Pluralismo: Devemos Impor Nosso Ponto de Vista

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Pluralismo: Devemos Impor Nosso Ponto de Vista
Pluralismo: Devemos Impor Nosso Ponto de Vista?
J R W Stott
(sinopse realizada por Eduardo Ribeiro Mundim do capítulo III do livro O Cristão em uma
Sociedade não Cristã, Ed Vinde, 1989)
Cada vez mais os cristãos percebem-se como fora de compasso com a sociedade
contemporânea. Devem eles influenciá-la? Como fazer para que em suas leis, instituições e
cultura ela seja cristã? Deveriam eles impor seus pontos de vista a uma sociedade
majoritariamente não-cristã?
O atual pluralismo se deve, ao menos na Europa, a dois fatores diferentes:
processo de secularização em face do enfraquecimento contínuo da igreja: em 50 anos,
a Grã-Bretanha viu cair a membresia das igrejas protestantes em 50% (de 13 para 8%).
Entre 1971 e 1981, 829 paróquias anglicanas foram declaradas supérfluas e destinadas
a outros fins (culturais, residenciais) ou simplesmente demolidas.
2. aumento de alternativas não cristãs: a política de emigração da Europa ocidental no
pós-guerra aumentou a população mulçumana, hindu, sikh dentre outros . O número de
religiosos não-cristãos no Reino Unido é superior ao conjunto dos membros adultos das
Igrejas Batista e Metodistas.
1.
Será que os cristãos deveriam impor seus pontos de vista aos não-cristãos? seria isto
plausível? eles deveriam tentar?
As duas respostas mais comuns são a imposição e o laissez-fair (deixar em paz as
pessoas com suas opções pessoais).
A Imposição
Dois exemplos históricos que tinham sua motivação mais básica na imposição dos
valores do Reino: a inquisição e a lei seca norte-americana.
A santa inquisição, instituída no século XIII, se estendeu por 300 anos - à exceção
espanhola, onde durou até o século XIX. Permitia a prisão, o confisco dos bens, o banimento e a
pena de morte àqueles hereges impenitentes. Fogueiras arderam por grande parte da Europa
Ocidental em nome de Jesus, fato que nunca será esquecido.
A lei seca, que proibia a venda e o consumo de álcool nos Estados Unidos, foi um
projeto implementado por decisão do Congresso Nacional em 1919. Este projeto nasceu da
"Liga norte-americana anti-taverna". criada por líderes evangélicos em 1895. preocupados com o
aumento do consumo de álcool e da embriaguez especialmente entre a população mais pobre.
Nos 13 anos em que vigorou, o que se viu foi um amplo desrespeito e o crescimento da
fabricação, venda e tráfico de bebidas.
O Laissez-Fare
O termo aqui não está ligado ao seu sentido original: uma crença não apática na
necessidade da não intervenção do governo. Aqui significa a crença de que longe de se impor
os pontos de vista, o que importa é não propagá-los ou recomendá-los. Uma forma comum de
exercer a tolerância que cristãos tentam exercer com as minorias e aspiram quando são minoria.
O exemplo mais grave é a completa absorção da igreja evangélica alemã pelo nazismo.
Gradativamente ela absorveu conceitos estranhos, como a superioridade da raça ariana, calouse quando a lei baniu os não arianos do serviço público (e isto anos antes do início da guerra) e
não protestou quando, em novembro de 1938, 119 sinagogas foram queimadas e vinte mil
judeus presos. Fracos protestos foram ouvidos por parte do povo e de alguns líderes - mas não
da igreja. Segundo Richard Gutterioge, a causa de tudo foi "que o que estava faltando era uma
explosão espontânea em algum ponto por parte dos cristãos comuns e honestos".
A Persuasão
Esta é a forma advogada pela mente cristã, coerente com o ensino bíblico sobre Deus e
o homem.
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Resumindo a doutrina:
Deus criou o homem para que vivesse em uma comunidade de amor
Justiça é uma forma deste amor se expressar:
o Deus ama a justiça e odeia a opressão
o defende o fraco, o forasteiro, o órfão e a viúva
o alimenta o faminto
o veste o despido
o cura o enfermo
o busca o perdido
Deseja que todos se salvem e cheguem ao conhecimento completo sobre Jesus Cristo
Os desejos de Deus são, automaticamente, os dos cristãos. Portanto, o laissez-faire não
pode ser tolerado, pois implica em fechar os olhos ao que acontece no mundo.
