser realizado um acompanhamento desses pacientes por um a dois anos, avaliando a presença de sinais e sintomas de doença pancreática ou anormalidades na estrutura do pâncreas por exames de imagem. Referências 5. Sata N, Koizumi M, Nagai H. Alcoholic pancreatopathy: a proposed new diagnostic category representing the preclinical stage of alcoholic pancreatic injury. Journal of Gastroenterology. 2007; 42(0): 131-4. 6. Cote GA, Gottstein JH, Daud A, Blei AT. The role of etiology in the hyperamylasemia of acute liver failure. Am J Gastroenterol. 2009, Mar; 104(3): 592-7. 7. Otsuki M. 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A perfuração pode se manifestar por diversos quadros clínicos como sepse, obstrução e abscessos hepáticos ou abdominais; e o diagnóstico clínico, laboratorial e radiográfico é difícil. Embora rara, o cirurgião geral deve ter sempre em mente a possibilidade de perfuração gastrointestinal em pacientes que apresentam sintomas abdominais agudos atípicos. Em caso de dúvida, deve-se fazer a exploração abdominal. O caso relatado trata de um paciente do sexo masculino, de 70 anos, admitido em nossa instituição com quadro de dor abdominal em fossa ilíaca direita havia seis meses associada a picos febris, sudorese, calafrio e hiporexia. Foi ele submetido à laparotomia exploradora e colectomia direita, com anastomose íleo-cólica términolateral. Paciente apresentou poucas intercorrências no período pós-operatório recebendo alta após 11 dias da cirurgia. O laudo histopatológico evidenciou processo inflamatório causado por corpo estranho (espinha de peixe). Palavras-chave: corpo estranho, intestino delgado, espinha de peixe, perfuração. Abstract Most ingested foreign bodies pass through the entire gastrointestinal tract uneventfully, being eliminated in the feces, however, in some cases complications can occur such as perforation or obstruction. The perforation may manifest for clinical conditions such as sepsis, obstruction or abdominal and liver abscesses; and the clinical, laboratory and radiographic giagnosis is difficult. Although rare, the general surgeon should always bear in mind the possibility of gastrointestinal perforation in patients with acute abdominal atypical symptoms. If in doubt, you should do abdominal exploration. The reported case is a male patient, 70 years old, admitted to our hospital with abdominal pain in the right iliac fossa for 6 months associated with peaks of fever, sweating, chills, and decreased appetite. The same patient was submitted to laparotomy *Chefe da divisão de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Amazonas, supervisor do Programa de Residência em Cirurgia Geral e Cirurgia do Aparelho Digestório do HUGV, prof. Msc. de Clínica Cirúrgica da Universidade Nilton Lins. **Médico residente do segundo ano de Cirurgia Geral do HUGV – AM. ***Acadêmico de medicina da Universidade Federal do Amazonas. | 26 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 PERFURAÇÃO INTESTINAL CAUSADA POR INGESTÃO ACIDENTAL DE CORPO ESTRANHO (ESPINHA DE PEIXE) and right colectomy with ileo-colic anastomoosis end-side. Patient presented few complications in postoperative period and was discharged after 11 days of the surgery. The histopathological report showed inflammation caused by foreign body (fishbone). Keywords: foreign bodies, small bowel, fishbone, perfuration. Introdução A ingestão de corpo estranho é uma situação relativamente frequente na prática clínica e a maioria atravessa o trato gastrointestinal sem intercorrências.1,2,3,4 A espinha de peixe é um dos objetos mais comumente envolvidos pela sua forma afiada,1 podendo resultar em perfuração do trato gastrointestinal em 1% dos caso.2,3,4,5 O diagnóstico preciso desse quadro é particularmente difícil e raramente feito no préoperatório,3,6,7 pois a história dietética geralmente é irrelevante, a ingestão de espinha de peixe é comum e acidental e a sintomatologia é inespecífica,6 podendo simular o quadro de outras condições cirúrgicas mais prováveis, tais como apendicite, diverticulite e abscesso.1,3 Os métodos de imagem dependem da localização anatômica e densidade radiográfica do corpo estranho,6 sendo praticamente invisíveis à radiografia simples, ao contrário da tomografia computadorizada (TC), que pode ser usada para elucidar uma causa inexplicável e persistente da dor abdominal.4 A perfuração ocorre geralmente no jejuno 3,4 e íleo terminal,7,8 com maiores taxas de impactação nas áreas de angulação do intestino1 (retossigmoide e válvula ileocecal).1,2,4 evoluiu com piora do quadro, tendo aumento da intensidade da dor e dois episódios de diarreia aquosa sem muco e sem sangue. Perda ponderal de dez quilos nesse período. Negava náuseas, vômitos ou constipação. Hipertenso há oito anos, portador de diabetes tipo 2 havia dez anos sem controle adequado. Admitido em nosso serviço em bom estado geral, eupneico, eucárdico, normocorado, acianótico, anictérico e hidratado. Sinais vitais: 36,7oC, pulso 86 bpm, pressão arterial 110 x 79 mmHg. Ao exame físico especial, apresentava abdômen com ruídos hidroaéreos, doloroso à palpação profunda em fossa ilíaca direita e dor à descompressão súbita na mesma região, onde foi evidenciada tumoração fixa e endurecida de aproximadamente 0,5 x 0,5 cm. Ao toque retal: próstata móvel, de consistência fibroelástica, de tamanho aproximado de 8,0 cm, sulco centralizado, sem nodulações; sem sangue em dedo de luva. Exames laboratoriais: hemoglobina 13,9% g/dl, O objetivo deste relato é apresentar o caso hematórito 40%, leucócitos 12.000 mm3, segclínico de um paciente do sexo masculino, 70 mentados 84%, linfócitos 11%, plaquetas 339.000 anos, com diagnóstico intraoperatório de per- mm3, fosfatase alcalina 462 U/L, TGO 35 U/L, furação do ceco por espinha de peixe, tratado TGP 37 U/L, gama-GT 336 U/L, bilirrubina total 2,81 mg/dl, bilirrubina direta 0,11 mg/dl, cirurgicamente com sucesso. bilirrubina indireta 2,7 mg/dl, proteínas totais 6,5 g/dl, albumina 3,3 g/dl, globulina 3,17 g/ Relato de caso dl, sódio 129 mmol/L, potássio 4,3 mmol/L, Paciente de 70 anos, sexo masculino, com TAP 62,3%, glicemia 253 mg/dl, ureia 28 mg/dl, quadro de dor abdominal em fossa ilíaca di- creatinina 0,8 mg/dl, CEA 2,2 ng/ml. reita há seis meses, a qual se irradia para face interna da coxa e bolsa escrotal ipsilateral; Exames de imagem: e febre alta não aferida, sudorese, calafrios e hiporexia. Duas semanas antes da internação, – Radiografia simples de abdômen sem evidências de pneumoperitônio. | 27 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Silva Júnior et al neoplasia, apendicite hiperplástica. – Ultrassonografia abdominal: colelitíase. – Tomografia computadorizada de abdômen (Figuras 1 e 2), com impressão diagnóstica de Submetido à laparotomia exploradora, durante derrame pleural laminar bibasal. Espessamento a qual foi evidenciado tumoração inespecíparietal concêntrico do ceco, associado à in- fica na topografia do ceco com drenagem de definição de seu segmento apendicular, asso- moderado volume de secreção purulenta ciado ao borramento difuso da gordura mesen- de região retrocecal, assim como necrose térica adjacente, com foco cálcico e coleção na parede posterior do ceco. Foi submetido à hipodensa de permeio, com cerca de 4,0 x 2,7 colectomia direita com anastomose íleo-cólica cm, de natureza inflamatório-infecciosa. Não término-lateral. há sinal de pneumoperitônio ou dilatação de No pós-operatório imediato o paciente evoluiu vias biliares. com hipotensão responsiva a volume, tendo descontrole em seus níveis glicêmicos sendo – Colonoscopia: ceco de parede espessada na posteriormente estabilizados. topografia do óstio e margem apendicular, com diâmetro de 5 cm, com superfície regular, hi- Recebeu alta hospitalar no 11.o dia pósperemia da mucosa e aumento da consistência operatório em regular estado geral. tecidual e áreas com deposição de fibrina. Válvula ileocecal não comprometida. Conclusão: Laudo histopatológico conclusivo para processo alteração da parede cecal com hipóteses de inflamatório causado por corpo estranho (espinha de peixe). Discussão Figura 1: Tomografia computadorizada do abdômen Figura 2: Tomografia computadorizada do abdômen. A ingestão de corpos estranhos não é uma condição clínica rara;4,7 mais comum no sexo masculino4 e ocorre com maior frequência em certos grupos populacionais como crianças, alcoólatras, presidiários, pessoas com distúrbios psiquiátricos, idosos e deficientes visuais.1,3,6,7 A maioria desses objetos atravessa o trato digestivo sem intercorrências durante uma semana.2,4,7,8 A perfuração pode ser vista em até 1% dos casos.4,7,8 Pequenas espinhas de peixe são inadvertidamente deglutidas1 e são as que mais causam perfuração intestinal,2 mas, apesar da forma afiada, podem estar presentes em um bolo alimentar e, sendo assim, não perfurar a parede intestinal, dependendo também do tamanho delas.1 As regiões anatômicas onde a impactação for mais provável incluem: áreas mais estreitas e de maiores angulações do intestino, zonas com aderências, anastomoses cirúrgicas prévias e zonas que possuírem uma moléstia diverticular.6 Os locais mais acometidos pela perfuração são: jejuno,3,4 íleo distal7,8 e retossigmoide.7 Intervenções intra-abdominais prévias por outras patologias expõem o indivíduo a maiores taxas de complicações diante de um quadro de ingestão | 28 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 PERFURAÇÃO INTESTINAL CAUSADA POR INGESTÃO ACIDENTAL DE CORPO ESTRANHO (ESPINHA DE PEIXE) de corpo estranho.7 dominal durante a cirurgia.7 O diagnóstico de perfuração intestinal causada por corpo estranho raramente é feito no préoperatório, principalmente porque os sintomas são inespecíficos1,2,5 e podem ser semelhantes ao de outras condições cirúrgicas, como apendicite, diverticulite, fístulas ou abscesso hepático, devendo estas entrarem como principais diagnósticos diferenciais.1,7 As características clínicas mais comuns causadas por ingestão de espinhas de peixe podem variar de um quadro com dor abdominal e febre,4,6 até vômitos e peritonite difusa.6 Assim, o diagnóstico de perfuração por corpo estranho deve sempre ser lembrado diante de um quadro de sintomas abdominais inespecíficos, sem uma etiologia bem definida.2 A laparoscopia surge como ótima opção nos casos duvidosos, com relevância diagnóstica e terapêutica, principalmente nos casos em que não há peritonite deflagrada.5 Possui a vantagem de oferecer a vantagem de oferecer avaliação precisa da cavidade abdominal permitindo intervenção imediata.7,8 Fantola e colaboradores (2011) publicaram um relato de caso em que um paciente do sexo masculino procurou o serviço de emergência por dor abdominal no quadrante inferior esquerdo do abdômen, com TC de abdômen evidenciando imagem sugestiva de corpo estranho.7 O diagnóstico definitivo e tratamento foram realizados por meio de laparoscopia. Alguns autores (2009) relataram dois casos em que não foi observado peritonite, mas apresentaram perfuração com formação de abscesso, sendo submetidos à remoção do corpo estranho e limpeza da cavidade abdominal.7 O uso da radiografia simples de abdômen para diagnosticar esse tipo de quadro, tem baixa sensibilidade (54,8%) e depende do grau de radiopacidade das espinhas de cada espécie de peixe e da localização anatômica.1,2,5,6 A TC demonstrou ser mais útil na detecção desses corpos estranhos.2,5,6 Ainda são insuficientes as evidências para recomendar o manejo não operatório nessas perfurações intestinais.3 Para os pacientes sem a lembrança da ingestão de um corpo estranho e que desenvolveram abscesso intracavitário, a No entanto, apesar dos avanços tecnológicos, intervenção cirúrgica é obrigatória.4 A tendênnão há diagnóstico definitivo até a interven- cia atual para o tratamento da perfuração intesção cirúrgica na maioria dos casos.3,6,8 Algumas tinal por corpo estranho em adultos é o reparo razões para o atraso no diagnóstico podem in- por meio da sutura primária ou ressecção segcluir o não conhecimento ou autorrelato da mentar com enteroanastomose.6 No entanto, ingestão de uma espinha de peixe,1,2,3,4 o que na presença de achados tomográficos, ausência torna a investigação clínica mais desafiadora, de peritonite, contraindicações relativas para sendo que apenas 2% dos pacientes com per- a cirurgia e em pacientes assintomáticos pode furação intestinal relataram a ingestão de es- ser razoável manter o tratamento conservador pinha de peixe.8 e complementar com exame endoscópico.3 As perfurações são puntiformes e geralmente cursam com pouca significação clínica,3 pois o objeto pontiagudo causa impactação progressiva na parede intestinal permitindo que seja coberto com fibrina, omento, alças intestinais adjacentes ou formação de abscesso local, evitando a liberação de gás e ou líquido na cavidade peritonial.1,3 Isso explica a baixa ocorrência de pneumoperitônio.3 Há, no entanto, a possibilidade de perfuração livre da parede intestinal e migração do corpo estranho para outros locais da cavidade peritonial, exigindo um inventário mais cuidadoso da cavidade ab- Referências 1. Chiu JJ et al. Perforation of the transverse colon by a fish bone: A case report. The Journal of Emergency Medicine. 2009; 36(4): 345-7. 2. Yasuda T et al. Fish bone penetration of the duodenum extending into the pancreas: Report of a case. Surgery Today. 2010; 40(7): 676-8. 3. Ward MA et al. Small bowel perforation secondary to fish bone ingestion managed non-operatively. The Journal of Emergency | 29 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Silva Júnior et al Medicine. 2010; 39(5): 1-4. 4. Chen CK et al. Fish bone related intra-abdominal abscess in an elderlypatient. International Journal of Infectious Diseases. 2010; 14(2): 171-2. 5. Fantola G et al. Laparoscopic diagnosis and treatment of small bowel perforation by fish bone. ANZ Journal of Surgery. 2011; 81(3): 2056. 6. Rodríguez-Hermosa JI et al. Lethal intestinal perforation after foreign body ingestion in a superobese patient. Obes Surg. 2009; 19(8): 1183-5. 7. Hur H et al. Laparoscopic removal of bone fragment causing localized peritonitis by intestinal perforation: A report of 2 cases. Surg Laparosc Endosc Percutan Tech. 2009; 19(6): 241-3. 8. Hsu SD et al. Small-bowel perforation caused by fish bone. Case report. World Journal of Gastroenterology. 2005; 11(12): 1884-5. Endereço para correspondência: Hospital Universitário Getúlio Vargas Endereço:Rua Apurinã, 4 – Praça 14 – CEP: 69020-170 Manaus/AM E-mail: [email protected] | 30 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Barroso et al HIPERTENSÃO ARTERIAL SECUNDÁRIA A ARTERITE DE TAKAYASU SECONDARY HYPERTENSION ASSOCIATED WITH TAKAYASU ARTERITIS Victor Hugo Vieira Barroso*, Wilson Marques Ramos Júnior*, Marlúcia do Nascimento Nobre** Resumo A arterite de Takayasu é uma vasculite primária de etiologia desconhecida que acomete principalmente a aorta e seus ramos principais, cursando com espessamento da parede dos vasos que culmina em estenose, oclusão ou dilatação arterial. Mais comum em mulheres jovens e deve ser investigada em situações de hipertensão arterial refratária ao tratamento com associação de antihipertensivos. É relatado um caso clínico dessa patologia diagnosticado por quadro de hipertensão arterial estágio 3 numa paciente jovem com sintomas sugestivos. Foi ela submetida à investigação de hipertensão secundária, diagnosticada com tal patologia, com estenose de artérias renais (doença renovascular) e aorta. Foi iniciado tratamento clínico com controle da pressão arterial por meio da associação de diversas classes de anti-hipertensivos e imunossupressores para controlar atividade inflamatória da doença e programar correção cirúrgica. Palavras-chave: Hipertensão arterial secundária, arterite de Takayasu, estenose de artérias renais, hipertensão renovascular. Abstract Takayasu’s arteritis is a primary vasculitis of unknown etiology that primarily affects the aorta and its main branches coursing with thickening of the vessel wallthat cuminates in stenosis occlusion or arterial dilation. More common in young women and should be investigated in cases of hypertension refractory to treatment with a combination of antihypertensive drugs. We report a case of this disease diagnosed in a young patient with symptoms suggestive. The same was submitted to the investigation of secondary hypertension, diagnosed with this disease, renal artery stenosis (renovascular disease) and aorta stenosis. It was initiated clinical treatment with blood pressure control through the combination of different classes of antihypertensive drugs and imunossupressive drugs to control inflammatory activity the disease and plan surgical correction. Keywords: Secondary hypertension, Takayasu’s arteritis, renal artery stenosis, renovascular desease. Introdução Diante da população hipertensa, existem diversas causas de elevação da pressão arterial que podem ser identificadas e tratadas sem que as complicações advindas dela surjam. A hipertensão arterial secundária deve ser pesquisada principalmente em pacientes jovens e quando há hipertensão refratária ao tratamento com uso da associação de, pelo menos, três classes *Médico residente de clínica médica do HUGV – Ufam **Médica cardiologista, preceptora da residência de clínica