Março 2014 - Sociedade Paranaense de Pediatria

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Março 2014 - Sociedade Paranaense de Pediatria
1
Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
Jornal
Paranaense
de Pediatria
EDITORES
Paulo Breno Noronha Liberalesso
Médico do Departamento de Neuropediatria e Neurofisiologia do
Hospital Pequeno Príncipe; Supervisor do Programa de Residência
Médica em Neuropediatria do Hospital Pequeno Príncipe.
Sérgio Antônio Antoniuk
Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Universidade
Federal do Paraná, Disciplina de Neuropediatria; Coordenador do
Centro de Neuropediatria do Hospital de Clínicas (CENEP).
EDITORES ASSOCIADOS
Aristides Schier da Cruz
Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade
Evangélica de Medicina do Paraná, Disciplina de Gastroenterologia
Pediátrica.
Donizetti Dimer Giamberardino Filho
Pediatra Diretor do Hospital Infantil Pequeno Príncipe.
Gilberto Pascolat
Preceptor da Residência Médica de Pediatria do Hospital
Universitário Evangélico de Curitiba.
Luiza Kazuko Moriya
Professora Assistente do Departamento de Pediatria da
Universidade Estadual de Londrina.
CONSELHO EDITORIAL
Alexandre Menna Barreto
Endocrinologista Pediátrico do Hospital Pequeno Príncipe.
Alfredo Löhr
Professor de Clínica Pediátrica da Pontifícia Universidade Católica
do Paraná, Disciplina de Neuropediatria.
Carlos A. Riedi
Professor de Pediatria da Universidade Federal do Paraná,
Disciplina de Alergia-Pneumologia Pediátrica.
Geraldo Graça
Médico Endócrinologista Pediátrico; Professor Adjunto do
Departamento de Pediatria da UFPR.
Gislayne C. Souza Nieto
Médica Neonatologista; Chefe da UTI Neonatal do Hospital Santa
Brígida; Neonatologista da UTI Neonatal do Hospital Pequeno
Príncipe.
Herberto José Chong Neto
Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Universidade
Federal do Paraná, Disciplina de Alergia e Imunologia;
Pesquisador Associado do Serviço de Alergia e Imunologia
Pediátrica, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná;
Doutor em Medicina Interna, UFPR; Pós-Doutor em Saúde da
Criança e do Adolescente, UFPR; Professor Titular de Medicina
da Universidade Positivo.
Isac Bruck
Professor Assistente do Departamento de Pediatria da Universidade
Federal do Paraná, Disciplina de Neuropediatria.
José Carlos Amador
Doutor em Pediatria pela UNICAMP. Pós-Doctor em Nutrição
Enteral e Parenteral pela Universidade de Maastricht - Holanda.
Professor Adjunto da Universidade Estadual de Maringá.
Katia Aceti Oliver
Neonatologista do Hospital Pequeno Príncipe e Hospital
Maternidade Santa Brígida; Médica Pediatra com atuação na Área
de Desenvolvimento do Centro de Neuropediatria do Hospital de
Clínicas.
Kerstin Taniguchi Abagge
Professora Assistente do Departamento de Pediatria da Universidade
Federal do Paraná, Disciplina de Dermatologia Pediátrica.
Lucia Helena Coutinho dos Santos
Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da Universidade
Federal do Paraná, Disciplina de Neuropediatria.
Luiz Antônio Munhoz da Cunha
Chefe do Serviço de Ortopedia Pediátrica do Hospital Infantil
Pequeno Príncipe.
Luiz Ernesto Pujol
Médico plantonista do pronto-socorro do Trauma Pediátrico do
Hospital do Trabalhador; Vice-Presidente do CRM-PR; Diretor do
Departamento de Defesa Profissional da Associação Médica do
Paraná.
Mara Albonei Pianovski
Professora Assistente do Departamento de Pediatria da Universidade
Federal do Paraná, Disciplina de Hematopediatria.
Margarida Fatima Fernandes Carvalho
Professora Adjunta de Pediatria da Universidade Estadual de
Londrina, Doutora em Pediatria pela Universidade de São Paulo.
Mariana Faucz Munhoz da Cunha
Nefrologista Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe.
Marina Hideko Asshiyde
Professora de Clínica Pediátrica da Pontifícia Universidade Católica
do Paraná, Disciplina de Infectologia Pediátrica.
Mário Vieira
Preceptor em Gastroenterologia da Residência Médica em Pediatria
do Hospital Infantil Pequeno Príncipe, Pontifícia Universidade
Católica do Paraná.
Milton Elias de Oliveira
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Oeste do
Paraná - Cascavel.
Monica Nunes Lima
Professora Associada do Departamento de Pediatria da UFPR;
Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Saúde da
Criança e Adolescente do Departamento de Pediatria da UFPR.
Nelson Augusto Rosário Filho
Professor Titular do Departamento de Pediatria da Universidade
Federal do Paraná, Disciplina de Alergia e Imunologia.
Nelson Itiro Miyague
Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Universidade
Federal do Paraná, Disciplina de Cardiologia Pediátrica.
Regina Paula Guimarães Vieira Cavalcante da Silva
Médica Neonatologista do Serviço de Neonatologia do Hospital de
Clínicas; Professora Adjunta do Departamento de Pediatria - UFPR.
Rosana Marques Pereira
Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da Universidade
Federal do Paraná, Disciplina de Endocrinologia Pediátrica.
Vania Oliveira de Carvalho
Médica Pediatra com concentração em Dermatologia Pediátrica do
Hospital de Clínicas; Professora Adjunta do Departamento de
Pediatria - UFPR.
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DIRETORIA SPP - TRIÊNIO 2013-2015
Presidente: Gilberto Pascolat (Curitiba)
Presidente de Honra: Darci Vieira S. Bonetto (Curitiba)
1º Vice-Presidente: Donizetti D. Giamberardino Filho (Curitiba)
2º Vice-Presidente: Milton Macedo de Jesus (Londrina)
3º Vice-Presidente: José Carlos Amador (Maringá)
4º Vice-Presidente: Marcos Antônio da Silva Cristóvam
(Cascavel)
Secretário Geral: Paulo Ramos David João (Curitiba)
1ª Secretária: Mário Marcondes Marques Jr. (Curitiba)
2º Secretário: Luiz Carlos Busnardo (Apucarana)
Tesouraria
1º Tesoureiro: Maurício Marcondes Ribas (Curitiba)
2ª Tesoureira: Cristina Rodrigues da Cruz (Curitiba)
Conselho Fiscal: Aristides Schier da Cruz (Curitiba), Nelson
Augusto Rosário Filho (Curitiba), Renato Mikio Moriya
(Londrina), Eliane Mara Cesário Pereira Maluf (Curitiba), Gilberto
Saciloto (Guarapuava)
Comissão de Sindicância: Mario Eduardo Gutierrez Branco
(Curitiba), Ismar Strachman (Curitiba), Maristela Gomes
Gonçalves (Curitiba), Danielle Caldas Buffara Rodrigues
(Curitiba), Antonio Carlos Sanseverino Filho (Maringá)
Conselho Consultivo: Antônio Carlos Bagatin (Curitiba), Víctor
Horácio de Souza Costa Jr. (Curitiba), Kennedy Schisler (Foz do
Iguaçu), Alberto Saparolli (Curitiba), Rubens Kliemann (Curitiba)
Diretoria de Defesa Profissional
Coordenador: Gregor Paulo Chermikoski Santos (Curitiba),
Armando Salvatierra Barroso (Curitiba), Álvaro Luiz de Oliveira
(Londrina), Antonio Carlos Sanseverino Filho (Maringá), Luiz
Ernesto Pujol (Curitiba), Maristela Gomes Gonçalves (Curitiba)
Diretoria de Patrimônio: Rubens Kliemann (Curitiba)
Diretoria Acadêmica: Darci Vieira da Silva Bonetto (Curitiba),
Tony Tannous Tahan (Curitiba)
Diretoria de Publicações:
Coordenador: Sérgio Antoniuk (Curitiba), Paulo Breno Noronha
Liberalesso (Curitiba)
Diretoria de Eventos Científicos
Coordenadora: Gislayne Castro e Souza de Nieto (Curitiba)
Julio Cesar Pereira Dias (Pato Branco)
Diretoria de Educação Continuada
Coordenador: Lais Regina Rocha de Carvalho (Ponta Grossa)
Liga Acadêmica de Pediatria
Tony Tannous Tahan(Curitiba)
Ouvidoria
Luiz Ernesto Pujol (Curitiba)
Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
Departamento de Residência
Coordenador: Eliane Mara Cesário Pereira Maluf (Curitiba)
Hospital Pequeno Príncipe
DEPARTAMENTOS CIENTÍFICOS DA SOCIEDADE PARANAENSE
DE PEDIATRIA
Departamento de Adolescência
Beatriz Elizabeth Bagatin V. Bermudez
Departamento de Aleitamento Materno
Patrícia Barbosa Ferrari
Departamento de Alergia - Imunologia
Adriana Vidal Schmidt
Departamento de Cardiologia
Renato Pedro A. Torres
Departamento de Dermatologia
Juliana Loyola
Departamento de Endocrinologia
Suzana Nesi França
Departamento de Gastroenterologia e Nutrição
Aristides Schier da Cruz
Departamento de Infectologia
Adriana Blanco
Departamento de Nefrologia
Lucimary Castro Sylvestre
Departamento de Neonatologia
Gislayne Castro e Souza de Nieto
Departamento de Neurologia
Mara Lucia Schmitz Ferreira Santos
Departamento de Pneumologia
Debora Carla Chong
Departamento de Saúde Mental
Jussara Ribeiro dos Santos Varassin
Departamento de Segurança da Criança e do Adolescente
Sergio Ricardo Lopes de Oliveira
Departamento de Suporte Nutricional
Vanessa Yumie Salomão W. Liberalesso
Departamento de Nutrologia
Jocemara Gurmini
Departamento de Terapia Intensiva
Paulo Ramos Davi João
Referência em Genética
Salmo Raskin
Referência em Hemato-Oncologia
Ana Paula Kuczynski Pedro Bom
Referência em Oftalmologia
Ana Tereza Ramos Moreira
Referência em Ortopedia
Edilson Forlim
Referência em Otorrinolaringologia
Rodrigo Guimarães Pereira
Referência em Reumatologia
Marcia Bandeira
JORNAL PARANAENSE DE PEDIATRIA - ANO 16, NÚMERO 01, 2015.
