Aborto induzido: breves reflexões sob a perspectiva bioética
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Aborto induzido: breves reflexões sob a perspectiva bioética
ARTIGO DE REFLEXÃO REFLECTION ARTICLE Aborto induzido: breves reflexões sob a perspectiva bioética principialista Induced abortion: brief reflections under the bioethics perspective principialista Aborto inducido: breves reflexiones bajo la perspectiva de la bioética principialista Autores Rebeca Coelho de Moura Angelim 1,2 Danielle de Arruda Costa 1,2 Clara Maria Silvestre Monteiro de Freitas 1 Fátima Maria da Silva Abrão 1,2 1 2 Universidade de Pernambuco. Universidade Estadual da Paraíba. Resumo Objetivo: Refletir sobre a prática do aborto induzido frente os princípios bioéticos. Métodos: Trata-se de um estudo reflexivo baseado no documentário “Blood Money” produzido nos Estados Unidos da América (EUA), retratando a prática do aborto, legalizada há 40 anos. Resultados: O filme retrata depoimentos de profissionais de saúde em geral, de mulheres que praticaram o aborto e os métodos utilizados pelas clínicas, sendo notórios os interesses financeiros e a falta de esclarecimento acerca das consequências que esta prática pode acarretar nas gestantes. Conclusão: Levando em consideração as consultas médicas realizadas com as mulheres grávidas nas clínicas de aborto nos EUA pode-se concluir que os princípios da bioética não são devidamente respeitados, havendo a necessidade de proporcionar maiores esclarecimentos acerca dos direitos e deveres dessas mulheres e oferecer as mesmas uma assistência qualificada baseada na eficiência, eficácia e efetividade. Palavras-chave: Aborto; Bioética; Pessoal de Saúde. Abstract Objective: To reflect on the practice of induced abortion front bioethical principles. Methods: This is a reflective study based on the documentary “Blood Money” produced in the United States of America (USA), depicting the practice of abortion, legalized for 40 years. Results: The movie depicts testimonials from health professionals in general, of women who practiced abortion and the methods used by the clinics, being notorious financial interests and lack of clarification about the consequences that this practice can result in pregnant women. Conclusion: Taking into account the medical consultations conducted with pregnant women at abortion clinics in the USA it can be concluded that the principles of bioethics are not properly respected, with the need to provide further information about your rights and duties of women and offer the a qualified assistance based on efficiency, efficacy and effectiveness. Keywords: Abortion; Bioethics; Health Personnel. Resumen Objetivo: Reflexionar sobre la práctica del aborto inducido delanteros principios bioéticos. Métodos: Este es un estudio reflexivo basado en el documental “Blood Money” producida en los Estados Unidos de América (EUA), representando la práctica del aborto, legalizado por 40 años. Resultados: La película muestra testimonios de profesionales de la salud en general, las mujeres que practicaron el aborto y los métodos utilizados por las clínicas, siendo notorios intereses financieros y falta de aclaración sobre las consecuencias que esta práctica puede resultar en mujeres embarazadas. Conclusión: Teniendo en cuenta las consultas médicas realizadas con las mujeres embarazadas en las clínicas de aborto en los EUA se puede concluir que los principios de la bioética no son debidamente respetados, con la necesidad de proporcionar más información sobre sus derechos y deberes de las mujeres y ofrecer la misma una asistencia calificado basada en la eficiencia, eficacia y efectividad. Palabras-clave: Aborto; Bioética; Personal de Salud. Data de submissão: 08/01/2015. Data de aprovação: 02/10/2015. Correspondência para: Rebeca Coelho de Moura Angelim. Universidade de Pernambuco. Rua Arnóbio Marques, 310, Santo Amaro, Recife, PE, Brasil. CEP: 50100-130. E-mail: [email protected] DOI: 10.5935/2446-5682.20150019 Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde 1 (2) Julho/Dezembro 2015 http://www.redcps.com.br / e-mail: [email protected] 61 Reflexões acerca do aborto induzido Angelim RCM, Costa DA, Freitas CMSM, Abrão FMS Rev. Enf. 2015 Jul-Dez; 1(2):61-65 INTRODUÇÃO lacerações uterinas, choque e em casos mais graves morte, já no que tange o aspecto psicológico, destaca-se a culpa, a vergonha e o estresse pós-traumático6. Nessa premissa, em se tratando de ações humanas, é fundamental que o ser humano, como um indivíduo