médica e supervisora da residência de Cardiologia do HUGV | 31 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 HIPERTENSÃO ARTERIAL SECUNDÁRIA A ARTERITE DE TAKAYASU da aorta abdominal em seu terço médio distal, com alterações de fluxo e paredes irregulares, A investigação diagnóstica deve nortear-se nos sem sinais de estenose das artérias renais; e andados do exame clínico do paciente que, bem giorressonância da aorta torácica e abdominal elaborado, permite a seleção adequada de pa- com redução do calibre da aorta abdominal a cientes que deverão submeter-se à realização partir do tronco celíaco, chegando a acometer 83% da sua luz. Realizada arteriografia que evide exames complementares específicos.1 denciou redução do calibre da aorta abdominal, A arterite de Takayasu é uma causa rara de hi- severa após a emergência da artéria mesentépertensão arterial secundária. A elevação da rica superior. A cintilografia renal, estática e pressão arterial se dá em consequência à es- dinâmica sugeriu hipertensão renovascular com tenose de uma ou ambas as artérias renais, re- rim direito heterogêneo, tamanho reduzido, sultante de um processo inflamatório das pare- severamente hipoperfundido com acentuado des dos vasos, alterando a pressão de perfusão déficit na função urodinâmica e parenquimae o fluxo sanguíneo renal. Seu diagnóstico é tosa, lesões cicatriciais, captação absoluta do dado pelos achados clínicos e a demonstração DMSA (ácido dimercapto succínico) acentuadada lesão do vaso sanguíneo na arteriografia ou mente reduzida; e rim esquerdo vicariante, heterogêneo, tamanho aumentado, captação angiografia por ressonância magnética.2,3 absoluta do DMSA aumentada. O objetivo deste relato é apresentar um caso com a associação hipertensão arterial e arterite Foi diagnosticada com arterite de Takayasu, pelos critérios do American College of Rheumatology de Takayasu. (ACR): idade menor que 40 anos, claudicação de extremidades, sopro em aorta abdominal e Relato de caso alterações arteriográficas. Iniciou tratamento Paciente do sexo feminino, 20 anos, atendida, com anti-hipertensivos, porém manteve acominicialmente, em unidade básica de saúde, re- panhamento ambulatorial irregular. latando episódios de claudicação intermitente em membros inferiores, dor abdominal difusa, Abandonou acompanhamento clínico e trataem pontada que piorava a alimentação, cefa- mento medicamentoso por aproximadamente leia holocraniana e pressão arterial de 210 x 18 meses. Em março de 2011, com queixas de 120 mmHg. Ao exame do aparelho cardiovas- mal-estar geral, pré-síncope e PA de 290 x 230 cular observou-se: ritmo cardíaco regular em 2 mmHg, foi internada no Hospital Universitário tempos, bulhas hiperfonéticas, sopro sistólico Francisca Mendes. A nova arteriografia mostrou em foco aórtico 3+/6+ com irradiação para fúr- progressão das lesões arteriais com redução do cula e foco aórtico acessório e sopro sistólico calibre da aorta, mais acentuada, logo abaixo em foco mitral 3+/6+ com irradiação para linha da emergência das artérias renais e imporaxilar média, ictus cordis visível e palpável em tante circulação colateral. O ecocardiograma 5.º espaço intercostal com 3 polpas digitais e transtorácico mostrava hipertrofia concêntrica frequência cardíaca de 66 bpm (batimentos por de ventrículo esquerdo (VE) de grau importante. minuto). O abdome era flácido, doloroso à pal- Nova cintilografia revelou rim esquerdo vicariante, pação profunda em hipogastro e flancos, com heterogêneo, aumentado, hipoperfundido, com severo déficit na função urodinâmica e parenquipresença de sopro em aorta abdominal. matosa, captação absoluta do DMSA discretamente Foi iniciada investigação para hipertensão ar- reduzida e rim direito hipocaptante com captação terial secundária inicialmente com hipótese absoluta do DMSA acentuadamente reduzida. A de arterite de Takayasu e doença renovascular. cineangiocoronariografia mostrou-se normal. O resultado das provas inflamatórias (VHS=32 mm/s) estava acima dos limites da normali- Atualmente, mantêm níveis pressóricos elevadade e a ultrassonografia abdominal com Dop- dos, mesmo com a associação oito classes de pler e observou-se estenose importante de 70% medicações anti-hipertensivas (metildopa, hide anti-hipertensivos. | 32 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Barroso et al dralazina, espironolactona, anlodipino, hidroclorotiazida, atenolol, minoxidil e clonidina). Iniciou tratamento com prednisona e metotrexate. No momento, aguarda fase de remis1A 1B são de atividade inflamatória da doença para submeter-se a correção cirúrgica da estenose em artérias renais e aorta abdominal. Discussão 1C Figura 1A: Aortografia: Redução do calibre da aorta abdominal severa após a emergência da artéria mesentérica superior. 1B: Aortografia: Artéria renal direita não identificada, importante circulação colateral. 1C: Angiorressonância: Redução do calibre da aorta e artéria renal direita não identificada. A arterite de Takayasu acomete primariamente a aorta e seus ramos principais, podendo estar localizada na aorta torácica, abdominal, ou acometer todo o vaso e seus ramos. O quadro clínico é variável, dependente da localização e extensão do processo inflamatório.2,3 Podem surgir febre, mal-estar, artralgia, emagrecimento, tontura e astenia, alterações dos pulsos arteriais periféricos, sopro e frêmito em trajetos arteriais, parestesias e claudicação.2-6 baseia-se no uso de corticosteroides em altas doses (1-2 mg/kg/dia) na fase ativa da doença e drogas imunossupressoras são utilizados, em associação para poupar os corticoides por conta dos seus efeitos colaterais. O metotrexato e a azatioprina são os mais utilizados. Drogas antiTNF também podem ser utilizadas em casos refratários.2, 3, 9, 10 O tratamento cirúrgico de pacientes com estenose de artéria renal e hipertensão arterial deve incluir A hipertensão arterial pode surgir em 33 a 83% a intervenção para correção da lesão estenótica, dos casos, geralmente em decorrência da es- seja por angioplastia ou cirurgia, principalmente tenose de artérias renais, causa potencial- nas seguintes condições: hipertensão refratária mente curável mais comum de hipertensão se- ao tratamento clínico incluindo três classes cundária (2-5%).2 O processo inflamatório causa terapêuticas (sendo uma delas o diurético), inespessamento da parede dos vasos afetados, suficiência cardíaca congestiva por miocardioestenose, oclusão ou dilatação das porções ar- patia hipertensiva, edema agudo de repetição teriais acometidas em graus variados, respon- e insuficiência renal progressiva. A revascularisáveis por produzir os sintomas da doença. O zação, endarterectomia e/ou a angioplastia são desenvolvimento de técnicas de imagem menos os procedimentos cirúrgicos que podem ser realiinvasivas (tomografia computadorizada e a an- zados.1, 2, 4, 11 giorressonância magnética) tem alcançado um papel importante na detecção e seguimento Quando há hipertensão arterial grave, o melhor desses doentes, e vem aos poucos substituindo resultado terapêutico está associado à angioa arteriografia.2, 3-8 plastia renal. As falhas de tratamento ocorrem, principalmente, em lesões aórticas associadas O tratamento clínico da arterite de Takayasu e em lesões proximais de artéria renal e estão | 33 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 HIPERTENSÃO ARTERIAL SECUNDÁRIA A ARTERITE DE TAKAYASU relacionadas à realização do procedimento durante a atividade da doença.1, 2, 11 American Journal o Roentgenology. 2006; 187: 569575. Ainda assim, o tratamento da arterite de Takayasu baseia-se, apenas, em análises observacionais e em relatos de casos. Estudos multicêntricos com maior número de pacientes são necessários para avaliar o melhor esquema terapêutico.5 7. Cruz BA. Arterite de Takayasu e Arterite Temporal (Arterite de Células Gigantes). Rev Bras Reumatol. 2008; 48: 106-109. 8. Nabais S, Gouveia P, Barracha I, Lima MJ, Dias AR, Rua A. Arterite de Takayasu: a importância das novas técnicas de imagem. Rev Portuguesa de Medicina Interna. 2007; 14. Em conclusão, foi investigada a hipertensão secundária, pelas características clínicas da paciente: início precoce, hipertensão grave e 9. Nunes G, Neves FS, Melo FM, Castro GRW, refratária, claudicação de membros inferiores Zimmermann AF, Pereira IA. Arterite de Takayasu: e sopro abdominal. Apesar do diagnóstico ain- tratamento com anti-TNF em uma casuística da em fase inicial de doença, a paciente não brasileira. Rev Bras Reumatol. 2010; 50: 291-298. aderiu ao tratamento clínico específico, o que provocou a evolução da vasculite para estágios 10. Maffei S, Di Renzo M, Santoro S, Puccetti L, avançados com estenose importante de artéria Pasqui AL. Refractory Takayasu arteritis successfully renal e hipertensão arterial grave e refratária, treated with infliximab. European Review for sendo então indicado o tratamento cirúrgico. Medical and Pharmacological Sciences. 2009; 13: 63-65. Referências 11. Bortolotto LA, Praxedes JN. Hipertensão 1. Bortolotto LA, Malachias MVB. Atualização no secundária. In: Serrano Jr CV, Timerman A, diagnóstico e tratamento das principais causas Stefanini E (eds.). Tratado de cardiologia de hipertensão secundária. Rev Bras Hipertens. Socesp. 2 ed. Barueri: Manole; 2009. p. 714738. 2011; 18: 46-66. 2. Teixeira RSL, Ribeiro FR, Moscardi GL, Monteiro GP, Portela Jr. HJ, Slhessarenko JR et al. Hipertensão arterial e estenose de artéria renal, complicações da arterite de Takayasu. Rev Bras Hipertens. 2007; 14: 195-198. 3. Panico MDB, Spichler ES, Rodrigues LCD, Oliveira F, Buchatsky D, Porto C et al. Arterite de Takayasu: aspectos clínicos e terapêuticos em 36 pacientes. J Vasc Bras. 2008; 7: 123-130. 4. Borelli FAO, Gonzaga C, Lotaif L, Cordeiro A, Sousa MG, Passarelli Jr O et al. Arterite de Takayasu − Conhecer para diagnosticar. Rev Bras Hipertens. 2009; 16: 254-257. 5. Souza AWS, Neves RMS, Oliveira KR, Sato EI. Tratamento da Arterite de Takayasu. Rev Bras Reumatol. 2006; 46: 2-7. 6. Sueyosh E, Sakamoto I, Uetani M. MRI of Takayasu’s Arteritis: Typical Appearances and Complications. | 34 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Veiga et al DOENÇA DE POMPE FORMA INFANTIL: RELATO DE CASO INFANTILE POMPE DISEASE: CASE REPORT Renata Fagundes Veiga*, Luciana da Silva Carreira**, Vânia Mesquita Gadelha Prazeres*** Resumo Trata-se de uma doença genética rara de acúmulo de glicogênio, causada pela deficiência da enzima alfa-1,4-glicosidase ácida. O depósito de glicogênio ocorre dentro dos lisossomos, com predomínio em células musculares e determina duas formas de doença: a forma infantil, com evolução rápida e letal, e a forma adulta, de evolução lenta e progressiva. Relata um caso de paciente com nove meses de idade, com quadro de pneumonias de repetição, além de cardiomiopatia hipertrófica e atraso motor importante, que após sucessivas internações evoluiu para o óbito. Palavras-chave: Doença de Depósito de Glicogênio Tipo II; Cardiomegalia; Hipotonia Muscular; Terapia de Reposição de Enzimas. Abstract It is a rare genetic disorder of glycogen storage, caused by a deficiency of the alpha-1,4-glucosidase acid enzyme. The glycogen storage occurs inside lysosomes, predominantly in muscle cells and determines two forms of disease: the infantile form, with rapid and lethal progression, and the adult form of slow and progressive evolution. This article reports a case of a 9 months patient, with signs of recurrent pneumonia, hypertrophic cardiomyopathy and important motor delay, which after successive admissions progressed to death. Keywords: Glycogen Storage Disease Type II; Cardiomegaly; Muscle Hypotonia; Enzyme Replacement Therapy. Introdução A doença de Pompe, também conhecida como deficiência de maltase ácida, doença de depósito de glicogênio tipo II ou glicogenose tipo IIa, é uma doença de herança autossômica recessiva.1-8 Foi inicialmente descrita em 1932 em paciente do sexo feminino, com sete meses de idade, que desenvolveu cardiomiopatia hipertrófica idiopática e evoluiu a óbito. Durante necropsia, P. J. Pompe observou o acúmulo tecidual de glicogênio e o descreveu como sinal patológico característico.2,3 São descritas na *Médica residente em Pediatria – HUGV/Ufam ** Médica pediatra intensivista – PSC Zona Sul *** Médica pediatra geneticista – HUGV/Ufam | 35 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 DOENÇA DE POMPE FORMA INFANTIL: RELATO DE CASO literatura pelo menos 14 doenças de depósito de glicogênio, e a doença de Pompe é o protótipo delas. É a única doença que é, ao mesmo tempo, de depósito de glicogênio e de depósito lisossomal. Ademais, foi a primeira doença de depósito lisossomal a ser reconhecida.1,3 enzimática. Novo ecocardiograma evidenciou cardiomiopatia hipertrófica, insuficiência mitral importante e aumento do átrio esquerdo. Após doze dias de internação, recebeu alta em uso de furosemida, carvedilol e espironolactona, para controle da cardiopatia. A causa dessa doença é a deficiência da enzima alfa-1,4-glicosidase ácida, uma hidrolase lisossômica responsável pela degradação do glicogênio nos lisossomos. O glicogênio não degradado, que é estruturalmente normal, vai sendo depositado principalmente nas células musculares, determinando envolvimento mais importante das musculaturas lisa, esquelética e cardíaca.1-8 Cerca de duas semanas após alta hospitalar, evoluiu com quadro de tosse, hipotonia e palidez, apresentando síncope enquanto aguardava atendimento. Chegou à emergência do serviço gemente e pálida, foi intubada, colocada em ventilação pulmonar mecânica e transferida para a UTI com quadro de congestão pulmonar por ICC descompensada, onde permaneceu por oito dias. Ficou sob ventilação pulmonar mecânica durante quatro dias, sob máscara de Há descritas duas formas da doença, a de início Venturi por dois dias e a seguir sob cateter de na infância e a de início tardio, que engloba oxigênio, com boa evolução clínica após comas formas juvenil e adulta. A idade de início da pensada ICC. Foi transferida para enfermaria, doença e o grau de deficiência enzimática são ainda dependente de cateter nasal de oxigênio, inversamente proporcionais à sua gravidade.1-7 para conclusão da investigação para doença de Pompe. Após alta da UTI, no vigésimo sexto dia de internação, a paciente evoluiu com piora do Relato do caso quadro, sendo re-admitida na UTI, com pneuO caso descrito é de um paciente do sexo femi- monia grave, insuficiência respiratória e ICC nino, nove meses, branca, natural e procedente compensada, evoluindo para sepse grave, pulde Manaus (Amazonas, Brasil), que desde o nas- mão de Sara, choque séptico e insuficiência recimento apresentava choro fraco e sucção dé- nal aguda, culminando com óbito. bil. Nascida de parto cesáreo por desproporção céfalo-pélvica, a termo, é a primeira filha de Discussão casal jovem, não consanguíneo. Aos quatro meses de vida iniciou quadro de tosse pouco produ- A doença de Pompe abrange um espectro tiva, febre e dispneia. Foi diagnosticada com fenotípico que varia de acordo com a idade de pneumonia e tratada em domicílio. Durante o início da apresentação, se antes ou após os 12 tratamento, evoluiu com dispneia importante, meses de vida, acometimento orgânico e grau necessitando de internação. Houve suspeita de de miopatia.1-7;9 cardiopatia associada, foram realizadas radiografia de tórax, que evidenciou cardiomegalia Tem incidência mundial estimada em cerca de importante, e ecocardiograma, que mostrou 1:40.000 nascidos vivos, sendo que em Taiwan cardiomiopatia hipertrófica. Recebeu alta hos- e no sudeste da China a estimativa é de cerca pitalar após 18 dias, em uso de furosemida. de 1:50.000 nascidos vivos. No Brasil, estima-se Após um mês, re-internou por nova pneumonia, que existam cerca de 1.000 a 3.500 pacientes sendo, então, aventada a hipótese de doença com doença de Pompe e no Amazonas não foram de Pompe, com base na história pregressa. encontrados relatos científicos da forma infanForam iniciados os exames para investigação, til clássica.2-6 por meio da dosagem enzimática no sangue em papel filtro, que evidenciou 0% de atividade da A doença de Pompe Forma Infantil Clássica é GAA. Enquanto era aguardado resultado confir- considerada o extremo mais grave da doença, matório do diagnóstico de glicogenose tipo IIa, tem início nos primeiros meses de vida e, sem foi feita a solicitação da terapia de reposição tratamento específico, é letal. Nessa forma | 36 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Veiga et al clínica observa-se a presença de hipotonia, cardiomiopatia hipertrófica, hepatomegalia, macroglossia, déficit de sucção, debilidade na deglutição, arreflexia, retardo no desenvolvimento motor, déficit pôndero-estatural, e insuficiência respiratória progressiva.1-9 Os primeiros sintomas, em geral, aparecem antes dos quatro meses de idade e o óbito costuma ocorrer nos primeiros oito meses de vida, cerca de dois meses após o diagnóstico, em decorrência da evolução da cardiopatia, da fraqueza muscular e do acúmulo de secreções para insuficiência cardiorrespiratória ou infecção respiratória, em torno do final do primeiro ano de vida.1-8 Laboratorialmente apresenta níveis elevados de aminotransferases, creatinoquinase sérica e lactato desidrogenase. A dosagem da atividade enzimática