O Jornal Paranaense de Pediatria é o órgão oficial da Sociedade Paranaense de Pediatria para publicações científicas.
Correspondência para: SPP - Rua Des. Vieira Cavalcanti, 550 - 80510-090 - Curitiba-PR
Tiragem: 1.000 exemplares
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Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
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EDITORIAL
A questão de segurança no transporte de crianças é um problema de saúde pública mundial, de grande
interesse para o pediatra geral e é com imensa satisfação que escrevo este editorial para esta edição do Jornal
Paranaense de Pediatria justamente no ano em que colaboradores de Segurança Viária das Nações Unidas
lançam a campanha #savekidslives, que faz um apelo aos líderes mundiais para que incluam medidas de
prevenção para as mortes no trânsito nos novos objetivos para o desenvolvimento global, fazendo um chamado para que a sociedade contribua através da assinatura da Declaração das Crianças Para a Segurança Viária
que será entregue na Terceira Semana Mundial de Segurança Viária que acontece entre 4 a 10 de maio.
Em 2004 apresentamos um estudo no Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (posteriormente publicado na revista Pediatria Moderna), que demonstrava que 60% das crianças de uma escola infantil de CuritibaPR estavam sendo transportadas inadequadamente, mesmo estando os pais cientes que seriam observados
nos dias da coleta dos dados.
Em 2005 publicamos nos anais de monografias dos residentes do Hospital Pequeno Príncipe um estudo
que avaliava o conhecimento dos pediatras sobre como orientar o transporte de crianças em veículos de
passeio, que demonstrou o desconhecimento de grande parte dos pediatras sobre o assunto. Em 2007, também
nos anais dos residentes do Hospital Pequeno Príncipe publicamos um estudo que verificava o uso de sistemas de retenção nos veículos na saída de bebês da maternidade, que demonstrou formas inadequadas de
transporte na maioria dos casos avaliados.
Negligenciar o uso de sistemas de retenção é uma realidade e o estudo do colega Sérgio Ricardo Lopes
Oliveira sobre o Impacto da Legislação Sobre o Uso de Assentos de Segurança Infantil em Automóveis apresenta dados otimistas sobre um possível incremento do uso destes equipamentos após a resolução 277/2008.
Mais do que este incremento, a divulgação deste artigo é muito importante para o enraizamento da cultura
da prevenção no nosso meio, pois é fundamental que nós pediatras tenhamos conhecimento sobre o assunto e
estejamos engajados nas orientações dos responsáveis pelas crianças sobre estes cuidados que objetivam a
redução da morbimortalidade infantil decorrente dos acidentes de trânsito.
Marcelo Grott Lobo
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Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
ARTIGO ORIGINAL
TINEA CAPITIS - DADOS EPIDEMIOLÓGICOS EM UM HOSPITAL
UNIVERSITÁRIO DO SUL DO BRASIL
TINEA CAPITIS - EPIDEMIOLOGICAL DATA IN A COMPLEX CARE HOSPITAL
OF SOUTHERN BRAZIL
Mariana V. A. Rosique1, Vânia O. Carvalho2, Kerstin T. Abagge2, Leide P. Marinoni2, Marjorie Uber3, Renata Robl3
Instituição vinculada: Departamento de Dermatologia Pediátrica da Universidade Federal do Paraná - Curitiba-PR.
Resumo
Tinea capitis (TC) é uma micose comum na infância, causada por fungos dermatófitos que podem ser
transmitidos por cães e gatos.
Objetivo: avaliar as características clínicas e perfil microbiológico dos casos de TC em crianças atendidas em um hospital terciário.
Método: estudo analítico e retrospectivo, com revisão dos casos avaliados durante 10 anos.
Resultados: dos 98 pacientes com TC, 61% eram meninos. A média de casos entre 2002-2006 e 2007-2011
foi de 12,4 e 7,2 casos/ano respectivamente. A mediana de idade foi de 60 meses (2 a 190). Das culturas
realizadas, 67% identificaram o Microsporum canis. A griseofulvina sistêmica foi utilizada em todos os
casos. A avaliação da resposta terapêutica não foi possível em 51% por perda do acompanhamento e a
melhora foi obtida em todos os 49% avaliados após 8 semanas.
Conclusões: constatou-se a diminuição da incidência da doença durante o período estudado. O principal
agente foi o M. canis e o tratamento com griseofulvina foi efetivo.
Palavras-chave: tinea capitis, criança, griseofulvina, micose.
Abstract
Tinea Capitis (TC) is a common fungal infection in children, caused by dermatophytes that can be
transmitted by dogs and cats.
Objective: to analyze clinical characteristics and microbiological data of TC cases in children from a
Tertiary Hospital in Brazil.
Method: analitic, retrospective study, charts’ review of cases diagnosed during a period of 10 years.
Results: from the 98 patients with TC, 61% were male. The average number of cases between 2002-2006
and 2007-2011 was 12.4 and 7.2 cases per year respectively. Median of age was 60 months (2 to 190). Cultures
resulted positive for Microsporum canis in 66% of the cases. Systemic Griseofulvin was used in all patients.
The therapeutic response assessment was not possible in 51% because of loss of the monitoring and
improvement was obtained in all 49% of patients evaluated after 8 weeks.
Conclusions: the incidence of Tinea Capitis has decreased over the studied years. The main detected agent
was M. canis and treatment with Griseofulvin was effective.
Key words: tinea capitis , children, mycosis, griseofulvin.
1. Médica formada pela Universidade Federal do Paraná - Curitiba-PR.
2. Professora doutora do departamento de dermatologia pediátrica da Universidade Federal do Paraná - Curitiba-PR.
3. Médica residente de dermatologia pediátrica da Universidade Federal do Paraná - Curitiba-PR.
MVAR: Rua Jasmim, 612, ap. 85 T2
13087-460
Telefones: (19) 98165-2575 / (19) 98708-8006
e-mail: [email protected]
Campinas-SP
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Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
Introdução
A Tinea capitis (TC) é uma infecção superficial causada
por fungos dermatófitos, que possuem predileção pelos
tecidos queratinizados. Manifesta-se como uma área de
alopécia no couro cabeludo, descamação, e cabelos
tonsurados. Os dermatófitos encontram nas condições de
temperatura e umidade do clima tropical, o habitat ideal
para sua disseminação. Podem ser geofílicos,
antropofílicos e zoofílicos. Dessa forma, é comum observar formas clínicas menos inflamatórias ou portadores
assintomáticos de fungos próprios do homem
(T. tonsurans) e formas mais inflamatórias quando a
micose é determinada por fungos zoofílicos (M. canis).
A identificação do fungo é importante quando se considera o tratamento proposto, bem como as medidas
adotadas a fim de evitar recidivas.
Por não figurar entre as doenças de notificação obrigatória no Brasil, apenas estudos epidemiológicos fragmentados são relatados na literatura nacional, fazendose inquestionável a necessidade de pesquisas
epidemiológicas, clínicas e laboratoriais que relatem dados sobre a incidência da TC no nosso meio. Por este
motivo o presente estudo avaliou os casos de TC atendidos em um hospital terciário.
Materiais e Métodos
Foi um estudo analítico retrospectivo, aprovado pelo
comitê de ética da instituição, que avaliou todos os casos
de TC atendidos em um hospital terciário, em 10 anos.
Dados clínicos, epidemiológicos e laboratoriais, como
exame micológico direto e cultura, foram coletados através de protocolo específico, armazenados em planilha
Microsoft Excel®, e avaliados pelo software JMP 8.0®.
O arquivo fotográfico do Serviço foi avaliado, para classificar e ilustrar as formas clínicas encontradas.
