HUMANISMOS LATINOS EM ÁFRICA
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HUMANISMOS LATINOS EM ÁFRICA
FONDAZIONE CASSAMARCA Piazza S. Leonardo, 1 - 31100 Treviso e-mail: [email protected] HUMANISMOS LATINO EM ÀFRICA: encontros e desencontros Coloquio internacional HUMANISMOS LATINOS EM ÁFRICA: encontros e desencontros Faculté des Lettres et Sciences Humaines Université Cheikh Anta Diop de Dakar (Sénégal) 9-11 de janeiro 2003 Coloquio internacional “Humanismos Latinos em África: encontros e desencontros” Dakar, 9-11 de Janeiro 2003 Indice Pag. 7 Saluto AVV. ON. DINO DE POLI Presidente della Fondazione Cassamarca, Treviso (Italia) Pag. 9 Allocution de bienvenue MAMADOU KANDJI Doyen de la Faculté des Lettres et Sciences Humaines Université Cheikh Anta Diop de Dakar (Sénégal) Pag. 11 Allocution ELVIRA AZEVEDO MEA Centro de Estudos Africanos, Universidade do Porto (Portugal) Pag. 15 Allocution MOUSTAPHA NDAYE Représentant du Ministre de la Culture et de la Communication Pag. 17 «Eloge de la latinité» (1962), ou les fondements négro-africains d’un discours senghorien MAMADOU KANDJI Professeur de Littérature Anglaise Université Cheikh Anta Diop de Dakar (Sénégal) Pag. 25 Humanismo y tradiciones africanas. El improbable encuentro FERRAN INIESTA Universidad Autònoma de Barcelona (España) Pag. 43 Humanismo cristão e o messianismo africano: Os ideais de Simão Gonçalves Toko na leitura dos Evangelhos MANZAMBI VUVU FERNANDO Centro de Estudos Africanos, Universidade do Porto (Portugal) Pag. 63 As missões perante os novos desafios sócio-políticos e religioso-culturais MANUEL AUGUSTO RODRIGUES Universidade de Coimbra (Portugal) Pag. 83 Humanismo latino em África: legados, partilhas e falências MANUEL DOS SANTOS LIMA Universidade Moderna Setúbal (Angola) Pag. 91 A especificidade de Cabo Verde no contexto colonial português DANIEL A. PEREIRA Ministério dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde Pag. 107 La culture gréco-latine dans l’œuvre de Léopold Sédar Senghor OUMAR SANKHARE Département de Lettres Classiques Université Cheikh Anta Diop de Dakar (Sénégal) Pag. 111 Abolição do tráfego de escravos: a comissão luso-britânica da Boa Vista – um Humanismo peculiar ELVIRA AZEVEDO MEA Centro de Estudos Africanos, Universidade do Porto (Portugal) Pag. 127 O Humanismo Latino na costa da Guiné - (sécs. XIX-XX): subsídios para um projecto de pesquisa CARLOS CARDOSO ISCTE - Lisboa (Portugal) Pag. 137 La colonizzazione italiana in Africa orientale SERGIO BALDI Istituto Universitario Orientale di Napoli (Italia) Pag. 149 Mgr Raponda Walker, une variante de l’Humanisme Latin en Afrique SIMAO SOUINDOULA Centre International des Civilisations Bantu de Libreville (CICIBA) - (Gabon) Pag. 155 Contribution à l’analise des principaux apports de l’Humanisme Latin en Afrique de l’Ouest: éléments favorables et éléments défavorables CHEICK SAAD BOUH KAMARA Professeur de Sociologie à l’Université de Nouakchott (Mauritanie) Pag. 161 Humanismes et idéologies du développment: La contemporanéité à l’épreuve de l’essentiel humain ISSIAKA-PROSPER L. LALÉYÊ Professeur d’épistémologie et d’anthropologie à l’Université Gaston Berger de Saint-Louis (Sénégal) Pag. 177 Um episódio do mercado de trabalho em África – o relatório Nightingale de 1906 MACIEL MORAIS SANTOS Centro de Estudos Africanos, Universidade do Porto (Portugal) Pag. 195 Communauté de sens et sens de la communauté: le croisement des humanismes JEAN-GODEFROY BIDIMA Professeur à l’Institut d’Ethique - CHU Saint-Louis Collège International de Philosophie - Paris Pag. 209 Associação dos naturais e amigos de Angola de Itajaí: As (Re)significações de africas no Brasil JOSÉ BENTO ROSA DA SILVA Universidade do Vale do Itajaí (Brasil) Pag. 221 Globalização em África e (Des)Humanismo CARLOS PIMENTA Centro de Estudos Africanos, Universidade do Porto (Portugal) Pag. 233 Humanismos ocidentais em África: que futuro? ZACARIAS KAMWENHO Arcebispo do Lubango (Angola) AVV. ON. DINO DE POLI Presidente della Fondazione Cassamarca Treviso (Italia) Impossibilitato ad intervenire, ne sono profondamente dispiaciuto per l’importanza culturale e civile che l’Africa ha agli occhi di tutto il mondo. Approfondire e sviluppare cultura significa approfondire e sviluppare il dialogo fra ogni diversità e garantire, in questo modo, la pace sociale. Questo Convegno fa seguito a quello svolto a Capo Verde nel gennaio 2000 dal titolo “L’Umanesimo Latino e l’Umanesimo Africano”. La pubblicazione degli atti ha il significato di tenere ferme le riflessioni e metterle a fondamento di ogni nuova iniziativa e testimonianza. Grazie per Vostra così proficua collaborazione. 7 MAMADOU KANDJI Doyen de la Faculté des Lettres et Sciences Humaines Université Cheikh Anta Diop de Dakar (Sénégal) Monsieur le Représentant du Ministre de la Culture et de la Communication, Monsieur le Représentant du Centre d’Etudes Africaines de Porto, Monsieur le Représentant de la Fondazione Cassamarca, Mesdames, Messieurs les Professeurs, Chères étudiantes, chers étudiants, Chers invités, Mesdames, Messieurs, les dysfonctionnements et les incohérences du monde moderne posent de plus en plus des questions lancinantes: qui est l’homme? Quel est le monde dans lequel il vit? Dans ce contexte précis, le 11 septembre 2001, en plus du cinglant démenti qu’il a jeté sur l’orgueil de l’homme, a secoué celui-ci de sa léthargie et a sonné le glas des radicales certitudes. Le 11 septembre, par ce qu’il est dans un passé peu lointain pose encore la question de l’humanisme sous sa forme la plus troublante, c’est-à-dire ce qui reste d’humain en l’homme. Cet événement pour le moins inattendu a réactualisé un certain nombre de concepts qui reposent la question de l’humanisme. C’est ainsi qu’on a parlé de – Conflits de civilisations – Chocs des cultures – Terrorisme – Monde civilisé par opposition au monde barbare – Valeurs de civilisation etc. Issu des traditions gréco-latine et judéo-chrétienne, l’humanisme, dans sa forme la plus radicale, vise à la promotion des valeurs, il tente de libérer l’homme de tous les obstacles à son bonheur et à réduire le retard de celui-ci par rapport à l’idéal moral qu’il s’est fixé, selon les termes du romancier anglais d’origine polonaise, Joseph Conrad. Si l’humanisme doit être revisité ces 3 jours-ci, c’est par ce qu’«on ne peut pas aimer l’humanité et détester les hommes». Autrement dit, il faut vivre l’humanisme et non la théoriser. 9 Or, à la lumière de ce qui se passe dans le monde d’aujourd’hui, c’est l’idéalisme qui prévaut. La situation contemporaine interpelle tout le monde et les éducateurs que nous sommes au premier chef. On peut d’ailleurs se demander, à la suite George Steiner, si ce n’est pas le recul des humanités dans les programmes de nos lycées et collèges, dans nos universités qui a engendré, sous nos yeux, le déclin de l’humain. Heureusement qu’une prise de conscience est en train de se faire jour. En France, le Ministère de Claude Allegre a de plus en plus tendance à recentrer l’enseignement sur le sacré, sur l’amour et sur la réflexion philosophique. Récemment, au Sénégal, le Ministre de l’Education a introduit l’enseignement religieux. Il est question de la refondation de l’homme, dans l’un comme dans l’autre cas. Le colloque vient donc à son heure. Et je voudrais, au nom de Monsieur le Recteur, vous souhaiter la bienvenue à l’Université Cheikh Anta Diop. Les 20 communications que nous allons entendre traitent tous de l’humanisme sous différentes formes: laïque, séculaire et religieuse. Je sais d’ores et déjà que les débats seront riches et féconds. Je souhaite que les Actes puissent être édités et mis à la disposition de la Communauté scientifique toute entière. Je vous remercie. 10 ELVIRA AZEVEDO MEA Centro de Estudos Africanos, Universidade do Porto (Portugal) Exmªs Autoridades civis, religiosas, académicas, Senhor Presidente da Fondazione Cassamarca, Caros Colegas, Estudantes, Minhas Senhoras e Senhores: È com muita honra e prazer que vos saúdo em nome da Universidade do Porto e do seu Centro de Estudos Africanos, que represento e em meu próprio nome. Ainda nos parece uma miragem estar aqui a concretizar um dos nossos objectivos: estudar e discutir em conjunto com especialistas de dez países diferentes, em África, o tema proposto: encontros e desencontros de povos e culturas europeias e africanas, em termos científicos, sem tabus, alibis, preconceitos. É, sem dúvida, um momento feliz este encontro para um centro, como o nosso, um dos mais novos (sete anos) da já vetusta Universidade do Porto, hoje com 91 anos, 14 faculdades e 14.000 alunos. O CEAUP é interdisciplinar congregando um grupo de docentes e investigadores das várias áreas das Ciências Humanas, da História à Antropologia, Economia, Sociologia, Direito, etc. Durante estes sete anos, para além de quatro mestrados em E. A, vários colóquios e congressos, uma revista anual, a investigação possível, realizámos no início deste século, precisamente, em Janeiro de 2000, um colóquio na cidade da Praia, subordinado ao tema “Humanismo Latino e Humanismo Africano” que entusiasmou muita gente, inclusivamente o Presidente da Fondazione Cassamarca, com um interesse cultural especial no Humanismo Latino, acerca do qual tem realizado encontros científicos em todo o mundo. Foi exactamente graças à Fondazione Cassamarca que durante três dias pudemos debater toda uma série de questões ligadas aos dois Humanismos, às culturas englobantes, a povos que os viveram em determinadas vicissitudes. Desse encontro sobressaiu, entre outras, a problemática ligada a diferentes modos como se desenrolaram ao longo dos séculos as relações entre europeus e africanos, em que frequentemente o Humanismo ou outros “ismos” branquearam situações de grande desumanidade. 11 A África foi retalhada, missionada, esgotada, civilizada, esterilizada. Daí, como alguém disse: “Por que não debater essa incomensurável dívida da Europa à África?” Foi o mote para este nosso colóquio, em que nos iremos debruçar sobre os “Humanismos Latinos em África: encontros e desencontros”, uma vez mais graças ao mecenato da Fondazione Cassamarca e à especial hospitalidade da Universidade de Dakar, pelo que, em nome do CEAUP e de todos os participantes agradeço nas pessoas do Senhor Presidente e no Deão da Universidade Prof. Kandji. ——————————————— Excellentissimes Autorités Civiles, Religieuses, Académiques, Monsieur le Président de la Fondazione Cassamarca, Chers Collègues et Etudiants, Mesdames et Messieurs. C’est un grand honneur et un plaisir pour moi de Vous saluer au nom de l’Université de Porto et de son Centre d’Études Africaines, que je représente, et en mon propre nom. Il nous semble encore une mirage d’être ici et de concrétiser un de nos objectives: étudier et discuter ensemble, avec des spécialistes en Afrique de dix pays différents, le thème proposé: les rencontres et détours des peuples et des cultures européennes et africaines, en termes scientifiques sans aucun tabou, alibi ou préjugé. Ce colloque est, sans doute, un moment heureux pour un Centre comme le nôtre, un des plus récents (sept ans) de la déjà ancienne Université de Porto, qui a 91 ans, 14 facultés et environ 14 milles élèves. Le CEAUP est interdisciplinaire et rassemble un groupe de Professeurs et chercheurs de plusieurs domaines des Sciences Humaines, de l’Histoire à l’Anthropologie, Économie, Sociologie, Droit, etc. Pendant ces sept années, on a organisé, au-delà des quatre Maîtrises en Études Africaines, plusieurs Colloques et Congrès, une Revue annuel, et la recherche possible. Précisément au début de ce siècle, en janvier 2000, on a fait un Colloque dans la Cidade da Praia, Cap-Vert, subordonné au thème: “Humanisme Latin et Humanisme Africain”, que a enthousiasmé nombreuses personnes, telles que le Président de la Fondazione Cassamarca, qui a un intérêt culturel spécial à l’Humanisme Latin, et sur lequel il a organisé des rencontres scientifiques dans le monde entier. C’est précisément grâce à la Fondazione Cassamarca 12 qu’on a pu, pendant trois jours, débattre toute une série de questions liées aux deux Humanismes, aux cultures englobantes, et aux peuples que l’ont vécu en des vicissitudes particulières. Le contacte de l’Humanisme Africain avec l’Humanisme Latin, considérant les circonstances historiques, a été un choque culturel brutal, a partir du moment où les européens ont considéré comme politiquement correct d’utiliser les africains comme un moyen pour atteindre leurs fins. En agissant comme Maîtres de la Vérité, les européens concevaient leur Humanisme comme unique. L’Humanisme Chrétien, lui-même, a oublié souvent son caractère intrinsèque, universel, en acceptant que tous les moyens fussent légitimes pour convertir les nègres en fils de Dieux, et pour cela et pour atteindre au Père, ils devraient donc être obéissants, soumis et résignés. L’Humanisme Chrétien a été évidemment écrasé dans ce choque, mais il a continué à exister, souvent clandestin, mais dans une nouvelle dimension, dans des myriades de lieux et temps, les africains ont continué à vivre, même si dans des conditions toujours très difficiles, souvent infrahumaines, particulièrement pour ceux de la diaspora. De ce rencontre a ressorti, entre autres, la problématique liée aux différents moyens de déroulement des relations entre les européens et les africaines, au long des siècles, où fréquemment l’Humanisme et d’autres «ismes» ont blanchi des situations de grande inhumanité. L’Afrique a été coupée, évangélisée, épuisée, civilisée, stérilisée. Ainsi, comme quelqu’un a dit: «Pourquoi pas débattre cette dette incommensurable de l’Europe à l’Afrique?» Ça a été le refrain pour notre Colloque, dans lequel on va débattre les «Humanismes Latins en Afrique: rencontres et détours», une fois de plus grâce au mécénat de la Fondazione Cassamarca et en particulier à l’hospitalité de l’Université de Dakar. Je Vous remercie au nom du CEAUP et de tous les participants, dans les personnes de Monsieur le Président et de Monsieur le Doyen de l’Université, Prof. Kandji. 13 MOUSTAPHA NDIAYE Représentant du Ministre de la Culture et de la Communication Monsieur le Représentant de Monsieur le Recteur de l’Université Cheikh Anta Diop, Monsieur le Représentant du Centre d’Etudes Africaines do Porto, Monsieur le Représentant de la Fondazione Cassamarca, Mesdames, Messieurs les Professeurs, Chères étudiantes, chers étudiants, Honorables invités, «L’humanisme latin en Afrique: Rencontres et Détours», voilà un thème qui ne laisse personne indifférent si tant est que l’humanisme, c’est cette philosophie qui place l’homme et les valeurs humaines au-dessus de tout, et qui, en définitive, ne vise que l’épanouissement des qualités humaines et l’éclosion de ce qui est humain en l’homme. C’est vrai qu’à travers l’histoire, il y a eu des moments où des hommes ont réduit d’autres hommes à moins que rien, et les ont, pour ainsi dire, déshumanisés, en leur ôtant leur identité propre et en leur collant des matricules. Mais tous ces malheurs sur lesquels je n’insisterai pas n’ont pas empêché à l’homme, je veux dire à l’espèce, de mener sa longue marche, tantôt courbé, tantôt penché tantôt droit vers l’espérance et de forger l’histoire, celle de l’Humanité. N’est ce pas Primo Levi qui disait: «Détruire un homme est difficile, autant que le créer»? Au regard de l’histoire, on pourrait dire qu’au bout du compte, ce qui sauve l’Homme, c’est finalement la Raison, c’est la Foi, c’est l’Espérance. C’est en définitive, ce qu’il y a d’humain en lui, c’est-à-dire son humanité irréductible. Dès lors, le choix de l’intitulé de votre Colloque, «Humanismes latins en Afrique: Rencontres et Détours» ne pouvait être plus judicieux. L’Humanisme, – ou les humanismes – se situe au cœur de la dialectique de la vie et de la politique, c’est-à-dire dans ce qui réglemente la vie de la société. Il entretient avec la citoyenneté des rapports étroits en ce qu’il est le garant de la diversité culturelle, de la tolérance. Ainsi il devient du coup une invite du citoyen à la vie politique entendu au sens large. 15 Ses dimensions variables nous interpellent tous les jours, peut-être à notre insu, et sous différentes formes: • Développement durable • Problèmes écologiques • Vieillissement de nos populations • Asiles et prisons • Préservation de nos valeurs culturelles • Résolution des conflits frontaliers etc. Tout cela a partie liée avec l’humanisme. Notre pays, le Sénégal, s’est résolument engagé, malgré une conjoncture mondiale difficile, à améliorer les conditions de vie de ses citoyens mais aussi à entretenir de bonnes relations de voisinage avec les pays de la sous-région. Il a fourni de gros efforts, récemment, pour la stabilité de la sous-région, conditio sine qua none d’un développement économique viable. Le NEPAD, New Partnership for African Development, cherche à promouvoir un partenariat garant du développement de notre cher continent, l’Afrique. Mesdames, Messieurs les conférenciers, je voudrais au nom de Monsieur le Ministre de la Culture et de la Communication, retenu ce matin par le Conseil des Ministres, vous féliciter pour deux raisons au moins. Pour avoir ciblé un thème dont l’actualité et la pertinence sont indiscutables. Mais aussi – et peut-être surtout – pour avoir choisi, notre pays, pays de la Téranga (en soi une forme d’humanisme) pour abriter votre Colloque. Au nom de Monsieur le Ministre, je vous souhaite plein succès dans vos travaux et déclare ouvert le Colloque International sur «Humanismes Latins en Afrique: Rencontres et Détours». Je vous remercie. 16 MAMADOU KANDJI Professeur de Littérature Anglaise Université Cheikh Anta Diop de Dakar (Sénégal) «Eloge de la latinité» (1962), ou les fondements négro-africains d’un discours senghorien «Eloge de la latinité» est l’allocution que Senghor prononça, précisément, le 30 octobre 1962 à Rome, à l’occasion de sa Réception au Capitole par le Conseil Municipal de la ville. Légèrement remanié, le texte original figure dans Liberté 1. Négritude et Humanisme (1964)1. D’environ 4 pages, il entre dans le cadre des préoccupations qui ont toujours été celles de Senghor: Enracinement et ouverture Dialogue des cultures Métissage culturel Le sacré comme élément important de la culture africaine • Une rhétorique africaine basée sur le mode des ethnotextes sénégalais • Le discours superpose: prose, poésie et rhétorique classique. • • • • Personnellement, j’entretiens avec ce texte des rapports presque intimes dans la mesure où, en 1962-1963 déjà, alors que j’étais jeune normalien de l’Ecole Normale William Ponty de Sébikhotane, le Ministre de l’Education Nationale et de la Culture de l’époque avait recommandé ce texte à tous les professeurs de français des classes de seconde pour qu’ils l’enseignent à leurs élèves. Ce discours senghorien, comme tant d’autres, ont pour ainsi dire fait partie du royaume d’enfance de plusieurs jeunes sénégalais de ma génération. Je voudrais, cet après-midi, montrer qui «Eloge de la latinité», c’est aussi l’éloge de l’Africanité, et qu’il s’appuie sur des fondements négro-africains. *** 17 Ce discours, bien construit, obéit à une structure classique avec une introduction et une conclusion qui encadrent 3 parties distinctes. • Dans une première partie de 4 paragraphes bien tranchés, Senghor se livre à une démonstration de la grandeur historique de Rome et de sa culture • Dans une deuxième partie, de 3 paragraphes, cette fois-ci bien ramassée, il démontre l’apport de l’Africanité à la civilisation de l’Universel • Et, enfin, il procède à une synthèse qui jette le pont entre Latinité et Africanité en ces termes qui campent le dialogue des cultures: «Vous nous avez apporté, à nous, Africains, la raison discursive; nous vous apportons, à vous, Européens, à vous, Latins, la raison intuitive, par quoi se définit la Négritude» (p. 356). Dès le début, Senghor établit un parallèle entre l’apport fécondant de la Latinité à la civilisation de l’Universel, notamment avec le développement des sciences, des techniques et des arts, et d’autre part l’apport de l’Africanité à cette même civilisation de l’Universel. L’apport de l’Africanité, c’est la raison intuitive, c’est l’émotion, l’instinct, bref ce sont les ressources illimitées de l’âme humaine etc. Ce faisant, il abolit du coup, la dichotomie que l’on pourrait a priori trouver entre Latinité et Africanité deux concepts qu’il perçoit en termes de complémentarité. *** Dans la première partie, il montre la puissance impériale de Rome, une grande civilisation qui fut maîtresse du monde, irradiant à travers celui-ci, notamment par le biais de la Renaissance, sa civilisation: le Droit, l’Enseignement, l’Art, le Commerce, l’Agriculture, les Travaux Publics et les Sciences. Il fige Rome, cette ville éternelle, dans sa mission première telle qui Virgile l’a chantée. «Ici se confondait l’orbis terrae et l’orbis terrarum […] Ici se confondait le monde des dieux et le monde des hommes, pour dire la mission de Rome, telle que la chante Virgile, qui était d’éclairer le monde, sous le guide de Dieu» (p. 354). 18 Dépassant cette vision réductrice de Rome, il développe les valeurs essentielles de la Latinité dont il voit l’impact jusque dans la vingtaine d’états africains modernes qui ont hérité de ces valeurs. Mais ces valeurs de la Latinité, poursuit-il, même si elles sont héritées d’Athénes, ont été néanmoins organisées par Rome qui les a transmises par le biais de la Renaissance, à l’Amérique, à une partie de l’Asie et à l’Afrique. Ici on sent le poète et l’homme politique qui parlent: «Il se trouve que nous sommes, en Afrique, une vingtaine d’Etats et de territoires dont les élites ont été nourris du lait de la Louve, sont les filles du Capitole» (p. 354). C’est la Renaissance qui a permis de révéler l’apport de l’Italie, celle de la Latinité, à la Civilisation de l’Universel, par le génie des artistes: Pétrarque, Dante, Michel Ange et tant d’autres. Ce génie latin, Rome l’a entièrement partagé avec le reste du monde, y compris avec les Africains: «J’ai conscience d’accomplir un devoir filial, en venant aujourd’hui, sur la Colline Sainte, rendre hommage à la Latinité: à l’esprit de la civilisation romaine» (p. 354). En plus de la métaphore du lait de la Louve, comme héritage de la Latinité, il parle des «frères de lait» faisant ainsi allusion aux sociétés africaines matrilinéaires où la parenté s’établit par le sein maternel. Senghor lui-même étant du matriclan ou tim des Tabor qu’il cite souvent dans sa poésie. William Shakespeare, ce poète et dramaturge nourri de l’humanisme latin a souvent fait appel à cette métaphore pour rendre ce qu’il y a d’humain en l’homme. Lady Macbeth, dans la pièce de ce nom, dit de son mari qu’il est plein du lait de l’humaine bonté “the milk of human kindness”. “Kindness” c’est d’abord la bonté, mais c’est aussi l’espèce humaine dans ses valeurs les plus irréductibles. L’une et l’autre métaphore, celle de l’allaitement et celle de la greffe, se complètent et revoient au métissage biologique et culturelle. Dans «Elégies à Philippe-Maguilen Senghor», «le rameau greffé du Viking sur Tabor» rend compte du métissage de la race normande et du clan matrilinéaire du poète, plaçant ainsi Philippe, mort, aux confluents de deux civilisations. A sa femme Colette le poète dit: 19 «Voici donc notre enfant, souffle mêlé de nos narines, qui s’éteint, ha !» Œuvre Poétique, (p. 286). Senghor procède, ensuite, à un inventaire méthodique des valeurs de la Latinité. Celles-ci ont nom: • • • • sens de l’humain respect de la personne humaine respect de la diversité religieuse promotion de la ratio sur le logos grec. Si Senghor préfère la ratio latine au logos grec, c’est parce qu’essentiellement la ratio dépasse l’analyse qui est du domaine du logos et offre une méthode de réalisation qui est le fruit d’une synthèse totalisante. Si tant est que le logos est essentiellement discours et raison discursive, la ratio, elle, est essentiellement rationalité. C’est la méthode au sens cartésien du terme. Entre discours et méthode, Senghor préfère la seconde. Ils voient chez les Latins des gens traditionnellement pratiques alors que les grecs sont plus théoriques. «La Latinité, c’est aussi la ratio. Une ratio moins souple, moins discursive que le logos grec dont elle procède, mais combien plus efficace. Plus qu’analyse, elle est synthèse, plus que théorie, elle est technique efficace d’organisation: de réalisation» (p. 355). Dans son ouvrage: Après Babel: une poétique du dire et de la traduction, (1975) George Steiner, résumant les conclusions de Humboltd sur les langues classiques, confirme la vision senghorienne en ces termes: «Le registre grec est léger, délicat, nuancé. La civilisation attique regorge d’inventions sur le plan des formes plastiques et intellectuelles… En même temps que la syntaxe grec [c’est] la confiance excessive accordée à la rhétorique, la dextérité mensongère… Le latin présente un contraste solennel. La coloration sévère, masculine laconique de la culture romaine est le reflet exact du latin et de sa sobriété» (p. 134). Et ce sont ces valeurs fondamentales de la Latinité qui attachent Senghor à la langue et à la civilisation latines. Il en vante constamment le mérite et l’utilité: 20 «Ce n’est pas hasard si le latin demeure en Europe, en Amérique, en Asie, comme langue de culture. Si des scientifiques comme M. Capelle, ancien Recteur de l’Université de Dakar, le préconisent comme langue universelle. Encore une fois, la civilisation du XXe siècle, celle de l’atome et des vols spatiaux, notre civilisation technicienne est héritière du génie romain» (p. 35). A ce thème, Senghor a consacré plusieurs essais. Et ce n’est pas hasard non plus, si le dernier essai de Négritude et Humanisme est intitulé «La jeune fille et le latin» (p. 436). Ce texte de 4 pages est une allocution qu’il prononça le 26 juin 1963, lors de la Distribution solennelle des prix, au Lycée des Jeunes Filles de Dakar. «Chères élèves, le Latin – comme le Grec et l’Arabe –, parce que discipline d’éducation aidera à cette promotion de la jeune fille, de la femme sénégalaise… Mais, comme je ne cesse de le répéter, il faut que les femmes et jeunes filles sénégalaises nous aident à les aider. Par leur travail, par leur application, par leur sérieux, avec ce souci du rationnel et de l’efficace que nous inculque, chères élèves, l’enseignement du latin» (p. 437-438). *** C’est à mi-chemin de sa démonstration que Senghor amorce une transition pour montrer comment la civilisation latine a essaimé à travers toute la planète, et comment, elle est arrivée en Afrique par l’Afrique du Nord, carrefour des civilisations, des races et des cultures. Le souvenir des guerres puniques qui ont opposé Rome et Carthages et qui ont abouti à la destruction de Carthages telle que chantée par Virgile reste encore vivace y compris jusqu’en Afrique. Mais ici elle sert la cause d’une vaste métaphore aux relents poétiques: «Les flammes de Carthage agonissant brûlent encore nos cerveaux africains» (p. 354). Ainsi, Senghor montre la permanence des valeurs de la Latinité et la puissance de la culture latine en Afrique et ce, dès le début du texte (p. 354). 21 Dans les Elégies Majeures, se trouve une Elégie de 5 strophes, «Elégie de Carthage» qu’il dédie «A Habib Bourguiba, le combattant suprême» (Œuvre Poétique, p. 306). Mais ce que le poète met en contrepoint, dans le deuxième mouvement, c’est le rôle que l’Afrique du Nord a joué dans la diffusion en Afrique de l’humanisme latin. Il signale au passage que plusieurs écrivains latins sont originaires d’Afrique du Nord: Tertullien et Saint Augustin notamment. Il campe ces deux penseurs dans leur origine africaine berbère. Tertullien, ont le sait, avait essentiellement réfléchi sur la foi par ce qu’il avait senti les limites de la raison discursive dans l’appréhension du réel et dans la perception de la Vérité. Il explora d’autres canons, d’autres modalités d’accès à la connaissance: émotion, intuition, instincts toutes des catégories que Senghor assimile à l’Africanité et qui servent d’armature à la Négritude. Il le dit juste avant d’aborder sa conclusion ! «Credo qui a absurdum. La phrase de Tertullien, reprise par Saint Augustin, nous mènera a notre conclusion. Ce qui veulent dire ces deux berbères, ces deux africains, c’est que la logique, à elle-seule est incapable de comprendre le réel» (p. 356-357). A cet effort personnel de l’Afrique, pour jouer sa partition dans l’orchestre de la «convergence panhumaine», Senghor met Ibn Khaldoum. Au matérialisme sans épithète (selon une formule que Senghor aime beaucoup), Ibn Khaldoun a opposé le matérialisme spiritualiste. Au demeurant, c’est à Ibn Khaldoun qu’il attribue la naissance du matérialisme spiritualiste qui a fait fortune en Afrique. En contrepoint de la première partie, Senghor passe en revue les valeurs nègres, celles de l’Africanité Le rythme et l’image rythmée L’art nègre: les arts plastiques La raison intuitive Le Dialogue et l’Amour comme voies d’accéder à la connaissance • Et enfin, les valeurs du terroir où s’enracinent l’homme. • • • • En définitive, ce que Senghor reprend ici c’est la conver22 gence des cultures, l’apport indispensable de l’Afrique à l’humanisme planétaire: «l’orchestre de la convergence panhumaine ne serait pas complet, ne serait pas humain, s’il y manquait la section rythmique de la Négritude» (p. 356). Le binôme favori enracinement-ouverture sert de support au discours. Senghor parle du dialogue des cultures, mais aussi de l’éducation et de l’hérédité. L’hérédité (nature) c’est l’enfermement dans nos propres valeurs, dans notre être, tandis que l’éducation (culture) c’est l’apport extérieur. Ici c’est l’apport fécondant de la Latinité à la civilisation négro-africaine. *** Au plan de la rhétorique, l’écriture senghorienne s’apparente au tagg ou éloge en woloff, genre que Senghor pratique dans sa poésie comme «Tagg à Mbaye Djobb». Le «tu» qu’il emploie l’illustre bien. «Comme le disait le Gaulois Namatianus invoquant Rome!: Tu as donné une patrie commune à des peuples divers, tu offres aux vaincus de partager tes droits, tu as fait du monde entier une seule Cité» (p. 355). Le discours se lit comme un collage des classiques latins, Cicéron, Tacite, Catulle, et de palabres africaines, sur fond de mythes et de légendes. Il se lit comme cette greffe du «rameau latin sur le sauvageon africain» (p. 357) qui permet au Nègre d’assumer son historicité, c’est-à-dire de se réaliser pleinement parce qu’allant dans le sens de l’Histoire. Ce thème recoupe celui du métissage qui traverse la pensée senghorienne, comme pour dire qu’au plan de la langue aussi l’avenir du monde appartient au métissage linguistique et représentationnel, en somme à la mondialisation que tous ses essais théoriques et sa poésie promeuvent. La tonalité du discours, son balancement «ici, le temple… ici, se confondait… ici se rencontrait…» rappelle fort bien les saltigués où devises tambourinées ponctuant les déclarations pendant les «khoye» ou cérémonies de divinations. C’est ainsi qu’on a parlé, chez Senghor, de poèmes saltigues, néologismes qui rend compte du rythme incantatoire de certains de ses poèmes. 23 Conclusion S’ouvrant par une évocation du sacré le poème se termine par une invocation du sacré. «Au moment de me lever pour vous répondre, je me sens saisis par le souvenir de la grandeur de Rome, comme soudain saisir par pour les griffes de l’aigle. Horresco! (début du texte)». «Vous vous serez étonnés que sur la Colline Sainte, un éloge de la Latinité, se termine par l’éloge de l’Africanité, voire de la Négritude. De nouveau Horresco!»(fin du texte). Horresco!… De nouveau Horresco! pour rendre l’effroi la crainte religieuse par ce que Senghor se trouve sur la colline sainte où jadis se tenait le temple de Jupiter. Mais cette invocation religieuse doit, à mon avis, être considérée comme une clause rhétorique, comme un élan mettant le poète sur les ailes de Pégase pour chanter la grandeur de Rome: «comment cacherai-je mon émotion?» dit le poète. «Eloge de la Latinité» n’est pas en définitive qu’éloge de la latinité. C’est aussi l’éloge de l’Africanité. Texte en prose, il recoupe également les préoccupations rhétorique et poétique de Senghor. Les grands thèmes chers au poète Senghor, son idéologie s’y trouvent en condensé. BIBLIOGRAPHIE Léopold Sédar Senghor, Œuvre Poétique, Paris, Seuil, 1990, Roman, édition 1964. Léopold Sédar Senghor, Liberté 1. Négritude et Humanisme, le Seuil, 1964. «Hommage à Léopold Sédar Senghor Homme de Culture», Présence Africaine, 1976. George Steiner, Après Babel: une poétique du dire et de la traduction, traduit de l’anglais par Lucienne Lotringer et P.E. Dauzat, Albin Michel, 1998, première édition O.U.P, Oxford, 1975. Notes (1) Les citations dans le texte renvoient à cette édition. 24 FERRAN INIESTA Universidad Autònoma de Barcelona (España) Humanismo y tradiciones africanas. El improbable encuentro Como en cualquier cultura de cualquier época, hay en Occidente ideas que son consideradas normales, lógicas y naturales. Desde la declaraciones de derechos del hombre y del ciudadano, en el siglo XVIII, la cultura occidental ha ido asumiendo que hay valores indiscutibles, propios de la naturaleza humana, y que su ausencia aboca a sociedades enteras a la periferia de la historia por sus concepciones y comportamientos ‘inhumanos’ (Rojo). Ese modelo se ha ido elaborando desde hace unos quinientos años, en torno a las ideas-fuerza de progreso e igualdad, y sus críticos han sido duramente puestos en el índice del pensamiento correcto en las últimas décadas del siglo XX (Sebreli, Finkielkraut). Lo que se ha dado en llamar humanismo procede de una particularísima visión separativa del ser humano y su entorno, una concepción rupturista que hunde sus raíces en la dialéctica aristotélica y despega con fuerza en la nueva ciencia de los siglos XV y XVI. Hablar de antropocentrismo para denostar un humanismo de mala calidad es algo corriente hoy, aunque sólo ha aumentado la confusión conceptual existente: las culturas históricas son necesariamente antropocéntricas, pues se sitúan en lo real desde la centralidad inexcusable de nuestra especie, y por ello tanto las culturas europeas como las demás han sido antropocéntricas en sentido estricto. Pero el antropocentrismo humanista es de otra índole, pues se basa en el alejamiento y objetivación entre humanidad, universo y divinidad, con lo cual todo se mide desde parámetros humanos escindidos del conjunto real: Aristóteles ya había indicado que nada podía conocerse íntimamente fuera de lo humano, ni lo natural ni lo divino, y esa ha sido la senda ensanchada por el humanismo moderno. Para agravar la confusión conceptual, la historia de la filosofía occidental ha decidido rebautizar como humanistas a los pensadores tradicionales – neoplatónicos – que nega25 ron la dialéctica y defendieron la necesaria complementariedad de contrarios (Nicolás de Cusa, Pico della Mirandola, Marsilio Ficino). Me limitaré a invitar a una relectura de aquellos autores, cuyas posiciones fueron claramente opuestas a las de la ciencia moderna y su dialéctica eliminadora de contrarios, como lo prueba su fuerte apuesta por el platonismo como pensamiento integrador. Un platónico no es un humanista ni asume las tensiones propias del individualismo. Por lo antedicho, emplear indiscriminadamente el término humanismo para englobar en él todo lo que parezca positivo, no es muy conveniente ni desde el punto de vista histórico ni desde su relatividad en el plano cultural. Ni toda la historia occidental ha sido humanista – apenas quinientos años – ni las culturas de otros continentes lo han sido, si respetamos el contenido original de la palabra. Sí es posible, en cambio, hablar de humanismos exportados a Africa, e incluso de aludir a sus variantes ‘latinas’, siempre que eso no sirva para colocar toda la negatividad en la versión anglosajona o germánica y todas las excelencias en el ‘modo latino’ o mediterráneo: en ambos casos, se trata del humanismo moderno, pues no lo hay fuera de la modernidad. Por ello, aludiremos al humanismo occidental en líneas generales, ya que el antropocentrismo humanista está lejos de los referentes tradicionales básicos de las sociedades de Africa. 1. Humanismo y Globalización “En los tiempos antiguos, las naciones opulentas y civilizadas tenían dificultades para defenderse de las pobres y bárbaras; actualmente, los pobres y bárbaros tienen dificultad para defenderse de los opulentos y civilizados” Estudio sobre la naturaleza y causas de la riqueza de las Naciones Adam Smith, Londres 1776 No es aceptable, intelectualmente, hablar de la función bienhechora de una ideología – aquí la humanista – separándola de la práctica cotidiana que se hace socialmente en 26 el mundo. Por lo menos, los clásicos modernos – desde Maquiavelo hasta Adam Smith – nunca cocultaron que la civilización que defendían tenía sus aspectos oscuros, cuando no truculentos ¿Pueden los universitarios de hoy en día hablar de progreso y libertad (individual), haciendo abstracción de cómo se imponen esos ideales y qué se hace con los otros modelos de sociedad? Sería una frivolidad, y probablemente una labor de ocultación casi cómplice de opresiones coloniales, guerras de represalia o liberación y justicias internacionales desequilibradas. El humanismo irrumpe en el mundo acompañando la expansión colonial europea, y sería útil releer la historia de un náufrago humanista – y racista – como el novelesco Robinson Crusoe, por la misma época en que Jonathan Swift defendía aún la posibilidad de diversidad cultural en sus Viajes de Gulliver. Trata de esclavos, colonización, guerras mundiales y globalización del modelo único son la cara menos amable de la preponderancia moderna, pero curiosamente ese lado oscuro no acostumbra a entrar en debate, ya que suele verse como una ‘desviación’ lamentable de los principios humanistas positivos. Esa versión edulcorada de los hechos disfraza el horror cotidiano de anomalía y presenta la pureza ideológica como norma universal. Este itinerario intelectual resulta poco valiente, y es tiempo de recordar que los valores del individualismo y del progreso han sido la justificación para la expansión europea ayer y para la globalización homogeneizante hoy. Para la conquista de América, cristianizar era la idea rectora, y con ello se produjo una hecatombre demográfica y – peor aún – un embrutecimiento cultural de los vencidos. Para la conquista de Afroasia en el siglo XIX, el concepto motor fue el progreso y el acceso paulatino de los colonizados a la libertad individual, rompiendo con sus formas de organización y pensamiento. Puesto que todo en el universo es cambio, transformación y movimiento, podríamos aceptar la inevitabilidad de las destrucciones, de las muertes masivas y de los exterminios culturales, vistos todos ellos como un mal menor como antesala de un futuro humanista radiante. No obstante, el horror nunca justifica nada, sólo es un hecho constatable, y sus frutos son escasos o deformes ¿Va a imponerse la Good Governance a Africa con desembarcos en Somalia o en Costa de Marfil? ¿O tal vez el buen orden internacional ya se da con el mantenimiento de dictaduras feroces como en Nigeria o en Guinea Ecuatorial, por las grandes multinacionales de los países 27 abanderados del humanismo como Estados Unidos o Francia? En 1502, junto a la pequeña isla de Kilwa, Vasco da Gama amenazó la ciudad con sus cañones para que el jeque swahili se plegara a sus condiciones político-económicas: ‘comercio es amor’ dijo el capitán de Dom Manuel al dirigente africano (Iniesta), haciéndole comprender que quien se negaba a negociar con él demostraría su falta de amor y, por lo tanto, sería bombardeado ¿Puede haber más hermosa doctrina que la del amor entre pueblos? Con el paso de los siglos, los dirigentes civilizados a los que aludía Adam Smith, se harían más prepotentes y claros en sus verdaderos designios; Jules Ferry aseguraba en el parlamento francés que sus tropas en Africa no estaban allí para implantar los derechos humanos, sino para sacar beneficios para capitalistas y proletarios franceses: ‘los africanos no nos han llamado’ (Suret-Canale). Como señalaba hace unos años el historiador malgache Esoavelomandroso en dura polémica con el humanista norteamericano Saul Mendlowitz: ‘Hace quinientos años ustedes empezaron a acorralarnos militarmente, hace un par de siglos emprendieron nuestra expoliación económica y ahora nos ofrecen su ayuda para barrernos ideológicamente y desposeernos de lo útimo que nos queda: nuestra forma de ver el mundo. No, gracias’ (Rojo). No se trata exclusivamente de una distinta manera de pensar y vivir, sino de una concepción de verdad excluyente, única, que permite a Occidente colocar en el campo del error a todos aquellos que no comparten sus valores, sus intituciones y sus prácticas económicas: africanos y demás exteriores deben ser salvados del error, deben ser liberados de sí mismos hasta su homologación con el comportamiento civilizado (Nizbet). Las lejanas bases teóricas de este planteamiento se hallan en la dialéctica aristotélica y su objetivación del mundo circundante: el mundo, el extranjero, incluso la mujer, son errores que apenas podrán resolverse con la extinción o su mantenimiento a distancia; la lógica expansiva de la civilización moderna, bien descrita por Smith, haría el resto hasta la globalización homogeneizadora. Esa es la razón del éxito de la sociología económica marxista, duramente universalizante, y el arrinconamiento de teóricos disidentes como John Galtung hoy o Karl Polanyi ayer (Polanyi). El mundo tradicional africano no está presidido por la lógica del beneficio individual, al menos no exclusivamente y por eso el bazar domina las relaciones de mercado (Fall28 Gueye), distorsionando el llamado orden liberal que las instituciones de Betton Woods tratan de imponer con todo tipo de medidas de retorsión a las sociedades africanas. Pero habría que ir a la raíz del fracaso modernizador de Africa, y con ello al escaso éxito humanista, y esa raíz no es otra que la incompatibilidad entre los presupuestos del humanismo y los de las tradiciones negroafricanas. Las bases del antropocentrismo humanista son rupturistas con la divinidad, con la naturaleza y, en general, con el mismo principio de indentidad esencial entre el Múltiple y el Uno, por usar la terminología africana antigua. No fue casual que Marx hiciera su tesis doctoral sobre el atomismo de Demócrito, ni que la dialéctica que prevaleciese para el despliegue de la ciencia profana se hiciera sobre el objetivismo aristotélico, ya que en ambos autores prima el no reconocimiento de la esencial identidad de individuos, pueblos, países y astros. Con el humanismo, el universo pierde su sentido, se vuelve ajeno, y el humano inicia su singladura hacia el absurdo sartriano, tal vez no en la teoría pero sí en el comportamiento cotidiano. Como se ha dicho con rotundidad, el humanismo idealiza una supuesta Naturaleza Humana – la hegemónica – y parte en guerra contra la incomprensible diversidad (R.Panikkar). ¿Dialogar la recolonización? Los eruditos creen con frecuencia que el coraje consiste en polemizar y ser incisivo en los debates, pero acostumbran a descuidar que la brillantez puede ocultar el bosque de la realidad: no cabe duda de que la labor desplegada por individuos y grupos modernizadores honestos han aportado una suavización de la práctica brutal de la hegemonía moderna, y eso podríamos decir de los Mandela en lo político o los Raponda Walker en lo religioso, pero lo que importa son los fundamentos. Hay escasa compatibilidad entre el modelo progresista e individualista del humanismo y el paradigma integrador y holista de la africanidad histórica, y no existe zona intermedia o mestiza salvo en los estudios modernos que parlotean sobre mestizaje o hibridación: cada cultura dispone de una columna vertebral, hecha de valores fundacionales, y desde ellos evoluciona hasta su desaparición. Que el sistema dominante en la actual globalización pretenda que todo se mezcla o integra armoniosamente es comprensible, ya que así se intenta camuflar la creciente 29 destrucción de la alteridad, aunque resulta menos comprensible que intelectualmente se renuncie a la función crítica tratando de borrar las fronteras entre individualismo humanista y holismo africano. La vida económica africana, por poner un ejemplo, tiene la aparencia de una abigarrada mezcolanza de factores modernos y tradicionales, pero sólo es así en la superficie, puesto que la disfunción de la teleología moderna prueba que el reconocimiento y la fidelidad juegan tanto o más que la lógica de la mera ganancia: no estamos frente a supuestos mercados mestizos o intermedios, sino ante mercados holistas distorsionados por la presión liberal a escala internacional, y ello es lo que da esa apariencia híbrida o mestiza al mercado africano de 2003. Desde un punto de vista hegemónico, la disfunción o marginalidad africana (Moffa) debe subsanarse rompiendo sus sistemas identitarios, sean étnicos, económicos o políticos, ya que su tenaz oposición a la ‘normalidad’ global es percibida como un mal para los pueblos de Africa y un pésimo ejemplo para el resto del mundo en vías de sometimiento al nuevo orden planetario. Sería complicidad hablar de humanismo – latino o general – silenciando los debates públicos que, ya a mediados de la década de los noventa, se produjeron en Occidente acerca de la ‘solución africana’. Es conveniente rememorar aquellas reflexiones, en diarios y revistas, en las que el paciente Africa fue diagnosticado y se sugirieron varios tratamientos de shock, aunque en el fondo se resumían todos en uno: recolonizar. En un provocador artículo en el New York Times de Abril de 1993, Paul Johnson proponía sacar a Africa de su parálisis evolutiva en la fase poscolonial, mediante una intervención internacional concertada. La llamada comunidad internacional (de hecho, la norma establecida por la modernidad hegemónica) avalaría una acción de países vecinos en cualquier Estado africano sumido en el caos (Johnson). Los Estados interventores se harían cargo de la Administración del país en cuestión por un período que podría ir hasta un siglo. Con ello se romperían las tendencias a la disgregación, se reeducaría a los pueblos administrados y se acabaría con los comportamientos ajenos al progreso y a los derechos fundamentales, tal como se conciben por la comunidad internacional. En agosto del siguiente año, el historiador kenyatta afincado en los Estados Unidos Ali Mazrui ahondaba en la problemática, señalando que Europa debía terminar lo que empezó: la colonización. A raíz de la catástrofe rwandesa, 30 Mazrui escribía en News Perspectives Quaterly que, vista la experiencia de cuarenta años de independencias sin el menor avance en la ideología individualista ni en la práctica de la democracia, podía concluirse que la mentalidad tradicional jerárquica africana no evolucionaría por sí misma (Mazrui) sin presión exterior. Las soluciones tradicionales del pasado serían preferibles al desajuste actual, pero dada la imposibilidad de retroceder en el tiempo, la única opción realista sería recolonizar Africa mediante métodos menos brutales que los de la colonización. En 1955, dos politólogos se añadían al debate, con voces claras y expeditivas. Para William Pfaff, en Foreing Affairs, señalaba la responsabilidad de las antiguas metrópolis coloniales en haber concluido su acción transformadora demasiado pronto, dejando Africa en el desvalimiento y la incapacidad de progreso: para él, las antiguas potencias europeas debían regresar desinteresadamente al continente y culminar la obra que antaño dejaron inconclusa (Pfaff). Según Michael Walzer, en Letra Internacional, sólo una presencia militar occidental duradera, sin premuras ni límites de tiempo, podría reeducar al continente mediante una sólida administración fiduciaria, estrictamente controlada por occidentales y capaz de acabar con el desgobierno africano (Walzer). Ali Mazrui, en el World Policy Journal del mismo año, matizaba que sería preferible un sistema de protectorados sólo para países en colapso y que dichos protectorados, por razones culturales, fuesen ejercidos por países exclusivamente africanos (Mazrui). Ninguno de los citados autores puso en duda la incapacidad africana para gobernarse, como tampoco lo ponen en duda desde mucho antes las instituciones financieras como Banco Mundial y Fondo Monetario Internacional. Como declaraba en 1997, en Madrid, el presidente de la coordinadora española de ONGs para el desarrollo: ‘No sólo hay que darles – a los africanos – caña y sedal, hay que enseñarles a pescar’. La ignorancia de muchos politólogos y cooperantes bien intencionados sobre los procesos históricos africanos no les lleva a conclusiones demasiado distintas que muchos intelectuales modernos africanos: Africa debe modernizarse, acabar con su mentalidad retrógrada y normalizarse respecto a la comunidad internacional. Los procesos de tutela iniciados espectacularmente en Mozambique desde los acuerdos de paz entre Renamo y Frelimo indican una ruta que, a diferencia del desembarco 31 militar en Somalia, prioriza el control africano por vías económicas y gestionarias (Peñas). Precisamente, desde la óptica humanista, las sociedades africanas se hallan metidas en un callejón de difícil salida, coincidiendo así con los analistas económicos y políticos del Occidente moderno. Cuando Eboussi-Boulaga, con un enfoque cristiano pero de corte moderno, planteó que el Muntu –el Anthropos africano- se halla en crisis, reflejaba ante todo el pesimismo que se desprende del dualismo moderno mucho más que la realidad de numerosos pueblos africanos todavía bien vertebrados por sus tradiciones. Tal vez algunos aludiríamos antes a una crisis del pensamiento humanista, moderno, que no del pensamiento africano, ya que no es el despliegue tecno-instrumental ni el individualismo burgués lo que garantizan el bienestar profundo de los pueblos. El problema, para los humanistas, es que sus bases fundacionales son las de la propia modernidad, y por esa razón el horizonte que vislumbran en este mundo globalizado es sumamente pesimista. En ningún lugar, la entronización de la lógica moderna ha aportado armonía ni consuelo a las sociedades: tampoco en Africa. Tradición africana frente a humanismo moderno “La fin de ce IIe millénaire conjoncturellement dominé, peut-être pour deux siècles, par des necéssités d’une révolution téchnico-instrumentale est celle d’un monde malade de la tradition culturelle de philosophies totalitaires, historiquement nées dans le monde sémito-européen” Thèses sur épistémologie du réel et la problématique néo-pharaonique Pathé Diagne, Dakar 1981 Durante años se escribió sobre resistencias tradicionales, sobre atavismos africanos ante los procesos modernizadores, incluso sobre lo catastrófico de un rechazo social del desarrollo (Kabou), además de estigmatizar la etnicidad o tribalismo como genuinamente retrógrado y causante de la mayoría de males al impedir que la conciencia de nación moderna plasmase en Africa (Chrétien, Meillassoux). Ciertamente, el bazar ha sido desestabilizado por el merca32 do globalizante y la etnia ha sido crispada hasta la exclusión nacionalista, pero en ambos casos lo que la ideología moderna ha hecho ha sido empeorar situaciones ya degradadas por la trata esclavista y la colonización. Hay que hacer una relectura del discurso oficial de corte humanista sobre el universo africano actual. Ante todo hay que rechazar la idea de que las culturas africanas no son antropocéntricas: lo son, como cualquier cultura humana, ya que colocan al ser humano en el centro del eje cósmico o natural y desde él perciben y aprehenden la realidad. Ahora bien, también son cosmocéntricas y teocéntricas, si tenemos presente que para las sociedades tradicionales el hombre es el corazón del mundo como la divinidad es el núcleo mismo del humano y de todo lo existente. El humanismo, en cambio, es el único antropocentrismo que destierra y objetiva la naturaleza y dios, expulsándolos de la intimidad humana: esa es su peculiar aventura dialéctica, la causa de su desarraigo y la razón de su angustia existencial. El antropocentrismo africano es tradicional (Ndaw), el humanista es moderno. Los factores sociales de índole tradicional poseen una persistencia, una capacidad envolvente y una pregnancia en la vida cotidiana que desalienta a los propios cantores de la modernidad en Africa (Copans). Resulta tarea árdua intentar deslindar cualquier actividad de las concepciones y valores que proceden de siglos atrás. Y no se trata, reductivamente, de considerar que la fuerza de la tradición está vigente o regresa porque la democracia o el desarrollo económico fracasan, pues el comportamiento de sectores acomodados – intelectualmente occidentalizados – mantiene asimismo comportamientos no modernos (Pfouma). El primer elemento tradicional, por su peso innegable, es aquel que los modernos llaman religión, pero que en sentido estricto es una determinada manera de concebir la realidad, de posicionarse en ella y de vivirla con sentido de identidad esencial bajo la multiplicidad formal de los seres: estamos hablando de tradición, de aquellos fundamentos culturales que se transmiten de una a otra generación y que caracterizan a una sociedad por encima de sus modificaciones puntuales o coyunturales. Cuando esas bases fundacionales pierden su preeminencia, se diluyen, dejan de condicionar las actividades colectivas e individuales, entonces estamos en presencia del final no sólo de una tradición sino de la misma cultura: físicamente, genéticamente, la población será la descendiente de sus ancestros, pero ape33 nas en lo física, porque el profundo parentesco espiritual se habrá roto de modo irrecuperable. Así analizan la vitalidad de sus culturas numerosos universitarios africanos, que siguen viendo en el mundo que les rodea, con todos los frenéticos cambios globalizantes, una única realidad que manifiesta su pujanza en constantes variaciones multiformes: desde la Ennéada egipcia hasta el Mbog de los basaa cameruneses, las tradiciones africanas han considerado que el humano ocupa un punto central en la gran armonía del universo, y eso impide la objetivación fría que la modernidad proclama (Nkoth Bisseck). En directa derivación de la percepción enneádica de la mayoría de sociedades africanas de hoy, aparece la pertinencia de lo particular, de lo distinto, de lo diverso. Mientras para la modernidad, la diferencia, la alteridad, la nación o tribu contiguas son entidades erróneas, incomprensibles y amenazadoras, en el entramado africano cada agrupamiento identitario tiene un sentido, una función y un espacio, incluso si esa alteridad permite la hostilidad o la burla periódicas. El respeto – que no la hegemónica ‘tolerancia’ – es la norma entre extranjeros, entre gentes de diversa tradición, como señalaba el maestro sufí Tierno Bokar en el Níger Medio (Hampaté Bâ). Atribuir al tribalismo o etnicismo la responsabilidad de masacres como las rwandesas es ocultar la responsabilidad del estado-nación moderno, con su mentalidad excluyente y etnicida, responsabilizando así a los propios africanos de la obra ideológica alterófoba de la nación moderna (Mappa). Es altamente significativo que el islam en Africa negra – con puntuales excepciones – sea de claro predominio sufí y que, algunos de sus más destacados teóricos (Ndaw, Bâ, Ndam Njoya) no sólo no fustigan las antiguas tradiciones africanas, sino que en ocasiones poseen doble o incluso triple iniciación: ese sería el caso del desaparecido Amadou Hampaté Bâ, iniciado paganamente como pastor pehl, alto grado en la tariqa Tijaaniya y finalmente miembro de la franc-masonería occidental, con un notable sentido de la diversidad de caminos y formas que conducen a las mismas certezas esenciales. Los estrategas y politólogos que buscan un aliado táctico en el sufismo contra las corrientes modernas islamistas cometen un error de envergadura: las bases del dualismo musulmán – islamismo – son las mismas que las del moderno humanismo. De ahí la sombrosa proximidad de los discursos y proclamas de Georges Bush y Osama Bin Laden, buscando el exterminio del adversario, 34 como si el fin de las diferencias y oposiciones fuese posible en el universo... los dualismos modernos – musulmán u occidental – manifiestan una asombrosa ignorancia acerca de la estructura misma de la realidad cósmica ¿Qué pueden ofrecerle a Africa, salvo pan y circo? Mientras el grueso de pueblos de Africa sigue haciendo referencia a una edad de oro en la que todo era perfecto, sigue mirando hacia atrás para sacar fuerza en el presente y preparar el futuro, la propuesta humanista es centrar la mirada en un mañana resplandeciente en el que la felicidad económica y política será un hecho. Occidente, desde Petrarca con su Vita Solitaria, lleva más de quinientos años huyendo hacia delante, tratando de librarse de su malestar presente con sueños de futuro, diseñando utopías en cuyo nombre se justifican todos los horrores, desde el Gulag staliniano y el Reich de los Mil Años hasta las guerras liberadoras en Hiroshima, Vietnam, Afganistán o Irak, por sólo mencionar algunas muestras del horror justificado por el mañana áureo. Como comentaba un Mbombog – maestro iniciado en el Mbog basaa – quien no respeta el legado de sus mayores y no estima su presente no puede preparar de modo responsable el futuro de sus descendientes ¿Cuánto horror deberá sufrir Africa en nombre de la utopía humanista, del sueño moderno de omnipotencia? Algunos especialistas en política africana se dieron cuenta, ya en los años ochenta, de que el fracaso de la democracia no se debía a bolsas de resistencia, sino a la presencia de verdaderos modelos divergentes de sociedad (Médard). Así, mientras para el sistema moderno el presente es el lugar de desencuentro, para las tradiciones de todo el mundo – y las de Africa no son excepción – el presente es el lugar de la plenitud individual y grupal, incluso en tiempos obscuros como los actuales (Panikkar). Como decía un dirigente de la insurrección en Casamance – sur de Senegal – el problema no se halla en la cohabitación entre nordistas y sureños, sino en la falta de respeto por las tradiciones de sus vecinos: la diversidad no se cuestiona, el desprecio y la humillación sí, por innecesarios. Desde mediados de los años noventa del pasado siglo, podemos constatar una resurgencia de lo tradicional en todos los ámbitos, desde el político institucional hasta el estrictamente ritual. En el plano más superficial, sin ser desdeñable, algunos de los nuevos líderes africanos han introducido notables modificaciones en las constituciones de sus países: Meles Zenawi introdujo ya en 1994 la idea de 35 respeto institucional por la diversidad de pueblos y naciones que constituyen el Estado federal etíope, Yoweri Museveni ha dado legalidad constitucional a los antiguos reinos de Uganda, Thabo Mbeki está desplegando la idea de un urgente renacimiento africano, mediante la recuperación oficial de los valores clásicos de las sociedades que conforman la actual Sudáfrica. Mientras los africanistas occidentales siguen anclados en su discurso deconstructivista, Africa se interroga. A un nivel más relevante que el político, por sus previsibles efectos a medio plazo, hallamos en los últimos años la reaparición de autores de corte tradicional. No sólo se reeditan los trabajos de sufíes y cristianos (el sector que fue conocido como etnofilosófico), sino que surgen escritores de clara raigambre tradicional. Mientras hace unas décadas, los Eboussi-Boulaga y demás etnofilósofos ponían el acento en las deficiencias africanas para asumir la modernidad, los pensadores que hoy suben al escenario reivindican con orgullo la tradición ancestral y denuncian el paradigma moderno en sus formas más destructoras: con su obra mayor sobre el Mbog – Unidad, Universo – el camerunés Nkoth Bisseck abre un período de reconstrucción teórica de las antiguas tradiciones, sin los complejos inherentes a la occidentalización y sin rechazar las aportaciones que la misma modernidad pueda ofrecer. En ámbitos más profundos, lejos de tribunas estatales y de salones eruditos, estamos asistiendo al más importante rearme de las sociedades africanas, el de la práctica popular, cotidiana, de los senderos tradicionales, ya sea en versión musulmana, cristiana o clásico-antigua. A finales de los ochenta sorprendió el abandono del espacio público, escrito, de un hombre como Ilunga Kabongo, que pasó a activar la vida de comunidades tradicionales en el corazón mismo de un Congo-Kinshasa convulso (Kä Mana). Esa labor callada, pero perceptible en todas las regiones del continente, no es únicamente un repliegue defensivo – como pudo serlo en la coyuntura congoleña – sino una voluntad explícita y pujante de dar tiempo a la paz, colectiva e individual, y dar la espalda a combates coyunturales que son los propios de una modernidad enloquecida. En ese terreno, el resurgimiento africano empieza a ser el más pujante de todos los que se alzan contra el paradigma global y sus ideologías antitradicionales. Puede que estemos en la antesala del más grave Vietnam de la modernidad, y justamente esa guerra se prefigura sin armas de destrucción. 36 Muntu y Anthropos en los tiempos oscuros “Les traditions? Respectez-les. Elles constituent l’héritage spirituel de ceux qui nous ont précédés et qui n’avaient pas rompu avec Dieu” Tierno Bokar in Vie et enseignement de Tierno Bokar Amadou Hampaté Bâ, París 1980 Cuando leemos o escuchamos discursos entusiastas sobre tolerancia, multiculturalismo y diversidad no dudamos de la buena voluntad de la mayoría de sus militantes. Simplemente cuestionamos su capacidad de reflexión, algo bastante escaso en los descendientes del racionalismo y la ilustración: el criticismo burgués periclitó, y hoy sólo quedan epígonos, cargados de buenas intenciones, pero arrasando con las culturas distintas de la moderna, y haciéndolo con armas o con sistemas de mal llamada cooperación. Con mayor sensibilidad y, por supuesto, mejores intenciones, la ayuda humanitaria suele coincidir en valores y objetivos con las intervenciones armadas que últimamente las grandes potencias modernas vienen haciendo en diversos rincones de un planeta que desean homogéneo, y férreamente controlado. Por ese motivo hemos mencionado la polémica sobre la recolonización del continente para ponerlo a nivel global: cabe la pregunta, nada ingenua, de si lo harán subir hasta las excelencias modernas o más bien tendrán que rebajarlo en lo que aún tiene de vital, gozoso, elevado, tradicional, a fin de igualarlo con la confusión y el absurdo. Álvaro Velho, el redactor del libro de ruta de Vasco da Gama, escribió al ver danzar a unos quinientos khoi-khoi en False Bay: ‘Bailaban como negros’. El autor del roteiro se limitó a constatar la diferencia, pero esa característica terminaría siendo peligrosa poco después, cuando Gama bombardeó Kilwa porque el sheikh local no deseaba comerciar con ellos. Se puede ser diferente en todo aquello que sea inocuo, pero nunca en aquello que moleste la sensibilidad o los intereses modernos: extraña alianza la de la sensiblería humanitaria que acompaña – cuando no exige – las intervenciones militares que pretenden imponer un único sistema cultural al mundo. La única diversidad tolerable por el racionalismo humanista es, precisamente, aquella que resulta exótica (ex-odós: fuera de la ruta), marginal, curiosa, y en 37 nada importante para la concepción hegemónica ¿Cómo podría producirse un encuentro entre colonizadores y colonizados de ayer, entre humanistas y tradicionales de hoy? Poco antes de terminar el siglo XX, Alain Finkielkraut se lamentaba del retroceso del pensamiento occidental – que él llamaba, simplemente, pensamiento – a manos de una vulgaridad creciente en arte, ética o política (Finkielkraut). La queja es comprensible, pero habría que recordar que de los fundadores de la modernidad -verdaderos gigantes al lado de sus descendientes- salieron las actuales tendencias y comportamientos, ya que los valores de sustentación son los mismos: individualismo, progresismo, ruptura abierta con el sentido del mundo. Así, cuando hace casi cuatro décadas, John Maddox arremetía sarcásticamente contra los incipientes ecologistas, en nombre del progreso ilimitado que debe caracterizar a la humanidad liberada (Maddox), ignoraba que las predicciones sobre el ecosistema mundial quedarían pronto muy por debajo de la dura realidad: no hay que asombrarse de que la sociedad moderna premiase la irresponsabilidad ecocida de Maddox otorgándole durante largos años la dirección de Nature, el prestigioso buque insignia – junto a Science – de la arrogancia científica del Homo Aequalis (L. Dumont). Si en el campo científico, el panorama resulta sombrío, en el ámbito de la decisión política la situación es aún peor. Sociedades adormecidas por los vapores del hedonismo nihilista hallan natural que se proteste por una clitoridectomía en algún paraje africano, al tiempo que consideran justo que se desencadenen guerras por doquier, en defensa de una dudosa libertad. Habría que citar, una vez más, al sabio de Bandiagara (Tierno Bokar), sobre el advenimiento del tiempo que los hindúes llaman de los chandalas, aquellos que ni siquieran disponen de los principios de casta: Quand l’occasion de jouer un rôle de chef advient à un homme à l’âme vulgaire, il ne sait qu’instaurer une dictature mégalomane. Au lieu de faire regner la paix pour tous, ce sera le commencement de la terreur sombre. Les fripouilles deviendront financiers et les canailles frapperont la monnaie. La morale tanguera dangereusement sur la mer en furie des passions déchaînées. 