da GAA está caracteristicamente abaixo de 1%.5 Radiologicamente observa-se cardiomegalia de grande monta, e em geral é o primeiro achado sugestivo da doença, em lactente hipotônico.1;4;5 Ademais, o padrão eletrocardiográfico nessa doença é o de complexo QRS de alta voltagem, com intervalo PR encurtado.3;4;8 A paciente relatada apresentava, desde o nascimento, choro fraco e sucção débil, evoluindo com atraso importante no desenvolvimento motor e dificuldade de movimentação espontânea dos membros superiores e inferiores, de forma que na ocasião do diagnóstico, com nove meses de vida, era hipotônica, não sustentava a cabeça e somente aceitava alimentação oferecida em colher, não tendo sucção (Figura 1). Figura 1: Paciente descrita, aos nove meses de idade, com hipotonia severa | 37 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 DOENÇA DE POMPE FORMA INFANTIL: RELATO DE CASO O diagnóstico da doença de Pompe nessa paciente foi sugerido pelas manifestações clínicas (Figura 2) e confirmado por meio da dosagem da atividade da alfa-glicosidase ácida nos leucócitos, após exame inicial de dosagem enzimática no sangue em papel filtro evidenciar atividade inferior a 1%. Ademais, apresentava alteração de TGO, TGP, CK e CK-MB. zimático, que evidencia a deficiência, e pode ser realizado em músculos, fibroblastos cutâneos de cultura, gotas de sangue seco, leucócitos ou células sanguíneas que usam maltose, glicogênio ou 4-metilumbeliferil-alfa-D-glicopiranosídeo como substrato.1;3 O diagnóstico pré-natal da forma infantil fatal pode ser feito usando-se os amniócitos ou vilosidades coriônicas.1;3-5;8 Conforme observado, trata-se de doença pouco frequente, porém de grande importância por determinar elevada morbidade e letalidade na forma infantil e morbidade significativa nas formas de início tardio. Anteriormente, o tratamento disponível era restrito ao suporte e cuidados paliativos, não atingindo a causa-base da doença.3-5;8 Atualmente há disponível uma terapia nova e promissora de reposição enzimática (TRE) com alfa-glicosidase, aprovada em 2006,9 que de forma semelhante à enzima natural, degrada o glicogênio lisossômico. A TRE comprovadamente determina maior sobrevivência, redução da cardiomiopatia hipertrófica (avaliada pela diminuição do índice de massa ventricular esquerda), além de evitar ou reverter a progressão para falência cardiorrespiratória em lactentes e crianças pequeFigura 2: Radiografia de tórax aos nove meses de idade, nas e permitir ganhos motores e melhoras nos na época do diagnóstico, evidenciando cardiomegalia de parâmetros de crescimento.5;10 Em crianças grande monta. maiores e em adultos, a TRE pode diminuir a necessidade de suporte ventilatório, melhorar a mobilidade e prevenir ou retardar a progressão A variante da forma infantil clássica, também da doença.1;3;5;9;10 As outras opções terapêuticas conhecida como forma juvenil, da infância ou estão em fase de pesquisa, como a indução de variante muscular tem apresentação no primeiro tolerância imunológica associada à reposição ano de vida, porém com cardiomiopatia menos enzimática, o uso de substâncias para reduzir severa e progressão mais lenta. A forma adulta o substrato e a terapia gênica.1 Outra terapia é caracterizada por uma miopatia lentamente usada antes do advento da TER, e ainda em uso progressiva, em geral iniciando com quadro de em alguns centros, é a dieta com restrição de fraqueza muscular proximal lentamente pro- açúcar.6 gressiva, que envolve principalmente o tronco e membros, com comprometimento mais proemi- A paciente descrita teve apresentação da forma nente dos membros inferiores em relação aos mais grave da doença, com demora na suspeita superiores. Os músculos paraespinhais, a cintu- e confirmação diagnósticas, e consequente dera pélvica e o diafragma costumam ser mais mora no acesso à TRE. gravemente acometidos, determinando a necessidade de suporte ventilatório e dependên- Por se tratar de doença rara e letal em sua forcia de cadeiras de rodas. Caracteristicamente ma infantil clássica, e por já existir terapia esnão há comprometimento cardíaco grave.1-7 pecífica com eficácia maior determinada pelo O diagnóstico é confirmado pelo exame en- início precoce do tratamento, é imprescindível | 38 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Veiga et al que os pediatras estejam alerta sobre os sinais e sintomas iniciais da doença de Pompe, para que essa hipótese diagnóstica seja aventada o mais precoce possível, visto que, no Brasil, os medicamentos órfãos (medicações ou produtos biológicos não padronizados para a prevenção, diagnóstico ou tratamento de condição ou enfermidade rara)11 dependem de liberação por via judicial para chegarem aos pacientes, processo em geral demorado. No caso das doenças raras, em geral já se dispendeu tempo valioso entre a suspeita diagnóstica, a confirmação e a solicitação da medicação, nem sempre se conseguindo fazer todo esse percurso em tempo hábil para garantir a sobrevivência e a qualidade de vida de tais pacientes. Além disso, por conta da herança genética, autossômica recessiva, há a necessidade de aconselhamento genético dos pais desses pacientes, já que o risco é de 25% de recorrência para uma nova gravidez.1 Referências 1. Kishnani, PS, Steiner RD, Bali D, Berger K, Byrne BJ, Case L et al. Pompe disease diagnosis and management guideline. Genet Med. 2006, May; 8(5): 267-288. 2. Ibrahim J. Genetics of Glycogen-Storage Disease Type II (Pompe Disease). 2011 [cited 2011 October 18]: [about 4 p]. Available from: http://emedicine.medscape. com/article/947870-overview 3. Genzyme. Myozyme® alfalglicosidase. Terapia de Reposição Enzimática para Doença de Pompe. Monografia Clínica. São Paulo, 2010. 40 p. II (Pompe Disease). 2010. [cited 2011 October 19]: [about 5 p]. Available from: http://emedicine.medscape.com/ article/119506-overview. 7. Vieira JCF, Carneiro FM, Assêncio-Ferreira VJ. Alteração de Deglutição em um Caso de Glicogenose. Rev Cefac. 2004; 6, 1, 34-39. 8. Jacob JLB, Leandro RL, Parro Jr A. Doença de Pompe ou Glicogenose Tipo IIa. Arq. Bras. Cardiol. 1999; 73, 5, 435-437. 9. Kishnani PS, Corzo D, Leslie ND, Gruskin D, Van der Ploeg A, Clancy JP et al. Early Treatment with Alglucosidase Alfa Prolongs Long Term Survival of Infants with Pompe Disease. Pediatr Res. 2009; 66(3): 329-335. 10. Angelini C. State of the art in muscle glycogenoses. Acta Myologica. 2010; XXIX. p. 339-342. 11. Silva RCS. Medicamentos excepcionais no âmbito da assistência farmacêutica no Brasil. [mestrado] Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 2000. 215 p. [citado em 2 de novembro de 2011]. Disponível em: http://portalteses.icict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_ chap&id=00006205&lng=pt&nrm=iso Endereço para correspondência: Rua Fortaleza, 523, apto 300. Adrianópolis, Manaus-Am. CEP: 69057-080. E-mail: [email protected] 4. Kishnani PS, Chen YT. Doença de Acúmulo de Glicogênio. In: Kliegman, Robert M. [et al]. Nelson, Tratado de Pediatria. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009. 18. ed. p. 601-609. 5. Pereira SJ, Berditchevisky CR, Marie SKN. Relato do primeiro paciente brasileiro com a forma infantil da doença de Pompe tratado com alfa-glicosidase recombinante humana. J. Pediatr. 2008; 84, 3, 272-275. 6. Anderson WE. Glycogen Storage Disease, Type | 39 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Macêdo et al OBESIDADE E RESILIÊNCIA: UM ESTUDO DE CASO A PARTIR DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO PRÉ-CIRÚRGICO OBESITY AND RESILIENCE: A CASE OF STUDY ABOUT THE PSYCHOTHERAPEUTIC GROUP TREATMENT PRE-SURGICAL Maria Geórgia Duarte de Macêdo*, Ellen Belmonte dos Santos**, Kássia Karina Amorim Gomes**, Larissa Nogueira Negreiros** Resumo Este artigo trata da apresentação de um estudo de caso sobre uma das pacientes obesas do Grupo Terapêutico Pré-cirúrgico do Programa de Cirurgia Bariátrica que obteve emagrecimento satisfatório. Esse grupo é desenvolvido no Ambulatório Araújo Lima, anexo do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV/Ufam, que tem como finalidade orientar, acompanhar e avaliar os pacientes candidatos a realizar a cirurgia bariátrica utilizando-se da abordagem da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). O objetivo deste artigo é abordar a importância do grupo para a paciente, pois apesar dos eventos adversos existentes na sua vida, pôde buscar no grupo terapêutico potenciais de resiliência para a melhoria do seu tratamento com consequente emagrecimento. Palavras-chave: Obesidade, Acompanhamento grupal, Terapia Cognitivo-Comportamental, Resiliência. Abstract This article aims to present a case of study about one of the obese patient that participates of the Therapeutic Group Pre-Surgical that makes part of the Bariatric Surgery Program, that has loss weight satisfactorily. That group occurred at Araújo Lima Ambulatory bound to Getúlio Vargas University Hospital. The group has the finality to guide, accompany and evaluate the patients candidates to make the bariatric surgery using the interventions in Cognitive Behavioral Therapy. The purpose of this article is to approach the importance of the group to the patient, because although the adverse events that happened in her life she could find at the therapeutic group potentials of resilience to improve her treatment and loss weight as a result. Keywords: Obesity, Group accompany, Cognitive Behavioral Therapy, Resilience. Introdução A obesidade ocorre pelo acúmulo de tecido adiposo no organismo, é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um problema de saúde pública. É classificada pelo índice de massa corporal (IMC). A OMS define obesidade grau I quando o IMC situa-se entre 30 e 34,9 kg/m2, obesidade grau II quando o IMC está entre 35 e 39,2 kg/m2 e obesidade grau III quando o IMC ultrapassa 40 kg/m2.1 *Psicóloga especialista em Psicologia Hospitalar e Terapia Cognitivo-Comportamental **Acadêmicas de Psicologia da Universidade Federal do Amazonas | 40 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 OBESIDADE E RESILIÊNCIA: UM ESTUDO DE CASO A PARTIR DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO PRÉ-CIRÚRGICO Em países industrializados os obesos passam constantemente por preconceito e discriminação, o que se observa em programas de televisão, revistas e piadas. Outros dados apontam que são pessoas cursando um menor número de anos escolares e que têm menor chance de serem aceitas em escolas. O mesmo se dá em empregos mais concorridos, resultando em salários mais baixos.1 com menos entusiasmo a questão do emagrecimento rápido e acentuado promovido pelas técnicas cirúrgicas. Por conseguinte, é possível de se ter uma adequada percepção da complexidade com a qual um paciente se depara no tratamento de sua obesidade mórbida, assim como o grau necessário de maturidade da personalidade de alguém que venha a submeter-se a tal tratamento.4 Desse modo, a cirurgia bariátrica tem sido desenvolvida para o tratamento da obesidade, em especial na sua forma mórbida. No entanto, mesmo se mostrando extremamente eficazes, com resultados satisfatórios para um público considerável, tais técnicas de emagrecimento também têm se defrontado com outro tipo de problema às pessoas que as praticam: apresentação de alterações psicológicas após a realização da cirurgia.2 Tendo isso em vista, um dos aspectos que a psicologia aborda é o apoio social, pois este é uma base segura, necessária e fundamental na infância, na adolescência, na idade adulta e na terceira idade. É a partir do apoio social recebido que se estabelece o apoio individual de reconhecer e efetuar trocas com outras pessoas, construindo-se uma base estável ao longo da vida. Assim, o sentimento de ser apoiado precisa ser formado, mantido e renovado no decorrer da existência.5 Ainda no pré-operatório, o paciente precisa ser informado das mudanças significativas pelas quais ele atravessará. Um acompanhamento psicológico fornece condições para que o paciente perceba a amplitude do processo que passará e o ajuda a tomar decisões mais conscientes e de acordo com seu caso particular.3 Confirma-se por meio dessa prática que o enfoque terapêutico do grupo é amplo, visando esclarecimentos a respeito de problemas práticos que surgem no pós-operatório, identificação de conflitos, compreensão da dinâmica psíquica dos pacientes e, por fim, a possibilidade de um melhor manejo, pelos pacientes, do desafio que representa o pós-operatório da cirurgia. Essa prática grupal tem como objetivo principal situar os pacientes na sua nova condição de vida e, com isso, melhorar a adesão ao tratamento e instrumentalizá-los para manter a perda de peso.6 A comunicação entre profissionais de saúde e pacientes sempre teve seus obstáculos, mas existem características específicas do grupo bariátrico. A expectativa em relação aos resultados sobre a autoestima e motivação ainda prevalece na maioria dos pacientes, enquanto o foco central da equipe multidisciplinar permanece na resolução das doenças associadas à Desse modo, o espaço de intervenção conta doença obesidade.4 com as técnicas da TCC (Terapia CognitivoComportamental) que é uma abordagem de Além disso, o tratamento dessa patologia re- senso comum cuja base está em dois princípios quer uma equipe multidisciplinar, e o papel centrais: nossas cognições têm uma influência do psicólogo dentro da equipe é o de avaliar controladora sobre nossas emoções e comporse o indivíduo está apto emocionalmente para tamento; e o modo como agimos ou nos coma cirurgia, auxiliá-lo quanto à compreensão de portamos pode afetar profundamente nossos todos os aspectos decorrentes do pré-cirúrgico, padrões de pensamento e nossas emoções.7 inclusive, detectar e tratar os pacientes portadores ou potencialmente sujeitos a distúrbios Por intermédio da TCC, os terapeutas incentipsicológicos graves.3 vam o desenvolvimento e a aplicação de processos conscientes adaptativos de pensamento, A psicologia reconhece os benefícios que o ema- como o pensamento racional e de solução de grecimento pode trazer ao paciente, porém vê problemas. Além disso, enfatiza técnicas desti| 41 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Macêdo et al nadas a ajudar os pacientes a detectar e modifi- A paciente também relatou sofrer preconceito car seus pensamentos profundos, especialmente social, uma vez que segundo ela a chamavam na aqueles associados com sintomas emocionais, rua de “gorda” e “mendiga”. como depressão, ansiedade ou raiva.7 Quanto à sua história de vida, a paciente inComo produto do trabalho realizado, deu-se ên- formou que não conheceu o pai biológico e sua fase nos êxitos de emagrecimento de uma das mãe a entregou quando tinha nove anos para ser participantes do grupo terapêutico com história cuidada por parentes, os quais lhe destratavam, de vida dotada de eventos adversos, compreen- não a reconheciam como membro da família, dida como sujeito em potencial de resiliência a mas exercia funções de empregada doméstica partir dos recursos oportunizados no grupo. En- na qual permanece até o presente momento. tendendo tal resiliência, como o resultado final Quando estava com 13 anos, a paciente inforde processos de proteção que não eliminam os mou que foi vítima de abuso sexual por uma riscos experimentados, mas encorajam o indi- pessoa da família que a criou. Sua vida escolar víduo a lidar efetivamente com a situação e a deu-se até o primeiro ano do Ensino Médio. Aos sair fortalecido dela.8 30 anos teve um rápido relacionamento do qual gerou um filho, desde então esta relatou que Em tal contexto, a melhora do indivíduo doen- não teve nenhum outro relacionamento afetivo, te, a retomada de sua evolução psíquica, sua informou que não possuía vida social e se imresiliência, a aptidão para aguentar e retomar portava mais com os outros do que consigo. um desenvolvimento em circunstâncias adversas implica necessariamente, nesse caso, tratar A paciente relatou que estava sendo acomdo entorno, agir sobre a família, combater os panhada por uma nutróloga havia dois anos, preconceitos ou modificar as rotinas culturais, porém não tinha resultados satisfatórios, pois crenças insidiosas a partir das quais, sem per- estava utilizando medicamentos inibidores de ceber, justificamos nossas interpretações e mo- apetite que aumentavam a vontade de comer. tivamos nossas reações. Fazer um projeto para A paciente foi encaminhada para o programa distanciar o passado, metamorfosear a dor do de cirurgia bariátrica, sendo acompanhada por momento para torná-la uma lembrança gloriosa uma equipe multiprofissional, incluindo o grupo ou divertida, certamente explica o trabalho de terapêutico. resiliência.8 Após iniciar o acompanhamento psicológico, a paciente relata que obteve mudanças significaRelato do Caso tivas em sua vida. Passou a cuidar mais de si, A paciente na qual se baseia este estudo de adquirindo maior autocontrole e adesão à dieta, caso tem 36 anos de idade, está em acom- além de automonitoramento, pois reconheceu panhamento terapêutico há três anos, ini- sentimento de ansiedade que a levava a comer cialmente pesava 120 kg. Após dois anos de compulsivamente sempre que havia um conparticipação no programa, emagreceu 36 kg, flito emocional. Tudo isso foi possível por meio pesando atualmente 84 kg. Para