Revista HUGV 2012 n.2 - Hospital Universitário Getúlio Vargas

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Revista HUGV 2012 n.2 - Hospital Universitário Getúlio Vargas
revistahugv
Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
The Journal of Getulio Vargas University Hospital
V.11. N. 2 JUL./DEZ. – 2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS
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Fernando Luiz Westphal
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Luís Carlos de Lima
Luiz Carlos de Lima Ferreira
Luiz Fernando Passos
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Maria do Socorro L. Cardoso
Maria Fulgência Costa L. Bandeira
Maria Lizete Guimarães Dabela
Márcia Melo Damian
Massanobu Takatani
Miharu Magnória Matsuura Matos
Patrícia Bandeira de Melo Akel
Petrus Oliva Souza
Ricardo Torres Santana
Rodolfo Fagionato
Rubem Alves da Silva Júnior
revistahugv
Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
The Journal of Getulio Vargas University Hospital
V.11. N. 2 JUL./DEZ. – 2012
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA
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HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS
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Ycaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287
CDU 61(051)
R454 Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas.
Revista do Hospital Getúlio Vargas. V. 11, n. 2 (2012) / Manaus: Editora da Universidade
Federal do Amazonas, 2012
77 p.
Semestral
Título da revista em português inglês
ISSN – 1677-9169
1. Medicina-Periódico I. Hospital Universitário Getúlio Vargas II. Universidade Federal do Amazonas.
CDU 61(051)
Sumário
Editorial
Fernando Luiz Westphal
11
Artigos Originais
Avaliação Endoscópica Nasal de Pacientes com Epistaxe
13
Renata Farias de Santana, Renato Telles de Souza, Luís Carlos de Lima Nadaf, Márcia dos Santos da Silva,
Marcos Antônio Fernandes, Rosemary Alves de Almeida, Geísa Cruz e Silva Tomaz, Bruno Corrêa Elamide
Hiperamilasemia Assintomática: Por que Investigar?
21
Wilson Marques Ramos Júnior, Victor Hugo Vieira Barroso, Camila Bandeira de Oliveira, Armando de Holanda
Guerra Júnior
Relato de Caso
Perfuração Intestinal Causada por Ingestão Acidental de Corpo Estranho (Espinha De Peixe)
26
Rubem Alves da Silva Júnior, Márcio Costa Fernandes, Raimundo Monteiro Maia Filho, Adriano Pessoa Picanço
Júnior, Rubem Alves da Silva Neto, Igor Gioia Fonseca
Hipertensão Arterial Secundária a Arterite de Takayasu
31
Victor Hugo Vieira Barroso, Wilson Marques Ramos Júnior, Marlúcia do Nascimento Nobre
Doença de Pompe Forma Infantil: Relato de Caso
35
Renata Fagundes Veiga, Luciana da Silva Carreira, Vânia Mesquita Gadelha Prazeres
Obesidade e Resiliência: Um Estudo de Caso a Partir de Acompanhamento Terapêutico PréCirúrgico
40
Maria Geórgia Duarte de Macedo, Ellen Belmonte dos Santos, Kássia Karina Amorim Gomes, Larissa Nogueira
Negreiros
Comprometimento Renal em Paciente com Esclerose Sistêmica: Relato de Caso
45
Junio Aguiar Azevedo, Alan P. Fernandes, Maureen Kelly dos S. Braun, Nayarah P. S. Castro, Renayra Tallita
L. Alonso
Relato de Caso: Gravidez Bem-Sucedida em Paciente Renal Crônica Hemodialítica
49
Samanta Samara Bicharra dos Santos, Antônio Carlos Duarte Cardoso, Helen Caroline dos Santos Brandão
Retocolite Ulcerativa Fulminante: associação de condutas terapêuticas não usuais
Rebecca Souza Mubarac, Daniere Yurie Vieira Tomotani, Daniel Almeida Schettini, Armando de Holanda Guerra Júnior, Isolda Prado de Negreiros Nogueira Maduro
53
Poliarterite Nodosa Cutânea Grave e de Difícil Controle em Adolescente após Faringoamigdalite Estreptocócica
58
Yanna Pontes Prado, Leilian Amorim, Araceli dos Santos Brito, José Ricardo Ferreira, Sandra Lúcia Euzébio
Ribeiro, Domingos Sávio Nunes de Lima
A Relação entre Dor Torácica, Bloqueio de Ramo Esquerdo Transitório e Ponte Miocárdica:
Relato de Caso
63
José Ricardo Ferreira, Marlúcia Nascimento Nobre, Simora S. Morais, Kelly Simone C. dos Santos, Jaime G.
A. Maldonado, Tatiane L. Aquiar
Cisto Broncogênico Tratado por Cateter Polietileno Biocompatível de Configuração
“Pigtail” Guiado por Tomografia Computadorizada de Tórax
68
Fernando Luiz Westphal, Cristiane Paulain David, Luiz Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Mônica de Sá
Pinheiro
Mediastinite Descendente Necrosante Ocasionada por Amigdalite e Extração Dentária:
Relato de Casos
Fernando Luiz Westphal, Luiz Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Eucides Batista da Silva, Márcia Santos
Silva, Luciane Sayuri Neves de Oliveira Hagiwara
72
Contents
Editorial
Fernando Luiz Westphal
11
Original Articles
Endoscopic Nasal Evaluation of Patients with Epistaxis
13
Renata Farias de Santana, Renato Telles de Souza, Luís Carlos de Lima Nadaf, Márcia dos Santos da Silva,
Marcos Antônio Fernandes, Rosemary Alves de Almeida, Geísa Cruz e Silva Tomaz, Bruno Corrêa Elamide
Asymptomatic Hyperamylasemia: Why to Examine?
21
Wilson Marques Ramos Júnior, Victor Hugo Vieira Barroso, Camila Bandeira de Oliveira, Armando de Holanda
Guerra Júnior
Case Report
Intestinal Perforation Caused By Accidental Ingestion of Foreigh Body (Fish Bone)
26
Rubem Alves da Silva Júnior, Márcio Costa Fernandes, Raimundo Monteiro Maia Filho, Adriano Pessoa Picanço
Júnior, Rubem Alves da Silva Neto, Igor Gioia Fonseca
Secondary Hypertension Associated with Takayasu Arteritis
31
Victor Hugo Vieira Barroso, Wilson Marques Ramos Júnior, Marlúcia do Nascimento Nobre
Infantile Pompe Disease: Case Report
35
Renata Fagundes Veiga, Luciana da Silva Carreira, Vânia Mesquita Gadelha Prazeres
Obesity and Resilience: A Case of Study About the Psychotherapeutic Group Treatment
Pre-Surgical
40
Maria Geórgia Duarte de Macedo, Ellen Belmonte dos Santos, Kássia Karina Amorim Gomes, Larissa Nogueira
Negreiros
Renal Impairment in Patients with Systemic Sclerosis: A Case Report
45
Junio Aguiar Azevedo, Alan P. Fernandes, Maureen Kelly dos S. Braun, Nayarah P. S. Castro, Renayra Tallita
L. Alonso
Case Report: Succesful Pregnancy in Dialysis Patient
49
Samanta Samara Bicharra dos Santos, Antônio Carlos Duarte Cardoso, Helen Caroline dos Santos Brandão
Fulminant Ulcerative Colitis: association of unusual therapeutic
Rebecca Souza Mubarac, Daniere Yurie Vieira Tomotani, Daniel Almeida Schettini, Armando de Holanda Guerra Júnior, Isolda Prado de Negreiros Nogueira Maduro
53
Severe and Difficult to Control Cutaneous Polyarteritis Nodosa in Teenager after
Streptococcal Pharyngotonsillitis
58
Yanna Pontes Prado, Leilian Amorim, Araceli dos Santos Brito, José Ricardo Ferreira, Sandra Lúcia Euzébio
Ribeiro, Domingos Sávio Nunes de Lima
The Relationship Between Chest Pain, Left Bundle Branch Block Transitional and
Myocardial Bridge: Case Report
63
José Ricardo Ferreira, Marlúcia Nascimento Nobre, Simora S. Morais, Kelly Simone C. dos Santos, Jaime G.
A. Maldonado, Tatiane L. Aquiar
Bronchogenic Cyst Treated by Biocompatible Polyethylene Catheter Configuration “Pigtail”
Guided by Computed Tomography
68
Fernando Luiz Westphal, Cristiane Paulain David, Luiz Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Mônica de Sá
Pinheiro
Descending Necrotizing Mediastinitis Caused by Tonsillitis and Tooth Extraction: Case
Reports
Fernando Luiz Westphal, Luiz Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Eucides Batista da Silva, Márcia Santos
Silva, Luciane Sayuri Neves de Oliveira Hagiwara
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Editorial
A classe médica no nosso país passa por um período extremamente delicado no que tange
ao número crescente de médicos e as renumerações percebidas pela maioria dos médicos contratados pelo sistema público federal, estadual ou municipal.
O governo federal acredita piamente que o aumento do número de médicos os colocará nos
locais interioranos de nosso país, ledo engano praticado por vários governantes, que comparam os
médicos a um pacote de sal – barato, comum e encontrado a cada esquina. Ora, senão vejamos
um exemplo recente em nosso meio. O governo estadual do Amazonas criou a Universidade Estadual com o intuito de ampliar as vagas de medicina no Estado e, com isto, colocar mais médicos
trabalhando no interior do Estado, criou o sistema de cotas, no qual os pretendentes às vagas
na Universidade teriam como concorrentes somente as pessoas oriundas do interior. Em um dos
objetivos desse sistema de cotas seria o graduando após a conclusão do curso retornar à cidade
de origem; entretanto, esse retorno quase nunca acontece, e os estudantes, após a formação,
procuram permanecer na capital ou procuram centros maiores no Sul e Sudeste do país.
A permanência do médico no interior de nosso Estado, no qual a maior parte das cidades
só tem acesso por via fluvial ou aérea, deve estar associada a uma ação de vantagens para
fixar o médico no interior, a exemplo do que ocorre na carreira judiciária, na qual existe um
plano de cargos que propicia ao juiz, após um tempo no interior, a retornar para a capital,
permanecendo com as vantagens conseguidas em seu tempo de interior. Outro aspecto importante é o estímulo constante à reciclagem de que a classe médica necessita, visto a evolução
exponencial dos conhecimentos nas diversas áreas da medicina.
O governo federal está com um programa de colocação do profissional de saúde no interior
do país, chamado de Provab (Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica), no qual
o médico que permanece no interior aufere uma pontuação nas provas de residências médicas em
todo o território nacional. Consideramos que essa ação é um grande estímulo para o jovem médico
passar dois anos no interior, mas novamente não contempla uma política de fixação do profissional
no interior, apenas por um período no qual terá alguma vantagem.
Com o mesmo objetivo de colocar médicos no interior, o governo federal, de modo arbitrário, eleitoreiro e ilegal, está infringindo o código da legislação vigente do Conselho Federal
de Medicina, tenta importar médicos, um total de seis mil, para trabalhar no interior do Brasil,
nas áreas mais carentes. Entretanto, para isto, está impondo à comunidade médica local que os
aceite sem que façam os diversos tipos de provas de proficiência na língua portuguesa e nivelamento do currículo básico de nosso país.
Em relação à remuneração dos profissionais de saúde, há déficit profundo, no qual o médico, que outrora poderia ter três ou quatro contratos, passa a ter uma carga horária de 60 horas
semanais, disponibilizadas em uma ou duas matrículas. O déficit antes era sanado pelo alto número de contratos que cada médico tinha, mas na atual situação o salário-base está totalmente defasado em relação a outras áreas do setor público. Um exemplo evidente dessa anomalia é o plano
de cargos e salários dos professores universitários da área da saúde, no qual o médico-professor
de terceiro grau recebe um valor irrisório para se dedicar ao ensino. Essa situação causa o afastamento de mentes brilhantes do âmbito da academia, o descaso visto nos bancos das faculdades e
o desvio da produção do conhecimento e saber para a indústria de equipamentos e farmacêuticas.
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Novamente, o problema não está na colocação dos médicos no interior, mas, sim, em
políticas capazes de mantê-los nos locais mais distantes, com condições de desenvolver um bom
trabalho e atrativos no cargo de salários que os façam permanecer no interior.
Prof. Dr. Fernando Luiz Westphal
Diretor de Ensino, Pesquisa e Extensão do HUGV
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Santana et al
AVALIAÇÃO ENDOSCÓPICA NASAL DE
PACIENTES COM EPISTAXE
ENDOSCOPIC NASAL EVALUATION OF PATIENTS WITH EPISTAXIS
Renata Farias de Santana*, Renato Telles de Souza**, Luís Carlos de Lima Nadaf***, Márcia dos Santos da Silva*, Marcos Antônio Fernandes*,
Rosemary Alves de Almeida****, Geísa Cruz e Silva Tomaz****, Bruno Corrêa Elamide****
Resumo
Objetivo: Verificar as características epidemiológicas e os achados endoscópicos nasais de pacientes com história de epistaxe submetidos à nasofibroscopia. Métodos: Foi realizado estudo
retrospectivo, por meio de revisão de prontuários de pacientes com história de epistaxe, sem
diagnóstico prévio, submetidos ao exame de nasofibroscopia, no Serviço de Otorrinolaringologia
do Hospital Universitário Getúlio Vargas, durante o ano de 2009. Resultados: Foram analisados 20
prontuários de pacientes com queixa de epistaxe de repetição, sendo que 35% da amostra eram
de pacientes com idade acima dos 60 anos. Foi observada prevalência similar entre homens e
mulheres, cada um mostrando porcentagem de 50%. O desvio de septo foi o achado mais comumente encontrado ao exame, sendo observado em seis (30%) pacientes, seguido pela presença
de telangiectasias em septo nasal em quatro (20%) pacientes. Rinite alérgica esteve presente em
quatro (20%) indivíduos, enquanto o número de tabagistas foi de seis (30%) pacientes. Conclusão:
Os resultados obtidos revelaram que, na população estudada, houve uma distribuição de casos de
epistaxe idêntica entre os sexos. Constatou-se que a faixa etária mais prevalente foi composta
por adultos. Houve associação com tabagismo e rinite alérgica em, respectivamente, 20 e 30% da
amostra. Os principais achados nasofibroscópicos, tanto em indivíduos do sexo feminino quanto
masculino, foram desvio septal e telangiectasias.
Palavras-chave: Epistaxe, endoscopia, diagnóstico.
Abstract
Objective: Verify the epidemiological and nasal endoscopic findings of patients with a
history of epistaxis who underwent endoscopy. Methods: A retrospective study through
review of medical records of patients with a history of epistaxis, without a previous
diagnosis, examined by endoscopy, in the service of Otorhinolaryngology, University
Hospital Getúlio Vargas, in the year 2009. Results: We analyzed the medical records of 20
patients complaining of recurrent epistaxis, with 35% of the sample of patients aged over 60
years. Similar prevalence was observed between men and women, each showing a percentage of
50%. The deviated septum was the finding most commonly encountered upon examination, being
observed in six (30%) patients, followed by the presence of telangiectases in the nasal septum
of four (20%) patients. Allergic rhinitis was present in four (20%) patients, while the number
of smokers was six (30%) patients. Conclusion: The results showed that the population studied
had a distribution of cases of epistaxis identical between the sexes. It was found that the most
*Médico residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas
** Professor da Universidade Federal do Amazonas, coordenador da Residência de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas
*** Preceptor da Residência de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas
**** Acadêmicos do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas
Instituição de origem do trabalho: Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV
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AVALIAÇÃO ENDOSCÓPICA NASAL DE PACIENTES COM EPISTAXE
prevalent age group was composed of adults. There was an association with smoking and allergic
rhinitis, respectively, 20% and 30% of the sample. The major findings of nasal endoscopy, both in
females and males were telangiectasia and septal deviation.
Keywords: Epistaxis, endoscopy, diagnose.
Introdução
A epistaxe apresenta-se como uma das afecções
otorrinolaringológicas mais frequentes da prática médica, manifestando-se, geralmente, como
uma condição benigna e autolimitada. Dados de
incidência e prevalência na população geral são
difíceis de calcular, porém se estima que cerca
de 60% da população adulta evoluirá no decorrer da vida com pelo menos um episódio de
epistaxe e que apenas uma pequena proporção,
cerca de 6 a 10%, necessitará de atendimento
médico.1,2
nasais de pacientes com história de epistaxe
atendidos no Serviço de Otorrinolaringologia do
Hospital Universitário Getúlio Vargas.
Métodos
Foi realizado estudo retrospectivo, por meio
de revisão de prontuários de 20 pacientes com
história de epistaxe, sem diagnóstico prévio,
submetidos ao exame de nasofibroscopia, no
Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital
Universitário Getúlio Vargas, durante o ano de
2009.
A epistaxe pode ser causada por diversos fatores, tanto locais como sistêmicos. Os principais fatores locais incluem: trauma (fraturas
nasais ou manobras digitais), infecções de vias
aéreas superiores, inalação de ar frio e seco,
processos alérgicos nasais, introdução de corpos
estranhos na fossa nasal, inalação de irritantes
químicos, perfuração septal e desvio de septo.
Outras condições mais raras incluem presença
de tumorações como nasoangiofibroma juvenil e a doença de Osler-Rendu-Weber. Fatores
como hipertensão arterial sistêmica, insuficiência renal, alcoolismo, coagulopatias, uso de antiagregantes plaquetários constituem causas de
origem sistêmica.2,3
Foram incluídos, no estudo, pacientes portadores de epistaxe submetidos ao exame de nasofibroscopia, independente de idade, sexo, condições socioeconômicas ou procedência. Foram
excluídos aqueles que, apesar do quadro de
epistaxe, não necessitaram de avaliação nasofibroscópica para definir a etiologia do sangramento, bem como pacientes que realizaram o
exame de nasofibroscopia em outros centros.
A nasofibroscopia é um exame que permite a visualização direta da cavidade nasal, auxiliando o diagnóstico, sendo de extrema importância, na avaliação de
pacientes portadores de epistaxe, pois, além da identificação do local de origem do sangramento, esse procedimento permite avaliar a presença de alterações
estruturais, vasculares, tumorais, entre outras.4,5
Os dados provenientes da pesquisa foram processados e reunidos em arquivos eletrônicos,
sob a forma de banco de dados no programa Microsoft Excel 2010, para estudo deles, por meio
de análise descritiva. Valores foram apresentados em números absolutos e relativos.
Existem poucos dados na literatura local indicando causas de epistaxe, principalmente no
que diz respeito à visualização endoscópica nasal desses pacientes. Dessa maneira, este estudo teve como objetivo verificar as características epidemiológicas e os achados endoscópicos
Os dados referentes à pesquisa foram coletados
a partir de arquivos médicos do serviço. Foram
analisados dados como idade, sexo, história de
tabagismo e de cirurgia prévia, bem como os
achados nasofibroscópicos desses pacientes.
Resultados
Foram analisados 20 prontuários de pacientes
atendidos pelo Serviço de Otorrinolaringologia
do Hospital Universitário Getúlio Vargas com
queixa de epistaxe de repetição.
Em relação à idade dos pacientes, cinco (25%)
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apresentavam-se abaixo dos 25 anos de idade.
Nove deles tinham a idade entre 25 e 60 anos,
representando 45%, enquanto o restante, 35%
da amostra, era pacientes com idade acima dos
60 anos. A média de idade foi de 42,7 anos (DP
± 28,37), sendo os extremos de nove e 69 anos.
Dentre os homens, a média de idade foi de 52,4
anos (DP ± 23,14), enquanto que nas mulheres
foi de 33,4 anos (DP ± 33,78).
(10%) eram aposentados. O restante dos casos
(25%) pertencia a outras profissões remuneradas.
O desvio de septo foi o achado mais comum encontrado ao exame, repetindo-se em seis (30%)
pacientes, seguido pela presença de telangiectasias em septo em quatro pacientes (20%). A
presença de hipertrofia adenoideana e de cornetos nasais inferiores responde, cada um, por
No presente estudo, foi observada a prevalência dois casos (10%). Os outros seis pacientes (30%)
similar entre homens e mulheres, cada um deles dividiam-se igualmente em papiloma invertido,
representando 50% dos pacientes da amostra.
pólipo antrocoanal, polipose, granuloma de
septo, coágulo em fossa nasal e telangiectasias
No que diz respeito à profissão, seis pacientes em rinofaringe (Gráfico 1).
(30%) eram estudantes, quatro (20%) eram donas de casa, três (15%) eram pescadores e dois Ao observar os achados nasofibroscópicos em
Gráfico 1: Achados nasofibroscópicos mais frequentes em pacientes com epistaxe.
relação ao sexo dos pacientes (Tabela 1), foi
possível constatar o predomínio das alterações
estruturais em mulheres quando relacionado
aos homens. O desvio de septo esteve presente
em quatro das dez mulheres (40%); a presença de hipertrofia adenoideana foi encontrada
em duas mulheres; as telangiectasias de septo
foram achadas em três pacientes do sexo femi-
nino; e a hipertrofia de corneto nasal inferior
esteve presente em uma (10%) mulher. Ao verificar a prevalência em homens, foram observados dois casos (20%) de desvio de septo, dois
(20%) de telangiectasias, dois (20%) de polipose,
um (10%) de granuloma e um (10%) de coágulos
em fossa nasal.
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AVALIAÇÃO ENDOSCÓPICA NASAL DE PACIENTES COM EPISTAXE
Tabela 1 – Principais achados nasofibroscópicos de acordo com a Clínica Médica e Residência de Clínica
Entre os pacientes analisados, o número de
tabagistas foi de seis (30%) pessoas (Gráfico
2). Quatro dos dez homens eram fumantes, enquanto que duas das dez mulheres também o
eram. A média da carga tabágica foi de 35,3
maços/ano.