Foram incluídos pacientes com diagnóstico de TC
menores de 15 anos, atendidos entre 2002 e 2011. Excluídos pacientes com dados incompletos de prontuário e/
ou outro diagnóstico no decorrer do acompanhamento
clínico. Foi considerado caso de TC paciente com diagnóstico clínico, isto é, presença de alopécia com
descamação e cabelos tonsurados, e cultura positiva; ou
pacientes com diagnóstico clínico e cultura negativa, mas
com boa resposta ao tratamento antifúngico sistêmico.
Resultados
Foram revisados 151 prontuários, dos quais 53 foram
excluídos por dados incompletos e/ou por outro diagnóstico final, restando 98 pacientes. A média de casos entre 2002-2006 e 2007-2011 foi de 12,4 e 7,2 casos/ano respectivamente. A mediana de idade ao diagnóstico foi de
60 meses, variando de 2 a 190 meses; e 61% dos pacientes
eram do sexo masculino. A média de tempo de início dos
sintomas até a consulta foi de 2,8 meses. Havia contato
com cães e/ou gatos em 71% dos pacientes.
O exame micológico direto resultou positivo em 50%,
com a presença de hifas hialinas septadas. Entre as culturas, 66 identificaram o Microsporum canis (M. canis), 1 demonstrou Microsporum gypseum, 6 apresentaram fungos
do gênero Trichophyton, 18 foram negativas e em 7 pacientes ela não foi realizada (tabela 1).
Quanto ao numero de lesões em 74% havia lesão única (figura 1), 26% tinham 2 ou mais lesões (figura 2).
A forma clinica de Kerion celsi (figura 3), ocorreu em 9%.
Referente aos tratamentos utilizados previamente: 21%
usaram griseofulvina, 65% algum antifúngico tópico e
14 % outras medicações.
O tratamento instituído pelo serviço em todos os casos foi a griseofulvina via oral, na dose de 20mg/Kg/dia
em única tomada diária após a refeição por pelo menos 8
semanas. Retornaram para avaliação 49% dos pacientes e
todos obtiveram melhora clínica após 8 a 12 semanas.
Discussão
O estudo apresenta uma série de 98 pacientes com TC
nos quais o agente identificado com maior frequencia foi
o M. canis. Isso mostra a alta prevalência de fungos
zoofílicos nesta região do país, em concordância com a
literatura médica. Conhecer o agente prevalente é essencial à escolha terapêutica e as orientações aos contatos são
fundamentais para evitar reinfecções e permitir o tratamento eficaz.
Brilhante et al. tentaram relacionar a positividade do
exame micológico direto com a cultura e obtiveram 356
(66,7%) amostras com ambas as pesquisas (micológico e
cultura) positivas. Esta alta taxa de negatividade do exame direto também foi evidenciada em nosso estudo, com
55% de exames diretos positivos e pode ser explicada pela
utilização de antifúngico tópico prévio à coleta do exame. Entretanto, a cultura foi negativa em 18,3% dos casos,
o que permitiu a confirmação do agente na maioria das
crianças. A apresentação clínica típica e a boa resposta ao
tratamento específico também corroboraram o diagnóstico.
Os agentes causadores da TC na infância distribuemse geograficamente de forma variada. Nos EUA, nos últimos anos, o Trichophyton tonsurans tem sido descrito como
causador de aproximadamente 90% dos casos, sendo que
nos últimos 10 a 15 anos sua prevalência aumentou de 28
para 41%, contra 3% de M. canis. A TC causada pelo M.
canis é mais frequente no Norte da África, Europa, Ásia e
Brasil (região Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Goiânia), enquanto o Trichophyton tonsurans é mais
comum nos Estados Unidos, Caribe, América Central, leste
Europeu, Austrália e regiões Norte, Nordeste e DF do
Brasil. Em nosso meio, em concordância com dados da
literatura, o M. canis foi o dermatófito prevalente.
O objetivo do tratamento é a cura clínica e laboratorial.
A terapêutica oral é essencial, pois os medicamentos tópicos não penetram adequadamente no folículo e haste
capilar. A griseofulvina e a terbinafina são as drogas recomendadas no tratamento das tinhas do couro cabeludo
nas crianças. A escolha da droga depende essencialmente
do agente causador, mas o tratamento é iniciado, na maioria das vezes, de forma empírica, uma vez que a cultura
do agente demora semanas. Sendo assim, é importante
conhecer os agentes causadores locais para que seja instituído o tratamento empírico de forma mais eficaz. Diversos autores demonstram que a terbinafina é tão ou mais
eficaz quanto a griseofulvina no tratamento da TC causada pelo gênero Trichophyton sp., porém, o contrário ocorre nas infecções causadas pelo gênero Microsporum sp, sendo a griseofulvina o tratamento de escolha. A
griseofulvina é um medicamento fungistático que inibe a
síntese de ácidos nucléicos e a divisão celular na metáfase,
prejudicando a síntese da parede celular fúngica. Possui
também atividade anti-inflamatória. A dose é de 10 a
20mg/Kg/dia, durante seis a oito semanas, devendo ser
administrada em uma única tomada diária, com uma refeição rica em gordura, para facilitar a absorção. Cursos
menores podem levar a maiores taxas de recidivas.
6
Os derivados azólicos têm sido menos utilizados devido
aos seus potenciais efeitos colaterais.
Durante o tratamento da TC causada por M. canis, é
importante investigar e tratar os animais, principal fonte
de transmissão em humanos. Em estudo realizado nos
animais de famílias frequentadoras do nosso serviço, cujas
crianças receberam diagnóstico de Tinea capitis, 66,7% das
culturas resultaram positivas para fungos dermatófitos,
tanto em animais sintomáticos quanto assintomáticos.
Este estudo encontrou 95% dos exames em felinos positivos e 51% dos exames em caninos positivos e, dentre todas as amostras positivas, apenas 2 não eram M. canis.
Sabe-se que o risco de contágio por animais assintomáticos
é maior porque o contato é inadvertido e os esporos se
propagam facilmente.
Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
Conclusão
Esse estudo reafirma a maior prevalência do M. canis
como causador de TC em crianças no sul do Brasil e aponta a importante associação desta patologia com o convívio com animais domésticos, que são importantes fontes
de transmissão e devem ser tratados mesmo quando
assintomáticos. Diferente de outras dermatofitoses, o tratamento da TC deve ser instituído por via oral e, em nosso meio, a griseofulvina é a droga de escolha. Por ser uma
doença favorecida pelo clima quente, é importante que
os médicos de países tropicais estejam ainda mais esclarecidos em relação à clínica e tratamento desta dermatose.
Melhores condições socioeconômicas e um convívio saudável e cauteloso com animais domésticos ainda são os
melhores métodos de prevenção, controle e erradicação.
Tabela 1. Agentes identificados nas culturas para fungos (n = 98).
Agente encontrado
M. canis
M. gypseum
T. rubrum
Trichophyton sp.
T. mentagrophytes
Negativa
Não realizada
Figura 1. Placa de alopecia arredondada na região parietal, com
descamação e cabelos tonsurados.
Número de casos
66
1
1
1
4
18
7
Figura 2. Múltiplas lesões descamativas arredondadas no couro
cabeludo, com cabelos tonsurados.
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Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
Figura 3. Placa de alopecia arredondada na região parietal direita, com cabelos tonsurados,
secreção amarelada e crostas hemáticas e melicéricas.
Referências Bibliográficas
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8
Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
ARTIGO DE REVISÃO
IMPACTO DA LEGISLAÇÃO SOBRE O USO DE ASSENTOS DE
SEGURANÇA INFANTIL EM AUTOMÓVEL
LEGISLATION’S IMPACT ON USE OF SAFETY CAR SEATS
Sergio Ricardo Lopes de Oliveira1, Maria Dalva de Barros Carvalho2, Raquel Baldini Campos3, Mariana Baldini Campos4, Adrielle de
Lima Munhóz4, Cássio Rafael Moreira4, Dérica Sayuri Harada4, Lucas Andrade Ferreti4
Resumo
Objetivo: revisar o impacto da legislação sobre uso de os assentos de segurança infantil (ASI) em
diferentes países.
Métodos: revisão nas bases de dados MEDLINE e SciELO no período de agosto de 2012 a agosto de 2014
utilizando os termos “assentos de segurança infantil”, “acidentes de trânsito”, “legislação” e “impacto da
legislação” em inglês e português.
Resultados: os acidentes de trânsito figuram entre as principais causas de mortes e lesões na população
jovem brasileira, inclusive crianças. Para prevenir morte e lesões entre crianças passageiras de automóveis
existem os assentos de segurança infantis, que, embora de uso obrigatório por lei em diversos países,
frequentemente têm uso negligenciado e inadequado, de acordo com dados internacionais. A literatura
mostra evidências de impacto positivo da legislação reguladora na adesão ao uso de assentos de segurança
infantil, com consequente redução das lesões graves e mortalidade.
