A Mentalidade Vencedora - Universidade do Futebol

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A Mentalidade Vencedora - Universidade do Futebol
A Mentalidade Vencedora
Marcelo Augusto Antonelli
Parte 3: Aplicando a mentalidade de crescimento no desenvolvimento de um
atleta
Na primeira parte desta série expliquei o conceito da mentalidade fixa e da mentalidade
de crescimento (DWECK, 2006)
(http://www.universidadedofutebol.com.br/Artigo/15676/A-Mentalidade-Vencedora). Na
segunda parte, discutimos algumas forma de se transformar a mentalidade fixa em
mentalidade de crescimento (http://www.universidadedofutebol.com.br/Artigo/15688/Amentalidade-vencedora-parte-2). Nesta terceira parte, irei focar no jogador de futebol e
nas consequências de cada uma das duas das mentalidades no dia a dia do treinamento e
na elaboração de um plano de desenvolvimento.
Assim como tantos outros brasileiros, eu cresci sonhando em ser jogador de futebol. Ir ao
estádio, assistir aos profissionais, cantar o hino do clube e admirar o que eles faziam com
a bola era o ritual. A pergunta que nunca saia da cabeça era: “será que eu tenho talento
suficiente para virar um jogador profissional?”. Enquanto criança, com uma visão
diferente de mundo, a pergunta era “fechada”, ou seja, simplesmente existia uma resposta
simples, “sim ou não”, que eu teria que descobrir.
Mais de 30 anos após meus primeiros treinos em uma “escola de futebol”, minha visão de
mundo, do que é ser um “jogador profissional” e do que é “talento” mudou
completamente. Afinal, o que é esse talento? É realmente esse “talento” que faz um
jogador ser profissional ou não? Tenho certeza de que cada leitor tem suas próprias
opiniões, assim como eu tenho as minhas e adoraria escrever sobre elas, mas para não
fugir ao tema desta série o fato mais importante dessa reflexão é o de que o jogador
brasileiro é escravo de nossa cultura, que supervaloriza o talento.
Após seis anos jogando futsal na Itália e outros sete como treinador nos Estados Unidos,
foram diversas as vezes em que vi um brasileiro assistindo pela primeira vez uma partida
no exterior (muitas vezes não da divisão de elite) fazer o comentário: “pô, os caras não
são bons não.” Até hoje não me lembro de escutar como primeiro comentário de um
brasileiro chegando: “estou ansioso para aprender”.
Afinal, somos parte da nação que comanda o futebol e o futsal (além de outras
variedades) em títulos mundiais. Temos um número muito grande de jogadores e
treinadores por todos os cantos do mundo. Boa parte dos maiores jogadores da história do
futebol são brasileiros. É fácil de compreender o efeito “basking in reflected glory”
(BIRG) (BREHM et al., 2005), ou seja, quando associamos ao sucesso de outros e
fazemos com que esse sucesso se torne o nosso próprio.
Muitos desses jogadores brasileiros tinham realmente alguma condição superior aos
atletas que eles observaram jogando pela primeira vez. Para citar um exemplo,
frequentemente, o drible era a característica que distinguia o brasileiro dos europeus ou
americanos. No entanto, outros problemas apareceram: o jogador tinha dificuldade de
movimentação sem a bola ou dificuldade no domínio, já que a bola vinha de forma
diferente da qual o jogador estava acostumado no Brasil ou o jogador sofria uma
marcação diferente da habitual em nosso país e não conseguia conectar os passes.
Tenho consciência de que nem todos os brasileiros têm esses problemas e de que,
praticamente, toda equipe de elite da Champions League (Liga dos Campeões) tem pelo
menos um brasileiro fazendo a diferença. Mas, novamente, não vamos deixar que a glória
de outros reflita em nossos próprios desafios. O ponto chave na situação apresentada
nesse exemplo é: o jogador de futebol brasileiro, em geral, está mentalmente pronto para
buscar incessantemente novos desafios e desenvolver qualidades que não foram bem
trabalhadas na sua formação? Por causa da mentalidade fixa implantada em nossos
jogadores desde pequenos, muito comumente a resposta é não.
Trabalhar para sanar as próprias deficiências, de acordo com a mentalidade fixa, é uma
forma de derrota, já que o talento não é suficiente. Então, o jogador focaliza em manter a
imagem de que tem talento, acaba por recusar-se a encarar o desafio de
adaptação/aprendizado utilizando o máximo de seu empenho e, como resultado, boa parte
dos brasileiros que vão jogar no exterior (nas mais variadas ligas e divisões) retornam no
primeiro ano. Claro que, como já discutimos anteriormente, outros brasileiros
experimentam o sucesso imediatamente e outros conseguem mudar de mentalidade e se
dedicam para sanar as próprias deficiências, se adaptam às exigências do jogo e acabam
por alcançar sucesso pelos campos do mundo.
Estamos nos utilizando do exemplo de atletas brasileiros chegando ao exterior. Porém,
desafios semelhantes enfrentam nossos atletas nas categorias de bases das equipes
profissionais por todo o Brasil, estudantes nas escolas, garotos e garotas nas escolinhas de
futebol. Cada um seguindo seu sonho, cada um defendendo a própria estima e procurando
descobrir se “são bons ou não”. Em todos os casos, a mentalidade de crescimento irá
ajudá-los a desenvolver melhor seu potencial.
O que procuramos responder neste artigo é: como utilizar-se da mentalidade de
crescimento para otimizar o desenvolvimento de um atleta?
Pedagogicamente, podemos dividir esta resposta em dois passos: primeiro, deixar o atleta
ciente da mentalidade de crescimento e, segundo, mostrar para ele como essa mentalidade
oferece resultados práticos.