a realização das intervenções terapêuticas na abordagem deste estudo de caso foi feita uma entrevista da Terapia Cognitivo-Comportamental facilisemiestruturada com o objetivo de conhecer tada pela psicóloga do GT. A paciente atribuiu um sentido de cuidado por parte dessa profissua história de vida. sional e dos demais participantes do grupo, A queixa da paciente refere-se ao fato de que, auxiliando-a a corrigir os pensamentos distorcia partir dos 18 anos, começou a engordar de dos e ressignificando seu contexto psicossocial, modo excessivo, havendo dificuldades para en- resgatando a autonomia e autoestima ao fazer contrar vestimentas adequadas. Além de ad- planos para retomar os estudos e melhorar a quirir problemas de saúde, tais como: diabetes convivência com os familiares, pois estes pasmellitus, artrose (dores no joelho e na coluna) saram a apoiá-la no processo de emagrecimene dificuldades para realizar tarefas domésticas. to. Além do apoio do grupo, a paciente aponta | 42 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 OBESIDADE E RESILIÊNCIA: UM ESTUDO DE CASO A PARTIR DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO PRÉ-CIRÚRGICO como relevante seu comprometimento com as atividades desenvolvidas, visto que passou a revisar as tarefas propostas cujo objetivo visava a psicoeducação para melhoria do tratamento. Discussão A obesidade é considerada uma das doenças mais graves atualmente, pois, além das consequências físicas, podem ocorrer também transtornos decorrentes do sobrepeso, afetando principalmente o aspecto emocional, resultando em baixa autoestima, autoconceito negativo, depressão e ansiedade. Dessa forma, compreende-se a necessidade de um acompanhamento terapêutico antes da realização da cirurgia bariátrica. Assim sendo, destaca-se a relevância do grupo terapêutico pré-cirúrgico, uma vez que esse acompanhamento é importante antes de os pacientes realizarem o procedimento cirúrgico, pois o trabalho visa orientá-los e auxiliá-los na minimização dos quadros emocionais como: ansiedade, compulsividade, depressão, entre outros. A partir deste estudo, é possível perceber a importância do grupo terapêutico pré-cirúrgico para a paciente em questão, pois esta conseguiu emagrecer 36 kg, sem realizar a cirurgia bariátrica. Ressalta-se que sua história de vida é marcada por adversidades e um contexto de vulnerabilidades os quais favoreceram o sobrepeso. Entretanto, o acompanhamento em grupo potencializou recursos para seu emagrecimento e consequente conduta resiliente. amor-próprio. Dessa forma, as mediações da psicóloga, o acompanhamento, as orientações e o apoio do grupo propiciaram a ampliação de sua forma de ver os problemas. Visto que foram apontados pela paciente como fatores que auxiliaram também o emagrecimento, ou seja, contribuíram como potenciais de resiliência. Pois para que esta ocorra precisa contar com modificações tanto em nível pessoal como social, daí a compreensão da relevância do grupo em sua vida. Tudo isso promoveu uma reflexão na paciente para que esta mantivesse uma conduta visando melhorar sua qualidade de vida. Ressalta-se ainda a importância da equipe multidisciplinar, entre os quais se destacam ainda os médicos e a nutricionista, todos esses profissionais contribuíram para que a paciente tivesse um acompanhamento adequado e favorecesse o seu processo de emagrecimento. Referências 1 Segal A, Fandiño J. Indicações e contraindicações para a realização das operações bariátricas. Rev Bras de Psiquiatria. 2002; 24(Supl III): 68-72. 2 Leal CW, Baldin N. O impacto emocional da cirurgia bariátrica em pacientes com obesidade mórbida. Rev de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. 2007; 29(3): 324-327. 3 Oliveira VM, Linardi RC, Azevedo AP. Cirurgia Por meio das técnicas utilizadas da Terapia Bariátrica: aspectos psicológicos e psiquiátriCognitivo-Comportamental, pôde-se favorecer cos. Ver. Psiq. Clin. 2004; 31(4); 199-201. a psicoeducação corrigindo os pensamentos distorcidos de si, levando-a a uma mudança 4 Marchesini SD. Acompanhamento psicológino comportamento, resgatando recursos pes- co tardio em pacientes submetidos à cirurgia soais como: autoconhecimento, pois passou a bariátrica. ABCD Arq. Bras. Cir. Dig. Artigo olhar mais para si, valorização a autoimagem original. 2010; 23(2): 108-113. (descrição que a pessoa faz de si); automonitoramento, uma vez que é capaz de perceber-se 5 Assis SG, Pesce RP, Avanci JQ. Resiliência: enansiosa e manter o autocontrole em relação à fatizando a proteção dos adolescentes. Porto alimentação; autoeficácia, pois reconhece seus Alegre: Artmed; 2006. êxitos e motiva-se a atingi-los ainda mais; autoestima, pelas relações interpessoais es- 6 Magdaleno Jr. R, Chaim EA, Turato ER. Caractabelecidas no grupo, pôde atribuir um novo terísticas psicológicas de pacientes submetidos juízo de valor sobre si mesma e resgatar o à cirurgia bariátrica. Rev Psiquiatr RS. 2009; | 43 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Macêdo et al 31(1): 73-78. 7 Wright JH, Basco MR, Thase ME. Aprendendo a terapia cognitivo-comportamental: um guia ilustrado. Porto Alegre: Artmed; 2008. 8 Cyrulnik B. Os patinhos feios. São Paulo: Martins Fontes; 2004. | 44 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Azevedo et al COMPROMETIMENTO RENAL EM PACIENTE COM ESCLEROSE SISTÊMICA: RELATO DE CASO RENAL IMPAIRMENT IN PATIENTS WITH SYSTEMIC SCLEROSIS: A CASE REPORT Junio Aguiar Azevedo, Alan P. Fernandes, Maureen Kelly dos S. Braun, Nayarah P. S. Castro, Renayra Tallita L. Alonso2 Resumo A crise renal esclerodérmica é uma complicação grave e rara da esclerose sistêmica difusa e que se caracteriza pelo comprometimento renal, manifestado por hipertensão maligna e insuficiência renal rapidamente progressiva. O uso de Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (Ieca) é o tratamento de escolha para a doença e tem melhorado o prognóstico dessa manifestação, contudo a mortalidade ainda é alta. Este relato descreve um caso de crise renal esclerodérmica em paciente previamente portadora de esclerodermia. Palavras-chave: Esclerodermia sistêmica, crise renal esclerodérmica, insuficiência renal. Abstract The Scleroderma renal crisis is a rare and serious complication of diffuse systemic sclerosis and is characterized by renal impairment, manifested by malignant hypertension and rapidly progressive renal failure. The use of inhibitors of angiotensin converting enzyme (ACE) is the preferred treatment for the disease and has improved the prognosis of this demonstration, but mortality is still high. This report describes a case of scleroderma renal crisis in scleroderma patients with a history. Keywords: Systemic sclerosis, scleroderma renal crisis, renal failure. Introdução comprometimento visceral (ES difusa) a espessamento de pele restrito às extremidades (ES A esclerose sistêmica (ES) é uma enfermidade limitada).² A doença caracterizada por modifiautoimune caracterizada por inflamação e fi- cações da microcirculação pode causar fibrose brose, principalmente cutânea, concomitante e obliteração das veias da pele, pulmão, trato ao dano endotelial e afecção inflamatória de gastrointestinal e rins.³ vasos sanguíneos, tecidos osteomusculares e órgãos internos. A ES difusa se caracteriza por A ES é uma doença relativamente rara, estimanendurecimento generalizado da pele e com- do-se a sua incidência em 3,8 a 13,9 novos caprometimento frequente de órgãos internos sos/1.000.000 habitantes/ano. Afeta, sobretue presença de anticorpos antitopoisomerase I do, as mulheres, entre os 30 a 60 anos, com (Scl-70), sendo que essa apresentação clínica um pico de incidência entre os 40 e 50 anos. apresenta pior prognóstico.1 O acometimento cutâneo está presente em A ES apresenta um amplo espectro clínico, quase todos os casos de esclerose sistêmica. A variando de espessamento cutâneo generali- esclerodactilia é quase universal, condicionanzado, ocorrendo rápida progressão e precoce do com frequência contraturas e deformações | 45 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 COMPROMETIMENTO RENAL EM PACIENTE COM ESCLEROSE SISTÊMICA: RELATO DE CASO nos dedos, com grande incapacidade funcional.4 Dentre os fenômenos vasculares o fenômeno de Raynaud está presente na maioria dos casos de ES difusa. O fenômeno de Raynaud acomete mãos e pés e em casos mais graves pode também acometer o nariz, orelhas e língua.5 A pele, vasos sanguíneos, pulmões, trato gastrointestinal e miocárdio podem estar comprometidos. No entanto, uma das complicações mais graves e raras da esclerose sistêmica corresponde ao comprometimento renal, manifestado por hipertensão maligna e insuficiência renal rapidamente progressiva.6 A crise renal esclerodérmica está relacionada às alterações vasculares que afetam as artérias arqueadas e interlobares dos rins, com espessamento mucoide da parede vascular e estreitamento da luz dos vasos, diminuindo o fluxo sanguíneo renal e aumentando a resistência vascular intrarrenal, e consequente hiperativação do sistema renina-angiotensina.7 Antes da introdução dos Ieca, na década de 80, o envolvimento renal na esclerose sistêmica (crise renal esclerodérmica) representava a principal causa de morte nessa doença. Com esses fármacos, a sobrevivência após um ano passou a ser de 15 a 76%. A crise renal esclerodérmica é mais frequente na ES difusa, e a maioria dos casos ocorre nos cinco primeiros anos, após a primeira manifestação de esclerose sistêmica.⁴ De forma simplificada, a crise renal esclerodérmica pode ser definida como o aparecimento de hipertensão arterial maligna ou de insuficiência renal rapidamente progressiva, no curso de esclerose sistêmica, sem outras explicações plausíveis para o quadro.4 Os fatores associados ao mau prognóstico da crise renal esclerodérmica são a idade mais avançada, o sexo masculino, uma creatinina sérica inicial maior ou igual a 3 mg/dL, o não controle da pressão arterial nos primeiros dias após o seu aparecimento e a presença de insuficiência cardíaca.4 Uso de Ieca é o tratamento de escolha para a crise renal esclerodérmica, tem melhorado o prognóstico dessa manifestação, mas a mortalidade ainda é alta. O tratamento baseia-se em normalizar a pressão arterial. Hemodiálise pode ser necessária.8 Relato do caso Paciente, 38 anos, feminino, parda, boliviana, procedente do município de Itaituba/PA, admitida no Hospital Municipal de Santarém, com queixa de dor abdominal difusa, náuseas, vômitos alimentares, cefaleia occipital, apresentava oligúria e edema de mãos e face. O quadro foi acompanhado ainda de turvamento visual. À admissão, apresentava elevação da pressão arterial (PA: 220 x 100 mmHg) e elevação das escórias nitrogenadas (Ureia- 156, Creatinina- 11.8), que uma semana antes eram normais. Paciente relatou que, cerca de quatro anos apresentou um quadro cutâneo em extremidades com palidez, seguida de cianose e rubor, principalmente durante exposição ao frio, posteriormente evoluiu com espessamento cutâneo disseminado acompanhado de artralgia e edema periarticular, principalmente nas articulações das mãos, joelhos, pés e cotovelos recebendo o diagnóstico de Esclerose Sistêmica. Fez uso de prednisona e D-penicilamina, posteriormente realizou pulsoterapia com ciclofosfamida para o tratamento da esclerose sistêmica difusa. Encontra-se há seis meses sem o uso desses medicamentos. Ao exame físico realizado à admissão hospitalar, paciente apresentava-se em regular estado geral, lúcida e orientada no tempo e espaço, hipocorada, anictérica, afebril e acianótica, frequência cardíaca de 126 bpm, frequência respiratória 12 ipm, espessamento cutâneo difuso, pele com textura áspera. Ao exame do tórax apresentava manchas hipocrômicas em tórax superior e dorso, sem alterações ao exame cardiopulmonar. Ao exame do abdome, ele encontrava-se plano, doloroso e sem visceromegalias. Ao exame dos membros, visualizavam-se manchas hipocrômicas, espessamento cutâneo, esclerodactilia, creptações ao movimento da articulação do carpo. Durante a internação hospitalar, paciente evoluiu com elevação das escórias nitrogenadas a despeito da terapia farmacológica com Ieca e bloqueadores dos receptores de angiotensina, além do uso de outros anti-hipertensivos (inibidores dos canais de cálcio e metildopa), ao 4.º | 46 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Azevedo et al dia da internação paciente apresentava ureia de 139, creatinina de 18.06 (ClCr 4.07 ml/min), foi submetida à hemodiálise com melhora do estado geral, continua em programa dialítico em média três vezes por semana, encontra-se no terceiro mês após a internação do quadro e mantém níveis altos das escórias nitrogenadas. Realizou exame ultrassonográfico de rins e vias urinárias que evidenciou doença parenquimatosa renal bilateral com redução da relação córticomedular, realizou exame de dooplervelocimetria de artéria renal dentro da normalidade. retinopatia hipertensiva, e presença de sedimento urinário normal ou com leve proteinúria e/ou hematúria. No presente caso, o diagnóstico clínico se fez pela presença de insuficiência renal aguda de progressão rápida, com elevação súbita das escórias nitrogenadas, pelo pico hipertensivo visualizado à admissão hospitalar, e pelas queixas visuais sugestivas de retinopatia hipertensiva. O prognóstico desfavorável em pacientes com desenvolvimento de crise renal esclerodérmica estão relacionados à idade avançada do paciente, sexo masculino e níveis de creatinina Discussão maiores que 3 mg/dL.4 No caso em questão, Relatou-se um caso de crise renal esclerodér- trata-se de uma paciente de 38 anos, do sexo mica em paciente portadora de ES difusa, com feminino, com valor elevado de creatinina à quadro clínico de cefaleia em região occipital, admissão hospitalar, podendo estar relacionado oligúria, edema de mãos e face, turvamento com um pior prognóstico. visual e elevação da pressão arterial em paciente previamente normotensa, o quadro foi O tratamento da crise renal esclerodérmica acompanhado de elevação importante das es- visa, em primeiro lugar, o controle da pressão córias nitrogenadas em curto período de tempo. arterial, devendo ser iniciado o mais precocemente possível para evitar que ocorram lesões 8 Trata-se de uma doença rara, sendo mais co- vasculares e renais irreversíveis. Os agentes de 8 mum ocorrer em mulheres na faixa etária de 30 escolha são Ieca, que quando comparado com a 50 anos.4 No presente caso relatado, trata-se outros anti-hipertensivos, apresentam maior de uma paciente do sexo feminino e com diag- eficácia e estão associados à maior sobrevida geral (80% ao ano) e uma melhor preservação nóstico de ES aos 33 anos de idade. da função renal. Esse foi o tratamento de esA crise renal esclerodérmica é a complicação colha na paciente, necessitando de associação renal que acomete portadores de ES difusa e com outras drogas anti-hipertensivas para melhor pode acometer 10 a 15% dos pacientes com es- controle da pressão arterial. clerodermia, principalmente nos primeiros cinco anos do início dos primeiros sintomas de es- Aproximadamente 50% dos pacientes que neclerose sistêmica. No caso relatado, a paciente cessitam de diálise e recebem Ieca apresentam possuía o diagnóstico de esclerose sistêmica há recuperação da função renal, e descontinuam a cerca de quatro anos. A literatura relata que terapia dialítica após seis a 18 meses. Apesar do os fatores relacionados ao desenvolvimento da tratamento com inibidores da enzima convercrise renal são envolvimento cutâneo difuso, sora de angiotensina, muitos pacientes evoluem raça negra e uso de altas doses de corticoides.4 para insuficiência renal crônica. Desses fatores de risco, observamos no caso relatado o uso de corticoides e o envolvimento No caso relatado, a paciente encontra-se em terapia com Ieca associado a outros fármacos cutâneo difuso. anti-hipertensivos para otimização do controle O diagnóstico da crise renal esclerodérmica é da pressão arterial, associado à terapia dialítifeito por meio de parâmetros clínicos e labo- ca e aguardando a possibilidade de reversão do ratoriais que incluem a instalação abrupta de quadro renal. insuficiência renal de rápida progressão, início agudo de hipertensão arterial de moderada a grave, muitas vezes associado ao quadro de Referências | 47 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 COMPROMETIMENTO RENAL EM PACIENTE COM ESCLEROSE SISTÊMICA: RELATO DE CASO 1. Silvarino R, Rebella M, Cairoli E. Manifestaciones clínicas en pacientes con esclerosis sistêmica. Rev Med Urug. 2009; 25(2): 84-91. 2. 