Ao verificar os casos de rinite alérgica e epistaxe,
a manifestação alérgica se apresentou em quatro pacientes (20%) dos vinte analisados, apresentando-se em dois pacientes com hipertrofia
de cornetos nasais inferiores (Gráfico 2).
Gráfico 2: Presença de rinite alérgica e tabagismo em pacientes com epistaxe.
Quando analisada a existência de cirurgias
nasais prévias, foram encontrados apenas dois
pacientes (10%) que haviam realizado algum
procedimento cirúrgico nasal e ambos os casos encontraram-se relacionados a tumorações
nasais (polipose e papiloma invertido).
tem referências a essa condição datadas do
século 5 a.C.; contudo, o termo epistaxe só
foi introduzido por Cullen, em 1785, e até
hoje constitui uma das afecções otorrinolaringológicas mais frequentes, tanto nas
emergências quanto nos ambulatórios.2 No
presente estudo, a casuística de 20 pacientes
foi encontrada por meio de análise de pronDiscussão
tuários apenas daqueles que foram submetidos
O sangramento nasal é uma afecção clínica à nasofibroscopia. A maior demanda dos casos
conhecida desde a Antiguidade, pois exis- de epistaxe acaba sendo atendida em prontos| 16 |
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socorros e muitos não dão seguimento à investigação de tal achado. Além disso, considerando
que tal exame não está disponível na maior
parte dos centros médicos do Sistema Único de
Saúde, muitos profissionais acabam deixando
de solicitá-lo. Em vista de tais fatos, obteve-se
uma casuística inferior à observada em outros
trabalhos.
O uso regular da endoscopia na prática ambulatorial, durante a última década, propiciou
novos conhecimentos a respeito da etiologia e
tratamento da epistaxe. O ponto de sangramento dentro da cavidade nasal pode ser identificado com maior facilidade e precisão, de modo a
possibilitar tratamentos ainda menos invasivos,
como a simples cauterização do ponto sangrante, que apresenta alto índice de eficácia.5
Outros autores também mostraram o sexo
masculino como o predominante nos casos de
epistaxe, com prevalência de 55% dos pacientes
estudados.7
A ocupação mais frequentemente encontrada
nos pacientes estudados foi a de estudante,
com 30% dos casos. Além disso, a maioria dos
pacientes (60%) exercia atividade remunerada, ao passo que 40% não o fazia, ou já eram
aposentados.
Trabalhos anteriores obtiveram dados com
relação à profissão, na qual dentre os homens,
65,5% eram aposentados e os 34,5% restantes
realizavam atividade remunerada, enquanto
que 12% das mulheres eram aposentadas, 68%
prestadoras de atividade não remunerada e
20% de atividade remunerada. ComparandoNeste estudo, a maioria dos indivíduos apresen- se gênero e ocupação, o autor mostrou pretava idade entre 25 e 60 anos, enquanto que os dominância estatística significativa.3
extremos etários mostraram-se minoria. A média de idade foi de 42,7 anos, com a menor nove Nos achados da nasofibroscopia, o desvio de
e a maior 69 anos. A maior média da idade foi septo foi o mais encontrado, posto que verifinos homens (52,4 anos), em relação às mulheres cado em 30% dos casos. Alterações anatômicas
(33,4 anos). Não foi observada predominân- somaram 15 (25%) casos. Em relação ao sexo,
cia de homens ou de mulheres, pois cada um pôde-se observar o predomínio das alterações
representou 50% da amostra estudada.
estruturais em mulheres quando relacionado
aos homens, com dados de 100% nas mulheres,
A epistaxe tem uma distribuição bimodal em em comparação com 50% nos homens.
relação às faixas etárias, com o primeiro pico
de incidência durante a infância e o outro por O tabagismo foi constatado em seis (30%) pavolta dos 50 anos de idade em diante. A maior cientes do estudo. Quatro dos dez homens eram
parte dos pacientes estudados foi composta por fumantes, enquanto que duas das dez mulheres
adultos, conflitando com os dados da literatura; eram fumantes. A média da carga tabágica foi
entretanto, vale ressaltar que foram incluídos de 35,3 maços/ano. É sabido que o cigarro é
no estudo somente pacientes que necessitaram um importante fator de risco relacionado à
de nasofibroscopia para elucidação diagnóstica piora do quadro e, principalmente, à etioloe não a demanda espontânea do serviço.6
gia da epistaxe. Trabalhos mostram o cigarro
dentre os fatores importantes na etiologia e no
Em outro estudo, dos 54 pacientes que procu- prosseguimento da epistaxe, além da hipertenraram a emergência do hospital, a média de são arterial sistêmica e do trauma nasal.8
idade da amostra foi de 60,2 anos (com desvio padrão de 15,4), com os extremos variando A manifestação da rinite alérgica apresentoude 13 a 92 anos. Nesse mesmo estudo, o sexo se em quatro pacientes (30%) dos 20 analisamasculino foi o mais prevalente, mostrando-se dos, sendo três (20%) do sexo feminino e um
em 53,7% dos casos. Cruzando os dois dados, o paciente (10%) do sexo masculino.
estudo demonstrou uma idade média superior
para o sexo masculino (62,5 anos) em relação A rinite alérgica mostrou-se como importante elemento, no que concerne às crises de
ao feminino (57,5 anos).3
epistaxe, haja vista que os sintomas daquela,
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AVALIAÇÃO ENDOSCÓPICA NASAL DE PACIENTES COM EPISTAXE
tais como prurido nasal e espirros, bem como
os atos de assoar o nariz, tossir e utilizar gota
nasal descongestionante, são altamente relacionados a casos de epistaxe.9
seios paranasais, bilateral, com transformação
edematosa multifocal da mucosa, que leva a
protrusão de pólipos benignos provenientes
dos meatos em direção à cavidade nasal. Os
pacientes, na maioria das vezes, apresentam
Outras etiologias conhecidas da epistaxe são: um ou mais seios paranasais comprometidos e
trauma, corpo estranho, inalação de agentes sintomas de rinossinusite crônica. As principais
irritantes, rinossinusites infecciosas, tumores queixas dos pacientes costumam ser obstrução
nasais ou de rinofaringe, como os hemangiomas nasal, rinorreia, descarga nasal posterior, cee alterações vasculares, como a Síndrome de faleia, hiposmia/anosmia e tosse. Pode haver
Rendu-Osler-Weber.10
associação com asma não alérgica, intolerância ao ácido acetilsalicílico (AAS) ou ainda com
A telangiectasia hemorrágica hereditária ou outras doenças como fibrose cística, sinusite
Síndrome de Rendu-Osler-Weber é uma doença fúngica alérgica, Síndrome de Young, Churgautossômica dominante, em que a lesão inicial Strauss e Kartagener.17,18
baseia-se em deficiência estrutural da parede
dos vasos sanguíneos, caracterizada por al- O papiloma invertido, também conhecido como
teração da lâmina elástica e camada muscu- papiloma fibromixoide, papiloma de células
lar, tornando-as mais vulneráveis a traumatis- transicionais, papiloma de Ewing, papiloma
mos e rupturas espontâneas. As manifestações schneideriano ou papiloma de Ringertz, é uma
otorrinolaringológicas são as mais frequentes, neoplasia benigna, com origem no epitélio
sendo o principal sintoma epistaxe recorrente, schneideriano da parede nasal lateral. Histopresente em 93% dos pacientes.11,12
logicamente, caracteriza-se pelo crescimento
do epitélio em direção ao estroma. A lesão exibe
O nasoangiofibroma é um tumor vascular que, padrão de crescimento endofítico característico,
apesar de histologicamente benigno, é local- com inversão da superfície do epitélio para denmente invasivo e com alta incidência de per- tro do estroma e, apesar de benigno, é localmente
sistência e recorrência. Acomete, na maioria invasivo e tem tendência à recorrência e à transdas vezes, pacientes jovens do sexo masculino. formação maligna. Os sinais e os sintomas são
O tumor geralmente tem origem na porção na- inespecíficos, podendo causar obstrução nasal
sal posterior, junto ao orifício esfenopalatino. unilateral, epistaxe, distúrbios olfatórios e riDesse ponto pode espalhar-se, lateralmente, nossinusites recorrentes.19,20,21
para a fossa pterigopalatina, fossa infratemporal e algumas para a fossa temporal. O tumor Conclusão
pode se desenvolver também para cima através
da fissura orbitária inferior, então caminha em A epistaxe é uma das principais afecções otordireção ao ápice da órbita e fissura orbitária su- rinolaringológicas, com frequência estimada
perior para finalmente alcançar o seio caver- em 60% da população geral. Existem poucos
noso. A apresentação clínica, em grande parte estudos que visam caracterizar essa condição
dos casos, é constituída pela presença da tríade no Amazonas. Por essa razão, foi realizada tal
de obstrução nasal, epistaxe e massa nasofarín- pesquisa que visou mostrar os achados nasofigea.13,14,15,16
broscópicos e as características epidemiológicas de indivíduos atendidos por essa condição.
Apenas dois (10%) pacientes com história de
cirurgias otorrinolaringológicas nasais prévias Com base neste estudo, pôde-se observar que,
evoluíram com epistaxe e ambos os casos en- diferentemente da literatura, na população escontraram-se relacionados à polipose e papilo- tudada, houve distribuição de casos de epistaxe
ma invertido.
idêntica entre os sexos. Constatou-se que a
faixa etária mais prevalente foi composta de
A polipose nasal pode ser definida como um dis- adultos e não de extremos etários. Houve uma
túrbio inflamatório crônico da mucosa do nariz e correlação de, respectivamente, 20 e 30% de
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v.11. n.2 jul./dez. - 2012
Santana et al
epistaxe com tabagismo e rinite alérgica. Os
principais achados nasofibroscópicos, tanto em
indivíduos do sexo feminino quanto masculino,
foram desvio septal e telangiectasias, enquanto
que a polipose nasal foi verificada frequentemente em homens.
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Endereço para correspondência:
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Graças – CEP 69053-380. Cidade: Manaus – Estado: AM. Telefone: 55 (92) 9155-6760
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Ramos Júnior et al
HIPERAMILASEMIA ASSINTOMÁTICA:
POR QUE INVESTIGAR?
ASYMPTOMATIC HYPERAMYLASEMIA: WHY TO EXAMINE?
Wilson Marques Ramos Júnior*, Victor Hugo Vieira Barroso*, Camila Bandeira de Oliveira*, Armando de Holanda Guerra Júnior**
Resumo
A amilase é uma enzima que hidrolisa o amido e glicogênio. A hiperamilasemia permite diversos
diagnósticos diferenciais, sendo o mais comum a pancreatite aguda. Podemos encontrar também
a hiperamilasemia em pacientes assintomáticos. Durante a investigação devemos ter os níveis de
lipase e tripsina, além da tomografia computadorizada de abdome. Portanto, as causas de amilase elevada poderem ser benignas ou malignas, faz-se necessário a investigação diagnóstica mais
detalhada.
Palavras-chave: Hiperamilasemia, hiperamilasemia benigna, pancreatopatia alcoólica, pancreatite
crônica, pancreatite aguda.
Abstract
Amylase is an enzyme that hydrolyzes amylum and glycogen. Hyperamylasemia allows several differential
diagnoses, the most common is acute pancreatitis. We can also find the hyperamylasemia in asymptomatic
patients. During the investigation we must have the levels of lipase and trypsin, and abdominal computed
tomography. Hence, the amylase elevated causes may be benign or malignant, as the causes of elevated
amylase may be benign of malignant, it is necessary to procede with a more accurate diagnose.
Keywords: Hyperamylasemia, benign hyperamylasemia, alcoholic pancreatopathy, chronic
pancreatitis, acute pancreatitis.
Introdução
toacidose diabética, doenças virais crônicas do
fígado, doenças inflamatórias intestinais. O rasAmilase é uma enzima digestiva que hidrolisa treio de pacientes com exames de imagem, que
os amidos, o glicogênio e a maioria dos outros apresentam hiperamilasemia assintomática,
carboidratos (à exceção da celulose), formando tem mostrado doenças pancreáticas crônicas as
quais podem apresentar sua primeira manifesdissacarídeos e alguns trissacarídeos.1
tação com o aumento de amilase sérica. No enSabe-se que a amilase elevada é uma enzi- tanto, algumas causas de aumento de amilase
ma encontrada em várias doenças agudas e permanecem de origem indeterminada.2
crônicas podendo citar a pancreatite aguda e
crônica, obstrução canalicular pancreática, ce- É recomendado o rastreio mais detalhado
*Médico residente de clínica médica do HUGV/Ufam
** Médico especialista em Gastroenterologia e Preceptor da residência de clínica médica do HUGV
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HIPERAMILASEMIA ASSINTOMÁTICA: POR QUE INVESTIGAR?
desses pacientes, pois há o risco de neoplasia pancreática sem manifestações clínicas.
Um estudo em que avaliaram CA 19.9, ultrassonografia abdominal, tomografia computadorizada, ressonância magnética endoscópica,
colangiopancreatografia
retrógrada
endoscópica e ultrassonografia endoscópica.
Foram avaliados 51 pacientes com pré-diagnóstico de hiperamilasemia crônica assintomática de
causa não pancreática, após um seguimento de
dois anos, 39,2% foram considerados hiperamilasemia benigna, 35,2% tiveram diagnóstico de
macroamilasemia e 25,4% de hiperamilasemia
salivar.3
talidade em pacientes que desenvolveram insuficiência renal, no entanto não há fator preditor
independente em relação aos níveis aumentados de amilase. Para definição da etiologia fazse necessário o uso da tomografia computadorizada e ultrassonografia de abdome.6
A hiperamilasemia salivar é observada em condições que acometem o funcionamento das
glândulas salivares. Outras condições, porém,
como alcoolismo, pós-operatórios (revascularização do miocárdio), acidose láctica, cetose
diabética, anorexia nervosa ou bulimia e neoplasias malignas, também podem levar a essa
condição. Deve ser realizada a eletroforese
Tendo em vista a dificuldade do clínico em con- da amilase ou, então, a técnica de anticorpo
duzir os casos que apresentam hiperamilasemia monoclonal específico para amilase pancreátide causa indeterminada, a presente revisão ca e salivar, para diferenciarmos as duas forabordará as principais causas desse aumento mas da enzima que podem estar levando a uma
enzimático e as condutas a serem tomadas elevação da enzima de causa não pancreática.7
diante de pacientes que não são encontradas
causas para tal elevação.
A macroamilasemia é uma anormalidade bioquímica isolada causada pela agregação da
amilase sérica com imunoglobulinas produzinAs causas de Hiperamilasemia
do um complexo molecular grande e pesado. É
O aumento de amilase é encontrado em mui- descrita como uma causa frequente, mas betos contextos clínicos, permitindo-nos vários nigna de hiperamilasemia que não necessita
diagnósticos diferenciais. Pancreatite aguda é de tratamento e que tem sido encontrada em
a principal causa de hiperamilasemia, em pa- uma variedade de doenças e desordens au8
cientes com dor abdominal, especialmente se toimunes.
encontrarmos um valor dez vezes maior que o
Um estudo com pacientes apresentando hiperlimite superior da normalidade.
lipasemia de causa indeterminada, prosseguinPodemos também encontrar elevação modera- do-se a investigação com a realização de colanda da enzima, maior que cinco vezes o valor giopancreatografia por ressonância magnética
de normalidade, nos casos de gravidez tubária (CPRM), detectou que 42,6% dos pacientes não
rota, perfuração de víscera oca, obstrução in- apresentavam anormalidades anatomopatológicas. Dos que apresentava anormalidades, 18,5%
testinal, peritonite e cetoacidose diabética.4
apresentavam pâncreas divisum, 16,7% panA pancreatopatia alcoólica é um importante creatite crônica e 13% pequenos cistos pandiagnóstico a ser considerado naqueles pa- creáticos, um dos seguintes achados em cada
cientes com história de uso crônico de álcool paciente (1,9%): fusão do ducto pancreático
(>80 mg/dl), associado a dor abdominal que anormal, sequela de laceração pancreática,
esclerose de papila, litíase intraductal pancrepode ser pior após ingesta etílica.5
ática e pancreatite por depósito de ferro.9
A insuficiência hepática aguda (IHA) também
pode apresentar níveis elevados de amilase. Um Um relato de caso evidencia elevação da enzima
estudo mostra que 12% dos casos de IHA pos- em pacientes sem doença pancreática que possuíam níveis elevados de amilase, e apenas 9% suíam apenas queixas de cólica nefrética. Duapresentaram manifestações clínicas de pan- rante a investigação diagnóstica, foi constatado
creatite. Neste estudo houve aumento da mor- extravasamento urinário na cavidade peritoneal
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Ramos Júnior et al
o que provavelmente levou a irritação da cauda
do pâncreas, causando uma pancreatite aguda,
justificando a hiperamilasemia.10
A ruptura de cisto de ovário também foi descrita como uma causa de aumento de amilase,
pois há produção de amilase em estruturas de
origem embrionária do epitélio mülleriano e
ducto mesonéfrico.11
Sendo a pancreatite a causa mais comum de
aumento de amilase, faz-se necessária a complementação diagnóstica com lipase e tripsina.
Além de exames de imagem como tomografia
computadorizada de abdome.14 O uso da tomografia de abdome é de fundamental importância
para determinar critérios de gravidade na pancreatite aguda, principalmente nos pacientes
sintomáticos.15
Existe uma entidade rara conhecida como hiperami- Deve ser realizada a triagem, nos pacientes
lasemia familiar, na qual podemos encontrar pelo assintomáticos e sem causa estrutural evidente,
menos três gerações de familiares com aumentos para diferenciação entre amilase e macroamidos níveis de amilase, sem outras causas evidentes lase. O diagnóstico de macroamilasemia
para o aumento da enzima. É mais um diagnós- requer a demonstração da existência do
tico diferencial a ser considerado em crian- complexo amilase-proteína no sangue, o
ças.12
que é realizado por meio de diferentes
métodos, desde a eletroforese e cromatografia por filtração até as técnicas de ultracenConduta diagnóstica
trifugação ou enfoque isoelétrico. O cálculo da
A confirmação dos níveis elevados de amilase depuração renal de amilase também é útil para
deve ser feita com coletas num intervalo de o diagnóstico diferencial, estando abaixo de 1%
16
pelo menos cinco dias, pois estudos demonstram na macroamilasemia.
que um exame com níveis elevados pode não se
repetir subsequentemente em pacientes assin- A hiperamilasemia benigna geralmente é encontomáticos, podendo ser de causa não patológica trada em exames de rotina em pacientes assin(Figura 1). Essa flutuação dos níveis da enzima tomáticos. Esses pacientes, que não possuem
não possui uma causa definida até o momento.13 causa etiológica para o achado laboratorial,
devem ser acompanhados por dois anos, para
então serem considerados de causa benigna. O
seguimento deve avaliar presença de sinais e
sintomas de doença pancreática ou anormalidades na estrutura do pâncreas por exames de
imagem.17
Conclusão
Figura 1: Investigação diagnóstica da hiperamilasemia
Muitos casos de níveis elevados de amilase
são encontrados em pacientes assintomáticos
durante exames de rotina, sendo necessário
acompanhamento de um a dois anos antes de
fechar o diagnóstico de hiperamilasemia benigna. Tais casos devem ser investigados pela
possibilidade de haver uma doença pancreática
envolvida no processo, no entanto devemos entender que existem variações basais nos níveis
dessa hidrolase, podendo variar num período de
cinco dias, fazendo-se necessária confirmação
da hiperamilasemia sérica antes de iniciar a
investigação por imagem, pois nesse período,
em alguns casos, encontrarmos valores dentro
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HIPERAMILASEMIA ASSINTOMÁTICA: POR QUE INVESTIGAR?
dos padrões de normalidade ao repetirmos o
exame.18
Em um estudo prospectivo com pacientes
assintomáticos e apresentando hiperamilasemia, demonstrou-se que pode haver a
exacerbação de um quadro de doença pancreática em até um ano de seguimento,
sendo então recomendado acompanhamento clínico desses pacientes.19
A amilase salivar pode ter suas concentrações
correlacionadas com os níveis de catecolaminas, e sofrer alterações em resposta ao estresse
físico e psicológico. Pode também possuir níveis
anormais em agressões às glândulas salivares
como infecções, traumas e cálculos, sendo
necessário então a avaliação diferencial.20
Tendo em vista as diferentes causas de hiperamilasemia e as variações que podem
ocorrer nos exames laboratoriais de pacientes com condições benignas e malignas,
é importante ser realizado um acompanhamento desses pacientes por um a dois anos,
avaliando a presença de sinais e sintomas de
doença pancreática ou anormalidades na estrutura do pâncreas por exames de imagem.
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Endereço para correspondência:
Rua Almeron Caminha, 148 – Petrópolis, Manaus/
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Silva Júnior et al
PERFURAÇÃO INTESTINAL CAUSADA POR
INGESTÃO ACIDENTAL DE CORPO ESTRANHO
(ESPINHA DE PEIXE)
INTESTINAL PERFORATION CAUSED BY ACCIDENTAL INGESTION OF FOREIGH BODY
(FISH BONE)
Rubem Alves da Silva Júnior*, Márcio Costa Fernandes**, Raimundo Monteiro Maia Filho**, Adriano Pessoa Picanço Júnior**,
Rubem Alves da Silva Neto**, Igor Gioia Fonseca***
Resumo
A maioria dos corpos estranhos ingeridos passa por todo o trato gastrointestinal sem intercorrências, sendo eliminados nas fezes; entretanto, em alguns casos, podem ocorrer complicações como
perfuração ou obstrução. A perfuração pode se manifestar por diversos quadros clínicos como
sepse, obstrução e abscessos hepáticos ou abdominais; e o diagnóstico clínico, laboratorial e radiográfico é difícil. Embora rara, o cirurgião geral deve ter sempre em mente a possibilidade de
perfuração gastrointestinal em pacientes que apresentam sintomas abdominais agudos atípicos.
