conversar e trabalhar juntos

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conversar e trabalhar juntos
Conversar e trabalhar juntos
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CONVERSAR E TRABALHAR JUNTOS
Introdução
Até aqui analisei principalmente conversações entre professores e
alunos.
Exceptuando
poucos
exemplos,
não
insisti
demasiado
no
desenvolvimento do conhecimento e da compreensão quando os alunos
conversam
e
trabalham
juntos
sem
o
professor.
E
contudo
a
«aprendizagem cooperativa» como se costuma chamar é importante na
vida diária. Pensemos na nossa própria vida: provavelmente grande
quantidade de conhecimento e muitas e valiosas competências foram
adquiridas através da conversação e do trabalho com pessoas que, no
sentido formal da palavra, não eram professores. E isto não diz respeito
apenas àquilo que um amigo mais capacitado nos ajuda a aprender: sei
que, em algumas ocasiões, a minha própria compreensão das coisas
melhorou ao ter de explicar algo a um amigo que as entendia menos e
que me pedia ajuda. Um bom exame para saber se se compreende bem
uma coisa é ter de a explicar a alguém. Discutir com alguém a quem se
possa tratar social e intelectualmente como a um igual é um método
excelente para avaliar e rever a compreensão.
Contudo
a
história
da
prática
educativa
mostra-nos
que
a
conversação entre os estudantes poucas vezes tem sido integrada no
processo de educação na sala de aula. Tradicionalmente, a conversação
entre os alunos não tem sido promovida e tem sido considerada incómoda
e subversiva. Embora as ideias a esse respeito tenham mudado nos
últimos anos, muitos professores desconfiam das conversações entre
alunos. Como qualquer professor pode confirmar, um dos critérios que os
professores pensam que o pessoal superior, os alunos, os pais e o resto do
mundo utilizam para julgá-los é: podem fazer um pouco de silêncio na
aula? Evidentemente, a explicação racional da tradicional repressão das
conversações entre os alunos é que, como um acréscimo pontual ao
ensino que se inscreve no quadro e nas explicações que se dirigem a toda
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a turma, as conversações são incómodas e subversivas. Inclusivamente
nos regimes menos formais, os professores têm o compreensível trabalho
de limitar as conversações que não se coadunam com o trabalho que está
a ser realizado. Deste modo, se bem que a experiência da vida quotidiana
apoie o valor da aprendizagem cooperativa, a prática implicitamente a tem
relegado. Existe nas investigações algo que possa dizer-nos algo mais
acerca do valor da conversação e das aprendizagens cooperativas?
Investigações sobre a cooperação na aprendizagem
A comunicação entre os alunos não tem sido considerada importante
nas teorias do desenvolvimento do conhecimento e da compreensão.
Piaget,
nos
significação
seus
da
primeiros
interacção
trabalhos,
entre
esboçou
«pares»-
um
ajudava
papel
os
para
a
meninos
a
«descentrarem-se» a serem sensíveis a outros pontos de vista sobre o
mundo em vez de atenderem unicamente ao seu mundo. Em trabalhos
posteriores e concretamente no enfoque sobre as actividades dos
indivíduos, não atendeu muito a este tema. No entanto, tem havido
alguns
desenvolvimentos
interessantes
de
acordo
com
a
tradição
piagetiana. Seguidores de Piaget, como Willem Doise, Anne-Nelly PerretClermont e Gabriel Mugny utilizaram o conceito conflito sociocognitivo
para perceber como se pode mudar a compreensão da criança ao interagir
com outra criança que tem uma compreensão diferente dos mesmos
factos. A ideia básica assenta em: quando duas visões diferentes do
mundo entram em contacto e o conflito resultante se tem de resolver para
solucionar um problema, provavelmente isto estimula algum tipo de
«reestruturação cognitiva» - algum tipo de aprendizagem e de melhor
compreensão. O
conceito
conflito
sociocognitivo
tem
um potencial
interessante para o estudo da actividade em colectivo na sala de aula. Por
exemplo, pode ser útil para explicar a experiência de aprendizagem
descrita na sequência 2.3, La caja maior, do segundo capítulo. Mas os
neopiagetianos não estudaram a conversação real implicada neste conflito
de ideias - talvez porque, como foi sugerido no quinto capítulo, a
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linguagem tem um papel relativamente marginal na sua teoria. O principal
objectivo da maioria das suas investigações tem sido determinar se a
interacção melhora a posteriori as realizações individuais (em vez de se
interessarem pela construção do conhecimento como uma entidade
compartilhada)
Por outro lado, a teoria de Vigotsky refere-se essencialmente ao
ensino-aprendizagem em vez de se referir à aprendizagem no seu
conjunto. Alguns dos neovigotskianos investigaram a actividade conjunta
dos alunos, mas ao contrário dos piagetianos, tentaram pôr em relevo a
cooperação em vez do conflito. Muitas dessas investigações implicam a
adaptação de ideias criadas para o estudo de relações «assimétricas» (por
exemplo professor-aluno) ao estudo de relações mais simétricas (por
exemplo aluno-aluno). Assim Bruner fala de como um «par mais
competente» pode proporcionar o andaime a um aluno, mas não responde
à questão: que se passa se os pares não são os mais competentes?
Outras pessoas sugerem que ter de explicar as suas próprias ideias a
alguém é útil porque promove o desenvolvimento de um tipo de
compreensão mais explícito, organizado e«distanciado». No entanto,
carecemos de conceitos adequados para tratar este processo.
Embora a teoria não tenha seguido o mesmo ritmo, nos últimos
anos a investigação tem mostrado maior interesse pelas aprendizagens
cooperativas. A actividade cooperativa tem sido estudada de vários
modos: através de estudos gerais sobre a vida nas aulas, através de
experiências em que pares ou grupos realizam tarefas de resolução de
problemas especialmente concebidas para esse efeito, e através de
pormenorizadas análises de conversações entre pares ou entre grupos de
crianças que trabalham juntas em tarefas escolares baseadas no currículo.
Um dos valores da recente investigação sobre o ensino e a aprendizagem
tem sido o facto de ser multidisciplinar e variada nos seus métodos. Vou
rever rapidamente essas linhas de investigação e tentar extrair os pontos
mais importantes que, neste campo, nos interessam.
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Estudos da actividade na aula
Embora
em
algumas
escolas
se
tenha
tentado
eliminar
a
conversação entre os alunos, em alguns casos e em lugares concretos, a
comunicação e a interacção entre as crianças na aula tem sido
oficialmente
promovida.
Desde
os
anos
sessenta,
uma
filosofia
«progressista» da educação tem impulsionado o «trabalho em grupo» em
escolas primárias britânicas: as crianças sentam-se à volta das mesas e
permite-se que falem (ao menos até certo ponto) enquanto trabalham. É
surpreendente pois que não se tivesse sabido muito acerca da qualidade
da maior parte desse trabalho em grupo. Apenas nos anos oitenta, um
projecto de investigação em grande escala chamado ORACLE, observou e
avaliou as práticas de um grande número de escolas primárias britânicas.
Obtiveram-se resultados evidentes acerca valor que a conversação e a
actividade conjunta pressupunham para o progresso educativo das
crianças? A resposta é breve: «não». Para ser mais claro, ORACLE não
demonstrou que essa actividade cooperativa não tinha valor; demonstrou
é que ela raramente se realizava. Na maioria das classes primárias que
observaram, os investigadores constataram que o facto de os meninos
estarem sentados juntos, não significava que estivessem colaborando.
Normalmente as crianças trabalhavam em tarefas paralelas ou individuais.
Embora pudessem conversar enquanto trabalhavam e pudessem falar uns
com os outros acerca do seu trabalho, o tipo de tarefas que realizavam
não os incitava ou não requeria que colaborassem ou falassem sobre o
seu trabalho. A surpreendente conclusão de ORACLE foi, pois, que a
maioria das escolas primárias britânicas não eram boas bases de análise
para comprovar o valor da aprendizagem e da conversação cooperativas.
Desde então outras investigações da equipa ORACLE e de outras
equipas têm proporcionado um apoio variado para o estudo do valor das
actividades de aprendizagem em grupo. Uma consequência clara das
conclusões a que chegaram é que não temos de assumir que a
aprendizagem em grupo tem valor por si mesma; depende do que se
pretende alcançar e do modo como o professor organiza o trabalho. Numa
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revisão das investigações sobre o trabalho em grupo nas aulas do ensino
primário (e de algumas investigações experimentais), Galton e Williamson
concluem dizendo o seguinte: «Para que uma colaboração tenha êxito, há
que ensinar aos alunos como colaborar para que deste modo tenham uma
ideia clara do que se espera deles». Esta ideia, dentro dos seus limites, é
muito importante para o que aqui nos interessa. Contudo, só uma
pequena parte das investigações revistas por Williamson incluía alguma
análise aplicada à conversação entre alunos.