Conclusões: pesquisas em âmbito mundial mostram que a aplicação de legislação pertinente conduz ao
aumento do uso de assentos de segurança infantil.
Palavras-chave: assento de segurança infantil, legislação, acidentes de trânsito.
Abstract
Objective: review the impact of legislation on child car safety seat usage in different countries.
Methods: review in MEDLINE and SciELO databases covering the period August 2012 to August 2014
using the terms “child safety seat”, “car accidents”, “law” and “impact of legislation” in English and
Portuguese.
Results: traffic accidents are among the leading causes of deaths and injuries in young Brazilian
population, including children. To prevent death and injury among child passengers in vehicles exist the
child safety seats, which although is obligatory by law in many countries, often have neglected and
inappropriate use, according to international data. The literature shows evidence of positive impact of
regulatory laws in compliance with the use of child safety seats, with consequent reduction of mortality
and serious injury.
Conclusions: research worldwide shows that the application of relevant legislation leads to increased
use of child safety seats.
Key words: child car safety seat, legislation, traffic accidents.
1. Professor Doutor, Programa de Pós graduação em Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Maringá, PCS/UEM.
2. Professora Doutora, Programa de Pós graduação em Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Maringá, PCS/UEM.
3. Graduanda em Medicina, bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, Fundação Araucária, Universidade Estadual
de Maringá, PIBIC/UEM.
4. Graduandos em Medicina, Universidade Estadual de Maringá.
SRLO: Rua Mem de Sá, 1899, casa 5
Vila Bosque
Telefones: (44) 9911-7643 / (44) 3031-1403
e-mail: [email protected]
87005-010
Maringá-PR
9
Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
Introdução
Discussão
Mesmo com todo conhecimento teórico e aplicação
de princípios de prevenção em várias esferas, os acidentes apresentam crescente destaque no perfil de mortalidade em países em desenvolvimento, constituindo a maior
causa de morte a partir do primeiro ano de vida1,2. Os
acidentes de trânsito figuram entre as principais causas
de mortes violentas na população jovem. Dados do
DATASUS referentes a 2012 atestam que para a faixa etária
de 1 a 9 anos de idade 9,6% das mortes por causas externas
relacionam-se a crianças passageiras de automóveis (CID
10 V40-59)3.
Apesar da pequena quantidade de pesquisas acerca da
legislação e uso de ASI os resultados apontam, em sua
maioria, aumento nas taxas de uso. Thoreson e cols analisando o uso de ASI por crianças entre 4 e 8 anos de idade
destacou que para faixa etária não abrangida por lei quanto
a obrigatoriedade do ASI (6-8 anos) não houve aumento
da utilização dos mesmos no Colorado, explicitando a
importância da legislação para o tema24. Pesquisa realizada em três distritos do Tennesse, apontou aumento na
utilização de ASI entre crianças menores de 8 anos após a
obrigação legal. Além disso, campanhas educacionais e
de conscientização foram componentes importantes para
cumprimento da lei23.
Especificamente para minimizar mortes e lesões entre crianças passageiras de automóveis existem os Assentos de Segurança Infantil (ASI) que já se mostraram eficazes quanto a diminuição de mortalidade e lesões graves
decorrentes de acidentes automobilísticos4-7. Embora o
uso de ASI seja obrigatório por lei em diversos países,
inclusive no Brasil8,9, dados internacionais apontam frequente negligência quanto à sua utilização e associação
ao uso inadequado10. Em junho de 2008 foi publicada no
Brasil a resolução 277 do conselho nacional de trânsito
(CONTRAN), trazendo informações quanto ao uso de ASI
em função da idade da criança. Tal legislação passou a
vigor plenamente em de setembro de 201011, mas o que
esperar de sua implementação?
Recente pesquisa realizada antes de vigorar a Resolução 277/2008 do CONTRAN apontou o uso de ASI por
apenas 36,1% das crianças menores de 4 anos matriculadas em centros de educação infantis na cidade de Maringá,
Paraná12, sendo que 42,7% apresentavam erros de utilização13. O presente estudo teve como objetivo revisar na
literatura o impacto da legislação sobre o uso de ASI,
trazendo perspectivas sobre os resultados da legislação
brasileira no tocante ao uso de ASI. No melhor de nosso
conhecimento não há revisão brasileira sobre o tema.
Métodos
A pesquisa iniciou-se pela busca de informações nas
bases de dados MEDLINE e SciELO. Estudos adicionais
foram localizados a partir de referências bibliográficas
de artigos relevantes. As palavras-chave usadas, em português ou inglês, isoladamente ou em associação, para
identificação dos artigos foram: assentos de segurança
infantil, acidentes de trânsito, legislação, impacto da legislação e dispositivos de retenção infantil, criança, crianças.
Os estudos foram selecionados e analisados por revisores independentes. Inicialmente os estudos foram analisados pelos seus resumos após exclusão dos artigos não
relevantes, os trabalhos selecionados foram revisados na
íntegra. Para delimitar a busca, utilizou como critérios de
inclusão: a) artigos de pesquisa originais sobre relevância da legislação e uso de ASI, em português ou inglês,
publicados entre 1982 e 2014; b) estudos governamentais;
c) dissertações e teses do mesmo período. Foram excluídos estudos com usuários de álcool e drogas. A análise
foi feita por meio da leitura dos artigos selecionados e de
sua sistematização em tabela composta por colunas referentes à caracterização dos artigos em autores, local da
pesquisa e principais conclusões do estudo. Os dados e
análises obtidos são descritos a seguir.
Resultados
Foram selecionados 17 artigos14-30 relacionados com a
relevância da legislação e uso de ASI. A distribuição por
ano de publicação é apresentada na tabela 1.
Outros estudos mostram redução nas injúrias principalmente devido ao aumento nas taxas de uso dos ASI
após a implementação da legislação. No entanto,
Desapriya et al e Brixey et al não observaram alteração
significativa nas taxas de uso dos ASI após a
implementação da legislação, fato que talvez possa ser
explicado pelo uso incorreto dos mesmo e pela falta de
orientação aos pais quanto ao ASI adequado a cada criança20,25.
Além da legislação faz-se necessário intervenções para
aumentar o uso de ASI, compostas por programas de distribuição e acesso aos ASI através de doação, aluguel,
empréstimo e subsídios favorecendo o baixo custo, além
de assistência e orientação aos pais quanto ao correto uso
de ASI através de campanhas de informação destinadas à
comunidade pelos de meios de comunicação, correspondências e internet31.
Em King Country, Washington, foi realizado estudo
para avaliar a eficácia de campanha com a finalidade de
promover o uso ASI, tendo como alvo pais e crianças.
Essa intervenção foi capaz de aumentar o uso de ASI significativamente, sendo que em umas das comunidades
observou-se aumento de 21% para 54%. Este estudo reforça a necessidade de adoção de políticas de promoção ao
uso de ASI32.
Bae et al, ao estudar as leis de segurança de crianças
passageiras em todos os 50 estados norte americanos, as
descreveu como conjunto complexo, multifacetado de
intervenções políticas inter-relacionadas que têm sofrido
mudanças inovadoras ao longo dos últimos 40 anos. O
desenvolvimento de leis específicas tende a coincidir com
mudanças no conhecimento científico sobre as melhores
práticas. Apesar dos contínuos esforços de muitos estados
para atualizar suas leis de acordo com as mais recentes
recomendações de segurança, houve atraso de tempo considerável na difusão do conhecimento e adoção de políticas. A difusão lenta à base de aprendizagem e a falta de
legislação uniforme entre os estados poderia se supor
como fatores contribuintes, sugerindo a necessidade de
comunicação eficaz entre pesquisadores de saúde pública
e legisladores locais para formulação de políticas específicas33.
No Brasil, por tratar-se de legislação recente, não foram encontrados artigos relativos ao tema. Desde primeiro de setembro de 2010, a resolução 277 do CONTRAN
está em vigor e determina como obrigatório o uso de ASI
em passageiros de automóveis particulares menores de
7,5 anos. Com essa nova resolução espera-se o mesmo
impacto na redução dos acidentes e injúrias no trânsito
como o obtido com a implantação do Código Nacional
de Trânsito em 1998, que obteve reduções significativas
de 21,3% no número de acidentes e de 24,7% no número
10
Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
de mortes imediata em pesquisa realizada na cidade de
São Paulo34 e conforme é exemplificado na maioria dos
artigos revisados.
Conclusão
As pesquisas mostraram impacto positivo da legislação na adesão ao uso de ASI. Embora existam poucos es-
tudos sobre o tema, os resultados publicados apontam
para o incremento de utilização de ASI condicionado a
obrigatoriedade legal ressaltando a necessidade de ações
facilitadoras de acesso aos ASI associadas a ações
educativas. Resta saber sobre a realidade brasileira. Encontra-se em fase de conclusão pesquisa com o intuito de
comparar o cenário pré e pós Resolução 277/2008 do
CONTRAN na cidade de Maringá.
Tabela 1. Artigos relacionados ao impacto da legislação sobre o uso de assentos de infantil em automóveis.