Em caso de dúvida, deve-se fazer a exploração abdominal. O caso relatado trata de um paciente
do sexo masculino, de 70 anos, admitido em nossa instituição com quadro de dor abdominal em
fossa ilíaca direita havia seis meses associada a picos febris, sudorese, calafrio e hiporexia. Foi ele
submetido à laparotomia exploradora e colectomia direita, com anastomose íleo-cólica términolateral. Paciente apresentou poucas intercorrências no período pós-operatório recebendo alta
após 11 dias da cirurgia. O laudo histopatológico evidenciou processo inflamatório causado por
corpo estranho (espinha de peixe).
Palavras-chave: corpo estranho, intestino delgado, espinha de peixe, perfuração.
Abstract
Most ingested foreign bodies pass through the entire gastrointestinal tract uneventfully, being
eliminated in the feces, however, in some cases complications can occur such as perforation or
obstruction. The perforation may manifest for clinical conditions such as sepsis, obstruction or
abdominal and liver abscesses; and the clinical, laboratory and radiographic giagnosis is difficult.
Although rare, the general surgeon should always bear in mind the possibility of gastrointestinal
perforation in patients with acute abdominal atypical symptoms. If in doubt, you should do
abdominal exploration. The reported case is a male patient, 70 years old, admitted to our
hospital with abdominal pain in the right iliac fossa for 6 months associated with peaks of
fever, sweating, chills, and decreased appetite. The same patient was submitted to laparotomy
*Chefe da divisão de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Amazonas, supervisor do Programa de Residência em Cirurgia Geral e Cirurgia do Aparelho Digestório do HUGV, prof. Msc. de Clínica Cirúrgica da
Universidade Nilton Lins.
**Médico residente do segundo ano de Cirurgia Geral do HUGV – AM.
***Acadêmico de medicina da Universidade Federal do Amazonas.
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PERFURAÇÃO INTESTINAL CAUSADA POR INGESTÃO ACIDENTAL DE CORPO ESTRANHO (ESPINHA DE PEIXE)
and right colectomy with ileo-colic anastomoosis end-side. Patient presented few complications
in postoperative period and was discharged after 11 days of the surgery. The histopathological
report showed inflammation caused by foreign body (fishbone).
Keywords: foreign bodies, small bowel, fishbone, perfuration.
Introdução
A ingestão de corpo estranho é uma situação
relativamente frequente na prática clínica e a
maioria atravessa o trato gastrointestinal sem
intercorrências.1,2,3,4 A espinha de peixe é um
dos objetos mais comumente envolvidos pela
sua forma afiada,1 podendo resultar em perfuração do trato gastrointestinal em 1% dos
caso.2,3,4,5 O diagnóstico preciso desse quadro é
particularmente difícil e raramente feito no préoperatório,3,6,7 pois a história dietética geralmente é irrelevante, a ingestão de espinha de
peixe é comum e acidental e a sintomatologia
é inespecífica,6 podendo simular o quadro de
outras condições cirúrgicas mais prováveis, tais
como apendicite, diverticulite e abscesso.1,3
Os métodos de imagem dependem da localização anatômica e densidade radiográfica do
corpo estranho,6 sendo praticamente invisíveis
à radiografia simples, ao contrário da tomografia computadorizada (TC), que pode ser usada
para elucidar uma causa inexplicável e persistente da dor abdominal.4 A perfuração ocorre
geralmente no jejuno 3,4 e íleo terminal,7,8 com
maiores taxas de impactação nas áreas de angulação do intestino1 (retossigmoide e válvula
ileocecal).1,2,4
evoluiu com piora do quadro, tendo aumento da
intensidade da dor e dois episódios de diarreia
aquosa sem muco e sem sangue. Perda ponderal
de dez quilos nesse período. Negava náuseas,
vômitos ou constipação.
Hipertenso há oito anos, portador de diabetes
tipo 2 havia dez anos sem controle adequado.
Admitido em nosso serviço em bom estado geral,
eupneico, eucárdico, normocorado, acianótico,
anictérico e hidratado.
Sinais vitais: 36,7oC, pulso 86 bpm, pressão arterial 110 x 79 mmHg.
Ao exame físico especial, apresentava abdômen com ruídos hidroaéreos, doloroso à palpação profunda em fossa ilíaca direita e dor à
descompressão súbita na mesma região, onde
foi evidenciada tumoração fixa e endurecida de
aproximadamente 0,5 x 0,5 cm.
Ao toque retal: próstata móvel, de consistência
fibroelástica, de tamanho aproximado de 8,0
cm, sulco centralizado, sem nodulações; sem
sangue em dedo de luva.
Exames laboratoriais: hemoglobina 13,9% g/dl,
O objetivo deste relato é apresentar o caso hematórito 40%, leucócitos 12.000 mm3, segclínico de um paciente do sexo masculino, 70 mentados 84%, linfócitos 11%, plaquetas 339.000
anos, com diagnóstico intraoperatório de per- mm3, fosfatase alcalina 462 U/L, TGO 35 U/L,
furação do ceco por espinha de peixe, tratado TGP 37 U/L, gama-GT 336 U/L, bilirrubina total 2,81 mg/dl, bilirrubina direta 0,11 mg/dl,
cirurgicamente com sucesso.
bilirrubina indireta 2,7 mg/dl, proteínas totais
6,5 g/dl, albumina 3,3 g/dl, globulina 3,17 g/
Relato de caso
dl, sódio 129 mmol/L, potássio 4,3 mmol/L,
Paciente de 70 anos, sexo masculino, com TAP 62,3%, glicemia 253 mg/dl, ureia 28 mg/dl,
quadro de dor abdominal em fossa ilíaca di- creatinina 0,8 mg/dl, CEA 2,2 ng/ml.
reita há seis meses, a qual se irradia para face
interna da coxa e bolsa escrotal ipsilateral; Exames de imagem:
e febre alta não aferida, sudorese, calafrios e
hiporexia. Duas semanas antes da internação, – Radiografia simples de abdômen sem evidências de pneumoperitônio.
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Silva Júnior et al
neoplasia, apendicite hiperplástica.
– Ultrassonografia abdominal: colelitíase.
– Tomografia computadorizada de abdômen
(Figuras 1 e 2), com impressão diagnóstica de Submetido à laparotomia exploradora, durante
derrame pleural laminar bibasal. Espessamento a qual foi evidenciado tumoração inespecíparietal concêntrico do ceco, associado à in- fica na topografia do ceco com drenagem de
definição de seu segmento apendicular, asso- moderado volume de secreção purulenta
ciado ao borramento difuso da gordura mesen- de região retrocecal, assim como necrose
térica adjacente, com foco cálcico e coleção na parede posterior do ceco. Foi submetido à
hipodensa de permeio, com cerca de 4,0 x 2,7 colectomia direita com anastomose íleo-cólica
cm, de natureza inflamatório-infecciosa. Não término-lateral.
há sinal de pneumoperitônio ou dilatação de No pós-operatório imediato o paciente evoluiu
vias biliares.
com hipotensão responsiva a volume, tendo
descontrole em seus níveis glicêmicos sendo
– Colonoscopia: ceco de parede espessada na posteriormente estabilizados.
topografia do óstio e margem apendicular, com
diâmetro de 5 cm, com superfície regular, hi- Recebeu alta hospitalar no 11.o dia pósperemia da mucosa e aumento da consistência operatório em regular estado geral.
tecidual e áreas com deposição de fibrina. Válvula ileocecal não comprometida. Conclusão: Laudo histopatológico conclusivo para processo
alteração da parede cecal com hipóteses de inflamatório causado por corpo estranho (espinha de peixe).
Discussão
Figura 1: Tomografia computadorizada do abdômen
Figura 2: Tomografia computadorizada do abdômen.
A ingestão de corpos estranhos não é uma
condição clínica rara;4,7 mais comum no sexo
masculino4 e ocorre com maior frequência em
certos grupos populacionais como crianças, alcoólatras, presidiários, pessoas com distúrbios
psiquiátricos, idosos e deficientes visuais.1,3,6,7
A maioria desses objetos atravessa o trato digestivo sem intercorrências durante uma semana.2,4,7,8 A perfuração pode ser vista em até 1%
dos casos.4,7,8 Pequenas espinhas de peixe são
inadvertidamente deglutidas1 e são as que mais
causam perfuração intestinal,2 mas, apesar da
forma afiada, podem estar presentes em um
bolo alimentar e, sendo assim, não perfurar a
parede intestinal, dependendo também do tamanho delas.1
As regiões anatômicas onde a impactação for
mais provável incluem: áreas mais estreitas e
de maiores angulações do intestino, zonas com
aderências, anastomoses cirúrgicas prévias e
zonas que possuírem uma moléstia diverticular.6
Os locais mais acometidos pela perfuração são:
jejuno,3,4 íleo distal7,8 e retossigmoide.7 Intervenções intra-abdominais prévias por outras patologias expõem o indivíduo a maiores taxas de
complicações diante de um quadro de ingestão
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PERFURAÇÃO INTESTINAL CAUSADA POR INGESTÃO ACIDENTAL DE CORPO ESTRANHO (ESPINHA DE PEIXE)
de corpo estranho.7
dominal durante a cirurgia.7
O diagnóstico de perfuração intestinal causada
por corpo estranho raramente é feito no préoperatório, principalmente porque os sintomas
são inespecíficos1,2,5 e podem ser semelhantes
ao de outras condições cirúrgicas, como apendicite, diverticulite, fístulas ou abscesso hepático, devendo estas entrarem como principais
diagnósticos diferenciais.1,7 As características
clínicas mais comuns causadas por ingestão de
espinhas de peixe podem variar de um quadro
com dor abdominal e febre,4,6 até vômitos e
peritonite difusa.6 Assim, o diagnóstico de perfuração por corpo estranho deve sempre ser
lembrado diante de um quadro de sintomas abdominais inespecíficos, sem uma etiologia bem
definida.2
A laparoscopia surge como ótima opção nos casos
duvidosos, com relevância diagnóstica e terapêutica, principalmente nos casos em que não
há peritonite deflagrada.5 Possui a vantagem
de oferecer a vantagem de oferecer avaliação
precisa da cavidade abdominal permitindo intervenção imediata.7,8 Fantola e colaboradores
(2011) publicaram um relato de caso em que um
paciente do sexo masculino procurou o serviço
de emergência por dor abdominal no quadrante
inferior esquerdo do abdômen, com TC de abdômen evidenciando imagem sugestiva de corpo
estranho.7 O diagnóstico definitivo e tratamento foram realizados por meio de laparoscopia.
Alguns autores (2009) relataram dois casos em
que não foi observado peritonite, mas apresentaram perfuração com formação de abscesso,
sendo submetidos à remoção do corpo estranho
e limpeza da cavidade abdominal.7
O uso da radiografia simples de abdômen para
diagnosticar esse tipo de quadro, tem baixa
sensibilidade (54,8%) e depende do grau de radiopacidade das espinhas de cada espécie de
peixe e da localização anatômica.1,2,5,6 A TC
demonstrou ser mais útil na detecção desses
corpos estranhos.2,5,6
Ainda são insuficientes as evidências para recomendar o manejo não operatório nessas perfurações intestinais.3 Para os pacientes sem a
lembrança da ingestão de um corpo estranho
e que desenvolveram abscesso intracavitário, a
No entanto, apesar dos avanços tecnológicos, intervenção cirúrgica é obrigatória.4 A tendênnão há diagnóstico definitivo até a interven- cia atual para o tratamento da perfuração intesção cirúrgica na maioria dos casos.3,6,8 Algumas tinal por corpo estranho em adultos é o reparo
razões para o atraso no diagnóstico podem in- por meio da sutura primária ou ressecção segcluir o não conhecimento ou autorrelato da mentar com enteroanastomose.6 No entanto,
ingestão de uma espinha de peixe,1,2,3,4 o que na presença de achados tomográficos, ausência
torna a investigação clínica mais desafiadora, de peritonite, contraindicações relativas para
sendo que apenas 2% dos pacientes com per- a cirurgia e em pacientes assintomáticos pode
furação intestinal relataram a ingestão de es- ser razoável manter o tratamento conservador
pinha de peixe.8
e complementar com exame endoscópico.3
As perfurações são puntiformes e geralmente
cursam com pouca significação clínica,3 pois o
objeto pontiagudo causa impactação progressiva na parede intestinal permitindo que seja
coberto com fibrina, omento, alças intestinais adjacentes ou formação de abscesso local, evitando a liberação de gás e ou líquido na
cavidade peritonial.1,3 Isso explica a baixa ocorrência de pneumoperitônio.3 Há, no entanto,
a possibilidade de perfuração livre da parede
intestinal e migração do corpo estranho para
outros locais da cavidade peritonial, exigindo
um inventário mais cuidadoso da cavidade ab-
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Endereço para correspondência:
Hospital Universitário Getúlio Vargas Endereço:Rua Apurinã, 4 – Praça 14 – CEP:
69020-170 Manaus/AM
E-mail: [email protected]
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Barroso et al
HIPERTENSÃO ARTERIAL SECUNDÁRIA
A ARTERITE DE TAKAYASU
SECONDARY HYPERTENSION ASSOCIATED WITH TAKAYASU ARTERITIS
Victor Hugo Vieira Barroso*, Wilson Marques Ramos Júnior*, Marlúcia do Nascimento Nobre**
Resumo
A arterite de Takayasu é uma vasculite primária de etiologia desconhecida que acomete principalmente a aorta e seus ramos principais, cursando com espessamento da parede dos vasos que
culmina em estenose, oclusão ou dilatação arterial. Mais comum em mulheres jovens e deve ser
investigada em situações de hipertensão arterial refratária ao tratamento com associação de antihipertensivos. É relatado um caso clínico dessa patologia diagnosticado por quadro de hipertensão
arterial estágio 3 numa paciente jovem com sintomas sugestivos. Foi ela submetida à investigação
de hipertensão secundária, diagnosticada com tal patologia, com estenose de artérias renais
(doença renovascular) e aorta. Foi iniciado tratamento clínico com controle da pressão arterial
por meio da associação de diversas classes de anti-hipertensivos e imunossupressores para controlar atividade inflamatória da doença e programar correção cirúrgica.
Palavras-chave: Hipertensão arterial secundária, arterite de Takayasu, estenose de artérias renais, hipertensão renovascular.
Abstract
Takayasu’s arteritis is a primary vasculitis of unknown etiology that primarily affects the aorta
and its main branches coursing with thickening of the vessel wallthat cuminates in stenosis
occlusion or arterial dilation. More common in young women and should be investigated in
cases of hypertension refractory to treatment with a combination of antihypertensive drugs.
We report a case of this disease diagnosed in a young patient with symptoms suggestive. The
same was submitted to the investigation of secondary hypertension, diagnosed with this disease,
renal artery stenosis (renovascular disease) and aorta stenosis. It was initiated clinical treatment
with blood pressure control through the combination of different classes of antihypertensive drugs
and imunossupressive drugs to control inflammatory activity the disease and plan surgical
correction.
Keywords: Secondary hypertension, Takayasu’s arteritis, renal artery stenosis, renovascular
desease.
Introdução
Diante da população hipertensa, existem diversas causas de elevação da pressão arterial que
podem ser identificadas e tratadas sem que as
complicações advindas dela surjam. A hipertensão arterial secundária deve ser pesquisada
principalmente em pacientes jovens e quando
há hipertensão refratária ao tratamento com
uso da associação de, pelo menos, três classes
*Médico residente de clínica médica do HUGV – Ufam
**Médica cardiologista, preceptora da residência de clínica médica e supervisora da residência de Cardiologia do HUGV
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HIPERTENSÃO ARTERIAL SECUNDÁRIA A ARTERITE DE TAKAYASU
da aorta abdominal em seu terço médio distal,
com alterações de fluxo e paredes irregulares,
A investigação diagnóstica deve nortear-se nos sem sinais de estenose das artérias renais; e andados do exame clínico do paciente que, bem giorressonância da aorta torácica e abdominal
elaborado, permite a seleção adequada de pa- com redução do calibre da aorta abdominal a
cientes que deverão submeter-se à realização partir do tronco celíaco, chegando a acometer
83% da sua luz. Realizada arteriografia que evide exames complementares específicos.1
denciou redução do calibre da aorta abdominal,
A arterite de Takayasu é uma causa rara de hi- severa após a emergência da artéria mesentépertensão arterial secundária. A elevação da rica superior. A cintilografia renal, estática e
pressão arterial se dá em consequência à es- dinâmica sugeriu hipertensão renovascular com
tenose de uma ou ambas as artérias renais, re- rim direito heterogêneo, tamanho reduzido,
sultante de um processo inflamatório das pare- severamente hipoperfundido com acentuado
des dos vasos, alterando a pressão de perfusão déficit na função urodinâmica e parenquimae o fluxo sanguíneo renal. Seu diagnóstico é tosa, lesões cicatriciais, captação absoluta do
dado pelos achados clínicos e a demonstração DMSA (ácido dimercapto succínico) acentuadada lesão do vaso sanguíneo na arteriografia ou mente reduzida; e rim esquerdo vicariante,
heterogêneo, tamanho aumentado, captação
angiografia por ressonância magnética.2,3
absoluta do DMSA aumentada.
O objetivo deste relato é apresentar um caso
com a associação hipertensão arterial e arterite Foi diagnosticada com arterite de Takayasu, pelos
critérios do American College of Rheumatology
de Takayasu.
(ACR): idade menor que 40 anos, claudicação
de
extremidades, sopro em aorta abdominal e
Relato de caso
alterações arteriográficas. Iniciou tratamento
Paciente do sexo feminino, 20 anos, atendida, com anti-hipertensivos, porém manteve acominicialmente, em unidade básica de saúde, re- panhamento ambulatorial irregular.
latando episódios de claudicação intermitente
em membros inferiores, dor abdominal difusa, Abandonou acompanhamento clínico e trataem pontada que piorava a alimentação, cefa- mento medicamentoso por aproximadamente
leia holocraniana e pressão arterial de 210 x 18 meses. Em março de 2011, com queixas de
120 mmHg. Ao exame do aparelho cardiovas- mal-estar geral, pré-síncope e PA de 290 x 230
cular observou-se: ritmo cardíaco regular em 2 mmHg, foi internada no Hospital Universitário
tempos, bulhas hiperfonéticas, sopro sistólico Francisca Mendes. A nova arteriografia mostrou
em foco aórtico 3+/6+ com irradiação para fúr- progressão das lesões arteriais com redução do
cula e foco aórtico acessório e sopro sistólico calibre da aorta, mais acentuada, logo abaixo
em foco mitral 3+/6+ com irradiação para linha da emergência das artérias renais e imporaxilar média, ictus cordis visível e palpável em tante circulação colateral. O ecocardiograma
5.º espaço intercostal com 3 polpas digitais e transtorácico mostrava hipertrofia concêntrica
frequência cardíaca de 66 bpm (batimentos por de ventrículo esquerdo (VE) de grau importante.
minuto). O abdome era flácido, doloroso à pal- Nova cintilografia revelou rim esquerdo vicariante,
pação profunda em hipogastro e flancos, com heterogêneo, aumentado, hipoperfundido, com
severo déficit na função urodinâmica e parenquipresença de sopro em aorta abdominal.
matosa, captação absoluta do DMSA discretamente
Foi iniciada investigação para hipertensão ar- reduzida e rim direito hipocaptante com captação
terial secundária inicialmente com hipótese absoluta do DMSA acentuadamente reduzida. A
de arterite de Takayasu e doença renovascular. cineangiocoronariografia mostrou-se normal.
O resultado das provas inflamatórias (VHS=32
mm/s) estava acima dos limites da normali- Atualmente, mantêm níveis pressóricos elevadade e a ultrassonografia abdominal com Dop- dos, mesmo com a associação oito classes de
pler e observou-se estenose importante de 70% medicações anti-hipertensivas (metildopa, hide anti-hipertensivos.
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Barroso et al
dralazina, espironolactona, anlodipino, hidroclorotiazida, atenolol, minoxidil e clonidina).
Iniciou tratamento com prednisona e metotrexate. No momento, aguarda fase de remis1A
1B
são de atividade inflamatória da doença para
submeter-se a correção cirúrgica da estenose
em artérias renais e aorta abdominal.
Discussão
1C
Figura 1A: Aortografia: Redução do calibre da aorta abdominal severa após a emergência da artéria mesentérica superior. 1B: Aortografia: Artéria renal direita não identificada, importante circulação colateral. 1C:
Angiorressonância: Redução do calibre da aorta e artéria renal direita não identificada.
