O Dia 25 de Setembro na Póvoa de Lanhoso

Transcrição

O Dia 25 de Setembro na Póvoa de Lanhoso
O Dia 25 de Setembro na Póvoa de Lanhoso
Exmos. Senhores,
Em 25 de Setembro de 1292, D. Dinis, na cidade de Coimbra, outorgou Carta de Foral
aos povoadores da sua Póvoa de Lanhoso (“dou et concedo vobis, populatoribus de mea
populla de lanyoso”), não apenas aos moradores de finais do século XIII como a nós, os
futuros, hoje presentes (“tam presentibus quan futuris”).
A Carta de Foral (de onde extraí as referências), é, grosso modo, a certidão de
nascimento do concelho da Póvoa de Lanhoso e o seu documento fundamental, como é
hoje a Constituição da República Portuguesa para o nosso país (mesmo apesar de, à
constituição, meia volta, a pretenderem alterar).
A Póvoa de Lanhoso foi, desde sempre, um território objecto de contínuo povoamento.
Seja pela sua localização geoestratégica (onde se considera a proximidade a Bracara
Augusta e ao berço da nação portuguesa – Vimaranes), sempre, nos Caminhos de
Santiago…
De facto a importância da localização do Castelo de Lanhoso, é fundamental no
controlo das vias e comunicações no Vale do Ave e no Vale do Cávado, pelo que será
determinante na concessão da Carta de Foral ao nosso concelho.
FORAL
Não vamos deter-nos na discussão das classificações tipológicas dos municípios,
propostas por Alexandre Herculano (rudimentares, imperfeitos e perfeitos) ou por
Torquato de Sousa Soares, que, na última versão, os enquadrou como rurais, incluindo
os burgos, e urbanos:
Lanhoso seguia o grupo de Salamanca A, e entre nós o mesmo modelo do extinto
concelho de Prado).
PORQUÊ A CONCESSÃO DE FORAIS
Para além dos motivos específicos inerentes à outorga de algumas cartas de foral, em
circunstâncias muito concretas, o grande objectivo invocado era a necessidade de
responder ao seu povoamento, visando recompensar e atrair os povoadores, garantindo a
sua continuidade.
A par do interesse do outorgante, existia o dos destinatários, dando-lhes garantias de
estabilidade para eles e seus descendentes. Os objectivos essenciais da criação dos
concelhos integram-se numa inequívoca política de ordenamento do território e de
enquadramento social das suas gentes.
A política de povoamento, também estava muito assente nas cartas de couto e reforçada
pelas doações feitas a particulares, perfeitamente patentes com D. Afonso Henriques,
que faz contrastar os seus 31 forais com as 167 cartas de couto.
Uma destas Cartas é dada nesta época ao Mosteiro de Fontarcada.
Com a conquista do território para lá do rio Tejo consolidada, o rumo vai ser invertido,
diminuindo a concessão destas cartas de Couto, que além de não trazerem vantagens
económicas à Coroa, reduziam a área de influência do Rei, pelo que a rede de
municípios foi crescendo: D. Sancho II, cria 24 novos municípios; D. Afonso III,
concede 92 forais.
Até 1275 tinham sido outorgadas / renovadas 244 cartas de Foral.
D. DINIS
D. Dinis (que viveu de 1261-1325), foi um Rei extraordinário, que promoveu a cultura e
o ensino, a par do povoamento e organização do território nacional, reforçou as
fronteiras, e teve uma impressionante política legislativa. A sua acção contribui
decisivamente para que os forais traduzam, de forma bem expressiva, a necessidade de
ordem pública e de segurança de pessoas e bens, tanto na gravidade com que são
castigados os ladrões, por natureza reincidentes, como no prestigiar a autoridade
municipal competente, o Alcaide.
Nota muito generalizada nos seus forais era, pois, a importância com a segurança, com
forte repercussão na vida dos munícipes, e a que diz respeito a protecção do domicílio,
contra a sua invasão violenta. Numa tentativa de evitar situações lesivas dos direitos de
terceiros e perturbadoras da paz entre vizinhos, os forais penalizavam os atentados
contra a propriedade com parte da multa para o palácio, ou autoridade representante do
poder real.