No final dos anos oitenta, o National Oracy Project proporcionou
grande abundância de informação sobre a conversação em escolas
britânicas, a qual incluía temas de investigação tais como as próprias
concepções das crianças sobre a ajuda da conversação na aprendizagem.
O National Oracy Project também teve êxito ao demonstrar a importância
da conversação na aprendizagem de todas as disciplinas do currículo (não
só da língua inglesa). Não foi realizado através de estudos gerais, mas
através de «estudos de casos» baseados em observações e práticas nas
salas de aula, normalmente escritas pelos próprios professores. Durante
as primeiras fases obteve-se informação reveladora daquilo que os alunos
acreditam que os professores pensam acerca do valor da conversação na
aula- por exemplo «a conversação impede-os de trabalhar» «falar não é
trabalhar» e «se te deixam falar é porque o trabalho que estás a fazer não
é importante»- Estive estreitamente relacionado com o National Oracy
Project, e a meu ver, um dos seus principais contributos foi aumentar a
consciência
dos
professores
acerca
do
valor
da
conversação
e,
consequentemente, a melhoria do estatuto da conversação na aula entre
os professores e os alunos.
Investigações experimentais
Recentemente, na Europa e nos Estados Unidos tem havido muitas
comparações experimentais entre crianças em situações de trabalho interpares ou em grupos. Normalmente estas investigações têm estado
centradas nos resultados - por exemplo: quando é que as crianças
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conseguem melhores resultados, quando trabalham em competição ou
cooperativamente? e também nos resultados da aprendizagem individual
(em vez do processo conjunto de aprendizagem). Alguns resultados
destas investigações acentuam o valor da aprendizagem cooperativa; mas
outros mostram que, salvo algumas condições, trabalhar com um par é
menos eficaz do que trabalhar individualmente. Esboçaram-se algumas
experiências para determinar essa diferença crucial. Um factor que
efectivamente
parece
importante
é
esclarecer
se
as
condições
experimentais requerem inevitavelmente que as crianças comuniquem e
colaborem na resolução de um problema (ou se simplesmente lhes é
permitido que conversem). A partir de um estudo de crianças que
trabalhavam em pares (sem a ajuda do professor) em problemas no
computador, o psicólogo Paul Light sugere que o facto de terem de utilizar
a linguagem para tornarem explícitas as suas intenções, para tomarem
decisões e para interpretarem feedback parece facilitar a resolução de
problemas e promover a compreensão. Uma das tarefas que Light e os
colegas utilizaram para os seus estudos era uma espécie de jogo de
aventuras que consistia em encontrar e resgatar a coroa de um rei
escondida numa ilha (aparecia num mapa no écran do computador). Ao
escolher as estratégias possíveis, as crianças podiam manipular diversas
personagens e meios de transporte para eliminar os piratas que
encontravam pelo caminho. A análise das conversações das crianças
mostrou que aqueles pares que na maioria dos casos falavam dos planos
que levariam a cabo, sobre as negociações e sobre o feedback foram os
que obtiveram maior êxito na resolução de problemas. O facto de utilizar
a conversação para conciliar situações conflituosas e assim poder passar à
acção parecia particularmente importante; e dava a impressão que os
pares
com
êxito
conjuntamente.
frequentemente
eram
Nestas
aqueles
condições
aprendiam
mais
que
os
do
em
mais
dois
que
ocasiões
meninos
quando
de
decidiam
um
par
trabalhavam
individualmente. Por outro lado esta investigação não concorda com a
ideia de que trabalhar com um par mais «competente» (como diz Jerome
Bruner) é mais proveitoso para aprender, dado que pares de crianças com
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habilidades semelhantes pareciam aprender melhor do que os pares
assimétricos. Trabalhar com um par que sabe mais e é mais capaz, que
domina o outro quando há que tomar decisões e que insiste em utilizar as
suas próprias estratégias de resolução de problemas, pode ser um
impedimento em vez de ser uma ajuda para outra pessoa menos capaz.
Recentemente também surgiu o interesse sobre o modo como a
actividade
exemplo,
colaborativa
algumas
influencia
investigações
a
qualidade
experimentais
do
pensamento. Por
interrogam-se
se
a
discussão ajuda as crianças a generalizar o que aprenderam (ao falar de
«generalizar» refiro-me ao alcance da capacidade das crianças para
aplicarem
em
outras
situações
e
problemas
relacionados
o
que
aprenderam mediante a resolução de um tipo de problemas concreto).
Este interesse surgiu porque investigações anteriores tinham demonstrado
que, por norma, não é fácil para as crianças generalizar a compreensão de
um tipo de problemas para outro ou de uma área curricular para outra. De
certo modo parece que isto se deve a que frequentemente aquilo que
compreendem são os «procedimentos» e não os «princípios»-aprendem a
seguir uma série de procedimentos práticos (por exemplo um método
particular de efectuar divisões ou de fazer experiências científicas e
descrevê-las) sem nunca chegarem a entender os princípios subjacentes.
Agora acredita-se que, compartilhando as ideias, as crianças podem
alcançar tipos de compreensão mais generalizáveis se forem ajudados e
estimulados. Por exemplo, George Hatano e Kayoko Ignagaki investigaram
a generalização que uns meninos japoneses de 6 anos fizeram da sua
experiência de criar um animal como mascote (por exemplo um peixe):
deram conta dos processos vitais e interessaram-se pelas necessidades de
outros seres vivos. Uma das suas conclusões que aqui nos interessa
particularmente é que quando as crianças tinham de compartilhar ideias
sobre como cuidar de animais-explicar e discutir e algumas vezes justificar
as opiniões que defendiam - isso levava-os a uma melhor compreensão,
mais generalizável e baseada em princípios.
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Investigações sobre as conversações dos alunos na aula
As experimentações podem ser úteis para identificar quais os
factores da complexa realidade da aprendizagem conjunta são mais
importantes para obter êxito. Contudo é difícil tirar conclusões para a
prática educativa a partir de experiências realizadas sob condições
controladas, fora da vida normal da sala de aula e sobre tarefas que não
se relacionam com os conteúdos dos currículos escolares. Além disso, a
maioria das investigações centrou-se nos resultados da actividade
conjunta e não no processo em si. Consequentemente, seria interessante
observar as descobertas de um estilo de investigação centrado no
processo de discussão nas aulas em vez de atender aos seus resultados
para assim se poder ver se se chegou a conclusões similares ou
diferentes. Douglas Barne e Frankie Todd dois pioneiros deste tipo de
investigação que trabalharam ao longo dos anos setenta e descreveram os
seus estudos na obra clássica Discussion and Learning in Small Groups
mostraram que os alunos podiam considerar o conhecimento como um
artigo negociável quando se implicavam com entusiasmo em tarefas
conjuntas. Sugeriram que é mais provável que os alunos se impliquem
mais numa discussão e numa argumentação aberta e prolongada quando
trabalham em pares fora do controlo visível do professor e este tipo de
conversação lhes permite uma relação de «proprietário» do conhecimento
mais activa e independente. Barnes e Todd expressam isso da seguinte
forma:
Consideramos que colocar a responsabilidade nas mãos dos alunos
altera a natureza da aprendizagem ao obrigá-los a negociar os seus
próprios critérios de importância e veracidade. Se educar é preparar as
pessoas
para
uma
vida
de
adultos
responsáveis,
este
tipo
de
aprendizagem tem um lugar importante no repertório de relações sociais
que os professores têm à sua disposição.
Barnes e Todd apresentam alguns exemplos de conversações
intencionalmente utilizadas para construir conhecimento e compreensão e
para além disso utilizadas em formas educativamente apropriadas.
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Encontramos um bom exemplo quando após a discussão de um tema,
alguém do grupo faz o resumo dos contributos dos falantes. Um grupo de
jovens de 13 anos discutia a novela A Pérola de Steinbeck e alguns tinham
comentado episódios do livro que consideravam pouco convincentes.
Depois de um comentário nesta linha (o de Bárbara na sequência
transcrita) Marianne fez o seguinte resumo:
Bárbara (voltando ao assunto anterior) Creio que teria de descrever mais,
já sabes. Supõe-se que o livro trata de mergulho e de pérolas.
Marianne (resumindo a conclusão a que acabam de chegar) Sim, sim
pensamos que não existe uma descrição adequada.