A arterite de Takayasu acomete primariamente
a aorta e seus ramos principais, podendo estar
localizada na aorta torácica, abdominal, ou
acometer todo o vaso e seus ramos. O quadro
clínico é variável, dependente da localização
e extensão do processo inflamatório.2,3 Podem
surgir febre, mal-estar, artralgia, emagrecimento, tontura e astenia, alterações dos pulsos
arteriais periféricos, sopro e frêmito em trajetos arteriais, parestesias e claudicação.2-6
baseia-se no uso de corticosteroides em altas
doses (1-2 mg/kg/dia) na fase ativa da doença
e drogas imunossupressoras são utilizados, em
associação para poupar os corticoides por conta
dos seus efeitos colaterais. O metotrexato e a
azatioprina são os mais utilizados. Drogas antiTNF também podem ser utilizadas em casos refratários.2, 3, 9, 10
O tratamento cirúrgico de pacientes com estenose
de artéria renal e hipertensão arterial deve incluir
A hipertensão arterial pode surgir em 33 a 83% a intervenção para correção da lesão estenótica,
dos casos, geralmente em decorrência da es- seja por angioplastia ou cirurgia, principalmente
tenose de artérias renais, causa potencial- nas seguintes condições: hipertensão refratária
mente curável mais comum de hipertensão se- ao tratamento clínico incluindo três classes
cundária (2-5%).2 O processo inflamatório causa terapêuticas (sendo uma delas o diurético), inespessamento da parede dos vasos afetados, suficiência cardíaca congestiva por miocardioestenose, oclusão ou dilatação das porções ar- patia hipertensiva, edema agudo de repetição
teriais acometidas em graus variados, respon- e insuficiência renal progressiva. A revascularisáveis por produzir os sintomas da doença. O zação, endarterectomia e/ou a angioplastia são
desenvolvimento de técnicas de imagem menos os procedimentos cirúrgicos que podem ser realiinvasivas (tomografia computadorizada e a an- zados.1, 2, 4, 11
giorressonância magnética) tem alcançado um
papel importante na detecção e seguimento Quando há hipertensão arterial grave, o melhor
desses doentes, e vem aos poucos substituindo resultado terapêutico está associado à angioa arteriografia.2, 3-8
plastia renal. As falhas de tratamento ocorrem,
principalmente, em lesões aórticas associadas
O tratamento clínico da arterite de Takayasu e em lesões proximais de artéria renal e estão
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HIPERTENSÃO ARTERIAL SECUNDÁRIA A ARTERITE DE TAKAYASU
relacionadas à realização do procedimento durante a atividade da doença.1, 2, 11
American Journal o Roentgenology. 2006; 187: 569575.
Ainda assim, o tratamento da arterite de Takayasu baseia-se, apenas, em análises observacionais e em relatos de casos. Estudos multicêntricos com maior número de pacientes são
necessários para avaliar o melhor esquema
terapêutico.5
7. Cruz BA. Arterite de Takayasu e Arterite Temporal
(Arterite de Células Gigantes). Rev Bras Reumatol.
2008; 48: 106-109.
8. Nabais S, Gouveia P, Barracha I, Lima MJ, Dias
AR, Rua A. Arterite de Takayasu: a importância
das novas técnicas de imagem. Rev Portuguesa
de Medicina Interna. 2007; 14.
Em conclusão, foi investigada a hipertensão
secundária, pelas características clínicas da
paciente: início precoce, hipertensão grave e 9. Nunes G, Neves FS, Melo FM, Castro GRW,
refratária, claudicação de membros inferiores Zimmermann AF, Pereira IA. Arterite de Takayasu:
e sopro abdominal. Apesar do diagnóstico ain- tratamento com anti-TNF em uma casuística
da em fase inicial de doença, a paciente não brasileira. Rev Bras Reumatol. 2010; 50: 291-298.
aderiu ao tratamento clínico específico, o que
provocou a evolução da vasculite para estágios 10. Maffei S, Di Renzo M, Santoro S, Puccetti L,
avançados com estenose importante de artéria Pasqui AL. Refractory Takayasu arteritis successfully
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v.11. n.2 jul./dez. - 2012
Veiga et al
DOENÇA DE POMPE FORMA INFANTIL:
RELATO DE CASO
INFANTILE POMPE DISEASE: CASE REPORT
Renata Fagundes Veiga*, Luciana da Silva Carreira**, Vânia Mesquita Gadelha Prazeres***
Resumo
Trata-se de uma doença genética rara de acúmulo de glicogênio, causada pela deficiência da
enzima alfa-1,4-glicosidase ácida. O depósito de glicogênio ocorre dentro dos lisossomos, com
predomínio em células musculares e determina duas formas de doença: a forma infantil, com
evolução rápida e letal, e a forma adulta, de evolução lenta e progressiva. Relata um caso de paciente com nove meses de idade, com quadro de pneumonias de repetição, além de cardiomiopatia hipertrófica e atraso motor importante, que após sucessivas internações evoluiu para o óbito.
Palavras-chave: Doença de Depósito de Glicogênio Tipo II; Cardiomegalia; Hipotonia Muscular;
Terapia de Reposição de Enzimas.
Abstract
It is a rare genetic disorder of glycogen storage, caused by a deficiency of the alpha-1,4-glucosidase
acid enzyme. The glycogen storage occurs inside lysosomes, predominantly in muscle cells and
determines two forms of disease: the infantile form, with rapid and lethal progression, and the
adult form of slow and progressive evolution. This article reports a case of a 9 months patient,
with signs of recurrent pneumonia, hypertrophic cardiomyopathy and important motor delay,
which after successive admissions progressed to death.
Keywords: Glycogen Storage Disease Type II; Cardiomegaly; Muscle Hypotonia; Enzyme Replacement
Therapy.
Introdução
A doença de Pompe, também conhecida como
deficiência de maltase ácida, doença de depósito de glicogênio tipo II ou glicogenose tipo IIa,
é uma doença de herança autossômica recessiva.1-8
Foi inicialmente descrita em 1932 em paciente do sexo feminino, com sete meses de
idade, que desenvolveu cardiomiopatia hipertrófica idiopática e evoluiu a óbito. Durante
necropsia, P. J. Pompe observou o acúmulo
tecidual de glicogênio e o descreveu como sinal
patológico característico.2,3 São descritas na
*Médica residente em Pediatria – HUGV/Ufam
** Médica pediatra intensivista – PSC Zona Sul
*** Médica pediatra geneticista – HUGV/Ufam
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DOENÇA DE POMPE FORMA INFANTIL: RELATO DE CASO
literatura pelo menos 14 doenças de depósito
de glicogênio, e a doença de Pompe é o protótipo delas. É a única doença que é, ao mesmo
tempo, de depósito de glicogênio e de depósito
lisossomal. Ademais, foi a primeira doença de
depósito lisossomal a ser reconhecida.1,3
enzimática. Novo ecocardiograma evidenciou
cardiomiopatia hipertrófica, insuficiência mitral importante e aumento do átrio esquerdo.
Após doze dias de internação, recebeu alta em
uso de furosemida, carvedilol e espironolactona, para controle da cardiopatia.
A causa dessa doença é a deficiência da enzima alfa-1,4-glicosidase ácida, uma hidrolase lisossômica responsável pela degradação
do glicogênio nos lisossomos. O glicogênio não
degradado, que é estruturalmente normal, vai
sendo depositado principalmente nas células
musculares, determinando envolvimento mais
importante das musculaturas lisa, esquelética
e cardíaca.1-8
Cerca de duas semanas após alta hospitalar,
evoluiu com quadro de tosse, hipotonia e palidez, apresentando síncope enquanto aguardava
atendimento. Chegou à emergência do serviço
gemente e pálida, foi intubada, colocada em
ventilação pulmonar mecânica e transferida
para a UTI com quadro de congestão pulmonar por ICC descompensada, onde permaneceu
por oito dias. Ficou sob ventilação pulmonar
mecânica durante quatro dias, sob máscara de
Há descritas duas formas da doença, a de início Venturi por dois dias e a seguir sob cateter de
na infância e a de início tardio, que engloba oxigênio, com boa evolução clínica após comas formas juvenil e adulta. A idade de início da pensada ICC. Foi transferida para enfermaria,
doença e o grau de deficiência enzimática são ainda dependente de cateter nasal de oxigênio,
inversamente proporcionais à sua gravidade.1-7 para conclusão da investigação para doença de
Pompe. Após alta da UTI, no vigésimo sexto dia
de internação, a paciente evoluiu com piora do
Relato do caso
quadro, sendo re-admitida na UTI, com pneuO caso descrito é de um paciente do sexo femi- monia grave, insuficiência respiratória e ICC
nino, nove meses, branca, natural e procedente compensada, evoluindo para sepse grave, pulde Manaus (Amazonas, Brasil), que desde o nas- mão de Sara, choque séptico e insuficiência recimento apresentava choro fraco e sucção dé- nal aguda, culminando com óbito.
bil. Nascida de parto cesáreo por desproporção
céfalo-pélvica, a termo, é a primeira filha de Discussão
casal jovem, não consanguíneo. Aos quatro meses de vida iniciou quadro de tosse pouco produ- A doença de Pompe abrange um espectro
tiva, febre e dispneia. Foi diagnosticada com fenotípico que varia de acordo com a idade de
pneumonia e tratada em domicílio. Durante o início da apresentação, se antes ou após os 12
tratamento, evoluiu com dispneia importante, meses de vida, acometimento orgânico e grau
necessitando de internação. Houve suspeita de de miopatia.1-7;9
cardiopatia associada, foram realizadas radiografia de tórax, que evidenciou cardiomegalia Tem incidência mundial estimada em cerca de
importante, e ecocardiograma, que mostrou 1:40.000 nascidos vivos, sendo que em Taiwan
cardiomiopatia hipertrófica. Recebeu alta hos- e no sudeste da China a estimativa é de cerca
pitalar após 18 dias, em uso de furosemida. de 1:50.000 nascidos vivos. No Brasil, estima-se
Após um mês, re-internou por nova pneumonia, que existam cerca de 1.000 a 3.500 pacientes
sendo, então, aventada a hipótese de doença com doença de Pompe e no Amazonas não foram
de Pompe, com base na história pregressa. encontrados relatos científicos da forma infanForam iniciados os exames para investigação, til clássica.2-6
por meio da dosagem enzimática no sangue em
papel filtro, que evidenciou 0% de atividade da A doença de Pompe Forma Infantil Clássica é
GAA. Enquanto era aguardado resultado confir- considerada o extremo mais grave da doença,
matório do diagnóstico de glicogenose tipo IIa, tem início nos primeiros meses de vida e, sem
foi feita a solicitação da terapia de reposição tratamento específico, é letal. Nessa forma
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clínica observa-se a presença de hipotonia,
cardiomiopatia hipertrófica, hepatomegalia,
macroglossia, déficit de sucção, debilidade na
deglutição, arreflexia, retardo no desenvolvimento motor, déficit pôndero-estatural, e insuficiência respiratória progressiva.1-9 Os primeiros sintomas, em geral, aparecem antes dos
quatro meses de idade e o óbito costuma ocorrer nos primeiros oito meses de vida, cerca de
dois meses após o diagnóstico, em decorrência
da evolução da cardiopatia, da fraqueza muscular e do acúmulo de secreções para insuficiência cardiorrespiratória ou infecção respiratória,
em torno do final do primeiro ano de vida.1-8
Laboratorialmente apresenta níveis elevados
de aminotransferases, creatinoquinase sérica e
lactato desidrogenase. A dosagem da atividade
enzimática da GAA está caracteristicamente
abaixo de 1%.5 Radiologicamente observa-se
cardiomegalia de grande monta, e em geral
é o primeiro achado sugestivo da doença, em
lactente hipotônico.1;4;5 Ademais, o padrão
eletrocardiográfico nessa doença é o de complexo QRS de alta voltagem, com intervalo PR
encurtado.3;4;8
A paciente relatada apresentava, desde o nascimento, choro fraco e sucção débil, evoluindo
com atraso importante no desenvolvimento motor e dificuldade de movimentação espontânea
dos membros superiores e inferiores, de forma
que na ocasião do diagnóstico, com nove meses
de vida, era hipotônica, não sustentava a cabeça e somente aceitava alimentação oferecida
em colher, não tendo sucção (Figura 1).
Figura 1: Paciente descrita, aos nove meses de idade, com hipotonia severa
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DOENÇA DE POMPE FORMA INFANTIL: RELATO DE CASO
O diagnóstico da doença de Pompe nessa paciente foi sugerido pelas manifestações clínicas
(Figura 2) e confirmado por meio da dosagem da
atividade da alfa-glicosidase ácida nos leucócitos, após exame inicial de dosagem enzimática
no sangue em papel filtro evidenciar atividade
inferior a 1%. Ademais, apresentava alteração
de TGO, TGP, CK e CK-MB.
zimático, que evidencia a deficiência, e pode
ser realizado em músculos, fibroblastos cutâneos de cultura, gotas de sangue seco, leucócitos ou células sanguíneas que usam maltose,
glicogênio ou 4-metilumbeliferil-alfa-D-glicopiranosídeo como substrato.1;3 O diagnóstico
pré-natal da forma infantil fatal pode ser feito
usando-se os amniócitos ou vilosidades coriônicas.1;3-5;8
Conforme observado, trata-se de doença pouco
frequente, porém de grande importância por
determinar elevada morbidade e letalidade
na forma infantil e morbidade significativa nas
formas de início tardio. Anteriormente, o tratamento disponível era restrito ao suporte e cuidados paliativos, não atingindo a causa-base da
doença.3-5;8 Atualmente há disponível uma terapia nova e promissora de reposição enzimática
(TRE) com alfa-glicosidase, aprovada em 2006,9
que de forma semelhante à enzima natural,
degrada o glicogênio lisossômico. A TRE comprovadamente determina maior sobrevivência, redução da cardiomiopatia hipertrófica
(avaliada pela diminuição do índice de massa ventricular esquerda), além de evitar ou
reverter a progressão para falência cardiorrespiratória em lactentes e crianças pequeFigura 2: Radiografia de tórax aos nove meses de idade, nas e permitir ganhos motores e melhoras nos
na época do diagnóstico, evidenciando cardiomegalia de parâmetros de crescimento.5;10 Em crianças
grande monta.
maiores e em adultos, a TRE pode diminuir a
necessidade de suporte ventilatório, melhorar a
mobilidade e prevenir ou retardar a progressão
A variante da forma infantil clássica, também da doença.1;3;5;9;10 As outras opções terapêuticas
conhecida como forma juvenil, da infância ou estão em fase de pesquisa, como a indução de
variante muscular tem apresentação no primeiro tolerância imunológica associada à reposição
ano de vida, porém com cardiomiopatia menos enzimática, o uso de substâncias para reduzir
severa e progressão mais lenta. A forma adulta o substrato e a terapia gênica.1 Outra terapia
é caracterizada por uma miopatia lentamente usada antes do advento da TER, e ainda em uso
progressiva, em geral iniciando com quadro de em alguns centros, é a dieta com restrição de
fraqueza muscular proximal lentamente pro- açúcar.6
gressiva, que envolve principalmente o tronco e
membros, com comprometimento mais proemi- A paciente descrita teve apresentação da forma
nente dos membros inferiores em relação aos mais grave da doença, com demora na suspeita
superiores. Os músculos paraespinhais, a cintu- e confirmação diagnósticas, e consequente dera pélvica e o diafragma costumam ser mais mora no acesso à TRE.
gravemente acometidos, determinando a necessidade de suporte ventilatório e dependên- Por se tratar de doença rara e letal em sua forcia de cadeiras de rodas. Caracteristicamente ma infantil clássica, e por já existir terapia esnão há comprometimento cardíaco grave.1-7
pecífica com eficácia maior determinada pelo
O diagnóstico é confirmado pelo exame en-
início precoce do tratamento, é imprescindível
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que os pediatras estejam alerta sobre os sinais
e sintomas iniciais da doença de Pompe, para
que essa hipótese diagnóstica seja aventada o
mais precoce possível, visto que, no Brasil, os
medicamentos órfãos (medicações ou produtos
biológicos não padronizados para a prevenção,
diagnóstico ou tratamento de condição ou enfermidade rara)11 dependem de liberação por
via judicial para chegarem aos pacientes, processo em geral demorado. No caso das doenças
raras, em geral já se dispendeu tempo valioso
entre a suspeita diagnóstica, a confirmação e a
solicitação da medicação, nem sempre se conseguindo fazer todo esse percurso em tempo hábil para garantir a sobrevivência e a qualidade
de vida de tais pacientes. Além disso, por conta
da herança genética, autossômica recessiva, há
a necessidade de aconselhamento genético dos
pais desses pacientes, já que o risco é de 25% de
recorrência para uma nova gravidez.1
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chap&id=00006205&lng=pt&nrm=iso
Endereço para correspondência:
Rua Fortaleza, 523, apto 300. Adrianópolis,
Manaus-Am. CEP: 69057-080.
E-mail: [email protected]
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Macêdo et al
OBESIDADE E RESILIÊNCIA: UM ESTUDO DE
CASO A PARTIR DE ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO PRÉ-CIRÚRGICO
OBESITY AND RESILIENCE: A CASE OF STUDY ABOUT THE PSYCHOTHERAPEUTIC GROUP
TREATMENT PRE-SURGICAL
Maria Geórgia Duarte de Macêdo*, Ellen Belmonte dos Santos**, Kássia Karina Amorim Gomes**, Larissa Nogueira Negreiros**
Resumo
Este artigo trata da apresentação de um estudo de caso sobre uma das pacientes obesas do
Grupo Terapêutico Pré-cirúrgico do Programa de Cirurgia Bariátrica que obteve emagrecimento
satisfatório. Esse grupo é desenvolvido no Ambulatório Araújo Lima, anexo do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV/Ufam, que tem como finalidade orientar, acompanhar e avaliar os
pacientes candidatos a realizar a cirurgia bariátrica utilizando-se da abordagem da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). O objetivo deste artigo é abordar a importância do grupo para a paciente, pois apesar dos eventos adversos existentes na sua vida, pôde buscar no grupo terapêutico
potenciais de resiliência para a melhoria do seu tratamento com consequente emagrecimento.
Palavras-chave: Obesidade, Acompanhamento grupal, Terapia Cognitivo-Comportamental,
Resiliência.
Abstract
This article aims to present a case of study about one of the obese patient that participates of
the Therapeutic Group Pre-Surgical that makes part of the Bariatric Surgery Program, that has
loss weight satisfactorily. That group occurred at Araújo Lima Ambulatory bound to Getúlio Vargas
University Hospital. The group has the finality to guide, accompany and evaluate the patients
candidates to make the bariatric surgery using the interventions in Cognitive Behavioral Therapy.
The purpose of this article is to approach the importance of the group to the patient, because
although the adverse events that happened in her life she could find at the therapeutic group
potentials of resilience to improve her treatment and loss weight as a result.
Keywords: Obesity, Group accompany, Cognitive Behavioral Therapy, Resilience.
Introdução
A obesidade ocorre pelo acúmulo de tecido
adiposo no organismo, é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um
problema de saúde pública. É classificada pelo
índice de massa corporal (IMC). A OMS define
obesidade grau I quando o IMC situa-se entre 30
e 34,9 kg/m2, obesidade grau II quando o IMC
está entre 35 e 39,2 kg/m2 e obesidade grau III
quando o IMC ultrapassa 40 kg/m2.1
*Psicóloga especialista em Psicologia Hospitalar e Terapia Cognitivo-Comportamental
**Acadêmicas de Psicologia da Universidade Federal do Amazonas
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OBESIDADE E RESILIÊNCIA: UM ESTUDO DE CASO A PARTIR DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO PRÉ-CIRÚRGICO
Em países industrializados os obesos passam
constantemente por preconceito e discriminação, o que se observa em programas de televisão, revistas e piadas. Outros dados apontam
que são pessoas cursando um menor número
de anos escolares e que têm menor chance de
serem aceitas em escolas. O mesmo se dá em
empregos mais concorridos, resultando em salários mais baixos.1
com menos entusiasmo a questão do emagrecimento rápido e acentuado promovido pelas
técnicas cirúrgicas. Por conseguinte, é possível
de se ter uma adequada percepção da complexidade com a qual um paciente se depara
no tratamento de sua obesidade mórbida, assim
como o grau necessário de maturidade da personalidade de alguém que venha a submeter-se
a tal tratamento.4
Desse modo, a cirurgia bariátrica tem sido desenvolvida para o tratamento da obesidade, em
especial na sua forma mórbida. No entanto,
mesmo se mostrando extremamente eficazes,
com resultados satisfatórios para um público
considerável, tais técnicas de emagrecimento
também têm se defrontado com outro tipo de
problema às pessoas que as praticam: apresentação de alterações psicológicas após a realização da cirurgia.2
Tendo isso em vista, um dos aspectos que a
psicologia aborda é o apoio social, pois este
é uma base segura, necessária e fundamental
na infância, na adolescência, na idade adulta
e na terceira idade. É a partir do apoio social
recebido que se estabelece o apoio individual
de reconhecer e efetuar trocas com outras pessoas, construindo-se uma base estável ao longo
da vida. Assim, o sentimento de ser apoiado
precisa ser formado, mantido e renovado no
decorrer da existência.5
Ainda no pré-operatório, o paciente precisa
ser informado das mudanças significativas pelas quais ele atravessará. Um acompanhamento
psicológico fornece condições para que o paciente perceba a amplitude do processo que passará e o ajuda a tomar decisões mais conscientes e
de acordo com seu caso particular.3
Confirma-se por meio dessa prática que o enfoque terapêutico do grupo é amplo, visando
esclarecimentos a respeito de problemas práticos que surgem no pós-operatório, identificação
de conflitos, compreensão da dinâmica psíquica
dos pacientes e, por fim, a possibilidade de um
melhor manejo, pelos pacientes, do desafio que
representa o pós-operatório da cirurgia. Essa
prática grupal tem como objetivo principal
situar os pacientes na sua nova condição de
vida e, com isso, melhorar a adesão ao tratamento e instrumentalizá-los para manter a
perda de peso.6
A comunicação entre profissionais de saúde e
pacientes sempre teve seus obstáculos, mas
existem características específicas do grupo
bariátrico. A expectativa em relação aos resultados sobre a autoestima e motivação ainda
prevalece na maioria dos pacientes, enquanto
o foco central da equipe multidisciplinar permanece na resolução das doenças associadas à Desse modo, o espaço de intervenção conta
doença obesidade.4
com as técnicas da TCC (Terapia CognitivoComportamental) que é uma abordagem de
Além disso, o tratamento dessa patologia re- senso comum cuja base está em dois princípios
quer uma equipe multidisciplinar, e o papel centrais: nossas cognições têm uma influência
do psicólogo dentro da equipe é o de avaliar controladora sobre nossas emoções e comporse o indivíduo está apto emocionalmente para tamento; e o modo como agimos ou nos coma cirurgia, auxiliá-lo quanto à compreensão de portamos pode afetar profundamente nossos
todos os aspectos decorrentes do pré-cirúrgico, padrões de pensamento e nossas emoções.7
inclusive, detectar e tratar os pacientes portadores ou potencialmente sujeitos a distúrbios Por intermédio da TCC, os terapeutas incentipsicológicos graves.3
vam o desenvolvimento e a aplicação de processos conscientes adaptativos de pensamento,
A psicologia reconhece os benefícios que o ema- como o pensamento racional e de solução de
grecimento pode trazer ao paciente, porém vê problemas. Além disso, enfatiza técnicas desti| 41 |
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nadas a ajudar os pacientes a detectar e modifi- A paciente também relatou sofrer preconceito
car seus pensamentos profundos, especialmente social, uma vez que segundo ela a chamavam na
aqueles associados com sintomas emocionais, rua de “gorda” e “mendiga”.
