Resolução Negociada - Observatório dos Conflitos Urbanos na

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Resolução Negociada - Observatório dos Conflitos Urbanos na
Inserção Econômica Internacional e “Resolução Negociada” de Conflitos
ambientais na América Latina#
Henri Acselrad*
Gustavo das Neves Bezerra **
Resumo: O presente texto busca analisar o processo de difusão de técnicas de “resolução de conflitos
ambientais” na América Latina, seus esquemas de construção da realidade, bem como o modo como qualificam
a problemática ambiental. Com base na análise crítica das categorias evocadas, buscamos discutir em que
medida esse modelo de “harmonia” estaria atribuindo à questão ambiental latino-americana uma dimensão
política, pertinente à escolha de estratégias de desenvolvimento ou, pelo contrário, buscando retirar tal debate da
esfera pública, destinando os conflitos a um “tratamento” despolitizante voltado ao acordo “negocial” entre os
agentes diretamente envolvidos. O material bibliográfico utilizado contou tanto com a literatura produzida por
críticos como por promotores dos mecanismos da chamada resolução negociada de conflitos.
Introdução
Desde as transformações da economia mundial verificadas a partir do último quarto do
século XX, a América Latina vem, de forma crescente, sendo inserida numa nova geopolítica
mundial dos recursos naturais. Energia, água, minério, espaço territorial e níveis de ensolação
são conteúdos fortemente presentes, direta ou indiretamente, na gama de mercadorias que
fazem seus países presentes no comércio internacional. O acesso a tais recursos tem
justificado, em grande parte, a escolha de localização de novos investimentos no continente.
A “grande” geopolítica, com seu jogo de interesses expresso na arena internacional, seus
macro-movimentos de cena nos fóruns multilaterais, é acompanhada, também, por ações “no
terreno”: implantação de redes de infra-estrutura, reconversão de atividades, alteração das
formas de ocupação do espaço em função de inserção crescente de territórios latinoamericanos nos fluxos internacionais de acumulação. Assim é que o avanço da fronteira de
exploração de recursos, choca-se, com frequência, com a disposição de sujeitos sociais
localizados a dar outros sentidos a seus territórios, atribuir outros destinos a seus recursos
comunais, optar por outros modos de regular o tempo-espaço aos quais, muitas vezes,
#
O presente trabalho foi preparado para a Reunião do Grupo de Trabajo Ecología Política del Consejo
Latinoamericano de Ciencias Sociales “Territorios, Recursos Naturales y Ecologismo Popular” a
realizar-se en Quito, nos días 29 e 30 de outubro de 2007.
*
Professor do IPPUR/UFRJ e pesquisador do CNPq
**
Doutorando do IUPERJ
1
associam suas próprias identidades. Esta é a raiz do que se tem visto na América Latina como
uma crescente disseminação de conflitos ambientais1.
Num primeiro momento, a perspectiva corrente era a que tendia a negar tais conflitos,
atribuindo um caráter intrinsecamente universalista à causa ambiental: tratar-se-ia, antes de
tudo, de uma questão de cooperação e de educação, tendo por base os indicadores cada vez
mais expressivos de uma crise ambiental: informados sobre os riscos de colapso, todos darse-iam as mãos. Em meados dos anos 1990, o Ministro do Meio Ambiente da Colômbia
declarava: “é preciso colocar a Natureza fora do conflito social. Um ex-presidente do Chile
declarou em 2003: “Um país sem coesão social é conflitivo. Um país conflitivo não é
competitivo. Para competir no exterior, é preciso coesão social”2. Mas, a despeito desta
vontade de negação, os conflitos ganharam visibilidade particular no continente, culminando
com as grandes mobilizações de massa verificadas na Bolívia contra a privatização da água,
em 2002, e os acordos do gás, em 2004.
É neste contexto que chama particular atenção o esforço crescentemente generalizado de
criação, em inúmeros países da América Latina, de projetos voltados para a disseminação de
tecnologias de resolução de conflitos ambientais3. Em muitos casos, tais iniciativas,
originárias de instituições sediadas em países centrais, voltadas para a “capacitação” de
entidades e comunidades de países periféricos, pretendem difundir modelos de análise e ação
que pressupõem que a “falta de instituições” estaria na origem dos conflitos ambientais, e
que a paz e a harmonia deveria provir de um processo de despolitização dos litígios através
1
No âmbito das lutas sociais por apropriação do território, em determinadas circunstâncias históricas
podemos dizer que constitui-se um campo ambiental que vincula as disputas de poder por recursos
territorializados a um repertório de práticas discursivas – argumentos, valores, representações, atribuição
de causalidades, remissões a uma “ordem natural” de referência etc. – através das quais conflitos sociais e
lutas territoriais se “ambientalizam”. Este é o caso de disputas por apropriação dos rios entre populações
ribeirinhas e grandes projetos hidroelétricos, “empates” confrontando seringueiros e latifundiários pelo
controle de áreas de seringais etc. No espaço das representações, tais disputas entre as distintas formas
sociais de apropriação do território poderão evocar seus respectivos caracteres “sustentável”, “compatível
com a vocação do meio”, “ambientalmente benigno” etc. Tais conflitos tornar-se-ão ambientais ao
envolver grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, que
afirmarão que a continuidade das formas que adotam de apropriação do meio encontra-se ameaçada pelos
impactos indesejáveis decorrentes das práticas de outros grupos.
2
Folha de SP, 17/8/2003, p. A27
3
Entre as principais iniciativas verificadas na América Latina, mencionam-se projetos da FAO e do
Banco Mundial na região andina (Programa Bosques, Árboles y Población - FTPP/FAO – 1993-1999 e
Programa Energia, Ambiente y Población – Diálogo Tripartite entre Organización Latinoamericana de
Energia, Associación Regional de Petróleo y Gaz Latinoamericano e Coordinación de Organizaciones
Indígenas de la Cuenca Amazónica – COICA, promovido pelo Banco Mundial a partir de 1998),
programas das Universidades de Harvard, Berkeley, Florida, GTZ da cooperação alemã, Universidade da
Paz sediada na Costa Rica, entre outros.
2
de táticas de negociação direta capazes de prover, segundo sua terminologia, “ganhos
mútuos”. Tratar-se-ia, portanto, de psicologizar o dissenso, prevenindo conflitos e
tecnificando seu tratamento através de regras e manuais destinados a transformar os “pontos
quentes” em “comunidades de aprendizado”.
O presente texto busca caracterizar o processo de difusão de técnicas de “resolução de
conflitos ambientais” na América Latina, seus esquemas de construção da realidade, bem
como o modo como qualificam a problemática ambiental e as disputas a ela associadas.
Pretendemos enumerar as principais estratégias de justificação das práticas de resolução
negociada e, com base na discussão crítica das categorias nelas utilizadas, verificar em que
medida esse modelo de “harmonia” estaria considerando, na questão ambiental latinoamericana, uma dimensão política pertinente à escolha de estratégias de desenvolvimento ou,
ao contrário, estaria buscando retirar tal debate da esfera pública, destinando os conflitos a
um “tratamento” despolitizado voltado ao acordo direto – via de regra por via de
compensações - entre os agentes neles diretamente envolvidos.
O material bibliográfico utilizado contou tanto com a literatura técnica produzida por autores
e instituições que propõem formas específicas de vincular (ou desvincular) meio ambiente e
conflito social, bem como com a produção acadêmica pertinente ao assunto, que abrange
tanto críticos quanto apologetas dos mecanismos de resolução de conflitos4.
O presente trabalho está organizado em três seções: na primeira, buscamos caracterizar o
histórico da disseminação das justificativas e práticas da “resolução negociada” em geral; na
seqüência, identificamos os principais autores e instituições envolvidos na difusão do modelo
da resolução negociada; por fim, registramos as distintas justificativas apresentadas em favor
da resolução negociada, no que diz respeito especificamente ao campo ambiental, e iniciamos
uma análise crítica das mesmas.