racional e um cidadão nas suas mais diversas particularidades sociais, culturais, biológicas e éticas, realizem ações com base nos princípios da bioética, a qual é considerada um espaço de reflexão, que procura incluir valores e promover princípios fundamentais, além de ser um instrumento de transformação7. Desse modo, torna-se relevante nortear discussões e reflexões acerca do aborto induzido através da utilização do modelo bioético principialista, ou seja, os princípios da beneficência, não maleficência, autonomia e justiça, valendo ratificar que a ilegalizado ocasiona maiores riscos à saúde das mulheres. Nesta perspectiva, com base no documentário “Blood Money” (Dinheiro de Sangue) o qual aborda depoimentos de profissionais de saúde que se declaram contra o aborto, este estudo objetivou refletir sobre a prática do aborto induzido frente os princípios da bioética, por meio da literatura nacional. Segundo a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), um abortamento inseguro é um problema de saúde pública a qual consta de um procedimento para finalizar uma gravidez não desejada, realizado por indivíduos sem as habilidades necessárias e/ou em ambiente abaixo dos padrões médicos exigidos1. A prática do aborto induzido é um assunto polêmico e que ocasiona várias discussões na sociedade, perpassando os aspectos religiosos, éticos, culturais e/ou morais, principalmente no Brasil, visto que é considerado criminoso, a não ser em caso de estupro, quando a mulher corre risco de vida e também em casos de anencefalia conforme decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental de número 54. Vale ressaltar que os serviços de saúde, em especial a atenção primária devem atuar em conjunto com a população promovendo promoção, prevenção e reabilitação da saúde. Desse modo, dentre os direitos e deveres que consta para todo indivíduo, há o direito a saúde sexual e reprodutiva, o qual inclui a realização de um planejamento familiar que busca evitar uma gravidez indesejada2. No entanto, é notória a deficiência na realização desse planejamento, e consequentemente corroborando para a ocorrência de gestações não planejadas. Existem diversas circunstâncias que favorecem a decisão de mulheres optarem por realizar o aborto induzido, como por exemplo, as condições financeiras, relações amorosas instáveis ou em conflito entre os parceiros, influências dos pais e familiares, além de razões ligadas ao desenvolvimento pessoal, como a possibilidade de interrupção nos estudos devido à gravidez3. Diante dos dados epidemiológicos referentes à incidência da taxa de aborto, vale destacar que estes tendem a não ser fidedignos por se tratarem de um ato ilegal. Geralmente as mulheres que buscam a assistência hospitalar encontram-se em condições economicamente desfavoráveis e só recorrem ao serviço em caso de complicações geradas pela tentativa de abortar, as quais podem ser físicas ou psíquicas4. No Brasil, em 2010, foi realizada uma pesquisa pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) e pela Universidade de Brasília (UnB), com 2.002 mulheres alfabetizadas, sobre a interrupção da gravidez, tendo como resultado que a cada 100 mulheres entrevistadas, 15 já haviam feito pelo menos um aborto5. Tal incidência possibilita a compreensão de um panorama que retrata a existência de práticas ilegais a nível nacional, permeadas por percepções distorcidas, com desconhecimento e sem aconselhamento prévio adequado, corroborando assim para a prevalência de agravos à saúde. Os agravos causados pelo aborto provocado corroboram para o aumento da incidência de morbimortalidade feminina, tendo conseqüências em diferentes instâncias, no caso do âmbito físico podem ser identificadas hemorragias, infecções, MÉTODO Trata-se de uma reflexão realizada a partir de um documentário intitulado Blood Money, que quer dizer Dinheiro de Sangue. Desse modo, após a visualização assistida atentamente por todos os componentes deste estudo, tornouse possível efetivar uma descrição objetiva e uma discussão acerca da prática do aborto na perspectiva do modelo principialista o qual abrange os princípios da beneficência, não-maleficência, justiça e autonomia, através de estudos que abrangeram essa temática, os quais foram identificados por meio de pesquisa realizada na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), com os descritores Aborto AND Bioética, no idioma português, que estivessem disponíveis em texto completo, nos últimos 10 anos (2005-2015), contabilizando 15 artigos. DESCRIÇÃO