como depressão, ansiedade ou raiva.7
Quanto à sua história de vida, a paciente inComo produto do trabalho realizado, deu-se ên- formou que não conheceu o pai biológico e sua
fase nos êxitos de emagrecimento de uma das mãe a entregou quando tinha nove anos para ser
participantes do grupo terapêutico com história cuidada por parentes, os quais lhe destratavam,
de vida dotada de eventos adversos, compreen- não a reconheciam como membro da família,
dida como sujeito em potencial de resiliência a mas exercia funções de empregada doméstica
partir dos recursos oportunizados no grupo. En- na qual permanece até o presente momento.
tendendo tal resiliência, como o resultado final Quando estava com 13 anos, a paciente inforde processos de proteção que não eliminam os mou que foi vítima de abuso sexual por uma
riscos experimentados, mas encorajam o indi- pessoa da família que a criou. Sua vida escolar
víduo a lidar efetivamente com a situação e a deu-se até o primeiro ano do Ensino Médio. Aos
sair fortalecido dela.8
30 anos teve um rápido relacionamento do qual
gerou um filho, desde então esta relatou que
Em tal contexto, a melhora do indivíduo doen- não teve nenhum outro relacionamento afetivo,
te, a retomada de sua evolução psíquica, sua informou que não possuía vida social e se imresiliência, a aptidão para aguentar e retomar portava mais com os outros do que consigo.
um desenvolvimento em circunstâncias adversas implica necessariamente, nesse caso, tratar A paciente relatou que estava sendo acomdo entorno, agir sobre a família, combater os panhada por uma nutróloga havia dois anos,
preconceitos ou modificar as rotinas culturais, porém não tinha resultados satisfatórios, pois
crenças insidiosas a partir das quais, sem per- estava utilizando medicamentos inibidores de
ceber, justificamos nossas interpretações e mo- apetite que aumentavam a vontade de comer.
tivamos nossas reações. Fazer um projeto para A paciente foi encaminhada para o programa
distanciar o passado, metamorfosear a dor do de cirurgia bariátrica, sendo acompanhada por
momento para torná-la uma lembrança gloriosa uma equipe multiprofissional, incluindo o grupo
ou divertida, certamente explica o trabalho de terapêutico.
resiliência.8
Após iniciar o acompanhamento psicológico, a
paciente relata que obteve mudanças significaRelato do Caso
tivas em sua vida. Passou a cuidar mais de si,
A paciente na qual se baseia este estudo de adquirindo maior autocontrole e adesão à dieta,
caso tem 36 anos de idade, está em acom- além de automonitoramento, pois reconheceu
panhamento terapêutico há três anos, ini- sentimento de ansiedade que a levava a comer
cialmente pesava 120 kg. Após dois anos de compulsivamente sempre que havia um conparticipação no programa, emagreceu 36 kg, flito emocional. Tudo isso foi possível por meio
pesando atualmente 84 kg. Para a realização das intervenções terapêuticas na abordagem
deste estudo de caso foi feita uma entrevista da Terapia Cognitivo-Comportamental facilisemiestruturada com o objetivo de conhecer tada pela psicóloga do GT. A paciente atribuiu
um sentido de cuidado por parte dessa profissua história de vida.
sional e dos demais participantes do grupo,
A queixa da paciente refere-se ao fato de que, auxiliando-a a corrigir os pensamentos distorcia partir dos 18 anos, começou a engordar de dos e ressignificando seu contexto psicossocial,
modo excessivo, havendo dificuldades para en- resgatando a autonomia e autoestima ao fazer
contrar vestimentas adequadas. Além de ad- planos para retomar os estudos e melhorar a
quirir problemas de saúde, tais como: diabetes convivência com os familiares, pois estes pasmellitus, artrose (dores no joelho e na coluna) saram a apoiá-la no processo de emagrecimene dificuldades para realizar tarefas domésticas. to. Além do apoio do grupo, a paciente aponta
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OBESIDADE E RESILIÊNCIA: UM ESTUDO DE CASO A PARTIR DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO PRÉ-CIRÚRGICO
como relevante seu comprometimento com as
atividades desenvolvidas, visto que passou a revisar as tarefas propostas cujo objetivo visava
a psicoeducação para melhoria do tratamento.
Discussão
A obesidade é considerada uma das doenças
mais graves atualmente, pois, além das consequências físicas, podem ocorrer também
transtornos decorrentes do sobrepeso, afetando principalmente o aspecto emocional,
resultando em baixa autoestima, autoconceito
negativo, depressão e ansiedade. Dessa forma,
compreende-se a necessidade de um acompanhamento terapêutico antes da realização da
cirurgia bariátrica. Assim sendo, destaca-se a
relevância do grupo terapêutico pré-cirúrgico,
uma vez que esse acompanhamento é importante antes de os pacientes realizarem o procedimento cirúrgico, pois o trabalho visa orientá-los e auxiliá-los na minimização dos quadros
emocionais como: ansiedade, compulsividade,
depressão, entre outros.
A partir deste estudo, é possível perceber a importância do grupo terapêutico pré-cirúrgico
para a paciente em questão, pois esta conseguiu emagrecer 36 kg, sem realizar a cirurgia
bariátrica. Ressalta-se que sua história de vida
é marcada por adversidades e um contexto de
vulnerabilidades os quais favoreceram o sobrepeso. Entretanto, o acompanhamento em grupo
potencializou recursos para seu emagrecimento
e consequente conduta resiliente.
amor-próprio.
Dessa forma, as mediações da psicóloga, o
acompanhamento, as orientações e o apoio do
grupo propiciaram a ampliação de sua forma de
ver os problemas. Visto que foram apontados
pela paciente como fatores que auxiliaram também o emagrecimento, ou seja, contribuíram
como potenciais de resiliência. Pois para que
esta ocorra precisa contar com modificações
tanto em nível pessoal como social, daí a compreensão da relevância do grupo em sua vida.
Tudo isso promoveu uma reflexão na paciente
para que esta mantivesse uma conduta visando
melhorar sua qualidade de vida.
Ressalta-se ainda a importância da equipe multidisciplinar, entre os quais se destacam ainda
os médicos e a nutricionista, todos esses profissionais contribuíram para que a paciente tivesse
um acompanhamento adequado e favorecesse o
seu processo de emagrecimento.
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êxitos e motiva-se a atingi-los ainda mais;
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Azevedo et al
COMPROMETIMENTO RENAL EM PACIENTE COM
ESCLEROSE SISTÊMICA: RELATO DE CASO
RENAL IMPAIRMENT IN PATIENTS WITH SYSTEMIC SCLEROSIS: A CASE REPORT
Junio Aguiar Azevedo, Alan P. Fernandes, Maureen Kelly dos S. Braun, Nayarah P. S. Castro, Renayra Tallita L. Alonso2
Resumo
A crise renal esclerodérmica é uma complicação grave e rara da esclerose sistêmica difusa e que
se caracteriza pelo comprometimento renal, manifestado por hipertensão maligna e insuficiência
renal rapidamente progressiva. O uso de Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (Ieca)
é o tratamento de escolha para a doença e tem melhorado o prognóstico dessa manifestação,
contudo a mortalidade ainda é alta. Este relato descreve um caso de crise renal esclerodérmica
em paciente previamente portadora de esclerodermia.
Palavras-chave: Esclerodermia sistêmica, crise renal esclerodérmica, insuficiência renal.
Abstract
The Scleroderma renal crisis is a rare and serious complication of diffuse systemic sclerosis
and is characterized by renal impairment, manifested by malignant hypertension and rapidly
progressive renal failure. The use of inhibitors of angiotensin converting enzyme (ACE) is the
preferred treatment for the disease and has improved the prognosis of this demonstration, but
mortality is still high. This report describes a case of scleroderma renal crisis in scleroderma patients
with a history.
Keywords: Systemic sclerosis, scleroderma renal crisis, renal failure.
Introdução
comprometimento visceral (ES difusa) a espessamento de pele restrito às extremidades (ES
A esclerose sistêmica (ES) é uma enfermidade limitada).² A doença caracterizada por modifiautoimune caracterizada por inflamação e fi- cações da microcirculação pode causar fibrose
brose, principalmente cutânea, concomitante e obliteração das veias da pele, pulmão, trato
ao dano endotelial e afecção inflamatória de gastrointestinal e rins.³
vasos sanguíneos, tecidos osteomusculares e
órgãos internos. A ES difusa se caracteriza por A ES é uma doença relativamente rara, estimanendurecimento generalizado da pele e com- do-se a sua incidência em 3,8 a 13,9 novos caprometimento frequente de órgãos internos sos/1.000.000 habitantes/ano. Afeta, sobretue presença de anticorpos antitopoisomerase I do, as mulheres, entre os 30 a 60 anos, com
(Scl-70), sendo que essa apresentação clínica um pico de incidência entre os 40 e 50 anos.
apresenta pior prognóstico.1
O acometimento cutâneo está presente em
A ES apresenta um amplo espectro clínico, quase todos os casos de esclerose sistêmica. A
variando de espessamento cutâneo generali- esclerodactilia é quase universal, condicionanzado, ocorrendo rápida progressão e precoce do com frequência contraturas e deformações
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COMPROMETIMENTO RENAL EM PACIENTE COM ESCLEROSE SISTÊMICA: RELATO DE CASO
nos dedos, com grande incapacidade funcional.4
Dentre os fenômenos vasculares o fenômeno
de Raynaud está presente na maioria dos casos
de ES difusa. O fenômeno de Raynaud acomete
mãos e pés e em casos mais graves pode também acometer o nariz, orelhas e língua.5
A pele, vasos sanguíneos, pulmões, trato gastrointestinal e miocárdio podem estar comprometidos. No entanto, uma das complicações
mais graves e raras da esclerose sistêmica corresponde ao comprometimento renal, manifestado por hipertensão maligna e insuficiência renal rapidamente progressiva.6
A crise renal esclerodérmica está relacionada
às alterações vasculares que afetam as artérias
arqueadas e interlobares dos rins, com espessamento mucoide da parede vascular e estreitamento da luz dos vasos, diminuindo o fluxo
sanguíneo renal e aumentando a resistência
vascular intrarrenal, e consequente hiperativação do sistema renina-angiotensina.7
Antes da introdução dos Ieca, na década de 80, o
envolvimento renal na esclerose sistêmica (crise renal esclerodérmica) representava a principal causa de morte nessa doença. Com esses
fármacos, a sobrevivência após um ano passou
a ser de 15 a 76%. A crise renal esclerodérmica
é mais frequente na ES difusa, e a maioria dos
casos ocorre nos cinco primeiros anos, após a
primeira manifestação de esclerose sistêmica.⁴
De forma simplificada, a crise renal esclerodérmica pode ser definida como o aparecimento de
hipertensão arterial maligna ou de insuficiência
renal rapidamente progressiva, no curso de esclerose sistêmica, sem outras explicações plausíveis para o quadro.4
Os fatores associados ao mau prognóstico da
crise renal esclerodérmica são a idade mais
avançada, o sexo masculino, uma creatinina
sérica inicial maior ou igual a 3 mg/dL, o não
controle da pressão arterial nos primeiros dias
após o seu aparecimento e a presença de insuficiência cardíaca.4
Uso de Ieca é o tratamento de escolha para a
crise renal esclerodérmica, tem melhorado o
prognóstico dessa manifestação, mas a mortalidade ainda é alta. O tratamento baseia-se em
normalizar a pressão arterial. Hemodiálise pode
ser necessária.8
Relato do caso
Paciente, 38 anos, feminino, parda, boliviana,
procedente do município de Itaituba/PA, admitida
no Hospital Municipal de Santarém, com queixa de
dor abdominal difusa, náuseas, vômitos alimentares, cefaleia occipital, apresentava oligúria e
edema de mãos e face. O quadro foi acompanhado ainda de turvamento visual. À admissão,
apresentava elevação da pressão arterial (PA:
220 x 100 mmHg) e elevação das escórias nitrogenadas (Ureia- 156, Creatinina- 11.8), que
uma semana antes eram normais. Paciente relatou que, cerca de quatro anos apresentou um
quadro cutâneo em extremidades com palidez,
seguida de cianose e rubor, principalmente durante exposição ao frio, posteriormente evoluiu
com espessamento cutâneo disseminado acompanhado de artralgia e edema periarticular,
principalmente nas articulações das mãos, joelhos, pés e cotovelos recebendo o diagnóstico
de Esclerose Sistêmica. Fez uso de prednisona
e D-penicilamina, posteriormente realizou pulsoterapia com ciclofosfamida para o tratamento da esclerose sistêmica difusa. Encontra-se há
seis meses sem o uso desses medicamentos. Ao
exame físico realizado à admissão hospitalar, paciente apresentava-se em regular estado geral,
lúcida e orientada no tempo e espaço, hipocorada, anictérica, afebril e acianótica, frequência
cardíaca de 126 bpm, frequência respiratória
12 ipm, espessamento cutâneo difuso, pele
com textura áspera. Ao exame do tórax apresentava manchas hipocrômicas em tórax superior e
dorso, sem alterações ao exame cardiopulmonar.
Ao exame do abdome, ele encontrava-se plano,
doloroso e sem visceromegalias. Ao exame dos
membros, visualizavam-se manchas hipocrômicas, espessamento cutâneo, esclerodactilia,
creptações ao movimento da articulação do carpo. Durante a internação hospitalar, paciente
evoluiu com elevação das escórias nitrogenadas
a despeito da terapia farmacológica com Ieca e
bloqueadores dos receptores de angiotensina,
além do uso de outros anti-hipertensivos (inibidores dos canais de cálcio e metildopa), ao 4.º
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Azevedo et al
dia da internação paciente apresentava ureia
de 139, creatinina de 18.06 (ClCr 4.07 ml/min),
foi submetida à hemodiálise com melhora do
estado geral, continua em programa dialítico
em média três vezes por semana, encontra-se
no terceiro mês após a internação do quadro e
mantém níveis altos das escórias nitrogenadas.
Realizou exame ultrassonográfico de rins e vias
urinárias que evidenciou doença parenquimatosa
renal bilateral com redução da relação córticomedular, realizou exame de dooplervelocimetria
de artéria renal dentro da normalidade.
retinopatia hipertensiva, e presença de sedimento urinário normal ou com leve proteinúria
e/ou hematúria. No presente caso, o diagnóstico clínico se fez pela presença de insuficiência
renal aguda de progressão rápida, com elevação
súbita das escórias nitrogenadas, pelo pico hipertensivo visualizado à admissão hospitalar, e
pelas queixas visuais sugestivas de retinopatia
hipertensiva.
O prognóstico desfavorável em pacientes com
desenvolvimento de crise renal esclerodérmica estão relacionados à idade avançada do
paciente, sexo masculino e níveis de creatinina
Discussão
maiores que 3 mg/dL.4 No caso em questão,
Relatou-se um caso de crise renal esclerodér- trata-se de uma paciente de 38 anos, do sexo
mica em paciente portadora de ES difusa, com feminino, com valor elevado de creatinina à
quadro clínico de cefaleia em região occipital, admissão hospitalar, podendo estar relacionado
oligúria, edema de mãos e face, turvamento com um pior prognóstico.
visual e elevação da pressão arterial em paciente previamente normotensa, o quadro foi O tratamento da crise renal esclerodérmica
acompanhado de elevação importante das es- visa, em primeiro lugar, o controle da pressão
córias nitrogenadas em curto período de tempo. arterial, devendo ser iniciado o mais precocemente possível para evitar que ocorram lesões
8
Trata-se de uma doença rara, sendo mais co- vasculares e renais irreversíveis. Os agentes de
8
mum ocorrer em mulheres na faixa etária de 30 escolha são Ieca, que quando comparado com
a 50 anos.4 No presente caso relatado, trata-se outros anti-hipertensivos, apresentam maior
de uma paciente do sexo feminino e com diag- eficácia e estão associados à maior sobrevida
geral (80% ao ano) e uma melhor preservação
nóstico de ES aos 33 anos de idade.
da função renal. Esse foi o tratamento de esA crise renal esclerodérmica é a complicação colha na paciente, necessitando de associação
renal que acomete portadores de ES difusa e com outras drogas anti-hipertensivas para melhor
pode acometer 10 a 15% dos pacientes com es- controle da pressão arterial.
clerodermia, principalmente nos primeiros cinco anos do início dos primeiros sintomas de es- Aproximadamente 50% dos pacientes que neclerose sistêmica. No caso relatado, a paciente cessitam de diálise e recebem Ieca apresentam
possuía o diagnóstico de esclerose sistêmica há recuperação da função renal, e descontinuam a
cerca de quatro anos. A literatura relata que terapia dialítica após seis a 18 meses. Apesar do
os fatores relacionados ao desenvolvimento da tratamento com inibidores da enzima convercrise renal são envolvimento cutâneo difuso, sora de angiotensina, muitos pacientes evoluem
raça negra e uso de altas doses de corticoides.4 para insuficiência renal crônica.
Desses fatores de risco, observamos no caso relatado o uso de corticoides e o envolvimento No caso relatado, a paciente encontra-se em
terapia com Ieca associado a outros fármacos
cutâneo difuso.
anti-hipertensivos para otimização do controle
O diagnóstico da crise renal esclerodérmica é da pressão arterial, associado à terapia dialítifeito por meio de parâmetros clínicos e labo- ca e aguardando a possibilidade de reversão do
ratoriais que incluem a instalação abrupta de quadro renal.
insuficiência renal de rápida progressão, início
agudo de hipertensão arterial de moderada a
grave, muitas vezes associado ao quadro de Referências
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Santos et al
RELATO DE CASO: GRAVIDEZ BEM-SUCEDIDA
EM PACIENTE RENAL CRÔNICA HEMODIALÍTICA
CASE REPORT: SUCCESFUL PREGNANCY IN DIALYSIS PATIENT
Samanta Samara Bicharra dos Santos*, Antônio Carlos Duarte Cardoso**, Helen Caroline dos Santos Brandão***
Resumo
A gravidez é um desafio para as mulheres com doença renal e principalmente as que se encontram
em programa de terapia renal substutiva. A melhoria impressionante na assistência materno-fetal,
eficiência da diálise, frequência e terapia de suporte permitiram que pacientes renais crônicas
em diálise pudessem engravidar. Relatamos um caso de gravidez em paciente renal crônica em
diálise havia 20 anos. A criança nasceu com 34 semanas de gestação e encontra-se saudável em
acompanhamento pelo Serviço de Nefropediatria.
Palavras-chave: Gravidez, insuficiência renal crônica, hemodiálise.
Abstract
Pregnancy is a challenge for women with chronic kidney disease and especially those who
are on renal replacement therapy program hemodialysis. The impressive improvement in the
maternal-fetal, dialysis efficiency, frequency and supportive therapy allowed patients on
chronic kidney dialysis to become pregnant. We report a case of pregnancy in a patient with
substitute support therapy hemodialysis for 20 years. The infant was born with 34 weeks of
pregnancy and he is being monitored by Nephrology Pediatrc Service.
Keywords: Pregnancy, chronic kidney failure, hemodialysis.
Introdução
então, publicações recentes relatam a gravidez
em 1-7% das mulheres em diálise crônica.2
A gravidez é um desafio para as mulheres com
doença renal, e isso é especialmente verdadeiro para pacientes em diálise; no entanto, a
melhoria impressionante na assistência materno-fetal e na eficiência da terapia dialítica permitiram alcançar metas anteriormente inacessíveis.1 Em 1971, foi relatado o primeiro caso
de sucesso na gestação de paciente portadora
de insuficiência renal crônica dialítica e, desde
Atualmente, existem no Brasil perto de 92.021
pacientes portadores de insuficiência renal
crônica em programa de diálise e grande parte
delas são mulheres em idade fértil.3 O tratamento medicamentoso e hemodialítico apresentaram espetacular melhora nas últimas décadas, levando a uma melhora na expectativa e
na qualidade de vida. Descrevemos um caso de
*Médico residente, segundo ano em Nefrologia no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV).
**Professor mestre adjunto da FCS da Ufam
***Acadêmica do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas.
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RELATO DE CASO: GRAVIDEZ BEM-SUCEDIDA EM PACIENTE RENAL CRÔNICA HEMODIALÍTICA
paciente renal crônico em terapia hemodialítica por 20 anos, sem função renal residual que
descobriu estar grávida após investigação ultrassonográfica. Apresentava como sintoma apenas
amenorreia. Evoluiu com manutenção da gravidez até 34 semanas e necessidade de cesareana
por conta do início de sofrimento fetal agudo.
Relato de caso
Paciente de 38 anos, sexo feminino, parda, portadora de insuficiência renal crônica em terapia hemodialítica desde os 18 anos em clínica
satélite, regularmente três vezes por semana
e não apresentando função renal residual. Na
história patológica pregressa relatava aborto espontâneo aos 22 anos, ciclos menstruais regulares,
hipertensão arterial sistêmica e paratireoidectomia prévia.