Os professores fazem frequentemente um tipo de recapitulações e
reformulações que resumem as ideias expressas (ver a sequência 3.3 do
terceiro capítulo e os comentários a esse respeito). Não é uma
característica habitual do «discurso quotidiano» mas que é tão importante
para o «discurso educativo» como para o «educado» Talvez Marianne
tomasse como modelo para o seu discurso educado os contributos do seu
professor para o discurso educativo. Barnes e Todd também mostraram
que algumas discussões em grupo pareceram chegar a um ponto zero no
que se refere à educação. No exemplo que se apresenta, um grupo de
raparigas discute «a violência entre bandos» e, a partir da sua própria
experiência, explicam porque é que os rapazes lutam uns contra os
outros.
Elisabeth: Não era uma razão, inclusivamente nem... porque julgas que os
rapazes lutam nos
bandos assim?... Sim, Shirley.
Shirley: Não estava a dizer nada.
Elisabeth: A minha mãe disse que...
Catherine: É, é, é como uma competição, verdade?
Shirley: Sim
Elisabeth: Sim, é
Catherine: Agora aviso-te que é impossível mudar, verdade?
Shirley: Sim.
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Elisabeth: Cadeia
Catherine: Aviso-te...
Elisabeth: Cadeia...
Catherine: Se a gente não visse tanto os programas que fazem, algumas
pessoas não o fariam.
Elisabeth: Sim a a maioria da violência chega através da televisão.
E a discussão continuou. Barnes e Todd comentam: O que aqui tem
lugar não é a utilização da linguagem para construir novos significados,
mas um conjunto de banalidades que nunca se tornaram suficientemente
explícitas. Se tivessem sido mais explícitas, teriam sido mais aproveitáveis
para serem criticadas e modificadas. Neste fragmento de conversa, as
raparigas
não
avançam
na
compreensão
apenas
reiteram
pseudo
compreensões que acabam de lhes ocorrer.
Barnes e Todd sugerem que a discussão na aula tem de integrar
certos
requisitos
para
apresentar
ideias
explícitas,
requisitos
não
necessários no discurso «quotidiano». A informação relevante deveria ser
compartilhada de forma efectiva, as opiniões deveriam ser claramente
explicadas e as explicações deveria ser examinadas criticamente. Em
suma, o conhecimento como indiquei no capítulo quinto deveria justificarse publicamente. Qualquer que seja o valor que a conversação tenha tido
para consolidar a amizade entre as jovens ou para lastimar os fracassos
dos seus companheiros, não há motivo para crer que esta discussão as
ajudasse a progredir na sua compreensão analítica de diferentes questões
de forma educativamente apropriada. Barnes e Todd explicam que o êxito
da actividade educativa mediante o trabalho em grupo depende de que os
alunos a) compartilhem as mesmas ideias sobre aquilo que é importante
na discussão; b) tenham uma concepção comum do que se pretende
alcançar com ela. Estes pontos foram apoiados por investigações
posteriores.
Relações sociais
No capítulo quatro afirmou-se que a educação nunca teve lugar num
vazio social ou cultural. Embora as escolas sejam lugares com os seus
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próprios tipos de conhecimento, as suas formas próprias de utilizar a
linguagem e as suas próprias relações de poder, não estão à margem da
sociedade. E os alunos têm identidades sociais que afectam a sua maneira
de actuar na aula e a maneira de actuar de outras pessoas. De certo
modo, isto pode ser óbvio para os professores que diariamente se dão
conta da diversidade dos estudantes. São os investigadores quem mais
facilmente o esquece dada a estreiteza do seu olhar que os encerra no
estudo de aspectos concretos do desenvolvimento e da aprendizagem
intelectuais (falo da minha experiência como professor e investigador).
Não obstante, muitos investigadores estão dando conta de que os factores
sociais e culturais devem merecer maior atenção; e tal com ilustrava a
investigação de A.P.Biggs e Viv Edben (descrita no capítulo quatro) até os
professores podem desconhecer influência de alguns factores nas suas
turmas. No entanto não têm sido feitas muitas investigações sobre os
efeitos dos factores sociais e culturais que intervêm na aula, mas
dispomos
de
alguns
contributos
muito
importantes
tanto
para
a
investigação como para a docência.
As relações de género são um tema que nos últimos anos tem vindo
a ser estudado por investigadores experimentais e observadores. Por
exemplo Joan Swann mostrou muito claramente que os diferentes estilos
interactivos dos meninos e das meninas podem influenciar as formas de
construção do conhecimento, e portanto pode afectar a qualidade da
experiência de aprendizagem dos que nela estão implicados. Embora
exista uma grande variação individual entre os rapazes e as raparigas, os
rapazes de qualquer idade tendem a dominar as discussões e geralmente
tendem a adoptar mais papéis «executivos» na resolução conjunta de
problemas. Seguramente os professores e os investigadores sabem
apreciar este tipo de diferenças; o problema está em saber o que fazer
com elas. Swann também destaca alguns «aspectos confusos» da forma
de avaliar a conversação cooperativa, e o seu argumento é acompanhado
de mensagens claras para os investigadores e para os professores. Uma
boa ilustração é o estudo de alguns exemplos de actividade cooperativa; o
material analisado foi gravado em vídeo e foi produzido por uma
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autoridade educativa local que tinha como objectivo a formação de
professores. Comparava-se a actividade das crianças que trabalhavam em
pares menino menina. Para falar de colaborações «com êxito» ou «sem
êxito» avaliou-se a construção de pares de gruas do jogo Lego;
considerava-se que uma construção tinha êxito se a qualidade do desenho
era boa e a grua construída era consistente. Mas Swann assinala que um
par só obtinha êxito se a menina aceitava as palavras do seu par e
aceitava funcionar como sua «assistente». Deste modo, ela exercia pouca
influência no desenho, os seus pontos de vista não eram considerados
seriamente e grande parte das conversações assentavam em orientações
do rapaz acerca do trabalho a realizar. Swann indica que que a
colaboração e a interacção só eram avaliadas a partir dos resultados (por
ex como a grua tinha sido bem construída) e não a partir do processo; por
consequência ignoravam-se alguns aspectos da qualidade da experiência
educativa das crianças nela implicadas.
A
investigação
demonstrou
que,
embora
os
rapazes
sejam
frequentemente os que dominam nos pares mistos e nas actividades de
grupo, algumas vezes os estudantes «mais capazes» (de qualquer sexo)
parecem ser aqueles que tendem a assumir o controlo. Todas estas
descobertas levantam a necessidade de esclarecer que critérios estão a
ser utilizados pelos professores e pelos investigadores para avaliar a
actividade cooperativa. A pergunta chave é: «que se espera que os alunos
obtenham com ela?» Se uma das razões para promover a actividade
conjunta é que todos os alunos tenham oportunidade de utilizar
activamente a linguagem para resolver problemas, e outra é libertá-los
das obrigações dos discursos dirigidos ao professor, dificilmente pode ser
satisfatório o facto de muitas vezes alguns alunos estarem tão reactivos
que tenham de ser enfrentados com uma forma diferente de intervenção
do professor.
Outro aspecto bastante diferente das relações sociais é o efeito da
amizade na qualidade de uma discussão. A investigação neste campo de
estudo bastante novo, está bem ilustrada numa experiência de Margarita
Azmitia e Ryan Montgomery que propuseram a pares de crianças de 11
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anos alguns problemas que exigiam raciocínios lógicos e científicos (um
era do estilo dos mistérios de Sherlock Holmes, sobre uma morte
provocada por uma pizza envenenada). Verificaram que quando os pares
eram formados por amigos em vez de simples conhecidos, faziam através
da
linguagem
raciocínios
mais
explícitos
e
mais
«científicos»
e
consequentemente os problemas eram resolvidos com mais êxito.
Que tipo de conversação se deveria promover e como?
As investigações que até agora foram revistas não proporcionaram
um conjunto claro de descobertas que se possam integrar ou reconciliar
facilmente. Mas a minha revisão leva-me a concluir que se demonstrou
que a conversação entre os alunos é valiosa para a construção do
conhecimento. A actividade conjunta dá oportunidades para praticar e
desenvolver formas de raciocinar através da linguagem e no discurso
dirigido pelo professor não surge o mesmo tipo de oportunidades.
Podemos utilizar esta conclusão para justificar o «trabalho em grupo» e
outras formas de actividade cooperativa na aula. Mas a investigação
também mostra que apesar de a conversação entre os alunos poder
ajudar a desenvolver a compreensão, nem todos os tipos de conversação
e de colaboração têm o mesmo valor educativo.
A partir das investigações é possível obter uma descrição do tipo de
conversação que é bom para resolver problemas intelectuais e para
progredir na compreensão. Em primeiro lugar: a conversação em que os
pares apresentam as ideias de forma mais clara e explícita é necessária
para poderem compartilhá-las e avaliá-las conjuntamente. Em segundo
lugar o tipo de conversação em que os pares raciocinam juntos - os
problemas são analisados conjuntamente, se comparam as possíveis
explicações e se tomam as decisões conjuntas.