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Relatamos um caso de gravidez em paciente renal crônica em diálise havia 20 anos. A criança nasceu com 34 semanas de gestação e encontra-se saudável em acompanhamento pelo Serviço de Nefropediatria. Palavras-chave: Gravidez, insuficiência renal crônica, hemodiálise. Abstract Pregnancy is a challenge for women with chronic kidney disease and especially those who are on renal replacement therapy program hemodialysis. The impressive improvement in the maternal-fetal, dialysis efficiency, frequency and supportive therapy allowed patients on chronic kidney dialysis to become pregnant. We report a case of pregnancy in a patient with substitute support therapy hemodialysis for 20 years. The infant was born with 34 weeks of pregnancy and he is being monitored by Nephrology Pediatrc Service. Keywords: Pregnancy, chronic kidney failure, hemodialysis. Introdução então, publicações recentes relatam a gravidez em 1-7% das mulheres em diálise crônica.2 A gravidez é um desafio para as mulheres com doença renal, e isso é especialmente verdadeiro para pacientes em diálise; no entanto, a melhoria impressionante na assistência materno-fetal e na eficiência da terapia dialítica permitiram alcançar metas anteriormente inacessíveis.1 Em 1971, foi relatado o primeiro caso de sucesso na gestação de paciente portadora de insuficiência renal crônica dialítica e, desde Atualmente, existem no Brasil perto de 92.021 pacientes portadores de insuficiência renal crônica em programa de diálise e grande parte delas são mulheres em idade fértil.3 O tratamento medicamentoso e hemodialítico apresentaram espetacular melhora nas últimas décadas, levando a uma melhora na expectativa e na qualidade de vida. Descrevemos um caso de *Médico residente, segundo ano em Nefrologia no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV). **Professor mestre adjunto da FCS da Ufam ***Acadêmica do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas. | 49 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 RELATO DE CASO: GRAVIDEZ BEM-SUCEDIDA EM PACIENTE RENAL CRÔNICA HEMODIALÍTICA paciente renal crônico em terapia hemodialítica por 20 anos, sem função renal residual que descobriu estar grávida após investigação ultrassonográfica. Apresentava como sintoma apenas amenorreia. Evoluiu com manutenção da gravidez até 34 semanas e necessidade de cesareana por conta do início de sofrimento fetal agudo. Relato de caso Paciente de 38 anos, sexo feminino, parda, portadora de insuficiência renal crônica em terapia hemodialítica desde os 18 anos em clínica satélite, regularmente três vezes por semana e não apresentando função renal residual. Na história patológica pregressa relatava aborto espontâneo aos 22 anos, ciclos menstruais regulares, hipertensão arterial sistêmica e paratireoidectomia prévia. Em fevereiro de 2010, iniciou quadro de amenorreia com diagnóstico ultrassonográfico de gravidez com feto vivo em 25 semanas, sendo encaminhada ao ambulatório de gravidez de alto risco e iniciado hemodiálise diária (seis sessões por semana), duração de 4h cada sessão com dialisador 2.1m2, fluxo de sangue em 400 ml/ min, fluxo do dialisato em 500 ml/min e heparina 100UI/kg em cada sessão. A terapia medicamentosa consistia de eritropoietina humana recombinante que aumentou para 24.000UI por semana, carbonato de cálcio (1,5 g/dia) como quelante de fósforo, reposição de ferro endovenoso (300 mg/semana) e suplementação de vitaminas. Durante gestação houve necessidade de transfusão de concentrado de hemáceas por anemia sintomática e com 32 semanas de gestação, os níveis pressóricos elevaram-se, iniciando uso de metildopa (1 g/dia), nifedipina (60 mg/dia) e propranolol (240 mg/ dia). Submetida à cesariana com 34 semanas de gestação por conta do sofrimento fetal agudo. com antibioticoterapia intravenosa. Posteriormente, recebeu alta da unidade de terapia intensiva e encontra-se saudável até o presente momento, sendo acompanhado pela equipe de nefropediatria. Discussão Mulheres portadoras de insuficiência renal crônica em tratamento hemodialítico apresentam ciclos anovulatórios por conta de picos de prolactina que prejudicam o eixo hipotálamohipófise4 contribuindo assim para diminuição da libido, além de outras complicações inerentes a doença renal crônica como anemia e depressão. Todos esses fatores contribuem para baixa fertilidade e diminuição da concepção. O diagnóstico precoce de gestação em doença renal crônica exige atenção, uma vez que ciclos menstruais irregulares, amenorreia, náuseas e elevação da subunidade beta da gonadotrofina coriônica humana podem contribuir para teste de gravidez falso-positivo em pacientes com insuficiência renal.4 Os dados variam muito de cada centro, entretanto estima- se que a taxa de sucesso de gestação ocorra entre 79 a 81% de mulheres em hemodiálise e os principais fatores que contribuem são o aumento do tempo e da frequência da hemodiálise, suplementação de eritropoietina, ferro, vitaminas, suporte nutricional adequado, manejo obstétrico e neonatal mais qualificado. Um estudo apresentou um caso de gestante renal crônica em tratamento hemodialítico que realizou hemodiafiltração durante todo o período gestacional e apresentou resultados favoráveis para o feto.5 A hemodiálise noturna pode melhorar a fertilidade materna, uma vez que minimiza as alterações relacionadas à O recém-nascido apresentou apgar 7/9, aproxi- uremia e desequilíbrios metabólicos, além de madamente 2.160 g, estatura de 42 cm e pe- proporcionar menores complicações maternorímetro cefálico de 30 cm, tendo permanecido fetais.6 na UTI neonatal por 27 dias pelo quadro de icterícia neonatal compatível à eritroblastose fetal Uma série de outros desafios existe no manejo e submetido a sessões de fototerapia e exsan- de pacientes grávidas em terapia substitutiva guineotransfusão. Apresentou concomitante- renal. Conforme relatado na literatura, necesmente quadro séptico-foco pulmonar tratado sita-se aumentar as dosagens de ferro e eritro| 50 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Santos et al poetina.7 Embora a anemia seja uma característica típica da gravidez, tem-se especulado que as pacientes grávidas são resistentes à eritropoetina por causa da produção de citocinas durante gestação e por isso a necessidade de doses aumentadas de eritropoetina.8 A correção da anemia aumenta a taxa de sucesso da gravidez e previne o estresse fetal causado pela hipoxemia. A eritropoetina não atravessa a barreira placentária, não há relatos na literatura de teratogenicidade. Prévio ao uso da eritropoetina, a taxa de sucesso na gravidez era de apenas 25% na Europa.9 Hipertensão é a complicação materna mais frequentemente relatada nessa população, ocorrendo em 42 a 80% dos casos.10 A fisiopatogenia da hipertensão é complexa tendo como base hipervolemia e resistência periférica total inapropriadamente elevada.11 Há um risco aumentado de pré-eclâmpsia. Na maioria dos casos, ocorre a necessidade do uso de anti-hipertensivos para manutenção da pressão arterial diastólica entre 80-90 mmHg, sendo os medicamentos mais utilizados: metildopa, hidralazina, beta-bloqueadores e em casos de difícil controle pressórico indica- se clonidina e bloqueadores do canal de cálcio.12 A taxa de sobrevivência dos recém-nascidos com mães em hemodiálise melhorou de 23% em 1980 para 90% na última década, porém a taxa de mortalidade ainda é superior que a da população geral.13 Apesar da melhora na sobrevivência infantil, crianças nascidas de mulheres em diálise são normalmente prematuras, com uma média de idade gestacional de 32 semanas. Existem inúmeras causas de parto prematuro consequente a polidrâmnio, hipertensão materna e ruptura prematura das membranas.14 O aumento da frequência de diálise diminui os níveis de BUN pré-diálise, reduzindo a ocorrência de polidrâmnio e o risco de parto prematuro.13 Neste relato de caso, a paciente renal crônica em programa regular de hemodiálise evoluiu com sucesso na gestação, diferindo dos dados epidemiológicos na população estudada. O crescente número de casos de gestações bem- sucedidas em pacientes renais crônicas em programa hemodialítico regular nos sugere a possibilidade de reconsiderar nossa política de aconselhamento de rotina, que só raramente inclui a questão da gravidez em pacientes jovens. Referências 1. Chao A-S, Huang J-Y, Lien R, Kung F-T, Chen P-J, Hsieh PCC. Pregnancy in women who undergo long-term hemodialysis. Am J Obstet Gynecol. 2002; 152-156. 2. Confortini P, Galanti G, Ancona G, Giongio A, Bruschi E, Lorenzini E. 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Os autores relatam um caso de uma paciente com RCU fulminante, não responsiva à terapêutica convencional, que apresentou boa evolução clínica e laboratorial após a melhora da terapia nutrológica, uso de antimicrobianos, probióticos e infliximabe. Palavras-chave: Proctocolite, probióticos, terapia biológica. Abstract The ulcerative colitis (UC) is a chronic disease characterized by diffuse inflammation of the intestinal mucosa affecting the rectum and colon. The treatment is based on luminal anti-inflammatory drugs, corticosteroids, immunosuppressants and monoclonal antibodies. Other therapies complement the treatment such as use of probiotics, antibiotics and parenteral nutrition. The authors report a case of a patient with fulminant colitis unresponsive to classical therapy, with clinical and laboratory response after the introduction of nutriology therapy, antibiotics, probiotics and Infliximab. Keywords: Proctocolitis, probiotics, biological therapy. Introdução A doença inflamatória intestinal (DII) é uma desordem inflamatória crônica que compreende duas entidades: a retocolite ulcerativa (RCU) e doença de Crohn.1 Há uma grande variabilidade de genes associados ao desenvolvimento da doença, com 47 loci implicados, sendo 19 específicos para RCU. Estão envolvidos na disfunção da barreira epitelial (ECM1, HNF4A, CDH1 e *Médico (a) residente de clínica médica do HUGV – UFAM. **Médico especialista em gastroenterologia pelo Hospital de Base de São José do Rio Preto, assistente da residência de clínica médica do HUGV – UFAM. ***Médica especialista em nutrologia e doutora pela Universidade de São Paulo, coordenadora clinica da equipe de terapia nutricional do HUGV – UFAM, assistente da residência de clínica médica da Fundação Hospital Adriano Jorge. | 53 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 RETOCOLITE ULCERATIVA FULMINANTE: ASSOCIAÇÃO DE CONDUTAS TERPÊUTICAS NÃO USUAIS LAMB1), estímulo à apoptose e autofagia (DAP), regulação da transcrição (PRDM1, IRF5 e NKX23) e ativação de linfócitos auxiliares tipo 1 e 17 (Th1 e Th17), além de múltiplos genes da via de sinalização da IL-23.2 A ativação imune das DII parece ocorrer em resposta aos antígenos da luz intestinal e os pacientes, caracteristicamente, apresentam a mucosa infiltrada por granulócitos, linfócitos e macrófagos produtores de citocinas, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interferon gama e as interleucinas 1-b, 6, 8, 12 e 23.1 No contexto da RCU, as alterações imunológicas parecem se dever, sobretudo, a uma resposta anormal de linfócitos auxiliares Th2 com ativação de células T NK atípicas e abundante produção de IL-13, promotora da citotoxicidade epitelial. Recentemente, foi postulado um papel adicional das células Th17 produtora de IL-17, que se encontram em níveis elevados na mucosa colônica dos pacientes portadores da doença.2 A RCU é caracterizada pela inflamação difusa da mucosa intestinal envolvendo o reto e o cólon, de extensão simétrica e progressão ascendente. Apresenta-se por episódios recorrentes de exacerbações e remissões, com clínica caracterizada por diarreia sanguinolenta, urgência evacuatória e tenesmo.1,3 Os pacientes mais graves são classificados como fulminantes, forma caracterizada por mais de dez evacuações sanguinolentas ao dia, toxicidade, dor e distensão abdominal, necessidade de hemoderivados e presença de dilatação de alças intestinais à radiografia de abdome.3 O tratamento farmacológico inclui preparações com 5-aminossalicilatos, corticosteroides e imunossupressores, como a ciclosporina e a azatioprina. Recentemente utiliza-se a terapia biológica com anticorpos monoclonais anti-TNF-α (Infliximabe) para promover melhora clínica em pacientes com DII grave e refratária.1,4,5 Tratamentos alternativos como o uso de probióticos podem complementar a terapia, porém ainda faltam estudos que comprovem a sua real eficácia.6 Quanto ao tratamento cirúrgico, as principais indicações são hemorragia maciça, perfuração intestinal, suspeita forte de malig- nidade, colite severa com ou sem megacólon tóxico não responsiva à terapia convencional otimizada, intolerância a medicações ou presença de sintomas intratáveis.3 Este trabalho tem o objetivo de descrever o caso de uma paciente com RCU fulminante, não responsiva à terapêutica otimizada, com boa evolução clínica e laboratorial após a otimização da terapia nutrológica, uso de antimicrobianos, probióticos e infliximabe. Relato de caso Paciente do sexo feminino, 53 anos, há um ano iniciou fezes piossanguinolentas, dez evacuações ao dia, acompanhadas de tenesmo e distensão abdominal, hiporexia e perda ponderal não quantificada. À época, foi submetida à retossigmoidoscopia revelando mucosa edemaciada, fibrina e muco abundante em região do reto, demais segmentos normais, sugestiva de RCU. Após dois meses, foi submetida à colonoscopia e observados ceco e cólon ascendente com granularidade e deposição de fibrina, de padrão contínuo de distribuição; cólon transverso e descendente com presença de alterações mais esparsas; sigmoide e reto com granularidade, edema e friabilidade, com pequenas lesões ulceradas e rasas, e deposição de fibrina, sugestivos de RCU em reto e sigmoide (Figura 1). À análise histopatológica: RCU em atividade leve, negativa para células malignas e agentes infecciosos. Com base nesses dados, foi iniciado o tratamento com Mesalazina 3,6 g/ dia e corticoterapia oral. Figura 1: Colonoscopia evidenciando erosões planas em sigmoide | 54 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Mubarac et al Durante dez meses a paciente se manteve estável quando, então, reiniciou evacuações mucossanguinolentas (> 10 episódios/dia), cólica intensa, tenesmo, perda ponderal (10% do peso corporal) e astenia importante. Foi internada no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) apresentando-se em regular estado geral, com palidez acentuada, desnutrida e anasarcada. Aparelho respiratório com murmúrio vesicular abolido em bases, sem alterações à ausculta cardíaca, porém taquicárdica (130 bpm). Abdome globoso, flácido, doloroso difusamente à palpação superficial, hipertimpânico e com ruídos hidroaéreos aumentados. Exames laboratoriais da admissão mostraram alterações inflamatórias e nutrológicas importantes (Tabela 1). Exames de imagem evidenciaram pequeno derrame pleural bilateral e distensão de alças intestinais (Figura 2). Tabela 1: Discriminação dos diversos exames Figura 2: Radiografia simples de abdome em incidência anteroposterior, realizada com o paciente em decúbito dorsal, mostrando edema de parede intestinal e distensão de alças. | 55 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 RETOCOLITE ULCERATIVA FULMINANTE: ASSOCIAÇÃO DE CONDUTAS TERPÊUTICAS NÃO USUAIS Foi iniciado azatioprina 100 mg/dia, metilprednisolona 62,5 mg/dia, mesalazina 3,6 g/dia e transfusão de quatro unidades de concentrados de hemácias. Após essas medidas, houve discreta melhora clínica, porém piora do número de evacuações, chegando a 26 episódios ao dia. Foi iniciada nutrição parenteral, associada a sucos constipantes e bebidas isotônicas via oral. Iniciou-se também metronidazol e fluconazol orais, probióticos (Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium bifidum) e concomitante suplemento alimentar específico para doença inflamatória intestinal baseados em anti-TNF-α de luz intestinal. Paciente apresentou progressiva diminuição do número de evacuações. tais drogas, a introdução dos probióticos pode ter corroborado com a diminuição progressiva da presença de muco e leucócitos nas fezes, remetendo a uma diminuição do processo inflamatório local. Grande parte dos pacientes em atividade da doença apresentam-se desnutridos e, dentre os diversos fatores relacionados, estão a anorexia, as restrições alimentares desnecessárias, o aumento da demanda energética e nutricional nos casos com febre e sepse, e a perda intestinal excessiva de eletrólitos, sais minerais, oligoelementos e sangue;9 dessa maneira, o reconhecimento precoce e a terapia nutrológica adequada são de extrema importância. Por privar os enterócitos Optou-se por iniciar protocolo terapêutico com dos ácidos graxos de cadeia curta, elementos infliximabe, evoluindo com melhora clínica, vitais para o seu metabolismo e reparação; esredução do VHS e PCR e aumento do nível sé- tudos controlados não mostraram benefícios rico de albumina, quando, então, recebeu alta no uso da nutrição parenteral como manobra hospitalar. terapêutica primária nos pacientes com RCU. No entanto, esta pode ser útil como um complemento em pacientes com depleção nutricional Discussão significativa.3 No caso descrito, a adição da Os pacientes com doença inflamatória intestinal terapia parenteral foi justificada pelo elevado apresentam alterações em sua microbiota normal. número de evacuações, distensão abdominal Indícios sugerem que a tolerância imunológica às e desnutrição progressiva. Após a introdução, bactérias comensais foi perdida, resultando em a paciente reiniciou sensação de fome, um maior número de bacteroides, Escherichia coli sinal precoce da diminuição da resposta ine enterococos, e redução dos lactobacilos e bi- flamatória sistêmica. A melhora também pode fidobactérias.7 Em pacientes com exacerbação ser observada pelo aumento do nível sérico da RCU, o uso de antimicrobianos orais parece de albumina e diminuição de proteínas inser responsável por melhora clínica, principal- flamatórias. mente porque as crises da doença podem ser desencadeadas por hiperproliferação bacteriana A terapêutica específica é determinada pela sevee fúngica. Dentre os mais comuns citam-se a in- ridade do quadro. Os pacientes mais graves são fecção por Escherichia coli 0157:H7 e, nos casos classificados como fulminantes, forma caracteriem que houve uso prévio de antibióticos, a co- zada pela presença de mais de dez evacuações lite pseudomembranosa.3 Diante deste, optou- sanguinolentas ao dia, toxicidade, dor e distense pelo início de metronidazol e fluconazol, e, são abdominal, necessidade de reposição de então, observada a diminuição do número de hemoconcentrados e presença de dilatação de alças intestinais à radiografia de abdome.3 Esevacuações e melhora do estado geral. ses pacientes são manejados com altas doses Probióticos não promovem a remissão da doen- de aminossalicilatos, corticoesteroides e imu4 ça, porém auxiliam na prevenção da translo- nossupressores. Os casos refratários devem ser cação bacteriana e na produção de produtos encaminhados à proctocolectomia ou referenantibacterianos que inibem o crescimento de ciados à terapia intravenosa com ciclosporina 3 bactérias patogênicas, auxiliando também na ou infliximabe, terapia que comprovadamente 7 regulação da resposta imune e estabilidade da reduziu a necessidade de cirurgias. barreira da mucosa intestinal.6-8 Apesar de ainda necessitar estudos sobre o real benefício de Em conclusão, a terapia nutrológica adequada | 56 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Mubarac et al associada à terapêutica otimizada com infliximabe foi imprescindível para a melhora clínica e laboratorial da paciente, evitando, assim, a evolução para proctocolectomia. Referências 1. Lindberg A, Eberhardson M, Karlsson M, Karlen P. 