38 Desde su retiro en las montañas de la derecha del Níger, el viejo sufí intuyó aspectos claves de lo que, medio siglo después de su muerte, nosotros llamamos globalización. En semejante contexto, una Africa empobrecida espiritualmente por siglos de guerras esclavistas, esquilmada y brutalizada por una colonización expoliadora, y sumergida en el fiasco del sueño modernizador, mantiene sus fidelidades tradicionales bajo una aparente confusión (Chabal-Daloz). Un torrente incontenible de occidentales se vuelca sobre Africa, unos buscando paisajes y ambientes exóticos, otros tratando de salvar a los autóctonos con arrogante ignorancia de su realidad presente y pasada, las instituciones financieras y las multinacionales imponiendo sus criterios, y todos ellos convencidos del modelo salutífero que conviene a los africanos. Como sucedió en el reparto de Africa en la conferencia de Berlín – 1885 – el destino de sus gentes se decide sin ellos o atendiendo sólo a los intereses minoritarios de algunos occidentalizados que abandonaron a sus pueblos y perdieron el respeto por sus tradiciones. La pretensión de cooperar, en semejantes condiciones, es un eufemismo destinado a encubrir la cruda verdad: imposición de prácticas económicas, sociales y políticas ajenas a los modelos africanos en presencia. No se coopera desde la hegemonía. El clasicismo africano quedó atrás, en Kémit o el antiguo Malí, y quinientos años de frontera con Occidente aceleraron la decadencia del continente (Iniesta-Roca). Sería, no obstante, una ingenuidad suponer que Europa y su expansión occidental se halla en mejores condiciones: basta una comparación rápida entre la creatividad renacentista, racionalista e ilustrada con sus caricaturales descendientes del siglo XXI. Con el agravante para Occidente de que en su seno casi han desaparecido las pautas de sabiduría tradicional, mientras que en Africa ésta sigue aún viva en el conjunto social. Las perspectivas, para ambos continentes no son esperanzadoras, pero en los sombríos tiempos de la modernidad globalizada, las sociedades africanas son el último bastión tradicional frente a la locura homogeneizante y depredadora que arrastra a Occidente. La pluralidad cultural, el mundo de la Ennéada africana sobrevive de modo sorprendente todavía entre los muros asfixiantes que se afana en levantar la Utopía Global: y esa es la peor de las utopías porque mata, mata el espíritu y destruye la fidelidad a la tierra y al cosmos desde la particularidad de cada rincón del planeta. No existen las condiciones indispensables para que el humanismo – incluído el latino – pueda dialogar con su víc39 tima, la tradición africana. Probablemente porque ese diálogo sólo es posible entre tradicionales, y eso exigiría que un sector de la latinidad humanista retornase humildemente a Canosa: reconocimiento fraterno de la común identidad humana en la más aceptada diferencia cultural, respeto mútuo en las formas y contenidos propios de cada pueblo, reconstrucción cultural conjunta de dos continentes asolados por la ceguera moderna. No hay más evolución sostenible que la que perfecciona su propio patrimonio histórico, acondicionando no sólo bienes materiales, sino sobre todo el pensamiento y la forma de ser a cada época y sus exigencias (Hampaté Bâ): pero el desprecio a los valores que fundan las culturas sólo forja miseria y disgregación, y ese tipo de evolución destructora es el llamado progreso. El Logos, la Verdad que subyace en cada tradición, no circulará entre europeos y africanos mientras el humanismo pretenda ser el marco de la relación, porque sus bases son rupturistas, objetivistas, progresistas, individualistas y, por todo ello, antitradicionales. La única posibilidad para un diálogo fraterno, sin prepotencias fátuas ni exigencias irrespetuosas, es el retorno del más consciente sector humanista occidental a los senderos tradicionales, retorno a Platón y Plotino (Rojo), al Areopagita y al maestro Eckhart, a Cusa y Ficino, a Spinoza, a Guénon, por citar algunos nombres de la genealogía tradicional europea. Sin embargo, éste es un lento trabajo de reconstrucción que no puede hacerse – en las sociedades modernas – a plena luz, sino en el silencio de las catacumbas, allí donde la verdad recupera su silenciosa centralidad y lejos de los ruidos y agitaciones de una moderniad degenerada, estéril y enfurecida. Que los modernos puedan pensar que la nueva era está a su alcance no deja de ser una pretensión grotesca, viendo lo que estamos presenciando en estas últimas décadas de oscura barbarie. Estamos en pleno descenso, en pleno crepúsculo del dualismo o escisionismo moderno, y sólo la más ignorante de las arrogancias puede pretender dialogar con Africa, sobre todo porque la modernidad es la negación del Logos, de Maat o del Mbog. Hay mucho trabajo por delante, reconstruyendo lo que queda de las viejas tradiciones de Occidente (Guénon) antes de pretender establecer puentes fraternos entre el Anthropos europeo y el Muntu africano. Y como en tiempos antiguos, Africa, pese a las apariencias superficiales, está más cerca del Logos que el universalismo humanista. Habrá que prestar más atención al tronco en nuestro ojo que a la paja del ojo meridional: urge la reflexión. 40 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS BÂ, A.H. Vie et enseignement de Tierno Bokar, le sage de Bandiagara Seuil, París 1980. BÂ, A.H. 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Interessa-nos esta época, pois situa-se num período que se caracteriza pelo movimento humanístico na Europa e que coloca o homem no centro, na concepção do mundo e na sua existência. Todo o percurso da acção missionária realizado, desde o fim do século XV até hoje, vai-se explicar tendo por base o humanismo renascentista que se vai expandir em toda Europa. Ele resume-se de seguinte maneira: exalta a dignidade e a liberdade do ser humano; reconhece a ausência de uma “natureza” humana estável e definitiva. Significa dizer que o ser humano não possui uma essência fixa, uma vez por todas, mas sim ele é um ser livre que é um autêntico “Manifesto de humanismo do Renascimento”; O terceiro aspecto pode ser resumido na concepção do homem como “grande milagre”, como um infinito que, enquanto microcosmo, reflecte nele todas as propriedades do universo ou de macrocosmos (documenti, 1996). Esta maneira de conceber o mundo fundamenta que o universo não seja visto simplesmente como uma matéria inerte mas sim como um organismo vivo ou sensível. (idem, 1996). Para uma melhor apreensão do nosso tema, incidimo-nos no humanismo renascentista em Portugal com os poetas Gil Vicente, Sá de Miranda e João de Barros cujo fundamento do Humanismo se baseia no Humanismo cristão. Interessa-nos, sobretudo, saber até que ponto a difusão do 43 humanismo cristão, através da cristianização, esteve na origem do choque de encontros e desencontros entre a doutrina cristã e a religião africana e o consequente surgimento do Messianismo africano ao longo de séculos. Procuraremos provar que a aceitação do evangelho pelos africanos, a sua releitura e o seu uso para a dignificação do homem, reconhecendo a força da sua mensagem sendo universal, coloca Jesus Cristo no centro da humanidade. Apoiar-nos-emos nas ideias que nortearam o movimento messiânico de Simão Gonçalves Toko, o “Tokoísmo”, resultante do ensinamento dos evangelhos, considerado distorcido em relação às realidades africanas, provocado pela acção missionária. O surgimento da Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo não será para o Tokoísmo a reafirmação da dignidade do homem e o seu reencontro com Cristo através da sua libertação e a Inculturação da doutrina cristã? O Humanismo como movimento do século XVI 44 O termo humanismo, que no século XIX designa o movimento de renovação de letras e de ideias fundamentadas no estudo de textos antigos, aparece já no limiar do século XIII, em Itália e evoluiu no século XVI quase em toda a Europa da renascença. O termo reveste-se de vários significados mesmo que ele se limite no tempo ou quando é aplicado por extensão aos estados de espírito ulteriores, significados esses que tem como ponto comum o homem. Na Enciclopédia Luso-brasileira de cultura (1970), J.V. DE PINA MARTINS refere-se a obra de F.J. NIETHAMER (1808) onde se encontra o significado do Humanismo na sua primeira formulação explícita, em meados do século V a.C., no pensamento do sofista Protágoras. “Homem é a medida de todas coisas”. O Humanismo deriva dos termos ciceronianos humanus e humanitas. Segundo o autor acima referido, a humanitas designa três coisas. Procurando dar significado aos três sentidos que caracterizam o humanismo, o autor define-os da seguinte maneira: – a característica que define o homem como homem; – aquilo que vincula um homem a outro homem e aos homems em geral, do gr. – a philanthropia; e finalmente, – a característica que forma o homem como homem (as letras e artes). Este último sentido persistirá durante muitos séculos no Ocidente, como ideal de vida, de civilização e de cultura. Humanitates é a nossa humanidade associada à ideia de cultura como essência do homem. O Cristianismo vai adoptar este ideal e depurá-lo das conotações pagãs procurando consolidar a sua doutrina. O humanismo dos nossos dias é encarado em dois sentidos principais. O primeiro é temporal e o segundo o ideal. Podemos caracterizá-los em histórico-cultural e em filosófico. Para responder aos objectivos que nos trazem por cá iremos basear-nos no Humanismo, digamos, temporal dos séculos XV e XVI da época renascentista em que, pelos estudos dos autores clássicos greco-latinos, o homem julgava tornar-se mais humano ou verdadeira e plenamente homem desenvolvendo as suas capacidades à imagem e semelhença dos grandes modelos de sabedoria e de ciência, de arte e de virtude, que a Hélade e Roma tinha encarnado ou revelado e que o Cristianismo tinha prolongado transpondo-os noutro registo. Fora da Itália, com todo o prestígio que se alcançou na irradiação artística, literária e cultural e outros domínios, o Humanismo do século XV e do início do século XVI pôde-se expandir. Na Alemanha, por exemplo, no século XV pretendia-se, com certas escolas, cristianizar a erudição clássica para, por meio desta, glorificarem a fé cristã. Aqui, Erasmo integra-se na perspectiva histórica do Humanismo germânico e como tal, ele mesmo, chamou ao seu programa humanístico que procura servir, pelas letras, a lição do Evangelho: a Filosofia do Cristo, com o Manual do Cavaleiro Cristão. Se na Itália, pelas fortes tradições universais do Humanismo que de Petrarca a Ficino, preconizavam o primado do cristianismo humanista num quadro de ortodoxia, um Erasmo não podia criar uma atmosfera doutrinária de ambiguidade teológica. Na França passou a identificar-se com o evangelismo e este com Lutero, sobretudo porque Berquin não hesita, nas versões de Erasmo, em introduzir passos do reformador alemão. Daí que o Humanismo francês, apesar de influenciado pelo Humanismo italiano, isto é, nos fins do século XV, não se tenha voltado tanto para a tradição das letras clássicas e da sua lição universal, como para a problemática religiosa. O Humanismo renascentista em Portugal O que acontece em Portugal, onde o Humanismo vai incidir com o Movimento do Renascimento? Como em toda a Europa da época, em Portugal o Humanismo centra-se no Renascimento que se caracteriza 45 pelo cultivo das letras greco-latinas, o que teve um grande reflexo na cultura. Em todas as esferas da vida de aristocracia e nas cortes, por exemplo de D. Eduardo e D. Afonso V, circulavam já as traduções de Cícero, como as de De Officiis, feitas pelo infante D. Pedro. Na vida politica, os humanistas, além de serem os secretários dos reis, como o foi Cataldo, desempenhavam também funções diplomáticas na qualidade de oratores em cerimónias oficiais, públicas e nas embaixadas, servindo-se da língua internacional, o latim, que eles já dominavam. Prestavam obediência a diversos papas, pronunciando as respectivas orações. Eram também os panegiristas dos governantes e do País, que em prosa e verso latinos, tornavam, deste modo, acessível a sua mensagem a toda a Europa culta daquela época. Digamos que estes humanistas se implicaram quase em todas as actividades ao ponto de se interessarem, como professores, para o ensino de latim. Muitos humanistas empenharam-se nas actividades literárias através do país, através das grandes cidades, da época, Coimbra, Viseu e Lisboa com uma grande produção literária entre os séculos XV e XVI. Nos séculos XV e XVI, o humanismo é mais considerado como o culto das formas estéticas do mundo clássico em que o renascimento se fundamenta, sobretudo, no culto das suas normas éticas. Tendo em conta que não se pode separar os dois movimentos, pois que um influencia o outro, e porque muitos humanistas se interessavam em não se limitar ao humanismo puro, pensamos ser a razão que levou Hoffding a considerar o Humanismo não o designando «apenas uma tendência literária, uma escola de filólogos, mas também uma direcção da vida, caracterizada pelo interesse que se confere ao elemento humano, como objecto de observação e como fundamento de acção». Aqui o Deus deixa de ser a presença convincente e passa a objecto de estudo, problema que se procura resolver não já na revelação bíblica, mas sim à luz do platonismo, do aristotelismo ou do neo platonismo. O Humanismo cristão em Portugal Na tese cristã, o Humanismo é a tendência de tornar o homem verdadeiramente humano, no desenvolvimento integral de todas as suas virtualidades, incluindo a preocupação do transcendente, a que está ligada a sua origem e 46 onde se realizará o seu destino essencial. Se o humanismo renascentista considera o homem como a medida de todas as coisas, o humanismo cristão centra em Cristo o seu fundamento no qual a humanitas justifica todo o seu valor infinito (Gil Vicente e Sá de Miranda). Os valores religiosos e morais tais como o dever de amar Deus e o amor ao seu próximo estão na base do movimento cristão humanista baseado no pensamento de Erasmo e que muitos poetas portugueses aderiram a esse movimento erasmista como se refere José Vitorino de Pina Martins. É o caso de João de Barros. Mas este último não aceita todos os postulados do erasmismo. João de Barros não adere inteiramente ao pensamento de Erasmo, pois tem consciência de que a realidade portuguesa não lhe permite admitir certas coisas. Segundo o poeta, Portugal tem por missão espalhar o “Evangelho” e a expansão portuguesa no Oriente, onde foram instaladas bases comerciais, é um excelente meio de atingir o Reino do Cristo. De facto, o Evangelho é um humanismo cristão, pois coloca Jesus Cristo no centro do Cristianismo. Anthony Freeman faz-nos uma boa reflexão a esse propósito ao afirmar que, apesar de Deus ter um lugar central no cristianismo, devemos saber que o humanismo não concebe Deus. O novo Testamento, confirma o autor, atesta que não podemos saber de Deus senão aquilo que Jesus Cristo nos revela. É através de Jesus Cristo que Deus se revelou na vida humana. Jesus Cristo não nos ensinou a ver em Deus um ser sobrenatural, fora do mundo e no exterior da humanidade. Para ser um cristão não é necessário acreditar-se no sobrenatural. A compreensão humanista encontra as suas raízes na tradição judaica segundo a qual a humanidade foi criada à imagem de Deus, imagem que os primeiros cristãos contemplavam na pessoa de Jesus Cristo. «A Deus ninguém nunca viu. O filho Unigênito que está no seio do Pai foi quem no-lo deu a conhecer» disse João (João 1: 18). E Paulo disse, em 2 Coríntios 5: 19, «Pois é Deus que em Cristo reconciliou o mundo, já não levando em conta os pecados dos homens. É ele que pôs em nossos lábios a mensagem de reconciliação. Portanto desempenhamos o encargo de embaixadores em nome do Cristo e é Deus mesmo que exorta por nosso intermédio»... É uma compreensão de Deus a imagem do Cristo que o Novo Testamento nos propôs e, consequentemente, a imagem do homem. 47 Reflectimos sobre a posição do ANTHONY, F., quando ele se refere a Deus sem interferirmos na sua situação actual na igreja católica. Segundo o autor, Deus tal como ele nos foi revelado por Cristo, não nos parece ser um ser sobrenatural exterior à humanidade; Ele é parte integrante da nossa vida humana. A fé cristã é verdadeiramente um «humanismo cristão» que deve ser enriquecido por aspectos positivos do Evangelho. O autor refere-se a Schleiermacher que insistia sobre o facto de que a divinidade de Cristo não provinha de uma intervenção sobrenatural mas sim do aperfeiçoamente natural da sua humanidade. Essa divinidade não era uma qualidade exclusiva de Cristo, ela foi proposta a todo o ser humano. Para este autor «O Cristo foi humano é a prova de que a natureza humana é capaz de acolher nele a divinidade, como o Cristo o fez ele próprio e nada disto foi sobrenatural». O termo evangelho que vem de grego “euvangelion” e que significa “a recompensa pela boa notícia trazida” ou a própria “boa nova” indica no Novo Testamento a “boa nova” da salvação trazida por Jesus Cristo. Esta palavra encontramos em lingua hebraica e significa bissar, termo de origem árabe “alvissara” que encontramos em português e que significa “anunciar a boa nova de salvação”. É este conceito de evangelho que se vai utilizar para divulgar os ensinamentos de Jesus Cristo através do mundo, ensinamentos esses que Mateus tentou organizar em cinco grandes discursos. Esses discursos tratam de: a nova justiça do Reino, os missionários do Reino, os mistérios do Reino, as relações entre os filhos do Reino, a ruina de Jerusalém e a consumação do Reino. Era já uma visão universalista que fundamentava os ensinamentos de Jesus Cristo na época e que será concretizado na missão que será confiada aos discípulos (Mateus, 28:16-20) de levar a boa nova a todos os povos. A difusão do humanismo cristão e a cristianização de África Como é que se propagou os fundamentos de humanismo cristão em África neste século XVI ? O Humanismo cristão vai-se expandir fora da Europa, através da Evangelização graças à obra do Apóstolo Paulo que foi considerado como o primeiro missionário. Paulo considerava que a mensagem de Cristo tinha uma 48 dimensão universal e um fundamento teológico para uma evangelização de todos os povos. O cristianismo difunde-se a favor da hegemonia romana que implantará o cristianismo à volta do Mediterrâneo até à Europa do Norte, e para o Sul até Etiópia incrementado pelos povos que balizavam as rotas comerciais que levavam entre a Índia e a Ásia oriental. Na África central, de um modo geral, e em Angola, em particular, podemos considerar que o humanismo cristão foi introduzido no processo de cristianização pelo encontro dos primeiros viajantes portugueses com os nativos do universo Kongo, no reino do Kongo, na actual província do Zaire na República de Angola, onde Diogo Cão chegou à foz do rio Kongo em 1482. Esse contacto, como outros que se seguiram, permitiram que em 1491 fosse instalada a primeira missão cristã nesta região. Os primeiros contactos estabelecidos entre o reino do Kongo e o reino de Portugal, entre o rei do Kongo Nzinga Nkuvu e o rei do Portugal, D. Manuel I, o regresso dos nativos que Diogo Cão tinha levado como reféns para Portugal, as impressões que trouxeram do bom tratamento que eles tiveram e as ofertas vindas do rei do Portugal, todas essas contingências irão preparar o rei do Kongo a abrir-se à Fé cristã e aceitar Jesus Cristo como o Senhor Salvador. Contudo, e segundo nos relata W.G.L.RANDLES (1968), a cristianização nesta região de África realizou-se em duas fases. Primeiro a que se iniciou nos fins do século XV e no início do século XVI, sob a insígnia de S. Tiago. Essa cristianização agressiva e intransigente introduzida por portugueses é a consequente projecção da luta multissecular dos povos da Península Ibérica contra o Islão. A segunda, é a cristianização do reino pelos capuchinhos italianos e espanhóis na maioria dos casos, que se realizou a partir da segunda metade do século XVII, e que aparecia “menos violenta” “mais suave e educativa”. Nesta cristianização, os capuchinhos vão convergir à volta da pessoa de Santo António com os valores cristãos propostos aos povos do Kongo. O Santo António aparece como sendo o mediador de quem o povo espera a salvação nas doenças e infortúnios. A doutrina de Jesus Cristo assimila-se com uma forte resistência dos valores tradicionais que regulava a vida religiosa das populações, provocando o confronto no encontro das populações e no desencontro dos valores religiosos. Deste processo, nasce o sincretismo religioso. Esse sincretismo é resultante de contributos estranhos que o sistema religioso autóctone se encarrega de assimilar, na maioria 49 dos casos impostos pelo cristianismo, considerado como religião universalista (J-P.DOZON. 1978: 111). Assim Santo António torna-se, para o povo kongo, objecto de um culto particular cuja prova se vê na forma de estatuetas-feitiços que ainda hoje se encontram nos museus através do mundo. Ntoni malau é o mais significativo objecto de culto de que se guarda ainda vestígios além das transformações nos valores culturais. Ntoni malau pode-se explicar por:Ntoni de António; Malau significa sorte, fortuna, sucesso [ob.cit.]. Perante esse sincretismo e outros factores que se fizeram acompanhar tais como a imposição da cultura ocidental, considerada civilizadora, a ingerência das autoridades eclesiásticas na política do país e as sucessivas guerras, como a de Ambwila e as suas implicações na crise económica dos fins séc. XVII e dos séculos que seguiram, fundamentaram o surgimento do que se pode considerar como o primeiro movimento messiânico da África subsariana. É o movimento messiânico de Kimpa Vita, Beatriz do Kongo ou Jeanne d’ Arc do Kongo designado por Movimento de Antoníno. Tratando do Messianismo, encontramos a sua explicação nas tradições judaica e cristã. No contexto teológico, o messianismo refere a esperança num reino divino e na vinda de um Messias que vem abolir as vicissitudes do tempo presente e restaurar uma ordem social harmoniosa (J-P DOZON,1991:465-467). Podemos recuar no tempo para nos situar, pelo menos na Europa da Idade média, e procurar uma explicação do surgimento dos movimentos a que se aplica também esse conceito de messianismo. De facto, na Idade Média entre os séculos XI e XVI, vão surgir vários movimentos que irão tentar introduzir mudanças na sociedade feudal e modificar o fundamento religioso do messianismo, tornando-se uma referência ideológica. Mas a sua base, fortemente religiosa, levou esses movimentos a uma mistura religiosa e política ligando a ressureição de Cristo ao regresso de um imperador ou a uma tradição apocalíptica judaica (idem). Será esse o fundamento que introduziu o cristianismo em Angola no momento em que a bandeira do Rei cristão procurava impor, pela força, o processo da cristianização, colocando o homem africano no centro dos interesses e a submissão dos que não podiam resistir? O humanismo cristão, baseado na defesa dos interesses comercias e políticos de Portugal, na época, tal como mais acima foi referenciado, não estaria na base de um desen- contro com as culturas africanas aplicando o princípio de – dar a noção de pecado para salvar e - dar a noção de selvagem para civilizar (op.cit. 1968)? O seu percurso através dos séculos não teria permitido o surgimento de mais movimentos messiânicos, à semelhança do movimento de Kimpa Vita no século XVIII? Como explicar o surgimento de messianismos de Simon Kimbangu, de Simon Mpadi, de André Matsuwa e finalmente o movimento “Tokoísmo” de Simão Gonçalves Toko no século XX? O Humanismo nascido no século XVI é ainda de actualidade. Hoje, ainda o homem continua sendo o centro de gravidade da humanidade, procurando libertar-se da submissão. Essa libertação só é possível libertando o homem espiritualmente. Para a África que se engajou nesta luta de libertação através dos movimentos messiânicos e das igrejas independentes que eles implicaram, centra o Cristo como o único redentor tornando patente hoje, a acção de um novo evangelho mais humanista na dignificação do homem. As igrejas que surgiram tais como: L’Eglise de Notre Seigneur Jesus Christ sur la Terre (Kimbaguïsme) revelado por Simon Kimbangu e L’Eglise des Noirs en Afrique (Mpadisme) de Simon Mpadi, tiveram o mesmo fundamento na releitura do evangelho. A única diferença reside no fundamento evangélico, para a primeira, e na negação do evangelho, para o segundo, abrindo uma nova via para a luta pela emancipação do homen africano baseando os seus ensinamentos na história da resistência contra a cristianização portadora da cultura europeia a ser imposta em África e contra a colonização elaborando, assim, uma doutrina independente. O que será do movimento messiânico revelado pelo Simão Gonçalves Toko? O que podemos dizer sucintamente do Simão Gonçalves Toko para melhor percebermos as suas ideias? Alguns dados biográficos sobre a pessoa de Simão Gonçalves Toko Evitando relatar a sua biografia resumimo-nos ao seguinte: Simão Gonçalves Toko frequentou a escola da missão protestante de Baptist Missionary Society (BMS) de Kibokolo no Norte de Angola no concelho de Maquela do Zombo, foi enviado para Luanda a fim de continuar os seus estudos no Liceu Salvador Correia onde concluiu o I° ciclo 51 de Liceu. Durante a sua estadia em Luanda, participou activamente na vida da Igreja Metodista. A sua educação comunitária no seu meio cultural, a educação no meio das missões protestantes e a sua actividade profissional como professor em Kibokolo e Bembe (Angola) contribuíram para a formação de base da personalidade de Simão Gonçalves Toko. Contudo, quatro momentos importantes irão marcar a sua vida e determinar a edificação da sua obra. • A sua estadia em Luanda permitiu-lhe ter uma visão ampla da realidade do seu país, de alguns aspectos da realidade do mundo exterior, quer numa perspectiva socio-cultural quer na perspectiva económica e política. Ele adquiriu uma cultura socio-política muito abrangente tanto do país como também de Portugal e do mundo para com Angola. • A visão que ele teve em Catété (Katété) a 60 km de Luanda aquando da sua deslocação a sul de Angola numa missão episcopal em 1936, na qual Deus lhe teria confiado a missão divina que ele tinha para com o seu povo. • A sua vida profissional como professor (1938-1943) e o fundamento da carta aberta dirigida aos Exmos Senhores Reverendos da Missão Evangélica do Mbembe, em 1943, na qual ele denunciava o desvio da obra de Nosso Senhor Jesus Cristo pelos missionários. A sua saída de Angola e a instalação em Léopoldville (Kinshasa) onde ele cria um coro composto maioritariamente por originários de Angola, a intensa actividade evangélica levada a cabo naquela cidade junto da missão de BMS em Itaga (1943-1948) e a sua participação na Conferência Regional das Missões Protestantes (1946) em Kinshasa-Kalina. Nesta conferência Toko, nas suas súplicas e orações, pediu o poder do Espírito Santo em África e o aumento da Palavra de Deus. • O pedido da resposta das suas súplicas e orações feitas na Conferência num ritual preparado no dia 19 de Julho de 1949. A descida neste dia do Espírito Santo e o chamamento para Toko e os seus colaboradores iniciarem a sua obra evangélica. Em 25 de Julho de 1949, num quintal cheio de gente Simão Gonçalves Toko anunciava a Relembrança da Igreja do Nosso Jesus Cristo no Mundo com a designação de “Dibundu dye Mfumu eto Yesu Klistu o mu Nza”. 52 Meses depois Toko e os seus adeptos foram presos e em 22 de Novembro de 1949 seguiu-se um julgamento sumário que decidiu a sua expulsão de Congobelga para Angola. Toko será expulsado do Congobelga em 9 de Janeiro de 1950, com cerca de 300 adeptos dos 3000 que aderiram ao movimento entre 1949-1950. Esses 300 adeptos expulsos vão constituir o núcleo da Igreja em Angola. Entre 1949 a 1974, de Léopoldville a Mbembe em Angola; de Mbembe a Luanda; de Luanda para o Sul de Angola: Kakonda, Kasinga, Chibia, Moçâmedes, Ponta Albina, os tokoístas levaram a boa nova dos ensinamentos de Jesus Cristo para um mundo melhor. Em 1963 Toko será deportado para as ilhas dos Açores onde irá permanecer até 1974, ano do seu regresso a Angola. Os ideais de Simão Gonçalves Toko na leitura dos Evangelhos Os ideais de Simão Gonçalves Toko na releitura dos evangelhos contribuíram na “relembrança” da “Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo, os Tokoístas”, e fundamentaram a dimensão universalista dos Evangelhos na liberdade e dignidade da pessoa humana. Toko não vai fundar uma igreja independente tal como a sua acção evangélica é interpretada e que muitos autores tentaram publicar mas sim Toko fez “relembrar” através da descida do Espírito Santo no acontecimento da noite de 19 a 20 de Julho de 1949, a Igreja do Cristo. Naquela noite Toko foi investido de poder para levar avante a missão dos apóstolos (Mateus; 28:16-20). Na altura, Jesus Cristo tinha dito: “ide, pois fazei discípulos meus todos os povos, baptizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espirito Santo.” Essa missão foi precedida da revelação profética a que se refere Joel no seu livro; 3:1-5; sobre a efusão do Espírito Santo. Simão Gonçalves Toko beneficiou de uma educação cristã desde a sua jovem idade pois frequentou a missão protestante de Kibokolo onde ele fez o ensino primário e esteve sempre na responsabilidade dos missionários como se refere a sua biografia. Essa formação consolidou-se com a sua ida em Luanda onde, além dos seus estudos no liceu, participou activamente nas actividades da Igreja na Missão Episcopal de Luanda (Metodista). Nesta missão, entre 1935-36 foi-lhe incumbida a responsabilidade da escola dominical de clas53 se David, o que fundamentou a sua dedicação no conhecimento da Biblia. Duas revelações proféticas mostra-nos como é que Toko interiorizou a palavra de Deus: “Durante a sua estadia em Luanda Toko adoeceu e o seu estado de saúde era desesperado. Estendido no colo da sua madrinha em estado de coma enquanto o Reverendo de missão desesperado ia comprar uma urna, Toko sonhou ter encontrado o profeta Elias e mais além, uma montanha. Toko procurava chegar ao outro lado da montanha, mas foi impedido pelo profeta Elias dizendo que o tempo ainda não tinha chegado para ele ir para aquela montanha, pois ainda tinha uma missão a cumprir na terra. Ele foi enxotado e com aquele movimento no sonho Toko abriu os olhos e se apercebeu que tinha vindo de um mundo maravilhoso” (Arquivos da INSJCM Luanda). Na mesma época, em 1936, Toko foi incumbido de uma missão que consistia em se deslocar a Kakonda para a realização das actividades evangélicas. De passagem por Katete (localidade a 60 Km de Luanda) Toko com a idade de 17 anos realiza a primeira visão do seu encontro com Deus e foi-lhe dito o seguinte: “Hei-de pôr uma coisa em ti, mas não hás-de saber e entender” (MANZAMBI VUVU, 2001). Pensamos que as duas visões estão na base do início da edificação da obra de Simão Gonçalves Toko e que será consolidada ao longo de tempo com a interpretação dos evangelhos. Toko procurará ler a Biblia e sobretudo os Evangelhos. Ele vai questioná-los para melhor significar a sua obra. Ele vai fundamentar a sua reflexão no livro de Mateus que já tinha uma visão universalista dos ensinamentos de Jesus Cristo como bem nos referimos, pois Mateus mostra que Jesus é messias prometido a Israel, o filho de Deus vivo (16,16) que salvará o seu povo dos pecados (1,21). Contudo, Mateus deixa claro no prólogo (1-2) que este Jesus foi rejeitado pelos judeus para que a boa nova seja comunicada aos pagãos. Desde aquele momento, só se pode alcançar a salvação dentro da Igreja de Cristo, disse Mateus no seu livro (16,18s; 18,17s). É essa Igreja do Senhor Jesus Cristo baseada nos valores humanísticos dos seus ensinamentos que Toko teve a missão de “relembrar”. O livro de Mateus bem como os de Marco, Lucas, João, e os actos dos apóstolos vão ser determinantes e de grande inspiração para Simão Gonçalves Toko no fundamento dos seus ideais e na edificação da sua obra. Para Toko, aquando da expansão do Humanismo cristão no século XV e XVI, 54 em África, a doutrina cristã já tinha sido desviada dos seus valores humanísticos procurando satisfazer os interesses da época, os da submissão religiosa, de dominar e de explorar (intervenção de Toko na Conferência das Missões Protestantes em África). Assim, como em todo o movimento messiânico, o Tokoísmo nasce do encontro e desencontro do processo da evangelização cristã a que foi submetida África. Toko escolhe os livros da Biblia na qual se fundamenta o messianismo. É assim que ele se refere ao livro de João: 14: 1-3 e que transcrevemos: Não se pertube vosso coração. Credes em Deus, crede em mim (Jesus) também. Na casa do Pai (Deus) há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois eu vou preparar-vos um lugar. Quando tiver ido e tiver preparado um lugar para vós, voltarei novamente e vos levarei comigo para que, onde eu estiver, estejais também vós. A releitura de certos livros e capítulos de inspiração bíblica quer do Antigo Testamento quer do Novo Testamento confrontadas as realidades sociais, políticas, económicas e culturais de Angola e da África subsariana em geral, criaram os fundamentos messiânicos africanos que se centram na pessoa de Jesus Cristo. Os ideais de Toko na prática do Evangelho Logo na sua juventude, digamos na sua jovem idade, Toko notava já que algo não correspondia bem em relação ao comportamento dos missionários com os nativos, pois não se entende como é que Toko vai abandonar por duas vezes a missão de Kibokolo para emigrar no Congo belga. Um dos motivos de emigração na altura eram as condições de trabalho forçado nas plantações (ntonga) e na manutenção de estradas (sima) imposto pelo regime salazarista que abrangia jovens de menos idade. Esta situação leva Toko por duas vezes ao Congo. Já aos 10 anos, em 1928, Toko vai a Léopoldville levado pelo seu tio que ia à procura de melhores condições de vida, onde irá permanecer até 1929, data em que o senhor Reverendo Arthur Enock Guest foi pessoalmente à sua procura para continuar os seus estudos na missão de Kibokolo. Em 1930, Toko fez uma nova tentativa de abandonar a missão para o Congo desta vez em Thysville (actual Mbanza Ngungu, provincia de Bas-Congo). Toko foi recebido por missionários de BMS de Thysville que tencionavam enviá-lo numa das grandes missões da região (Kimpese ou Ngombe Lutete); mas sob 55 pressão dos missionários de Kibokolo, foi obrigado a regressar a Angola. Pensamos que Toko já tinha consciência de que os missionários tinham um comportamento passivo e tímido perante as atrocidades das autoridades coloniais, incapaz de reclamar justiça para os povos que são iguais perante Deus. O que é interessante Toko, na sua auto-biografia, a dado passo disse: “ do meu regresso na missão foi obrigado ser baptizado”. Essa afirmação mostra o percurso de Toko e o seu relacionamento antagónico no futuro para com a acção missionária. A convivência de Simão Gonçalves Toko com os missionários ao longo dos anos não será pacífica, pois logo depois de ter sido transferido na missão de Mbembe, onde leccionou durante seis anos, Toko decide denunciar a acção missionária através da carta aos missionários entitulada por Carta aberta. Numa das passagens Toko refere-se ao facto dele ser o escravo e que estava decidido a libertarse (carta aberta de 1943, p. 6). Designando os Exm.os Reverendos por Patrões, Toko denuncia as práticas incorrectas que vinha a observar no comportamento dos missionários. Como podemos ler nesta passagem: ....visto que aturei todas as aventuras sofridas e fui sereno porque tive uma vida solteira - era solteiro. Com esta nova vida que possuo.....que desgraça é minha vida! Compreendi todas as condições da minha vida que V. Exas me disseram, mas isso quem havia de pensar, quem havia de acreditar e quem não duvidará? Esse serviço [de professor e evangelista] não merece a mim (Vuzi), escravo, merece a um (Nsungu a mputu) europeu. O Vuzi não tem a aptidão necessária no mundo....é indigente. Em Léopoldville, na Conferência de Kalina (1946), tendo em conta a situação que ele viveu em Angola, Toko, mais uma vez denunciou o comportamento injusto dos missionários no exercício da sua obra. Na oportunidade Toko disse na sessão do dia 15 de Julho do mesmo ano que: «A dificuldade que existe entre missionários e africanos, [é] que eles não estão de acordo com os nativos e não têm relações entre eles. Quer dizer que a altitude europeu (europeia) é degredado no mais alto que os Africanos. A viagem em África é conveniente para vos saber se como é que os Revrs. (Reverendos) andam e as relações com os Africanos se como e que êles fazem o serviço. Há uma separação que notras (noutras?) terras não vem dos miss. (missionários) mas vem do Estado daquele paíz Há notras terras certa..... que lhes obrigam a desviar do Direito e do trabalho Cristão. Eu vos amos (amo) e estimo o vosso serviço mais quer deveis saber a coisa pior que separa as raças nesta conferência, se trata também dos 56 miss.(missionários) e Pastores das Igreja e pessoas semelhentes. Quando pastor está em regras com os costumos da igreja, deve ser muito bem segurado mas quando o Pastor está sempre aos costumes do paíz esse Pastor deve ser tirado»... pp. 1-2. O que nos parece, é que essas reflexões fizeram parte das intervenções de Toko durante a Conferência e fundamentavam já os seus ideais, pois encontramos as mesmas reflexões na “carta aberta” que ele redigiu e endereçou aos Missionários de Mbembe em 1943, antes de emigrar para o Congo belga. Simão Gonçalves Toko desconfiava da maneira de evangelizar que não correspondia ao comportamento de bom cristão tendo em conta a cumplicidade que se verificava entre os missionários e a autoridade colonial. Como todo messianismo baseado na doutrina cristã, Toko inspira-se no Antigo Testamento, na sua revelação, baseando-se nos livros de profetas tais como o de Joel, 3: 1-5; pois tinha consciência de que o Deus poderoso derramará o seu espírito sobre toda a carne como o tinha profetizado Joel: «Depois derramarei.o meu espírito sobre toda carne, Vossos filhos e filhas profetizerão, Vossos anciãos terão sonhos, vossos jovens terão visões Mesmo sobre os escravos e as escravas derramarei o meu espírito naqueles dias». O livro de Joel é em si um dos fundamentos proféticos dos movimentos messiânicos que surgiram do Cristianismo em África. Os seus autores, na maioria catequistas, puderam realizar uma releitura de capítulos que lhes foram revelados. Não se trata de possuir um domínio aprofundado da Biblia mais sim a reinterpretação da Boa Nova cujo missionário era portador e que o africano assimilou e assumiu. O livro do Joel legitima a autoridade da mensagem da Boa Nova a toda a humanidade, mesmo aos escravos. É assim que se compreende que, durante a Conferência de Kalina em Léopoldville, foi convidado o coro do Mfidi (mestre ou dirigente do coro) Simão Gonçalves Toko para entoar um trecho de cântico sugerido pelo Reverendo responsável da Missão de Itaga, (Ó evangelista mostra-me; eu não conheço o caminho do céu) mas, Toko, ciente da missão que o esperava, escolheu um trecho do hino mais significativo (Cristo lhes dissera que o poder está com Ele; que anunciassem em toda a parte o poder está com Ele). O trecho sugerido tratava da submissão do homem africano à acção missionária que o leva a conhecer o caminho do céu. 57 Enquanto o trecho escolhido por Simão Toko significa que Jesus Cristo é o único a quem foi investido o poder de Deus e o que se deve anunciar em toda parte. Pensamos que um dos objectivos subjacentes da Conferência de Kalina em 1946 foi o de dispôr as igrejas ao serviço da Humanidade pois, depois da 1ª guerra mundial, as igrejas entraram em profundas mutações. Toko apercebeu-se que a acção missionária baseava-se num cristianismo mascarado e de uma dupla visão como se irá referir o filósofo e teólogo Kä Mana quando disse que: em certa medida, a racionalidade de implantação da fé cristã em África inscreveu-se num contexto que funcionava em forma de máscaras destinadas a cobrir permanentemente os objectivos globais do projeto da ocupação ocidental de África (Kä Mana, 2000, p. 89). Trata-se da máscara de uma política de dominação que se apresenta sobre o pretexto de uma missão civilizadora; a outra máscara é a de um mercantilismo feroz que se confronta com um dito humanismo cristão garantido por ordem divina e, finalmente, a máscara de um racismo profundo que esconde o carácter nocivo do próprio missionário. É neste contexto, que o projecto da missão cristã não podia escapar à ambiguidade da missão civilizadora na qual a Europa pretendia levantar a bandeira do monopólio (Idem). O que acabamos de observar justifica as afirmações de Georges Gusdorf quando se referia à acção missionária que era uma missão de ligação pura e simples de uma população arcaica a uma espiritualidade ocidental. Para esse autor, o Ocidente traiu o espírito de Deus ao estabecer relações de violência, de exploração e de desumanidade com as populações encontradas (Ibidem). Para Simão G. Toko já tinha chegado o tempo de assumir a acção evangélica tal como ela foi ordenada por Jesus Cristo. Conclusão O messianismo em que se fundamenta a Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo; os “Tokoístas” não surge de uma reacção contra o Cristianismo mas sim, contra a acção missionária que se considerou mais civilizadora que evangélica. É uma Igreja cristã na unidade de espírito “relembrada”, segundo a sua doutrina em 25 de Julho de 1949, Joel; 3: 1-3. É a resposta às súplicas e orações dos 58 povos oprimidos a quem a acção missionária tinha negado a mensagem de Cristo com os seus valores universalistas. É o resultado do questionamento do Evangelho (a boa nova) e a reinterpretação dos quatro Evangelhos do Novo Testamento. O facto de se designar por Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo fundamenta toda a unidade espiritual e que Ela, a Igreja, é una e indivisível. Significa dizer que o Messianismo africano é evangélico e humanista. O Humanismo cristão africano, assim pensamos defini-lo, coloca o Cristo no centro da humanidade na valorização do homem como ser emancipado, libertado, e autónomo e o reconhecimento dos valores cristãos nas realidades culturais de cada povo. Ele tem o seu fundamento no Messianismo africano. Os Evangelhos e o Cristo pertencem, hoje, à memória colectiva e ao património da humanidade. A Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo; os “Tokoístas”, sempre lutaram por uma nova evangelização, pela edificação de uma nova sociedade africana que deve contribuir na construção de um mundo melhor. Assim, a leitura dos Evangelhos por Simão Gonçalves Toko e a reinterpretação da mensagem não se limita a condenar a acção missionária. Para Toko o Evangelho deve, na nova era, como bem o disse Kä Mana, criar as condições que nos permitirão, de hoje em diante, combater os comportamentos de crise, desenvolvendo um saber em nós próprios, libertando as nossas energias para iniciativas que promovem as novas práticas sociais na vontade de edificar uma nova sociedade (op.cit. p. 61). O autor reconhecendo a obra edificada por Toko diria ainda: “Quant à Simão Gonçalves Toko, l’impact de son Eglise sur la société angolaise est tel aujourd’hui qu’il représente une réussite splendide d’une évangelisation sans complaisance, qui a su faire une lecture originale du destin du peuple d’Israël et de la nouvelle venue du Christ au sein du peuple noir, au profit de toute l’humanité”, (idem, p. 123). De facto, Toko procurou passar do cristianismo da crítica teórica a um cristianismo de mudança social que é um cristianismo de acto, de reflexão, digamos de acção. Podemos concluir que Toko é um humanista cristão. 59 REFERÊNCIAS De PINA MARTINS, J.V., 1970, Enciclopédia Luso-brasileira de cultura, Lisboa, pp. 581-606. ANTUNES, M., 1970, Idem, pp. 581-584. FREEMAN, T., No seu texto sobre: L’Évangile, un humanisme chrétien, traduzido do texto inglês com título – Christian Humanism: a gospel to proclaim – posiciona-se numa teologia radical. 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KÄ MANA., 2000, op.cit, p. 61. KÄ MANA., 2000, idem, p. 123. BIBLIOGRAFIA AGOSSOU, M. Jacob., 1987, Christianisme africain, une fraternité audelà de l’ethnie, Paris, Karthala. AUGÉ, M. (dir.), 1978, A construçao do mundo, religião, representações, ideologia, Lisboa, Ed. 70. BONTE, P., IZARD, M? (édit.) 1991, Dictionnaire de l’Ethnologie et de l’Anthropologie, Paris, Puf. BUREAU, R., 1996, Le Prophète de la Lagune. Les harristes de Côted’Ivoire, Paris, Karthala. COLLOQUE INTERNATIONAL DE TOURS (XIX Stage), 1973, L’Humanisme français au début de la renaissance, Paris, Librairie Philosophique J. VRIN COMTE, F., 1996, Les Grandes notions du Christianisme, Paris, Bordas. De SOUSA COLENSE, S., 1991, A la découverte de l’Église des Noirs en Afrique (ENAF), Reportage, Travail de fin de Cycle présenté et défendu pour l’obtention du grade de Gradué en Journalisme, Août 1991, ISTI, Kinshasa. De PINA, J.V., 1984, Humanisme Chrétien au Portugal (XVI siècle), Paris, Fondation Gulbenkian. 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Logo na idade apostólica, essa actividade tomou enormes proporções, em particular com S Paulo que aparece como o “apóstolo das gentes” e cuja acção vem relatada nos Actos dos Apóstolos e reflectida nas suas Cartas. As condições oferecidas pelo império romano eram favoráveis em muitos aspectos. Basta pensar na unidade política e na organização administrativa. A língua e as comunicações eram outros factores importantes. As perseguições ao cristianismo não impediram esse trabalho de propagação; o sangue dos mártires fazia crescer a adesão à doutrina cristã. Com a paz constantiniana, as facilidades tornaram-se uma realidade. A partir de então, o cristianismo propagou-se como a fé do império e a expansão pelo mundo era uma realidade. Da Índia (ca. 190) à Alemanha (ca. 325), da Abissínia (ca. 330) à Irlanda (ca. séc. V) e à China (VII) a mensagem evangélica ia-se expandindo transformando povos e pessoas que aderiam à nova doutrina. Célebres nos séc. VII, VIII e IX foram as missões de Agostinho de Cantuária na Inglaterra, de Willibrod na Frísia, de Anskar na Suécia, de Cirilo e Metódio entre os eslavos, de Estêvão na Hungria e de Vladimir na Rússia. Na Idade Média, dominicanos e franciscanos prosseguiram o trabalho missionário nas regiões da Prússia e entre os Tártaros e Chineses. Com o aparecimento do Islão, a situação alterou-se profundamente. É então que, ao lado das lutas político-religiosas, não faltaram tentativas de diálogo entre homens de boa vontade. Francisco de Assis e Harun Rashid encontraram-se na Terra Santa no tempo das cruzadas. Piano Carpini e outros foram enviados aos Mongóis e João de Montecorvino à China. À distância de séculos, constatamos que a 63 questão das outras religiões não passava desapercebida a alguns intelectuais cristãos. Com os descobrimentos, teve início a missionação moderna que se costuma situar nos sécs. XV-XVIII, ou seja, até à Revolução Francesa. Longo seria referir aqui o que foi a acção do clero secular e regular nas Américas e nos outros continentes. Com a fé cristã levavam as línguas europeias, nomeadamente a portuguesa e a espanhola, e criavam estruturas de assistência que em muito beneficiavam as gentes dos territórios recém-descobertos. 2 Criou-se assim uma teologia da missão e uma dinâmica missionária. Foi no séc. XVI que o termo missão se tornou usual para designar os esforços feitos dirigidos aos não baptizados. Além da actividade dos países descobridores (Portugal e Espanha), foi criada em 1622 a Sacra Propaganda Fide e formulou-se a ideia da implantação da Igreja (plantatio ecclesiae). Antes dizia-se apostolatus, propaganda fide, propagatio salutis. Foi com os descobrimentos que o termo missionário ganhou impacto e com ele fomentou-se o proselitismo. Mas o sentido original ignorava esta conotação «agressiva». A palavra evangélica (apostéllò) significava a amizade divina oferecida aos outros. Na linguagem tradicional implantavam a Fé e o Império, como o imortalizou o nosso Épico, de acordo com a concepção do tempo. Hoje, como sabemos, nem tudo se pode considerar positivo na obra realizada. Os encontros e desencontros traduzem essa aproximação de colonizadores e indígenas. O diálogo de culturas e religiões estava longe de ser considerado como hoje se concebe.3 Mesmo a nível eclesiástico, surgiram não poucos atritos, como foi o caso do diferendo entre a pretensão dos reis ibéricos, defensores da teoria do padroado, e a Congregação da Fé (1622). A questão dos ritos chineses e malabares e as reduções americanas também ofuscaram a certa altura o trabalho missionário. Referimos os nomes de algumas personagens e factos que marcaram esse período de florescimento missionário: Francisco Xavier em Goa (1542), a actividade crescente da Congregação da Propagação da Fé (1622), a conclusão da questão dos ritos chineses em 1744 e a expulsão dos jesuítas (1759) que se pode considerar como o início oficial da desagregação missionária.4 Com a extinção das ordens religiosas em 1834, novo golpe foi dado na actividade missionária. A Companhia de Jesus veio a ser restabelecida em 1814 por Pio VII. Também os Capuchinhos, cujas activida64 des foram centralizadas pela Congregação de Propagação da Fé, exerceram uma actividade notável no campo missionário. Outras figuras cimeiras que inclusivamente colocavam questões acerca da liberdade dos indígenas e do direito de ocupação das parcelas territoriais adquiridas foram: Bartolomeu de las Casas, José de Acosta, Manuel da Nóbrega, José de Anchieta e António Vieira; e ainda Gonçalo da Silveira na África austral, Pêro Paez e Afonso Mendes na Etiópia, Valignani no Oriente, De Nobili e João de Brito na Índia e Mateus Ricci na China. Na Universidade, Francisco de Vitória e a Escola de Salamanca por ele criada e Francisco Suárez interessaram-se pelos problemas surgidos com a ocupação dos novos territórios e os direitos dos indígenas. Ricci sonhava com a conversão da China fazendo certas concessões sobre o culto dos antepassados. Roma opôs-se e a rivalidade dos dominicanos contribuiu para o fracasso da proposta de Ricci. Como se disse, não foram poucos os problemas surgidos. Por exemplo, discutiu-se se os pagãos tinham alma. E foi só na assembleia de Valladolid que se deu uma solução definitiva. Na América Latina a evangelização tomou por vezes aspectos violentos. O negócio da escravatura ficou como uma das notas mais negativas de todo o processo missionário. A missionação contemporânea (sécs. XIX-XX) assumiu outras características. Assistiu-se a uma significativa multiplicidade de iniciativas e ao aparecimento de numerosos institutos missionários nos vários continentes: África, Ásia e Oceânia, inserido num vasto movimento de ocupação apostólica de todo o «mundo pagão». Coincidiu esse processo com a época do colonialismo político. A actividade missionária estava centrada praticamente toda num dicastério romano (Propaganda Fide), paralelo aos ministérios de colónias das grandes potências europeias, mas quanto ao Padroado Português chegou-se a um acordo. Depois do Funchal era Goa a diocese que congregava todos os bispados não continentais. O crescimento de vocações na África e na América Latina revelou-se de grande relevância, embora ainda longe do que viria a suceder na segunda metade do séc. XX. Várias iniciativas da piedade romântica deram origem aos grandes movimentos de apoio económico às missões, como a Obra da Propagação da Fé (1822), da Santa Infância (1843) e de S. Pedro Apóstolo (1889). 65 Podemos dividir este período em duas fases: a conversionista (séc. XIX) impelida pela ideia da salvação das almas que é a contrapartida da ideia civilizadora no campo político, em que aliás se apoia; e a de índole assistencial e educacional. O proteccionismo plurinacional muito favoreceu essa faceta voltada para a assistência e a instrução. Criou-se a figura heróica e aventureira romântica, a que se juntava o desbravamento e a ocupação geográfica, no aspecto religioso. O segundo período do séc. XX teve em vista a implantação da Igreja baseada no recrutamento de clero indígena. Coincidiu esta fase com os movimentos descolonizadores. Criaram-se estruturas eclesiásticas próprias, prefeituras e vicariatos apostólicos e grande número de dioceses. A instauração jurídica acompanhava este processo da missionação que se fez sentir mais depois da 2ª Grande Guerra. Em 1970, dos 38 metropolitas da Ásia 31 eram asiáticos e 7 de fora; dos 35 de África 29 eram africanos e 6 de fora. Isto no que toca à Congregação da Propagação da Fé. Não podíamos deixar de fazer uma referência especial ao trabalho desenvolvido pelos protestantes. O séc. XIX foi a idade de oiro da missionação herdeira da Reforma. Coincidiu com a colonização britânica e das outras potências onde havia fortes comunidades protestantes. Já no séc. XVIII temos os Irmãos Moravos (Índias ocidentais, Gronelândia, Surinam…) e os Metodistas e Baptistas que exerceram uma acção extraordinária em diversos países. Notável foi a grande influência de W. Carey (1761-1834), chamdo “o pai das missões protestantes,” que escreveu uma importante obra que ainda hoje é ponto de referência obrigatória.5 A principal característica é que esse movimento não dependia propriamente de estruturas eclesiais (excepto a metodista), mas sim de associações missionárias da Inglaterra, América, Suiça, Alemanha, etc. No séc. XX, assistiu-se à internacionalização e à indigenização ou formação de igrejas jovens. O início pode situar-se na Conferência Missionária Mundial de Edimburgo (1910), na qual participaram 159 igrejas e organizações representadas por cerca de 1200 delegados, entre os quais 17 não ocidentais; foi então criada uma comissão especial, da qual saiu em 1921 o Conselho Missionário Internacional que em 1961 se uniu em nova Delhi com o Conselho Ecuménico das Igrejas; dentro deste formou-se a Secção de Missões e Evangelização. A missionação protestante assenta bastante na Bíblia, na pregação oral e na acção 66 filantrópica, em especial nos campos da medicina e da instrução e formação de igrejas auto-suficientes. As Igrejas da Reforma conheceram também uma intensa actividade missionária. Lembramos a Sociedade para a Promoção do Conhecimento do Cristianismo (SPCK) e a Sociedade para Propagação do Evangelho no Estrangeiro (SPG), fundadas em 1698 e 1701 pelos anglicanos com o fim de propagar a Bíblia e o ensino. A este propósito, recordamos aqui João Ferreira de Almeida, que fez a primeira versão da Bíblia para português. Insistimos: a idade de ouro das missões protestantes é o séc. XIX, conduzida sob o impulso das sociedades missionárias metodistas (1786)6 e baptistas (1792),7 imitadas por uma série de outras comunidades missionárias protestantes de todas as confissões. Entre as missões célebres, contam-se as de David Livingstone8 e Alberto Schweitzer.9 Actualmente os protestantes no Terceiro Mundo são tantos em África como nos EUA: 90.000 milhões; na Ásia ultrapassam os 35 milhões; para a China, é difícil calcular, mas deve andar pelos 60 milhões. Hoje a actividade missionária continua confiada aos católicos e aos protestantes, que têm tentado colaborar em espírito de bom entendimento e se têm esforçado por constituir no terreno comunidades sempre mais autónomas. Criaram-se associações diversas, como a União dos Crentes Metodistas (1935) (Argélia). Os mormons passaram de 3 milhões em 1970 para 6 milhões no presente, desenvolvendo uma actividade considerável em 150 países. Depois da criação do Conselho Ecuménico das Igrejas (1948) deu-se novo impulso à actividade missionária, no quadro do objectivo de aproximação das Igrejas e confissões religiosas. O diálogo ecuménico encontra nos territórios não europeus um excelente espaço para se desenvolver com grande vitalidade. Com o Concílio Vaticano II abriu-se uma nova fase da história da Igreja em que o problema das missões também conheceu uma atenção especial. Entre os documentos aprovados pela assembleia conciliar, destacamos o da liberdade religiosa, o do diálogo ecuménico e o da Igreja e as religiões não-cristãs. Referimos ainda o encontro de Assis de João Paulo II com os dirigentes de outras religiões em 1996, a acção da igreja de Santo Egídio de Roma (1968) que hoje conta com 15.000 aderentes. Em 1996 teve lugar o encontro com 67 representantes de outras religiões: «a paz em nome de Deus». Nos Estados Unidos as igrejas evangélicas obtiveram do Departamento de Estado a criação de uma comissão para controlar a liberdade religiosa no mundo seja qual for a religião. O Dalai-Lama. Em França, associações, como a Fraternidade de Abraão ou a Conferência Mundial das Religiões, trabalham no mesmo sentido. Não passaram desapercebidas certas tensões que tanto os missionários como o clero indígena têm procurado ultrapassar. Tudo se resume no binómio evangelização – desenvolvimento (Missão de Deus – Humanização do Mundo).10 Como conciliar o suporte humano com a ideia de civilização; a expansão da Igreja (com o seu peso euro-americano) e a auto-suficiência das igrejas jovens (relação horizontal e não vertical); a conversão e a secularização, por causa da conquista da autonomia intra-mundana pela libertação dos mitos antigos. É um problema de adaptação cultural com os olhos no futuro e não nas expressões em presença. Outras questões que se colocam: a necessidade da Igreja e a salvação universal, o diálogo das religiões, o respeito das tradições e mentalidades locais. 2. Teologia da missionação Na terminologia teológica, o conceito de missão está envolto em muitas questões intelectuais e de incerteza emocional. A missão, entendida como empresa tentada para o amor da palavra de Deus em certas partes não católicas do mundo (concepção geográfica, exterior, confessional da missão) é, hoje, por diferentes razões, exposta à crítica.11 Esta crise da missão tornou-se mais aguda depois das duas grandes guerras e da descolonização.12 Com efeito, os que então eram o objecto da missão («os pagãos») começaram a recusar «que não eram senão a matéria-prima que outros utilizavam para a sua própria salvação». Por outro lado, os missionários, «agentes da missão», sofreram também a interpretação cada vez mais positiva, eclesiológica e cristológica, no plano da história da salvação, das religiões não cristãs e do facto da experiência da secularização do mundo ocidental («Missão operária» e «Missão de França», arrastando uma perda geral de identidade (cf. Projecto moratório).13 O princípio «extra Ecclesiam nulla salus» era defendido com todo o vigor por muitos. 