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Ação Social Cristã
Hélcio da Silva Lessa
Movimento “Diretriz Evangélica”
Caixa Postal 71 Zc 09
Guanabara
DEDICATÓRIA
Aos
piorieiros de “Diretriz Evangélica”
- Herói admiráveis de uma jornada gloriosa.
A
Minha esposa
- bênção preciosa que Deus me concedeu.
SUMÁRIO
Ponto de Partida
Definindo os Têrmos
Os Fundamentos Bíblicos
O Testemunho da História
Capacitando-nos para a Ação
Um Programa de Ação
Bibliografia
Anexos:
Manifesto da Ordem dos Ministros Batistas do Brasil
Declaração da Igreja Reformada Francesa
Manifesto da Aliança Batista Mundial sobre Liberdade Religiosa
Credo Social da Igreja Metodista do Brasil
Relatório da Comissão de Vida Cristã, da Concenção Batista do
Sul dos Estados Unidos.
PONTO DE PARTIDA
“Não cuidais que vim destruir a lei ou
os profetas: não vim abrogar, mas cumprir”
Mateus 5.17.
“A missão da Igreja é evangelizar. Não se pretende nesta
hora um sucedâneo para a evangelização, nem um programa
diferente para a Igreja. O que se pretende é uma conceituação
adequada de evangelização, sim.”
******
“Vamos evangelizar, porque para outra coisa não estamos
neste mundo, mas cumpramos o que pretendeu o Mestre quando
nos mandou fazê-lo. O que estamos querendo não é substituir o
que temos feito. Vamos às praças; vamos repetir João 3.16 com
toda a vivência. Continuemos a pregar dos púlpitos o mesmo
Evangelho que temos pregado. Prossigamos no nosso caminho,
mas levemos esta responsabilidade de proclamar a mensagem de
Cristo e de estabelecer o Reino de Deus, às últimas
consequências. Nada mais, nada menos. Não fujamos à inteireza
da responsabilidade que Cristo nos deixou”.
Trecho de uma intervenção do Autor nos
debates do I Encontro de Líderes da Juventude
Batista Latino Amaricana, realizado em Porto
Alegre em maio de 1964.
DEFININDO OS TERMOS
Sempre que no seio de determinada comunidade surge
uma ideia nova, ou quando uma situação social já cristalizada,
estável, sofre o impacto de um fato novo, inquietam-se os
espíritos que consideravam satisfatórias ou definitivas as
condições em que viviam. Tanto o apego ao status quo, como a
não compreensão do fato novo, geram um clima de suspeição e
preconceitos grandemente prejudicial à paz, à justiça e à
percepção da verdade.
Via de regra, entretanto, tal confusão resulta não
propriamente da idéia em si, ou dos conceitos novos, mas da
perplexidade causada pela terminologia utilizada paca traduzi-los,
quer por ser inédita, e por conseguinte vazia de sentido para os
não iniciados, quer por se prestar a equívocas interpretações, que
a semelhança com termos conhecidos sugere. Dai a conveniência
de primeiramenle proceder-se à definição dos tèrnios, para que as
idáias possam ser apreciadas com objetividade e clareza.
Quer nos parecer que assim aconteceu, entre nós, com a
expressão “ação social cristã”. E porque consideramos o seu
conteúdo um fator importante para a comprecnsão mais
adequada da nossa missão como “cooperadores de Deus”, como
“sal da terra e luz do mundo”, impomo-nos a tarefa de definí-la,
diferenciando-a de outras expressões que têm sentido correlato,
mas de nenhuma forma idêntico.
***
Pelo menos, três expressões são à miúde
equivocadamente associadas à preocupação e à atitude que com
propriedade podem ser atribuídas à “acão social”. São elas
“evangelho social”, “assistência social” e “serviço social”.
A primeira delas – “evangelho social” – refere-se a um
movimento que floresceu nos Estados Unidos no princípio deste
século, e que teve no batista Walter Rauschenbush um dos seus
maioiores apóstolos e intérpretes, ainda que não tivesse sido ele o
seu fundador. Surgiu – segundo Rauschenbush como uma reacão
ao escapismo das igrejas evangélicas, que pelo exagero de sua
preocupação escatológica e pelo cultivo exacerbado de um
pietismo inconsequente, abstrairam-se do mundo em que viviam,
negando qualquer implicação social à mensagem cristã,
recusando-se, por isso mesmo, a assumir qualquer
responsabilidade em face dos problemas de sua época. Como
toda reação, foi levado, pelo inevitável movimento pendular, a
extremos de secularização, chegando a pregar a plena realização
do ideal do Reino de Deus neste mundo, vindo, por conseguinte,
a transformar-se numa mera filosofia social. A despeito dos seus
erros e excessos, cumpriu uma importante missão – despertou o
evangelismo, mesmo os seus círculos mais conservadores, para
uma visão mais ampla da responsabilidade dos cristãos na
sociedade. Presentemente o “evangelho social”é apenas uma
evocação histórica, não existindo mais como movimento
organizado e atuante. Utilizar hoje a expressão adjetivamente,
com sentido, via de regra, pejorativo, para recriminar os que se
preocupam com a acão social cristã é revelar total
desconhecimento do fato histórico.
Vejamos agora as outras duas – “assistência social”e
“serviço soical”. Para evitar as definições técnicas e ao mesmo
tempo para dar àquelas expressões um sopro de vida, um sentido
existencial, relacionando-as com a nossa experiência e o nosso
testemunho como cristãos, procuraremos iluslrá-las com uma
situação social concreta.
Imaginemo-nos no Brasil, nos meados do século passado,
ao tempo, portanto, em que ampla e livremente se praticava a
escravatura. Hoje, essa nefanda instituição tem a repulsa de todo
o mundo civilizado, sendo reconhecida como incompatível com
os princípios e o espírito do Evangelho de Jesus Cristo. Naqueles
dias, no entanto, ela era justificada pela sociedade, amparada pelo
Estado (que lhe assegurava foros de legalidade), e não apenas
tolerada, mas até mesmo teologicamente justificada pela Igreja,
que abençoava os navios negreiros para propiciar-lhes uma “boa
caçada”.
Várias atitudes poderiam ser tomadas, pêlos cristãos, ao
tempo, para com as vítimas daquela hedionda instituição. A
primeira seria estimular os indivíduos, e até mesmo organizá-los
numa sociedade de benemerência, para levar água e pão aos
negros açoitados que pendiam no pelourinho, tratando-lhes as
feridas deixadas pela chibata. Seria um gesto nobre, e meritório,
sem dúvida; oportuno, mas não satisfatório. Esta atitude tipifica o
que poderíamos chamar de assistência social.
Espíritos mais sensíveis e de visão mais ampla, sem deixar
de fazer aquela caridade, poderiam cogitar de auxílio mais eficaz
aos infelizes. Organizar-se-iam, por, exemplo, para coletar
recursos entre os livres, a fim de comprar a liberdade dos servos,
assegurando-lhes um emprego, iniciando-os na vida, para que
nunca mais precisassem ter as suas feridas pensadas no
pelourinho. Seria, para os poucos que viessem a ser objeto
daquela graça, uma solução total de seu problema pessoal; mas só
para uns poucos. Isto equivaleria a um programa de serviço
social.
Para levar aqueles sentimentos caridosos às suas últimas
consequências, para permitir ao amor a sua completa florescência,
bem como para revestir os seus esforços de maior inteligência,
deveriam, no entanto, ir mais longe. Mantê-los no nível
assistencial seria impor-se a uma tarefa sem fim, pois todos os
dias seriam encontrados novos escravos no pelourinho para
cuidar. Seria ainda tal gesto um paliativo apenas. Reunir, com
entusiasmo crescente, sacrificial mesmo, ofertas para comprar a
liberdade de um número cada vez maior de servos, seria, irônica e
paradoxalmente, estimular o mercado de escravos. Haveria que
lançar-se à ofensiva contra a própria instituição da escravatura,
para abolí-la, de sorte a que não mais houvesse escravos para
curar ou comprar. Não se estanca uma hemorragia absorvendo-se
com um algodão o sangue que jorra, nem se pode manter um
torniquete indefinidamente. Impõe-se fazer as suturas definitivas,
ou eliminar as suas causas orgânicas. Este é o espírito e o sentido
da ação social.
Tal atitude, entretanto, no que tange à escravidão, por
mais justa e razoável que hoje nos pareça, teria sido naquela
época, como realmente o foi, uma fonte de profundas amarguras
e provações. Por ceder assim aos impulsos da consciência e da
caridade cristãs, os que militaram contra a escravidão foram
considerados “subversivos”, pois a escravatura era legal,
merecendo o pleno endôsso moral e formal das “forças vivas” da
sociedade de então. Tornaram-se também “herejes” e
“heterodoxos”, pois os cânones da religião organizada forneciam
cobertura doutrinária às razões dos escravagistas. Os que se
esforçaram para fazer conformar a estrutura social com os “claros
princípios do Evangelho, para assegurar aos indivíduos o direito à
liberdade e à dignidade, foram identificados como “agentes” a
soldo de potências estrangeiras, preocupados apenas com
adivulgação, no país, de doutrinas políticas e filosofias sociais
consideradas esdrúxulas e anti-cristãs, quais foram os princípios
de “igualdade, liberdade e fraternidade”, da Revolução Francesa,
e da “democracia representativa” dos Estados Unidos da América
do Norte, que começavam a empolgar o mundo ocidental
civilizado!
***
Não se modificaram até hoje, os têrmos da questão.
Subsiste como legítima e iniludível responsabilidade dos cristãos,
a par dos seus esforços pela eterna salvação de cada alma, lutar
para que sejam erradicados da estrutura social do mundo em que
vivemos, os vícios morais, políticos, econômicos, etc., que
militam contra o bem estar do homem e aviltam a criatura de
Deus impedindo-a de realizar plenamente a sua humanidade.
E mais: vivemos numa época de rápidas transformações
sociais. O mundo de amanhã vai hoje tomando forma. Seus
lideres fazem, cada dia, opções de extraordinária significação para
o destino dos povos. Muitos, de boa fé, anseiam por soluções
satisfatórias para os problemas humanos. E os arautos de todos
os credos se apressam a apontar-lhes caminhos, a oferecer-lhes
soluções. Faltarão, porventura, ao Deus Altíssimo, profetas que
digam como quer o Senhor de toda a terra que vivam os homens
no mundo?
OS FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Antes de nos determos na meditação de qualquer das
inúmeras circunstâncias e preceitos escriturísticos que
entendemos justificar plenamente as nossas preocupações, como
cristãos, com a realidade social, impõe-se ressaltar um fato que
deverá ser aclarado para poupar-nos esforços inúteis ou
frustrações supérfluas. Ele envolve uma regra elementar de
exegese ou hermenêutica: não devemos esperar achar sempre nas
Escrituras uma situação análoga às que enfrentamos, para
informarmo-nos do proceder aconselhável a nós, hoje. Assim
como a Bíblia não é um livro de ciência, ou de sociologia, ou de
história, tambem não é um manual de serviço ou acão social. Isto,
não só porque a complexidade do mundo moderno nos situa em
meio a problemas e realidades absolutamente inéditos, nunca
vividos, ou suspeitados siquer, pelos profetas ou pelos primitivos
cristãos, como também, e principalmente, porque ela é antes um
veículo de princípios que Deus nos revelou para que nos
situássemos no mundo e orientássemos a nossa vida de
testemunho e serviço em todas as circunstâncias e em todos os
tempos.
Se tivéssemos de resumir em um texto as razões
inspiradas da nossa preocupação social, citaríamos Levítico 19.18
– “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”. A justificar a
escolha está o fato de que sendo um preceito da Lei, foi
endossado por Cristo, e por ele próprio e pelos seus discípulos
afirmado elemento imprescindível a uma verdadeira e completa
experiência cristã (Mateus 19.19; Marcos 12.31; I João 4.20). São
bastante amplas as implicações desse mandamento, que nos
constrange a procurarmos assegurar ao nosso semelhante todas as
circunstâncias e elementos que consideremos necessários ou
desejáveis para o nosso crescimento, para a nossa paz, para o
nosso aprimoramento, para a nossa felicidade terrena, para a
nossa segurança eterna; enfim, para a plena realização da nossa
humanidade. Mas essa mesma virtude do mandamento – sua
universalidade – nos obriga a cogitações mais objetivas. Vejamos,
pois, como sentiram e expressaram os profetas, o Senho Jesus, e
os primitivos cristãos, segundo os .dados que o Espírito Santo
preservou nas Sagradas Escrituras.
A Mensagem dos Profetas
Quando afirmamos que aos cristãos dos nossos dias cabe
a tarefa ingente, mas gloriosa, de intervir (ou pelo menos
participar) ativa e conscientinente no processo histórico da nossa
nacionalidade, particularmente nesse momento de crise, a fim de
fazer conformar a realidade porvir com os padrões do Reino de
Deus, não estamos criando uma responsabilidade nova para o
povo de Deus, nem o desviamos de seus caminhos próprios.
Fazémo-lo impelidos pelo exemplo dos profetas de antanho, a
quem devemos imitar hoje.
Nos dias críticos da escravidão no Egito, levantou Deus a
Moisés, que “é reconhecido nas Escrituras não somente como
libertador, organizador e estadista, mas também como grande
profeta e doador da lei que recebeu diretamente de Deus, e
transmitiu ao seu povo”. “No período dos Juizes, quase todos os
libertadores de seu povo do poder dos inimigos receberam a sua
orientação diretamente de Deus, ou por intermédio de outro que
exercia a função de mensageiro ou profeta de Deus”.1
Quando a idolatria de Jezabel ameaçava suplantar a
religião pura de Jeová, Elias, e depois Eliseu, se opuseram aos
governantes, mostrando-lhes os caminhos de Deus. Outros, que
se lhe seguiram, esforçaram-se por orientar os reis de Judá
segundo a revelação divina. Obadias, Joel, Jonas, Oséias, Amos,
Isaías, Miquéias foram todos portadores de uma mensagem viva,
atual, objetiva, pugnando pela religião ética e espiritual de Jeová,
combatendo a injustiça, a hipocrisia e a. incredulidade. “Foi nesse
tempo que os profetas se apresentaram como estadistas que
entenderam, melhor do que os próprios reis, o perigo de alianças
políticas e a confiança no poder militar dos aliados pagãos para a
defesa de Israel”2. Este foi, por exemplo, o caso de Natã, que no
fim do reinado de Davi, em 961 AC, teve importante participacão
1
2
A. R. Crabtree, Os Profetas e a Promessa, Rio 1947, pg 8
A. R. Crabtree, Op Cit., pg 9
nas maquinações que levaram Salomão ao trono (I Reis 1.11-31),
e o de Aias, que insuflou a divisão do Reino (I Reis 11.29-32), ou
dos “bandos de profetas que se empenharam em despertar o
fervor patriótico do povo e incitá-lo a limcar-se numa guerra
santa contra os filisteus “ (I Samuel 10.5-13). Profetas que
lutavam contra uma determinada ordem política, em nome de
Deus. Na Babilônia, durante o cativeiro, foram ainda os
abnegados homens de Deus que confortaram, instruíram e
prepararam o povo para a restauracão e o cumprimento de sua
missão. Onde quer que sobreviesse a crise e a provação ao povo,
suscitava Deus os seus arautos para apontar melhores rumos do
que os trilhados até então. Mas nem sempre a sua voz soou
agradavelmente aos ouvidos do povo e dos dirigentes, como
quando Jeremias reconheceu em Nabucodonozor, rei inimigo de
Israel, um “servo” de Deus (27.6, 7), o instrumento de seu
propósito na história, e aconselhou aos líderes de seu próprio
povo: “metei o vosso pescoço no jugo do rei de Babilônia, servio… e vivereis” (Jeremias 27.12).
Os profetas, portanto, não só eram homens de seu povo,
como de seu tempo; “eram, antes de tudo intérpretes do presente,
da história contemporânea que eles e seus ouvintes estão
vivendo”, ainda que “tenham falado, às vezes, de um futuro mais
distante, não causal ou imediatamente relacionado com sua
situação contemporânea”, como observa o Rev. Joaquim Beato.3
Talvez em nenhuma outra época tenha sido tão acentuada
essa preocupação dos profetas com os problemas sociais do seu
povo, quanto no século oitavo. Amós, um dos mais eloqüentes
desses arautos de Deus, verberou as guerras de conquista
movidas nelos povos vizinhos, que desrespeitaram tratados de
amizade (1.9, 11, 13); denuncia a iniquidade dos que “venderam o
justo por dinheiro e o necessitado por um par de sapatos” (2.6), e
a exploração econômica desumana dos que “ao lado de todos os
altares deitam-se sobre roupas recebidas em penhor e na casa do
seu Deus bebem o vinho dos que têm sido multados” (2.8),
“Os profetas em épocas de transformações políticas e sociais”, in Cristo
e o processo revolucionário brasileiro, 2º vol., pg. 22
3
“entesourando nos seus palácios a violência e a rapina” (3.10).
Lança-se ainda contra os que converteram o juizo em absinto e
lançaram por terra a justiça, afligindo o justo e aceitando suborno
(5.7, 14). Ataca aqueles que pisam aos pés o pobre e deles
recebem pesadas taxas em trigo, edificando para si ricas mansões
(5.11), onde repousam em camas de marfim (6.4). Não era, pois,
de estranhar-se que dele viessem a dizer ao rei; “Amós tem
conspirado contra ti no meio da casa de Israel; a terra não pode
sofrer todas as suas palavras” (7.10). E foi “Amazias, o sacerdote
de Betel”, quem assim o denunciou!…
Outro grande profeta daqueles dias foi Miquéias. Sua
mensagem foi endereçada aos que “cobiçam campos e apoderamse deles; cobiçam casas, e. arrebatam-nas; oprimem um homem e
sua herança” (2.2); àqueles “que mordem contra quem não lhes
mete na boca alguma coisa” (3.5); aos que “dão sentenças por
peitas”, aos “sacerdotes que ensinam por interesse e os profetas
que adivinham por dinheiro” (3.9); aos que usam medidas
fraudulentas, balanças injustas e pesos enganosos (6.11). E sua
mensagem é de juizo, advertência e apelo à retidão; uma
mensagem de esperança nos dias em que Deus “julgará entre
muitos povos, e reprovará nações poderosas e longinqüas; eles
converterão as suas espadas em arados, as suas lanças em
podadeiras; uma nação não levantará a espada contra outra nação,
nem aprenderão mais a guerra” (4.3).
Habacuque. que inicia o seu livro com uma mensagem
tranqüila de esperança e consolação – “o justo viverá pela sua fé”
(2.4), não julgou que o anúncio daquela verdade redentora o
eximisse da responsabilidade de exprobrar o “que adquire para a
sua casa lucros criminosos” (2.9), e “edifica uma cidade com
derramamento de sangue, e funda uma cidade na iniquidade”
(2.12) !
Os Ensinos de Jesus
Se o exemplo dos profetas do Velho Testamento não
bastar (e várias são as razões que poderia alguém invocar para
pretender justificar a sua insatisfação), lemos o ensino do Mestre.
