Prefácio - Grua Livros

Transcrição

Prefácio - Grua Livros
18 de nopvembro de 2013
Prefácio de John Freely
Barbarossa, o famoso pirata-almirante, conhecido pelos turcos
como Hayrettin Paxá, está enterrado num túmulo octogonal abobadado
em Beshiktash, periferia de Istambul, na margem europeia do Bósforo. Ao
lado do túmulo, há uma estátua de Barbarossa em tamanho maior do que
o natural, esculpida no aniversário de quatrocentos anos de sua morte,
ocorrida em 1546. Corpulento e barbudo, vestido em trajes esvoaçantes e
com um enorme turbante que usava como o grande almirante da marinha
A cada 15 - John Freely
otomana, ele posa imperioso com a mão direita sobre sua cimitarra. Olha
para o mar como se ainda estivesse na ponte de seu navio almirante no
Mediterrâneo, prestes a combater os infiéis.
Vi a estátua de Barbarossa pela primeira vez logo que cheguei a
Istambul, no início de setembro de 1960. Já sabia alguma coisa sobre
ele pelos livros que tinha lido sobre a história otomana, mas só soube
de sua extraordinária história de vida quando li a biografia escrita por
Ernle Bradford, Barbarossa - O almirante do sultão. Desde então, eu a
tenho relido para escrever meus livros sobre história otomana, e ela foi
de grande valia para mim, uma vez que existem muito poucas fontes
acessíveis sobre a vida de Barbarossa, especialmente sobre os anos antes
de ele emergir como uma figura histórica da maior envergadura. Fiquei
particularmente satisfeito em saber que o livro estava para ser reeditado,
pois trata-se única biografia sobre essa figura extremamente importante
na história marítima turca e uma narrativa empolgante das galhardias
espetaculares de piratas que eu li na juventude.
Nascido de pai turco e mãe grega na ilha de Lesbos, no mar Egeu,
Barbarossa e seu irmão mais velho, Aruj, lançaram-se à pirataria na juventude e fizeram seu destino na costa Berbere da África setentrional,
onde forjaram para si um reino na Argélia. Depois que Aruj morreu em
batalha contra os espanhóis, Barbarossa foi convidado a Istambul pelo
sultão Solimão, o Magnífico, que o fez capitão-paxá da marinha otomana
em 1533. Durante o ano seguinte, Barbarossa reconstruiu a esquadra turca
e lançou-se numa série de campanhas em que saqueou a costa europeia do
Mediterrâneo e se apoderou de várias ilhas gregas, trazendo centenas de
cativos para serem vendidos no mercado de escravos de Istambul. O auge
da carreira de Barbarossa ocorreu em 27 de setembro de 1538, quando
ele derrotou uma combinação de esquadrilhas de Veneza, Gênova e do
papa nas ilhas Jônicas, perto de Preveza. Isso deu aos turcos o controle do
Mediterrâneo durante os trinta anos posteriores, permitindo que as forças
de Solimão expandissem as fronteiras do Império Otomano do Danúbio ao
Nilo e da Pérsia a Argel. Depois da vitória, Barbarossa se retirou para uma
confortável morada nas praias do Bósforo, em Istambul, onde seu túmulo
e estátua se encontram atualmente. Bradford assinala que os periódicos
turcos de 1546 registraram: “O Rei do Mar está morto.”
Ernle Bradford ingressou na marinha britânica em 1940, aos dezoito
18 de nopvembro de 2013
anos, e serviu com distinção durante a Segunda Guerra Mundial. Depois
da guerra, passou grande parte de seu tempo navegando pelo Mediterrâneo, escrevendo vários livros sobre história marítima e viagens, todos eles
inspirados por seu amor de toda uma vida pelo mar e profundo conhecimento de sua natureza. Essa biografia de Barbarossa, em particular, evoca o
mundo tempestuoso do Mediterrâneo do século XVI, quando as esquadras
do cristianismo e do islamismo se combatiam mutuamente do mar Egeu à
costa Berbere. Piratas muçulmanos lutando como “Guerreiros da Fé”, guerreando contra mercadores de escravos “Defensores de Cristo”, “cuja cruz
branca ondulava na bandeira de tafetá sobre suas cabeças e brilhava sobre
as flâmulas nos mastros...”. Bradford cita cronistas contemporâneos para
recriar um mundo perdido, que raramente aparece nos livros de história,
como a descrição de Diego de Haedo, de Argel, capital do reino berbere de
Barbarossa:
“Quando os cristãos em suas galés estão em repouso, tocando suas
cornetas nos portos e muito à vontade se divertindo, passando o dia e a
noite banqueteando, entre cartas e dados, os corsários estão atravessando
os mares de leste a oeste, sem nenhum medo nem apreensão, tão livres
quanto soberanos absolutos, portanto... Assim, eles abarrotaram a maioria
das casas, depósitos e todas as lojas deste ‘covil de ladrões’ com ouro,
prata, pérolas, âmbar, especiarias, drogas, sedas, tecidos, veludos etc.,
transformando essa cidade na mais opulenta do mundo; é por isso que
os turcos a chamam, não sem razão, de sua Índia, seu México, seu Peru.”
Barbarossa é pouco conhecido no Ocidente. No entanto, como Bradford assinala: “Nos novos reinos do norte da África, seu nome ainda é
reverenciado, como o de Nelson na Inglaterra, ou o de John Paul Jones na
América. Na Turquia, ele é tema de vários livros infantis e sempre aparece
nas histórias em quadrinhos como uma mistura turca de Francis Drake e
Robin Hood.” O aniversário de sua vitória em Preveza é feriado nacional na
Turquia, e a ocasião é marcada por uma cerimônia diante de seu túmulo e
estátua, onde uma inscrição registra os versos do poeta turco Yahya Kemal
escritos em sua homenagem, em 1946:
A cada 15 - John Freely
De onde, no horizonte do mar, vem esse estrondo?
Pode ser Barbarossa retornando agora
Da Túnis, ou Argel, ou das ilhas?
Duzentas embarcações cruzam as ondas,
Vindas das terras as luzes crescentes:
Ó navios abençoados, de que mares vieram?
Quando eu reli Barbarossa - O almirante do sultão novamente no
mês passado, notei que ainda despertava em mim a mesma atração de há
vários anos. Percebi mais uma vez como ele tinha contribuído para meu
conhecimento sobre o mundo mediterrâneo no século XVI. O livro é especialmente relevante hoje, com sua descrição vívida de uma luta anterior
entre o Islã e o Ocidente, quando um audacioso pirata bárbaro de Lesbos
mudou o curso da história.
John Freely, Istambul
Ernle Bradford (1922-1986) foi um proeminente historiador britânico
especializado no mundo mediterrâneo e em história naval. Bradford serviu na
marinha durante a Segunda Guerra Mundial e depois viajou pelo Mediterrâneo,
morando algum tempo em Malta. Além de ser radialista da BBC e editor de
revistas, o autor escreveu vários livros aclamados, incluindo as biografias de
Cleópatra, Aníbal, César e Nelson.

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