DO DOCUMENTÁRIO O documentário intitulado “Blood Money - Dinheiro de Sangue” é uma produção norte-americana, que retrata a prática do aborto nos Estados Unidos da América (EUA), legalizada há 40 anos. O filme traz depoimentos de mulheres que praticaram o aborto e opiniões de profissionais de saúde a respeito dessa prática, além de abordar os métodos utilizados nas clínicas, os interesses financeiros e a falta de esclarecimento acerca das consequências que são de ordem emocional, psicológica e/ou física. O filme relata que muito se tem discutido nos tribunais sobre o início da vida humana, embora a ciência afirme que a mesma se inicia no momento da concepção, quando já existe um ser singular, com genomas distintos, sexo determinado, 46 cromossomos, com batimentos cardíacos e que se autodesenvolve, sendo este o princípio científico da vida humana. Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde 1 (2) Julho/Dezembro 2015 http://www.redcps.com.br / e-mail: [email protected] 62 Reflexões acerca do aborto induzido Angelim RCM, Costa DA, Freitas CMSM, Abrão FMS Rev. Enf. 2015 Jul-Dez; 1(2):61-65 Nesse sentido, vale destacar que a Constituição é a lei máxima do país, que assegura o direito à vida, devendo o juiz juntamente com a suprema corte federal preservá-la. No caso famoso de Griswold x Connecticut, em 1965, a Corte defendeu a proteção ao direito à privacidade, invalidando a Lei que proibiria o uso de contraceptivos. Além desse, houve o caso de Roe x Wade, em 1973, onde a Suprema Corte dos EUA concebeu o direito da mulher sobre a decisão em continuar ou não a gestação, ou seja, praticar o aborto. A partir de tal acontecimento, abriu-se um precedente de modo que o aborto pudesse ser realizado em vários casos, de acordo com a decisão da mulher em conjunto com seu médico. Porém, segundo o filme, para alguns profissionais de saúde, esses precedentes não devem ser seguidos por irem de encontro com a Constituição Federal, que na sua emenda 5ª e 14ª aborda o direito à vida. Por meio dos relatos apresentados no documentário, é notório visualizar que os profissionais de saúde que atuam em clínicas de aborto têm grande influência na decisão das mulheres que pretendem realizar este ato, visto que as mesmas se encontram em um momento conturbado diante de uma gravidez que não foi planejada. Tal fato também está relacionado aos interesses financeiros destes profissionais, visto que é uma técnica de alto custo. Além disso, visando o controle da natalidade, foi criado nos EUA um Departamento de Controle de Paternidade oferecendo um arsenal de contraceptivos, porém por se tratar de métodos de baixo custo, por conseguinte eram de baixa qualidade, acarretando às mulheres gravidez indesejadas e consequentemente a realização do aborto. No Brasil, este documentário foi apresentado inicialmente na cidade de São Paulo. Seu conteúdo possibilita uma reflexão acerca dos fatores biopsicossociais que permeiam o aborto induzido, tendo em vista que no território brasileiro é um ato criminoso e consequentemente ocasiona problemas de saúde nas mulheres que o realizam de forma clandestina. dos seres humanos à luz da teoria principialista, que orienta os profissionais de saúde que se deparam com dilemas e conflitos morais na vida cotidiana8. Inicialmente, merece destacar que a gravidez é caracterizada por uma fase transitória, regida de transformações na vida das mulheres, as quais assumem uma maior responsabilidade advinda da gestação. É válido ressaltar ainda, que esse ciclo da vida, em muitas ocasiões possibilita mudanças positivas no convívio familiar, diante da preocupação destes com o bem-estar da gestante, corroborando no oferecimento de melhores cuidados e suporte durante toda a trajetória da mulher gravídica9. Vale mencionar também que o acesso de qualidade à saúde sexual e reprodutiva é um dos direitos que devem ser assegurados a todas as mulheres, independente de raça, cor, faixa etária e condição social, no entanto, identifica-se que há um déficit na implementação de políticas públicas voltadas à saúde da mulher, com ênfase na prevenção de agravos, ocasionando o crescimento no número de gravidez indesejada e consequentemente na interrupção voluntária da gestação2. Nessa perspectiva, em se tratando de uma prática criminalizante no Brasil, é notória a presença de números significativos de morte materna no país, principalmente em mulheres com nível sócio econômico baixo, que estão sujeitas a realizar um aborto inseguro ou clandestino, ficando susceptíveis