Troca de emails entre Daniela Pais, Frederico Duarte e Pedro

Transcrição

Troca de emails entre Daniela Pais, Frederico Duarte e Pedro
Troca de emails entre Daniela Pais, Frederico Duarte
e Pedro Ferreira, Julho 2009
On Jul 8, 2009, Daniela Pais wrote:
Olá Rita, Pedro e Fred,
Desde que recebi a vossa proposta para questionar a natureza
do design português tenho estado a pesquisar sobre
o tema um pouco a distância da internet, da minha memória
e conhecimento. Neste percurso de duas semanas tenho
estado em Berlim e agora em Florença, onde curiosamente
tenho encontrado designers de outras nacionalidades que
desenvolvem o seu design/ marca própria em Portugal, ou pelo
menos a sua produção. Fiquei contente em ver mais uma vez
que produtos de qualidade e inovação estão a ser produzidos
em Portugal. No entanto pergunto-me porque não é igualmente
generalizada a produção de design português de qualidade
e inovação, principalmente na área têxtil?
Nos dois últimos anos, a par com o desenvolvimento
da minha colecção de vestuário de design sustentável
(em parte produzida em Portugal, depois de muita luta),
tenho representado em Portugal uma das maiores empresas
de tendências mundiais. O que me tem levado a conhecer
melhor a actual indústria têxtil portuguesa e a observar as
dificuldades dos designers em desenvolver o seu trabalho
nesta área.
Em relação aos produtos, serviços ou mensagens projectados
ao longo do século XX em Portugal gostaria de escolher
um exemplo ligado a área têxtil ou do vestuário mas ainda não
encontrei exemplo de relevante de qualidade e longevidade. (!?)
O produto (talvez demasiado cliché) que representa para
mim uma clara, ainda que limitada, relação de valores
acrescentados e de “portugalidade” são os produtos Ach.
Brito/ Claus Porto/ Confiança. Inicialmente criados para
determinados valores e necessidades e que sobreviveram
ao tempo, ressurgiram mais recentemente com um valor
acrescentado de natureza histórica.
Novos projectos/ novos valores acrescentados:
Em termos de reflexão sobre o design em Portugal interessa-me
sobretudo reflectir sobre o Design Têxtil.
Existe um imenso “tecido” industrial em Portugal,
principalmente concentrado na região norte do país, assim
como várias instituições de ensino dedicadas à engenharia
têxtil. Mas apenas recentemente se observou a introdução
do “design de moda” ligado à produção têxtil.
São mundialmente conhecidas as capacidades portuguesas
de produção têxtil em termos industriais, colocadas
à disposição e ao serviço do design e de marcas internacionais
desde o século passado.
No entanto, o design têxtil português parece-me “silencioso”
ou inexistente.
Contido pela industria, continuará apenas a seguir e servir
“o que vem de fora”!?
Face a situação económica vivida na actualidade, que valores
acrescentados pode o design desenvolvido em Portugal trazer
à produção têxtil? De que forma essa colaboração pode ser
sustentada?
--------------------------------------------------------------------------------
On Jul 15, 2009, Frederico Duarte wrote:
Estive com o Pedro na segunda-feira, e falámos sobre todas
as propostas e escolhas que têm chegado.
Estamos muito satisfeitos com as várias ideias e perspectivas
sobre o tema que lançámos.
Gostámos muito da tua perspectiva sobre o design têxtil, sobre
o que se faz de bom a nível dos materiais e não é aproveitado
pelos designers de moda.
A nós pareceu-nos uma reflexão muito forte, sobretudo quando
pensares num tecido como algum projectado. Ou seja, um tecido
não é só matéria prima em estado bruto, mas sim um produto
em si, projectado, manufacturado e comercializado não como
“bem acabado” mas como um material de outra coisa final.
No entanto não deixa de poder ser um excelente exemplo
de um material que resiste à passagem do tempo, e que se for
bem feito, inovador, fizer bom uso das matérias primas e tiver
processos de produção inteligentes e sustentáveis.
Daí termos pensado que poderia ser interessante elegeres
um tecido como o teu objecto do séc. XX, o que achas?
Pensámos logo na LMA http://lma.pt/ como um exemplo.
De certeza que sabes de muito mais!
Percebemos teres mencionado os produtos Ach Brito,
mas estes (como muitas das coisas que encontras na Vida
Portuguesa, por exemplo) são exemplo de uma série
de produtos cuja embalagem e decoração reflectem um aspecto
romântico do design, e que não têm tanta importância como
produtos em si, se pensares nisso...
Além disso, desafio-te a ver que um design intemporal pode ter
sido criado na última década do séc. XX! E que essa prova
ao teste do tempo és tu que sugeres, mais do que comprovas
pela antiguidade do objecto. Que pensas disso?