4
Tal material foi colhido em textos impressos, assim como em fontes institucionais disponíveis na
internet.
3
I) Histórico da Criação e Irradiação dos Mecanismos de Prevenção e Resolução de
Conflitos
Embora os discursos que propõem os mecanismos de resolução de conflitos tenham se
propagado na América Latina na década de 1990, é possível identificar a origem dos mesmos
no campo político interno aos países centrais já na década de 1970. Segundo Nader (1994),
surgiu nos Estados Unidos a chamada Alternative Dispute Resolution (ADR) em resposta aos
movimentos de reivindicação de direitos que se desenvolviam naquele país (direitos civis,
direito dos consumidores, direitos ambientais etc.), com grande protagonismo na cena
pública, durante a década de 1960 (NADER, 1994, p. 20). Com efeito, o sujeito político mais
importante da introdução de tais mecanismos, nos termos da autora, de “contenção” da
politização crescente da sociedade norte-americana, teria sido a Suprema Corte: em 1976, a
presidência desta instituição promoveu a Pound Conference: Perspectivas para o Futuro da
Justiça, realizada no Estado do Minnesota, entre cujos objetivos constava não apenas
incentivar, genericamente, uma nova “ideologia da harmonia”, mas também enfatizar a
necessidade de se propor concretamente instrumentos não-judiciais de tratamento de
conflitos. Contraditoriamente, observou-se naquela conferência uma “rebelião contra as leis e
contra os advogados” protagonizada por certos operadores do Direito. Desde esse momento,
observou-se a confecção de um novo vocabulário e de um novo “diagnóstico” social5,
compatível com a visão de mundo assim construída.
Os conflitos associados ao meio ambiente e às relações de trabalho foram, desde o
início, objeto das novas propostas. Os sindicatos foram então “inundados por planos de
controle de qualidade, em que trabalhadores e administração, juntos, cooperavam
harmoniosamente, em uma situação vencer ou vencer” (NADER, 1994, p.22), ou seja,
em que todos os atores envolvidos supostamente ganhavam. Para Marilena Chauí, a
ideologia da negociação que então disseminou-se, foi gestada no contexto de um
realismo político onde tanto o mercado como a política são tratados como mecanismos
5
“O discurso na Pound Conference foi rico em exemplos sobre o uso da linguagem para selecionar,
construir, comunicar e confundir. A retórica exaltou as virtudes dos mecanismos alternativos regidos por
ideologias da harmonia: os tribunais estavam abarrotados, os advogados americanos e o povo americano
eram muito litigantes, proclamavam eles. As alternativas foram descritas como agências de acordo ou
reconciliação e as pessoas que se opunham a essas reformas foram declaradas como sofrendo de <statusquoísmo>” (Nader,1994, p. 21). A autora argumenta que nem sequer o quadro de “explosão de litígios”
era real. Haveria apenas uma grande visibilidade de conflitos paradigmáticos.
4
de barganha num espaço competitivo constituído por indivíduos, grupos e “massa”,
barganha essa, porém, pensada não nos marcos do antigo liberalismo mas sim no quadro
da grande empresa oligopólica moderna (CHAUÍ, 1984, p, 14). Recorrendo às
observações de Harry Braverman sobre as transformações do processo de trabalho na
grande empresa capitalista nos anos 1960, Chauí assinala como, no interior deste tipo de
corporação, os Departamentos de Recursos Humanos (DRHs) passaram a considerar
todos os conflitos como problemas individuais de origem psicológica, familiar ou
psicossocial, a serem tratados com terapias ou assistência social. A tarefa dos DRHs era
a de individualizar os problemas gerais e resolvê-los na sua particularidade, visando
obter a paz empresarial através do encaminhamento das reivindicações, contestações e
rebeldias a uma solução que fosse “do contento das partes” (CHAUÍ, 1984:15).
Segundo Nader, no campo ambiental, nos EUA, foram realizadas conferências específicas
que visavam deslocar a “antiga” visão “vencer ou perder” para uma perspectiva de
“equilíbrio de interesses”. Na esteira dessa dinâmica, por exemplo, tribos indígenas teriam
sido convencidas “por emissários de Washington a encarar o lixo nuclear como uma solução
vencer ou vencer – saindo da miséria econômica e ao mesmo tempo contribuindo para o seu
país” (NADER, 1994, 22). Tinha então início um processo que culminaria numa
transformação cultural da sociedade norte-americana, passando, em trinta anos, de uma
preocupação com a justiça para uma preocupação com a harmonia e a eficiência, dado o
engajamento de empresários, magistrados, seitas protestantes, ativistas e terapeutas no
referido projeto harmonizador (ibidem, p. 20 e 21). Tal projeto foi então criticado como
destruidor de direitos, voltado à obtenção de controle sobre as formas de definição do
problema, dos discursos e meios de sua expressão (GRILO, 1991 apud NADER, 1984, p.22)
O primeiro movimento que marcou a internacionalização subseqüente da retórica e das
técnicas de resolução de litígios teve como objeto disputas associadas a objetos hoje
consagrados como pertencentes à esfera ambiental, a saber, os rios internacionais. O caso do
Danúbio teria sido exemplar no sentido do que ainda Nader chamou de “privatização da
Justiça”. Outros casos seriam os dos rios Jordão, Ganges, Douro (fronteira PortugalEspanha) e Mexicalle (México).
5
A autora avalia que a introdução generalizada das formas de mediação de conflitos no plano
internacional, em detrimento dos tratamentos judiciais, teria coincidido com o aumento de
poder dos países do Terceiro Mundo, que vinham obtendo vitórias no Tribunal
Internacional6. Nader estabelece ademais um nexo causal entre essas vitórias terceiromundistas e a interrupção da contribuição financeira ao órgão, tanto por parte da União
Soviética, na década de 1960, quanto pelos EUA na década de 1980 (NADER, 1994, p. 23 e
24).
No ano de 1980, o estado do Massachussets nos Estados Unidos ofereceu um novo caso
“exemplar” de instituição de mecanismos de resolução de conflitos na área ambiental, com o
Harzadous Waste Facility Sitting Act, que versava sobre a definição da localização de aterros
sanitários. O ato obrigava a negociação entre empreendedor e comunidade, sob a supervisão
e assistência da entidade estadual Harzadous Waste Facilities Site Safety Council. Segundo
ele, não chegando a um acordo, os entes envolvidos tinham que se submeter a um órgão de
arbitragem determinado por aquele conselho. Expedientes semelhantes passaram a ser
utilizados também nos estados do Winsconsin, Texas, Connecticut e Virgínia (COUTO E
CARVALHO, 2002, p. 231). Essas iniciativas passaram a dar substância àquilo que vem
sendo chamado, em toda a esfera de vigência da língua inglesa como sistemas de
Environmental Dispute Resolution. A expressão possui, hoje, utilização tão abragente que é
reconhecido por cerca de 52 mil páginas eletrônicas quando se faz uma busca a partir de um
famoso sítio na internet7. Couto e Carvalho (2002) chamam a atenção para o fato de que os
sistemas de EDR possuem estatuto jurídico em diversos estados dos EUA, conforme atestam
os exemplos supracitados.
6
O Tribunal Internacional de Justiça, ou Corte Internacional de Justiça, é o principal órgão judiciário da
Organização das Nações Unidas. Tem sede em Haia, nos Países Baixos. Por isso, também costuma ser
denominada como Corte da Haia ou Tribunal da Haia. Fundado em 1946, sua principal função é de
deliberar sobre disputas a ele submetidas por Estados e dar conselhos sobre assuntos legais a ele
submetidos pela Assembléia Geral das Nações Unidas ou pelo Conselho de Segurança das Nações
Unidas, ou por agências especializadas autorizadas pela Assembléia da ONU, de acordo com a Carta das
Nações Unidas. Este tribunal é diferente da corte penal internacional, freqüentemente confundida com o
Tribunal Internacional de Justiça. Fonte: www.wikipedia.org, acesso em 23/09/2006.