aos agravos à saúde10. Segundo o Ministério da Saúde (MS), o aborto realizado de forma insegura é causa de discriminação e violência institucional contra as mulheres que buscam o serviço de saúde. A violência está ligada ao retardo do atendimento, a falta de interesse das equipes em atender essas mulheres ou até mesmo a discriminação explícita através de palavras e atitudes condenatórias e preconceituosas11. Em face de tal realidade, pode-se observar que no caso da prática dos profissionais de saúde, em especial os de enfermagem, está previsto no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, artigo 28, que é proibido provocarem aborto, ou cooperar em prática destinada a interromper a gestação, entretanto, nos casos previstos em lei, o profissional deverá decidir, de acordo com a sua consciência, sobre a sua participação ou não no ato abortivo. Desse modo, as mulheres que estão expostas a esse dilema, muitas vezes ficam vulneráveis aos agravos na sua saúde, devido a não assistência prestada por profissionais de saúde. Dessa forma, sabendo que o profissional de enfermagem pode se deparar com uma situação que exija uma conduta em relação a uma questão de saúde e tal conduta pode, muitas vezes, entrar em conflito com os seus valores pessoais, religiosos e profissionais, é de suma importância que desde a sua formação acadêmica de Enfermagem, ou seja, antes de enfrentar tais situações, possa identificar e classificar seus valores e ter consciência de suas responsabilidades éticas e legais relacionadas a tais questões12. DISCUSSÃO A RESPEITO DO ABORTO SOB A ÓTICA PRINCIPIALISTA A prática do aborto é uma temática que gera várias discussões na sociedade em geral diante de vários fatores que nela estão presentes. Dessa forma, surge o questionamento, será que existe alguma solução ideal quanto ao ato abortivo de modo que seja possível o alcance de um equilíbrio entre os princípios principialistas? Em face dessa questão, este estudo buscou interligar os princípios bioéticos frente às ações que permeiam a mulher gestante que tenha realizado ou pretendeu provocar um aborto induzido. Ainda nessa perspectiva, tais discussões serão embasadas na literatura, por meio de estudos que abrangeram a temática em questão. A bioética é uma disciplina teórica que pode ser identificada como a “ética biomédica” a qual é expressa como a ética do exercício profissional relacionada ao processo saúde-doença Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde 1 (2) Julho/Dezembro 2015 http://www.redcps.com.br / e-mail: [email protected] 63 Reflexões acerca do aborto induzido Angelim RCM, Costa DA, Freitas CMSM, Abrão FMS Rev. Enf. 2015 Jul-Dez; 1(2):61-65 Ainda que a gravidez não tenha sido planejada, deve-se levar em conta que a gestação por si só é considerada um período único na vida de cada mulher, e que por sua vez pode acarretar sentimentos de medos e incertezas13. Sendo assim, os aspectos biopsicossociais devem ser considerados e respeitados pelos profissionais de saúde, familiares e sociedade como um todo, antes de qualquer decisão tomada pelas mulheres, para que dessa forma, as decisões possam ser adotadas de forma consciente e seguras. De acordo com o modelo principialista, os profissionais de saúde e pesquisadores, assim como todo cidadão, têm o dever de, segundo o princípio da não maleficência, de tentar proteger os indivíduos de danos e malefícios, sejam eles físicos, emocionais ou sociais7. Destaca-se ainda o princípio da beneficência, “expresso no ato, no hábito, no compromisso, na obrigação, no dever, na responsabilidade e na virtude de fazer o bem. Não só fazer o bem, mas fazer o maior bem possível ao maior número possível de pessoas”7. Nessa linha de pensamento, torna-se difícil o raciocínio acerca dos princípios de beneficência e autonomia, ao levar em consideração que existem duas entidades distintas na reflexão, que é a gestante e o nascituro14. Nessa perspectiva, embora a prática da interrupção voluntária da gestação seja considerada criminosa no Brasil, o que está em jogo são os malefícios que podem ser causados tanto na mulher como no ser que se encontra em seu ventre, no intuito de preservar o princípio da não maleficência e beneficência. No entanto, o que se observou no documentário foi que os profissionais de saúde que trabalham em clínicas que realizam o aborto não se detém a preocupação com saúde e bem-estar da mulher. Além disso, os profissionais de saúde têm o dever de orientar as gestantes quanto aos riscos e prejuízos às quais