Em fevereiro de 2010, iniciou quadro de amenorreia com diagnóstico ultrassonográfico de gravidez com feto vivo em 25 semanas, sendo encaminhada ao ambulatório de gravidez de alto
risco e iniciado hemodiálise diária (seis sessões
por semana), duração de 4h cada sessão com
dialisador 2.1m2, fluxo de sangue em 400 ml/
min, fluxo do dialisato em 500 ml/min e heparina 100UI/kg em cada sessão. A terapia medicamentosa consistia de eritropoietina humana
recombinante que aumentou para 24.000UI
por semana, carbonato de cálcio (1,5 g/dia)
como quelante de fósforo, reposição de ferro
endovenoso (300 mg/semana) e suplementação de vitaminas. Durante gestação houve
necessidade de transfusão de concentrado de
hemáceas por anemia sintomática e com 32 semanas de gestação, os níveis pressóricos elevaram-se, iniciando uso de metildopa (1 g/dia),
nifedipina (60 mg/dia) e propranolol (240 mg/
dia). Submetida à cesariana com 34 semanas de
gestação por conta do sofrimento fetal agudo.
com antibioticoterapia intravenosa.
Posteriormente, recebeu alta da unidade de
terapia intensiva e encontra-se saudável até o
presente momento, sendo acompanhado pela
equipe de nefropediatria.
Discussão
Mulheres portadoras de insuficiência renal
crônica em tratamento hemodialítico apresentam ciclos anovulatórios por conta de picos de
prolactina que prejudicam o eixo hipotálamohipófise4 contribuindo assim para diminuição da
libido, além de outras complicações inerentes
a doença renal crônica como anemia e depressão. Todos esses fatores contribuem para
baixa fertilidade e diminuição da concepção.
O diagnóstico precoce de gestação em doença
renal crônica exige atenção, uma vez que ciclos
menstruais irregulares, amenorreia, náuseas e
elevação da subunidade beta da gonadotrofina
coriônica humana podem contribuir para teste
de gravidez falso-positivo em pacientes com insuficiência renal.4
Os dados variam muito de cada centro, entretanto estima- se que a taxa de sucesso de
gestação ocorra entre 79 a 81% de mulheres
em hemodiálise e os principais fatores que
contribuem são o aumento do tempo e da
frequência da hemodiálise, suplementação de
eritropoietina, ferro, vitaminas, suporte nutricional adequado, manejo obstétrico e neonatal
mais qualificado.
Um estudo apresentou um caso de gestante
renal crônica em tratamento hemodialítico
que realizou hemodiafiltração durante todo o
período gestacional e apresentou resultados
favoráveis para o feto.5 A hemodiálise noturna pode melhorar a fertilidade materna, uma
vez que minimiza as alterações relacionadas à
O recém-nascido apresentou apgar 7/9, aproxi- uremia e desequilíbrios metabólicos, além de
madamente 2.160 g, estatura de 42 cm e pe- proporcionar menores complicações maternorímetro cefálico de 30 cm, tendo permanecido fetais.6
na UTI neonatal por 27 dias pelo quadro de icterícia neonatal compatível à eritroblastose fetal Uma série de outros desafios existe no manejo
e submetido a sessões de fototerapia e exsan- de pacientes grávidas em terapia substitutiva
guineotransfusão. Apresentou concomitante- renal. Conforme relatado na literatura, necesmente quadro séptico-foco pulmonar tratado sita-se aumentar as dosagens de ferro e eritro| 50 |
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Santos et al
poetina.7 Embora a anemia seja uma característica típica da gravidez, tem-se especulado
que as pacientes grávidas são resistentes à
eritropoetina por causa da produção de citocinas durante gestação e por isso a necessidade
de doses aumentadas de eritropoetina.8 A correção da anemia aumenta a taxa de sucesso da
gravidez e previne o estresse fetal causado pela
hipoxemia. A eritropoetina não atravessa a barreira placentária, não há relatos na literatura
de teratogenicidade. Prévio ao uso da eritropoetina, a taxa de sucesso na gravidez era de
apenas 25% na Europa.9
Hipertensão é a complicação materna mais frequentemente relatada nessa população, ocorrendo em 42 a 80% dos casos.10 A fisiopatogenia
da hipertensão é complexa tendo como base hipervolemia e resistência periférica total inapropriadamente elevada.11 Há um risco aumentado
de pré-eclâmpsia. Na maioria dos casos, ocorre
a necessidade do uso de anti-hipertensivos para
manutenção da pressão arterial diastólica entre
80-90 mmHg, sendo os medicamentos mais utilizados: metildopa, hidralazina, beta-bloqueadores e em casos de difícil controle pressórico
indica- se clonidina e bloqueadores do canal de
cálcio.12
A taxa de sobrevivência dos recém-nascidos
com mães em hemodiálise melhorou de 23% em
1980 para 90% na última década, porém a taxa
de mortalidade ainda é superior que a da população geral.13
Apesar da melhora na sobrevivência infantil,
crianças nascidas de mulheres em diálise são
normalmente prematuras, com uma média
de idade gestacional de 32 semanas. Existem
inúmeras causas de parto prematuro consequente a polidrâmnio, hipertensão materna
e ruptura prematura das membranas.14 O aumento da frequência de diálise diminui os níveis
de BUN pré-diálise, reduzindo a ocorrência de
polidrâmnio e o risco de parto prematuro.13
Neste relato de caso, a paciente renal crônica
em programa regular de hemodiálise evoluiu
com sucesso na gestação, diferindo dos dados epidemiológicos na população estudada. O
crescente número de casos de gestações bem-
sucedidas em pacientes renais crônicas em
programa hemodialítico regular nos sugere a
possibilidade de reconsiderar nossa política de
aconselhamento de rotina, que só raramente inclui a questão da gravidez em pacientes jovens.
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Mubarac et al
RETOCOLITE ULCERATIVA FULMINANTE:
ASSOCIAÇÃO DE CONDUTAS TERAPÊUTICAS
NÃO USUAIS
FULMINANT ULCERATIVE COLITIS: ASSOCIATION OF UNUSUAL THERAPEUTIC
Rebecca Souza Mubarac*, Daniere Yurie Vieira Tomotani*, Daniel Almeida Schettini*, Armando de Holanda Guerra Júnior**,
Isolda Prado de Negreiros Nogueira Maduro***
Resumo
A retocolite ulcerativa (RCU) é uma doença crônica caracterizada pela inflamação difusa da mucosa intestinal acometendo o reto e o cólon. O tratamento é baseado em anti-inflamatórios de luz
intestinal, corticoides, imunossupressores e anticorpos monoclonais. Outras terapêuticas complementam o tratamento como uso de probióticos, antibióticos e nutrição parenteral. Os autores relatam um caso de uma paciente com RCU fulminante, não responsiva à terapêutica convencional,
que apresentou boa evolução clínica e laboratorial após a melhora da terapia nutrológica, uso de
antimicrobianos, probióticos e infliximabe.
Palavras-chave: Proctocolite, probióticos, terapia biológica.
Abstract
The ulcerative colitis (UC) is a chronic disease characterized by diffuse inflammation of the intestinal
mucosa affecting the rectum and colon. The treatment is based on luminal anti-inflammatory drugs,
corticosteroids, immunosuppressants and monoclonal antibodies. Other therapies complement the
treatment such as use of probiotics, antibiotics and parenteral nutrition. The authors report a case
of a patient with fulminant colitis unresponsive to classical therapy, with clinical and laboratory
response after the introduction of nutriology therapy, antibiotics, probiotics and Infliximab.
Keywords: Proctocolitis, probiotics, biological therapy.
Introdução
A doença inflamatória intestinal (DII) é uma desordem inflamatória crônica que compreende
duas entidades: a retocolite ulcerativa (RCU)
e doença de Crohn.1 Há uma grande variabilidade de genes associados ao desenvolvimento
da doença, com 47 loci implicados, sendo 19 específicos para RCU. Estão envolvidos na disfunção da barreira epitelial (ECM1, HNF4A, CDH1 e
*Médico (a) residente de clínica médica do HUGV – UFAM.
**Médico especialista em gastroenterologia pelo Hospital de Base de São José do Rio Preto, assistente da residência de clínica médica do HUGV –
UFAM.
***Médica especialista em nutrologia e doutora pela Universidade de São Paulo, coordenadora clinica da equipe de terapia nutricional do HUGV –
UFAM, assistente da residência de clínica médica da Fundação Hospital Adriano Jorge.
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RETOCOLITE ULCERATIVA FULMINANTE: ASSOCIAÇÃO DE CONDUTAS TERPÊUTICAS NÃO USUAIS
LAMB1), estímulo à apoptose e autofagia (DAP),
regulação da transcrição (PRDM1, IRF5 e NKX23) e ativação de linfócitos auxiliares tipo 1 e 17
(Th1 e Th17), além de múltiplos genes da via de
sinalização da IL-23.2
A ativação imune das DII parece ocorrer em
resposta aos antígenos da luz intestinal e os
pacientes, caracteristicamente, apresentam a
mucosa infiltrada por granulócitos, linfócitos e
macrófagos produtores de citocinas, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interferon
gama e as interleucinas 1-b, 6, 8, 12 e 23.1 No
contexto da RCU, as alterações imunológicas
parecem se dever, sobretudo, a uma resposta
anormal de linfócitos auxiliares Th2 com ativação de células T NK atípicas e abundante
produção de IL-13, promotora da citotoxicidade epitelial. Recentemente, foi postulado
um papel adicional das células Th17 produtora
de IL-17, que se encontram em níveis elevados
na mucosa colônica dos pacientes portadores
da doença.2
A RCU é caracterizada pela inflamação difusa da
mucosa intestinal envolvendo o reto e o cólon,
de extensão simétrica e progressão ascendente. Apresenta-se por episódios recorrentes de
exacerbações e remissões, com clínica caracterizada por diarreia sanguinolenta, urgência
evacuatória e tenesmo.1,3 Os pacientes mais
graves são classificados como fulminantes, forma caracterizada por mais de dez evacuações
sanguinolentas ao dia, toxicidade, dor e distensão abdominal, necessidade de hemoderivados
e presença de dilatação de alças intestinais à
radiografia de abdome.3
O tratamento farmacológico inclui preparações
com 5-aminossalicilatos, corticosteroides e
imunossupressores, como a ciclosporina e a
azatioprina. Recentemente utiliza-se a terapia
biológica com anticorpos monoclonais anti-TNF-α
(Infliximabe) para promover melhora clínica em
pacientes com DII grave e refratária.1,4,5 Tratamentos alternativos como o uso de probióticos
podem complementar a terapia, porém ainda faltam estudos que comprovem a sua real
eficácia.6 Quanto ao tratamento cirúrgico, as
principais indicações são hemorragia maciça,
perfuração intestinal, suspeita forte de malig-
nidade, colite severa com ou sem megacólon
tóxico não responsiva à terapia convencional
otimizada, intolerância a medicações ou presença de sintomas intratáveis.3
Este trabalho tem o objetivo de descrever o
caso de uma paciente com RCU fulminante, não
responsiva à terapêutica otimizada, com boa
evolução clínica e laboratorial após a otimização da terapia nutrológica, uso de antimicrobianos, probióticos e infliximabe.
Relato de caso
Paciente do sexo feminino, 53 anos, há um ano
iniciou fezes piossanguinolentas, dez evacuações ao dia, acompanhadas de tenesmo e distensão abdominal, hiporexia e perda ponderal
não quantificada. À época, foi submetida à retossigmoidoscopia revelando mucosa edemaciada, fibrina e muco abundante em região do reto,
demais segmentos normais, sugestiva de RCU.
Após dois meses, foi submetida à colonoscopia e observados ceco e cólon ascendente com
granularidade e deposição de fibrina, de padrão contínuo de distribuição; cólon transverso e descendente com presença de alterações
mais esparsas; sigmoide e reto com granularidade, edema e friabilidade, com pequenas lesões ulceradas e rasas, e deposição de
fibrina, sugestivos de RCU em reto e sigmoide
(Figura 1). À análise histopatológica: RCU em
atividade leve, negativa para células malignas
e agentes infecciosos. Com base nesses dados,
foi iniciado o tratamento com Mesalazina 3,6 g/
dia e corticoterapia oral.
Figura 1: Colonoscopia evidenciando erosões planas em
sigmoide
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Durante dez meses a paciente se manteve estável quando, então, reiniciou evacuações mucossanguinolentas (> 10 episódios/dia), cólica
intensa, tenesmo, perda ponderal (10% do peso
corporal) e astenia importante. Foi internada
no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV)
apresentando-se em regular estado geral, com
palidez acentuada, desnutrida e anasarcada.
Aparelho respiratório com murmúrio vesicular
abolido em bases, sem alterações à ausculta
cardíaca, porém taquicárdica (130 bpm). Abdome
globoso, flácido, doloroso difusamente à palpação superficial, hipertimpânico e com ruídos
hidroaéreos aumentados. Exames laboratoriais
da admissão mostraram alterações inflamatórias
e nutrológicas importantes (Tabela 1). Exames de
imagem evidenciaram pequeno derrame pleural
bilateral e distensão de alças intestinais (Figura
2).
Tabela 1: Discriminação dos diversos exames
Figura 2: Radiografia simples de abdome em incidência anteroposterior, realizada com o paciente em decúbito dorsal, mostrando edema de parede intestinal e distensão de alças.
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RETOCOLITE ULCERATIVA FULMINANTE: ASSOCIAÇÃO DE CONDUTAS TERPÊUTICAS NÃO USUAIS
Foi iniciado azatioprina 100 mg/dia, metilprednisolona 62,5 mg/dia, mesalazina 3,6 g/dia e
transfusão de quatro unidades de concentrados
de hemácias. Após essas medidas, houve discreta melhora clínica, porém piora do número
de evacuações, chegando a 26 episódios ao dia.
Foi iniciada nutrição parenteral, associada a sucos constipantes e bebidas isotônicas via oral.
Iniciou-se também metronidazol e fluconazol
orais, probióticos (Lactobacillus acidophilus e
Bifidobacterium bifidum) e concomitante suplemento alimentar específico para doença inflamatória intestinal baseados em anti-TNF-α
de luz intestinal. Paciente apresentou progressiva diminuição do número de evacuações.
tais drogas, a introdução dos probióticos pode
ter corroborado com a diminuição progressiva
da presença de muco e leucócitos nas fezes,
remetendo a uma diminuição do processo inflamatório local.
Grande parte dos pacientes em atividade da
doença apresentam-se desnutridos e, dentre os
diversos fatores relacionados, estão a anorexia,
as restrições alimentares desnecessárias, o aumento da demanda energética e nutricional nos
casos com febre e sepse, e a perda intestinal excessiva de eletrólitos, sais minerais, oligoelementos e sangue;9 dessa maneira, o reconhecimento
precoce e a terapia nutrológica adequada são de
extrema importância. Por privar os enterócitos
Optou-se por iniciar protocolo terapêutico com dos ácidos graxos de cadeia curta, elementos
infliximabe, evoluindo com melhora clínica, vitais para o seu metabolismo e reparação; esredução do VHS e PCR e aumento do nível sé- tudos controlados não mostraram benefícios
rico de albumina, quando, então, recebeu alta no uso da nutrição parenteral como manobra
hospitalar.
terapêutica primária nos pacientes com RCU.
No entanto, esta pode ser útil como um complemento em pacientes com depleção nutricional
Discussão
significativa.3 No caso descrito, a adição da
Os pacientes com doença inflamatória intestinal terapia parenteral foi justificada pelo elevado
apresentam alterações em sua microbiota normal. número de evacuações, distensão abdominal
Indícios sugerem que a tolerância imunológica às e desnutrição progressiva. Após a introdução,
bactérias comensais foi perdida, resultando em a paciente reiniciou sensação de fome, um
maior número de bacteroides, Escherichia coli sinal precoce da diminuição da resposta ine enterococos, e redução dos lactobacilos e bi- flamatória sistêmica. A melhora também pode
fidobactérias.7 Em pacientes com exacerbação ser observada pelo aumento do nível sérico
da RCU, o uso de antimicrobianos orais parece de albumina e diminuição de proteínas inser responsável por melhora clínica, principal- flamatórias.
mente porque as crises da doença podem ser
desencadeadas por hiperproliferação bacteriana A terapêutica específica é determinada pela sevee fúngica. Dentre os mais comuns citam-se a in- ridade do quadro. Os pacientes mais graves são
fecção por Escherichia coli 0157:H7 e, nos casos classificados como fulminantes, forma caracteriem que houve uso prévio de antibióticos, a co- zada pela presença de mais de dez evacuações
lite pseudomembranosa.3 Diante deste, optou- sanguinolentas ao dia, toxicidade, dor e distense pelo início de metronidazol e fluconazol, e, são abdominal, necessidade de reposição de
então, observada a diminuição do número de hemoconcentrados e presença de dilatação de
alças intestinais à radiografia de abdome.3 Esevacuações e melhora do estado geral.
ses pacientes são manejados com altas doses
Probióticos não promovem a remissão da doen- de aminossalicilatos, corticoesteroides e imu4
ça, porém auxiliam na prevenção da translo- nossupressores. Os casos refratários devem ser
cação bacteriana e na produção de produtos encaminhados à proctocolectomia ou referenantibacterianos que inibem o crescimento de ciados à terapia intravenosa com ciclosporina
3
bactérias patogênicas, auxiliando também na ou infliximabe, terapia que comprovadamente
7
regulação da resposta imune e estabilidade da reduziu a necessidade de cirurgias.
barreira da mucosa intestinal.6-8 Apesar de ainda necessitar estudos sobre o real benefício de Em conclusão, a terapia nutrológica adequada
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Mubarac et al
associada à terapêutica otimizada com infliximabe foi imprescindível para a melhora clínica
e laboratorial da paciente, evitando, assim, a
evolução para proctocolectomia.
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Prado et al
POLIARTERITE NODOSA CUTÂNEA GRAVE E DE
DIFÍCIL CONTROLE EM ADOLESCENTE APÓS
FARINGOAMIGDALITE ESTREPTOCÓCICA
SEVERE AND DIFFICULT TO CONTROL CUTANEOUS POLYARTERITIS NODOSA IN TEENAGER AFTER STREPTOCOCCAL PHARYNGOTONSILLITIS
Yanna Pontes Prado*, Leilian Amorim**, Araceli dos Santos Brito*, José Ricardo Ferreira***, Sandra Lúcia Euzébio Ribeiro****,
Domingos Sávio Nunes de Lima*****
Resumo
A poliarterite nodosa cutânea (PAN cutânea) é uma vasculite primária de artérias de pequeno e
médio calibres, distinguindo-se da poliarterite nodosa clássica pela ausência de envolvimento visceral. A etiologia é desconhecida, estando supostamente envolvidos mecanismos imunomediados
desencadeados por diversos fatores, sendo um deles o estreptococo beta-hemolítico do grupo A
de Lancefield (EBHGA). Clinicamente apresenta-se com inúmeras manifestações cutâneas, além
de artralgia, mialgia, neuropatia periférica e sintomas constitucionais. O diagnóstico é de difícil
realização e baseia-se na clínica e histopatologia da pele. A terapêutica inclui o uso de corticosteroides e imunossupressores. Neste artigo será relatado um caso de PAN cutânea grave em uma
adolescente que se manifestou após episódio de faringoamigdalite, tornando provável a associação com o EBHGA.
Palavras-chave: Poliarterite nodosa, vasculites, infecções estreptocócicas.
Abstract
Cutaneous polyarteritis nodosa (cutaneous PAN) is a primary vasculitis of small and medium sized
arteries, distinguished from classical polyarteritis nodosa by the absence of visceral involvement.
The aetiology remains unknown, but presumably has immune-mediated mechanisms involved and
its triggered by several factors, one of them is the beta-hemolytic streptococcus group A Lancefield
(GABHS). Clinically presents with many cutaneous manifestations in addition to arthralgia, myalgia,
peripheral neuropathy and constitutional symptoms. Diagnosis is difficult to perform and is based on
clinical and histopathological signs of skin. Treatment includes corticosteroids and immunosuppressive
drugs. This article will present a case of severe cutaneous PAN in a teenager that was manifested after
an episode of pharyngotonsillitis, making it likely the association with GABHS.
Keywords: Polyarteritis nodosa, vasculitis, streptococcal infections.
*Residente do Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV-Ufam)
**Residente do Serviço de Clínica Médica do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV-Ufam)
***Residente do Serviço de Cardiologia do Hospital Universitário Francisca Mendes (HUFM-Ufam)
****Professora do Departamento de Clínica Médica, disciplina de Clínica Médica II (Reumatologia) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam),
supervisora de Residência Médica em Reumatologia do HUGV/Ufam
*****Professor-assistente doutor do Departamento de Clínica Médica do HUGV/Ufam
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POLIARTERITE NODOSA CUTÂNEA GRAVE E DE DIFÍCIL CONTROLE EM ADOLESCENTE APÓS FARINGOAMIGDALITE ESTREPTOCÓCICA
Introdução
A poliarterite nodosa cutânea (PAN cutânea)
é uma doença rara, que acomete artérias de
pequeno e médio calibres.1,2,3,4 A idade de início
é variável, sendo na criança mais comum na fase
escolar. A patogenia é desconhecida, supondose uma predisposição genética e o envolvimento
de mecanismos imunomediados desencadeados
por diversos fatores, como drogas, tuberculose, infecções estreptocócicas, hepatite B e
C, parvovírus B 19, citomegalvírus e HIV.1,5,6,7
Tem como manifestações clínicas a ulceração
cutânea, púrpura, necrose, autoamputação de
dedos, nódulos subcutâneos, livedo reticular,
fenômeno de Raynaud, isquemia digital, eritema
nodoso, artralgia, mialgia, neuropatia periférica, miosite e sintomas constitucionais, como
febre, emagrecimento e mal-estar.1,5,8,9,10,11 Não
existe exame específico para diagnóstico de
certeza, tornando-o muitas vezes difícil, com
base apenas em forte evidência clínica e histopatologia da pele.1 Em relação às alterações
histopatológicas, podemos encontrar reação
inflamatória com necrose fibrinoide em paredes dos vasos afetados, com células linfomononucleares, neutrófilos e poucos eosinófilos.5 O
tratamento varia conforme a gravidade do caso,
sendo preconizado o uso de corticosteroides e
imunossupressores.1,5 Deve ser feita profilaxia
secundária com Penicilina G Benzatina visando
evitar novos episódios de PAN cutânea após a
exposição com o estreptococo.1,4 A doença tem
um curso benigno e crônico, apresentando recidivas e remissões.1,4,11
O objetivo deste trabalho é relatar um caso de
PAN cutânea grave e de difícil controle, com
provável associação estreptocócica, em adolescente acompanhada no Hospital Universitário
Getúlio Vargas (HUGV).