68 Estas reacções muitas vezes agressivas e autocríticas acompanham a desintegração da cristandade ocidental (Corpus christianum) que, depois da era dos descobrimentos, foi considerada como criatura privilegiada de Deus, como detentora exclusiva duma revelação absoluta, como mestra política do mundo, como criadora duma civilização mundial e como produtora das ciências e das técnicas. Pelo contrário, os outros, os não-ocidentais, foram subestimados como sendo pagãos (pagani) e bárbaros, selvagens que se mantêm no erro e como inimigos políticos. É tão difícil afastar-se dum tal juízo histórico sobre o paganismo que tais ideias racistas estiveram ligadas a esta concepção propagandista fundada no «apartheid» e aos métodos missionários correspondentes.14 A consciência que o Ocidente tem da sua missão é igualmente posta em questão pelo desequilíbrio entre demografia e história do cristianismo, desde o «Mediterrâneo cristão» até à «Terceira Igreja» actual: 85% dos católicos estão nos dois grandes blocos: na Europa e na América do Norte (44%) e na América Latina (com a América Central e as Caraíbas) (41%); ou seja, há mais católicos na América Latina do que na Europa (daí a importância das Conferências Episcopais de Medellin (1968) e Puebla (1979) e outras; após 1978, 56% dos católicos vivem no Terceiro Mundo (em 2000: ca. 70%). Depois de 1981, não há senão 47,4% de cristãos de cor branca15; em 1978, 1390 dos 2217 bispos diocesanos pertencem à zona não ocidental. Conclusão: a missão em sentido único, de origem ocidental, chegou ao seu fim. Acresce que as religiões mundiais passaram à contra-missão no Ocidente (novos movimentos religiosos de origem asiática na Europa: Meditação Transcendental, Sociedade Internacional da Consciência de Krishna, Sogakkai, Igreja da União de San Myung Moon, Ahmadiyya), e que reflectem ao contrário as mesmas características – do ponto de vista da fenomenologia das religiões – que a missão tradicional: pretensão absoluta da verdade (absolutismo extensivo e intensivo), vontade de conversão no sentido duma ruptura com a religião anterior e recusa de coexistência om a religião inicial.16 De acordo com os especialistas, há que definir o estilo da missão. O mundo é o destinatário da missão e do envio de Cristo, o que significa que a mensagem evangélica deve ser anunciada para iluminar e contribuir para o bem do homem e da sociedade.17 O missionário não é o possuidor 69 da verdade ou duma técnica de desenvolvimento, mas é «sacramento». Despoja-se a ele próprio18 para servir os outros. Cria-se no anunciador da Palavra de Deus como que um vazio, uma atitude espiritual própria, uma prestação cultural e antropológica: o missionário deve libertar-se de preconceitos racistas e do seu enraizamento cultural (desculturação, processo de aculturação e transculturação), para pregar a Cristo e não a si próprio, a sua cultura, a sua civilização ou a sua forma de religião. A temática missionológica de inculturação não é pois uma técnica pedagógica, mas um dever de incarnação. A unidade de fé encontra aí expressões pluriformes e infinitamente variadas que devem ser respeitadas. Por exemplo, as comunidades de base latino-americanas e a teologia correspondente de libertação no domínio social, a teologia negra no quadro da discriminação jurídico e política, a teologia indiana de Ashram ou a teologia femininista ocidental.19 Isto implica o desaparecimento da missão de tipo geográfico, as comunidades eclesiais não ocidentais devendo tornar-se quanto antes autónomas, governando-se por si próprias e expandindo-se mesmo com os seus meios (plantatio ecclesiae). Quanto ao momento e à maneira de realização destas três autonomias – domínio financeiro, opções apostólicas e nomeação de pessoas – há opiniões diversas. O melhor exemplo vem da China: Mao-Tse-Tung em 1949 tomou o poder e criou a igreja patriótica em 1958. Isto representa uma época pós-missionária. Do ponto de vista eclesiológico e prático procura-se numa situação modificada estabelecer relações novas entre a Igreja universal e as Igrejas locais de África, Ásia e América Latina.20 A regionalização das conferências episcopais vai no sentido desta Igreja de estrutura sinodal.21 A evangelização deve ser considerada como comunicação. O fim da missão é atestar o amor de Deus para com todos os homens em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado (kérigma, evangelização). A missão é uma esperança contagiante e, por isso, combate todos os principados e poderes22 Assim a vontade salvífica de Deus realiza-se pela presença crítica dos cristãos nas situações desumanas, sociais e políticas que se deterioraram ou onde a paz não está instaurada (cf. sobre a diaconia e a caridade Mt. 25,31-46; e a missão indirecta das obras de caridade da Igreja, 70 os jejuns que permitem oferendas, os projectos de desenvolvimento, os mass-media, os hospitais e as escolas). As injustiças estruturais (Medellin 2 e 6) e as violações dos direitos do homem devem ser estigmatizadas como pecados sociais (Puebla 487; cf. Tb. 46,314,437,1259) e mesmo como estruturas do pecado (João Paulo II, cf. Puebla 452). Mas as comunidades eclesiais também devem autoreformar-se. Devem converter-se. A experiência missionária é pois uma existência de combate e de esperança para com o outro, e o missionário torna-se pedra de escândalo antes de o serem os outros. A adaptação nos domínios litúrgico, catequético, pastoral e teológico e de expressão da fé exige antes o processo cultural e antropológico de uma segunda inculturação (aculturação), em que se oferece ao receptor a sua mensagem tendo em atenção o meio ambiente. Não é um encontro em sentido único (linear), mas circular (reciprocidade na missão), pois que o receptor reage ao emissor (empatia, vulnerabilidade). A preparação missionária pressupõe portanto um conhecimento muito respeitoso quer dos seus próprios modelos de pensamento e dos comportamentos sociais, culturais e religiosos, quer dos de fora (língua, antropologia cultural, exegese histórico-crítica da tradição bíblica, ciências das religiões, procura de preconceitos, etnocentrismo racista, condicionamento cultural das próprias formas de expressão teológica e litúrgica), para se converter, de forma suave mas com persistência em «fazer-se tudo a todos»).23 Diálogo e missão não se excluem. É imprescindível o diálogo com os membros de outras religiões, culturas e ideologias.24 Enraizado na vontade salvífica divina para com a humanidade (missio) e levado pelo Cristo crucificado e ressuscitado, que pela sua morte abrange todos os homens, o missionário não encontra nunca um pagão em absoluto, mas um homem que Cristo sempre encontrou anonimamente.25 E como, em razão dos seus limites culturais e das suas divisões culpáveis,26 as comunidades cristãs e os seus missionários não são senão em parte atingidos por Cristo e não levam portanto senão imperfeitamente o testemunho de Cristo, por isso o diálogo missionário é o meio de conhecer melhor a Cristo e de penetrar melhor no mistério de Deus que vai além e esgota todo o discurso e comportamento humanos.27 O diálogo não é só falar em conjunto, mas sobretudo suportar e sofrer juntamente (diálogo social e moral).28 Neste 71 movimento de diálogo, a pregação do Evangelho tem uma função crítica e purificadora onde as sociedades, as culturas e as religiões têm uma acção desumanizante.29 O que está em causa é ser de Cristo e pertencer à Igreja.30 Intimamente relacionado com o que se acaba de dizer está o tema da ciência missionária e missionológica. Uma vez que a Igreja é uma comunidade transnacional que propõe uma mensagem e uma praxis ao mundo, nenhum aspecto da teologia pode ser desenvolvida sem um estreito contacto com a dimensão missionária. O que a teologia e a missionologia têm hoje a procurar e a apresentar resulta do que se acaba de dizer: uma concepção bíblica, exegeticamente fundada, da missão; uma teologia da missão (sobretudo teologia da incarnação que engloba também a cruz e a ressurreição; uma relativização das suas próprias estruturas mentais, dos seus próprios comportamentos sociais e das suas próprias representações religiosas e entrar sempre mais nos dos outros (antropologia cultural); uma tipologia das formas de diálogo entre culturas e religiões; uma contribuição para as acções internacionais a favor da paz; uma elaboração, pelo diálogo, de teologias africanas, latino-americanas e asiática, etc.31 3. A globalização do «religioso» Num livro recente intitulado La globalisation du religieux encontramos uma série de trabalhos que tratam do problema missionário à luz das novas aquisições teológicas e culturais.32 A explosão das tecnologias da informação e da comunicação, o aumento da economia mundial e os fluxos migratórios afectam as nossas sociedades, rasgando fronteiras, etc. Assiste-se à compressão do tempo e do espaço e à multiplicação das instituições globais e respectiva mundialização da comunidade humana. O religioso é necessariamente afectado em toda esta conjuntura. Também não se deve esquecer o facto da exportação de religiões para fora do seu território de origem, desterritorialização. Já com os descobrimentos isso acontecera, mas agora é muito diferente. A AFSR33 realizou em Paris (5 e 6 de Fevereiro de 2000) uma discussão com o objectivo de tratar destes novos fenómenos dentro da globalização, mundialização. A globalização, fenómeno complexo e plural, deriva da modernida72 de. Intensificaram-se as dependências recíprocas, as trocas entre países, a circulação e o consumo de bens materiais e não materiais. A globalização do religioso em termos transnacionais é um facto. Já não há dependência de hegemonias políticas, há outras lógicas que já não são propostas pelos Estados. Antes havia uma ligação à história das expansões coloniais. Hoje há outra lógica que não segue um critério nacional. Os indivíduos são independentes, o mesmo sucedendo com as Igrejas como organizações não governamentais. A globalização como fruto de muitos movimentos associa-se à glocalização; as religiões e as lógicas de desterritorialização não podem ser esquecidas. Passou-se das missões à internacionalização das Igrejas. Houve evolução ou revolução? O cristianismo levado pelas missões que teve um afrouxamento no séc. XVII e foi relançado no XIX conheceu o seu fim com o XX. Esta nova visão do problema missionário que pode ser considerada como uma crise conduz à ideia de que o Cristianismo deve seguir o caminho do testemunho e não o do proselitismo. É o fim duma era e dum sistema missionário que em nada invalida a actividade evangélica confiada à Igreja. Ma a antiga forma de compreender a missão ainda subsiste na América do Norte com o protestantismo evangélico. A nova geografia cristã apresenta características peculiares. As jovens igrejas crescem por si, o que é uma grande novidade em relação ao que acontecia no passado.34 Vejamos o número de católicos por continente em 1880, 1950 e 1995: Europa –70% –51% –29,1%; América –24% –42% –49%; Ásia –4,2% –4,4% –10,2%; África –1,1 –3,1 –10,8; Oceânia –0,27 –0,4 –0,7. Em termos globais, constatamos que em 1880 havia 217 milhões, em 1950 esse número passou para 450 milhões e em 1995 para 989.366.000. Na África Negra houve uma grande evolução: em 50 anos passou-se de 9.585.000 católicos (1951) para 21.556.000 (1961) e depois para 106.820.000 (1995).35 Os novos fluxos, a renovação dos quadros, a internacionalização, as Igrejas tradicionais em quebra, as outras em crescimento, a sociologia católica – eis uma série de temas que merecem uma consideração especial. É fecundo o número de vocações de clérigos ou pastores dos antigos países de missão, quando as antigas Igrejas são atravessadas por uma profunda crise. Assim vai 73 desaparecendo a separação antiga entre missionários ocidentais brancos e clero indígena de cor. Esta é a primeira consequência da nova sociologia clerical católica. As congregações à antiga dão lugar a congregações locais. A partir de 1970 essa foi a solução encontrada. A africanização tem um belo exemplo na SMA.36 Em 1990, a SMA contava 190 candidatos ao sacerdócio, sendo 79 africanos, 32 irlandeses, 9 indianos, 9 polacos, 8 filipinos e só 4 franceses. A mesma africanização existe com os Padres Brancos e com os Espiritanos. Presentemente há um grande aumento dos Padres Brancos: 311 candidatos, sendo 241 africanos nos noviciados de Burkina Faso, Tanzânia e Zâmbia. Os jesuítas em 1990 contavam com 25.000 membros, sendo 2. 997 indianos, ou seja, em 2º lugar atrás dos EUA (4724) mas à frente da Espanha (2029) e da Itália (1575). Na Ásia havia 1560 em 1989, sendo 1200 indianos, à frente dos EUA (1471), da Europa (904), da África (323) e da Oceânia (41). Também as congregações católicas femininas denotam um crescimento assinalável: por exemplo, as irmãs de S. José de Cluny têm 103 casa na Europa (1090 membros) precedendo agora de perto as 95 casas da Ásia (865). Perdeu, pois, significado a distinção entre o pessoal missionário e o clero local. Os europeus e os americanos perderam o monopólio. O progresso da Ásia é impressionante e a circulação do pessoal evangelizador é um facto.37 Perante tudo isto podemos perguntar: há contradições na internacionalização? Depois do Vaticano II, fizeram-se alterações várias na Congregação da Propagação da Fé. A instrução Relationes de 24 de Fevereiro de 1969 estabeleceu que as dioceses dos antigos países de missão não podiam ser confiadas a um instituto missionário; deviam ter à cabeça um bispo local. As Conferências Eclesiásticas Nacionais na Ásia e América continuam a funcionar e existe ainda o Symposium das Conferências Episcopais de África e Madagáscar (SCEAM). Outra solução adoptada foram os sínodos continentais Os protestantes foram mais radicais: criaram estruturas comunitárias de que a CEVA38 é exemplo; é a concretização no espaço francófono. O poder que detinham as instâncias missionárias passou para as Igrejas locais. O Conselho Ecuménico das Igrejas instaurou novas relações e em Bangkok e Nairobi foram tomadas novas iniciativas. 74 Grandes são os desafios que se colocam. Faltam textos necessários para a normal vida da Igreja. No princípio do séc. XX havia traduções da Bíblia para 71 línguas, em 1970 para 1630, em 1990 para 1800.39 Mas há diferenças entre as versões. O vocabulário religioso oferece dificuldades. Não é fácil encontrar termos para designar a Deus e o Espírito Santo, o pecado, a santidade, o baptismo, a eucaristia. A tendência sincretista ou neologista ganha cada vez mais terreno. Já antes houvera problemas por causa dos ritos chineses e indianos (malabares) que foram resolvidos de forma autoritária no séc. XVIII, sendo condenadas as acomodações que preconizavam certos jesuítas. Com a versão dos textos litúrgicos o problema veio ao de cima. Também a liturgia e a organização das Igrejas oferecem não poucas dificuldades. A adaptação em todos os domínios (culto, liturgia, organização, catequese, dogma) é o meio mais preconizado. O cristianismo deve através da inculturação adaptar-se às áreas missionárias. O trabalho a fazer é ingente, um autêntico desafio. A inculturação do evangelho é pois uma questão que merece toda a atenção. Trata-se dum termo relativamente recente para descrever a penetração da mensagem evangélica num certo meio e as novas relações que se estabelecem entre o Evangelho e a cultura deste meio. Semelhante a aculturação (antropologia). O encontro de culturas traz consigo as línguas, os costumes, as crenças, os comportamentos. Termo desde os anos 30. Mas só a partir dos anos 70 nos documentos oficiais. Em 1988 a Comissão Teológica Internacional publicou o documento La Foi et l’Inculturation, preparado com o Conselho Pontifício da Cultura. No seu nº 11 lê-se: «O processo da inculturação pode ser definido como o esforço da Igreja para fazer penetrar a mensagem de Cristo num meio sócio-cultural, chamando este a crescer segundo todos os seus valores próprios, desde que estes sejam conciliáveis com o Evangelho. O termo inculturação inclui a ideia de crescimento, de enriquecimento mútuo das pessoas e dos grupos, pelo facto de o Evangelho se encontrar com um meio social. A inculturação é a Incarnação do Evangelho nas culturas autóctones e, ao mesmo tempo, a introdução destas culturas na vida da Igreja: Encíclica Slavorum Apostoli, 2. 6. 1985, nº 21». São muitas as lições que colhemos da história. A incul75 turação é tão antiga como a primeira evangelização. Diz a Carta a Diogneto: «Os cristãos não se distinguem dos outros nem pelo país, nem pela língua, nem pelos costumes. Porque eles não moram em cidades que sejam suas, eles não utilizam qualquer dialéctica extraordinária especial, o seu modo de vida não tem nada de singular… Passam a sua vida na terra, mas são cidadãos do céu. Obedecem às leis estabelecidas, e a sua maneira de viver é mais que perfeita que as leis.»40 Interessante o que a Congregação de Propagação da Fé escreveu em 1659: «Não metais nenhum zelo, não avanceis nenhum argumento para convencer estes povos para mudarem de ritos, de costumes e tradições, a menos que estes sejam contrários à religião e à moral. Que de mais absurdo que transportar, entre os chineses, a França, a Espanha, a Itália ou outro país da Europa? Não introduzais entre eles os nossos países, mas a fé, esta fé que não assenta nem fere os ritos nem os usos de nenhum povo, posto que eles não sejam detestáveis, mas pelo contrário quer que se observem e sejam protegidas.»41 Vários documentos eclesiásticos, como Maximum illud (1919), Rerum Ecclesiae (1926), Evangelii Praecones (1951), insistem em que haja uma melhor adaptação do Evangelho às realidades locais. Há que dominar a língua, promover o clero indígena, dar autonomia às novas instituições, conhecer as ciências modernas: geografia, linguística, história, medicina, etnografia. A maturação da teologia missionária foi um facto nos últimos tempos. Respeitar o carácter dos povos. Pio XII na sua primeira encíclica Summi Pontificatus (1939) afirma: «…compreender mais profundamente a civilização e as instituições dos diversos povos e a cultivar as suas qualidades e os seus melhores dons…Mas não as superstições e os erros…». Muito disto aparece no decreto Ad gentes do Vaticano II. Com a descolonização e a libertação dos países colonizados, as jovens Igrejas modificaram-se. Procedeu-se a uma revisão de métodos da evangelização praticada pelos missionários. Falou-se do paganismo latente que escondia uma evangelização em profundidade; da falta de respeito das tradições e costumes; da passagem de tradições europeias para as missões (língua, instituições, modo de pensar, etc.). Contra a tendência de levar o Cristianismo ocidentalizado há que inculturar a fé nos costumes locais. A africanização, a asiação e a indianização da mensagem evangélica exige determinação e abrange todos os aspectos: lín76 gua, teologia, moral, liturgia, aceitação de elementos das religiões tradicionais, como textos sacros e formas de oração. A necessidade de aprofundar tudo, nomeadamente um melhor conhecimento antropológico. Os especialistas falam de critérios da inculturação, distinguem fé e cultura, procuram salvaguardar unidade e pluralismo e debatem a Extensão da inculturação que respeita não só aos territórios de missão, mas também aos antigos que são as sociedades modernas. O termo missão aplica-se agora às velhas civilizações ameaçadas de indiferença, de agnosticismo ou de a-religião. Há novos sectores de cultura, com objectivos, métodos e línguas diversas. O diálogo intercultural impõe-se aos cristãos em todos os países.42 Conclusão Ainda se verifica hoje a preponderância das Igrejas europeias e dos EUA. O catolicismo aparece como um arquipélago de grupos, podendo classificar-se isto como uma grande heterogeneidade. Os protestantes sentem também dificuldades na actividade de inculturação. Interessante seria desenvolver os pontos de vista teológicos acerca das relações entre religiões. K. Rahner, Yves Congar, Jacques Dupuis, R. Panikkar e H. Kueng trataram de diversa maneira o problema do diálogo interreligioso. Pela sua actualidade referimos o livro de J. Dupuis, Vers une théologie chrétienne du pluralisme religieux,43 que inclui uma análise. Vale a pena aprofundar este assunto que tem uma relação muito estreita com a questão missionária. O pluralismo religioso, a unidade relacional, o fundo cultural de cada povo – eis alguns elementos fundamentais para poder estudar com o devido rigor uma questão tão relevante para a aproximação das diversas gentes. O humanismo latino pode em todo este processo dar um contributo enorme na defesa dos valores e princípios que marcaram profundamente a história. Não podíamos terminar este trabalho sem uma referência a algumas personalidades que em África foram intérpretes notáveis do diálogo de culturas, reconheceram os valores próprios de cada povo, pugnaram pela libertação e promoção da pessoa humana: Leopold Senghor (1906-2001) e Louis Massignon (1883-1962). Leopold Senghor (1906-2001) na vasta e valiosa obra 77 que nos deixou, como Hóstias negras, Estética negro-africana, Liberdade I: Negritude e humanismo, II: Negritude e caminho africano do socialismo, III: Negritude e civilização do universal, IV: Socialismo e planificação, V: Diálogo das culturas, exprime esse mesmo sentido de aproximação entre todos os homens. Senghor representa uma referência muito especial do desejo de entendimento e colaboração das culturas latina e africana. Quanto não havia aqui a dizer acerca desta extraordinária figura de pensador e humanista? Massignon escreveu: “Compreender alguma coisa, não é anexar-se a coisa, é transferir-se para uma descentralização para o centro do outro… A essência da linguagem deve ser uma espécie de descentramento… Não nos podemos fazer compreender se não entrarmos no sistema do outro.”44 Num livro recente intitulado Louis Massignon et le dialogue dês cultures45 que contém as actas do colóquio organizado pela UNESCO, pela Associação dos Amigos de Louis Massignon e pelo Instituto Internacional de Investigações sobre Louis Massignon encontramos temas deveras interessantes que achamos dignos de ser mencionados: a 1ª parte trata das bases do diálogo: uma resposta de Massignon sobre o Islão; o Corão segundo Massignon, aspectos teológicos do seu pensamento e aproximação dialógica; a 2ª parte inclui os assuntos: Massignon, os direitos do homem e a mediação, o pensamento social, o diálogo islamo-cristão, Massignon face a Israel, para uma compreensão espiritual das culturas. Escreveu o ilustre pensador: «Que a nossa caridade não seja táctica, “anexionista”, colonialista; nem helenismo, nem latinismo, nem francicasnismo, nem jesuitismo, nem foucauldismo…46 permanecendo como auxiliares das missões em diocese indígenas dum catolicismo ecuménico.» E ainda: «A grande arte dos políticos é a de reduzir ao silêncio os espirituais.» Palavras eloquentes que mantêm toda a sua actualidade nos nossos dias. 78 Notas (1) Dictionnaire Culturel du Christianisme, Paris, 1994. (2) “As armas e padrões portugueses postos em África e em Ásia, e em tantas mil ilhas fora da repartição das três partes da Terra, materiais são, e pode-as o tempo gastar: pêro não gastará doutrinas, costumes, linguagem que os Portugueses nestas terras deixarem” (João de Barros, Diálogo em louvor de Nossa Linguagem). São palavras proféticas do cronista da Ásia e primeiro gramático autêntico da língua pátria, ele que no Reino redigia cartinhas e compêndios gramaticais. A dilatação da fé e do império precisava da língua como instrumento imprescindível. Ainda João de Barros: “Certo é que não há glória que se possa comparar a quando os meninos etíopes, persianos, indos, de aquém e de além do Gange, em suas próprias terras, na força dos seus templos e pagodes, onde nunca se ouviu o nome romano, por esta nossa Arte aprendem a nossa linguagem”. Nesse trabalho de grande dificuldade e delicadeza extrema, os descobrimentos e a aculturação só se tornam entendíveis com a missionação. - Não interessava mandar livros de doutrina, se eles não sabiam ler. O envio de catecismos, cartinhas e cartilhas era aos milhares. “Ensina-se a ler, ensina-se a escrever, ensina-se Português, ensinase Latim, ensinam-se as línguas indígenas, abrem-se escolas no Ultramar, ministra-se a Doutrina, fundam-se tipografias, as primeiras que fabricam tipos exóticos e imprimem em línguas e alfabetos orientais: tamil, japonês e até abissínio!”. Até nós chegaram, em largo número, exemplares e impressos, desse esforço enorme, como a Arte da Língua de Angola do Padre Pedro Dias (1697). A remessa de cartilhas para o Brasil e para o Congo era intensa. Damião de Góis e Jerónimo Osório em 1504 tinham enviado “mestres de ler e escrever”…”que abrissem escolas onde instruíssem meninos”, mandando entregar muitos livros de doutrina cristã. – O Padre Mateus, em 1624, SJ e missionário no Congo, traduziu para essa língua a “Doutrina christã” de Marcos Jorge, (Lisboa 1561), dedicando-se ao poderoso e católico rei do Congo, D. Pedro Afonso. A tradução é interlinear, em português e congolês. – Em 1642 e 1661, outro padre jesuíta, António do Couto, natural de Angola, publica O gentio de Angola, suficientemente instruído nos mysterios de nosssa sancta fé” e o Cathecismo em latim, português y angolano. Em suma, os portugueses levaram a língua portuguesa pelo mundo. Hoje com 200 milhões de falantes é a 4ª língua mais falada do mundo. Isso ficou a deverse às missões desde Cabo Verde, à Guiné, a S. Tomé e Príncipe, a Angola, a Moçambique e a Timor. (3) Cf. sobre a missionação as actas do Congresso Internacional de História. Missionação Portuguesa e Encontro de Culturas, 4 vols. Braga, 1983, promovido por ocasião das comemorações dos descobrimentos. (4) Hoje os jesuítas são mais de 20.000: 8.000 na Europa (lembramos que há 1.400 na Itália e 840 em França), 8. 400 nos Estados Unidos, ca. 5. 300 na Ásia (sendo 3. 300 na Índia) e ca. 1. 500 na África. (5) An Enquiry into the obligations of Christianity to use Means for the Conversion of the Heathens, 1792. (6) O metodismo é um movimento de reforma do anglicalismo que nasceu da pregação de John e Charles Wesley (1729). Por causa da sua organização, veio a chamar-se metodismo. Tornou-se independente do anglicalis-mo em 1784. Recusa todo o conformismo e acentua o sacerdócio universal; a experiência pessoal de Deus é o único guia possível da consciência; a salvação é acessível a todos pela fé. Pressupõe uma conversão: “o despertar”. Pregação do Evangelho fora das paróquias, pelo que os pregadores vão para fora das paróquias nos locais de trabalho. O metodismo desempenhou e desempenha um grande trabalho missionário por todo o mundo. (7) Os anabaptistas (do gr. “rebaptizador) são adeptos de uma Igreja reformada que recusa o baptismo das crianças, considerado como a princi- 79 pal abominação do papa. Só os adultos podem receber a água baptismal. Recusam a função de pastor. No séc. XVI entraram no movimento de Münster (1538) com muita violência; mas outros, os mennonitas, discípulos do reformador holandês Menno Simons (1496-1561) defenderam um pacifismo radical. As suas igrejas provieram das Igrejas protestantes ou anglicanas; desenvolveram-se principalmente nos Estados Unidos desde o séc. XVII. A Igreja dos Baptistas, fundada em 1609 por John Smith em Amsterdão, constitui a maior igreja protestante dos Estados Unidos. Segundo ela, a autoridade da Sagrada Escritura, interpretada individualmente, é absoluta, e cada cristão tem a obrigação de evangelizar. Martin Luther King (1929-68) era um pastor baptista. Cf. Voltaire, Cândido, cc. III, IV e V e Margueritte Yourcenar, L’Oeuvre au noir, 1968. (8) David Livingstone nasceu em Blantyre (Glasgow) a 19 de Março de 1813. Tendo ouvido falar da China e dos seus problemas, decidiu fazer-se médico missionário. Estudou também teologia e entrou para a Sociedade Missionária de Londres com o objectivo de trabalhar na China. Entretanto por motivos especiais mudou o seu plano e veio a rumar em direcção a África. Foi em Kuruman que se estabeleceu e aí criou uma missão. Depois foi para Chonuane e Kolobeng. Os seus contactos com o Dr. Moffat (com cuja filha viria a casar) e com Sechele foram muito importantes. Dedicou-se aos estudos geológicos e geográficos das regiões por onde ia passando. Também esteve em Luanda. Praticamente conheceu toda a parte meridional de África, de Leste a Oeste. Interessou-se imenso pela promoção dos povos africanos e pela defesa dos direitos dos indígenas. Depois de três expedições ao continente africano, Livingstone faleceu a 1 de Maio de 1873, sendo sepultado na Abadia de Westminster. (9) Albert Schweitzer (1875-1965), médico, teólogo e organista protestante, formado nas Universidades de Estrasburgo, Paris e Berlim, tornou-se pastor em Estrasburgo em 1899 e professor de teologia em 1902. Com 30 anos, numa noite de Pentecostes, decidiu consagrar a sua vida à luta contra a miséria e o mal; por isso fez-se médico. Em 1913 partiu como missionário para a África equatorial (Lambarene-Gabão). Internado em França em 1917, porque era alsaciano, era considerado alemão, pelo que não pôde deixar o hospital senão em 1924. Instalou-se então definitivamente em África, desenvolvendo uma acção notável na assistência e continuando a sua obra teológica e dando concertos. Cuidava dos doentes sem os retirar do seu meio cultural e familiar, solução adoptada também por Raul Follereau para os leprosos. Recebeu o prémio Nobel. Exerceu grande influência sobre o protestantismo europeu e americano. Quando triunfava na exegese uma aproximação histórica da Escritura, ele tinha, desde 1901, insistido no papel da iminência do fim do mundo (escatologia) na mensagem de Jesus. Em 1911, interpretou também as Epístolas de Paulo no mesmo sentido. (10) Aquilo a que se se costuma chamar Missio Dei - Humanisierung der Welt. (11) J. Chr. Hoekendijk, Zur Frage einer missionarischen Existenz, Munique, 1966, 315-38. (12) Conferência Mundial da Missão, em Bangkok, 1972-73. Cf. Ph. Potter, Das Heil der Welt heute. Dokumente der Weltmissionskonferenz Bangkok 1973, Estocarda/Berlim, 1973, 180. (13) Cf. Sobre este assunto as excelentes obras de De Lubac, G. Warneck, P. Charles, K. Rahner, Congar, etc. (14) Cf. 1610-1848: «reduções» indianas nos actuais Panamá, Paraguai e Argentina; 1645-1742: querela dos ritos da China; 1842-1887: 22 convenções sem igual entre 16 nações cristãs e a China; trabalhos de escravos nas colónias africanas). (15) D. B. Barret, World Christian Encyclopedia, Oxford/N. Y. 1982, 3. (16) (Hummel 1980). 80 (17) Sacramentum mundi. Is. 52, 13 – 53,12, Phil. 2,5-7. (18) Phil. 2,7: héauton ekenosen. (19) Cf. A Comissão Internacional de Teólogos 1973. (20) Código de Direito Canónico, cânones. 782 & 1 e 786; cf. Concílio Vaticano II, Ad Gentes 38. (21) CELAM (Conferência Episcopal Latino-Americana), AMECEAE (Associação de Membros Episcopais das Conferências da África Oriental); SECAM (Symposium das Conferências Episcopais de África e de Madagáscar); FABC (Federação das Conferências de Bispos da Ásia). (22) Eph. 6,11-12; Lc.1,51-53. (23) 1 Cor. 9,19 e 22; Ef. 1, 10: juntar todas as coisas em Cristo. No cris-tianismo ou não as mesmas coisas que em Cristo (cf. Carta Apostólica de Paulo VI, Evangelii nuntiandi, 1975, 63 e 20: Secretariado para a Unidade dos cristãos 1982). (24) Cf. O programa de diálogo do Secretariado para os não cristãos, fundado em 1964 e do CEI, depois Upsala em 1968, não é simplesmente um instrumento pedagógico de conversão, mas uma práxis constitutiva para a missão. (25) Cf. no AT a referência aos santos pagãos ou o acolhimento dos estrangeiros e o tema patrístico da “Ecclesia ab Abel”. (26) Cf. Lumen Gentium: Ecclesia semper …sancta simul et semper purificanda. (27) Cf. 1 Cor 13, 12 e Rom 11, 33-36. (28) Cf. Conferência Mundial das Religiões pela Paz. (29) Cf. 1 Ped. 5, 8. (30) Cf. as Declarações do Vaticano II sobre a liberdade religiosa e as religiões não-cristãs. Não fornecem coisas concretas mas falam de disponibilidade (cf. Ad Gentes 16). (31) Dispomos hoje de muitos instrumentos de trabalho, como a Bibliografia missionaria, Roma 1925s.; Bibliotheca Missionum, MünsterAachen-Friburgo, 1916s. (32) Paris, 2001. (33) Associação Francesa de Ciências Sociais das Religiões. (34) Como fonte principal, temos o Annuaire statistique de l’Église catholique (31.XII.1996), citado pela Agência Fides (16. X. 1998). (35) Cada ano são publicadas no Anuário Pontifício estatísticas relativas à vida da Igreja. O número de padres apresenta-se estável há uns 20 anos: 400.000, sendo 250.000 diocesanos e 150.000 religiosos. Há ca. de 4.000 bispos:. – Na Europa, contam-se ca. 220.000 padres, em diminuição de 7% em 10 anos; nos EUA há 64.000, em diminuição de 8%; América Latina: 54.000 com aumento de 3% em 10 anos. Situação medíocre nos países tradicionais. A Ásia atinge 36.000 padres, o que representa um aumento de 22% em 10 anos. Na África há 22.000 padres, sendo o aumento de 50% também para 10 anos. – A África começa a ver os resultados de uma acção missionária iniciada há um século. Há mais de 40 seminários maiores abertos em 15 anos, com mais de 15.000 futuros padres. – Nota-se um equilíbrio: a Europa e os EUA Norte dispunham há uns 15 anos de mais de 100 padres para 100.000 católicos, enquanto a África não contava senão de 17 para o mesmo número. Hoje os números: são diferentes: 93 padres na Europa e 24 em África. (36) A Société des Missions Africaines de Lyon depois da Irlanda recorreu à África. (37) A revista Solidaire das Obras Pontifícias Missionárias Católicas pode mencionar-se como uma, entre outras, que nos mostram a mudança de paradigma verificado. A Europa ainda domina, mas tende a desaparecer. Àquela podemos juntar a Catholic Mission League que se destina a leigos. As instituições eclesiásticas reflectem essa alteração: em 1995 (1 de Janeiro) havia 14 cardeais asiáticos. O Conselho Ecuménico das Igrejas congrega 332 igrejas membros, estando nas diversas presidências vários de África e 81 Ásia. A Aliança Reformada Mundial (ARM) com 199 igrejas em 99 países dos vários continentes. A Federação Mundial Luterana (FML) com 112 igrejas em 68 países. Formados nas Universidades Gregoriana, Latrão, e da Congregação para a Propagação da Fé, etc. os membros do clero indígena desenvolvem nos seus países actividades apostólicas e humanitárias. (38) Comunidade Evangélica de Acção Apostólica. (39) C. Dieterlé em 1997, «Diversité et complementarité des traductions de La Bible», in H. Didier et alii, Les enjeux de la traduction. L’experience dês missions chrétiennes, Lião, 1997. (40) A Carta a Diogneto escrita em grego por um autor cristão des-conhecido e dirigida a alguém também desconhecido data do séc. II ou III. O autor explica porque é que o paganismo e o judaísmo não podem ser aceites, descreve os cristãos como a alma do mundo e insiste em que o cristianismo é a única revelação de Deus. (41) Le Siège apostolique et les Missions, Paris, 1959. (42) João Paulo II ao Pontifício Conselho da Cultura em 18 de Janeiro de 1983. (43) Paris, 1997. Cf. ainda D. J. BOSCH, Dynamique de la mission chrétienne. Histoire et avenir des modèles missionaires, Paris-Genebra, 1995 ; H. CAMOER, Guide pour l’inculturation de l’Evangile, Roma, 1997. (44) Louis Massignon, Opera minora, II, p. 631. (45) Paris 1996. (46) Charles-Eugène de Foucauld (1858-1916) viveu como ermita no Sahará. Oficial indisciplinado, veio a apaixonar-se pelo deserto aquando de uma exploração em Marrocos. Tendo voltado à fé e à prática religiosa em 1886, retirou-se para a Trapa de Notre Dame-des-Neiges de Ardèche. Fez-se sacerdote em 1901, passando a levar vida de ermita em Beni-Abbès no sul da Argélia, depois em Tamanrasset no Hoggar. Elaborou um dicionário e uma gramática da língua tuareg. Morreu assassinado em condições misteriosas. Embora tivesse feito uma regra para as comunidades de “Irmãozinhos” e de “Irmãzinhas”, contudo nunca teve discípulos durante a sua vida. Foi apenas em 1933 que alguns sacerdotes e religiosas adoptaram a sua regra. 82 MANUEL DOS SANTOS LIMA Universidade Moderna Setúbal (Angola) Humanismo latino em África: legados, partilhas e falências Quando no século XV, em pleno Renascimento, as caravelas portuguesas se fazem ao mar dando início à grande epopeia, a Expansão marítima, partem em busca de especiarias, de ouro e dessa "gente remota" a que aludiu Camões. As caravelas levam a cruz estampada sobre as velas – símbolo da evangelização e no bojo espadas e canhões – símbolos da Conquista e da vontade de submeter nações e povos ultramarinos que, desde o século XIV, se encontram no seu apogeu mas desconhecem a pólvora e o que está para além do mar. Esta contradição fará com que uma parte significativa da mensagem humanista da latinidade se perdesse numa ambiguidade desconcertante. Tudo começa na perspectiva do olhar que se deita ao Outro, dentro de um determinado quadro cultural e sistema de valores. A imagem que sobre ele se constrói condiciona o relacionamento. O olhar é de ordem física (corpo escuro ou pardo, nu), religiosa (idólatras), moral (lubricidade), linguística (falam línguas bárbaras), consuetudinária (práticas culinárias exóticas, desconhecem o trigo e o vinho, comem em grupo, sem horas fixas e sem talher) além de que deixam às mulheres os trabalhos agrícolas. No contexto europeu da época, juntamente com um discurso etnocentrista vislumbrar-se-á entanto alguma curiosidade científica que animará exploradores, missionários e compiladores do século XV. Porém a figura do Negro na cena portuguesa será popularizada pela chacota pelo falar “guinéu”, “língua de negro” ou "língua de preto" do teatro da época e até às revistas da I Guerra Mundial. No plano literário há unanimidade no sarcasmo e mesmo crueldade na maneira como os poetas satíricos e gazeteiros do século XVIII glosaram a figura do Negro, comparando-o a animais de capoeira, na literatura de cordel. 83 A negrura da pele é considerada sujidade ou luto. Negros, Mestiços e todos os indivíduos com mistura de sangue africano foram considerados pessoas de sangue infecto, como, aliás, aconteceu com os Judeus. E quando a partir de meados do século XVI a costa atlântica de África, do Senegal a Angola, se tornou num imenso reservatório de escravos para as plantações do Novo Mundo, os ideólogos esclavagistas vão fazer do Negro objecto da história dos homens e os puritanos americanos vão diabolizá-lo juntamente com o índio e institucionalizam a exclusão de ambos. Está-se então nos alvores do período colonial e os Europeus têm sobretudo a preocupação fundamentalista de não corromper a raça cristã misturando-lhe sangue impuro de não cristão1 É o preconceito religioso que domina, pois o baptismo "apagava" a diferença. Quando em 1510 uma Bula do Papa Nicolau V autoriza os Portugueses a escravizar Sarracenos, pagãos e outros inimigos do Cristo, ao sul dos cabos Bojador e Não, será com a condição de converter os cativos ao cristianismo. Da inicial troca de mercadorias passa-se, gradualmente, ao tráfico de escravos numa extensão litoral de 3500 kms, entre a Mauritânia e o Congo. Os portugueses, que inauguraram esse comércio, detêm o monopólio no século XVI. Os holandeses ultrapassam-no no século XVIII.2 Na centúria seguinte a África torna-se moeda da troca internacional, pois que as colónias constituem uma espécie de apólice de seguros sobre o futuro. Reduzido à condição de mercadoria, de coisa transacionável, o Africano deixa de ser objecto de conhecimento até ao século XVIII, embora o século das luzes consagrasse o bom selvagem e a Revolução Francesa proclamando os Direitos do Homem consagrasse o direito de Igualdade entre todos os homens. Já só será no século XIX, em plena expansão do capitalismo industrial e comercial, que o Europeu se voltará a debruçar sobre o Outro, com um novo olhar, apesar do colonialismo erigir em dogma a superioridade da raça branca e da sua cultura e de a impor pela força das armas.3 Independentemente de ter o Africano como parceiro comercial, a leitura que o Europeu faz dele é, além do mais, estética e moral: o branco é bonito, limpo e sadio enquanto que o Africano, além de pobre, é feio e doente, bêbedo, ladrão e preguiçoso, embora se lhe reconheça que trabalha bem o ferro e é capaz de se sustentar. A caracterização do Africano no século XX engloba 84 todos os predicados do século anterior mais o epíteto de antropófago.4 A questão colonial está particularmente presente na cena política portuguesa nos séculos XIX e XX, pois ela prende-se tanto ao problema da identidade nacional como, em épocas de crise, ao da própria sobrevivência do país, depois da perda do Brasil em 1822. Com efeito o imperialismo português não tendo seguido o modelo capitalista clássico, e definindo-se como oposto a todos os outros colonialismos pelo atraso económico, social e até demográfico de Portugal, fabricará mitos de toda a ordem: – Mito do Eldorado – acreditar na fortuna de além-mar, nas riquezas das terras de que engrandeceriam a nação dando ao pequeno Portugal o estatuto de grande potência, compensando-o da amputação do Brasil ao seu Império. – Mito da herança sagrada – consequência da inquietante vizinhança siamesa com Espanha, o nacionalismo português defendia que jamais se poderia alienar qualquer parcela do território. Salazar será a encarnação viva deste mito, o que terá como consequência a guerra colonial, a sua Alcácer-Kibir do século XX. – Mito da missão sagrada – restaurando um espírito de Cruzado, o povo português tinha por missão indefectível, outorgada pela providencia divina5, de libertar os Africanos da barbárie e da selvajaria para os cristianizar, ao mesmo tempo que os resgatava do vício, de uma estagnação milenária6, da preguiça e da tirania dos seus chefes primitivos. Como é óbvio esta ideologia legitimaria a nacionalização dos Africanos, seres inferiores, com “a criação de uma mentalidade portuguesa entre os indígenas”, isto é, uma política de assimilação que começa por dar às colónias o estatuto de “províncias ultramarinas”. Toda a mística colonial portuguesa repousará na afirmação de uma unidade e de uma identidade absolutas entre as partes diversas que constituem o Portugal intercontinental: “um Estado, uma raça, uma fé e uma civilização” e a colonização portuguesa longe da vil exploração económica é “um movimento propulsor de doutrina religiosa que deseja conscientemente unir a humanidade sob a mesma bandeira da paz, justiça e amor” num tipo de relações humanas imbuídas de fraternidade, o que daria à colonização portuguesa um significado transcendental na história da humanidade. 85 Nesta ordem de ideias, a política de Assimilação para os Africanos se tornarem "Portugueses de cor", apregoada pelo Estado Novo nos anos trinta, poderia funcionar como uma espécie de lavagem ao cérebro. Todavia a política colonial portuguesa só foi assimiladora na medida em que autóctones pudessem ser úteis na prestação de serviços e no comércio. Fora disso só a pele contava. Transformada em uniforme social e económico, ela cobre praticamente toda a literatura africanista e africana do século XIX. Os literatos indígenas desse tempo são efectivamente assimilados na medida em que se exprimem numa língua estrangeira e que buscam os seus modelos na cultura metropolitana. As literaturas africanas lusógrafas foram suscitadas pelo encontro das culturas europeia e africana. O processo de assimilação implicava a destruição gradual das sociedades tradicionais, seguida da inculcação da cultura portuguesa e finalmente a integração ou dissolução dos africanos "lusitanizados" na sociedade portuguesa. Recorde-se no entanto que este processo só resultou em cenários onde os africanos, cortados das suas fontes pelo isolamento imposto sobretudo pela distância, perderam largamente a sua identidade cultural, incorporando-se, com as novas gerações noutros contextos culturais, embora remotamente fiéis à sua ancestralidade. Assim aconteceu no Brasil onde, já no século XIX, os descendentes de escravos Quimbundos eram culturalmente brasileiros, tal como os seus irmãos levados para os Estados Unidos se tornaram americanos. Na África lusófona o falhanço da assimilação foi estrondoso, não só pela tradicional falta de meios como pelo muito pouco interesse que as próprias autoridades coloniais e os colonos manifestavam por essa política, e estorvante de imediato e suicidária a longo prazo, para os 35% de analfabetos metropolitanos, patrões de Negros. Com efeito as sementes da contestação nacionalista foram lançadas pelos Assimilados e naturalmente que germinaram entre as populações que não tendo sido grandemente expostas à cultura portuguesa se rebelaram por fidelidade à sua historicidade feita de resistências seculares à colonização. Independentemente desse falhanço geral da Assimilação, urna minoria de Africanos tornar-se-á em maior ou menor grau culturalmente mestiça, vivendo entre dois mundos entre o feiticeiro e médico, entre os panos tradicionais e os calções apertados da colonização. 86 Se a peregrinação dos Portugueses pelo mundo fora teve espontaneamente uma vertente humanística decorrente do encontro de culturas que o império das armas, a escravatura e a colonização subverteram irremediavelmente, a mestiçagem biológica e cultural poderia ter sido a materialização do humanismo latino. As caravelas levavam cruzes nas velas, dissemos. Qual o papel da Igreja, em tudo isso? Não será exagerado dizer que ela participou da mesma ambiguidade até quase finais do século XIX, quando a liberdade de evangelização das missões, conquistada na Conferência de Berlim, a fará perder influência e exclusividade em terras de África, em proveito das igrejas protestantes americanas, inglesas e suecas que, provindo de sociedades liberais, industrializadas e mais evoluídas foram pioneiras na educação, serviços sociais e formação profissional ao mesmo tempo que inculcavam nos Africanos ideias de igualdade, justiça e liberdade, que alimentarão os movimentos messiânicos e independentistas das antigas colónias portuguesas. Curiosamente o catolicismo demasiado colado ao fascismo salazarista e ao seu obscurantismo não soube expressar a sua mensagem humanística aos povos negros. A metrópole também não escapou às ambiguidades e contradições da actuação da Igreja. Depois das Cruzadas e das descobertas supostamente para cristianizar os povos ultramarinos e da sua captura e venda como escravos, eis que se nega aos novos cristãos o acesso aos lugares de culto. Assim, os escravos ou forros de Lisboa à semelhança do resto do país, formavam confrarias, tendo elegido para sua devoção e patrocínio, entre outros, S. Jorge e Nossa Senhora do Rosário (dos Homens Pretos de Lisboa) e só astuciosamente conseguiram lugar para oculto, ao lado dos brancos, na igreja de S. Domingos: num primeiro tempo reuniam-se diante da igreja, depois obtiveram permissão para armarem mesa na calçada e posteriormente, sempre sob pretexto de prestarem culto à Virgem do Rosário, conseguiram, finalmente, que lhes concedessem um cantinho… o canto dos Negros – já no interior da igreja… onde passariam a usar a sua confraria nomeadamente na compra de alforrias. Até hoje a sociedade portuguesa nunca foi multirracial e a presença secular dos negros em Portugal foi fagocitada, restando apenas escassos vestígios. A França lembra-se que Alexandre Dumas, o célebre pai de "Os Três Mosqueteiros, era mestiço; mas quantas pes87 soas em Portugal saberão que o famoso Marquês de Pombal o era igualmente? Não há sociedade sem cultura nem cultura que não se reporte a uma determinada sociedade no espaço e no tempo. A cultura é o bilhete de identidade de cada povo. As diferentes colonizações europeias foram unânimes na política de inferiorização das culturas autóctones, em seu proveito. Contra isso a Negritude foi, entre o mais, o movimento de afirmação de uma personalidade comum a todo o continente e particularmente no tocante à Africa subsahariana, tendo sido reconhecida una e pertencente à africanidade, ou seja a grande comunidade cultural do continente negro. Por essa razão, sem dúvida, todos os novos países africanos sentiram a necessidade de reabilitarem a sua identidade cultural e consequentemente romperem com o legado educativo alienante da época colonial. Acontece que a educação tradicional não está vocacionada para responder às exigências da modernidade. Esse não é o seu espírito e as elites africanas estão conscientes de que o progresso só poderá vir das ciências e das técnicas adquiridas por empréstimos culturais, obtidos nesse fundo comum de uma civilização planetária, que se vai construindo. Volvidos quase cinquenta anos sobre as independências, o problema da articulação entre tradição e modernidade continua a pôr-se com a acuidade de sempre, uma vez que o Estado pós-colonial não soube resolvê-lo e até o agravou com a sua falência. As próprias estruturas dessa educação tradicional foram gravemente afectadas. A África de vocação agrícola e autonomia alimentar perdeu-se com os tropismos populacionais do campo para a cidade, perdeu-se nas politicas económicas erradas, nos meandros das ditaduras, das ideologias e corrupções endémicas. Por outro lado os Africanos tendo herdado das colonizações modelos de cidades de tipo europeu, têm-se revelado pouco capazes de as preservar e muito menos de as desenvolver. Os camponeses e refugiados das mil e uma guerras invadiram-nas e ruralizaram-nas. A degradação urbana derivada do desencontro cultural deu por sua vez origem a um convívio multi-étnico e promíscuo em que os valores tradicionais mais positivos e fecundos se deterioraram pelo instinto de conservação. Disso resultou uma subcultura, a da sobrevivência, coabitando paredes-meias com a sociedade de consumo e civilização técnica e industrial subscritas pelas diferentes tribos políticas dos governos. 88 O encontro com a modernidade parece assim cada vez mais longínquo e comprometido já com a lanterna vermelha acesa por risco de inviabilidade, merecendo por isso a designação de países em vias de desenvolvimento. Contra o messianismo visionário apoiado na crença de construir um Império, de fundar o espaço da Lusitanidade, o tradicionalismo africano com base no princípio de que toda a Criação é uma hierarquia centrada sobre o Homem, continua a ser a manifestação quotidiana do humanismo dos Africanos e as lutas de libertação e certas insurreições como movimentos para a dignificação do homem africano enquadram-se nesse eterno combate pela Afirmação pelo Ser. O diálogo entre o humanismo latino e o africano ainda não se cumpriu e as partilhas foram insignificantes por conflitos de interesses. Mas para além de todos as contingências, tenhamos alguma fé numa globalização económica e social contra as abissais assimetrias entre o Norte e o Sul, esperando que ela seja fonte de uma nova forma de relacionamento entre os povos e de uma cultura de solidariedade e tolerância, um outro Renascimento, um novo Humanismo à medida deste milénio. Citações (1) “Não faltam eminentes autoridades contemporâneas que afirmem que os Portugueses nunca tiveram quaisquer preconceitos raciais dignos de menção. O que as autoridades não explicam é a razão pela qual, nesse caso, os Portugueses durante séculos, puseram uma tal tónica no conceito de "limpeza” ou "pureza de sangue", não apenas de um ponto de vista classista mas também de um ponto de vista racial, nem a razão por que expressões como "raças infectas" se encontram com tanta frequência em documentos oficiais e na correspondência privada até ao último quartel do século XVIII C.R. Boxer – "O Império Colonial Português" Edições 70, Lisboa, p. 279 e segts. – O Código Negro, editado por Colbert, em 1685 e que é uma espécie de estatuto da escravatura, proibia a concubinagem entre Franceses e mulheres de cor mas permitia o casamento desde que a mulher se convertesse ao catolicismo. (2) O tráfico era considerado comércio honroso e tanto a Igreja Católica como a anglicana não protestaram. Até se pretendeu justificá-lo com textos do Antigo Testamento e com a necessidade de converter pagãos. 89 As primeiras exportações por mar têm lugar desde meados do século XV, a partir de pontos de "resgate" estabelecidos na costa ocidental (Arguim e Costa da Guiné). (3) …”a filantropia insiste em esperar que a Bíblia, traduzida em bundo ou em banto, converterá os selvagens; que a férula do mestre escola fará deles homens”. (4) Henrique Galvão: "Os Antropófagos" (1974). (5) A própria Igreja Católica portuguesa perfilhava esse messianismo pois que os seus bispos, em 1961, em assembleia plenária: "linha providencial da nossa história tornou-nos, desde há muitos séculos, instrumento do Senhor na Evangelização de parte considerável do Mundo, na América, na África, na Ásia, e até na Oceânia. E a Igreja tem confirmado sempre essa missão (...) Nesta hora que o Ocidente parece ter perdido a consciência de si mesmo (…) na subestima dos valores cristãos com abandono da sua defesa, Portugal é consciente da sua missão evangelizadora e civilizadora". Transcrita por Adriano Moreira in "A Batalha da Esperança", Lisboa, s.d. (2ª ed.), p. 64. (6) "Os Africanos não souberam valorizar sozinhos os territórios que habitam há milénios, não se lhes deve nenhuma invenção útil, nenhuma descoberta técnica aproveitável, nenhuma conquista que conte na evolução da humanidade, nada que se pareça ao esforço desenvolvido nos domínios da Cultura e da Técnica pelos europeus ou mesmo pelos asiáticos" Marcello Caetano, "Os Nativos na Economia Africana", Coimbra, 1954, pp. 51 e 52. 90 DANIEL A. PEREIRA Ministério dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde A especificidade de Cabo Verde no contexto colonial português Considerações Preliminares Gostaríamos, antes de mais, de agradecer à organização do Colóquio em geral, e à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, através do seu Centro de Estudos Africanos, a oportunidade que me deram de estar aqui presente, partilhando com todos vós algumas reflexões sobre o percurso histórico do meu país, Cabo Verde, naquilo que tem de particular e lhe confere feição própria, no quadro do colonialismo português, com os seus “encontros e desencontros” partilhados ao longo de cinco séculos de história muito intensa e rica. O título da minha comunicação, “A especificidade de Cabo Verde no contexto colonial português”, justifica-se, pois, perfeitamente. Estou convencido de que, numa plateia como esta, o debate que pode suscitar a apresentação do tema, certamente nos fará sair, a todos, um pouco mais enriquecidos com a troca de informações, que sem dúvida se verificará durante as discussões que terão lugar. De igual modo, é minha mais profunda convicção de que este Colóquio, que foi projectado sob o signo de total abertura e sem quaisquer tipos de complexos, tal como deixa entender o título temático do mesmo, e onde participam especialistas de tantos e tão diversos países, se constituirá num marco importante de debate académico de ideias sobre tão importante matéria, que ainda incita um cortejo de controvérsias, mal-entendidos e animosidades entre os variados actores do processo em equação. Ainda assim, ou talvez por isso mesmo, compartilho, com Lídia Jorge, escritora portuguesa de renome, o princípio por ela expresso, numa recente reportagem publicada pela Revista Visão, “Angola e Moçambique, Memórias de África”, segundo a qual, “pode-se aprender com o passado, mas não se pode repetir o passado”, o que interpreto como 91 significando que a história deve ser assumida integralmente e não contestada, como muitas vezes acontece. Os Primeiros Momentos No contexto do processo expansionista europeu, começado na era de quatrocentos, e de que os portugueses foram, indubitavelmente, os grandes iniciadores, algumas ilhas atlânticas, como o arquipélago de Cabo Verde, foram sendo, paulatinamente, achadas ou descobertas, vindo a desempenhar um papel de extrema importância no prosseguimento dessa empresa e que se viria a revelar, pelo seu impacto e pelas transformações que engendrou, como algo de transcendente para o mundo hodierno. Segundo a tese oficial, as ilhas de Cabo Verde foram descobertas entre 1460/62 por António de Noli e Diogo Afonso. Se bem que existam várias teses que se referem ao co-nhecimento do arquipélago cabo-verdiano antes da chegada dos portugueses, não falaremos delas por as considerarmos meramente académicas e simultaneamente irrelevantes para o que pretendemos demonstrar. O certo é que à data da descoberta, as ilhas se encontravam desertas. Isso sim é para nós relevante, na medida em que tudo teve de vir de fora, inclusive, portanto, o modelo de ocupação. Não houve que modificar nada previamente existente. O documento mais antigo que se conhece sobre Cabo Verde é a Carta Régia de 3 de Dezembro de 1460 pela qual D. Afonso V doa as ilhas então descobertas ao infante D. Fernando. Incluía essa doação, além dos arquipélagos da Madeira e dos Açores, as cinco primeiras ilhas de Cabo Verde descobertas por Noli, ainda em vida do infante D. Henrique.1 Segundo a carta de privilégios, de 12 de Junho de 1466, que o rei Afonso V concedeu aos moradores de Santiago, o inicio do povoamento da mesma teria sido entre 1461/62. Na verdade, o documento refere que “... haverá quatro anos que ele (D. Fernando) começara a povoar a sua ilha de Santiago que é através do Cabo Verde e que por ser tão alongada dos nossos regnos a gente não quer a ela ir viver senão com mui grandes liberdades e franquezas ...”2 Seria a distância razão suficiente para obstar ao povoamento? Em nosso entender não. Na verdade, as ilhas mos92 travam-se desde o inicio desfavoráveis à ocupação humana. Ademais, não apresentavam aquilo que os portugueses buscavam – as especiarias, os metais preciosos, o comércio vantajoso para os seus próprios fins. Quer dizer, não existiam riquezas que pudessem estimular a ida de colonos, nem culturas tidas por essenciais. Só os privilégios especiais, outorgados através da Carta de 1466, tornou possível o povoamento mais intenso. Apesar da distância, da ausência transitória de culturas e a inexistência de riquezas. Então, pergunta-se, que razões levaram ao incremento do povoamento de Santiago a partir de 1466?3 Porque terá a Coroa portuguesa aberto mão do monopólio dos tratos dos Rios de Guiné, excepção feita a Arguim, que tão ciosamente guardara até então? Convenhamos que a tarefa da ocupação do espaço cabo-verdiano se iria revelar como algo ingente e de grande envergadura. Desguarnecida de qualquer espécie vegetal utilizável para a alimentação, houve que introduzir de imediato as espécies agrícolas necessárias à subsistência e, posteriormente, introduziram-se outras espécies originárias dos três continentes que os portugueses passariam a frequentar. Efectivamente, quando chegaram os portugueses, apenas encontraram tamarindos, urzela e dragoeiros e, além destes, uma vegetação bravia que cobria a superfície das ilhas.4 Tal como nas restantes ilhas do Atlântico, os produtos que se experimentaram no início foram aqueles que eram mais familiares aos portugueses como cereais de pragana, vinha e oliveira. Mas os obstáculos impostos pelas condições climáticas, a escassa pluviosidade devido à situação geográfica, ocasionava dificuldades à transplantação das bases alimentícias dos europeus e o seu modo de vida. Portanto, a agricultura não devia ser (como ainda não é) tarefa fácil em Cabo Verde, dadas as características do seu clima e do seu solo. Já Duarte Pacheco Pereira salientara esse facto dizendo que só Agosto, Setembro e Outubro eram meses chuvosos e que as ilhas eram “estéreis porque vizinhas ao trópico de Câncer... São terras altas e fragosas e serão más de andar”.5 93 Uma Situação Estratégica Privilegiada Voltando à questão inicialmente levantada, qual teria sido a motivação principal que levaria à necessidade, ao imperativo da ocupação do espaço de Cabo Verde, designadamente da ilha de Santiago, que foi a que pareceu menos desfavorável desde os primórdios? A nosso ver, a situação geo-estratégica do arquipélago determinou de imediato a obrigatoriedade do seu povoamento de modo a que, efectivamente, pudesse servir de base de apoio logístico à navegação atlântica. Tudo indica, na realidade que, seis anos depois da descoberta das ilhas e reconhecido os mares bem mais para o Sul, foi essa a razão fundamental do seu povoamento. Não havendo praticamente recursos locais, ou face ao seu reduzido valor, foi dada primazia às actividades do comércio e da navegação. A importância das ilhas adveio, fundamentalmente, da navegação atlântica. Na frase lapidar de Orlando Ribeiro, “a fortuna das ilhas dependeria essencialmente da importância da navegação atlântica”.6 Com efeito, face à sua posição geográfica, as ilhas de Cabo Verde foram chamadas a desempenhar, desde o inicio da progressão dos portugueses em direcção à ponta meridional da África, o papel de placa giratória no quadro do abastecimento dos navios em água e viveres. Mas mais do que isso, corroborando o que temos vindo a expender, a importância de Cabo Verde passa a ser definitivamente reconhecida quando, pela primeira vez, o mundo é dividido em esferas de influência. Referimo-nos, naturalmente, à assinatura do Tratado de Tordesilhas a 7 de Junho de 1494, após dilatadas conversações, cujas cláusulas principais reconheciam como pertencentes a Castela todas as ilhas e terras descobertas para além do meridiano passando 370 léguas a ocidente das ilhas de Cabo Verde, com uma única excepção: Este limite era encurtado para 250 léguas a respeito dos descobrimentos que Colombo viesse a fazer durante a sua segunda viagem, iniciada antes da conclusão do acordo. Como porto marítimo de passagem. obrigatória, Cabo Verde viria revelar-se de importância capital no prosseguimento das viagens mais para o Sul. E a confirmar essa asserção e sem pretensão de sermos exaustivos poderíamos apontar algumas referências, a nosso ver, bastante elucidativas. 94 Em 1497, a armada de Vasco da Gama, caminho da Índia, lançou âncora na vila da Praia (Santiago) para se abastecer em víveres e água. Em 1500, Pedro Alvares Cabral, a caminho do Brasil, escala Cabo Verde, da mesma forma que já antes, em 1498, Cristóvão Colombo, durante a sua 3ª viagem, passou por Ribeira Grande. Por seu turno, Sebastião del Cano, que prosseguiu a viagem de circum-navegação, após a morte de Fernão de Magalhães nas Filipinas, só teve a certeza que tinha dado a volta ao mundo quando avistou Cabo Verde, vindo do Sul, onde se deteve em 1522. Mas o certo é que a importância das ilhas de Cabo Verde foi diminuindo, ao longo de todo o final do século XVI e mais ainda durante o século XVII, mais por causa da guerra de corso e de usura praticada por outras potências europeias emergentes, designadamente a Inglaterra, a Holanda e a França, criando muita instabilidade no mar e em terra, fazendo afugentar as embarcações com receio de ser saqueadas, provocando a decadência económica das ilhas face a esse estado de coisas. Assim, apesar da importância das ilhas de Cabo Verde como base de apoio logístico ter diminuído, significativamente, no decurso de todo o século XVIII e primeira metade do século XIX, elas ganham um novo alento com o aparecimento da navegação a vapor quando, a partir de 1850, os ingleses criam uma estação de aprovisionamento, no Porto Grande da ilha de S. Vicente, valorizando, uma vez mais, a nossa posição geográfica, a meio caminho entre a Europa, a África e a América do Sul. Bem entendido, o brilho de outrora esfumara-se completamente. Por outro lado, a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, realizada em 1922 por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, concede de novo importância estratégica a Cabo Verde. Mindelo, na ilha de S. Vicente, foi ponto de amaragem do hidroavião que transportou esses dois portugueses. Aliás, toda a navegação entre a América do Sul e a Europa e não só continua a utilizar o espaço cabo-verdiano. Durante a II Guerra Mundial, as forças aliadas estiveram na eminência de ocupar as ilhas de Cabo Verde caso o General Romell conquistasse o canal do Suez. As razões para tal são mais do que evidentes: controlar a Rota do Cabo por onde teriam de passar os combustíveis do Médio Oriente. Não oferece, pois, contestação a importância e o papel que o arquipélago cabo-verdiano desempenhou ao longo 95 da sua história com uma ênfase particular para os séculos XV, XVI e mormente para a 1ª metade do século XVII. A Primeira Globalização Se é certo que Cabo Verde se encontrava situado no cruzamento das rotas do Atlântico, menos verdade não é que essa circunstância teria consequências que os homens de quatrocentos sequer imaginariam. Como já se verificou, constatada a importância geo-estratégica das ilhas de Cabo Verde e apesar delas não disporem de condições mínimas iniciais para o seu povoamento, tudo se fará para manter a sua ocupação humana de forma permanente e estável. Introduzir-se-ão, para isso, os elementos essenciais à vida do homem, permitindo minimamente a sua sobrevivência. Levam-se plantas e animais, numa primeira fase do Continente fronteiro e de Portugal e, posteriormente, da Ásia e do Brasil. Desde então, o destino de Cabo Verde encontrar-se-á indissoluvelmente ligado à dinâmica do Atlântico, elo entre os continentes Europeu, Africano e Americano. Elo de ligação mas também campo de experiências. Como dizia, com propriedade, Orlando Ribeiro, Cabo Verde funcionou como uma espécie de estação de experimentação, “um centro de concentração e de difusão de plantas, animais e homens, como porventura nenhum outro nos vastos territórios do mundo tropical”7. Basta referir a esse propósito que, por exemplo, a cana sacarina foi introduzida da que veio da Madeira para Cabo Verde, daqui foi levada para o Brasil. O coco da Índia aclimatou-se nas ilhas e delas foi introduzido no Brasil. Da mesma forma, o arroz que saiu do Continente africano e do nosso arquipélago foi transplantado para o Brasil, assim como inhame. Do Brasil recebe-se o milho, a abóbora, a mandioca, depois transferidas para o Continente e para a Europa. As primeiras vacas foram enviadas para o Brasil de Cabo Verde. Encontram-se, por isso, representadas nas ilhas de Cabo Verde, em maior ou menor escala, as espécies comuns da flora alimentar de quase todas as partes do mundo. Nestas circunstâncias, é também Orlando Ribeiro a concluir que, em Cabo Verde, os campos são mediterrâneos, na forma como são trabalhados, as plantas america96 nas e a alimentação africana, o que introduz o panorama universal nas nossas ilhas. Universalidade que, como se conhece, contribuiu, com o tempo, para conceder aos cabo-verdianos feição própria, uma identidade específica. Por seu lado, o povoamento das ilhas de Cabo Verde, uma vez que as condições naturais eram pouco propícias, foi lento e difícil. Por ser pobre e a população branca não desejar ir para ali, com o fito de ultrapassar o problema da falta de mão-de-obra para os trabalhos a empreender, recorreu-se à escravatura, transportando negros do Continente, a partir de 1466, quatro anos após o início do povoamento branco que, até ai, se mantivera ténue. Este modo de actuação explicava-se através dos fundamentos morais e jurídicos, que estiveram na base das conquistas e da colonização portuguesas, permitindo aquilo que, à luz da teologia medieval, se chamou guerra justa “contra quaisquer infiéis assim mouros como gentios, ou quaisquer outros que por algum modo negaram algum dos artigos da Santa fé católica ...”8 Aliás, dando fundamentação legal a esse ideário, a Bula Dum diversas (18 de Junho de 1452) do papa Nicolau V concede ao rei de Portugal “o direito de conquista, isento de quaisquer restrições, de todos os domínios territoriais da mais variada categoria ao tempo na posse dos sarracenos, pagãos, infiéis, e de quaisquer outros inimigos de Cristo com a faculdade de os invadir, expugnar, subjugar, reduzir seus habitantes a perpétua servidão, de os tornar enfim. propriedade legítima do Estado português”9 Transformado, simultaneamente, num entreposto escravocrata, aprovisionando em força de trabalho o Brasil, as Antilhas, o Caribe, entre outros, a partir de então e até à abolição da escravatura em 1876, o peso sócio-económico e cultural deste fenómeno foi algo marcante. Efectivamente, a economia de Cabo Verde esteve, durante quase todo esse tempo, indissociável do comércio de escravos, que suportava os senhores locais e as finanças do arquipélago, sobretudo no período áureo deste comércio para Cabo Verde que vai até meados do século XVII, perdendo paulatinamente a sua importância a partir desse período. Digamos que, grande parte da universalidade do homem de hoje se deve um pouco a Cabo Verde, que nunca foi, como a ilha de Goré no Senegal, uma simples prisão de escravos. Funcionou mais como um centro de “formação” e de “transformação” do escravo para o trabalho. Um verdadeiro centro de aprendizagem em exercício, o 97 que se convencionou chamar-se “ladinização”, na utilização de novos meios e métodos de produção, mas também de novos valores morais, particularmente os cristãos, defendidos e aceites por uma significativa franja da humanidade.10 Desponta a Nação O facto de Cabo Verde ter estado, no transcurso da sua história, no cruzamento das rotas do Atlântico e por se ter verificado uma mistura de raças (europeia e africana), tal situação provocou uma mestiçagem cultural mais ou menos harmoniosa e diversificada onde as contribuições de uns não se sobrepõem às dos outros, dando origem à universalidade dos seus padrões cultural e comportamental, sem contudo abafar a sua identidade própria e especifica.. Temos igualmente presentes a grande influência desempenhada pela Igreja católica no seio das populações, base da religiosidade cabo-verdiana, se bem que persistam aspectos do sincretismo religioso em alguns aspectos da nossa cultura. Nem se pode esquecer também a língua cabo-verdiana, ela ainda produto do cruzamento de culturas, que nasceu bastante cedo em Cabo Verde de tal modo que, na segunda metade do século XVII, já era utilizada na catequese de escravos que para ali iam e é hoje língua materna e nacional, falada por todos os cabo-verdianos sem excepção. Como diria António Carreira, “o catolicismo imperante nas ilhas desde tempos remotos, com todo o seu sincretismo, a língua falada, os hábitos e os comportamentos sociais, a ausência de divisões ou compartimentações étnicas de qualquer tipo, constituem os grandes elos de unidade que identificam o Cabo-verdiano”11 Portanto, paradoxalmente, a contrariar a dispersão geográfica, o fenómeno nacional em Cabo Verde, onde a Nação precedeu o Estado, é algo que merece realce por se tratar de um fenómeno raro em África.