estão expostas ao praticar o aborto, assim como proporcionar um acompanhamento por toda equipe multiprofissional a essas mulheres. Desse modo, sendo o enfermeiro integrante de uma profissão caracterizada pela arte do cuidar, é através dele, em especial, que deve ser realizado o apoio físico e emocional, permeado pela escuta ativa e aconselhamento. Através o Estratégia Saúde da Família (ESF), política nacional implantada no Brasil, tornou-se mais fácil a realização de um planejamento familiar exercido pelo enfermeiro, corroborando para a possibilidade tanto de premeditar uma gravidez desejada em conjunto pelos conjugues, como também em atender as necessidades e dificuldades encontradas pela mulher e seu companheiro ao se depararem com uma gestação não planejada e/ou indesejada. Contudo, em se tratando da prática abortiva induzida, é necessário que haja uma maior atenção pelos profissionais de saúde, proporcionando às pacientes uma assistência à saúde qualificada, visando redução de danos e apoio psicossocial. Dessa forma, é essencial que os profissionais de saúde, saibam lidar com as mulheres em abortamento, a fim de estabelecer uma relação não somente do ponto de vista técnico, mas que demonstre interesse, afeto, respeito e empatia, contribuindo para um melhor enfrentamento desse momento difícil15. Sendo assim, ao identificar que por trás da assistência há interesses financeiros, todo o manejo da assistência humanizada à saúde fica prejudicada. A polêmica sobre a prática do aborto envolve também a discussão acerca do princípio bioético da autonomia, sendo este a capacidade ou o poder de pensar, decidir e agir, independentemente e sem pressões, isto é livremente7. A prática do aborto baseada nesse princípio deve, portanto, envolver o direito de escolha da mulher em decidir os rumos de sua própria vida e de escolha sobre seu corpo, livre de interferências externas não legítimas. De acordo com esse princípio, a sociedade deve respeitar o autogoverno e a individualidade da mulher nessa escolha, contudo é de extrema importância também que essa escolha seja livre e, independente de pressões e direcionamentos tendenciosos dos atores envolvidos nesse processo, como os profissionais de saúde, a família e a religião. O respeito à autonomia nunca deve ser parcial ou subjetivo e, muito menos, restrito àqueles que aparentemente tenham condições plenas de exercê-la, tem que existir para todos7. É importante mencionar que dentre os quatro princípios éticos o que mais se destaca na perspectiva bioética é o princípio da autonomia, o qual tem sentidos diferentes nas várias tradições filosóficas. No entanto, vale ressaltar que “na tradição deontológica kantiana (e em parte na hermenêutica) a autonomia é considerada como uma propriedade constitutiva da pessoa humana, que enquanto autônoma escolhe suas normas e valores, faz seus projetos, toma decisões e age em conseqüência. Em suma, a autonomia associa-se à liberdade individual, embasada na vontade”16. Merece destacar ainda que no domínio da bioética, o principal dilema está relacionado ao conflito que estabelecido entre o respeito pela autonomia individual e o valor da vida humana intra-uterina. A atribuição de um estatuto moral à vida humana intra-uterina apresenta como principal argumento uma perspectiva biológica do desenvolvimento humano, evidenciando os marcos do desenvolvimento intra-uterino que lhe conferem uma maior individuação e valoração ao nível das sucessivas semanas de gestação14. Quanto ao princípio da Justiça, a maior de todas as virtudes, segundo Comte-Sponville, envolve as noções de igualdade, equidade e universalidade. O Princípio da Justiça implica também no acesso e na disponibilidade de informações (inclusive polêmicas e controversas), que pode também ser chamado de “princípio ao direito de informação”, relacionadas aos possíveis malefícios e benefícios de qualquer atitude ou intervenção na área de saúde ou em uma pesquisa como à participação no debate sobre o uso dessas informações7. Sendo assim, é direito da mulher ser informada adequadamente sobre as consequências, sejam positivas ou não, do ato abortivo. Ao se deparar com relatos de mulheres com gravidez indesejadas, é notório visualizar alguns conflitos as quais as mesmas enfrentam, que independem de aspectos Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde 1 (2) Julho/Dezembro 2015 http://www.redcps.com.br / e-mail: [email protected] 64 Reflexões acerca do aborto induzido Angelim RCM, Costa DA, Freitas CMSM, Abrão FMS