7
A experiência foi feita com o buscador “google”, em 09/09/2006. Foi colocada a expressão inteira entre
parênteses, de modo que o buscador não pudesse fazer combinações com a três palavras que as compõem.
Ou seja, os mais de 52 mil sítios eletrônicos reconhecem exatamente a expressão “Environmental Dispute
Resolution”.
6
Na década de 1990, pôde-se assistir a um movimento de desqualificação das antigas arenas
de “tratamento” de conflitos, especialmente da esfera jurídica, no âmbito latino-americano.
Exemplo pode ser encontrado no Documento Técnico Número 319 do Banco Mundial
chamado O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe, cujo objetivo seria o de auxiliar
as reformas do judiciário na região, com vistas a adequar o próprio poder judiciário aos
imperativos do crescimento econômico centrado nas práticas de livre-mercado. Para
redesenhar o poder judiciário de modo a compatibilizá-lo com “mercados mais abertos e
abrangentes” (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 83), o órgão propunha exatamente
“Mecanismos Alternativos de Resolução de Conflitos”, os “MARCS”. Estes mecanismos
extra-judiciais de composição de conflitos apresentariam, segundo o Banco Mundial, a
vantagem de tratar os conflitos de modo “amigável” (Ibidem, 1996, p. 49) e, portanto,
supostamente de maneira mais ágil do que se os mesmos viessem a ser judicializados.
No Brasil, a prática da arbitragem, enquanto método alternativo ao sistema jurisdicional foi
introduzida institucionalmente com a lei 9.307 de 1996 (COUTO E CARVALHO, 2002, p.
206), que logo no seu primeiro artigo afirma que “as pessoas capazes de contratar poderão
valer-se da arbitragem para dirimir litígios relacionados a direitos patrimoniais disponíveis”
(COUTO E CARVALHO, 2002, p. 209). É interessante notar que a lei brasileira foi
sancionada exatamente no mesmo ano da publicação do referido documento do Banco
Mundial, o que sugere que a dinâmica nacional de adoção destes tipos de mecanismos tenha
apresentado um grau elevado de sincronia em relação às “ofertas” formuladas no mesmo
sentido no plano internacional. A disseminação dos MARCs configura assim uma inovação
importante da conjuntura sócio-política brasileira e internacional no início dos anos 1990. Na
tabela abaixo, é possível notar que diversos países da América Latina tiveram as suas
respectivas legislações sobre arbitragem introduzidas entre os anos de 1995 e 1998.
Tabela I – Período de Introdução da Legislação sobre Mediação na América Latina
País
Argentina
Lei
Data
Decreto nº 1.480
1992
Lei de Mediação e Conciliação n. 24.573
27 de outubro de 1995
Normas Nacionales sobre Arbitraje
Bolívia
Ley Nº 1770 de Arbitraje y Conciliación
10 de março de 1997
Brasil
Lei Nº 9.307 - Dispõe sobre a Arbitragem
23 de setembro de 1996
7
Chile
Information on Commercial Arbitration and Mediation (APEC
Website)
Colombia
Decreto No 1818 Estatuto de los Mecanismos Alternativos de
Solución de Conflictos
7 de setembro de 1998
Lei No 7727 - Ley sobre Resolución Alterna de Conflictos y
Promoción de la Paz Social
9 de dezembro de 1997
Reglamento de Arbitraje
Aprobado en sesión 8 de Junta Directiva de la Cámara de
Comercio de Costa Rica
1 de abril de 1998
Reglamento de Conciliación
Aprobado en sesión 11 de Consejo Ejecutivo de la Cámara de
Comercio de Costa Rica
29 de abril de 1998
Decreto No 27166-J - Reglamento al Capitulo IV de la Ley de
Resolución Alterna de Conflictos y Promoción de la Paz Social
3 de julho de 1998
Costa Rica
Centro Internacional de Conciliación y Arbitraje (CICA)
Centros de Arbitraje y Conciliación Autorizados
Equador
Guatemala
Honduras
Ley No. 000. RO/145 de Arbitraje y Mediación
4 de setembro de 1997
Ley de Arbitraje
17 de novembro de 1995
Ley de Conciliación y Arbitraje, Decreto Nº. 161-2000
17 de outubro de 2000
Reglamentos del Centro de Conciliación y Arbitraje de la Cámara
de Comercio e Industria de Tegucigalpa
Título Cuarto del Libro Quinto del Código de Comercio:
Delegación de México
Grupo de Negociación sobre Solución de Controversias del ALCA
México
Panamá
Information on Commercial Arbitration and Mediation Institutions for International Commercial Dispute Resolution
(APEC Website)
Decreto Ley no. 5, por la cual se establece el régimen general de
arbitraje de la conciliación y de la mediación
Reglamento de Arbitraje
Ley Nº1337. Libro V - Proceso Arbitral, que establece el Código
Procesal Civil.
Paraguai
Reglamento de Arbitraje
Aprobado por Acta N° 2 del Consejo Directivo.
Centro de Arbitraje y Conciliación de Paraguay - Cámara y Bolsa
de Comercio
Reglamento de Mediación
Aprobado por Acta N° 2 del Consejo Directivo.
Centro de Arbitraje y Conciliación de Paraguay - Cámara y Bolsa
de Comercio
Ley General de Arbitraje N° 26572
Ley de Conciliación Extrajudicial N° 26872
Peru
Decreto Supremo N° 001-98-JUS Reglamento de la Ley de
Conciliación
8 de julho de 1999
4 de novembro de 1988
20 de Agosto de
1997
20 de agosto de
1997
3 de janeiro de
1996
12 de novembro de 1997
12 de novembro de 1997
8
Ley Nº 27218 que Prorroga la Obligatoriedad de la Ley Nº 26872
de Conciliacion Extrajudicial
9 de dezembro de 1999
Ley N° 15.982 - Se aprueba el Código General del Proceso
18 de outubro de 1988
Estatutos del Centro de Conciliación y Arbitraje, Corte de
Arbitraje Internacional para el MERCOSUR, Bolsa de Comercio
de Uruguay
Uruguai
Reglamento de Arbitraje del Centro de Conciliación y Arbitraje,
Bolsa de Comercio de Uruguay
Reglamento de Conciliación del Centro de Conciliación y
Arbitraje, Bolsa de Comercio de Uruguay
Ley de Arbitraje Comercial
Venezuela
Reglamento General del Centro de Arbitraje
7 de abril de 1998
12 de agosto de 1998
Fonte principal: SICE – Sistema de Informação sobre Comércio Exterior
http://www.sice.oas.org/DISPUTE/COMARB/canale.asp#PER
Voltando ao caso brasileiro, o campo trabalhista assistiu à introdução da iniciativa das
Comissões de Conciliação Prévia (CCPs), com a lei 9958/2000. Estas comissões vêm
mostrando-se como dos instrumentos mais relevantes na flexibilização das leis trabalhistas
no Brasil. Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria, já no primeiro ano de
vigência da lei, as CCPs apareciam em 29,05% das negociações (KREIN, 2001, p.11). Uma
das razões que explica o seu relativo “sucesso” está no interesse das empresas na “quitação
válida”, expediente pelo qual todas as reclamações por direitos sonegados que não são
encaminhadas à CCP tornam-se inválidas tacitamente. Existiria também a expectativa por
parte dos empregadores de que os trabalhadores aceitem indenizações mais baixas em troca
de maior agilidade nos processos.
Uma CCP é sempre um instrumento potencialmente poderoso para a flexibilização dos
direitos trabalhistas, pois pode incidir sobre direitos que, em tese, não poderiam ser objeto de
negociação, tais como o 13º salário e as férias, por causa da prerrogativa pró-patronal da
quitação prévia. Cabe destacar, porém, o caráter pouco “flexível” com que o expediente da
CCP é disseminado: a lei estabelece a obrigatoriedade da busca de conciliação prévia nas
empresas ou categorias onde uma CCP já esteja estabelecida. Ou seja, fica vedada ao
trabalhador a busca direta, sem passar primeiro pela CCP, por reconstituição de seus direitos
junto à Justiça do Trabalho. Cria-se o estranho princípio de se ter a obrigação de negociar.