AUTOR (ANO)
Wagenaar & Webster, 198614
LOCAL
Michigan, EUA
FAIXA ETÁRIA
0 a 3 anos*
Wagenaar et al, 198715
11 estados, EUA
0 a 15 anos*
Margolis et al, 198816
Michigan, EUA
0 a 4 anos*
Rock, 199617
Illinois, EUA
0 a 10 anos*
Ekman et al, 2000(18)
Suécia
0 a 14 anos*
Phelan et al, 200219
Tribos Navajo
Nation, EUA
0 a 19 anos*
Desapriya et al, 200420
Japão
1 a 5 anos*
Elliott et al, 200621
EUA
2 a 6 anos
CONCLUSÕES
O uso de ASI entre crianças feridas
envolvidos em acidentes aumentou de
12% para 51% depois que a lei de
obrigatoriedade foi implementada.
A implementação da obrigatoriedade do
uso de ASI não apresentou efeito signifi
cativo na redução nas taxas de fatalidades
no trânsito entre as crianças incluídas na
legislação. Três estados mostraram
redução das injúrias, sem, no entanto,
mostrar redução nas fatalidades em
acidentes, principalmente nas crianças
totalmente irrestritas.
Ocorreu diminuição de 36% na
hospitalização devido acidentes automo
bilísticos e também o tempo de perma
nência de internação, após lei mandatória
ao uso de ASI.
A lei de obrigatoriedade de utilização de
ASI (1983) para crianças <4 anos e cintos
de segurança ou ASI para aquelas com 4
ou 5 anos reduziu significativamente as
lesões em crianças <5 anos de idade.
Houve redução de 10% no número de
crianças mortas ou feridas e queda de 17%
na taxa de crianças feridas por acidente
nas crianças <4 anos, o foco da lei.
Houve diminuição de 76% na mortalida
de no período de 1970-1996 e diminuição
de 22% na assistência hospitalar (1978-96)
devido injúrias na infância por acidentes
automobilísticos, quando os ASI foram
introduzidos e respaldados pela legisla
ção nacional.
Após a implementação da lei, houve
diminuição das injúrias/hospitalizações
ocasionadas por acidentes automobilísti
cos em todas as faixas etárias, mas
principalmente redução de lesões mais
graves em crianças de 0-4 anos.
Apesar do aumento global do uso de ASI,
a taxa de acidentes não se alterou no
período estudado (1997-2002) e não houve
redução de feridos graves ou mortos. O
número de crianças vítimas de acidentes
de trânsito não apresentou redução
mesmo após a implantação da legislação
sobre ASI em 2000.
Crianças usuárias ASI apresentaram
redução de 21% na mortalidade, em
comparação usuárias de cintos de
segurança.
11
Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
Winston et al, 200722
16 estados e
distrito de
Columbia, EUA
4 a 7 anos
Gunn et al, 200723
Tennesse, EUA
0 a 8 anos**
Thoreson et al, 200924
Colorado, EUA
4 a 8 anos**
Brixey et al, 201025
Milwaukee, EUA
4 a 7 anos
Sun, K. et al, 201026
New York, EUA
0 a 6 anos*
Schaechter & Uhlhorn, 201127
Comunidades
Latinas nos EUA
Não definido*
Eichelberger et al, 201228
5 estados, EUA
4 a 8 anos**
Mannix et al, 201229
EUA
4 a 7 anos**
Brown et al, 201330
New South Wales,
Australia
2 a 5 anos
Devido a grande adesão ao uso
de ASI em crianças de 4 a 5 anos vistas no
estudo em comparação com crianças mais
velhas, se observou a necessidade de leis
que incluam crianças de até pelo menos 7
anos para maximizar o número de
crianças adequadamente contidas para
sua idade.
A implementação da lei de uso obrigató
rio de ASI em crianças aumentou a
utilização de 29% para 39%.
A implementação da lei, determinando
obrigatório o uso de ASI, resultou em
aumento em 40% da utilização dos ASI,
no entanto, na faixa etária não abrangida
pela lei (6-8 anos) não houve aumento do
uso de ASI.
Não houve alteração significativa na
comparação ao período anterior à nova
legislação, durante a implantação e
período de adaptação e após a nova lei
estar vigorando. Verificou-se também
que não houve aumento significativo
durante o período inicial de aplicação da
nova lei, mas, que houve um aumento ao
longo do tempo do uso adequado dos
ASI.
Redução estatisticamente significativa de
18% nas injúrias de ocasionadas por
acidentes de trânsito na faixa de 4 a 6
anos, devido aumento de 72% nas taxas
de uso dos ASI após a implementação da
legislação.
A legislação somada a
campanhas de promoção ao uso de ASI,
em duas comunidades latinas, resultou
em aumento significativo tanto entre
motoristas como restrição de crianças.
Houve aumento de quase 3 vezes na
utilização de ASI e de 6% em crianças
andando em bancos traseiros depois que
foram implementadas as leis de uso
obrigatório de ASI. A lei também foi
associada com redução de 5% na taxa de
crianças que sofreram ferimentos de
qualquer gravidade e redução de 17 % na
taxa de crianças que sofreram ferimentos
fatais ou incapacitantes.
Este estudo demonstra que a lei de
obrigatoriedade do uso de ASI está
associada com menores taxas de fatalida
des e lesões em crianças de 4 a 7 anos de
idade, com efeitos mais fortes em crianças
de 6 a 7 anos, que não são rotineiramente
cobertas por leis estaduais.
Em estudo pré e pós legislação,
a utilização de ASI foi 2,3 vezes maior no
pós do que na amostra pré-legislação.
* Estudos onde não foram especificados o tipo de ASI.
** Estudos onde limitou-se apenas o impacto sobre o uso de assentos elevadores.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Estadual de
Maringá e a Fundação Araucária de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico do estado do Paraná.
12
Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
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13
Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
RELATO DE CASO
A IMPORTÂNCIA DA TRIAGEM NEONATAL NO
RETINOBLASTOMA – RELATO DE CASO
THE IMPORTANCE OF NEONATAL TRIAGE OF RETINOBLASTOMA – CASE REPORT
Anderson M. Calestine1, Cleiton A. de Freitas1, Iúriy A. K. Graff1, João M. C. de Andrade1, Marlon de Oliveira1, Michel P. da Silva1,
Rafael J. Spada1, Mara A. D. Pianovski2
Instituição vinculada: Universidade federal do Paraná (UFPR) - Curitiba-PR
Resumo
Objetivo: Retinoblastoma (RB) é o tumor intraocular mais comum na infância, surgindo raramente na
idade adulta. A leucocoria, embora não obrigatória, é o sinal clínico mais prevalente. Trata-se de uma
neoplasia maligna, de maior incidência unilateral, a qual é majoritariamente esporádica, do que bilateral,
geralmente associada a fatores hereditários. O objetivo deste relato de caso é ressaltar a importância da
triagem neonatal e do tratamento precoce, fatores estes que foram fundamentais para o bom prognóstico
do caso.
Descrição: a paciente, atualmente com seis meses de idade, após alterações detectadas na triagem neonatal
foi diagnosticada com retinoblastoma unilateral e encaminhada ao Hospital de Clínicas UFPR. A fundoscopia
e a ultrassonografia demonstraram lesão compatível com retinoblastoma. A tomografia computadorizada
e a ressonância nuclear magnética classificaram a lesão como localizada. A conduta adotada foi
quimioterapia e laserterapia.
Comentários: a metástase é uma das consequências do diagnóstico tardio e do consequente atraso no
tratamento, a mais comum é via nervo óptico para sistema nervoso central. O teste do olhinho é uma forma
precoce de identificação neonatal.
Palavras-chave: Retinoblastoma, triagem neonatal, tumor, quimioterapia, laserterapia.
Abstract
Aim: Retinoblastoma (RB) is the most common intraocular tumor of childhood. Rarely it presents in
adulthood. Leukocoria, though it is not compulsory, is the most common clinical sign. It is a malignant
neoplasia, predominantly unilateral, which usually is sporadic. Bilateral disease is associated with genetic
factors. The aim of this case report is to highlight the importance of newborn screening and early treatment,
which were important for the good prognosis in this case.
Description: the patient is six months old and after positive neonatal screening, she was diagnosed with
unilateral retinoblastoma and was referred to Hospital de Clínicas - UFPR. Ophthalmoscopy and
ultrasonography revealed RB compatible lesion. Computed Tomography and Nuclear Magnetic Resonance
classified the lesion as localizes. The treatment option, that is being done, is chemotherapy and laser
therapy.
Comments: metastasis is one of the consequences of the delayed diagnosis and treatment. The most
common metastatic site is central nervous system through optic nerve infiltration. The newborn screening
testis an early form of neonatal identification.
Key words: Retinoblastoma, neonatal screening, tumour, chemotherapy, laser therapy.