--------------------------------------------------------------------------------
On Jul 17, 2009, Daniela Pais wrote:
OBJECTO SÉC. XX:
Em relação ao objecto séc. XX, sempre tive na ideia escolher
um tecido, pois interessa-me explorá-lo como ponto de reflexão.
Mas não tinha pensado que poderia ser eu a desafiar
a intemporalidade, e escolher um produto/objecto mais
contemporâneo. Sendo assim tenho mais hipóteses. A LMA
é um excelente exemplo na industria têxtil nacional, uma
empresa que desde o início apostou no design dentro da própria
empresa e como ponto de partida para o desenvolvimento
de novos produtos têxteis. Nesse sentido, proponho escolher
um tecido da colecção da LMA desenvolvido no séc. XX.
Neste momento só tenho acesso, pelo site, aos tecidos mais
antigos da LMA. As amostras que tenho são bastante
mais actuais. Terei de contactá-los para pedir amostras
mais antigas. No entanto, os tecidos mais interessantes e
pelos quais a marca LMA se distingue no mercado são tecidos
“compósitos”, com dupla face e com exploração de cores.
OBJECTO SÉC. XXI:
Dentro da mesma tipologia ou universo de uso, a minha
proposta está relacionada com o uso de matérias primas,
processos de produção e design sustentável.
Quando iniciei a produção da colecção Elementum Simple
em Portugal, apercebi-me de que as fábricas de produção
de malha acumulam imensos fios/ matéria prima restante
de produções massificadas, e com a qual não sabem o que
fazer – consideram-nos “lixo”. Em alguns casos, fazem
produções de artigos de riscas que vendem ao mais baixo
preço, simplesmente para escoar a matéria prima. De imediato
quis pensar como é que podia transformar o que para eles era
“lixo” em algo com valor.
O que gostaria de fazer com a minha proposta é apresentar
uma forma/processo segundo o qual o tecido pode ser pensado/
projectado. Tendo como ponto de partida a revalorização
de uma matéria prima considerada “sem função/ lixo” e o
processo de reutilização da mesma como valor acrescentado.
O suporte/ utilização do tecido projectado que proponho
usar é a colecção Elementum, podendo ser aplicado o mesmo
processo/ tecido a outras formas.
O processo que produção deste tecido em termos de padrão
consiste na utilização/ reutilização dos fios existentes restantes
de outras diversas produções, sendo que não existe à partida
controle na combinação de cores. Quando um fio termina
começa outro, independentemente da cor. O ponto de transição
entre os diversos fios é o mais interessante para mim em termos
de exploração, e é o mais problemático para a indústria que não
sabe como o aproveitar. São estas transições que proponho
apresentar como valor acrescentado e potencial, numa altura
em que não nos podemos dar ao luxo de desperdiçar recursos
mas há que saber ver ou atribuir-lhes valor.
Os pontos de transição são o que quero explorar. São
as partes do tecido que nunca chegam a sair da fábrica
enquanto produto. Mas para mim, transportam uma
informação e potencial único que permite redefinir o próprio
processo de produção do tecido.
--------------------------------------------------------------------------------
On Jul 19, 2009, Pedro Ferreira wrote:
Ficámos muito contentes quando percebemos a tua intenção!
Por um lado as abordagens dos designers têm sido muito
díspares e isso só torna o colectivo mais interessante.
Por outro, pensar um material (não uma matéria prima) como
algo projectado é tão óbvio como estimulante, mas não nos tinha
passado pela cabeça neste contexto! Foi uma boa surpresa.
No que diz respeito ao objecto/ material do séc. XX:
A LMA tem clientes de indústrias muito específicas como
a automóvel ou a desportiva, que garantem e estimulam
a investigação de novos materiais.
Da mesma forma que apresentas o material desenhado com
um produto final, porque não apresentar o objecto / material
do Sec. XX também desta forma?
Não deixa no entanto de fazer sentido ter os dois: material
em bruto e produto acabado.
Fica a sugestão.
Apesar do ponto de partida do teu projecto ser o material,
normalmente todos os materiais são produzidos com um fim.
A mim parece-me bem apresentar um produto acabado como
exemplo de aplicação ou razão pela qual o material foi pensado.
--------------------------------------------------------------------------------
On Jul 21, 2009, Daniela Pais wrote:
Falei com a LMA em relação as amostras de tecidos, não
há problema, mas em termos de amostras de peças
desenvolvidas com o mesmo tecido temos de contactar
os respectivos clientes. O problema aqui é tempo!
Principalmente porque o mês de Agosto é praticamente
de férias para toda a gente...
Eles têm um espólio enorme, tenho de ir lá escolher,
mas depois torna-se tarde para encontrar um produtor que
tenha usado o mesmo material para desenvolver uma peça
de vestuário.
O que pensam de alguma das peças de vestuário de protecção
desenvolvidas pelo Miguel Rios com tecidos da LMA?
--------------------------------------------------------------------------------