Para aplicar esse primeiro e importante passo podemos aplicar as técnicas descritas no
artigo “Como desenvolver a mentalidade de crescimento” (link no início deste artigo),
para que o jogador/aluno comece a compreender que seu sucesso não é uma questão pura
de ter ou não ter talento. O jogador/aluno deve compreender que seu próprio esforço e
dedicação serão a longo prazo um fator determinante no nível de performance que irá
alcançar.
No entanto, imersos em nossa cultura do talento e com um conhecimento bastante
limitado das teorias do treinamento e desenvolvimento, psicologia, metodologia e mesmo
das capacidades necessárias dentro de campo para desempenhar efetivamente a própria
função, a missão de um treinador em convencer um atleta de que seu treinamento poderá
ser mais importante do que a carga genética não será fácil, mesmo com os exemplos do
artigo anterior. Imagino que o mesmo pensamento esteja nesse momento na cabeça de
grande parte dos leitores.
Se pensarmos somente na imagem final de um Neymar, um Ronaldo, um Romário, um
Pelé, com certeza iremos chegar à conclusão de que foi necessária uma carga genética
muito especial, misturada a um meio ambiente que proporcionou um grande
desenvolvimento e a própria dedicação e persistência do atleta para chegar onde
chegaram. Mas vamos pensar nos outros 99,9% dos jogadores profissionais. O que faz a
diferença?
A mais conhecida divisão pedagógica dos esportes divide-os nas capacidades técnicas,
táticas, físicas e psicológicas. Por muitos anos essa divisão foi muito aceita e seguida.
Nos últimos anos, aqui mesmo na Universidade do Futebol, uma série de artigos vêm
criticando essa divisão e o excesso do tecnicismo no futebol brasileiro. Recentemente,
passou-se a discutir mais a periodização tática, os princípios e subprincípios de um
sistema de jogo.
Pessoalmente, gosto de trabalhar com meus atletas algo similar aos subprincípios de um
sistema de jogo: as capacidades de jogo. Por exemplo, a capacidade de um jogador
receber a bola no meio de campo e conectar passes com eficiência. Um jogador
“inteligente” será capaz de encontrar os espaços disponíveis para sair da pressão e fazer
as conexões com qualidade.
O que seria essa inteligência? Muitos artigos já foram escritos sobre inteligência de jogo,
mas um dos fatores para medir a inteligência nesse caso especifico, será a capacidade de
olhar em volta antes de receber a bola.
Essa capacidade é uma capacidade inata, genética? Seguramente, muitos jogadores
desenvolveram essa capacidade sem nenhum treinador ou metodologia para facilitar seu
aprendizado. No entanto, uma metodologia eficiente poderá fazer com que jogadores
“menos predispostos geneticamente” se tornem “mais inteligentes” a partir do momento
que eles passem a jogar olhando para os lados a todo momento.
Jogadores não olham para os lados antes de receber a bola por dois motivos principais:
nunca refletiram na importância desse processo e ao tentarem olhar para os lados podem
perder o tempo da bola e o domínio será defeituoso.
Assim sendo, fica claro que o treinador: terá que fazer o jogador compreender a
importância de se olhar em volta antes de receber a bola e terá que criar uma
metodologia, partindo de estágios com pouca ou nenhuma pressão, até estágios similares
ou mais difíceis do que a realidade do jogo, que incentive o jogador a trabalhar o olhar
para os lados antes de receber a bola e tire a pressão dos erros do domínio enquanto se
desenvolve tal capacidade. Cabe ao treinador, de acordo com o seu próprio grupo, aplicar
atividades que sejam coerentes e motivantes, facilitando ao jogador vencer neste
processo.
Como resultado, depois de alguns meses, um jogador que se considerava “burro” por não
conseguir ver o jogo, experimentará um sucesso maior na distribuição da bola. O
treinador tem aí a oportunidade perfeita de mostrar ao jogador e ao grupo que o trabalho e
dedicação podem ser tão importantes quanto a carga genética e que o mesmo tipo de
conceito/metodologia pode ser usado para uma infinidade de capacidades de jogo. Dessa
forma, estamos fornecendo um exemplo prático do segundo passo, em como se utilizar da
mentalidade de crescimento no dia a dia de um atleta: fazer com que este perceba a
evolução de seu “talento” como consequência de treinamento.
É importante ressaltar que esta evolução se dará de forma mais rápida em aspectos do
jogo que o atleta não está acostumado a treinar. Por exemplo, a evolução do passe com a
parte de dentro do pé – algo que a grande maioria dos jogadores treina desde pequeno e
utiliza no dia a dia – será muito mais lenta do que com driven balls (passes com o peito
do pé), caso o jogador nunca o tenha treinado.
O importante é o atleta (e o treinador) perceberem que um grande número de capacidades
de jogo podem ser desenvolvidas como consequência de um treinamento que use uma
metodologia eficiente e que treine de fato o jogadores para situações que se apresentam
na realidade do jogo. A mentalidade de desenvolvimento é uma das bases para se criar
um “ambiente de desenvolvimento” que permita aos atletas desenvolverem de forma
ideal suas capacidades.
A criação desse ambiente de desenvolvimento é a quarta e última parte desta série de
artigos “A Mentalidade Vencedora”.
Referências bibliográficas
BREHM, Sharon S.; KASSIN, Saul; FEIN, Steven. Social Psychology. Boston, MA:
Houghton Mifflin Company, 2005.
DWECK, Carol S. (Ph.D). Mindset, The New Psychology of Success. New York, NY:
Random House, 2006.