Ainda no capítulo da manutenção da ordem pública, condição de segurança e
tranquilidade indispensável ao correcto desenvolvimento social, o tipo de armas usadas
e os ferimentos provocados eram considerados, o mercado ou a igreja, locais onde os
crimes eram particularmente penalizados.
Era necessária segurança e estabilidade, o respeito de todos pelas normas e posturas,
podendo o desrespeito de algumas delas conduzir à perda da condição de vizinho e ao
afastamento definitivo da terra.
O FORAL DE LANHOSO
Uma particular característica da outorga da Carta de Foral de Lanhoso era tratar-se de
uma doação perpétua, apenas salvaguardando para o Rei alguns direitos especiais:
- o Padroado das Igrejas existentes ou a fazer, ou a possibilidade do seu
desaparecimento cujas terras os vizinhos de Lanhoso deveriam assegurar pelos
seus meios, impedindo entrada de outro tipo de senhorios;
- o Direito de Pausa, excluindo o mesmo direito a qualquer outro senhor;
- a renda anual de 1000 libras, pago em 3 partes do ano (as terças – no Natal, na
Páscoa e no S. João);
- um Fidalgo por si escolhido para manutenção do Castelo de Lanhoso, pago
pelos moradores;
O Rei, excluía qualquer outra autoridade, intermediário ou pagamento…
Em troca os moradores tinham obrigações e direitos, particularmente os rendimentos
extraídos do trabalho das terras…
Como privilégios, destaque para:
- O Fossado – só 1/3 dos moradores é obrigado com o Senhor do Concelho,
apenas 1 vez no ano (quem o não fizer paga 5 soldos). Mais vezes apenas
voluntariamente em caso de necessidade; Os Clérigos e os Peões estão isentos.
- A Isenção de impostos e tributos como Núncio e Manaria
- Os crimes e os direitos à propriedade prescrevem ao fim de 1 ano e 1 dia;
- Está prevista a venda da terra pelos moradores
- Cavaleiros eram equiparados a Infanções;
- Peões eram equiparados a Cavaleiros Vilãos
- Reconhece-se a condição de fiador, que caduca após 6 meses ou por morte
ficando a família livre do encargo;
- Direito de Pousada, apenas por mando do juiz e até 3 dias, de que estão isentos
Cavaleiros e Viúvas;
- Não se pode dispor de bens alheios na ausência do proprietário;
Quanto às Coimas:
- por Homicídio – 300 soldos e a sétima ao Palácio
- Rapto de filha alheia – 300 soldos e a sétima ao Palácio
- Ferir Vizinho no mercado ou na igreja – 60 soldos e a sétima ao Palácio
- Furto – Paga o furto e oito partes ao juiz;
- É proibido perseguir por qualquer crime cometido fora do Termo, mesmo
homicídio, excluindo aqueles que trazem mulher alheia de bênçãos.
- Coimas diferenciadas para crimes feitos por ou sobre residentes em Lanhoso
ou outros, numa proporção de 60 para 5 soldos (por descavalgar cavaleiro); 300
para 5 soldos (por prender morador);
- Condenada a justiça pelas próprias mãos, equiparada a homicídio (300 soldos);
- Violação de mulher (300 soldos), isto se a vítima vier a gritar como prova do
seu não consentimento;
- Ferir mulher alheia (30 soldos)
- É penalizado o abandono da mulher pelo marido (1 dinheiro) e o abandono do
marido pela mulher (300 soldos);
- Invasão de propriedade privada com armas (300 soldos)
- Ferir com espada 40 soldos;
- Ferir com lança, 20 soldos (10 se a lança não trespassar)
- Cada ferida, 5 soldos; cada ferida com osso exposto, 10 soldos;
O Documento está datado do dia 25 de Setembro de 1330 da Era de César (equivalente
a 1292 da Era de Cristo).
Pelo texto podemos perceber como era a vida em finais do século XIII;
Pelo texto percebemos como era vantajoso viver no concelho de Lanhoso.
A EVOLUÇÃO
Partindo das terras do Julgado de Lanhoso, será apenas no Século XX que a actual
composição do concelho ficará concluída com a criação administrativa da Vila e Sede
do Concelho da Póvoa de Lanhoso, por Decreto N.º 18:839, do Diário de Governo de 29
de Julho de 1930.