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Nutritional follow-up of patients with ulcerative colitis during periods of intestinal | 57 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Prado et al POLIARTERITE NODOSA CUTÂNEA GRAVE E DE DIFÍCIL CONTROLE EM ADOLESCENTE APÓS FARINGOAMIGDALITE ESTREPTOCÓCICA SEVERE AND DIFFICULT TO CONTROL CUTANEOUS POLYARTERITIS NODOSA IN TEENAGER AFTER STREPTOCOCCAL PHARYNGOTONSILLITIS Yanna Pontes Prado*, Leilian Amorim**, Araceli dos Santos Brito*, José Ricardo Ferreira***, Sandra Lúcia Euzébio Ribeiro****, Domingos Sávio Nunes de Lima***** Resumo A poliarterite nodosa cutânea (PAN cutânea) é uma vasculite primária de artérias de pequeno e médio calibres, distinguindo-se da poliarterite nodosa clássica pela ausência de envolvimento visceral. A etiologia é desconhecida, estando supostamente envolvidos mecanismos imunomediados desencadeados por diversos fatores, sendo um deles o estreptococo beta-hemolítico do grupo A de Lancefield (EBHGA). Clinicamente apresenta-se com inúmeras manifestações cutâneas, além de artralgia, mialgia, neuropatia periférica e sintomas constitucionais. O diagnóstico é de difícil realização e baseia-se na clínica e histopatologia da pele. A terapêutica inclui o uso de corticosteroides e imunossupressores. Neste artigo será relatado um caso de PAN cutânea grave em uma adolescente que se manifestou após episódio de faringoamigdalite, tornando provável a associação com o EBHGA. Palavras-chave: Poliarterite nodosa, vasculites, infecções estreptocócicas. Abstract Cutaneous polyarteritis nodosa (cutaneous PAN) is a primary vasculitis of small and medium sized arteries, distinguished from classical polyarteritis nodosa by the absence of visceral involvement. The aetiology remains unknown, but presumably has immune-mediated mechanisms involved and its triggered by several factors, one of them is the beta-hemolytic streptococcus group A Lancefield (GABHS). Clinically presents with many cutaneous manifestations in addition to arthralgia, myalgia, peripheral neuropathy and constitutional symptoms. Diagnosis is difficult to perform and is based on clinical and histopathological signs of skin. Treatment includes corticosteroids and immunosuppressive drugs. This article will present a case of severe cutaneous PAN in a teenager that was manifested after an episode of pharyngotonsillitis, making it likely the association with GABHS. Keywords: Polyarteritis nodosa, vasculitis, streptococcal infections. *Residente do Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV-Ufam) **Residente do Serviço de Clínica Médica do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV-Ufam) ***Residente do Serviço de Cardiologia do Hospital Universitário Francisca Mendes (HUFM-Ufam) ****Professora do Departamento de Clínica Médica, disciplina de Clínica Médica II (Reumatologia) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), supervisora de Residência Médica em Reumatologia do HUGV/Ufam *****Professor-assistente doutor do Departamento de Clínica Médica do HUGV/Ufam | 58 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 POLIARTERITE NODOSA CUTÂNEA GRAVE E DE DIFÍCIL CONTROLE EM ADOLESCENTE APÓS FARINGOAMIGDALITE ESTREPTOCÓCICA Introdução A poliarterite nodosa cutânea (PAN cutânea) é uma doença rara, que acomete artérias de pequeno e médio calibres.1,2,3,4 A idade de início é variável, sendo na criança mais comum na fase escolar. A patogenia é desconhecida, supondose uma predisposição genética e o envolvimento de mecanismos imunomediados desencadeados por diversos fatores, como drogas, tuberculose, infecções estreptocócicas, hepatite B e C, parvovírus B 19, citomegalvírus e HIV.1,5,6,7 Tem como manifestações clínicas a ulceração cutânea, púrpura, necrose, autoamputação de dedos, nódulos subcutâneos, livedo reticular, fenômeno de Raynaud, isquemia digital, eritema nodoso, artralgia, mialgia, neuropatia periférica, miosite e sintomas constitucionais, como febre, emagrecimento e mal-estar.1,5,8,9,10,11 Não existe exame específico para diagnóstico de certeza, tornando-o muitas vezes difícil, com base apenas em forte evidência clínica e histopatologia da pele.1 Em relação às alterações histopatológicas, podemos encontrar reação inflamatória com necrose fibrinoide em paredes dos vasos afetados, com células linfomononucleares, neutrófilos e poucos eosinófilos.5 O tratamento varia conforme a gravidade do caso, sendo preconizado o uso de corticosteroides e imunossupressores.1,5 Deve ser feita profilaxia secundária com Penicilina G Benzatina visando evitar novos episódios de PAN cutânea após a exposição com o estreptococo.1,4 A doença tem um curso benigno e crônico, apresentando recidivas e remissões.1,4,11 O objetivo deste trabalho é relatar um caso de PAN cutânea grave e de difícil controle, com provável associação estreptocócica, em adolescente acompanhada no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV). Relato de caso N. L. S., sexo feminino, 12 anos, parda, natural e procedente de Manacapuru/AM, católica, estudante. Foi admitida no Serviço de Reumatologia do HUGV em janeiro de 2009, com quadro de febre, lesões eritemato-violáceas dolorosas em membros superiores e inferiores. Evoluiu com cianose de extremidades, gangrena e autoamputação de dois quirodáctilos, artrite de tornozelos, parestesia em bota bilateral, livedo reticulares em membros inferiores e mialgia. Apresentou dor em abdome superior, tipo cólica, não relacionada à ingesta alimentar, sem irradiação, aliviada com analgésico comum. Na história patológica pregressa relatou episódio de faringoamigdalite, três semanas antes do quadro, tratada com Penicilina G Benzatina 1.200.000 UI por 15 dias consecutivos, além de sinusite e amigdalite de repetição. História familiar: pai: faringoamigdalite de repetição, irmã gêmea: asma. Ao exame físico apresentava lesões eritematovioláceas em pés, tornozelos, perna direita, joelho esquerdo, mãos, punho e cotovelo esquerdo e posteriormente gangrena de extremidades distais de quirodáctilos (Figuras 1 e 2). Figura 1: Lesões eritemato-violáceas em planta e região lateral dos pés, com cianose de primeiro, segundo e quinto pododáctilos esquerdos. | 59 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Prado et al Figura 2: Necrose de segundo quirodáctilo direito e de quinto quirodáctilo esquerdo, além de lesões eritemato-violácias em palma das mãos. Tabela 1: Exames realizados | 60 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 POLIARTERITE NODOSA CUTÂNEA GRAVE E DE DIFÍCIL CONTROLE EM ADOLESCENTE APÓS FARINGOAMIGDALITE ESTREPTOCÓCICA Histopatológico da pele na fase aguda (biópsia em lesões de tornozelo direito): vasculite da derme profunda com padrão de vasculite necrosante fibrinoide transmural e exsudato inflamatório rico em neutrófilos e eosinófilos, com granuloma epitelioide. Biópsia de músculo: miosite. Histopatológico de nervo sural (fase crônica): estrutura nervosa de aspecto histológico habitual, notando-se nas artérias, ao redor, espessamento do endotélio a par de infiltrado inflamatório constituído predominantemente por linfócitos: arterite linfocítica compatível com PAN. Discussão A PAN cutânea é uma forma particular de vasculite, que acomete pequenas e médias artérias, caracteristicamente sem envolvimento sistêmico.4,5,7 A paciente relatada realizou inúmeros exames complementares que afastaram acometimento sistêmico. Essa vasculite apresenta curso benigno da doença, porém tem caráter crônico recidivante,1,4,6 como a paciente em questão, necessitando algumas vezes de novas internações hospitalares. A etiologia é desconhecida, sabendo-se que há De acordo com os dados clínicos, epidemiológi- uma predisposição genética associada a múlticos, laboratoriais, radiológicos e histolopa- plos eventos desencadeantes.7 No caso apresentológico da pele, admitiu-se o diagnóstico de tado, a paciente tinha história epidemiológica PAN cutânea. fortemente positiva, com relato de amigdalites de repetição. Foi realizado pulsoterapia de metilprednisolona, com melhora parcial das lesões da pele, que O quadro clínico manifesta-se por nódulos cutârecidivaram após algumas semanas, sendo, en- neos e subcutâneos, livedo reticular, ulcerações tão, iniciado ciclofosfamida e, posteriormente, e gangrena. As manifestações extracutâneas imunoglobulina venosa, pela refratariedade ao mais comuns são mialgia, principalmente em imunossupressor. panturrilhas, por conta da miosite, parestesias, neurites dolorosas e mononeurite multiplex.5,8 Recebeu alta com melhora parcial das lesões Artrite não erosiva, artralgia e febre também cutâneas, manteve corticoterapia (prednisona, são frequentes.5,8 A paciente do caso apresen40 mg/dia), completou 12 ciclos de pulsoterapia tava a maioria desses sinais e sintomas. com ciclofosfamida e foi prescrita profilaxia secundária com Penicilina G Benzatina 1.200.000UI O exame histológico da pele é variável e gerala cada 21 dias. mente denota vasculite necrotizante de pequenos e médios vasos da derme profunda e tecido A paciente não aderiu à profilaxia secundária e celular subcutâneo associado à paniculite lobumanteve episódios de exacerbação da doença. lar focal.1,2,5 O infiltrado é variável, encontranFoi, então, optado pela terapia com Rituximabe do-se predomínio de neutrófilos na fase aguda (500 mg/semana, 4 doses), obtendo boa respos- e linfócitos e histiócitos na fase crônica.9 A ta clínica (Figura 3). biópsia da pele apresentava as características supracitadas, com predomínio de neutrófilos, demonstrando que ela encontrava-se na fase aguda da doença e após 12 meses a biópsia de nervo sural identificou presença de infiltrado linfocitário. Figura 3: Ausência de lesões cutâneas quatro meses após terapia com Rituximabe. Na imagem encontramos autoamputação do segundo quirodáctilo D e quinto quirodáctilo esquerdo. O tratamento é variável, podendo ser usado anti-inflamatórios não esteroides, salicilato, hidroxicloroquina, pentoxifilina, colchicina, dapsona, sulfassalazina e metotrexate.1,5,6,9,11 Em caso de refratariedade ou em quadros mais graves está indicado o uso de corticoides, devendo ser mantido até o desaparecimento das | 61 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Prado et al lesões cutâneas.1,5,6,9 O uso de imunossupressores e de imunoglobulina está reservado para as formas mais graves e refratárias ao corticoide em altas doses.1,6 na infância com gangrena digital e possível envolvimento com estreptococos beta-hemolítico do grupo A: Relato de caso e revisão de literatura. Rev Brasil Reumatol. 2008; 48(2): 111-117. No caso clínico relatado, a paciente necessitou do uso de corticoide, ciclofosfamida, imunoglobulina venosa e rituximabe pela gravidade e a refratariedade do quadro, evoluindo com melhora substancial. 6. Maillard H, Szczesniak S, Martin L et al. Périartérite nouese cutanée: Particularités diagnostiques et thérapeutiques de 9 cas. Ann Dermatol Venereol. 1999; 126: 125-129. Foi prescrita, também, profilaxia secundária com Penicilina Benzatina, porém não houve boa aderência, o que poderia explicar as inúmeras recidivas do quadro vasculítico. Conclusão 7. Choi SW, Lew S, Cho SD, Cha HJ, Eum EA, Jung HC et al. Cutaneous poliarteritis nodosa presented with digital gangrene: a case report. J Korean Med Sci. 2006; 21(2): 371-73. 8. Fitzgerald DA, Verbov JL. Cutaneous Poliarteritis Nodosa. Arch Dis Child. 1996; 74(4): 367. A PAN cutânea é uma doença rara, de difícil diagnóstico e de caráter crônico-recidivante. De 9. Misago N, Mochizuk Y, Sekiyama-Kodera H, acordo com os dados epidemiológicos, clínica Shirotani M, Suzuki K, Inokuchi A et al. Cutaneous e exames realizados, foi estabelecido o diag- Poliarteritis Nodosa: therapy and clinical course nóstico de PAN cutânea pós-estreptocócica. in four cases. J Dermatol. 2001; 28(12): 719-27. A paciente não aderiu à profilaxia secundária e apresentou inúmeras recidivas. Obteve boa 10. Morgan AJ, Schwartz RA. Cutaneous resposta ao uso do Rituximabe e mantém polyarteritis nodosa: a comprehensive review. acompanhamento no ambulatório do Serviço International Journal of Dermatology. 2010; 49: de Reumatologia da Universidade Federal do 750-756. Amazonas, no momento em remissão da doen11. Nakamura T, Kanazawa N, Ikeda T, ça. Yamamoto Y, Nakabayashi K, Ozaki S et al. Cutaneous polyarteritis nodosa: revisiting Referências its definition and diagnostic criteria. Arch 1. Camões AC, Marques S, Pacheco MH, Malhado Dermatol Res. 2009; 301(1): 117-21. J. 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Poliarterite nodosa cutânea | 62 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Ferreira et al A RELAÇÃO ENTRE DOR TORÁCICA, BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO TRANSITÓRIO E PONTE MIOCÁRDICA: RELATO DE CASO THE RELATIONSHIP BETWEEN CHEST PAIN, LEFT BUNDLE BRANCH BLOCK TRANSITIONAL AND MYOCARDIAL BRIDGE: CASE REPORT José Ricardo Ferreira*, Marlúcia Nascimento Nobre****, Simora S. Morais*, Kelly Simone C. dos Santos*, Jaime G. A. Maldonado**, Tatiane L. Aquiar*** Resumo A ponte miocárdica constitui um dos principais diagnósticos diferenciais de doença arterial coronariana. Entretanto, ainda é subdiagnosticada. A significância clínica da ponte de miocárdio é variável e a maioria dos pacientes é assintomática. Contudo, angina, infarto agudo do miocárdio, fibrilação ventricular, isquemia miocárdica, arritmias cardíacas e morte súbita têm sido relatados em associação às pontes de miocárdio. Relatamos o caso de um paciente admitido no prontosocorro com queixa de dor torácica associada a bloqueio de ramo esquerdo transitório que, após cineangiocoronariografia, demonstrou ponte miocárdica e artérias coronárias normais. Palavras-chave: Ponte miocárdica, dor torácica, bloqueio de ramo esquerdo. Abstract The myocardial bridge is one of the main differential diagnosis of arterial coronary disease. However, it is still underdiagnosed. The clinical significance of myocardial bridge is variable, and most patients are asymptomatic. However, angina, acute myocardial infarction, ventricular fibrillation, myocardial ischemia, cardiac arrhythmias and sudden death have been reported in association with myocardial bridges. We report the case of a patient admitted at the emergency complaining of chest pain, associated with left bundle branch block transitional after coronary angiography demonstrated that myocardial bridge and normal coronary arteries. Keywords: Myocardial bridge, chest pain, left bundle branch block. Introdução As pontes de miocárdio (PM) são formações musculares que, partindo do miocárdio ventricular, cobrem as artérias coronárias.1 Acomete geralmente a artéria descendente anterior esquerda (DAE), em que um ou mais feixes de miocárdio cruzam ou envolvem um segmento de artéria coronária epicárdica, a qual atravessa a porção intramural do miocárdio, abaixo da ponte muscular.2 É uma variante anatômica pouco comum no ser humano, embora não seja raridade.3 Alguns autores sugerem que as pontes de miocár- * Residente de Cardiologia do HUGV/HUFM ** Especialista em Arritmologia/Eletrofisiologia e preceptor de Cardiologia do HUGV/HUFM *** Preceptora de Cardiologia do HUGV/HUFM **** Preceptora e chefe do Serviço de Cardiologia do HUGV/HUFM | 63 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 A RELAÇÃO ENTRE DOR TORÁCICA, BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO TRANSITÓRIO E PONTE MIOCÁRDICA: RELATO DE CASO dio sejam formadas no período embrionário, no mesmo tempo