Ao iniciar o seu ministério terreno, o Mestre evidenciou
de forma inequívoca, essa percepção da problemática humana
(Lucas 1.17-21), ao definir a sua missão redentora em termos
proféticos (Isaías 61), emprestando-lhe uma tal dimensão que se
revelou, desde logo, como solução cabal para as necessidades
todas da criatura. Isto é o que nos mostra a análise do texto em
que Jesus se baseou.
Atribuiu-se assim o Senhor (a) um ministério de
restauração material, pois se afirma enviado “a restaurar os
contritos de coração”, v. 1; (b) um ministério de libertação social,
desde que anuncia “liberdade aos cativos e abertura de prisão aos
presos”, v. 1b; (c) um ministério de redenção espiritual,
porquanto veio “apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da
vingança do nosso Deus”, v. 2a; (d) um ministério de consolação
moral, uma vez que se propõe “consolar todos os tristes”, v. 2b.4
Os frutos desse ministério profético também se
encontram claramente referidos no texto inspirado para aferição
da autenticidade e inteireza do nosso próprio testemunho: (a)
alegria no coração, pois que aos “tristes de Sião” se lhes dará
“ornamento por cinza, óleo de gôzo por tristeza, vestido de
louvor por espírito angustiado”, “e terão perpétua alegria”, v. 3,
7b; (b) abundância na terra – “edificarão”, “restauração”,
“renovarão as cidades asoladas”, “estranhos serão os vossos
lavradores e vinheiros”. e “comereis a abundância das nações”, v.
4-6 – são as figuras da prosperidade prometida; (c) dignidade
diante dos homens – “a sua posteridade será conhecida entre as
nações”, e “os conhecerão como sementes benditas do Senhor”',
v. íf; (d) comunhão com Deus, porque “sereis chamados
sacerdotes do Senhor”, “ministros de nosso Deiis”, v. 6.
Não é por nenhuma dessas bênçãos em particular, mas
por todas elas que o mesmo profeta dá graças quando exclama:
“regozijar-me-ei muito no Senhor”, “porque me vestiu de
vestidos de salvação”, v. 9. E a difinicão do Mestre nos sugere
E. Stanley Jones, Christ’s Alternative to Communism. Abingdon-Cokesbury
Press, New York, pg 39 ss.
4
fidelidade, esforço e coragem para cumprirmos na sua inteireza o
ministério cristão, de sorte a podermos repetir a cada geração –
“hoje se cumpriu esta Escritura”.
***
A parábola que Cristo utilizou para descrever o juízo final
(Mateus 25.31-16), encerra verdades basilares ilos seus ensinos.
Uma delas é a da sua presença entre os homens, da sua
preocupação com a condição da criatura, da sua perene
identificação amorosa com os mortais. “Quando te vimos?”,
indagaram eles. E o Senhor respondeu: “quando fizestes isso a
um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (v.
39, 40) .
Outra implicação da parábola é a importância que assume
a nossa atitude para com o próximo, na determinação de nossas
relações com Cristo. E há ainda algo a aspeito da natureza dessa
atitude: não se satisfaz o Mestre com uma preocupação abstrata
ou romântica com os nossos semelhantes. Ele entrega aos nossos
cuidados os famintos, para lhes darmos de comer; os forasteiros,
para os recebermos: os nus, para os vestirmos; os maus, para os
vestirmos, os enfermos, para os vesitarmos; os presos, para os
consolarmos; os sedentos, para lhes darmos de beber. Isto é, os
necessitados de toda sorte, para que supramos a necessidade de
cada um.
Se buscamos a Cristo, saibamos que junto aos homens,
principalmente dos que sofrem, o encontraremos. Se seguimos a
Cristo, não poderemos evitar o encontro com os angustiados
desse mundo. E foi ele, e não nós (é bom recordarmos), quem
fez da nossa atitude para com o próximo a pedra de toque, o
teste, a evidência que legitima a nossa fé.
***
Na grande Comissão, que se encontra registrada em Atos
1.8 – “Ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em
toda a Judéia e Samaria, e até nos confins da terra’, empresta o
Senhor um sentido dinâmico à nossa condição de crentes,
enquanto define não só a natureza, mas também o alcance da
nossa missão na terra. Ele coloca como objeto imediato de nossa
preocupação, Jerusalém, o lugar onde encontraríamos aqueles que
subiam a adorar, preocupados, portanto, com os seus pecados ou
ansiosos por uma experiência mais profunda com Deus. Como
etapa seguinte, o Mestre menciona a Judéia, centro das atividades
mercantis por excelência, para nos endereçar depois a Samaria,
onde habitava uma minoria racial desprezada. Por fim, apontanos os confins da terra. Era a afirmação da universidade realidade
do seu Evangelho – resposta cabal, solução satisfatória tanto para
as indagações espirituais dos que subiam a Jerusalém, como para
as preocupações materiais dos que habitavam na Judéia; certeza
de eternidade, mas também esperança de liberdade e justiça para
os samaritanos e inspiração segura para os que vivem nos confins
da terra, sejam quais forem as suas condições, problemas ou
aspirações. Porque “Cristo é tudo em todos” (Col. 3.11).
O Exemplo dos Primitivos Cristãos
Abrem-se os evangelhos com um cântico – o cântico de
Maria (Lucas l.46-55), que traz para a experiência cristã sugestivo
elemento do antigo judaísmo, emprestando assim à fé neotestamentária, desde os seus primórdios, um sentimento
intensamente profético, associando a ela a preocupação com as
injustas desigualdades entre os homens, atentando para as
angústias dos “humildes” e dos “famintos”, verberando a
injustiça da riqueza e do poder excessivamente acumulados (v. 52,
53).
O autor da carta aos Hebreus, inspirado em Levítico
16.27, encontra uma significação especial no fato de Jesus ter sido
crucificado fora de Jerusalém (Hebreus 13.11-14). Ele vê a
“Cristo lá fora, no meio do mundo por cuja redenção do pecado
deu seu sangue”. Vê ainda o sentido vetorial do testemunho e do
serviço cristãos – “saiamos pois a ele fora do arraial” (v. 16) – que
nos constrange à busca e à identificação com Cristo, impelindonos ao encontro do “povo” com o qual ele se acha, fora dos
nossos arraiais (cf. Lucas 17.21; João 12.26; 1.26; 17.18). Vê ainda
a natureza desse serviço prestado ao Senhor, que caracteriza
como “louvor… dos lábios que confessam o seu nome”, e
“beneficência” (o “repartir com outros” os nossos bens, segundo
a Versão Brasileira). E a não esquecermos esta ele nos exorta
enfaticamente (v. 16). “A verdadeira vocação cristã”, diz William
Neill, citado por Rodolfo Obermüller, “é sair e tomar o seu lugar
ao lado do Cristo crucificado no meio de um mundo hostil, e até
morrei com ele, se necessário, em vez de olhar para trás para as
comodidades do judaismo, sentir nostalgia de Jerusalém e de seu
templo, ou retirar-se temerosamente para a segurança da
sinagoga”.5
***
Os apóstolos reconhecem a necessidade de se
identificarem solidariamente como os pecadores para levar-lhes a
mensagem de redenção, da revelação do Reino de Deus em
Cristo, e do estabelecimento do senhorio de Cristo sobre o
mundo, na criação, em sua morte e na ressurreição. O apóstolo
Paulo escreve à Igreja em Corinto: “… tenham os membros igual
cuidado uns dos outros. De maneira que, se um membro padece,
todos os membros padecem com ele; e, se um membro é
honrado, todos os membros se regozijam com ele. Ora, vós sois
o corpo de Cristo, e seus membros em particular” (I Corintios
12.25-27). “Quem enfraquece, que eu também não enfraqueça?
Quem se escandaliza, que eu me não abrase?” (II Coríntios
11.29). “Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos
Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar
alguns” (I Coríntios 9.22). O apóstolo segue a mesma linha de
testemunho do profeta Ezequiel: “Vim aos do cativeiro, a TelAbibe, que moravam junto do rio Quebar; e eu morava onde eles
moravam, e fiquei ali sete dias, pasmado no meio deles” (3.15). E
é isto mesmo que se recomenda na epístola aos Hebreus:
“Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e
dos maltratados, como sendo-o vós mesmos também no corpo”
(13.3).6
5 “Bases bíblicas de La preocupación social del Cristiano”, in
Responsabilidad social del Cristiano (Guia de Estudios), ISAL, 1964.
6 Idem Idem
Tiago insiste na expressão da nossa fé através de atos de
amor e de justiça para com o nosso próximo, fazendo destes a
evidência indispensável daquela (Tiago 2.1 1-26) . Sua ética, que
considera uma decorrência natural da fé redentora, é tanto
pessoal como social, manifestando-se sempre a par, como
quando nos exorta a “visitar os órfãos e as viúvas nas suas
tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo” (1.27).
Preocupa-se tanlo com a pureza do coração (1.21), a sobriedade
do falar (1.26), a sabedoria no trato e as atitudes piedosas (5.1315), como com a discriminação entre pessoas baseada nos bens
que possuam (2.1-4), a injustiça feita aos pobres pelos ricos e
poderosos (2.6, 7), os nus e famintos desamparados (2.15, 16), e
as causas das guerras e tensões entre os homens (4.1-3), a
exploração do trabalhador que teve os seus salários diminuidos e
seus pagamentos atrasados, para que seus ricos senhores ainda
mais entesourassem (5.1-4), e a ignominia daquele que mataram e
condenaram o justo, que não lhes resistiu (5.6). Sentimos que
subsiste, ainda hoje o mesmo imperativo tão eloqüente e
objetivamente ilustrado por aquele servo de Deus – o de
mostrarmos a nossa fé pelas nossas obras (2.18-20), numa
perfeita adequação da doutrina à vida.
***
Entendem alguns que tais pronunciamentos, que
consideram incidentais ou acessórios, não nos autorizam hoje a
ação social, uma vez que o próprio apóstolo Paulo, por exemplo,
a despeito de por eles informado, nunca denunciou as estruturas
sociais ou as instituições que ao tempo contrariavam
fragrantemente os princípios da doutrina cristã. O incidente de
Onésimo é a ilustração preferida pelos que assim entendem o
problema. Consideremo-lo, pois.
Para a compreensão da atitude de Paulo no tocante a
Onésimo, precisamos acentuar (1) a despreocupação relativa dos
primitivos cristãos com as estruturas sociais, desde que as suas
convicções escatológicas lhes sugeriam a vinda iminente do
Messias, e o fim do mundo. (2) Tampouco, existiam ao tempo do
apóstolo, as condições indispensáveis para a criação de um
movimento de natureza social por parte de uma minoria
heterogénea e sem qualquer consistência econômica, organização
política ou filosofia própria, como era o caso da primitiva Igreja
cristã no contexto do ainda poderosíssimo império romano. (3)
Finalmente, nos primórdios do cristianismo não se poderia
pretender uma percepção plena de todas as implicações da fé
cristã, que se ampliava de um para outro dos escritos inspirados e
que continuaria a definir-se na experiência da Igreja através dos
tempos.
As sementes da justiça, no entanto, estavam no bojo dos
preceitos e atitudes daqueles que seriam os instrumentos, muitas
vezes inconscientes da significação total dos seus gestos, da
revelação de Deus. Foi assim quando Paulo escreveu a Filemon.
Recebendo Onésimo como um escravo, devolve-o a Filemon
“não já como servo, antes, mais do que servo, como irmão
amado” (v. 16). A concessão do status de homem livre a um
escravo – um fato eminentemente social – é subentendido como
a resultante óbvia do impacto do evangelho na vida daqueles
homens, como conteúdo legítimo da salvação que receberam de
Deus.
O fato serve ainda para definir a atitude típica dos
verdadeiros cristãos em face dos problemas da mesma ordem, (a)
Paulo assumiu a iniciativa pela modificação da sorte e da
condição de Onésimo, empenhando-se pessoal e diretamente
naquele mister, v. 1; (b) Associou toda a Igreja àquela tarefa, que
considerou ser tanto da grei, como sua própria, v. 2; (c) Situa em
primeira instância o problema no âmbito da “caridade” (v. 9),
embora reconheça o direito que tem, a possibilidade de utilizar
recursos mais enérgicos – v. 8 = “te mandar”; (d) Identifica-se
profundamente com Onésimo, a quem chama de “meu filho”,
rogando que fosse recebido como ele próprio, v. 10, 17; (e)
Dispõe-se a arcar com todo o ónus resultante de sua iniciativa, v.
18; (f) Exorta Filemon a que considere todas as implicações
possíveis do sentimento cristão, pelo que acredita que não só
obedecerá às suas exigências mínimas, mas ainda fará muito
mais”, v. 21. E esse “muito mais”, de conteúdo não precisado
pelo apóstolo, tornar-se-ia, não só para Filemon, mas para todos
os cristãos, um constrangimento perene à ampliação e ao
aprofundamento do sentido e do alcance do amor cristão; (g) E
no anúncio de sua próxima visita a Filemon (v. 22), parece
insinuar o apóstolo a sua intenção zelosa de verificai
pessoalmente o cumprimento dado às suas instruções.
***
Em suma, as Escrituras nos oferecem todas as evidências
necessárias à fundamentação dos imperativos que a teologia
contemporânea encontra para a ação social cristã, e que
poderíamos enunciar nos seguintes termos: (a) Deus, em Cristo,
identificou-se com toda a humanidade, afirmando-se o senhor
tanto da Igreja como do mundo; (b) Nós somos, pela graça de
Deus, instrumentos para a realização do seu propósito redentor,
pelo que a Igreja não existe para si mesma, mas para redimir o
mundo; (c.) O amor de Deus pelas suas criaturas nos constrange
a buscarmos justiça e bem estar para todos os homens; (d) A
certeza da vitória final de Deus assegura-nos que. seja qual for a
situação em que nos encontramos, os nossos esforços terão
significação para o cumprimento dos desígnios divinos para a
sociedade; (e) O homem é uma unidade de corpo e espírito,
sujeito à influência profunda das circunstâncias, pelo que a Igreja
e os cristãos devem preocupar-se com todas as situações
(políticas, sociais ou econômicas) que possam ameaçar o bem
estar e a dignidade dos indivíduos; (f) A verdade cristã, revelada a
nós, pela Bíblia, constitui-se num instrumenlo de libertação de
toda tendência absolutista de qualquer ideologia.7
7 The common Christian responsability toward áreas of rapid social change
(2nd statement), Departament on Church and Society WCC, Genève,
1956.
O TESTEMUNHO DA HISTORIA
Este encontro de nossas preocupações e responsabilidades
cívicas com a nossa experiência e convicções cristãs, não é um
fenômeno recente, nem de um grupo em particular. Apenas, por
força do momento histórico que vivemos, adquiriu hoje maior
intensidade e amplitude, logrando envolver a muitos mais,
revestindo-se de maior consistência bíblica e teológica.
Vamos encontrar, nos primórdios do evangelismo
brasileiro, as suas primeiras manifestações positivas entre nós.
Parecem merecer crédito afirmações insistentes segundo as quais
missionários evangélicos teriam sido ouvidos pêlos redatores da
nossa primeira Constituição republicana, que deles colheram não
só a experiência americana, mas também a inspiração evangélica.
Bastante mais expressivas foram as experiências vividas,
nesse sentido, por volta de 1636, com o advento do Integralismo.
A insistência com que os adéptos daquela agremiação política
citavam as Escrituras e a doutrina cristã, entusiasmou a muitos
evangélicos. As características totalitárias, eivadas de absurdos
preconceitos, daquele movimento, no entanto, evidenciaram logo
a inautenticidade da experiência, desfazendo, inclusive, as
esperanças e a disposição daqueles entusiasmados de utilizarem
os princípios e preceitos escriturísticos como elementos
normativos da vida pública brasileira.
Coube à Igreja Metodista, entre os evangélicos brasileiros,
a primazia nesse compo, com a criação de uma Junta Geral de
Ação Social em 1930. O VIII Concílio Geral, reunido em julho
de 1960, aprova “O Credo Social da Igreja Metodista do Brasil”
(Vide anexos). Além de cultivar a preocupação dos fiéis pela
realidade nacional, através de mensagens e documentos diversos,
nos momentos de crise para o país, sempre procuraram os seus
elementos representativos sugerir à nação, diretrizes que
emanavam da Palavra de Deus.
Surge depois, como produto da preocupação de alguns
crentes, a Comissão de Igreja e Sociedade, logo transformada em
Setor de Responsabilidade Social da Igreja, da Confederação
Evangélica do Brasil, que através de estudos, conferências e de
Reuniões de Consulta Regionais (das quais a mais expressiva foi a
chamada Conferência do Nordeste, realizada em Recife, em julho
de 1962, sob o lema – “Cristo e o processo revolucionário
brasileiro”), contribuiu para a criação de uma consciência
profética no seio do evangelismo brasileiro.
Essas cogitações permearam a imprensa evangélica,
aparecendo mais frequentemente nas páginas de Cruz de Malta,
a apreciada revista da mocidade melodista. Divulgaram-se alguns
pronunciamentos da Diretoria da Confederação Evangélica do
Brasil sobre a realidade brasileira. Criaram-se nos estados,
Centros de Estudo para análise dos problemas nacionais à luz da
Palavra de Deus. Editam-se os primeiros boletins que veiculam
os frutos dessas cogitações.
Entre os batistas brasileiros, talvez tenha cabido ao
grande servo de Deus que foi o Dr. Alberto Mazzoni de Andrade,
a honra de erguer, pela primeira vez, essa bandeira. Certa feita,
perante a 45ª Assembléia da Convenção Batista do Distrito
Federal (hoje, Guanabara), quando lhe coube proferir o discurso
de encerramento, escolhe como tema O ministério social, e
profeticamente exorta e vaticina: “o verdadeiro Cristianismo não
deixará de atentar para as suas rosponsabilidades sociais pelo
simples receio de que o chamem sumariamente de evangelho
(“social gospel”) ou quejando”.
Seu pensamento, sua cultura, sua coragem inspiraram a
outros. Surge, eiilão, em 1949, o jornal Diretriz Evangélica,
trincheira heróica onde militaram Lauro Bretones, David Malta,
Mário Barreto Franca, H. C. Lacerda. José dos Reis Pereira, Luiz
Antônio Curvacho, e mais uma excelente equipe de
colaboradores eventuais. Adquiriu de pronto, a forca de um
movimento de idéias, empolgando a muitos. Não se publicou por
muito tempo, mas o seu espírito não desapareceu, nem o seu
esforço se perdeu. Tampouco, se limitou a empresa à edição de
um periódico. Sob seus auspícios, Lauro Bretones (que mais tarde
publicaria estudo mais específico sobre Cristãos e Comunistas),
discute a responsabilidade social dos cristãos no mundo moderno
em opúsculo ousado, que intitula Idéias para hoje e para
sempre (1951). É da mesma época a divulgação do discurso de
formatura de David Malta Nascimento no Seminário Teológico
Batista do Sul do Brasil sobre O Cristianismo e a nossa época,
quando verbera as doutrinas materialistas, entre as quais inclui o
comunismo e o capitalismo, para preceituar soluções nitidamente
cristãs como alternativa de solução para os problemas temporais.
São contribuições que se vêm juntar á de H. C. Lacerda – Nossa
época e as implicações sociais do cristianismo, produzido em
1948.