As investigações também nos ajudam a descobrir algumas das
condições favoráveis ao aparecimento da conversação. Em primeiro lugar,
os pares têm de falar para realizar tarefas e portanto a conversação não é
um mero incidente. Em segundo lugar, a actividade deve ser concebida
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para promover a cooperação e não a competição entre os pares. Em
terceiro lugar, os participantes devem compreender bem e de forma
partilhada a chave e a finalidade da actividade. Finalmente em quarto
lugar, as regras básicas da actividade deveriam promover um livre
intercâmbio das ideias relevantes e uma participação activa de todos os
implicados. Também ajuda como se pode supor, o facto de os alunos
terem uma relação amistosa já estabelecida. Desta lista podemos extrair
algumas ideias dirigidas tanto a professores como a investigadores;
indicá-las-ei mais adiante.
Voltando à aula
Agora gostaria de observar alguns exemplos de crianças que
conversam umas com as outras na aula. As próximas três sequências
foram gravadas num colégio em que se desenrolava uma investigação
incluída no projecto SLANT (Spoken Language and New Technoogy).
Gravámos aproximadamente 50 horas de conversações na aula em dez
colégios ingleses de instrução primária. O nosso principal interesse no
projecto era ver de que forma as actividades baseadas no computador
estimulavam a conversação entre as crianças e entender também qual era
o papel do professor para organizar e ajudar os alunos na actividade que
realizavam conjuntamente no computador. Há outras publicações da
equipa
SLANT
que
tratam
de
questões
relacionadas
com
os
computadores; mas aqui interessa-me utilizar as gravações do SLANT
para ilustrar algumas questões gerais sobre a qualidade das conversações
das crianças que trabalham juntas e sobre o papel dos professores para
ajudar essas conversações. As três sequências que seleccionei pertencem
a sessões que duravam entre os 35 e os 90 minutos e mostram diferenças
no tipo de actividades em que as crianças se ocupavam. As sessões que
proporcionaram estas sequências foram gravadas ao longo de um período
de 14 meses no mesmo colégio- um colégio de ensino primário, moderno,
misto, situado na urbanização de uma cidade-. As crianças desta escola
tinham entre 9 e10 anos e vinham da mesma localidade. Cada um dos
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pares ou grupos implicados foram gravados em sessões relacionadas e ao
longo de dias ou semanas; e os investigadores destinaram parte do seu
tempo para falar tanto com os professores como com os alunos. Nas três
sequências podemos observar que as crianças resolvem algum tipo de
problemas e falam enquanto o fazem. E em todas elas parece que as
crianças gostam do trabalho, fazem-no com entusiasmo a partir das
orientações do professor.
Possuo muito mais informação sobre estas sequências do que aquela
que posso compartilhar convosco. Porém, a partir da informação limitada
que posso compartilhar, gostaria que o leitor realizasse a seguinte
actividade. Em primeiro lugar leia as três sequências. Observe a
informação adicional que dou antes do começo de cada sequência, mas
ignore por agora os comentários que faço depois da última sequência.
Atendendo ao que foi dito anteriormente neste livro, e em especial ao que
dissemos neste capítulo, tenha em conta as seguintes perguntas quando
ler cada uma das sequências:
1. As crianças estão totalmente em desacordo?
2. Fazem perguntas umas às outras?
3. Partilham informações importantes para a tarefa?
4. Parecem compreender conjuntamente a finalidade da tarefa?
5. De que forma a discussão dá corpo ao tipo de «regras básicas» para
raciocinar e resolver problemas que são importantes para o sucesso
educativo?
Depois disto leia os comentários que faço e compare a sua análise
com a minha.
Na primeira sequência duas crianças de 10 anos, Sean e Lester,
estão a utilizar o programa Smile que proporciona uma série de jogos
relacionados com as matemáticas. O jogo consiste em encontrar um
elefante perdido em Nova York (as ruas estão representadas num mapa
quadriculado projectado no écran) teclando coordenadas e reagindo ao
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feedback do computador que indica como se estão aproximando do
objectivo que pretendem alcançar. Seguindo as orientações do professor,
alternam consecutivamente para teclar os pares de coordenadas. Jogaram
durante 5 minutos.
Sequência 6.1: encontrar o elefante
Lester: 1,2,3,4,5 (contando com o dedo os quadrados do mapa no écran
antes de chegar a sua vez)
Sean: 1 é ali
Lester: Ou seja tem de ser.
Sean: 5,4 (sugerindo umas coordenadas)
Lester: (sem fazer caso de Sean)
4,3. Não, 4,3 não nos dá
Sean: 4,5 não não 4,4
Lester: 4,3 (pressiona as teclas) O quê? (Não encontra o elefante) É fácil
já sei onde está, em frente.
Os dois ficam um pouco em silêncio a olhar para o écran)
Sean: Já posso fazer isso.
(Todavia ao olhar o écran) Não para cima não, para baixo.
Lester: Não pode ser.
Sean
sim pode
Lester Já sei onde está.
(Finalmente chega a vez de Sean, mas não encontrou o elefante)
Lester: Já te tinha dito que o elefante não estava ali (volta a experimentar
mas sem êxito)
Sean: ri, ri com satisfação
Lester: O que é que se passa agora? Não sei (Diz algo que não se
entende)
Sean: 1,2.3.4, 5 6 (contando quadrados)
Lester: Eu já sei onde está
Sean: Já estou mais perto dele, 5
Lester: Então tem de ser 1,8
Lester: 2.8
Conversar e trabalhar juntos
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Sean: Faz como entenderes.
A segunda sequência pertence a uma sessão onde duas meninas de
dez anos, Katie e Anne escrevem para o jornal da turma e utilizam um
software de auto edição especial para colégios denominado Front Page
Extra. Eram amigas e já tinham trabalhado juntas com sucesso O
professor tinha-as ajudado a carregar o programa e a preparar o écran
para a tarefa que era desenhar e escrever a primeira página. No momento
em que começa a sequência já tinham estado a trabalhar durante uma
hora e um quarto e agora tentavam escrever um texto para essa página.
Anne: Isso, isso
Katie: Algo
Anne: Algo assim!
Kate: Sim
Anne: Dentro destes fabulosos envelopes cheios de entretenimentos há...
Como podemos ter um envelope cheio de entretenimentos? Deixame experimentar.
Katie: Dentro destes?
Anne: AH!aH! (ri)
Anne: Parece que isto te diverte, Fabuloso (ri)
Katie: Dentro destes, dentro destes fabu, dentro destes envelopes cheios
de entretenimentos, não dentro destes envelopes, estes fabulosos, estas
brilhantes.
Anne: Brilhantes
Katie: Brilhantes?
Anne: Não.
Katie: Não. Fantast, Fabulosos, Pomos isso?
Anne: Sim (diz qualquer coisa que não se consegue ouvir) Fantástico.
Katie: Fa -bu-lo-so
Anne: Loso. Fabuloso
Katie: fabuloso.oso
Anne: Fabuloso Ah!
Conversar e trabalhar juntos
18
A terceira sequência apresenta um grupo de três crianças de 9-10
anos (dois rapazes e uma rapariga) que utilizam o programa Viking
England, um package de simulação histórica que permite que as crianças
desempenhem o papel de invasores vikings que planeiam uma incursão na
costa inglesa.
Anteriormente tinham trabalhado em grupos diferentes mas dois
deles já tinham trabalhado juntos.
Em resposta aos factos e às perguntas que apareciam no écran, os
membros do «grupo de invasores» tinham de decidir que recursos eram
necessários para a invasão, com que estratégias venceriam os inimigos
etc. Nesta sequência tinham de decidir qual dos quatro lugares possíveis
deveriam invadir (um convento, uma aldeia de cabanas, um castelo ou um
porto).
Sequência 6.3: Planificar uma invasão
Diana Vamos discutir, Qual devemos atacar?
Todos (sem que seja possível ouvi-los e rindo das instruções)
Peter: 1,2,3 ou 4 (lendo em voz alta o número de possibilidades que têm)
Bom não temos outras possibilidades de conseguir porque
Adrian: Há um convento
Diana: E se tomarmos o número 2 está (não se consegue ouvir)
Peter: Sim, porque as cabanas estão vigiadas
Todos: Sim.
Adrian: E isso provavelmente estará vigiado
Diana: Está rodeado de árvores
Peter: Sim
Adrian: E ali há uma rocha que nos protege.
Peter: Sim, há algumas rochas ali. Ou seja que creio, creio que deveria
ser o 1.
Adrian: Porque pode ser que o convento não esteja vigiado.
Diana: Sim o 1
Adrian: Sim o 1
Peter: Sim mas o que é que se passa com o 2? Esse pode também não
Conversar e trabalhar juntos
19
estar vigiado. Verdade? Mas o facto de haver ali cabanas não significa que
não esteja vigiado, verdade? Qual é a vossa opinião?