da formação das artérias coronárias da rede capilar original.4 Outros autores acreditam que a ponte de miocárdio não é uma variação anatômica, mas sim um defeito na reabsorção da musculatura que rodeia as artérias que deveriam ser epicárdicas.5 miocárdica como diagnóstico diferencial em pacientes sem fatores de risco para DAC que se apresentam com quadro clínico de dor torácica, associado a bloqueio de ramo esquerdo transitório no eletrocardiograma. A PM constitui um dos principais diagnósticos diferenciais de doença arterial coronariana (DAC), podendo manifestar-se como angina de peito típica ou atípica e, mais raramente, infarto agudo do miocárdio (IAM) ou morte súbita.2 Paciente do sexo masculino, 47 anos, natural e procedente de Manaus, procurou o pronto-socorro (PS) com quadro clínico de dor torácica, intermitente, com duração de 15 minutos, iniciada e aliviada espontaneamente. Após a realização do eletrocardiograma (Figura 1) e dosagem de enzimas cardíacas seriadas, que se mostraram dentro dos padrões de normalidade, o paciente foi liberado com sintomáticos. Retornou ao PS após dois dias com novo episódio de desconforto torácico associado à présíncope, sendo identificado bloqueio completo de ramo esquerdo no ECG (Figura 2) que, após administração de nitrato sublingual, tornou-se assintomático e com eletrocardiograma normal. Ainda é subdiagnosticada em função de apenas uma minoria dos pacientes apresentaremse sintomáticos, da falta de disponibilidade e, consequentemente, do uso restrito de métodos diagnósticos de maior acurácia, fazendo com que seus mecanismos fisiopatológicos e sua terapêutica ainda não tenham sido completamente elucidados.2 O objetivo deste relato é caracterizar a ponte Relato do caso Figura 1: ECG dentro dos padrões de normalidade Figura 2: ECG apresentando Blqueio de Ramo Esquerdo | 64 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Ferreira et al Novamente foi realizado o protocolo de dor torácica com dosagem seriadas de enzimas cardíacas (Creatinofosfoquinase MB e Troponina) que se mantiveram dentro dos padrões de normalidade. lidade segmentar e na fração de ejeção. O Teste Ergométrico foi realizado com o protocolo de Bruce, sendo atingida a frequência submáxima, e não se observado alterações hemodinâmicas, clínicas e eletrocardiográficas para isquemia. O paciente foi transferido para o hospital de referência em Cardiologia do Estado do Amazonas para investigação diagnóstica. O Holter de 24 horas não demonstrou presença de pausas, extrassístoles e outras arritmias. Na história clínica, não foi evidenciada a presença de fatores de risco para DAC e o exame Por conta da permanência da dor torácica, e físico se apresentava normal. da normalidade dos exames complementares não invasivos, foi solicitado a cineangiocoroRealizado Ecocardiograma Transtorácico (ECO nariografia (CAT). TT), Teste Ergométrico e Holter de 24 horas para elucidação diagnóstica. O CAT (Figura 3) não demonstrou obstrução nas coronárias, mas visualizou ponte miocárdica no O ECO TT não evidenciou alteração na contrati- ponto médio da coronária descendente anterior. Figura 3: Cineangiocoronariografia ilustrando a Ponte miocárdica em terço médio da Descendente Anterior. Durante o período de internação, o paciente permaneceu sintomático sendo iniciado bloqueador do canal de cálcio (diltiazem), como terapêutica inicial. Evoluiu com melhora dos sintomas recebendo alta hospitalar, com orientação psicológica e seguimento ambulatorial. Discussão A ponte miocárdica é uma patologia relativamente comum na população geral, geralmente benigna, acometendo principalmente pacientes com baixo risco para DAC; entretanto, quando sintomáticas, manifestam-se na forma de angina instável ou estável, arritmias cardíacas (taquicardia ventricular e taquicardia supraventricular), IAM e morte súbita, sendo os dois últimos de ocorrência rara.6-8 O diagnóstico clínico de pontes miocárdicas deve ser considerado em pacientes com sintomas anginosos, na ausência de fatores de risco ou evidências de isquemia.9 Apesar de ser uma malformação presente desde o nascimento, a ocorrência de sintomas não se desenvolve antes | 65 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 A RELAÇÃO ENTRE DOR TORÁCICA, BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO TRANSITÓRIO E PONTE MIOCÁRDICA: RELATO DE CASO da terceira década de vida.2 mentada.13 A DAE é a mais comumente envolvida.7 O achado angiográfico típico da PM é a redução sistólica do diâmetro da artéria coronária epicárdica e persistência da redução durante a diástole.10 Sua natureza transitória e a dinâmica da obstrução auxiliam no diagnóstico diferencial de estenoses coronarianas fixas.2 Esse paciente não apresentava dor torácica típica e na história clínica não se observavam fatores de risco para DAC, sendo a valorização desses dados a razão para não realização da terapêutica específica para IAM. Neste relato de caso observamos algumas características relatadas na literatura como a artéria coronariana mais acometida, a utilização de drogas sugeridas para o tratamento e a apresentação clínica de dor torácica em um paciente sem fatores de risco para DAC. Referências Em conclusão, este caso clínico ilustra várias características encontradas na O tratamento de pontes de miocárdio deve ser literatura a respeito de ponte miocárdirestrito a pacientes sintomáticos e está baseado ca e a sugere como diagnóstico diferencial de primariamente na abordagem farmacológica. dor torácica no pronto atendimento. Os ß-bloqueadores são geralmente a terapia de primeira linha sendo os bloqueadores de canais Demonstra que a associação de dor torácica e BRE transitório pode não ser somente quadro de cálcio uma alternativa.11 clínico de IAM e coloca a ponte miocárdica Outros procedimentos terapêuticos são a colo- como uma das possibilidades diagnósticas em pacientes jovens sem fatores de risco para DAC. cação de stents e cirurgia.11 O ponto importante nesse caso é a possibilidade de conduzir esse paciente como IAM, no OS, uma vez que a apresentação clínica foi de torácica associado a novo BRE no ECG. O BRE está comumente associado à doença estrutural cardíaca, sendo raro em indivíduos normais. Entre as causas principais temos a cardiopatia isquêmica, a hipertensão arterial sistêmica, as miocardiopatias e a valvopatia aórtica.12 O reconhecimento no ECG de supradesnivelamento do segmento ST > 1,0 mm em derivações contíguas no plano frontal, o bloqueio de ramo esquerdo novo ou o supradesnivelamento do segmento ST > 2,0 mm em derivações precordiais sugere alta probabilidade de IAM.13 A obtenção de história detalhada das características da dor auxilia muito no diagnóstico, sendo de grande importância a avaliação da presença de fatores de risco para doença arterial coronária, infarto prévio e doença aterosclerótica já docu- 1. Lima e cols. Pontes de miocárdio e o ramo interventricular anterior. Arq Bras Cardiol. 2002; 79(3): 215-8. 2. Pereira e cols. Ponte miocárdica: evolução clínica e terapêutica. Arq Bras Cardiol. 2010; 94(2): 188-194. 3. Chansky M, Perez AR, Lima N. Infarto agudo do miocárdio em adulto jovem, portador de ponte miocárdica e artérias coronárias normais. 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Arq Bras Cardiol. 2009; 93(supl.2): 179-264. | 67 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Westphal et al CISTO BRONCOGÊNICO TRATADO POR CATETER POLIETILENO BIOCOMPATÍVEL DE CONFIGURAÇÃO “PIGTAIL” GUIADO POR TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE TÓRAX BRONCHOGENIC CYST TREATED BY BIOCOMPATIBLE POLYETHYLENE CATHETER CONFIGURATION “PIGTAIL” GUIDED BY COMPUTED TOMOGRAPHY Fernando Luiz Westphal*, Cristiane Paulain David**, Luiz Carlos de Lima***, José Corrêa Lima Netto***, Mônica de Sá Pinheiro**** Resumo O cisto broncogênico é uma malformação congênita benigna comum, usualmente descoberta na idade adulta. O tratamento cirúrgico, quando indicado, é a ressecção da lesão por toracotomia, videotoracoscopia ou mediastinoscopia. Descrevemos aqui um caso de cisto broncogênico em um paciente de 28 anos, que apresentou quadro de pneumonia em pulmão esquerdo associado a derrame pleural. Ao seguimento do tratamento clínico a radiografia de tórax evidenciou uma coleção pleural, na região inferior do hemitórax esquerdo, justa diafragmática. Foi realizada a drenagem percutânea do cisto com cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail”, guiado por tomografia computadorizada, relataremos uma breve revisão e discussão da literatura. Palavras-chave: Cisto broncogênico, cateter, tomografia computadorizada. Abstract The bronchogenic cyst is a common benign congenital malformation, usually discovered in adulthood. Surgical treatment, when indicated, is the resection by thoracotomy, mediastinoscopy or thoracoscopy. We describe a case of bronchogenic cyst in a patient of 28 years, who developed pneumonia and pleural effusion in the left lung in association with pleural effusion. Follow up of the clinical treatment chest radiography revealed a pleural collection, in the lower left hemithorax, next to diaphragma. Percutaneous drainage of the cyst was performed with biocompatible polyethylene catheter configuration “Pigtail”, guided by computed tomography; we report a brief review and discussion of literature. Keywords: Bronchogenic cyst, catheter, computed tomography. * Cirurgião Torácico e Coordenador de Ensino e Pesquisa do HUGV **Médica Radiologista do Hospital Beneficente Portuguesa *** Cirurgião Torácico do HUGV ****Acadêmica da Medicina da Universidade Estadual do Amazonas | 68 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 CISTO BRONCOGÊNICO TRATADO POR CATETER POLIETILENO BIOCOMPATÍVEL DE CONFIGURAÇÃO “PIGTAIL“ GUIADOPOR TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE TÓRAX Introdução Os cistos broncogênicos (CB) são de origem congênita e têm caráter benigno, usualmente descoberto na fase adulta, geralmente causados por malformação no desenvolvimento embriológico do intestino anterior ou cavidade celômica. A localização pode ser no mediastino ou parênquima pulmonar e raramente em locais extratorácicos.1 A incidência é semelhante em homens e mulheres,2 morfologicamente são envolvidos por uma parede fina, revestidos por uma coluna de epitélio ciliado, podendo conter cartilagem e são preenchidos com material mucoide, circundados por tecido muscular e fibrose. Eles são geralmente uniloculares, entretanto pode conter trabeculação interna.3 Apresentamos, a seguir, um caso de cisto broncogênico em um adulto, tratado por cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail” orientado por tomografia computadorizada de tórax. Relato de caso Paciente masculino, 28 anos, branco, publicitário, procedente de Manaus/AM, foi admitido no Serviço de Cirurgia Torácica com pneumonia lobar inferior no pulmão esquerdo, associado a extenso derrame pleural. O exame físico apresentou murmúrio vesicular diminuído em base esquerda. Houve resolução do processo infeccioso, assim como do derrame pleural. Entretanto, a radiografia de tórax demonstrou uma coleção pleural, na região inferior do hemitórax Os cistos broncogênicos em geral são assin- esquerdo, justa diafragmática, persistente nos tomáticos e, quando não, dependendo de sua meses seguintes, a despeito da melhora clínilocalização, podem apresentar complicações, ca. A tomografia computadorizada apresentou tais como hemorragia intracística, ruptura, in- uma lesão cística, redonda de contornos regufecção, metaplasias, compressão de órgãos ad- lares com parede imperceptível e coeficiente jacentes ou comunicação com as vias aéreas.4 A de atenuação radiológica uniforme, medindo indicação cirúrgica deve ser realizada precoce- 32 mm x 55 mm em mediastino posterior do mente em função da alta incidência das compli- hemitórax esquerdo (Figura 1). cações referidas. 1A 1B Figura 1A: Tomografia computadorizada de tórax revelando lesão cística paraesofagiana esquerda. Em 1B, TAC após a colocação do cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail”. O tratamento instituído, após sete meses do episódio de pneumonia, foi a drenagem percutânea do cisto com cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail”, guiado por tomografia computadorizada (Figura 2). Esse procedimento foi realizado no centro radiológico sob anestesia local com obtenção de cerca de 60 ml de líquido espesso de cor esverdeada. Após 20 dias, foi retirado o cateter, com boa resolução do quadro e expansão pulmonar completa visualizada à radiografia de tórax (Figura 2). Durante o período de observação de um ano, não houve recidiva do cisto. | 69 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Westphal et al Figura 2: Drenagem percutânea do cisto com cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail”, guiado por tomografia computadorizada e radiografia de tórax posteroanterior após retirada do cateter evidenciando expansão pulmonar completa. Discussão Estando entre as afecções que acometem o mediastino, os CBs são lesões comuns derivadas do sequestro de células do sulco laringotraqueal entre 26 e 40 dias de vida intrauterinos.5 Eles são revestidos por epitélio pseudoestratificado ciliado, com extensas áreas ulceradas, tendo na sua parede fibras musculares lisas e focos de cartilagem, podendo conter glândulas mucosas que permitem classificá-los como CBs.6 Podem localizar-se em posições distintas: paratraqueal, carinal, hilar, paraesofagiano e diafragmática, pré-esternal, pericárdio, pescoço, abdome ou ainda ocorrer numa forma mista intrapulmonar e infradiafragmática.2,7 A localização mais frequente foi a paratraqueal.2,5 No caso relatado, o CB localizava-se na região paraesofágica esquerda. A radiografia de tórax geralmente é o exame inicial que evidencia lesão expansiva radiodensa, em localizações variáveis, podendo mudar de conformação em diferentes posições (p. ex.: decúbito dorsal e ortostase), principalmente nos pacientes assintomáticos. A TAC é essencial para avaliação das lesões císticas intratorácicas, visto que permitem a medição da densidade do conteúdo, assim como a sua relação com as estruturas circunjacentes, cumprindo papel fundamental no diagnóstico e planejamento terapêutico. A ultrassonografia (US) apresenta maior importância no grupo pediátrico, evitando o uso de radiação ionizante nesses pacientes. Esse procedimento, em regra, mostra lesão anecoica homogênea (cística), bem delimitada e geralmente confinada a um ou mais dos espaços mediastinais. A RM pode ser útil na diferenciação entre lesões císticas e sólidas, em virtude do alto sinal nas sequências ponderadas em T2 observado nas lesões císticas. Dos métodos comentados, destaca-se a TC, por sua alta sensibilidade e relativa disponibilidade.1,4 O exame utilizado para diagnóstico e orientação terapêutica nesse paciente foi a TAC de tórax, maioria dos CBs é assintomática, entretanto eles podem cursar com sintomas compressivos, principalmente nas crianças nas quais a caixa torácica é pequena propiciando a compressão das estruturas nelas contidas. Os sintomas infecciosos tais como febre, tosse produtiva e dor torácica ocorrem quando o CB comunica-se com árvore respiratória tornando-se contaminadas pelo contato com o ar. A hemoptise pode ocorrer em alguns casos, assim como a degeneração maligna. Eles podem formar fístula em comunicação com a traqueia, cavidade pericárdica, ou na cavidade pleural. Neste caso, o cisto foi um achado ocasional ao exame radiográfico consequente a pneumonia.8,9 O tratamento dos CBs pode ser realizado por toracotomia convencional, videotoracoscopia, mediastinoscopia e drenagem mediastinal do cisto. Tradicionalmente as cirurgias torácicas ditas convencionais (toracotomias) são realizadas mediante incisão cirúrgica e abertura da cavidade com exposição do pulmão e demais órgãos | 70 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 CISTO BRONCOGÊNICO TRATADO POR CATETER POLIETILENO BIOCOMPATÍVEL DE CONFIGURAÇÃO “PIGTAIL“ GUIADOPOR TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE TÓRAX internos. Mais recentemente, com o desenvolvimento das técnicas de videotoracoscópicas, podemos obter a visualização do cisto pela introdução de uma pequena câmera de vídeo, além de duas ou três pequenas incisões por onde se introduzem pinças, tesouras e outros materiais, que permitem um procedimento seguro e muito menos agressivo. A abordagem por mediastinoscopia foi descrita há 30 anos, por Ginsberg, e representa uma alternativa cirúrgica de menor morbidade e com excelentes resultados na literatura e deve ser considerada nos casos com indicação precisa, tem um potencial mínimo de complicações quando realizados por profissionais experientes. No entanto, por razões pouco claras, esse procedimento não se popularizou entre os cirurgiões torácicos, que utilizam principalmente a toracotomia ou a ressecção por videotoracoscopia.2 O uso da técnica de drenagem mediastinal do cisto por meio de cateter tem sido usado como método terapêutico menos invasivo; no entanto, a literatura relata maior probabilidade de haver recorrência do cisto.10 A técnica utilizada neste caso foi a drenagem por cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail” orientado por tomografia computadorizada, não houve recorrência em um período de um ano de observação. Em conclusão, o tratamento do CB por cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail” orientado por tomografia computadorizada, pode ser uma alternativa minimamente invasiva, realizado com anestesia local em nível ambulatorial com baixa taxa de morbidade. bronchogenic cysts by video-assisted thoracoscopy. Arch Bronconeumol. 