* E a primeira questão que, desde já, pode surgir é a partir de quando podemos falar da existência da Nação cabo-verdiana. Para tal pergunta, no entanto, não dispomos de uma resposta definitiva... Em nosso entender e dentro desta perspectiva, o século XVII constitui para Cabo Verde um século de viragem. Com efeito, face ao abandono provocado pela decadência económica, é durante este período que os vários ele98 mentos constitutivos da cultura cabo-verdiana começam a ganhar forma, a ter um corpo próprio, autónomo. Os séculos subsequentes serviriam para melhor alicerçar esses elementos, dando-lhes maior coesão e unidade. Verifica-se também que a estruturação da cultura cabo-verdiana tem o seu inicio ou é marcada pela quase ausência física do elemento europeu (numericamente muito pouco expressivo). Tal situação permanecerá praticamente até aos finais do século XIX ou mesmo durante todo o 1º quartel do século XX. Por isso, no grande caldeirão em que a cultura de Cabo Verde foi preparada, o século XVII merece uma referência especial. Possivelmente, só a partir dessa altura as pessoas livres começaram a sentir as ilhas como a sua própria terra. O tempo se encarregou de enraizar na mente dos habitantes permanentes tal herança. Daí, unidos na desdita, também ela factor aglutinador dos habitantes, o apego muito especial do cabo-verdiano à sua terra natal. Se do ponto de vista material ou físico, quase nada o pode ligar ao seu torrão, dada a pobreza do meio, de uma perspectiva psicológica, no entanto, é completamente diferente. Na história da formação da Nação cabo-verdiana foi extremamente importante o papel desempenhado pelo mestiço, nado e criado nas ilhas. A razão de ser deste facto deve ser buscada nas diversas vicissitudes históricas que orientaram e definiram a colonização das ilhas. Terra pobre e sem grandes atractivos económicos que pudessem aliciar os potenciais colonos, os brancos reinóis sempre puseram sérias reservas em para lá irem. A recusa do branco reinol em ir para o arquipélago explica, em grande parte, a razão de ser da Carta Régia de 1466, verdadeira Carta de Foral dada aos moradores de Santiago, que iria proporcionar o rápido povoamento de Santiago e Fogo. Iniciada a colonização dessas duas ilhas, seria ainda o africano da costa fronteira e posteriormente o mestiço, produto do cruzamento do branco com a escrava negra, os verdadeiros motores da colonização cabo-verdiana. Quer dizer, o mulato cabo-verdiano cedo arcou com a responsabilidade da colonização das ilhas e também teve que assumir, e Portugal a isso anuiu, na ausência do branco, a administração das coisas de Cabo Verde. Podemos, pois, afirmar que, já a partir do século XVII, Cabo Verde, dentro dos circunstancialismos históricos mais 99 diversos que o têm rodeado (secas, fomes, sistema económico-social da escravatura, pirataria, esquecimento a que foi votado, entre outros factores) tem sido obra de cabo-verdianos. Na verdade, o que apercebemos da história do arquipélago autoriza tal conclusão. Compreende-se, pois, a supremacia do mestiço, do mulato, na sociedade e na formação social cabo-verdianas. Aliás, tal como defende Gabriel Mariano, o que comprova a nossa asserção, diferentemente do que sucedeu nos outros territórios colonizados por portugueses, em Cabo Verde “foram os negros e os mulatos os responsáveis directos na estruturação da sociedade”12. Por outro lado, numa sociedade patriarcal como foi a cabo-verdiana, onde imperou por muito tempo a monocultura da cana sacarina e do algodão, grandes consumidores de mão-de-obra escrava, o papel do meio físico e geográfico, a quase ausência do branco reinol, como elemento primordial de aglutinação social, levaram à democratização da sociedade, à horizontalidade (embora com as suas variantes) social, onde ao mestiço “não molestavam os complexos de inferioridade”. As razões que temos vindo a expender explicam, de algum modo, a ausência de racismo no meio social de Cabo Verde. Ali, o económico será, desde cedo, factor de promoção social, de “brancalização”. Assim se compreende que negros, pelo simples facto de usarem sapatos, sejam tomados por brancos (século XVIII). Não será, por isso, a coloração cutânea que definirá o status social, mas a situação económica de cada um, com todas as contradições que a ideia enferma. Mas é, também, em grande parte, à escravatura e à sua persistência ao longo dos séculos, que devemos parte significativa da nossa especificidade, a nossa identidade. Sem ela, as nossas características, enquanto povo, seriam bem mais semelhantes às dos restantes arquipélagos que formam a Macaronésia, como sejam as Canárias, os Açores e a Madeira. Em todos eles foram introduzidos escravos, que acompanhavam sempre a produção da cana sacarina. Diluíram-se, no entanto, completamente no seio da população branca e não há memória que tenham marcado as suas sociedades. Mesmo em Portugal, cuja Lisboa quinhentista apresentava 10% de população negra, onde a mão-de-obra escrava persistiu até 1763, essa população diluiu-se completamente. 100 Portanto, a cabo-verdianidade, de que tanto falamos e que tanto orgulho nos suscita, tem a marca indelével do negro africano, na sua condição degradante de escravo, dentro do qual abafaram muitas das suas melhores tendências criadoras e normais para se acentuarem outras artificiais e até mórbidas. Não se pode, pois, negar, nem esconder as influências negro-africanas na nossa cultura. Como foram muitas e diversas as etnias que participaram nesse processo, ao todo devem ter entrado nas ilhas, vindos dos Rios da Guiné, como escravos, cerca de 27 grupos étnicos e alguns subgrupos, o difícil é identificar quem é quem nesse mosaico cultural que somos. Porém, o facto de Cabo Verde ser hoje um nação mestiça, de raça e de cultura, não é isento de escolhos. A dificuldade em encontrar uma tipologia capaz de definir e identificar, claramente, os cabo-verdianos é motivo para alguma incompreensão e mesmo para alguma desconfiança. A navegar entre a incompreensão de uns e a desconfiança de outros, situação provocada. pelo seu visível hibridismo cultural e étnico, o cabo-verdiano não pode senão assumir plenamente a sua história. Logo, assumir a cultura na verdadeira dimensão e complexidade, já que a sua identidade é compósita, constituída por pertenças múltiplas, mas não uma justaposição de pertenças autónomas. Como diz Amin Maalouf, escritor libanês de renome internacional, a identidade “é um desenho sobre uma pele esticada; se se tocar numa das pertenças, é toda a pessoa que vibra”.13 Resumindo A ocupação do espaço arquipelágico cabo-verdiano, pertencente ao chamado grupo da Macaronésia, que inclui também os arquipélagos da Madeira, Açores e Canárias, fez-se segundo a circunstância de as ilhas se encontrarem desertas, por ocasião do seu descobrimento, seguindo o modelo de então, já experimentado pelos portugueses na Madeira e nos Açores, que era o das Capitanias-Donatarias. A primeira fase da ocupação aconteceu em 1462, cerca de dois anos depois da descoberta, com italianos e portugueses, mas manteve-se ténue até 1466, data a partir da qual o rei Afonso V, reconhecendo a importância geo-estratégica das ilhas de Cabo Verde, para aliciar colonos brancos, abriu mão do monopólio do comércio escravocrata nos chamados “Rios de Guiné”, área geográfica actual com101 preendida entre o norte do Senegal e o norte da Serra Leoa, englobando, por isso, para além daquele país, a Gâmbia, a Guiné-Conacry e a Guiné-Bissau. Com o incremento do povoamento, Cabo Verde vai-se transformar numa espécie de placa giratória da navegação Atlântica, devido à sua localização geográfica, entre os Continentes Europeu, Africano e Americano. Tornou-se também num centro redistribuidor de escravos, primeiro para a Europa, depois para o Brasil e as Caraíbas. Do mesmo modo, funcionou como uma espécie de estação de experimentação, nos trópicos, de homens, plantas e animais, no dizer de Orlando Ribeiro, desempenhando um papel de primeiro plano no processo da universalização iniciado por portugueses e espanhóis. O sistema escravocrata introduzido na ocupação do espaço cabo-verdiano, a ausência da mulher branca desse processo, acabou por conceder feição própria à paisagem humana em Cabo Verde, onde a miscegenação foi e é a sua imagem de marca. Terra pobre e praticamente sem recursos naturais, a tarefa da colonização das nossas ilhas acabou por ficar sobre os ombros do mestiço, produto do cruzamento do colono branco e da escrava negra. O abandono e o ostracismo a que as ilhas foram votadas desde cedo, a supremacia do mestiço na sociedade em Cabo Verde e o peso social da escravatura e do escravo na formação social cabo-verdiana, onde entraram, no decurso dos séculos, cerca de vinte e seis etnias diferentes, a contrariar a dispersão geográfica, caldeou, paradoxalmente, o nascimento de uma nova cultura e marcou a nossa diferença relativamente aos restantes elementos do grupo Macaronésia a que pertencemos. Ganhámos, assim, identidade própria, com novos elementos agregadores, resultantes da amálgama cultural entre brancos e negros que se processou no transcurso dos séculos. Cabo Verde transformou-se, desde modo, no que é caso muito raro, senão único em África, numa Nação antes de ser Estado. Quer dizer, ao contrário do que normalmente acontece no nosso Continente, em que cabe ao Estado a árdua tarefa da construção da Nação, em Cabo Verde, o Estado é, ao fim e ao cabo, reivindicação e corporização da Nação pré-existente, consubstanciados, por exemplo, no Nativismo dos finais do século XIX, no Movimento Claridoso, iniciado na década de 30 do século XX e, finalmente, na luta pela independência nacional, conseguida a 5 de Julho de 1975. 102 Essa realidade não é de somenos. Ela é de relevância transcendente e muito particular. Na verdade, pensar um país em que o seu substrato populacional se revê num projecto nacional que é de todos, porque pertencente a um mesmo substrato cultural, constitui em si mesmo uma mais-valia de grande peso, por isso mesmo de capital importância. Sem embargo das nossas diferenças e especificidades, relativamente aos restantes países africanos, tal não deve constituir argumento de exclusão, antes pelo contrário. De facto, é na nossa diversidade cultural, que bebeu em muitas fontes, que está a riqueza de Cabo Verde. Porque as nossas raízes culturais são múltiplas, devemos, precisamente por isso, ter uma política de inclusão e não de exclusão, já que a nossa proximidade em relação aos outros e o processo de integração se tornam bem mais fáceis. Deve, todavia, alertar-se para algumas perigosas falácias, que nos podem induzir em grave erro de perspectiva. Refiro-me, naturalmente, à ideia generalizada de que existe unicidade cultural em África como na Europa, o que não corresponde, de modo algum, à verdade. Essa ideia feita e transmitida vem fazendo escola no seio da sociedade cabo-verdiana e constitui um grave entrave no caminho da nossa identificação como africanos, num mundo em integração, onde o isolamento pode ser a nossa morte enquanto país com referências próprias. Assim, permanecer na nossa ambiguidade cultural, poderá ter consequências cujo alcance não estamos ainda em condições de poder medir, mas que terá, certamente, os seus limites a médio e longo prazos. Extravasando Dizia que a integração é uma das características fundamentais do mundo de hoje. Essa realidade é inelutável e irreversível. Como país africano, pequeno, arquipélago, saheliano, a integração de Cabo Verde na nossa sub-região e no Continente é não somente uma necessidade, como também um imperativo estratégico. Não nos podemos desenvolver no quadro da exiguidade do mercado cabo-verdiano. A nossa identificação deve ser assumida sem qualquer tipo de ambiguidade, seja ela sociológica ou cultural, tanto mais que não existe nenhuma ambiguidade política quanto à nossa pertença ao lote de países africanos como membros da ONU, UA, CEDEAO, PALOP. 103 Mas essa integração não pode, não deve ser considerada excludente, quer dizer, ser a única possível, em detrimento de outras possibilidades, que se podem equacionar ou desenvolver em outros espaços geo-políticos ou geo-económicos. Daí também o nosso envolvimento com a CPLP, Macaronésia e alguns mais que vierem a perfilar-se. A inexistência de recursos exploráveis no solo cabo-verdiano e o défice de financiamento do nosso desenvolvimento obriga-nos a um realismo político muito grande, a um enorme pragmatismo na identificação dos nossos parceiros e na mobilização dos meios necessários ao desenvolvimento do país, capitalizando tudo o que for possível capitalizar, como por exemplo, a nossa boa imagem externa e a nossa credibilidade internacional, como país sério na forma como gere os recursos postos à disposição, e útil no concerto das Nações. Tudo isso é possível, graças a nossa diferença e diferenciação positiva no contexto africano, marcado, infelizmente, por uma imagem de descrédito, desconfiança, má gestão, corrupção, conflitos mortíferos, entre outros. E é neste quadro que nos destacamos. E não nos deixemos enganar, que a diferença não significa exclusão, até porque África não é um conjunto uniforme, onde tudo se iguala ou se nivela, como a Europa também não o é, ao contrário do que nos querem fazer crer. Concluindo Quer nos parecer que os homens de quatrocentos, de forma alguma, tinham a exacta consciência de que estavam a transformar uma época, mormente que estavam a preparar a unificação do mundo. O fenómeno nacional em Cabo Verde, por exemplo, é um acaso da história. Aconteceu em circunstâncias que os homens não podiam, de nenhum modo, controlar. Nesse sentido, tal como dizia o poeta e ensaísta Gabriel Mariano, e estou a citar de memória, “a Nação cabo-verdiana foi um tiro que saiu pela culatra do colonialismo português”. Seja como for, a diferença que marca o homem do passado e o do presente é que hoje ele tem a consciência de que está a fazer história. E se não pode, por isso, corrigir os erros do passado, pode ao menos evitar os do presente, sobretudo quando estes podem, eventualmente, comprometer o futuro da humanidade. 104 A unificação do mundo, ou menos eufemisticamente, a sua ocidentalização é uma constatação difícil de refutar. Mas trata-se de uma medalha com dois versos. Se bem que alguém já tenha afirmado que o homem é incorrigível, mister se torna manter a esperança de que o mundo de amanhã será, necessariamente, mais solidário e menos egoísta. Não se pode continuar eternamente numa situação de troca desigual entre os países industrializados e os menos avançados. Se os homens nascem livres e iguais, não vivem todos, porém, a vida livremente e em igualdade, já que a dignidade da pessoa humana se encontra, muito frequentemente, em causa entre a esmagadora maioria de países do mundo. Por isso, fazer política hoje deve traduzir-se num exercício de construção de pilares para uma sociedade que, tendo por base as gritantes desigualdades existentes, tenha por objectivo vencê-las. Praia, 7 de Janeiro de 2003 BIBLIOGRAFIA BARCELOS, Cristiano José de Sena – “Subsídios para a história de Cabo Verde e Guiné”, Parte I, Tipografia da Academia Real das Ciências de Lisboa, 1899. BRÁSIO, Padre António – “Monumenta Missionária Africana” (África Ocidental), 2ª série, Vol. I (1342-1499), A.G.U., Lisboa, 1958. – “Evangilização Ultramarina”, In Dicionário da História de Portugal – CARREIRA, António, Apresentação, Notas e Comentários – “Notícia Corográfica e Cronológica do Bispado de Cabo Verde”, Edição do Instituto Caboverdeano do Livros, Lisboa, 1985. MARIANO, Gabriel – Do funco ao sobrado ou o mundo que o mulato criou”, In Colóquios Cabo-verdianos, nº 22, de Estudos de Ciências Políticas e Sociais, Lisboa, 1959. MAALOUF, Amin – “As Identidades Assassinas”, 2ª Edição, DIFEL, Lisboa, 2002. PEREIRA, Daniel A. & Tomé Varela da Silva – “Condicionalismos histórico-culturais da formação da Nação cabo-verdiana”, In A Construção da Nação em África-Os Exemplos de Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e S. Tomé e Príncipe”, INEP, Bissau, 1989. – “Ribeira Grande de Santiago – uma nascente”, Comunicação à III Bienal do Livro e da Cultura dos Países Africanos de Língua Portuguesa, Praia, Outubro/99 (Dactilografado). PEREIRA, Duarte Pacheco – Esmeraldo de Situ Orbis”, por R. Mauny, Memória, nº 19, do CEGP, Bissau, 1956. RIBEIRO, Orlando – “A Ilha do Fogo e as suas erupções”, Memória da série Geográfica, J.I.U., Lisboa, 1964. – “Aspectos e Problemas da Expansão Portuguesa”. – “Primórdios da ocupação das ilhas de Cabo Verde”, In Studia, vol. X, 1962. 105 Notas (1) Brásio, P.e António - “Monumenta...”, 2ª série, vol. I, Doc. 56. (2) Barcelos, Senna - “Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné’’, Parte I. (3) Lembramos que quando os primeiros franciscanos chegaram a Santiago (1466), acharam a terra “... destituída de povos, exceptuando alguns genovezes, que mais tratavam de colher algodão pelo mato”. Barcelos, “Subsidíos...”, Parte I, p. 28. (4) Ribeiro, Orlando - “A ilha do Fogo e as suas Erupções”, p. 85. (5) “Esmeraldo de Situ Orbis” p. 102. (6) “Aspectos e Problemas da Expansão Portuguesa”, p. 142. (7) “Primórdios da Ocupação das Ilhas de Cabo Verde”. (8) Brásio, P.e, “Evangelização Ultramarina”, D.H.P., vol. II. p. 141, coluna 2. (9) Idem, Ibidem, p. 143, coluna 1. (10) Pereira, Daniel A., “Ribeira Grande de Santiago – uma nascente” (11) “Notícia Corográfica do Bispado de Cabo Verde...”, Apresentação, notas e comentários por, pp. 11-12. * ”A história e cultura são os dois elementos mais importantes da coesão e da unidade nacional. Todavia, história e cultura constroem-se, produzem-se no dia a dia da vivência de uma determinada comunidade. Naturalmente que existem, ou acontecem, certas condições que influenciam decisivamente o percurso de uma dada comunidade. Quando de tais condições resulta algo que identifica todo um conjunto socio cultural, porque a marca do tempo se encarregou de solidificar e estruturar esse algo, passando a constituir uma herança (património) com a qual todos se identificam e na qual todos se projectam, então temos Nação. Nem sempre, no entanto, a consciência desse facto se encontra desperta. Com efeito, no caso cabo-verdiano, podemos dizer que durante séculos Cabo Verde foi Nação antes de ser Estado. Tal situação que aparentemente parece ser contraditória não o é de facto, na medida em que, nas condições históricas em que a Nação cabo-verdiana se formou e que perduraram durante séculos, não era possível que ela se projectasse e se transformasse em Estado soberano e independente. Para que tal acontecesse seria preciso esperar pelo século XX”. (Daniel A. Pereira & Tomé Varela Silva, Condicionalismos histórico-culturais da formação da Nação cabo-verdiana, in “A Construção da Nação em África, Os exemplos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e S. Tomé e Príncipe”, INEP, 1989, pp. 171-187. (12) “Do funco ao sobrado ou o mundo que o mulato criou”. (13) “As Identidades Assassinas”, 2ª Edição, p. 36. 106 OUMAR SANKHARE Département de Lettres Classiques Université Cheikh Anta Diop de Dakar (Sénégal) La culture gréco-latine dans l’œuvre de Léopold Sédar Senghor «Mère, respire dans cette chambre peuplée de Latins et de Grecs l’odeur des victimes vespérales de mon cœur». Ce verset d’Hosties Noires nous plonge d’emblée au cœur même des humanités gréco-latines où le poète nègre s’est abreuvé. L’agrégé de grammaire, professeur de lettres classiques, a toujours éprouvé un fol amour pour le latin et le grec. Son couvre entière respire ce parfum antique de la Grèce et de Rome. Aussi voudrions-nous souligner les raisons de cette passion avant d’examiner l’influence que les anciens ont exercée sur son activité politique et son couvre poétique. 1. Le goût des humanités gréco-latines Pour Senghor, le latin est à la source de nombreuses langues européennes dites langues romanes comme l’italien, le roumain, le portugais, l’espagnol, le français. Étudier le latin, c’est donc acquérir du vocabulaire et perfectionner sa syntaxe française. Naturellement, le théoricien de la francophonie ne pouvait pas être insensible à ces qualités grammaticales que procure l’apprentissage du latin. De plus, l’esprit de rigueur, le goût de l’effort et de la persévérance, l’organisation et la méthode sont des atouts importants qui ne peuvent être acquis qu’à travers le latin et le grec. Ce sont en outre des langues dans lesquelles sont écrits de nombreux textes sur l’histoire de l’Afrique. Homère évoque dans l’Odyssée les Éthiopiens qui sont un peuple très hospitalier. Hérodote nous peint la riche civilisation de l’Égypte ancienne dans ses Enquêtes. Le géographe Strabon nous décrit les pays et les hommes du continent noir. La latin et le grec sont également les langues d’auteurs africains comme Térence, Saint-Augustin, Tertullien. 107 Il est donc possible de dire que les langues classiques sont des vecteurs de la culture africaine. En témoigne le Révérend père Mveng, auteur des Sources grecques de l‘historie africaine, d’Homère à Strabon. 2. L’homme politique Durant son mandat à la tête de l’État sénégalais, il a toujours considéré l’éducation nationale comme l’élément moteur du développement. Par décret présidentiel, il avait rendu le latin obligatoire en sixième et avait autorisé l’expérimentation de la nouvelle méthode Africanè latine discunt qui constituait une nouvelle pédagogie pour l’enseignement du latin en Afrique. Aussi, dans tous les ordres d’enseignement, les latinistes jouissaient de nombreuses faveurs et des bourses entières leur étaient accordées soit au Sénégal, soit à l’étranger. Les lauréats qui étaient primes en latin et en grec au Concours Général et ceux qui réussissaient dans les disciplines classiques faisaient l’objet d’une attention particulière auprès du Chef de l’État. C’est du reste luimême qui était le président d’honneur de l’Association des Professeurs de Lettres Classiques. Cet amour du latin a culminé avec l’invitation qu’il avait adressée aux membres de l’Academia latinitatis inter omnes gentes fovendae de venir tenir leur congrès à Dakar, en 1977. A cette occasion, il présenta une brillante communication où il démontrait la place privilégiée que les Anciens Latins accordaient aux Africains aussi bien sur le continent noir qu’à Rome même. On le voit, Senghor n’a eu de cesse de développer et de promouvoir l’enseignement du latin au Sénégal. 3. Le président-poète Quant à sa poésie, elle s’inspire particulièrement des auteurs anciens. Senghor nourrit un fol amour pour les filles d’Homère. Cette passion apparaît tantôt dans le goût du poète pour les épithètes homériques et les comparaisons empruntées aux éléments de la nature, tantôt dans l’usage d’expressions épiques tantôt dans l’invocation des Muses. La descente aux enfers de l’Elégie pour Martin Luther King demeure assurément la manifestation la plus éclatante du souffle homérique. Inspirée du Chant XI de l’Odyssée, 108 cette évocation des morts se situe comme chez Homère au coeur même des Élégies Majeures. Le poète s’y rend dans l’au-delà en suivant la voie que lui indique la voix. De même, Ulysse se laisse guider par les conseils de la magicienne Circé à la porte de l’Hadès. Le même climat infernal dans lequel baignent l’Odyssée et les Élégies Majeures caractérise l’Énéide de Virgile. Au Chant VI de l’épopée virgilienne, Énée accompagné de la Sibylle de Cumes, gagne les Enfers pour rendre visite à son père Anchise. Il contemple la glorieuse postérité de la Rome future, de Romulus jusqu’aux 2 Marcellus, de même que Senghor voit défiler les âmes des grands hommes de l’Amérique, de Georges Washington aux deux Kennedy. Surgissent aussi dans la même laisse des réminiscences platoniciennes sur l’âme qui se sépare du corps à la mort pour quitter le Monde Sensible et s’élever vers le Monde intelligible. «Son âme s’envolait, colombe diaphane qui monte». Dans le poème consacré à Carthage, l’auteur, tout au long de la seconde strophe, réécrit le Chant VI de l ’Énéide qui évoque les amours fatales d’Enée et de Didon. Énée, le «dieu blanc» que cette reine de Carthage avait préféré à la sombre splendeur de l’Africain larbas, fils de Garamantis, se montra infidèle. Il abandonna Didon en prétextant la mission que lui avaient confiée les dieux aryens d’aller fonder Rome. Le suicide auquel l’amoureuse trahie se livra a mué le chant de sa douleur en un chant de deuil. Quant à la troisième partition de l’Élégie pour Carthage, elle porte la marque de TiteLive. L’oeuvre de cet historien latin développe longuement les trois guerres qui ont opposé Rome et Carthage, et. que les poètes considèrent comme l’accomplissement des imprécations de Didon contre la descendance d’Enée, à savoir les Romains. Tite-Live célèbre avec magnificence le général africain Hannibal, fils d’Hamilcar Barca, qui «fut bien prêt de crouler la puissance du Nord». Ce héros sombre et sans ombre succomba vaillamment à l’impérialisme romain. C’est la figure de Salluste qui se profile dans la strophe VI consacrée à Jugurtha. L’écrivain a en effet relaté les péripéties de «la guerre que le peuple romain mena contre Jugurta, le roi des Numides» le héros à la vision puissante d’une Numidie bien numide. La mythologie grecque réapparaît dans l’Elégie pour Philippe Maguilen Senghor qui constitue un chant funèbre à la mémoire du dernier fils du poète. Après la description idyllique du bonheur que distillait la présence de l’enfant, le 109 poème dépeint le choc ressenti par les parents à l’annonce du drame. Alors retentit ce douloureux gémissement du père qui rappelle à la mère «Et fleur vaporeuse soudain tu tombas dans mes bras Et lianes nous enlacions l’enfant de l’amour, absent et beau comme Zeus l’Éthiopien». Zeus l’Éthiopien traduit en effet la formule grecque Zeus Aïthiops que le poète Lycophron utilise pour qualifier le dieu vénéré à Chios. Toutefois, cette épithète polysémique est susceptible de multiples interprétations. Le terme ethnique Azthiops désignait chez les Grecs l’homme noir dont la peau semble être brûlée par le soleil à cause de sa proximité. Le qualificatif s’expliquerait par le fait que le dieu consumé sans cesse par la foudre qui est son attribut avait fini par ressembler à un nègre. Par ailleurs, de ce vocable, il existe un paronyme homérique, Aïthops, qui signifie «à l’aspect brûlé». A la suite d’une confusion entre ces deux adjectifs, l’expression rapprocherait la fulguration de Zeus et la couleur sombre du noir. On comprend donc aisément pourquoi Senghor, le théoricien de la négritude, a été tout naturellement amené à employer cette dénomination si flatteuse pour la race noire. Qui plus est, les dieux grecs avaient tissé de profondes relations avec les Éthiopiens. Le pays apparaissait comme une terre d’abondance où Zeus était souvent invité pour des banquets. En définitive, la culture classique constitue le terreau dans lequel s’informe l’écriture senghorienne. Les multiples références à la littérature et à la mythologie anciennes, tout en conférant à l’œuvre une facture savante, illustre d’une manière éclatante le thème de la Civilisation de l’Universel. 110 ELVIRA AZEVEDO MEA Centro de Estudos Africanos, Universidade do Porto (Portugal) Abolição do tráfego de escravos: a comissão luso-britânica da Boa Vista um Humanismo peculiar No dealbar do século XIX a questão do abolicionismo caiu em Portugal como uma bomba relógio, que, apesar de todas as pressões e consequentes atitudes de aparente aceitação, se pretendeu neutralizar ou, pelo menos, avariar ou retardar. Com efeito, até praticamente ao tratado de 1810 os portugueses estavam completamente de fora desta problemática, pelo que, mesmo a alto nível, se pensou que o compromisso era meramente teórico. Assim, em 1807, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Araújo de Azevedo, referia que não obstante a abolição ser uma questão de humanidade, o certo é que se se concretizasse seria a ruína “certa e incalculável” do Brasil, pelo que se resolvia com “melhorar o trato dos escravos no Brasil”, já que, em seu entender, os portugueses eram superiores aos outros relativamente ao transporte e tratamento dos escravos. Aquando do tratado e numa memória que o acompanhou, explicitou-se que o artigo sobre o abolicionismo era tão só “a expressão dos sentimentos humanos do... Real coração.” Na realidade o escravismo era algo há muito enraizado na sociedade portuguesa, que, não esqueçamos, no início do século XIX continuava isolada do resto da Europa, sujeita a uma censura, a braços com problemas próprios, e portanto, perfeitamente estranha à problemática do abolicionismo. Aliás, ao longo do tempo tinha-se construído toda uma série de justificações para a aceitação do escravismo, inseridas na própria cultura cristã e mesmo as vozes desgarradas que tinham pregado contra a escravatura, como o Padre António Vieira (1633), Ribeiro Sanches (1782) ou Azevedo Coutinho, bispo de Pernambuco (1808), no fim tinham encontrado razões para a situação, quer fossem de natureza religiosa, como no caso de Vieira ou na própria concepção duma África bárbara e antropófoga, 111 devoradora dos seus próprios filhos, segundo Coutinho, uma ideia comum na época aceite pelos próprios abolicionistas. Daí que o compromisso inserto no artigo 10º do tratado de amizade entre Portugal e a Inglaterra de 1810 passasse despercebido, não fosse suficientemente avaliado, como se nota nas afirmações do príncipe D. João “plenamente convencido da injustiça e da má política do comércio de escravos”, pronto, portanto, para colaborar nessa causa da humanidade “adoptando os mais eficazes meios para conseguir em toda a extensão dos seus domínios uma gradual abolição.” Manteve, porém o direito de tráfico entre as colónias africanas portuguesas. Assim, a má percepção da conjuntura continuou, apesar dos navios portugueses apresados, do descontentamento e protesto no Brasil e das contínuas e inúteis advertências do embaixador em Londres, Domingos de Sousa Coutinho, no sentido do governo dever dar mais atenção ao problema, e demonstrar colaborar minimamente com Londres, já que havia que acalmar os “filantropistas” e os fanáticos abolicionistas, sugerindo algumas medidas que demonstrassem o interesse português numa “gradual” abolição. Entre outras, o embaixador tomava [“igualmente a liberdade de observar que a referida gloriosa lei do Senhor D. Pedro II devia ser ampliada pois o número de escravos que ela consente que se embarque parece demasiado (...); a lei de Jorge III em 1789 exactamente fixava o número à metade.” Sugeria também que se estabelecesse no Brasil um imposto sobre os escravos de luxo ou urbanos. Na sua opinião, os ingleses “estariam mais dóceis se vissem que Sua Alteza dava, de seu, alguns passos para a gradual abolição; mas que, vendo que nada se fazia senão por tratado e constrangimento, isto os irritava e enfurecia. Tendo, talvez, em mente, o exemplo dos inquéritos em devido tempo efectuados pelo Parlamento britânico, Funchal sugeria que fosse dirigida “por pessoas conhecidas pela sua instrução e luzes, porque reflectiria uma grande honra ao soberano.”] Esta atitude mais de subserviência que de conciliação, sugeria cedências que não se concretizaram porque a deterioração das relações entre os dois países determinou uma ingerência cada vez maior da Inglaterra na política portuguesa, empecilhando desde o desejo de expansão brasileira para a região platina, ao projecto de união ibérica, à própria constituição dum novo governo, demasiado francófilo para os interesses britânicos. Com efeito Araújo 112 Azevedo passou para a situação oposta, adoptando uma atitude de confronto do mesmo modo prejudicial para os interesses portugueses, tanto mais que a guerra na Europa não permitia qualquer tipo de apoio internacional. O reforço da posição cimeira da Grã-Bretanha e a necessidade crescente de Portugal poder contar com o apoio da velha aliada para manter na íntegra os seus territórios determinaram novas e importantes cedências consignadas na convenção e tratado de 1815 e na convenção de 1817, onde, no primeiro caso, Portugal se comprometia a abolir o tráfico de escravos a norte do Equador, limitando-se o comércio do sul a servir única e exclusivamente as possessões portuguesas, ao mesmo tempo que em colaboração com a Inglaterra tomaria as medidas necessárias para concretizar a abolição no hemisfério norte. Em 1817, numa perspectiva ainda mais favorável para a Inglaterra, já com o Brasil elevado a reino e a crise de Montevideu, Portugal teve de ceder ainda mais, aceitando o direito de visita recíproco e a criação de duas comissões mistas, sediadas no Brasil e na Serra Leoa, para julgamento rápido e sem apelação das infracções à legislação sobre o tráfico. Portugal foi, portanto, o primeiro país a fazer cedências na sua soberania política, tanto mais quanto havia a plena consciência da impossibilidade da reciprocidade por falta de meios, ao mesmo tempo que foi pressionado para, finalmente, legislar o conteúdo do primeiro tratado, pelo que data só de 1818 um alvará em que se proibia o tráfico a norte do equador com penas pesadas para os infractores (cinco anos de degredo em Moçambique, confisco dos barcos e dos escravos). De notar que durante este período a limitação crescente de capacidade de negociação se deveu ainda à incompreensão do governo do Rio que insistia em iludir o problema quando a estratégia defendida pelo embaixador Palmela (sobrinho do embaixador Sousa Coutinho) era aproveitar a política legalista britânica e firmar rapidamente acordos exaustivos que permitissem defender o comércio lícito de escravos e a própria navegação portuguesa. Graças a Palmela Portugal foi o único a conservar um comércio lícito de escravos a sul do equador. A revolução liberal e a independência do Brasil modificaram muita coisa, a começar pela política abolicionista inglesa, que tendo-se dado conta do impasse em que caíra, procurava novas soluções, dificultadas pelo próprio pro113 gresso económico britânico, que, nalguns casos, como na década de vinte, no Brasil e Cuba, dava apoio ao iníquo comércio através do crédito e investimento de capitais. Por seu turno a pressão do abolicionismo popular, incentivado pela acção da Anti-Slave Society exigia maior eficácia com uma Grã-Bretanha a liderar o concerto das nações para, duma vez por todas, pôr fim a uma situação vergonhosa para todos os povos civilizados.Portugal quis aproveitar a forte pressão inglesa sobre o Brasil para acabar com a comissão mista da Serra Leoa, deslocando-a para Cabo Verde, pois o sistema inglês possibilitava “o recrutamento de pretos sem despesa nem incómodo”, canalizando assim os escravos libertos dos apresamentos para o arquipélago, sempre falho de gente, provavelmente também tentando dar uma certa visibilidade aos seus comissários que na Serra Leoa nunca participavam nas decisões e julgamentos. Por outro lado o Brasil independente anulava a excepção portuguesa no comércio de escravos no hemisfério sul, situação que Palmela quis evitar a todo o custo, alegando, primeiro, que isso seria uma aceitação tácita da independência do Brasil, depois, que sendo manifestamente prejudicial à economia brasileira, poderia provocar retaliações nos portugueses lá residentes. Por estas e outras razões foi-se avolumando a ideia do toleracionismo sobre o abolicionismo, a que não foi alheia a questão do novo interesse pelas colónias africanas portuguesas, como S. Tomé, onde a mão-de-obra escrava era imprescindível, ou os casos de Angola e Moçambique, cujos maiores rendimentos provinham dos direitos de exportação de escravos. Do mesmo modo era cada vez mais aceite a concepção de que, dado o carácter intrinsecamente bárbaro dos africanos, o tráfico de escravos era, afinal um mal menor. Com o aumento do tráfego negreiro para o Brasil, a partir dos anos vinte, é óbvio que Portugal foi de novo o centro do antagonismo abolicionista, até porque se sabia que os grandes negreiros que operavam no Brasil eram portugueses, a começar pelo próprio cônsul, João Baptista Nogueira, sendo, naturalmente também, o pavilhão português o mais hasteado nos tumbeiros em curso. Estabilizado o regime liberal, o governo inglês iniciou toda uma ofensiva diplomática para acabar com a situação, cabendo aos setembristas fazer tudo o que foi possível para demonstrar aquiescência e colaboração de modo a não mudar nada ou quase nada. Tornava-se urgente uma nova 114 legislação seguida duma execução real, que foi sendo adiada em função das mudanças governamentais constantes e da tradicional divergência de perspectivas entre os ministérios da Marinha e dos Negócios Estrangeiros. Em Dezembro de 1836 foi aprovado o decreto do ministro Sá da Bandeira, em que se consignava a proibição de exportação de escravos em todos os territórios portugueses, muito aquém do projecto apresentado enquanto deputado, todavia, dados estes antecedentes, incluindo a sua passagem pelo ministério da Marinha, parecia um bom ponto de partida para um tratado. Todavia as expectativas britânicas não se concretizaram, pois Sá da Bandeira apresentou um contraprojecto onde se pretendia acabar com as comissões mistas, cabendo apenas às instituições jurídicas portuguesas o julgamento de infracções, limitar o âmbito do anterior direito de visita, canalizar os escravos libertos para possessões portuguesas, não deixando qualquer margem a modificações. Via-se claramente que Sá da Bandeira queria que a abolição do tráfico e sua repressão dependesse única e exclusivamente de Portugal, sem intervenção de terceiros, nomeadamente da interferência inglesa. Iniciou-se então todo um moroso processo entre a Inglaterra e Portugal, um diálogo de surdos, ou melhor, como o designou o marquês de Fronteira “um negócio embrulhado” em que Sá da Bandeira seguiu uma política imediatista, aos ziguezagues, de molde a não adiantar muito, dados os custos políticos que o pretenso tratado acarretaria. Na fina análise do especialista João Pedro Marques: “Ao tomar a iniciativa de abolir “espontaneamente” o tráfico de escravos em Dezembro de 1836, o ministro português procurara escapar à pressão britânica através de uma fuga para a frente, mas a inoperância dessa fuga, realizada sem verdadeiro suporte político, expusera-o – e ao país, que o não seguira – a pressões britânicas redobradas. Sá da Bandeira estava agora praticamente emparedado entre o quase ultimatum de Palmerston, o seu desejo de proceder a uma supressão controlada e a resistência de uma parte significativa dos seus apoiantes políticos. Não foi, portanto, apenas a pressão dos traficantes que obstou à assinatura do tratado. Foi a pressão deses traficantes, mais a dos anti-britânicos e a dos toleracionistas, uma coligação de vontades (ou de más vontades) demasiado ampla para ser afrontada pelo chefe do governo setembrista. 115 Assinar o tratado equivaleria a virar conta si uma frente de antiabolicionistas activos (que manobravam na imprensa, nos clubes, na administração), de toleracionistas alarmados com a projecção fantasmática de descalabro colonial e de puros e simples anti-britânicos. Mas não assinar, e assumir frontalmente que o não faria, significava reconhecer à face do mundo que o decreto de 1836 fora um mero artifício, que não correspondia a um propósito sério de suprimir o tráfico, e conceder à Inglaterra a legitimidade para actuar por si própria contra os navios negreiros portugueses a sul do equador. A única forma de conciliar tudo – até mesmo o seu eventual e ilusório receio de perda colonial, se admitirmos a hipótese mais improvável da auto-ilusão – passava pela admissão da assinatura do convénio em termos extremamente favoráveis, isto é, na condição de obter dos Ingleses a garantia da integridade territorial das colónias e a promessa de ajuda militar por tempo indefinido, opípara concessão que apaziguaria e desarmaria a oposição toleracionista que Sá sabia existir na rua, no governo e nas Cortes. E, porque o parecer de Gomes de Oliveira, dramatizando a situação colonial, lhe fornecia o pretexto e a argumentação para se agarrar a essa última bóia de salvação política, o ministro português tê-lo-á seguido fielmente”. Apesar de se ter encetado em 1839 um certo envolvimento naval na perseguição ao comércio escravista, a decisão foi demasiado tardia, acabando a situação por escapar totalmente ao controlo português, pelo que em 1842 foi inevitável a assinatura do tratado, onde, além da abolição definitiva do tráfico de escravos (consignada no projecto inglês de 1838), o delito era considerado equivalente a pirataria, portanto sujeito à pena mais severa “imediata à de morte”, alargando-se a condenação a todos os navios que mesmo sem escravos ou equipamento para os transportar, o tivesse feito durante a viagem em que eram interceptados. Criou-se então também no âmbito do tratado a comissão mista da Boa Vista (Cabo Verde), a fim de controlar e julgar os processos instaurados aos navios apresados no tráfico da escravatura em toda a área envolvente até à zona da outra comissão mista da Serra Leoa. A comissão instalou-se solenemente em Junho de 1843, tendo como comissários, primeiro, John Rendall (cônsul britânico em Cabo Verde), depois H.W. Macauley e o capitão de fragata Ladislau Benevenuto dos Santos, sendo árbitros Charles Pettingal Esquire e o médico Hipólito José Xavier de Almeida e o secretário José António Martins. 116 Ao analisarmos algumas fontes documentais relativas a esta comissão, nomeadamente a correspondência com as autoridades locais (1843-1847), pretendemos saber qual foi o seu desempenho nas tarefas atribuídas e o seu papel na sociedade de então, sobretudo no que diz respeito à questão da escravatura. Logo de início não parece ter sido boa política fazer o cônsul Rendall acumular o cargo com o de comissário, dado que não conseguira ter boas relações com os naturais nem com as autoridades locais, como se constata da correspondência trocada, por exemplo, em 1841 com o governador geral, João de Fontes Pereira de Mello, em que o cônsul pedia satisfações pelo ultraje e humilhações sofridos pelo comandante e oficiais do brigue Fermagaut que na Praia se envolveram em desordem com a tripulação de duas escunas espanholas, que pretenderam tomar, tendo morrido um inglês. Rendall não perdeu a ocasião para um pequeno remoque relativo à inoperância do governador perante os navios usados no tráfego de escravos que passavam pela Praia. Fontes Pereira de Mello apesar de referir que se reserva “para responder ao seu contheudo quando o governo de Sua Magestade Fidellissima assim o determine”, não deixa de esclarecer a escassa informação do cônsul, visto que durante o seu mandato foram apreendidos, processados e julgados pelo tráfico negreiro, o brigue espanhol Ensaiador, a escuna espanhola Nova Constituição (falsamente sob bandeira portuguesa), a escuna Ariete apreendida no rio Bissau, o brigue americano Boxer sob suspeita não confirmada e ainda outras duas escunas espanholas que, não obstante os esforços da escuna de guerra Cabo Verde não se conseguiu interceptar. Acrescenta ainda que a comissão mista da Serra Leoa tinha declarado “haver n’estes ultimos tempos diminuido consideravelmente o tráfico da escravatura”, o que o tornava quanto ao assunto um homem despreocupado. Note-se que ainda durante esse ano de 1841 foi apresada a escuna portuguesa D. Maria II na zona de Bissau também devido à acção do governador, o que, aliás, acontece sempre, mesmo durante a existência da comissão mista anglo-lusa, como sucedeu em 1844 com a escuna brasileira Fortuna. Nesse aspecto a comissão falhou, pois mesmo havendo uma efectiva diminuição do tráfico, como vimos, não desapareceu. Na realidade e no período considerado, parece-nos que a comissão não desempenhou minimamente a 117 tarefa para que fora incumbida, pois logo de princípio, os ingleses tomaram o comando da situação, decidindo, fazendo e desfazendo sem muitas vezes darem conhecimento aos parceiros portugueses, que, pela documentação que vimos, parecem ter-se acomodado ao papel, tal como acontecia na Serra Leoa. Em conformidade com essa situação, notámos que o comissário Macauly privilegiava sempre os seus próprios assuntos, a começar pela sua comodidade, muito complicada e difícil de atingir. Ao longo de cerca de cinco anos deparámos apenas a interferência de Macauley num caso que de certo modo ultrapassava o âmbito das competências da comissão, todavia justificável pela sua gravidade. No entanto emerge também o facto de incluir alguém que se ia tornando incómodo aos interesses ingleses, António Martins. Trata-se do caso dum escravo, Boa Ventura, que parece ter morrido por maus tratos, pancada, o que leva a um ofício do comissário britânico ao governador e comandante militar da Boa Vista, o tenente coronel Joaquim Pereira da Silva, pedindo esclarecimentos acerca do assunto, tanto mais que o escravo era de António Joaquim Martins, nomeado pela comissão curador dos negros libertos , O comandante militar explicou que os boatos que circulavam acerca do escravo não correspondiam à verdade, na medida em que realmente o escravo fora castigado por ter roubado mas a sua morte não fora consequência do castigo mas acidental, como constava do documento comprovativo. Por seu turno, o curador não podia ser envolvido porque se encontrava ausente há mais de um mês. O comissário Macauly não se contentou com a resposta e voltou à carga, acentuando o facto de Boa Ventura ter sido “maltratado e açoutado á morte, sendo castigado repetidos dias em seguimento á vista de muito povo... Que o principal autor desta horrivel tragedia foi o seu proprio ajudante d’ órdem, o Sr. Eça ... na propriedade do Senhor António Joaquim Martins, o cavalheiro recentemente nomeado por nós para vigiar sobre ‘o bom tratamento permanente’ aos negros libertos locais.” Perante tudo isto, o comissário pedia oficialmente, não ao comandante militar, mas ao colega na Junta de Superintendência dos Negros Libertos para o ajudar a “obter uma rigorosa investigação de todas as circunstâncias que disserem respeito á morte do Boa Ventura, de maneira que o governo de S.M. Britanica possa possuir as 118 necessarias informações para poderem ou não confirmar a nomeação que temos feito”. Dirigindo-se à mesma pessoa, mas agora na qualidade de governador da Ilha, exige-lhe que cumpra as ordens recebidas pelo governador geral, ou seja, “prestar todo o auxilio e favor que for requisitado no exercício dos meus deveres publicos”. Como tal, deveria também informar o juiz e o procurador régio para que tomassem conhecimento judicial desse crime, assim como apurar as responsabilidades do seu ajudante de ordens que, como qualquer oficial acusado “de crimes ignomiosos á humanidade e derrogatorios á honra” devia ser julgado em conselho de guerra. Por fim, e considerando que as autoridades civis e militares negavam informação para se apurar quão responsável era o curador Martins, dono de Boa Ventura, Macaulay concluía que era seu dever mostrar ao seu governo “quão improprio é o lugar para residencia dos negros libertos, onde V.Ex.ª occupa o lugar de Governador e Comandante militar; – onde hum negro e não pela primeira vez depois da minha chegada a esta Ilha pode ser assassignado ao aberto dia sem pensarem ao menos de occultar o crime, – aonde hum official militar, encarregado da policia desta Villa, e servindo como ajudante d’Ordens de V.Exª, pode com suas proprias maos, armado com um pao grosso, derrubar o corpo d’hum negro amarrado, e conduzido pelas ruas como um boi, e então consummar a sua crueldade açoutando aquele negro á noite; – e isto sem castigo; sem emendas e sem alguma examinação dos numerosos espectadores que testemunharão a occorrencia...”. Depois desta intervenção deixou de haver diálogo, mesmo se até então era mais aparente que real, confrontando-se claramente dois pontos de vista inconciliáveis e sobretudo duas autoridades, pelo que a análise deste incidente se torna significativa e sintomática. Com efeito, através do auto do corpo do delito, verificámos que o médico que examinou o escravo castigado e depois o cadáver foi o cirurgião Hipólito Almeida, árbitro da própria comissão luso-britânica, o qual, sob juramento, asseverou que “o achou sem febre, nem outra qualquer doença, e só a parte onde levou os açoutes com pequenas sarjas; e parecia que não tinha levado mais que cento e cincoenta a duzentos açoutes; e por achar ser tão simples o estado em que achou as pizaduras, só mandou em um lado lavar com cozimento de malva e em outro untar com banha de porco ou azeite doce, e que lhe não encontrara mais pizaduras, contuzões ou feridas.” 119 O ofício de resposta do comissário militar foi contundente, começando por, de uma vez por todas, explicitar ser indubitável que se o curador dos escravos libertos e dono do Boa Ventura, o senhor António Martins, estava ausente, nada tinha a ver com o sucedido; a questão competia à autoridade judicial, pelo que, o que se punha em causa era o tipo de interferência do comissário britânico: “Estou bem certo que a interferencia a que V.Sª. se propõe no presente cazo é devida a um sentimento philantropico que manifesta, e não a posição em que se acha na qualidade de membro da Junta da Superintendencia dos Negros libertos, porquanto, esta Junta nenhuma authoridade exerce sobre os escravos que são propriedade dos subditos de Sua Magestade Fidelissima.” No mesmo tom, precisava que o auxílio a que estava obrigado se reportava apenas ao conteúdo do tratado de 1842, para além de que, o alferes Eça não exercia as funções que lhe atribuíra Macaulay, pelo que seria julgado conforme as leis a que estava sujeito, sublinhando que “ninguem pode ser condamnado sem ser ouvido ou convencido do crime”. O comissário britânico não desiste, pondo a questão e a responsabilidade nas mãos do Governador Geral, afirmando que: “He direito que eu diga francamente que é impossivel esperar justiça, se o andamento da inquirição e a escolha e exame das testemunhas foi inteiramente deixado nas mãos do Juiz Ordinario e Delegado do Procurador Regio, os quais já se accometterão na espantosa decizão de diserem que a morte de Boa Ventura foi precedida de uma extraordinaria constipação”. Macaulay enfatiza particularmente a responsabilidade moral do curador dos escravos libertos, já que “a condição do individuo assim injuriado, se branco ou preto, captivo ou livre, não fas differença respectivamente a este dever, o qual é importante sobre nós pela situação que o Senhor Martins tem por nossa nomeação”. Não sabemos qual o desfecho, mas não deixa de ser curioso o facto de nunca se mencionar o árbitro da comissão, o médico Hipólito de Ameida, o responsável, como vimos, pelo estado de saúde do preso e pelo veredicto de morte. Por outro lado o incidente diz-nos muito acerca da situação dos escravos em Cabo Verde e sobretudo da mentalidade geral acerca deles. Um outro incidente marcou a correspondência da comissão mista durante este período, comissão mista que, no que toca à correspondência, é única e exclusivamente britânica. 120 Em 17 de Março de 1845 chegou à Ilha da Boa Vista a corveta inglesa “Growler”, tendo-se deslocado a bordo o comissário Macaulay no escaler da comissão; como o mar estava picado levou para terra o comandante da corveta, Buckle, com a respectiva bagagem e mais uns caixotes, que foram apreendidos na Alfândega, incluindo o escaler. Mediante o pagamento dos direitos exigidos, foi restituída uma cesta porque tinha fruta fresca, assim como, já no dia seguinte, a bagagem do capitão, pois a acostagem dera-se depois do sol posto. E tudo começou exactamente pela concepção de sol posto, visto que, segundo o regulamento das alfândegas do arquipélago, desde o pôr do sol até ao amanhecer eram considerados perdidos todos os produtos embarcados ou desembarcados que não tivessem o correspondente despacho aduaneiro. Segundo o comissário, o escaler deveria ser de imediato restituído (até porque estava mal fundeado) visto pertencer ao serviço público da comissão, para além de que tinham sido apreendidas caixas com documentação oficial secreta e três pequenas caixas, sem valor, prenda do capitão de que, portanto, não podia ter pedido licença; e de modo nenhum o sol se tinha posto, era apenas uma tarde coberta de nuvens, como o podia provar o cônsul que os esperava no cais. Após troca de ofícios um tanto acerbos, o director interino da Alfândega, Félix José da Costa, agastado, mas reiterando a legalidade da situação, remeteu o assunto para a Junta da Fazenda. De seguida o comissário Macaulay apresentou outras razões, ligadas ao facto das leis invocadas não serem válidas para os navios de guerra, insistindo nos volumes com ofícios dirigidos ao serviço público do cônsul e dos comissários britânicos, que não podiam ser examinados ou detidos e o facto de terem examinado e retido a mala do capitão Buckle. Macaulay queixou-se então ao governador geral, brigadeiro Francisco de Paula Bastos, o qual se limita a confirmar a legalidade do sucedido, visto que o escaler desembarcara artigos proibidos. Entretanto, o director da Alfândega, António Augusto Sequeira Thedim, regressado à Boa Vista, encarrega-se do assunto, informando, sem rodeios, que as caixas sem valor que o comissário tanto insistia por reaver, continham champagne, o que era proibido. O relatório enviado então ao Governador Geral pelos 121 comissários britânicos da Boa Vista, incluindo cópias traduzidas de alguns ofícios, apresenta o assunto como “o grave insulto offerecido á Marinha Britânica pelo tratamento que o capitão Buckle recebeu na Alfandega tendo sido já representado por este official ao Comandante da Esquadra Britanica na Costa Occidental d’Africa, não teríamos feito allusão a esta perfeitamente independente queixa, senão para mostrar o que a dirigido todos os procedimentos d’Alfandega neste negocio do principio ao ultimo. A detenção durante quinze horas dos documentos officiaes mandados-nos por os commissarios Britanicos na Serra Leoa he uma injuria mais séria. Com mal-posta confiança na honra e civilidade da Alfandega da Boa Vista, os Comissarios na Serra Leoa tinhão mandados-nos seus officios em uma caixa aberta, sem fechadura ou chave, e simplesmente cobrida pela tampa mudavel. Os papeis assim inclusos erão da mais grande importancia, sendo os documentos originaes que hão de ser usados nos processos instituidos no Porto Praia contra diversas pessoas implicadas no trafico da escravatura...”. Solicitam também a restituição do escaler “que estava um prezente liberal e espontaneo do Governo Britanico à Commissão Mixta estabelecida nesta Ilha, sem alguma qualquer despeza ao Governo Portugues... Respondemos sem suspensão que o procedimento do qual queixamos-nos, he solamente uma instancia do systema de insulto e injuria que nos mezes passados tem sido praticado para os residentes Britanicos nesta Ilha pelos quasi todos os empregados publicos: As rasões principais desta hostilidade são evidentes – o impedimento imposto pela presença dos empregados Britanicos sobre o trafico da escravatura, e sobre o negocio feito com os navios occupados n’aquelle tráfico, que antigamente era o commercio principal deste porto – os processos instituidos no Porto Praia, e instados urgentemente pelos empregados Britanicos, contra pessoas numerozas implicadas na escravatura, – os amigos e parentes das familias da Boa Vista – e os procedimentos recentemente tomados para descubrir as circunstancias da morte d’um escravo pertencente ao dono da caza occupada pela S. Exª., por meio allegado d’um official Militar agora residente nesta Ilha. – O sentimento resultando destas e semelhantes circunstancias tem sido, em mossa opinião o motivo único da detenção continuada do Escaller da Commissão Mixta. Regulamentos desusados tem sido buscados.” 122 Os comissários invocam precedentes na questão do tempo de acostagem e no facto de se vender champanhe com a designação de “champanhe cidra” para contornar a lei e insistindo então que a retenção das caixas de champanhe, algo particular de que já não fazem questão de receber, é o pretexto para continuar a reter o escaler. Mas o certo é que depois os comissários referem ter na sua posse uma comunicação oficial do embaixador inglês em Lisboa, segundo a qual o champanhe podia ser importado nas ilhas, assim como uma comunicação semelhante do governador geral para o cônsul Rendall, o que é posteriormente desmentido pelo próprio governador. Este incidente insignificante é, no entanto, uma fotografia nítida e a cores duma situação que explica, em parte, a separação inconciliável entre membros da mesma comissão mista (o comissário português não sabe de nada, pelo que se recusa a assinar o documento) e entre autoridades a trabalhar para o mesmo objectivo, pois os move interesses muito distintos. Não esqueçamos que com o final do tráfico negreiro, a pequena economia da Boa Vista caiu a pique . Mas também é preciso ter em consideração que esta inoperância se relaciona também com a encruzilhada a que chega a política inglesa na década de quarenta, um impasse que requer novas soluções, que se denota nalguma mudança da política inglesa à medida que emerge uma certa incompatibilidade entre a filosofia do abolicionismo e a do liberalismo económico. Com efeito, nos anos quarenta, a questão do açúcar do Brasil e de Cuba e a sua penetração no mercado açucareiro inglês, fomentando a produção, incrementou simultaneamente uma maior necessidade de mão-de-obra escrava, cruzando-se, por conseguinte, medidas políticas contraditórias. Por outro lado havia que proteger e fomentar o comércio lícito da Grã-Bretanha, que amiúde era prejudicado pelo afã dos navios encarregados da intercepção do tráfico ilícito, para além de que havia muitos comerciantes ingleses envolvidos indirectamente no tráfego negreiro através da venda de artigos e fornecimento de crédito. De notar ainda, o progressivo esmorecimento do entusiasmo abolicionista, um certo desencanto até, à medida que se ia constatando que a emancipação não se concretizava como se tinha previsto, pois os libertos, mesmo se não provocaram revoltas, não adoptavam concepções e critérios de valores ocidentais, como trabalhar muito com vista a 123 enriquecer e outros, que, em contrapartida, forneceriam maior produção mais barata, o que não aconteceu. Assim, consciente ainda de possuir a verdade e a civilização, a opinião pública inglesa foi resvalando para a concepção cómoda de que o africano era intrinsecamente indolente e estúpido para não entender todas as benesses que a civilização ocidental lhe poderia dar se trabalhasse segundo os moldes exigidos pelo capitalismo industrial. Daí que para muitos era perfeitamente inútil os gastos e sacrifícios que se tinham feito. Relativamente ao abolicionismo, precisamente nesta altura o que encontrámos, insere-se já num outro contexto relacionado com a mudança de política inglesa neste campo, que privilegia a acção no terreno sob a forma de acordos com as autoridades africanas e até incursões repressivas em terra, ao mesmo tempo que defende mais os interesses e negócios lícitos da Grã-Bretanha, por vezes inseridos em interesses muito particulares e privados. Exactamente a partir sobretudo do início da década de quarenta os navios de guerra ingleses passaram a mostrar um interesse crescente pela ilha de Bolama, pelo que, depois de incursões esporádicas, em 1838, em 1843 não deixaram içar a bandeira portuguesa que os dois ingleses lá residentes tinham substituído pela sua, e a que o reduzido destacamento se não pôde opor. Aliás, parece ter havido ligações perigosas entre as várias incursões de barcos ingleses em Bolama, com apresamento de escravos conduzidos para a Serra Leoa, sob o pretexto de que as autoridades portuguesas protegiam o tráfico na zona, informações provenientes do cônsul Rendall, para justificar o conflito constante que mantinha com as autoridades locais, devido a possuir uma casa comercial na Boa Vista e pretender enchê-la com produtos livres de direitos, pelo que, aproveitando o incidente anterior, chegou a solicitar uma série de privilégios, que foram recusados, sendo o assunto levado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Todavia algo existia, pois em Setembro de 1845 o governador foi instado por uma portaria régia a substituir os funcionários e até autoridades implicados na protecção do tráfico negreiro por gente idónea e de boa moral. Tomaram-se outras medidas para o gradual abolicionismo, estabelecendo impostos sobre os escravos, depois dum arrolamento geral feito em 1843. Datam também de então instruções para uma maior 124 defesa dos direitos portugueses ameaçados por uma convenção franco-britânica, em que para melhor assegurar o fim do tráfico se permitia aos comandantes navais estabelecerem acordos com autoridades indígenas, empregar a força e até proceder a ocupação territorial . E na realidade, as incursões a Bolama não se fizeram esperar: em Novembro de 1847 os marinheiros do brigue inglês Dart invadiram uma propriedade de lavoura de Aurélia Correia, levando consigo à força sete escravos, que depois venderam na Serra Leoa. Em Dezembro de 1850 o brigue de guerra Ranger ancorou em Bissau, onde o comandante Miller teve a delicadeza de avisar o governador de que tinha ordens da Serra Leoa para ir a Bolama e arriar a bandeira portuguesa; como não encontrou qualquer bandeira, perante o compromisso prévio do governador de não enviar outro destacamento, em vez de deitar fogo à povoação, limitou-se a levar os três soldados, que constituíam o destacamento da ilha, para a Serra Leoa. Perante os protestos do governo português relativamente ao ataque à soberania portuguesa da Ilha, a justificação era sempre a escravaria que “pretensamente” se fazia na Guiné e o tratamento cruel aplicado a escravos, como sucedia com alguns senhores da Guiné. A apetência inglesa pela ilha de Bolama continuou, pelo que houve que pedir o auxílio francês. Entretanto, em 1851 acabava a comissão mista luso- britânica sem qualquer mérito, mas com um saldo lucrativo para os ingleses que oportunamente se interessaram pelo progresso de S. Vicente, onde em 1850 a Companhia Royal Mail Packet estabelecia, com isenções fiscais, um depósito de carvão de pedra para uso dos seus navios. Foi o factor decisivo para o arranque do desenvolvimento do Mindelo, onde ingleses, como o próprio cônsul Rendall, e o comandante Thomas Miller foram assentando arraiais, por vezes com apropriamento abusivo de terras, como sucedeu com Rendall, que inclusivamente construiu uma casa à beira-mar com um cais que levantou algumas suspeitas. Aliás, chegou mesmo a criar situações embaraçosas a nível ministerial relativamente à licença do depósito de carvão no Mindelo, visto que estava particularmente interessado em usufruir dessa licença, já que era o proprietário da escuna que carregava o carvão para bordo dos navios. Em 1852, para acabar com o monopólio de Rendall quanto ao depósito de carvão, é concedida licença semelhante a Thomas Miller, o qual, contrariamente ao primeiro, 125 desenvolveu toda uma série de iniciativas que propiciaram significativos melhoramentos locais. Como referimos, entretanto, a posição abolicionista inglesa perdeu agressividade e dinamismo. Com efeito, nos anos quarenta esta atitude não só prejudicava o tráfego de comércio legal, como a mudança da política económica ao pôr fim ao sistema do proteccionismo, vinha possibilitar a introdução do açúcar brasileiro e cubano no mercado inglês, incentivando mesmo que circunstancialmente a importação de escravos nestes territórios. Em simultâneo a repressão do tráfico em terra, incluindo tanto acordos com as autoridades africanas como incursões violentas, como aconteceu em Bolama e nas Galinhas, deu mais problemas que resultados. Assistia-se mesmo a um certo desencanto pelos resultados insignificantes de tanto esforço dispendido em sinergias e verbas. A abolição do tráfico de escravos e da escravatura em geral foi algo que andou ao sabor das conjunturas políticas e conforme os ventos e marés dos interesses económicos de vários países, assim foi manipulada a faceta filantrópica e humanitária. O humanismo arvorado em bandeira dos abolicionistas nem sempre foi real e a sua autenticidade, se existiu a nível individual, foi a capa que cobriu e branqueou muita cobiça, mesquinhez e vileza. Basta pensar nos vários alibis encontrados para justificar a continuação da escravatura ou até as lutas em prol da abolição, em que, como vimos, o africano é visto como um ser inferior ao europeu porque, entre outros, não atingia o privilégio que se lhe dava de poder ascender a usufruir da civilização, e, portanto, era passível de ser mais ou menos moldado, arrastado, catapultado para essa “civilização superior”. Apesar de passado mais de um século é ainda um tipo de raciocínio que não desapareceu de todo, uma mentalidade que no consciente ou inconsciente colectivo, sob a bendita “capa humanista” ainda se manifesta. 