II) Atores da difusão: instituições e autores influentes na região
9
A quantidade de instituições (entre firmas de mediação profissional, ONGs, entidades
acadêmicas, conselhos e associações) envolvidas na difusão dos discursos e práticas
associados à resolução negociada de conflitos é expressiva. As diversas fontes pesquisadas
apresentaram uma considerável multiplicidade de “atores” e “autores”. A regra foi que cada
nova fonte encontrada na pesquisa evidenciasse novas entidades e referências bibliográficas.
Procuramos aqui estabelecer alguns padrões, em termos de países, instituições e “ideólogos”
mais influentes. No que diz respeito ao campo especificamente ambiental, foi possível
detectar também o público alvo e a natureza dos conflitos ambientais que mais preocupam os
proponentes dos mecanismos de resolução.
Em primeiro lugar, deve-se registrar a grande influência do “modelo harvardiano”
(PANIAGUA E BOREL, 1999) de negociação, de autoria de Fisher e Ury, sobre o conjunto
dos discursos acerca da resolução negociada8. Os livros produzidos pelos dois autores são
definitivamente os mais citados de todos os documentos que pesquisamos: Getting to Yes:
Negotiating Agreement Without Giving In, que é parceria de ambos e Getting Disputes
Resolved: Designing Systems to Cut the Costs of Conflict, que é de autoria de Ury com J.M.
Brett e S.B. Goldberg, lideram as referências tanto em trabalhos acadêmicos quanto nos
cursos de capacitação de mediadores. Na verdade, as universidades americanas possuem uma
penetração que vai bem além daquela de Harvard. Encontram-se referências ao “Program of
Environmental and Community” (Cornell), ao Program in Environmental Science and
Regional Planning (Washington State University), e ainda a programas das universidades de
Berkeley e da Florida.
Muitas instituições dedicadas à resolução “direta” de conflitos ou à capacitação em resolução
possuem dupla nacionalidade: os diretores, supervisores e consultores são de universidades
ou organizações de mediação norte-americanas ou canadenses, enquanto os “executores”
locais, na América Latina, são profissionais, em geral de origem no próprio país situado ao
sul do hemisfério. Esse é o caso, por exemplo, do CEMPROC – Centro de Mediación, Paz y
Resolución de Conflictos (EUA e Equador). A Libra, entidade que tem sede na Argentina e
afirma ser “líder” em serviços de mediação no Mercosul, conta com seis consultores norte-
8
O modelo harvardiano legitima-se, basicamente, em cima da construção da dicotomia “negociação
versus disputa”. O papel “evangelizador” (URY, BRET, GOLDBERG, 1988, p. 83) do mediador de
conflitos consiste em convencer os entes em litígio de que a busca de um acordo implica menos custos do
que a manutenção de uma postura beligerante.
10
americanos (todos profissionais com experiência em mediação direta9), incluindo os próprios
Roger Fischer e William Ury. Essa instituição merece ser destacada aqui, não apenas por ser
um caso exemplar de “dupla nacionalidade” organizacional, mas também por seu amplo raio
de atuação (o mais extenso encontrado por essa pesquisa), que inclui Argentina, Guatemala,
Honduras, República Dominicana, Panamá, El Salvador, Costa Rica, Colômbia, Equador,
Peru, Brasil, Bolívia, Paraguai, Chile, Uruguai e México. Entre os serviços que a entidade
presta, destacam-se a oferta de cursos de capacitação profissional em mediação, a
intervenção direta na resolução de conflitos e o apoio a reformas na legislação e no setor
judiciários dos países nos quais atua. A Libra chegou a fazer parte da elaboração da Ley
Nacional de Mediación (N° 24.573/96) da Argentina.
No âmbito especificamente ambiental, pode-se destacar as conferências realizadas pelo
Programa de Árvores, Bosques e Comunidades da FAO (FAO/FTPP), na primeira metade da
década de 1990, que deu grande impulso ao ideário da resolução negociada na região. Foram
duas entre setembro de 1993 e novembro de 1995, na Costa Rica e no Equador,
respectivamente. O primeiro Workshop teria resultado na caracterização dos conflitos por
recursos na região como produto de desigualdade de poderes, fraudes, desinformação e
desconfianças (FAO, página eletrônica). Na origem de tudo, entretanto, estaria o problema da
suposta “escassez” de recursos, perspectiva típica da abordagem neo-hobbesiana disseminada
por Homer-Dixon, segundo a qual as democracias ocidentais estariam ameaçadas por
conflitos por escassez de recursos naturais a multiplicarem-se nos países do Terceiro Mundo,
supostamente destituidos de tecnologias e instituições reguladoras10. O encontro rendeu o
paper “O Papel do Gerenciamento Alternativo de Conflitos em Comunidades Florestais”.
Ressalte-se, entretanto, que o referido paper não possui propriamente um espírito marketfriendly e anti-legislativo. Exemplo disso é o reconhecimento que faz de que a instituição de
dispositivos legais, como o das reservas extrativistas de borracha no Brasil, pode ser mais
eficaz na promoção da justiça social no campo do meio ambiente do que as barganhas
localizadas entre entes sociais diretamente em conflito. Em 1996 o mesmo programa da FAO
promoveu a não menos influente conferência eletrônica Addressing Natural Resource
Conflicts through Community Forestry.
9
Isso quer dizer que não são apenas teóricos da mediação e resolução de conflitos.
11
Uma iniciativa mais duradoura que se destaca é da Rede de Manejo de Conflitos da
Mesoamerica, criada a partir de esforços da FAO, da Universidade da Paz11 (Costa Rica) e da
Universidade de Cornell em 1994. Esta tem por objetivos a capacitação e a troca de
informações dentro do “sub-campo” da resolução negociada. Promove encontros anuais, com
rotatividade dos países sede, além de workshops de menores dimensões: foram 34,
especialmente entre 1998 e 1999, apoiados também pela Fundação Ford. A rede teria nascido
da busca de intercâmbio e capacitação de profissionais envolvidos em conflitos associados à
implantação de projetos de desenvolvimento e de áreas de conservação. Seu público é
composto basicamente por profissionais da mediação já envolvidos diretamente em conflitos
(mais de 50%) e por profissionais que visam inserir-se na mediação ou nos debates acerca
das práticas de resolução negociada. Menos de 10% daqueles que freqüentam os workshops e
encontros anuais seriam “lideranças comunitárias” (PANIAGUA e BOREL, 1999). Seu
espectro de atuação iria do México à Colômbia.
É na discussão sobre as avaliações de impacto ambiental (geralmente vinculadas à instalação
de empreendimentos) que costumam surgir as maiores preocupações com os conflitos
ambientais. Essa tendência é particularmente forte na América Latina em função do próprio
perfil produtivo da região em tempos de redefinição de sua inserção na economia mundial. É
comum que os processos de licenciamento sejam lidos na chave da “prevenção de conflitos
ambientais”, como, por exemplo, em artigos acadêmicos sobre o contexto chileno (QUIROZ
1995 e SEPÚLVEDA, BLANCO, SABATINI 1999)12.
III)
A Resolução Negociada de conflitos ambientais: descrição e análise crítica
Morril e Owen-Smith (2000) chamam de "campo" da resolução negociada "o domínio social
delimitado que incorpora premissas institucionais, culturais e cognitivas, onde os atores
sociais orientam estrategicamente suas relações negociando sentidos para suas ações [no
âmbito do meio ambiente]. Este campo delimita-se pela construção de fronteiras simbólicas,
técnicas e morais com relação a outras práticas organizadas, compreendendo certa perícia
10
T. Homer-Dixon, “Environmental Scarcities and Violent Conflict”, in K. Conca, M.Alberty, G.
Dabelko (eds.), Green Planet Blues, Boulder, Westview, 1995, p. 245-255.