Diana: Sim não significa que não esteja. Não podemos dizer que não está
vigiado verdade? Pode
muito bem estar vigiado. Creio que temos de ir
pelo número 1 porque estou segura de que
não está protegido.
Adrian: Sim
Peter: Vale, sim o número 1 (carrega 1 no teclado) Não (o computador
não responde de forma apropriada)
Adrian: Tens de usar esses números (assinala as teclas dos números da
direita do teclado e Peter carrega no número escolhido. Adrian começa a
ler o que aparece no écran) Escolheste
invadir a área 1.
Seguidamente vou comentar cada uma das sequências
Comentários sobre a sequência 6.1
Nesta
sequência
vemos
duas
crianças
ocupadas
activa
e
entusiasticamente na sua tarefa. Discutem sobre quem sabe mais, e,
algumas vezes, tratam de justificar as suas pretensões recorrendo ao
écran. Fazem sugestões e comentários, aconselham-se e fazem perguntas
uma à outra. Durante a sessão houve muitos diálogos e todos foram
«acerca das tarefas». Porém, se se considerar a sequência como uma
peça
para
a
construção
conjunta
de
resolução
de
problemas,
e
especialmente como uma peça que ajude as crianças a desenvolver a sua
habilidade para tratar os problemas de forma «educada», a sua qualidade
é duvidosa. A maior parte do que dizem consiste em certas afirmações,
refutações ou comentários que não são construtivos. Os dois meninos
ignoram as observações mútuas, e quando um pede informação o outro
não a dá. Frequentemente parecem ter conhecimentos, mas nunca os
oferecem para ajudar. A sequência 6.1 é representativa do carácter da
maioria das conversações desta sessão. A quantidade de autêntica
colaboração - no sentido de partilhar ideias, avaliar conjuntamente a
informação, as hipóteses e a tomada de decisões
e inclusivamente de
Conversar e trabalhar juntos
20
aceitar um conselho - foi mínima. Os meninos redefiniram esta actividade
supostamente colaborativa como actividade competitiva. No conjunto da
sessão, cada vez que jogavam uma partida, o que pressionava as teclas
do último par de coordenadas antes de encontrar o elefante proclamava-o
em altos gritos como uma vitória pessoal. Era difícil ver, a partir da
realização desta actividade, aquilo que cada menino assimilava no que diz
respeito à aprendizagem através da comunicação ou no capítulo das
matemáticas. Ambos os meninos pareciam conhecer o conceito de
coordenadas e as suas estratégias não pareciam mudar nem evoluir à
medida que iam jogando.
Comentários da sequência 6.2
Nesta sequência vemos que Katie e Anne falam através do seu
texto. Fazem perguntas uma à outra (apesar de a pergunta da Anne
«Como podemos ter um envelope cheio de entretenimentos?» parecer
mais a expressão de um problema do que um pedido de informação à
companheira), fazem sugestões e apresentam algumas razões das
decisões que tomam. Confirmam e dão valor às afirmações que fazem, de
forma explícita («Isso, é isso!») ou de uma forma implícita repetindo-as
(«Dentro destas...»). Não estão construindo juntas apenas o texto, estão
construindo uma compreensão conjunta do que deveria ser o texto.
Divertem-se trabalhando juntas, talvez reflictam acerca de uma história
anteriormente concebida com êxito. Só existe um problema: não põem
em dúvida as sugestões uma da outra, e não sentem necessidade de
justificar as suas opiniões ou de explicar os motivos.
Comentários de sequência 6.3
Na sequência 6.3 vemos de novo uns meninos que trabalham,
fazendo perguntas uns aos outros, comentando e fazendo sugestões.
Discutem as diversas opções, e recordam a informação relevante. Estão
utilizando a conversação para partilharem informação e para planificar
Conversar e trabalhar juntos
21
juntos. Discutem e avaliam os cursos possíveis da acção e tomam
decisões conjuntamente. Há muitos raciocínios explícitos na conversação.
Para além disso, estes raciocínios são interactivos - não são realmente
limitados à forma e ao conteúdo de afirmações individuais, são mais a
forma em que o discurso representa como um todo, um processo
compartilhado e pensado. Na actividade do jogo Viking England, muitas
conversações
conjuntamente
foram
e
deste
tipo,
construíam
nelas
os
conhecimento
meninos
raciocinavam
e
compreensão
uma
compartilhados através da conversação.
Três formas de conversar e pensar
Agora vou utilizar a análise das sequências 6.1 e 6.3 para
apresentar três formas de conversar e pensar.
1. A primeira forma de conversar é a conversação de discussão que
se caracteriza pelo facto de estar em desacordo e por tomar
decisões
individualmente.
Há
algumas
tentativas
para
juntar
recursos ou para fazer uma crítica construtiva das sugestões. Assim
acontece na conversa de Sean e Lester na sequência 6.1. A
conversação
de
discussão
tem
também
alguns
aspectos
característicos do discurso; breves intercâmbios que consistem em
afirmações e em discussões de pontos duvidosos ou refutáveis.
2. A segunda é a conversação acumulativa em que os falantes
constroem positivamente, mas não criticamente aquilo que o outro
diz.
Os
pares
«conhecimento
utilizam
comum»
a
conversação
mediante
a
para
construir
acumulação.
O
um
discurso
acumulativo caracteriza-se pelas repetições, as confirmações e as
elaborações. Katie e Anne conversam deste modo na sequência 6.2
3. A última é a conversação exploratória em que os pares tratam de
forma crítica mas construtiva as ideias dos outros. Diana Peter e
Adrian conversam deste modo na sequência 6.3. Fazem afirmações
e dão sugestões para as poderem considerar conjuntamente. Devem
Conversar e trabalhar juntos
22
questionar e defender, mas as discussões de pontos duvidosos há
que justificá-los e apresentar hipóteses alternativas. Em comparação
com
as
outras
sequências,
na
conversação
exploratória
o
conhecimento justifica-se mais abertamente e o raciocínio é mais
visível na conversação. O progresso surge pois do acordo conjunto
finalmente alcançado.
Não se espera que «debate», «acumulativa» e «exploratória» sejam
categorias descritivas com as quais se deva codificar de forma clara e
separada qualquer conversação observada. São categorias analíticas,
representações das formas de falar dos meninos do projecto SLANT. O que
aqui me proponho é converter os conceitos de conversação discussão,
conversação acumulativa e conversação exploratória em modelos de três
formas sociais características de pensamento modelos que nos ajudam a
compreender de que modo as pessoas utilizam as conversações reais (que
inevitavelmente
resistem
a
classificações
claras)
para
«pensar
conjuntamente»
Três níveis de análise
Para descrever e avaliar as conversações reais que têm lugar em
qualquer actividade educativa conjunta necessitamos de incorporar os
modelos de conversação numa análise que opere a três níveis (quando
falo aqui de «nível» refiro-me a algo como «profundidade de enfoque»). O
primeiro nível é linguístico: examinamos a conversação como um texto
falado. Que «actos de fala» realizam os estudantes? (Afirmam, refutam,
explicam, perguntam?) Que intercâmbios têm lugar? (Isto é: como é que
os falantes constroem as suas conversações, como respondem e reagem à
fala dos outros? Que assuntos discutem? Neste nível vemos que «a
conversação
afirmações,
discussão»
refutações,
representa
com
poucas
a
conversação
repetições
e
dominada
por
elaborações
que
caracterizam a «conversação acumulativa». A «conversação exploratória»
representa
a
conversação
em
que
se
refutam
ideias,
se
pedem
Conversar e trabalhar juntos
23
esclarecimentos com respostas que expliquem e justifiquem as ideias.
O segundo nível é psicológico: a análise da conversação como
pensamento e acção. Que «regras básicas» parecem seguir os falantes?
Como se reflectem os interesses e os assuntos dos falantes nas formas
em que interagem, nos temas que discutem e nas questões que
levantam? Até que ponto se está seguindo claramente um raciocínio
através da conversação? Podemos ser capazes de utilizar os modelos de
conversação para representar o tipo de relação comunicativa que os
falantes estão levando a cabo e as regras básicas que utilizam para o
fazer. Por exemplo, na «conversação debate» a relação é competitiva; fazse gala da informação, mas sem a partilhar, opõem-se as diferenças de
opinião em vez de as compartilhar e a orientação é em geral defensiva. A
«conversação acumulativa» parece operar melhor em relações implícitas
de solidariedade e confiança, e as regras básicas requerem repetição e a
confirmação constantes das ideias e das opiniões dos companheiros. A
conversação exploratória implica em primeiro lugar o raciocínio. As suas
regras básicas requerem que se observem e se considerem os pontos de
vista de todos os participantes, que se declarem e avaliem explicitamente
as propostas e que o acordo explícito preceda as decisões e as acções.