Diretriz Evangélica foi uni marco colocado bem à
frente nessa caminhada para a compreensão plena da nossa
missão como cristãos no mundo. Inspiraria mais tarde um
programa radiofônico, que leva o seu nome, readquirindo vigor,
agora como Movimento organizado, em 1961, ampliando a sua
programação radiofónica, promovendo a I Conferência
Evangélica de Ação Social (vide anexos), criando uma Editora
e publicando o jornal Cristianismo Hoje.
No âmbito da Denominação Batista, no entanto, alguns
eventos muito significativos ainda ocorreriam nesse campo. Um
deles foi a criação, em regime provisório, de uma Comissão de
Ação Social pela Convenção Batista Brasileira. Surgiu ela de uma
proposição subscrita pelos pastores Helcio da Silva Lessa, A.
Antunes de Oliveira, Alcides Telles de Almeida, Ernani de Souza
Freitas, Éber Vasconcellos, José dos Reis Pereira, Merval Rosa,
José Lins de Albuquerque e David Malta Nascimento, aprovada
pela 45ª Assembléia daquela Convenção, em Vitória, Espírito
Santo, em 1968. Sem quaisquer recursos, cumpriu no seu
primeiro ano um modesto programa de conferências sob o tema
geral de “Cristianismo e Sociedade”. Após árdua “batalha” no
plenário da 46ª Assembléia da CBB, em Recife, prossegue, por
mais um ano ainda suas atividades. Promove um Ciclo de
Estudos sobre “O Cristianismo e a Realidade Brasileira”,
conferências, um simpósio sobre “Juventude Transviada”, e
elabora um Plano de Ação para justificar a sua existência perante
a -17ª Assembléia convencional, que, no entanto, suspende as
suas atividades, deixando a matéria sobre a mesa para posterior
decisão quanto à conveniência de uma tal Comissão no seio da
Denominação.
Outro fato foi a publicação do Manifesto da Ordem dos
Ministros Batistas do Brasil (vide anexos), como resultado de uma
memorável reunião de Pastores realizada na cidade de Vitória, em
1963, ao ensejo da Assembléia Convencional, quando mais de
duzentos ministros, inspirados nas referências candentes que
então foram feitas à realidade brasileira, unanimemente,
determinaram comunicar à Denominação e ao povo brasileiro a
sua preocupação coïn os problemas nacionais.
Vale ainda mencionar a apresentação, pelo pastor David
Malta Nascimento, perante a Junta Executiva da Convenção
Batista Brasileira, de um trabalho sobre “Os Batistas e sua
Responsabilidade Social”, que não só ali, mas também mais tarde,
na primeira reunião plenária daquela Junta com as Missões de
Richmond no Brasil, receberia entusiástica acolhida e meditação.
***
Esta não é, no entanto, como dissemos a principio, uma
cogitação recente, nem apenas nossa. Católicos e protestantes a
têm expressado mais ou menos intensamente através dos tempos.
A natureza do nosso trabalho não nos permitirá considerar aqui a
apreciável contribuição que nesse campo têm dado ao
Cristianismo os Católicos Romanos, particularmente após o
Concilio Ecumênico Vaticano II. Ater-nos-emos, portanto, à
evolução do pensamento evangélico a esse respeito.
Têm sido unânimes os historiadores, em notar a inegável
relação existente entre a Bíblia e às conquistas no campo dos
direitos humanos em nosso tempo. Foi um devotado estudioso
das Escrituras, William Wilberforce, quem empreendeu, a grande
cruzada para libertar os escravos do Império Britânico. Foi um
contemporâneo de Wilberforce, Anthony Asheley Cooper, quem,
empolgado pela Bíblia desde a sua juventude, defendeu com êxito
a causa dos trabalhadores das fábricas na Inglaterra industrial,
conseguindo a aprovação pelo Parlamento de leis que atenuaram
as desumanas condições dos operários de então. E é por demais
conhecida o alcance da obra de Wesley, cujo movimento
espiritual modificou profundamente a realidade social da
Inglaterra, assegurando-lhe padrões mais compatíveis com os
ideais de justiça que emanam dos evangelhos.
Depois do movimento do “evangelho social” (social
gospel), onde se destacou o batista norte-americano Walter
Rauschenbush, houve, é verdade, um hiato, para ressurgir o
interesse, pelo tema com as preocupações novas que trouxeram
uns problemas oriundos da II Guerra Mundial .
No âmbito internacional, é inconteste o valor da
contribuição feita pelo Conselho Mundial de Igrejas através do
seu Departamento de Igreja e Sociedade e do seu Instituto
Ecumênico em Bossey, Suíça. Pesquisas sérias, literatura
abundante, conclaves internacionais, cursos, serviços de socorro
(principalmente a emigrantes e deslocados de guerra), etc., são
algumas das facetas de um labor consequüente.
Na América Latina, é digna de menção a atividade da
Junta Latino-Americana de Igreja e Sociedade (ISAL), que com a
edição de livros, a publicação da revista Cristianismo y
Sociedad, a promoção de Institutos para Líderes, tanto de zonas
rurais como urbanas, etc., tem contribuído para relacionar
diretamente a mensagem cristã com os fatos específicos da vida
em nosso hemisfério neste continente.
No que concerne aos Batistas, a inspiração para aquelas
cogitações nos vem da própria Aliança Batista Mundial, cujos
anais registram ousados pronunciamentos a propósito da
liberdade de pensamento (Vide anexos), das condições de
trabalho dos operários, da oposição aos regimes ditatoriais, e das
responsabilidades sociais do cristão, desde o seu primeiro
Congresso, em 1905. O programa elaborado para a Aliança em
1965, em Miami, revela a mesma atitude preocupada em face dos
problemas específicos do mundo, pois inclui um “Manifesto
sobre Liberdade Religiosa e Direitos Humanos”, e discute
“Liberdade e Responsabilidade”, “Paz Corn Liberdade e Justiça”,
e “A verdade muna Sociedade Secular”. E é magnífica a obra por
ela realizada no campo do socorro aos refugiados de guerra na
Alemanha, na Hungria, no Congo e em Angola.
Enquanto a União Batista de Grã-Bretanha e Irlanda
publica um opúsculo sob o titulo “O Evangelho e a Vida
Moderna”, para discutir o relacionamento entre o evangelho e o
indivíduo, a igreja, a nação e o mundo, os nossos irmãos da
Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos mantém,
oficialmente, para todo o país, com o endosso e cooperação das
Convenções Estaduais, Comissões de Vida Cristã (The
Christian Life Commission of the Southern Baptist Convention,
161 Eight Avenue, N. Nashville 3, Tenn.), que editam e
distribuem literatura (folhetos e opúsculos) sobre “Cidadania”,
“Guerra e Paz”, “Sexo”, “Relações Raciais – um Ponto de Vista
Cristão”, “Alcoolismo”, “Problemas Econômicos” – estes são
alguns dos seus títulos, e ainda farta matéria sobre a família e os
problemas do mundo moderno.
Essa mesma Comissão produziu um documento de
grande alcance e significação (vide anexos), que foi aprovado pela
Assembléia da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos em
julho de 1965, onde se lê; “Nós confessamos perante Deus e o
mundo que somos culpados do pecado de conformidade com o
mundo; que temos muitas vezes seguido as vãs tradições dos
homens, ao invés da mente de Cristo, e que o nosso silêncio e
temor têm também frequentemente feito de nós, pedras de
tropeco, ao invés do degraus de pedra no campo das relações
raciais. No espírito de verdadeiro arrependimento, em atitude de
oração, nos reconsagramos ao ministério cristão da reconciliação
entre negros e brancos” (“Time”, 16-6-1965).
Longe de se aterem apenas às generalidades dos temas
sociais, levam os batistas americanos as suas preocupações aos
temas especifico, quer ideológicos, quer político-partidários.
Assim é que a candidatura de John Kennedy à Presidência dos
Estados Unidos, foi motivo nãò só de inúmeros artigos na
imprensa batista daquele pais, como também para os púlpitos das
igrejas sulinas, em cujos Bolelins aparecia incluído, naturalmente,
na ordem dos cultos. Discutia-se a conveniência de votar-se ou
não num católico para Presidência…
A Baptist Training Union Magazine (Revista da União
de Treinamento Batista) daquela mesma Convenção, em seu
número de junho de 1963 (à semelhança do que ocorreu antes e
depois daquela data), assim como a Sunday School Builder –
um periódico destinado aos Obreiros da Escola Dominical – da
mesma ocasião, anunciam, com várias e impressionantes
fotografias posadas, quatro filmes de longa metragem preparados
para serem utilizados nas igrejas: intitulava-se um A ameaça,
comunista, e três outros discutiam os conceitos comunistas de
Deus, da Vida e do Homem à luz da doutrina cristã.
Dentre as contribuições dos nossos irmãos batistas o
estudo e vulgarização dos problemas sociais sob um prisma
cristão, entretanto, avulta, pela sua profunda seriedade, a obra de
T. B. Maston, ex-missionário na América Latina e atualmente
professor de Ética Cristã no Seminário Teológico Batista do
Sudoeste, em Fort Worth, Texas. Homem de vasta cultura,
escreveu várias obras, inclusive sobre o cruciante problema racial
em sua pátria (“The Bible and Race”). Sua obra básica – O
Cristianismo e os Problemas do Mundo, que está sendo
publicada em português pelo Departamento de Treinamento da
Junta de Escoals Dominicais e Mocidade, graças à visão do seu
Diretor, Pr Luís Schettini Filho, discute as relações entre a Igreja
e o Mundo, a tensão racial, o comunismo, a Igreja e o Estado, a
Guerra e a consciência cristã, a crise do mundo moderno, etc.
Finalmente, não poderíanids omitir, a essa altura, o nome
do pastor batista Martin Luther King, prémio Nobel da Paz,
campeão na luta pelos direitos humanos em seu país, onde pugna,
pacífica mas energicamente, pela aplicação dos princípios cristãos
às relações raciais, assim como há algum tempo um outro cristão
ilustre, Toyuhiko Kágawa, o fizera em relação aos problemas
econômicos do Japão.
***
Não se pretendeu aqui fazer uma referência exaustiva aos
esforços que vêm sendo feito no sentido de emprestar à nossa fé
uma dimensão maior. Servem-nos os exemplos para evidenciar
confortadosamente a existência de uma preocupação profunda,
da parte de muitos, por esse aspecto do nosso testemunho de
serviço cristão. Traduzem ainda a legitimidade daquelas mesmas
preocupações, que se revelam aqui não serem – mesmo nas suas
formas mais ousadas e discutíveis – uma peculiaridade de um
grupo esdrúxulo. Finalmente, tipificam essas referências, ainda
que de um modo muito geral e insatisfatório, a natureza das
contribuições possíveis, da nossa parte, para a cristianização da
ordem social.
CAPACITANDO-NOS PARA A AÇÃO
Tão amplas e significativas responsabilidades certamente
que não poderiam ser enfrentadas sem uma preparação adequada,
que nos capacitasse para a ação. Esta capacitação exigirá, de nós,
uma compreensão clara da natureza da nossa missão, o exercício
de um juízo profético sobre a Igreja, e o estudo acurado da nossa
realidade social.
A Compreensão da Nossa Tarefa
Embora encontremos a cada passo, nas Escrituras,
enunciada a nossa responsabilidade social mais ou menos
objetivamente, em duas ocasiões, no entanto, ela aparece definida
de forma particularmente existencial – quando Cristo nos
assemelha ao “sal da terra” (Mateus 5.13), e quando nos
identifica, com “o bom samaritano” (Lucas 10.25-37).
Quando o Senhor nos assemelhou ao “sal da terra”,
estabeleceu ele algumas coordenadas básicas da ação social cristã.
Uma delas é o estarmos no mundo. Este não é, na mente de
Cristo, um fato incidental, mas parte dos desígnios de Deus; é
uma posição que devemos assumir conscientemente, no mesmo
espírito com que o próprio Cristo aceitou a encarnação. Só o
estarmos assim no mundo empresta significado á nossa existência
e a relaciona com o propósito do Mestre (João 17.15).
Outra dessas coordenadas é a definição que a ilustração
nos sugere para a nossa missão no mundo. Leva-nos o paralelo
à compreensão de que como “sal da terra” compete-nos
preservar as realidades e os valores positivos do espírito humano,
tais como' o cultivo das virtudes morais, o zelo pelos padrões de
justiça, os gestos de caridade, as preocupações espirituais, o
esforço nobre pelo progresso em todos os. campos, que por
serem consentâneos com os ideais e os desígnios do Criador,
deverão ser preservados como ingredientes úteis ao mundo novo
que vamos construir segundo os padrões do Salvador.
A figura nos sugere, de igual modo, a responsabilidade de
temperar a massa, de emprestar sabor novo ao contexto em que
nos situamos. Assim como o Evangelho é capaz de levar o
pecador a assemelhar-se ao “Varão perfeito”, também aproxima a
realidade social dos padrões do “Reino de Deus”. É nossa missão
levar às estruturas e instituições deste mundo o espírito do
Evangelho, esforçando-nos para que venham a ser cada dia mais
por ele permeadas e informadas.
O paradigma utilizado pelo Mestre também caracteriza a
atuação do crente na sociedade. A nossa presença no mundo
adquire aqui um sentido de identificação com os homens em
todas as situações de sua existência terrena (I Coríntios 9.20),
assim como o sal permeia a massa, tornando-se parte dela, para
emprestar-lhe sabor e preservar-lhe as qualidades essenciais.
Resulta daí o repúdio do ascetismo e do espírito do “gheto”, de
segregação, em favor da participação no processo histórico da
nossa comunidade; leva-nos aquela atitude a abolir a falsa
distinção entre o sagrado e o secular, para empreendermos como
verdadeiros vocacionados de Deus todas as tarefas, qualquer que
seja a sua natureza; constrange-nos essa compreensão de nossa
presença atuante no mundo a fugirmos da teorização doutrinária
inconseqüente, para aplicarmos os ensinos escriturísticos aos
problemas da vida, da qual participamos em sua plenitude.
Outro elemento característico da ação cristã no mundo,
que a afirmação de Jesus revela, é a nossa condição de minoria.
Para que se cumpram os seus desígnios no mundo, não
pressupõe o Mestre a necessidade de que todos se transformem
em sal, embora isto fosse o desejável. A massa a ser temperada é
sempre extraordinariamente maior do que a do sal. Não é
quantitativo, mas qualitativo o padrão de avaliação no Reino de
Deus. O que realmente importa é que o sal não se torne insípido,
“inútil” para os propósitos de Deus, para que não aconteça que
seja lançado fora e “pisado” pelo próprio mundo.
A outra passagem, a que narra a história do “bom
samaritano”, bem poderia ser referida como “um manual de ação
social cristã”. Impõe-se como um protótipo, pelo menos.
Inicialmente, situa a parábola, a nossa responsabilidade
para com o próximo no seu contexto adequado – como parte
integrante e indissociável da nossa experiência cristã, a par do
nosso amor a Deus, traduzindo assim a inviabilidade de
cultivarmos a comunhão com Deus enquanto despreocupados da
sorte do nosso semelhante, e a do exercício da verdadeira
caridade sem uma relação de amor com o Criador. Doutrina,
aliás, contundentemente exposta por Tiago (2.11-26) e João (I
João 2.9; 3.10, 17; 4.20).
Constitui-se ainda o texto numa verberação da
religiosidade alienada e insensibilizada, representada na história
pelo sacerdote e pelo levita, preocupados apenas com os seus
ritos, seus privilégios, suas virtudes convencionais.
Ela acrescenta a preocupação pela condição humana
como um traço marcante do caráter verdadeiramente
conformado pelo Espírito de Deus, virtude capaz de revestir de
mérito e dignidade até mesmo a um desprezível samaritano,
fazendo-o instrumento da obra redentora de Deus, no mundo.
Revela-nos ainda o Mestre, na sua história, ser o amor a
motivação adequada para a ação cristã no mundo. Não o fez o
samaritano apenas por dever moral, cívico ou religioso, mas por
amor, que é a fonte da própria justiça .
A caracterização prossegue com a referência a
determinação de ajudar como qualidade indispensável ao
homem de Deus. Não anotou a necessidade de serviço para
sugeri-la a outros, ou a qualquer instituição, mas entendeu-a e
aceitou-a como tarefa sua; como se fora apenas sua. Esta mesma
lição nos deu Jesus ao assumir a iniciativa de multiplicar os pães.
Mas o incidente nos sugere ainda o método da ação
social cristã. Variam as circunstâncias, mas as etapas, o processo
da nossa atuação frente aos problemas do homem subsistem os
mesmos. Analisemo-los:
a) A primeira ilação que tiramos é a de que o serviço
prestado não era profissional, nem excepcional, mas inseria-se no
rol das experiências do cotidiano daquele samaritano, que
prosseguiu depois no trato dos seus próprios afazeres.
b) A referência imediata diz que o samaritano “chegou ao
pé dele”, isto é, que observara o infeliz estendido sobre o pó da
estrada. Este “deter-se” na meditação da sorte dos homens é o
ponto de partida de toda verdadeira e conseqüente ação cristã no
mundo.
c) Acrescenta o texto que ele se “moveu de íntima
compaixão”. Não basta a análise fria da problemática humana; há
nuances que só se revelam quando expostas à luz do amor. Não
basta a consciência de um dever a cumprir; a certas tarefas
somente uma “profunda compaixão” é capaz de mover-nos.
d) Movido pelo amor, “aproximou-se” do homem:
abatido. Há neste verbo a idéia de identificação. Já não é um
expectador interessado, mas distante; é agora um homem
totalmente comprometido com a situação, em virtude de assim
haver-se aproximado da criatura no caminho.
e) “Atando-lhe as feridas, deitando-lhe azeite e vinho”,
prestou o samaritano a assistência imediata que estava ao seu
alcance no momento – o gesto simples, que sem ser uma solução
cabal para o problema, assegurava, no entanto, o alivio imediato,
impedia o agravamento do mal e oferecia o ensejo de
providenciar-se o atendimento das necessidades totais do homem
em provação.
f) O que até agora se fez somente adquire sentido e
alcance mais profundos quando o samaritano o “leva a uma
estalagem”. É a suplementação do esforço meramente individual
pela obra institucionalizada, organizada, que assegura eficácia,
oferece proteção, garante a recuperação completa da criatura.
g) “Tudo o que gastares, então pagarei”. Eis uma atitude
de transcendental significação moral e prática – a disposição de
assumir o ônus de seu gesto de amor, mesmo quando este é
imprevisível. O apóstolo Paulo evidenciou, em sua missiva a
Filemon, o haver assimilado esta lição de Jesus (v. 18).
E concluiu o Mestre: “Vai, e faze da mesma maneira”.
Mas que significará para nós, neste tempo, revivermos o exemplo
do bom samaritano? Que situações concretas enfrentaremos hoje
ao percorrermos a estrada de Jericó? A seu tempo o Mestre
mesmo nos revelará a resposta.
Juízo Profético da Igreja
Tendo adquirido uma consciência clara da nossa missão,
segue-se, como medida imprescindível, ainda que constrangedora,
por vezes, uma análise crítica da nossa experiência eclesiástica.