126 CARLOS CARDOSO ISCTE - Lisboa (Portugal) O Humanismo Latino na costa da Guiné - (sécs. XIX-XX): subsídios para um projecto de pesquisa INTRODUÇÃO Desde a época que os viu nascer1, nunca os valores do humanismo pareceram tão importantes como hoje. O tempo histórico em que vivemos coloca-nos perante desafios incomensuráveis: o terrorismo internacional, o perigo iminente de um regresso à produção de armas de destruição maciça e as ameaças de uma guerra no Golfo Pérsico tornaram o nosso planeta inseguro, as nossas previsões incertas, e fazem temer o pior: a destruição de milhares de vidas humanas2. Neste momento conturbado, o regresso à história e à revitalização dos valores do humanismo constituem um imperativo. Não se pode aceitar o investimento maciço em armamentos a preteto de uma guerra “preventiva” quando se sabe que a guerra contra a SIDA custa duas a três vezes menos do que a luta contra o terrorismo. Por outro lado, a globalização – com todos os aspectos que comporta em termos de avanços tecnológicos – coloca-nos perante a necessidade de busca de novas formas de sociabilidade, que não aquelas baseadas na supremacia tecnológica, mas naquilo que está subjacente a todo o progresso e para o qual todo o progresso se deve voltar: o homem. Este novo tipo de sociabilidade planetária tem que se alicerçar sobretudo numa cultura de Paz, num relacionamento pacífico entre Nações e Povos, tal como o defendeu recentemente o Sumo Pontífice num documento tornado público por ocasião do Dia Mundial da Paz, sugerindo “a constituição de uma nova organização de toda a família humana, a fim de garantir a paz e a harmonia entre os povos e simultaneamente, promover o seu progresso integral”3. 127 Defender uma sociabilidade baseada nos valores do humanismo não requer nenhuma invenção, pois esses valores podem ser encontrados na história da humanidade. Daí a nossa opção por um tema de dimensão essencialmente histórica. O nosso projecto de investigação pretende compreender até que ponto a manifestação de uma ou mais correntes humanistas se fez sentir, de uma forma geral, na Costa da Guiné e, em particular, no que corresponde ao actual território da Guiné-Bissau, durante os finais do século XIX e princípios do século XX. Por outras palavras, como é que um valor reputado de tão supremo e de tão profundo enraizamento no imaginário português – pelo menos assim nos diz uma certa hitoriografia portuguesa4 –, encontra eco (ou não) num período tão conturbado, crítico, prenhe de ideias progressistas e de sonhos, e dos quais o abolicionismo é um exemplo. Esta comunicação e o projecto de pesquisa que o subjaz baseiam-se em três teses preliminares ou hipóteses de trabalho: 1) o século XIX é um século de revoluções e de um reavivar do pensamento humanista, 2) a desigualdade é o fundamento da dominação colonial e 3) a alma lusitana é tributária do humanismo latino, mas a prática social de Portugal nem sempre reflectiu esse humanismo. O século XIX é um século de revoluções e de renascimento do pensamento humanista O século XIX é um dos séculos mais complexos da história da humanidade, tendo como um dos traços mais evidente a frequência de sacudidelas revolucionárias. É o século das revoluções, porque nenhum foi tão fértil em levantamentos e insurreições, em guerras civis, às vezes triunfantes, mas às vezes esmagadas. As agitações que a marcam começam com a contra-corrente da revolução de 1789, mas não são só as sequelas desta que fazem dele um século diferente. À medida que o século se aproximava do seu fim outros traços se afirmam e, passo a passo, tomam predomínio sobre a herança da revolução burguesa. Fenómenos novos aparecem: a revolução industrial, a pujança sindical, as escolas socialistas. Foi um século de vagas diversas. Estas vagas extravasam o espaço latino e encontram formas de manifestação em quase toda a Europa. 128 Na Alemanha, por exemplo, num plano mais especificamente literário, somos confrontados com o movimento ”Jovem Alemanha”. A nível da crítica filosófica, religiosa e política, emerge com cada vez mais força o “radicalismo” daqueles que é uso agrupar sob a designação de “Esquerda Hegeliana”. Dentro do movimento “Jovem Alemanha” havia os literatos “comprometidos”, uma nova escola literária que pretendia sobretudo fugir ao “romantismo” e que encerrou o pensamento alemão num nacionalismo cada vez mais sombrio, enfim numa desconfiança em face dos ideais liberais. A “esquerda hegeliana”, representada, entre outros, por Ludwig Feurbach, chegou a abordar, à sua maneira, a problemática do homem, partindo do terreno do religioso e da ideia do homem em relação à esta. Feurbach postula a tese fundamental de que a religião constitui para o homem uma perda da sua substância: ele projecta esta substância num “ser divino” exterior a si próprio, passando o homem a ser apenas um puro produto da consciência desse mesmo ser divino. Há autores que defendem que Feurbach fixou como ponto de partida de toda e qualquer reflexão filosófica o homem concreto, entendido não apenas como ser individual, mas também como espécie social e como “massa humana”. Daí ele deduzir a necessidade duma libertação de toda a espécie humana, ao mesmo tempo da ilusão religiosa e do egoísmo individualista, e terminar pela aliança da filosofia e do movimento social. Sem pretender entrar em detalhe sobre o pensamento deste filósofo, convinha destacar que esta referência ao posicionamento de Feurbach parece pertinente no contexto desta comunicação porque, embora apresentando-o como uma coisa nova e atípica, é deste tipo de humanismo que se reclama o humanismo defendido por alguns teóricos do “humanismo português”, isto é, a ideia de libertar o humanismo das amarras da especulação filosófica, transformando-o num movimento e numa praxis social a favor da libertação do homem, como veremos mais a frente. Assim, é de se admitir que o movimento humanista que caracterizou a Europa do século XIX tenha tido algum eco na sociedade portuguesa de então. Resta no entanto saber se esta influência se fez sentir igualmente a nível do relacionamento entre Portugal e as suas Terras do Além-Mar. Segundo os autores da História Geral de África, também em África o século XIX foi marcado por mudanças profun129 das. Não porque o contacto com a Europa em profunda mutação tenha sido retomado de alguma maneira, nomeadamente através da integração crescente das economias africanas no sistema mundial, mas porque houve uma dinâmica interna própria ao continente, que deve ser vista como o prolongamento das evoluções do século XVIII. O século XIX teria sido para a África “a idade de progresso”, tendo os europeus sabido utilizar o desejo de mudança dos Africanos para consolidar as suas próprias posições, acabando por impôr o regime colonial e contrariar as iniciativas internas de reforma e de desenvolvimento. É o conflito entre estas forças de renovação e as potências estabelecidas que compõem a história do século XIX, que explica a violência e a frequência de fricções. É nesta confrontação entre as forças de conservação, política, intelectual, social e as forças de constestação que devemos não só procurar a chave da maioria dos acontecimentos históricos, nacionais, bem como europeus e internacionais, mas também do relacionamento entre a África e a Europa. A desigualdade é o fundamento da dominação colonial Historicamente, o contacto entre a Europa e a África foi carregado de conflitos. Desses contactos resultaram relações de dominação e de subjugação. E, contrariamente ao que professa uma certa historiografia, Portugal não pode ser considerado um caso à parte, apesar de todas a especificidade que possa ter assumido a colonização portuguesa em África-como, aliás, todos os colonialismos a assumiram à sua maneira e feitio. As relações que a Europa mantém com o resto do mundo são dominadas pela sua expansão e suas tentativas de dominação do globo. Como nos diz René Rémond, a conquista colonial no século XIX não resulta de uma vontade sistemática dos Estados, não se passa segundo um plano preconcebido, uma visão de conjunto. Ela é antes a consequência de uma sucessão desordenada de iniciativas, às vezes individuais, às vezes colectivas – mas quase sempre privadas – que ultrapassam a intervenção dos Estados e lhes colocam perante o facto consumado. São geralmente as ordens missionárias que tomam a iniciativa. Com efeito, no século XIX a história da colonização é inseparável da de evangelização. O balanço das missões em 1815 é comparável àquela da colonização: mais ou 130 menos completamente negativa. A maior parte das ordens foram dissolvidas. Podemos estimar que em 1815 a história das missões, que tinha conhecido no século XVI um grande élan paralelo à da conquista, é encerrada e termina com uma constatação de falhanço. Foi preciso esperar pelo pontificado de Gregório XVI (1832-1846) para ver um novo impulso e registar-se os sintomas de um despertar missionário. As ordens antigas ressuscitam, reencontram as vocações. Sobretudo criam-se ordens novas. Concomitantemente, reforça-se um outro processo. No fim do século XIX há o imperialismo caracterizado por um alargamento das potências coloniais. A África que era quase desconhecida no princípio do século XIX, é colonizada a 90% no final do século. O Congresso de Berlim de 1885 faz a repartição das cobiças e opera uma repartição à amigável das zonas de influência e de ocupação. É o nascimento de um sentimento imperialista. O orgulho nacional encontra o seu prolongamento nas dependências coloniais. Certos historiadores dizem-nos que por todo o lado os Europeus fundaram sociedades semelhantes àquelas do continente de origem e que se deu uma europeização do mundo. Num certo sentido até se pode concordar com o autor. A Europa foi durante muito tempo e talvez seja ainda o centro do mundo. Porém, a questão é de saber se estes valores que fizeram jus na Europa serviram de paradigma à actuação dos europeus em África. É o que vamos tentar analisar seguidamente. A alma lusitana é tributária do humanismo latino, mas a prática social de Portugal nem sempre reflectiu esse humanismo Numa pequena comunicação intitulada Humanismo e Universalismo do Homem Português, datada de 1964, Antunes Valente dizia: “E foi na vivência deste humanismo cristão, que assentou a existência secular do Homem Português no Mundo, processada sem discriminação e em contacto de simpatia e amorosidade com o homem de etnias e regiões diferentes e distanciadas”. O mesmo autor diz mais à frente “ao Homem Português coube o singular mérito de jamais ter praticado a discriminação, nomeadamente a discriminação racial”. Valente remata dizendo “O povo português encarnou, singularmente, a mensagem do 131 humanismo cristão”. Antes de problematizar esta afirmação, vejamos como se pode caracterizar o humanismo português. Tal como outros humanismos, o humanismo latino em geral e o português em particular teve uma trajectória histórica determinada pelos condicionalismos locais, mas também pelo contacto que Portugal manteve com outros povos. Pelos relatos históricos disponíveis, creio que não estarei longe da verdade se afirmar que o humanismo luso que se manifestou no século XIX e XX teve uma origem longínqua nas várias correntes espirituais da idade média alta, nomeadamente na instituição da Cavalaria e no Franciscanismo. Desde logo porque os dois ideais constituíram forças históricas que impeliram a Nação Portuguesa à empresa dos Descobrimentos, mas também porque o ideal da Cavalaria, forjado na reconquista ao Mouro, e o franciscanismo, nascido à beira do Mediterrâneo, mas ardentemente adoptado na praia ocidental, davam à necessidade premente de abrir outra rota ao tráfico dos produtos do Oriente, uma justificação, um objectivo e uma sanção ideais. São autores portugueses que nos dizem que, enquanto nos demais povos, o ideal de Cavalaria se exauria no século XIV e o do Franciscanismo não ia além da Idade Média, os dois perduravam em Portugal, como medula viva da Nação. Essas duas tendências vão reflectir-se na acção e nas artes, principalmente nas letras, durante os séculos seguintes. O Franciscanismo havia de afigurar-se como uma actualização e sublimação da Cavalaria andante. Os dois eram itinerantes. Aos dois animava um ideal religioso. Mas os franciscanos, diz-nos Cortesão, em vez de guerra ao mouro, propunham-se levar a palavra e o amor de Cristo por todo o mundo e a todos os ditos infiés. Ao esforço generoso dos homens, que tinham sede de servir, davam-se-lhe para andar todos os caminhos da Terra e dos Mares, mas para consolar e resgatar a Humanidade. Além disso, o homem entrava numa nova sociedade: a de Deus e da Natureza. Na concepção do franciscanismo, desde o dia do nascimento até à ressureição, o homem visitava ou era visitado por Jesus. Segundo o autor, aqui reside a diferença essencial que distingue o humanismo, nascido do Renascimento greco-latino, localizado no espaço e na Antiguidade, e o humanismo português, integrado no seu tempo, inspirado em todas as culturas do planeta e, se não formando 132 inteiramente, reunindo elementos de formação do espírito moderno. E à guisa de conclusão, o nosso autor diz-nos: “Um cristianismo franciscanista, sentimento de fraternidade universal, de comunhão entre o homem e a Natureza, de amorabilidade comunicativa, tão peculiar e consubstancial aos portugueses, permitiu-lhes apreender e compreender pelas vastas e desvairadas terras por onde viajaram, que havia fora dos seus códigos, das suas tábuas de valores, dos seus princípios morais, uma Humanidade tanto ou mais adiantada e perfeita que a do Ocidente… Humanismo mais pragmático e moral do que filosófico e crítico, ele não era apenas uma ideia. Era menos e mais do que isso. Era uma regra de conduta. Um temperamento moral. Uma cultura em acção… O sentimento duma unidade humana a realizar, quer pela fé, quer pelo conheciemnto e pelo amor. E só os que misturaram intimamente à grande aventura do Descobrimento, às influições de outros climas, outros astros e outros povos, o sentiram, o encarnaram e o definiram”5. Por um lado, tem que se admitir, dando razão ao autor, que à medida que Portugal ia alargando o seu raio de acção em África, na América e, sobretudo no vasto Oriente, a sua civilização nacional se ia enriquecendo com sínteses sucessivas. Parece não restarem dúvidas de que, tal como, aliás, fizeram outras potências europeias de então, Portugal criou cidadãos do Mundo. Formou-se nesses homens uma consciência nova e unitária da Humanidade. Gil Vicente pode ser citado como o primeiro grande representante dessa corrente. Humanista, no sentido erasmista da palavra, a sua crítica faz-se não por inspiração de modelos clássicos, mas em nome das normas morais duma tradição castiça. Outro grande nome foi Jorge Ferreira. Iniciador na Península dum Humanismo, universalista pela substância do saber valorizado, ele restringia esse carácter, ao cingir-se às fontes nacionais, ao mesmo tempo que o dilatava, ao dar-lhe por base uma lição prendida em todos os Oceanos. Reconheço a necessidade de pesquisas mais aturadas focalizadas na problemática do humanismo no século XIX e princípios do XX, mas, à luz do que julgo saber sobre o relacionamento entre a Europa e a África de uma maneira geral e sobre a actuação dos portugueses na Costa da Guiné em particular, considero que se deve relativizar, à partida, certas destas teses expostas mais acima, particularmente no que concerne à apologia do espírito humanista 133 que, supostamente, guiou os portugueses em África. A implantação definitiva das estruturas coloniais no território foi precedida de lutas intensas que assumiram a forma de verdadeiras guerras devido à forte resistência que as autoridades coloniais encontraram por parte das populações locais em se submeterem a elas. E só assim foi porque estas mesmas autoridades teimaram em implantar-se nestas paragens como portadores de uma civilização e de uma religião superiores às dos povos locais e, não raramente, trataram-nos como se perante sub-homens se encontravam. No prefácio à interessante obra de Réné Pélissier sobre a História da Guiné, com um ainda mais interessante subtítulo portugueses e africanos na Senegâmbia (1841-1936), Leopold Senghor dizia: “Certamente, os Portugueses não eram santos. Eram conquistadores e isso no interesse da sua Metrópole, Portugal. Compreender-se-á que a maior parte do estudo de René Pélissier se debruce sobre a pacificação – não digo a conquista – da Guiné. Abordarei aqui apenas o essencial. O essencial são as campanhas de pacificação que as forças de segurança realizaram durante cerca de noventa anos: desde a guerra de Bissau, em 1884, até à campanha de Canhabaque, em 1935-36. O que caracteriza estas expedições é o facto de, de acordo com a respectiva importância, todas as forças de segurança terem sido utilizadas, desde as forças policiais até à aviação, sem esquecer a marinha e a artilharia. E se necessário, era o próprio Governador, naturalmente um militar, quem conduzia as operações. O leitor (…) europeu não ficará pouco surpreendido ao verificar isto: estas campanhas, mais exactamente estas repressões ou, ad libitum, estas guerras, são quase sempre dirigidas, não tanto contra “revolucionários” das cidades, os mestiços, os cristãos, até mesmo os muçulmanos, mas contra os povos animistas: os Papéis, os Balantas, os Felupes e outros Biafadas”6. Ainda sobre esta mesma temática, o próprio René Pélissier diz-nos: “A Guiné, entre 1841 e 1936, foi uma terra de violência, não ‘permanente’ como em Angola, mas repetitiva e de uma intensidade que não foi igualada nos territórios de extensão comparável na África Ocidental: perto de três vezes mais que no Casamansa! Com 81 campanhas, expedições ou simples operações que envolveram um mínimo de 8444 soldados regulares e 42500 guerreiros e auxi134 liares alistados do lado português, para consolidar uma colonização que, até ao começo do século XX, não sabia se não teria de fazer as malas e pôr-se a andar…”7. E como se isso não bastasse, após a sua implantação definitiva e durante muito tempo, a prática colonial contrastava com o tão propalado princípio de humanismo universal. A própria filosofia subjacente a estas práticas, baseada na discriminação do homem pelo homem, era aberrante em relação ao que se podia esperar de uma Nação que se pretendia civilizada e mandatada para civilizar os outros. Um dos exemplos mais eloquentes desta discriminação, que na prática não se diferenciavam doutras formas de discriminação, nomeadamente a racial, é a institucionalização do estatuto de indeginato8. Com efeito, no conjunto do Império Colonial Português a Guiné era considerada uma colónia de indeginato, segundo o artigo 246 da Carta Orgânica do Império. Isto queria dizer que, em princípio, os seus naturais eram sujeitos à designação legal de “indígenas” e, consequentemente, eram submetidos a um regime jurídico especial9. Para esse efeito e segundo o artigo 2 do decreto 16.473, de 6 de Fevereiro de 1929, são considerados “indígenas” os indivíduos de raça negra ou dela descendentes que, pela sua ilustração e costumes, se não distingam do comum daquela raça. Portanto, as suas relações jurídicas e os seus institutos eram regulados por leis especiais, por cuja execução o Governador vigiava. Dentro desse princípio constitucional o decreto no. 16.473, de 6 de Fevereiro de 1929, aprovou o Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas. Esse diploma ficou sendo a verdadeira Carta Política dos Indígenas. Segundo os princípios que estabeleceu, os indígenas gozavam de direitos políticos e civis, mas sendo aqueles concernentes apenas às suas instituições políticas próprias, à liberdade e segurança individual, à liberdade e segurança individual, à liberdade de consciência, de exercício de cultos e de trabalho e, ainda, à assistência pública, que se traduz no socorro hospitalar e médico na doença, internamento na colónia correccional de Ilha das Galinhas, quando considerados vadios, etc. Em relação aos institutos de caracter europeu não gozavam de direitos políticos. Dado que as notas que aqui quisemos trazer não passam de ideias para um projecto de investigação, podemos terminar questionando, se essas práticas são compatíveis com o tão propalado humanismo universalista, e se sim, em que medida o são. 135 BIBLIOGRAFIA BARBOSA, HONÓRIO: Os indígenas da Guiné perante a lei portuguesa, in BCGP, Vol. II, Abril de 1947, No. 6, p. 343-362. CORTESÃO, JAIME: O Humanismo Universalista dos Portugueses. Obras Completas, Vol. VI, Portugália Editora, Lisboa, 1965. Histoire générale de l’Afrique. VI. L’Afrique au XIX siècle jusque vers les années 1880, Présence Africaine/Edicef/UNESCO, Paris, 1997. MENDY, PETER KARIBE: Colonialismo Português em África: A Tradição de Resistência na Guiné-Bissau (1879-1959), INEP, Bissau, 1994. PÉLISSIER, R.: História da Guiné. Portugueses e Africanos na Senegâmbia (1841-1936), Vol. I, Imprensa Universitária, Editorial Estampa, Lisboa, 1989. VALENTE, A.: Humanismo e Universalismo do Homem Português, Edição da Seccção Cultural da Casa das Beiras, Luanda, 1964. Notas (1) O humanismo como fenómeno cultural e humano é uma corrente que invade a Europa durante os séculos XV-XVI. Mas é na Itália onde o fenómeno adquiriu caracteres próprios e bem definidos. Dante (1265-1321), Petrarca (1304-1374) e Boccacio (1313-1375) foram alguns dos seus primeiros representantes. Para expressar a centralidade que o homem ocupava no pensamento humanista, Pico della Mirandola, um outro representante desta corrente, chegou a afirmar o homem é semente de todas as possibilidades, que o homem é a forma de todas as coisas. “A forma do homem é não ter forma. Pode ser o que ele quiser. (2) Sozinho para a Guerra que se avizinha contra o Iraque, os especialistas começam a avançar a previsão de 10 a 100 mil vítimas. (3) Ver Público, 2 Jan. 2002. (4) Ver, por exemplo, Cortesão, 1965 e Valente, 1964. (5) Cortesão, 1965:101/102. (6) Senghor, citado segundo Pélissier, 1989:20. (7) Pélissier, Idem, p. 24/25. (8) A política praticada pelo colonialismo português optou por um modelo de colonização, cujo principal paradigma consistia na assimilação e integração dos povos colonizados. Este paradigma traduzia-se, em termos práticos, numa política que por um lado advogava a manutenção das “tradicionais” formas de organização social e política, próprias das sociedades autóctones, o que implicava a manutenção dos líderes tradicionais e, por outro, numa tentativa de constituição de uma classe de intermediários entre o poder colonial e as populações locais para facilitar os contactos entre as estruturas implantadas pelo Estado colonial e as estruturas ditas tradicionais. (9) Assim rezavam os artigos 22 do Acto Colonial e 246 da Carta Orgânica do Império. 136 SERGIO BALDI Istituto Universitario Orientale di Napoli (Italia) La colonizzazione italiana in Africa orientale La politica coloniale italiana inizia con un notevole ritardo rispetto a tutte le altre nazioni europee per un semplice ed ovvio motivo: il tardivo raggiungimento dell’unità del Paese. «L’Africa ci attira invincibilmente. È una predestinazione. Ci sta sugli occhi da tanti secoli questo libro suggellato, questo orizzonte misterioso che ci chiude lo spazio che ci rende semibarbaro il Mediterraneo, che costringe l’Italia a trovarsi sugli ultimi confini del mondo civile... L’Africa, sempre l’Africa! ... L’abbiamo proprio sugli occhi e fin qui ne siamo esiliati».1 In realtà l’Africa interessa soltanto una ristretta cerchia di studiosi e di viaggiatori, di sognatori e di scontenti della politica «rinunciataria» delle «mani nette», d’armatori che mirano alle sovvenzioni statali e di speculatori, di missionari cattolici che contendono ai protestanti o all’Islam le ultime riserve di anime disponibili, e di avventurieri attratti dal miraggio di grandi e facili ricchezze.2 Il motivo del disinteresse verso l’Africa è evidente, se si considera che lo stato, raggiunta da poco l’unità nazionale, deve fronteggiare una miriade di problemi ereditati dai vari stati preunitari, le cui amministrazioni devono essere amalgamate. Il Paese è d’altra parte in una notevole arretratezza: basti citare che secondo il censimento del 1861, gli analfabeti erano il 78 per cento della popolazione del regno; un altro 10 per cento si poteva considerare semianalfabeta; gli studenti universitari erano soltanto 6.500. Per l’Italia l’avventura coloniale iniziò col governo Depretis, che, spinto da considerazioni di prestigio e dalla pressione di ristretti gruppi di interesse, aveva ritenuto opportuno porre le basi per una piccola iniziativa coloniale in Africa orientale. Il punto di partenza fu costituito dall’occupazione, nel 1882, di una striscia di territorio fra la baia di Assab e la città di Massaua, sulla costa meridionale del Mar Rosso. 137 Successivamente, sotto il governo Crispi, i possedimenti italiani furono ampliati e riorganizzati col nome di Colonia Eritrea (1890), mentre venivano poste le basi per una nuova iniziativa di espansione sulle coste della vicina Somalia. Alla riorganizzazione «efficientistica» dello Stato faceva riscontro, nei progetti di Crispi, una decisa quanto velleitaria affermazione del ruolo dell’Italia come grande potenza, anche nel settore coloniale. La politica coloniale di Crispi suscitava, però, perplessità in seno alla stessa maggioranza, in quanto risultava troppo costosa per il bilancio dello Stato in un momento di grave crisi economica. Già durante il suo primo governo (1887-1891), Crispi non solo aveva cercato di allargare i possedimenti italiani sulle coste del Mar Rosso, ma aveva cercato di ottenere una qualche forma di protettorato sul vicino Impero di Etiopia (Abissinia), il più grande e il più forte fra gli Stati africani ancora indipendenti. A questo scopo aveva intavolato col negus (imperatore) d’Etiopia Menelik trattative che portarono, nel 1889, alla firma del trattato di Uccialli. Il trattato, considerato dagli italiani come un implicito riconoscimento del loro protettorato, fu però interpretato diversamente dagli abissini, che reagirono energicamente ai tentativi italiani di penetrazione, ripresi dopo il ritorno al potere di Crispi (1893-96). Fra Italia ed Etiopia si giunse così allo scontro armato, culminato nel disastro di Adua del 1° marzo 1896, quando una colonia italiana di sedicimila uomini fu praticamente annientata dalle forze abissine. La sconfitta ebbe immediate ripercussioni in Italia, il governo fu costretto a dimettersi. Crispi usciva dalla scena politica. Al suo successore, ancora una volta Rudinì (1891-92), non restò che concludere in tutta fretta una pace con l’Etiopia che garantisse almeno la presenza italiana in Eritrea e Somalia. L’episodio di Adua e le reazioni che ne erano seguite avevano dimostrato quanto la guerra coloniale fosse poco sentita dalle masse popolari e da larghi strati della classe dirigente e quanto illusorio fosse stato il tentativo di Crispi di cogliere successi di prestigio, per sé e per il paese, in un’avventura imperialistica a cui mancavano le indispensabili premesse politiche ed economiche. L’interesse italiano per l’Africa Orientale riprende vigore in Italia con il fascismo. A spingere Mussolini verso un’impresa di cui pochi in Italia sentivano la necessità, e che presentava costi economici e umani sproporzionati ai possibili vantaggi concreti, furono motivi di politica interna e internazionale. Con la guerra d’Etiopia Mussolini intendeva innanzi tutto dare uno sfogo alla vocazione imperiale del fascismo, vendicando 138 lo scacco subìto dall’Italia nel 1896 con la sconfitta di Adua e mostrando che il suo regime poteva riuscire là dove la classe dirigente liberale aveva fallito. Ma voleva anche creare una nuova occasione di mobilitazione popolare che facesse passare in secondo piano i problemi economico-sociali del Paese (in particolare la disoccupazione, che si manteneva su livelli piuttosto alti). Mussolini pensava inoltre di poter sfruttare la favorevole congiuntura diplomatica creata dalla politica hitleriana, che rendeva l’amicizia dell’Italia più preziosa che in passato per le potenze occidentali. In effetti i governi francese e inglese – soprattutto il primo – erano disposti ad assecondare, almeno in parte, le mire italiane. Ma non potevano accettare che uno Stato indipendente, per giunta membro della Società delle Nazioni, fosse cancellato dalla carta geografica da un atto di aggressione. Né potevano ignorare il fatto che in Gran Bretagna e in Francia si era creata una forte corrente di opinione pubblica in difesa dell’indipendenza etiopica. Così, quando ai primi del’ottobre 1935 l’Italia diede inizio all’invasione dell’Etiopia senza nemmeno farla precedere da una dichiarazione di guerra, i governi francese e inglese non poterono fare a meno di condannare ufficialmente l’azione e di proporre al Consiglio della Società delle Nazioni l’adozione di sanzioni consistenti nel divieto di esportare in Italia merci necessarie all’industria di guerra. Approvate a schiacciante maggioranza pochi giorni dopo l’inizio dell’invasione, le sanzioni ebbero un’efficacia molto limitata: sia perché il blocco non era esteso alle materie prime, sia perché non impegnava gli Stati che non facevano parte della Società delle Nazioni, come gli Stati Uniti e la Germania. Queste decisioni ebbero però l’effetto di approfondire il contrasto fra il regime fascista e le democrazie europee e consentirono a Mussolini di montare un’imponente campagna propagandistica tesa a presentare l’Italia come vittima di una congiura internazionale. L’immagine dell’Italia proletaria cui le nazioni plutocratiche, già padrone di sterminati imperi coloniali, volevano impedire la conquista di un proprio «posto al sole» riuscì in effetti a far breccia nell’opinione pubblica italiana, non escluse le classi popolari, alle quali fu fatto intravedere il miraggio di nuovi posti di lavoro e di nuove opportunità di ricchezza da conquistare oltremare. Le piazze si riempirono di folle inneggianti a Mussolini e alla guerra. Studenti e attivisti di partito diedero vita a rumorose manifestazioni antiinglesi. Milioni di coppie, a cominciare da quella reale, accolsero l’invito del governo di donare alla patria l’oro delle 139 loro fedi nuziali. Anche alcuni noti antifascisti, fra cui Benedetto Croce, si sentirono in dovere di esprimere solidarietà alla nazione in guerra. Il paese fu percorso da un’ondata di imperialismo popolaresco, ben più ampia di quella che aveva accompagnato, un quarto di secolo prima, la spedizione in Libia. Gli organi di informazione fecero a gara nel denigrare la resistenza degli etiopici, riproponendo l’equazione fra popoli di colore e selvaggi e solleticando gli istinti inconsciamente razzisti del pubblico. Ma non mancò neppure il tentativo di assegnare alla guerra scopi umanitari, presentandola come una crociata per liberare la popolazione etiopica da un regime corrotto e schiavista. In realtà gli etiopici si batterono con accanimento per più di sette mesi sotto la guida del negus Hailé Selassié. Ma il loro esercito, male organizzato e peggio equipaggiato (molti soldati non disponevano nemmeno di armi da fuoco), nulla poteva contro un corpo di spedizione che giunse a impegnare circa 400.000 uomini e fece ampio ricorso ai mezzi corazzati e all’aviazione (usata in più occasioni per bombardare le truppe nemiche con gas asfissianti). Il 5 maggio 1936, le truppe italiane, comandate dal maresciallo Badoglio, entrarono in Addis Abeba. Quattro giorni dopo, Mussolini poteva annunciare alle folle plaudenti «il ritorno dell’Impero sui colli fatali di Roma» e offrire al sovrano la corona di imperatore d’Etiopia. Da un punto di vista economico, la conquista dell’Etiopia, paese povero di risorse naturali e poco adatto agli insediamenti agricoli, rappresentò per l’Italia un peso non indifferente, aggravato dai problemi suscitati dalle sanzioni (poco efficaci militarmente, ma dannose per il commercio) e non compensato dai temporanei benefici arrecati all’industria dalla produzione bellica. Ma sul piano politico il successo fu clamoroso e indiscutibile. Portando a termine una campagna coloniale vittoriosa, imponendo la propria volontà alle democrazie occidentali e costringendole poi ad accettare il fatto compiuto (le sanzioni furono ritirate nell’estate del ’36 e, successivamente, Gran Bretagna e Francia riconobbero l’Impero italiano in Africa orientale), Mussolini diede a molti la sensazione di aver conquistato per l’Italia uno status di grande potenza. In realtà, si trattava di una sensazione illusoria: l’Italia, infatti, non era in grado di affrontare uno scontro con una potenza di prima grandezza e aveva potuto «tirare diritto» (secondo l’espressione mussoliniana) nella questione abissina solo perché gli inglesi, pronti a mobilitarsi a parole per sostenere 140 il buon diritto dell’Etiopia, non avevano alcuna intenzione di affrontare una guerra per difenderla. Mussolini era consapevole di tutto questo. Ma, inebriato dal successo etiopico, credette ugualmente di poter condurre una politica adeguata a una grande potenza, sfruttando ogni occasione (vedi il caso della Spagna) per allargare l’area di influenza italiana giocando sulla rivalità fra tedeschi e franco-inglesi. L’educazione sotto il regime di occupazione fu tesa a produrre un’ossequiente classe dominata. Agli inizi il governo coloniale sovvenzionò le scuole missionarie che addestravano gli Etiopi ad un livello avanzato. Molti furono mandati in Italia per continuare gli studi e ritornarono in qualità di preti. Agli inizi del 1936, le scuole governative furono create, ma il numero delle scuole e degli studenti rimase troppo esiguo per avere una ricaduta sul totale della popolazione. Per esempio, nel 1940 ci furono solamente 926 studenti in tutto lo Shoa e solo 282 nello Harar, entrambe provincie popolose e importanti. Le scuole furono separate non solamente tra Etiopi ed Italiani, ma anche tra Etiopi secondo le differenze religiose e sociali. Per esempio, ci furono scuole separate per i musulmani che includevano arabo e studi coranici, per i bambini degli ufficiali nativi che dovevano essere addestrati come interpreti, impiegati ed assistenti amministrativi, e per i bambini delle famiglie umili cui era insegnato l’agricoltura e l’artigianato come pure leggere, scrivere, aritmetica e italiano. Le scuole patrocinate dal governo italiano o missionarie in Eritrea oggi sono molto più numerose e migliori di quelle scuole coloniali. Ci sono ventotto di queste scuole: una è a livello di college. La lingua d’insegnamento è l’italiano, sebbene l’amarico sia pure insegnato. Durante la guerra etiopica, nonostante che fossero state commesse delle atrocità da parte delle truppe occupanti, la colonizzazione italiana fu improntata a principi umanitari a tal punto che quando l’indipendenza fu ristabilita nel 1941, a molti Italiani che preferivano restare in Etiopia fu concesso di farlo. In Eritrea specialmente la presenza italiana è manifesta. Dei 18.000 italiani ora in Etiopia, 5.000 vivono in Asmara solo, e la maggioranza nel resto dell’Eritrea. La maggior parte dei migliori negozi, ristoranti e bar in Eritrea sono posseduti da Italiani. Migliaia di Eritrei sono impiegati in imprese industriali ed agricole possedute da Italiani. Ci sono biblioteche, cinema e giornali italiani. Dopo il tigrinya, la lingua nativa della maggior parte degli Eritrei, l’italiano è la lingua più importante in Eritrea. 141 È difficile fare delle generalizzazioni circa le attitudini degli Etiopi verso i loro conquistatori. Prima di tutto, è chiaro che la comunità rurale fu poco influenzata dalla presenza italiana nel paese. La piccola minoranza cittadina fu quella che venne in contatto diretto con gli Italiani. Questa può essere divisa in due gruppi principali. I primi erano quelli che ricevettero una certa educazione nelle scuole italiane (che andava da alcuni anni delle scuole elementari ad i livelli avanzati ricevuti in Italia). Questo gruppo fu largamente attratto dalla cultura che il potere coloniale voleva ignorare. La capacità nel padroneggiare l’italiano era la chiave per l’avanzamento occupazionale e per il raggiungimento di uno status sociale più elevato. Quindi gli Etiopi istruiti cercarono di parlare la varietà standard dell’italiano e considerarono il substandard italiano, che era impiegato come una lingua di contatto usata solo dalle masse ignoranti impiegate con compiti servili. Questi contatti ebbero dei riflessi naturalmente nel campo linguistico da ambo le parti. Alcuni termini, presi a prestito, penetrarono nell’italiano, mentre termini italiani furono accolti, talvolta con adattamenti fonetici, nelle lingue locali. Lo studio di questi prestiti “esotici”, per impiegare un termine usato da Marco Mancini in una sua monografia, è abbastanza consistente in italiano, osservando la bibliografia citata a piedi pagina nella sua opera. Tuttavia, stupisce che, in un simile lavoro, ben documentato, nell’“Indice degli etimi esotici” (Mancini: 218-31) figurano solo due etimi dall’amarico: nSgus e ras. Pertanto, in appendice a questo intervento, qui si propone una lista di termini italiani riconducibili, per provenienza, all’Africa orientale: amarico / amharico [1875; der. di amara / amhara (Kane 1123), nome di una regione dell’altopiano etiopico] lingua semitica, derivante dall’antico etiopico, parlata in gran parte dell’Abissinia amba [1880; dall’amarico amba (Kane 1127)] rilievo isolato a forma di tronco di cono tipico dell’altopiano etiopico ambaradan [sec. XX; etim. incerta, forse da Amba Aradam, massiccio montuoso dell’Etiopia presso il quale, nel 1936 si svolse una cruenta battaglia tra le truppe italiane e quelle abissine] scherz. grande confusione, baraonda barambara [1889; S. Sonnino “Diario”; dall’amarico balambaras (Kane 862)] capo di un fortilizio su un’amba beisa [1913; dall’amarico bS’Sz (Kane 923)] orice beisa bulukbashi [turco milit.; 1503 nella versione antica biluchbassi; dal turco bulukba_i “comandante di compagnia”] 142 nell’esercito turco, grado militare corrispondente a quello di capitano; nelle truppe indigene delle ex colonie italiane, sottufficiale comandante di plotone caberù [1913 nella var. caberu; dal franc. cabéru] cane selvaggio dell’Etiopia (Canis simensis) considerato il progenitore dei levrieri cicà [1913 nella var. ant. cicca; dall’amarico øSqa (_um, Kane 2221)] in Etiopia, capo di un villaggio cubi [sec. XX] unità di misura di lunghezza in uso in Eritrea cusso [1875; dall’amarico koso (Kane 1403)] unica specie del genere Hagenia (Hagenia abyssinica o Brayera anthelmintica) che cresce sulle montagne dell’Africa orientale e centrale. Var. koso, kousso, kusso dagussà [1875 nella var. ant. dagoussa; dall’amarico dagussa (Kane 1833)] varietà etiopica dell’Eleusine coracana, i cui semi sono impiegati come cereali e nella fabbricazione della birra daula [1956; dall’amarico dawSlla (Kane 1821), voce etiopica] unità di misura per capacità di aridi utilizzata in Etiopia, corrispondente a circa 93 litri degà [1892 nella var. ant. dega; dall’amarico däga (Kane 1827)] zona di pascolo nell’altopiano etiopico deggiasmac [1922; dall’amarico däùùazmaÊÊ (= däùù azmaÊÊ, Kane 1826) propr. “comandante della porta (reale)”] grande feudatario etiopico inferiore al ras degiac [1890, E. Scarfoglio “Abissinia”; dall’amarico däùùaÊÊ (Kane 1827) “comandante”] feudatario etiopico inferiore al ras. Var. deggiac derah [1913; dall’amarico derah, dall’arabo dir c “braccio”] unità di lunghezza pari a 46 centimetri usata in Eritrea. Sin. emmet ecciaghiè [1956; dall’amarico Søäge (Kane 1343)] nome della massima autorità ecclesiastica etiopica emmet [1956; voce di origine eritrea Smät (Kane 1132)]! derah falascià [1892; dall’amarico fäla_a (Kane 2265) propr. “straniero”] tribù etiopica cuscitica di religione ebraica, stanziata nell’Etiopia settentrionale. Sin. falasha fitaurari [av. 1889 nella var. fitorari; dall’amarico fitawrari (= fit awrari, Kane 2306) propr. “comandante dell’avanguardia”] nell’organizzazione militare abissina, grado corrispondente a quello di colonnello * in passato, il capo dell’esercito invasore nel territorio nemico che aveva anche poteri amministrativi 143 geez [av. 1950; dall’amarico gScSz (gS’Sz, Kane 2023)] antica lingua dell’Etiopia, di ceppo semitico, conservata nell’uso liturgico. Var. gheez ghebì [av. 1889; dall’amarico gSbbi] in Etiopia, spazio interno di un recinto da palizzate che costituiscono la dimora di un nobile, di un’autorità, o del re. Var. ghebbì kantibà [1957; dall’amarico käntiba] autorità locale dell’amministrazione eritrea, con poteri equivalenti a quelli del sindaco madoqua [sec. XIX; dal lat. scient. MadoqÄa1, dall’amarico midaqqwa (mSdaqqwa, Kane 326)] piccola antilope africana del genere Madoqua, comunemente detta dik-dik. Var. madocca mancor [1957; dall’amarico e tigrino mänqor, Kane 268] strumento di pena usato in Etiopia, costituito da un ceppo terminante in una forcella, nella quale veniva fatto passare il collo del condannato naib [1895; dall’amarico naib, dall’arabo n_’ib “luogotenente”] nel XVII sec., durante il dominio turco in Eritrea, carica ereditaria di amministratore, governatore negarit [1840 nella forma nagaret; dall’amarico nägarit (Kane 1063) propr. “la annunciante”] tamburo tipico dell’Etiopia, di piccole dimensioni e di forma emisferica, la cassa di legno o di metallo pregiato, usato in coppia e suonato con bacchette di legno durante cortei o processioni solenni neggadras [1958; dall’amarico näggadras (Kane 1068) “capo dei mercanti”] in Etiopia, capo di una carovana di mercanti * esattore della dogana con giurisdizione sui mercati delle località in cui esercitava le proprie funzioni negus [1577; dal’amarico nSgus (Kane 1066)] sovrano dell’Etiopia. Der. negussita qunnà [1959; dall’amarico qunna (qwSnna, Kane 782)] recipiente largo e concavo, in paglia intrecciata, impiegato per la misura dei cereali spec. in alcune regioni etiopi ras [1885; dall’amarico ras (Kane 381) “testa, capo”] nell’Impero Etiopico, titolo che originariamente veniva conferito ai capi feudali delle maggiori provincie e, successivamente, al più alto dignitario dopo il negus. Il termine ha assunto anche il senso di “despota locale” safari [1907, da una voce swahili, dall’arabo safara] spedizione di caccia grossa, anche a scopo turistico, effettuata nelle regioni dell’Africa tropicale ed equatoriale sassà [1913; dall’amarico säsa (Kane 500)] > Sin. saltarupe, 144 unica specie africana del genere Oreotrago (Oreotragus oreotragus) sciamma [1888; E. Scarfoglio “Abissinia”; dall’amarico _ämma (Kane 609-610) “mantello”] ampio scialle, spec. di morbido cotone bianco, usato come toga da alcune popolazioni etiopi. Var. scemma, sciammà sciangalla [1895, etnonimo, dall’amarico _anqSlla (Kane 642), nome con cui gli Abissini designano genericamente le popolazioni negre] qualsiasi popolazione dell’Etiopia occidentale o del Sudan orientale schiftà [sec. XX; dall’amarico _Sfta (Kane 667)] in Etiopia e in Eritrea, fuorilegge, bandito scioano [av. 1889; der. di scioa, nome di una provincia e regione storica dell’Etiopia centrale, cfr. amarico _äwa (_iwa, Kane 667)] nativo o abitante dello Scioa swahili [1927; dall’ar. saw_Œil, pl. di s_Œil “costa”] lingua del gruppo bantu, largamente diffusa in Africa centrale come lingua commerciale interetnica. Var. suahili tanquà [1927 nella var. ant. tanque; dall’amarico tankwa (Kane 982)] imbarcazione lacustre di forma allungata, caratteristica dell’Etiopia, costituita con fasci di fusti di papiro seccati. Var. tancuà tec [1891; E. Scarfoglio “Abissinia”; dall’amarico ƒäùù (Kane 2178-2179)] bevanda etiopica lievemente alcolica, dal sapore amarognolo, ottenuta con miele fermentato in acqua insieme a foglie o cortecce di determinati arbusti, bevuta spec. in occasioni solenni. Var. tecc, tecce teff [1895; dall’amarico ƒef (Kane 2193-2194)] erba amma del genere Eragrostide (Eragrostis tef), alta fino a un metro con steli che terminano in una pannocchia, coltivata spec. in Etiopia, dove viene utilizzata per ricavarne una farina simile al frumento. Var. taf, taff, tief, tieff torà [1961; voce tigrina, der. dall’amarico tora (Kane 964)] mammifero del genere Alcelapo (Alcelaphus buxlaphus tora), simile a un’antilope, dal mantello rossastro e corna a forma di lira, diffusa nell’Africa orientale tucul [1879 nella forma tukul, in “La Valigia”; voce indigena, di origine incerta] abitazione a pianta circolare con tetto conico di paglia, tipica dell’Africa orientale. Un termine coniato in quel periodo fu madamismo. L’istituzione del madamismo venne in esistenza, secondo Sepelli, uno dei primi scrittori colonialisti italiani, immediatamente dopo l’occupazione italiana del plateau eritreo, e fu in un primo momento adottato dagli ufficiali italiani in comando di truppe “native”.3 La pratica risultò, si potrebbe aggiunge145 re, da una notevole mancanza di donne europee nella colonia, una caratteristica che era già sottolineata da una Commissione reale italiana del 1891.4 Tali unioni conferivano un considerevole prestigio alle donne locali nella loro società. La prevalenza del madamismo colpì un governatore italiano dell’Eritrea, Ferdinando Martini, che dedicò un numero di annotazioni talvolta spiritose ad esse nel suo diario.5 La maggior parte dei vecchi colonialisti italiani parlò molto favorevolmente del sistema del madamismo, più che generoso verso la prole lasciata nelle colonie dopo la partenza dei padri e, come osserva Alessandro Sepelli nelle sue Memorie d’Africa (1881-1906), pubblicate successivamente nel 1935, oggetto di attenzione e cure sino alla maggiore età.6 D’altra parte all’arricchimento linguistico dell’italiano, va aggiunto quello delle lingue locali, di cui, per terminare questo breve elenco viene fornito qualche esempio. Per quanto concerne i termini dell’italiano standard penetrati con uno speciale significato nell’italiano semplificato dell’Etiopia abbiamo tra l’altro: bedri ’prete’ (< It. padre) regaso ’figlio, figlia’ (< It. ragazzo) tirobbo ’molto’ (< It. troppo) u_ire ’lasciare’ (< It. uscire) menjato ’ottenere un mensile o spendere per le spese quotidiane’ (< It. mangiato). BIBLIOGRAFIA 1968. New Redhouse Turkish-English Dictionary. Istanbul. Bender, Marvin L.; Bowen, J. Donald; Cooper, Robert L.; Ferguson, Charles A. 1976. Language in Ethiopia (Ford Foundation Language Surveys). London: Oxford University Press. Calchi Novati, Giampaolo. 1994. Il corno d’Africa nella storia e nella politica. Etiopia, Somalia e Eritrea fra nazionalismo, sottosviluppo e guerra. Torino: Società Editrice Internazionale. Del Boca, Angelo. 1976. Gli Italiani in Africa Orientale. Dall’unità alla marcia su Roma. Bari: Laterza. De Mauro, Tullio. 1999. Grande dizionario italiano dell’uso, ideato e diretto da Tullio De Mauro. Torino: Utet. Kane, Thomas Leiper. 1990. Amaharic-English Dictionary. Wiesbaden: O. Harrassowitz, 2 voll. 146 Kane, Thomas Leiper. 2000. Tigrinya-English Dictionary. Springfield VA: Dunwoody Press, 2 voll. Malvezzi, Aldobrandino. 1933. La politica indigena nelle colonie. Padova: CEDAM. Mancini, Marco. 1992. L’esotismo nel lessico italiano (Biblioteca di Ricerche linguistiche e filologiche Nr. 32). Viterbo: Università degli Studi della Tuscia, Istituto di Studi Romanzi. Pankhurst, Richard. 1969. “Fascist Racial Policies in Ethiopia: 19221941” Ethiopian Observer: 270-285. Sbacchi, Alberto. 1980. Il colonialismo italiano in Etiopia, 1936-1940 (Biblioteca di Storia Contemporanea 20). Milano: Mursia. Wehr, Hans. 1966. A dictionary of modern written Arabic, edited by J. Milton Cowan. Wiesbaden-London: Otto Harrassowitz. Note (1) Dichiarazione fatta da Cesare Correnti il 18 aprile 1875 nel corso di un’adunanza in Roma della Società Geografica Italiana. (2) Del Boca, Angelo. 1976. Gli Italiani in Africa Orientale. Dall’unità alla marcia su Roma, p. 3. (3) Sepelli, A. 1935. Memorie d’Africa (1883-1906): 196. (4) Relazione generale della R. Commissione d’inchiesta sulla Colonia Eritrea. 1891: 47. (5) Martini, Ferdinando. 1898. Il diario Eritreo, I: 179. (6) Sepelli, A. op. cit.: 199. 147 SIMAO SOUINDOULA Historien, Centre International des Civilisations Bantu de Libreville (CICIBA) - Gabon Mgr Raponda Walker, une variante de l’Humanisme Latin en Afrique Introduction Deux années exactement après notre rencontre de Praia, nous voici, presque à la même latitude, mais cette fois-ci, sur le continent pour préciser nos approches sur l’ influence de l’ humanisme latin en Afrique, dans ses traits de similitudes et ses particularités par rapport au Quattrocentro italiano et à la Renaissance française. Rénovation culturelle qui se produisit en Europe au XVème et au XVIème siècle, dans les domaines littéraire, artistique et scientifique d’ une part, et dans les domaines économique et social, d’ autre part, ce mouvement a influencé, sous une forte dynamique historique, le reste du monde. En Afrique, centre d’intérêt de notre réunion, l’analyse que nous avions proposée dans la capitale cap-verdienne sur le profil humanistique du jésuite camerounais, Englebert MVENG, a été, à cet égard, je le crois, assez illustrative. Cette fois-ci, nous avons choisi d’examiner, dans un élan comparatif diptyque, convergences/particularités, la vie et l’oeuvre d’un autre érudit de l’Afrique Centrale, le Mgr André RAPONDA WALKER (1871-1968). SIMILITUDES ENTRE RAPONDA WALKER ET LES HUMANISTES LATINS Le Latin, langue de base Né à Libreville, en 1871, d’un père anglais et d’une mère gabonaise, RAPONDA WALKER coula très vite, comme d’autres jeunes africains du littoral de la sous-région de la période «Deuxième Evangélisation», dans le séduisant moule de l’humanisme chrétien. 149 Il commença naturellement l’étude du latin en 1882 jusqu’à son ordination sacerdotale en 1899. La maîtrise de cette langue, rendue indispensable à cause de son statut de langue liturgique de l’Eglise romaine, a permis au prélat gabonais, à l’image des théologiens de la Renaissance, d’apprécier les textes anciens qui sont, comme le disait Rabelais, en 1532, «des instruments d’éducation morale, à la fois philologie et philosophie, docte érudition et sagesse». Le Christianisme comme fondement Malgré la farouche opposition de sa mère, qui ne voulait pas d’un fils prêtre, dans un contexte favorable au négoce côtier, le jeune séminariste trouva le moyen de poursuivre ses études jusqu’à la rhétorique. En 1892, il était majeur et pouvait donc se passer des préférences pragmatiques de sa chère mère. Il recevra, un peu plus tard, sa soutane et sa première tonsure avant de poursuivre ses études de philosophie et de théologie. L’inébranlable foi chrétienne fondera la pratique sociale et les activités scientifiques de RAPONDA WALKER à l’instar des humanistes de la période spiritualiste (1470-1547), longue période d’humanisme à tendance essentiellement religieuse, d’expression latine d’abord, puis française à partir de 1530. Les similitudes entre l’opiniâtreté du missionnaire et le travail méthodique de cette époque sont étonnantes. L’intérêt pour les langues et les textes En effet, si cette période est marquée par la restauration de la grammaire et de la littérature hébraïques grâce aux travaux de Johannes Reuchlin, (1455-1522), le développement des traductions des textes classiques grecs et latins avec Guillaume BUDE (1467-1540) et Erasme, humaniste hollandais d’expression latine (1469-1536), la publication en langue vulgaire c’est-à-dire en français, des oeuvres de Platon, César, Cicéron, Juvénal, Perse, Salluste par Etienne DOLET (1509-1546), Antoine HEROËT (V.1492-1568), Bonaventure Des Périers (V.1510-1544), Richard LE BLANC (V.1510-V.1574), Simon VALLAMBERT, Pierre DU VAL, Jean 150 DE LUXEMBOURG, la codification des règles grammaticales et esthétiques de la langue «vulgaires », le toscan par le Cardinal Pietro BEMBO (1470-1547), quelques siècles après, en Afrique Centrale, la sensibilité religieuse de l’humanisme est mise en relief par les nombreux travaux et traductions en une dizaine de langues bantu de RAPONDA. Il mènera ses études en vue de l’apostolat direct et la connaissance linguistique pure. Il publiera des grammaires et des recueils de littérature orale dans des idiomes bantu tels que le fang, parlé au Cameroun, en Guinée Equatoriale et au Gabon et le vili, en usage en Angola, dans les deux Congo et au Gabon. Cette production linguistique ne constituera qu’une partie de son impressionnant travail dont la principale caractéristique sera, à l’image de celui d’Aristote, dans l’antiquité et des humanistes du Quattrocentro et de la Renaissance, tels que RABELAIS, son étendue encyclopédique. Le savoir encyclopédique En effet, parallèlement à son long apostolat à travers le Gabon et la Guinée Equatoriale et sa retraite strictement paroissienne, Mgr RAPONDA s’engagera, avec une incroyable vivacité, dans la recherche en sciences humaines dans la sous-région. En effet, il s’intéressera à l’histoire, à la linguistique, à la botanique et aux traditions orales. La respectable bibliographie de cet érudit mise au point en octobre 1993 présente une dizaine d’ouvrages et une centaine d’articles scientifiques publiés. Les tâches d’éducation Comme les humanistes latins, RAPONDA WALKER se consacra en plus des ses obligations sacerdotales et cela, durant près d’un demi-siècle, aux tâches d’éducation; l’un des champs d’action fondamentale que privilégiaient les érudits européens, d’Erasme à Montaigne. Le propagateur africain de la foi chrétienne avait, en effet, conscience comme ses prédécesseurs latins que humanitas désigne bien l’essence de l’homme, c’est-à-dire son comportement culturel. 151 Particularités de l’Humanisme de Raponda L’approche du parcours de Mgr RAPONDA confirme des axes de ressemblances mais aussi met en évidence un ensemble de particularités. Ces singularités semblent découler: premièrement, d’un contexte de stabilité doctrinale suscité par l’Eglise catholique après le premier Concile du Vatican, tenue entre 1869 et 1870; et, deuxièmement, de la personnalité profondément africaine du prélat gabonais. En effet, celui-ci n’évoqua pratiquement pas, en public, comme Margueritte DE NAVARRE (1492-1549), confrontée à la réforme, une éventuelle modération des positions de l’Eglise romaine, lui qui avait été souvent chargé, durant sa longue carrière apostolique, de tâches de ministère public près des populations bantu de la grande forêt équatoriale. C’est cette attitude de statu quo doctrinal qui semble expliquer la place franchement marginale des beaux-arts dans l’oeuvre de RAPONDA WALKER. Alors qu’Englebert MVENG, sans doute, encouragé par le renouveau de l’Eglise catholique face au monde moderne amorcé par le Deuxième Concile du Vatican (1962-1965) s’engagera avec conviction à la représentation picturale d’inspiration africaine des thèmes bibliques. Très attaché à son pays, il veut lui être utile efficacement. Il relégua donc, en second plan, les littératures grécolatines, l’écriture poétique et les beaux-arts. Il se consacrera, après une appréciation éminemment rationnelle, à l’essentiel, c’est-à-dire, à développer une meilleure communication avec les populations, à mieux connaître leur histoire, leur comportement anthropologique et leur pharmacopée. Conclusion Bien qu’ayant accompli une oeuvre similaire à celle des humanistes européens, RAPONDA WALKER y apporta des nuances notables. Ce fut une véritable variante de l’humanisme latin qui confirme que l’influence à travers le monde du Quattrocentro italiano et de la Renaissance française, n’a pas échappé à la diversité culturelle des peuples. 152 BIBLIOGRAPHIE BADY, M., «L’humanisme chrétien dans les lettres françaises, XVIème et XVIIème siècles», Fayard, Paris, 1972. CHASTEL A. - KLEIN R.,« L’Europe de la Renaissance, l’Age de l’humanisme», éd. des Deux Mondes, Paris, 1963. DELUMEAU J., «La Civilisation de la Renaissance», Arthaud, Paris, 1967. JOHNSON D., Reflet du Cameroun in Topic, N° 195, USIA, Washington. KABASELE-LUMBALA J., Le Christianisme et l’Afrique, une chance réciproque, Karthala, Paris, 1993. RENAUDET A., Humanisme et Renaissance, Droz, Génève, 1958. SOUINDOULA S., «O Padre Engelberg MVENG, do humanismo latino ao humanismo negro-africano» in l’Umanesimo Latino e l’Umanesimo Africano, Actes, Praia, Capo Verde, gennaio 2000, Fondazione Cassamarca, Treviso, 2000». VEDRINE H., Les philosophes de la Renaissance, PUF, coll. «Que saisje», Paris, 1971. 153 CHEIKH SAAD BOUH KAMARA Professeur de Sociologie à l’Université de Nouakchott (Mauritanie) Contribution à l’analise des principaux apports de l’Humanisme Latin en Afrique de l’Ouest: éléments favorables et éléments défavorable Introduction Les premiers apports de l’Humanisme Latin en Afrique de l’Ouest dateraient de plusieurs siècles selon nombre d’Historiens et en se référant à la tradition orale. En Afrique de l’Ouest, tout au long de la façade de l’Océan Atlantique des vestiges historiques (ruines, noms de localités…) et autres légendes locales permettent de situer les premiers contacts avec ces Portugais, Espagnols et Français à la fin du XIVème siècle et au début du siècle suivant. Les premiers explorateurs latins empruntaient les routes maritimes de la Côte occidentale de notre continent et composaient des cohortes de navigateurs, de traitants et de commerçants. Ceux-ci et ceux-là ont fortement contribué à façonner une certaine image ainsi qu’une appréciation (encore vivaces?) que se faisaient (et ou se font encore?) les Européens, s’agissant des populations et des contrées africaines. Les Africains de l’époque ne connaissaient de l’Europe que cet échantillon hétérogène et non moins, très spécifique: administrateurs, soldats, missionnaires, commerçants, traitants, aventuriers… La curiosité, le désir ardent de découvrir des terres et de les annexer constituaient autant de facteurs importants qu’il convient de souligner. Il faut aussi noter que l’Europe avait besoin de matières premières. A l’époque les empires coloniaux se bâtissaient et l’expansionnisme ne cessait de se développer. Au nombre des principales motivations de ces décideurs et divers responsables de ces découvertes maritimes il importe de citer, entre autres, d’abord, la ‘‘pacification’’ des terres considérées comme non ‘‘occupées’’, ensuite, l’expansion de la civilisation latine et, aussi, l’exploitation des nombreuses richesses réelles ou imaginaires. 155 En plus de ce qui précède, les explorateurs Latins appliquaient leur fameuse devise ‘‘du glaive et du goupillon’’. En effet, toutes les conquêtes militaires et autres ‘‘pacifications’’ s’accompagnaient de campagnes de prosélytisme permettant aux diverses missions évangéliques d’œuvrer en faveur de la religion chrétienne. Ces explorateurs se conduisaient comme si les Africains n’avaient pas de croyances, ni de cultures, ni de civilisations. Ces ‘‘ruées’’ vers l’or et autres denrées précieuses constituaient de véritables expéditions visant le pillage de ces ressources. Des prêcheurs de rêves se mêlaient à de fervents partisans des conquêtes coloniales et à des stratèges navigateurs fort expérimentés pour s’équiper afin de foncer vers l’Afrique Occidentale. Toutes ces personnes semblaient ne rechercher que les intérêts des puissances colonisatrices. 