Rev. Enf. 2015 Jul-Dez; 1(2):61-65 socioeconômicos, como o conflito moral (fazer ou não um aborto?), que evidencia a tensão existente entre a sacralidade da vida [humana] e a qualidade da [sua própria] vida; os motivos que norteiam a decisão a favor ou contra, os quais é sabido que um dos principais pretextos é a falta de apoio do parceiro ou da família; e quanto a decisão de não progredir com a gravidez surge o questionamento: como fazê-lo? Pois é ilegal. Como resolver esse problema? Essa situação demonstra contraposição entre o princípio da justiça, associado à liberdade nas escolhas sexuais e reprodutivas, e a norma legal proibitiva ou restritiva4. Diante do exposto, as situações que permeiam a prática do aborto, de alguma forma, conduzirão conflitos de direitos, sejam eles voltados ao direito à vida do feto, seja ao direito de autonomia da mulher. Dessa forma, sendo o aborto compreendido como um tema polêmico torna-se necessário estimular discussões e reflexões bioéticas sobre tal temática entre profissionais de saúde frente aos conflitos éticos e morais, de modo que aborde a dimensão íntima do indivíduo, suas crenças e moralidade12. Vale salientar que apesar do aborto ser considerada uma prática ilegal no território nacional brasileiro deve-se levar em consideração a saúde dessas mulheres ao realizarem um aborto inseguro, de forma clandestina, correndo risco de agravar a saúde, além de que, desse modo não está sendo respeitada a autonomia dessa mulher ao decidir realizar ou não o aborto. Portanto, é inegável a importância da atuação dos profissionais de saúde ao lhe darem com essas mulheres que se apresentam num serviço de saúde com sequelas ou sinais e sintomas decorrentes de um aborto induzido realizado de forma imprudente. A assistência prestada deve ser conduzida de modo a respeitar as crenças e valores do paciente, garantindo dessa forma sua autonomia, tendo como premissa básica que cada pessoa crer e defende os preceitos éticos e religiosos que acredita. criminosas e, portanto são tratadas como “alguém diferente de mim”, que por ter cometido um ato ilegal, diante da legislação, não “merece ser cuidada”. A reflexão sobre esse tema trás o entendimento de que a assistência à saúde da mulher deve buscar compreender que a prática do aborto induzido está relacionada a um sofrimento que envolve fatores biopsicossociais. Intervir nestes fatores permitirá a compreensão e intervenção precoce que possibilitará uma maior eficiência, eficácia e efetividade no cuidado à mulher. Diante do exposto, vale ressaltar que apesar dos avanços nas discussões e estudos sobre o aborto provocado, faz-se necessário abranger ainda mais as reflexões acerca dessa temática, visando aperfeiçoar a assistência prestada às mulheres que vivenciam tal realidade. REFERÊNCIAS 1. OMS (Organização Mundial da Saúde) 2013. Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde - 2ª ed. Catalogação-na-fonte: Biblioteca da OMS: 2013. 2. Anjos KF. Aborto no Brasil: a busca por direitos. Saúde e Pesquisa. 2013;6(1):141-152. 3. Orjuela-Ramirez ME. Aborto voluntario y actividad laboral. Reflexiones para el debate. Rev Salud Pública (online). 2012;14(suppl.1):112-121. 4. Sandi SF, Braz M. As mulheres brasileiras e o aborto: uma abordagem bioética na saúde pública. Revista Bioética. 2010;18(1):131-153. 5. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciência & Saúde Coletiva. 2010;15(Supl.1):959-966. 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A mortalidade materna é um indicador que possibilita perceber deficiências no cuidado em saúde às mulheres, que rotineiramente se submetem a essa prática sem que tenham o princípio da justiça plenamente respeitado. O direito de a mulher conhecer os possíveis efeitos do aborto induzido sobre sua vida não costuma ser considerado, pela falta de informação decorrente do tabu relacionado à criminalidade dessa prática. Sem o direito à informação, o direito à autonomina também é ferido, visto que a mulher não tem a livre escolha sobre sua vida, sendo influenciada por informações cheias de juízos de valor dos outros indivíduos, dificultando sua livre escolha responsável. No tocante à discriminação e violência institucional por parte de alguns profissionais de saúde contra as mulheres que buscam o serviço de saúde, percebe-se que as mulheres que praticam aborto induzido são muitas vezes consideradas 10. Freire N. Aborto seguro: um direito das mulheres? Cienc. Cult. 2012;64(2):31-32. 11. 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