A Igreja deve ser um modelo para o mundo. Não importa
o seu tamanho ou situação. Ela precisa refletir, perante os
homens, os padrões divino para o homem e a sociedade. Daí, a
necessidade de submetê-la continuamente a esse juízo profético,
para que não careça de autoridade e eloqüência o seu testemunho,
nem de eficácia e significado o seu serviço.
Abstraindo-nos das peculiaridades doutrinárias, que a
despeito de serem importantes, não são relevantes para o efeito
desse trabalho, mencionaremos três ângulos sob os quais
deveríamos julgar continuamente a nossa realidade eclesiástica: a
relação entre o espiritual e o temporal, a acuidade de sua ética, e a
propriedade de sua estrutura.
O amor de Deus e o cuidado com o próximo foram
referidos pelo Mestre como aspectos essenciais e indissociáveis
da experiência cristã (Lucas 10.27, 28). Freqüentes vezes, no
entanto, nós os encontramos divorciados, erigidos – ora um, ora
outro como virtude absoluta e suficiente. Um juízo profético teria
uma exortação oportuna a fazer tanto aos “pietistas”, quanto aos
“humanistas” de nossas greis. E não somente isso. O texto
estabelece também uma primazia que deverá ser sempre mantida
– a do amor a Deus, sem o qual o cuidado com o próximo perde
a sua perspectiva cristã.
Não só deverá a Igreja reconhecer e aceitar os padrões
éticos que fluem das Sagradas Escrituras para inspirar os seus atos
como instituição e nortear todas as relações entre os seus
membros, como também deverá zelar pela sua observância e
aplicação, para que não lhe faleça a força moral indispensável ao
seu ministério no mundo. “Uma Igreja (ou Denominação, ou
crente) que afirma a necessidade do seguro social contra doença,
velhice e desemprego, deve providenciar tais garantias para seus
próprios empregados. Uma Igreja que condena as igualdades
econômicas deve procurar eliminar tais males dentre aqueles
cujos problemas econômicos estão, alguma maneira, sob seu
controle. Uma Igreja que prega o princípio da fraternidade para
os operários da indústria, deve gerir as suas instituições pelos
mesmos princípios, e deveria, até onde lhe fosse possível,
somente cooperar com aquelas instituições e organizações que se
norteiam por esses princípios. Uma Igreja que proclama um
Evangelho que transcende todas as distinções de raça, classe e
nação, deve tomar o máximo cuidado para não negar aquele
Evangelho em virtude de uma política ou atitude que denote
arrogância racial, cultural ou nacional”.8
Embora seja uma cogitação nova para nós neste
Continente, é já uma verdade evidente, para muitos, o fato de que
sempre que “a Igreja se dispõe a servir a uma situação social
concreta, esta determina a sua estrutura”.9 “No Novo Testamento
encontram-se várias concepções sociólogas (estruturais) da Igreja.
Todas elas são a conseqüência do encontro da Igreja
(comunidade que atende ao chamado de Cristo) com e em
determinadas formas sociais que, por sua vez, são o resultado de
condicionamentos históricos geográficos, raciais, políticos,
culturais, econômicos, etc.”10 Por isso, cada geração, ao
confrontar-se com as suas responsabilidades peculiares como
testemunhas do Evangelho para o seu tempo, deverá provar as
estruturas eclesiásticas, verificando a sua eficácia para a tarefa que
lhe incumbe realizar, procedendo aos ajustes e adaptações
indispensáveis, sem se deixar deter pelo receio das coisas novas,
pelo zelo das tradições, ou pelo conservantismo apático e sem
propósito. O Rev. Roberto Rios nos dá conta da acuidade de que
o problema já se reveste em sua pátria, a Argentina, nessas
International Missionary Council, Tambaram, 1938 (Section XIII).
Rubem Alves, El Ministério Social de la Iglesia Local, in “La
Responsabilídad social del cristiano” (Guia de Estudios), ISAL,
1964, pg. 65
10 Augusto Fernàndez Arlt, Renovacion da estructuras en la historia de la
Iglesia, in “Cuadernos Teológicos”, n° 51, 1964, pg. 95.
8
9
palavras: “Herdamos certa estruturas que implicam na divisão das
congregações em sociedade feminina, sociedade de homens,
jovens, intermediários, etc. Esta divisão já não corresponde às
novas divisões sociológicas da comunidade, onde pesam muito
mais as comunidades de interesse, como de estudo, trabalho,
ele.”11 Cuidemos, pois, que as exterioridades eclesiásticas
herdadas não nos impeçam o cumprimento eficiente de nossa
missão no mundo.
***
Para que adquiramos, entretanto, essa consciência de
nossa missão e exerçamos eficazmente esse juízo profético sobre
a nossa realidade eclesiástica, é desejável que se- assegure um
“clima” adequado a tais cogitações. O estimulo de uma liderança
esclarecida. seria o bastante para levar o povo à meditarão ousada
e despreconcebida. Mas mesmo quando tais condições não se
verificam, restam aos crentes o direito e o dever de insistirem
humilde, honesta e corajosamente na análise critica e criadora da
vida e da missão da Igreja, convidando a todos para o diálogo, e a
todos oferecendo o produto de suas inquirições como subsídio
para uma compreensão mais perfeita da vontade de Deus para o
seu povo.
Essas mesmas observações deveriam ser cuidadosamente
consideradas pelos Concílios, Juntas, Ordens e demais Órgãos
administrativos eclesiásticos, não só para aprofundá-las, mas
também para incorporá-las á sua experiência, do que resultaria
um enriquecimento do seu, conceito de missão e o
aprimoramento da sua contextura denominacional.
Estudo da Realidade Social
A alienação tem caracterizado o comportamento do
homem moderno, muito mais identificado com o sacerdote e o
levita da parábola, do que com o samaritano. De muitas maneiras
Deus está procurando despertar-nos dessa letargia e interessar11
Roberto E. Rios, Que estructuras de las congregaciones locales impidem la
obra misionera?, in “Cuadernos Teologicos”, n° 51, 1064, pg. 94.
nos na sorte do nosso próximo – quer conduzindo-nos a
presença do miserável, quer trazendo a miséria a nós. Somos
livres para atender ao, seu convite ou aguardar o seu juízo. Cabe
reiterar aqui, entretanto, que não será legítimo nos deixarmos
mover a tanto pelo receio de situações mais graves, ou pelo medo
de ver a desgraça do nosso irmão transformar-se em adubo para
as ervas daninhas dos totalitarismos de qualquer matiz. Só uma
“íntima compaixão” nos deve inspirar; mesmo porque, não
entenderemos verdadeiramente a condição humana se não a
auscultarmos com o coração.
Várias medidas deveriam convergir para a consecução
desse propósito – o de dar ao nosso povo uma visão clara,
objetiva, universal da problemática do homem em nosso país e
no mundo. Aqui estão, á guisa de exemplo, algumas delas:
a) Nossos Seminários e Institutos Teológicos deveriam
criar Departamentos ou Cadeiras sobre Realidade Brasileira para
todos os níveis e de Sociologia para estudos mais avançados.
Cursos intensivos, a cargo de professores experientes, mesmo dos
quadros seculares, ofereceriam a especialização e a atualização,
tendo em vista os vários tipos de ministério e as diversas regiões
em que os obreiros servirão ou servem.
b) Poderia a liderança das Igrejas, senão promover, pelo
menos estimular os crentes a participar de cursos, conferências,
exposições e outros certames culturais que possam contribuir
para a compreensão dos problemas humanos, enquanto o púlpito
se esforçaria no sentido de interpretar a realidade social à luz da
Revelação de Deus, evidenciando os seus aspectos mais
dramáticos como temas para meditação e oração.
c) Grupos de discussão, ou “Centros de Estudos”,12
poderiam ser criados nas Igrejas, nos colégios ou em quaisquer
comunidades, para o tratamento franco e informal dos problemas
atuais, dos aspectos vários da realidade nacional, buscando não só
a sua compreensão exata, mas tambéem as suas soluções cristãs,
12
Hélcio da Silva Lessa, Centro de Estudos, do Departamento de
Treinamento da JEDEM, da Convenção Batista Brasileira, Rio, 1964.
além de uma definição da nossa responsabilidade específica,
como cristãos em tais circunstâncias.
d) Deveriam ser incluídos, mais amiúde, nos programas
dos nossos conclaves (Congressos, Assembléias, Institutos,
Retiros, etc.), para informação e discussão, trabalhos
caracterizando o nosso campo de serviço e testemunho, tanto do
ponto de vista moral e espiritual, como também político, social,
econômico e cultural, onde igualmente se manifesta embora sob
formas nem sempre facilmente identificáveis, o pecado que há no
mundo e que avilta o homem.
e) Seria de conveniência inserir-se no património das
bibliotecas das nossas Igrejas e colégios (além de também
recomendar-se aos indivíduos), livros e periódicos, nacionais e
estrangeiros, que tratem dos problemas humanos à luz da
Revelação de Deus, suplementando-se a informação necessária
com obras de autores alheios, à nossa comunidade, mas
merecedores da nossa confiança.
f) Visitas de observação e estudo às instituições, religiosas
ou seculares, empenhadas na solução dos problemas e no
atendimento das necessidades dos homens, serviriam para darnos uma visão mais real da nossa sociedade, além de sugerir-nos
formas possíveis de participacão naqueles esforços.
g) Excursões, devidamente organizadas, poderiam servir
para dar-nos uma idéia mais precisa da sociedade em que
vivemos, evidenciando, “in loco”, as diferenciações entre regiões
de um mesmo Estado ou bairro de uma mesma cidade; as
condições das populações, as suas necessidades, as suas
possibilidades; sugerindo-nos as nossas possibilidades de auxilio.
Aos participantes poder-se-ia solicitar trabalhos escritos onde
constassem as anotações das observações feitas. Inquirições mais
sérias poderiam levar o grupo, como tal, a tentar determinar as
causas dos problemas observados, e as possibilidades, mesmo
remotas, de uma eliminação.
Alistamento para a Acão
O serviço cristão em qualquer das suas formas deveria ser
entendido pelos crentes como uma autêntica vocação divina,
como uma preciosa contribuição para o cumprimento dos
desígnios de Deus no mundo. “O leigo cristão não precisa entrar
para o ministério a fim de obedecer ao chamado de Cristo para a
ação”. O aspecto do testemunho cristão que poderia ser definido
como “ação social” deveria inserir-se no contexto da experiência
do crente, exercido com a mesma naturalidade com que se espera
que ele cumpra as suas demais responsabilidades no Reino de
Deus. A ação social cristã é, pois, uma tarefa para todos. Esta, a
convicção que se precisa comunicar à grei, dos púlpitos, nas
classes, pela literatura, insistentemente, se alguma coisa
significativa se pretende realizar.
UM PROGRAMA DE AÇÃO
Depois de havermos meditado sobre o ensino das
Escrituras e o exemplo histórico da Igreja a respeito da natureza e
do alcance da nossa responsabilidade, como cristão, para com a
sociedade, não nos poderíamos furtar à caracterização de um
programa de ação social, consentâneo com aqueles testemunhos,
para o tempo e as circunstâncias em que vivemos.
Não se pretende, entretanto, que exponhamos aqui, no
espiríto e no estilo em que se elabora para a ação governamental
um “plano trienal”, as promoções específicas que a Igreja deverá
empreender para cumprir a sua responsabilidade social.
Tampouco se poderia esperar que alinhássemos uns tantos
preceitos éticos (à maneira dos manuais de escotismo), que
necessariamente devêssemos observar para que nos tornássemos
em cidadãos exemplares, segundo as expectativas de Deus. Por
mais consequentes que desejemos ser ao tratarmos das
implicações práticas das nossas cogitações sobre a ação social
cristã, não poderemos deixar de expressar-nos ainda em termos
bastante gerais, servindo as referências particulares que fizermos
apenas como sugestões que ilustram a ação possível. Não
poderíamos fazê-lo de outra maneira. A tanto nos obrigam a
natureza do Evangelho e dos fatos sociais. Passemos, pois, às
considerações que julgamos necessárias à informação de toda
atividade da grei nesse campo.
***
Oportunidades de serviço existem que só poderão ser
satisfatòriamente aproveitadas mediante um esforço bastante
amplo, de caráter internacional ou interdenominacional; outras já
estão na esfera das possibilidades denominacionais, num pais ou
região; outras atividades serão accessíveis e até mais próprias,
para as congregações locais, enquanto ao indivíduo caberá
cooperar com todas elas, além de se desincumbir das
responsabilidades que só o testemunho pessoal poderá promover.
A chave do êxito está em discernir as circunstâncias próprias,
para não intentar promover numa dada esfera aquilo que só é
viável, eficientemente, num outro âmbito.
Nem sempre a ação da Igreja se exercerá através de seus
projetos e inicativas particulares, promovidos sob sua
responsabilidade exclusiva. Aquele mesmo sentimento de amor
ao próximo, aquela mesma disposição de serviço, poderão levá-la
a emprestar a sua cooperação a outras instituições, particulares ou
estatais que já se encontrem empenhadas nas causas que
preocupam a Igreja e que porventura tenham maiores
possibilidades de prestar aos homens auxílio mais efetivo, pois
quando o serviço é prestado por amor, importa, sobretudo, o
maior bem que se possa fazer.
Desde que sabemos ser o homem, por natureza, um ser
gregário, não poderemos pretender cuidar das suas necessidades
“pessoais” abstraindo-nos das circunstâncias em que ele vive.
Todas as experiências significativas para o homem são de caráter
social – inclusive a da sua relação com Deus, que está
condicionada ao seu comportamento para com o próximo (I João
2.9; 3.10, 17; 4.20; Tiago 2.11-26). A comunidade é, pois, um
fator de extraordinária importância na determinação do
comportamento do indivíduo. Assim sendo, se pretendemos a
libertação do homem, não poderemos deixar de promover,
concomitantemente, a dignificação das estruturas da sociedade.
A pensarmos num programa de ação social para a Igreja,
devemos ter em mente o fato elementar de que este não se
poderá restringir a medidas meramente assistenciais, de alcance
imediato, ineficazes como solução para a quase totalidade dos
problemas humanos, mas que deveremos ampliar as nossas
preocupações e esforços até incluírem o combate às causas
daquelas angústias, mesmo que isso implique a verberação de
regimes e estruturas vigentes, o que nos levaria através de
caminhos mais longos, ásperos e delicados, mas necessários à
realização plena dos desígnios redentores de Deus no mundo.
Mas, quais as implicações práticas dessas considerações,
afinal? O que promover? Como fazê-lo? A resposta a essas
indagações leva-nos ao fim do nosso trabalho e ao início da nossa
experiência. Deus tem um programa específico para cada um de
nós e de nossas organizações. A seu tempo ele nos colocará no
caminho que teremos de trilhar, apontando-nos a nossa tarefa
peculiar. As atividades que mencionaremos a seguir, servirão para
tornar mais clara a visão que atrás procuramos definir,
oferecendo-nos ainda um ponto de partida válido. A meditação
das nossas circunstâncias, com o concurso do Espírito Santo, nos
dirá precisamente por onde começar, quando do que aqui vai
sugerido promover e o que mais lhe acrescentar.
A Acão Individual
Inegavelmente, a esfera mais restrita de serviço e
testemunho do cristão é a individual, no âmbito do sua influência
e responsabilidade pessoais, na medida dos seus dons e recursos
peculiares.
É evidente, que as preocupações de natureza social de que
se ocupa este estudo, não se propõem substituir as cogitações
atuais e usuais (particularmente as práticas piedosas, de estrito
sentido espiritual) das nossas Igrejas. Propomo-nos apenas
acrescentar-lhes algo, ampliar-lhes as visões, enriquecer-lhes o
testemunho. Dai a nossa presuposição de estarmos falando
sempre a crentes cônscios de suas responsabilidade óbvias como
membros da Igreja de Cristo, zelosos do cultivo de suas virtudes
espirituais e ansiosos por desenvolver os seus dons, alargando os
limites do seu testemunho e serviço até ao máximo de suas reais
possibilidades.
a) A primeira solicitação que a tais crentes se faz é que se
revistam de uma disposição perene de valer a seu
semelhante, não permitindo que o seu amor ao próximo não se
traduza apenas na “coleta para os pobres” que na sua Igreja se
faz, no apoio relativo que empreste aos seus eventuais esforços
assistenciais ou na esmola constrangida que distribui pelas
esquinas. Não nos compete, aqui, enumerar todas as
circunstâncias em que aquela disposição poderá expressar-se;
basta certificarmo-nos de que ela existe. Os apelos dos
necessitados, o constrangimento da miséria ao redor de nós, e o
sussurro do Espírito Santo, nos dirão como, quando e a quem
manifestarmos o nosso cuidado caridoso.
b) Não basta, entretanto, lançarmo-nos à prática
individual da caridade. Impõe-se comunicarmos aos que
convivem conosco essa mesma preocupação, não só
ganhando-os para esse ministério individual mas também
levando-os a se associarem (ou a emprestarem o seu concurso a
associações já existentes) para a prestação de um serviço mais
eficaz. Muitos empreendimentos de valor estão somente à espera
da sua iniciativa ou cooperação para virem a existir ampliar o
alcance do serviço que já prestam.
c) Como membros de uma Igreja, eventualmente
despreocupada de suas responsabilidade sociais, assiste-nos o
dever profético de despertar a nossa grei para esse aspecto do
seu testemunho. Servirão, para tanto, o nosso exemplo, a
exortação constante e humilde aos irmãos, o estudo dos
fundamentos bíblicos de tais preocupações perante as
organizações da Igreja, o apelo ao Pastor, a intercessão continua
para o despertamento da congregação pelo Espirito do Senhor.
d) Qualquer esforço mais sério de prestarmos serviço ao
próximo, no entanto, carecerá da perspectiva adequada se não
cultivarmos uma ética cristã para normalizar todas as nossas
relações. Esta atitude é uma segunda etapa da experiência cristã
iniciada com a conversão. Ela resultará de uma adequação dos
preceitos éticos das Escrituras, às relações humanas; do juízo da
realidade do mundo à luz dos padrões do Reino de Deus. Desta
sorte, já não seremos, por exemplo, advogados e cristãos, mas
advogados cristãos; não mais seremos estudantes e cristãos, mas
estudantes cristãos, por conduzirmos a nossa vida profissional e
secular segundo os princípios da ética cristã. Aquela dicotomia
entre o homem eclesiástico e o homem secular foi a grande
mistificação da nossa era. E, logicamente, só deveríamos
consentir em cooperar com indivíduos e organizações que se
submetessem aos mesmos critérios do comportamento.
e) A consciência de que somos “sal da terra” nos deveria
constranger a estarmos presentes onde as decisões se fazem,
onde os destinos do mundo são definidos para levar-lhes a
sugestão de caminhos e soluções mais compatíveis com os
desígnios de Deus e, conseqüentemente, com os reais interesses
dos homens. Para aqueles que são a “luz do mundo”, colocar-se
no velador não implica apenas subir aos púlpitos, mas também
aos cargos diretivos nas agremiações estudantis, à participação
nos sindicatos, nas associações culturais, nos partidos políticos,
na administração pública, na concorrência aos cargos eletivos e,
em um sem número de outros ensejos de atuar nas fontes dos
problemas sociais, para não somente remediá-los, mas corrigi-los
e preveni-los.
f) Ainda que não nos sejam accessiveis as oportunidades
de atuação referidas, resta-nos, pelo menos, o direito (que é para
o cristão uma questão de consciência) de juntarmos a nossa voz
às daqueles que através de todas as formas legítimas de
pressão (a palavra, a imprensa, as manifestações de massa, os
protestos formais, as reivindicações dos órgãos de classe, as
representações junto aos poderes constituídos, etc.), procuram
assegurar a promulgação e a aplicação de leis justas, que atendam
às necessidades fundamentais do homem . Momentos há que em
que o amor ao próximo só encontra afirmação satisfatória e cabal,
através de atos de natureza política. Foi assim com a abolição da
escravatura, os direitos da mulher e do menor, o direito de
propriedade, a justa remuneração do trabalhador, a liberdade de
pensamento e de expressão, o juízo em tribunais populares e em
tantas outras vitórias evidentes do espírito do Cristianismo sobre
as tradições dos homens e as estruturas do mundo.