1. Acadêmicos do nono período de Medicina da Universidade Federal do Paraná. Curitiba-PR.
2. Professora adjunta do departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná. Curitiba-PR.
JMCA: Rua Pedro Demeterco, 168
Telefone: (41) 9587-6801
e-mail: [email protected]
81530-320
Curitiba-PR
14
Introdução
O retinoblastoma, câncer intraocular mais comum da
infância, é extremamente agressivo. Foi o primeiro tumor a chamar atenção para a etiologia genética do câncer,
tendo início devido uma mutação no gene RB1 - primeiro
gene supressor de tumor descrito1,2. A perda da função do
RB1 inicia o retinoma e causa instabilidade genômica,
porém é insuficiente para causar o retinoblastoma. No
entanto, esta instabilidade genômica provavelmente leva
a alterações em outros genes. O evento que desencadeia a
proliferação maligna após mutação do RB1 ainda é desconhecido3,4. Em casos de retinoblastoma hereditário, a
mutação de um alelo RB1 (M1) é constitucional, predispondo a criança a tumores da retina - retinomas. A perda
do outro alelo a partir de uma célula da retina em desenvolvimento, por meio de mutações somáticas (M2), inicia
o desenvolvimento do retinoblastoma. Muito raramente, tumores neuroectodérmicos primitivos surgem na região pineal e/ou supra-selar, levando ao desenvolvimento de retinoblastoma trilateral e/ou quadrilateral4.
Sua incidência é constante em todo o mundo, sendo
de um caso para cada 15000 a 20000 nascidos vivos,
correspondendo a cerca de 9000 novos casos por ano. O
distúrbio não apresenta relações geográficas ou
populacionais. Maior número de casos são registrados
em localidades com grandes populações, onde altas taxas
de natalidade estão presentes, como na Ásia e na África.
Regiões com maior prevalência da doença também possuem maior mortalidade, sendo de 40-70% na Ásia e na
África, em comparação com 3-5% na Europa, Canadá e
EUA4,5.
A sobrevida e a preservação da visão dependem do
estágio da doença e da realização de diagnóstico precoce.
O atraso em mais de seis meses está atrelado ao aumento
da mortalidade, representando um fator de risco
modulável4,6,7.
Relato de caso
Paciente do sexo feminino, com 2 meses de idade, encaminhada ao Serviço de Oncologia Pediátrica do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná com
diagnóstico de retinoblastoma em olho direito. A paciente apresentou alterações no teste de triagem neonatal “teste do olhinho”. Na investigação desta alteração a
sorologia para toxoplasmose (IgG e IgM), foi negativa.
O exame de fundo de olho revelou massa na região posterior do olho direito (figura 1). Foi realizada
Ultrassonografia ocular (figura 2), que demonstrou presença de lesão retiniana (altura: 6,07mm e AP:7,2mm), em
área macular, com ecos de alta refletividade, sugestivos
de calcificações, e ausência de sinais de descolamento de
retina ou alterações vítreas. Tomografia computadorizada
e ressonância magnética de crânio foram realizadas para
fins de estadiamento. Na tomografia foi confirmada a
presença de lesão exofítica expansiva na parede posterior, medialmente à inserção do músculo reto lateral, envolvendo a papila óptica. Lesão bem delimitada, com realce pelo contraste, medindo cerca de 9x7mm, com
calcificação em seu interior. A ressonância magnética
mostrou áreas hipointensas e hiperintensas, no interior
da lesão, sem extensão para além dos limites externos do
globo ocular. O aspirado de medula óssea e análise do
líquor se mostraram negativos para metástases. O tumor
foi classificado como baixo risco - grupo B, pela classificação internacional do retinoblastoma.
A história familiar é negativa para retinoblastoma e
Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
positiva para outras doenças oncológicas. Dois casos de
neoplasia de mama (tia e avó, aos 30 e aos 50 anos, respectivamente) e um caso de neoplasia gástrica (avô, aos 70
anos).
A decisão terapêutica foi quimioterapia associada a
laserterapia. O plano inicial é realizar 6 ciclos de
quimioterapia (Carboplatina (CBDCA) - 500 mg/m²
endovenoso em 1 hora-D1; Vincristina - 1,5 mg/m²
endovenoso em bolus-D1) com 2 a 3 semanas de intervalo entre as sessões. Até o momento, foram realizados 5
ciclos quimioterápicos e 2 sessões de laserterapia.
Não foi registrada nenhuma intercorrência grave
devido ao tratamento. A avaliação oftalmológica revela
lesão com aspectos de regressão e ausência de lesões no
olho contralateral.
Discussão
A leucocoria consiste no sinal inicial mais comum. O
retinoblastoma permanece intraocular e curável por 3-6
meses após o primeiro sinal de leucocoria8. Este sinal
também pode indicar outras doenças que ameaçam a visão, como, por exemplo, catarata e retinopatia da
prematuridade9. É percebido primeiramente pelos pais
na maioria dos casos8. Em um estudo no Reino Unido, de
20 a 25% das crianças com leucocoria esperaram mais de 4
semanas para o encaminhamento de cuidados primários
para um oftalmologista10. O diagnóstico tardio atrasa o
tratamento, possibilitando a ocorrência de metástases e
infiltração local, reduzindo as chances de sobrevida11.
Estrabismo, dificuldade visual, glaucoma e inflamação
são outros sinais que podem estar presentes12.
A classificação da extensão do tumor na apresentação
é fundamental para avaliar o prognóstico, prever os resultados, decidir a terapêutica inicial e analisar a melhora
clínica do paciente. A International Intraocular Retinoblastoma
Classification (IIRC) para a previsão de resultados para os
olhos tratados com quimioterapia e com laser focal foi
aceita na reunião da Sociedade Internacional de Genética
de Doenças dos Olhos e Retinoblastoma, em 200313. Um
sistema de estadiamento clínico consistente é essencial
para permitir a comunicação entre os profissionais da
saúde e avaliar os resultados da evolução clínica do paciente.
A cura definitiva para o retinoblastoma intraocular
pode ser alcançada através da enucleação antes da ocorrência de metástases. A enucleação precoce está indicada
para casos de alto risco, que mostram sinais de potencial
disseminação do tumor como, por exemplo, celulite
orbitária, sangramento intraocular, glaucoma
neovascular, tumor na retina anterior, suspeita de disseminação pelo nervo óptico. Nestes casos, a enucleação
cura a maioria dos pacientes15. O objetivo secundário em
pacientes com retinoblastoma bilateral é preservar a visão, o que pode ser conseguido por meio da quimioterapia
associada a tratamento focal com laser, ou crioterapia, ou
radioterapia. No entanto, com o sucesso deste tratamento
em crianças afetadas bilateralmente, passou-se a utilizar
esta terapêutica também em crianças afetadas unilateralmente, ao invés da enucleação primária16,17.
A quimioterapia sistêmica para retinoblastoma
intraocular mais comum consiste na administração de
carboplatina, etoposídeo e vincristina 19. Mesmo a
quimioterapia sistêmica em longo prazo, por si só, não
deve ser utilizada individualmente para controlar
retinoblastoma intraocular. As boas respostas iniciais
devem ser consolidadas com o tratamento focal a laser ou
15
Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
crioterapia 18,19. Além disso, frequentes exames sob
anestesia são necessários até 2 anos, ou mais, após a
quimioterapia, para garantir avalição adequada e constatar a ablação de todas as células tumorais e possível cura.
Com relação à radioterapia, é reconhecido que aumenta muito o risco de um segundo câncer ao longo da
vida de uma criança, logo, não é utilizada, exceto em casos de invasão extra-ocular20,21,22,23.
Figura 1. Ultrassonografia de olho direito da paciente.
Figura 2. Fundoscopia do olho direito da paciente.
Agradecimentos
Agradecemos a Dra. Mara Albonei Pianovski por nos auxiliar na busca pelo conhecimento e pela atenção que nos
foi concedida.
16
Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
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17
Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
RELATO DE CASO
INCONTINENCIA PIGMENTAR - ASPECTOS CLÍNICOS DE NOVE
PACIENTES
INCONTINENTIA PIGMENTI - CLINICAL PRESENTATION OF NINE PATIENTS
Larissa Caldas Gnoato1, Kerstin Taniguchi Abagge2, Leide Parolin Marinoni2, Susana Giraldi2, Vânia Oliveira de Carvalho2.
Instituição vinculada: Departamento de Pediatria – Unidade de Dermatologia Pediátrica Universidade Federal do Paraná.
Resumo
A Incontinência pigmentar é uma doença com herança genética dominante ligada ao X que acomete
mais meninas e está associada a mutações do gene NEMO. Caracterizada por alterações de tecidos
ectodérmicos de diferentes órgãos e sistemas, com manifestações clínicas frequentes, sobretudo na pele e
sistema nervoso central. Para realizar o diagnóstico os achados cutâneos são fundamentais e para reconhecêlos é necessário saber os quatro estágios que podem ser evolutivos ou sobrepostos com lesões seguindo as
linhas de Blaschko. Este artigo apresenta as características clínicas e evolutivas de nove pacientes com a
doença a fim de chamar a atenção para esta possibilidade diagnóstica frente a crianças com manifestações
de pele e sistema nervoso central.