Podíamos falar desta composição em 1220, 1248, 1288, 1527, 1726, 1756, 1868…, mas
temos oportunidade de visitar uma exposição que nos conta exactamente esse percurso,
até à actual composição de 29 freguesias.
Registo apenas alguma da informação menos conhecida: a concessão das terras de
Lanhoso em Donataria, por El-Rei D. Sebastião, a D. Garcia de Menezes, “Do 1.º dia do
mês de Janeiro do ano passado de 1563 em diante” mantendo-se na família dos Condes
de Castelo-Branco até ao seu termo já séc. XIX, como podemos conferir pelo Livro de
Alvarás e Cartas de Privilégios do Concelho da Póvoa de Lanhoso.
Esta Donataria é sucessivamente confirmada em:
- D. Duarte de Castelo-Branco, 1.º Conde de Sabugal (Grande Conselheiro de
Estado e Meirinho Mor do Reino);
- D. Francisco de Castelo-Branco, 2.º Conde de Sabugal;
- D. Beatriz de Menezes, 3.ª Condessa de Sabugal;
- D. Beatriz Mascarenhas Castelo-Branco da Costa, 3.ª Condessa de Palma e 4.ª
Condessa de Sabugal;
- D. Manuel Assis Mascarenhas, 5.º Conde de Óbidos;
- D. Eugénia Maria Assis Mascarenhas, 6.ª Condessa de Sabugal e Óbidos
O último registo no Livro de Alvarás e Cartas de Privilégio do Concelho da Póvoa de
Lanhoso (visto em Correição), data de 1830.
No que respeita à administração de justiças, o Concelho da Póvoa de Lanhoso tinha:
- 1 Juiz Ordinário,
- 3 Vereadores
- 1 Procurador,
- 4 Tabeliães do público, judicial e notas,
- 1 escrivão da câmara e almotaceria,
- 1 meirinho que serve de carcereiro,
- 1 juiz dos órfãos e seu escrivão
- 1 escrivão das sisas de el-Rei”.
“…os officiaes da camara são feitos por eleição trienal de pelouros, a que preside o
corregedor desta villa de Guimarães e lhes passa carta de confirmação (sendo que não
indo o corregedor the dia de Natal do ultimo anno dar pautas, faz a eleção o povo na
forma da ordenação).”
O fim das Donatarias, como dos Coutos, insere-se nas reformas liberais com
particulares preocupações de libertação das terras, e igualdade de todos e para todas as
terras, determinando-se que os Bens, quando possuídos por Donatários ou
Comendadores, revertessem à plena posse da Nação, ainda que nos títulos existisse a
menção de validade de mais de uma vida.
As reformas liberais vão ser particularmente sentidas no concelho da Póvoa de Lanhoso,
já que no seu termo existem múltiplas terras coutadas, expressão maior no Couto de
Fontarcada, também extinto, além dos Coutos de Pouzadela (na freguesia de Monsul) e
de Lagiosa (freguesia de Serzedelo).
É no período do Liberalismo, primeiro em 1836 e logo em 1854, que a composição do
Concelho começa a adquirir os seus contornos mais próximos dos actuais.
De facto, as reformas liberais que aplicam um muito significativo conjunto de
alterações, de que se destaca a supressão de mais de 400 concelhos, é quando
primeiramente se extinguem os concelhos de S. João de Rei e Ribeira de Soaz, passando
a maioria das suas freguesias para o concelho da Póvoa de Lanhoso.
Por uma “escandalosa Afilhadagem” (como foi apelidada pela nossa administração
local), o concelho de S. João de Rei seria reinstituído menos de 1 ano volvido, sem que
ainda estejam claros os motivos ou razões, já que esse facto ia contra todos os princípios
proclamados pela base das reformas Liberais. Neste momento o Concelho de S. João de
Rei cresce, ao levar consigo as 7 freguesias do Vale de Gerás, assim se mantendo por
cerca de 7 anos…
Demos Voz aos contemporâneos das Reformas:
“Não cabe em tão pequeno espaço dizer maes do que – Sendo este concelho da Póvoa
de Lanhoso, pela Divisão antiga, mesclado de remendos, por os coutos que em si
encerrava, e mal arredondado, segundo a sua posição topographica; pela Divisão de
1835 pouco ou nada melhorou; até que vindo a Dictadura de 36, emendando-o em
parte, piorou-o n’outra; por fim em 1837, olhados estes sítios com vistas de partido,
parece que alguém, buscando só lisongear as turbas, conseguiu retalha-lo em dous,
tirar-lhe fracções, e reduzi-lo ao irrisório estado em que ora se acha!!!