A Ação da Igreja Local
A ação individual, no entanto, não esgota de maneira
alguma, as possibilidades e responsabílidades de atuação do
Cristianismo na sociedade. Há uma faixa dentro da qual o esforço
individual só tem sentido prático quando integrado num projeto
da Igreja local. Essas iniciativas, além de prestarem relativo
serviço ao povo, ilustram eloqüentemente a sua mensagem de
amor.
a) A primeira responsabilidade da Igreja local no que
tange à ação social, é a de inculcar nos seus membros a idéia
de uma cidadania responsável. É fazê-los entender que o ideal
do amor cristão os faz responsáveis não somente pela sorte
eterna de suas almas, mas também pela sua condição terrena. É
tarefa para o púlpito, o magistério da Escola Dominical, os líderes
das Organizações de Treinamento, para os Centros de Estudos. É
tema e motivo para mensagens, conferências, debates, institutos,
retiros, etc. A simples comemoração de datas cívicas pela Igreja
poderia contribuir para a comunicação dessa verdade elementar,
mas fundamental, de que somos cidadãos de dois reinos e,
responsáveis portanto, perante ambos.
b) A par dessa preocupação com a nossa responsabilidade
social, deveria a Igreja local estimular os crentes a relacionar a
mensagem cristã com os problemas da comunidade, o que
pressupõe o seu estudo carinhoso e objetivo. Além dos
instrumentos e circunstâncias já mencionados, poder-se-ia
promover visitas a bairros e regiões onde certos problemas se
revelam mais caracterizados, para observação “in loco”.
Instituições que se dedicam ao estudo e à solução desses
problemas deveriam ser objeto também de visitas orientadas.
Técnicos, observadores e estudiosos poderão comunicar os seus
conhecimentos da realidade humana em circunstâncias várias,
capacitando assim os crentes a um testemunho e a um serviço
mais inteligentes e conseqüentes.
c) Essa disposição de serviço poderia ser exemplificada
pela Igreja, como tal, através de iniciativas de natureza
assistêncial, tais como a criação de um ambulatório; distribuição
de gêneros e roupas; organização de creches e centros recreativos;
clínicas pastorais de aconselhamento; apoio financeiro eventual
(particularmente aos da própria grei); serviços de auxilio para
internamento hospitalar; assistência jurídica, ctc.
d) No âmbito do serviço social, transcendendo,
portanto, a ação paliativa das promoções assistenciais e
contribuindo para a integração do homem em níveis sociais
condígnos e estáveis, poderia a Igreja realizar Cursos de
capacitação para a vida, tais como alfabetização de adultos; de
orientação pré-matrimonial, vocacional, profissional, de artes
domésticas (corte e costura, culinária, trahalhos manuais),
secretariado, etc. A oportunidade de cada promoção será
determinada pelas necessidades comunitárias, pelos recursos da
Igreja, pela visão e pela disposição de serviço da grei.
e) Aquelas congregações que operam em bairros pobres,
pequenas localidades, proximidade das favelas, etc., poderiam
manter uma assistente social, mesmo em regime de tempo
parcial, para a visitação dos lares, levantamento de suas
necessidades maiores (para orientação da beneficência da própria
Igreja), ministracão de instrução elementar sobre alimentação,
higiene, puericultura, cuidados médicos, etc. Tal assistente,
ofereceria às populações uma imagem auspiciosa da Igreja e a esta
uma caracterização preciosa do seu campo de testemunho além
do serviço efetivo que prestaria à comunidade.
f) As Associações de Bairro, as Associações de Favelados,
as Organizações de Desenvolvimento de Comunidades, etc., que
coordenam os esforços das forças vivas da comunidade em prol
da melhoria das condições de vida e da aceleração do progresso
da região, constituem-se para a Igreja local num excelente ensejo
de integração na vida comunitária, manifestando, destarte, o
seu interesse pelo bem geral e conquistando a atenção e o
respeito da população. Tal gesto, além do seu sentido cívico, tem
uma profunda significação para a obra de evangelização da grei.
g) Poderia a Igreja participar de certames culturais
artísticos promovidos pela comunidade ou promovê-los para a
comunidade, ampliando assim a faixa onde o “encontro com o
mundo” seria possível e útil aos propósitos morais e espirituais da
Igreja. A doação de obras de bons autores evangélicos às
Bibliotecas de Colégios, Faculdades e Instituições diversas, se
constituiria num gesto de cordialidade, além de tornar possível
uma presença atuante, um testemunho perene.
h) As autoridades locais – sejam Administradores
Regionais, Prefeitos, Autoridades Policiais, Governadores.
Representantes do Povo, etc. – deveriam ser alvos da cortezia das
igrejas representadas pelos seus Oficiais que, àquelas autoridades,
levariam não só a Palavra de DEUS, mas a sua disposição de com
elas cooperarem no serviço do povo. Essa atitude, além de sua
extraordinária significação moral e espiritual, poderia tornar-se no
ponto de partida de uma cooperação profícua para a
dignificação e melhoria da comunidade.
No Âmbito de Ação Cooperativa
O Cristianismo organizado em nossos dias, caracteriza-se
pela tendência cada vez mais acentuada, para as formas de ação
cooperativa. Deve-se esse fato, em parte, à necessidade de dar aos
problemas humanos que adquirem proporções ciclópicas,
respostas e atendimentos cabais que fugiam à capacidade do
testemunho pessoal, e mesmo das congregações locais.
a) Como a maior parte do programa de ação social da
Igreja recairá sobre o testemunho e o serviço dos crentes como
indivíduos e das congregações locais, é de esperar-se que as
Denominações não descurem do despertamento, da
prepararão e da orientação de seus fiéis para o exercício desse
ministério. Literatura, palestras, conclaves, cursos, treinamento
seminarístico e tantos outros recursos, deveriam ser amplamente
utilizados no cumprimento de tal responsabilidade.
b) Mas há iniciativas de caráter prático que os grupos
eclesiásticos, como tais, poderão assumir. Há, por exemplo,
inúmeros problemas crônicos em nossas comunidades que
subsistem como campos quase virgens de serviço para os cristãos.
Exigem, quase todos, a congregação de esforços e recursos para
um atendimento eficaz. Estão entre eles: o estabelecimento de
educandários de todos os níveis; a criação de hospitais; a
organização de cooperativas de produção, consumo e crédito; a
criação de casas de estudantes, pensionatos para moças,
orfanatos, asilos para anciãos, lares de mães solteiras; serviços de
recuperação de penitenciários, alcoólatras e prostitutas,
manutencão de albergues, etc. Em muitas localidades, estas
promoções seriam pioneiras, prestando por isso mesmo,
relevantes serviços à comunidade e credenciando a Igreja perante
as populações. As vítimas que tais problemas fazem são tantas
que o seu número assume as proporções das consequências dos
grandes conflitos bélicos. Mas parece que os nossos corações só
se enternecem por aqueles que tombam ceifados pela metralha…
c) Com o apoio de organismos internacionais, por vezes,
mas sempre como uma promoção de entidades nacionais, têm
sido envidados esforços no sentido de levar a assistência
espiritual, moral e material aos participantes dos movimentos
migratórios internos. Fenômenos característicos das nações
grandes e subdesenvolvidas, têm sido para o Brasil um motivo de
lírica preocupação; para os evangélicos é um desafio ao serviço
cristão. Hospedarias, mesmo improvisadas para pernoite na rota
dos emigrantes; a sopa pobre que lhes permite prosseguir
reconfortados, a jornada; a consolação moral e a orientação
espiritual; a mão amiga no lugar de destino, quando não sabem
para onde ir; as oportunidades de trabalho; sua integração numa
comunidade eclesiástica – que será, talvez, para ele a única
sensação de segurança e de valor pessoal naquela fase da vida;
tudo isso, significa oportunidade de serviço. Ninguém poderá
aproveitá-las todas, mas algo poderá ser feito onde você e sua
Igreja estão. Talvez, para tanto, seja necessário reunir os esforços
de várias congregações, arregimentar homens de boa vontade.
Talvez, tudo dependa apenas de que você tome a iniciativa de
despertar-lhes a consciência ou comunicar-lhes a visão.
d) Ainda não se desvaneceram as gratas impressões do
magnífico trabalho de socorro realizado no após-guerra pelos
organismos cristãos mundiais. À guisa de ilustração nos referimos
à obra realizada pelo Conselho Mundial de Igrejas, protestante, e
por organizações denominacionais como a Aliança Batista
Mundial que, nos últimos meses da guerra, durante a revolta dn
povo polonês contra a ocupação russa, em vários conflitos na
Ásia e na África, receberam, cuidaram e providenciaram novo lar
para milhões de refugiados. Nestes dias, quando as áreas de
conflito só ampliam e se multiplicam, provocando a emigração
em massa nessas regiões, subsiste a necessidade daquelas
providências que continuam ser tarefa de organizações como
aquelas, apoiadas por todos nós.
e) Campeões natos da justiça e da liberdade, têm os
cristãos responsabilidades iniludíveis na sua promoção e
preservação entre os povos. Essa missão profética, que nos
tempos modernos foi vivida por homens como Knox aquele que
mudou o destino da Escócia, Wesley – o libertador dos
deserdados ingleses, Niemüeller – o profeta da Alemanha,
Bergrav – o inspirador da resistência norueguesa, Bonhoeffer - o
ousado opositor de Hitler, e tantos outros, têm encontrado, em
nossos dias, fiéis continuadores. Érik Rudén o Secretário Geral da
Federação Batista Européia, falando em nome da Aliança Batista
Mundial, foi o instrumento de Deus para a liberalização da
política religiosa do Governo de Franco, na Espanha. Em nome
do mesmo organismo, Josef Nordenhaung, obteve do Governo
comunista de Varsóvia, autorização para que se erguesse no
centro daquela capital, majestoso templo batista, enquanto um
veemente memorial enviado às autoridades espanholas, em nome
dos evangélicos do pais, lograva suspender as restrições legais aos
casamentos protestantes e ao sepultamento de evangélicos em
cemitérios públicos. Essa voz profética não poderá calar
enquanto houver tais lides para enfrentar!
f) Mas não só para protestos específicos deverá o povo de
Deus, como tal, erguer a sua voz – também, para proclamar aos
homens, os juízos e desígnios do Senhor no que tange à vida
na terra, particularmente nos instantes de crise para a
humanidade. São exemplos disso os Manifestos sobre Liberdade
Religiosa e Direitos do Homem que, em cada assembléia, divulga
a Aliança Batista Mundial; os documentos sociais de diversos
organismos protestantes, o Manifesto dos Pastores Batistas do
Brasil sobre a realidade nacional e tantos outros notáveis
pronunciamentos (vide anexos). Os cristãos se constituem,
portanto, com propriedade, em consciência do mundo. São uma
luz nas trevas. Uma luz que não se deve apagar.
Conclusão
O que aqui ficou dito não é um roteiro obrigatório nem
exaustivo, insistimos. São pontos de partida. Só o Senhor
conhece a vereda que traçou para cada um de nós. E Ele é quem
nos conduzirá.
Mas, “convém que eu faça as obras daquele que me
enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode
trabalhar” (João 9.1). Nossa tarefa é urgente e imensa. Temos de
nos esforçar “até que tudo esteja levedado” (Mateus 13.33).
“Enquanto um desgraçado trouxer a marca do cativo no pulso,
toda a raça estará no cativeiro; sempre que um indivíduo
permanecer na podridão do vício, a humanidade se arrastará na
lama; todo o tempo que uma criatura de Deus carecer de pão, o
gênero humano se achará faminto; enquanto um homem for
objeto de exploração econômica pelo homem, o mundo não terá
um homem livre… Enquanto não levantarmos o último que
estiver caído todos nós estaremos no chão” (H. C. Lacerda).
Este é um serviço que devemos ao Senhor, desde que Ele
próprio nos afirma: “Em verdade vos digo que, quando o fizestes
a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mateus
25.40). Cumpre-nos dar o testemunho que salva a alma e praticar
a ação que alimenta o corpo e dignifica o espírito se queremos a
plena realização do homem à imagem e semelhança de Deus
criado.
“Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sereis se as
fizerdes” (João 13.17).
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Confederação Evangélica do Brasil, 1962.
ANEXOS
MANIFESTO DOS MINISTROS BATISTAS DO BRASIL
A Ordem dos Ministros Batistas do Brasil, entidade que
congrega os pastores que servem às Igrejas da Convenção Batista
Brasileira, em sua última Assembléia Geral, realizada na cidade de
Vitória, Estado do Espírito Santo, resolveu apresentar à Nação
Brasileira e à Denominação Batista em particular, o seguinte
MANIFESTO
Reconhecemos ser um privilégio dos Batistas Brasileiros a
iniludível responsabilidade de contribuir não somente para a
solução dos problemas que no momento assoberbam o nosso
povo, como também para a determinação do seu destino
histórico. Não o afirmamos apenas porque sejamos uma parcela
apreciável desse mesmo povo, mas porque entendemos ser essa
participação inerente à missão de “sal da terra e luz do mundo”,
que o Senhor mesmo nos outorgou.
Nossas preocupações estão em consonância não só com
as dos Profetas bíblicos, que se constituíram nos intérpretes da
vontade de Deus para os seus povos nos momentos de maior
gravidade de sua história, como também do próprio Cristo, que
além de partilhar, quando da encarnação, na sua inteireza a
condição humana, afirmou ser o seu Evangelho uma resposta
satisfatória a todos os anseios da criatura, e uma solução cabal
para todos os problemas da humanidade (Lucas 4.16-21).
Entenderam-no assim também Guilherme Carey, o pai
das missões modernas, e corajoso batalhador contra o sistema das
castas na índia, Roger Williams, o pioneiro da liberdade religiosa
em nosso continente, Walter Rauschenbush, o arauto das
implicações sociais do Evangelho, Martin Luther King Jr., o
campeão da luta pelos direitos da minoria negra oprimida, e
tantos outros batistas através dos tempos.
Resulta daí não só a legitimidade, mas também a
necessidade de os membros das nossas Igrejas assumirem as suas
responsabilidades como cidadãos, participando efetivaraente na
vida política do país e integrando-se nas organizações de classe, a
fim de influírem nas decisões de que resulta a configuração do
nosso destino como nação.
Os Direitos da Pessoa Humana
Ainda que reconheçamos a importância e a significação
das instituições, acreditamos ser o homem o fulcro das nossas
preocupações, porquanto “criado à imagem e semelhança de
Deus”. Porisso, entendemos estar a legitimidade de qualquer
regime, sistema ou instituição condicionada à medida em que
possibilite à criatura a plena realização da sua humanidade.
Esta convicção nos fez, desde sempre, intransigentes
defensores da liberdade em todas as suas formas de expressão –
liberdade de consciência, de religião, de imprensa, de associação,
de locomoção, etc., bem como de auto-determinação dos povos
livremente manifesta como condição imprescindível à vida
humana.
Por corresponderem à nossa concepção dos direitos e
deveres da pessoa humana, insistindo em que os princípios a esse
respeito consagrados na Constituição Federal de 1946, na Carta
das Nações Unidas e da Declaração dos Direitos dos Homens,
sejam universalmente aplicados, de sorte a serem banidos da face
da terra a exploração do homem pelo homem ou pelo Estado, em
qualquer das suas formas, e os totalitarismos de toda espécie,
assegurando-se a prática da verdadeira democracia.
Igreja e Estado
Inspirados no preceito bíblico “Dai a César o que é de
César, e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22.21), temos
propugnado pela existência de Igrejas livres num Estado livre,
preconizando a delimitação inteligente e respeitosa das esferas de
responsabilidade e ação da Igreja e do Estado, sem interferências
abusivas ou relações aviltantes de dependência, embora
permitindo a cooperação construtiva entre ambos. Por isso,
temos repugnado a concessão de privilégios ou de favores
financeiros destinados ao sustento e promoção do culto de
quaisquer grupos religiosos.
Assim é que, entendendo ser o ensino religioso uma
atribuição específica dos lares e da Igreja, consideramos imperiosa
a reforma do dispositivo constitucional que estabelece o ensino
religioso nas escolas mantidas pelo governo, que deverão
continuar leigas, assim como é leigo o Estado que as mantém,
para que não se propicie a criação de um clima de intolerância e
de preconceito religioso em nossas instituições de ensino público.
Justiça Social
Embora nos regozijemos pelas conquistas sociais do povo
brasileiro, reconhecemos a inadequação da presente estrutura
social, política e econômica para a realização plena da justiça
social, pelo que insistimos na necessidade de um reexame
corajoso, objetivo e despreconcebido da presente realidade
brasileira, com vistas à sua estruturação em moldes que
possibilitem o atendimento das justas aspirações e necessidades
do povo.
Essa necessidade ressalta da constatação da ineficiência
dos institutos assistenciais do Estado, que transformam num
favor concedido a custo, direitos líquidos dos trabalhadores; da
irracional aplicação dos recursos públicos, que deveriam antes de
se destinar, mais liberalmente, aos ministérios da Saúde,
Educação e Agricultura, para a solução de problemas sociais
angustiantes; da sobrevivência de regimes feudais de propriedade
e exploração da terra; da generalizada pobreza das populações
carentes mesmo do alimento indispensável à sobrevivência; da
injustiça na distribuição das riquezas, e da utilização destas para o
cerceamento das liberdades essenciais; da inadequada exploração
das nossas riquezas naturais, cujo aproveitamento não só
deveríamos intensificar, como fazer revestir-se de significação
social; do crescente empobrecimento do patrimônio nacional pela
remessa para o exterior dos lucros, extraordinários auferidas em
nosso país; da corrução que tem campeado nos pleitos eleitorais,
na prática policial (quer preventiva, quer corretiva), na
previdência social, no preenchimento de cargos públicos, na
aplicação dos recursos sindicais, etc.
São ainda evidências daquela afirmação o tratamento
meramente policial dado aos movimentos populares da cidade e
do campo, que mereciam ser antes objetiva e carinhosamente
estudados, para que viessem a ser orientados construtivamente
para o bem geral, através do atendimento das suas justas
reivindicações; como também aos movimentos de greve, que, se
muitas vezes desvirtuados, se constituem, entretanto, num
instrumento legítimo de reivindicação social e de preservação dos
direitos dos trabalhadores, e que deveriam, porisso mesmo, ser
objeto de uma cuidadosa regulamentação.