11
Criada em 1980 pelas Nações Unidas, tem o objetivo de promover a “o espírito de tolerância, de
entendimento e de coexistência pacífica” (UPEACE, página eletrônica).
12
Ressalte-se que estes dois textos falam da importância de se evitar os conflitos, mas sem afirmar a
necessidade de se convencer os atores litigantes de que a racionalidade de mercado e as políticas de
12
legitimada, redes inter-pessoais e organizacionais, relações hierárquicas, distribuição de
recursos e regras internas de jogo". Em sua conceituação, os autores não referem-se, porém, a
nenhum tipo de poder em disputa. Tendo como referência o campo ambiental, sugerimos
considerar-se antes, no caso, da emergência de um sub-campo da resolução negociada,
caracterizado pelo fato de que nele certos atores apresentam-se como dotados de autoridade
para dirimir litígios, contribuindo, consequentemente, para uma reconfiguração relativa das
regras do jogo vigentes indiretamente no campo ambiental. Neste sub-campo, seus
empreendedores institucionais são aqueles empenhados em questionar a esfera judicial e
promover as tecnologias da resolução negociada, disputando entre si a autoridade/perícia
legítima para arbitrar os conflitos especificamente ambientais. Pelo que vimos na seção
anterior deste trabalho, há fortes indícios da recente formação de um sub-campo da
“resolução negociada”, dentro do campo ambiental, e com presença significativa na América
Latina.
O repertório de procedimentos de resolução negociada de conflitos é relativamente diverso.
Segundo o Departamento de Desenvolvimento Sustentável da FAO (apud VIEGAS, 2006),
os principais instrumentos seriam: a negociação direta, a conciliação, a facilitação, a
mediação e a arbitragem. Tal tipologia de práticas de resolução negociada não é consensual
dentro do próprio sub-campo, bem como as definições de cada uma delas. De qualquer
forma, para fornecer referências gerais sobre as diferentes formas de resolução de conflito
propostas, descrevemos, na tabela abaixo, o modo como a FAO define as categorias.
TABELA II - MODALIDADES DE RESOLUÇÃO NEGOCIADA
Negociação direta
Conciliação
Seria um processo pelo qual as partes em disputa
encontram-se com o intuito de chegar a uma resolução
mutuamente aceitável. Cada parte representa seus
próprios interesses.
Seria o processo pelo qual um ente externo ao conflito
une as partes em disputa para discutirem entre si. Ao
contrário da mediação, a conciliação normalmente conota
somente um envolvimento preliminar pela parte de fora
do conflito. Conciliadores usualmente não assumem um
papel ativo no sentido de resolver a disputa, mas podem
ajudar com a colocação de uma agenda, mantendo um
registro (gravação) e administração, podendo também
atuar como “mediadores” quando as partes não se
encontram diretamente, ou como um “moderador”
durante encontros diretos.
Seria similar à conciliação, constituindo uma forma
menos ativa de meditação. Facilitadores podem atuar
preservação ambiental dos governos deveriam ser tacitamente acatadas. É o mesmo caso dos textos da
FAO.
13
Facilitação
Mediação
Arbitragem
como moderadores em grandes encontros, assegurando
que todos sejam capazes de falar e serem ouvidos. Não é
esperado deles que ofereçam suas próprias idéias ou que
participem ativamente conduzindo as partes em direção a
um acordo. Facilitação pode também ser aplicada no
nível one-to-one, para guiar um indivíduo através de
processos estratégicos, tais como solucionando,
priorizando e planejando o problema.
Seria um processo durante o qual as partes em disputa
dialogam (conjuntamente e também reservadamente) com
uma terceira parte exterior ao conflito em quem confiam,
sendo neutra e independente (o mediador), para explorar
e decidir como o conflito entre eles será ser resolvido. O
mediador auxilia as partes a chegar a um acordo, porém
não possui nenhum poder de impor um resultado sobre
eles. A mediação seria comumente definida como um
processo de ajuste de conflitos no qual uma parte de fora
do conflito supervisiona a negociação entre duas partes
em disputa. O mediador é uma parte neutra que, embora
não tendo capacidade de dar um julgamento, atua de certa
forma como um facilitador no processo de busca por um
acordo. A qualidade central do mediador tem sido
descrita por “sua capacidade para reorientar as partes em
direção um do outro, não pela imposição de regras sobre
eles, mas auxiliando-os para que alcancem uma
percepção nova e compartilhada de seu relacionamento,
uma percepção que redirecionará suas atitudes e
disposições em direção um ao outro".
Seria geralmente usada como uma alternativa menos
formal de ir para o tribunal. Esse é um processo no qual
um ente ou júri neutro, e não envolvido no conflito,
encontra-se com as partes em disputas, ouve as
apresentações de cada lado e faz uma sentença ou uma
decisão. Tal decisão pode ser aplicada nas partes se eles
previamente concordarem com a mesma. Ao contrário do
tribunal, as partes em disputa podem participar
escolhendo o árbitro (que é com freqüência um expert no
assunto de sua disputa) e determinando as regras que
governam o processo. Audiências de arbitragem são
geralmente mantidas privadamente. Algumas vezes as
partes em disputa usam um processo combinado
conhecido como “med-arb”, a fim de manter as vantagens
tanto da mediação quanto da arbitragem. Se o mediador
não estiver sendo bem sucedido na resolução da disputa
por meio de acordo entre as partes, então o mediador
torna-se um árbitro com o poder de emitir uma decisão.
Fonte: Sustainable Development Department da FAO apud Viégas 2006.
Definidas de forma sumária estas modalidades de resolução negociada usualmente propostas
e eventualmente praticadas, passamos a um exame mais detido dos arrazoados que buscam
“justificar” a necessidade da resolução negociada (independentemente de suas modalidades
específicas).
Justificação de tipo 1: sem referência à compensação econômica
1.1) com menção à carência de instituições, de competência psíquica ou cognitiva - numa
perspectiva neo-hobbesiana da chamada “segurança ecológica”, atribui-se o conflito à
14
incompetência técnica e política de atores sociais que geram escassez e necessidade de
intervenção repressiva e/ou portadora de “instituições democráticas”. Segundo Hernán
Buschi, conselheiro do Instituto Libertad y Desarrollo e ex-Ministro de Pinochet, "hemos
avanzado poco en cuanto a las instituciones y por eso se crean conflictos en materia
ambiental”.
Em algumas variantes mais radicalizadas desse argumento, o discurso desliza para uma
psicologização que atribui um caráter “patológico” aos conflitos. Estes são descritos como
aberrações doentias e disfuncionais que deveriam ser tratadas com terapias pacificadoras. Os
conflitos ambientais são vistos como fruto de comportamentos agressivos ou de
incompetência cognitiva e institucional. Uma “Clínica de Conflitos” apresentar-se-ia como
apta a tratar a “incompatibilidad entre conductas, percepciones, objetivos y/o afectos entre
individuos y grupos, que definen estas metas como mutualmente incompatibles” (cf.
Intermediation Inc.). Os conflitos tornam-se assim objeto de práticas terapêuticas e
pedagógicas. Trata-se aqui de entender o conflito como resultante da falta de capacitação
cognitiva ou psíquica para o consenso.
1.2) com menção ao efeito de redução de custos administrativos e judiciais – Essa é uma
das justificações mais usuais. É comum mencionar-se os tribunais “abarrotados”, a demora e
a dificuldade de se chegar a uma solução definitiva e o risco de um ente não conseguir “levar
nada”, dado poder “perder” tudo caso não haja negociação prévia. Como exemplo, temos: “el
manejo alternativo del conflicto reduce los gastos administrativos y judiciales, las partes en
conflicto ahorran tiempo, la resolución del conflicto crea un ambiente más favorable para el
desarrollo de sus respectivas comunidades.”(ESCALANTE E LAATS, 2000). O modelo
harvardiano também é basicamente construído em cima da idéia de que as negociações
implicam menores custos do que o comportamento tido como “beligerante”.