Tanto a conversação acumulativa como a conversação exploratória
parecem pretender alcançar um consenso enquanto a conversação debate
não pretende isso. Nesta, apesar de haver muita interacção, o raciocínio é
muito individualizado e tácito. Pelo contrário, na conversação acumulativa
compartilham-se as ideias e a informação e podem tomar-se decisões
comuns; mas no processo de construção do conhecimento, pouco existe
em relação às refutações ou aos conflitos construtivos. Ao incorporar tanto
o conflito como a clara aceitação das ideias, a conversação exploratória
representa o aspecto mais «visível» de um consenso racional através da
conversação. A conversação exploratória é a mais efectiva das três para
resolver problemas através da actividade cooperativa (como se discutiu
nas páginas 109-110) Se se pretende julgar o valor educativo de qualquer
conversação observada é necessário um nível de análise adicional. Poderia
chamar-se nível cultural porque implica inevitavelmente considerações
Conversar e trabalhar juntos
24
sobre a natureza do discurso «educado» e sobre a classe de raciocínios
que se valorizam e promovem nas instituições culturais de educação
formal. A meu ver é neste lugar que a categoria analítica da conversação
exploratória merece especial atenção. Representa a linguagem que dá
corpo a certos princípios – de justificação, de clareza, de crítica
construtiva e de boa disposição para as propostas bem argumentadas -e
muito valorizadas em muitas sociedades. Em grande parte das nossas
instituições sociais chave – por exemplo a lei, o governo a administração;
a investigação científica e artística e os negócios – as pessoas têm de
utilizar a linguagem para questionar o valor das afirmações, hipóteses e
propostas
de
outras
pessoas,
para
expressar
as
suas
próprias
compreensões, para obter um acordo consensual e para conjuntamente
tomar decisões.
Alguns psicólogos e investigadores da linguagem têm sugerido a
ideia de que o discurso educado é muito diferente do discurso do
quotidiano
porque
aquele
está
de
tal
modo
«desencaixado»
e
«descontextualizado» que as palavras são utilizadas independentemente
do
contexto,
como
significados
abstractos.
Por
exemplo
Margaret
Donaldson sugere que a essência do pensamento e a linguagem mais
avançada é a «habilidade de atender aos próprios significados das
palavras». Não obstante, «descontextualização» parece ser uma palavra
inadequada para descrever a essência do discurso educado. Veja-se por
exemplo uma forma de discurso educado como a linguagem do sistema
legal de um país. Donaldson apresenta-o como exemplo da forma de
utilização
da
linguagem
separada
e
descontextualizada.
Porém
a
linguagem legal assenta em vários fundamentos da história, e chegar a
conhecê-la como profissional supõe anos de prática, o uso de documentos
legais e o conhecimento de sucessos anteriores (por exemplo casos legais
importantes). A linguagem dos profissionais em qualquer sentença ou em
qualquer documento legal é uma forma clara e contextualizada de
discurso. Os advogados têm de argumentar as suas «afirmações» de
acordo com os cânones da lei e têm de justificar as suas declarações
apresentando evidências. A linguagem a que Donaldson e outros chamam
Conversar e trabalhar juntos
«descontextualizada»
25
ou
«desencaixada»
tem,
a
meu
ver,
duas
características muito distintas: é uma forma de linguagem em que os
raciocínios se tornam visíveis e em que o conhecimento se justifica não
em termos absolutos, mas de acordo com «as regras básicas» da
importante comunidade de discurso.
Gostava de reter uma ideia central e importante dos argumentos
que Donaldson e outros apresentam. Se estimulamos e ajudamos os
meninos a utilizar a linguagem em formas concretas - para fazer
determinado tipo de perguntas, para descrever com clareza para justificar
resultados e consolidar com palavras aquilo que aprenderam - estamos a
ajudá-los a ter acesso ao discurso educado. Evidentemente há muito mais
coisas em jogo ao participar activamente em qualquer «discurso educado»
do que quando se utiliza a conversação de forma «exploratória» Há que
ter em conta o conhecimento acumulado, o vocabulário especializado e
outras convenções do discurso de qualquer comunidade concreta. Mas o
discurso exploratório apresenta qualidades que são uma parte vital e
básica de muitos discursos educados. Promover este tipo de conversação
pode ajudar os alunos a desenvolver hábitos intelectuais que lhes serão
necessários em diferentes situações.
Pode parecer que estou sugerindo que aos meninos – aos
estudantes - se deveria impor outro grupo mais de «regras básicas» mas
não é assim. As sequências seguintes pertencem a um debate entre
Eunice Fisher (uma das investigadoras do SLANT) e um grupo de quatro
alunos de seis anos que tentavam descobrir os seus pontos de vista sobre
o valor da «discussão»
Sequência 6.4 Que fazeis com a discussão?
Investigadora: E então que esperavam da discussão, o que
conseguiram no final?
Peter: Ajudar-te-ia dizendo-te que, fazendo que a gente esteja de
acordo contigo, ou seja conseguimos um bom, fazendo que a gente
esteja de acordo contigo, desejando que estejam de acordo, um, ou
seja conseguimos que duas pessoas queiram as mesmas coisas.
Conversar e trabalhar juntos
26
(e logo se discutem essas coisas fora da aula)
Investigadora: Ângela e tu? Tu também discutes as coisas?
Ãngela: Bem. Quando queremos que alguma coisa, um, quando
acredito, quando acreditamos que alguma coisa está mal no jogo,
temos de parar e discutir o que se passa, o que está a acontecer,
onde está o erro.
Investigadora: Imagina que não estás de acordo, o que sucede
então?
Ângela: Como? (há outras crianças a falar)
Investigadora: Imagina, imagina que tu dizes alguma coisa e a
pessoa com quem estás discutindo te diz o contrário, que fazes
então?
Ângela: Temos de discutir; uma metade é o que diz uma pessoa e
outra metade (mostra duas «partes com as mãos) é o que
tu
disseste.
Investigadora: Bem.
Ângela:
Sim, simplesmente tens de as juntar e já está...
(quando acaba a explicação, junta as mãos).
Neste fragmento, uns meninos muito novos tentam explicar uma
importante função da linguagem que é difícil de expressar com palavras.
Pode observar-se o processo de pensamento nas orações inacabadas, nos
falsos começos e nos «ums». Mas estão falando de uma experiência real e
esta experiência é a base da conversação exploratória. Não há evidências
da investigação que mostrem que alguém seja incapaz de levar a cabo
conversações exploratórias. Para mais não há razões para considerar que
os princípios básicos da conversação exploratória sejam alheios aos
miúdos. O protótipo de situação de fala em que cada um é livre de
expressar os seus pontos de vista e em que os pontos de vista mais
razoáveis têm uma aceitação geral está implícito em muitas áreas da vida
social. Inclusivamente, quando se rompe frequentemente os princípios
implicados, estes são ainda invocados como ideais.
Conversar e trabalhar juntos
27
Promover a conversação exploratória
Agora, interessa-me considerar o papel do professor para promover
o uso de certas formas de conversação. Quando o projecto SLANT já
funcionava há um ano aproximadamente, estava muito claro que tanto os
professores como os investigadores estavam decepcionados com a
qualidade das conversações que tinham tido lugar em muitas sessões
gravadas. A conversação que qualificámos como «exploratória» ocorria só
ocasionalmente ao longo das sessões. Na maioria das sessões, os meninos
raramente dedicavam muito tempo a considerar e a avaliar a informação,
as ideias eram frequentemente expressas parcialmente, e em alguns
pares e grupos, os participantes pareciam ignorar as ideias dos outros, ou
apenas conservavam e tomavam decisões alguns membros do grupo.
Além disto, as crianças que participavam pareciam trabalhar com
diferentes
grupos
de
regras
básicas
para
realizar
as
actividades
cooperativas no computador. Por exemplo enquanto uns consideravam que
os pontos de vista de todos os companheiros deveriam influir nas
decisões, outros assumiam que a pessoa que escrevia no computador era
quem tomava as decisões. Contudo, outros assumiam a pessoa que
escrevia no computador como um simples secretário e a maior parte das
ideias e das instruções que contribuíam para a realização desse trabalho
provinham de outros membros do grupo que adoptavam uma função
«executiva. Alguns companheiros insistiam em usar o teclado depois de
cada «go» enquanto outros grupos repartiam o trabalho em tempos mais
alargados. Estas questões foram largamente discutidas por professores e
investigadores e de acordo com a filosofia da «investigação-acção»
presente no projecto levou alguns professores a implementar novos e
diferentes tipos de actividades.