Embora afirmemos ser a renovação do homem, mediante
a transformação da personalidade, operada por Jesus (Visto, o
fundamento básico sobre que terá de se alicerçar uma sociedade
realmente nova, propugnamos também pela realização de
reformas de base na vida nacional, de sorte a possibilitar à
criatura a concretização de seus legítimos anseios terrenos.
Porisso, preconizamos a promoção urgente de reformas tais
como: a) reforma agrária, que venha atender ás reivindicações do
homem do campo explorado; b) reforma eleitoral, que venha
liquidar as circunstâncias que possibilitam e estimulam os nossos
maus costumes políticos; c) reforma administrativa, que ponha
termo ao nepotismo, ao filhotismo e à ineficiência tão
generalizada quanto onerosa dos serviços públicos; d) reforma da
previdência social, que venha por em funcionamento as nossas
leis sociais com o pleno reconhecimento e o efetivo atendimento
dos direitos dos que trabalham.
Recomendação Final
No cumprimento, pois, da missão profética que
recebemos do Senhor, concitamos o Povo Batista Brasileiro a
integrar-se cada vez mais no processo histórico da nossa
nacionalidade, contribuindo para que o futuro corresponda aos
desígnios de Deus para a nossa Pátria. Debrucemo-nos, portanto,
sobre a realidade brasileira, procurando compreender-lhe os
problemas, sentir-lhe as angústias, partilhando as suas dores.
Busquemos nas Escrituras as soluções divinas para os problemas
do homem. E, corajosamente, desfraldemos, em nome do Cristo,
a bandeira da redenção total da criatura. Da redenção temporal e
eterna do povo brasileiro!
Pela
Ordem dos Ministros Batistas do Brasil,
a Diretoria:
Presidente – José dos Reis Pereira
1°. Vice-Presidente – José Lins de Albuquerque
2°. Vice-Presidente –Hélcio da Silva Lessa
Secretário Geral – Tiago Nunes Lima
1°. Secretário – Irland Pereira de Azevedo
2°. Secretário – José dos Santos Filho
Tesoureiro – Otávio Felipe Rosa
Procurador – David Malta Nascimento
Bibliotecário – Tércio Gomes Cunha
DECLARAÇÃO DA IGREJA
REFORMADA FRANCESA
ELEMENTOS PERMANENTES DE UMA ÉTICA
SOCIAL CRISTÃ
Durante os últimos anos, o Conselho da Federação
Protestante tem deparado com situações políticas e sociais que
levantam graves problemas para as Igrejas cristãs. Tentou, então,
definir as razões, os fundamentos e as modalidades de sua
eventual intervenção ou de seu silêncio no curso desses
acontecimentos. O Conselho não está tão interessado em
justificar sua ação no passado – que certamente não está isenta de
erros – mas deseja definir, de maneira mais clara que puder, as
regras de sua ação no futuro.
O Conselho acredita que a forma essencial de intervenção
da Igreja, no mundo, reside na pregação fiel e atual do Evangelho
e na intercessão de todas as comunidades em que o Corpo de
Cristo se manifesta. Deseja que participem destas reflexões todos
os pastores e conselheiros presbiteriais que exerceu seu ministério
nas Igrejas ligadas à Federação Protestante da França.
É este o objetivo da presente carta, que não pretende ser
documento definitivo. O Conselho faz votos para que ela
desperte pensamentos e reações que serão recebidos com
reconhecimento.
RAZÕES
Acreditamos que a Igreja não pode ficar estranha aos
problemas políticos e sociais, imaginando que sua missão e
testemunho só têm relação com a vida particular dos fiéis. O
testemunho dos profetas do Antigo Testamento lembra-nos, com
forca singular, que a relação pessoal estabelecida pelo Deus que é
Justiça com o seu povo, dirige as relações que os homens devem
estabelecer entre si: a justiça de Deus exige o estabelecimento da
justiça social. O amor de Deus, revelado em Jesus Cristo, tem,
como conseqüência necessária, o serviço ao próximo. Ora, o
serviço ao próximo só se pode realizar de maneira eficaz quando
são estabelecidas pelo poder político, instituições sociais, cada vez
mais numerosas. A caridade tem por objeto o próximo, e além
disso faz de num o próximo de todos aqueles que estão em
necessidade; ultrapassa, portanto, qualquer forma de justiça
social, mas não prescinde dela como decorrência obrigatória .
É este impulso de amor que nos leva a querer bem a
nossos filhos e a exigir do Estado leis que assegurem proteção à
infância.
Qualquer intervenção do Conselho das Igrejas levanta
imediatamente reações em sentido contrário: alguns acham que as
Igrejas devem manter-se no domínio puramente espiritual,
afirmando que na Igreja não deve haver política. Outros, ao
contrário, desejam que as Igrejas multipliquem suas declarações e
intervenções junto aos poderes públicos e que entrem, de
maneira menos medrosa, no campo político e social. São dois
perigos opostos, aos quais devemos prestar grande atenção.
É verdade que os problemas políticos e sociais ocupam
lugar bastante reduzido em o Novo Testamento. Cristo se limitou
a nos prevenir contra a confusão entre a autoridade de Deus e a
autoridade dos chefes políticos (Mateus 22.24); também acentuou
a tentação da tirania ligada ao poder (Lucas 22.25). O Apóstolo
Paulo só recomendou aos cristãos que se submetessem às
autoridades estabelecidas que exercem o ministério que vem de
Deus para o bem dos homens (Romanos 13.1-7). Igualmente, o
Apóstolo Paulo (I Timóteo 2.2) e o Apóstolo Pedro (I Pedro
2.13-17) pediram aos fiéis que orassem pelas autoridades e que as
respeitassem, não somente por medo, mas por motivos de
consciência.
É conveniente observar que, contrariamente a uma
interpretação muitas vezes dada no decorrer da história, a
obediência exigida de nós à autoridade, não é obediência
incondicional: o Estado é servo de Deus para o nosso bem, para
proteção daqueles que fazem o bem e para a repressão do mal.
Como o poder político não está livre do pecado, acontece que ele
esquece sua missão, ou até confunde o bem com o mal. O cristão
é então chamado a exercer um ministério de vigilância, que
pressupõe a faculdade do julgamento político. Orar pelas
autoridades só significa oração autêntica quando os fiéis têm
consciência das dificuldades concretas que as autoridades
enfrentam, quando medem o jogo tantas vezes dramático das
decisões políticas.
Além disso, importa não esquecer que na época apostólica
a política só envolvia pequeno número de homens e o Estado só
intervinha na vida dos cidadãos de maneira muito limitada e
exterior (impostos, polícia, justiça civil e penal, às vezes serviço
militar).
Hoje, não acontece o mesmo. A política influencia a
nossa vida cotidiana; somos constantemente chamados exercício
de nossas responsabilidades de cidadão. E cada vez mais o
Estado intervém em campos mais extensos (educação,
informação, segurança, trabalho, saúde, justiça social). Em
política, importam não apenas problemas técnicos e
administrativos mas em primeiro lugar problemas humanos e
morais que tratem não somente do bem estar e conforto do
homem, mas também de suas relações com o próximo, do futuro
de seus filhos, do respeito a que tem direito toda criatura humana,
da paz e da guerra. De que maneira poderiam as Igrejas pensar
que a pregação do Evangelho não tem relação com problemas
semelhantes e que o serviço ao próximo nada tem a ver com a
política?
Pode ser que a expectativa da vinda iminente do Reino de
Deus tenha afastado os cristãos primitivos dos problemas
políticos (da mesma forma como Paulo desaconselhava o
casamento em virtude desta iminência). No entanto, o
cristianismo outrora, confrontado com as exigências do culto
imperial e do serviço militar, logo se viu na obrigação de resolver
problemas de caráter político, sem dúvida pouco numerosa. A
fidelidade ao único Kyrios assim o exigia.
Veremos, em seguida, que a expectativa do Reino de
Deus, longe de desvalorizar as exigências éticas, dá-lhes, ao
contrário, particular relevo.
Além do mais, a política é campo em que se exercem
paixões ligadas à conquista e obtenção do poder; nela os homens
tendem a apresentar seus ideais em termos absolutos e a fazer
julgamentos inapeláveis a respeito daqueles que não partilham das
suas próprias opiniões. A Igreja pode ensinar-nos a situar os
problemas políticos em seu verdadeiro lugar, e a tirar a paixão tão
característica dos debates políticos, lembrando-nos de que só
existe obediência absoluta para com Deus.
As únicas razões que podem obrigar a Igreja a intervir no
domínio político e social são a obediência a Deus e o serviço ao
próximo. Ela se afasta de sua função quando combate pela vitória
de determinado partido político. E ao contrário exerce seu
ministério autêntico quando nossas intervenções estão
estreitamente relacionadas com a pregação do Evangelho, sendo
o serviço ao próximo o único objetivo.
FUNDAMENTOS
Qualquer intervenção política da parte da Igreja deve ter
relação muito precisa com seu duplo ministério: de pregação e de
diaconia; é importante, pois, que ela conheça perfeitamente os
fundamentos de sua ética política e social.
Salientamos, em primeiro lugar, para evitar qualquer
equívoco, que a Igreja não pode de forma alguma estar a reboque
de uma ideologia ou partido político, porque não existe doutrina
humana que se possa chamar de cristã. É necessário que ela vigie
constantemente para que não se deixe levar por ideologias cujo
caráter humanitário e generoso pode redundar em ilusão ou
confusão. Por outro lado, a Igreja não deve condená-las
sistematicamente; deve prestar atenção a que não se estabeleça
qualquer dúvida entre a mensagem cristã e essas doutrinas,
mesmo quando elas trazem a marca de influência cristã (por
exemplo, o liberalismo democrático e o socialismo humanista).
Em segundo lugar, a norma das intervenções da Igreja
não está nunca em princípios abstratos. “A tentação de procurar
refúgios em princípios espreita sempre a Igreja e deve ser
repelida. Em moral social, assim como em moral pessoal,
princípios isolados do senhorio vivo e contemporâneo de Jesus
Cristo correm sempre o risco de se tornarem objeto de idolatria,
terminando por esconder de nós a vontade de Deus, e dando-nos
simplesmente meios para nos justificássemos”.13
A ética cristã só tem como fundamento a pessoa e a obra
de Jesus Cristo.
1) Ele é o Senhor vivo, elevado à direita de Deus Pai, a
quem todo o poder foi concedido, e cuja vinda marcará o
cumprimento dos tempos e o estabelecimento do Reino de Deus.
A Igreja espera a vinda deste Reino de justiça e de paz que se
aproximou de nós em Jesus Cristo. O Reino, em sua iminência,
introduz nova dimensão na existência humana. A história não
está mais unicamente dominada pelas fatalidades e determinismos
do passado, mas aberta ao futuro e à esperança.
Conseqüentemente, a precação do Reino de Deus não teria
seriedade se não estivesse acompanhada de esforço para edificar
em o nosso mundo pecador sinais do Reino. A Igreja deverá
intervir para obter mais justiça, mais liberdade, mais solidariedade
entre os homens, e tudo isso porque, consciente, das exigências
do Reino de Deus, ela não pude esperar sua vinda sem qualquer
tipo de ação. Qualquer esperança escatológica que não signifique
uma ética concreta degenera em falso messianismo e em
mitologia.
2) Ele é, até o fim dos tempos, o Senhor crucificado,
aquele que deu sua vida para que nós tenhamos paz com Deus.
Através de sua morte, Ele nos reconciliou com Deus, “a saber,
que Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não
imputando aos homens as suas transgressões; e nos confiou a
palavra da reconciliação” (II Co. 5.19). Não podemos guardar
para nós a paz que Cristo nos deu. A Igreja deve anunciar aos
homens que eles estão reconciliados, e, mais ainda, deve trabalhar
para tornar evidente esta reconciliação. Todas as intervenções
políticas e sociais da Igreja devem, portanto, ter como objetivo a
13
“Plan d’étude sur 1’Eglise et lê probléme algérien”, publicado pelo
Conselho Nacional da Igreja Reformada da França, pg. 11.
reconciliação entre os homens, nações, raças e classes. Mesmo
que esta reconciliação só signifique apaziguamento provisório,
certo armistício, ordem de cessar fogo, ela conserva o valor de
um indício da reconciliação realizada de uma vez por todas na
cruz. No plano político, esta reconciliação pode tomar
particularmente o aspecto do direito, isto é, o conjunto de
garantias jurídicas destinadas a assegurarem a ordem e a
tranqüilidade, e a reprimirem os atentados contra a justiça. Por
isso mesmo, por causa da mensagem da reconciliação que lhe foi
confiada, a Igreja deve freqüentemente pedir ao Estado que
desempenhe seu papel, isto é, seja o guardião do direito.
3) Ele é o Senhor encarnado, aquele que de rico se fez
pobre, aquele que não quis prevalecer-se de sua igualdade com
Deus, “antes, de si mesmo se esvaziou assumindo a forma de
servo, tornando-se em semelhança de homens” (Filipenses 2.7).
A encarnação e a humilhação do Cristo obrigam a Igreja a ficar
do lado daqueles que se humilharam, do lado dos pobres e de
todos os maltratados pela vida. Não se trata aqui de afirmação de
princípios que ligaria a Igreja a determinada classe social. Tendo
em mente a narrativa do julgamento final, expressa em Mateus
25, a igreja deve esforçar-se por discernir os verdadeiros pobres,
os antigos e os novos pobres: todos aqueles que estão
abandonados, doentes, perseguidos, em prisão, qualquer que seja
a origem de sua miséria, têm direito à sua solicitude. Se, por um
lado, a Igreja deve lembrar sempre aos poderosos e aos
vencedores do momento as exigências de uma justiça rigorosa,
por outro lado ela deve anunciar aos fracos e aos vencidos a graça
e a misericórdia de Deus. A uns e a outros deve ensinar que a lei
é sempre uma das faces do Evangelho da Graça. Além disso, a
vinda do filho de Deus encarnado confere valor inestimável a
toda criatura humana. A Igreja incessantemente lembrará certo
valor que o ser humano tem, e intervirá todas as vezes que este
valor for ameaçado, ou pelo poder arbitrário, ou por instituições
desumanas.
Em resumo, a ética cristã deve achar-se não sob a
autoridade de princípios abstratos, mas no tríplice foco da
escatologia, da reconciliação pela cruz e da encarnação. Este
mistério tríplice nos indica os três aspectos do dom que Deus nos
conferiu em Jesus Cristo.
Se é este o fundamento da ética cristã, o objetivo de
qualquer ação cristã e de qualquer intervenção da Igreja no
domínio político e social só poderá ser a gratidão para com Deus.
A seriedade de nossa gratidão deve ser comprovada pela
qualidade de nosso serviço para com os homens.
Premida por este sentimento de gratidão, a Igreja não
poderá ficar confortavelmente alheia ao drama político e social,
mesmo que não possa entrar na competição técnica do mundo.
Em civilização como a nossa, em que a técnica reclama uma
espécie de primazia, é particularmente importante que a Igreja
manifeste sua voz bem inconformada, embora sem competência
técnica, agindo em conta de pura gratidão para com o Deus que
a satisfez em Jesus Cristo.
MODALIDADE DE APLICAÇÃO
Tomando como ponto de partida as observações
anteriores, é possível estabelecer algumas regras e limites em
relação às intervenções da Igreja no domínio político e social.
1) A oração em favor das autoridades e das vítimas da
injustiça deve ser a primeira forma do serviço político da Igreja.
Não deve ter caráter abstrato e intemporal. Deve apresentar,
perante Deus, as preocupações e as infelicidades do momento.
2) Para marcar bem a distância que existe entre as
exigências absolutas da revelação bíblica e os imperativos mui
relativos dos sistemas humanos, a Igreja não se fundamentará
nunca em determinada doutrina política e social. Suas
intervenções e declarações visarão unicamente situações
concretas, em que, tanto para os homens como para as
comunidades, estejam em jogo a justiça, a liberdade, a dignidade e
a paz.
No momento em que seja necessário formular certo
número de diretivas sobre justiça social, vida política e
econômica, deve a Igreja procurar estabelecer estreita relação
entre estes princípios e as exigências da revelação bíblica, a fim de
mostrar, inequivocamente, que ela não se inspira em nenhuma
ideologia particular.
3) A Igreja não se preocupa em saber se tem
oportunidade de ser ou não seguida pela opinião pública, ou de
defender uma causa popular ou não. Mas, por outro lado,
fundamentando sua atitude nas exigências do Evangelho, ela não
receia ter aliados comprometedores; ela não fica ressentida em
ver que a causa que defende é igualmente, defendida por outras
organizações, mesmo se algumas delas têm posições anti-cristãs.
4) Não separando nunca suas intervenções no domínio
político-social do testemunho que ela deve a Jesus Cristo, Senhor
da Igreja e do mundo, a Igreja se esforça por indicar mais
claramente possível os motivos que a levam à ação. Julgará
essencial que sua linguagem seja accessível a todo homem de boa
fé.
5) A fim de não dar a impressão de se considerar a si
mesma como potência, exercendo pressões ocultas, a Igreja dará,
na medida do possível, às suas intervenções, caráter público. A
pregação do Evangelho não pode ficar clandestina. Contudo,
poderá acontecer que a Igreja seja chamada a exercer ministério
de advertência junto a determinados responsáveis políticos, ou
mesmo certo ministério de consolo. É lógico que nestas
condições a intervenção da Igreja deve ter caráter secreto.
6) Os problemas políticos e sociais se revestem, às vezes,
de tal complexidade e tecnicismo, que se torna impossível
perceber onde está o dever do cristão e de que forma se podem
aplicar as exigências do Evangelho. É evidente que as Igrejas
devem mobilizar todas as autoridades competentes para ficar
informadas, de maneira mais séria e científica, dos problemas que
enfrentam. No entanto, poderá ser necessário também que, não
podendo ver claramente, as Igrejas se vejam obrigadas a manter
silêncio e a resistir a todos aqueles que desejam constrangê-las a
falar. Igualmente, devem reconhecer com honestidade que, em
numerosos assuntos, razões autenticamente cristãs podem ser
alegadas em favor de opções diferentes, ou mesmo contraditórias.
As Igrejas devem estar conscientes de que não podem
impunemente invocar a autoridade da Palavra de Deus a favor de
escolhas pessoais ou contra elas, razoáveis ou não, nem ter como
certo que todos os cristãos estejam de acordo por motivos de fé.
Não é possível determinar, antecipadamente, que assuntos
derivam do livre arbítrio razoável de cada qual, e que questões
estão em relação estreita com as exigências evidentes da fé
evangélica. É muito possível que um problema puramente técnico
manifeste de chofre um ponto fundamental a respeito do qual as
Igrejas se devam manifestar com toda clareza.
7) As Igrejas não precisam pensar em manifestar uma
opinião média, mas explicar, se puderem, o julgamento e a
promessa de Deus a respeito de uma situação concreta. Elas não
poderiam, portanto, justificar seu silêncio, alegando a divisão de
opinião de seus fiéis; pois devem exercer, para com eles, um
ministério de advertência e de ensino. Contudo, cada comunidade
deverá esforçar-se por agir dentro da comunhão da Igreja inteira,
tomando muito cuidado para não levantar seus fiéis uns contra os
outros, por motivos ideológicos e apaixonados.