Relato de caso
N. L. S., sexo feminino, 12 anos, parda, natural e procedente de Manacapuru/AM, católica,
estudante. Foi admitida no Serviço de Reumatologia do HUGV em janeiro de 2009, com quadro
de febre, lesões eritemato-violáceas dolorosas
em membros superiores e inferiores. Evoluiu
com cianose de extremidades, gangrena e autoamputação de dois quirodáctilos, artrite de
tornozelos, parestesia em bota bilateral, livedo
reticulares em membros inferiores e mialgia.
Apresentou dor em abdome superior, tipo cólica, não relacionada à ingesta alimentar, sem irradiação, aliviada com analgésico comum. Na
história patológica pregressa relatou episódio
de faringoamigdalite, três semanas antes do
quadro, tratada com Penicilina G Benzatina
1.200.000 UI por 15 dias consecutivos, além
de sinusite e amigdalite de repetição. História
familiar: pai: faringoamigdalite de repetição,
irmã gêmea: asma.
Ao exame físico apresentava lesões eritematovioláceas em pés, tornozelos, perna direita,
joelho esquerdo, mãos, punho e cotovelo esquerdo e posteriormente gangrena de extremidades distais de quirodáctilos (Figuras 1 e 2).
Figura 1: Lesões eritemato-violáceas em planta e região lateral dos pés, com cianose de
primeiro, segundo e quinto pododáctilos esquerdos.
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Figura 2: Necrose de segundo quirodáctilo direito e de quinto quirodáctilo esquerdo, além de
lesões eritemato-violácias em palma das mãos.
Tabela 1: Exames realizados
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POLIARTERITE NODOSA CUTÂNEA GRAVE E DE DIFÍCIL CONTROLE EM ADOLESCENTE APÓS FARINGOAMIGDALITE ESTREPTOCÓCICA
Histopatológico da pele na fase aguda
(biópsia em lesões de tornozelo direito):
vasculite da derme profunda com padrão de
vasculite necrosante fibrinoide transmural
e exsudato inflamatório rico em neutrófilos
e eosinófilos, com granuloma epitelioide.
Biópsia de músculo: miosite. Histopatológico
de nervo sural (fase crônica): estrutura nervosa
de aspecto histológico habitual, notando-se nas
artérias, ao redor, espessamento do endotélio
a par de infiltrado inflamatório constituído predominantemente por linfócitos: arterite linfocítica compatível com PAN.
Discussão
A PAN cutânea é uma forma particular de vasculite, que acomete pequenas e médias artérias,
caracteristicamente sem envolvimento sistêmico.4,5,7 A paciente relatada realizou inúmeros
exames complementares que afastaram acometimento sistêmico. Essa vasculite apresenta
curso benigno da doença, porém tem caráter
crônico recidivante,1,4,6 como a paciente em
questão, necessitando algumas vezes de novas
internações hospitalares.
A etiologia é desconhecida, sabendo-se que há
De acordo com os dados clínicos, epidemiológi- uma predisposição genética associada a múlticos, laboratoriais, radiológicos e histolopa- plos eventos desencadeantes.7 No caso apresentológico da pele, admitiu-se o diagnóstico de tado, a paciente tinha história epidemiológica
PAN cutânea.
fortemente positiva, com relato de amigdalites
de repetição.
Foi realizado pulsoterapia de metilprednisolona, com melhora parcial das lesões da pele, que O quadro clínico manifesta-se por nódulos cutârecidivaram após algumas semanas, sendo, en- neos e subcutâneos, livedo reticular, ulcerações
tão, iniciado ciclofosfamida e, posteriormente, e gangrena. As manifestações extracutâneas
imunoglobulina venosa, pela refratariedade ao mais comuns são mialgia, principalmente em
imunossupressor.
panturrilhas, por conta da miosite, parestesias,
neurites dolorosas e mononeurite multiplex.5,8
Recebeu alta com melhora parcial das lesões Artrite não erosiva, artralgia e febre também
cutâneas, manteve corticoterapia (prednisona, são frequentes.5,8 A paciente do caso apresen40 mg/dia), completou 12 ciclos de pulsoterapia tava a maioria desses sinais e sintomas.
com ciclofosfamida e foi prescrita profilaxia secundária com Penicilina G Benzatina 1.200.000UI O exame histológico da pele é variável e gerala cada 21 dias.
mente denota vasculite necrotizante de pequenos e médios vasos da derme profunda e tecido
A paciente não aderiu à profilaxia secundária e celular subcutâneo associado à paniculite lobumanteve episódios de exacerbação da doença. lar focal.1,2,5 O infiltrado é variável, encontranFoi, então, optado pela terapia com Rituximabe do-se predomínio de neutrófilos na fase aguda
(500 mg/semana, 4 doses), obtendo boa respos- e linfócitos e histiócitos na fase crônica.9 A
ta clínica (Figura 3).
biópsia da pele apresentava as características
supracitadas, com predomínio de neutrófilos,
demonstrando que ela encontrava-se na fase
aguda da doença e após 12 meses a biópsia de
nervo sural identificou presença de infiltrado
linfocitário.
Figura 3: Ausência de lesões cutâneas quatro meses após
terapia com Rituximabe. Na imagem encontramos autoamputação do segundo quirodáctilo D e quinto quirodáctilo esquerdo.
O tratamento é variável, podendo ser usado
anti-inflamatórios não esteroides, salicilato,
hidroxicloroquina, pentoxifilina, colchicina,
dapsona, sulfassalazina e metotrexate.1,5,6,9,11
Em caso de refratariedade ou em quadros mais
graves está indicado o uso de corticoides, devendo ser mantido até o desaparecimento das
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lesões cutâneas.1,5,6,9 O uso de imunossupressores e de imunoglobulina está reservado para
as formas mais graves e refratárias ao corticoide em altas doses.1,6
na infância com gangrena digital e possível envolvimento com estreptococos beta-hemolítico
do grupo A: Relato de caso e revisão de literatura. Rev Brasil Reumatol. 2008; 48(2): 111-117.
No caso clínico relatado, a paciente necessitou
do uso de corticoide, ciclofosfamida, imunoglobulina venosa e rituximabe pela gravidade
e a refratariedade do quadro, evoluindo com
melhora substancial.
6. Maillard H, Szczesniak S, Martin L et al.
Périartérite nouese cutanée: Particularités
diagnostiques et thérapeutiques de 9 cas. Ann
Dermatol Venereol. 1999; 126: 125-129.
Foi prescrita, também, profilaxia secundária
com Penicilina Benzatina, porém não houve boa
aderência, o que poderia explicar as inúmeras
recidivas do quadro vasculítico.
Conclusão
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74(4): 367.
A PAN cutânea é uma doença rara, de difícil diagnóstico e de caráter crônico-recidivante. De 9. Misago N, Mochizuk Y, Sekiyama-Kodera H,
acordo com os dados epidemiológicos, clínica Shirotani M, Suzuki K, Inokuchi A et al. Cutaneous
e exames realizados, foi estabelecido o diag- Poliarteritis Nodosa: therapy and clinical course
nóstico de PAN cutânea pós-estreptocócica. in four cases. J Dermatol. 2001; 28(12): 719-27.
A paciente não aderiu à profilaxia secundária
e apresentou inúmeras recidivas. Obteve boa 10. Morgan AJ, Schwartz RA. Cutaneous
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Endereço para correspondência:
Yanna Pontes Prado . Avenida Apurinã, 4 – Bairro
Praça 14 . CEP: 69020-170 . Manaus/AM .
Telefone: (92) 3633-4977
E-mail:, [email protected],
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Instituição: Hospital Universitário Getúlio Var4. Kiss MHB, Silva CHM, Silva CAA, Janz LL. Po- gas – Universidade Federal do Amazonas, Deparliarterite nodosa na infância: relato de 11 ca- tamento de Reumatologia.
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Ferreira et al
A RELAÇÃO ENTRE DOR TORÁCICA, BLOQUEIO
DE RAMO ESQUERDO TRANSITÓRIO E PONTE
MIOCÁRDICA: RELATO DE CASO
THE RELATIONSHIP BETWEEN CHEST PAIN, LEFT BUNDLE BRANCH BLOCK TRANSITIONAL
AND MYOCARDIAL BRIDGE: CASE REPORT
José Ricardo Ferreira*, Marlúcia Nascimento Nobre****, Simora S. Morais*, Kelly Simone C. dos Santos*, Jaime G. A. Maldonado**,
Tatiane L. Aquiar***
Resumo
A ponte miocárdica constitui um dos principais diagnósticos diferenciais de doença arterial coronariana. Entretanto, ainda é subdiagnosticada. A significância clínica da ponte de miocárdio é
variável e a maioria dos pacientes é assintomática. Contudo, angina, infarto agudo do miocárdio,
fibrilação ventricular, isquemia miocárdica, arritmias cardíacas e morte súbita têm sido relatados
em associação às pontes de miocárdio. Relatamos o caso de um paciente admitido no prontosocorro com queixa de dor torácica associada a bloqueio de ramo esquerdo transitório que, após
cineangiocoronariografia, demonstrou ponte miocárdica e artérias coronárias normais.
Palavras-chave: Ponte miocárdica, dor torácica, bloqueio de ramo esquerdo.
Abstract
The myocardial bridge is one of the main differential diagnosis of arterial coronary disease.
However, it is still underdiagnosed. The clinical significance of myocardial bridge is variable,
and most patients are asymptomatic. However, angina, acute myocardial infarction, ventricular
fibrillation, myocardial ischemia, cardiac arrhythmias and sudden death have been reported in
association with myocardial bridges. We report the case of a patient admitted at the emergency
complaining of chest pain, associated with left bundle branch block transitional after coronary
angiography demonstrated that myocardial bridge and normal coronary arteries.
Keywords: Myocardial bridge, chest pain, left bundle branch block.
Introdução
As pontes de miocárdio (PM) são formações musculares que, partindo do miocárdio ventricular,
cobrem as artérias coronárias.1 Acomete geralmente a artéria descendente anterior esquerda
(DAE), em que um ou mais feixes de miocárdio
cruzam ou envolvem um segmento de artéria
coronária epicárdica, a qual atravessa a porção
intramural do miocárdio, abaixo da ponte muscular.2
É uma variante anatômica pouco comum no ser
humano, embora não seja raridade.3
Alguns autores sugerem que as pontes de miocár-
* Residente de Cardiologia do HUGV/HUFM
** Especialista em Arritmologia/Eletrofisiologia e preceptor de Cardiologia do HUGV/HUFM
*** Preceptora de Cardiologia do HUGV/HUFM
**** Preceptora e chefe do Serviço de Cardiologia do HUGV/HUFM
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A RELAÇÃO ENTRE DOR TORÁCICA, BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO TRANSITÓRIO E PONTE MIOCÁRDICA: RELATO DE CASO
dio sejam formadas no período embrionário, no
mesmo tempo da formação das artérias coronárias
da rede capilar original.4 Outros autores acreditam
que a ponte de miocárdio não é uma variação
anatômica, mas sim um defeito na reabsorção da
musculatura que rodeia as artérias que deveriam
ser epicárdicas.5
miocárdica como diagnóstico diferencial em pacientes sem fatores de risco para DAC que se
apresentam com quadro clínico de dor torácica,
associado a bloqueio de ramo esquerdo transitório no eletrocardiograma.
A PM constitui um dos principais diagnósticos
diferenciais de doença arterial coronariana
(DAC), podendo manifestar-se como angina de
peito típica ou atípica e, mais raramente, infarto agudo do miocárdio (IAM) ou morte súbita.2
Paciente do sexo masculino, 47 anos,
natural e procedente de Manaus, procurou o
pronto-socorro (PS) com quadro clínico de dor
torácica, intermitente, com duração de 15
minutos, iniciada e aliviada espontaneamente.
Após a realização do eletrocardiograma (Figura
1) e dosagem de enzimas cardíacas seriadas, que
se mostraram dentro dos padrões de normalidade, o paciente foi liberado com sintomáticos.
Retornou ao PS após dois dias com novo episódio de desconforto torácico associado à présíncope, sendo identificado bloqueio completo
de ramo esquerdo no ECG (Figura 2) que, após
administração de nitrato sublingual, tornou-se
assintomático e com eletrocardiograma normal.
Ainda é subdiagnosticada em função de apenas uma minoria dos pacientes apresentaremse sintomáticos, da falta de disponibilidade e,
consequentemente, do uso restrito de métodos
diagnósticos de maior acurácia, fazendo com
que seus mecanismos fisiopatológicos e sua
terapêutica ainda não tenham sido completamente elucidados.2
O objetivo deste relato é caracterizar a ponte
Relato do caso
Figura 1: ECG dentro dos padrões de normalidade
Figura 2: ECG apresentando Blqueio de Ramo Esquerdo
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Ferreira et al
Novamente foi realizado o protocolo de dor
torácica com dosagem seriadas de enzimas
cardíacas (Creatinofosfoquinase MB e Troponina) que se mantiveram dentro dos padrões de
normalidade.
lidade segmentar e na fração de ejeção.
O Teste Ergométrico foi realizado com o protocolo de Bruce, sendo atingida a frequência
submáxima, e não se observado alterações
hemodinâmicas, clínicas e eletrocardiográficas
para isquemia.
O paciente foi transferido para o hospital de
referência em Cardiologia do Estado do Amazonas para investigação diagnóstica.
O Holter de 24 horas não demonstrou presença
de pausas, extrassístoles e outras arritmias.
Na história clínica, não foi evidenciada a presença de fatores de risco para DAC e o exame Por conta da permanência da dor torácica, e
físico se apresentava normal.
da normalidade dos exames complementares
não invasivos, foi solicitado a cineangiocoroRealizado Ecocardiograma Transtorácico (ECO nariografia (CAT).
TT), Teste Ergométrico e Holter de 24 horas
para elucidação diagnóstica.
O CAT (Figura 3) não demonstrou obstrução nas
coronárias, mas visualizou ponte miocárdica no
O ECO TT não evidenciou alteração na contrati- ponto médio da coronária descendente anterior.
Figura 3: Cineangiocoronariografia ilustrando a Ponte miocárdica em terço médio da Descendente Anterior.
Durante o período de internação, o paciente
permaneceu sintomático sendo iniciado bloqueador do canal de cálcio (diltiazem), como terapêutica inicial.
Evoluiu com melhora dos sintomas recebendo alta hospitalar, com orientação psicológica e seguimento ambulatorial.
Discussão
A ponte miocárdica é uma patologia relativamente comum na população geral, geralmente
benigna, acometendo principalmente pacientes
com baixo risco para DAC; entretanto, quando
sintomáticas, manifestam-se na forma de angina
instável ou estável, arritmias cardíacas (taquicardia ventricular e taquicardia supraventricular), IAM e morte súbita, sendo os dois últimos
de ocorrência rara.6-8
O diagnóstico clínico de pontes miocárdicas
deve ser considerado em pacientes com sintomas anginosos, na ausência de fatores de risco
ou evidências de isquemia.9 Apesar de ser uma
malformação presente desde o nascimento, a
ocorrência de sintomas não se desenvolve antes
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A RELAÇÃO ENTRE DOR TORÁCICA, BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO TRANSITÓRIO E PONTE MIOCÁRDICA: RELATO DE CASO
da terceira década de vida.2
mentada.13
A DAE é a mais comumente envolvida.7 O achado
angiográfico típico da PM é a redução sistólica
do diâmetro da artéria coronária epicárdica e
persistência da redução durante a diástole.10 Sua
natureza transitória e a dinâmica da obstrução
auxiliam no diagnóstico diferencial de estenoses
coronarianas fixas.2
Esse paciente não apresentava dor torácica
típica e na história clínica não se observavam
fatores de risco para DAC, sendo a valorização
desses dados a razão para não realização da
terapêutica específica para IAM.
Neste relato de caso observamos algumas
características relatadas na literatura como
a artéria coronariana mais acometida, a utilização de drogas sugeridas para o tratamento
e a apresentação clínica de dor torácica em
um paciente sem fatores de risco para DAC.
Referências
Em conclusão, este caso clínico ilustra
várias características encontradas na
O tratamento de pontes de miocárdio deve ser literatura a respeito de ponte miocárdirestrito a pacientes sintomáticos e está baseado ca e a sugere como diagnóstico diferencial de
primariamente na abordagem farmacológica. dor torácica no pronto atendimento.
Os ß-bloqueadores são geralmente a terapia de
primeira linha sendo os bloqueadores de canais Demonstra que a associação de dor torácica e
BRE transitório pode não ser somente quadro
de cálcio uma alternativa.11
clínico de IAM e coloca a ponte miocárdica
Outros procedimentos terapêuticos são a colo- como uma das possibilidades diagnósticas em
pacientes jovens sem fatores de risco para DAC.
cação de stents e cirurgia.11
O ponto importante nesse caso é a possibilidade de conduzir esse paciente como IAM, no
OS, uma vez que a apresentação clínica foi de
torácica associado a novo BRE no ECG.
O BRE está comumente associado à doença
estrutural cardíaca, sendo raro em indivíduos
normais. Entre as causas principais temos a
cardiopatia isquêmica, a hipertensão arterial
sistêmica, as miocardiopatias e a valvopatia
aórtica.12
O reconhecimento no ECG de supradesnivelamento do segmento ST > 1,0 mm em derivações
contíguas no plano frontal, o bloqueio de ramo
esquerdo novo ou o supradesnivelamento do
segmento ST > 2,0 mm em derivações precordiais sugere alta probabilidade de IAM.13
A obtenção de história detalhada das características da dor auxilia muito no diagnóstico, sendo de
grande importância a avaliação da presença de
fatores de risco para doença arterial coronária,
infarto prévio e doença aterosclerótica já docu-
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v.11. n.2 jul./dez. - 2012
Westphal et al
CISTO BRONCOGÊNICO TRATADO POR CATETER
POLIETILENO BIOCOMPATÍVEL DE
CONFIGURAÇÃO “PIGTAIL” GUIADO POR
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE TÓRAX
BRONCHOGENIC CYST TREATED BY BIOCOMPATIBLE POLYETHYLENE CATHETER CONFIGURATION “PIGTAIL” GUIDED BY COMPUTED TOMOGRAPHY
Fernando Luiz Westphal*, Cristiane Paulain David**, Luiz Carlos de Lima***, José Corrêa Lima Netto***, Mônica de Sá Pinheiro****
Resumo
O cisto broncogênico é uma malformação congênita benigna comum, usualmente descoberta na
idade adulta. O tratamento cirúrgico, quando indicado, é a ressecção da lesão por toracotomia,
videotoracoscopia ou mediastinoscopia. Descrevemos aqui um caso de cisto broncogênico em um
paciente de 28 anos, que apresentou quadro de pneumonia em pulmão esquerdo associado a derrame pleural. Ao seguimento do tratamento clínico a radiografia de tórax evidenciou uma coleção
pleural, na região inferior do hemitórax esquerdo, justa diafragmática. Foi realizada a drenagem
percutânea do cisto com cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail”, guiado
por tomografia computadorizada, relataremos uma breve revisão e discussão da literatura.
Palavras-chave: Cisto broncogênico, cateter, tomografia computadorizada.
Abstract
The bronchogenic cyst is a common benign congenital malformation, usually discovered
in adulthood. Surgical treatment, when indicated, is the resection by thoracotomy,
mediastinoscopy or thoracoscopy. We describe a case of bronchogenic cyst in a patient of 28
years, who developed pneumonia and pleural effusion in the left lung in association with pleural
effusion. Follow up of the clinical treatment chest radiography revealed a pleural collection, in
the lower left hemithorax, next to diaphragma. Percutaneous drainage of the cyst was performed
with biocompatible polyethylene catheter configuration “Pigtail”, guided by computed tomography;
we report a brief review and discussion of literature.
Keywords: Bronchogenic cyst, catheter, computed tomography.
* Cirurgião Torácico e Coordenador de Ensino e Pesquisa do HUGV
**Médica Radiologista do Hospital Beneficente Portuguesa
*** Cirurgião Torácico do HUGV
****Acadêmica da Medicina da Universidade Estadual do Amazonas
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CISTO BRONCOGÊNICO TRATADO POR CATETER POLIETILENO BIOCOMPATÍVEL DE CONFIGURAÇÃO “PIGTAIL“ GUIADOPOR TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE TÓRAX
Introdução
Os cistos broncogênicos (CB) são de origem
congênita e têm caráter benigno, usualmente
descoberto na fase adulta, geralmente causados por malformação no desenvolvimento embriológico do intestino anterior ou cavidade
celômica. A localização pode ser no mediastino
ou parênquima pulmonar e raramente em locais extratorácicos.1 A incidência é semelhante
em homens e mulheres,2 morfologicamente são
envolvidos por uma parede fina, revestidos por
uma coluna de epitélio ciliado, podendo conter cartilagem e são preenchidos com material
mucoide, circundados por tecido muscular e fibrose. Eles são geralmente uniloculares, entretanto pode conter trabeculação interna.3
Apresentamos, a seguir, um caso de cisto broncogênico em um adulto, tratado por cateter de
polietileno biocompatível de configuração
“Pigtail” orientado por tomografia computadorizada de tórax.