1. De l’Humanisme Latin Une brève tentative de définition pourrait résumer cet Humanisme Latin comme une Doctrine ayant pour objet l’épanouissement de l’Homme …Latin. A cela il faut ajouter deux facteurs très importants. D’une part, l’émergence et l’essor du Mouvement des Humanistes de la Renaissance qui a remis en honneur les langues ainsi que les littératures anciennes; d’autre part, la Projection philosophique qui met l’Homme et les valeurs humaines audessus de toutes les autres valeurs. A ces deux courants il convient d’ajouter les apports fertilisants des savants du siècle des lumières qui ont constitué de véritables précurseurs des défenseurs des Droits de l’Homme. Dans la présente Communication nous entendons par Humanisme Latin tout ce puissant courant d’idées qui provenait de l’Italie, de l’Espagne, de la France et du Portugal. L’Humanisme Latin a permis le développement d’idées fortes qui ont creusé le lit des doctrines favorables aux Droits de l’Homme. Citons parmi ces idées l’ancrage de l’Homme comme valeur essentielle incontournable dont il faut tenir compte. Les penseurs humanistes ont renoué avec la sagesse des auteurs de l’Antiquité en insistant sur la priorité à accorder à l’Homme. Celui-ci doit se situer en amont, au centre et en aval de tout progrès visant les personnes et les sociétés. Face à la frénésie liée aux Grandes Découvertes et à l’essor exponentiel de l’industrialisation, ces initiatives 156 consistaient à recentrer les idées sur la prise en considération de l’Homme. Mais aussi ces Humanistes Latins tenaient à alerter l’opinion publique sur les éventuels dérapages et effets pervers de ces deux événements. L’Humanisme Latin ne saurait être séparé de la religion catholique qui lui fournissait, ainsi, des arguments et permettait de justifier toutes ces opérations de ‘‘pacification’’. Les missionnaires apportaient leur bénédiction à ces multiples campagnes menées au nom des Empereurs et des Rois de l’Europe de l’époque. Les très nombreux et divers échanges qui s’intensifiaient à travers ces itinéraires maritimes ont contribué grandement à façonner un nouvel aménagement de l’espace Ouest africain. En effet, d’une part, de nombreuses populations se concentraient sur la côte atlantique attirées par ces trafics avec les Européens, d’autre part, les fameuses pistes sahariennes intra continentales enregistraient une diminution notable de leur commerce caravanier du fait de cette gigantesque concurrence. Il convient aussi de noter d’autres effets induits et pervers: baisse des rezzous (pillages) de ces caravanes, forte augmentation des violences liées aux actions des pirates, déclin sensible des villes anciennes sahariennes, énorme essor des importations des produits industrialisés européens, lente extinction de l’artisanat africain… 2. Apports de l’Humanisme Latin en Afrique de l’Ouest: eléments favorables Tout au long de ces siècles, assurément, l’Humanisme Latin a apporté en Afrique de l’Ouest une remarquable contribution, qualifiée par de nombreux chercheurs comme essentielle. Les multiples éléments ainsi recensés pourraient être résumés à travers quelques facteurs considérés comme hautement positifs. Tout d’abord, il importe de citer un certain esprit rationaliste ainsi que les fondements des idéaux démocratiques. Ces deux aspects méritent réellement d’être soulignés. En effet le rationalisme se distingue comme un véhicule efficient de la pensée. Il permet, non seulement, de mieux employer les concepts, mais aussi, de façonner les opinions, tout en canalisant les uns et les autres vers des objectifs fort pertinents. L’impact des idéaux démocratiques et 157 leur traduction dans les faits n’échappent guère à personne. Car, ils constituent le fondement ainsi que le socle d’un ordre social plus juste qui implique l’équité et la justice. Ainsi, ils facilitent le développement d’une société plus juste, donc plus stable. De même ils concourent à l’établissement d’une paix durable et à la croissance harmonieuse des nations. L’Etat de droit constitue un objectif important recherché par les peuples colonisés. Puis, il faut y ajouter la relative bonne organisation du commerce, de même que l’apport d’une monnaie plus stable, donc plus pérenne. Ces différents atouts aident, sans aucun doute à améliorer, considérablement, ces divers secteurs. Ils favorisent une planification prévisionnelle, de même qu’une gestion scientifique des tractations commerciales. De plus, l’adhésion à ces approches, de même que l’utilisation de ces mécanismes et autres diverses démarches modernes entraînent l’insertion de l’Afrique dans le concert planétaire des Nations. Toutefois il importe de souligner avec force que ces transactions financières et économiques s’effectuaient, très fréquemment, en faveur de l’Europe. Celle-ci étant, d’une part, mieux nantie en ressources humaines mieux qualifiées, mais, aussi, d’autre part, possédant une expérience, dans ce domaine, comme dans bien d’autres, fort riche et très ancienne. Mais, il convient aussi de rappeler bien d’autres aspects fort importants tels que certains instruments du Progrès. Ces facteurs sont considérés, généralement, au plan universel, et, dans divers domaines, comme des secteurs prioritaires: hygiène, santé, éducation… A travers ces vecteurs vitaux les populations bénéficiaires parviennent à améliorer, considérablement, leurs conditions de vie. Grâce à ces apports entraînant un puissant impact, les Africains font connaître leurs civilisations ainsi que leurs cultures et découvrent celles des autres peuples de divers continents. L’hygiène et la santé permettent aux groupes sociaux cibles de lutter contre les nombreuses maladies tout en multipliant les campagnes de sensibilisation et de prévention concernant les grandes endémies très dévastatrices. L’éducation, non seulement, détermine l’accès aux différents types de savoir de base, mais, aussi, elle débouche sur d’innombrables autres possibilités: perfectionnement professionnel, collecte et analyse d’informations, apprentissage de diverses langues, etc. Mais tous ces nombreux aspects, bien que positifs, ne sauraient masquer d’autres multiples facteurs défavorables 158 liés aux apports de l’Humanisme Latin en Afrique Occidentale. N’est-ce pas, comme le précise un sage adage chinois: ‘‘Un se divise en deux’’. 3. Apports de l’Humanisme Latin en Afrique de l’Ouest: éléments défavorables Parmi les éléments défavorables liés à l’Humanisme Latin en Afrique de l’Ouest il faut noter, tout d’abord, l’actif commerce des esclaves. Puis il faut souligner que l’impérialisme constitue son corollaire car il visait le maintien de la domination coloniale. II importe aussi de relever l’inique système de deux poids deux mesures s’agissant du traitement des colons et des indigènes. Il n’échappe à personne que l’Humanisme Latin visait tout autant la tentative d’assimilation des autochtones, ainsi que l’imposition de la religion catholique… Le très célèbre ‘’commerce triangulaire’’ a considérablement saigné et appauvri l’Afrique. Faut-il le rappeler? Il a consisté à transporter de force des millions d’esclaves africains vers les Amériques et les Antilles. De cette partie du monde les traitants exportaient vers l’Europe du café, des épices, des métaux et autres produits très recherchés. Le continent africain était abondamment inondé d’armes, d’objets de verroterie, de tissu… Il faut souligner que des potentats africains ont activement participé à ce triste commerce. L’Afrique était déjà saignée par deux autres formes d’esclavage: celui, interne, opposant les tribus entre elles et celui qui se faisait en direction des pays arabes. Cette très sombre page de l’Histoire du Continent noir relève du devoir de mémoire et du devoir de vérité. Il convient d’y ajouter le devoir de justice et le devoir de réparation. Les diverses modalités restent à déterminer avec la participation très active de la Société Civile Mondiale. L’impérialisme, au service des Européens, était mené, résolument, par leurs puissances. L’Afrique en a été une des principales victimes. Ce phénomène mérite encore des études spécifiques pour mieux cerner, avec précision, l’ensemble de ses contours et pour évaluer, judicieusement, toutes ses conséquences. Il s’agissait d’un système injuste conduit exclusivement dans l’intérêt des impérialistes. Sa justification morale demeure encore de nos jours ahurissante: à l’époque, ses partisans clamaient partout la supériorité de l’Homme européen! En effet, dans les Empires coloniaux une situation, forte159 ment décriée, tant à l’époque que de nos jours, prévalait. Elle consistait à prendre en considération deux types de personnes: les citoyens européens et les colonisés indigènes. Deux statuts distincts, largement réglementés et diffusés, traitaient des êtres humains de façon très différente! Cela ne devrait pas tant nous étonner; car à cette époque en Europe la féodalité triomphait. Ce qui est moins étonnant c’est la perpétuation de l’impérialisme après le triomphe des idéaux républicains et démocrates… Parmi les conduites des Européens, deux autres éléments méritent d’être rappelés: la très forte tentative d’assimilation des Africains et la ferme détermination de vouloir imposer la religion catholique. Ces démarches consistaient à dépersonnaliser les indigènes en niant leurs croyances, en les aliénant, en tentant d’extirper de leur mode de pensée tout ce qui ne provenait pas de l ’Occident. Les ravages commis suite à ces traitements inhumains restent encore très vivaces. L’acculturation du colonisé, étudiée avec brio par Frantz FANON et Albert MEMMI, constituait le cheval de bataille des impérialistes. Conclusion L’Humanisme Latin déferlant sur l’Afrique à partir de la fin du XIVème siècle contribua, sans aucun doute, directement ou indirectement, à façonner l’évolution politico-historique de ce continent. A ce sujet une recommandation s’impose: il demeure important que diverses études pluridisciplinaires soient réalisées afin de mettre en exergue ses différents apports. Ainsi ces investigations ne manqueront pas de faire toute la lumière sur ces nombreuses zones d’ombre. Un regard croisé de spécialistes en Sciences Sociales, Européens et Africains, permettrait de conjuguer maints efforts pour bien diagnostiquer cette période peu connue de l’Histoire de l’Humanité. Les échanges intercontinentaux actuels s’intensifient. Les nouvelles technologies de l’information bouleversent les traditions et facilitent ces échanges. L’avenir de la planète dépendra de l’utilisation de tous ces moyens. Deux hypothèses pourraient être formulées: soit rechercher la paix et le bien-être pour tous les Citoyens de la planète, soit vouloir imposer de nouvelles formes d’impérialisme. La mondialisation actuelle serait-elle la suite logique de cet Humanisme Latin? Dans ce cas le Mouvement Social Mondial pourrait être une forme de puissant correctif! 160 ISSIAKA-PROSPER L. LALÉYÊ Professeur d’épistémologie et d’anthropologie à l’Université Gaston Berger de Saint-Louis (Sénégal) Humanismes et idéologies du développement La contemporanéité à l’épreuve de l’essentiel humain Notre époque est championne en droits humains, et pourtant, on y parle peu d’humanisme1. Faut-il voir là un signe de l’absence chez nos contemporains du souci pour l’homme et sa dignité comme valeur rectrice de la pensée, de la parole et du comportement? Je refuse de le croire. L’humanisme, à mon avis, est de toutes les époques, la nôtre non exceptée. Ses formes varient énormément; son contenu beaucoup moins; nonobstant le fait que par moments et à certains endroits le souci de l’homme et la célébration de sa dignité paraissent désespérément et définitivement abandonnés. Quand on a l’occasion de rapprocher les humanismes latin(s) et africain(s) comme c’est le cas au cours de cette rencontre dont je tiens à rendre hommage aux initiateurs – personnes et institutions confondues – je ne pense pas que nous aurions raison de limiter le sens du mot humanisme à son acception historiquement attestée telle que l’illustrent les noms de Pétrarque, Erasme ou Budé. Il en va des humanismes comme des visions de l’homme et du monde. Chaque groupe humain a la sienne et le sien. Ce ne serait pas plus sage de supposer que lorsque nous prononçons le mot humanisme et tel ou tel de ses dérivés, c’est exactement la même idée que chacun de nous a dans l’esprit. C’est pourquoi je commencerai mon propos par un arrêt au mot «humanisme» pour dire très brièvement quel sens je lui donne et quel contenu je (me) refuse de lui affecter dans le cadre de la présente communication. Une fois ce minimum de clarification notionnelle assurée, j’exposerai, dans une seconde partie, les principales présuppositions de l’argumentation que requiert le traitement du thème que je me suis choisi et qui n’est autre que d’interroger les humanismes latins et africains à partir de la 161 dominante de notre vécu commun actuel à l’échelle de l’humanité et du globe, tant il est vrai que ces deux notions tendent désormais à apparaître comme des synonymes. Ces présuppositions de ma pensée que l’on pourra considérer comme autant de postulats auront pour cadre le contemporain en tant que tel et étant donné la propension que l’on constate chez nos contemporains à confondre l’actuel et le moderne, je consacrerai au concept de contemporanéité des considérations susceptibles d’en faire un concept opératoire pour certaines sciences humaines qui seraient capables, dès lors, de produire des analyses et des conclusions protégées autant que faire se peut des déclarations tapageuses et des jugements à l’emporte pièce des partisans et des adversaires de la modernité ou de la soi disant postmodernité. Dans la troisième partie de ma communication, je m’adonnerai à des affirmations délibérément rendues abruptes davantage pour provoquer la contradiction et en faire jaillir de la lumière que pour porter des accusations contre des individus, des groupes ou même l’histoire. * Le premier contenu que j’affecte au mot humanisme est la valorisation de l’homme. Mais les notions de valeur et de valorisation ne vont pas sans poser des problèmes. Le risque étant de se perdre très vite dans de savantes discussions sur ce qu’est et/ou devrait être une valeur. Contentons-nous donc d’admettre que chaque fois qu’une manière d’être ou de faire, individuelle ou collective, est reconnue comme propre à l’humain au point d’être – en tant que manière d’être et de faire – choisie, posée, respectée, enseignée, recherchée, recommandée, prisée, objet d’éloge, de célébration – voire d’un véritable culte – cette manière d’être et de faire fait partie intégrante de l’humanisme du groupe humain auteur de cette reconnaissance et de cette valorisation. L’humanisme d’un groupe d’hommes à un moment de l’histoire et en un point de l’espace, c’est l’ensemble des manières d’être et de faire que ce groupe juge bon de choisir pour les chérir et les cultiver, ce qui est proprement les valoriser. Le deuxième contenu que j’affecte à l’humanisme est que les manières d’être et de faire qui le constituent sont essentiellement dynamiques. Certes, le choix à la faveur duquel elles ont été préférées à d’autres les stabilise 162 quelque peu, en apparence tout au moins. Mais fondamentalement, ces manières de faire, constamment menacées par leurs contraires, nécessitent de la part de ceux qui adhèrent à elles une vigilance qui avoisine le militantisme, et parfois un véritable apostolat. Il leur faut comme lutter contre leurs contraires pour demeurer ce qu’elles sont. Ce dynamisme intrinsèque les rend donc ouvertes. Aussi ont-elles tendances à adhérer avec une certaine spontanéité à tout ce qui, venant d’ailleurs, leur paraît concourir à réaliser les mêmes idéaux qu’elles. A cela, rien de bien étonnant. Car, s’il est vrai comme l’on dit que «tout ce qui monte converge», alors, les manières d’être et de faire dont se compose un humanisme en un temps et en un lieu donnés sont promptes à s’incorporer des éléments venus d’ailleurs pour autant que ces derniers leur paraissent non seulement compatibles mais plus fondamentalement convergents. Le double dynamisme dont font montre les éléments constitutifs d’un humanisme les rend ainsi littéralement poreux les uns aux autres. Pour essayer de rendre compte de cette propriété qui leur est commune, on pourrait dire que rien n’est plus semblable à un humanisme qu’un autre humanisme. A celui qu’étonnerait cet air profond de famille de tous les humanismes, il suffirait de rappeler que malgré les apparences, à quelque endroit et à quelque époque qu’on le considère, l’homme n’est pas aussi différent de l’homme qu’on veut bien le croire. Cette porosité des humanismes les uns aux autres permettra de comprendre la troisième composante que personnellement je me permets d’affecter à l’humanisme en tant que tel. Je veux parler de l’ouverture de tout humanisme au transcendant, et, de proche en proche au tout Autre qui n’est autre que Dieu. Naturellement, la simple évocation de cette propriété des humanismes fait surgir devant nous la question des humanismes qui se disent et que l’on dit athées. Mais il n’est pas indispensable, je crois, d’ouvrir tout un débat sur cette question pour se forger une opinion fondée ou sensée en se réservant de mieux l’argumenter plus tard et à nouveaux frais. Il peut suffire d’évoquer brièvement le cas de Jean-Paul Sartre présentant son existentialisme clairement déclaré athée comme un authentique humanisme. Car en simple logique, si une doctrine qui se reconnaît elle-même comme athée réussit à démontrer qu’elle est cependant un authentique humanisme, alors les humanismes qui se conçoivent et se pratiquent sous le sceau de la foi en un Etre suprême, per163 sonnel et transcendant auront une relative facilité pour démontrer leur ouverture à la transcendance en tant que telle. Rappelons que l’athéisme sartrien est d’abord la conséquence «logique» d’un traitement réaliste de notre expérience du monde. Qu’il s’agisse d’un réalisme excessif, pessimiste et acculé au désespoir, les adversaires de Sartre ne se sont pas privés de le lui faire remarquer. Mais c’est Sartre luimême qu’il convient de suivre dans son argumentation. Or, ce que constate l’auteur de l’Existentialisme est un humanisme est que l’homme est abandonné à lui-même. Dieu paraît sourd et aveugle à sa souffrance. Certes, celui qui a la foi et qui à ce titre n’a plus besoin qu’on l’aide à l’acquérir voit Dieu dans le moindre élément de sa création. Pour lui, l’homme n’est pas sans appui; il n’est pas abandonné à lui-même et n’est pas condamné au désespoir. La divine Providence dans son infinie bonté pourvoie à tous les besoins et à toutes les attentes du croyant qui n’a point de peine, dès lors, à s’imaginer que tout ce qui lui arrive dans la vie est «voulu» par l’Etre Suprême. Tel – on le sait – n’est pas le cas de celui qui se dit athée. Ne voyant ni ne sentant Dieu nulle part, à commencer par son «for intérieur», il se sent totalement sans appui et condamner à se tirer d’affaire tout seul. C’est justement ce que pense Jean-Paul Sartre lorsqu’il écrit: «…l’homme, sans aucun appui et sans aucun secours, est condamné à chaque instant à inventer l’homme»2. Mais de cet homme littéralement condamné à être libre, Sartre écrit aussi: «Tout se passe comme si, pour tout homme, toute l’humanité avait les yeux fixés sur ce qu’il fait. Et chaque homme doit se dire: suis-je bien celui qui a le droit d’agir de telle sorte que l’humanité se règle sur mes actes?»3 Il n’est pas nécessaire de citer plus longuement l’auteur de l’Existentialisme est un humanisme pour voir de quelle(s) manière(s) l’humanisme sartrien, bien que présenté comme athée, reste ouvert à la transcendance. Car qu’est-ce que l’humanité….. pour un homme réduit à ses seules forces et presque condamné à se créer de toutes pièces comme le pensait Sartre? Que peut bien signifier pour cet homme (ramené pour les besoins autant de la cause que du raisonnement aux limites de Sartre lui-même en tant que penseur) l’homme auquel font référence les affirmations de l’auteur de l’Existentialisme est un humanisme lorsqu’il déclare tour à tour: 1. «… je crée une certaine image de l’homme que je choisis; en me choisissant, je choisis l’homme.»4 ou encore 164 2. «… il n’est pas un de nos actes qui, en créant l’homme que nous voulons être, ne crée en même temps une image de l’homme tel que nous estimons qu’il doit être.»5? Pour un homme dont l’horizon se bornerait aux seules limites de son être biologique, que sont cette valeur, ce bien, ce mal dont parle l’auteur? Qu’est-ce que «affirmer» et qu’est-ce que «choisir» et surtout «se choisir et en même temps choisir pour tous les autres hommes»? Il faut le reconnaître humblement et le dire sans ambages: il n’y a rien dans l’homme que l’on puisse réduire à l’individu. Dès que chacun de nous s’arrête à son expérience en tant qu’ego, mais surtout, aussitôt que cette expérience fait l’objet d’une attention qui la scrute, qui la creuse et quelque douloureuse qu’une telle égologie6 puisse parfois être, c’est tout l’humain qui s’y glisse et s’y installe, peu à peu mais dans une éclatante évidence qui frise l’indicible, l’ineffable. Limitant à trois les caractéristiques élémentaires de l’humanisme – de tout humanisme – nous pouvons donc dire que valoriser l’homme tel qu’on le conçoit, être dynamique en soi et par rapport à son entourage immédiat et lointain et être ouvert à l’autre y compris au tout autre, peuvent être considérés comme les caractéristiques de l’humanisme. * Ma première supposition, dans la présente communication, est que l’humanisme est une «donnée» universelle à l’échelle de l’humain. Je le conçois donc comme une des dimensions essentielles de toute culture. Il n’est jamais absent d’aucune d’entre elles. Plus explicite ici que là, portant sa conscience de soi à un véritable paroxysme ou demeurant si discret et silencieux qu’on en viendrait facilement à mettre en doute sa simple existence, l’humanisme tel que je le conçois est de tous les temps et de tous les lieux à l’échelle de l’humain. La condition nécessaire et suffisante pour qu’il existe est qu’il y ait un groupe humain organisé en société et produisant cette «chose» spéciale que nous nommons la culture. Ma conception de l’humanisme pourrait donc être considérée comme «anthropologique». Sans se confondre avec la culture, il est présent chaque fois qu’elle nous est donnée. Mon second présupposé est que tout développement est la mise en application d’une idéologie. Cela quel que soit le degré de la conscience de soi à laquelle est parvenue cette idéologie. Pour admettre, ne serait-ce qu’à titre 165 d’hypothèse de travail une telle concomitance, il suffit d’accepter que par développement l’on entende un système d’idées dynamiques à l’origine d’une action collective. Car une action collective ne saurait se poursuivre sans un minimum de référence à des repères également collectifs. Il s’en suit que les idées contenues dans l’idéologie ainsi entendues se distinguent d’abord par leur dynamisme intrinsèque. Que les voies qu’elles empruntent soient conscientes ou non, elles innervent la totalité de l’action collective à un moment donné de la vie du groupe. Mon troisième présupposé est que le continent africain peut être regardé comme une véritable forêt d’humanismes. Ils y sont nombreux; plus anciens les uns que les autres; habitués, pour certains d’entre eux à s’affronter plus ou moins violemment, mais parvenus, il n’y a pas si longtemps à un état d’équilibre aussi relatif que réel, permettant de facto une coexistence pacifique. Equilibre relatif ou dynamique que la colonisation, on le sait, sera venue perturber en profondeur. Cependant, nous aurions tort de penser qu’il y avait en Afrique autant d’humanismes que d’ethnies! Ces humanismes convergeaient nécessairement, étant donné d’une part leur cadre écologique relativement identique et d’autre part leur soubassement métaphysique et religieux relativement homogène à défaut d’être partout identique. Les points de convergence de ces humanismes africains légués par la tradition sont aujourd’hui clairement perceptibles dans ce que nous nommons la personnalité négro-africaine traditionnelle telle que la psychologie sociale et l’anthropologie permettent de la mettre en évidence7. Mon quatrième et avant dernier présupposé est que l’humanisme me paraît prompt à se muer en idéologie. Il suffit, peut-on dire, que l’occasion lui en soit donnée. Et celle-ci l’est presque toujours. Car l’ensemble des valeurs à la fois humaines et humanisantes que l’humanisme reconnaît, regroupe, recommande, célèbre et diffuse semble(nt) porté par une énergie propre qui d’abord les cimente en un bloc autoportant, autosuffisant et constamment désireux de tout inspirer, de tout animer et de tout régenter. On parlerait de l’impérialisme consubstantiel de tout humanisme sur ce point qu’on n’aurait pas tout à fait tort. Ainsi, non seulement ces valeurs, une fois réunies en système, tendent à faire le vide autour d’elles, mais surtout, elles écartent plus ou moins violemment tout ce qui s’oppose à elles et il peut suffire de ne pas leur être favorable pour être pris pour un 166 ennemi à abattre! Comme quoi, les barbares et autres sauvages sont toujours «bons» à faire disparaître. Et que sont les «barbares» sinon ceux qui adhèrent à un humanisme perçu comme plus ou moins radicalement différent du nôtre? Si tout humanisme est prompt à se muer en idéologie (présupposé n° 4) et si tout développement est la mise en application d’une certaine idéologie (présupposé n° 3), alors, derrière toute théorie du développement et même tout simplement derrière toute situation de développement, il n’y a pas seulement une idéologie qui sommeille, il y a également et toujours un humanisme qui veille. Implicites ou explicites, cette idéologie et cet humanisme sont là et le problème n’est pas tant d’affirmer leur(s) existence(s) que de pouvoir la mettre en évidence en utilisant à bon escient aussi bien les ressources d’une observation dûment outillée que le support d’une argumentation rigoureuse et rationnelle. Sur l’arrière plan de la clarification terminologique consacrée à la notion d’humanisme et de ces quatre présuppositions considérées pour faire vite, comme autant de postulats, mon problème, dans le cadre de la présente communication, c’est de considérer l’idée dominante actuelle du développement comme une donnée de départ, de supposer à titre d’hypothèse de travail, qu’elle recouvre aussi bien une idéologie qu’un humanisme et de confronter quelques unes des données majeures de cette idée dominante d’une part à l’humanisme implicite qui la véhicule et, d’autre part, à l’ensemble des humanismes dûment ramenés à l’essentiel de leur message pour déceler ne serait-ce qu’en creux, les voies d’une humanité encore à venir. Mais pour qu’un tel exercice soit possible, il me faut m’arrêter à une notion qui nous joue des tours en raison de la proximité qui la caractérise par rapport à d’autres notions qui nous sont peut être plus familières mais qui ne présentent pas le même intérêt et ne sont pas directement mêlées à des enjeux d’importance comparable. Je veux parler de la notion de contemporanéité. La contemporanéité évoque d’abord l’idée de simultanéité. Elle implique ensuite la concomitance entre deux évènements qui se déroulent parallèlement dans le temps sans cependant nécessairement s’entre déterminer. Elle signifie enfin ce qui est actuel; à ceci près que cette actualité peut se situer dans le présent, dans le passé ou même dans l’avenir. Par rapport à cette troisième signification de la contemporanéité, deux êtres ou deux choses contempo167 raines sont des êtres ou des choses ayant eu, ayant ou appelés à avoir un même présent. Dans les trois acceptions de la contemporanéité qui précèdent, il y a quatre notions. Pour départager les trois premières de ces notions indûment rendues concurrentes par le sens commun, faisons remarquer que le sujet qui constate une simultanéité de deux évènements et en parle ne s’y implique pas nécessairement. Tandis que le sujet qui use de la notion de contemporanéité peut s’inclure lui-même dans la propriété dont il parle. Ainsi, la simultanéité ne concerne que deux faits (ou sujets) considérés dans le temps alors que la contemporanéité concerne nécessairement le sujet qui en parle. Les contemporains d’Aristote ou d’Alexandre le Grand ne sont de toute évidence pas les nôtres, mais chacun de nous a ses contemporains. Pour le meilleur comme pour le pire, d’ailleurs, puisque pour tuer Abel, il a bien fallu que Caïn fût son contemporain! L’intérêt qu’il y a à préciser le sens de la contemporanéité se trouve selon moi dans la confusion dont cette notion est l’objet par rapport à la notion de modernité. Car, si les hommes, les faits et les évènements qui coexistent dans un espace donné en un temps donné sont contemporains les uns des autres, il s’en faudrait de beaucoup pour que tout ce qui est contemporain soit automatiquement moderne. La notion de modernité possède en effet une connotation valorisante que ne contient pas nécessairement celle de contemporanéité. C’est justement à cause de sa neutralité éthique (et même esthétique) que la contemporanéité me paraît préférable à toute autre notion apparemment semblable si l’on désire examiner un état de l’évolution de l’humanité sans se laisser piéger par les innombrables jugements de valeur qu’entraîne la moindre référence à l’humanité comme propriété (ou ensemble de propriétés) et comme valeur. Or, le développement est partie intégrante de notre contemporanéité à tous. S’en suit-il qu’il fasse aussi partie de notre modernité ? Il est permis de ne pas répondre machinalement à cette question! Et d’abord, qu’est-ce que le développement? * Si de la lucarne d’un vaisseau spatial, il était demandé à quelqu’un à qui cette position exceptionnelle permet de tenir l’humanité entière sous un seul regard, de dire ce qu’est le développement, il dirait probablement que c’est d’abord un ensemble de mouvements. 168 En effet, petites ou grandes, toutes les sociétés humaines d’aujourd’hui travaillent à leur développement. Mais si le développement est un ensemble de mouvements, il n’est pas un mouvement d’ensemble. Car il n’en a ni l’homogénéité structurale dynamique ni l’harmonie; il n’en a donc pas la grâce. Tous les mouvements de la vie individuelle et collective sont désormais orientés vers le développement. Il en est la finalité permanente et donc universelle. Notre astronaute ferait sans doute remarquer ensuite que l’ensemble de mouvements qu’est le développement, faits de myriades d’attitudes, de comportements et d’actions individuels et collectifs, est porté par une multitude d’idées, de pensées et de théories. Produites par une multitude de sciences plus exactes les unes que les autres, adossant leurs doctrines à l’observation, à l’expérimentation autant qu’à l’imagination, ces pensées projettent ici et là des spots de lumière intense qui constituent autant d’espace de rationalité plus ou moins hermétiques les uns aux autres. D’une part le nombre élevé et croissant de ces zones de lumière entretient en nous le vif espoir que l’ensemble du phénomène qu’est le développement ne va pas tarder à recevoir une explication rationnelle totale. D’autre part, la multiplication de ces zones lumineuses agissant comme autant d’étincelles, n’empêche pas une gigantesque zone d’obscurité d’envelopper ce qui, comme une comète, continue de déchirer de son éclair l’épais velours noir d’un univers illimité. La coexistence paradoxale de tant de lumière et de tant d’obscurité n’est pas faite pour rassurer. Ceux qui en prennent conscience ne peuvent éprouver que du vertige. A moins qu’ils ne se bouchent les oreilles et ne se ferment les yeux pour essayer de se soustraire à ce qui les dépasse et les déstabilise si profondément. C’est que derrière le gigantesque amas de mouvements qu’est le développement se trouve et évolue une idée gigantesque. Celle-ci, en tant qu’idée, n’est elle-même qu’un gigantesque système d’idées à l’intérieur duquel, tout en donnant l’impression d’être séparés par des cloisons étanches, des ensembles d’idées s’entre déterminent pour produire une orientation résultante puissante. Aucun de ces ensembles ne suffit à lui seul pour produire cette orientation résultante. Chacun d’eux est au contraire totalement soumis à cette orientation. Néanmoins l’orientation résultante est et n’est que le produit de l’interaction de ces ensembles d’idées les uns sur les autres. 169 C’est à cette orientation résultante que l’on peut donner le nom d’idéologie. On pourrait même l’appeler une méga idéologie. Rappelons qu’avant d’élire domicile dans les sciences sociales et humaines, notamment dans les sciences politiques et les sciences économiques, le concept de développement s’est d’abord illustré dans les sciences de la nature et dans les sciences du vivant. L’image de la graine mise en terre et qui germe, devient une plantule avant de s’épanouir en une plante plus ou moins géante qui donne naissance à des fleurs puis à des graines appelées à suivre, à leur tour, ce même itinéraire quand les conditions en seront remplies demeure l’une des meilleures illustrations que l’on puisse donner du développement. Ce qui est ici vrai du végétal l’est également de l’animal. Le concept de développement, après s’être épanoui dans les sciences de la nature végétale et animale n’a pas tardé à gagner les sciences de l’esprit; tant il est vrai que la vie mentale demeure un des multiples aspects de la vie, notamment chez l’homme. Ainsi, au fur et à mesure que la psychologie des différentes fonctions de l’esprit humain a pris conscience des contraintes et des avantages de son aspiration à la scientificité, la notion de développement a bénéficié des illustrations qui font désormais apparaître la chose nommée développement comme une des données les plus permanentes et les plus précieuses de la vie sous toutes ses formes. Ainsi, de W. Wundt (1832-1920) à Piaget (18961980) en passant par Karl Marx (1818-1883), S. Freud (1856-1939), Jung C.G. (1875-1961) et Watson (1878-1958), la psychanalyse ou psychologie des profondeurs, la psychologie sociale, la psychologie de l’intelligence et la psychologie des fonctions essentielles que sont la perception, la mémoire, la volonté, et même l’amour, la haine et la jalousie ont révélé ce que toutes ces dimensions de la nature humaine doivent au développement. De nos jours, l’omniprésence du mot et de l’idée de développement nous pousse à oublier ou à minimiser l’ampleur de l’événement que fut la découverte du développement en tant que tel. Car, jusqu’à la fin du dix-huitième siècle, et pour nous limiter à la civilisation européenne, la réalité du développement, sans être totalement étrangère aux sciences n’avait dans aucune d’elles l’importance que nous lui connaissons aujourd’hui. Dans la connaissance de l’univers cosmique comme dans celle du monde humain et de l’homme lui-même conçu comme un microcosme, tout 170 paraissait se trouver à peu près dans l’état dans lequel la création est sortie des mains de son Créateur. Ce n’était pas seulement les astres qui tournaient en des cercles réguliers autour d’un centre fixe. C’était aussi des facultés humaines «sorties» toutes construites des mains de Dieu. Certaines sciences, la logique et la mathématique notamment, donnaient même l’impression d’être achevées, d’avoir non seulement saisi tout leur objet, mais encore et surtout exprimé toute la vérité dont elles étaient capables. Emmanuel Kant (1724-1804) aura sûrement été le dernier grand épistémologue des sciences de cet univers fixe8. C’est pourquoi la mise en évidence de l’évolution fut une véritable révolution. Nous aurions tort de penser que nous avons fini d’en prendre la mesure et d’en tirer toutes les conséquences. C’est pourquoi aussi, lorsque nous observons l’hégémonie actuelle qu’exerce le concept de développement9 dans les sciences politiques et sociales, nous devrions avoir le courage de replacer ce concept dans le contexte des sciences pour lesquelles l’objet englobe l’homme comme individu, les sociétés en tant qu’individus et même l’humanité entière contenue dans les limites d’un globe qui est loin d’être «seul au monde»! Concrètement, il y a un développement des galaxies et un développement du projet humain tel que Dieu l’a conçu, voulu et installé qui englobe les développements des continents, des régions, des pays, des Etats ou des classes sociales à l’intérieur d’une même société. C’est en prenant conscience de la nécessité d’intégrer à la pensée cet emboîtement des développements que j’affirme: «l’orientation résultante générée par l’interaction des ensembles de savoirs que nous pratiquons et possédons aujourd’hui n’est pas seulement une idéologie, mais une méga idéologie». Une idéologie n’est pas un simple amas d’idées. Les idées n’étant pas des choses matérielles, il ne saurait être question de les amasser ou de les entasser. Leur immatérialité – qu’il ne faut pas confondre avec de l’irréalité – n’autorise sur elles que certaines opérations. Parler de manipulation des idées, c’est être déjà près de contrevenir à leur nature. Disons donc qu’une idéologie n’est pas un simple ensemble d’idées. La relation unissant les idées aux choses et aux êtres qui en tant qu’acteurs agissent sur ces choses nécessite que soit soulignée une deuxième dimension des idées et des idéologies. Je veux parler de leur abstraction. Ce sont des attitudes individuelles ou collectives, des comportements, des actions et des actes des hommes agis171 sant seuls ou en société qu’il est possible de voir et de toucher. Il n’en va pas de même des idées relatives à ces attitudes, ces comportements, ces actes ou ces actions. Ces actes étant concrets, palpables, sensibles, les idées avec lesquelles ils sont en rapport ne peuvent être que pensées. Elles sont donc par définition impalpables, immatérielles. C’est en ce sens qu’on les dit abstraites. Mais il ne suffit pas qu’étant donné un ensemble de choses et de comportements, il y ait un ensemble d’idées avec lesquelles ces choses, ces acteurs et ces actes sont en relation pour que nous ayons une idéologie. L’ensemble d’idées susceptible d’être considéré comme une idéologie se caractérisera, dès lors, par sa nature de système. Cet ensemble doit former un tout à l’intérieur duquel les parties que sont les idées se déterminent les unes les autres. Cette détermination est placée sous le double effet du tout qui contient les parties et de chacune des parties considérées isolément. L’ensemble d’idées qu’est l’idéologie se caractérisera ainsi par deux traits qui pourraient surprendre mais qui demeurent parfaitement explicables. Le premier est la relative indépendance des idées de cet ensemble par rapport aux comportements à l’origine desquels elles se trouvent. Le second est non seulement l’autonomie du système des idées contenues dans l’idéologie, une fois que ce système s’est constitué, mais encore et surtout l’auto portance de ce système. En tenant compte de ces deux traits caractéristiques, il devient possible de comprendre de quelle manière une idéologie peut ne pas être totalement présente dans une conscience humaine individuelle. Les idées qui constituent cette idéologie ont donc pour référentiel et pour substrat non pas l’individu, mais le groupe auquel il appartient. Par ailleurs, ce n’est pas seulement la conscience individuelle qui ne contient jamais la totalité d’une idéologie donnée. La conscience collective elle-même ne peut avoir de l’idéologie qui la fait vivre et qu’elle fait vivre qu’une vision ou une possession parcellaire et épisodique. En conséquence, chaque fois que l’on statue sur l’idéologie d’un groupe humain, d’une classe sociale ou d’une époque donnée, on s’expose à des contestations de divers ordres dont l’origine se trouve dans la nature abstraite des idées, dans la conscience seulement partielle dont une idéologie peut jouir de la part des individus et du groupe que cependant elle détermine, et enfin dans l’auto portance de cette idéologie en vertu de laquelle elle semble mener une existence détachée de celle du groupe qu’elle détermine. 172 Telle étant ma conception de l’idéologie, la méga idéologie que je constate à l’origine du développement tel que les hommes et les sociétés d’aujourd’hui s’efforcent de le réaliser a ceci de remarquable qu’elle est plus puissante que la technologie, plus puissante que la science, plus puissante que les philosophies, plus puissante que les politiques, plus puissantes que les religions et même plus puissante que les idéologies déjà connues, nommées et plus ou moins adéquatement étudiées. Le beau projet des idéologistes et idéologues du 19ème siècle qui ont voulu, en se plaçant hors d’atteinte de toute métaphysique, mettre en évidence l’origine, la structure et le fonctionnement des idées constitutives de l’idéologie ne me semble pas avoir été complètement accompli. A voir les rôles que joue la méga idéologie qui nous est contemporaine dans nos vies individuelles et collectives, on ne peut que souhaiter une renaissance de l’étude patiente et objective du phénomène idéologique en tant que tel. Car, par fatalisme ou par démission de l’intelligence, si ce n’est de la raison, le risque me paraît aujourd’hui énorme de laisser les mécanismes idéologiques qui régissent nos sociétés tourner tout seuls. En attendant qu’une science rénovée de l’idéologie nous offre l’occasion d’éclairer les soubassements, les structures et les différents pièges et forfaits de la méga idéologie qui mène notre monde, la dominante de notre expérience commune actuelle est la souffrance et la douleur. Même ceux qui se disent et que nous croyons déjà développés n’ont ni la tranquillité ni la paix. Non seulement ce développement tant envié est loin d’apporter le bonheur à ceux qui y travaillent sans relâche, mais surtout, nous nous rendons de plus en plus compte que c’est lui qui produit, entretient et aggrave chaque jour la pauvreté des individus pauvres dans les sociétés dites développées ainsi que la pauvreté et la misère des groupes humains périphériques dans sociétés dites en voie de développement. C’est justement parce que le développement génère partout de la souffrance et de la douleur qu’il est impossible de ne pas se poser certaines questions troublantes à son sujet, par rapport à l’humanisme et aux humanismes. En effet, ce développement est-il le produit d’un humanisme et si oui lequel? Et s’il ne vient pas d’un humanisme, serait-il capable de nous mener à un humanisme? Dans ce cas, par quelles voies et à quel prix? Fondamentalement, qu’est-ce qu’un humanisme pourrait apporter au développement tel que nous le concevons et essayons de le réaliser aujourd’hui? 173 * Que je sache, aucun humanisme ne dit: l’essentiel, c’est de bien manger, c’est de bien boire! Pas un humanisme ne dit: l’essentiel, c’est de produire, c’est de consommer, c’est de commercer avec ses semblables, avec ou sans les institutions de Bretton Woods. Aucun humanisme, à ma connaissance, ne déclare: l’essentiel, c’est de faire la guerre à l’autre, c’est de le réduire à l’esclavage, de le transporter par delà les océans pour le faire travailler gratuitement de père en fils durant des générations! Je ne connais pas d’humanisme qui dise, l’essentiel, c’est de coloniser des peuples entiers, déstructurant profondément et durablement leurs sociétés et leurs cultures! Mais je ne connais pas davantage d’humanisme qui dise: l’essentiel, c’est de prendre des avions et de les jeter sur les tours jumelles un onze septembre 2001, tuant des milliers d’êtres humains en quelques secondes. Mais oui: aucun humanisme ne dit toutes ces choses et pourtant, elles sont arrivées. Elles nous sont arrivées. Elles continuent de nous arriver! Ce que disent les humanismes, où qu’on les trouve et à quelque époque qu’on les prenne, c’est: «quoi que tu fasses, fais en sorte qu’en le faisant, tu sois toujours plus homme»! Non pas que tu sois «plus qu’homme». Mais simplement et sérieusement plus homme! Bien évidemment, le mot humanisme n’existe pas – tel quel – dans les langues africaines! Et comment cela se pourrait-il ? Le mot n’existe pas, mais la chose, fort bien! Et dans la mienne de langue africaine, en yoruba, HUMANISTE se dit OMONLUWABI: «Celui que ses propres actes enfantent»; enfanter dans le sens de générer! Je vous remercie pour votre aimable attention. 174 Notes (1) Il y a des exceptions qui pourraient «confirmer» ce constat! C’est ainsi qu’on peut lire dans l’allocution prononcée par le Président de la République Française lors de son investiture le 16 mai 2002: «Fidèle à l’idéal humaniste qui guide le peuple français depuis la proclamation des Droits de l’Homme et du citoyen, je veillerai à ce que les principes de liberté, d’égalité et de fraternité inspirent constamment l’action de son gouvernement.» Une autre exception plus ancienne et plus intéressante par rapport au présent colloque se trouve dans l’œuvre de L.S. Senghor qui a explicitement abordé la question de l’humanisme. Voir à ce titre Liberté 1. Négritude et humanisme, Paris, Seuil, 1964, dans lequel se trouve le texte intitulé «Eloge de la latinité». Ouv. Cit., pp. 354-357. (2) J.P. Sartre, L’existentialisme est un humanisme, p. 38. (3) Idem, p. 31. (4) «…Et si je veux, fait plus individuel, me marier, avoir des enfants, même si ce mariage dépend uniquement de ma situation, ou de ma passion, ou de mon désir, par là j’engage non seulement moi-même, mais l’humanité tout entière sur la voie de la monogamie. Ainsi je suis responsable pour moi-même et pour tous, et je crée une certaine image de l’homme que je choisis; en me choisissant, je choisis l’homme.» Cf. J.P. Sartre, ouv. cit, p. 27. (5) «…Quand nous disons que l’homme se choisit, nous entendons que chacun d’entre nous se choisit, mais par là nous voulons dire aussi qu’en se choisissant il choisit tous les hommes. En effet, il n’est pas un de nos actes qui, en créant l’homme que nous voulons être, ne crée en même temps une image de l’homme tel que nous estimons qu’il doit être. Choisir d’être ceci ou cela, c’est affirmer en même temps la valeur de ce que nous choisissons, car nous ne pouvons jamais choisir le mal; ce que nous choisissons, c’est toujours le bien, et rien ne peut être bon pour nous sans l’être pour tous.» ouv. cit. p. 25-26. (6) Voir I.-P. Lalèyê, «Le même et l’autre de l’homme. Le savoir aux prises avec la différence» dans «Philosophies africaines: traversées des expériences», Rue Descartes n° 36, Collège International de Philosophie, Juin 2002, Paris, Presses Universitaires de France, pp. 75-91, [200 p.]. (7) Cf. I.-P. Lalèyê, La conception de la personne dans la pensée traditionnelle yoruba. Approche phénoménologique. Herbert Lang et Cie SA, Berne, 1970, 252 p. (8) La première édition de la Critique de la raison pure est de 1781. (9) Cf. I.-P. Lalèyê, «Du temps comme dimension au temps comme condition du développement», dans S.D. Diagne et H. Kimmerle (édit.), Temps et développement dans la pensée de L’Afrique subsaharienne, Etudes de philosophie interculturelle, n° 8, éditions Rodopi, Amsterdam, Atlanta, GA 1998, 327p, pp. 251-265. 175 MACIEL MORAIS SANTOS Centro de Estudos Africanos, Universidade do Porto (Portugal) Um episódio do mercado de trabalho em África – o relatório Nightingale de 1906 Há cerca de cem anos, o humanismo europeu ainda precisava de explicitar a sua condenação do tráfico de escravos e de a consagrar juridicamente. As ratificações internacionais eram recentes (Berlim em 1885, Bruxelas, 1892) embora já parecessem irreversíveis a todos os governos constitucionais. No entanto, ao mesmo tempo, estados nacionais e capitais produtivos começavam a implantar-se nos territórios coloniais e a transformá-los de um modo que implicava o trabalho assalariado. Onde não o havia – e esta relação laboral era praticamente inexistente na África subsahariana – criavam-se grandes pressões para corrigir a história e a geografia, inclusivamente nos países onde a tradição abolicionista era mais forte. Os pontos seguintes referem-se a um episódio desta transformação social que, pelas contradições diplomáticas envolvidas, contribuiu para apressar o fim de um processo já com algumas décadas de suspeitas esclavagistas. Envolveu simultaneamente três colónias africanas e duas metrópoles europeias: S. Tomé e Moçambique, do lado português e a África do Sul, do lado inglês. 1. O mercado de trabalho em África 1.1 A recuperação dos circuitos do trabalho forçado Praticamente até às décadas de 1940-50, a agricultura do cacau constituía um ramo de composição técnica inferior à média e os seus custos de produção tinham como principal verba o trabalho directo. A extensão das chamadas “frentes” do cacau – isto é, as margens da floresta húmida a transformar em cacaual – dependeu portanto da 177 maior ou menor facilidade na obtenção de fluxos migratórios, sem os quais seriam impossiveis os arroteamentos e plantações iniciais. Numa agricultura baseada em explorações individuais, a necessidade de aumentar a densidade populacional não obriga à criação de um mercado de trabalho. Contudo, para as explorações organizadas no modo capitalista de produção, a necessidade de população trabalhadora toma a forma da necessidade de uma população assalariada. Em África, o sistema de plantações foi pela primeira vez instalado no arquipélago de S. Tomé. Como é sabido, nem nas ilhas nem em praticamente nenhuma região de África existiam então condições para que uma procura concentrada de assalariados fosse satisfeita. A proletarização de grandes efectivos demográficos dependia de uma reorganização fundiária que, na maioria das regiões, os novos poderes coloniais não tinham completado ou, em algumas regiões, sequer iniciado. Dado que nas regiões coloniais os investimentos tendiam a dirigir-se para ramos de produção cuja diferença entre custos e preços no mercado mundial proporcionava grandes margens de lucros, a utilidade marginal deste bem “raro” – a força de trabalho africana – esteve constantemente em alta. Este fenómeno não afectou apenas a agricultura do cacau de S. Tomé e Principe. Em todas as situações nas quais se desenvolveram exportações de mercadorias assente no modo capitalista de produção (ramo do açúcar nas ilhas do Índico ou no Natal, dos diamantes no Kimberley, do ouro no Rand) surgiu uma pressão sobre as possiveis áreas de recrutamento. Como dificilmente poderia deixar de acontecer, a combinação de tantos focos de procura deficitária acabou por levar à constituição de uma oferta mas o mercado de trabalho que emergiu não podia deixar de apresentar especificidades relativamente aos de outras latitudes. A principal delas foi, como se calcula, o facto de grande parte da oferta disponível não chegar voluntariamente ao mercado. Os plantadores da Jamaica e das Mauricias já tinham descoberto à sua custa que, sempre que havia terrenos disponíveis e nenhuma coacção instalada, nem os antigos escravos nem as populações locais se sujeitavam à condição de assalariados e que desertavam as explorações. Para satisfazer a procura era necessário estabelecer algum tipo de coerção extra-económica, legal ou ilegal e, no caso de S. Tomé e Principe, as plantações de cacau 178 beneficiavam desde a década de 1860 de um sistema de escravatura organizado a partir de Angola. 2. As contradições diplomáticas e o statu quo do recrutamento para S. Tomé 2.1 Factores contrários à sua manutenção Se só os lobbies coloniais tivessem actuado sem oposição, nenhuma administração metropolitana teria tido os embaraços dos governos inglês e português em 1905. No entanto, alguns factores estavam a alterar o statu quo na questão laboral das colónias, e particularmente de S. Tomé. a) Na potência colonial hegemónica – a Inglaterra – o partido liberal, com o qual estavam conotados os industriais de chocolate e as sensibilidades religiosas dissents, ganhou as eleições de 1905. Nas décadas de 1900-10 estava a ser travado um conflito entre cartéis pelo mercado mundial do cacau: quer alguns dos grandes produtores (nos quais se incluíam as companhias de S. Tomé) quer alguns dos comerciantes europeus experimentaram então alianças para estabelecer preços de monopólio. A história dos cartéis do cacau está ainda por fazer mas não pode haver dúvidas de a campanha contra o slave cocoa e o boicote ao cacau de S. Tomé foram episódios deste processo. Além disso, desde 1860-70 que no Parlamento se repetiam denúncias sobre os abusos do indentured labour para as plantações tropicais (especialmente da emigração chinesa) e da continuação do tráfico de escravos em África. Depois da Conferência de Bruxelas de 1890, o alvo da atenção filantrópica começou por ser o Estado Independente do Congo, onde a violência estatal para estabelecer uma oferta de trabalho tinha sido levada até às últimas consequências. A imbricação dos interesses do chocolate com a sensibilidade dissent deu uma enorme capacidade mobilizadora à acção das missões e das sociedades abolicionistas, que se tornaram eleitoralmente significativas. À imprensa afecta a estas correntes juntou-se a de grande tiragem quando compreendeu as potencialidades dessa campanha sobre um mercado de massas. Em resultado desta conjugação, 179 em 1905 a questão da emigração chinesa para o Transvaal já se tinha tornado um dos temas decisivos da campanha eleitoral, que acabaria por colocar os liberais no poder. Assim, não se podendo dizer que o governo Asquith estivesse inteiramente coagido pelos lobbies do chocolate e do abolicionismo, era inegavel que teria de mostrar mais empenhamento relativamente a estes interesses do que o seu antecessor. b) Do lado do governo português também havia factores que concorriam para contrariar os interesses das companhias coloniais, para as quais o “recrutamento” laboral africano com as características referidas acima não se deveria interromper sob nenhum pretexto. Em Portugal não havia correntes de opinião abolicionista comparáveis às inglesas mas desde a Conferência de Berlim que estava em causa o estatuto do país como potência colonial. Permitir que as acusações de tráfico de escravos em Angola continuassem sem consequências significava reconhecer a impotência da administração portuguesa nos seus territórios coloniais. Atendendo a que as potências dominantes procuravam então um equilibrio de forças, muitas vezes alcançado à custa dos colonizadores históricos ou iniciáticos, uma campanha de opinião do género da do slave cocoa corria o risco de trazer consequências sérias para o património colonial português. Os acordos anglo-alemães de 1898 não eram totalmente desconhecidos para o MNE. Além disso, os eventuais prejuizos de um boicote ao cacau de S. Tomé – que tanto através dos rendimentos aduaneiros como do imposto de rendimento se tinha tornado num dos grandes contribuintes liquidos do orçamento português – eram frequentemente mais considerados pela diplomacia portuguesa do que, paradoxalmente, pelos lobbies roceiros. 2.2. Factores favoráveis à sua manutenção Em 1898, a Inglaterra e a Alemanha tinham feito um acordo secreto para dividir as colónias de Angola e Moçambique, no caso de se verificar uma suspensão de pagamentos da dívida externa portuguesa. Pouco tempo depois, as bases do acordo estavam sem fundamento. Na guerra anglo-boer de 1899-1901, durante a qual esteve isolada entre as “potências”, a Inglaterra teve necessidade de 180 contar com o apoio logístico da colónia portuguesa de Moçambique. A partir de 1900 a sua política de alianças europeia consolidou a Entente Cordiale com a França, o que relativisou os arranjos coloniais informais com a Alemanha e, em 1902, a dívida pública portuguesa consolidou-se através do Convénio com os credores externos. Contudo, foi a política africana e não a europeia que mais contribuiu para que o Foreign Office revalorizasse a aliança portuguesa. A vitória militar inglesa sobre as repúblicas boeres seria incompleta se uma eventual União Sul-Africana se tornasse politicamente instável e comprometesse a segurança de alguns dos grandes investimentos ingleses na região, nomeadamente da B.S.A.C. As concessões a fazer à principal dessas repúblicas, o Transvaal, incluíam a revisão do acordo feito com o governo de Moçambique sobre tarifas ferroviárias na linha de Lourenço Marques e o recrutamento para as minas do Rand. Esse acordo, conhecido informalmente como o modus vivendi e negociado em 1901, estava redigido como uma troca directa, ligando automaticamente as tarifas ferroviárias sul-africanos à autorização portuguesa para a emigração de trabalhadores moçambicanos. De modo muito directo, o artigo XIII estabelecia que o governo colonial português poderia suspender imediatamente o recrutamento no caso de qualquer revisão unilateral.1 Para o governo inglês, a dificuldade estava portanto em conciliar os interesses mineiros do Rand com os do Natal e do Cabo visto que, em função do regime tarifário de excepção, a linha de “Delagoa Bay” tinha passado a absorver uma fracção crescente do trânsito ferroviário da colónia2. Dados os riscos de ruptura entre os vários grupos de pressão sul-africanos,3 o Colonial Office passou a considerar prioritária a cooperação portuguesa para a reforma do modus vivendi de 1901. Acontece que a posição de força nesta negociação era sem dúvida a portuguesa, como explicava o alto-comissário Selborne ao Colonial Office: “The position of the Portuguese Government is that of the beati possidentes... The Natal contend that the labour supply is not dependent on the Modus Vivendi, because the Portuguese Governement could not afford to check the supply, and could not check it if they wished to do so. I cannot admit the contention. The Portuguese Government could stop the supply almost entirely if they wished, and they would certainly do so, in spite of the loss in revenue envolved, because they know that their loss would be small in 181 comparison with the loss inflicted on the Transvaal Moning industry. Their attitude is not of mere “bluff”.4 Dado que os mineiros moçambicanos representavam entre um terço e metade de toda a força de trabalho de Joanesburgo, Selborne estipulava aos negociadores do governo inglês que em caso algum utilizassem a ameaça da denúncia unilateral.5O seu oficio ao Colonial Office terminava resumindo o que estava em jogo: “To hazard the continuance of the supply of Portuguese native labour by denouncing the Modus Vivendi at this moment, when the question of the Chinese labour is in the balance, would be an act of criminal folly. A step which would result in the collapse of the gold mining industry and aconsequently of trade throughout South Africa is one for which I am not prepared to take the responsibility and which Natal itself would bitterly regret in the end.”6 Neste quadro, a contestação do regime de trabalho das plantações de S. Tomé e do seu recrutamento em Angola tornava-se totalmente inoportuna, apesar dos riscos eleitorais crescentes dessa omissão. Por maiores que fossem as pressões em sentido contrário, quer o Colonial Office quer, por arrastamento o Foreign Office, sabiam que o período de renegociação do modus vivendi não era a altura própria para alterar o statu quo do “resgate” em Angola. 3. O relatório Nightingale Desde pelo menos 1882 que o Governo inglês recebia informações sobre as irregularidades do recrutamento para S. Tomé. Durante mais de trinta anos, as denúncias da renovação dos circuitos da escravatura vieram de fontes muito diversas: comerciantes de Liverpool (1884), deputados (Pease em 1894), missionários e jornalistas. A partir de 1894, começaram também a vir de relatórios consulares, nomeadamente dos agentes creditados em Luanda (Pickersgill e Brooks em 1894 e 1897). Das evidências recolhidas, e que também já constavam de vários Blue Books, o Governo inglês deixara de ter dúvidas quanto à natureza da oferta de trabalho. Em consequência, o Foreign Office renovava periodicamente sobre Lisboa uma pressão no sentido de corrigir os “abusos”, que, ainda que de baixa intensidade, tendia a subir de tom. 182 No entanto, esta política inverteu-se nos anos de 1905-6 e parece paradoxal que a maioria das iniciativas inglesas relativamente a S. Tomé tenha sido tomadas antes de 1905-6, isto é, antes surgirem as provas indiscutíveis sobre a continuação da captura de escravos em Angola. Nos pontos seguintes, descrevem-se os principais desenvolvimentos ocorridos nestes dois anos. 3.1. A pequena crise de 1905 A 3 de Junho de 1905, a Aborignes Protection Society (A.P.S.) enviou uma carta ao Foreign Office com novas evidências sobre a continuação do tráfico de armas e de escravos. Parte das informações datava de Dezembro de 1904 e referia-se a resgates e capturas feitas por desertores e por autoridades nativas no sul do Estado do Congo (na região do rio Lukoleshe) para fornecimento dos “Bihean and Portuguese traders”. Tinham sido localisadas duas grandes caravanas de escravos, pertencendo uma delas a um comerciante português: “They were selling guns and gunpowder ad lib.