CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO De

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CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO De
CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO
Walsir Edson Rodrigues Júnior
Advogado (www.cron.adv.br). Doutor e Mestre em Direito pela PUC Minas.
Especialista em Direito Notarial e Registral pela Faculdade de Direito Milton
Campos. Professor de Direito Civil nos Cursos de Graduação, Especialização,
Mestrado e Doutorado em Direito da PUC Minas. Professor de Direito Civil na
Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
Professor exclusivo nos cursos preparatórios para concursos públicos do Grupo
ANHANGUERA/PRAETORIUM/LFG. Membro do Instituto dos Advogados de
Minas Gerais e do Instituto Brasileiro de Direito de Família.
De acordo com a doutrina e a jurisprudência majoritárias no Brasil, a diversidade de
sexos entre os cônjuges é requisito indispensável para garantir que o ato seja existente e
válido. O Estado brasileiro não reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O
matrimônio realizado entre pessoas do mesmo sexo, casamento não é, trata-se de um ato
inexistente, incapaz de produzir os efeitos jurídicos. Essa é a posição ainda predominante
na doutrina e na jurisprudência pátrias.
A justificativa é uma só: o casamento sempre foi posto por heterossexual por ser uma
entidade familiar voltada para a perpetuação da espécie. Conforme Orlando Gomes, “o
direito de família organiza relações humanas que derivam do instinto de reprodução. É, em
síntese, a disciplina da sexualidade.”1
Os cônjuges hão de formar um casal para alcance dessa meta. O Direito Canônico disciplinou o casamento pautado, essencialmente, em três elementos: seu caráter sacramental,
a indissolubilidade e a cópula. A relação sexual entre os consortes era considerada um
dever, pois indispensável à consecução do fim maior: a procriação. Como o regime jurídico do Código Civil de 1916 foi pautado no Direito Canônico, outro não poderia ser o
entendimento: a diversidade de sexos é elemento essencial para o casamento.
Diante desse panorama, não se tem permitido às pessoas do mesmo sexo promover
escolhas que digam respeito ao seu projeto de vida, no qual se inclui, decisivamente, a formação familiar de natureza matrimonial. A pluralidade é negada pela interpretação
equivocada da organização normativa existente. Contudo, é preciso reconhecer que “só
permitindo a inclusão de projetos de vida diversos em uma sociedade pluralista é que ela
pode se autocompreender como uma sociedade democrática.”2
1
2
GOMES, Orlando. A crise do Direito. São Paulo: Max Limonad, 1955, p. 198.
GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e diferença: o estado democrático de direito a partir do pensamento de Habermas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 210.
Além disso, é consabido que a procriação não pressupõe mais a conjugalidade, nem a
sexualidade. Pode ocorrer sem estas, como na adoção ou na reprodução assistida, conjunta
ou individualmente. Em contramão, e complementarmente, também podem conjugalidade
e sexualidade se mostrarem dissociadas da procriação. Quando o sistema jurídico separa o
estado de filho do estado civil dos pais, admite isso.3 Logo, torna-se discutível a plausibilidade de se manter a heterossexualidade do casamento como uma característica realmente
elementar.
Na mesma direção, Luiz Edson Fachin considera equivocada a base de formulação
doutrinária e jurisprudencial acerca da diversidade de sexos como pressuposto do casamento. Segundo o autor, “a matéria desborda dessa seara e não pode ser vista à luz da conhecida teoria da inexistência matrimonial, na qual fortes são os preconceitos e a rigidez. Tal
argumento não pode ser subterfúgio para negar, num outro plano, efeitos jurídicos às associações afetivas de pessoas de mesmo sexo.”4
Torna-se imperioso nos dias atuais desvincular, definitivamente, o casamento civil da
religião. O Brasil é um Estado laico (art. 19 da CF/88). O art. 3º, IV, da Constituição de
1988, estabelece que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o
bem de todos, sem preconceito ou qualquer outra forma de discriminação. Parece não existir outra explicação, senão o preconceito, para impedir o casamento civil entre pessoas do
mesmo sexo.5
Mesmo que o Código Civil brasileiro vedasse o casamento entre pessoas do mesmo
sexo – o que em hipótese nenhuma pode ser verificado no texto legal –, ainda assim, diante
da Constituição de 1988, com base nos princípios constitucionais da igualdade, da não
discriminação, da dignidade da pessoa humana e do pluralismo e livre planejamento
familiar, defensável seria o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Cabe destacar, ainda, que a união homoafetiva já é reconhecida e qualificada como
entidade familiar, com consequências jurídicas idênticas a da união estável heterossexual,
em decorrência de decisão histórica proferida pelo STF no julgamento conjunto da ADPF
n. 132 e ADI n. 4277, a qual foi conferido efeito vinculante e eficácia erga omnes.
3
CF/88. Art. 227. §6º. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos
direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
4
FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. 2. ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 126.
5
Em ordem cronológica, alguns países que já regulamentaram o casamento civil entre pessoas do mesmo
sexo: Holanda (2001), Bélgica (2003), Espanha e Canadá (2005), África do Sul (2006), Noruega e Suécia
(2009), Portugal e Argentina (2010).
Logo, reconhecida a união homoafetiva como entidade familiar, não há razão para não
conferir igual proteção legal ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, pois não cabe ao
intérprete limitar a forma de constituição de uma família em razão do sexo dos envolvidos.
Felizmente, a partir do reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da união
estável entre pessoas do mesmo sexo (ADPF n. 132 e ADI n. 4277), alguns juízes, com
fulcro nos princípios da igualdade, da não discriminação, da dignidade da pessoa humana e
do pluralismo e livre planejamento familiar, vêm autorizando a conversão da união estável
homoafetiva em casamento. Além disso, utilizam como argumento o fato de o comando
emanado do Supremo Tribunal Federal determinar a aplicação à união estável entre as
pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva.
Dessa forma, a possibilidade de conversão da união homoafetiva em casamento representa
um corolário lógico. Nesse sentido, a 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso
Especial nº 1.183.378/RS, por maioria, reconheceu a possibilidade de habilitação de
pessoas do mesmo sexo para o casamento civil.