2008; 44: 220-3. 4. Lee DH, Park CK, Kum DY, Kim JB, Hwang I. Clinical Characteristics and Management of Intrathoracic Bronchogenic Cysts: A Single Center Experience. Korean J Thorac Cardiovasc Surg. 2011; 44: 279-284. 5. Westphal FL, Menezes AQ, Magalhães RAG. Cisto Broncogênico Intradiafragmático. J Pneumol. 2003; 29(3)-mai-jun. 6. Lima NF, Dias GM, Carvalho AA. Cisto broncogênico complicado por mediastinite e empiema contralateral. J Bras Pneumol. 2004; 30(1) 56-9. 7. Ochsner JL, M D, SF Ochsner. Congenital Cysts of the Mediastinum: 20-Year Experience with 42 Cases. From the Departments of Surgery and Radiology, Ochsner Clinic, New Orleans. Annals of Surgery June; 1966. 8. Sarper A, Fak AUT, Dali GCA. Bronchogenic Cyst © 2003 by the Texas Heart ® Institute, Houston. 9. Patel SR, Meeker DP, Biscotti CV, Kirby TJ, Rice TW. Bronchogenic Cysts in the Adult Presentation and Management of Chest. 1994; 106; 79-85. DOI 10.1378/chest. 106.1.79. 10. Sisternes MM, Serrano JF. Drainage of a Mediastinal Cyst by Endobronchial UltrasoundGuided Needle Aspiration. Letters to the Editor / Arch Bronconeumol. 2010; 46(4): 206-212. Referências 1. Vilela TT, Daher RT, Nóbrega MDA, Ximenes Filho AS, Montadon C, Montadon Jr ME, Cistos congênitos do mediastino: Aspecto de imagem. Radiol Bras. 2009; 42(1): 57-62. 2. Brandão DS, Boasquevisque CHR, Haddad R, Ponzio ES. Tratamento cirúrgico de cisto broncogênico paratraqueal por mediastinoscopia cervical. J Bras Pneumol. 2005; 31(4): 365-7. 3. Meechán RJ, Congregado LM, Gallardo VG, Ayarra JJ, Loscertales J. Resection of 8 mediastinal | 71 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Westphal et al MEDIASTINITE DESCENDENTE NECROSANTE OCASIONADA POR AMIGDALITE E EXTRAÇÃO DENTÁRIA: RELATO DE CASOS DESCENDING NECROTIZING MEDIASTINITIS CAUSED BY TONSILLITIS AND TOOTH EXTRACTION:CASE REP ORTS Fernando Luiz Westphal*, Luiz Carlos de Lima**, José Corrêa Lima Netto**, Eucides Batista da Silva***, Márcia Santos Silva****, Luciane Sayuri Neves de Oliveira Hagiwara***** Resumo A mediastinite descendente necrosante (MDN), definida pelo processo inflamatório e infeccioso do mediastino com disseminação para estruturas subjacentes, é uma complicação rara de infecções orofaríngeas e apresenta alta morbi-mortalidade. Neste trabalho, relatamos dois casos de pacientes com diagnóstico de MDN secundária a infecções da cavidade oral. Um dos pacientes apresentava como foco primário um quadro de amigdalite aguda e a outra paciente iniciou o quadro após exodontia. Ambos os pacientes foram submetidos à bitoracotomia anterior com internação em UTI. Um dos pacientes evoluiu para o óbito no 38.º dia de internação hospitalar. A outra paciente recebeu alta no 77.º dia. Palavras-chave: Mediastinite, complicações, amigdalite, exodontia. Abstract Descending necrotizing mediastinitis (DNM), defined by the spread of inflammation and infection to the mediastinum and underlying structures, is a rare complication of oropharyngeal infections and has high morbidity and mortality. We report two cases of DNM secondary to oral cavity infections. One of the patients had an acute tonsillitis as primary focus while the other one started the infection after an tooth extraction. Both patients underwent anterior bilateral thoracotomy and admission to the ICU. One of the patients died within 38 days of hospitalization. The other patient was discharged on the 77th day. Keywords: Mediastinitis, complications, tonsillitis, tooth extraction. * Cirurgião Torácico e coordenador de Ensino e Pesquisa do HUGV ** Cirurgião torácico do HUGV *** Infectologista e médico da UTI do HUGV **** Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do HUGV ***** Médica Residente do Serviço de Cirurgia Geral da Fundação Hospital Adriano Jorge | 72 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 MEDIASTINITE DESCENDENTE NEROSANTE OCASIONADA POR AMIGDALITE E EXTRAÇÃO DENTÁRIA: RELATO DE CASOS Introdução Mediastinite descendente necrosante (MDN) define-se por processo infeccioso dos tecidos conectivos do mediastino, podendo ser agudo ou crônico.¹ Apesar de apresentarem baixa incidência, possuem alta morbi-mortalidade, principalmente ao que se refere aos casos agudos. Dentre suas causas incluem-se pós-operatório de cirurgia cardíaca, nas quais se utiliza como via de acesso a esternotomia, causas esofágicas, tais como a ruptura esofágica espontânea (Síndrome de Boerhaave), corpos estranhos e, em menor escala, processos infecciosos orofaríngeos e cervicais.2 Tais focos infecciosos podem disseminar-se rapidamente através das fáscias cervicais superficiais e profundas, atingindo as mediastinais e ocasionando empiema pleural e piopericárdio com grande repercussão sistêmica. O objetivo deste trabalho é apresentar dois casos de MDN, sendo um causado por infecção amigdaliana e outro por infecção pós-exodontia. Caso clínico 1 serviço de pronto-socorro com história de dois dias de evolução com dor e edema em região cervical e facial. Em sua história patológica pregressa, referiu quadro infeccioso orofaríngeo diagnosticado havia sete dias como amigdalite, em outra unidade de saúde, porém, fez uso de antibiótico endovenoso (cefalotina) por apenas um dia e evadiu-se. Ao exame físico, encontrava-se hipocorado, febril, taquicárdico, com queda do estado geral e com sinais de sepse. Edema facial e cervical mais intenso à esquerda. À ausculta pulmonar, apresentava diminuição de murmúrio vesicular à direita. A radiografia de tórax evidenciou derrame pleural à D, alargamento de mediastino e de silhueta cardíaca (Figura 1). Posteriormente, realizou-se uma tomografia computadorizada (TC) de tórax que evidenciou extenso enfisema de subcutâneo e de planos musculares em região cervical e hemitórax esquerdo, com ar esparso em mediastino superior e derrame pleural à direita, consolidação atelectásica inferior direita, alveolar medial e superior em lobo inferior esquerdo e padrão em vidro fosco com sinais de congestão em lobo superior direito e médio (Figura 1). Paciente masculino, 27 anos, admitido em Figura 1: À esquerda: radiografia de tórax com derrame pleural à direita, alargamento de mediastino e de silhueta cardíaca. À direita: tomografia de tórax com enfisema subcutâneo em cervical, hemitórax esquerdo, mediastino superior e derrame pleural à direita. Em relação às alterações laboratoriais, constavam leucocitose de 27.450 cel/mm³, ureia de 85 mg/dL e creatinina de 3,14 mg/dL à admissão. O paciente foi então submetido à toracotomia anterior bilateral, pericardiotomia, mediastinotomia bilateral, cervicotomia exploradora, fasciotomia dorsal esquerda e drenagem torácica fechada em selo d’água com dois tubos em cada hemitórax. Após o procedimento cirúrgico, foi admitido em unidade de terapia intensiva (UTI), sob ventilação mecânica, toxemiado e febril. Ecocardiograma evidenciou derrame pericárdico discre- | 73 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Westphal et al to, relacionado às cavidades direitas e válvula tricúspide normal com leve refluxo ao Doppler Color, ambos sem repercussão clínica. Tentativa de desmame ventilatório não obteve sucesso. Manteve os parâmetros de sepse e evoluiu com instabilidade hemodinâmica e dificuldade respiratória, apesar da instituição de antibioticoterapia de amplo espectro (vancomicina associada à piperacilina+tazobactam). No 11.º dia de internação hospitalar (DIH) (9.º DIH em UTI) foi realizada nova TC de tórax, cujo laudo referia enfisema subcutâneo em planos musculares cervicais e em hemitórax esquerdo, pequena quantidade de ar esparso em mediastino superior, pequeno derrame pleural e pneumotórax bilateral e sinais congestivos em lobos inferiores (Figura 2). Novo ecocardiograma sem sinais de derrame pericárdico. Figura 2: Tomografia de tórax evidenciando enfisema subcutâneo em planos musculares cervicais e em hemitórax esquerdo, pequena quantidade de ar esparso em mediastino superior, pequeno derrame pleural e pneumotórax bilateral e sinais de congestão em lobos inferiores. Realizadas traqueostomia e broncoscopia no 20.º e 34.º DIH, respectivamente, sem sinais de fístula traqueoesofágica. Os parâmetros hematimétricos e bioquímicos oscilaram entre períodos de normalidade e alterações, sendo a leucocitose o maior destaque. A leucometria variou de 2.920 a 32.530 cel/mm³ e manteve-se o quadro de insuficiência renal. No 38.º DIH em UTI, apesar de transfusões de sangue, utilização de drogas vasoativas em doses elevadas e antibioticoterapia de amplo espectro, o choque séptico se mostrou refratário às medidas de reanimação e evoluiu para falência de múltiplos órgãos, resultando em óbito. Caso clínico 2 Paciente feminino, 32 anos, deu entrada no serviço de pronto-socorro com história de abscesso gengival após exodontia havia sete dias, evoluindo com edema e dor em região submandibular e cervical associada à febre alta e queda do estado geral. Ao exame físico apresentava-se normocorada, dispneica, acianótica, febril, ausculta pulmonar com estertores crepitantes difusos e diminuição do murmúrio vesicular em hemitórax esquerdo. Ausculta cardíaca sem alterações. A radiografia de tórax mostrou hipotransparência em terço médio e inferior esquerdo com alargamento de mediastino superior e a TC de tórax evidenciou derrame pleural bilateral com enfisema e sinais de coleção mediastinal (Figura 3). | 74 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 MEDIASTINITE DESCENDENTE NEROSANTE OCASIONADA POR AMIGDALITE E EXTRAÇÃO DENTÁRIA: RELATO DE CASOS Figura 3: À esquerda: raio-x de tórax evidenciando hipotransparência em terço médio e inferior esquerdo com alargamento de mediastino superior. À direita: tomografia computadorizada de tórax evidenciando derrame pleural bilateral, enfisema e sinais de coleção mediastinal. A paciente foi submetida à toracotomia anterior bilateral e drenagem torácica fechada em selo d’ água com dois tubos em cada hemitórax e encaminhada ao Serviço de Terapia Intensiva. Evoluiu com melhora parcial, recebendo alta da UTI após 27 dias. Transferida ao Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas, foi submetida à retoracotomia anterior bilateral para debridamento de tecido necrótico. O período total de internação foi 77 dias recebendo alta para acompanhamento ambulatorial. Discussão MDN figura como complicação grave decorrente principalmente de esternotomia mediana utilizada como via de acesso para cirurgias cardíacas.3 Pode também ser decorrente de rupturas esofágicas (espontâneas ou iatrogênicas), nesse caso com maiores índices de mortalidade. Em menor escala, pode ser causada por processos infecciosos provenientes de orofaringe, incluindo faringoamigdalites, abscessos cervicais ou periodônticos4,5 que se disseminam pelas fáscias cervicais superficiais e profundas, atingindo as mediastinais. Essa disseminação é facilitada pela gravidade e pressão torácica negativa que ocorre durante a inspiração.2 A faringoamigdalite possui frequentemente etiologia viral, com processo autolimitado. Pode dar-se, porém, por infecção bacteriana, sendo o estreptococo B hemolítico seu principal agente causador. Tratamento com sintomáticos e antibioticoterapia adequada proporcionam altos índices de cura.6 A ocorrência de complicações pode estar relacionada a fatores de risco que incluem: atraso na busca de atendimento médico, uso inadequado de antibióticos e comorbidades como diabetes mellitus, doenças pulmonares e imunossupressão.3,8 Em um de nossos casos, o paciente relatou quadro de amigdalite sem tratamento adequado, por má adesão à antibioticoterapia, o que pode ter contribuído para o desenvolvimento de MDN. A infecção odontogênica, assim como as orofaríngeas, são causas pouco comuns de mediastinite. A presença de cárie dentária sem o devido tratamento e evolução para abscessos ou celulite figura em vários estudos como fator de risco para extensão da infecção para o mediastino, principalmente quando as infecções são em segundo ou terceiro molares.7-9 Em nosso segundo caso clínico, a paciente evoluiu com abscesso gengival e disseminação mediastinal após exodontia. O diagnóstico parte da suspeita aventada pela história clínica associada ao exame físico. Devese proceder à realização de radiografia de tórax a fim de se identificar sinais de alargamento de mediastino, aumento de área cardíaca ou complicações, como o derrame pleural.10,11 A TC | 75 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 Westphal et al de tórax permite maior detalhamento das estruturas acometidas e auxilia no planejamento cirúrgico. Nesta, pode-se evidenciar áreas enfisematosas, abscessos, como observados em nossos casos, além de acometimento do esterno, osteomielite e linfadenopatias.1,4,10 Referências A abordagem do paciente deve ser clínico-cirúrgica, com antibioticoterapia, drenagem e tratamento da causa.2 O acesso cirúrgico depende do acometimento da infecção em seus tecidos adjacentes ou distantes. Dentre as opções incluem-se: drenagem mediastinal transcervical, mediastinotomia anterior ou drenagem mediastinal via toracotomia posterolateral.12 2. Fatureto MC, Neves-Júnior MA, Santana TC. Acute mediastinitis: retrospective analysis of 21 cases. J Bras Pneumol. 2005; 31(4): 307-11. 1. Macrí P, Jiménez MF, Novoa N, Varela GA. Descriptive of a series of patients diagnosed with acute mediastinitis. Arch Bronconeumol. 2003; 39(9): 428-30. 3. Sampaio DT, Alves JCR, Silva AF, Lobo Jr. NC, Simões D, Faria W et al. Mediastinite em cirurgia cardíaca: tratamento com epíploon. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2000; 15(1): 23-31. Estudos mais recentes demonstraram a possibi- 4. Izadi K, Lazow SK, Berger JR. Mediastinitis lidade de utilizar outras formas de toracotomia secondary to an odontogenic infection. A case como, por exemplo: o tipo clamshell, ester- report. NY State Dent J. 2003; 69(10): 28-30. notomia mediana, toracotomia anterolateral ou bitoracotomia.12,13 Em casos de MDN, porém, 5. Sancho LM, Minamoto H, Fernandez A, Sennes LU, esternotomia mediana não é preconizada pelo Jatene FB. Descending necrotizing mediastinitis: a grande risco de osteomielite e deiscência de retrospective surgical experience. Eur J Cardiothorac sutura,10 sendo mais recomendada toracoto- Surg.1999; 16(2): 200-5. mia anterolateral bilateral ou toracotomia posterolateral sequencial para os casos de 6. Cecatto SB, Garcia RID, Costa KS, Novais mediastinite.14 Há também a necessidade RAB, Yoshimura R, Rapoport PB. Síndrome de de abordagem cirúrgica do foco cervical Guillain-Barré como complicação de amigdalite com realização de cervicotomia. Deve-se aguda. Rev Bras Otorrinol. 2003; 69(4): 566-9. considerar a realização de traqueostomia em casos mais graves com comprometimento res- 7. Prado R, Salim M. Cirurgia Bucomaxilofacial – piratório. diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 2004(11). p. 281. Com o advento de técnicas minimamente invasivas, a via videotoracoscópica alcança 8. Findikcioglu A, Kilic D, Akin S, Hatipoglu A. melhores resultados por reduzir o tempo Descending necrotizing mediastinitis: treatment cirúrgico, o tempo de recuperação pós-cirúr- of a delayed case. Acta Chir Belg. 2007; 107(4): gico e apresentar menos complicações.12 462-4. Concluímos que tanto a faringoamigdalite quanto a infecção odontogênica podem ter uma evolução desfavorável, resultando em complicações sistêmicas importantes como a MDN aqui apresentada em nossos casos. A rápida disseminação e extensão da infecção justifica o caráter de urgência para atendimento médico. É essencial que, uma vez diagnosticada precocemente, seja instituído tratamento agressivo com desbridamento do mediastino e da cavidade pleural para obter-se desfecho favorável. 9. Serghini I et al. Mediastinite complicada com celulite cervical com porta de entrada dentária: relato de um caso e revisão de literatura. Pan African Medical Journal. 2011; 8: 25. 10. Brommelstroet M, Rosa JFT, Boscardim PCB, Schmidlin CA, Shibata S. Mediastinite descendente necrosante pós-angina de Ludwig. J Pneumol. 2001; 27(5): 269-71. 11. Estrera AS, Landay MJ, Grisham JM, Sinn DP, Platt MR. Descending necrotizing mediastinitis. | 76 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012 MEDIASTINITE DESCENDENTE NEROSANTE OCASIONADA POR AMIGDALITE E EXTRAÇÃO DENTÁRIA: RELATO DE CASOS Surg Gynecol Obstet. 1983; 157(6): 545-52. 12. Melo CBC, Sarmento PA, Imaeda CJ, Daud DF, Hasimoto FN, Leão LEV. Mediastinite descendente necrosante: tratamento cirúrgico torácico minimamente invasivo. J Bras Pneumol. 2010; 36(6): 812-818. 13. Endo S, Murayama F, Hasegawa T, Yamamoto S, Yamaguchi T, Sohara Y et al. Guideline of surgical management based on diffusion of descending necrotizing mediastinitis. Jpn J Thorac Cardiovasc Surg. 1999; 47(1): 14-9. 14. González-Aragoneses F, Moreno-Mata N, Orusco-Palomino E et al. Mediastinitis descendente necrosante de origen orofaríngeo. Arch Bronconeumol. 1996; 32: 394-6. | 77 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n.2 jul./dez. - 2012