(idum), and buying gangs of slaves. These slaves are destined for the Bihé and Benguela markets, their ultimate destination being Principe and San Thomé islands… I have myself seen scores of slaves gangs en route to the coast.”7 Os factos não eram novos e nos anos seguintes haveria muitas denúncias semelhantes mas pela primeira vez parecia haver provas. No entanto, o Foreign Office mostrou-se “inquieto”, sobretudo quando, a 8 de Julho, na sequência da correspondência enviada, a A.P.S solicitou uma entrevista para denunciar formalmente “the tolerance of that State (Congo Belga) and also of the Portuguese”. A deputação da Sociedade deveria incluir Brampton Gurdon, seu presidente e deputado.8 Em telegrama para Lisboa, Soveral confirmou as preocupações do governo inglês9, cuja bona fide para com os embaraços portugueses foi em seguida demonstrada em diversos pormenores: nas informações passadas à Legação portuguesa em Londres, na recusa da entrevista à A.P.S. e no teor da resposta dada, na qual repetia para a imprensa britânica as garantias portuguesas.10 Como habitualmente, essas garantias limitavam-se a desmentidos formais11, embora as informações dos agentes consulares ingleses e até de um alto comissário do Colonial 183 Office confirmassem os esforços das autoridades portuguesas e belgas para reprimir o tráfico.12 Numa comunicação de 25 de Julho a própria A.P.S. admitiu que o tráfico estava no momento em regressão na maior parte do Estado Livre do Congo mas reiterava que se mantinha no sul e que “a large traffic in arms... done by half-caste Portuguese traders” se fazia com vista à exportação de trabalhadores para S. Tomé. Como tal, em Setembro, Fox Bourne, o secretário da sociedade, insistiu de novo para que o governo britânico apresentasse uma representação oficial ao português, desta vez especificando a sua responsabilidade sobre a Barotselândia ocidental entretanto anexada a Angola. Consultado para o efeito pelo Foreign Office, o Colonial Office demorou cerca de 4 meses a responder. Quando o fez, os liberais já tinham formado governo mas a relutância em colocar representações a Portugal era a mesma: “it appears... to be a matter for Sir E. Grey’s consideration whether a representation implying a reflection on Portuguese methods of administration, would be appropriate in connection with claims of Great Britain to which has so recently been rejected, and whether such action could be taken without risk of diminuishing the effect of any representation which His Majesty’s Government might have occasion to make at some future date.”13 A resposta deixava as dificuldades para a nova equipa de Grey no Foreign Office. Para diminuir a pressão abolicionista, foi resolvido explicar “confidentially” à A.P.S.que a recente atribuição de parte da Barotselândia a Portugal tornava delicado fazer representações que aí se localizassem. Com este tipo de justificações que pareciam inconfidências, contava o governo não hostilizar as sensibilidades abolicionistas visto que, como dizia uma minuta do Departamento “It is better to trust them with confidential information than to risk awkword questions beeing asked in Parliament”.14 Entretanto, para que alguma acção ocorresse e dado o atraso do relatório entretanto pedido ao cônsul em Luanda, Brock, em 18/10/1905, Nightingale – antigo cônsul em Luanda e então nomeado para Boma – foi encarregado de relatar sobre o trabalho contratado em S. Tomé. Há indicadores de que até esta última iniciativa, que visava legitimar definitivamente o “serviçal system”em Inglaterra, fora tomada por sugestão do governo português.15 184 3.2. A crise maior de 1906 Entre Setembro de 1905 e Fevereiro de 1906, a A.P.S. não enviou mais reivindicações ao Foreign Office mas as dificuldades estavam apenas no princípio. Desde Outubro de 1905 que a “Harpers Monthly Magazine” americana estava a publicar os artigos do jornalista Nevinson sobre os circuitos do tráfico de escravos de Angola para S. Tomé: a tão temida campanha de imprensa tinha começado. Em Fevereiro de 1906, a Howard Association remeteu um deles para o Foreign Office, expressando a sua expectativa que se colocasse “some kind of pressure” sobre o Governo português. Reagindo do modo habitual, o Departamento reenviou-o ao ministro Soveral e para mostrar que não fora apanhado desprevenido, tornou público que estava em preparação um relatório consular sobre a questão.16 A mesma informação foi repetida à A.P.S, que tinha voltado a solicitar uma entrevista formal ou, em alternativa, um encontro do próprio Nevinson (de passagem por Londres) com E. Grey.17 Relativamente aos episódios de 1905, a diferença era sobretudo geográfica: o foco da pressão anti-esclavagista tinha-se deslocado para S. Tomé, via Angola, e já não era sobre o Katanga ou o Barotse que se pedia “immediate action”.18 Durante a entrevista no Foreign Office, Nevinson e Fox Bourne salientaram a Eric Barrington, um dos assessores de E. Grey, os pontos que a A.P.S. desenvolveria em ulteriores comunicações e que punham em causa o statu quo de S. Tomé: 1) todos os trabalhadores eram comprados em Angola “in the most unblushing way”; 2) devido à “harsh and unhealthy servitude”, a taxa de mortalidade era elevadissima; 3) os contratos eram vitalícios e sem repatriação. Tratava-se de um aglomerado de acusações já bem conhecidas do Foreign Office, que se limitou a aceitar – sem compromisso – um Memorandum que a A.P.S. tinha em preparação e, informalmente, a falar de novo com Soveral.19 O memorandum prometido chegou poucos dias depois, juntamente com a transcrição de uma resolução aprovada na Conferência anual da A.P.S. em que se pedia “energetic action” para os abusos coloniais belgas e portugueses, e continha a argumentação jurídica ao abrigo da qual o governo inglês poderia interpelar o português. Uma das novidades dessa argumentação era considerar a legislação 185 em vigor em Angola e S. Tomé não só de deficiente aplicação como sendo em si responsável pela degradação da situação: ao legalizar, através de uma contratação formal,o sistema do resgate de cativos, criava condições para a extensão de um mercado de escravos na África Central.20 Face à informação de que o governo inglês tinha pedido um relatório consular sobre a matéria, o Comité da A.P.S. aceitava esperar mas declarou que contava em seguida com uma intervenção em conformidade. Como depois verificou à sua custa, o Foreign Office ganhou algum tempo ao condicionar a sua política por um relatório que estava por fazer mas fê-lo por um preço elevado. Nos meses seguintes, continuou a campanha de imprensa contra o “slave cocoa” na Europa e, com especial intensidade, nos Estados Unidos. Na ausência de outras iniciativas oficiais, em Julho recomeçaram as questões parlamentares, tão receadas quer por Lansdowne quer por E. Grey. Para responder à pergunta do M.P. Gilbert Parker sobre as medidas a tomar sobre a alegada escravatura em S. Tomé, o Foreign Office não tinha então outro expediente senão reafirmar que esperava um relatório.21 Logo a seguir, o governo acabou por ser directamente interpelado sobre a sua recepção22 e no final de Julho a A.P.S. já considerava pouco justificável adiar iniciativas por um relatório de chegada incerta.23 O cônsul Nightingale teve de ser pressionado, quer por oficio quer por telegrama, e o documento acabou por ser enviado de Boma no dia 28 de Julho.24 Pela minuta da Secretaria de Estado apensa a um dos telegramas recebidos de Boma pode deduzir-se que não seriam exactamente os seus destinatários oficiais quem mais ansiava por ele: “The philantropists have been waiting for this report for a long time”. 25 3.3. O relatório no Foreign Office Tendo ganho uma importância que o Foreign Office decerto não lhe atribuíu quando o solicitara oito meses antes, o relatório Nightingale foi objecto de uma atenção especial ao chegar à Secretaria de Estado. Durante a semana seguinte à sua recepção (20 de Agosto), um alto funcionário, G.H. Locock, foi encarregado de o resumir e em Setembro foi publicado internamente como Confidential Print (número de série 8806). O relatório continha as conclusões do cônsul retiradas 186 durante a sua estadia nas ilhas, compreendida entre 24 de Novembro de 1905 e 9 de Fevereiro de 1906. Como o próprio Nighitingale explicou, o atraso no seu envio deveu-se apenas ao tempo que levou a ser redigido, dadas as obrigações consulares a que estava obrigado em Boma. Apesar de ter permanecido apenas cerca de dois meses em S. Tomé, Nightingale incluía também no documento informações sobre legislação, práticas administrativas e comércio em Angola, que certamente recolhera durante o seu tempo de serviço em Luanda. O relatório começava por uma retrospectiva do sistema de trabalho implementado nas ilhas desde a lei abolicionista de 1875 e continha um resumo do primeiro Regulamento de trabalho, datado de Agosto de 1876. Ao historiar o início do ciclo do cacau, Nightingale apercebeu-se da lógica interna que tinha levado à restauração do mercado de escravos em Angola. Enumerando primeiro os factores da procura (deserção dos antigos escravos das roças, impossibilidade de obrigar os “forros” a assalariarem-se, epidemia de varíola em 1875-76), depois os da oferta (continuação da escravatura doméstica no continente, circuitos da borracha utilizados pelos traficantes), retirou a seguinte conclusão: “It being impossible for the planters to rely on the local resources for labour, they had perforce to look to Angola, from whence the slaves had been obtained in bygone days, and where the traffic in human beings was still rife amongst the tribes in the interior.” Depois de descrever as disposições legais em vigor, o relatório avaliava os seus resultados sobre as condições de vida dos “serviçais”, desde o seu resgate em Angola até S. Tomé. Relativamente a algumas variáveis, a sua apreciação pode ser classificada do seguinte modo: Transporte marítimo Alimentação Instalações e assistência médica Intensidade do trabalho Maus tratos Taxa de mortalidade adulta Taxa de mortalidade infantil Salário monetário Educação Repatriação Positiva Positiva Positiva Positiva Positiva Positiva: taxa em regressão Negativa: taxa muito elevada Negativa Negativa Negativa 187 As conclusões gerais eram simples: “In conclusion, I have only to reiterate the opinion that the “serviçal” is well treated and cared for, and that the real evil lies in the manner they are obtained in Angola.”26 Deste documento, o “resumé” confidencial de Locock visava sobretudo comparar os dados fornecidos por Nightingale com as reivindicações anteriormente feitas pela A.P.S. (v.supra, ponto 2.5). A comparação aliviava o Foreign Office apenas parcialmente e pode sintetizar-se do seguinte modo: – era satisfatória quanto às condições de vida dos serviçais em S. Tomé, o que era importante para desmentir as acusações de maus tratos e elevada mortalidade; – era insatisfatória quanto ao recrutamento, visto que o relatório confirmava integralmente a condição servil dos trabalhadores em muitos campos: custos elevados dos contratos, irregularidades nos salários, ausência de repatriação 27. Quanto aos pontos positivos, o relatório servia para tentar imediatamente desmobilizar as associações abolicionistas28. Quanto aos negativos, Locock descobrira como servia ganhar tempo sem correr o risco de indispôr os lobbies coloniais em Lisboa. Sendo impossivel obrigar a administração portuguesa a reprimir um tráfico que, legalmente, não existia, era conhecida uma forma de aferir a extensão da condição servil: a repatriação. Trabalhadores assalariados deveriam contratar-se a termo certo e regressar em número significativo de modo que as estatísticas da repatriação acabariam com as dúvidas. Contudo, e a julgar pela própria legislação portuguesa, os verdadeiros contratos tinham começado apenas a partir de 1903, ano do novo regulamento: como a duração máxima permitida aos contratos era de 5 anos, então só em 1908 se poderia objectivamente ajuizar das irregularidades em S. Tomé. Com este argumento o Foreign Office esperava suspender a controvérsia por mais dois anos, permitir à administração portuguesa corrigir os abusos e terminar tranquilamente as suas negociações do Modus Vivendi. A este respeito, uma das minutas apensas ao “resumé” de Locock não deixa dúvidas sobre o que a Secretaria de Estado pensava sobre as prioridades a calendarizar: “It will be difficult for us to make representations to the Portuguese with regard to the islands. We might howewer urge them to take steps to suppress the slave trade on the mainland… the principal sources of 188 supply are the families whose members are sold by their kinship undr native laws, generally for debt. The Portuguese Govt. could probably put an end to it if they wished to. But it would probably be best to do nothing until the negoctiations about the modus vivendi are finished as representations on the subject would no doubt irritate the Portuguese.” Havia ainda uma dificuldade: como divulgar os resultados de um relatório que teria de ser tornado público (tinha sido oficialmente anunciado como condição de uma nova política) mas que comprovava integralmente as acusações de escravatura, pelo menos até 1908? As minutas seguintes, respectivamente autografadas por Eric Barrington e pelo próprio E. Grey esclarecem o sentido geral da solução encontrada: uma divulgação selectiva. “The Aborigenes Protection Society are very anxious to see this report, and it might be politic to show it a true greater part of it to the secretary or let him have a slightly condensed… copy for the confidential information of the Society on the distinct condition that no part of it is to be published. This might prevent their friends in Parl(iament) from pressing for its presentation which would angry the Portuguese.” “No representation should be made to the Portuguese at present. Such portions of Consul Nightingale report as relate to the present condition of affairs might be communicated, not for publication, to the Aborigenes Society. The portions, which relate to past history, may give rise to unnecessary controversy & annoyance.” 29 Na medida em que todas as referências a situações de escravatura deveriam ser consideradas “past history”, a versão enviada à A.P.S. a 12 de Setembro30 foi mais do que ligeiramente condensada. Excluídos os anexos, o texto original dactilografado por Nightingale continha 28 páginas. Os cortes feitos a lápis e uma minuta da Secretaria de Estado de 13 de Setembro definiram a extensão da versão a divulgar: começaria na letra “A” (marcada na pg. 9, i.e., omitiria o historial até ao Decreto de 1903); seguiria na versão integral até à pg. 22 inclusivé (da pg. 9 à 19 Nightingale limitava-se a resumir o Decreto de 1903); teria omissões em 5 das 6 páginas seguintes (nas quais se comparava a letra do Decreto com a sua aplicação). Em resumo, cerca de metade do texto original era cortada, bem como partes não identificadas dos anexos 1-2 e todo o anexo 5.31 Em contrapartida, a versão integral deveria ser enviada para Lisboa, para que o governo português se apercebesse da gravidade da situação. 189 Divulgando uma versão censurada do relatório Nightingale, a diplomacia inglesa pretendia silenciar as pressões abolicionistas e, ao mesmo tempo, marcar pontos nas negociações com Lisboa. As expectativas relativamente ao primeiro desses falharam porque a A.P.S. já sabia desvalorizar a contribuição de um relatório exclusivamente centrado nas ilhas.32 “The root of the evil, howewer… is not in the islands visited by Mr. Nightingale, but in the mainland traffic for the supply of servile labour to planters and others in Angola itself as well as in the adjacent islands.” Relativamente ao segundo falharam também porque, a partir das questões parlamentares de Julho de 1906, surgiram novas repercussões internacionais, especialmente sobre um dos tópicos a que o governo de Lisboa se mostrava mais sensível: o funcionamento da administração colonial em Angola. Um pormenor da discussão que duas autoridades coloniais portuguesas mantiveram a propósito das acusações de 1905 sobre o tráfico no Moxico serve como exemplo desta sensibilidade. Face aos documentos que mostravam estar dentro das fronteiras do Estado Livre do Congo o ponto de partida do circuito dos escravos, o governador de Angola tinha proposto enviar imediatamente uma representação às autoridades belgas. No entanto, os ministérios do Ultramar e dos Estrangeiros já sabiam que o melhor seria não admitir quaisquer factos: “Segundo o officio do Governador Geral de Angola, nos engajamentos feitos na Luba tomam parte portuguezes, e os serviçaes comprados são introduzidos em territorio portuguez, c(o)nduzidos ao Bihé e ao Bailundo, e d’ahi ao littoral, soffrendo em todo o percurso para os fazer andar. Se as averiguações posteriores das auctoridades de Angola confirmarem estes factos, julga esta Secretaria d’Estado preferivel não fazermos reclamações ao Estado Independente, antes de podermos obstar, pelo menos na maioria dos casos, a que os abusos comettidos na Luba tenham sequência no interior da nossa colonia.” 33 Do mesmo modo, em 1906 e para evitar danos maiores sobre a questão de S. Tomé, o governo português considerou que, mais proveitoso do que tentar o impossivel – isto é, actuar a curto prazo no terreno – o melhor seria lembrar aos seus concorrentes coloniais os pontos essenciais da colaboração inter-metropolitana. Numa memória enviada às potências, mas que visava sobretudo Londres, salientavase que 190 «Il est opportun de rappeler que, renouvelant ses anciens précédents, dans un esprit de loyale intelligence et dans un but de coopération sincère, que des circonstances spéciales avaient rendu precieuse, le Gouvernement Portugais, par un accord international célébré en 1901, facilita et garantit, dans ses possessions de l’Afrique Orientale, le contrat de travailleurs indigènes pour les mines du Transvaal…».34 Este era precisamente o ponto que Londres gostaria de não ver incluído num caderno global de negociações e para o qual desde há mais de um ano recebia relatórios dos seus altos funcionários no Cabo a recomendar prudência. Conclusão Apesar da sua tradição abolicionista, pode dizer-se que os interesses sul-africanos condicionaram a atitude geral de Londres para com a escravatura em Angola. Em várias ocasiões das décadas de 1890-1900, a administração inglesa sancionou o status quo em Angola e S. Tomé. Contudo, outros interesses levaram a que, a partir de meados de 1906, nem o governo inglês nem o português tivessem suficiente margem de manobra para sustentar uma prática que durava há já algumas décadas. De um relatório relativamente inócuo – o do cônsul Nightingale – resultou um balanço negativo para ambos os lados: – para o Foreign Office, uma discussão pública “very much annoyed” e que comprometeu um pouco mais as negociações do Modus Vivendi. O acordo seria revisto apenas em 1909 e com poucas cedências da parte portuguesa, o que ocasionou uma grande contestação no Natal; – para o governo português, a percepção de que, sob penas mais graves, teria de liquidar definitivamente aquele tipo de ligação entre S. Tomé e Angola. Primeiro porque, tendo as peripécias do relatório exposto publicamente os esforços de cobertura do Foreign Office às irregularidades coloniais portuguesas, teria de contar com uma protecção cada vez menor do gabinete inglês. 191 Notas (1) “Article XIII… As soon as the modus vivendi is denounced by either of the parties, the engagement of natives in the Province of Mozambique will be ipso facto suspended.” Modus Vivendi, 18/12/1901. O Alto-Comissário Selborne comentou-o do seguinte modo: “I heartily wish that the the two questions of labour supply and railway rates had never been mixed up; but I must deal with the facts as they are.” PRO, FO 367/18, 10 579. High Comissioner, 26/2/1906. (2) Curtis, um alto funcionário sul-africano, constatava que entre 1902 e 1906 a percentagem do tráfico ferrovíario do Rand para Lourenço Marques tinha passado de 21 para 56%. HAMMOND, R.J., 1966: 327. (3) Selborne dava conta “of the bitter feeling which has arisen out of the Modus Vivendi. During the past twelve months the breach between the British Colonies has grown wider and threatens to prove a serious obstacle to that policy of federation which I believe His Majesty’s Governement desires to encourage.” PRO, FO 367/18, 10 579. High Comissioner, 26/2/1906. (4) PRO, FO 367/18, 10 579, 26/2/1906. (5) “The difficulty here is that from one third to one half of the native labour in Johannesburg is recruited under the Modus Vivendi, and such recruiting would stop at once on denuncioation. The consequences would be so serious that the threat of denounciation is only to be regarded as a mesure of desesperation.” PRO, FO 367/18, 10579. Memorandum, p. 6. (6) PRO, FO 367/18, 10 579. High Comissioner, 26/2/1906. (7) AHD-MNE, 3º P.A.3, M.772-778. Communicated to Lord Lansdowne by the Aborigenes Protection Society. (8) AHD-MNE, 3º P.A.3, M.772-778. Aborigenes Protection Society, 8 July 1905. (9) “Marquez Lansdowne pediu-me para o vir ver, mostrando-se muito inquieto... recebeu uma carta do Secretario da Sociedade Protectora dos Indigenas pedindo-lhe para que receba uma grande deputação composta de homens muito importantes afim de exporem os documentos que provam a existencia do commercio de escravos prtaicado a sul do Estado do Congo com a acquiescencia d’aquelles Estado, e tambem do Governo Portuguez... Marquez Lansdowne receia uma grande agitação no Parlamento e na Imprensa...” Telegrama, 15/7/1905, AHD-MNE, 3º P.A.3, M.772-778. (10) “In reply, I am to express Lord Lansdowne’s regret that the number of hs engagements and the pressure upon his time render it impossible for him to accede to his request, thoug he is, of course, ready to receive and consider witih care any information… his lordship was informed that, although there had been abuses, these had been punished by the authorities, while the most stringent instructions had been issued that the regulations, which were in themselves all that could be desired, shoul be strictly enforced.” Lord Lansdowne and the Central African Slave Trade, “The Times”, 28/7/1905. (11) Para habilitar Soveral a responder ao Ofreign Office, o governo português reenviou o seguinte telegrama do governador de Angola: “Emigração para S. Tomé... é feita nos termos decreto 16 Julho 1902, 29 de Janeiro 1903. Os abusos que tem havido teem sido punidos com todo o rigor pelos tribunaes judiciaes.” As cópias dos processos seriam depois enviadas para Lisboa., AHD-MNE, 3º P.A.3, M.772-778, Telegrama, 18/7/1905 (12) PRO FO 367/18, Confidential Print, 8598, pp. 9-10. (13) PRO FO 367/18, 6210. Colonial Office, 19/2/1906. (14) PRO FO 367/18, 6210. Colonial Office, 19/2/1906; Foreign Office, 1/3/1906. (15) Ainda durante o governo Balfour, Soveral “would probably ask H.M.Govt. to send a Commissioner to the Islands to enquire into the condition of the Serviçaes.” PRO FO 367/18, 7265, Willliam Tallack, 26/2/1906. 192 (16) PRO FO 367/18, 7285. William Tallack, 26/2/1906. (17) PRO FO 367/18, 7402. The Aborigenes Protection Society, 27/2/1906 (18) Fox Bourne salientava que “the question of most importance, in the Committee’s view, is as to acknowledge a very considerable traffic in natives of Central Africa for the supply of “serviçaes” to the portugueses plantations in Wstern Africa, and especially in the neighbouring islands of San Thome and Principe.” PRO FO 367/18, 8057. The Aborigenes Protection Society, 6/3/1906. (19) “It is not a matter about which we so far cared to press the Portuguese Govt. strongly, though M. de Soveral’s attention has been called to it several times. I told him yesterday that the philantropists are much excited & that it would be very disagreable if public feeling were aroused by the fact that the Portuguese Governement were encouraging something apinfully akin to Slave Trade.” PRO FO 367/18, 9864. Foreign Office, 15/3/1906. (20) “It appears, indeed, that as consequence of the Decree of 1899 and of commercial undertakings facilitated by it, the evils previously existing have been largely developed and are still rapidely increasing.” PRO FO 367/18, 11542. Aborigenes Protection Society, 3/4/1906. (21) A questão parlamentar foi levantada a 5/7 e o Foreign Office respondeu que o relatório era esperado “shortly”. PRO FO 367/18, 23070. Parliamentary Question, 5/7/1906 (22) A questão foi colocada pelo M.P. por Hereford, Arkwright. PRO FO 367/18, 25515 Parliamentary Question, 21/7/1906 (23) PRO FO 367/18, 26131. The Aborigenes Protection Society, 30/7/1906. (24) PRO FO 367/18, 28370. Consul Nightingale, 28/7/1906. (25) PRO FO 367/18, 25287. Consul Nightingale, 21/7/1906 (26) PRO FO 367/18. Confidential Print, 8806, p. 9. (27) Como dizia Locock, “These prices clearly show that the serviçal becomes the proprety of the man who contracts him, as no sane person would pay such a fee for a contract unless he were certain of having the life-long service of the labourer.” PRO FO 367/18, 28370, Resumé, 28/7/1906. Nighitngale usava o mesmo argumento, comparando os custos de recrutamento dos escravos, isto é, custos de aquisição, com os dos assalariados cabo-verdeanos. “The answer is that one is repatriated and the other is not.” PRO FO 367/18, Confidential Print, p.8 (28) A auto-correcção de Locock na minuta do seu “resumé” é significativa quanto ao que o Foreign Office gostaria que a A.P.S. valorizasse: “Mr Nightingale’s report appears to give us ample proof that the Serviçaes are not harshly treated in the islands, and we might inform the Aborigines Protection Society (of the measures taken to ensure the well-being of the report”) mas corrigiu a frase aqui entre parentesis para “of the general purpose of the Report”. PRO FO 367/18, 28370, Resumé, 28/7/1906. (29) PRO FO 367/18, 28370, 28/8/1906. (30) PRO FO 367/18, 28370, Foreign Office, 12/9/1906. (31) O relatório estava de tal modo alterado que, quando se discutiu a publicação da versão censurada, os próprios funcionários do Foreign Office tiveram escrúpulos relativamente a Nightingale: “It seems howewer hardly fair on Mr. Nightingale to publish as his report na edition which has been so ecluded as largely to alter its complexion.” PRO FO 367/18, 36718. Parliamentary Question, 26/10/1906. (32) “(...) howewer important may be Mr. Nightingale’s confirmation in previous reports concerning the virtual slavery and slave trade long practised and now incresasing in the islands in question, it is not expected to deal with the traffic in mainland which is the acknowledged root of the evil…” PRO FO 367/18, 26131. The Aborigenes Protection Society, 30/7/1906 (33) AHD-MNE, 3º P.A.3, M. 768-769, Ministério dos Negocios Estrangeiros, 21/2/1906. A concordância do Ministério das Colónias era com- 193 pleta. AHD-MNE, 3º P.A.3, M. 768-769, Ministério da Marinha e Ultramar, 6/3/1906. (34) Travail Indigène,1906:4,6. (sublinhado no original). A frase em evidência refere-se às circunstâncias anteriores ao Modus Vivendi, i.e., a guerra boer e a Convenção anglo-portuguesa de 1899. 194 JEAN-GODEFROY BIDIMA Professeur à l’Institut d’Ethique - CHU Saint-Louis Collège International de Philosophie - Paris Communauté de sens et sens de la communauté: le croisement des humanismes1 INTRODUCTION Quand on entreprend aujourd’hui de réfléchir sur l’humanisme, on a l’habitude de s’appuyer sur quelques références: la substance (qu’est-ce que l’humanisme?), les sujets (qu’est-ce qu’un humaniste?), la norme fondatrice (quelle règle ou norme de comportement justifie l’humanisme?). Ces références sont très problématiques, car du contenu de ce qu’est l’humanisme, on ne peut rien dire de pertinent parce que ce n’est pas une substance qu’on définit in abstracto sans référence à un espace, à un temps et à des sujets agissants avec leur singularité dans une histoire particulière. Au lieu de le définir, il faut plutôt suivre l’humanisme dans son procès de profération au sein de l’histoire humaine. Comment les humains vivent et qualifient-ils leur comportement d’humaniste? C’est là où l’on rencontre la question de l’action. C’est au sein de la problématique de l’action que la question de l’humanisme peut être posée. Mais, de l’action humaniste, que peut-on dire de pertinent? En recourant à la distinction que fait Hannah Arendt entre agir et faire, nous pourrions dire que seul l’agir est du ressort de l’humanisme, mais là aussi il y a une difficulté, car, comment déterminer que tel agissement relève de l’agir ou du faire quand les individus qui agissent disent toujours agir au nom de (la Référence) quelque chose? D’où la deuxième difficulté liée à l’action; Mais celle-ci est produite soit par des acteurs conscients que sont les hommes en société, soit par des structures mises en place par l’homme, d’où le rôle du sujet dans l’humanisme. On estime, et avec raison, que l’homme doit être mis au centre de tout et c’est ce qui détermine l’humanisme. Mais là aussi les choses ne sont pas faciles car cette place privilégiée de l’homme a été suspectée par ce qu’on a appelé les philosophies du soupçon. 195 D’abord Nietzsche, celui-ci dirait que cette surenchère qu’on fait du Sujet humain est le dernier avatar de Dieu qui a justement été tué mais dont le cadavre encombrant produit de faux-fuyants comme le Sujet ou l’Homme. Lui, Nietzsche, voudrait plutôt l’avènement du règne du Surhomme briseur d’idoles et créateur de nouvelles valeurs. L’humanisme avec l’homme au milieu serait une ruse du monothéisme ou l’homme, but et créateur des valeurs, mimerait assez lâchement d’ailleurs les gestes et attributs du Dieu monothéiste qui se dit l’Alpha et l’Oméga. La deuxième critique viendrait de Marx. Placer l’homme au centre de l’humanisme serait l’une de ces mauvaises abstractions dont il avait horreur, car pour lui, “l’homme n’est pas une abstraction liée à l’individu isolé, il est l’ensemble des rapports sociaux” (VIe thèse sur Feuerbach). L’humanisme avec ses grands concepts comme l’Homme avec H, la Valeur avec V, masquerait – toujours dans la perspective de Marx – les rapports économiques qui montrent comment les humains produisent et reproduisent leurs vies. La troisième critique viendrait de Freud. Mettre l’homme au centre du processus d’humanisation serait de la méconnaissance, car on fait comme si cet être de désir qu’est l’homme était une unité consciente d’elle-même et légiférant souverainement la production des connaissances et actions. Cet homme, ce sujet est agi par ce qui, étant lui (l’inconscient) et en lui, agirait paradoxalement sans lui. Ces critiques auraient pu être historiquement complétées par celles que le structuralisme sous toutes ses variantes fit de la notion de l’homme ou de Sujet pour avancer la dernière critique faite à l’humanisme au nom de la “bioéthique”. On estime que l’humanisme met l’homme, tous les hommes et tout l’homme, au centre des préoccupations, mais cette centralité de l’homme est suspecte de jouer le jeu de ce qu’on a appelé la rationalité instrumentale. L’homme, au nom de sa conservation et du progrès, aurait utilisé les différentes zones de la nature à son profit, au point de tuer ce qui est la condition de l’homme, à savoir la vie. C’est ainsi que l’humanisme n’a parlé que de la souffrance de l’homme, que de la compassion envers l’homme et de la préservation des autres espèces animales qu’en fonction et au service de l’homme. Cette éthique humaniste a privilégié l’homme en méprisant la Vie, condition de l’homme. En mettant au centre des préoccupations, non plus l’homme mais la vie (y compris celle de la nature qui ne doit ni être polluée ni même méprisée), on aurait une vraie éthique, une bio196 éthique qui privilégiera la source et non l’effet car l’homme peut très bien ne plus exister, mais la vie restera dans les animaux et autres êtres, alors que sans la vie l’homme n’est rien. L’humanisme qui met l’homme au centre et le reste de la vie à son service paraît ainsi étriqué et à la limite dangereux. Tel est le point de vue de H. Jonas. Le dernier point est la norme fondatrice de l’humanisme; autrement dit quelle règles fondatrices justifient l’humanisme, là aussi la difficulté est énorme car comme dit Wittgenstein, une règle n’est qu’un résultat d’un des multiples jeux de langage qui exprime des formes de vie. Il y aurait ainsi une grande difficulté à formuler une telle règle, car toutes les sociétés l’ont à chaque moment de leur développement. Ces difficultés à formuler la question de l’humanisme viennent en partie du fait que cette question a été posée dans l’abstrait sans en référer à un contexte déterminé et pour éviter cette abstraction nous avions choisi de mettre ensemble trois notions aux destins différents: le sens (dans sa double acception de signification et de direction), la communauté (non pas au sens où le sociologue Tönnies l’entend quand il l’oppose à la société) au sens où elle désignerait un acte (il y a communauté quand il y a la mise en commun, partage des dons, ces fameux “munia” dont parlent les latins) et le croisement en tant qu’il n’est pas une simple mise en contact mais une réelle prise de contact (opérons la différence entre une mise en contact créée par des structures et situations et une prise de contact qui est un acte volontaire par lequel je risque la rencontre). Pour analyser comment cette rencontre de la communauté et du sens se fait, il importe d’examiner dans quelle mesure le sens de la communauté devient un projet (I) et quelle direction peut-on donner à une communauté de sens (III) susceptible de favoriser la rencontre des humanismes. I - LE SENS DE LA COMMUNAUTE: UN PROJET La communauté est aujourd’hui à la mode; référent fondateur quand il s’agit de mettre sur pied une logique de rassemblement qui donne un air de famille à ces quasi atomes sociaux que seraient les individus. De référent fondateur, la communauté devient la justificatrice d’une forme de critique 197 qui s’adresse à un universalisme coagulant. Au nom de la communauté, des philosophes comme Walzer ont critiqué l’abstraction d’une certaine conception de la justice. Pour Walzer, la notion d’appartenance est ce qui définit mieux le sens de la communauté, ainsi une théorie de l’égalité postulée par quelque justice que ce soit n’a de sens que référée à un rapport d’appartenance. Contre John Rawls qui soutient la notion d’égalité en l’adossant à l’universalisme, Walzer pense qu’il y a un préalable à la question même de la justice, à savoir qu’elle ne peut être posée qu’en fonction d’une communauté déterminée. “Même s’ils sont impartiaux, la question que se poseront le plus probablement les membres d’une communauté politique n’est pas: que choisiraient des individus rationnels dans telle ou telle condition propre à garantir l’universalité de leurs choix? mais: que choisiraient les individus comme nous, dans la situation qui est la nôtre, partageant une culture déterminée et déterminés à continuer à la partager? Quelles sortes de choix avons-nous déjà faits durant notre vie commune?”2. Au nom de la communauté, ensuite, A. MacIntyre critique Rawls car, selon lui, la justice serait basée sur la problématique du sujet, ce qui pour MacIntyre relèverait de l’individualisme. Il s’agit de redonner à la communauté la primauté sur l’individu en insistant sur les formes de communautés en formation et surtout sur l’aspect narratif comme mode de rapport essentiel à la communauté. Pour que cette thèse soit claire, il faut remarquer que l’existence forme un tout; une action n’est pas isolable d’une vie et de son histoire. L’homme est par excellence un être conteur d’histoires. Il ne l’est pas par essence, mais le devient. La question principale n’est donc pas la paternité des récits: je ne peux répondre à la question: “que dois-je faire?” (Kant) que si je peux répondre à la question précédente: de quelles histoires ou de quelle histoire fais-je partie? Quel récit ordonne et informe ma notion de devoir? La communauté est utilisée dans ces deux critiques comme l’instance qui donne le sens par excellence, car chaque peuple vit et se raconte une histoire qui a une rationalité, celle-ci se constituant par une connexion entre le devenir et le récit. Ce qui doit être retenu, c’est bien le fait que la notion de communauté est conçue à la fois comme une propriété qui s’ajoute à la nature des sujets et comme une substance produite par l’union de ceux-ci. La communauté renvoie, dans cette perspective, à un plein, à un bien que nous conservons ou à une essence que nous pouvons 198 perdre et retrouver. Le sentiment d’appartenance fonde la notion de communauté et les modes d’appropriation de cette communauté constituent ce qu’on appelle la quête d’identité. A vrai dire, quand on se penche sur l’étymologie de cette notion, on remarque que la communauté n’est pas tant fondée sur un plein que nous devons redécouvrir ou conserver que sur un manque. En effet, Communitas se référerait à donum et à munus3. Ces deux termes exprimeraient le don et le devoir de rendre. Dans la communauté on a des dons et des dettes. Il en résulte que ce que les membres de la communauté ont en commun, c’est les devoirs et les dettes: “communitas est l’ensemble des personnes unies non pas par une propriété, mais très exactement par un devoir ou par une dette; non pas par un plus mais par un “moins”, par un manque, par une limite prenant la forme d’une charge...”4. La communauté est donc ce que les membres s’engagent à donner, mais qui n’est pas encore là. La communauté est donc en devenir et à inventer. Comment dès lors inventer ces communautés aujourd’hui en faisant attention à ce qu’elles ne deviennent pas des entités closes sur un sens définitif que l’on transmet aux membres qui sont obligés de le suivre? Le sens de la communauté qui est en fait un projet, permet à chaque communauté de conjuguer à la fois l’agir et l’action. En nous référant aux distinctions phénoménologiques de Schütz, relevons que l’agir (Handeln) serait toujours en cours, en train se dérouler et vécu par le sujet immergé dans le flux de l’expérience vivante; et l’action (Handlung) la reprise réflexive d’un agir déjà accompli. D’un côté on a l’actio, le modus operandi, et de l’autre l’actum, l’opus operatum. Les communautés communiquent leurs dons et leurs dettes à travers l’agir. Si l’action est ce qui a été fait, c’est une expérience modo praeterito, seul l’agir qui est l’action s’accomplissant modo praesenti peut permettre aux communautés d’aller à la recherche d’autres expériences et d’entrer ainsi en contact avec les autres communautés. Dans la conception de la communauté, les Sujets vivent un manque et essayent dans leur implication dans l’action de se tourner vers un ailleurs. Comme le dit Deleuze, c’est au milieu que la créativité s’inscrit, une communauté ne crée qu’au milieu des parcours et se réfère à son propre dessaisissement pour avancer. “Comme l’indique son étymologie... le munus que la communitas partage n’est pas une proprié199 té ni une appartenance. Il n’est pas un avoir mais au contraire une dette...”5. Pour pouvoir payer cette dette, les membres endettés ne se retourneront pas nécessairement vers le grenier des significations qui est en quelque sorte vidée par chaque période historique, mais vers des significations qu’ils rencontreront au milieu de leur parcours. Le sens de la communauté est donc inséparable de cette recherche des rencontres qui viendront combler partiellement notre quête. Le sens de la communauté n’est pas de conserver les réserves que de les augmenter par ce que les autres apporteront. C’est justement manquer de sens de la communauté que de se tourner vers le point d’origine. Les problèmes d’origine dans une communauté lui permettent de s’inscrire dans l’histoire, de procéder à des anamnèses et d’avoir de la matière pour monter des fictions nécessaires à “l’inconscient collectif” d’un peuple. Mais une origine n’est pas un point fixe, c’est un point de fuite qui trace lui-même des lignes tellement enchevêtrées qu’on ne sait plus quelle a été la ligne initiale. Raison pour laquelle le sens de la communauté ne se fait que dans l’altération et dans la reconnaissance non seulement d’une identité partagée, mais aussi et surtout de notre manque; c’est “le faire-défaut” qui nous maintient ensemble”6. – Quelques mauvaises habitudes polluent aujourd’hui le sens de la communauté. a) Le repli communautaire. Il se conçoit comme un sacerdoce et surtout comme un messianisme. Le sens de l’histoire y est l’enjeu principal ainsi que la définition d’un bon récit porteur des espérances. Il y a d’abord la fabrication d’un point d’origine qui indique bien que toutes les énergies d’une communauté ont une même ancrage: isomorphisme des racines. Ensuite, on fabrique un drame qui serait survenu et au terme duquel la communauté a survécu; à charge à celle-ci de répéter ce geste salvateur et auto conservateur. Ce drame joue avec l’espace et le temps. Pour réactiver la marche de l’histoire, on fouille et érige deux sortes de listes: les martyrs, ceux dont la mémoire exige la revanche et les héros. Enfin émergent quatre types de récit au moins: a) celui de la victimisation par lequel une communauté, à un moment donné de son relâchement, réactive le souvenir de ses plaies; b) Le récit héroïque par lequel une communauté retouche inlassablement une figure héroïque afin de la propulser comme un modèle identificatoire; c) Le récit de légitimation à travers lequel la fondation du sens de cette communauté s’est faite; et c) Le récit d’espérance par 200 lequel on mobilise les affects pour regarder devant l’histoire. Ces quatre récits peuvent se contredire ou fonctionner ensemble avec chaque fois une prédominance d’un discours sur les autres. Le sens de la communauté se vit ici comme un repli agressif et méfiant qui lutte pour se faire reconnaître. Le sens de la communauté est dans ce cas la fermeture au novum et la constitution d’un type de personnalité susceptible et fermée à la critique des fondements de sa propre culture. Le repli communautaire manque la dimension autoréflexive. b) Le sens de la communauté par l’intériorisation des maux et la stigmatisation Quand une communauté se referme sur elle-même, elle gère de manière spéciale les stigmates qui lui ont été imprimés par son histoire passée. On gère ces stigmates de deux manières: a) vis à vis de l’extérieur, le groupe stigmatisé, comme le fait remarquer Goffman, va accepter ce qu’on dit de lui, va intérioriser ses stigmates et guetter chez ceux qui se croient normaux les marques de rejet pour mieux les fustiger: “l’individu stigmatisé peut s’attaquer ouvertement à la désapprobation à demi déguisée des normaux (...) et tâcher de les “prendre en faute” en guettant dans leurs paroles et leurs actes le signe furtif qui révélera que leur tolérance n’est qu’une façade”7. L’écrivain Patrick Modiano utilise de manière ironique cette tactique d’assimilation des stigmates: “Pour décourager les bonnes volontés, je répète aux journalistes que je suis Juif. Par conséquent, seuls l’argent et la luxure m’intéressent. On me trouve très photogénique: je me livrerai à d’horribles grimaces, j’utiliserai les masques d’orang-outang et je me propose d’être l’archétype du juif, que les Aryens venaient admirer vers 1941 à l’exposition zoologique du palais Berlitz”8. Un autre type d’exemple, c’est la paranoïa qui peut saisir ceux que l’histoire stigmatise, au point que le sens de la communauté devient anesthésié par la peur. Romain Gary narre dans son roman Les oiseaux vont mourir au Pérou, l’histoire de deux juifs réfugiés en Bolivie après la Deuxième Guerre mondiale. L’un d’eux, Gluckman, est convaincu que, bien que la guerre soit terminée depuis plusieurs années, le projet d’anéantissement des juifs existe toujours et que la création de l’État d’Israël est une ruse pour rassembler les juifs afin de mieux les exterminer. “Israël, c’est une ruse pour nous réunir tous ensemble ceux qui ont réussi à se cacher puis nous gazer... C’est pas bête... Ils veulent nous attirer tous là-bas... et puis d’un seul coup... Je 201 les connais...”9. La méfiance systématique dont font souvent preuve les opprimés (à juste titre parfois !) et les stigmatisés peut être un frein à l’ouverture du sens de la communauté à autrui. b) Au niveau interne, le sens de la communauté peut stigmatiser les individus pour que leur pensée coïncide exactement à ce que veut ou croit vouloir la communauté. C’est ainsi qu’un Africain qui essaye de s’occuper d’une histoire sociale qui ne concerne ni celle de ses origines, ni celle de la colonisation, ni celle de l’esclavage, ni même celle de l’État postcolonial, serait immédiatement stigmatisé par les Africains de jouer le jeu de l’occultation de l’histoire africaine, de mimer la colonisation et de rater cette chance qui, pour une fois dans l’histoire récente, donne aux Africains l’opportunité d’écrire leur histoire. La tendance inverse qui croit faire de l’universel en fuyant la particularité, se traduit par un refus obsessionnel de ne pas parler de soi et de se diluer dans des problématiques communes à tous. On a ainsi reproché à certains écrivains juifs d’affirmer leur judéité pour l’affadir; on a dans ce sens critiqué l’écrivain Roger Ikor, auteur de “Les eaux mêlées” d’assimiler les écrivains juifs aux écrivains français et de “rallier à une morale laïque censée avoir résorbé et les valeurs juives et les valeurs chrétiennes”10. Le sens de la communauté, pour qu’il soit ouvert à l’altérité, doit conjuguer au moins deux choses: le “comme si” et la “sphère d’appartenance”. – Le “comme” autorise la comparaison, l’équivalence et même la relativisation. Le “comme” rapproche en même temps qu’il indique la distance. Dans nos discours pour évaluer les autres, la formule du “tout se passe comme si” indique d’abord que nous ne pouvons pas coïncider avec ce qu’est l’autre; il est impossible de vivre et de décrire ce qu’est l’autre, ensuite, par le “comme si”, nous ouvrons un monde des possibles, celui du souhait, de la prière et de l’espérance11. La comparaison, la métaphorisation et l’analogie sont des éléments qui permettent de forger le sens de la communauté tout en le relativisant en même temps. On retiendra que Husserl fait de la notion de “sphère d’appartenance” le moment crucial pour constituer l’expérience d’un monde objectif, mais ce qui nous appartient en propre présuppose l’autre. Le fait qu’en général je peux opposer cet être qui m’est propre à quelque chose d’autre, le fait que moi qui suis moi, puisse être conscient de cet autre que je ne suis pas (de quelque chose qui m’est étranger) – présuppose que les modes de compréhension de l’autre. 202 II - LE MALENTENDU FONDATEUR DU CROISEMENT: LA COMMUNAUTE DE SENS II.1. - Du malentendu “Le monde ne marche que par le malentendu. C’est par le malentendu universel que tout le monde s’accorde. Car si par malheur on se comprenait, on ne pourrait jamais s’accorder” (Baudelaire, Mon coeur mis à nu, XLII). Nous vivons une époque qui communique, qui se drogue de transparence comme si nous savions qui sont nos interlocuteurs. On nous invite à la rencontre, à respecter les différences ou à les condamner comme si nous en connaissions le tracé exact. On nous dit de quitter notre petit espace d’assignation et notre territoire de consignation pour se remettre à un universel qui est peut être souvent aussi coagulant qu’une identité compacte. Des uns parlent de racines à préserver, à arroser, à respecter pour assurer à la fois croissance et transmission, d’autres répondent que la logique des racines est stérile et qu’une logique des connexions et excroissances seule vaut, car la transmission est une traversée et une aventure vers l’inconnu. Nous sommes à la fois saturés par nous-mêmes (nous voulons et connaissons trop de choses!) et étouffés par autrui qui nous culpabilise soit de ne pas pouvoir le comprendre, soit de ne pas le vouloir. Pourquoi dans notre croisement avec l’autre on ne se comprend pas? Pourquoi nos conversations ont souvent cet aspect désolant et lisse qui consiste ni à intéresser autrui à ce que je dis ou suis, ni à être impressionné par lui? Comment n’arrive-t-on ni à prendre autrui ni à être pris par lui? Comment arrive-t-on à assurer la permanence de ces phrases: “il ne peut me comprendre, il ne peut comprendre ma culture”, ou alors “A vrai dire je n’arrive pas à le comprendre”? La solution brutale et irréalisable serait que chaque culture reste dans son ipséité, érige les barrières, mais aujourd’hui cela est impossible. La deuxième solution que nous adoptons serait de placer comme postulat que la mécompréhension est la condition du croisement des humanismes. Ce qui implique que nous éliminions trois types de questions. 1 - Pourquoi ne se comprend-on pas? (question légitime qui occupe les philosophes, les linguistes et logiciens) 2 - Comment se fait-il qu’on ne se comprenne pas? 203 (question renvoyant aux mécanismes herméneutiques de la compréhension). 3 - La question du “quoi” du contenu de l’information à communiquer. Il s’agit pour nous de privilégier le fait que les gens se sont arrangés avec le fait de ne pas se comprendre. Comment est-il encore possible de rencontrer l’autre sans que le fait de se comprendre ou non soit discriminant de notre rencontre? Autrement dit, le malentendu étant inévitable, comment cohabiter avec lui, comment faire avec jusqu’à faire de lui un art de la rencontre? Comment édifier une solidarité avec cet inconvénient de la mécompréhension et du malentendu? Pour rencontrer l’autre, je perçois des signaux et des signes qu’il produit. Bien que fait d’objets, la rencontre est d’abord celle des signes et présuppose l’utilisation du langage qui nous permet de décrypter ce que l’autre a voulu dire. Dans la rencontre avec l’autre, il ne s’agit pas de comprendre un concept commun ni même de parler la même langue, mais d’être dans une intentionnalité qui, seule, permet la compréhension. Dans ce cas, la fonction du langage n’est pas tant de transmettre la connaissance d’un esprit à un autre, ou d’une culture à une autre, mais d’amener les deux esprits sur une même ligne de pensée et de les poursuivre dans la mesure du possible vers la même voie. Notre hypothèse est que le malentendu est l’espace où les cultures en se découvrant différentes et irréductibles, se révèlent et se confrontent. Le malentendu est alors la ligne de partage, un terrain neutre et vague où s’affrontent les visions du monde. “Tu ne me comprends pas? Cela vaut mieux, ainsi tu ne prétendras pas que je viole ton espace”. C’est parce qu’on ne s’est pas compris qu’on peut continuer à discuter. Le malentendu devient alors une zone de traduction, de translation et de traversée ininterrompue. Loin d’être un handicap, le malentendu est fondateur. II.2. “Théorie de passage” Fondateur. Il ne faut pas prendre le fondement ici au sens métaphysique de principe premier d’ordre déductif. Le fondement est entendu ici comme un sol, une source, une fondation sur laquelle viendra s’élever toute une superstructure. Mais pour que l’édifice puisse s’élever, cette fondation 204 qu’est le malentendu exige comme préalable l’existence d’un monde commun partagé. Deux personnes, deux cultures commencent à s’entendre sur leurs malentendus s’ils édifient et identifient entre eux des sortes de “théories de passage” selon le mot de Richard Rorty. Il s’agit d’être attentif à ces moments singuliers et étranges (parce que rares!) où les hommes, les cultures produisent des zones de tourbillons qui sont aussi ces surfaces de contact. “Dire que nous découvrirons que nous parlons le même langage signifie, comme le dit Davidson, que nous tendons à converger sur des “théories de passage”: ce qui sert à deux personnes à se comprendre dans un même discours, est leur capacité à converger sur des théories de passage”12. L’un des moments par excellence pour ces passages est cette capacité de vivre en résonance avec la sensibilité d’autrui. Autrement dit, il faut sentir les autres non comme des êtres exotiques, mais comme des êtres souffrants. La compassion est ce qui opère mieux que tout ce passage vers autrui. II.3. De la compassion Certes, certains philosophes, comme Spinoza, se méfient de la compassion qui serait le synonyme de la pitié et le siège de l’envie, mais à bien regarder, la compassion qui sera théorisée par Schopenhauer est différente de l’envie dans ce sens que celle-ci ne m’ouvre pas à l’autre, mais me ramène à moi. Pour Schopenhauer en tout cas, la compassion est le noyau de l’éthique, c’est bien pour cela qu’il ne faut pas fonder la morale dans un ciel rationnel épuré de toute passion: “ce qui nous pousse aux bonnes actions ou aux oeuvres de charité, n’est rien d’autre que la connaissance de la souffrance d’autrui, laquelle nous est immédiatement compréhensible grâce à notre propre souffrance... il est évident que la nature de l’amour pour (agapé, caritas) est conforme à la compassion”13. Dans cette perspective, la compassion liée nécessairement à la souffrance est un mouvement vers autrui pour lui venir en aide. Mais le néo-kantien Hermann Cohen nous indique que, face à la souffrance d’autrui, nous ne faisons pas un mouvement vers l’autre pour lui venir en aide, nous faisons au contraire un mouvement réflexif de l’autre à ce que nous sommes. Une interrogation donc14. 205 II.4. Des inversions Dans le croisement, les passages et la compassion ne suffisent pas à garantir le rapport à l’autre, il faut encore compter avec plusieurs stratégies “de conversion à l’autre”. Francis Affergan nous décrit le processus d’abordage de l’autre par le missionnaire Charles de Foucault. La première stratégie est celle de “l’auto-inversion” (qui) consiste à utiliser le stratagème du déguisement ou de la feinte en vue de tromper autrui. C’est en se faisant autre que non seulement on séduit autrui afin de l’amener à conversion”15. Cette stratégie est utilisée par les missionnaires qui veulent vivre l’aventure de l’autre de l’intérieur et comme le colonisé vivre ses propres souffrances. La deuxième stratégie est l’hétéroinversion qui consiste à “déguiser l’Autre en un autre-Autre”. La procédure réside dans le fait qu’en faisant adopter par l’Autre les coutumes et les moeurs d’autres cultures, on nourrit l’espoir de le voir se métamorphoser et, par inversion, se reconvertir définitivement à la religion visée”16. Ces inversions ne produisent pas une communauté du sens dans la mesure où, loin de considérer l’altérité de l’autre dans ce qu’elle a d’important pour l’ouverture, elles miment une ouverture qui en fait est une clôture tronquée. Il manque là l’esprit véritable de la palabre17. CONCLUSION Le croisement des humanismes exige plusieurs préalables qui conduisent à mettre le sujet non pas face à l’autre dans un rapport spéculaire – même s’il n’est pas agressif –, mais au travers de l’autre. Que l’autre dans son indicibilité et dans son altérité radicale nous “envahit” et nous “pénètre”, tel serait l’idéal. Souvent on a conçu autrui à l’image de l’ego; les autres cultures sont vues à partir du prisme de la mienne propre et elles renvoient constitutivement à ma culture. Dans cette perspective, l’autre est un reflet de moi18. Il faut cependant dépasser ce redoublement du même pour penser l’altérité dans les termes mêmes de sa propre dislocation. Et c’est le concept de chiasme, puisé chez MerleauPonty, qui nous sert de fil directeur. Par le chiasme, nous brisons une partie de nous-mêmes comme nous brisons celle d’autrui. Une fois que nos vues sur l’expérience du monde ne seront plus parallèles, ni spéculaires ni même concaves, mais à la fois brisées et convexes, on pourra tenter le rap206 prochement avec l’autre. Cela exige d’abord de résoudre le problème de notre présence au monde qui devient co-présence. Heidegger avait bien vu que notre être au monde est toujours un être-avec (Mitsein), mais un problème subsiste – que Heidegger n’a pas explicitement abordé – et qui est le fond de la démarche hégélienne, celui de la reconnaissance. Comment et selon quelles modalités le Dasein impliqué dans le souci (Sorge) et dans l’angoisse (Angst) va-t-il accepter de reconnaître l’autre? La présence dans le champ de la conscience d’un sujet du phénomène de la co-présence indique que l’existence du sujet et celle de son groupe doivent être attentives aux tensions et distensions qui jalonnent le champ de l’agir et les modalités de l’action. Ce n’est qu’à ce titre que le sens de la communauté ne sera pas une fermeture, ce n’est qu’à cette condition que la communauté de sens s’établit au sein d’un espace social. Notes (1) Nous dédions cet article à Marguerite Noah et à Eyenga Mbida. (2) M. Walzer, Sphères de la justice, Paris, Seuil, 1997, p. 26. (3) Robert Esposito, Communitas, Paris, PUF, 2000, p. 17. (4) Ibid., p. 19. (5) Robert Esposito, Communitas, Paris, PUF, 2000, p. 20. (6) Esposito, op. cit., p. 21. (7) Erwin Goffmann, Stigmate, les usages sociaux des handicaps, Paris, Minuit, 1975, p. 136. (8) Patrick Modiano, La place de l’Etoile, Paris, Gallimard, 1968, p. 48. (9) Romain Gary, Les oiseaux vont mourir au Pérou, Paris, Gallimard, 1962, p. 245. (10) Arnold Mandel, Une mélodie sans paroles ni fin, Chroniques juives, Paris, Ed. du Seuil, 1993, p. 64. (11) Lire là dessus Francis Affergan, La pluralité des mondes, vers une autre anthropologie, Paris, Albin Michel, 1997, p. 59 et suivantes. (12) Rorty, Contingency, irony and solidarity, Cambridge University Press, Cambridge 1989, p. 14. (13) Schopenhauer, Metaphysik in A. Sch. SW,X,1911, p. 222. (14) Cohen Hermann fut un représentant du néokantisme en Allemagne. (15) Affergan Francis, Critiques anthropologiques, Paris, Presses de la Fondation Nationale des Sciences politiques, 1991, p. 53. (16) Ibid., p. 54. 207 (17) C’est Husserl qui, dans les Méditations cartésiennes, Cinquième méditation, pose le problème de l’existence de l’autre à partir de celle de l’ego, à l’intérieur de son être propre, puisse en quelque sorte constituer l’autre... c’est-à-dire lui conférer un sens existentiel qui le met hors du contenu concret du “moi-même” (Méditation cartésiennes, Paris, Vrin, 1980, p. 78-79). La critique qui a été adressée à Husserl insiste sur le fait que la primauté est accordée à l’ego et qu’alter ne peut se constituer qu’à l’image de l’ego qui reste premier: Husserl affirme “alter veut dire alter ego, et l’ego qui y est impliqué, c’est moi-même, constitué à l’intérieur de ma “sphère d’appartenance” (Husserl, op. cit., p. 93). Cette phrase a fait dire à Levinas que Husserl réduit l’autre au même, autrui à ce je suis, “autrui demeure infiniment transcendant, infiniment étranger” (Lévinas, Totalité et infini, essai sur l’extériorité, La Haye/M. Nijhoff, 1965, Livre de poche, p. 211). (18) Bidima Jean-Godefroy, La palabre, une juridiction de la parole, Paris, Michalon, 1997. 208 JOSÉ BENTO ROSA DA SILVA Universidade do Vale do Itajaí (Brasil) Associação dos naturais e amigos de Angola de Itajaí: As (Re)Significações De Áfricas No Brasil A partir de vinte de janeiro do ano de 1976, jornais da cidade de Itajaí, localizada no Litoral Norte do Estado de Santa Catarina, na região Sul do Brasil, e caracterizado pela colonização de imigrantes europeus (alemães, italianos, poloneses, austríacos, dentre outros) desde finais do século XIX, passaram a noticiar a chegada de angolanos na cidade. O navio pesqueiro no qual se encontravam os angolanos estava atracado próximo ao porto. O jornal A Nação1, do dia vinte de janeiro de 1976, por exemplo, trazia a seguinte manchete: “Fugitivos de Guerra de Angola Chegam em Itajaí Quatro barcos angolanos atracaram na manhã de ontem no Porto de Itajaí, trazendo a bordo cerca de oitenta e quatro pessoas. Todos os estrangeiros são refugiados da sangrenta guerra que se desenrola em Angola, vindo buscar em Santa Catarina novos horizontes”. Outros jornais, como o Jornal do Povo, registraram a chegada do grupo de angolanos na mesma semana, de forma sensacionalista, lembrando trechos da peregrinação do povo hebreu em busca da Terra Prometida2: “Brasil, Terra Prometida Acham-se ancorados no Porto de Itajaí quatro barcos pesqueiros procedentes de Angola, com oitenta e cinco pessoas a bordo (N.D.P., uma criança nascera a bordo durante a viagem) que fizeram a travessia do Atlântico com destino ao Brasil em dezenove dias (...os angolanos, segundo dizem, são peritos na pescaria, de forma que todos estão afim de se dedicar a esta profissão)”.3 209 Passados os primeiros meses da presença destes refugiados em Itajaí, um boato veio a público: os refugiados estariam com o vibrião colérico, colocando a saúde da população itajaiense em risco. O jornal O Correio de Itajaí, na edição de sete de fevereiro do mesmo ano de 1976, veiculou a seguinte nota assinada pelo médico responsável pelo Departamento de Saúde Pública da Cidade: “(...) Não tem fundamento o boato de que os angolanos que estão aportados em Itajaí, sejam portadores do cólera, o dr. Wilson Reblin, diretor do Departamento de Saúde Pública nos tranqüilizou, informando-nos que foram realizados minuciosos exames em adultos e crianças, inclusive com testes de laboratórios, nada sendo constatado”4. Novas notícias sobre os refugiados ganharam as páginas dos jornais locais meses depois. O jornal A Nação5, que havia sido o primeiro a noticiar a chegada dos angolanos em Itajaí em janeiro de 1976, voltou a noticiar, agora em tom de denúncia: “Angolanos Vivem Triste Situação Ainda sem definições na sua situação os angolanos que chegaram ao Brasil fugitivos daquele país em barcos pesqueiros, permanecem residindo em seus barcos (...) enquanto aguardam o pronunciamento do Ministério do Exterior, a situação dos refugiados não mudou em nada desde que aqui chegaram”6. Esta foi a última notícia veiculada nos jornais sobre a presença dos refugiados angolanos em Itajaí. No entanto, eles permaneceram na cidade, enfrentando os trâmites burocráticos da justiça brasileira que, à época, era tutelada pelo regime militar. A senhora Adriana Tavares Correia, diretora de eventos da Associação dos Naturais e Amigos de Angola, lembrou que, na época, foi chamada à agência de Correios e Telégrafos da cidade para prestar depoimento em relação a uma carta endereçada a ela por um seu irmão que estudava em Cuba. Diz ela que jamais esquecera do acontecimento, ou seja, o fato ficou gravado em sua memória dado o significado do mesmo, como nos lembra Ecléa Bosi ao analisar a reação dos acontecimentos com a memória e o ato de lembrar: “fica o que significa”7. E quantos significa210 dos este acontecimento pode ter proporcionado à senhora Adriana, refugiada de Angola, num país pretensamente de irmãos e de solidários?8 O cotidiano destes refugiados deixou de ser manchete dos jornais locais, no entanto, eles não saíram de cena, pois continuaram vivendo em Itajaí enfrentando preconceitos, narrados “in off” no decorrer das entrevistas (devido, inclusive, à ignorância da população e das próprias relações entre Brasil e África, que não passavam além das formalidades do governo militar). A população brasileira, de modo geral, desconhecia a África, matriz da cultura brasileira, como também desconhecia que maioria de sua população era – é – descendente de africanos, ainda que não saibam (e alguns ainda que não o queiram saber). Malgrado o desdém oficial, a população afro-brasileira, bem como os angolanos na diáspora9, que escolheram ou que foram levados a escolher, pelas circunstâncias, a viver no Brasil, viviam seu cotidiano em meios às tensões proporcionadas por um regime de exceção, onde os iguais (leia-se os marginalizados) eram motivos de desconfiança e de competição entre eles mesmos, como fica evidente no depoimento do senhor Adriano: “(...) Havia alguns engraçadinhos com piadas bobas. É claro que houve alguma forma de represália. Essa coisa de povo, sempre tem alguns que faz uns comentários que não são agradáveis, mas isso sempre tem em qualquer povo, em qualquer lugar. Uma vez um vizinho fez um comentário dizendo assim: ‘há tanto brasileiro que não consegue comprar nada, eles (angolanos) estão há pouco tempo aqui e já compraram casas e móveis. Contudo, estes comentários não representava muita coisa, pois em todos os revions, eles vinham, nos abraçavam e diziam sermos os melhores vizinhos”10. Viver na diáspora implica em reorganizar-se, pois na “nova moradia voltam as lembranças dos espaços vividos. Para a casa do futuro são transportados os usos e costumes, o que implica uma continuidade em relação ao passado e evidencia a perpetuação da identidade do lugar de origem”11, ou seja, busca-se preservar a dignidade, lembrando Martin Heidegger: “O esforço a tornar o homem livre para a sua humanidade e a levá-lo a encontrar nessa liberdade a sua dignidade”12. 211 A busca da humanidade e da dignidade parece ter sido um dos sentidos da organização da Associação dos Naturais e Amigos de Angola de Itajaí, em três de outubro de 1999, vinte e três anos após terem chegado à cidade de Itajaí. Para Adriano Alexandre Correia, nascido em Cabo Verde e tendo residido durante vinte anos em Angola, onde os filhos nasceram, o “principal motivo foi a regularização da cidadania e respaldo do governo angolano”13. Já para Adriana Tavares Correia, Carolina Delgado e Eugênia Maria Brito, fundadoras e diretoras da entidade, as motivações foram: “o desejo de reunir todos os angolanos com o objetivo de nos confraternizarmos e podermos falar sobre o nosso país, bem como divulgar e manter nossa cultura e servir as causas sociais envolvendo nosso conterrâneos”14. A importância da organização da entidade foi descrita da seguinte forma pelo senhor Felipe de Brito Gomes, nascido em Cabo Verde, mas que desde a adolescência passou a residir em Angola (entrementes, Cabo Verde vêm à sua memória quando tece relações e/ou ao re-significar a terra natal a partir de traços geográficos existentes no Brasil, bem próximos à sua residência): “Aqui no Brasil o que mais me dá saudades de Cabo Verde é do meu tempo de criança, quando eu corria pelos morros todos, descalço, um morro como o Morro da Cruz (o ponto mais elevado da cidade de Itajaí, com vista panorâmica privilegiada. Sua residência está localizada praticamente aos pés deste acidente geográfico), correndo atrás das cabras dos meus pais. Todo dia de manhã eu ia buscar as cabras para tirar o leite (...)”. E ele conta como era esta atividade nas noites de lua cheia quando as cabras se distanciavam da localidade, “seduzidas” pela lua, e, noutros dias, quando as mesmas não se afastavam. Mas a memória a partir da infância15 em Cabo Verde foi apenas uma digressão, pois em seguida ele falou da importância da entidade da qual faz parte: “A Associação está mais ou menos com dois para três anos, foi surgida desta maneira: ‘- alguns haviam perdido documentos de identidade, ou que não conseguiram fazer, precisavam de passaporte e tudo. A Carolina então propôs ajudar o pessoal, entrou em contato com o consulado de Cabo Verde, de Angola, e daí foi escrevendo para eles, informando o que estava acontecendo... então ela teve esta iniciativa. A Associação agora é uma forma de a gente ter mais acesso aos documentos e relembrar sempre a nossa 212 terra (...) o fato é que hoje a Associação é reconhecida. A única diferença é que alguns destes rapazes ainda não botaram na cabeça que tem que ter esta Associação, que é necessário para todos, faz falta para todos.