Abstract
Incontinentia pigmenti is a dominant X-linked genetic disease that affects more girls and is associated
with mutations of the NEMO gene. Characterized by ectodermal tissue changes of different organs and
systems, with frequent clinical manifestations, especially in the skin and central nervous system. The
cutaneous findings are essential to perform the diagnosis and to recognize them is necessary to know the
four stages that can be evolutionary or overlapping with skin lesions following the lines of Blaschko. This
article presents the clinical features and outcome of nine patients with the disease in order to draw attention
to this diagnostic possibility in children with manifestations of skin and central nervous system.
Introdução
A Incontinência pigmentar (IP) é também conhecida
como Incontinentia Pigmenti, Síndrome de Bloch-Sulzberger.
É uma doença caracterizada por alterações de tecidos
ectodérmicos de diferentes órgãos e sistemas1,2.
Em 1906 Garrod a definiu como “pigmentação peculiar da pele com deficiência mental e tetraplegia”. Posteriormente em 1926 e 1928, Bloch e Sulzberger, respectiva-
mente, definiram suas características clínicas e
histopatológicas3,4.
A doença tem herança genética dominante ligada ao
X, acometendo em mais de 95% dos casos o sexo feminino, e está associada a mutações do gene NEMO. Sua
frequência é de 1 caso em 40.000 a 50.000 recém nascidos3,5.
1. Especializanda da Dermatologia Pediátrica, do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) - Curitiba, Brasil.
2. Professoras do Departamento de Pediatria do HC-UFPR - Curitiba, Brasil.
VOC: Rua Richard Strauss, 62
Vista Alegre
Telefone: (55) 3338-8313
e-mail: [email protected]
80.820-110
Curitiba-PR
18
Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
As manifestações cutâneas são os primeiros sinais da
doença. Apresenta-se com quatro estágios evolutivos ou
sobrepostos com lesões seguindo as linhas de Blaschko:
(1) vesiculares ou inflamatórias, (2) verrucosas, (3)
hiperpigmentadas e (4) hipopigmentadas ou atróficas.(3,6)
Podem ocorrer ainda alterações em sistema nervoso central (SNC), olhos, dentes, unhas e cabelos2.
Para contribuir com o melhor entendimento da doença descrevem-se 9 casos de IP, diagnosticados num período de 20 anos em um centro de dermatologia pediátrica
do sul do Brasil, com diferentes manifestações clínicas e
evolutivas demonstrando a sua variabilidade clínica.
Relato dos casos
Foram avaliados 9 casos no período de janeiro de 1978
a dezembro de 2012. O resgate do registro dos pacientes
com diagnnóstico de IP foi feito a partir do banco de dados do centro de dermatologia pediátrica. Foram utilizados os critérios diagnósticos propostos por Landy e
Donnai em 1993 (tabela 1). Os dados avaliados foram:
sexo, início da doença, estágio clínico no momento do
diagnóstico, presença de manifestações extracutâneas,
fotos clínicas, laudos e lâminas de biópsia e contagem de
eosinófilos no sangue periférico. Alguns dados foram
complementados via telefone ou presencial.
Caso 1
Menina de 4 meses, segunda filha, a mãe apresentou
infecção do trato urinário na gestação, nascida de parto
normal com peso de 2680g. Desde o nascimento com lesões nas linhas de Blaschko sendo bolhas nos braços e
pernas e manchas hiperpigmentadas no tronco e membros. Evoluiu com lesões verrucosas e hiperpigmentadas
(figura 1). Apresentava nistagmo, fenda palpebral oblíqua, microftalmia, estrabismo à esquerda e leucocoria.
Seu desenvolvimento neuropsicomotor era limítrofe.
Realizou biópsia de pele com epiderme com esparsos
linfócitos, queratinócitos necróticos e acantose, derme
superficial com infiltrado inflamatório e melanófagos,
com áreas de degeneração vacuolar da camada basal e
diminuição da pigmentação.
Irmão do sexo masculino saudável.
Caso 2
Paciente do sexo feminino, 1 ano e 4 meses, primeira
filha, gestação sem intercorrências, nascida de parto normal com peso de 3220g. Aos três dias de vida apresentou
vesículas e bolhas com base eritematosa (Figura 2) com
evolução para manchas hipercrômicas no tronco e membros nas linhas de Blaschko e área de alopecia no couro
cabeludo.
Apresentava estrabismo convergente à esquerda,
hiperplasia de vítreo, leucocoria e pseudoglioma. O perímetro cefálico estava no limite inferior para idade. Aos 2
anos de vida apresentou crise convulsiva. O
eletroencefalograma (EEG) mostrava atividade irritativa
em hemisfério esquerdo, com predomínio em área temporal, no sono induzido e despertar. Na tomografia axial
computadorizada de crânio tinha dilatação
ventrículolateral esquerda e cavum veli interpositi.
Caso 3
Paciente do sexo feminino, 7 anos e 7 meses, segunda
filha, nascida de cesárea com peso de 2550g. Aos 3 meses
surgiram manchas hipercrômicas sobre as linhas de
Blaschko no flanco direito e membro inferior direito com
aumento progressivo das lesões. A biópsia de pele foi
compatível com incontinência pigmentar.
A mãe tinha histórico de crises convulsivas sem lesões de pele e a irmã mais velha era saudável.
Caso 4
Paciente do sexo feminino, 7 anos, primeira filha, gestação sem intercorrências, nascida de cesárea com peso de
2300g. Desde o nascimento com lesões distribuídas nas
linhas de Blaschko inicialmente vesiculares que na evolução tornaram-se manchas hipercrômicas no abdômen,
flancos, tórax e membros. Na evolução as lesões reduziram a pigmentação em algumas áreas.
A mãe apresentava IP e teve nova gestação de criança,
do sexo feminino, não acometida.
Caso 5 - A figura 5 mostra o heredograma dos casos 5 e
6.
Paciente do sexo feminino, 25 dias, doença
hipertensiva específica da gestação, nascida de cesárea com
peso de 3260g. Desde o nascimento com lesões bolhosas e
crostosas no membro inferior direito. Aos 10 dias de vida
disseminação das lesões para braços, pernas e dorso. Algumas lesões apresentavam base hiperpigmentada. Todas as lesões distribuídas nas linhas de Blaschko. Na evolução apresentou alterações dentárias como dentes cônicos
(figura 3), cáries e ausência do incisivo lateral superior
direito, estrias ungueais e atraso na fala com acompanhamento fonoaudiológico. Tinha EEG normal.
A mãe teve 5 gestações com 1 natimorto do sexo feminino e 1 aborto do sexo masculino.
Realizou biópsia em lesão de joelho aos 17 anos de
idade, pois voltou a manifestar sinais da doença (Figura
4). O exame anatomopatológico confirmou IP.
Caso 6
Paciente do sexo feminino, 1 mês, única filha, mãe
com suspeita de Síndrome do Anticorpo Antifosfolípide.
Nasceu por cesárea por sofrimento fetal com peso de
3410g. Desde o nascimento apresentava pápulas, pústulas
e crostas com áreas descamativas sobre base
hiperpigmentada no tronco. O hemograma colhido no
período neonatal mostrou eosinofilia. A avaliação
odontológica mostrou dentes cônicos e um dente germinado. Havia atraso na fala. A tia materna apresentava IP
(Caso 5).
Caso 7
Menina de 3 anos e 3 meses, primeira filha, mãe com
epilepsia, nascida de parto normal com peso de 3430g.
Apresentava lesões bolhosas que aos 8 meses de idade
tornaram-se manchas hipercrômicas nas nádegas, dorso
e membros. Apresentava dentes cônicos e desenvolvimento neurológico adequado.
O estudo histológico
de uma mancha hipercrômica demonstrou melanófagos
na derme superficial.
Caso 8
Menina de 5 meses, única filha, pais consanguíneos,
gestação sem intercorrências, nascida de parto normal
com peso de 3700g. Aos 14 dias iniciou com pápulas
eritematosas que evoluíram para vesículas e placas
verrucosas lineares e após manchas hipercrômicas no tronco e membros. Apresentava estrabismo convergente à
esquerda.
Caso 9
Menina de 1 ano e 2 meses, única filha, gestação sem
19
Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
intercorrências, nascida de parto normal com peso de
3520g. História de manchas hipocrômicas lineares sem
prurido no braço direito, região cervical, tronco posterior e pernas percebidas aos 2 meses de vida. Apresentava
ainda pápulas verrucosas na região cervical seguindo linhas de Blaschko.
Foi realizada biópsia de pele hipopigmentada com
anexos cutâneos ausentes.
Comentários
A IP é uma rara genodermatose do neuroectoderma2.
Sua incidência perinatal é subestimada por duas razões:
fenótipo variável que dificulta o diagnóstico e confusão
com outras condições (infecção herpética, impetigo
bolhoso, nevo epidérmico verrucoso inflamatório linear, hipermelanose nevóide, entre outras)6.
Devido a sua forma de herança genética os homens
com IP podem apresentar Síndrome de Klinefelter (47,
XXY), mosaicismo somático ou alelos hipomórficos 2-6.