1.3) Com menção à necessidade de submeter os litígios ambientais à apreciação de
experts - O argumento se baseia na idéia de que os sistemas arbitrados concederiam maior
confiabilidade e celeridade à resolução dos litígios, especialmente por contarem com a
participação de peritos. Desse modo, a demanda social por “proteção ambiental” seria melhor
satisfeita.
15
A natureza esquiva e muitas vezes indivisível do dano ambiental; a frequente distância
entre o fato gerador do dano e a manifestação de seus efeitos (latência); a
superposição de causas e o desdobramento exponencial de conseqüências no tempo e
no espaço; as incertezas técnico-científicas próprias dessas condições, sugerem, por
seu turno, a conveniência de que a questão seja apreciada por experts, e decidida à luz
dos postulados científicos disponíveis e também da experiência, preferencialmente por
julgadores eleitos pelas partes envolvidas (COUTO E CARVALHO, 2002, p. 238).
Por outro lado, é possível identificar a existência de dados empíricos que contestam a idéia
de que os processos de conciliação extra-judicial costumariam primar pela neutralidade
técnica. Por exemplo, no caso do licenciamento da Hidrelétrica de Irapé (MG), observou-se
uma dinâmica na qual o dispositivo do TAC (Termo de Ajustamento de Conduta)13 foi
introduzido justamente para deslegitimar a opinião dos técnicos ambientais, que haviam feito
um parecer contrário à Licença de Instalação (L.I.) do empreendimento. Quando a Câmara de
Infra-Estrutura do Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais (CIF/COPAM) declarou
não recomendar a L.I. da barragem em função das pendências então existentes quanto ao reassentamento dos atingidos pela construção, o governo estadual induziu o Ministério Público
Federal a propor um TAC para que o andamento do licenciamento não ficasse travado. O
próprio CIF/COPAM que havia se oposto inicialmente à licença acabou assumindo
deliberadamente o discurso da busca por um “ponto de equilíbrio” (ZUCARELLI, 2006, p.
11), a partir da firmação do referido Termo de Ajuste de Conduta. Este permitiu que a
Licença de Instalação fosse concedida, mediante o comprometimento do empreendedor de
atender às 47 condicionantes impostas pelo documento firmado entre as partes.
Posteriormente, a presidência do CIF/COPAM acabou por declarar que a sua função seria
justamente de dirimir o conflito antes que o mesmo chegasse ao judiciário. Ou seja, a
legitimidade de sua atuação não se daria pela obediência à letra fria das leis e dos
regulamentos, mas da capacidade de executar a política estipulada pelo governo do Estado,
que estabelecera a necessidade de licenciar o empreendimento “de qualquer forma” (Ibidem,
p. 7). Pode-se afirmar, portanto, que os próprios peritos mediadores (órgãos ambientais do
Estado e MPF) foram responsáveis por desqualificar as normas técnicas, prescritas na
13
O nome jurídico correto é Compromisso de Ajustamento de Conduta Ambiental. O recurso possui duas
fontes de respaldo jurídico em escala nacional: o artigo 79-a da Lei de Crimes Ambientais (9605/98) e o
sexto parágrafo da Lei Federal 7347/85 (Cf. Walcacer, Moreira, Diz e Totti, 2002). Os TACs não foram
criados com o objetivo explícito de promover o campo de da resolução negociada. Entretanto, esse tipo de
instrumento pode ser capturado por aquele campo, conforme será demonstrado no decorrer do texto.
16
legislação sobre licenciamento, consideradas “idealistas”, para agir politicamente em torno
do bem “maior” do desenvolvimento14. Foi “necessário” fazer a política da conciliação para
que a lei “beligerante” não fosse aplicada.
1.4) Com menção à necessidade de participação – essa argumentação baseia-se na idéia de
que o exercício institucional da aplicação das normas, seja pelos órgãos ambientais do poder
executivo ou pelo poder judiciário, seria indesejável por impedir a “participação” dos entes
concretamente envolvidos em cada conflito. A participação seria garantida apenas, portanto,
a partir do recurso aos mecanismos alternativos de resolução de conflitos15. Um exemplo de
tal discurso surgiu também no conflituoso processo de licenciamento da UHE de Irapé (MG),
na fala do assessor do Procurador da República no estado. Embora este reconhecesse que, na
instituição do TAC, a população que potencialmente seria atingida pelos impactos havia
renunciado a “uma série de direitos que ela tinha” (portanto, já garantidos em legislação e
normas administrativas), o assessor justificou que a negociação teria sido benéfica para a
participação social: “o processo de negociação é que fez o reconhecimento das comunidades
rurais. Até então, a lógica que se apresentava para o reassentamento não reconhecia, sequer, a
existência dessas comunidades” (ZUCARELLI, 2006, p. 9). Note-se que fica absolutamente
naturalizado o fato de que o empreendedor não estava seguindo os procedimentos adequados
de licenciamento. Em outras palavras, passa em branco o fato de que a lei obriga o
empreendedor a reconhecer os atingidos. Portanto, não fica explícito na fala do assessor a
razão pela qual, numa escala de valores, deve-se considerar mais importante que as leis e
normas sejam descumpridas (em nome de um suposto incremento da “participação” local) do
que a garantia institucional de direitos para uma população que, isoladamente, tinha pouca
força num processo de “negociação” que se dá à margem das garantias do Estado. Conforme
lembra um sociólogo americano (não muito crítico dos processos de negociação) há que se
notar que, em certos casos, o próprio fato de existir um processo de negociação indica que
um dos lados está em posição desfavorável (ELSTER, 1994, p. 169).
14
Como agravante deste caso concreto, as 47 condicionantes impostas pelo TAC não foram cumpridas
mais uma vez, e mesmo assim o processo de licenciamento continuou até empreendimento chegar a
ganhar uma nova licença, a saber, a Licença de Operação (L.O.).
15
Argumentações deste tipo já eram encontradas entre os primeiros empreendedores institucionais da
resolução negociada, segundo os quais, “a participação em fóruns não-adversariais pode funcionar como
um processo de socialização no qual os ambientalistas perceberiam que os empreendedores não eram
ogres e vice-versa, L.M. Lake, Environmental Mediation: the search for consensus, Boulder: Westview,
1980, p.58-59 apur J.S.Dryzek, Conflict and Choice in Resource management – the case of Alaska,
Westview Ed., Boulder,Colorado, 1983, p.46
17
Tal imputação de que a aplicação das leis e normas padeceria de “tecnocratismo” acaba por
esvaziar todas as dinâmicas políticas pretéritas que motivaram a criação de normas
administrativas e de legislação acerca da apropriação do meio ambiente. No caso brasileiro,
por exemplo, está se desconsiderando a influência que a sociedade civil teve na elaboração
da Constituição de 1988, bem como os instrumentos de regulação ambiental, legais e
administrativos, erigidos nas últimas décadas. O caso de Irapé mais uma vez nos auxilia na
percepção do que está em jogo quando se afirma a necessidade da “participação” em
processos de resolução negociada feitos “contra” as leis. Num determinado momento, aquele
mesmo assessor do MPF afirmou que a sua entidade havia sido procurada para servir como
um “interlocutor” no decorrer do conflito, papel que até então estaria vacante. Ora, mas a
legislação não faria “locução” de natureza alguma? A legislação ambiental seria meramente
reflexo do pensamento tecnocrático dos formuladores das mesmas? Ou corresponderiam, em
contraste, à incorporação, ao menos parcial, de demandas sociais legítimas e politicamente
construídas ao longo do tempo até chegar às esferas “oficiais”? O discurso da negociação
como “participação” parece negligenciar essa segunda alternativa por completo.
Do ponto de vista de uma discussão sobre “correlação de forças” (variável ignorada com
certa freqüência nos discursos apologéticos do “consenso”) nos processos de resolução
negociada, cabe lembrar que as leis e normas podem defender de modo mais eficaz os
“interesses” de grupos sociais em conflito contra empresas e contra o governo, considerando
que cada conflito isoladamente não constitui sujeitos “locais” fortes o suficiente para evitar
que eventuais “injustiças” possam ser cometidas por aqueles entes sociais.