Todo pastor e paróquia devem lembrar-se que não
constituem sozinhos a Igreja de Jesus Cristo, e devem tomar
cuidado em não confundir suas convicções particulares com a
Palavra de Deus.
8) Preocupada em pronunciar-se somente em o nome da
Palavra de Deus, à qual devem estar sempre subordinados os
argumentos racionais, a Igreja dá ás suas declarações e
intervenções certa solenidade, sem exagero, para que não percam
seu alcance. Contudo, em certas circunstâncias, perante algum
perigo particularmente grave, ela não hesita em multiplicar suas
advertências.
9) A Igreja só preenche seu ministério profético se ela
previne a tempo os homens e as nações, indicando-lhes a tempo
perspectivas para o futuro.
10) A Igreja está consciente de que, por motivos de
consciência, um crente pode assumir compromissos políticos e
sociais que ela mesma, como comunidade, não poderia assumir,
nem aprovar, nem desaprovar em nome da Palavra de Deus. Por
isso, não procura, numa espécie de legalismo, definir um sistema
político ou social considerado cristão. Ela mantém-se em
comunhão com todos os seus filhos que crêem, conscientemente,
ter de tomar posições diferentes das tomadas pela maioria dos
crentes. Ela se esforça por ter um diálogo constante com aqueles,
para que não se sintam abandonados, e possam receber conselhos
ou de prudência ou de audácia.
11) Esforça-se a Igreja por formar homens responsáveis,
capazes de correr corajosamente os riscos deste mundo. Ela se
lembra da palavra do Apóstolo: “Para a liberdade foi que Cristo
nos libertou” (Gálatas 5.1).
Conselho da Federação Protestante
29 de março de 1963
(Transcrito do “Bulletin d’Information”, da Igreja
Reformada da França, número especial de março de 1963.
Tradução de Maria Luiza César. Editado no Brasil pelo
setor de Responsabilidade Social da igreja, da
Confederação Evangélica do Brasil).
MANIFESTO SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA
Congresso Batista Mundial, Cleveland, Ohio, 25 de Julho de
1950
Nós, os Batistas de todo o mundo, ENCARAMOS com
grave preocupação o condicionamento das consciências e as
deliberadas perseguições religiosas que presentemente estão
ocorrendo em várias partes do mundo.
Afligimo-nos ao saber que limitações são impostas à
pregação da Palavra de Deus; que a instrução religiosa,
particularmente da juventude, tem sido dificultada, e que os
movimentos de mocidade são proibidos; que se interfere no
treinamento do ministério e na indicação dos oficiais das Igrejas;
e que obstáculos são postos à evangelização pública e à obra
missionária.
O princípio da separação entre a Igreja e o Estado tem
sido seriamente questionado, mesmo naquelas áreas onde vem
sendo praticado; oficiais e membros das Igrejas têm sido presos e
encarcerados numa escala crescente tanto nos países comunistas
como naqueles em que a Igreja Católica Romana predomina.
Além disso, lamentamos observar que em algumas nações
onde existem Igrejas Protestantes, oficialmente ligadas ao Estado,
grupos religiosos minoritários têm sido objeto de discriminações
legais.
Os Perigos Atuais
Em face desta violação da liberdade religiosa e dos
direitos básicos do homem, somos levados a DECLARAR que
em nenhuma outra ocasião na história do Cristianismo houve
maior risco de perdermos a visão dos princípios e ideais pelos
quais ele existe. O perigo se agrava pelo fato de estar sendo a
liberdade negada por aqueles que afirmam amá-la. A violação das
consciências não ocorre somente nos paises comunistas, mas
também no seio das próprias Igrejas. Não somente os comunistas
encarceram Católicos Romanos e Protestantes; os Católicos
Romanos têm perseguido Protestantes e certos Protestantes,
ainda que em menor escala, têm negado aos Católicos Romanos e
a outros grupos, a completa liberdade.
Os governos totalitários, as alianças entre a Igreja e o
Estado, e o secularismo materialista se conjugam para fazer da
sorte das igrejas livres um tema para a nossa mais profunda
preocupação.
O Desafio
Tendo-nos identificado, desde sempre, com os princípios
de liberdade religiosa nos termos em que fluem da Palavra de
Deus, nós, como Batistas, REAFIRMAMOS agora a nossa
posição histórica, e nos comprometemos a conquistar para todos
os homens o direito de livre acesso a Deus, bem como o direito
de formar e propagar a sua opinião religiosa sem a interferência
dos poderes civis e eclesiásticos.
Nós cremos que todas as pessoas têm o direito de
expressar as suas convicções religiosas através da adoração, do
ensino e da prática, sem recear repressões políticas, sociais ou
morais. Situamo-nos contra a tirania, seja ela do Estado ou da
Igreja, e condenamos como contrários à vontade e ao propósito
de Deus quaisquer atos que violentem as consciências dos que
amam a liberdade.
Apoiamos a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, adotada pelas Nações Unidas, que inclui entre aqueles
direitos “a liberdade de mudar de religião ou crença, e de
manifestá-las, individual ou coletivamente, pelo ensino, pela
prática e pelo culto”.
Apelo à Ação
Entendemos que o desafio a certas Igrejas é um desafio a
todos nós, e que não estamos sozinhos nesta lula pela liberdade:
Apelamos às Igrejas Batistas em todo o mundo para que
assumam a liderança na proclamação e prática da liberdade
religiosa.
Apelamos às Igrejas Protestantes ligadas ao Estado, bem
como as demais Igrejas que desfrutam de condição majoritária,
para que zelem e promovam os princípios da liberdade religiosa,
assegurando-a aos Católicos Romanos, Judeus e membros de
outros grupos religiosos, assim como àqueles que não têm fé, os
mesmos direitos e privilégios que exigem para si mesmos, sem
discriminações ou restrições.
Apelamos à Igreja Católica Romana para que abandone a
sua atitude de discriminação e perseguição aos Protestantes e
Evangélicos na Espanha, Itália, Portugal, Congo Belga, México,
Argentina, Colômbia etc., e a unir-se fraternalmente com todos
os amantes da liberdade contra o totalitarismo e em prol da
completa liberdade religiosa.
Apelamos aos dirigentes dos países comunistas para
cessarem a sua política de discriminação contra a religião e de
intimidação das Igrejas cristãs e seus líderes em virtude de prisões
e ameaças de prisão, bem como o impedimento de a juventude
cristã se organizar e publicamente proclamar o evangelho.
Apelamos ás Nações Unidas para aplicarem os princípios
da Declaração Universal dos Direitos Humanos às nações e
territórios presentemente sob o domínio de qualquer grupo
religioso específico (seja ele o Islamismo, o Catolicismo Romano
ou o Protestantismo), assim como tem procedido em relação aos
países dominados pelo comunismo, colocando-os perante o juízo
da opinião mundial, e recusando-lhes o privilégio de associar-se
ás nações amantes da liberdade, até que tenham demonstrado que
pretendem submeter-se àquela declaração em espírito e prática.
Apelamos a todas as nações para demonstrarem o seu
apoio à Declaração Universal dos Direitos Humanos pela
ratificação do pacto destinado a legalizá-la.
Causas de Regozijo
Regozijamo-nos por nos encontrarmos em um pais que
possui uma nobre tradição de liberdade religiosa, preservada na
Constituição dos Estados Unidos da América e na sua Carta de
Direitos, mantida através de gerações de uma tradição de igrejas
livres em um estado livre, que, estamos certos, sob a direção e a
bênção de Deus, jamais serão destruídos.
Pedimos a Deus, único Senhor das consciências, para conduzir a
humanidade das trevas, à luz, da falsidade à verdade, do medo à
liberdade.
O CREDO SOCIAL DA IGREJA METODISTA DO
BRASIL
I – NOSSA HERANÇA
A Igreja Metodista do Brasil, organizada como igreja
autônoma em 1930, e vinculada ao Metodismo Universal por suas
relações fraternais e de ordem estrutural estabelecidas nos
Cânones, está profundamente interessada no bem-estar social do
povo brasileiro. Este seu interesse tem base nos evangelhos, nas
obras de João Wesley, o organizador da Igreja Metodista, e na
tradição metodista que tem sido mantida secularmente em todo o
mundo.
A Igreja Metodista do Brasil, neste momento histórico
por que passa a pátria brasileira, reafirma sua posição tradicional,
como guardiã das liberdades humanas e da ordem social e
econômica, de acordo com os princípios cristãos.
Outrossim, concita a todos os seus adeptos a colocar toda
sua vida, suas atividades, suas posses e suas relações de acordo
com a vontade de Deus.
II – BASE TEOLÓGICA
A Igreja Metodista do Brasil encara a complexidade dos
problemas brasileiros de acordo com o espírito do ensino de
Jesus. Ele nos ordena a amar ao próximo como a nós mesmos.
Esta ordem nos impõe a busca da justiça para o nosso próximo.
Silenciar, pois, em face das necessidades, da injustiça e da
exploração é negar a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Cremos que Deus é Pai de toda a raça humana, que Jesus
Cristo é Seu Unigênito Filho e que os homens são todos irmãos.
Cremos que o homem é de valor infinito como filho de
Deus.
Cremos que “ao Senhor pertence a terra e a sua
plenitude” e, portanto, nossas capacidades, nossos bens, nossos
talentos, tudo que possuímos, vem do Criador e devem ser
usados para o serviço de Deus.
Cremos que a comunidade cristã é essencial para o
desenvolvimento da pessoa humana, em sua plenitude.
Cremos que o pecado, tanto individual como coletivo,
está sob o julgamento divino e que a graça de Deus é suficiente
para a redenção da vida humana, em todos os seus aspectos,
quando buscamos, em penitência e fé, realizar a vontade de Deus.
Cremos no valor real das pessoas aos olhos de Deus e
assim devemos nós encará-las.
Julgamos as instituições e suas práticas pela maneira como
influem elas na pessoa humana. Existe opressão em muitos
setores da nossa sociedade. Nosso propósito é a emancipação dos
oprimidos e a busca dos meios de enriquecimento e redenção da
humanidade. Aceitando o princípio bíblico de que Jesus morreu
para a redenção do homem cremos que é nosso dever viver para
ajudá-lo a libertar-se do pecado e de tudo que o possa prejudicar
ou destruir. Em virtude dos princípios acima enumerados, a
Igreja Metodista do Brasil assim se expressa:
III – ORDEM POLÍTICO-SOCIAL-ECONÔMICA
A Igreja Metodista do Brasil não identifica o Cristianismo
com nenhum sistema político-social e econômico. Julgamos o
conteúdo e os métodos de qualquer sistema, segundo o
Evangelho, de acordo com o espírito do ensino de Jesus.
Acreditamos que é dever da Igreja não somente salvar o
indivíduo, mas contribuir para que a sociedade em que ele vive
seja dirigida e orientada pelos princípios cristãos.
A sociedade brasileira está caracterizando-se cada vez
mais pela vida industrial e urbana. A cidade é um centro
poderoso para o bem ou para o mal e suas populações mutáveis
necessitam de orientação cristã e do poder curativo da religião.
Por outro lado, o Brasil, pela sua vasta extensão territorial
inexplorada, não pode ignorar a importância da zona rural como
fonte de riqueza e produção. Para o campo voltam as vistas os
órgãos governamentais e para eles a Igreja Metodista deve
atentar.
Como pleno reconhecimento da nossa mordomia perante
Deus e da responsabilidade a Ele devida, somos a favor da
aquisição de propriedades para uso próprio, por processos
cristãos.
A família moderna está lutando com grandes dificuldades:
tensões criadas pela situação mundial. Habitação inadequada.
Desmembramento devido às rápidas transformações no
organismo social e influência maléfica da maioria sobre as
crianças e a juventude. O resultado de tudo isto se evidencia no
aumento do número de lares desfeitos, de desquites (de
delinqüência juvenil, de desajustados de toda classe, e da
frouxidão dos costumes). É somente quando a família cumpre
suas mais elevadas funções e é realmente cristã que seus membros
podem sobrepor-se a todas estas dificuldades e ajudar a afastar as
ameaças que pesam sobre os lares. A família cristã é aquela em
que os pais vivem a vida cristã e praticam a presença de Deus de
tal maneira que os filhos, normalmente aceitam a Deus como a
suprema realidade da vida.
Julgamos que todo o adulto deve ocupar-se, na medida de
sua capacidade, em alguma atividade produtiva para o bem-estar
coletivo. Qualquer que seja o ramo de sua atividade ele a deve
encarar como um chamado de Cristo e, seu trabalho diário, a
esfera de seus serviços prestados a Deus, através do próximo,
contribuindo deste modo para o avanço do Reino de Deus.
As raças foram criadas por Deus para melhor adaptação
do homem ao meio ambiente. Constitui, pois, grave ofensa ao
espírito criador de Deus todo e qualquer preconceito de raça.
Consideramos contrários ao princípio cristão o conceito
de salário em que as famílias dos operários e demais
trabalhadores possam satisfazer apenas os requisitos mínimos de
subsistência. Os direitos do homem, como criatura de Deus, feita
à sua imagem e semelhança, vão muito além desse nível.
Os metodistas brasileiros, na mais alta consciência de seus
deveres para com o próximo, lutarão para que se dê aos
trabalhadores um salário justo, compatível com a dignidade
humana.
Propugnamos, pois, pelo seguinte:
1. Direitos iguais e justiça rápida e econômica para todos
os homens.
2. Proteção do indivíduo e da família pelo
estabelecimento de padrões de moral elevada, a ser exigida tanto
do homem como da mulher.
3. Educação cristã e orientação da juventude para as
responsabilidades do matrimônio, exercício da paternidade e
administração do lar.
4. Exigência de exame pré-nupcial.
5. Legislação civil que vise a solução do problema dos
lares desfeitos pelo desquite – e a moralização da vida social, em
face dos casos de segundas uniões ilegais.
6. Provisão de habitação adequada para todas famílias,
tanto nos perímetros urbanos como nos rurais.
7. Regulamentação e proteção do trabalho da mulher,
especialmente da mulher mãe, e providência social que lhe
assegure proteção física, social e moral.
8. Abolição do emprego de menores em condições que
prejudiquem seu desenvolvimento normal e sua educação
espiritual, física, intelectual e moral.
9. Proteção da criança e dos adultos contra enfermidades,
da subnutrição, de hábitos e vícios que atentam contra sua saúde.
10. Regulamentação do trabalho e direito de todos os
homens a uma oportunidade de manutenção própria.
11. Proteção do operário contra toda usurpação
exploração injusta, e de acidentes do trabalho.
12. Descanso semanal e ajustamento razoável das horas
de trabalho.
13. A santificação do Domingo.
14. Salário que garanta a subsistência do trabalhador rural
e urbano e de suas famílias, em circunstâncias que assegurem a
dignidade da pessoa humana.
15. Previdência social que assegure ao homem uma
aposentadoria condizente com suas necessidades reais e proteja o
trabalhador em caso de acidente ou falta de trabalho.
16. :Direito de patrões e empregados se organizarem para
ação social coletiva, a fim de facilitar os meios de conciliação e
arbitragem em casos de disputas.
17. Direito de greve como intangível para dirimir
injustiças sociais. Os operários devem ser orientados a fim de não
exercerem esse direito ilegitimamente.
18. Dever de patrões e empregados de trabalharem pelo
bem-estar público.
19. Um programa educativo que leve o homem do campo
à consciência de suas relações com Deus, com o solo e com todas
as riquezas naturais, bem como à consciência de seus deveres
para com a família, a Igreja e o bem-estar da comunidade.
20. Melhor distribuição das terras agricultáveis e contra
toda a forma de exploração do trabalhador rural.
21. Extensão à família do lavrador de todas as
oportunidades educacionais e assistenciais necessárias ao seu
bem-estar moral e material.
22. Direito da propriedade privada sem o
comprometimento com acúmulo de riquezas que não sejam
usadas para o bem da comunidade.
23. Legislação e providências governamentais combinadas
com o esforço dos cristãos no sentido de aliviar o sofrimento
humano; prover assistência ao necessitado e buscar, por todos os
meios, a extinção do desemprego, da vadiagem e das condições
que levam à pobreza e à miséria.
IV – MALES SOCIAIS
Males Sociais são os diferentes vícios e as manifestações
do erro, da ignorância, do pecado, que deturpam a personalidade,
arruínam a vida e trazem mal-estar para a comunidade.
A Igreja Metodista do Brasil sempre se opôs a eles,
combatendo-os veementemente: pela palavra falada e escrita,
pelas atitudes e ações. A abstinência é a posição histórica de
nossa Igreja.
Não se coadunam, pois, com o sistema de vida que
pregamos e vivemos: o alcoolismo, tabaquismo, os narcóticos de
qualquer natureza, assim também a prostituição, a má literatura, o
jogo de azar, a guerra e a pena de morte e tudo mais que destoa,
de acordo com o espírito do ensino de Jesus.
No tratamento dos males sociais temos por norma:
combater tenazmente o mal e amar profundamente o ser humano
atingido por ele, proporcionando-lhe os meios de redenção e
recuperação.
Visando o bem-estar individual e social propugnamos,
pois, pelo seguinte:
l. Combate tenaz e decidido aos vícios causados por
tóxicos e narcóticos que envenenam o homem, e males que
corrompem a sociedade:
a) ao alcoolismo que tira completamente o homem do
raciocínio normal e avilta sua personalidade.
b) ao tabaquismo que se torna dia a dia um vício
grandemente danificador, tanto que invade praticamente todas as
idades do homem e da mulher.
c) aos narcóticos que viciam o homem, incapacitando-o
para a realização de uma vida normal na sociedade.
d) à prostituição que é desrespeito e verdadeiro insulto à
dignidade humana, de acordo com o espírito do ensino de Jesus.
e) à má literatura que através de linguagem imprópria e
argumentos falsos traz influências negativas, notadamente para a
infância o a juventude.
f) aos maus programas de cinema, rádio e televisão, pelos
prejuízos morais ao indivíduo e à sociedade.
g) ao jogo que é o mais triste retrato de uma sociedade em
desintegração pelo alheiamento aos valores que lhe garantem
estabilidade e progresso.
h) à guerra como solução inadequada aos problemas
humanos, de acordo com o espírito do ensino de Jesus.
i) repúdio incondicional a toda espécie de preconceito
racial e religioso.
2. Apoio decidido ao esforço educacional que se fizer,
com o objetivo de:
a) pregar a abstinência como norma de conduta e dar
instrução sobre os efeitos dos vícios e males sociais.
b) estudar as causas dos males sociais, removendo-as para
combatê-los.
c) ensinar que a pureza do corpo e do espírito, de acordo
com a ética do ensino de Jesus, é sistema de vida próprio dos seus
seguidores.
d) proclamar a grande necessidade de redimir, de amar e
salvar especialmente àqueles que andam desgarrados, como
ovelhas sem pastor, vitimas das diferentes manifestações dos
males sociais.
e) expor as vantagens da boa literatura, do bom cinema e
do bom rádio e boa televisão, como agentes poderosos na
formação do caráter e da conduta em sociedade.
f) promover por todos os meios ao alcance uma educação
que dê respeito e decoro pessoal ao espírito de compreensão e
bem-estar social.