(...) Nas festas que fazemos, preservando os costumes, os que vieram de lá criancinhas, que não sabiam nada, assim, vão entrando dentro da cultura de Angola e de Cabo Verde: sabendo o que se usava, quais eram os costumes, o e se fazia... O fim da Associação é ajudar aqueles que não têm meios, não tem como resolver a questão dos documentos... Financeiramente a Associação não pode ajudar, porque não tem fundos, mas nós é que temos que fazer a Associação, nos agrupar, nos ajudar. Está difícil, mas estamos indo, até já está reconhecida! O consulado já falou na possibilidade de organizarmos uma excursão para Angola... Daqui, desde que viemos para o Brasil, só a Eugênia teve a oportunidade de voltar lá. A maioria não tem possibilidades (...)”16 Na seqüência da entrevista fica evidente o desejo de re-significar aspectos lingüísticos da África no Brasil e as dificuldades encontradas: “A língua nativa até estamos propondo que na festa se falasse a língua nativa, aquele que falar português vai levar uma multa (risos). Mas só que a língua angolana, o idioma angolano vai ser difícil, porque eles vieram pequenos, não aprenderam nós em casa não falávamos nem angolano, nem cabo-verdiano; mas eu creio que no futuro deve entrar para a história, porque um povo não pode esquecer suas raízes. Em cabo-verdiano eu falo corretamente, às vezes eu e minha esposa falamos, a Eugênia entende um pouquinho, mas fala pouco, os meus filhos não falam nada, nem cabo-verdiano, nem angolano, só falam o português quem era a língua oficial de Angola. Filhos de pais angolanos que não falam a língua nativa, só o português. Porque os da cidade já falavam a língua oficial; agora os do interior tinham a escola em português e a escola em quimbundo, umbundo... dependia da região”17. Do depoimento do senhor Felipe depreende o fato de que ser africano na diáspora é “fazer-se” africano18; é encontrar-se com o seu passado, ainda que re-significando213 -o em situações adversas; é encontrar-se apesar dos desencontros: “(...) Através da Associação a gente tem notícias de Angola, pois o consulado envia revistas, jornais...19 é uma forma da gente reencontrar o passado, e a própria terra”20. A senhora Maria da Luz Peixoto, natural de Angola, falou dos momentos em que a Associação possibilita re-significar África no Brasil, ainda que não tenha usado esta expressão, sobretudo nos eventos culturais: “Com a Associação nós recordamos mais, principalmente quando eles vão dançar, na dança já lembra, porque nós temos as danças típicas cabo-verdianas... nós assistimos tudo, e a dança também, porque a nossa dança mesmo de lá (de Angola), não tem quem dance. As moças dançarinas cabo-verdianas imitam um pouco, mas as danças de Angola mesmo, nem eu sei mais dançar, só vendo mesmo! Aqui não temos mais, tudo que veio de lá, já não está mais com aquele tipo antigo, já esqueceram, a cultura... esqueceram assim um pouco da cultura... A comida, na festa a gente faz a cachupa... Feijoada nunca fizemos, faz a cachupa que é de Cabo-Verde. De Angola que temos é o mambá; tem lugar que chamam de calulu. No nosso lugar era chamado de mambá”21 (pacientemente, explica com se elabora o manjar que, sem conhecer, encheu-me de desejos de degustá-lo...). A dança parece ser um dos momentos que permite a recriação de espaços, a apropriação do mundo, como frisou Muniz Sodré, um dos estudiosos da cultura afro-brasileira: “Ao dançar, colocando-me ora aqui, ora ali, eu posso superar a dependência para com a diferenciação de tempo e espaço, isto é, a minha movimentação cria um independência com relação às diferenças correntes entre altura, largura, comprimento. Em outra palavras, a dança gera espaço próprio, abolindo provisoriamente as diferenças com o tempo, porque não é algo espacializado, mas espacializante, ou seja, ávido e aberto à apropriação do mundo, ampliador da presença humana, desestruturador do espaço /tempo necessariamente instituído pelo grupo como contenção do livre movimento das forças”22. 214 Ao lembrar das danças, a entrevistada Maria da Luz Peixoto também fez a seguinte ressalva: “As vezes eu fico pensando: era bom se todos participassem da Associação, mas os que são evangélicos já não vem integrar conosco”23 . A dança, que como mostrou Muniz Sodré, tem para o povo africano e seus descendentes uma função libertadora, para certas concepções religiosas não passam de divertimento profano, bem aos moldes da epistemologia cartesiana onde a razão estaria divorciada de emoção. A senhora Marciana, nascida em Cabo Verde, residiu em Angola por vinte e oito anos, onde os filhos nasceram. Falou da importância da Associação da seguinte forma: “A Associação é boa porque faz lembrar Angola. Eu vivi em Angola durante vinte e oito anos. Eu gosto, porque faz lembrar muita coisa: vem um conjunto de amigos, vem pessoal de Cabo Verde, fazemos a cachupa da terra. A cachupa é comida da minha terra, de Cabo Verde (...) Na festa tenho costume de fazer a cachupa porque é de minha terra, os meus filhos gostam muito. Faço mais no tempo de frio, no calor não faço muito não. Na festa, com três pessoas fizemos a cachupa: colocamos carne de porco, carne fresca, lingüiça.. cozinha o feijão, cozinha o milho, mistura tudo...” (pacientemente, como a senhora Maria da Luz Peixoto, vai explicando todos os detalhes da culinária e, mais uma vez, me deixando com água na boca, até porque as horas eram próximas ao meio dia...)”. Após uma breve pausa, ela fala do significado da Associação: “A Associação ajuda a relembrar como era o povo em Angola, aqueles movimentos. Aumenta a vontade de viver, já estamos aqui há vinte e sete anos, a gente sempre ajuda. Foi uma coisa maravilhosa que inventaram“.24 Nos eventos são veiculadas projeções sobre países africanos, desfile de trajes típicos, enfim, uma forma de mostrar a África para os que estão presentes, através de uma ação 215 cultural para a liberdade, se me permitem usar uma expressão do educador brasileiro Paulo Freire que, com Amílcar Cabral, experimentaram na prática um humanismo latino na África, mais precisamente em Guiné Bissau25. Aliás, nas entrevistas, ao re-lembrarem do processo de emancipação de países africanos de língua portuguesa, vários entrevistados citaram a ação educativa de Amílcar Cabral, que se tornou referência para a organização deles em situações adversas. Falar da Associação proporcionou também a oportunidade de lembrar a terra natal, as razões que fizeram com que os antepassados deixassem Cabo Verde e fossem para Angola. Essas lembranças estão vivas na memória dos que vieram adultos para Itajaí. O momento de lembrar foi também uma forma de refazer aquele passado que parecia distante. Então, o momento da entrevista foi, portanto, um ato de re-encontro com o passado: “O pai da minha mãe, o meu avô, era cabo-verdiano, diz que eram três primos. Uma vez deram uma surra num policial. O policial ficou muito mal. Eles foram condenados, foram mandados para Angola. Foram condenados para Angola. Então eles cumpriram a pena. Quando mandaram chamar eles de volta, eles não quiseram mais voltar. Era o meu avô, pai da minha mãe. Ele era moço. Depois mandou buscar a família que tinha ficado em Cabo Verde, ele mandou chamar os primos”26. Falar sobre a Associação, como já frisei acima, oportunizou também para o senhor Felipe a re-significação do passado. Ouvir foi também uma oportunidade de ajudar a criar e recriar mutuamente, como criadores de algo novo, que acontece no momento do diálogo. A entrevista neste caso foi semelhante à maiêutica socrática, para usar uma expressão de Antônio Montenegro27. Disse ele: “Sou natural de Cabo Verde, cidade de Mindelo. Fui para Angola em 1952, com dezesseis anos de idade. Fui enganado, porque os menores iam para oficinas aprender alguma arte nas diversas oficinas que tinha. Mas aconteceu o contrário, chegando lá nos botaram para trabalhar na fábrica de peixe, as roupas que nos davam era simplesmente uma camiseta, calções de lona para trabalhar no peixe, sem proteção nenhuma. A gente andava com as pernas cheias de furúnculos. 216 Depois de terminado o contrato que era de três anos, isso acabou. Aliás, antes de terminar o contrato, porque nós de Cabo Verde não estávamos acostumados a viver da maneira como eles tratavam os nativos de Angola. Nós nos revoltámos. Muitos foram para a cadeia, até eu passei quatro dias na cadeia, só comendo pirão de milho, o fubá e um peixe chamado carapau, seco, fermentado. Eles cortavam e davam a gente duas vezes por dia. Fui preso sem ter feito absolutamente nada (altera a voz). Foi por causa dos colegas que se revoltaram por razões deles: pois foram trabalhar à noite no mar, chegaram de manhã para descansar e foram buscá-los para trabalhar na estiva. Havia um navio da marinha mercante ancorado na Baía, chamado Baía Farta. Foram buscar os rapazes para trabalhar. Aí houve a revolta”.28 A entrevista com o senhor Felipe me fez lembrar a arte de narrar lembrada por Walter Benjamim, numa época em que parece ser rara esta arte, ainda mais em tempos de globalização. Diz Benjamin: “A liberdade do diálogo está-se perdendo. Se antes, entre seres humanos em diálogo, a consideração pelo parceiro era natural, ela é agora substituída pela pergunta sobre o preço de seus sapatos ou de seu guardachuva. Fatalmente impõe-se, em toda conversação em sociedades, o tema das condições de vida, do dinheiro. No caso, trata-se não tanto das preocupações e dos sofrimentos dos indivíduos, nos quais talvez pudessem ajudar um ao outro, quanto da consideração do todo. É como se se estivesse aprisionado em um teatro e se fosse obrigado a seguir a peça que está no palco, queira-se ou não, obrigado a fazer dela sempre de novo, queira-se ou não, objeto do pensamento e da fala”.29 Pois bem, o senhor Felipe contou como foi que saíram de Angola, frisando que não foi por nenhum espírito de aventura, mas sim dentro de determinadas condições, caracterizando, portanto, a situação de diáspora para estes angolanos que vivem em Itajaí: “Eu falava: ‘- aqui de Angola eu só saio correndo com o calcanhar batendo na bunda, mesmo que eu vá sem nada’. E foi o que aconteceu. Quando as forças contrá217 rias ao M.P.L.A. entraram na cidade onde nós vivíamos. Antes já andavam ameaçando, fazendo ameaças ao pessoal de Cabo Verde. O pessoal da UNITA dizia que, se ganhassem a independência, matariam todos os cabo verdianos. Então foi nesta ocasião, foi em cinco de novembro de 1976, quando saímos de lá. O M.P.L.A. recuou porque não tinha forças suficientes contra a UNITA. A gente embarcou com o nosso patrão e viemos com ele. A gente não tinha a intenção de sair de Angola”.30 Considerações Finais Hoje, a Associação dos Naturais e Amigos de Angola de Itajaí conta com o número de cinqüenta membros naturais. Somando os descendentes, chega-se a um total de 106 pessoas. Segundo alguns membros, depois da formação da Associação os itajaienses passaram a se interessar mais em saber sobre Angola, sendo que os encontros entre eles ficaram mais freqüentes, como frisou a senhora Adriana, dizendo que no último Natal passaram juntos, comemorando. Aliás, no decorrer das entrevistas, os angolanos e descendentes de angolanos radicados em Itajaí demonstraram grande interesse numa possível viagem coletiva para Angola, a fim de revisitar seu país de origem e resgatando, com maior intensidade, sua cultura, tanto que, neste provável roteiro de viagem, não só a capital ou os pontos turísticos seria visitado, mas, em especial, as regiões de origem do grupo. É preciso frisar ainda que, em Florianópolis, capital do Estado, existe a Associação dos Estudantes Africanos de Santa Catarina – AEA /SC, fundada em maio de 1996; estes têm participado também dos eventos promovidos pela Associação dos Naturais e Amigos de Angola de Itajaí. De uma forma ou de outra, alguns africanos acabam-se encontrando e se reencontrando através das suas entidades civis, ainda que na diáspora. 218 Notas (1) Jornal A Nação. Itajaí, 20.01.1976. In: CRUZ, Euclides José da, Angola-Brasil: Lembranças, Práticas E Representações Da Imigração Angola Em Itajaí. Itajaí: Universidade Do Vale do Itajaí, Departamento de História, 2000 (Monografia de Conclusão de Curso de Graduação em História), p. 23. (2) Estou me referindo à tradição judaico-cristã narrada em Êxodo, cap. 6, 2-13. (3) Jornal do Povo. Itajaí, 24.01.1976. In. CRUZ, Euclides José da. Op. Cit. p. 24. (4) Jornal Correio De Itajaí. Itajaí, 07.01.1976. In. CRUZ, Euclides José da. Op. Cit. p. 28. (5) O jornal A Nação fazia parte da principal e mais poderosa rede de notícias do Brasil na década de 50 e 60: Os Diários Associados do empresário Assis Chateaubriand. Veículo estes que deu pleno apoio ao golpe militar implantado no Brasil no ano de 1964 e que vigorou até o ano de 1984. Sobre a influência desta rede de comunicação na política brasileira. Ver. MORAIS, Fernando. CHATÔ – O REI DO BRASIL. SP: Cia. Das Letras, 1997. (6) Jornal A Nação. Itajaí, 24.07.1976. In: CRUZ, Euclides José da. Op. Cit. p. 30. (7) Estou me referindo à obra Lembranças De Velhos, onde Ecléa Bosi estuda a importância da memória na sociedade contemporânea. BOSI, Eclea. Lembranças De Velhos. SP: Edusp., 1987. (8) O Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer a independência de Angola, ainda que sob o jugo do governo militar. Sobre esta questão. Ver. Um Momento Especial Nas Relações BrasilAngola: do Reconhecimento da Independência aos dias atuais. In: PANTOJA, Selma e SARAIVA, José Flávio Sombra (orgs.) Angola e Brasil: Nas Rotas Do Atlântico Sul.RJ: Bertrand Brasil, 1999, pp. 225-252. (9) Entendo por diáspora as várias categorias de refugiados, imigrantes, residentes estrangeiros e minorias étnicas, raciais e religiosas. (10) Entrevista com Adriano Tavares Correia. In. CRUZ, Euclides José da. Op. Cit. p. 32. (11) LUCENA, Célia. Tempo E Espaços Nas Imagens Das Lembranças. In. SIMSON, Olga Rodrigues De Morais Von (org.) Os Desafios Contemporâneos Da História Oral. Campinas: Ed. Unicamp., 1997, p. 231. (12) HEIDEGGER, Martin. Sobre O Humanismo. RJ: Tempo Brasileiro, 1995, p. 36. (13) Entrevista com Adriano Alexandre Correia, 65 anos, realizada a 03 de janeiro de 2003, por José Bento Rosa Da Silva. (14) Entrevista coletiva realizada com as diretoras da Entidade: Adriana Tavares Correia (diretora de eventos), Carolina Delgado (Presidente) e Eugênia Maria Brito (Diretora Social), em 29 de dezembro de 2002, por José Bento Rosa Da Silva. (15) A memória a partir da infância foi discutida por Maurice Halbwachs de forma magistral. Sobre esta questão. Ver. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. SP: Ed. Vértice, 1990. (16) Entrevista realizada com Felipe De Brito Gomes, 67 anos. Realizada por José Bento Rosa Da Silva, em 07.12.2002, em Itajaí, Santa Catarina, Brasil. (17) Entrevista com Felipe De Brito Gomes. Citada. (18) A expressão “fazer-se” tomo emprestada do historiador E. Paul Thompson, para caracterizar que trata-se de um processo que se deve tanto à ação humana como aos condicionamentos históricos. Sobre esta questão. Ver. THOMPSON, E.P. A Formação Da Classe Operária Inglesa, 3 Vols. RJ: Paz e Terra, 1987. (19) Tive oportunidade de manusear algumas revistas e jornais que 219 membros da Associação recebem em Itajaí, tais como: Notícias De Angola: Informativo do Consulado Geral de Angola No Rio De Janeiro (jornal) e Tribuna Diplomática: Revista Da Embaixada De Angola No Brasil (vários exemplares). (20) Entrevista com Felipe De Brito Gomes. Citada. (21) Entrevista com Maria Da Luz Peixoto, 62 anos, natural de Nova Lisboa, Angola. Realizada em Itajaí, a 05.12.2002, por Jose Bento Rosa Da Silva. (22) SODRÉ, Muniz. O Terreiro E A Cidade.: A Forma Social Negro-Brasileira. Petrópolis: Vozes, 1988, p.122. (23) Entrevista com Maria Da Luz Peixoto. Citada. (24) Entrevista com a senhora Marciana Antônia Da Cruz, 74 anos. Realizada a 05.12.2002, por José Bento Rosa Da Silva. O grifo é meu. (25) Estou me referindo sobretudo ao relato da experiência educativa em Guiné Bissau de Paulo Freire e Amílcar Cabral. Sobre esta questão. Ver. FREIRE, Paulo. Cartas À Guiné Bissau. RJ: Paz e Terra, 1980, 3ª Ed. (26) Entrevista com Maria Da Luz Peixoto. Citada. (27) “O trabalho de rememorar, que se estabelece através do diálogo entre entrevistador e entrevistado, assemelha-se à maiêutica socrática, sobretudo pela empatia que deve existir. O entrevistador deverá colocar-se na postura de parteiro de lembranças, facilitador do processo que se cria e resgatar as marcas deixadas pelo passado na memória”. In: MONTENEGRO, Antônio Torres. História Oral E Memória: A Cultura Popular Revisitada. SP: Contexto, 1992, p. 150. (28) Entrevista com Felipe De Brito Gomes. Citada. (29) BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Vol II (Rua de Mão Única). SP: Brasiliense,1995, 5ª Ed., p. 23. (30) Entrevista com Felipe De Brito Gomes. Citada. 220 CARLOS PIMENTA Centro de Estudos Africanos, Universidade do Porto (Portugal) «Globalização em África e (Des)Humanismo» Permitam-me que comece por saudar a realização desta iniciativa que permite juntar sobre uma mesma problemática tantos pontos de vistas diferentes, forjados em disciplinaridades científicas específicas, em experiências e consciências possíveis variegadas, em posturas ideológicas e filosóficas – sempre presentes por mais esforço metodológico que se faça para a sua depuração – dissemelhantes. Todos diferentes mas com a preocupação comum de tratar de uma forma epistemologicamente correcta um mesmo tema: “Humanismo”. E porque se vão acumulando experiências anteriores de outras iniciativas, de outras leituras e outros diálogos, permitam-me que esta minha saudação inicial concentre-se em dois pontos: (1) Os “encontros e desencontros” é o único terreno possível, do meu ponto de vista, para se estudar o humanismo. “Pensar o homem, num processo de criar e recriar o humanismo”, aceitar os desafios do quotidiano e aproveitar todo o pretexto, toda a situação, para criar melhores condições para o futuro da humanidade, construir um “neo-humanismo” exige inexoravelmente que um dos pilares da sociedade futura seja o “respeito pela diversidade”. Assim sendo, o isolamento de um «humanismo» e a homogeneidade de leituras sobre ele, podem ser a sua condenação, certamente é o seu empobrecimento progressivo. “O «humanismo latino» pode ser uma referência significativa se se reconstruir permanentemente em confronto com a sua negação”. “O humanismo latino construi-se e vivifica no confronto – de afirmação e aceitação – com outras formas de pensar o homem, no confronto com outros humanismos, com outras culturas, com outras axiomáticas e lógicas de agir e pensar. É esse confronto que garante que o homem seja «o eu e o outro» ou, ainda melhor, «o outro e o eu». É na mescla de culturas que se construirá o futuro.” 221 (2) Homens de cultura de tão variadas formações criam condições altamente favoráveis aos rumos de um neoconhecimento que frequentemente tem a designação de interdisciplinaridade. Sabemos que a prática da interdisciplinaridade está muito aquém da promoção que dela é feita. Sabemos que é necessário uma vasta reflexão epistemológica sobre a interdisciplinaridade que ainda está por fazer. Sabemos que existem dificuldades diversas (desde as limitações cognitivas do homem ao grande volume de informação, desde a clausura das linguagens específicas aos entraves institucionais, ...) no trabalho de interdisciplinaridade mas ela é um sistemático desafio, mesmo desesperante, quando ninguém duvida do “homem total”, da “multidimensionalidade humana” e, no entanto, não se consegue ultrapassar o campo restrito do seu saber disciplinar. Temos que ter a ousadia da interdisciplinaridade e talvez o “humanismo latino” seja um novo elo identificador capaz de desafiar as nossas sínteses. Certamente que conferências como estas contribuem para um seu repensar rumo a uma aproximação ao “homem total”. Feitos estes dois reparos entro na temática da minha comunicação, assente na Economia. Tenho frequentemente reparado, quando me encontro na situação de ouvinte, sentado numa sala em que predominam intelectuais das «humanidades» que o discurso económico é assumido, desde logo, como um discurso «desviado», tecnocrático, terminologicamente espinhoso. Talvez tenham alguma razão mas esta só advém da pouca experiência de nos ouvirmos mutuamente. Contudo, tendo em atenção essas formas típicas de sentir e agir, quero colocar desde já uma informação e uma preocupação. A informação é simples. Assento a minha comunicação na Economia mas frequentemente esse é apenas o trampolim para uma Anti-Economia. Anti-Economia porque procura, quiçá com pouco engenho e insuficiente fundamentação, mostrar a face oculta do «discurso económico». Igualmente porque tenta ultrapassar as fronteiras disciplinares. A preocupação tem a ver com a minha intenção em evitar muitas referências numéricas, embora algumas sejam inevitáveis e até intelectualmente saudáveis, em pôr de lado as formulações matemáticas e econométricas, embora por vezes estejam subjacentes e tenham servido de suporte a alguns comentários. Enfim, procurei, com o sucesso que 222 cabe a vós apreciar, comportar-me no discurso como «homem das humanidades» sem perder o sabor dos desafios da minha disciplinaridade específica. “Num sistema de comércio perfeitamente livre, cada país consagra o seu capital e trabalho às actividades que lhe são mais rendosas. Esta procura da vantagem individual coaduna-se admiravelmente com o bem-estar universal. Deste modo, estimulando-se a indústria, premiando-se os inventos e empregando-se o mais eficazmente possível as possibilidades especiais concedidas pela natureza, o trabalho é melhor distribuído e com maior economia enquanto que, aumentando a produção total, se espalha o bem-estar por toda a parte e se ligam todas as nações do mundo civilizado com os elos do interesse e do intercâmbio. É este princípio que faz com que o vinho seja produzido em França e Portugal, que se cultive o trigo na América e na Polónia e que se fabriquem ferramentas e outros produtos na Inglaterra” (Ricardo, Princípios de Economia Política e de Tributação, Pág. 149). Esta é uma passagem lapidar das páginas que este «monstro sagrado do pensamento económico», este «pai» da Ciência Económica como hoje é concebida, dedica para desenvolver a sua teoria sobre a importância da especialização e da liberdade de comércio. Apesar de formulada em 1817, continua a ser uma referência obrigatória e muitos dos modelos posteriores assentam nos mesmos princípios e nas mesmas lógicas de abordagem do problema. Como diz um dos grandes «pedagogos» do ensino da Economia – pelo menos grande na quantidade de economistas que se formaram sob os seus ensinamentos – é “uma bela tese sobre os benefícios para as nações da especialização internacional, a que chamou a lei da vantagem comparativa ou teoria dos custos comparados” (Samuelson-Nordhaus, Economia, Pág. 1037). Certamente que muito haveria a dizer sobre o conceito de “bem estar universal” num texto escrito por um inglês, quando este era indiscutivelmente o país mais poderoso e dominador do mundo. Certamente que não deixa de ser sociológica e historicamente interessante que as produções agrícolas fossem vantajosas para os outros tendo a Inglaterra que se especializar, por ditames da lei natural, nas produções de maior valor acrescentado, nas mais exigentes tecnologicamente, nas que eram a expressão típicas da revolução industrial 223 que estava a mudar o mundo. Mas não são esses aspectos que agora nos preocupam. O que pretendemos aqui salientar é que, segundo Ricardo, Portugal deveria especializar-se no vinho (nos seus subsectores direccionados para a exportação como é o caso do vinho do Porto) e a Inglaterra nos têxteis. O que Ricardo se esqueceu de dizer é que uma grande parte da propriedade dos vinhos do Porto era inglesa. Esqueceu-se igualmente que o “comércio perfeitamente livre” assentava desde 1703 num tratado político, no tratado de Methuen, que consolidava a dependência económica e política de Portugal em relação à Inglaterra. Certamente pormenores irrelevantes para a construção do modelo. A realidade muda, os modelos revelam-se desajustados e a história económica revela dinâmicas nem sempre esperadas. Portugal acabou por ter uma importante actividade têxtil. Em Portugal, onde “a revolução da máquina a vapor, que veio acelerar de forma extraordinária o progresso capitalista, operou-se entre nós com grande atraso e de forma tímida” (Armando Castro, Dicionário de História de Portugal, entrada “capitalismo”) mas “é possivelmente a indústria têxtil algodoeira que constitui o exemplo mais frisante deste processo de desenvolvimento capitalista”. O que muitas vezes se esquece é de salientar a importância que a exploração colonial teve (no fornecimento de matérias-primas e como mercado) para esse “processo de desenvolvimento capitalista” português. Parafraseando Albert Camus, com as devidas adaptações a estas situações, podemos dizer que “a Ciência Económica oficial é mais poderosa pelo que cala do que pelo que diz”. Os exemplos que poderíamos apresentar destes esquecimentos – uns involuntários e alicerçados no ceteris paribus da Ciência Económica, outros construídos num ensino tecnocrático das instituições universitárias, outros ainda expressão do cinismo dos poderosos face à miséria e à dependência – são muitos e diversos. Vão desde o esquecimento do colonialismo e do neocolonialismo como factores responsáveis pelo subdesenvolvimento em África (veja-se a este propósito os textos da conferência de Tunis, Abril de 2001, organizado pelo FMI para analisar a mundialização e África) até ao cinismo com que FMI e BM falam de democracia, defesa da democracia, liberdade e valor da liberdade quando são instituições todo 224 poderosas que escapam totalmente ao controlo democrático dos povos e nações, que impõem ditatorialmente as suas regras aos mais fracos. Mas a nossa preocupação não é apresentar exemplos ou fazer o inventário das declarações e estudos técnicos onde as afirmações políticas e tecnocráticas são pérolas de amnésia social. Fazemos referência a estas questões porque abordar o subdesenvolvimento africano – enganadoramente designado de desenvolvimento –, tratar da globalização em África exige colocarmo-nos na sombra do que é esquecido, conseguirmos ler o drama dos vencidos numa história que é feita pelos vencedores. Identificando o «desenvolvimento» como uma “crença ocidental”, politicamente inventada nos condicionalismos económicos, sociais e políticos da década de 40 do passado século, “O «desenvolvimento» aparece assim como uma crença e como uma série de práticas que formam um todo, apesar das suas contradições. A primeira não é menos verdadeira que as segundas pois estão indissociavelmente ligadas. No conjunto reflectem a lógica de uma sociedade em vias de mundialização que, para cumprir o programa que esta fixou – e cujas consequências não são igualmente alegres para todos –, deve referir-se a certas verdades indiscutíveis e largamente partilhadas – que relevam do mito –, para aí assentar a sua legitimidade” (Gilbert Rist, Le Développement, Histoire d’une croyance occidentale, pag. 46). Nas últimas décadas a economia, a sociedade em geral, está num processo de transformação, de desestruturação e estruturação que se costuma designar por «globalização». Entretanto o que se passa em África? Olhemos, então, para a globalização e para África. O que observamos? Essencialmente que a África Subsariana continua na cauda do crescimento e do desenvolvimento económico. Apenas alguns dados demonstrando o que é sobejamente conhecido: (1) No relatório de Desenvolvimento Humano de 2002, o país com o maior valor do índice é a Noruega, com 0,942 e o que tem menor é a Serra Leoa com 0,275. O conjunto da África Subsariana tem 0,47. É a grande região com o menor índice. Este índice sintético – apesar de alguns artificialismos na sua construção visando atenuar a importância dos ren225 dimentos per capita como medida das desigualdades – acaba por reflectir um conjunto de más situações em diversas áreas. Essa mesma região africana tem uma das maiores percentagens de adultos analfabetos (batida neste indicador pela Ásia do Sul), 39% em 1999; a mais baixa esperança de vida à nascença, a grande distância das restantes regiões do globo, 47 anos em 1999; a mais elevada taxa de mortalidade infantil, 92%o, etc. Também é uma a região com maior nível de miséria. Em 1998, a percentagem dos que possuíam como rendimento menos que um dólar por dia era de 48,1% da população. Mas o que é de registar a este propósito, é que essa percentagem aumentou na última década. Segundo os mesmos dados (cuja origem é o BM) em 1990 a percentagem correspondente era de 47,7%. (2) Esta tendência de evolução remete-nos para uma análise ao longo do tempo, num período suficientemente grande para podermos retirar conclusões estruturais e não nos confundirmos comas manipulações de informação que o tratamento da conjuntura permite. Pegámos em dois indicadores: rendimento per capita medidos em dólares e a preços constantes e esperança de vida à nascença, tendo como fonte o BM. Analisámos a sua evolução entre 1960 e 1999. São conhecidas as críticas ao primeiro indicador: considera exclusivamente vertentes económicas e deixa de lado aspectos sociais que podem ter uma dinâmica autónoma; é uma média e não entra em conta com as desigualdades na distribuição do rendimento; focaliza o crescimento e tende a esquecer que o desenvolvimento é uma realidade mais abrangente. Contudo consideramos que continua a ter um conjunto de virtudes porque as subtilezas de distinção entre crescimento e desenvolvimento são, em alguma medida, preocupações etnocêntricas das sociedades desenvolvidas, porque o problema fundamental de África é o crescimento. Quanto ao facto de ser uma média, facilmente poderemos ultrapassar essa limitação se tivermos em conta que grosso modo as diferenças relativas de rendimento são tanto maiores quanto menores são os rendimentos médios (com excepção de algumas poucas economias, nomeadamente as produtoras de petróleo). Quanto ao segundo indicador podemos considerar que reflecte a globalidade das condições de vida. Mais do que as palavras, vejam-se os gráficos seguintes, em que cada uma das linhas mostra a evolução ao 226 longo do tempo desse indicador para um país africano. Consideraram-se apenas os países da África Subsariana. Rendimento per capita: Esperança de vida à nascença (não havendo dados para todos os anos): Fugindo a uma análise pormenorizada e estando mais preocupados com o conjunto das informações do que com as situações específicas de alguns países, atrever-nos-íamos a retirar duas leituras: – Os ritmos de crescimento nestes quarenta anos são lentos, tendendo frequentemente para a estagnação. Lento em termos absolutos, isto é, com baixas taxas de variação anual. Lento em termos relativos, bastando para tal comparar com o que se passou em muitos outros países e regiões do globo. – A partir de 1988/90 até ao fim do século passado em muitos países, e para o conjunto da região, há uma agravamento da situação. Ora, se atendermos que as estratégias internacionais de desenvolvimento, as políticas internacionais visando o crescimento e o desenvolvimento abrangem todo este período, pois iniciaram-se após a II Grande Guerra, podemos concluir que essa política internacional tem sido manifestamente insuficiente ou inadequada. Se atendermos que a década de 90 do passado século é o “período de ouro” da chamada «globalização», podemos concluir que esta tem sido nefasta para o desenvolvimento económico e social de África. É essencialmente esta última situação que nos ocupará. Se a “globalização” progride, com coros afinados de políticos e tecnocratas cantando hosanas aos paraísos que tem construído, e África piora de situação, só podemos tirar uma ou várias das conclusões seguintes: África está possuída por forças demoníacas que só se podem radicar, já que são conhecidas as vastas riquezas naturais desse continente, numa debilidade endémica dos seus povos; Há um incompatibilidade estrutural entre a «globalização» e o desenvolvimento da África subsariana, quiçá de todas as economias subdesenvolvidas. A globalização não é o paraíso terreno e as cantorias apenas são manobras de diversão. 227 É completamente desnecessário analisar a primeira hipótese. É do domínio público – apesar dos perigos que o racismo e a xenofobia continua a representar por todo o mundo – que a menoridade intelectual não é dos povos africanos mas dos que os consideravam desse modo. Resta, pois, analisar, as duas últimas hipóteses. GRAFICO 1 9000 8000 7000 6000 5000 4000 3000 2000 1000 1998 1992 1996 1990 95 1994 1988 92 1986 90 1984 1982 1980 1978 1976 1974 1972 1970 1968 1966 1964 1962 1960 0 GRAFICO 2 75 70 65 60 55 50 45 40 35 99 19 97 19 19 19 87 19 85 19 19 82 19 80 19 77 75 19 72 19 19 70 19 67 19 65 19 60 19 19 228 62 30 Estudar a incompatibilidade estrutural entre a “globalização” e o desenvolvimento da África Subsariana exigiria espaço e tempo muito superiores aos que aqui dispomos, pelo que nos vamos limitar a dois aspectos. Comecemos por recordar textos da década de 60 que continuam a ter, na nossa opinião, toda actualidade: “O que conceituamos como subdesenvolvimento é (...) a ocorrência de um dualismo estrutural” (Furtado, Dialéctica do Desenvolvimento, pág. 84) A “economia dualista constitui, especificamente, o fenómeno do subdesenvolvimento contemporâneo” (Furtado, Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, pág. 173) O que caracteriza uma economia subdesenvolvida não é a sua pobreza ou o seu atraso, mas o seu dualismo, mensurável pela baixa densidade da matriz de relações intersectoriais, pela ausência de articulação entre diversos sectores. É a sua desarticulação, a convivência de modos de produção, sectores e actividades com tecidos produtivos e de distribuição de rendimento desligados uns dos outros. Umas actividades económicas não têm impactos sobre as restantes, não existe um processo cumulativo de produção e aplicação de valor. As raízes desse dualismo africano encontra-se, muito provavelmente, na colonização, mas prolonga-se com o neocolonialismo, com o investimento externo em sectores exportadores que apenas visam aproveitar alguns tipos de recursos ou espaço de poluição, prolonga-se com a cooperação que se dirige para os sectores que interessam ao país desenvolvido e que pode ser secundário para a economia subdesenvolvida. Até processos aparentemente humanamente bem intencionados (de doação, de ajuda, etc.) podem reforçar esse dualismo. Ora a «globalização» impondo a muitos países africanos programas de ajustamento estrutural, exigindo a aceleração das relações de produção capitalistas típicas das economias desenvolvidas e a sua abertura ao mercado mundial, diluindo ou esmagando as relações de produção do país para impor “normas internacionais”, dando uma particular atenção às operações monetárias e financeiras, a «globalização» através de todos estes meios e outros tem contribuído fortemente para o reforço do dualismo da economia africana, de muitas economias subdesenvolvidas. A situação dramática actualmente existente, o agravamento das condições de vida, melhor dito condições de sobrevivência, na África subsariana não é o resultado de 229 dificuldades em os países africanos acompanharem a «globalização»: terem uma excessiva intervenção do estado, não terem um sector privado dinâmico, não terem legislação suficientemente liberal, de as suas «sociedades civis» serem débeis, dos equilíbrios macroeconómicos não terem sido conseguidos. O agravamento da situação resulta de tentarem impor-lhes tudo isso. E tudo isso radica-se numa falta de respeito pela diferença, numa falta de respeito pelas decisões dos povos, numa tentativa de todos serem iguais à imagem e semelhança da economia americana. Não foi o não terem entrado totalmente na «globalização» que lhes agravou a situação, como diz o BM e o FMI, mas foi o terem entrado ainda que parcialmente. E esta constatação remete-nos de imediato para o segundo aspecto: a grande diferença entre a bondade das palavras, sobretudo quando sopradas ideologicamente, e a dureza da realidade. A palavra de ordem da globalização é «liberdade»: liberdade de comércio, liberdade de mercado, liberdade de escolha. Mas o que é essa liberdade para as economias desenvolvidas e para as economias subdesenvolvidas? O que é essa liberdade para quem tem um milhão de dólares por dia e para quem tem menos de um dólar? O que é essa liberdade para quem impõe e para quem é subjugado? A liberdade formal não se concretiza num espaço mundial socialmente homogéneo, e quando existem contradições, conflitos, dependências e explorações a liberdade de uns pode ser a não-liberdade de outros, é-o muitas vezes. Propõe-se em nome da liberalização “menos Estado” mas quem o exige são estruturas supraestatais, tão coercivas quanto o são os Estados. “Menos Estado” não é o enfraquecimento da política económica mas a modificação da sua natureza. Pretende-se substituir “o desvio dirigido das contradições” para “a lógica de rebentamento pelos «elos mais fracos»”. E esta lógica tem diferentes resultados conforme os países e as ocasiões. Num país dependente (tecnologicamente, centrado em poucas produções sujeitas a troca desigual, financeiramente, etc.) o elo mais fraco desloca-se para a relação nacional/internacional, reforçando a dependência e o dualismo. Existirão excepções neste panorama, casos de sucesso? Certamente que a situação de cada país é diferente, mas os casos de sucesso são muito escassos. As instâncias de Bretton Woods não perdem oportunidade para 230 encontrar esses exemplos enaltecedores, mas geralmente tem de se refugiar na análise de caso da Ilha Maurícia. Podemos dizer que pequeno é o exemplo (1900 Km2, pouco mais de um milhão de habitantes) para tão grande continente. E, mesmo assim, têm que reconhecer que “uma componente não negligenciável dos resultados [de sucesso] permanecem sem explicação. É plausível que certas especificidades da Ilha Maurícia também tenham jogado um papel importante, sendo a mais importante a diversidade étnica do país e a forma como ela se gerou” (Barracoon, em “La Mondialisation et l’Afrique”, pág. 23). Não será a própria «globalização» que está mal? Para que possamos colocar a questão é necessário admitirmos que esta não é inevitável. E de facto não é. A mundialização é inevitável mas a globalização é apenas uma das formas que aquela pode assumir. Globalização é um ordenamento económico internacional que visa mundializar as formas de organização económica, política e social do capitalismo americano reforçando a sua hegemonia. Globalização é essencialmente a finaciarização das relações internacionais, a expansão e unificação dos mercados financeiros, muitas vezes feita contra similar mundialização de outros mercados, como é o caso do mercado de força de trabalho. Globalização é a imposição cultural da hegemonia do económico na escala de valores dos homens e da sociedade. Globalização é o agravamento das desigualdades internacionais e nacionais. Por outras palavras. Se há um agravamento das condições de vida dos cidadãos de muitos países, como é o caso dos africanos, resultante do confronto da globalização com as relações sociais vigentes, reforçando o dualismo. Se há um agravamento das desigualdades económico-sociais resultantes da globalização, que simultaneamente gera tensões entre a expansão das operações financeiras e a criação de rendimento, que fomenta e promove a economia subterrânea como uma das formas de atenuar essas tensões. Se a lógica liberal promotora da globalização faz-se mais pelos silêncios do que pelas afirmações, mais pelo que não diz do que pelo que diz, produzindo catadupas de ideologização sob a capa da desideologização. 231 Se a globalização é apenas uma das formas de funcionamento da economia mundial, havendo outras formas possíveis de ordenamento internacional, respeitando o desenvolvimento tecnológico, a aproximação entre cidadãos de todo o mundo, a circulação plena da informação, quiçá mais assentes na acessibilidade generalizada aos benefícios científicos e tecnológicos hoje existentes, mais concordantes com uma vida digna para uma grande maioria de cidadãos. Se tudo isto é, assim, lutar pela dignidade do homem, pelo respeito pela diferença, lutar pelo humanismo é lutar contra a globalização, é lutar por uma economia mundial, e não só, com outro tipo de relações, de ordenamento. BIBLIOGRAFIA CITADA FURTADO, Celso - Dialéctica do Desenvolvimento 1964, Rio de Janeiro, Fundo de Cultura - Desenvolvimento e Subdesenvolvimento 1965, Fundo de Cultura NSOULI, Saleh M., GALL Françoise le & Outros La Mondialisation et l’Afrique Finances & Développement, Dezembro 2001 PNUD Relatório do Desenvolvimento Humano 2002 Queluz, Mensagem RICARDO, David Princípios de Economia Política e de Tributação Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian RIST, Gilbert Le Développement: Histoire d’une Croyance Occidentale 1996, Presse de la Fondation Nationale des Sciences Politiques SAMUELSON/NORDHAUS Economia Lisboa, McGraw-Hill SERRÃO, Joel & Outros Dicionário de História de Portugal sd. Lisboa, Iniciativas Editoriais 232 ZACARIAS KAMWENHO Arcebispo do Lubango (Angola) Humanismos ocidentais em África: que futuro? Introducão O tema que me cabe é complexo e apaixonante: complexo, porque o Ocidente, geograficamente, teve e tem também as suas variantes, como a nossa África; apaixonante, porque, perante a situação actual podemos escolher facetas que nos permitem dizer alguma coisa das nossas próprias convicções num Mundo aparentemente dividido e incerto, melhor, num mundo que já não é bipolar, mas mundo à deriva. Em Agosto passado participei no Meeting de Rimini (Itália) a convite de um grupo de euro-deputados italianos, e, reflectindo sobre o tema do Meeting –2002 “Per l’amicizia fra i popoli”, compreendi que a fraternidade humana ainda não é mera utopia mas algo que já se visualiza entre as luzes e sombras dessa nossa comum história, com as suas contradições no quotidiano a que nos habituamos a assistir ou viver. E por que com Terêncio dizemos também "Homo sum, humani nihil a me alienum puto" (Homem sou, nada do humano me é alheio) – Atrevo-me a dizer duas palavras sobre o tema que, desde já confesso, será apresentado sem pretensões de erudição porque o tempo de Pastor de uma Comunidade grande, como é a Arquidiocese de Lubango, pouco mais permitiu para um trabalho mais polido, digno desta assembleia. Desde já, portanto, conto com a vossa vénia e compreensão. 233 I “Por mares nunca dantes navegados” Disse algures Hegel: 1.- "Desde que os navios deram a volta ao mundo, o globo tornou-se para os Europeus um círculo fechado. O que ainda não dominam, ou não vale a pena, ou ser-lhes-á ainda submetido". (citado por K. Jaspers) A África com os Descobrimentos marítimos, entrou assim neste círculo a partir da Idade Média, embora 1.200 anos A.C. houvesse já presença não-africana no continente, com os fenícios, no Norte, que, com as guerras púnicas, tal presença darão lugar à presença helenística, que, por sua vez, durará até ao ano 30 A.C. inicio duma nova era, a romana, que permanecerá, sobretudo na zona costeira, durante 3 séculos. A história conta-nos como este Império Romano veio a entrar em decadência, e os vândalos a penetrarem, por sua vez, no continente por volta dos anos 430 D.C. Veio depois a retomada das posições por parte dos romanos e bizantinos que, 150 anos depois, seriam outra vez rechaçados pelos Árabes. 2.- Dissemos que a África sub-sahariana começa a ter presença não-africana a partir da Idade-Media. Dois factores são marcantes: a invasão islámica e a penetração europeia. A 1ª iniciou por volta do ano 640 D.C. com a conquista do Egipto pela Síria, penetrando mesmo até ao lago Chade. Desenvolveu-se ao longo da Costa Oriental, até à Ilha de Moçambique e Madagáscar e, na Costa Ocidental, na orla marítima do Atlântico. Sua influência é patente ainda hoje. Esta cidade – Dakar – é exemplo claro. 3.- A penetração europeia podemos dizer que é de exclusiva responsabilidade dos portugueses que levou um dos seus Poetas a dizer: "Ó mar salgado, quanto do teu sal / são lágrimas de Portugal" (Fernando Pessoa). Foi assim que Gil Eanes em 1434 atravessou o Cabo Bojador, e em 1484 Diogo Cão atinge a Foz do Rio Zaire, e Bartolomeu Dias dobrou o Cabo Boa-Esperança, em 1488; dez anos depois Vasco da Gama explora toda a Costa, a Norte do Rio do Infante na viagem que o levará até à Índia. Conhecida a Costa Africana seria fácil a penetração no interior. Foi o que se fez. E na segunda metade do séc. XVII 234 a azáfama por África cresce por toda a Europa. Desta feita todas as aventuras possíveis e imaginárias precipitam-se sobre o Continente. Sonha-se com `El dorado` que de certo modo é encontrado. Interesses e astúcias entram em jogo para o domínio de territórios com o objectivo primário de exploração dos recursos existentes e o seu aproveitamento. No séc. XIX aos quatro países dominantes no terreno (Portugal-Espanha-Reino Unido e França) vem juntar-se, com a Conferência de Berlim (1855) outros países: Alemanha, Itália, Bélgica, operando-se a partilha, à régua, da África-negra ou Sub-Sahariana. II O Humanismo europeu 1.- Que ideia de ‘homem’ trazia o Colonizador? ou seja: ‘que humanismo alimentava toda aquela práxis, relativamente ao homem’ encontrado? Camões, o poeta maior da Língua Portuguesa dirá que: "Canta as memórias gloriosas Daqueles Reis que foram dilatando a fé, o império e as terras viciosas de África e de Ásia andaram devastando". Quer dizer: quanto a ‘Encontro de culturas’ foi mesmo um ‘devastar’. Quantos repartiram o Continente entre si tinham de facto um denominador comum: a supremacia do homem branco sobre o negro, que teve como consequências erradas a devastação do homem subjugado e da sua cultura tida como inferior, quando não supersticiosa. A história da escravatura é prova mais que evidente. Razão teve o Papa João Paulo II quando, ao visitar a Ilha de Gorée, aqui no Senegal, disse: "é notável a gravíssima e torpe injustiça cometida contra as populações negras do Continente Africano que foram arrancadas com violência do seu território, da sua cultura e das suas tradições e levadas para as Américas". 2.- Uma visão embora sumária, do conceito de “humanismus ou Humanitas” diz-nos que tal conceito caminhou com o homem e expressou-o no momento em que descobriu o ‘Tu’ e que, a partir de então, começou a comportar-se com ‘humanitas’ por ter descoberto no outro o que ambos têm de comum: a racionalidade. Foi isso certamente que 235 levou Protágoras já no séc. V a.C. a definir o homem como "medida de todas as coisas". No humanismo ocidental podemos distinguir dois sentidos que, sem se excluírem, completam-se, isto é, o humanismo temporal e o filosófico. O 1º olha mais pelas épocas sucessivas, através dos escritores e artistas clássicos que nos legaram modelos acabados na arte do ‘dizer’ ou no ‘exprimir ideias’, e, na arte de um ‘viver’ consequente. O Humanismo filosófico fundamenta-se na concepção que o homem estudioso tem do mundo e do Homem. Daqui o haver quantos humanismos quantas as concepções do homem. Tais concepções invadirão o Continente com todas as suas cargas negativas ou positivas. Fundamentalmente, quer o temporal quer o filosófico têm subjacente a ideia de que o Homem é Relação. Bergson dirá, do humanismo ocidental, aplicando-o à moral e à religião, que ele pode ser aberto ou fechado, sendo este último como que a soma de explicações filosóficas do passado e do presente abrindo caminho ao agnosticismo e ao nihilismo a que terá chegado o próprio Protágoras. Mas o Humanismo aberto, este, considera todo o homem, de qualquer cor ou Continente, um ser perfectível nas suas virtualidades e capaz de ascender ao ‘ser-mais’ quer exercitando as suas faculdades naturais, quer por abrir-se a um dom gratuito do seu Criador. O pensamento de Sócrates liderou esta ala do humanismo aberto com a sua máxima "conhece-te a ti mesmo". Nisto, a existência, a verdade e a vida, a ciência e a sabedoria, a experiência racional e a mística não se dissociam, antes pelo contrário, andam a par, abrindo-se a todo um horizonte real e possível. No dizer de Jacques Maritain, Sócrates levou o homem a entender-se integralmente. O Vat. II dirá: "Para o discípulo de Cristo, não há realidade alguma, que seja verdadeiramente humana, que não encontre eco no seu coração" (GS. 1); É a máxima de Terêncio dita por outras palavras. III Encontro de culturas 1.- O homem encontrado teria também a sua Cultura? Naturalmente que sim. Também o Africano – negro, aqui me limitaria a falar do negro-banto, tem a sua cultura, o seu modo de "desenvolver os bens e valores da natureza para chegar a uma autêntica e plena realização." (G.S. 53) 236 Nesta cultura, tudo parte do ‘Ntu’-Ser; donde a designação que os antropólogos lhe deram de ‘Banto’ (plural de Muntu) para dizer ‘homem’ ou pessoa existente. É, portanto, a partir do ‘Ntu’ que o Negro-banto elaborou a sua política, a sua religião, a sua gramática e a sua relação com o outro. A partir do ‘NTU’ ele elaborou a sua cultura. Portanto, cultura centrada no SER: Muntu e Cintu, isto é, Homem (Pessoa) existente, coisa existente. Os navegadores portugueses com a sua mentalidade cristã estavam a agir sob um humanismo aberto, como se depreende dos Lusíadas e de toda a literatura da época, como Petrarca, Gil Vicente, Miguel Ângelo... Os termos com que Luís de Camões, por exemplo, na estrofe 5 do 1º canto, se refere ao Regente da Ilha de Moçambique, entre outras, são de um respeito pela pessoa que em nada deixam a adivinhar as posteriores atrocidades praticadas pelos colonos, quer quanto à dignidade da pessoa, quer quanto ás culturas encontradas. A intenção de “dilatar a fé e o império” depressa se perverteu, melhor: a ideia de dilatar o império e enriquecer à custa da ignorância dos encontrados, sobrepôs-se à ideia do Muntu, prevalecendo o Cintu. Do Império, hoje, restam a língua portuguesa e com ela a cultura que distingue um Angolano de um Zambiano, por exemplo; e, da fé, restam manifestações mais ou menos profundas do cristianismo recebido através dos missionários ocidentais que não eram só os portugueses. Para o negro-banto, o próprio Deus também é Ntu. Fonte do Ser. Daí, concluir que o Próprio Deus (fonte do Ser, fonte da Vida) ser a raiz do humanismo que deveria estar na base dos comportamentos dos seres humanos. 2.- A Aculturação foi a chave do encontro das culturas. Os futuros colonizadores, digo futuros, porque os primeiros contactos (por exemplo em Angola), foram aparentemente amistosos, e foi isto que levou os Reis do Congo a abrir-se aos Portugueses. Poderíamos classificar esses encontros em dois tipos, ou seja, que eram dois os tipos de colonização: A colonização Anglo-Saxónica, praticada pelos Ingleses, Alemães, belgas e holandeses, e a colonização latina, que seria a praticada pelos portugueses, espanhóis, franceses e italianos. O tema do colóquio põe acento nesta. Da primeira ficou-nos o sinete da imposição da supremacia do branco fundada na cor da pele e na superioridade da sua cultura. Da segunda, conquanto o figurino do colonizador fosse o mesmo, podemos dizer que entrou com uma certa 237 "politesse". O credo professado pelo mais forte (o colonizador), Católico ou Protestante, teve também o seu peso. No entanto, em ambos tipos, o contacto de homem para homem, de cultura para cultura traduziu-se numa atitude de agressão aos valores sagrados dos colonizados. Por exemplo, no tipo anglo-saxão, a língua do colono era ensinada para que o negro pudesse entender o que diz o grande patrão; o Inglês só muito tarde entrou nas Forças Armadas como língua veicular. Todavia, devemos ser justos para com aqueles antropólogos ou etnólogos que estudaram as línguas e os costumes dos povos encontrados para melhor pôr em diálogo as duas culturas. Os etnólogos missionários fizeram-no para o serviço da evangelização, mesmo cometendo erros; os etnólogos laicos fizeram-no para ‘civilizar’ o negro, melhor, para garantir a feição política e económica que foram as duas realidades que introduziram aspectos novos nas relações entre o colono e o colonizado. 3.- Mesmo sem a perfeita ligação das duas margens, a aculturação lá onde foi possível (litoral) confundiu-se com a civilidade (boas maneiras à europeia), chamando-lhes de ‘civilização’ e a esta, de cultura. Daqui o chamar-se inculto a quem não sabe servir-se do garfo, etc. A conclusão era óbvia: fazer tábua rasa da cultura local para impor a chamada civilização, esta que, por sua vez se traduzia em construções de pontes, casas, estradas, manufactura de matérias-primas.... aliás, coisas que o negro não podia enfrentar por falta de meios. Os nossos professores negros incentivavam os meninos a não faltar à escola ou a aprender na escola, para amanhã serem como o branco ou para não ser enganado pelo branco. Por aqui se vê que a relação que nasceu entre o ‘hóspede’ e o dono da casa era verdadeiramente assimétrica. 4.- INCULTURAÇÃO. Conquanto o termo seja novo e a sua cidadania seja mais a nível da Igreja, sobretudo a Católica, mesmo assim, podemos sentir num passado não muito distante, a concretização do conceito de inculturação mesmo no encontro/desencontro das culturas. Refiro-me ao movimento de vai-e-vem entre africanos que estudaram em África ou na Europa, (elites africanas) aprendendo dos europeus e com os europeus, e também dos europeus que estudaram a cultura africana, ainda que por curiosidade ou por exigências da evangelização, aprendendo dos e com os 238 africanos. De parte a parte houve homens e mulheres, que assimilaram a cultura que não era a sua sem deixar de ser o que eram, estamos a fazer-lhes justiça. Da margem de cá (África) encontramos um Léopold Sédar Senghor, um Félix Houphouét-Boigny, um Agostinho Neto e outros negros que tiveram assentos nos Parlamentos europeus ou nas Universidades europeias (só para falar da colonização latina que melhor conheço) e que hoje são tidos como humanistas de vanguarda, portanto, protagonistas da ‘nova-cultura’ que emerge nos seus países. Foram homens que não deixaram de ser africanos e lutaram contra a política de segregação do colonizador, apoiando, com outros intelectuais africanos ou não africanos, a libertação do Continente. 5.- PAN-AFRICANISMO E NEGRITUDE. Entre os diversos Movimentos que se formaram para o ajustamento do humanismo ocidental na África podemos referir o Pan-Africanismo e a Negritude. Certamente que não é o momento de repetir a sua história, mas a sua lembrança, mesmo ao de leve, situa melhor o nosso tema, ainda que restritivo à África lusófona. O Pan-Africanismo evoluiu em 3 dimensões: a racial com o seu cariz de ‘neo-sionismo negro’ que seria um racismo negro em oposição ao racismo branco, a dimensão Política que ganhou forma em Bandoeng em 1955, e cujos efeitos desastrosos não se fizeram esperar nas novas independências, originando Estados sem Nações. Será, porém, a dimensão cultural do Pan-africanismo que nos vai interessar por desabrochar no amplo Movimento da NEGRITUDE. 6. Esta, a Negritude, nascida com o poema "Cahier d’un retour au Pays Natal" de Aimé Césaire, inventor do termo (1934), encontrará em Senghor a sua definição: "Conjunto dos valores da civilização do mundo negro. Não valores do passado, mas cultura autêntica. É este espírito da civilização negro-africana que, enraizado na terra e nos corações negros, tende para o Mundo (ser e coisas) para o compreender, o unificar e para o manifestar". É ainda a Senghor que devemos a expressão " CIVILIZAÇÃO DO UNIVERSAL" isto é, a civilização que não se confunde com a ocidental, a do "cogito, ergo sum", mas tipicamente africana-banto, civilização do "Ntu", do "je danse, donc je suis", porque civilização do ‘ser’, isto é, que diz respeito a todos os seres, no topo dos quais os humanos que partilham a mesma aventura nesta casa comum: A TERRA. 239 Jean-Paul Sartre, o teorizador da Negritude, no seu "Orphée noir" diz concretamente: "a Negritude aparece como o tempo fraco duma progressão dialéctica: a afirmação teórica e prática da supremacia do branco é a tese; a posição da Negritude como valor autêntico é o momento da negatividade... e tende a preparar a síntese ou a realização do humano numa sociedade sem raças. A Negritude, para empregar a linguagem Heideggeriana, é o estarnomundo do negro". O historiador J.Ki- Zerbo diz-nos, referindo-se à negritude: "Temos que proteger a Negritude, ela que não seja fumaça que desaparece no ar, mas conceito operacional, motor colectivo. Assim, podemos dizer, sim ao modernismo técnico, mas sobretudo sim à personalidade africana. Sim à Ciência Universal, mas, sobretudo, sim à consciência africana. Mas se um jovem intelectual me pedisse para resumir tudo isto numa frase, responder-lhe-ia com a injunção do filósofo: "sê aquilo que tu és" (deviens ce que tu es). Agostinho Neto, o poeta maior Angolano, estando na cadeia em Portugal, escreveu o seu poema mais característico em que antevê o regresso, não só à Angola libertada, mas também. À frescura da Mulemba às nossas tradições aos ritmos e às fogueiras... À marimba e ao guissanje (e) ao nosso carnaval Havemos de voltar. IV A resposta do Ocidente 1. As reacções à Negritude não tardaram, mesmo no seio da África. Portanto, não admira que as houvesse no mundo ocidental, sobretudo por parte daqueles cujo humanismo mais tendia para o humanismo fechado. O receio do racismo negro que infelizmente existia nalguns sectores que se escudavam na Negritude estaria na base da rejeição. Em Angola, que o digam os estudantes da era colonial; os poemas de Agostinho Neto, António Jacinto, Viriato da Cruz, entre outros, eram simplesmente banidos 240 da circulação. Qualquer foco ou atitude negritudinista devia ser silenciado. Em França, com a guerra de 39-45 dispersou-se o grupo criador da Negritude e suspensa a publicação "L’etudiant noir". Mas em 1947 surge a Revista “Présence Africaine” – com o patrocínio de grandes intelectuais franceses como E. Mounier, A. Gide, J.P. Sartre, etc. A França mostra assim que não é por acaso que é Mãe da democracia moderna alicerçada na trilogia LiberdadeIgualdade-Fraternidade. Com esta emblemática publicação (Présence Africaine) destacou-se mais uma vez um filho de Senegal, Alioune Diop, para levar avante a bandeira asteada em 1939 com o aparecimento do Movimento. 2. A Europa ocidental depois da II guerra mundial, acelera a revolução tecnológica e científica. À proposta de L.S. Senghor da criação de uma ‘civilização do Universal’ o ocidente responde-nos com a globalização, mas uma globalização mais virada para soluções económicas, científicas e técnicas que criam o homem ‘de sentido único’ e não o homem-humano, sonho da Bíblia, e das literaturas mais antigas; tal globalização obnubila os aspectos positivos daquela globalização que é aceitável. Celebramos há pouco os 40 anos de existência da Declaração dos Direitos do Homem. Perguntamo-nos: O que mais se exportou para África, ou, por outras palavras, o que mais importaram do Ocidente os nossos governantes? A resposta é: as armas, a pornografia, as bebida alcoólicas, os anti-conceptivos, enfim, a desumanização da África negra. Em Angola estamos preocupados com a desminagem das estradas, dos campos e outros locais de utilidade pública e ecológica. Mas quem nos ajuda a desminar as mentes? Quem nos ajuda a reconstruir o Homem-Novo? Os genocídios de 1994 em Rwanda e Burundi ainda não nos ensinaram tudo e a todos? V Conclusão 1. À guisa de conclusão voltamos a perguntar: Humanismos latinos: que futuro? Depois da queda do fascismo em Portugal, (1974), depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, depois do 11 241 de Setembro de 2001, em Nova York e Washington, a pergunta parece ociosa. O ex-presidente português Dr. Mário Soares numa conferência em que fala do ‘Futuro do futuro’ tem esta brilhante tirada sobre a globalização que não desisto em transcrever: ‘O Mundo globalizado em que vivemos – que é uma inevitabilidade, com aspectos positivos e negativos – assente na competitividade e na concorrência económica, sem outros critérios que não sejam o sucesso imediato e o lucro, não tem conseguido dar resposta a desafios tão instantes, como: a erradicação da pobreza; um desenvolvimento sustentado, com dimensão social e ambiental, que salvaguarde os necessários equilíbrios ecológicos de forma a preservar o Planeta dos atentados a que todos os dias está sujeito; a luta consequente contra flagelos, como a droga, a criminalidade internacional organizada, o dinheiro sujo e pandemias como a SIDA e outras doenças (a tuberculose, por exemplo, já erradicada e que agora reaparece); o comércio ilegal de armas; a venda de minas antipessoais; o monstruoso comércio de órgãos humanos; etc. A humanidade tem hoje conhecimentos científicos e meios tecnológicos ao seu alcance para enfrentar, com êxito, todos estes desafios e os resolver. E a pergunta que se coloca é simples e irrecusável: por que não os enfrenta e resolve?” (Cadernos democráticos n.º 14, pag. 70). 2. Os Estados africanos à hora da Independência costumam apresentar em síntese o seu programa numa trilogia mais ou menos igual: Liberdade-Progresso-Democracia. A mim, pessoalmente, tais palavras ou outras de tipo slogan nacional sempre me pareceram vazias, uma repetição escolar como antigamente repetíamos a hidrografia de Portugal sem lhe sentirmos amor ou ódio. Tudo inocente, inócuo: é para passar de classe. No final desta comunicação, o caro ouvinte apercebeu-se, certamente, da convicção de muitos de nós os africanos-bantos: os humanismos ocidentais se algum rasto deixaram, esse, foi o de abrir-nos clareiras para o Mundo e podermos também nós dizer alguma coisa no meio desta incerteza generalizada, deste medo globalizado do homem pelo homem. Já que nos encontramos no País de L.S. SENGHOR, a ele essa Palavra da África: “Não fomos nós que inventamos as expressões ‘arte negra’, ‘música negra’, ‘dança negra’. Não fomos nós que 242 inventamos a lei da PARTICIPAÇÃO. Foram os Europeus brancos. Quanto a nós, a nossa preocupação única, foi assumir esta Negritude, vivendo-a, e, vivendo-a, aprofundar-lhe o sentido. E isto, para apresentar a Negritude ao Mundo como Pedra angular no edifício da CIVILIZAÇÃO do UNIVERSAL que, – ou será obra comum de todas as raças, de todas as civilizações diferentes – ou nunca será”. Em 1789 a França lançou as bases da moderna democracia, assente na ‘Liberdade-Igualdade-Fraternidade’. No dia 11 de Setembro de 2001, perante as chamas das duas torres-gémeas de Nova Iorque apercebemo-nos, paradoxalmente, que a fraternidade era possível. A consternação mundial foi o ‘sinal dos tempos’ para este tempo. Partidários e não-partidários das políticas americanas, Homens e Mulheres de todas as raças, credos e línguas, naquele dia e nos subsequentes éramos apenas “Irmãos”, irmãos que reprovavam aqueles atentados terroristas, que reprovavam as causas dos tais atentados, que reprovavam, inclusive, a então proclamada ‘justiça eterna’. Éramos apenas Irmãos. Estava ultrapassado o limite da mera solidariedade. Então, direi, perante uma Europa que se vai unificando, e perante esta marcha ascensional para a unidade da grande família: os seres humanos... direi, com João Paulo II: A Europa necessita de uma nova alma, revitalizar o seu humanismo, procurar o equilíbrio entre o Ser (que o humanismo negro privilegia) e o Ter (que o humanismo ocidental privilegia). Então, como Pastor da Igreja e Prémio Sakharov 2001, repetiria aqui no país de Diop e Senghor a mensagem que deixei em Rímini, na Itália: A fraternidade entre os povos é possível, o caminho para ela, na expressão do Papa João Paulo II, é fazermos do nosso Planeta “casa e escola da comunhão”. Tudo isto depende de todos: Eis o Humanismo Universal. + Zacarias Kamwenho Arcebispo do Lubango e Prémio Sakharov 2001 243 Pubblicato a cura di: Fondazione Cassamarca Piazza S. Leonardo, 1 - 31100 Treviso Stampato nel mese di dicembre 2003 presso Europrint (Tv)