Cabe ressalvar que a menção à participação que promovem exatamente tal reflexão. Por
exemplo, Quiroz avalia que a descentralização das negociações pode ser mais eficaz na
promoção da justiça em questões ambientais, em contextos nos quais a sociedade civil está
numa posição fraca diante de estado e mercado. Ele observa que no caso chileno existe “uma
aliança entre o novo estado (modernizado) e os setores econômicos da economia de mercado,
que são agora, em grande medida autônomos do estado, ficando nesse cenário a sociedade
civil isolada. Tudo parece submeter-se à estratégia predominante do crescimento econômico.
No atual modelo, o tema ambiental não tem grande prioridade em si mesmo” (Quiroz,
1995)16.
16
Tradução própria.
18
Justificação de tipo 2: com referência a compensação econômica
Os discursos que evocam a possibilidade de resolução dos conflitos pela via da compensação
econômica enfatizam, em geral, duas “virtudes”: a possibilidade de que todos os entes do
conflito vençam (ter algum tipo de compensação) e a oportunidade de se evitar de que os
litígios cheguem à esfera judicial (prática tida como intrinsecamente indesejável). A
compensação econômica equacionaria o conflito no próprio âmbito dos atores envolvidos,
esvaziando a possibilidade de evidenciar o confronto entre diferentes modelos de relação
entre meio ambiente e sociedade. Apresentamos a seguir, por exemplo, uma citação que
remete à naturalização da expansão da esfera mercantil enquanto base para a consecução de
bem-estar social universal, proferido pelo reitor da Universidade para a Paz (UPAZ), uma
das entidades mais atuantes na disseminação do receituário da resolução negociada na
América Latina: “Prevention of conflicts and maintenance of peace is therefore largely a matter of
learning to manage the processes of dynamic change required to enable all to have access to the
benefits that the globalization of our economies has made possible.” (LEES, MARTIN, 2004). O
título de um dos principais manuais da resolução negociada, Getting to Yes, sugere já,
entretanto, que mais do que a democratização do acesso aos beneficios do desenvolvimento,
ao menos parte dos promotores dos fóruns não-adversariais engaja-se basicamente na
superação das resistências e na aprovação de empreendimentos .
Ressalte-se que a literatura que faz a defesa da resolução negociada de um ponto de vista
mais “teórico”, não costuma mencionar a compensação econômica enquanto recurso para a
resolução de conflitos. Do mesmo modo, os diversos cursos de capacitação em resolução de
conflitos não dão estaque ao tema. No entanto, uma hipótese a ser investigada seria a de que
é possível, nos casos concretos de litígios mediados, que a discussão em torno da
possibilidade de compensação econômica cresça em importância. Ou seja, seria interessante
verificar se isso costuma ocorrer quando efetivamente um empreendedor, estatal ou privado,
é denunciado por estar em desacordo com as leis, seja no caso da implantação de algum
projeto que precise de licenciamento ambiental prévio (estradas, hidrovias, barragens,
mineradoras etc.), seja no caso de desobediências às normas durante a operação do
empreendimento. No Brasil, em especial, seria interessante verificar se tal busca da
19
compensação econômica costuma ocorrer pela via dos Termos de Ajuste de Conduta (TACs),
geralmente firmados entre o ente acusado de degradação ambiental e o Ministério Público.
Conclusões
W. L. Ury, J.M.Brett e S.B. Goldberg, no clássico Getting Disputes Resolved –
designing systems to cut the costs of conflict17 sugerem que a construção de um sistema
de resolução negociada de conflitos “não é apenas uma tarefa técnica, mas também
política, por lidar com as motivações e resistências dos indivíduos a usar os novos
procedimentos”18. Vê-se que os autores entendem por “político” o simples desafio de
convencer as pessoas a adotar os mecanismos da negociação, e não a “política” como
um processo que subjaz a todo conflito quando este põe em causa a distribuição do
poder sobre o território e seus recursos, ou nos termos de Rancière, a política como
“atividade pela qual a ordem dos corpos distribuídos em lugares, funções e poderes é
deslocada sob a pressuposição da igualdade de qualquer ser falante com qualquer outro
ser falante”19. Construir um sistema de resolução de disputas, acrescentam os
especialistas Ury, Brett e Goldberg, “é algo como conceber um sistema de controle de
cheias”, “dirigindo os conflitos para um patamar de baixo-custo”20. Este propósito
racionalizante, que propõe-se a organizar uma espécie de “economia da tensão social”
não deixa de nos lembrar o utilitarismo de Bentham que, no século XVIII visava, nos
termos de Foucault, produzir uma hidráulica dos prazeres, barrando e canalizando a
psicologia humana em direção à produtividade dos corpos21.
17
W. L. Ury, J.M.Brett e S.B. Goldberg Getting Disputes Resolved – designing systems to cut the costs
of conflict, Jossey-Bass Publishers, San Francisco, 1988.
18
W. L. Ury, J.M.Brett e S.B. Goldberg: op.cit., p. xvi.
19
J. Rancière, El Daño, in R. Alvaray-G. Navet – C. Ruiz, Filosofia Franesa de hoy, Domen Ensayo,
Santiago, 1996, p. 58.
20
W. L. Ury, J.M.Brett e S.B. Goldberg: op.cit., p. xiv.
21
M. Foucault, Vigiar e Punir, Ed. Vozes, Petrópolis.
20
A participação em fóruns não-adversariais, sustenta Dryzek, “visa liberar do jogo
político as partes envolvidas, colocando-as em instâncias onde a razão deve vigorar”22 e
“conceber soluções vistas em termos de compromissos entre interesses e argumentos
feitos em nome destes interesses, servindo a obscurecer as questões mais fundamentais
a respeito do tipo de futuro que estamos tentando alcançar”23 Decisões tomadas em
negociações caso a caso, “isoladamente, sem relação umas com as outras ou com a
soma das decisões”, conclui Dryzek, “lidam apenas com a manifestação superficial de
questões mais fundamentais e enraizadas - os conflitos de valores e princípios básicos
relativos à gestão dos recursos”24. Ou, nos termos de Nader, “representam uma mudança
na forma de pensar os direitos e a justiça, com um estilo menos confrontacional e mais
moderado, menos interessado na justiça e nas causas de base e mais interessado na
harmonia” (Nader, 1994ª,p.4). Podemos considerar, assim, a ênfase na resolução
negociada de conflitos como parte da constituição dos sistemas ditos de “governança”,
próprios às dinâmicas extra-estatais das reformas liberalizantes, divididas como estão
entre os domínios das coletividades locais e do sistema internacional. Através dela,
procura-se promover uma transposição do que seriam políticas ambientais para a esfera
da regulação do self, do auto-governo e das redes horizontais de “governança”.
Cabe perguntar, pois, sobre as razões da disseminação específica de projetos de
“capacitação para o manejo de conflitos ambientais” na América Latina a partir dos
anos 1990. Vale notar que tais iniciativas coincidem com a crescente especialização
“globalista” de países periféricos na exportação de recursos naturais e com uma certa
revalorização, observada em certos setores dos organismos multilaterais, de
experiências ditas “bem-sucedidas de alguns países latino-americanos, cujo
desenvolvimento foi apoiado precisamente pelas exportações de produtos baseados nas
suas riquezas naturais”25. Não por acaso, é um país como o Chile, provavelmente um
dos exemplos do modelo incensado pelos acima citados técnicos do Banco Mundial,
que abriga um dos maiores números de iniciativas de capacitação para a mediação de
conflitos ambientais. “Resolver” tecnicamente os conflitos é, por certo, na conjuntura de
governos democraticamente validados, um dos meios pelos quais o modelo de
22
J.S.Dryzek, Conflict and Choice in Resource management – the case of Alaska, Westview Ed.,
Boulder, Colorado, 1983, p.45.
23
J.S.Dryzek: op. cit. p.1.
24
J.S.Dryzek: op. cit. p.7-8.