O ensino bíblico sobre o homem mostra que Deus o dotou de consciência , a fim de que
fosse capaz de discernir entre alternativas, e de liberdade, para que pudesse escolher entre
possibilidades. O ensino como um todo pressupõe ser o homem um ser moral, responsável
por suas ações. Ele conhece a lei moral, que está escrita no seu coração, é exortado à
obediência e advertido contra a desobediência. Ele nunca sofre coerção, mas persuasão:
"vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor" (Is 1:18).
A bíblia não autoriza a intimidação ou a opressão da consciência de ninguém. Estimula,
sim, o respeito a ela, seu fortalecimento e desenvolvimento. As idéias da democracia, da
submissão de todos às leis aprovadas e a objeção de consciência em pontos controversos
são produtos da mente cristã.
O que a Igreja deveria fazer?
1. procurar ser a consciência da nação, mostrando a ela a vontade de Deus e a ajudando a
desejá-la
2. arrazoar com a sociedade a partir da natureza e das Escrituras, apresentando-lhes o
Evangelho por meio de argumentos racionais
3. arrazoar sobre os benefícios da moralidade cristã, transmitindo-a através de argumentos
racionais. As leis de Deus são boas em si mesmas, universais em suas aplicações,
ajustam-se perfeitamente aos homens criados
"Precisamos, portanto, de uma apologética doutrinária concernente à evangelização (ou
seja, como argumentar a verdade do Evangelho), como também de uma apologética ética no
que se refere a ação social (para argumentar que a lei moral é boa). Ambos os tipos de
apologistas são urgentemente necessários na Igreja e no mundo de hoje."
Exemplos de Persuasão Pela Argumentação
Educação
Não é possível neutralidade a respeito dos valores que constituem a atmosfera da
escola. Educação isenta de valores é contraditório. Se os valores cristãos não forem
recomendados, certamente os valores seculares o serão. Mas podemos compelir crianças
judias e mulçumanas a receber uma educação cristã? (no caso do Brasil, espíritas ou de
famílias seculares). No caso da Inglaterra, onde a população nominalmente é
majoritariamente cristã, tal fato refletiria uma simpatia geral. O cristianismo pode exigir um
tratamento especial em virtude dos testes históricos e geográficos. É o mais longo
historicamente (aqui Stott parece ter se esquecido do budismo) e o mais amplo
geograficamente. "O cristianismo é fundamental para a herança cultural da Inglaterra. Ele é o
cimento que une a história, as leis, as instituições e a vida nacional do país". Isto deveria ser
levado em conta na educação do imigrante e dos seus descendentes.
Ética Sexual
Gradativamente o padrão habitual de casamento vai sendo substituído pela idéia do
morar junto, experimentar antes, casar e descasar como um processo de crescimento
pessoal, etc. E mesmo quando convertidas, as pessoas precisam de razões para obedecer.
Quais seriam os argumentos?
O primeiro poderia ser o antropológico. J D Unwin, em seu livro Sex and the culture, de
1934, através de um estudo comparativo entre oitenta diferentes sociedades, sugere que a
sociedade que mais controla a libido é aquela que sobressai. Freud ensina o mesmo,
quando diz que o florescimento da cultura acompanha o controle dos instintos.
O argumento psicológico vem da diferença da expectativa sexual entre os sexos. No
masculino, a experiência sexual é aceita per si, enquanto na feminina, espera-se algo mais:
segurança, casa, família.
A revista Seventeen, de novembro de 1977, traz uma entrevista com a Dra Nancy Moore
Clatworthy, socióloga da Universidade Estadual de Ohio (EUA). O assunto era os casais que
vivem juntos sem serem casados, assunto que ela acompanhava há 10 anos. Sua conclusão
foi de que a experiência de morar junto antes do casamento não reduziu os conflitos - ao
contrário, esses casais discutiam muito mais que aqueles formalmente comprometidos.
É possível lutar ao lado dos não cristãos pelos direitos humanos e pela preservação da
natureza, por exemplo, sem citar nenhum texto das Escrituras.
O descanso dominical, mandamento que não foi abolido, pode ser defendido tomando
como base o mandamento, que só atinge os cristãos. E com base histórica, já que nenhuma
sociedade conseguiu abolir um dia semanal de descanso (Napoleão Bonaparte e Stalin
desfizeram a reforma do calendário pelas repercussões negativas).
As pessoas devem ser convencidas de que a obediência às leis lhes é benéfica. E um
cuidado especial com os grupos, mais avessos ao altruísmo que os indivíduos.