V – RESPONSABILIDADES CIVIS
Como indivíduos pertencemos a uma sociedade
organizada que se rege por leis civis. Nesta sociedade devemos
estar habilitados para o cumprimento dos nossos deveres e o
exercício dos direitos no uso dos privilégios que se nos oferecem.
A Igreja Metodista do Brasil instrui os seus membros no
sentido de serem elementos integrados na vida nacional, onde
devem levar a contribuição do Evangelho de Jesus Cristo.
Como Igreja propugnamos, pois, pelo seguinte:
1. Liberdade de Imprensa e de credo político e religioso
como direitos que assistem ao ser humano grupado em
sociedade, sempre que esta liberdade não fira direitos alheios, não
cause mal-estar coletivo, de acordo com o espírito do ensino de
Jesus.
Cristo.
2. Exercício do voto dentro dos padrões da ética de
3. Patriotismo sadio e construtivo como filosofia política,
visando o desenvolvimento da vida do Pais, salvaguardando o
espírito de boa vizinhança que deve fazer com que vejamos os
seres humanos como uma só família e a cooperação com
instituições de âmbito internacional, apoiadas nos postulados
cristãos de liberdade, igualdade e fraternidade.
VI – ECUMENISMO
A Igreja Metodista do Brasil é una em sua natureza
essencial. Cremos que esta unidade essencial deve se refletir na
sua estrutura.
O metodismo sempre se caracterizou pelo espírito
ecumênico, pela tolerância e respeito à opinião alheia. . A Igreja
participa ativamente dos movimentos de cooperação
interdenominacional. Em alguns países a Igreja Metodista já
encontrou o caminho para tomar parte em programas de união,
que resultaram na formação, com outras Igrejas cristãs, da Igreja
Unida do Canadá, da Igreja Unida do Japão e da Igreja Cristã do
Sul da Índia.
A Igreja Metodista do Brasil é parte integrante do
Conselho Mundial de Igrejas.
Seu fundador, João Wesley, tinha uma visão universal da
obra da Igreja quando disse: “O mundo é a minha paróquia”, Ele
mesmo considerava todos os crentes como irmãos e por isso
dizia: “Se teu coração é reto perante Deus como é o meu coração,
dá-me a tua mão, somos irmãos”.
O ecumenismo não somente manifesta a unidade da
Igreja, mas é a prova da fraternidade dos crentes e seu
testemunho de fé perante o mundo. Com esta atitude responde a
Igreja à oração sacerdotal de Jesus, quando disse: “Que eles sejam
um… para que o mundo creia que tu me enviaste”.
Em vista do exposto propugnamos pelo seguinte:
1. Estreitamento dos laços de amizade com as
denominações irmãs, através da troca de informações, encontro
com os lideres e participação nos movimentos especiais de
confraternização.
2. Promoção de trabalhos em conjunto nos setores social,
educativo e evangelístico.
VII – NOSSA ORDEM: LER, ESTUDAR, APLICAR
O VII Concílio Geral que aprovou este Credo Social
ordena que o mesmo seja apresentado às Igrejas, pelos pastores,
ao menos uma vez por ano, oralmente ou em forma impressa.
Que em cada Igreja se organize uma classe de estudos do Credo
Social e que os metodistas se esforcem para por em prática os
princípios e sugestões nele exarados. Que os ministros da Igreja
Metodista, por palavras e atos, prestigiem a expressão da Igreja
contida neste credo e sejam eles mesmos a encarnação destes
princípios em suas paróquias.
Aprovado pelo VIII Concílio Geral
de julho de 1960.
RELATÓRIO ANUAL DA COMISSÃO DE VIDA CRISTÃ
À CONVENÇÃO BATISTA DO SUL DOS ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE
JULHO, 1965
PROGRAMA DE CULTIVO DA MORALIDADE CRISTÃ
Como uma agência especial operando no campo do
Cristianismo aplicado, a Comissão de Vida Cristã utilizou a maior
parte dos seus recursos durante o ano de 1964 para ajudar os
Batistas do Sul a aplicar os princípios cristãos aos grandes
problemas morais e sociais que presentemente confrontamos.
Através da pregação, do ensino, da imprensa, da correspondência,
de consultas, e de organizações, os dirigentes da Comissão
mantiveram um apelo contínuo aos Batistas do Sul para que
pratiquem o que pregam. Centenas de sermões sobre
Cristianismo aplicado foram pregados em dezenove Estados
diferentes, e dezenas de milhares de pessoas foram ainda
alcançadas por essas mensagens ao serem elas divulgadas nos
jornais batistas, referidas na imprensa diária, distribuídas nas
Igrejas locais, e transcritas em pelo menos três livros. Uma ênfase
especial foi dada em 1964 à preparação e distribuição de material
escrito através dos meios de divulgação das várias organizações
dos Batistas do Sul. Esforços foram feitos para atingir todos os
setores da vida dos Batistas do Sul, incluindo os intelectuais, que
lêem as publicações teológicas, o Programa e o Quaterly
Review; as senhoras foram informadas através das publicações
da União Feminina Missionária (W. M. U.); os rapazes e os
homens, através dos periódicos de suas Uniões; os estudantes
pela revista Baptist Student; centenas de milhares de jovens e
adultos foram atingidos através das inúmeras publicações
destinadas à União de Treinamento, enquanto o grande público
dele tomava conhecimento por intermédio dos jornais batistas
estaduais.
Segundo cuidadosas estimativas, o material produzido
pela Comissão alcançou uma circulação total de 29.613.413
durante o ano findo. Dois livros de autoria de membros diretores
da Comissão foram publicados no Broadman Readers Plan em
1964 e estão sendo amplamente usados como textos para estudos
nas Igrejas. Um terceiro livro, sobre cidadania cristã, deverá
aparecer em 1965. Alguns manuscritos de livros sobre o jogo e o
alcoolismo estão sendo preparados e deverão ser entregues para
publicação em 1965. Uma edição especial da Revista da União de
Treinamento, distribuída em setembro último, tratando de alguns
dos mais urgentes problemas morais do nosso tempo, vem sendo
largamente utilizada em virtude dos seus “Planos de Ação”
sugeridos para os vários tópicos estudados. Uma bibliografia
selecionada de livros básicos sobre cristianismo aplicado foi
estampada na revista Church Librarian, tendo encontrado
grande aceitação. Além disso, 162.268 exemplares dos 39 folhetos
diferentes editados pela Comissão, foram distribuídos, sob
solicitação, aos Batistas do Sul. A Convenção reconhece que esses
impressos se revelaram de grande eficiência na educação do povo
e no estabelecimento de uma grande base de apoio para as
preocupações da Comissão. As conferências de verão em
Glorieta e Ridgerest sobre “Cristianismo e Relações Raciais”
atraíram uma assistência de 3.290 pessoas, que foi a maior na
história daquelas conferências; e 1.500 cópias das mensagens ali
proferidas foram impressas e estão sendo distribuídas. Cerca de
cento e cinqüenta lideres Batistas do Sul participaram de um
importante seminário sobre Cidadania Cristã, em março último,
na cidade de Washington. Quatro novas Comissões Estaduais de
Vida Cristã foram organizadas nos moldes do manual intitulado
“Guia para as Comissões de Vida Cristã”. O trabalho cooperativo
com as Comissões Estaduais de Vida Cristã tem já produzido
frutos expressivos na forma de conferências regionais, seminários
estaduais, a formação de um competente e consagrado grupo de
obreiros e uma ampla preocupação com o cristianismo aplicado.
Esforço especial tem sido feito no sentido da
coordenação de todas as atividades dos Batistas do Sul em prol
do cultivo da moralidade cristã, procurando assegurar-se a
colaboração de lideres competentes para escrever e falar sobre o
assunto, despertando outros para fazê-lo também através do
ensino, da pregação, dos programas radiofônicos, da produção
cinematográfica e ainda do planejamento do currículo dos
colégios e seminários.
SERVIÇOS ESPECIALIZADOS E PROGRAMA DE
COORDENAÇÃO
Como uma agência de serviço dos Batistas do Sul,
interessada em tudo que concerne ao bem estar humano, a
Comissão de Vida Cristã serve, como um secretariado I
permanente, à (1) Conferência Batista do Sul sobre
Aconselhamento e Orientação, (2) Associação de Serviço Social
dos Batistas do Sul, (3) Associação de Executivos de Lares de
Anciãos dos Batistas do Sul. O auxílio é prestado na forma de
planejamento de programas, coordenação de esforços serviços
contábeis, e manutenção de arquivos permanenetes de tais
organizações. Estudos especiais têm sido feitos no sentido de
relacionar as convicções dos Batistas do Sul com as
responsabilidades administrativas das instituições hospitalares e
de bem estar do menor. Serviços especiais em relação ao
problema da paz têm igualmente sido prestados a vários grupo de
líderes Batistas do Sul. Nossa posição como observadores junto
às Nações Unidas não só foi mantida como também fortalecida.
A atenção dos Batistas do Sul tem sido particularmente
solicitadas para três aspectos do nosso crítico problema moral:
A REVOLUÇÃO MORAL
A atenção do pais tem sido frequentemente chamada para
a crise em curso da moralidade moderna. As manifestações de
imoralidade, desde o alcoolismo ao adultério, da deslealdade
intelectual (“cola”) ao monopólio, das simples expressões da
avareza às complexas formas de jogo, do materialismo à idolatria,
são demasiado familiares para que as refiramos todas. O mundo
inteiro parece à deriva em um vasto mar de relativismo moral. O
preceito dos antigos libertinos – “Comamos, bebamos e nos
alegremos, porque amanhã morreremos” – foi tornado
assustadoramente atual por Ernest Hemingway ao afirmar: “É
moral tudo aquilo que parece bom e imoral tudo quanto lhe
pareça mau”. A imoralidade de nosso tempo não é coisa nova,
mas está se manifestando numa escala sem precedentes. Os
pensadores cristãos impressionam-se profundamente com o fato
de que, muito freqüentemente, até mesmo o povo de Deus se
tem conformado moralmente com este mundo ao invés de nele
ser moralmente transformado.
Os homens sofisticados de nosso tempo podem fugir à
indagação – “Isto é certo ou errado?” – mas não poderão nunca
agir assim. Em virtude de terem sido criados à imagem de um
Deus moral, o homem não tem outra alternativa senão
preocupar-se com a pergunta “Que devo fazer?” O homem
moderno enfrenta um grave problema moral, não porque os Dez
Mandamentos não tenham mais validade no século vinte, mas
sim porque ele continua ignorando a perene validade da lei de
Deus. Ele não tem tanto quebrado os mandamentos quanto os
tem ignorado. Entendemos que a base da moralidade cristã é a
graça de Deus que opera redentoramente nas vidas do seu povo
para produzir um incomensurável amor a Deus; e
compreendemos que a manifestação da moralidade cristã é um
amor aos semelhantes tão intenso e tão profundo quanto o amor
à própria vida (Mateus 22.36-40).
Cremos que os Batistas do Sul têm grandes
responsabilidades, perante Deus na presente crise moral. (1) Nós,
portanto, reafirmamos a nossa convicção de que ainda que nem
todos os homens morais sejam cristãos, todos os cristãos são
homens morais, chamados para serem moralmente conformados
com a mente de Cristo. (2) Reafirmamos a nossa convicção de
que embora a moralidade jamais salve alguém, ela é a
característica de um cristão que busca, ao longo de sua vida
alcançar a verdadeira moralidade cristã, que é o fruto do Espírito.
(3) Reiteiramos a Deus a nossa disposição de procurarmos
fielmente exemplificar os ideais moirais do Novo Testamento em
todas as áreas e relações de nossa vida pessoal. (4) Reconhecemos
que a nossa própria falta de liderança moral em nossa nação,
contribuiu significativamente para precipitar a presente crise
moral. (5) Nós reafirmamos a nossa determinação de apoiar
aqueles candidatos a cargos eletivos que mais realisticamente se
tenham empenhado na dignificação dos padrões morais da
comunidade, do estado e do país. (6) Solenemente, declaramos a
nossa intenção em meio a esta revolução moral, de sermos
“homens de Cristo da cabeça aos pés, não dando chances à carne
de sobrepujar-nos” (Romanos 13.14, Phillips).
O DESAFIO DA PAZ
Neste mundo ameaçado pelo sacrifício nuclear, os ideais
do Príncipe da Paz parecem estranhamente remotos. As
passagens bíblicas que falam de “guerras e rumores de guerras” e
que profetizam o Armagedon, a lua tornando-se em sangue e os
céus se derretendo com um grande calor, parecem hoje de certo
modo, mais atuais e mais realísticos. A fim de que as espectativas
bíblicas de paz na terra e de boa vontade entre os homens não
desapareçam da terra e de que os cristãos não se conformem com
este mundo belicoso, nós fazemos as seguintes afirmações: (1) a
moderna guerra nuclear entre os Estados Unidos e os nossos
adversários comunistas não pode ser justificada à base das guerras
entre Israel e os seus vizinhos pagãos, conforme encontramos no
Velho Testamento; (2) a paz com a qual a Bíblia está preocupada
é aquela que resulta de fazermos a vontade do Senhor, e a paz
nacional, racial, econômica, de classes ou internacional, derivam
dessa paz mais profunda; (3) não é justo que os cristãos que já
experimentaram esta paz de Deus, que sobrepuja a todo
entendimento, repousem e comam abundantemente em Sião,
enquanto o mundo ao redor de nós tropeça cegamente no
caminho para o genocídio; (4) o povo de Deus não pode esperar
manter a paz, a menos que encontremos novas e mais
significativas formas de proporcioná-la aos demais; e (5) esta paz
não depende de Deus, mas do povo de Deus, que tendo os seus
pés calçados com a preparação do Evangelho da paz, está
disposto a lutar com coragem e convicção pelas coisas que
contribuem para a paz.
Em face dessas afirmações, expressamos a ardente
esperança de que os Batistas do Sul tomarão todas as iniciativas
possíveis para promover a paz. (1) Ao proclamarmos o evangelho
do Príncipe da Paz esperamos que se avive em nossas mentes o
grande ideal da paz entre os homens. (2) Como cidadãos cristãos
estamos dispostos a nos deixar envolver creadoramente na
solução dos urgentes problemas nacionais e internacionais como
o preconceito, a pobreza, a injustiça e a imoralidade, assegurandonos uma base mais sólida sobre que nos apoiarmos enquanto
procuramos cooperar no estabelecimento da paz entre as nações.
(3) A estratégia da ameaça e riscos calculados, em expressões
macabras tais como “massacre” e “arrazamento”, jamais trarão
soluções cabais para os problemas da tensão mundial, pelo que
não deveriam ser considerados substitutos para a redenção e a
compaixão cristãs. (4) Prometemos o nosso apoio moral,
financeiro e político àqueles líderes que responsavelmente se
situam contra a guerra e em favor da paz. O realismo nos sugere
que os exércitos podem vir a ser empregados como um recurso
extremo na defesa da liberdade, mas que a paz pela justiça deveria
sempre ser o principal objetivo dos líderes políticos do mundo.
(5) Como cristão, nós reafirmamos a nossa profunda convicção
de que é preferível que os diplomatas discutam ardorosamente
em debate franco nas Nações Unidas, a que os soldados se
matem no campo de combate e que a maquinária política de uma
organização mundial como as Nações Unidas, fortalecida e
apoiada, é absolutamente necessária se é que as nações pretendem
viver juntas e trabalhar em paz.
A CRISE RACIAL
Damos graças a Deus porque uma importante
transfoemação ocorreu no campo das relações raciais no curso do
ano findo. A força do ideal democrático e o fermento do
Evangelho de Cristo se combinaram para constranger a nossa
sociedade a um grande passo em frente no setor das relações
humanas. Através de vasta área de nossa nação, verificou-se
amplo acatamento da lei dos direitos civis, uma pacífica
observância da dessegregacão nas escolas públicas, um
encorajador progresso no sentido da justa distribuição das
oportunidades de trabalho, de habitação e de exercício do voto e
uma firme e crescente ampliação do ministério da Igreja,
independente de restrições raciais. Enquanto a mensagem de ódio
está se esmorecendo no mundo político, a mensagem do amor
cristão no mundo da religião começa a tornar-se mais claramente
ouvida.
A franqueza exige, entretanto, que não nos consideremos
já vitoriosos. As forças malignas do preconceito racial continuam
a dividir homens e movimentos nestes dias tumultuosos. As
chamas da desunião a propósito de raça e racismo continuam a
arder em grande extensão da terra. Estas chamas jamais poderão
ser apagadas por um lençol de silêncio e de neutralidade. Elas
deverão antes, ser vencidas pelo nosso suficiente e eterno Senhor
que oferece a unidade de todos os homens em uma família onde
Deus é o Pai e Jesus Cristo o Primogênito.
O testemunho de Jesus Cristo, pelos Batistas do Sul, tem
sido mais séria e fundamentalmente ameaçado pela crise racial do
que por qualquer outro movimento ideológico ou problema
moral de nosso tempo. Ainda que sejamos gratos a Deus pelo
progresso jurídico, sociológico e econômico feito no campo das
relações raciais no transcurso do ano passado, nós reafirmamos a
nossa profunda convicção de que a solução definitiva do
problema racial depende de princípios nitidamente espirituais.
Como cidadãos, estamos gratos pelo progresso jurídico, mas
como cristãos ansiamos por um maior progresso espiritual. A lei
pode dessegregar as escolas públicas, ampliar as acomodações
públicas e garantir o direito de votar; mas somente o evangelho
pode transformar as vidas humanas. As leis podem abrir portas,
mas somente Cristo pode ensinar-nos a amar aqueles que as
transpõem. Temos em mente que o ensino do Novo Testamento
é muito mais exigente do que a Lei de Direitos Civis e que os
padrões da Igreja são muito mais severos do que as exigências do
Congresso. O amor cristão nunca significa menos do que a
justiça. Ele cumpre a lei e vai além.
Destacados líderes Batístas do Sul têm incisivamente
analisado os desastrosos efeitos do preconceito racial sobre o
nosso testemunho perante o mundo não cristão. Os que estão
empenhados, entre os Batistas do Sul, na evangelização, têm-nos
recordado o fato de que o preconceito racial tem restringido o
nosso trabalho evangelístico mais do que qualquer outra
circunstância, porque é impossível amar e odiar com o mesmo
coração. Os nossos missionários no estrangeiro se têm associado
– e continuam a fazê-lo – nos mais tocantes e pungentes apelos
aos Batistas do Sul para que repudiem o racismo e se ergam
acima dos preconceitos raciais, para assim desatarem as suas
mãos, a fim de que possam realizar a sua missão para Cristo entre
os povos de todo o mundo. Os nossos mais profundos
estudiosos do Novo Testamento têm inequivocamente declarado
que o orgulho racial, que gera a segregação e a discriminação, é
uma afronfa ao Evangelho, uma violência ao altar de Deus, e
adequadamente classificado como um pecado contra Deus e a
humanidade.

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