25
cf. D. Ferranti – G. Perry, Recursos naturais e nova economia. O Globo, 24 out. 2001.
21
integração “ambiental” da América Latina no mercado global poderia melhor se
viabilizar. Ou seja, para tornar aceitáveis as condições de inserção internacional destas
economias, seria necessário neutralizar, de algum modo, a ação dos distintos atores
sociais que resistem aos processos de concentração de recursos comunais nas mãos de
grandes interesses econômicos, seja no âmbito da gestão das águas, dos solos, da
biodiversidade ou das redes de infra-estruturas. Nos termos de David Harvey, “a
transformação de economias locais pela privatização de terras e recursos comuns, da
supressão de formas não capitalistas de produção e da expulsão de camponeses sãos
elementos presentes na geografia histórica do capitalismo liberalizado
contemporâneo”26.
É visível o esforço institucional para a disseminação do ideário da resolução negociada em
toda a América Latina. Seu principal vetor provém das Nações Unidas - especialmente
através da FAO - da Universidade da Paz, e de universidades do hemisfério norte. O ideário
da resolução negociada possui duas importantes vertentes: uma que acredita que os atores
litigantes devam ser convencidos da “impropriedade” de se questionar os projetos de infraestrutura ou de implantação de áreas de preservação; e outra, que acredita que a resolução
negociada pode levar a que os grupos sociais mais fracos tenham a sua percepção ambiental
mais respeitada. Esta segunda matriz não se opõe tão inflexivelmente às decisões mediadas
pelas leis, desde que possam atender aos anseios de grupos mais fracos.
De qualquer forma, pode-se dizer que o sub-campo da resolução negociada, em suas
diferentes vertentes, encontra-se em construção. A maior parte das iniciativas de divulgação
de seus conceitos e práticas está num processo de acumulação “endógena” de forças. Parte
das dinâmicas feitas em seu nome são ainda movidas por movimentos internos de formação
de “mercado”, onde os profissionais da mediação mais experientes vêm “capacitando” os
futuros candidatos a ocupar posições de relevo nesse sub-campo ambiental latino-americano.
Se, por um lado, assiste-se a iniciativas de grande porte no sentido de disseminar a resolução
negociada pela região, como a formação da Red de Manejo de Conflictos de Mesoamerica,
por outro, o público alvo desse tipo de iniciativa é constituído, basicamente, de profissionais
relacionados ao próprio sub-campo.
26
Cf. D. Harvey, O Novo Imperialismo, Ed. Loyola, São Paulo, 2004, cap. 4, A acumulação via
espoliação, p. 115-148.
22
Não se deve, porém, subestimar a capacidade de gerar efeitos práticos que o sub-campo da
resolução negociada mais especificamente market-friendly vem obtendo na América Latina.
Afinal, mesmo alguns instrumentos ambientais que não foram elaborados no espírito da
resolução negociada costumam ser re-significados nesta chave. É fácil perceber essa
ocorrência, por exemplo, no caso brasileiro, com relação aos Termos de Ajustamento de
Conduta (TACs), que são usualmente simbolizados enquanto formas de se obter o
“consenso”, à maneira de “Termos de Acordo” e não de instrumento de garantia da
legislação e de concepções de justiça social. Existe também uma literatura acadêmica que
referenda tal ressignificação (MIO, CAMPOS, FILHO, 2004, p. 1).
Por fim, podemos avaliar as implicações da difusão dos discursos e instituições referidas à
resolução negociada, no que diz respeito ao exercício da política e de uma discussão sobre
justiça social no Brasil. Émile Durkheim, olhando para o capitalismo liberal vigente na
passagem do século XIX para o Século XX, afirmou com sagacidade que “nem tudo é
contratual num contrato” (apud Castel, 2005, p. 41). Nesta afirmação está contido um
importante elemento referido à discussão sobre a disseminação da retórica da resolução
negociada, a saber, a falsidade efetiva da proposição que considera os entes sociais
supostamente “contratantes” como equivalentes em força. Como se viu, o discurso
proponente da resolução negociada costuma enfatizar a possibilidade de “ganhos mútuos”
para os agentes envolvidos: a resolução negociada levaria, sugere-se, a resultados “vencervencer”. Diversas “clínicas dos conflitos” afirmam poder levar todos os entes em litígio a
perceber que os conflitos seriam antes fruto de mal-entendidos, considerando que o
“desenvolvimento econômico” seria uma demanda social universalista que não poderia ser
“travada” por processos judiciários “idealistas”, que supostamente desconsideram os
interesses “reais” dos entes envolvidos nas disputas.
A locução feita pela sociedade brasileira durante a redemocratização - expressa em diversas
leis e regulamentos e na própria existência de um sofisticado aparato estatal referido ao
ordenamento do meio ambiente - é deslegitimada quando hoje procura-se os “novos
interlocutores”, que promoverão a “resolução negociada”. Estas novas interlocuções do
capital e dos governos buscam escapar da esfera em que operam concepções de justiça no
aparato jurídico e normativo da sociedade brasileira, para interagir apenas com a expressão
de “interesse” pronunciadas “caso-a-caso”, por agentes dispersos no tecido social e, portanto,
23
relativamente fracos. A disseminação de práticas de resolução negociada, como os TACs
ressignificados, por exemplo, acaba por dissolver a discussão sobre direitos para reintroduzir
a variável “força” nos conflitos particulares: o encaminhamento do conflito não se dá pela
discussão sobre aquilo que é justo ou injusto, mas pela maior ou menor capacidade dos
agentes barganharem seus interesses tidos como de foro “particular”.
Assim, quando envolvendo atores sociais com acentuada desigualdade de poder, a
resolução negociada de conflitos pode estar operando como uma tecnologia social da
desmobilização social central para a construção do que Francisco de Oliveira chama
uma “dominação sem política” (ACSELRAD, 2006). Nos termos de Chauí, referindo-se
à negociação no âmbito trabalhista, “transformando o conflito e a reivindicação de
classe num desajuste individual, num comportamento rebelde ou angustiado por
motivos alheios ao trabalho e interpretando-o como uma disfunção individual ou grupal
decorrente da dificuldade ou da incapacidade para interiorizar a hierarquia e a
autoridade, a prática da negociação torna-se essencial à despolitização do conflito sócioeconômico e para o controle da luta pela empresa” (CHAUÍ, 1984, p. 15). Assim, a
negociação, como resposta ao avanço das lutas sociais de uma maneira geral, “fruto da
articulação e luta dos dominados, aparece como prodígio democrático dos dominantes”,
mostrando a indisposição a lidar-se “com conflitos latentes que se tornam manifestos e
pedem para ser social e politicamente trabalhados para adquirirem fisonomia plena e
possibilidade de mudança histórica” (CHAUÍ, 1984, p.18).
Conforme assinala Jacques Rancière a respeito dos descaminhos da democracia
contemporânea, “a franqueza antiga exprimia o seguinte: há apenas chefes e subordinados,
pessoas de bem e pessoas de nada, elites e multidões, peritos e ignorantes. Nos eufemismos
contemporâneos, a proposta enuncia-se de maneira diferente: há apenas partes da sociedade:
maiorias e minorias sociais, categorias socio-profissionais, grupos de interesses,
comunidades etc. Há apenas partes, das quais devemos ser parceiros. Mas, tanto nas formas
da sociedade contratual e do governo de concertação, como nas formas brutais da afirmação
igualitária, a proposta fundamental é a mesma: não há parcela dos sem parcela. Em outras
palavras, não há política ou não deveria haver. Pois a guerra dos pobres e dos ricos é a guerra
da própria existência da política. Pois a política é a esfera da atividade de um comum que só
24
pode ser litigioso”27. Assim é que quando eludem o debate político, tecnologias sóciopolíticas como as da resolução negociada aplicadas aos litígios ambientais concorrem para a
consolidação de um modelo de sociedade que distribui desigualmente os riscos ambientais e
expropria populações tradicionais, penalizando em particular, nos países menos
desenvolvidos, as populações de menor renda e as minorias étnicas.
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