No colégio onde foram gravadas as sequências 6.1 e 6.3 esta
discussão teve como consequência o plano de acção que apresentamos.
Em primeiro lugar os investigadores e os professores seleccionaram um
programa educativo de computador (de entre os que eram utilizados no
colégio) que proporcionasse uma boa base de actividade cooperativa, isto
Conversar e trabalhar juntos
28
é, que exigisse que as crianças partilhassem informação e tomassem
decisões conjuntamente. O programa escolhido foi o Viking England
descrito na sequência 6.3. A professora e os investigadores discutiram as
regras básicas que melhor poderiam ajudar as crianças, e decidiram que a
selecção e a presentação dessas regras seria da responsabilidade da
professora.
Finalmente
esta
decisão
daria
importância
aos
pontos
seguintes:
compartilhar toda a informação e as sugestões relevantes;
apresentar razões para apoiar as afirmações, as sugestões e as
opiniões;
perguntar as razões quando necessário;
alcançar, sempre que possível, um acordo antes de realizar uma
acção;
aceitar que o grupo (e não um membro concreto) fosse o
responsável pelas decisões, acções e qualquer êxito ou fracasso
que acontecesse.
Depois, a professora preparou algumas actividades para que os
alunos tomassem consciência da actividade de conversação e cooperação
mas sem o computador. Organizou oito grupos de três alunos cada um.
Cada grupo incluía pelo menos um aluno com problemas de alfabetização
e outro bom em leitura e teve em conta que a maneira de ser de cada
criança e as suas relações com a turma podiam afectar aqueles que
quando
trabalhavam
Seguidamente
as
juntos
crianças,
realizavam
nos
seus
melhor
grupos
as
actividades.
realizavam
algumas
actividades destinadas à tomada de consciência da natureza e da
qualidade da discussão na aula. Estas actividades foram adaptadas de um
manual sobre «oralidade» publicado para professores que incluía de entre
outras estas actividades:
A. Ouvir uma cassete de sons. Cada grupo tinha de decidir
conjuntamente o que
pensava que era aquele som, tinha de
nomear um «encarregado de escrever» as ideias e depois explicá-las
à turma.
Conversar e trabalhar juntos
B.
29
Cada
criança
tinha
de
acontecimento vivido por ela nas
descrever
ao
grupo
um
férias do Natal. Depois um
dos ouvintes contava a história a toda a turma.
C. Dois membros do grupo sentavam-se de costas um para o
outro e um deles tinha de desenhar uma figura. Depois
descrevia-a ao outro menino que estava de costas e este tinha
de desenhá-la de acordo com a descrição. Os outros membros
do grupo presenciavam atentamente a actividade.
A professora também moderou algumas discussões em grupos ou
com toda a turma sobre as «disputas», e sobre outros temas relacionados
com a participação em conversações. Com base nas ideias e nas opiniões
que as crianças davam a entender, a professora captava algumas das suas
intuições acerca do modo como deveriam levar a cabo as discussões.
Também conseguiu esclarecer algumas das sua próprias ideias sobre o
modo como os grupos deveriam funcionar, ideias acerca das quais as
crianças pareciam muito receptivas. Continuou a dar importância à
necessidade de registar todos os pontos de vista importantes, de se
chegar a um acordo possível, e fazer que fossem os grupos e não os
indivíduos a sentirem-se responsáveis pelas decisões tomadas e pelas
acções levadas a cabo.
As crianças continuaram depois a fazer actividades cooperativas no
computador em pares ou em grupos de três. Porém antes de qualquer
grupo começar esta actividade, a professora recordava-lhes as actividades
anteriores e estimulava cada um destes grupos a enumerar explicitamente
as «regras básicas» de discussão que seguiriam. O resultado foi um
aumento drástico da quantidade de conversação «exploratória» destes
grupos em relação às actividades anteriormente gravadas. Também
pareceu
melhorar
o
entusiasmo
e
a
implicação
das
crianças.
É
interessante pôr em relevo que este colégio não tinha uma área de
captação «privilegiada»: a urbanização que o rodeava tinha muitos
problemas sociais devidos ao desemprego e alguns dos alunos implicados
tinham problemas sociais e psicológicos. De facto um dos alunos da
Conversar e trabalhar juntos
30
sequência 6.3 enfrentava a possibilidade de ser expulso do colégio por
problemas de mau comportamento inclusivamente até no dia da gravação.
Tenho-me centrado nos efeitos aparentes do trabalho de preparação
da professora (as actividades para tomada de consciência da conversação
e a organização dos grupos) em vez de atender à contribuição do software
ou pelo menos desse tio de software, provavelmente muito importante
para o êxito da actividade inicial. Porém as regras básicas que se
aplicaram não foram apenas utilizadas no Viking England pois as crianças
aplicaram-nas com êxito em outras actividades que realizaram sem o
computador. A sequência que se apresenta foi gravada alguns meses
depois quando a mesma professora estava enumerando as regras básicas
com um grupo de crianças de 10 anos que iam começar uma actividade
(sem computador) na qual tinham de identificar vários animais da selva
brasileira. Certificou-se de que as crianças tinham todos os desenhos de
animais de que precisavam (e estão assinaladas em negritas as palavras
que ela pronunciou com mais ênfase).
Sequência 6.5: Enumerar as regras básicas
Professora: A próxima coisa que têm de fazer é decidir entre vós.
Isto é: se têm um motivo para pensar que isto (indicando o desenho de
um animal) é um guacamayo escarlate devem dizer «penso que é porque
tem asas» (as crianças riem) Então os outros têm de aceitar essa opinião
mesmo que seja diferente
e dizer uma coisa parecida como «estás de
acordo?» (um menino disse «não» E a pessoa que não estivesse de
acordo não deveria dizer apenas«não» deveria dar a razão do seu
desacordo.
Qual (dirigindo-se a Paul, o último menino a falar) seria o motivo
para não estares de acordo (aponta o desenho) que isto é um guacamayo
escarlate?
Paul: Porque os guacamayos não têm asas.
Oliver: Porque o guacamayo é um papagaio! (rindo)
Professora: Bem. Qualquer que seja o ponto de vista, terão sempre
Conversar e trabalhar juntos
31
de tentar pensar as razões
que o sustentam.
Seguidamente os alunos começaram a actividade. A sequência
seguinte é um excerto de uma fase posterior em que tratavam de
classificar todos os animais como «herbívoros» ou «carnívoros»
Sequência 6.6. Classificar animais
Emmeline: Agora temos um peixe- ou seja-o
Olivier: Qual é o tipo da piranha?
Emmeline: Não o pequeno, não o que tem escamas.
Maddy: Peixe...peixe pul... (duvidando)
Olivier: Peixe pulmão
Maddy: Provavelmente alimenta-se de coisas do rio, porque não vai à caça
de um macaco, ou de
qualquer
coisa
assim.
Verdade?
(todos
desatam a rir)
Emmeline: Sim. Poderia....
Olivier: (interrompendo) Supõe-se que haja plantas de rio, alguns deles
alimentam-se de
plantas do rio e de coisas que caem no rio.
Maddy: Sim provavelmente é um herbívoro.
Ben: Não tenho nada a dizer.
Emmeline: O que pensas que é?
Oliver: Não, na realidade julgo que teríamos de pôr «carnívoro» a maioria
dos peixes são.
Emmeline: Não porque ma...
Oliver:
(interrompendo) É melhor e a maioria dos peixes são.
Não é?
Emmeline: (interrompendo) Sim, mas temos este aqui que e este e este
(assinala umas imagens dos peixes dos dois montes que estão na mesa,
um de «carnívoros e outro de «herbívoros)
(A discussão continuou até que Ben disse...)
Ben: Vamos a votos.
Emmeline: Sim é o melhor.
Conversar e trabalhar juntos
32
Ben: (a Oliver) Qual é a tua opinião?
Oliver: Eu acho que é «carnívoro»
Bem: (a Maddy) E tu?
Maddy: Eu penso que é «herbívoro»
Ben: (a Emmeline) E tu?
Emmeline: «Herbívoro»
Oliver: E tu Ben?
Ben: (rindo, parece tímido e inseguro, não contesta)
Oliver: Não importa, é um peixe pul...
Ben: Carnívoro.
Oliver: Carnívoro, estamos dois a dois.
Ben: Vamos às sortes (arranja uma moeda para jogarem às sortes)
Oliver: Não não te preocupes com a moeda, faz de conta que temos uma
moeda.
Ben: (interrompe e tira a moeda) Já aqui está
Oliver: Pensar!
Ben: Caras ou coras?
Oliver: Peixe...não... cala-te!
Emmeline: Caras. Bom vocês ganharam:
Oliver: (apanha a gravura do «peixe pulmão» e lê: O peixe pulmão tem
um par de pulmões e pequenas brânquias, vive em covas na areia e
respira ar» Não pode ser herbívoro porque então o que comeria quando
estivesse na areia? Não há que comer.