Neste relato apenas meninas foram acometidas, mas havia história de aborto do sexo masculino e irmão saudável de paciente acometida.
É diagnosticada pelos sinais cutâneos1. Os nove pacientes avaliados apresentaram lesões de pele dos diferentes estágios evolutivos ou sobrepostos seguindo as linhas de Blaschko. Seis pacientes estavam no estágio
hiperpigmentado e um no estágio hipopigmentado. Este
fato decorre da faixa etária incluída no trabalho, já que o
quarto estágio é mais observado em adolescentes e adultos 2.
Pode haver necessidade de biópsia para confirmação
diagnóstica quando a evolução clinica é desconhecida ou
não habitual e na fase hipopigmentada. Cada estágio
evolutivo apresenta características histológicas próprias.
São observados: vesículas repletas de eosinófilos e
espongiose (estágio 1), hiperceratose e papilomatose (estágio 2), derrame pigmentar com melanófagos na derme
(estágio 3) e ausência de anexos cutâneos (estágio 4). Os
casos 5 e 9 tinham características histológicas compatíveis que permitiram, respectivamente, a confirmação da
recidiva e o diagnóstico de IP. A causa e a frequência da
recorrência tardia, em alguns casos muitos anos após o
diagnóstico, são desconhecidas8,9. Alguns pacientes podem apresentar recidivas após períodos de infecção,
estresse emocional e exposição solar10.
O início da doença pode ser classificado de acordo
com Kim et al em: intra-útero (lesões presentes ao nascimento), neonatal (lesões iniciadas ao nascer até a quarta
semana de vida), lactente (a partir da quarta semana até 1
ano de idade) e primeira infância (a partir de 1 ano até 6
anos de idade). O período mais comum de surgimento da
doença foi intra-útero (quatro pacientes) e a idade média
de aparecimento das lesões foi de 54 dias de vida.
A doença está associada a manifestações extracutâneas
em 50- 80% dos casos3. Seis pacientes cursaram com tais
alterações.
Três pacientes manifestaram alterações neurológicas
como atraso de fala, microcefalia e crise convulsiva. De
acordo com Rivas et al 13- 50% dos pacientes apresentam
manifestações de SNC. O que confere pior prognóstico
com necessidade de avaliação periódica com neurologista1.
Spallone afirma que 35% dos pacientes podem apresentar manifestações oculares, inclusive com enucleação
por retinoblastoma. No presente trabalho, três crianças
mostraram alterações oculares.
Anormalidades dentárias podem ser visualizadas em
65- 90% dos casos5. Três apresentavam dentes cônicos.
Um paciente apresentou anodontia do incisivo lateral
superior direito e cáries precoces.
O único achado ungueal foi estrias na lâmina. A
frequência de alterações em unhas é de 40%, mas normalmente são manifestações brandas. Há descrição de tumores subungueais ceratóticos com histopatologia compatível com o estágio 2 da IP1.
Alopécia do vértice é a alteração dos cabelos mais
observada1 e foi observada em um paciente do trabalho.
A eosinofilia periférica consiste em uma pista
diagnóstica para IP no período neonatal. Com o crescimento da criança esse achado se torna irrelevante, pois há
diminuição progressiva nos níveis de eosinofilia5. Apenas um caso teve hemograma realizado no período
neonatal com eosinofilia observada.
A apresentação dessa série de casos permite o reconhecimento das características clínicas e evolutivas da IP
que é uma doença genética potencialmente grave e necessita de diagnóstico precoce e acompanhamento
multidisciplinar por toda a vida. Dessa forma a cooperação entre pediatria, dermatologia, neurologia, oftalmologia, genética e odontologia é fundamental para melhor
entendimento da doença, a garantia de acompanhamento
multidisciplinar do paciente melhora o prognóstico.
Tabela 1. Critérios para a diagnóstico clínico de incontinência pigmentar (Landy e Donnai 1993).
Grupo 1. sem familiars acometidos*
Critérios Maiores
Rash vesicular típico neonatal com eosinofilia
Hiperpigmentação típica seguindo linhas de
Blaschko e desaparecendo na adolescência
Lesões alopécicas atróficas lineares
Grupo 2. com familiares acometidos
(qualquer critério maior)
História sugestiva ou evidencia de rash típico,
hiperpigmentação ou lesões alopécicas difusas
Alopecia em vértice
Cabelo lanoso
Anomalias dentárias
Doença da retina
Múltiplos abortos de feto masculino
Critérios Menores
Anomalias dentárias
Alopecia ou cabelo lanoso
Doença da retina anomalias ungueais
*pelo menos 1 critério maior/ critérios menores se presentes fortalecem o diagnóstico mas não são necessários
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Figura 1. (a, b) Manchas hiperpigmentadas seguindo linhas de Blaschko em tronco anterior e posterior. (c) Placas verrucosas em
tornozelo esquerdo sobre base hiperpigmentada.
Figura 2. Vesículas e bolhas sobre base eritematosa seguindo as linhas de Blaschko em tronco e membros.
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Figura 3. Dentes cônicos observados no caso 5 aos cinco e aos dezessete anos de vida. Observe a presença de lesões na pele
compatíveis com o estágio 3 ou hiperpigmentado.
Figura 4. A paciente voltou a manifestar, na fase adulta, placas verrucosas dispostas em linhas de Blaschko sobre base hiperpigmentada
compatíveis com o estágio 2 ou verrucoso.
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Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
Figura 5. Heredograma dos caos 5 e 6.
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of Ophthalmology. 1987; 71: 629-634.
8. Hadj-Rabia S, Froidevaux David, Bodak N et al. Clinical
Study of 40 cases of Incontinentia Pigmenti. Arch Dermatol.
2003; 139: 1163-1170.
9. Bodak N, Hadj- Rabia S, Hamel- Teillac D et al. Late
Recurrence of Inflammatory First- Stage Lesions in Incontinentia
Pigmenti. Arch Dermatol. 2003; 139: 201- 204.
10. Hadj- Rabia S, Rimella A, Smahi A et al. Clinical and
histological features of Incontinentia Pigmenti with nuclear
factor- ºB essential modulator gene mutations. J Am Acad
Dermatol. 2011; 64(3): 508-515.
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Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
NOTAS E EVENTOS
III Congresso Paranaense de Adolescência
Curitiba, 19 e 20 de junho de 2015
Tema norteador: Integralização do desenvolvimento positivo na adolescência
Local: Sociedade Paranaense de Pediatria
Informações: (41) 3223-2570 - [email protected]
Convidados estrangeiros
Jhonatan Santo (EUA)
Anne Petersen (EUA)
Inscrição de Trabalhos até 31 de Maio
PROGRAMAÇÃO
Dia 19 - sexta-feira
8:00 - 8:30
Cadastramento
8:30 - 9:30
Promovendo o desenvolvimento positivo do adolescente: perspectivas globais
Anne Petersen (University of Michigan, EUA)
9:30 - 10:30
O desenvolvimento de crianças e adolescentes em situação de risco
Silvia H. Koller (UFRGS)
10:30 - 11:00
Sessão de Painéis – Intervalo e visitação ao painéis
11:00 - 12:00
Juventude e rede de apoio: resiliência do adolescente
Lúcia Isabel da Conceição Silva (UFPA)
14:00 - 15:00
Diga-me com quem andas: amizades e desenvolvimento do adolescente
Jonathan Bruce Santo (University of Nebraska Omaha, EUA)
15:00 - 15:30
Sono e saúde na adolescência
Ana Crippa (UFPR)
15:30 - 16:00
Sessão de Painéis – Intervalo e visitação ao painéis
16:00 - 17:00
Repensando a produção científica no campo da adolescência
Isabel Bouzas (UERJ), Silvia H. Koller (UFRGS)
17:00 - 18:30
Desafios na atenção ao adolescente
Darci Bonetto (PUCPR), Evelyn Eisenstein (UFRJ)
Dia 20 - sábado
8:00 - 9:00
Mentes saudáveis na adolescência
José Ferreira Belisário Filho (Instituto Qualia - MG)
9:00 - 10:30
Espiritualidade na adolescência
Sergio Felipe de Oliveira (FM-USP)
Cícero Urban (SMB/RJ)
Tania Stoltz (UFPR)
10:30 - 11:00
Intervalo
11:00 - 12:03
Integrando iniciativas no campo da adolescência
Anne Petersen (University of Michigan, EUA), Isabel Bouzas (UERJ), Josafá da Cunha (UFPR)
12:00
Encerramento
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Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 1, 2015
NOTAS E EVENTOS
Agende-se também para estes eventos em 2015
I Jornada Paranaense de Endocrinologia Pediátrica
Curitiba - Agosto (data a definir)
DERMAPED - Simpósio Internacional de Dermatologia Pediátrica
Rio de Janeiro - 12 e 13 de outubro de 2015
www.dermaped2015.com.br
XIV Congresso Paranaense de Pediatria
Londrina – 12 a 14 de Novembro

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