Relato de caso
Paciente masculino, 28 anos, branco, publicitário, procedente de Manaus/AM, foi admitido
no Serviço de Cirurgia Torácica com pneumonia
lobar inferior no pulmão esquerdo, associado a
extenso derrame pleural. O exame físico apresentou murmúrio vesicular diminuído em base
esquerda. Houve resolução do processo infeccioso, assim como do derrame pleural. Entretanto, a radiografia de tórax demonstrou uma
coleção pleural, na região inferior do hemitórax
Os cistos broncogênicos em geral são assin- esquerdo, justa diafragmática, persistente nos
tomáticos e, quando não, dependendo de sua meses seguintes, a despeito da melhora clínilocalização, podem apresentar complicações, ca. A tomografia computadorizada apresentou
tais como hemorragia intracística, ruptura, in- uma lesão cística, redonda de contornos regufecção, metaplasias, compressão de órgãos ad- lares com parede imperceptível e coeficiente
jacentes ou comunicação com as vias aéreas.4 A de atenuação radiológica uniforme, medindo
indicação cirúrgica deve ser realizada precoce- 32 mm x 55 mm em mediastino posterior do
mente em função da alta incidência das compli- hemitórax esquerdo (Figura 1).
cações referidas.
1A
1B
Figura 1A: Tomografia computadorizada de tórax revelando lesão cística paraesofagiana esquerda. Em 1B,
TAC após a colocação do cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail”.
O tratamento instituído, após sete meses do
episódio de pneumonia, foi a drenagem percutânea do cisto com cateter de polietileno
biocompatível de configuração “Pigtail”, guiado por tomografia computadorizada (Figura 2).
Esse procedimento foi realizado no centro radiológico sob anestesia local com obtenção de
cerca de 60 ml de líquido espesso de cor esverdeada. Após 20 dias, foi retirado o cateter, com
boa resolução do quadro e expansão pulmonar
completa visualizada à radiografia de tórax
(Figura 2). Durante o período de observação de
um ano, não houve recidiva do cisto.
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Westphal et al
Figura 2: Drenagem percutânea do cisto com cateter de polietileno biocompatível de configuração
“Pigtail”, guiado por tomografia computadorizada e radiografia de tórax posteroanterior após retirada do
cateter evidenciando expansão pulmonar completa.
Discussão
Estando entre as afecções que acometem o mediastino, os CBs são lesões comuns derivadas do
sequestro de células do sulco laringotraqueal
entre 26 e 40 dias de vida intrauterinos.5 Eles
são revestidos por epitélio pseudoestratificado
ciliado, com extensas áreas ulceradas, tendo
na sua parede fibras musculares lisas e focos
de cartilagem, podendo conter glândulas mucosas que permitem classificá-los como CBs.6
Podem localizar-se em posições distintas: paratraqueal, carinal, hilar, paraesofagiano e diafragmática, pré-esternal, pericárdio, pescoço,
abdome ou ainda ocorrer numa forma mista
intrapulmonar e infradiafragmática.2,7 A localização mais frequente foi a paratraqueal.2,5
No caso relatado, o CB localizava-se na região
paraesofágica esquerda.
A radiografia de tórax geralmente é o exame
inicial que evidencia lesão expansiva radiodensa, em localizações variáveis, podendo mudar
de conformação em diferentes posições (p. ex.:
decúbito dorsal e ortostase), principalmente
nos pacientes assintomáticos. A TAC é essencial
para avaliação das lesões císticas intratorácicas, visto que permitem a medição da densidade do conteúdo, assim como a sua relação
com as estruturas circunjacentes, cumprindo
papel fundamental no diagnóstico e planejamento terapêutico. A ultrassonografia (US)
apresenta maior importância no grupo pediátrico, evitando o uso de radiação ionizante nesses
pacientes. Esse procedimento, em regra, mostra
lesão anecoica homogênea (cística), bem delimitada e geralmente confinada a um ou mais
dos espaços mediastinais. A RM pode ser útil na
diferenciação entre lesões císticas e sólidas, em
virtude do alto sinal nas sequências ponderadas
em T2 observado nas lesões císticas. Dos métodos comentados, destaca-se a TC, por sua alta
sensibilidade e relativa disponibilidade.1,4 O
exame utilizado para diagnóstico e orientação
terapêutica nesse paciente foi a TAC de tórax,
maioria dos CBs é assintomática, entretanto
eles podem cursar com sintomas compressivos,
principalmente nas crianças nas quais a caixa
torácica é pequena propiciando a compressão
das estruturas nelas contidas. Os sintomas infecciosos tais como febre, tosse produtiva e dor
torácica ocorrem quando o CB comunica-se com
árvore respiratória tornando-se contaminadas
pelo contato com o ar. A hemoptise pode ocorrer em alguns casos, assim como a degeneração
maligna. Eles podem formar fístula em comunicação com a traqueia, cavidade pericárdica, ou
na cavidade pleural. Neste caso, o cisto foi um
achado ocasional ao exame radiográfico consequente a pneumonia.8,9
O tratamento dos CBs pode ser realizado por
toracotomia convencional, videotoracoscopia,
mediastinoscopia e drenagem mediastinal do
cisto. Tradicionalmente as cirurgias torácicas ditas convencionais (toracotomias) são realizadas
mediante incisão cirúrgica e abertura da cavidade com exposição do pulmão e demais órgãos
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CISTO BRONCOGÊNICO TRATADO POR CATETER POLIETILENO BIOCOMPATÍVEL DE CONFIGURAÇÃO “PIGTAIL“ GUIADOPOR TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE TÓRAX
internos. Mais recentemente, com o desenvolvimento das técnicas de videotoracoscópicas, podemos obter a visualização do cisto pela
introdução de uma pequena câmera de vídeo,
além de duas ou três pequenas incisões por
onde se introduzem pinças, tesouras e outros
materiais, que permitem um procedimento seguro e muito menos agressivo. A abordagem por
mediastinoscopia foi descrita há 30 anos, por
Ginsberg, e representa uma alternativa cirúrgica de menor morbidade e com excelentes resultados na literatura e deve ser considerada
nos casos com indicação precisa, tem um potencial mínimo de complicações quando realizados por profissionais experientes. No entanto, por razões pouco claras, esse procedimento
não se popularizou entre os cirurgiões torácicos, que utilizam principalmente a toracotomia
ou a ressecção por videotoracoscopia.2 O uso
da técnica de drenagem mediastinal do cisto
por meio de cateter tem sido usado como método terapêutico menos invasivo; no entanto,
a literatura relata maior probabilidade de
haver recorrência do cisto.10 A técnica utilizada neste caso foi a drenagem por cateter
de polietileno biocompatível de configuração
“Pigtail” orientado por tomografia computadorizada, não houve recorrência em um período de um ano de observação.
Em conclusão, o tratamento do CB por cateter
de polietileno biocompatível de configuração
“Pigtail” orientado por tomografia computadorizada, pode ser uma alternativa minimamente
invasiva, realizado com anestesia local em nível
ambulatorial com baixa taxa de morbidade.
bronchogenic cysts by video-assisted thoracoscopy.
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Westphal et al
MEDIASTINITE DESCENDENTE NECROSANTE
OCASIONADA POR AMIGDALITE E EXTRAÇÃO
DENTÁRIA: RELATO DE CASOS
DESCENDING NECROTIZING MEDIASTINITIS CAUSED BY TONSILLITIS AND TOOTH
EXTRACTION:CASE REP ORTS
Fernando Luiz Westphal*, Luiz Carlos de Lima**, José Corrêa Lima Netto**, Eucides Batista da Silva***, Márcia Santos Silva****,
Luciane Sayuri Neves de Oliveira Hagiwara*****
Resumo
A mediastinite descendente necrosante (MDN), definida pelo processo inflamatório e infeccioso do
mediastino com disseminação para estruturas subjacentes, é uma complicação rara de infecções
orofaríngeas e apresenta alta morbi-mortalidade. Neste trabalho, relatamos dois casos de pacientes com diagnóstico de MDN secundária a infecções da cavidade oral. Um dos pacientes apresentava como foco primário um quadro de amigdalite aguda e a outra paciente iniciou o quadro
após exodontia. Ambos os pacientes foram submetidos à bitoracotomia anterior com internação
em UTI. Um dos pacientes evoluiu para o óbito no 38.º dia de internação hospitalar. A outra paciente recebeu alta no 77.º dia.
Palavras-chave: Mediastinite, complicações, amigdalite, exodontia.
Abstract
Descending necrotizing mediastinitis (DNM), defined by the spread of inflammation
and infection to the mediastinum and underlying structures, is a rare complication of
oropharyngeal infections and has high morbidity and mortality. We report two cases of
DNM secondary to oral cavity infections. One of the patients had an acute tonsillitis as
primary focus while the other one started the infection after an tooth extraction. Both
patients underwent anterior bilateral thoracotomy and admission to the ICU. One of the patients
died within 38 days of hospitalization. The other patient was discharged on the 77th day.
Keywords: Mediastinitis, complications, tonsillitis, tooth extraction.
* Cirurgião Torácico e coordenador de Ensino e Pesquisa do HUGV
** Cirurgião torácico do HUGV
*** Infectologista e médico da UTI do HUGV
**** Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do HUGV
***** Médica Residente do Serviço de Cirurgia Geral da Fundação Hospital Adriano Jorge
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MEDIASTINITE DESCENDENTE NEROSANTE OCASIONADA POR AMIGDALITE E EXTRAÇÃO DENTÁRIA: RELATO DE CASOS
Introdução
Mediastinite descendente necrosante (MDN)
define-se por processo infeccioso dos tecidos
conectivos do mediastino, podendo ser agudo
ou crônico.¹ Apesar de apresentarem baixa
incidência, possuem alta morbi-mortalidade,
principalmente ao que se refere aos casos agudos. Dentre suas causas incluem-se pós-operatório
de cirurgia cardíaca, nas quais se utiliza como via
de acesso a esternotomia, causas esofágicas, tais
como a ruptura esofágica espontânea (Síndrome
de Boerhaave), corpos estranhos e, em menor
escala, processos infecciosos orofaríngeos e
cervicais.2 Tais focos infecciosos podem disseminar-se rapidamente através das fáscias
cervicais superficiais e profundas, atingindo as
mediastinais e ocasionando empiema pleural e
piopericárdio com grande repercussão sistêmica. O objetivo deste trabalho é apresentar dois
casos de MDN, sendo um causado por infecção
amigdaliana e outro por infecção pós-exodontia.
Caso clínico 1
serviço de pronto-socorro com história de dois
dias de evolução com dor e edema em região
cervical e facial. Em sua história patológica pregressa, referiu quadro infeccioso orofaríngeo
diagnosticado havia sete dias como amigdalite,
em outra unidade de saúde, porém, fez uso de
antibiótico endovenoso (cefalotina) por apenas
um dia e evadiu-se. Ao exame físico, encontrava-se hipocorado, febril, taquicárdico, com
queda do estado geral e com sinais de sepse.
Edema facial e cervical mais intenso à esquerda.
À ausculta pulmonar, apresentava diminuição
de murmúrio vesicular à direita.
A radiografia de tórax evidenciou derrame pleural à D, alargamento de mediastino e de silhueta
cardíaca (Figura 1). Posteriormente, realizou-se
uma tomografia computadorizada (TC) de tórax
que evidenciou extenso enfisema de subcutâneo e de planos musculares em região cervical e
hemitórax esquerdo, com ar esparso em mediastino superior e derrame pleural à direita, consolidação atelectásica inferior direita, alveolar
medial e superior em lobo inferior esquerdo e
padrão em vidro fosco com sinais de congestão
em lobo superior direito e médio (Figura 1).
Paciente masculino, 27 anos, admitido em
Figura 1: À esquerda: radiografia de tórax com derrame pleural à direita, alargamento de mediastino e de
silhueta cardíaca. À direita: tomografia de tórax com enfisema subcutâneo em cervical, hemitórax esquerdo, mediastino superior e derrame pleural à direita.
Em relação às alterações laboratoriais, constavam leucocitose de 27.450 cel/mm³, ureia de
85 mg/dL e creatinina de 3,14 mg/dL à admissão.
O paciente foi então submetido à toracotomia
anterior bilateral, pericardiotomia, mediastinotomia bilateral, cervicotomia exploradora,
fasciotomia dorsal esquerda e drenagem torácica fechada em selo d’água com dois tubos em
cada hemitórax.
Após o procedimento cirúrgico, foi admitido em
unidade de terapia intensiva (UTI), sob ventilação mecânica, toxemiado e febril. Ecocardiograma evidenciou derrame pericárdico discre-
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Westphal et al
to, relacionado às cavidades direitas e válvula
tricúspide normal com leve refluxo ao Doppler
Color, ambos sem repercussão clínica. Tentativa
de desmame ventilatório não obteve sucesso.
Manteve os parâmetros de sepse e evoluiu com
instabilidade hemodinâmica e dificuldade respiratória, apesar da instituição de antibioticoterapia de amplo espectro (vancomicina associada à piperacilina+tazobactam).
No 11.º dia de internação hospitalar (DIH) (9.º
DIH em UTI) foi realizada nova TC de tórax, cujo
laudo referia enfisema subcutâneo em planos
musculares cervicais e em hemitórax esquerdo,
pequena quantidade de ar esparso em mediastino superior, pequeno derrame pleural e pneumotórax bilateral e sinais congestivos em lobos
inferiores (Figura 2). Novo ecocardiograma sem
sinais de derrame pericárdico.
Figura 2: Tomografia de tórax evidenciando enfisema subcutâneo em planos musculares cervicais e em
hemitórax esquerdo, pequena quantidade de ar esparso em mediastino superior, pequeno derrame pleural
e pneumotórax bilateral e sinais de congestão em lobos inferiores.
Realizadas traqueostomia e broncoscopia no
20.º e 34.º DIH, respectivamente, sem sinais
de fístula traqueoesofágica. Os parâmetros
hematimétricos e bioquímicos oscilaram entre
períodos de normalidade e alterações, sendo
a leucocitose o maior destaque. A leucometria
variou de 2.920 a 32.530 cel/mm³ e manteve-se
o quadro de insuficiência renal.
No 38.º DIH em UTI, apesar de transfusões de
sangue, utilização de drogas vasoativas em
doses elevadas e antibioticoterapia de amplo
espectro, o choque séptico se mostrou refratário às medidas de reanimação e evoluiu para
falência de múltiplos órgãos, resultando em
óbito.
Caso clínico 2
Paciente feminino, 32 anos, deu entrada no
serviço de pronto-socorro com história de
abscesso gengival após exodontia havia sete
dias, evoluindo com edema e dor em região
submandibular e cervical associada à febre
alta e queda do estado geral. Ao exame físico apresentava-se normocorada, dispneica,
acianótica, febril, ausculta pulmonar com estertores crepitantes difusos e diminuição do
murmúrio vesicular em hemitórax esquerdo.
Ausculta cardíaca sem alterações.
A radiografia de tórax mostrou hipotransparência
em terço médio e inferior esquerdo com alargamento de mediastino superior e a TC de tórax
evidenciou derrame pleural bilateral com enfisema e sinais de coleção mediastinal (Figura 3).
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MEDIASTINITE DESCENDENTE NEROSANTE OCASIONADA POR AMIGDALITE E EXTRAÇÃO DENTÁRIA: RELATO DE CASOS
Figura 3: À esquerda: raio-x de tórax evidenciando hipotransparência em terço médio e inferior esquerdo
com alargamento de mediastino superior. À direita: tomografia computadorizada de tórax evidenciando
derrame pleural bilateral, enfisema e sinais de coleção mediastinal.
A paciente foi submetida à toracotomia anterior bilateral e drenagem torácica fechada em
selo d’ água com dois tubos em cada hemitórax e encaminhada ao Serviço de Terapia Intensiva. Evoluiu com melhora parcial, recebendo
alta da UTI após 27 dias. Transferida ao Serviço
de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário
Getúlio Vargas, foi submetida à retoracotomia
anterior bilateral para debridamento de tecido
necrótico. O período total de internação foi 77
dias recebendo alta para acompanhamento ambulatorial.
Discussão
MDN figura como complicação grave decorrente
principalmente de esternotomia mediana utilizada como via de acesso para cirurgias cardíacas.3 Pode também ser decorrente de rupturas
esofágicas (espontâneas ou iatrogênicas), nesse
caso com maiores índices de mortalidade. Em
menor escala, pode ser causada por processos
infecciosos provenientes de orofaringe, incluindo faringoamigdalites, abscessos cervicais ou
periodônticos4,5 que se disseminam pelas fáscias
cervicais superficiais e profundas, atingindo as
mediastinais. Essa disseminação é facilitada
pela gravidade e pressão torácica negativa que
ocorre durante a inspiração.2
A faringoamigdalite possui frequentemente
etiologia viral, com processo autolimitado.
Pode dar-se, porém, por infecção bacteriana,
sendo o estreptococo B hemolítico seu principal
agente causador. Tratamento com sintomáticos
e antibioticoterapia adequada proporcionam altos índices de cura.6
A ocorrência de complicações pode estar relacionada a fatores de risco que incluem: atraso
na busca de atendimento médico, uso inadequado de antibióticos e comorbidades como diabetes mellitus, doenças pulmonares e imunossupressão.3,8 Em um de nossos casos, o paciente
relatou quadro de amigdalite sem tratamento
adequado, por má adesão à antibioticoterapia, o que pode ter contribuído para o desenvolvimento de MDN.
A infecção odontogênica, assim como as orofaríngeas, são causas pouco comuns de mediastinite.
A presença de cárie dentária sem o devido tratamento e evolução para abscessos ou celulite figura
em vários estudos como fator de risco para extensão da infecção para o mediastino, principalmente
quando as infecções são em segundo ou terceiro
molares.7-9 Em nosso segundo caso clínico, a paciente evoluiu com abscesso gengival e disseminação mediastinal após exodontia.
O diagnóstico parte da suspeita aventada pela
história clínica associada ao exame físico. Devese proceder à realização de radiografia de tórax
a fim de se identificar sinais de alargamento
de mediastino, aumento de área cardíaca ou
complicações, como o derrame pleural.10,11 A TC
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Westphal et al
de tórax permite maior detalhamento das estruturas acometidas e auxilia no planejamento
cirúrgico. Nesta, pode-se evidenciar áreas enfisematosas, abscessos, como observados em
nossos casos, além de acometimento do esterno, osteomielite e linfadenopatias.1,4,10
Referências
A abordagem do paciente deve ser clínico-cirúrgica, com antibioticoterapia, drenagem e tratamento da causa.2 O acesso cirúrgico depende
do acometimento da infecção em seus tecidos
adjacentes ou distantes. Dentre as opções incluem-se: drenagem mediastinal transcervical,
mediastinotomia anterior ou drenagem mediastinal via toracotomia posterolateral.12
2. Fatureto MC, Neves-Júnior MA, Santana TC.
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Estudos mais recentes demonstraram a possibi- 4. Izadi K, Lazow SK, Berger JR. Mediastinitis
lidade de utilizar outras formas de toracotomia secondary to an odontogenic infection. A case
como, por exemplo: o tipo clamshell, ester- report. NY State Dent J. 2003; 69(10): 28-30.
notomia mediana, toracotomia anterolateral
ou bitoracotomia.12,13 Em casos de MDN, porém, 5. Sancho LM, Minamoto H, Fernandez A, Sennes LU,
esternotomia mediana não é preconizada pelo Jatene FB. Descending necrotizing mediastinitis: a
grande risco de osteomielite e deiscência de retrospective surgical experience. Eur J Cardiothorac
sutura,10 sendo mais recomendada toracoto- Surg.1999; 16(2): 200-5.
mia anterolateral bilateral ou toracotomia
posterolateral sequencial para os casos de 6. Cecatto SB, Garcia RID, Costa KS, Novais
mediastinite.14 Há também a necessidade RAB, Yoshimura R, Rapoport PB. Síndrome de
de abordagem cirúrgica do foco cervical Guillain-Barré como complicação de amigdalite
com realização de cervicotomia. Deve-se aguda. Rev Bras Otorrinol. 2003; 69(4): 566-9.
considerar a realização de traqueostomia em
casos mais graves com comprometimento res- 7. Prado R, Salim M. Cirurgia Bucomaxilofacial –
piratório.
diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro:
Guanabara-Koogan; 2004(11). p. 281.
Com o advento de técnicas minimamente
invasivas, a via videotoracoscópica alcança 8. Findikcioglu A, Kilic D, Akin S, Hatipoglu A.
melhores resultados por reduzir o tempo Descending necrotizing mediastinitis: treatment
cirúrgico, o tempo de recuperação pós-cirúr- of a delayed case. Acta Chir Belg. 2007; 107(4):
gico e apresentar menos complicações.12
462-4.
Concluímos que tanto a faringoamigdalite
quanto a infecção odontogênica podem ter uma
evolução desfavorável, resultando em complicações sistêmicas importantes como a MDN aqui
apresentada em nossos casos. A rápida disseminação e extensão da infecção justifica o caráter
de urgência para atendimento médico. É essencial que, uma vez diagnosticada precocemente,
seja instituído tratamento agressivo com desbridamento do mediastino e da cavidade pleural para obter-se desfecho favorável.
9. Serghini I et al. Mediastinite complicada com
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