Depois disto os meninos continuaram o debate sobre o peixe pulmão
e finalmente decidiram que não possuíam informação suficiente e que
deixariam a imagem separada e voltariam «finalmente» a pegar nela
quando a professora os viesse ajudar. A sequência 6.6 não foi um modelo
perfeito de discussão equitativa e racional: com a excitação as crianças
interrompiam-se umas às outras, alguns dos rapazes às vezes tentavam
dominar os procedimentos e as razões que apresentavam para tomar
decisões
nem
sempre
eram
válidas.
Mas
certamente
muitas
das
conversações foram exploratórias, como se pode ver na sequência.
Conversar e trabalhar juntos
33
Podemos ver que as crianças fazem perguntas umas às outras, se
interessam pelos pontos de vista de cada um e tentam justificar os seus
pontos de vista racionalmente e recorrendo à evidência. Tentam também
chegar a acordo mediante o processo democrático da votação. Quando
este não resulta, Ben propõe (com o apoio de Emmeline) resolver o
dilema pelo processo não racional e deixá-lo à sorte. Contudo nota-se que
Oliver quer continuação: rejeita-o, e lembra ao grupo as regras básicas
que tinham acordado para realizar a actividade («supõe-se de há que
«pensar») e apresenta à consideração do grupo uma informação adicional
e relevante. Confrontados com esta chamada de atenção, as crianças
continuam o seu debate racionalmente.
Seleccionei apenas um exemplo de uma única escola e mostrei-o
para ilustrar como se promoveu entre os alunos o tipo de «conversação
exploratória».
A
minha
intenção
é
simplesmente
evidenciar
uma
possibilidade transformada em realidade, que se deveu ao trabalho dos
investigadores,
professores
e
alunos
que
entre
si
partilharam
conhecimentos. Mas a evidência da importância da ajuda aos alunos a
adquirirem, compreenderem, utilizarem e apreciarem o valor das regras
básicas para dirigir discussões racionais, justas e produtivas também
começa a aparecer em investigações socioculturais. Em outros lugares.
Baker-Sennet, Matusov e Rogoff apresentam o seguinte exemplo de uma
professora americana que enumera algumas regras básicas similares a um
grupo de meninas de 7-9anos que vão representar a sua versão da
história da Branca de Neve.
Professora: Vocês vão votar para decidirem e perguntam: «Bom,
queremos escrever a história antiga ou de outro modo?» e todo o grupo
terá de discutir e dizer os prós e os contras. Quando se está num pequeno
grupo há algumas coisas difíceis. Um menino tem uma ideia e diz: «A
NOVA, A NOVA! Quero a nova» Isto ajuda o grupo?
Meninas: (em uníssono) Não!
Professora: Ou se as meninas simplesmente se sentam aí, e não
Conversar e trabalhar juntos
34
dizem nada, isto ajuda o grupo?
Meninas: (em uníssono) Não.
Professora: Bem, têm de encontrar uma maneira de fazer funcionar
o grupo. Que se passaria se eu dissesse: «Tenho visto grupos que têm
demasiados chefes e nenhum índio»? Que quero dizer com isto? Leslie...
Leslie: Quer dizer que há demasiada gente que quer mandar no
grupo.
Professora: Toda a gente quer ser chefe e ninguém ouve. Isto pode
ser um problema que terão de resolver no vosso grupo. Porque há sempre
necessidade de pedir a uns que trabalhem e a outros que oiçam. Parte
disto será pois como organizar o vosso grupo para que trabalhe... Há
alguns adultos na aula para vos ajudar, mas muito dependerá do grupo
dizer «espera um minuto, temos de chegar a acordo» ou temos de decidir
por votação», em vez de ser apenas um menino a decidir.
Note-se que tanto neste exemplo como na sequência 6.5 Enumerar
as regras básicas, as professoras utilizam as regras do guia descrito no
terceiro capítulo. Ambas as sequências são tentativas das professoras para
solicitar discretamente às crianças alguma informação importante da
experiência que anteriormente partilharam. As duas professoras tentam
obter das crianças as características das regras básicas e fazem-no
mediante perguntas «cerradas» das quais já sabem a resposta. A primeira
professora confirma explicitamente que as respostas de Paul e de Oliver
são correctas com a palavra «Bem» A segunda reformula a resposta de
Leslie para tonar mais claro o que lhe interessa (à professora). Algumas
pessoas podem ver ambas as sequências como exemplos de professoras
que falam a maior parte do tempo, que forçam as respostas dos alunos e
que impõem nas actividades dos alunos a sua própria interpretação das
regras básicas. Eu vejo-as como exemplos de professoras que fazem o
trabalho que se espera que façam, que guiem a construção do
conhecimento.
Conversar e trabalhar juntos
35
Resumo e conclusões
Embora a conversação entre os alunos não tenha sido muito bem
acolhida pela educação formal, a investigação recente proporciona boas
razões para incitar os alunos a falarem e trabalharem juntos em
actividades educativas. Porém a investigação não apoia a ideia de que a
conversação e a cooperação sejam directamente úteis deixando os alunos
fazer o que querem, ou que saberão como utilizar melhor as suas
oportunidades. Uma perspectiva sociocultural da educação na aula apoia o
uso da actividade cooperativa, mas também põe em relevo a necessidade
de raciocinar tanto sobre os procedimentos como sobre os princípios que
sustentam as actividades que se espera que os alunos realizem como
parte da sua educação. Os próprios alunos têm necessidade de aceder a
esse raciocínio; e tem de ser um raciocínio convincente. Supostamente os
alunos até os mais novos que entram no jardim deinfância, não são um
«papel em branco» no qual os professores devem escrever todos os
elementos educativos relevantes. As crianças de 9-10anos podem ter
aprendido todas as estratégias de linguagem de que necessitam para
realizar uma conversação exploratória (e também um discurso educado)
sem que estas lhes tenham sido ensinadas. Quando chega a ocasião já
podem utilizá-las bem (investigações como as de Janet Maybin sugerem
que as crianças têm mais oportunidades de explicar-se e de justificar-se
nas suas conversações informais do que quando estão na aula). Mas
necessitam de um guia sobre o modo de utilizar a conversação. Há boas
razões para crer que frequentemente as crianças não estão seguras, nem
sabem o que se espera que façam nem para que servem as actividades
educativas
e
que
os
professores
proporcionam
aos
alunos
pouca
informação útil a esse respeito. Não pode dar-se por adquirido que os
alunos já compreendem e sabem qual é o melhor caminho para «a
aprendizagem em conjunto» na sala de aula.
Sei que não me tenho ocupado muito de questões como as
identidades
sociais
das
crianças
e
as
histórias
pessoais
que
são
importantes para a organização e avaliação de qualquer actividade
Conversar e trabalhar juntos
36
cooperativa. Porém há dimensões comunicativas e intelectuais para a
organização das actividades cooperativas que também são importantes se
se pretende que as actividades contribuam para o progresso educativo das
crianças. O simples facto de as sentar para que realizem uma actividade
conjunta pode promover conversação, mas de que qualidade? Pode
acontecer que frequentemente o organizador das actividades cooperativas
não possua uma noção clara acerca do tipo de conversação que está
tentando provocar nem da razão porque o faz. Como Terry Phillips assinala
«Porquê»
é
uma
pergunta
esquecida
ao
organizar
actividades
cooperativas. Os professores podem considerar adquiridas as regras
básicas ou sob a influência de uma ideologia «progressista» podem pensar
que é um erro guiar a actividade das crianças tão pormenorizadamente.
Muito frequentemente os alunos hão-de tentar dar sentido à actividade,
mesmo que tenham recebido pouca ajuda no que respeita a compreensão
e à apreciação das regras básicas que se supõe que hão-de seguir. Como
podemos esperar que depois criem as suas próprias regras?
Sugeri que é possível identificar formas particulares de conversação
que representam diferentes formas sociais de pensamento, e expliquei
que é desejável e possível estimular os alunos para que utilizem algumas
dessas
formas
de
conversação
para
construírem
conjuntamente
o
conhecimento. Também é necessário para os professores e para os alunos
estabelecerem acordos sobre a finalidade da «conversação» na aula e
sobre o modo como deve ser conduzida. Há e outras investigações além
da minha que apoiam este ponto de vista. Mas não há evidências que
possam sugerir que este tipo de preparação das actividades cooperativas
seja habitual na vida da maioria das escolas ou instituições educativas em
qualquer parte do mundo.
Tradução feita por Júlia Soares
Mercer, N. (1997). La Construcción Guiada del conocimiento: El habla de profesores y
alunos. Barcelona: Paidós (pp 99-128)