Para se conhecer no primeiro lance de vista, o vício desta Divizão, basta lembrar que,
no Minho, nunca se pode admittir, em boa conciencia, um concelho que tenha menos de
2 legoas de diâmetro, e que, na parte estatística, baixe de 2.000 fogos. – Mas como
assim ficando o concelho de S. João de Rei com pouco mais de meia legoa de diâmetro
e 883 fogos?... N’este da Póvoa de Lanhozo existem as melhores proporções para se
poder formar um bom Concelho: tem um magnifico Edificio para se exercerem todos os
actos públicos, tanto administrativos como judiciários, collocado no meio da Villa e
está tão central; se se quizer attender seriamente a commudidade e verdadeiro
interesse dos povos destes arredores não averá um só pessoa conhecedora d’este local,
que esite em confessar, que a única Divizão razoável e arredondamento possível deste
Concelho é só tal qual se apresenta
São desse período algumas das mais significativas propostas de reordenamento, com
particular destaque para as subscritas por José Joaquim Ferreira de Mello e Andrade,
destacado membro da comunidade política e social, que propunha um concelho com
mais de 40 freguesias… ou, em nova proposta, reduzindo para 16 através de supressões
e anexações.
Será com a extinção do Concelho de S. João de Rei que a Póvoa de Lanhoso mais se
aproxima da actual composição, integrando definitivamente as freguesias do Vale de
Gerás.
Se a maioria das questões dos limites são explicadas pelas suas fronteiras naturais (rios
e serras – Ave e Cávado; Carvalho e Cabreira), outras importantes questões se devem
considerar, como o exemplo das freguesias que se encontram na margem esquerda do
Ave: Garfe e Sobradelo da Goma, já que o primeiro caso determina mesmo a existência
de uma situação ilegal no âmbito da actual divisão administrativa portuguesa, o enclave
(terra sem ligação física contínua ao território administrativo) causado pela intromissão
dos limites da freguesia de Garfe. Ainda nos dias de hoje em aberto, causando delicadas
perturbações.
No caso de Sobradelo é a história que determina a sua integração no Concelho da Póvoa
de Lanhoso (doações e relações enfitêuticas). Já no caso de Garfe, serão as populações a
reclamar e exigir a sua ligação ao concelho da Póvoa de Lanhoso, situação patente no
jogo de Decretos que a fazem sair e voltar da Póvoa de Lanhoso para Guimarães e Viceversa.
TERMINO:
É o espírito de defesa dos interesses locais, uma idiossincrasia própria do concelho, a
par das vontades assumidas pelos membros de uma comunidade, o orgulho de ter e de
ser, que nos dão a razão de existir senão num só corpo ou numa só alma, pelo menos
herdeiros de uma herança cultural e patrimonial comum.
É neste sentido que a instituição do dia 25 de Setembro como Dia do Concelho deve ser
valorizada, muito para lá das questões político-partidárias que se possam colocar.
A defesa e o validar de uma História, de um Património e de uma Tradição comuns (não
realidades parcelares recentes, e cultos com 35 ou com 120 anos) mas enquanto herança
de todos e de cada um, é uma responsabilidade que compete primeiramente às
instituições da nossa democracia representativa.
Podemos livremente questionar o futuro deste sistema político, do funcionamento das
instituições ou dos caminhos desta própria democracia representativa, mas não devemos
nunca, em consciência, questionar o valor, antes primando por manter viva e presente, a
importância da tradição e de uma história milenar, documentada, feita com o esforço de
muitos e validada pela vontade de muitos mais.
Termino, com orgulho de Povoense, se me permitirem e acompanharem, pedindo um
Viva à Póvoa de Lanhoso!
VIVA A PÓVOA DE LANHOSO!!!